As referências mencionadas nesse breve trabalho estão relacionadas à disciplina da História, seu contexto e sua didática. Circe Maria Bittencourt, em seu livro Ensino de história: fundamentos e métodos, faz uma análise da disciplina escolar de modo geral e da história, como também dos componentes das disciplinas, o papel do professor e as aproximações e distanciamentos da escola com o conhecimento acadêmico. Oldimar Cardoso procura definir o conceito de Didática da História pautando discussões com a bibliografia sobre o tema, a partir de contribuições alemãs, francesas e brasileiras. E, Selva Guimarães Fonseca, realiza um percurso histórico sobre a disciplina de história e da humanidade, nas últimas décadas do século passado, dialogando sobre as dificuldades e as organizações curriculares na ditadura militar brasileira e na posterior redemocratização. redemocratização. Todas essas discussões giram em torno do que conhecemos por " cultura escolar ". ". Fonseca aponta para importância do diálogo sobre a produção e as relações entre universidades e ensino básico:
"As mudanças operadas no ensino de história nas últimas décadas do século XX ocorreram articuladas às transformações sociais, políticas e educacionais de uma forma mais ampla, bem como àquelas ocorridas no interior dos espaços acadêmicos, escolas e na indústria cultural [...] discutir o ensino de história, hoje, é pensar os processos formativos que se desenvolvem nos diversos espaços, é pensar fontes e formas de educar cidadãos, numa sociedade complexa marcada por diferenças e desigualdades" (FONSECA, (FONSECA, 2008, p. 15).
Bittencourt descreve duas concepções de disciplina escolar. A primeira seria uma "transposição didática", que se caracteriza, para alguns autores franceses e ingleses, como Yves Chevallard, como decorrência das ditas ciências eruditas de referência, ou seja, da academia. Nesse sentido, a disciplina escolar é dependente do conhecimento científico que é "transposto" para as escolas por uma "boa" didática. Outra questão seria a hierarquia dos conhecimentos, bem clara nessa visão, numa escala de inferioridade da escola. Nessa concepção, a escola é um lugar de recepção e reprodução do conhecimento externo, externo, e, o professor,, mero reprodutor. Ao contrário desta tendência, há a disciplina como entidade professor específica, defendida por autores, como Ivor Goodson e André Chervel. Para eles, ao invés da "transposição", a disciplina se constitui por uma rede de conhecimentos que pauta diferenças entre as formas de conhecer científica e escolar. A disciplina escolar se relaciona com seu papel de instrumento de poder em determinados setores da sociedade, seja na compreensão do papel da escola ou da manutenção de privilégios sociais. Nesse sentido, a cultura escolar abarca as disciplinas a partir de objetivos próprios.
"A seleção dos conteúdos escolares, por conseguinte, depende essencialmente de finalidades específicas e assim não decorre apenas dos objetivos das ciências de referência, mas de um complexo sistema de valores e de interesses próprios da escola e do papel por ela desempenhado na sociedade letrada e moderna" (BITTENCOURT (BITTENCOURT,, 2004, p. 39).
São assim estabelecidas as finalidades de cada disciplina com determinados conteúdos explicitados e métodos definidos para apreensão e avaliação da aprendizagem. No que divergem
as disciplinas escolares das científicas, a autora cita Goodson. Para este, nas escolas primárias e secundárias se utiliza o termo "matéria", apesar de aparecer "disciplina escolar" em documentos oficiais; já nos cursos superiores, o termo usado é "disciplina" composta por diversas "matérias". Outro ponto de destaque são os objetivos de cada ensino. Na academia, visa-se formar um profissional especialista . Na escola, visa-se formar um cidadão que necessita de um conhecimento básico para situar-se no mundo que vive. Por outro lado, no caso da História, encontramos aproximações entre as disciplinas. Por exemplo, a divisão da História em grandes períodos para organizar os estudos escolares afetou as divisões das disciplinas históricas universitárias. Como aponta Cardoso, através de Chervel, a cultura escolar não é apenas uma simplificação do saber erudito, mas que esta criou muitos saberes para ela mesma e para a academia ao longo do tempo. O autor cita os exemplos de Ésquilo e da ortografia francesa, este último também usado por Bittencourt, que basicamente refletem a influência dos saberes escolares nos científicos. Bittencourt, ainda, chama atenção ao papel do professor na formação das disciplinas através de sua ação, pois este é o sujeito principal na articulação do currículo real posto em prática. É quem transforma o saber a ser ensinado em saber aprendido. Com a frequente especialização de professores, os mesmos buscam sua identificação em associações, que acabam influenciando a construção de currículos no país. Como aponta Fonseca, o professor é um dos elementos mais importantes do processo de realização de um projeto educacional. Em seu histórico sobre a disciplina de história, a autora aponta os desdobramentos da política de ensino na ditadura e após o regime, no Brasil:
"Evidentemente, os princípios de segurança nacional e desenvolvimento econômico norteadores da política educacional da ditadura militar chocam-se com o princípio de autonomia do professor, e o Estado passa a investir deliberadamente no processo de desqualificação/requalificação dos profissionais de educação. [...] o Estado passa a se preocupar com a necessidade de revigorar o ensino de educação cívica pela ótica da doutrina de segurança nacional, havendo, como contrapartida, a descaracterização e o esvaziamento do ensino de história nas escolas" (FONSECA, 2008, p. 19-21).
Nesse sentido, era exercida, durante a ditadura, uma forte pressão sobre a produção e a liberdade da cultura escolar a partir do controle das disciplinas humanísticas com ênfase na educação moral e cívica, e por outros mecanismos, privando o saber escolar, como também, o erudito científico das universidades. A implantação de licenciaturas curtas e o crescimento da rede privada são exemplos disso. Com a reformulação de currículos na maioria dos estados brasileiros, no período de redemocratização política, tivemos algumas mudanças significativas no ensino, apontadas por Fonseca, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e os Parâmetros Curriculares Nacionais. Consoante ao conceito de cultura escolar que os autores abordados aqui utilizam, principalmente baseado em André Chervel, Cardoso aponta para importância da Didática da História, sendo esta não somente um facilitador de aprendizagem. Os professores e outros profissionais como
museólogos, cineastas, jornalistas etc., que trabalham com a cultura histórica, utilizam os conteúdos históricos em suas produções. E, essas produções estão presentes nas mãos dos próprios professores e como referências dos alunos no ensino.
"[...] a Didática da História como uma disciplina que tem por objeto de estudo todas as elaborações de História sem forma científica [...] não estuda apenas o ensino e a aprendizagem da História escolar, mas todas as expressões da cultura e da consciência históricas que circulam dentro e fora de escola" (CARDOSO, 2008, p. 165-166).
A Didática da História busca compreender a cultura e a consciência histórica na sociedade como um todo. Esse espaço não se restringe somente às aulas de História, mas em outras formas de conhecimento como filmes, livros, peças de teatro etc. Nesse sentido, tal didática apontada contribui como mais um fator de autonomia considerável da cultura escolar ao saber universitário. Assim, as discussões apontadas nesse breve trabalho se destacam como contribuições sobre a importância do saber escolar e as suas aproximações e distanciamentos com o saber acadêmico. O conceito de cultura escolar utilizado reflete as dinâmicas e as potencialidades escolares como meio de produção do conhecimento, que não apenas recebe conteúdos universitários, mas que influencia este segundo também. Cada meio tem sua finalidade, objetivo, métodos e públicos diferenciados.