AmAzôniA ano 1000 Eu Veh Mu vivi s evs Bi Ie Mi, civiiões eeimevm Bsi um escime cuu. Cemâes s ics e s mis, em ues e um e sfsic. Só g uegi cme eci uem m esses igs hbies e bsiis.
POR EDUARDO NEVES FOTOS DE MAURÍCIO DE PAIVA
Urna UnErárIa da CUltUra GUarIta (EntrE oS SéCUloS 9 E 16), CIVIlIzação qUE VIVEU naS
o esmme eve amôi síis cm s gegis, esuus gemics eeis – ese fc óim ri Bc, ace. ai se sbe e u s gegis, ms ees vvemee em cis e hbi. os ueógs esecum ue eim se ces ô ceimiis.
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e pudéssemos voltar no tempo e visitar a Amazônia de mil anos atrás, veríamos um mundo dierente. Não haveria a grande área desmatada e ocupada por pastagens e cultivos do sul e do sudeste da região, no atual Pará. Em trechos hoje cobertos por selvas densas, se destacariam sinais claros de ocupação humana: grandes aldeias ou mesmo cidades, cercadas de áreas de roças e de matas secundárias, ligadas umas às outras por largos e longos caminhos. Em alguns locais, centros cerimoniais desenhados por alinhamentos de pedra estariam dispostos em circulos. Em pontos distantes como a ilha de Marajó é do Acre, por exemplo, aterros articiais 36
eram espaços de moradia e rituais. E, no que é a Amazônia boliviana, poderíamos contemplar um labirinto de diques, barragens e canais distribuído por milhares de quilômetros quadrados. Ao contrário da imagem corrente de que a Amazônia sempre oi indômita e escassamente ocupada, a maior oresta tropical do planeta estava, no ano 1000, repleta de sociedades indígenas. Algumas eram hierarquizadas, lideradas por chees supremos, capazes de comandar um exército de guerreiros. Outras estavam resumidas a grupos pequenos e nômades de caçadores e coletores que usavam zarabatanas para matar macacos e outros animais. Acima de tudo, tais sociedades
eram compostas de povos que alavam línguas variadas – mais dierentes entre si do que são hoje, por exemplo, o português e o russo. Em alguns aspectos, a Amazônia do ano 1000 não era dierente da Europa naquele mesmo período. O rancês Jacques Le Gof, um dos mais importantes historiadores da Idade Média, mostrou como seria possível identicar na Europa áreas de bosque entremeadas a pequenas cidades, algumas delas orticadas, conectadas por redes de caminhos em que ocorria o comércio comércio.. Mas uma dierença entre a Amazônia e o Velho Mundo era que, devido à escassez de rochas, a matéria-prima para a construção na oresta sempre oi a terra. É por isso que sítios arqueológicos com aterros ou valas são tão comuns na região. Muitos deles se encontram ainda cobertos pelas matas que cresceram de novo após o início da colonização europeia, quando houve queda brusca na população nativa por causa da propagação de doenças, da guerra e da escravidão. Uma jornada ao longo do rio Amazonas pode ser reveladora de como a população amazônica – talvez mais de 5 milhões de pessoas – desapareceu de orma abrupta: desde Macapá, perto da oz, até Tabatinga, na ronteira com a Colômbia e o Peru, no alto Solimões, despontam incontá veis sítios arqueológicos, alguns deles ocupados até o início do período colonial. Por outro lado, o número de terras indígenas nessas mesmas áreas é pequeno, com exceção da região do alto Solimões. A explicação é simples: a calha do Amazonas e do Solimões estava repleta de índios até o século 16, mas eles oram os primeiros a perecer com a colonização. Atualmente, as maiores terras indígenas no Brasil cam longe da calha do Amazonas, em locais como o alto rio Negro, Roraima, Acre, Rondônia ou o alto Xingu. a Baixa Idade Média e lutava para reconquistar a península Ibérica dos árabes, os povos da Amazônia vivenciavam, nessa mesma época, proundo lorescimento cultural. Alguns séculos antes de a Renascença surgir na Itália, cerâmicas com padrões grácos sosticados eram produzidas em Marajó e nas regiões de Manaus e Santarém – esta última, enquanto a europa vivia
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ÁREA AMPLIADA
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Legenda do mapa
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tAmAnho dA popUlAção qUe ocUpoU A região Ante AnteSS doS colonizAdoreS.
os ueógs Mue ay e Eim Si v cim escvm síi Hh, s mges Simões, e um cemii à esue e cu mis e 35 iivíus. Cm íic s síis e e e, gmes ceâmics misum-se à mi escu s. a cmsi uímic esses ss imiui su cie, vece esev e meii s gâics.
talvez, a cidade mais antiga do Brasil. A civilização marajoara protagonizou quase mil anos de história, tendo desaparecido antes da chegada dos europeus. Seu apogeu, no entanto, parece ter ocorrido ao redor do ano 1000. Esculturas de pedra eram esculpidas na oz do rio Trombetas, próximo da atual Oriximiná, onde havia também centros de produção de muiraquitãs, pequenas esculturas lapidadas em pedra polida em orma de animais ou seres humanos. No alto Xingu, grandes aldeias circulares eram construídas com urbanismo igualmente sosticado e inovador, assim como outras aldeias oresciam no Acre, marcadas com estruturas geométricas agora conhecidas como geoglios. A pesquisa em sítios arqueológicos é o caminho óbvio ao estudo dessas dierent dierentes es histórias de ocupação. No entanto, resistem no presente amazônico outras evidências, às vezes tão antigas quanto os próprios sítios, que também podem nos revelar dados sobre o passado. Um exemplo: as matas de castanhais abundantes. abundantes. Quem já andou em um castanhal sabe que essa é uma
jornada quase mística: as árvores são imensas e ultrapassam a altura média da copa da oresta, pilhas da casca da ruta da castanha (os ouriços) espalham-se pelo chão e animais como as cutias podem ser vistos correndo de um lado para outro. Uma castanheira demora décadas para crescer e começar a ruticar. Muitos castanhais têm centenas de anos de idade. Sabemos hoje que a dispersão dessas árvores ocorreu a partir de um centro original no leste do Pará. E também sabemos que existem na natureza apenas dois animais que conseguem quebrar a casca do ouriço e dispersar sua castanha: a cutia e o Homo sapiens. Assim, é certo que a dispersão dos castanhais se deu por meio da atividade humana. Ao mesmo tempo, a baixíssima variabilidade genética entre castanheiras localizadas em pontos distintos da Amazônia, como se os espécimes tivessem sido clonados, sugere que o processo de dispersão oi recente e começou 2 mil anos atrás – em sincronia com o processo de orescimento cultural, indicado nos sítios. Ou seja, castanhais são não apenas produ-
to da natureza mas também resultado concreto da presença humana ancestral na Amazônia. Entre outros sinais visíveis de atividades antigas, talvez os mais conhecidos sejam as chamadas “terras pretas de índio”, os melhores marcadores arqueológicos do surgimento de modos de vida sedentários no passado amazônico. Trata-se de solos muito érteis, de coloração escura, sobre e sob o qual normalmente se dispõem milhares de ragmentos cerâmicos. Podem ser espessos e chegar a mais de 2 metros de proundidade. Devido a sua ertilidade, as áreas de terra preta são procuradas por agricultores contemporâneos, que reconhecem suas propriedades e sabem que existem ali melhores condições de cultivo. Durante muito tempo, esses solos oram considerados “naturais” por cientistas. Apenas nos últimos 20 anos, graças às pesquisas pioneiras de Dirse Kern, do Museu Paraense Emilio Goeldi, demonstrou-se que os componentes químicos resultam de antigas atividades humanas. O osato, por exemplo, é oriundo dos ossos de animais ali depositados e dos ragmentos de carvão quei-
mados à baixa temperatura. As terras pretas têm outra propriedade: são solos estáveis, capazes de manter por décadas ou séculos condições de alta ertilidade. Essa condição é uma anomalia em contextos equatoriais, onde, devido à ação das chuvas e da evaporação, os solos não conseguem preservar por muito tempo seus nutrientes. É comum que solos tropicais sejam ácidos e pouco érteis. As terras pretas, por outro lado, têm pH quase neutro, são érteis e mantêm suas condições de ertilidade. Como explicar tal estabilidade? Não há ainda resposta satisatória, mas a cada dia ca mais claro que a concentração de ragmentos de cerâmica sustenta uma estrutura ísica – uma espécie de “esqueleto” que contribui para que o solo se mantenha estável. Arqueólogos aceitam sem grande problema a ideia de que a Amazônia oi densamente ocupada no passado e que as populações antigas da região deixaram sinais de seus modos de vida nos sítios arqueológicos e nas paisagens contemporâneas. No entanto, uma das questões mais importantes da arqueologia na Amazônia é tentar ô
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FLORESTA MANEJADA o mbiee amôi e he esu hum. áves uíes cuvm s imeiões s eis, em es bes e g.
o síi ueógic lguih, ius ui, i hbi e mes ês sciees isis ee s s 400 e 1300. as sciees môics ssuím isiui íic Es, ms hvi gus e chef e giões e e ieees s uis mes cieis – em em ge mis ibeis e iguiis. os vs vivim siuões sciis gôics, cm gues ee gus ômes e seeis.
PALIÇADA Vesígisecs s escvões – mchs escus s – iicm eisêci e um i eesiv cms e cs e ve.
ATERROS d ih e Mó ace, em csuís mícus e e e es e ceâmic, ue sevim suse mis.
VÁRZEA DE RIO o s i s cheis emii gicuu iesiv,, ssim cm iesiv e vei ic e e eí vi u uic.
ARTE CORPORAL piussfsics cihm eeseõe eeseõess sciis – cm e eece cs, e gu e e e e e
artE dE EBEr EVanGElISta; ConSUtorIa dE lUIz IrIa ESta IlUStração oI rECrIada CoM BaSE na planta topoGráICa E na loCalIzação dE VEStÍGIoS
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descobrir o tamanho da população que ocupou Todavia, a descoberta é em si uma notícia maraa região antes da chegada dos colonizadores por- vilhosa. Esse é justament justamentee um dos objetivos da tugueses e espanhóis, no século 16. Essa área de etapa de escavação: identicar e escavar vestígios pesquisa é chamada de paleodemograa. de supostas moradias no sítio arqueológico Laguinho, algo que nos ajudaria a ter uma ideia da “são manchas escuras no meio da terra cla- população local mil anos atrás. ra”, escuto. Estou em São Paulo e, pelo teleone, O sítio Laguinho sempre me impressionou. analiso a descrição que meu aluno az do sítio na Nós já havíamos escavado ali em outras oporcidade de Iranduba, perto de Manaus. “As man- tunidades, ao lado de outro orientando, Márchas estão alinhadas e dispostas no solo como cio Castro. É um sítio de 25 hectares sobre um buracos de postes”, continua ele. O jovem arqueó- barranco com mais de 30 metros de altura que logo Eduardo Kazuo Tamanaha, que coordena as despenca sobre dois lagos da várzea na margem escavações, imagina ver vestígios de uma casa. esquerda do rio Solimões, no Amazonas. O lugar Descono: essas casas não poderiam ter a estru- é lindo, e o melhor período para as escavações tura alinhada na orma como ele me descreve... é o seco mês de julho. A descoberta de Tamanaha
com pAdrõeS gráic gráicoS oS SoiSticAdo SoiSticAdoSS já erAm prod prodUzidAS UzidAS nA AmAzôn AmAzôniA. iA. oi inspiradora. Em julho de 2009, ui a campo acompanhar os trabalhos. Reuniam-se ali mais de 30 estudantes do Brasil e do exterior, distribuídos em dierentes partes do sítio. Laguinho é tão grande e complexo que certamente voltaremos muitas vezes para lá. Seu perímetro está atualmente recoberto por uma plantação de mamão, além de pomares e áreas de mata. O lugar é como um mirante, de onde se veem o Solimões e seus baixios alagados. As várzeas de um rio de águas brancas como esse são ricas em peixes, pássaros e répteis. Os habitantes de Laguinho se apro veitavam dessa artura de recursos, agora visível nos ossos de animais achados nas escavações. Estar no alto do sítio Laguinho sempre me inspira a visualizar o passado. A imaginação voa longe. Na época de sua ocupação, os lagos que o cercam estavam todo o tempo cheios de canoas, com pessoas partindo ou chegando de suas roças ou de visita a outras aldeias na região. Nos caminhos que levavam da beira dos lagos ao alto do morro onde ca o sítio, homens e mulheres subiam e desciam carregando peixes, cestos com rutas – o açaí já era extraído – e animais caçados. Na parte alta, crianças corriam de um lado para outro, sujando seus pés na terra preta do chão. Vestígios indicam que o sítio oi ocupado por pelo menos três povos, em intervalos distintos, do ano 400 ao 1300. A parte mais densa, a extremidade sul, ca em uma península: ali ainda há muitos ragmentos de cerâmica, visíveis até na superície. E vários aterros articiais, que chegam a quase 3 metros de altura, os quais serviam de base para a construção de malocas onde vi viam amílias. Em 2006 e 2007, nós já havíamos estudado essas partes do sítio e, em 2009, decidimos escavar a área ao norte do istmo, onde a concentração de cerâmica é menor. O objetivo era entender o tamanho das casas para ter uma ideia do tamanho da população dessa pequena cidade. Foi quando Tamanaha encontrou a paliçada deensiva que me ez lembrar as cidades orticadas da Europa. Com a descoberta do alinhamento de manchas de buracos de postes no sítio Laguinho, parecia que, nalmente, identicaríamos sinais de casas ocupadas na perieria da cidade. Isso
demonstraria certa estratiicação social entre os ocupantes do sítio. Nas semanas subsequentes, continuamos a escavação e vericamos que o alinhamento era maior do que pensávamos: ao m dos trabalhos, ele tinha mais de 40 metros de comprimento e atravessava um istmo que conecta a área central do sítio, que está numa península, à terra rme. Ou seja, o alinhamento não era de uma casa, mas sim de uma paliçada deensiva, uma cerca de madeira que echava e protegia a área central da antiga aldeia. Como sempre ocorre na arqueologia, procurávamos uma coisa e encontramos outra, dierente. Os dados obtidos no sítio Laguinho, por sua vez, devem ser combinados com os obtidos nos mais de 100 sítios já identicados pelo Projeto Amazônia Central, coordenado por mim, para que possamos esboçar um quadro paleodemográco mais elaborado da região. Eles indicam, conorme a escavação de vestígios de paliçadas similares de outros sítios, que a época do ano 1000 oi marcada por conitos nessa área. ao oceano Atlântico, perto do qual s e localizam importantes centros cerimoniais – caso do Rego Grande, no Amapá –, erigidos centenas de anos antes da catedral de Notre-Dame, em Paris, o rio Amazonas se transorma em uma via uvial altamente ocupada. Ao longo da desembocadura do rio Tapajós, ao redor do ano 1000, no mesmo local em que hoje está Santarém, havia talvez outra cidade, parcialmente destruída pelo próprio crescimento de sua equivalente moderna. Se pensarmos sob esse aspecto, Santarém é a cidade mais antiga do Brasil e talvez a única cujas origens remontam a nossa história pré-colonial. Nesse sentido, ela se junta à companhia ilustre de Cusco, no Peru, antiga capital do Império Inca, ou da Cidade do México, erguida sobre a Tenochtitlán dos astecas. As semelhanças com essas duas cidades, no entanto, dizem respeito a suas histórias: Cusco e Tenochtitlán eram capitais de impérios ou Estados centralizados que abrigavam a nobreza, os sacerdotes e uma burocracia organizada. Esse não oi o caso de Santarém. Até o momento, não se identicaram ali, ou em qualquer da amazônia central
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A Socie SociedAde dAde modernA não deScob deScobriU riU A órmUlA qUe repro reprodUzA dUzA
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Cbcs amôi chem u gu cim e h iv à iei. o ccu, mic, cuuu, ime e csh s us eems e s ecmicmee ecmicmee imes ue m mesics es igs. as ms em mes e g – es e he u ess ivie eeci g e miêis.
outro lugar da Amazônia, estruturas que indicassem algum grau de centralizaçã centralizaçãoo política ou desigualdade social compatíveis com Estados ou impérios. Mesmo assim, a arqueologia de Santarém mostra um registro bem dierente que a hipótese de limitações ecológicas nos levaria a supor: as populações que ali viviam, conhecidas como tapajônicas, permaneceram séculos no mesmo local. Eram, portanto, sedentárias. Embora em estilo dierente, os tapajônicos produziram cerâmicas tão sosticadas quanto as marajoaras. Nessa mesma região, na margem oposta do rio Amazonas, próximo às cidades de Óbidos e Oriximiná, perto da oz do rio Trombetas, há sítios onde se encontraram cerâmicas parecidas, embora não idênticas, às tapajônicas. Esses sítios são, também, ricos em outros achados: raríssimas estatuetas de pedra polida, de até 50 centímetros de altura, com representações de seres humanos e animais, sugerindo algum tipo de transe xamânico. Restam poucas estatuetas desse tipo conhecidas. Algumas estão em museus brasileiros, como o Emilio Goeldi, 46
em Belém, o Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e o de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. A maior coleção, ou talvez a mais bela, está longe do Brasil, embora muito bem guardada – no Museu das Culturas do Mundo de G otemburgo, na Suécia. Foram coletadas e enviadas para lá na década de 1920 pelo etnólogo alemão Curt Nimuendajú. As estatuetas da região de Oriximiná, além de sua beleza, têm outro atributo intrigante: a orte semelhança com as estruturas megalíticas encontradas na região de San Augustín, nos Andes colombianos. San Augustín ca a milhares de quilômetros de Oriximiná, embora se encontre tecnicamente próximo às cabeceiras do rio Caquetá, um auente do rio Solimões. As estátuas de San Augustín são grandes, podem ter 2 metros de altura. Como explicar tais semelhanças, uma vez que nada parecido oi encontrado ao longo dos rios Caquetá, Solimões e Amazonas? Até o momento, o tema não oi estudado com cuidado. As semelhanças indicam uma possibilidade interessante: o ato de que, nos últimos
séculos anteriores à colonização europeia, ocor- Em Caral, o centro cerimonial mais antigo das ria intensa circulação de ideias, pessoas e b ens Américas, no litoral do Peru, construído cerca de atravessando ronteiras culturais, políticas e ét- 5,5 mil anos atrás, dispõe-se uma série de esnicas pela América do Sul. As semelhanças na truturas monumentais de pedra – evidências de iconograa de objetos produzidos em locais tão agricultura no vale do rio Supe, próximo do qual distantes poderiam ser entendidas com base nes- está o sítio –, mas não há cerâmica associada. sa hipótese. Fora da Amazônia, no sul do Brasil, é sabido que aventureiros portugueses, como até hoje é difícil plantar na Amazônia. Aleixo Garcia, ainda no século 16, acompanha- Quando se pensa na agricultura pré-colombiana, ram índios guaranis em ataques a guarnições é comum que se esqueça de um aspecto tecnoincaicas no distante território da atual Bolívia. lógico undamental: não havia instrumentos de É também na região de Santarém que se en- metal para a derrubada de áreas de cultivo. Todo contraram o que talvez sejam as cerâmicas mais o trabalho de derrubada, limpeza, preparação antigas das Américas, nos sítios de Taperinha e cultivo era eito com objetos de pedra lascada e da Caverna da Pedra Pintada, com datas que ou polida, madeira, mãos e ogo. podem chegar a 6000 a.C., mais antigas que as Estudos comparativos realizados por antropóencontradas na oz do Amazonas. Tradicional- logos mostram que o investimento de tempo na mente, arqueólogos correlacionam o início da derrubada de árvores com machados de pedra é produção cerâmica com o advento da agricultu- muito superior ao eito com machados de metal. ra. Na América do Sul, tal correlação não é tão Assim, az sentido pensar que os assentamentos simples: na Amazônia e em outras partes, parece indígenas da Amazônia pré-colonial eram estáclaro que o início da domesticação de plantas veis e sedentários. Os dados do Projeto Amazôantecedeu o início da produção de cerâmica. nia Central corroboram essa hipótese. Datações ô
pArA A ArqUeo ArqUeologiA, logiA, SAntAr SAntArém ém é A cidAde mAiS AntigA do brASil,
com origenS pré-coloniAiS. é A noSSA cUSco, A noSSA cidAde do méxico. Cis bicm cm gmes ceâmics em piis, ams – muis cmuies se isusem sbe síis ueógics. os esus em cus amôi em ms um imôi eii ei i e vs ue subem cu es miêis e mei suseve.
por carbono 14 realizadas em escavações de dierentes sítios mostram que alguns oram ocupados por séculos, aparente aparentemente mente de maneira contínua. Nada, portanto, mais distante da imagem de que tais sítios teriam sido ocupados por populações nômades com grande mobilidade. Os povos antigos da Amazônia tinham consciência da alta ertilidade dos solos de terra preta. Todavia, Todavia, em muitos sítios arqueológicos tais solos estão associados apenas a áreas de habitação, não de cultivo. Isso quer dizer que, em vários contextos, as terras pretas não eram utilizadas na agricultura, pelo menos não na intensiva. Se esses solos eram érteis, mas não 48
aparentemente usados na agricultura, como aparentemente explicar sua ormação e posterior uso? Talvez a melhor hipótese seja a de que as terras pretas se constituíram como consequência de um processo de mudança que teve a ver com o estabelecimento da vida sedentária na bacia Amazônica. Tal Tal processo ocorreu, ao longo da calha do Amazonas, há cerca de 2 mil anos, que é a idade dos sítios com terras pretas mais antigas nessa área. No entanto, há locais da Amazônia onde elas são ainda mais velhas, como a bacia do alto Madeira, em Rondônia. Nessa região, o pesquisador Eurico Miller escavou depósitos de terras pretas, datados em 4,5 mil anos, asso-
ciados a camadas arqueológicas com abundantes vestígios de lâminas de machado de pedra polida. A presença das lâminas indica aumento na derrubada de árvores e abertura de clareiras, isto é, ações de manejo mais intensas da oresta. A associação desse tipo de arteato com a ormação de terras pretas mostra que nessa época ocorreu ali um processo de sedentarização que depois se espalhou por outras áreas da Amazônia. É possível que não seja coincidência que a bacia do alto Madeira tenha sido também a área de domesticação de plantas economicamente importantes, como a mandioca e a pupunha, bem como o centro de origem e dispersão dos grupos
alantes de línguas da amília tupi-guarani, dentre os quais os tupinambás e os guaranis que ocupa vam o litoral atlântico e o sul do país na época do início da colonização europeia. Se as terras pretas não oram intensamente cultivadas, temos então um paradoxo interessante, que diz respeito às visões construídas pela ciência e pelo senso comum ao longo dos anos acerca da Floresta Amazônica e de seus povos. Tais visões são baseadas em perspectivas de escassez: na Amazônia ancestral, a ausência do Estado, da agricultura e da centralização política oi interpretada por muitos arqueólogos como indicador de uma história incompleta – como se as sociedades indígenas da Amazônia ossem i ntelectualmente incapazes se comparadas a outras sul-americanas, como aquelas que, por exemplo, ocuparam os Andes centrais. No entanto, o rico legado artístico que essas sociedades nos deixaram, visíveis nos arteatos que produziram, mostra que essa perspectiva está errada. Uma herança ainda mais rica pode ser apreciada no estudo de suas práticas de vida milenares, estáveis e bem adaptadas às condições ecológicas complexas da Amazônia. Nossa sociedade, apesar dos avanços tecnológicos admiráveis que tem alcançado, não descobriu ainda uma órmula que reproduza, com o mesmo sucesso, certas ormas sosticadas de conhecimento, hoje enterradas nos sítios arqueológicos da região. As terras pretas ocultam um tesouro de inormações sobre os modos de vida ancestrais, além de outros sinais mais sutis do processo de ocupação dos sítios. Para entender esses sinais, serão necessários ainda muitos anos de pesquisas na Amazônia. Rios inteiros, como o Juruá, mal oram estudados. À medida que as pesquisas avancem, novas surpresas sobre o passado surgirão. Porém, apesar do ritmo lento com que trabalham em campo, escavando sepultamentos ao longo de dias sob o sol escaldante dos trópicos, arqueólogos na Amazônia apostam agora uma corrida contra o tempo: a velocidade renética de ocupação da região coloca pressão sobre o patrimônio arqueológico. A ocupação desenreada da Amazônia pode destruir não só o seu uturo mas também o seu passado. j ô