Bantos, malês e identidade negra
Coleção Cultura Negra e Identidades
Nei Lopes
Bantos, malês e identidade negra 1ª reimpressão
Copyright © 2006 by Nei Lopes COORDENADORA DA COLEÇÃO
Nilma Lino Gomes CONSELHO EDITORIAL
Marta Araújo – Universidade de Coimbra; Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – UFSCAR; Renato Emerson dos Santos – UERJ; Maria Nazareth Soares Fonseca – PUC Minas; Kabengele Munanga – USP PROJETO GRÁFICO DA CAPA
Patrícia De Michelis EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Tales Leon de Marco Waldênia Alvarenga Santos Ataíde REVISOR
Alexandre Vasconcelos de
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Lopes, Nei L864b
Bantos, malês e identidade negra / Nei Lopes . 1. reimp. — Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008 . 224 p. — (Cultura Negra e Identidades) ISBN 978-85-7526-215-3 1.Antropologia-Brasil. 2.Cultura negra-Brasil. I.Título. II. Série. CDU 572.9(81)
ADVERTÊNCIA
Neste livro, principalmente na parte consagrada aos Bantos, o leitor especializado na matéria poderá se surpreender com a grafia de boa parte das palavras. Isso porque as línguas africanas hoje se escrevem segundo critérios estabelecidos por convenções nacionais ou internacionais. Em Angola, por exemplo, várias línguas ( Kikongo, Kimbundu, Umbundu, Cokwe, Mbunda e Oxykwanyama ) já se grafam através de alfabetos criteriosamente estabelecidos pelo Instituto Nacional de Línguas. Assim é que o antropólogo angolano Henrique Abranches, no glossário de seu romance A Konkhava de Feti (União dos escritores Angolanos, 2ª ed., 1985) reclama: “A etnologia oficial portuguesa escrevia tudo de forma aportuguesada, dando exotismos como ‘cuanhama’, ‘quioco’, ‘amboela’, indo mais longe, usando até o adjetivo Banto (masc.) e Banta (fem.).” Mas é o mesmo Henrique Abranches quem, desta vez no número de estréia (1º semestre de 1984) da revista Muntu, editada pelo CICIBA, na República do Gabão, escreve: “A melhor forma de representação fonética dos nomes dos grupos étnicos, uma vez que a conceptualização dos mesmos implica um processo de abstração, seria a de utilizar apenas o radical da palavra eliminando-lhe o prefixo que a pessoaliza. [...] Seja como for, um dia virá em que num discurso de língua portuguesa todas as palavras serão aportuguesadas sem o complexo de ferir susceptibilidades veracistas ou genuístas, da mesma maneira que em português se diz ‘alemão’ e não ‘deutsch’, ‘russo’ e não ‘rusky’, como muitas pessoas o defendem já.” Lembramos, então, que este livro não tem critérios rigidamente estabelecidos quanto à grafia das vozes africanas, principalmente bantas, aqui apresentadas. Optamos pela compreensão mais fácil e pela consagração
do uso. Porque, mais que rigor lingüístico, o que aqui se quer é a reparação de uma injustiça histórica, para o resgate da identidade dos descendentes dos africanos que forjaram a Nação brasileira. Quanto à grafia “Islão”, embora menos usada no Brasil que “Islã”, foi adotada, por preferência do professor João Baptista Vargens, especialista em língua árabe, desde o nosso primordial Islamismo e negritude , texto de 1982. O autor
SUMÁRIO
AO
LEITOR....................................................................................
9
OS
MALÊS
.................................................................................
11
O Islão: nascimento e expansão...............................................
15
A África................................................................................
18
A África antes do Islão...........................................................
20
Kasson e Djolof.....................................................................
22
Gana, Mali, Songai e Kanem....................................................
23
Ifé, Oyó e Benin........................................................................
27
O Islão na África...................................................................
30
A fase Berbere.......................................................................
32
A fase Mandinga....................................................................
33
A fase Songai...............................................................................
35
O interlúdio Bambara...............................................................
38
A fase Peule...........................................................................
38
O Islão e o tráfico de escravos..................................................
41
O Islão e a religião tradicional..................................................
48
O Islão Negro no Brasil...........................................................
55
Os malês e as revoltas negras na Bahia...................................
70
Os malês e a auto-afirmação do negro brasileiro......................
82
..................................................................................
89
Equívocos e preconceitos.........................................................
93
Origens e localização..............................................................
95
Na costa e nos sertões do leste..............................................
109
No rio Congo.........................................................................
115
No Cuanza e no Congo............................................................
125
Jagas, balubas e outros bantos................................................
136
O saber e o espírito entre os bantos..........................................
143
África-Brasil-África..................................................................
158
Principais quilombos brasileiros..................................................
165
Reis, guerreiros e foliões............................................................
174
Santos, inquices e antepassados...................................................
191
As línguas bantas e o português no Brasil...................................
196
CONCLUSÃO – A QUESTÃO NEGRA NO BRASIL.......................................
203
REFERÊNCIAS....................................................................................
213
OS
BANTOS
C OLEÇÃO CULTURA NEGRA E IDENTIDADES 8
AO LEITOR
Este livro, desde sua primeira versão, procura mostrar dois aspectos do preconceito anti-negro embutido na historiografia brasileira anterior à década de 1970. O primeiro é a exaltação do segmento arabizado da população cativa, tido como o escol da massa escrava no Brasil, pintado sempre como altivo e insubmisso, em geral letrado, embora constituindose em ínfima minoria e praticando, como sabemos, um islamismo constantemente impregnado de práticas ancestrais negro-africanas, aquelas tidas como “fetichistas”. O segundo é a negação da importância cultural do segmento banto na formação brasileira, apesar de sua relevância, pela anterioridade de sua presença e pelo número vultoso de sua entrada nos portos brasileiros, por mais de 300 anos, além de sua dispersão forçada por quase todo o território nacional, em obediência aos sucessivos ciclos econômicos. O escravismo brasileiro foi eminentemente banto, como prova a presença afro-originada principalmente na música, nas danças dramáticas, na língua, na farmacologia, nas técnicas de trabalho e até mesmo nas estratégias de resistência aqui desenvolvidas, como nos casos exemplares dos quilombos e das irmandades católicas. Mas a historiografia anterior à década de 1970, de um modo geral, procurou negar essa hegemonia. E, a nosso juízo, o fez com um objetivo definido: o de negar importância à regra, à maioria, mitificando positivamente, de certa forma, apenas a exceção. Daí, o “negro tu”, sempre submisso e imbecilizado, contraposto ao “malê” ou “mina”, generalizadamente mostrado como rebelde, altivo e letrado. Essa falácia chegou até nós. E repercutiu seriamente na tentativa de reconstrução identitária da militância negra a partir da década de 1970. E BANTOS , MALÊS E IDENTIDADE NEGRA 9
é isto que este livro, dentro das modestas possibilidades de seu autor, em 1987, quando concluída sua primeira versão, procurou mostrar. Após a publicação da edição revista e aumentada do livro Rebelião escrava no Brasil, do historiador João José Reis, em 2003, acreditamos que quase mais nada restou a dizer sobre o episódio da presença dos negros malês no Brasil. De nossa parte, após a publicação da primeira edição do nosso Bantos, malês e identidade negra travávamos contato, entre outros, com o livro Les Bantu; langues, peuples; civilisations, do historiador e lingüista congolês Théophile Obenga, que veio consolidar e atualizar nossas pesquisas sobre o universo banto no continente de origem. Por outro lado, a demanda suscitada pela lei que em boa hora estabelece a inclusão de conteúdos de história africana e afro-brasileira nos currículos escolares motivou esta segunda edição de nosso livro, lançado em 1988. Nela, notadamente na parte relativa aos Bantos, procuramos corrigir e atualizar algumas informações. Na que se refere aos Malês, como nada há a acrescentar – repetimos – depois do excelente trabalho do professor Reis, fizemos apenas alguns ajustes, mais de forma que de conteúdo, o mesmo ocorrendo na Conclusão. Assim, o leitor tem em mãos uma nova edição do Bantos, malês e identidade negra, a qual, entretanto, permanece fiel em sua proposta de mostrar duas pontas do emaranhado novelo racista que envolve o olhar sobre o negro, africano ou afro-descendente no Brasil. Esperamos que, ao lado das outras obras que escrevemos e publicamos de 1988 até aqui, este livro seja útil na construção ou na consolidação de uma auto-estima positiva no espírito dos leitores afro-descendentes, até a final erradicação do insidioso e renitente racismo que sistematicamente exclui os brasileiros de origem africana dos espaços de excelência e, conseqüentemente, das esferas de decisão e Poder em nosso país. O autor
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