A VE DADE SOBRE
ISRAEL
Novas descobertas de cientistas reescrevem a história da Terra Prometida
HISTÓRIA HOJE A escravidão ainda resiste no planeta, afirma estudo internacional AGENDA
O começo e o fim do AI-5
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AlMANAQUE COMO FAZíAMOS
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Temperos ARTE & HISTÓRIA
A Pequena Sereia LISTA
Aventureiros desastrados BRASÕES E BANDEIRAS
Asuástica LINHA DO TEMPO
Império Britânico HISTÓRIA MALUCA
Terra de dragões HISTÓRIA ILUSTRADA
Navio tartaruga coreano ARQUEOLOGIA
DO FUTURO
Neuromancer RETROTECH
O Turco jogador de xadrez
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REPORTAGENS CAPA
As origens de Israel JEsuíTAS
A Igreja no Brasil colônia NELLlE BLY
Uma mulher dá a volta ao mundo PIADAS
O humor soviético contra o poder TERREMOTO
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Lisboa treme e afeta a Europa
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Luzes sobre a esquerda armada HISTÓRIAS
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Abril
EDITORA ~ Fundada
em 1950
VlcroRClVITA (1907-1990)
FELIZ
2014
equiPe responsável pela AVENTURAS NA HISTÓRIA tem muito a comemorar pelos doze meses que estão chegando ao fim. A revista completou dez anos acompanhada de um grupo de leitores fiéis que não deixa nada escapar a seus olhos e nos ajuda a melhorar a cada edição. Neste ano, mudamos o projeto gráfico, criamos novas seções, migramos nossa comunidade do antigo Orkut pará o Facebook. A edição de aniversário, em agosto, teve a maior venda em bancas da revista desde 2009. Os índices de satisfação de nossos assinantes com o conteúdo da revista estão elevados. Uma pergunta que pede a opinião do leitor sobre se a revista que ele tem em mãos está melhor que a anterior, feita a cada nova edição, sempre supera o índice de 80% de sim. Acontece que, para nós, em time que está ganhando se mexe, sim. Nosso compromisso é buscar a superação a cada edição. Isso envolve escolher pautas relevantes, curiosas e apaixonantes. Zelar pela qualidade do que se publica, embalar as palavras no design mais inteligente que formos capaz de criar ... enfim, queremos melhorar, sempre. Por causa disso, teremos muito trabalho em 2014. O que nos inspira é saber que você estará ao nosso lado. Não só para falar bem. Mas para criticar, apontar caminhos, reclamar, sugerir. Uma grande revista se faz com grandes leitores. E isso, temos certeza, nós já temos.
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Um feliz
2014
e boa leitura.
ROBERTO CIVITA (1939-2013)
Victor Civita Neto (Presidente), Thomaz Souto Côrreajvíce-Presldente), Elda Müller, Fábio Colletti Barbosa, [airo Mendes Leal, José Roberto Guzzo Presidente: Fábio Colletti Barbosa Vice-presidente de Operações e Gestão: Marcelo Bonini Diretor de Assinaturas: Fernando Costa Diretora de Recursos Humanos: Cibele Castro Conselho Editorial:
Adjunto:
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Diretora de Redação:
Patrícia Hargreaves
Diretora-Superintendente: Diretor
Colaboraram nesta edição: Luciana Porto Alegre Steckel (arte), Wagner Guücrrez Barreira (editor - C8GB Serviços de Comunicação e Editoração Uda) e Victor Bianchin Coordenação Administrativa: Crísüane Pereira e Deborah Souza Silva, Grace Kelly Alves (aprendiz) Atendimento ao leitor: Adriana Meneghel.loe Walkiria Giorgino cn-UN 11: Eduardo Blanco INTERNETNÚCLEOJOVEM & INFANTILEditor Assistente: Mariana Nada! Repórteres: Ana Prado, Ludmilla Balduino e Otavio Cchen Designers: Alexandre Nacari, Juliana Moreira e Lacra Rittmeister Animação: Feiipe Thiroux Webmaster: Cah Felix e Thiego Moura Estagiârios: Carolina Vellei, Carolina Vilaverdee lacas Massao Analista de redes sociais: Lorena Dana PUBLICIDADE SEGMENTADAS - Diretor de publicidade UN SEGMENTADAS: Rogério Gabrtel Comprido Diretores: Roberto Severo, Willian Hagcpían Gerentes: Fernanda Xavier, Fernando Sabadín, Ana Paula Moreno, Cletde Gomes Executivos de Negócios: Adeiana Marfins, Camila Roder Carolina Brust, Cétia Valese, Cida Rogiero, Cintia Oliveira, Fernanda Meio, Juliana Compagnoni, João Eduardo, Juliana Chen Sales, Kaue Lombardí.Lucta H. Messias, Luis Pemando Lopes, Maria Veloso, Mauricio Ortiz, Michele Brito, Rebeca da Cosia Rix, Renato Mescarenhas, Roberla Maneiro, Shirlene Pinheiro. Suzana Veiga Carreira, Vera Reis de Queíroz, Ana Paula Viegas, Daniela Serafim, Fâbio Sanlos, Camila Folhas, Regina Maurano, Maria Lucia Vieira Strotbek. Marcus Vinicius Souza, Pabícla Granjas, Rodrigo Rangel, Leandro Thales, Luis Auguslo Dias Cesar, Sérgio Albino MARKETING- Diretor de Marketing: Paulo Camossa Diretores: Loutse Faleiros, Wagner Gorab ESTRATÉGIADIGITAL:Diretor: Guilherme Werneck PUBLICIDADEREGIONAl- Diretor: [acqucs Ricardo Gerentes: Ivan Rtzental.Ioão Paulo Pizarro, Kiko Neto, Mauro Sannazzaro, Sonia Paula, Vania Passalongo PUBLICIDADEINTERNACIONAL:Alex StevensASSINATURAS Gerentes: Alessandra Pallís. Andréa Lopes. APOIO - PLANEJAMENTO CONTROLE E OPERAÇÕES - Gerente: Marina Bonagura PROCESSOS - Gerente: Ricerdc Carvalho DEDOC E ABRil PRESSGracede Souza PESQUISA EINTELlG~NCIADEMERCADO: Andrea Costa RECURSOS HUMANOS Gerente: Daníela Rubim TREINAMENTO EDITORIAL:Edward Pimenta REDAÇÃO E CORRESPOND~NCIA: Av. das Nações Unidas, 7221, 14 andar, Pinheiros, São Paulo, SP, CEP 05425-902, tel. (11) 3037-2000. Publicidade São Paulo e informações sobre representantes de publicidade no Brasil e no Exterior: www.publíabrtl.com.br
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I AVENTURAS
NA HISTÓRIA
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DAS SESSOES DE INE A AO· UCESS N T LONA. Desde que Ariel era menino, seu motorista, Carlinhos,o levavaa peçasde teatro, shows e filmes, conversando muito sobre o que ele tinha aprendido. "Ele sempre foi meu companheiro", diz. Essagrande amizade ajudou Ariel a escolhersua vocação. Fez peças de teatro, documentá rio, clipe, novelas,seriadose ganhou reconhecimento no longa Colegas, enchendo de orgulho um dos seus maiores incentivadores.
Carlinhos Motorista e apoiador do sonho de Ariel
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Participe da educação de quem você ama para que ele nunca pare de crescer.
REALIZAÇÃO:
GRUPO
BANDEIRANTES
Ariel Goldenberg Protagonista do filme Colegas
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DA ESCRAVIDAO
ESTUDO REVELA A PREVALÊNCIA DA INSTITUiÇÃO NO MUNDO ATUAL walk Free Foundation ("Fundação Caminhe Livre") acaba de lançar um estudo abrangente obre a situação da escravidão no mundo. O relatório classificou os países segundo o risco de escravidão, baseado em diversos fatores, como a força das leis e a capacidade do Estado em aplicá-Ias. De forma que o ranking não tem relação direta com o número de escravos. A China tem até 3,1 milhões de pessoas nessa condição, mas não é considerada um dos países de maior risco. Segundo a ONG, existem quase 30 milhões de escravos hoje. Ainda que todos os países tenham abolido a escravidão, ela persiste por ações criminosas. A forma moderna é por dívida. Golpistas levam trabalhadores a locais
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I AVENTURAS
NA HISTÓRIA
remotos onde são forçados a pagar aluguel e a comprar a crédito na loja local - assim, nunca recebem salário e a dívida sempre aumenta. Imigrantes ilegais são o alvo mais comum, inclusive mulheres, forçadas à prostituição. Na definição do relatório, casamentos forçados também são um tipo de escravidão, tal como "adoções" nas quais a criança é obrigada a fazer trabalhos domésticos. A prática data da Prê- História: dos astecas aos chineses, toda civilização tinha escravos ou servos - versão mais branda na qual o trabalhador pertence à propriedade, não ao senhor. O Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão, em 1888. Na Mauritânia, pior nação do mundo pelo relatório, a abolição só ocorreu em 1981
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índice de risco: 7,16 Número de escravos: 200 mil - 220 mil
índice de risco: 52,26 Número de escravos: 200 mil - 220 mil
índice de risco: 97,90 Número de escravos: 140 mil-160 mil
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PREVALECÊNCIA DA ESCRAVIDAo
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MUITO BAIXA
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Risco de escravidão: de zero a cem, Quanto maior a nota, mais presente é a escravidão no país. A cor vermelha indica os piores índices. *
MAURITÂNIA No país, onde uma minoria branca domina diversas etnias negras, a escravidão é à moda antiga, com escravos e descendentes considerados propriedade comercializável. Na maioria, são mulheres negras, forçadas a fazer trabalhos domésticos e abusadas sexualmente.
HAITI Aqui O problema é uma instituição tradicional chamada restavek, na qual crianças são dadas para adoção a famílias mais ricas e forçadas a trabalhar pelo sustento. Após o terremoto de 2010, o caos no país abriu espaço para outros tipos de escravidão, como exploradores sexuais e traficantes de seres humanos, que exportam haitianos para outros países.
íNDIA País com o maior número de escravos do mundo, é acusado de exploração sexual, exploração infantil (crianças obrigadas a pedir esmola), casamentos forçados e escravidão por dívidas, quase sempre dos dalit, os "intocáveis", membros da casta mais baixa. Essa dívida é hereditária, de forma que os filhos do devedor também "pertencem" ao credor.
MOLDÁVIA A ex-república soviética leva a pior nota da Europa não como algoz, mas como vítima. Com uma economia miserável, seus cidadãos entram em esquemas para migrar para outros países, como Ucrânia, Rússia ou Polônia, onde acabam escravizados por mafiosos.
BRASIL Possui um grande número de escravos, mas é considerado o quinto menos problemático do continente, porque as leis são tidas como satisfatórias. Esquemas de escravização por dívidas ainda acontecem em regiões rurais e entre imigrantes. Neste ano, o Ministério do Trabalho liberou 31 escravos bolivianos em São Paulo. AVENTURAS NA HISTÓRIA
I7
HISTÓRIA HOJE
OHDDA PRÉ-HISTÓRIA BOLINHAS CONTÊM CÓDIGO AINDA NÃO DECIFRADO assim, misteriosos. Este ano, uma equipe do Instituto Oriental da Universidade de Chicago estudou-as com tomografia eletromagnética. Descobriam que''guardam uma grande diversidade de objetos -14 formas diferentes, como pirâmides, cones, esferas ou meias-luas. Além disso, possuem um canal interno, provavelmente usado para passar um barbante e facilitar o armazenamento. O historiador Cristopher Woods, líder do estudo, acredita que os envelopes mesopotâmicos foram o "primeiro sistema de armazenamento de dados". Eram uma espécie de nota fiscal do final da prêhistória. As fichas representavam
final dos anos 60, arqueólogos escavaram um curioso conjunto de artefatos no sítio de Chaga Mish, no Irã. São esferas de argila, aproximadamente do mesmo tamanho de uma bola de tênis, decoradas por fora e com diversos pequenos objetos dentro. Datadas de 5,5 mil anos atrás, eram usadas dois séculos antes da invenção da escrita, que aconteceria na mesma região. As bolinhas ganharam o nome de "envelopes", e os objetos dentro delas, "fichas". Compreensivelmente, os pesquisadores não queriam quebrar esses objetos preciosos para investigar seu conteúdo, que permaneciam,
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números. Por exemplo, a quantidade de cabras negociadas entre duas pessoas. No exterior, os relevos indicavam o comprador e o vendedor. O código exato ainda não foi decifrado, mas Woods acredita que cada forma das fichas indicava um número diferente, por exemplo, pirâmides para dezenas e esferas para unidades. A inconveniência do "contrato" neolítico é que era preciso quebrá-Ia para ser lido.
Elementos do Interior da esfera: fichas de argila
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8 I AVENTURAS NA HISTÓRIA
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RATO NO CARDÁPIO Análises químicas em ossos de habitantes da Ilha de Páscoa prédescobrimento revelaram que a dieta incluía poucos frutos do mar. A principal fonte de proteína era o rato polinésio, que chegou com os humanos à ilha.
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DO MAMUTE AO MICRO-ONDAS ARTISTAS FEMININAS NAS CAVERNAS Um dos "temas" frequentes em pinturas paleolíticas são mãos impressas. Um estudo revelou que 75% dessas mãos eram de mulheres. O que significa que os desenhos podem ter sido feitos por elas.
A jornalista britânica Bee Wilson é conhecida por sua coluna Kitchen Thinker ("pensadora da cozinha") no jornal Sunday Telegraph. Ela acaba de lançar seu terceiro livro, Consider The Fork: A History ot Haw We Caak and Eat ("Considere o Garfo: Uma História de Como Cozinhamos e Comemos", sem tradução), no qual discute a história da cozinha e seus instrumentos. Veja alguns de seus achados:
1,95••• .............................. CHINATOWN ESCAVADA Arqueólogos escavaram o bairro chinês de Jacksonville, nos EUA, dos anos 1850. Entre os achados estão um cachimbo de ópio e sementes de lichia, o que indica que importavam alimentos de seu país.
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Altura da estátua de Ramsés 11 escavada em Tel Basta, Egito. A medida incluiu seu chapéu - a múmia do faraó indica que ele tinha um pouco mais de 1,80 m de altura.
• O PALITO E A CRISE ECOLÓGICA: Por causa de um tabu religioso, os japoneses se recusam a usar talheres de outras pessoas, mesmo lavados. Por isso, no século 18, inventaram os waribashi, os palitos descartáveis. Todos os anos, 23 bilhões deles são gastos no Japão. Para atender a demanda, milhões de árvores são derrubadas. • MUDANÇA DE DENTiÇÃO: Até o século 19, a arcada dentária dos ocidentais tinha uma oclusão perfeita. Hoje, a mordida mais comum é a de trespasse horizontal - os dentes de cima se fecham em frente aos de baixo. A culpa é do garfo: até a adoção de talheres, no século 18, as pessoas precisavam cortar carnes e outras partes duras com os incisivos . • MULTIPROCESSADOR
E GORDURA:
O faz-tudo da cozinha contribuiu para a atual epidemia de obesidade, segundo Bee Wilson. A razão é que, quando os alimentos são divididos em pequenos pedaços, a digestão é mais eficiente. O mesmo número de calorias de um prato feito no multiprocessador engorda mais que o mesmo prato feito à mão. AVENTURAS NA HISTÓRIA
I9
1927 Aos 24 anos de idade, DOM PEDRO I é coroado imperador do Brasil, no Rio de Janeiro.
1918
O filme mudo Putting Pants on Philip marca a estreia da dupla de comediantes Stan Laurel e Oliver Hardy, ou "O GORDO EO MAGRO".
WOODROW WILSON embarca para as conferências de paz em Versalhes depois da Primeira Guerra. Foi o primeiro presidente norte-americano no cargo a ir a Europa .
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1933 A LEI SECA, que proibia a produção, comércio e bebidas alcoólicas nos Estados Unidos, chega ao fim, como um retumbante fracasso que ajudou o crime organizado.
1987
O general Cristóvão Barcelos, hoje nome de rua no Rio de Janeiro, propõe a mudança da CAPITAL BRASILEIRA, da cidade onde vivia para o Planalto Central do país.
Escavações confirmam a existência da CIDADE DE HERCULANO, soterrada, junto com a vizinha e menos próspera Pompeia, pelas cinzas do vulcão Vesúvio, em 79.
Em MAÁRRAT AL-NUMAN, cruzados massacram 20 mil civis a caminho de Jerusalém. Sem comida, alguns soldados praticam canibalismo.
1812
Com a ajuda de mercenários locais, os portugueses tomam a cidade indiana de GOA. O domínio durou 451 anos, até a região ser anexada pela índia, em 1961.
1973
: A campanha da ; INVASÃO FRANCESA à j Rússia fracassa e tem início a retirada das tropas napoleônicas, que chegaram a invadir Moscou mas saíram derrotadas.
NA HISTÓRIA
A Associação Americana de Psiquiatria, por decisão unânime, retira a HOMOSSEXUALIDADE de sua lista de desordens psiquiátricas.
Os irmãos Richard e Maurice MCDONALD abrem um restaurante especializado em hambúrgueres, depois de passar mais de dez anos vendendo cachorro-quente.
1098
1510
A PRIMEIRA INTIFADA, protesto contra a ocupação de Israel, começa na Cisjordânia e na Faixa de Gaza depois da morte de quatro palestinos.
10 I AVENTURAS
Sob o comando do Duque de Caxias, o exército brasileiro vence a BATALHA DO ITORORÓ, durante a Guerra do Paraguai, um dos combates que mudaram o rumo do conflito.
1773 TEA PARTY, ou festa do chá, evento de protesto contra o monopólio inglês do produto, ocorre em Boston e marca o início do processo de independência dos EUA.
1793 Depois da vitória sobre os britânicos em Toulon, o oficial de artilharia corso NAPOLEÃO BONAPARTE é nomeado o mais jovem general da história francesa.
O beneditino Pietro Angeleri, o papa CELESTINO V, renuncia e volta a viver como asceta e ermitão depois de cinco meses no posto. Foi canonizado em 1313.
1271 KLUBAI KHAN, neto de Gêngis Khan, rebatiza seu império de Yuan, e dessa forma dá início à dinastia dos mongóis na China que durou até o ano de 1368.
DIA
16
OTeaParty
em Boston: contra o monopólio britânico
1983
o último
ROLLS ROYCE SILVER GOLD - o melhor carro do mundo segundo a revista Autocar - é vendido em Londres.
1983 A TAÇA JULES RIMET, de posse definitiva do Brasil desde a Copa do México, em 1970, é roubada da sede da CBF.
1932
MARTHA GRAHAM atuou na abertura da casa.
suposta cidade de nascimento de Jesus, hoje com 25 mil habitantes, passa do controle israelense ao palestino.
1871
1888
Estreia da ópera AíDA, do italiano Giuseppe Verdi, no Cairo, capital do Egito - sem nenhuma relação com a abertura do Canal de Suez, como afirma o senso comum.
Sofrendo de depressão, o pintor holandês VINCENT VAN GOGH corta o lóbulo da orelha direita depois de brigar com o colega Gauguin.
O Radio City Music Hall, um ícone cultural norte-americano, é inaugurado em Nova York. A bailarina
1995 BELÉM, na Cisjordânia,
1895 O físico alemão
WILHELM RONTGEN publica estudo sobre sua descoberta de uma nova forma de radiação, que mais tarde seria conhecida como raio x.
1937 O Estado Livre Irlandês é substituído por um novo estado chamado IRLANDA após a adoção de sua nova Constituição. Em 1949, tornou-se uma república soberana.
1988 A mando do fazendeiro Darly Alves da Silva,
CHICO MENDES, líder seringueiro e ecologista do Acre, é assassinado em sua casa, em Xapuri.
53 CLÓVIS I, rei dos francos, é batizado na fé católica em Reims, na atual França, por São Remígio - e com isso o cristianismo se espalha entre os habitantes de seu reino.
1968 A primeira lista de deputados federais cassados pelo Ato Institucional 5 da ditadura, o tristemente célebre AI-5, é publicada pelo Diário Oficial da União.
A última reunião dos
INCONFIDENTES MINEIROS ocorre na casa do tenentecoronel Francisco de Paula Freire, em Vila Rica, atual Ouro Preto, Minas Gerais.
1978 Principal instrumento discricionário da ditadura, o AI-5, que cassou, proibiu e reprimiu os brasileiros, .deixa de vigorar. Foi o começo do fim do regime militar.
AVENTURAS NA HISTÓRIA
I 11
AlMANAQUE Como fazíamos sem...
TEMPEROS NA PRÉ-HISTÓRIA, A FOME ERA O ÚNICO MOLHO arne crua ou assada sem tempero, com frutas e No caso do sal, o tempero não era usado apenas pelo raízes como complemento, foi a alimentação gosto. Era elemento vital da civilização. O surgimento da básica do ser humano por milênios, desde suas agricultura está ligado ao seu uso. A dieta dos caçadoresorigens na savana africana. Povos nômades ou pastoris coletores tem sal suficiente para sustentar a nutrição huainda vivem assim: os massai da África se alimentam mana, por meio da carne e do sangue de animais. Quando de carne crua, sangue e leite. Os esquimós comem car- a agricultura foiinventada, há cerca de 10 mil anos, a base ne, gordura, sangue e entranhas de foca, baleia, morsa da dieta mudou para grãos e vegetais. Isso permitiu o e peixes, cozidos, crus ou congelados. Para esses dois surgimento das cidades, mas, sem sal adicionado aos alipovos, a fome é o único tempero. mentos, as pessoas podem sofrer de hiponatremia, que O tédio dessas dietas foi quebrado antes da invenção causa inchaço, cansaço e até morte por edema cerebral. O da agricultura. Sítios arqueológicos de 6200 anos _. mineral se tornou o tempero universal. atrás, na Alemanha e Dinamar~ .' Há 4 mil anos, os temperos básicos gaca, indicam que caçadores-coleíRICO nharam a companhia das especiarias. tores da região usavam a erva..,.~-- , , Barcos e caravanas passaram a ciralheira, um parente da mostarda, - ,:-.,<. :ular com vegetais secos vindos da que tem um sabor entre o alho e a . L. ;~~' \'\;~ ~{ India por meio de comerciantes pimenta - a agricultura {~ !.\!\ t, árabes, que caíram no gosto já existia em regiões dis- ~' ~n 'i!,tJ.; dos egípcios e de povos do tantes, mas esses povos .~ Oriente Médio e da Euroainda estavam no Neolítipa. A elas se atribuíam proco, o que indica que o uso , priedades medicinais ou do tempero era muito an' mágicas. Com a queda de terior. Na América préRoma, o comércio foi intercolombiana, asterompido até o século 9, quando cas, maias e incas os árabes reestabeleceram as usavam sal, baurotas. Na Idade Média, a lounilha e plantas cura por especiarias era tão locais, como as grande que, em 1393, meio pimentas. Os quilo de noz-moscadacustava índios brasio equivalente ao preço de
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pimentas e ervas, mas não conheciam o sal. E essa diferença tem um significado importante.
7 bois na Inglaterra. Perce-
bendo o potencial de lucro, portugueses e espanhóis se lançaram aomar atrás de rotas ' diretas com a India - e mudaram a história para sempre. AVENTURAS NA HISTORIA 113
mm:mtmJ) Arte & História
A PEQUENA SEREIA ESCULTURA DINAMARQUESA
VIROU ALVO DE PROTESTOS
TEXTO Wagner Gutierrez Barreira
empresário Carl J acobsen, herdeiro da cervejaria Carlsberg, ficou tão entusiasmado com o balé do Teatro Real de Copenhague baseado no conto de fadas A Pequena Sereia, de Hans Christian Andersen, que resolveu dar forma à obra. Em 1909, convocou o escultor Edvard Eriksen e encomendou uma estátua de bronze, em tamanho natural. A intenção de jacobsen, desde sempre, foi doar a obra a cidade.
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14 I AVENTURAS
NA HISTORIA
Se a escultura não é exatamente um primor como obra de arte, calou fundo n9 nacionalismo dinamarquês. É o ponto turístico mais visitado da capital desde sua inauguração, em agosto de 1913,e adorada pela população - é vista por mais de 1milhão de pessoas por ano. Só que nem todo mundo gosta dela ..Em várias ocasiões, a escultura foi Vítima de vândalos (veja abaixo). Ela já teve parte do braço serrada e
foi decapitada pelo menos duas vezes - uma terceira tentativa deixou uma "cicatriz" de 13 em de profundidade em seu pescoço. A sereia sobreviveu até a uma explosão, que a arrancou das pedras usadas como pedestal. Foi encontrada por mergulhadores no fundo do mar. O governo cogitou retirá-Ia da baía e levá-Ia a um museu em 2006, mas nunca cumpriu a promessa. Não faria sentido mesmo tirar a sereia de seu habitat.
ALMANAQUE
Lista
Os maiores exploradores desastrados MEIO AMBIENTE, ESTUPIDEZ OU AZAR COSTUMAM DETONAR AS BOAS INTENÇÕES
1Com quatro parceiros, tentou ser o
6Sem experiência em exploração, saiu
primeiro a chegar ao Polo Sul. Encontrou no lugar umâ bandeira da Noruega. Arrasados, morreram um a um na volta. A equipe de apoio interpretou de forma ambígua as ordens para o resgate.
de Melbourne rumo ao norte da Austrália, com 19 homens, um gongo chinês e uma mesa de escritório. No primeiro dia, cobriram 6,5 km. Impaciente, separou a equipe e morreu de fome na volta.
ROBERT FALCON SCOTT (1868-1912)
ROBERT BURKE (1820-1861)
o SALOMON ANDREE (1854-1897)
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~ Em 1897, o sueco decolou do arquipélago de Svalbard para cruzar o Polo Norte num balão de hidrogênio. Após dois dias de voo, caiu no mar congelado. Andree deu meia-volta e morreu em uma ilha do próprio arquipélago.
• Em 1925, entrou pela Floresta Amazônica à procura da "cidade perdida de Z" e nunca mais foi visto. Orlando Villas-Bôas disse que os índios kalapalo mataram Fawcett porque ele apareceu sem presentes - uma grave ofensa.
3Descobridor da Oceania e Polinésia,
8
JAMES COOK (1728-1779)
se desentendeu com os havaianos, que o haviam recebido como um deus, por causa de alguns botes roubados. Ordenou o sequestro do rei local para pedir os barcos de volta. Foi liquidado na praia.
PERCY FAWCETT (1867-1925)
PONCE DE LEON (1474-1521)
O espanhol queria mais tempo para continuar sua carreira de massacres contra os nativos. Por um erro de tradução, acreditou que existia uma "fonte da juventude" na Flórida - na busca, foi morto por uma flecha envenenada.
4 Famoso por ter dado a primeira volta 9Em 1934, o milionário organizou uma CHARLES BEDAUX (1886-1944)
FERNÃO DE MAGALHÃES (1480-1521)
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16 I AVENTURAS NA HISTÓRIA
expedição pela Colúmbia Britânica, no Canadá, levando a esposa, a amante, uma condessa italiana e rios de champanhe. Quando a festiva exploração fracassou, eles comemoraram com mais champanhe.
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DAVID LlVINGSTONE (1813-1873)
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ao mundo, não viveu para presenciar o fim da viagem. No meio do caminho, marcado por motins e mau tempo, aceitou a proposta de um rajá das Filipinas para atacar seus inimigos. Morreu no combate.
Tentou encontrar a nascente do Rio Nilo. Abandonado, foi parar num zoológico humano, exibindo-se em troca de comida. Após o famoso encontro com Henry Stanley ("Dr. Livingstone, eu presumo"), mergulhou de volta na selva e sumiu.
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HANNO,
o NAVEGADOR
(SÉCULO 5 A.C.)
~ O rei cartaginês Hanno explorou a costa da África até o Senegal, onde encontrou "pessoas muito peludas". Os supostos "nativos" atacaram a tripulação. Eram os chamados gorillae, gorilas que eles achavam ser gente.
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Bandeiras & Brasões
SUÁSTICA Como amuleto de boa sorte ou elemento decorativo, o símbolo já era usado na pré-história, e apareceu em culturas do mundo todo: entre celtas, germânicos, gregos e romanos, povos budistas e hindus, e na América pré-colombiana. A versão hindu deu origem ao nome, no século 19. Antes era conhecida pelo termo grego gammadion. Em sânscrito, svastika significa algo como "amuleto do bem-estar". Cada ponta representa um purushartha, um aspecto de uma vida bem vivida: prosperidade, prazer, religião e iluminação. A orientação, esquerda ou direita, não faz diferença. No Oriente, a suástica não tem qualquer conotação nazista. Quando os nazistas se apropriaram do símbolo, em 1933, ele era bastante popular no Ocidente, usado em medalhas,
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insígnias, decoração e logotipos de empresas. Hitler dizia que ela representava os arianos - e isso tem a ver com a fndia. Os arianos foram um povo saído do Cáucaso que colonizou a Europa e a Ásia há 6 mil anos - na fndia, fundaram a civilização de Harappa e o hinduísmo védico, já usando suásticas. Hitler achava que eram os brancos originais e mais perfeitos, e que sua genética foi integralmente preservada entre os nórdicos, o que não tem nenhum fundamento científico.
Fatos e Versões
EM BUSCA DO OURO DOS TEMPLÁRIOS
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Pouco antes de o líder dos cavaleiros templários Jacques de Molay morrer na fogueira, em 1314, teria jogado uma praga no rei da França, no papa e no responsável pelo processo que acabou com a Ordem - os culpados pelo massacre de seu grupo. Todos morreriam dentro de um ano. Foi o que aconteceu. lacobus, da espanhola Matilde Asensi, trata da investigação dos assassinatos levada a cabo pelo
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médico Galcerán de Born, membro da Ordem dos Hospitalários, a pedido do papa João XXII. A trama do romance leva Born, seu filho e uma bruxa judia a trilhar o Caminho de Santiago em busca dos esconderijos do ouro da ordem dissolvida - que estaria se reorganizando em Portugal. Sim, é um livro de detetive medieval, que fora alguns exageros da trama mantém um bom rigor histórico. AVENTURAS NA HISTORIA
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linha do Tempo
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IMPERIO BRITANICO NO MAIOR IMPÉRIO DA HISTÓRIA, O SOL NUNCA SE PÕE
aiorimpério da História, o Reino Unido chegou a dominar 25% da área da Terra em 1922, tendo um em cada quatro habitantes do mundo como súdito. "O Sol nunca se põe no Império Britânico", frase atribuída a diversos autores do século 19, não era exagero: onde quer que fosse dia no planeta, havia ao menos uma colônia. O Império Britânico não era insólito apenas no tamanho. Era, afinal, uma democracia, na qual as conquistas imperiais dependiam da aprovação do Parlamento.
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Para vender a ideia do imperialismo, eles não podiam soar como conquistadores vulgares. Assim, o Império considerava a si mesmo como uma entidade benevolente e, aos britânicos, civilizadores que levavam a ciência, indústria e, não sem ironia, democracia aos povos atrasados. Foi o que Rudyard Kipling chamou em 1899 de "fardo do homem branco" - carregar nas costas as populações colonizadas -, expressão que entrou para a história como uma obraprima não só do racismo como também da hipocrisia.
J IRAQUE (1932)*
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História Maluca
TERRA DE DRAGÕES Quando os europeus partiram em direção ao resto do mundo, toda a cartografia teve de ser revista. No começo do século 16, surgiram mapas que buscavam descrever o mundo conhecido - e também o desconhecido. No globo de Hunt-Lenox, de 1510, o primeiro a conter os contornos da América, aparece a frase HIC SVNT DRACONES- "aqui há dragões" em latim - no leste da Ásia. A frase entrou no imaginário popular como metáfora para o desconhecido . .Os mapas da Renascença eram povoados por uma multidão de criaturas fantásticas: dragões, serpentes marinhas, hidras e demônios. O próprio Cristóvão Colombo afirmou ter visto sereias na América, em 1493. Mesmo quando a criatura era real, o cartógrafo costumava fantasiar. O alemão Martin Weidseemüller, que batizou o Novo Mundo de "América", desenhou um elefante na Noruega e escreveu embaixo "morsa". Outra razão para os monstros era o fato de se viver na Renascença. A moda era copiar o mundo grecoromano, e um dos clássicos da época era História Natural, de Plínio, o Velho, que descreve híbridos de humanos e animais como seres de regiões remotas. Desenhá-Ios era uma forma de demonstrar erudição.
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DESCUBRA O QUE É O ESTRANHO OBJETO DA FOTO a) Maquetes de tanque
para treinamento b) Cortadores de grama c) Minitratores d) Brinquedos alemães da Segunda Guerra e) Bomba robô nazista 20
I AVENTURAS
NA HISTÓRIA
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CARAPAÇA A principal tática japonesa consistia em abordar, prender o navio inimigo com ganchos, pular para o convés e derrotar a tripulação no combate no corpo a corpo. Os espetos de ferro tornavam a ~ .•.,,_: manobra impossível, e a carapaça metálica dava total proteção contra flechas e balas de arcabuz
CHOQUE E TERROR ----~ A careta de ferro na proa servia para bater nos navios inimigos, causando danos ao casco e atordoando a tripulação. O navio tartaruga era enviado para o meio da frota inimiga, divergindo fogo para si, enquanto os navios convencionais disparavam em segurança FOGO NAS VENTAS -A cabeça de dragão lançava fumaça tóxica, produztda pela queima de enxofre numa fornalha na proa do navio. Isso era usado para encobrir os movimentos ou após um ataque direto, jogando a fumaça no convés do navio inimigo. Um canhão adicional podia ser posicionado na boca do dragão
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Arqueologia do futuro
NEUROMANCER LIVRO PREMIADO DEFINIU A FiCÇÃO CIENTíFICA PELAS DÉCADAS SEGUINTES ançado em 1984, Neuromancer foi o primeiro livro a ganhar os prêmios Nebula, Hugo e Phillip K. Dick, os três grandes da ficção científica. A obra de William Gibson, que lançou o termo "ciberespaço", pode não ter sido a primeira no gênero cyberpunk - ficções sombrias sobre as interações entre ser humano e máquina -, mas definiu o estilo, com personagens marginais, falando em gírias rebuscadas, habitando ambientes decrépitos em cidades sem fim, num futuro ameaçador. Quase 30 anos depois, as aventuras do hacker Henry Case ainda parecem pertencer a um futuro distante - Gibson, sabiamente, nunca cita o ano em que se passam suas histórias. Upload da consciência humana para computadores, implantes artificiais com melhorias para corpo e mente, nanorrobôs letais e inteligências artificiais manipulando pessoas, tudo isso ainda parece estar no horizonte da tecnologia da vida real - tanto que ainda são clichês da ficção científica.
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NA HISTÓRIA
Mesmo com essas qualidades, não deixa de haver indícios que entregam o ano em que o livro foi escrito. Como em muitas ficções dos anos 80, o Japão tornou-se a potência dominante do mundo. Ninguém ouviu falar de wi-fi: a tecnologia é baseada em cabos. Para acessar a "internet" da história é preciso conectar um plugue ao cérebro. Mesmo com a Matrix conectando o mundo todo, as pessoas preferem trocar arquivos por meios físicos, as ROMs - de read-only memory, memória somente de leitura. Como o nome diz, elas não permitem gravação, são baseadas em fita magnética. Uma memória RAM - de random access memory, como em qualquer computador ou celular hoje em dia - é tão preciosa que acaba vendida no mercado negro. Se você ficou intrigado com o nome da "internet", a trilogia Matrix dos irmãos Wachowski presta homenagem à obra de Gibsono Isso foi o mais perto que Hollywood chegou de adaptar sua obra.
ALMANAQUE Retrotech
OTURCO AUTÔMATO ENGANOU REIS E CIENTISTAS umanoite de 1770,no palácio de Schõnbrunn, em Viena, a corte austríaca se reuniu para assistir o engenheiro Wolfgang von Kempelen responder ao desafio que ele havia proposto a si mesmo no ano anterior. Após assistir a um grupo de ilusionistas se apresentar diante da imperatriz Maria Tereza, ele prometeu superá-los com a maior ilusão da História. E entregou: um autômato, o que em si não era novidade - máquinas assim existiam desde a Grécia antiga. Mas esse era diferente. Parecia capaz de pensar - e jogar xadrez. Kempelen abriu as portas sob a mesa na qual ficava o tabuleiro, convidando todos a olharem através da máquina, mostrando que não havia nenhum operador nela. Então chamou os convivas a jogar uma partida. O conde Ludwig von Cobenzl aceitou o desafio - e perdeu de lavada. Após deixar a corte boquiaberta, Kempelen desmontou o autômato e o guardou. Depois de 11anos, meio a contragosto, levou o Turco para uma turnê pela Europa, na qual derrotaria até Benjamin Franklin, em Paris. O inventor morreu em 1804, e a máquina passou por vários outros donos e países, enfrencn tando ninguém menos que Napoleão z: o lE em 1809. Acabaria nos EUA, destrulE 8 ída num incêndio, em 1854. :li iil A máquina mais famosa de seu lE ;;: ti tempo foi denunciada por Edgar ~ Allan Poe e muitos outros como uma
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fraude operada por um ser humano. Mas ninguém conseguia explicar como: não havia espaço entre as engrenagens' nem como enxergar o tabuleiro acima. O ilusionista francês Jean Eugêne Robert-Houdin dizia que havia um polonês sem pernas na máq~ina. Outros favoritos dos detratores eram crianças e anões.
o TRUQUE
O segredo foi revelado pelo filho do último proprietário, o médico SiIas Weir Mitchell. Um enxadrista particularmente talentoso, de tamanho regular, era escondido dentro da máquina. Um assento móvel era usado para pular de uma parte para outra da mesa quando ela era aberta no começo da apresentação.
DA MÁQUINA
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É FEITA PARA ENTENDER O MUNDO ALÉM DO ÓBVIO.
É A REVISTA ESSENOIAL PARA OABEÇAS QUE TÊM FOME DE OONHEOIMENTO.
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CAPA
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HISTORIADE
ISRAEL AO LONGO DE 2,4 MIL ANOS, A HUMANIDADE ACREDITOU QUE A SAGA DO POVO ESCOLHIDO ACONTECEU TAL COMO ESTÁ NA BíBLIA. AGORA, DEPOIS DE DÉCADAS INVESTIGANDO CADA LINHA DOS TEXTOS SAGRADOS, A ARQUEOLOGIA CHEGOU A NOVAS CONCLUSÕES SOBRE OS HEBREUS. MAIS REALISTAS, MAS NÃO MENOS FASCINANTES TEXTO Tiago Cordeiro ILUSTRAÇÕES Bruno Algarve
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oje, para os arqueólogos, as figuras sagradas mais importantes da Bíblia - Abraão, Moisés, Davi, Salomão e Jesus - foram relega das ao terreno da ficção. Até bem pouco tempo, o Tanakh (o Velho Testamento), escrito no século 6 a.C., pautava as pesquisas arqueológicas no Oriente Médio. Para usar uma expressão em voga, os pesquisadores tinham uma pá em uma das mãos e a Bíblia na outra - os textos sagrados pautavam onde se deveria trabalhar. Só há algumas décadas uma nova geração de pesquisadores inverteu a equação. Agora, o fruto das descobertas é confrontado com os textos antigos em busca de confirmação das evidências descobertas. Parece pouco, mas é uma revolução. Os arqueólogos clássicos procuravam evidências concretas dos fatos narrados nos livros sagrados para que os objetos encontrados comprovassem sua veracidade. A religião, claro, limitava o alcance dos trabalhos. Por exemplo: ao ganhar acesso à antiga cidade assíria de Urartu, no século 19, especialistas ocidentais estavam muito mais interessados em encontrar a Arca de Noé do que em entender o passado. (Datam desse mesmo período expedições sérias em
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Somente a partir dos anos 80 a chamada arqueologia bíblica começou a cair em descrédito. "O objetivo não é comprovar à força que a Bíblia está certa, nem acabar com a veracidade dos relatos contidos ali. Édiferenciar o literário do factual", diz Israel Finkelstein, da Universidade de Tel-Aviv, um dos mais influentes arqueólogos da atualidade. Antes, os pesquisadores tinham um roteiro pré-definido. Javé escolheu um homem da Mesopotâmia para dar origem a seu povo eleito. Orientado por Deus, Abraão seguiu até Canaã. Seus descendentes foram para o Egito, onde viraram escravos. Até que Moisés conduziu os hebreus através do mar. Os escolhidos vagaram por 40 anos no deserto, até entrar em Canaã e protagonizar uma série de conquistas militares. Tempos depois, Davi se tornou rei e foi sucedido por seu filho, Salomão, que construiu o Templo de Jerusalém para abrigar a Arca da Aliança, que guardava as tábuas dos Dez Mandamentos entregues por Deus a Moisés. Os primeiros cinco livros da Bíblia judaica, o Pentateuco, descrevem essa trajetória. O relato não se furta a citar montes, cidades, reis, profetas, inimigos, genealogias. Agora, deste novo momento das pesquisas, está surgindo
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Em 2010, o físico Carl Drews, do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas dos EUA, recriou em laboratório a passagem de Moisés pelo Mar Vermelho. Confirmou que ventos em velocidade de 100 km/h, soprando por 12 horas em um ponto a leste do delta do Rio Nilo, poderiam abrir uma brecha na água e permitir a passagem de pessoas. "A travessia foi obra de Deus. Apenas simulei o evento para demonstrar como Ele atuou", diz. "Cientistas religiosos, como eu, acreditam que, ao pesquisar o mundo natural, estudam a obra do Senhor." Sete anos antes, o físico britânico Colin Humphreys, da Universidade de Cambridge, publicou um livro, Os Milagres do Êxodo, estabelecendo uma série de relações de causa e efeito para explicar as dez pragas lançadas por [avé contra o faraó: a proliferação
de algas teria deixado o NUo vermelho com sangue dos peixes e afugentado sapos e rãs, que apareceram mortos nas cidades e atraíram mosquitos - que, por sua vez, teriam provocado a morte do gado e transmitido doenças que deixavam chagas nas pessoas. Chuvas de granizo umedeceram o solo úmido e atraíram gafanhotos. Uma tempestade de areia, comum no Egito, seria a causadora dos três dias de escuridão. E os primogênitos, que tinham a primazia de se alimentar antes dos irmãos, teriam morrido ao ingerir cereais contaminados por fezes de gafanhotos. Acontece que pesquisas desse gênero desconsideram que os arquivos egípcios são bem organizados e conhecidos. E não há registro de que os hebreus tenham vivido lá, algo que, pela cronologia baseada na Bíblia,
teria ocorrido no século 13 a.C. Esqueça a cena de Charlton Heston acorrentado e carregando pedras pesadas, em Os Dez Mandamentos. Nem mesmo é possível identificar o faraó com o qual Moisés teria negociado a libertação - o texto bíblico, tão pródigo em nomes, não menciona o governante envolvido em um episódio tão crucial. E é difícil imaginar que 600 mil refugiados, vagando por 40 anos, não deixariam vestígios arqueológicos ou registros documentais nos arquivos de civilizações vizinhas. Quanto à existência de Moisés, sabe-se apenas que era um nome comum no Egito. Como no caso dos patriarcas, é provável que os autores da Torá tenham recorrido a nomes facilmente reconhecíveis para construir uma mitologia de fundação .••
· OS HEBREUS NÃO DERRUBARAM AS MURALHAS DE JERICÓ Na Bíblia, a chegada à Terra Prometida não garante seu domínio. A região estava forrada de cidadesestado em constante guerra entre si, caso de jericó, Maceda e Hebron. Liderados pelo chefe militar josué, os hebreus conduzem uma série de batalhas muito rápidas e eficientes, com vitórias garantidas pela presença, no campo de guerra, da Arca da Aliança. A mais impressionante acontece com a muralha de jericó: ela é derrubada pelo som de trombetas, tocadas ininterruptamente por sete dias e sete noites. Não foi bem assim. Provavelmente os israelitas surgiram em Canaã, a região que hoje corresponde aos territórios de Israel e da Palestina, além de partes do Líbano, dajordânia e da Síria. Eles construíram assentamentos rurais em vales mais ,
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altos e passaram a se diferenciar culturalmente e em termos religiosos dos povos que viviam nas planícies. "Em termos étnicos, cananitas, israelitas, moabitas, amonitas e fenícios eram o mesmo povo. Com o passar do tempo, eles passaram a se diferenciar culturalmente", diz o arqueólogo britânico jonathan Golden, professor da Universidade Drewe autor de Ancient Canaan and Israel: An Introduction ("Canaã Antiga e Israel: Uma Introdução", sem tradução no Brasil). Na medida em que se diferenciaram do povo de origem, os hebreus chegaram, sim, a dominar parte dos territórios que hoje correspondem a Israel e Palestina, mas não da forma como descrita na Bíblia. "Foi uma conquista lenta, levada a cabo por tribos que provocavam guerras re-
gionais entre 1200 a.C. e 1000 a.C. Os líderes militares de gerações diferentes provavelmente foram reunidos sob um único nome,josué", afirma o arqueólogo Finkelstein. Quanto às muralhas de jericó, a datação ainda é muito discutida pelos arqueólogos, mas a maioria concorda que a cidade já estava destruída na década de 1560 a.C., talvez por causa de um terremoto, ou em razão de batalhas. Não foram trombetas, de toda forma. "Outras cidades citadas no texto bíblico também estavam desocupadas na época em que, segundo a tradição, as conquistas teriam ocorrido", diz Finkelstein. Mais uma vez, nomes muito conhecidos (desta vez, de cidades antigas) são citados para reforçar uma tradição e aumentar o tamanho do feito dos hebreus. ••
ESCAVAÇÕES RECENTES DEZ WCAIS BíBUCOS INVES'nGADOS NOS ÚLTIMOS ANOS 1. NAHAL TUT: Escavações realizadas em 2005 apontam que o local, que posteriormente foi dominado por romanos e mamelucos, pode ter abrigado uma cidade murada judaica no século 8 a.C. 2. TEL MEGIDDO: Abriga 26 camadas diferentes, com cidades que foram sendo construídas e destruidas de 7 mil a.C. a 586 a.C. Desde 1994, é escavada em regime bianual - os arqueólogos acreditam que a região é crucial para explicar as origens dos cananeus e dos hebreus. 3. TEL HAZOR: Investigada exaustivamente desde a fundação do Estado de Israel, abriga uma coleção de 19 documentos cuneiformes. O mais recente, encontrado em 2010, data do século 18 a.C. e descreve leis no estilo do código babilônico de Hamurabi. 4. TEL REHOV:O local de 120 mil metros quadrados é alvo de escavações desde 1997. Foram encontradas vãrias camadas de ocupação urbana, desde o século 12 a.C., e sinais de criação de abelhas e exploração de mel datando do século 10 a.C.
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5.GEZER
5. GEZER: Cidade de origem cananeia, tem 3 500 anos de existência e é constantemente Investigada por arqueólogos hã um século. Desde 2010, um grupo de americanos escava a rede subterrânea de ãguas, encontrada na década de 1900 e nunca estudada desde então. 6. KHIRBET QEIYAFA: Sitio conhecido desde os anos 1860, foi alvo de uma investigação intensa entre 2007 e 2013. A região, que fica nos arredores de Jerusalém, pode ter feito parte dos limites do reino hebreu governado por Davi. 7. TEL LACHISH: Era a segunda cjdade mais importante do território de Judã. Escavações realizadas nos anos 1990 encontraram uma rampa construida pelos assírios e ossadas de 1 500 pessoas, possível resultado do cerco que derrotou os judeus na região. 8. JERUSALéM: Desde 2006, um grupo de arqueólogos israelenses dribla a restrição para escavar o Monte do Templo. Aproveitando o descarte de terra provoCÃldo pela construção de uma mesquita, os pesquisadores jã encontraram artefatos hebreus dos séculos 7 a.C. e 8 a.C.
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9. TEL ES-SAFI: Investigada entre 1996 e 2002 e de 2004 a 2008, a ãrea, ocupada desde o século 5 a.C. e desabitada em 1948, guarda sinais de ocupação filistina - pode ter sido a cidade de Gath, citada no texto biblico. Um escrito encontrado remete ao nome Golias. 10. VALE DE TIMNA: A região foi batizada de Minas do Rei Salomão na décadirde 1930. Pesquisas recentes apontam que elas podem ter sido exploradas pelos edomitas, um povo viiinho aos hebreus na época do rei Davi.
o REINO
DE DAVI ERA BEM MODESTO
Em 1993 e 1994, fragmentos de uma placa escrita em aramaico para comemorar uma vitória militar contra os hebreus foram encontrados no sítio de Tel Dan, no norte de Israel. O texto, do século 9 a.C., cita uma "Casa de Davi". Desde então, ficou estabelecida a existência real de um rei chamado Davi, que teria governado por volta do século 10 a.C. De seu filho, Salomão, não há provas. Mas pesquisadores concordam que ele existiu. "Não há dúvidas sobre Davi, o que reforça a tese de que deve ter tido um filho e sucessor", diz Gershon Galil, da Universidade de Haifa.
Desde então, uma série de descobertas, algumas mais confiáveis, outras menos, parecem a caminho de solucionar a polêmica: deve ter existido, sim, um reino unificado dos hebreus. O tamanho exato do território e o poderio militar e político hebreu na época estão no centro do debate. Se existe um período da história dos hebreus sobre o qual ainda há muito a esclarecer, é esse. O sítio de Khirbet Qeiyafa, a 30 km de Jerusalém, tem rendido muitas notícias. Entre 2008 e 2013, a região foi investigada por arqueólogos da Autoridade de Antiguidades
de Israel e da Universidade Hebraica. Um tablete, encontrado em 2008 e de tradução tão difícil que existem pelo menos três versões diferentes, seria o mais antigo texto hebreu já localizado e faria referência à vitória de Davi sobre Golias. Em julho passado, foi anunciado que uma das construções do local seria um palácio que faria parte do reino de Davi. "Os achados comprovam que existiu um reino hebreu unificado e organizado, com fortalezas e centros administrativos", afirma o arqueólogo israelense Yosef Garfinkel, um dos líderes das escavações e professor da
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OITO PERSONALIDADES BíBLlCAS QUE POSSIVELMENTE EXISTIRAM ...
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Davi, rei dos hebreus Salomão, rei dos fiebreus Ezequias, rei de Judã Josias, rei de Judã Jeremlas, profeta de Judã
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Jesus, profeta judeu
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Pedro, seguidor de Jesus paulo, seguidor de Jesus
E OITO PERSONAGENS QUE PROVAVELMENTE SÃO FICTíCIOS Noé, construtor aa arca Abraão, patriarca Isaac, patriarca Ismael, filho de Abraão Jacó, patriarca Moisés, lider dos hebreus Josué, líder militar dos hebreus Levi, fundador da tribo dos levitas
Universidade Hebraica. "Ainda não foi sequer estabelecido se Khirbet Qeiyafa é uma antiga cidade hebreia ou cananeia", contrapõe Finkelstein. Possivelmente existiu um reino, ainda que pouco expressivo. Jerusalém, que - diz a tradição - Davi transformou em capital, não tinha mais do que 2 mil habitantes. Os enfrentamentos com os vizinhos eram recorrentes - tese reforçada pela localização nos arredores de Jerusalém, há três anos, de restos de um muro de 70 m de comprimento e 6 m de altura da segunda metade do século 10 a.C. (época em que, segundo
a Bíblia, Salomão coordenou a construção de um muro ao redor da capital). "É possível que o reino tenha durado pouco, tal como aconteceu no século 8 a.C. com os arameus. É um padrão que se repete na região. Povos menores eram pressionados por invasores egípcios e assírios", diz Gershon Galil. É certo que por volta de 930 a.C. os hebreus estavam divididos em dois reinos: Israel, ao norte, e judâ, ao sul, tendo Jerusalém como capital. Quando os assírios dominaram Israel, em 720 a.C., o povo do norte se dispersou - seu destino é um misté-
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rio. Levas de migrantes em direção a Judá fizeram com que a população de Jerusalém fosse multiplicada por dez em 50 anos. A partir de então, o reino de Judá prosperou. Portões de cidades muradas encontrados em Gezer, Megiddo e Tel Hazor, indicam que havia um padrão arquitetônico na formação de posições militares. O mesmo vale para o templo encontrado nos anos 1980 em 'Ain Dara, Síria, que tem um desenho semelhante à descrição bíblica para o primeiro Templo de Jerusalém. Construído ou não por Salomão, é bem possível que esse primeiro templo tenha existido.
OS REIS DE JUDÁ ESTABELECERAM O MONOTEíSMO Se a era dos patriarcas foi deixada no terreno da mitologia e o período do rei Davi é motivo de polêmicas acirradas, na etapa seguinte, que se concentra no reino de Judá entre os séculos 8 e 6 a.C., os fatos estão mais bem estabelecidos. Sabe-se que a ocupação babilônica ocorreu, e que personagens importantes descritos na Bíblia existiram. Eles são citados em documentos oficiais de reinos vizinhos ou em registros judaicos externos ao Antigo Testamento. O rei Acabe, de Israel, por exemplo, aparece em documentos do rei da Assíria Shalmaneser IH. Os assírios também registraram a trajetória de Oseias, que chegou ao trono de Israel matando o rei Peca e, der-
rotado pelos vizinhos, foi obrigado a pagar tributos ao rei Tilgath -Pileser IH. Outro governante israelita, Omri, é citado em documentos moabitas. Já o rei de Judá Jeconias está nos arquivos da Babilônia. E o escriba Baruque ben Neriah, para quem o profeta Jeremias ditava seus textos durante o exílio, teve a existência confirmada por dois documentos judaicos diferentes, encontrados em escavações de 1975e 1996. O rei Iosias, de Judá, também existiu. Foi fundamental para a consolidação da religião monoteísta, ao promover uma reforma religiosa e expulsar imagens e templos de outros deuses derivados da fé cananeia, que ainda estava presente no imagi-
nário judaico - caso de El, Baal e Asherah. O trecho do Pentateuco que narra a desobediência diante de Moisés, quando o povo hebreu constrói um bezerro de ouro (ligado a Baal) e é punido, foi elaborado nessa época. "A própria Bíblia cita casos em que o povo retoma a prática do politeísmo", diz o filósofo e historiador de religiões francês Frédéric Lenoir, autor de Deus: Sua História na Epopeia Humana. "Os judeus não inventaram o monoteísmo. No século 14 a.C., ainda que num período curto de tempo, o faraó Aquenáton estabeleceu uma religião com deus único. E a consolidação do monoteísmo judaico é contemporânea ao surgimento do zoroastrismo na Pérsia."
OS ÚLTIMOS DIAS DE JESUS NÃO FORAM COMO NA BÍBLIA Para os cristãos, todos os relatos do Antigo Testamento funcionam como um prefácio para que o filho de Deus em pessoa venha à Terra para redimir a humanidade ao morrer em uma cruz e ressuscitar depois de três dias. A busca por evidências sobre a existência do profeta judeu que inspiraria a fundação do cristianismo levou a uma vasta coleção de dados que confirmam parte dos relatos dos Evangelhos e, de forma indireta, se acumulam em quantidade suficiente para a historicidade de Jesus ser aceita. Um barco encontrado no Mar da Galileia em 1985, por exemplo, é coerente com a descrição encontrada nos Evangelhos, assim como uma casa de Cafarnaum, do século 1a.C, que poderia ter sido habitada por profetas como ele. E várias personalidades romanas com cargos administrativos no território israelense já ganharam provas concretas que vão além dos textos da Bíblia e dos historiadores romanos: a tumba do rei da Judeia Herodes, o Grande, o ossuário do sumo-sacerdote Caifás e uma inscrição mencionando o governador Pôncio Pilatos vieram à tona respectivamente em 2007, 1990 e 1961. Em setembro, arqueólogos da Universidade Reading localizaram uma cidade que acreditam ser Dalmanuta, para onde Jesus seguiu, de acordo com o texto bíblico, depois de multiplicar peixes e pão e alimentar 4 mil seguidores. A cidade fica perto de Migdal, considerada a terra natal de Maria Madalena.
Como aponta o escritor Reza Aslan, autor do recém-lançado Zealot:
The Life and Times ofJesus of Nazareth ("Zelote: A Vida e a Época de Jesus de Nazaré, com edição brasileira prevista para o início de 2014), é bem provável que Jesus tenha sido apenas um profeta, e nem o mais famoso em sua época, ainda que relatos sobre sua vida não condigam com o que a história e a arqueologia concluíram sobre o período. O motivo para Jesus nascer em Belém, segundo os Evangelhos, foi um recenseamento realizado pelos romanos - mas não existe nenhum documento indicando que tal ordem foi dada. Assim como não se tem registro do comando de Herodes para matar todos os primogênitos da região. O costume a que Pôncio Pilatos se refere no texto bíblico, de libertar um preso por ocasião da Páscoa, não existia. "Assim como a Torá, o Novo Testamento segue a tradição de construir mitos fundadores a partir de nomes reais", afir- • ma o historiador Ron Hendel. "O texto bíblico tem centenas de autores, e ainda assim é tão coeso e fascinante que se tornou capaz de difundir uma prática religiosa tão estranha para a Antiguidade quanto o monoteísmo", afirma o historiador americano Richard Friedman, professor da Universidade da Califórnia em São Diego. "À parte qualquer discussão sobre sua historicidade, a própria existência de um livro como a Bíblia pode ser considerada um milagre". !llll
LIVROS A Blblla Não 71nha Razão, Israel Flnkelsteln, Neli Ascher SlIberman, Girafa, 2003 71!eRise of Anelent Israel, Wllliam Dever, Adam Zerlal, Norman Gottwald, Israel Flnkelstaln, P.Kyla MaCarlar Jr, Bruca Haipam, Hershel Shanks, Bibllcal Arc~aeology Soclety, 2003 Who Were the Anelent Israelites and W/1ere Dld TlWy Come From?, WlIllam G. Dever, Wm. B. Eerdmans Publlshlng, 2006 Arqueologia na TelTll da Blblla, Amlhal Mazer, Paullnas, 2003 Excavatlng ;/esus, John Domlnic Crossan e Jonathan Reed, Harper San Francisco, 2002 Abraão - Uma Jomal/;! ao Coração rIJI TrOs Religiões, aruce Feller, Sextante, 2003
TODOS CONTRA OS~
A COMPANHIA DE JESUS ARRUMOU ENCRENCA COM POLÍTICOS, MILITARES E ATÉ COM O PRIMEIRO BISPO NO BRASIL NA MISSÃO DE CATEQUIZAR OS íNDIOS TEXTO Marcus Lopes ILUSTRAÇÕESRodrigo Idalino
em bem desembarcou na Bahia, o primeiro bispo no Brasil, dom Pero Fernandes Sardínha.tratou logo de mostrar quem mandava nas almas do lugar. Seu primeiro alvo foram os jesuítas, que chegaram ao Brasil junto com o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, em abril de 1549. Sardinha ficou estarrecido com uma prática dos religiosos da Companhia de Jesus: fIagelações públicas, parte de um processo de "exercícios espirituais" idealizado pelo fundador da ordem, Inácio de Loyola. Liderados por Manoel da Nóbrega, os jesuítas saíam à noite pelas ruas de Salvador em procissão, submetendo-se a açoites - e convidando os moradores a imitá-los. "Inferno para todos que estão em pecado mortal", bradavam.
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Sardinha, um ex-professor formado em Direito e Teologia, não gostou da maneira como os religiosos purgavam os pecados. "Tais exercícios, ainda que sejam santos e virtuosos e ordenados para mortificar a carne e quebrar a soberba, todavia são mais meritórios se feitos em segredo", escreveu ao chefe de Nóbrega, Simão Rodrigues de Azevedo, líder da Companhia de Jesus em Portugal. O curioso é que Nôbrega foi o primeiro a defender que Salvador tivesse um bispo, preocupado com o comportamento do rebanho na cidade recémfundada. O veto aos açoites públicos, porém, foi só a primeira de uma série de desavenças em que os jesuítas se envolveram no Brasil - e a lista só cresceu nos dois primeiros séculos do Brasil colônia. •• t· AVENTURAS NA HISTÓRIA
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TERRA BRASILlS
Conflitos entre religiosos e governantes eram comuns na colônia. O uso de índios como escravos dividia as opiniões
Sardinha havia sido professor do próprio lnácio de Loyola, por isso conhecia bem a ortodoxia jesuítica. E não gostava dela. No curto tempo em que passou à frente da diocese de Salvador, tratou de podar o poder da turma de Nóbrega. Proibiu, por exemplo, que pregassem aos índios em tupi - um duro golpe na ordem, que se empenhava justamente em aprender a língua dos indígenas e adaptar o culto católico a eles. O bispo implicou até com o corte de cabelo das crianças, que para ele "se pareciam com freiras". Finalmente, vetou aos jesuítas que frequen'tassem as capelas que h'aviam construído nas aldeias, proibiu que as confissões contassem com intérpretes e impediu que os índios fossem à missa nas igrejas de Salvador. Em resumo, ele acabou com o trabalho dos jesuítas. "Em tese, o confronto eclodiu porque Sardinha era contrário à catequização dos indígenas", escreveu Eduardo Bueno em seu livro A Cruz, a Coroa e a Espada. O raciocínio do bispo Sardinha seria um divisor de águas entre os colonizadores e os jesuítas - para sempre. A questão dos índios sempre teve consequências no dia a dia da colônia, onde conflitos entre religiosos e poderosos eram comuns. "As disputas entre jesuítas e governantes, e com as pessoas ligadas ao tráfico de indígenas, eram constantes", afirma o padre jesuíta Cesar Augusto dos Santos, mestre em História Social pela PUC-SP e autor do livro O Colégio de Piratininga. "Os jesuítas lutavam para que o indígena fosse respeitado como ser humano, como filho de Deus, e as disputas eram fortíssimas." A disputa, que começou como uma discussão teológica, teria efeitos terríveis. 40 I AVENTURAS
NA HISTÓRIA
O bispo Sardinha, como se sabe, entrou para a história do Brasil ao supostamente ser devorado por indígenas quando o navio que o levava de volta à Europa naufragou na costa da atual Paraíba, em 1556. O escritor Oswald de Andrade usou o caso em seu Manifesto Antropófago, de 1928. O bispo morreu, mas os inimigos dos jesuítas se multiplicaram em Pindorama.
SÃO PAULO Para se livrar da tutela de Sardinha, antes que ele virasse comida de canibais, Nóbrega seguiu Tomé de Souza em visita às capitanias do sul e acabou por se estabelecer em São Vicente. Na vila já vivia o jesuíta Leonardo Nunes, o Abarêbebê, ou padre voador, pela velocidade com que andava pela região. Quando soube que, subindo a Serra do Mar, havia um povoamento com brancos e índios liderados pelo português João Ramalho, Nóbrega viu a chance de encontrar um local para catequizar os índios longe da ingerência dos poderosos" Foi o mote para a fundação do colégio que daria origem à cidade de São Paulo, em 1554. Nóbrega sabia que precisava da ajuda de Ramalho para se estabelecer no planalto, mas em pouco tempo a relação entre os dois degringolou. O português não era casado com a índia Bartira e os brancos e mamelucos não gostavam dos valores dos religiosos. Quase todas as relações econômicas passavam pelo aprisionamento e escravização de índios de outras etnias - devido à pobreza e ao isolamento da vila, em pouco tempo as bandeiras se transformaram na única riqueza para seus habitantes. ••
PADRES E PAIXÃO NACIONAL Muito ligados à educação desde os tempos coloniais, os jesuítas podem ter dado urna contribuição fundamental para uma paixão brasileira: o futebol. Muitos antes de Charles Miller, o introdutor do futebol no Brasil na última década do século 19, há registros de que a bola já rolava em colégios jesuítas como recreação dos padres e alunos. O padre César Augusto dos Santos conta que, algum tempo após os jesuítas retomarem ao Brasil, beneficiadas pela queda da reforma pombalina, fundaram o Colégio São Luiz, em Itu, no interior de São Paulo, depois transferido para a capital paulista. "Foi nesse colégio, em Itu,
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onde se realizou pela primeira vez no Brasil uma partida de futebol, feita, evidentemente, entre alunos", afirma o padre César. A versão é confirmada pelo historiador José Moraes dos Santos no livro Visão do Jogo - Primórdios do Futebol no Brasil. Ele relata que, por volta de 1873, o padre José Mantero, professor do São Luiz, teria apresentado a bola de futebol aos estudantes na hora do recreio. Em Nova Friburgo (RJ), o esporte também deu seus primeiros passos nas mãos dos religiosos. "Os jesuítas italianos que ali se estabeleceram, em 1886, já conheciam o calcio, que é como os italianos chamam o futebol,
que vem de uma forma de jogo por eles praticado desde a Idade Média", diz o historiador Elias Feitosa. "No entanto, não é possível afirmar que foi a partir daí que o futebol se disseminou no Brasil. Assim sendo, a versão mais aceita continua sendo a de que ele chegou com Charles Miller." Aos jesuítas também é creditado a introdução do teatro no Brasil. "Para evangelizar e catequizar os indígenas, o padre José de Anchieta trouxe o teatro e escreveu as primeiras peças brasileiras", diz o jesuíta César Augusto dos Santos, postulador da causa de canonização de Anchieta, cujo processo está em análise no Vaticano.
AVENTURAS NA HISTÓRIA
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Em 1640, autoridades de São Paulo expulsaram os jesuítas, fundadores da cidade. Eles só voltaram dez anos depois
Os conflitos entre religiosos e a população local chegavam às vias de fato resultando, em diversas ocasiões, na expulsão dos jesuítas do território paulista. Em 1633, um grupo liderado pelo bandeirante Antonio Raposo Tavares tomou de assalto a aldeia de Barueri e expulsou os padres. "Lançaram fora os móveis da residência jesuítica, levaram os indígenas, depredaram e fecharam.a Igreja de Nossa Senhora da Escada, padroeira da aldeia, e expulsaram os jesuítas", escreveu Ney de Souza em Catolicismo em São Paulo. Anos depois foia vez dos jesuítas de São Paulo de Piratininga. Mesmo as camadas mais baixas dos paulistanos não viam com bons olhos aquele trabalho de evangelização que atrapalhava o "ganhapão" e movia a economia da vila. No dia 10 de julho de 1640, os padres do Colégio receberam uma notificação de que teriam dois dias para deixar a vila. No dia 13 de julho, às 2 da madrugada, a Câmara mandou tocar o sino. Da janela da Câmara (centro do poder local) foi lida para a população a sentença de expulsão dos padres. Na manhã seguinte, todos foram à porta do Colégio e invadiram o prédio. Expulsos, os jesuítas foram para Santos e só voltaram a subir ao planalto mais de dez anos depois.
FORA DE PORTUGAL A pá de cal nos jesuítas na colônia veio diretamente de Portugal. Um decreto, elaborado sob inspiração do Marquês de Pombal, expulsou a ordem da metrópole e de todas as suas colônias, em 1759. "Declaro os sobreditos regulares rebeldes, traidores, adversários e agressores que estão contra a
minha real pessoa e Estados, contra a paz pública dos meus reinos e domínios, e contra o bem comum dos meus fiéis vassalos", registrou o decreto do rei dom José I. "O mandando que efetivamente sejam expulsos de todos os meus reinos e domínios." Em 1768, o rei da Espanha, Carlos Hl, seguiu na mesma toada. Foi o final de uma das experiências utópicas mais importantes do mundo: as reduções, ou missões jesuíticas, nas quais milhares de indígenas aculturados viviam sob os preceitos dos religiosos. Muitas dessas missões marcavam justamente a fronteira entre as possessões portuguesas e espanholas na América do Sul, Acordos políticos na Europa levaram a um massacre dos habitantes das reduções, que até então funcionavam como uma salvaguarda aos indígenas - viver em uma delas era uma forma de escapar dos bandeirantes brasileiros e dos encomenderos castelhanos, ambos interessados em buscar mão de obra escrava nos sertões. Osjesuítas, os pioneiros a levar a catequizaçãoaos indígenas, os criadores das primeiras escolas na América do Sul, fundadores de cidades no Novo Mundo, a ponta de lança da Contrarreforma nas colônias ibéricas, perderam espaço políticode tal maneira que, em 1773, o papa Clemente XIV dissolveu a Companhia de Jesus. A restituição e consolidação da ordem no país só ocorreria muito tempo depois,já com o Brasil independente. A força da Companhia de Jesus, porém, continua. É jesuíta o atual papa, o argentino Jorge Bergoglio.!l!ll AVENTURAS NA HISTÓRIA
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AVENTURA
A REPÓRTER NORTE-AMERICANA NELLlE BLY QUIS REPETIR A VIAGEM INVENTADA POR JÚLIO VERNE. CONSEGUIU CHEGAR AO PONTO DE PARTIDA ANTES DO PERSONAGEM PHILEAS FOGG
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-- ------,-------TEXTO Marina Ribeiro
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NA HISTÓRIA
estômago estava embrulhado. Olhando para baixo, na amurada do navio sobre o Atlântico, deu vazão ao desconforto. Ela enxugou os olhos marejados, mas a náusea continuava. O barco mal deixara o porto de Hoboken, nos Estados Unidos. Quando se virou, viu sorrisos no rosto de outros passageiros no convés. "E ela vai viajar ao redor do mundo!", comentou um homem com sarcasmo. Apesar de ter se juntado às gargalhadas, foi nesse momento que a repórter norte-americana Nellie B1y percebeu o tamanho de sua ousadia de tentar a dar a volta ao mundo. Ela nunca tinha viajado de navio. Foi a primeira vez que considerou a possibilidade de não ser bem-sucedida na empreitada. E ainda faltavam mais de 27 mil quilômetros para percorrer de barco, A ideia de dar a volta ao mundo surgiu em uma noite de domingo, mais de um ano antes, no outono de 1888. Enquanto buscava sugestões de reportagens para o jornal The Neui York World, de Joseph Pulitzer, Nellie percebeu que queria mesmo era estar no outro extremo do globo. E logo pensou que, após trabalhar anos sem nunca tirar férias, o ideal seria fazer com que o jornal a enviasse para lá. Após 15 anos da publicação de A 'Volta ao Mundo em 80 Dias, de Júlio Verne, viajaria ao redor do planeta para tentar bater o recorde de 1 920 horas de Phileas Fogg, o protagonista do livro. Ao apresentar a proposta, descobriu que o jornal já tinha planos de enviar um homem na jornada. Afinal, "uma mulher precisa de um protetor, e mesmo que fosse possível viajar sozinha precisaria levar tanta bagagem que perderia muito tempo nas rápidas mudanças ", disse George Turner, diretor comercial do jornal.
Um dos artigos de Nellle: pioneira e recordista. Abaixo, a fATHER TIIE· OUTDOIIE! recepção na __ I chegada a Enn ~ RecIrd hIeI Jersey Clty. . 1IIe PllfIl\1lilllCl,,"lhe w.v." No detalhe, .1iIoIIt-CidIr. • desembarque na Filadélfia
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Nellie já estava habituada a ouvir o que uma garota deveria ou não fazer. Nascida Elizabeth jane Cochran, em 5 de maio de 1864, logo aprendeu a enfrentar desafios. Era órfã de pai desde os 6 anos e viu a fortuna da família virar pó. Aos 16,mudou-se para Pittsburgh, onde ajudava a mãe com tarefas da casa, que abriram a pensionistas para complementar a renda. Aos 21 anos, Elizabeth leu um editorial no The Pittsburgb Dispatcb,
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"Para que meninas são boas". O artigo repreendia mulheres até por tentar ter educação ou carreira, sugerindo que deveriam ficar em casa. Isso a enfureceu a ponto de escrever uma carta ao jornal, assinando como "Orfãzinha". O editor George Madden ficou tão impressionado com a resposta que colocou um anúncio para que a órfã fosse visitar a redação e ofereceu-lhe a oportunidade de fazer um texto de resposta. •• AVENTURAS NA HISTÓRIA 145
AVENTURA
o CAMINHO
DE NELLlE BLY
A JORNALISTA NORTE-AMERICANA CONSEGUIU DAR A VOLTA AO MUNDO EM 72 DIAS, 6 HORAS E 11 MINUTOS
21/11/1889 Southampton, Inglaterra
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23/11/1889 Calais, França 23/11/1889 Amiens, França
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22/11/1889 Londres, Inglaterra
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14/11/1889 Hobboken, EUA
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8/12/1889 Colombo, Ceilão (atual Sri Lanka)
16112/1889 Penang, Malãsia
18/12/1889 Cingapura, Cingapura
TRECHODE NAVIO
Elizabeth foi para casa e escreveu seu primeiro artigo, "O enigma feminino". Madden lhe ofereceu trabalho como jornalista sob o pseudônimo de Nellie B1y(nome de uma canção popular da época). Ajornalista Brooke Kroeger, autora da biografia Nellie Bly Daredeoil, Reporter, Feminist (sem tradução), afirma que Nellie não era nenhum gênio e nem uma escritora primorosa. "Ela era apenas alguém que conseguia executar o que quisesse."
CHEGAR PRIMEIRO "Enviem um homem e eu começarei no mesmo dia por algum outro jornal e chegarei antes", disse Nellie. john Cockerill, editor-chefe do Tbe World, 46
I AVENTURAS NA HISTÓRIA
já a conhecia bem o bastante para saber que ela não estava blefando. Após receber a oferta de outro viajante para fazer a viagem ao redor do mundo em menos de 80 dias, os editores do The Wor/d perceberam que corriam o risco de outra publicação bancar a aventura antes deles. No dia 11de novembro de 1889, Nellie Bly foi convocada às pressas ao jornal. "Você pode começar a rodar o mundo depois de amanhã?", perguntaram. "Posso começar neste minuto", respondeu. Na manhã seguinte, ela se encontrou com o estilista William Ghormley requisitando um vestido para aquela noite, que "aguente o desgaste constante de uso por três meses". Às
5 da tarde, ela estava fazendo a prova final de uma peça feita com pelo de camelo. Para complementar, comprou um casaco xadrez e uma bolsa de mão. Conseguiu reunir numa mala pequena roupas íntimas, papéis, canetas e tinta, itens de higiene, copo, garrafinha, chinelos, roupão, lenços, casaco, chapéu e um hidratante para o frio, o maior item da bagagem. "O mais aventureiro, mais do que qualquer parte específica de sua viagem, foi a própria ideia de fazê-Ia - e levando apenas uma bolsa!", diz Matthew Goodman, autor de Eighty Days. Nellie Bly and Elizabeth Bisland's History-Making Race Around the Wor/d (sem tradução).
BÊNÇÃO DE VERNE o clima ruim fez com que o desembarque na Inglaterra atrasasse. Se perdesse o trem da noite para Londres, estaria atrasada para todos os demais embarques. Por intervenção do correspondente local Tracey Greaves, pôde tomar o trem que levaria a correspondência para a capital inglesa, de onde rumou para a França. Graças a um desvio de rota e a decisão de perder duas noites de sono, encontrou o autor que a inspirara a viajar. Em Amiens, Júlio Verne abriu sua casa à repórter e se interessou por qual seria a trajetória. "Por que você não vai a Mumbai, como meu herói Phileas Fogg?", perguntou o francês. "Porque estou mais ansiosa para chegar com rapidez do que em salvar uma jovem viúva", disse Nellie, fazendo
Em Hong Kong, no meio do caminho, Nellie soube que não estava tentando dar a volta ao mundo sozinha. Uma jornalista da Cosmopolitan estava à sua frente.
referência à indiana Aouda, salva pela intervenção do viajante do livro. Da França, partiu para Brindisi, na Itália, de onde faria a travessia do Mediterrâneo a bordo do navio Victoria. Poucos dias após ter embarcado, surgiu um rumor de que Nellie seria uma herdeira norte-americana viajando com uma escova de cabelos e uma carteira recheada. Isso fez com que dois passageiros propusessem casamento a ela. Os dias passavam e Nellie seguia seu roteiro por portos sob domínio britânico. No Sri Lanka, o antigo Ceilão, ela teve uma infeliz surpresa. Uma parada rápida acabou se arrastando por cinco dias. Ao deixar Colombo a caminho de Hong Kong, a embarcação enfrentou uma monção, mas, ainda assim, chegaram ao destino com dois dias de antecedência.
COMPETIDORA "Qual é o seu nome?", perguntou a ela um homem do escritório de navegação em Hong Kong. "Você vai perder", afirmou o rapaz. "O quê? Acho que não. Compensei meu atraso", ela disse. "Você não está fazendo uma corrida ao redor do mundo?", quis saber. "Sim, estou em uma corrida contra o tempo", retrucou Nellie. "Tempo? Não acho que seja o nome dela. A outra mulher vai ganhar. Partiu daqui há três dias", disse ojovem. A "outra mulher" era Elizabeth Bisland, que
também partiu de Nova York no dia 14 de novembro. Ela era a desafiante da revista Cosmopolitan. "Prometi ao editor que iria dar a volta ao mundo em 75 dias, e se conseguir isso estarei satisfeita. Não estou competindo com ninguém. Se alguém quiser fazer a viagem em menos tempo, que se preocupe com isso", disse. Para piorar, ela ainda teria de ficar parada por cinco dias na China. Do continente para Yokohama, no Japão, tudo foi rápido e tranquilo. O mesmo não pode ser dito dos primeiros dias no Pacífico. Desembarcou em São Francisco duas semanas depois. Nos EUA, Nellie percorreu o país em um trem fretado pelo jornal para que completasse a viagem e chegou ao seu destino, Nova Jersey, em 25 de janeiro de 1890, quebrando todos os recordes de circum-navegação. "A volta ao redor do planeta tornou Nellie Bly uma celebridade mundial, mas no geral teve um efeito negativo sobre a sua carreira como jornalista", afirma Goodman. Segundo ele, Bly se tornou muito famosa para continuar a trabalhar como repórter infiltrada. Pouco depois, casada, abandonou o jornalismo. A aposentadoria só foi quebrada no século 20. Nellie foi a primeira mulher a atuar como correspondente na Primeira Guerra Mundial. !lI:] AVENTURAS NA HISTÓRIA
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COMO OS SOVIÉTICOS USARAM O HUMOR PARA SUPORTAR A RIGIDEZ E OS EQuívocos DE SEUS DIRIGENTES TEXTO Diogo Antonio Rodriguez
urante seus mandatos como presidente dos EUA, Ronald Reagan tinha um jeito peculiar de encerrar os discursos. Onde estivesse, a qualquer público, o ex-ator quase que sempre terminava suas falas com uma piada. Foi assim em discursos a trabalhadores de uma fábrica, na campanha e até na Casa Branca. Sua preferência era por um tipo especial de anedota, como esta, contada em 1988: "Na URSS, um homem vai a uma concessionária comprar um carro e o vendedor diz: 'Tudo bem, em 10 anos você pode vir pegar seu carro'. 'De manhã ou à tarde?', o homem responde. 'Que diferença faz?', pergunta o vendedor. 'O encanador vem de manhã"'.
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NA HISTÓRIA
ILUSTRAÇÕES Guilherme
Fiel ao tempo histórico que viveu, o 40° presidente dos EUA gostava de colecionar piadas sobre o comunismo. Paul Goble, então funcionário do Departamento de Estado, estima ter coletado 13 mil piadas no período em que Reagan esteve no poder. Mais do que tirar sarro de um regime políticoideológico em estado terminal, o presidente norte-americano acreditava que as piadas tinham real poder, pois desafiavam as rígidas estruturas de censura da União Soviética. Elas revelavam, segundo ele, "o sentimento do povo a respeito de seu governo". Qualquer ocasião era oportunidade para Reagan exibir seu repertório. Nem o próprio líder da URSS foi poupado. O secretário-geral Mikhail Gor-
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bachev teve de ouvir seu colega norteamericano ironizar a educação de nível superior soviética durante a assinatura de um tratado para eliminar mísseis nucleares de médio alcance em Washington, em 1987."Quando os universitários americanos são questionados sobre o que querem fazer depois de se formarem, eles respondem: 'Ainda não sei, não decidi'. Os russos respondem à mesma questão dizendo: 'Não sei, não me disseram'." Os chistes eram criados dentro da própria União Soviética e mostravam que, apesar da falta de liberdade de expressão, os cidadãos que viviam sob o comunismo não haviam perdido a capacidade de rir e nem a vontade de burlar as leis do país. ••
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COMPORTAMENTO
Ben Lewis, cineasta e historiador britânico, resolveu investigar a abrangência e o poder das anekdoty (piada, em russo). Durante dois anos viajou a países da antiga Cortina de Ferro como Hungria, Polônia, Romênia e Rússia para tentar traçar a origem do humor sob o comunismo. Lewis queria entender se as piadas, proibidas, podem ter sido uma das armas de quem lutava contra o regime totalitário que se instalou na Europa Oriental por 72 anos.
COMÉDIA "O comunismo é o único sistema político que criou sua marca internacional de comédia", afirma Lewis. Todos os dias havia uma nova piada em circulação, ainda que quem fosse pego contando-as corresse o risco de ser preso ou mandado para umgulag, o campo de trabalhos forçados. Sociólogo do humor e professor da Universidade de Reading, na Inglaterra, Christie Davies afirma que "o maior 'corpus' de piadas que existem ridicularizando governantes e um siste-
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NA HISTÓRIA
ma político vem da antiga União Soviética e dos países sob o comunismo na Europa oriental. Entre os motivos para que o humor fosse digno de análise está o fato de que abrangia todos os aspectos da vida cotidiana. Da compra de pão às decisões dos líderes, tudo virava piada. "Na URSS, tentavam controlar tudo, a vida econômica inteira, o dia a dia, as artes, ciências, cultura", diz Davies. "Tudo virou política. Havia mais coisas sobre as quais fazer piada porque havia muitas interferências. Na maior parte das ditaduras, o cotidiano fica mais ou menos igual." Não havia como escapar do controle, então contavam-se piadas: "Milhões de cidadãos dos países comunistas consideravam as piadas um ato de rebelião", diz Ben Lewis. O poder do humor era visto de tal maneira que "muitas pessoas que viveritm no bloco soviético me disseram que o humor tinha derrubado o comunismo", diz ele. A pesquisa de Lewis se baseou em cerca de 40 compilações de piadas lançadas em países ocidentais entre
1950 e 1980. A mais antiga foi publicada em 1951,na Alemanha. No livro, o autor, Yevgeny Andreevich, argumenta que a "piada é a única arma disponível para aqueles que vivem sob um regime totalitário". "Por disseminar essas piadas, inúmeras pessoas foram presas pela polícia secreta. A sentença usual para contadores de piadas era de cinco anos."
PUNiÇÕES Houve dois períodos no universo das piadas ilegais soviéticas. O primeiro coincide com os governos de Lenin (1922 a 1924) e Stalin (1924 a 1953) e corresponde a uma época de maior rigidez. Não há dados oficiais, mas estima-se que a maior parte das punições por contar piadas (consideradas 'propaganda anticomunista', portanto um crime) tenha ocorrido durante esses anos. Comparativamente, havia uma quantidade menor de piadas circulando. Talvez isso se explique pelo fato de o regime ser novo. Tão novo que a realidade ainda não havia virado motivo de piada. ••
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• COMPORTAMENTO
o humor usado para criticar Stalin era muito parecido com o dos tempos do czar Nicolau 11, o que indica que ainda não havia uma crítica direta ao comunismo. Havia também, claro, o medo da repressão stalinista, que perseguiu seus opositores no que ficou conhecido como o Grande Terror e matou e cassou milhões de pessoas. O segundo período começa após a morte de Stalin, quando se inicia o governo de Nikita Khrushchev e vai até a ruína do socialismo, em 1989. A censura ainda estavaem vigor e pessoas eram presas por fazer 'antipro? paganda', mas era cada vez mais raro que alguém fosse condenado por piadas. Aqui, o humor soviético começa a se refinar e a fazer pouco das filas para comprar pão e carne, da má qualidade dos produtos e da falta da liberdade de expressão. O órgiÕ responsável por investigar e prender os piadistas era a NKV:q, o serviço secreto. Ben Lewis afirma que em 1933 um número significativo de pessoas foi parar na cadeia por causa das piadas. Estimase que 43 686 pessoas foram presas por violação desse tipo até 1935. Ainda não se sabe quantas dessas acusações diziam respeito especificamente a piadas, mas é possível ter a medida do perigo que se corria.
em 1920 um texto chamado Nós riremos, onde tenta definir que tipo de
PIADA OFICIAL
Laughter: On Refined Weapons ofSoviet ]esters. Para Christie Davies, é exagero
Dizer que as piadas sobre os governantes, o regime e a vida sob o comunismo eram proibidas não quer dizer, porém, que os órgãos oficiais da URSS achassem o humor desimportante. Entre os anos 1920 e 1950 houve calorosos debates entre os intelectuais do partido para tentar descobrir como deveria ser o "riso soviético". Anatoli Lunacharski, ministro da Educação e Cultura entre 1917e 1929, publicou 52 I AVENTURAS NA HISTÓRIA
comédia seria apropriada aos novos tempos: "O riso não é sinal de força, ele é a própria força. E deve ser canalizado na direção correta". O humor serviria como instrumento de educação cívica, desde que aprovado previamente e distribuído pelo governo. Criticar não era propriamente um problema. Sergei A. Oushakin, diretor do Programa de Estudos Russos e Eurasianos da Universidade de Princeton (EUA), observa: "Se você olhar os documentos oficiais de perto, verá que eles não queriam suprimir as críticas totalmente, mas definir que tipo de crítica poderia ser feita". A finalidade do riso ia além da diversão. Ele deveria ajudar a identificar os problemas do sistema. "Essa crítica localizada dava a possibilidade de criticar o sistema social, mas, ao mesmo tempo, havia espaço para que ele melhorasse. Ao contrário das piadas clandestinas, que diziam que não havia esperanças", diz Oushakin. A isso deu-se o nome de "humor positivo". Oushakin, porém, mostra que o regime não conseguiu cooptar o humor. ''A ideia de administrar o riso era incompatível com seu efeito irruptivo e perturbador. A arma do humor era muito refinada para ser controlada", afirma o pesquisador no artigo Red
dizer que piadas tivessem papel político tão importante. Segundo ele, serviriam como "termômetro" da situação. Ben Lewis concorda: "Foram importantes para manter o espírito de oposição à URSS vivo. Era só uma maneira de articular a oposição. Quando eles começaram a derrubar os regimes, pararam de fazer piadas e entraram em ação". !l!ll
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VEMABAIXO o TERREMOTO PORTUGUESA
QUE CHOCOU A EUROPA, REDESENHOU A CAPITAL E TEVE REFLEXOS ATÉ NA INCONFIDÊNCIA MINEIRA TEXTO Fernando Duarte, de Londres
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I AVENTURAS
NA HISTÓRIA
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ra por volta de 9h40 de 1° de novembro de 1755. Portugal se orgulhava de ser o bastião do catolicismo, e as igrejas da capital estavam lotadas para a celebração do Dia de Todos os Santos. Lisboa, com 200 mil habitantes, era a quarta cidade europeia mais populosa na segunda metade do século 18.Um quadro que ajudou a amplificar o impacto da primeira grande catástrofe natural moderna: naquela manhã de sol, um terremoto de força descomunal arrasou a cidade, matando milhares de pessoas e sacudindo muito mais do que apenas prédios e palacetes. .
De acordo com testemunhas tão variadas como moradores da cidade e diplomatas estrangeiros, entrevistados pelas autoridades portuguesas, os tremores duraram de 3a 6 minutos. Com epicentro no Oceano Atlântico, cerca de 200 km ao sul do arquipélago de São Vicente, o terremoto atingiu também o Marrocos e a Argélia, e foi sentido em outros países da Europa, incluindo a Inglaterra, com relatos de um tsunami que atingiu a costa da Cornualha. Outras cidades portuguesas sofreram graves danos. Mas nenhum lugar foi tão devastado quanto Lisboa: o número de mortos é calculado entre 10mil e 70 mil pessoas, e se
estima que 85%dos prédios, incluindo marcos públicos, como o Palácio Real e igrejas, cheias de fiéis por causa do feriado santo, foram abaixo. A tragédia foimaior ainda porque muitos habitantes de Lisboa correram para a beira do Rio Tejo com a intenção de fugir dos desabamentos e dos incêndios que se alastravam pela capital. A região, porém, foiatingida por uma série de tsunamis gerados em decorrência do terremoto. As ondas destruíram o porto e toda a parte baixa da cidade. O que não caiu ou ardeu em chamas acabou carregado pelas águas - um desastre até então inédito na Europa moderna .•• AVENTURAS NA HISTÓRIA
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TRAGÉDIA
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Era feriado relig\oso e as igrejas estavam lotada . A maioria ruiu -eem-e-t-remo . ô·b-a~d Alfama, onde ficavam as prostitutas, escapou ileso
Sebastião José de Carvalho e Meio, o Marquês de Pombal: um "case" de reconstrução urbana no século 18
IMAGINÁRIO Se provocou consternação de sobra em Portugal, a tragédia também impressionou vizinhos europeus. O terremoto de Lisboa foi a primeira e até agora maior catástrofe natural europeia devidamente registrada. Ocorreu num período em que a comunicação e a preservação da memória tinham avançado no continente, tanto que centenas de gravuras e imagens da tragédia foram confeccionadas em Portugal e no exterior. "O terremoto teve um impacto .no imaginário popular que pode ser comparado com o horror provocado pelo 11 de Setembro de 2001. Foi um evento que chocou o mundo da época. Já vi até comparações com a Bomba de Hiroshima. A repercussão foi imensa pela magnitude da destruição", diz o historiador inglês Edward Paice, autor de A Ira de Deus, uma reconstituição do terremoto. Era uma época turbulenta no que diz respeito ao relacionamento entre homem e Igreja. E a data da catástrofe não poderia ter sido mais sugestiva. O fato de Lisboa ter sido arrasada ,num dia santo não passou despercebido pelos dois lados do debate. Teólogos se apressaram em enxergar um castigo divino. Os iluministas tiveram no acontecimento um trunfo em seus argumentos em prol da razão sobre a fé. A hipótese de castigo divino teve respaldo num país devoto como Portugal, embora a ironia de que o distrito de Alfama, onde ficava a zona do meretrício em Lisboa, resistiu ao terremoto por estar na parte mais alta da cidade, também tenha sido notada, assim como o fato de que quase 90% das igrejas lisboetas e pelo menos 80% de conventos e mosteiros terem sido reduzidos a escombros.
A tragédia levou a um questionamento da vontade divina. O filósofo francês Voltaire mencionou o sismo em seu seminal livro Cândido, atacando a noção de que "Deus sabe o que faz". Seu colega e compatriota jeanjacques Rousseau viu confirmada sua teoria de que a vida nas cidades era nociva ao ser humano - a aglomeração urbana em Lisboa teria contribuído para um maior número de mortes. Na Alemanha, Immanuel Kant foi uma das primeiras vozes a buscar uma explicação natural para o catac1isma. A geologia era uma ciência nova no século 18 - estudos da época afirmavam que a Terra tinha 75 mil anos - e o terremoto ofereceu uma oportunidade preciosa de estudos, um empurrão para a criação da sismologia.
Uma iniciativa crucial veio na resposta das autoridades portuguesas à destruição. Lisboa e Portugal ficaram de joelhos após a catástrofe, os escombros do Palácio Real servindo de símbolo. O rei José I e sua família escaparam da tragédia por estarem fora da cidade, mas viveram como refugiados comuns nas colinas da Ajuda - o soberano ficou traumatizado e se recusou a dormir sob um teto. Portugal só não ficou acéfalo porque o primeiro-ministro Sebastião de Melo chamou a responsabilidade para si. Mais conhecido por seu título de nobreza, o Marquês de Pombal comandou esforços de reconstrução impressionantes mesmo nos dias de hoje. A começar pela determinação em mostrar a mão forte do Estado. •• AVENTURAS NA HISTÓRIA
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TRAGÉDIA
GS 100MAIORES DA HISTÓRIA os TREMORES MAIS
LETAIS DA HUMANIDADE-MATARAM MAIS DE 2 MILHÕES DE PESSOAS
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SHENSI(CHINA) 23 de janeiro de 1556 CALCU,A (INOIA) 11 de outubro de 1737 TANGSHAN(CHINA) 27 de julho de 1976
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~_K;.;.;A.;,;.N=S;;;JJ.I{CHINA) 16 de dezembrO-d!!el1~92~OL •••
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KWANTO(JAPÃO) 1° de setembro de 1923
143 mil mortos
MESSINA (ITALlA) 28 de dezembro de 1908
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CHIHLI (CHINA) 27 de setembro de 1290
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SHEMAKHA (AZERBAIJÃO) novembro de 1667
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120 mil mortos 100 mil mortos • SUSPEITA-SE aUE o NÚMERO DE
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----o LISBOA (PORTUGAL)1° de novembro de 1755
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YUNGAY(PERU) 31 de maio de 1970
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mil mortos
MORTOS SEJA MUITO MAIOR aUE O -DIVULGADO PELO-GOVERNO-CHIN~S_ ESTIMA-SE QUE O TOTAL DE ViTIMAS CHEGOU A 650 MIL
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FONTE: EARTHOUAKES, BRUCE A. BOLT
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LEI MARCIAL "Reis não se envolviam na administração, e as circunstâncias deixaram Pombal ainda mais poderoso. Ele era autoritário, mas é difícil não ter respeito pelo que fez para tentar trazer Portugal de volta à normalidade", diz Paice. Pombal convocou batalhões para ajudar no combate aos incêndios e no resgate das vítimas e impôs Lei Marcial para conter saqueadores. Contrariando a doutrina católica, ordenou que cadáveres fossem recolhidos depressa para evitar doenças e atirados ao mar. Em 4 de dezembro de 1755, pouco mais de um mês depois da catástrofe, o engenheiro-chefe da corte, Manuel da Maia, já apresentava os planos de reconstrução. Eram cinco alternativas, do abandono da cidade a uma reforma completa. Pombal aprovou a quarta opção, que propunha um radical redesenho da Parte Baixa da capital. Lisboa ganhou padronização na construção de casas e edifícios, nos aspectos estético e estrutural: uma trama de vigas de madeira conhecida como "gaiola pombalina", para melhor resistir a sismos, e mais espaçamento entre edificações para prevenir incêndios. Para testar a segurança dos prédios, Pombal criou um "simulador de terremotos" - tropas marchavam ao redor das edificações, criando pequenos temores. Dos escombros, surgiu a Baixa Pombalina. Seus 236 mil m- viraram um dos mais estudados casos de projetos urbanísticos de larga escala no mundo. Pombal também tomou a
decisão de fazer um censo da tragédia: questionários foram enviados a todas as paróquias pedindo informações sobre o terremoto. Além de detalhes como rachaduras e intensidade dos tremores, o questionário de Pombal pedia observações sobre o comportamento de animais e mesmo sobre reduções de volume d'água em poços. Tais informações deram a cientistas subsídios para reconstituir os eventos geológicos de 1° de novembro, incluindo estimativas da intensidade do tremor - estima-se que o terremoto de Lisboa de 1755tenha atingido de 8,5 a 9 graus na Escala Richter.
Pombal coordenou os esforços mesmo num momento em que Portugal tinha os bolsos vazios. Segundo o historiador e economista português Álvaro Pereira, a tragédia causou prejuízos da ordem de 48% do PIE da época. ''A economia viveu uma fase de depressão entre 1750 e 1770 e obviamente a catástrofe não ajudou. Por outro lado, houve consequências positivas: o esforço de reconstrução reaqueceu setores da economia, como a construção civil", explica José Luís Cardoso, do Instituto Superior de Economia e Gestão, em Lisboa.
Nenhuma surpresa, então, que as autoridades portuguesas tenham olhado para suas colônias na hora de pagar a conta. Especialmente a mais rica delas: o Brasil foi visto como tábua de salvação. Pombal aumentou os já rigorosos impostos sobre o ouro brasileiro vindo de Minas Gerais, acirrando o sentimento antiportuguês na região que anos mais tarde abrigaria o primeiro grande movimento pró-emancipação do Brasil, a Inconfidência Mineira. A catástrofe aumentou a dependência econômica de Portugal junto à Inglaterra, por mais que Pombal tivesse tentado fomentar o desenvolvimento econômico do país, que vivia da exploração das colônias e comprava tudo dos ingleses. Hoje, Pombal é lembrado com uma coluna e uma estátua no centro da capital, mas caiu em desgraça após a morte de domJosé I, em 1777.Destituído pela sucessora, Maria I, viveu no ostracismo até sua morte, em 1782. Nos últimos anos, o terremoto voltou a ser lembrado, com a publicação de um polêmico documento do Instituto Europeu de Estudos Marinhos. Pesquisadores detectaram atividades tectônicas na região e sugeriram que um novo grande tremor poderá atingir Portugal. Mas dificilmente terá tanto impacto nos rumos da história como o sismo de 1755,que mudou um país e um continente. E que tem nas ruínas do Convento do Carmo, no Rossio, uma rara lembrança. ~ AVENTURAS NA HISTÚRIA
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o MILITA~TE
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O MILIONARIO PERSONAGENS DOS ANOS DE CHUMBO LANÇAM AUTOBIOGRAFIAS oisenvolvidos com a esquerda armada, perseguidos e exilados durante a ditadura militar, estão lançando suas autobiografias. Os personagens, no entanto, não poderiam ser mais díspares. O pernambucano Cid Benjamin era estudante de engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e líder estudantil quando, em 1968, filiou-se ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Aos
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20 anos, tornou-se uma das figuras
mais importantes da organização. Por 15 meses, participou de ações urbanas armadas, inclusive o sequestro do embaixador dos EUA Charles Elbrick. Cid foi preso e brutalmente torturado, em abril de 1970, e solto como resgate de outro embaixador, o alemão Ehrenfried von Holleben. Em seu exílio, recebeu treinamento militar em Cuba e pretendia ingressar clandestinamente no Brasil pelo Chile, em 1972, para retomar as ações de guerrilha. Foi surpreen-
dido por outros guerrilheiros indo na contramão, a caminho do Chile fugidos do Brasil, onde a ditadura havia conseguido sufocar completamente a esquerda armada. No ano seguinte, teve outra surpresa ingrata no golpe de Augusto Pinochet contra o presidente Salvador Allende, e acabou exilado dentro do exílio. Lançado agora, décadas depois, seu livro é um contraponto interessante a O Que é Isso, Companheiro?, de seu colega de MR-8 Fernando Gabeira. Cid considera que houve muitos erros estratégicos na ação da esquerda, mas seu livro não é uma crítica das ideias e cultura dos guerrilheiros. Cid não se arrependeu, e ainda se considera socialista. É membro fundador do PSOL. Atuando como jornalista investigativo desde sua volta, apresenta um retrato objetivo e al,go frio e implacável da época. Cid também faz críticas duras às gerações anteriores da esquerda, na figura de Luís Carlos Prestes, e ao governo do PT, partido que também ajudou a fundar. O publicitário paulista Carlos Knapp começa suas memórias sobre a ditadura militar com a frase "Tenho uma sorte espantosa". E seu relato mostra isso. Nos anos 60, sua agência publicitária, a Oficina da Propaganda, tornou-se uma das maiores de São Paulo. Sem qualquer convicção política, por desgosto com o cerco às liberdades pessoais do Ato Institucional g, decidiu oferecer seus serviços aos membros da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Knapp dirigiu seu Mercedes importado em ações de guerrilha urbana e hospedou o líder Carlos Marighella. Acabou se dando conta de que sua riqueza e contatos não serviam como proteção quando, num supermercado, seu filho pequeno o reco-
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GRACIAS A LA VIDA Num reflexo, apliquei-lhe um golpe de judô. Sou faixa preta e tinha sido campeão brasileiro juvenil (...). Meu oponente, que depois soube ser o major Moacir Fontenelle, voou por cima de mim e desabou no balcão da padaria, estilhaçando vidro por todo lado. Ato contínuo, surgiram entre 15 e 20 sujeitos, a maioria com fuzis, e começou uma briga que durou vários minutos. A padaria ficou inteiramente destruída.
MINHA VIDA DE TERRORISTA Jonas e outro companheiro embarcaram no meu carro e mandaram que eu seguisse para a Vila Prudente. Iam loquazes, excitados, colocando balas nos seus revólveres e armando as bombas. Eu ia apreensivo, a atividade deles podia ser facilmente notada pelos passageiros dos ônibus que eram ultrapassados. O que iríamos fazer, exatamente: atirar bombas contra uma delegacia de polícia? De dentro de meu carro importado, sem dissimular a chapa?
nheceu num anúncio de "terroristas procurados". E aí sua sorte se fez valer: conseguiu fugir do Brasil e passou a viver na Europa, ignorando as ordens dos companheiros para ir à Cuba receber treinamento. De volta ao Brasil, anos depois, Knapp retomou o trabalho como publicitário, e
mais tarde, participou da área de comunicação dos governos FHC e Lula. Relatos tão distintos, ambos honestos e informativos, são uma oportunidade para perceber a diversidade entre as pessoas que se engajaram na luta violenta contra o regime autoritário. Veja acima um contraste. AVENTURAS NA HISTÓRIA
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CRIADORES DO
SÉCULO 20 AFUNDAÇAoDASNAÇÓES MAIS IMPORTANTES DA HISTÓRIA RECENTE década de 1860 é lembrada pela Guerra Civil Americana, em meio à qual Abraham Lincoln libertou os escravos (e, no Brasil, pela Guerra do Paraguai). Mas havia muito mais atividades no mundo. Em 1861, o czar Alexandre II aboliu a servidão na Rússia, abrindo caminho para o desenvolvimento industrial do país, evitando que caísse na mais completa irrelevânda. No ano seguinte, Otto von Bismarck tornou-se primeiro-ministro
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PACTO COM O CRIME Em 1989, o empresário e militar da reserva Jorge Salcedo recebeu uma proposta que não podia recusar: o Cartel de Cali queria sua ajuda para armar uma operação de assassinato contra Pablo Escobar. Ao aceitar a proposta, ele tinha mais que medo ou dinheiro em mente: ameaçado pelo governo da Colômbia, Escobar havia recorrido a ações terroristas, tornando-se o inimigo público número 1 do país. A ação foi um fracasso, e o pacto com o que Salcedo julgava ser 62
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o mal menor logo cobrou seu preço: a contragosto, tornou-se um membro pleno do cartel, que se tornaria a maior organização criminosa da história. Confrontado com uma ordem para cometer assassinato, decidiu saltar do barco se aliando a agentes norte-americanos, o que culminaria com a destruição da organização, em 1998. Esse thriller policial verídico é narrado agilmente em À Mesa com o Diabo, do repórter investigativo norte-americano William C. Rempel.
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da Prússia, iniciando o processo de unificação da Alemanha, que criaria o primeiro estado de bemestar social moderno, a superpotência que estaria no lado errado de duas guerras mundiais, Em Forja de Impérios, o acadêmico Michael Knox Beran traz um paralelo entre esses três personagens fundadores - ou revolucionários, como ele afirma - das potências que definiriam grande parte da história do século 20_ A comparação mais fácil é entre Lincoln e Alexandre: ambos libertaram milhões de seres humanos de instituições arcaicas e injustas. Bismarck também enfrentou a herança do passado, na forma do feudalismo de inúmeros pequenos principados que dominavam territórios alemães, e o presidente tornado imperador Napoleão Ill - o quarto personagem principal, não mencionado no título, que tentou resgatar as ambições imperialistas de seu tio, Napoleão Bonaparte.
.Mesmo com essa proposta de paralelismo, os países que nasceriam dessas revoluções são completamente díspares, o que se torna claro no livro, e assim também são seus personagens. Lincoln encarnava a simplicidade igualitária republicana, com um estilo tão despojado que lhe rendia críticas no próprio país. Alexandre era um filho da pompa e solenidade de uma casa real absolutista. E Bismarck, um nobre construindo uma nação industrial moderna, mas fortemente aristocrática e autoritária.
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HOMO MACHO
BRASILIENSIS Organizada pelas historiadoras Mary dei Priore e Márcia Amantino, a coletânea História dos Homens no Brasil aborda um pouco de tudo sobre a construção da identidade do macho nacional. Entre outros temas, os ensaios tratam de moda e vaidade masculina na era colonial, as ideias de masculinidade vindas da África, a situação histórica dos homossexuais, o surpreendente conservadorismo sexual da juventude revolucionária dos anos 60 e a ascensão do Brasil como um dos pioneiros mundiais do MMA (mixed martial arts, o "vale-tudo"). AVENTURAS NA HISTÓRIA
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LEITURA PARA SENHORAS AINDA ANTES DA INDEPENDÊNCIA, ESCOLAS PARA MENINAS DA ELITE SE MULTIPLICARAM NO BRASIL oséculo 19, a precariedade dos centros de educação, a instrução primária de curta duração e má qualidade e o estado de ignorância em que as mulheres eram mantidas foram alvo de críticas de viajantes estrangeiros, vindos de países onde as diferenças de educação entre os gêneros quase não existia
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mais. A ênfase na vida doméstica e o escravismo só faziam agravar o "ritmo lento e pouco imaginativo no qual se desenrolava a vida das senhoras no Brasil". O inglês John Mawe, por exemplo, nelas acusava a falta de educação e de recursos de ~spÍrito além dos conhecimentos superficiais. Segundo o observador, ocupavam-se
de trabalhos leves que nada tinham a ver com o que se aprendia na escola. Ao contrário, a instrução poderia colocar em risco o esquema de controle sobre esposas e filhas cujo apetite intelectual deixava a desejar; não deveriam dedicar-se à leitura, nem precisavam escrever porque "poderiam fazer mal uso da arte".
"Poucas mulheres podem ler", anotava o comerciante inglês Thomas Lindley. Elizabeth Agassiz confirmou que, na Amazônia, elas deixavam escoar uma existência fanada, "sem livros, nem cultura de qualquer espécie". Um naturalista americano, Herbert H. Smith, anotou que, na segunda metade do século 19, pais sensatos reclamavam da falta de educação das filhas, Tais críticas, contudo, não elucidam se nossas avós já sabiam ler ou não. É provável que não tivessem um padrão de educação ideal, tal como já existia na Europa ou nos EUA, com múltiplas disciplinas e sem diferenças quanto à educação que era dada aos homens. Mas nada as impedia de saber ler. As escolas para meninas de elite começavam a multiplicar-se. Em 1814, anúncios na Gazeta do Rio de Janeiro indicavam a presença de professores particulares que as ensinavam a "ler, escrever e contar". De passagem por Recife, o francês LouisFrançois Tollenare observou que os preconceitos sobre a educação feminina começavam a diminuir. Abertas para as influências europeias -leia-se, as modas e os modismos -, as jovens educadas por freiras não se contentavam mais em aprender só "a costurar e a ler". No Rio de Janeiro, livros eram oferecidos em lojas nas quais, também, comercializavam-se quinquilharias: cartas de jogar, cera da Índia, tinta de escrever, estampas e desenhos, lustres,
encerados e tapetes, vidros da Boêmia, imagens sacras e móveis europeus. Eram livros de pintura, de viagens, atlas, dicionários históricos, geográficos e mitológicos junto com xales, leques e objetos de prata. A Gazeta do Rio dejaneiro anunciava um produto irresistível: leitoras interessadas em magia poderiam achar livros sobre a matéria "na loja
levou a viajante a conhecer a biblioteca do desembargador da Relação do Rio de Janeiro, composta de livros de direito, história e literatura, principalmente inglesa e francesa. Outras mulheres que lhe chamaram atenção foram a esposa do ministro da Fazenda Manuel Jacinto, "tbe most pleasant woman", e a Marquesa de Aguiar, considerada "bem-educada para uma portuguesa". A biblioteca de José Bonifácio, "provida de livros em todas as línguas", impressionou-a vivamente, e com a imperatriz Leopoldina, no dia dos anos de dom Pedro, diz ter conversado "um bom pedaço sobre autores ingleses e especialmente acerca das novelas escocesas". As mulheres da família imperial liam e gostavam de livros. A jovem dona Francisca, em viagem à França em companhia de seu recém-esposo, o príncipe dejoinville, deliciava-se com as aventuras de dom Quixote. As novelas eram o grande sucesso: novelas de "grande merecimento", "acabadas de sair à luz", "mui galantes e divertidas" eram anunciadas por catálogos ou em jornais. Narradas por autores na sua grande maioria anônimos, nelas cruzavam-se "histórias" variadas, sicilianas, inglesas, turcas, napolitanas, de ilustres aventureiros ou misteriosos desconhecidos.
No século 19, as brasileiras de elite estavam alfabetizadas e um novo mercado surgiu para atendê-Ias. O período coincide com a popularização das novelas, anunciadas em jornais da Gazeta". Entre outros, a Defesa de Cecília Faragó, acusada de feiticeira, por 1$280, o Breve Tratado sobre as Ações do Demônio, por 1$280, a História
das Imaginações Extravagantes de Ouj1e, do mago francês, por 2$400. De passagem pelo Brasil em 1822, a inglesa Maria Graham pôde travar contato com essas discretas leitoras. Uma delas, a jovem dona Carlota, filha do poderoso Brás Carneiro Leão e de Ana Francisca Maciel da Costa, baronesa de São Salvador de Campos de Goitacazes, especial por "seu talento e cultura acima de suas companheiras",
Por MARV DEL PRIORE Doutora em história social com pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales. vencedora do Prêmio Jabuti e autora de Histórias Intimes - Sexualidade e Erotismo na História do Brasil.
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ULYSSES CONTRA OS CAES OPOSICIONISTA QUASE FOI ATACADO NA BAHIA m13 de maio de 1978, Ernesto Geisel estava no comando da ditadura militar. O deputado Ulysses Guimarães, presidente do MDB, o partido da oposição, viajou a Salvador para lançar a candidatura do correligionário Rômulo Almeida ao Senado. A Bahia era o feudo político de Antonio Carlos Magalhães, da governista Arena. O governador era seu afilhado Roberto Santos. Havia um comício marcado para as 20 h na Praça Dois de Julho, mas 400 soldados cercaram o local e ameaça-
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ram Ulysses e sua comitiva com armas e cachorros. O deputado deu um chega pra lá nos policiais, cruzou o cordão de isolamento e fez um discurso para uma audiência de PMs. "Soldados da 'minha pátria", bradou, empapado de suor, a camisa rasgada pela truculência oficial. "Enquanto ouvíamos as vozes livres que aqui se pronunciaram, ouvíamos o ladrar dos cães lá fora!", prosseguiu Ulysses. "O ladrar, essa manifestação zoológica, é do arbítrio, do autoritarismo que haveremos de vencer. Meus amigos, foi uma
violência estúpida, inútil e imbecil. Saibam que baioneta não é voto e cachorro não é urna." O destino dos personagens: Ulysses, presidente da Câmara, foi o patrono da Constituição de 1988, ainda em vigor. Roberto Santos foi antecedido e sucedido por ACM no governo da Bahia. Rômulo Almeida acabou derrotado na disputa ao Senado. Todos tiveram um destino comum no governo de José Sarney, o primeiro pós-ditadura: ACM e Santos foram ministros. Almeida, diretor do BNDES.
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PRESENCIAL
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VESTIBULAR METODISTA.INSCRIÇÕES Bacharelado: • Administração • Administração • Biomedicina PRÊMIO
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