Matemática Elementar
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Temas de Matemática 1. MATEMÁTICA E ENSINO Elon Lages Lima
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3. DESASTRE NO ENSINO DA MATEMÁTICA: COMO RECUPERAR O TEMPO PERDIDO PE RDIDO Nuno Crato (coord.) 4. APOLOGIA DE UM MATEMÁTICO G. H. Hardy
5. EDUQUES: UM FLAGELO SEM FRONTEIRAS — O CASO LAFFORGUE Filipe Oliveira (org.) 6. A MATEMÁTICA DAS COISAS Nuno Crato
7. ARITMÉTICA PARA PAIS Ron Aharoni
8. SABER E ENSINAR MATEMÁTICA ELEMENTAR Liping Ma
LIPING MA
SABER E ENSINAR MATEMÁTICA ELEMENTAR TRADUÇÃO
SARA LEMOS E ANA SOFIA DUARTE REVISÃO CIENTÍFICA
JOSÉ PALMA FERNANDES, FERNANDES, ISABEL HORMIGO E LUÍSA ARAÚJO ARAÚJO
spm
SOCIEDADE H PORTUGUESA DE MATEMÁTICA
gradiva
Título original: Knowing and Teaching Elementary Mathematics — teacher’s understanding of fundamental mathematics mathematics in China China and the United United States States © Lawrence Erlbaum Associates, Inc., 1999 Todos os direitos reservados Tradução autorizada a partir da edição em língua inglesa publicada por Lawrence Erlbaum Associates, Inc., uma chancela de Taylor ôt Francis Group LLC Tradução: Sara Lemos e Ana Sofia Duarte Isabel Hormigo e Luísa Araújo Revisão de texto: Alda Revisão científica: José Palma Fernandes, Isabel Rodrigues Capa: ilustração: © Corbis/VMI design gráfico: Armando Lopes Lopes Fotocomposição, Fotocomposição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, L.ia Reservados os direitos para a língua portuguesa por: Gradiva Publicações, S. A. Rua Almeida e Sousa, 21 - r/c esq. — 1399-041 Lisboa Telef. 21 393 37 60 — Fax 21 395 34 71 Dep. comercial: Telefs. 21 397 40 67/8 — Fax 21 397 14 11
[email protected] / / www.gradiva.pt www.gradiva.pt a edição: Agosto de 2009 2009 Depósito legal n.° 297 961/2009 ISBN: 978-989-616-324-2 l.
gradiva Editor: Guilherme Valente
Colecção coordenada por: NUNO CRATO e GUILHERME VALENTE
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índice Prefácio.................................................................................................................................................. 7 Agradecimentos ................................................................................................................................ 13 Introdução........................................................................................................................................... 19 1.
Subtracção com reagrupamento: abordagens para ensinar um tópico .....................
31
A abordagem dos professores americanos: empréstimo versus reagrupamento ................................................................................................................... 32 A abordagem dos professores chineses: decompor uma unidade de ordem superior............................................................................................................... 39 Debate ......................................................................................................................................... 61 Sumário ....................................................................................................................................... 70 2.
Multiplicação com números de vários algarismos: lidar com os erros dos alunos ................................................................................................................................... 71 A abordagem dos professores americanos: alinhar versus separar em três problemas............................................................................................................... 72 A abordagem dos professores chineses: desenvolver o conceito de valor posicionai ............................................................................................................................ 86 Debate ...................................................................................................................................... 106 ' Sumário ....................................................................................................................................... 110
3.
Criar representações: divisão por fracções ........................................................................... 113 O desempenho dos professores americanos nos cálculos................................................. 114 O desempenho dos professores chineses nos cálculos ......................................... 117 As representações dos professores americanos na divisão por fracções ... 126 A abordagem dos professores chineses ao significado da divisão por fracções ........................................................................................................................ 137
5
Debate ....................................................................................................................................... 151 Sumário ..................................................................................................................................... 154 4.
Explorar novo conhecimento: a relação entre perímetro e área ................................ 155 Como os professores americanos exploraram a nova ideia .............................................. 156 Como os professores chineses exploraram a nova ideia .................................................. 164 Debate ...................................................................................................................................... 184 Sumário ..................................................................................................................................... 188
5.
Conhecimento dos professores sobre a matéria: compreensão profunda da matemática fundamental .................................................................................................. 189 Um retrato transversal do conhecimento dos professores chineses: qual é a sua substância matemática? ............................................................................. 190 Bases de conhecimento e os seus elementos-chave: compreender a coerência longitudinal na aprendizagem .................................................................. 199 A matemática elementar como matemática fundamental ................................................ 202 Compreensão profunda da matemática fundamental ....................................................... 205 Sumário ..................................................................................................................................... 214
6.
Compreensão profunda da matemática fundamental: quando e como é atingida .................................................................................................................................. 217 Quando é atingida a compreensão profunda da matemática fundamental? O que os grupos de futuros professores sabiam sobre os quatro tópicos 218 Compreensão profunda da matemática fundamental: como é atingida? 223 Sumário ........................................................................................................................................... 243
7.
Conclusão ................................................................................................................................. 245 Considerar simultaneamente o conhecimento dos professores e a aprendizagem dos alunos .......................................................................................... 248 Realçar a interacção entre o estudo da matemática escolar pelos professores e o modo de a ensinar ................................................................................. 249 Centrarmo-nos de novo na preparação dos professores .................................................... 252 Entender o papel que os materiais curriculares, incluindo os manuais escolares, podem desempenhar na reforma.................................................................. 253 Compreender a chave para a reforma: independentemente da sua forma, as interacções na sala de aula devem centrar-se na matemática substantiva.................................... 255
Apêndice ........................................................................................................................................... 261 Referências bibliográficas .............................................................................................................. 263 índice remissivo ............................................................................................................................... 271
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Prefácio Lee S. Shulman Fundação Carnegie para o Progresso do Ensino Este é um livro notável. É também extraordinariamente fácil não compreender bem as suas lições mais importantes. Liping Ma realizou um estudo que compara a compreensão matemática entre professores do ensino básico americanos e chineses, no respeitante às práticas de ensino em sala de aula. O que poderia ser mais simples? O que se poderia interpretar erradamente? Deixem-me elucidá-los. • Este livro parece ser um estudo comparativo entre
professores de matemática chineses e americanos, mas os seus contributos mais importantes são teóricos e não comparativos. • Este livro parece falar sobre a compreensão do conteúdo da matemática, mais do que da sua pedagogia, mas a sua concepção de conteúdo é profundamente pedagógica. • Este livro parece falar sobre a prática do ensino da matemática, mas merece ser consultado por aqueles que estabelecem políticas para o ensino e a formação de professores. • Este livro parece ser muito relevante para a preparação de futuros professores, mas as suas descobertas mais importantes estão relacionados com o nosso entendimento do trabalho dos professores e com o desenvolvimento da sua carreira profissional a longo prazo.
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• Este livro foca o trabalho dos professores do ensino básico,
mas o seu público-alvo mais importante pode ser constituído por aqueles que nas universidades ensinam matemática a futuros professores, assim como por futuros pais. Tentarei clarificar as observações algo crípticas que constam deste prefácio, mas primeiro apresentarei uma breve nota biográfica sobre Liping Ma. Liping tornou-se professora do ensino básico por «cortesia» da Revolução Cultural Chinesa. Quando era estudante do oitavo ano numa escola em Xangai, foi enviada para a província — no seu caso, uma aldeia pobre nas montanhas do Sul da China — para ser reeducada pelos camponeses, trabalhando nos campos. Após alguns meses, o chefe da aldeia pediu a Liping que ocupasse o cargo de professora na escola local. Segundo o que me descreveu, ela não passava de uma adolescente de Xangai com apenas oito anos de educação formal, que enfrentava o desafio de ensinar todas as disciplinas a duas classes de crianças na mesma sala de aula. Durante os sete anos seguintes, ensinou todos os cinco anos de escolaridade e tornou-se directora da escola. Uns anos mais tarde, seria contratada como Directora-Geral da Educação Básica para todo o concelho. Ao regressar a Xangai, cheia de curiosidade acerca desta nova oportunidade, encontrou no Professor Liu um mentor que coordenou a sua leitura de muitos dos clássicos da educação — entre eles, Confúcio e Platão, Locke e Rousseau, Piaget, Vygotsky e Bruner. O Professor Liu acabou por se tornar presidente da Universidade Normal da China Oriental, onde Liping obteve o grau de mestre. Ela ansiava por estudar ainda mais e continuar a sua formação nos Estados Unidos. No último dia de 1988, chegou a este país para estudar na Universidade do Estado de Michigan. Nesta Universidade trabalhou, entre outros, com Sharon Feiman-Nemser e Suzanne Wilson em formação de professores, com Deborah Bali e Magdalene Lampert em educação mate-
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mática e com Lynn Paine em educação comparada. Participou no desenvolvimento e na análise de um inquérito nacional sobre a compreensão matemática dos professores do ensino básico e ficou perplexa com os equívocos desta ordem persistentes entre os professores americanos. Estes impressionaram-na como sendo muito diferentes dos professores que conhecera na China. Após alguns anos, a sua família optou por ir viver para a Califórnia, e Liping foi aceite no programa de doutoramento da Universidade de Stanford, onde pôde completar a parte curricular do programa e elaborar a sua dissertação. Aceitei ser seu orientador e a Fundação Spencer atribuiu-lhe uma bolsa de um ano para completar o estudo que é a base deste livro. Este apoio, conjuntamente com a ajuda continuada do Estado de Michigan, tornaram possível a sua viagem à China para recolher dados dos professores chineses. Após terminar o seu doutoramento, foi-lhe atribuída uma bolsa de dois anos de pós-doutoramento para trabalhar com Alan Schoenfeld em Berkeley, onde continuou a investigação e onde a sua dissertação foi transformada neste magnífico livro. Quais as lições mais importantes a retirar deste livro? Vamos voltar à lista de ideias erradas que apresentei anteriormente e discuti-las mais elaboradamente. Este livro parece ser um estudo comparativo entre professores de matemática chineses e americanos, mas os seus contributos mais importantes são teóricos e não comparativos. A investigação compara os professores americanos e chineses e estes últimos, mais uma vez, sabem mais. O que poderia ser mais simples? Mas as ideias-chave deste livro não são comparações entre os profes- ‘ sores americanos e os seus pares chineses. O coração deste livro é a análise da Dr.a Ma do tipo de compreensão que distingue os dois grupos. Os professores chineses parecem ter desenvolvido uma «compreensão profunda da matemática fundamental». Dizer que eles «sabem mais» ou «compreendem melhor» é uma pretensão profundamente teórica. Podem,
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de facto, ter estudado muito menos matemática, mas a que conhecem, conhecem de um modo mais profundo, flexível e adequado. Este livro parece falar sobre a compreensão do conteúdo da matemática, mais do que da sua pedagogia, mas a sua ideia de conteúdo é profundamente pedagógica. Liping Ma propôs-se identificar as diferenças no conhecimento e na compreensão do conteúdo da matemática entre professores americanos e chineses do ensino básico, mas a sua concepção de compreensão é exigente. Ela desenvolveu uma concepção de compreensão matemática que dá ênfase aos aspectos do conhecimento que mais poderão contribuir para a capacidade do professor de explicar ideias matemáticas importantes aos estudantes. Assim, a sua estipulação de quatro propriedades da compreensão matemática — ideias básicas, conectividade, representações múltiplas e coerência longitudinal — oferece um enquadramento eficaz para a apreensão do conteúdo matemático necessário para entender e orientar o pensamento das crianças em idade escolar. Este livro parece falar sobre a prática do ensino da matemática, mas merece ser consultado por aqueles que estabelecem políticas para o ensino e a formação de professores. Os responsáveis por estas políticas passaram a insistir de uma maneira obsessiva na ideia de que os futuros professores devem demonstrar possuir o conhecimento da matéria necessário para ensinar crianças. Estamos prestes a ver, entre as autoridades oficiais de acreditação, a proliferação de testes de conhecimento de conteúdos para professores, que obviamente não deverão avaliar o conhecimento de uma forma errada. O trabalho de Liping Ma deve levar os responsáveis pelas políticas a encomendar a realização de avaliações que testem uma compreensão profunda da matemática fundamental entre os futuros professores do ensino básico, e não um conhecimento superficial de regras e procedimentos.
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Este livro parece ser muito relevante para a preparação de futuros professores, mas as suas descobertas mais importantes estão relacionadas com o nosso entendimento do trabalho dos professores e com o desenvolvimento da sua carreira profissional a longo prazo. Liping não se contentou com documentar apenas as diferenças de compreensão entre os professores chineses e americanos. Também averiguou as fontes dessas diferenças. Uma importante descoberta (patente no trabalho de Stigler e Hiebert sobre o TIMMS — Stigler & Hiebert, 1999) é que os professores chineses continuam a aprender matemática e a apurar a compreensão dos conteúdos ao longo das suas carreiras de ensino. O trabalho dos professores na China inclui tempo e apoio para reflexões e seminários sobre os conteúdos das suas aulas, que são componentes essenciais desse trabalho. Aos professores americanos não são oferecidas quaisquer oportunidades dentro do seu horário escolar para acções idênticas, pelo que eles podem ensinar durante muitos anos sem aprofundar a compreensão dos conteúdos que ensinam. Pelo contrário, os professores chineses trabalham em ambientes que criam oportunidades de aprendizagem numa base contínua. Este livro foca o trabalho dos professores do ensino básico, mas o seu público-alvo mais importante pode ser constituído por aqueles que nas universidades ensinam matemática a futuros professores, assim como por futuros pais. Onde podem os futuros professores aprender a matemática que, do nosso ponto de vista, é necessária para o ensino? Na China, aprendem-na com os próprios professores do ensino básico e secundário, melhoram esse conhecimento nas escolas normais (escolas de formação de professores) e mantêm e desenvolvem o seu conhecimento na prática docente. Para quebrar o círculo vicioso que limita o conhecimento matemático dos professores americanos, a única solução reside no desenvolvimento de cursos de matemática mais eficazes nos programas de licenciatura. Nos programas existentes parece não haver lugar para o ensino da matemática fundamental que permita uma compreensão profunda da disciplina. Quando muito, 11
tal conhecimento é mal interpretado como terapêutico, em vez de se reconhecer que é rigoroso e merecedor de um ensino a nível universitário. Os departamentos de matemática devem responsabilizar-se por concretizar esta prioridade nacional tanto para futuros professores como para futuros cidadãos. Apesar de este livro apenas agora ter sido publicado, há já algum tempo circulavam na comunidade matemática cópias dos primeiros rascunhos deste manuscrito. Numa carta recente, o orientador pós-doutoramento de Liping Ma, Professor Alan Schoenfeld da Universidade de Califórnia em Berkeley, descreveu de uma maneira entusiástica a reacção às cópias deste livro ainda antes da sua publicação. O manuscrito de Liping obteve já uma notoriedade fascinante e tornou-se um êxito, sendo talvez o único manuscrito que conheço que despertou a atenção e a aprovação de ambos os lados das «guerras da matemática». Muitos matemáticos de nível mundial mostraram-se entusiasmados com ele; nas reuniões matemáticas anuais, pessoas como [ele lista vários matemáticos profissionais de renome] têm feito publicidade ao livro, porque este demonstra que o conhecimento dos conteúdos faz a diferença. Mas ao mesmo tempo, aqueles que têm perspectivas de reforma — aqueles que dão valor a uma perspectiva profunda e interligada do pensamento matemático, e que compreendem que a competência docente inclui o domínio de uma base de conhecimento rica e com uma grande variedade de conhecimento pedagógico — verificam que o livro contém lições valiosas quanto ao conteúdo, à preparação de professores e ao profissionalismo docente. Este é de facto um livro esclarecedor e valioso. Testemunha o talento da sua autora e os ambientes de aprendizagem chineses e americanos que alimentaram esse talento. Confirma o valor de académicos vindos de outros países para estudar nos Estados Unidos. Peço a todos os que estão preocupados com a qualidade da educação matemática nos Estados Unidos que leiam este livro e que levem a sério os seus ensinamentos. 12
Agradecimentos Há cerca de 30 anos, a China atravessava aquilo a que se chamou «Revolução Cultural». Milhões de estudantes das cidades foram enviados para áreas rurais. Fazendo parte desse grupo, deixei Xangai, onde tinha nascido e sido criada, e fui para uma aldeia pequena e pobre numa área montanhosa do Sul da China. Sete de nós, ainda adolescentes — com sete ou oito anos de educação formal — formámos aí uma família «cooperativa». Pressupunha-se que ganhássemos a vida trabalhando nos campos e que fôssemos, ao mesmo tempo, reeducados pelos camponeses. Uns meses mais tarde, o chefe da aldeia veio ter comigo. Surpreendeu-me ao pedir que me tornasse professora da escola primária da aldeia — para educar as suas crianças. Na sua maioria, os camponeses naquela área montanhosa eram iletrados, mas queriam muito evitar o mesmo destino à geração seguinte. Hoje em dia, tendo nas mãos o manuscrito deste livro e olhando para trás, consigo visualizar claramente o ponto de partida da minha carreira — aquela rapariga de Xangai que tentava arduamente ensinar todas as matérias dos dois primeiros ciclos do ensino básico a crianças de um meio rural. Foi uma jornada longa, cheia de alegrias e lágrimas. Todo o valor deste livro, se é que existe, foi alimentado ao longo dessa jornada. Este livro não teria sido possível sem as ajudas que fui recebendo pelo caminho. O trabalho desenvolveu-se em duas fases
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— a investigação e a escrita da minha dissertação, e a sua
adaptação ao formato de livro. Ambas as fases foram conseguidas com a ajuda de várias pessoas e instituições. Em primeiro lugar, devo agradecer às Fundações Spencer e McDonnell as bolsas de doutoramento e pós-doutoramento que apoiaram a escrita e adaptação da minha dissertação. Na Universidade de Michigan em East Lansing — a minha «cidade natal» nos Estados Unidos — fiquei especialmente em dívida para com as Professoras Sharon Feiman-Nemser, Lynn Paine e as suas famílias. A minha casa intelectual foi o projecto TELT, do qual beneficiei bastante devido à interacção com os seus membros. O meu trabalho assenta no TELT, tanto intelectualmente como através do uso de questões desenvolvidas por Deborah Bali e dos dados recolhidos por Deborah Bali, Sharon Feiman-Nemser, Perry Lanier, Michelle Parker e Richard Prawat. Quando cheguei aos Estados Unidos, tinha apenas 30 dólares no bolso. A minha orientadora Sharon trabalhou arduamente para me ajudar a encontrar uma bolsa de assistente de investigação que me permitisse concentrar no meu desenvolvimento académico. Tal como acontece com todos os seus alunos, a sua extraordinária sabedoria sobre ensino e investigação guiou e continuará a guiar a minha investigação sobre formação de professores. Depois de receber um telefonema em chinês da Professora Lynn Paine e antes de me encontrar com ela, não poderia ter adivinhado que era americana. Foi ela que me deu a primeira formação sólida na forma de conduzir uma investigação transnacional sobre educação. Mais tarde, como membro do júri da minha dissertação em Stanford, ela leu-a cuidadosamente e fez comentários detalhados e pertinentes sobre como melhorá-la. Na Universidade de Michigan fiquei também em dívida para com os Professores Deborah Bali, Margret Buschmann, David Cohen, Helen Featherstone, Robert Floden, Mary Ken-
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nedy, David Labaree, William McDiarmid, Susan Melnick, Richard Navarro, John Schwille e Mun Tsang pelas suas orientações na fase inicial do meu programa de doutoramento. Para além disso, gostaria de agradecer aos meus colegas Zhixiong Cai, Fanfu Li, Yiqnig Liu, Shirley Miskey, Michelle Parker, Jeremy Price, Neli Wolf e Chuanguo Xu pelas boas-vindas, ajuda e companheirismo com que me acolheram nos meus primeiros dias num país estrangeiro. Na Universidade de Stanford, o meu orientador Lee Shulman merece uma menção especial. Ele apoiou-me desde o primeiro momento, quando apresentei o meu tópico de investigação e generosamente prestou esclarecimentos intelectuais vitais, palavras calorosas de encorajamento e conselhos úteis. Sob a sua orientação, aprendi como lançar a semente de uma ideia de investigação e transformá-la numa árvore frondosa. Agradeço também aos Professores Myron Atkin, Robbie Case, Larry Cuban, Elliot Eisner, James Greeno, Nel Noddings, Thomas Rohlen, Joan Talbert e Decker Walker de Stanford pelo seu apoio ao longo dos meus esforços de investigação. O Professor Harold Stevenson da Universidade de Michigan leu a minha proposta de dissertação e contribuiu com valiosas sugestões. O Professor Fonian Liu, antigo presidente da Universidade Normal da China Oriental, expressou também o seu entusiástico encorajamento para a minha investigação. Durante o período de pós-doutoramento, muito fiquei a dever a Miriam Gamoran Sherin, na altura uma estudante de pós-graduação na Universidade da Califórnia em Berkeley, actualmente professora assistente na Universidade de Northwestern. A Miriam leu grande parte do manuscrito e ajudou-me não só a corrigir o meu «chinglês», mas também me inspirou com os seus pertinentes comentários. Outras duas estudantes de pós-graduação, Kathy Simon e Glen Trager, de Stanford, contribuíram para a revisão do meu trabalho com o seu encorajamento carinhoso e constante. Durante o pós-doutoramento decidi transformar a minha dissertação num livro. Quando a tarefa ficou concluída, na
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altura de enviar o manuscrito do livro para o editor, senti-me como uma mãe antes do casamento da filha. Acabar a dissertação assemelhava-se a ter tido um bebé. Transformá-la num livro — criá-la e educá-la — não foi uma tarefa nada fácil. Para mim, que comecei a aprender inglês sozinha aos vinte anos, revelou-se particularmente difícil. Felizmente, um excelente grupo de pessoas deu-me o seu apoio e cooperação. O Professor Alan Schoenfeld, com quem fiz o meu trabalho de pós-doutoramento na Universidade da Califórnia em Berkeley, é a primeira pessoa a quem quero agradecer nesta fase. O Alan deu ao livro um lugar na série que edita. Leu e comentou cada capítulo, fez sugestões valiosas para melhoramentos, até reescreveu alguns parágrafos e esteve sempre presente quando eu precisava de ajuda. Ao trabalhar de perto com o Alan, aprendi muito sobre investigação, e aprendi muito mais — um modo de interagir com estudantes e colegas. Como William Shawn, editor do New Yorker, disse da sua comunidade, «O amor tem sido o sentimento condutor e amor é a palavra essencial.» O Alan criou uma comunidade na qual os estudantes são tratados como futuros colegas e cada um é um colega potencial. Ele, sagazmente, sugeriu um membro dessa comunidade para me ajudar no livro. A Doutora Cathy Kessel, uma investigadora em Berkeley, foi a «ama» indispensável do meu «bebé» — o livro. Ela encarregou-se da complexa edição do manuscrito, criticou argumentos fracos, forçou-me a torná-los claros e ajudou-me a exprimir as minhas ideias. Para o capítulo 7, reviu a qualidade do texto e ampliou, fortaleceu e clarificou os meus argumentos. Para além deste trabalho intelectual, tratou também de todos os pormenores entediantes relacionados com o processo de preparar o manuscrito de um livro. A contribuição da Cathy para este livro não pode deixar de ser fortemente realçada. Sem a sua ajuda, eu, a «mãe», nunca teria conseguido criar o «bebé». De facto, a paixão dela pelo livro não é menor do que a minha. Gostaria de agradecer a Rudy Apffel, Deborah Bali, Maryl Gearhart, liana Horn e Susan Magdison pelos seus comentá16
rios sobre a introdução. Os comentários cuidadosos e detalhados de Anne Brown sobre os capítulos 1 a 4 ajudaram a melhorar a sua clareza. O grupo de investigação de Alan Schoenfeld, o Functions Group, passou duas sessões a discutir o meu manuscrito. Julia Aguirre, liana Horn, Susan Magidson, Manya Raman e Natasha Speer fizeram comentários valiosos. Agradeço ao Functions Group e à Anne Brown pelos comentários aos capítulos 5, 6 e 7. Agradeço de novo ao Robert Flo- den pela informação de última hora fornecida pela base de dados NCRTE. Gostaria também de agradecer a Naomi Silverman, editora-chefe na Lawrence Erlbaum Associates, pelo seu apoio paciente e útil. A minha sincera gratidão vai para o Professor Richard Askey, cujo interesse e entusiasmo contribuíram para chamar a atenção de muitas pessoas para o manuscrito do livro. De volta à China, a minha terra natal, agradeceria primeiro aos camponeses de Cunqian, a aldeia onde vivi e ensinei, que tinham pouca instrução mas que me colocaram no caminho de um doutoramento na Universidade de Stanford. Agradeço sinceramente aos professores chineses que entrevistei. Agradeço também de um modo especial aos professores que ajudaram a moldar a minha jovem mente. Para terminar, a minha família merece certamente os agradecimentos finais e o maior reconhecimento. Sem a sua ajuda, este livro, e também toda a minha vida, não teriam sido possíveis.
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Introdução Em comparações internacionais de competência matemática, os estudantes chineses geralmente ultrapassam o desempenho dos estudantes americanos. Paradoxalmente, os professores chineses aparentam ter muito menos educação matemática que os professores americanos. A maior parte dos professores chineses teve entre 11 a 12 anos de escolaridade — completam o nono ano e frequentam mais dois ou três anos na escola normal. Em contrapartida, a maioria dos professores americanos recebeu entre 16 a 18 anos de formação, correspondentes a uma licenciatura e, frequentemente, a mais um ou dois anos de estudos. Sugiro neste livro uma explicação para este paradoxo, pelo menos no que se refere ao ensino básico. A informação em meu poder sugere que os professores chineses começam as suas carreiras com uma melhor compreensão da matemática elementar do que a maioria dos seus congéneres americanos. A compreensão da matemática que ensinam e — igualmente importante — dos modos de apresentação da matemática elementar aos alunos, continua a desenvolver-se ao longo das suas carreiras profissionais. De facto, cerca de 10% dos professores chineses, apesar da falta de educação formal, apresentam um grau de compreensão matemática extraordinariamente raro nos Estados Unidos.
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Apresento as diferenças entre os professores chineses e os americanos, no que se refere ao conhecimento para leccionar matemática, e sugiro que a compreensão da matemática e do seu ensino por parte dos professores chineses contribui para o sucesso dos seus alunos. Também apresento alguns dos facto- res que sustentam o crescimento do conhecimento matemático dos professores chineses, e sugiro razões para a dificuldade, se não impossibilidade, de os professores do ensino básico americano desenvolverem uma compreensão profunda da matemática que ensinam. Começarei com alguns dos exemplos que motivaram este estudo. Em 1989 eu era uma estudante de pós-graduação na Universidade do Estado de Michigan e trabalhava como assistente no estudo Formação de Professores e Aprender a Ensinar (Teacher Education and Learning to Teach — TELT) do Centro Nacional de Investigação em Formação de Professores (National Center for Research on Teacher Education — NCRTE), codificando transcrições de respostas de professores a questões como a que se segue: Imagine que está a ensinar a divisão por fracções. Para que isto tenha algum significado para as crianças, muitos professores tentam relacionar a matemática com outras coisas. Por vezes tentam arranjar situações da vida real ou histórias-problema para mostrar a aplicação de um conteúdo particular. Qual seria uma boa história ou um bom modelo para 1-|- : y? Fiquei particularmente abalada com as respostas a esta questão. Muito poucos professores deram uma resposta correcta. Mais de 100 professores, ainda em formação, no início da carreira ou com experiência de ensino, inventaram uma história que representava 1-| x y, ou ly : 2. Muitos outros professores foram incapazes de inventar uma história. As entrevistas lembraram-me o modo como aprendi a divisão por fracções enquanto aluna da escola primária em Xangai. A minha professora ajudou-nos a compreender a relação entre 20
a divisão por fracções e a divisão por inteiros positivos — a divisão permanece o inverso da multiplicação, mas os significados da divisão por fracções ampliam os significados da divisão por números naturais: o modelo de agrupamento (descobrir quantas metades da unidade existem em 1 ) e o modelo de repartição (encontrar um número cuja metade seja 1 )1 1 . Mais tarde tornei-me professora do ensino básico. Encontrei nos meus colegas o entendimento da divisão por fracções tal como fora ensinado pela minha professora do ensino básico. Como é que tantos professores nos Estados Unidos não mostraram o mesmo entendimento? Várias semanas depois de codificar as entrevistas, visitei uma escola do ensino básico que servia um próspero subúrbio branco e que tinha a reputação de um ensino de elevada qualidade. Com uma professora-formadora e uma professora-cooperante, observei uma aula de matemática do quarto ano, em que uma professora-estagiária leccionava as unidades de medida. Durante a aula, que decorria sem percalços, fui abalada por outro incidente. Após ter ensinado as unidades de medida e as suas conversões, a professora pediu a um aluno para medir um lado da sala com uma régua de uma jarda. O aluno disse ter medido 7 jardas e 5 polegadas e, depois de ter utilizado a sua calculadora, afirmou «7 jardas e 5 polegadas é igual a 89 polegadas». A professora, sem hesitação, anotou «89 polegadas» ao lado de «7 jardas e 5 polegadas», que já tinha escrito no quadro. A manifesta incompatibilidade dos dois comprimentos, «7 jardas e 5 polegadas» e «89 polegadas», tornava-se evidente no quadro. Era óbvio, mas não surpreendente, que o aluno tinha utilizado incorrectamente a conversão entre pés e polegadas ao calcular o número de polegadas numa jarda 2 . O que me surpreendeu, contudo, foi que a incompatibilidade permaneceu no quadro até ao final da aula sem qual3 4
3 4
1 Para
mais informação sobre os dois modelos, ver Capítulo 3, p. 137. 2A relação entre jardas, pés e polegadas é a seguinte: 1 jarda = 3 pés e 1 pé = 12 polegadas (1 jarda = 0,9144 m). (N.T.)
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quer discussão. O que me surpreendeu ainda mais foi o erro nunca ter sido apontado ou corrigido, nem sequer mencionado depois da aula num debate sobre o método de ensino da professora-estagiária. Nem a professora-cooperante nem a professora-formadora que supervisionava a professora-estagiária notaram o erro. Como professora do ensino básico e investigadora que tinha trabalhado com professores durante muitos anos, desenvolvera certas expectativas sobre o conhecimento matemático dos professores do ensino básico. Contudo, as expectativas que tinha criado na China pareciam não ter correspondência nos Estados Unidos. Quanto mais observava o ensino e a investigação em matemática elementar nos Estados Unidos, mais intrigada ficava. Até professores experientes e matematicamente seguros e professores que tinham participado activamente na reforma actual do ensino da matemática pareciam não ter um conhecimento pormenorizado da matemática ensinada nas escolas do ensino básico. De facto, os dois incidentes que me tinham espantado eram apenas mais dois exemplos de um fenómeno já espalhado e bem documentado3. Mais tarde, li estudos internacionais sobre resultados escolares em matemática4. Estes estudos evidenciaram que os
3 Para
mais informação relativa a investigação do conhecimento dos professores sobre a matéria, ver Bali (1988a), Cohen (1991), Leinhardt and Smith (1985), NCRTE (1991), Putnam (1992) e Simon (1993). 4 A Associação Internacional para a Avaliação dos Resultados Escolares (International Association for the Evaluation of Educational Achievement - IEA) conduziu o Primeiro Estudo Internacional de Matemática em 1964. O estudo media o desempenho em vários tópicos matemáticos em cada um de 12 países nos 8.° e 12.° anos. No início dos anos 80 do século passado a IEA levou a cabo um outro estudo. O Segundo Estudo Internacional de Matemática comparou 17 países no 8.° ano e 12 no 12.° ano. O Terceiro Estudo Internacional de Matemática e Ciência (Third International Mathematics and Science Study - TIMSS), no qual participaram mais de 40 países, começou recentemente a divulgar os seus relatórios. (Para mais informação sobre os três estudos, ver Chang & Ruzicka, 1986; Coleman, 1975; Crosswhite, 1986; Crosswhite et al., 1985; Husen, 1967a, 1967b; Lapointe, Mead, & Philips, 1989; Lynn, 1988; McKnight et al., 1987; National Center for Education Statistics, 1997; Robitaille & Garden, 1989; Schmidt, McKnight, & Raizen, 1997.)
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estudantes de alguns países asiáticos, tais como o Japão e a China, ultrapassavam sistematicamente os seus colegas dos Estados Unidos5 . Os investigadores descreveram vários facto- res que contribuem para este «hiato na aprendizagem»: diferenças entre contextos culturais, tais como expectativas parentais ou sistemas número-palavra6; organização escolar, ou quantidade de tempo despendido na aprendizagem da matemática; conteúdos e distribuição de conteúdos nos curricula matemáticos 7. Ao ler esta investigação, continuei a pensar sobre o assunto do conhecimento matemático dos professores. Poderia o «hiato na aprendizagem» não estar limitado aos estudantes? Se assim fosse, haveria uma outra explicação para o desempenho matemático dos estudantes americanos. Em vez de factores extrínsecos à sala de aula, poderia ser o conhecimento dos professores a afectar directamente o ensino e a aprendizagem. Além disso, esse conhecimento poderia ser mais fácil de mudar do que os factores culturais, tais como o sistema número-palavra8 ou o modo de educar crianças. Parecia estranho que os professores chineses do ensino básico tivessem uma melhor compreensão da matemática do que os seus colegas americanos. Os professores chineses nem
5 Os
resultados do TIMMS seguem este padrão. Por exemplo, cinco países asiáticos participaram nas componentes matemáticas do quarto ano. Singapura, Coreia, Japão e Hong Kong obtiveram os resultados mais elevados, significativamente mais altos do que os resultados nos Estados Unidos. (A Tailândia foi o quinto país asiático participante.) 6 Por exemplo, a palavra chinesa para o número 20 significa «duas dezenas», a palavra chinesa para o número 30 significa «três dezenas», e assim sucessivamente. O consenso é que o sistema chinês de número-palavra ilustra a relação entre os números e os seus nomes mais directamente do que o sistema inglês. 7 Para mais informação, ver Geary, Siegler e Fan (1993); Husen (1967a, 1967b); Lee, Ichikawa e Stevenson (1987); McKnight et al (14987); Miura e Oka- moto (1989); Stevenson, Azuma e Hakuta (1986); Stevenson e Stigler (1991,1992); Stigler, Lee e Stevenson (1986); Stigler e Perry (1988a, 1988b); Stigler e Stevenson (1981). 8 Contudo, há formas de ensinaer para tratar com sucesso as irregularidades nos sistemas número-palavra. Ver Fuson, Smith e Lo Cícero (1997) para um exemplo de ensino que lida com as irregularidades nos sistemas número-palavra inglês e espanhol.
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sequer completam o ensino secundário; em vez disso, depois do nono ano, recebem mais dois ou três anos de escolaridade em escolas normais. Pelo contrário, a maioria dos professores americanos tem pelo menos o grau de licenciatura. Contudo, suspeitei que os professores do ensino básico de ambos os países possuíssem conjuntos de conhecimento matemático estruturados de diferentes maneiras ou que, além do conhecimento da matéria «igual ao do seu colega» (Shulman, 1986), um professor pudesse ter outro tipo de conhecimento. Por exemplo, o conhecimento que a minha professora do ensino básico tinha dos dois modelos de divisão pode não ser comum entre professores de escolas secundárias ou de universidades. Este tipo de conhecimento de matemática escolar pode contribuir significativamente para aquilo a que Shulman (1986) chamou conhecimento pedagógico da matéria — «os modos de representar e formular a matéria que a tomam compreensível para os outros» (p. 9). Decidi investigar a minha suspeita. A investigação comparativa permite-nos ver coisas diferentes — e, por vezes, as coisas de modo diferente. A minha investigação não se centrou na avaliação do conhecimento dos professores nos dois países, mas na descoberta de exemplos de conhecimento adequado dos professores sobre conteúdos matemáticos. Tais exemplos poderiam estimular esforços adicionais para procurar um conhecimento adequado entre os professores americanos. Além disso, o conhecimento vindo de professores, em vez de provir de enquadramentos conceptuais, poderia estar mais «perto» deles e ser mais fácil de entender e ser aceite por estes profissionais. Dois anos mais tarde, terminei a investigação descrita neste livro. Descobri que, embora os professores americanos tivessem sido expostos a matemática mais avançada durante o ensino secundário e universitário 9 , os professores chineses apresentavam um conhecimento mais extenso da matemática do ensino básico.
9 Para
(1997).
24
mais informação sobre a preparação dos professores americanos, ver Lindquist
No meu estudo, usei as questões do TELT nas entrevistas. A principal razão para o uso destes instrumentos é a sua relevância no ensino da matemática. Conforme refere Ed Begle em Variáveis Criticas em Educação Matemática, os estudos antigos mediam frequentemente o conhecimento dos professores do ensino básico e secundário pelo número e tipo de cursos matemáticos frequentados ou graus obtidos — e não encontravam uma grande correlação entre estas medidas de conhecimento dos professores e várias medidas de aprendizagem dos alunos. Desde o final dos anos 80, os investigadores têm- se preocupado com o conhecimento dos professores sobre a matemática que ensinam, «o conhecimento que um professor precisa de ter ou utiliza ao ensinar um curriculum matemático de um determinado nível escolar» (Bali, 1988b), em vez de «o conhecimento de tópicos avançados que um matemático poderá ter» (Leinhardt et al., 1991, p. 88). Os instrumentos matemáticos do TELT desenvolvidos por Deborah Bali para a sua dissertação (Bali, 1988b) foram criados para testar o conhecimento matemático dos professores no contexto de práticas comuns que os professores adoptam no processo de ensino. As — questões das entrevistas foram estruturadas introduzindo uma determinada ideia matemática num cenário de sala de aula, com essa ideia a desempenhar um papel crucial. Por exemplo, na questão que mencionei anteriormente para a qual as respostas dos professores tinham sido tão surpreendentes, a matemática da divisão por fracções foi testada no contexto de uma tarefa familiar de ensino — criar algum tipo de representação realista ou diagrama para este tópico específico. Esta estratégia tem sido útil para examinar o tipo de conhecimento necessário aos professores para ensinar de modo diferente daquele que envolve questões directas sobre a matéria, como um teste de matemática. A recente análise de Rowan e dos seus colegas apoia esta estratégia. O seu artigo de 1997, «Sociologia da Educação», descreve um modelo baseado em dados do Estudo Nacional Longitudinal sobre Educação de 1988. Neste modelo, as respostas correctas de um professor a um outro item TELT,
25
desenvolvido de acordo com o mesmo enquadramento conceptual, tiveram um forte efeito positivo no desempenho dos alunos. Outra razão para usar os instrumentos TELT foi a sua vasta cobertura da matemática elementar. Enquanto a maioria da investigação sobre o conhecimento matemático dos professores se centrava em tópicos simples, o TELT abrangia todo o campo do ensino e aprendizagem ao nível elementar. Os instrumentos TELT para a matemática compreendiam quatro tópicos elementares: subtracção, multiplicação, divisão por fracções e a relação entre área e perímetro. A ampla distribuição destes tópicos na matemática elementar prometia uma imagem relativamente completa do conhecimento dos professores neste campo. Ainda uma outra razão para o uso dos instrumentos TELT foi o facto de o projecto TELT já ter construído uma base de dados consolidada de entrevistas a professores. Fazendo uso desta base, os investigadores do NCRTE realizaram investigações importantes e de grande influência. Com a imagem do conhecimento matemático dos professores traçada pelo estudo TELT e por outras investigações, o meu estudo comparativo seria não só mais eficaz, mas também mais relevante para a investigação da educação matemática nos Estados Unidos. Usando as questões e dados do TELT, estudei professores dos dois países (ver Tabela 1.1). Os 23 professores dos Estados Unidos eram considerados «melhores que a média». Onze deles eram professores experientes que participavam no Programa de Verão de Matemática para Professores na Universidade de Mount Holyoke, e tinham sido considerados matematicamente «mais dedicados e mais seguros». Os membros do projecto TELT tinham-nos entrevistado no início do Programa de Verão. Os outros doze estavam a participar no Programa Interno de Pós-Graduação gerido conjuntamente por um distrito escolar e pela Universidade do Novo México, e iriam receber os seus diplomas de mestrado no final desse
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Verão. Os membros do projecto TELT tinham-nos entrevistado durante o Verão, depois do seu primeiro ano de ensino.
Tabela 1.1 Os professores no estudo a Estados Unidosb Chineses
Experiência de Ensino No início de carreira
1 ano Menos de 5 anos Com experiência
Estados Unidos d Chineses ineses com CPMF
Nome atribuído Começa com Sr. a ou Sr.
Pseudónimo Inicial do nome'
Número
12 40
Começa com Prof.
Média 11 anos Mais de 5 anos
Pseudónimo Inicial do nome
11 24
Média 18 anos
Apelido chinês
8
a A
visão dos professores americanos do seu conhecimento matemático e o número de anos de ensino de cada professor americano com experiência são dados no Apêndice. b Depois
de completar os requisitos para certificação do Departamento de Estado da Educação do Novo México, estes professores frequentaram cursos de pós-graduação nos Verões anterior e posterior ao seu primeiro ano de ensino. Os dados de investigação usados neste estudo foram recolhidos no segundo Verão. 'Embora a NCRTE tenha atribuído um pseudónimo a cada professor americano, eu não fiz o mesmo com os professores chineses. Em chinês não existem palavras que sejam consideradas pseudónimos como as que existem em inglês. Em vez disso, os pais chineses inventam um nome para cada criança. Um nome chinês é normalmente muito informativo, reflectindo estatuto social, educação e atitude política da família, a época e o local de nascimento, as expectativas dos pais, o lugar na árvore genealógica, etc. Assim, parece-me impróprio inventar nomes em chinês para 72 pessoas sobre quem sei muito pouco, excepto o seu conhecimento de matemática. Em chinês, os apelidos são comparativamente neutrais. Contudo, o número de apelidos usados comummente é pequeno, por isso decidi usar apelidos apenas para os professores que identifiquei como tendo CPMF (compreensão profunda da matemática fundamental). d Estes
professores foram inscritos no programa de Líderes Educacionais de Matemática, um projecto adicional do Verão de Matemática financiado pela NSF (National Science Foundation), que é mais longo e intenso que o programa regular de Verão. O seu objec- tivo é preparar excelentes professores de matemática para serem líderes nos seus distritos ou regiões escolares. (Para mais informação, ver NCRTE, 1988, pp. 79-85.) Os professores participam em dois Verões e três anos escolares. Os dados usados neste estudo foram recolhidos no início deste programa em Julho e Agosto de 1987.
Embora os professores americanos entrevistados pelo TELT fossem considerados acima da média, tentei obter uma imagem mais representativa do conhecimento dos professores chineses.
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Escolhi cinco escolas do ensino básico cuja qualidade variava de muito boa a muito má 10 e entrevistei todos os professores de matemática de cada escola, num total de 72 professores. Os capítulos 1 a 4 traçam o retrato, revelado pelas entrevistas, do conhecimento dos professores de matemática sobre a matéria. Cada um destes capítulos é dedicado a um tópico fundamental da matemática elementar: subtracção com reagru- pamento, multiplicação com números de vários algarismos, divisão por fracções, e perímetro e área de figuras fechadas. Cada capítulo começa com uma questão da entrevista TELT concebida para apresentar a matemática através de um hipotético cenário de sala de aula em que o conhecimento matemático é 'entrelaçado' com uma de quatro tarefas básicas de ensino: ensinar um tópico, reagir a um erro dos alunos, criar uma representação de determinado tópico e responder a uma nova ideia apresentada por um aluno. Por exemplo, o cenário da divisão por fracções dado anteriormente pede aos professores para representarem 1-| : \ de um modo que seja significativo para os seus alunos. Em cada um destes capítulos descrevo as respostas dos professores americanos, depois as dos chineses e concluo com um debate sobre os resultados obtidos. Os exemplos descrevem imagens específicas de distintos entendimentos da matemática elementar, incluindo a compreensão profunda da matemática fundamental. Os estudos sobre o conhecimento dos professores fornecem exemplos abundantes de conhecimento insuficiente de matemática (Bali, 1988a, 1990; Cohen, 1991; Leinhardt & Smith, 1985; Putnam, 1992; Simon, 1993), mas dão poucos exemplos do conhecimento de que os professores precisam para apoiar o seu
10 Estas
escolas foram escolhidas entre aquelas com as quais eu estava familiarizada antes de vir para os Estados Unidos. Três delas localizam-se em Xangai, uma grande área metropolitana. A qualidade de ensino nestas escolas variava: uma era considerada de muito boa qualidade, outra de qualidade moderada e a terceira de qualidade muito baixa. As outras duas situam-se num concelho de estatuto socioeconómico e educacional médio. Uma delas é uma escola citadina de muito boa qualidade e a outra é uma escola rural de baixa qualidade, com instalações em três aldeias numa área de montanha.
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ensino, particularmente o tipo de ensino exigido pelas recentes reformas na educação matemática 11. Os investigadores criaram enquadramentos conceptuais gerais que descrevem o que deveria ser o conhecimento dos professores sobre a matemática. Deborah Bali está entre aqueles cujo trabalho é significativo nesta área. Ela identificou a compreensão matemática dos professores como «um entrelaçar de ideias de e sobre a matéria» (1988b, 1991). Por conhecimento de matemática quis dizer conhecimento substantivo da disciplina: compreensão de tópicos específicos, procedimentos e conceitos, e das suas inter-relações. Por conhecimento sobre matemática quis dizer conhecimento sintáctico, digamos, a compreensão da natureza e do discurso matemáticos. Para além disso, propôs três «critérios específicos» para o conhecimento substantivo dos professores: correcção, significado e conexão. Apesar de Bali e de outros investigadores terem desenvolvido concepções do que deveria ser o conhecimento matemático dos professores, os dados à sua disposição limitaram o desenvolvimento de uma visão concreta de tal conhecimento. O capítulo 5 começa a aflorar este assunto. Nele aprofundo os vários entendimentos retratados nos capítulos de dados, discuto o que entendo por matemática fundamental e o que significa ter uma compreensão profunda da matemática fundamental (CPMF). Esta compreensão vai além da capacidade de calcular correctamente e de dar uma fundamentação lógica para os algoritmos computacionais. Um professor com uma compreensão profunda da matemática fundamental está não só consciente da estrutura conceptual e das atitudes básicas da 11
n
Leinhardt e Bali são os dois principais investigadores neste campo. Para mais informação sobre o trabalho de Leinhardt e dos seus colegas, ver Leinhardt e Greeno (1986); Leinhardt e Smith (1985); Leinhardt (1987); Leinhardt, Putnam e Baxter (1991); e Stei, Baxter e Leinhardt (1990). Para mais informação sobre o trabalho de Bali e dos seus colegas, ver Bali (1988a, 1988b, 1988c/1991, 1988d, 1989,1990), e Schram, Nemser e Bali (1989).
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matemática inerentes à matemática elementar, mas é também capaz de ensiná-las aos alunos. O professor do primeiro ano que encoraja os alunos a descobrir o que cinco maçãs, cinco blocos e cinco crianças têm em comum, e os ajuda a chegar ao conceito de 5 a partir destes diferentes itens, incentiva uma atitude matemática — usar números para descrever o mundo. O professor do terceiro ano que lidera um debate sobre o motivo de7 + 2 + 3 = 9 + 3 = 12 não poder ser escrito como 7 + 2 + + 3 = 9 + 12, está a ajudar os alunos a conhecer um princípio matemático básico — a igualdade. O professor que explica aos alunos que, por sabermos que 247 x 34 = 247 x 4 + 247 x 30, no algoritmo habitual da multiplicação devemos mover a segunda linha uma coluna para a esquerda, está a ilustrar princípios básicos (reagrupamento, propriedade distributiva, valor posicionai) e uma atitude geral: não é suficiente saber como, devemos também saber porquê. Os alunos que entusiasticamente relatam os diferentes modos que usaram para encontrar um número entre j e ' estão a pôr em prática a noção de que um problema pode ser resolvido de múltiplas formas. Ao planear a aula e preparar o debate, o seu professor baseou-se no conhecimento de como ensinar (conhecimento pedagógico), mas para compreender as respostas dos alunos e determinar os objectivos da aula, o professor deve basear-se também no conhecimento da matéria. O capítulo 6 apresenta os resultados de uma breve investigação sobre como e quando os professores na China obtêm uma compreensão profunda da matemática fundamental. Os factores que sustentam o desenvolvimento do conhecimento matemático dos professores chineses não existem nos Estados Unidos. Pior ainda, as condições nos Estados Unidos são desfavoráveis ao desenvolvimento do conhecimento matemático dos professores do ensino básico e à sua organização para ensinar. O capítulo final sugere mudanças na formação de professores, apoio aos professores e investigação na educação matemática que possam permitir aos professores nos Estados Unidos obter uma compreensão profunda da matemática fundamental.
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1 Subtracção com reagrupamento: abordagens para ensinar um tópico Cenário Vamo-nos debruçar em particular e durante algum tempo, sobre um tópico a leccionar, subtracção com reagrupamento. Repare nestas questões ( , , etc.). Se estivesse a ensinar o segundo ano, como abordaria estes problemas? O que diria que os alunos precisavam de entender ou de ser capazes de fazer, antes de poderem começar a aprender a subtracção com reagrupamento? 52 25
91 79
Quando fazem subtracções pela primeira vez, os alunos aprendem a subtrair cada algarismo do subtractivo ao algarismo correspondente do aditivo: 75 -12
63 Para efectuar este cálculo, subtraem simplesmente 2 de 5 e 1 de 7. Contudo, esta estratégia directa nem sempre funciona. Quando um algarismo no subtractivo é maior que o correspondente no aditivo (ex.: 22-14; 162-79), os alunos não
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conseguem calcular directamente. Para subtrair 49 de 62, é necessário que aprendam a subtracção com reagrupamento: 5
1
6 2
49 13
Em qualquer dos casos, com ou sem reagrupamento, a subtracção é um dos primeiros tópicos no ensino básico. Para o ensinar, será então necessária uma compreensão profunda da matemática? Será que a um tópico tão simples, está mesmo associada uma compreensão profunda da matemática? Será que o grau de conhecimento do professor sobre esta matéria vai fazer alguma diferença na sua forma de ensinar e contribuir de facto para a aprendizagem dos alunos? Só há uma resposta para estas perguntas: sim. Mesmo em presença de um tópico matemático tão elementar, os professores entrevistados mostraram um conhecimento amplo da matéria, o que aponta para a existência de um leque correspondente de oportunidades de aprendizagem para os seus alunos. A ABORDAGEM DOS PROFESSORES AMERICANOS: EMPRÉSTIMO VERSUS REAGRUPAMENTO Construindo o tópico Ao exporem a sua abordagem ao ensino deste tópico, os professores americanos começavam habitualmente com o que esperavam que os seus alunos aprendessem. 19 dos 23 professores americanos (83%) focaram a sua atenção no procedimento de cálculo. A Sr.a Fawn, uma jovem professora que tinha acabado de terminar o seu primeiro ano de ensino, deu uma explicação bastante clara deste procedimento: Quando existe uma diferença como 21-9, eles precisam de saber que não podem subtrair 9 de 1; têm por isso de pedir um
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10 emprestado ao lugar das dezenas, e quando pedem emprestado esse 1 que representa 10 unidades, riscam o 2 transformando-o num 1 e, tendo agora 11-9, resolvem esse problema de subtracção e baixam o 1 que sobrou.
Estes professores esperavam que os alunos aprendessem a efectuar dois passos específicos: tirar uma dezena da posição das dezenas e transformá-la em 10 unidades. Descreveram o passo de «tirar» como empréstimo e, chamando a atenção para o facto de que «uma dezena é igual a 10 unidades», explicaram o passo de «transformar». Aqui podemos observar a perspectiva pedagógica destes professores: logo que os alunos consigam efectuar correctamente estes dois passos-chave, muito provavelmente serão capazes de efectuar correctamente o cálculo completo. Os restantes quatro professores, Prof. a Bemadette, Prof.a Bridget, Sr.a Faith e Sr.a Fleur esperavam, contudo, que os seus alunos aprendessem mais do que o procedimento de cálculo, ou seja, que aprendessem a fundamentação lógica do algoritmo. A sua abordagem enfatizava dois pontos: o reagrupamento subjacente ao passo de «tirar» e a troca subjacente ao passo de «transformar». A Prof. Bernadette, uma professora experiente, disse: Eles devem compreender o que significa o número 64... Eu mostraria que o número 64 e o número 5 dezenas e 14 unidades são iguais a 64. Tentaria estabelecer essa comparação porque ao fazer o reagrupamento não se trata tanto de saber os factos, é a parte do reagrupamento que deve ser entendida. O reagrupamento logo a partir do início.
A Sr.a Faith, outra professora a terminar o seu primeiro ano de ensino, indicou que os alunos deviam compreender que o que acontece no reagrupamento é uma troca entre valores posicionais: Eles devem compreender como são efectuadas as trocas... na base 10, ao chegar a determinado número — 10 — na
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coluna das unidades é o mesmo que dizer 10 unidades ou 1 dezena... Eles têm de se habituar à ideia de que as trocas são feitas entre valores posicionais e que isso não altera o valor do número... O valor actual mantém-se, mas podem ocorrer trocas.
Contudo, o que os professores esperavam que os alunos soubessem tinha a ver com o seu próprio conhecimento. Os professores que esperavam que os alunos aprendessem meramente o procedimento, tinham tendência para um entendimento procedimental. Para explicar porque precisamos de pedir uma dezena «emprestada» ao lugar das dezenas, estes professores diziam: «Não podemos subtrair um número maior de um menor.» Eles interpretavam o procedimento de «tirar» como uma questão de um número obter mais valor a partir de outro número, sem mencionar que se trata de um rearranjo dentro do mesmo número: Não se pode subtrair um número maior de um menor... Deve-se pedir emprestado à coluna adjacente porque ela tem mais. (Sr.a Fay) Mas se não tiveres unidades suficientes, vais pedir ao teu amigo que tem de sobra. (Prof. Brady)
«Não podemos subtrair um número maior de um menor» é um falso argumento matemático. Embora os alunos de segundo ano não aprendam como se subtrai um número maior de um menor, isso não significa que nas operações matemáticas não se possa subtrair um número maior de um menor. De facto, os jovens estudantes irão aprender a fazê-lo no futuro e essa aprendizagem não deverá ser perturbada pela ênfase ou- trora dada a uma ideia errada. Tratar os dois algarismos do aditivo como dois amigos, ou dois vizinhos que vivem lado a lado, é matematicamente enganador noutro sentido, pois sugere que esses algarismos são
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dois números independentes em vez de duas partes de um só número. Outra ideia errada sugerida pela explicação do «empréstimo» é que o valor de um número não tem de manter-se constante no cálculo, mas pode ser mudado arbitrariamente — se um número é «demasiado pequeno» e precisa de ser maior por qualquer razão, pode simplesmente «pedir emprestado» um determinado valor a outro número. Pelo contrário, os professores que esperavam que os alunos compreendessem a fundamentação lógica subjacente ao procedimento mostraram que tinham dele um conhecimento conceptual. Por exemplo, a Prof. Bernadette excluiu todas as concepções erradas acima descritas: Será que do número 64 podemos tirar 46? Pensem nisto. Faz sentido? Se tivermos um número na casa dos sessenta, podemos tirar-lhe um número na casa dos quarenta? Ok, se isso agora faz sentido, então somos capazes de fazer 4 menos 6? Aqui está o 4 e mostrar-lhes-ei visualmente o 4. Tirem 6: 1, 2, 3,4. Não é suficiente. Então o que podemos fazer? Podemos ir para a outra parte do número e tirar o que pudermos usar, retirá-lo do outro lado, trazê-lo para o nosso lado para ajudar, para ajudar o 4 a tornar-se 14.
Para a Prof.3 Bernadette, o problema 64- 46 não era decomponível, como sugerido na explicação do empréstimo, em dois processos separados, 4-6 e depois 60-40. Era, em vez disso, um processo completo de «retirar um número na casa dos quarenta de um número na casa dos sessenta». Além disso, a Prof. Bernadette pensava que não se tratava da questão de que «não se pode subtrair um número maior de um menor», mas sim de que «os alunos do segundo ano não são capazes de fazer isso». Finalmente, a solução era «ir para a outra parte do número e trazê-lo para o nosso lado para ajudar». A diferença entre as expressões «outro número» e «a outra parte do número» é subtil, mas os significados matemáticos transmitidos são significativamente diferentes.
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Técnicas educativas: materiais manipuláveis
O conhecimento dos professores sobre o tópico em apreciação estava correlacionado não apenas com as suas expectativas sobre a aprendizagem dos alunos, mas também com as suas abordagens de ensino. Ao expor como ensinariam o tópico, todos, excepto um, se referiram aos materiais manipuláveis. Os mais populares eram conjuntos de pauzinhos (de chupa, palhinhas ou pauzinhos de outro tipo). Outros eram feijões, moedas, blocos, imagens de objectos ou jogos. Os professores disseram que, ao proporcionar uma experiência «sensorial», os materiais facilitariam uma melhor aprendizagem do que apenas «falar» — o modo como eles tinham sido ensinados. Um bom veículo, contudo, não garante a aprendizagem correcta. A ^mpreensão que os alunos atingem com os materiais P' .. apuláveis depende grandemente da orientação do professor. Os 23 professores tinham ideias diferentes que queriam clarificar recorrendo aos materiais manipuláveis. Alguns professores apenas queriam que os alunos tivessem uma ideia «concreta» da subtracção. Com o problema 52-25, por exemplo, a Prof. a Belinda propôs «alinhar 52 crianças e retirar 25 para ver o que acontece». A Sr.a Florence indicou que usaria feijões como «ovos de dinossauro», o que pode ser interessante para os alunos: Eu começaria por apresentar alguns problemas de subtracção com talvez uma imagem de 23 coisas, dizendo-lhes para riscarem 17 e contarem quantas coisas sobravam... Talvez lhes pedisse que fizessem algo com ovos de dinossauro ou outra coisa que tivesse um pouco mais de significado para eles. Talvez lhes pedisse que fizessem uma subtracção concreta com ovos de dinossauro, üsando feijões ou qualquer outra coisa.
Problemas como 52-25 ou 23-17 são problemas de subtracção com reagrupamento. Contudo, o que os alunos aprenderiam com actividades envolvendo materiais manipuláveis, como tirar 25 alunos de 52 ou tirar 17 ovos de dinossauro de 23,
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não está de forma alguma relacionado com reagrupamento. Pelo contrário, o uso de materiais manipuláveis retira a necessidade de reagrupar. O Prof. Barry, outro professor experiente no grupo dos professores com uma orientação procedimental, mencionou o uso de materiais manipuláveis para tornar clara a ideia de que «precisamos de pedir algo emprestado». Ele disse que traria moedas de 25 cêntimos e deixaria que os alunos as trocassem por moedas de 10 e 5 cêntimos: Uma boa ideia pode ser pegar em moedas, usar dinheiro porque os miúdos gostam de dinheiro... A ideia de pegar numa moeda de 25 cêntimos e trocá-la por duas moedas de 10 cêntimos e uma de 5 cêntimos, de forma a podermos pedir emprestados 10 cêntimos, vai ao encontro da ideia de que precisamos de pedir algo emprestado.
Há duas dificuldades nesta ideia. Em primeiro lugar, o problema matemático na representação do Prof. Barry era 25-10, que não é uma subtracção com reagrupamento. Em segundo lugar, o Prof. Barry confundiu um empréstimo da vida quotidiana — pedir 10 cêntimos emprestados a uma pessoa que tem 25 cêntimos — com o processo de «empréstimo» na subtracção com reagrupamento — reagrupar o aditivo rearranjando os valores posicionais. De facto, o material manipulável (as moedas) do Prof. Barry não transmitiría qualquer entendimento conceptual do tópico matemático que devia ser ensinado. A maioria dos professores americanos disse que usaria materiais manipuláveis para ajudar os alunos a compreender que uma dezena é igual a 10 unidades. Na sua opinião, dos dois passoschave do procedimento, tirar e transformar, o último é o mais difícil de efectuar. Por isso, muitos professores quiseram mostrar esta parte visualmente ou deixar que os alunos tivessem uma experiência manual do facto de uma dezena ser igual a 10 unidades: Daria aos alunos conjuntos de pauzinhos de chupa presos por elásticos, com 10 em cada conjunto. E depois escreveria
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um problema no quadro, e eu teria também conjuntos de pauzinhos, e mostraria primeiro como os separaria para resolver o problema, e depois veria se eles eram capazes de fazer o mesmo, e depois, talvez depois de muita prática, daria a cada par de alunos um problema de subtracção diferente, que eles poderiam tentar resolver ou dar-nos uma resposta. Ou faria com que inventassem um problema usando os pauzinhos, separando-os e prosseguindo a experiência. (Sr. a Fiona) (itálico acrescentado)
O que a Sr.a Fiona relatou foi um método típico usado por muitos professores. Obviamente, está mais relacionado com a subtracção com reagrupamento do que os métodos descritos pela Sr.a Florence e pelo Prof. Barry. Contudo, parece ainda muito centrado no procedimento. A seguir à demonstração do professor, os alunos poriam em prática o modo de separar um conjunto de 10 pauzinhos e veriam como isso funcionava nos problemas de subtracção. Embora a Sr. a Fiona tenha descrito claramente o procedimento de cálculo, ela não descreveu, nem de perto nem de longe, o conceito matemático subjacente. Alguns investigadores fizeram notar que, de modo a promover a compreensão matemática, é necessário que os professores ajudem os alunos a fazer conexões explícitas entre os materiais manipuláveis e as ideias matemáticas (Bali, 1992; Driscoll, 1981; Hiebert, 1984; Resnick, 1982; Schram, Nemser, & Bali, 1989). De facto, nem todos os professores são capazes de fazer essas ligações: tudo indica que apenas os que têm uma clara compreensão das ideias matemáticas incluídas no tópico poderão estar aptos a desempenhar esse papel. A Sr. a Faith, professora no início de carreira com um entendimento conceptual do tópico, disse que «basear-se fortemente nos materiais manipuláveis» ajudaria os alunos a perceber «como cada um destes conjuntos de 10 é uma dezena ou 10 unidades», a saber que «5 dezenas e 3 unidades é o mesmo que 4 dezenas e 13 unidades», a aprender a
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«ideia de troca equivalente» e a falar sobre «a relação com os números»: A partir deste ponto, tentaria mostrar como cada um destes conjuntos de 10 pauzinhos é uma dezena ou 10 unidades. Faria com que isso ficasse claro. E o que aconteceria se tirássemos o elástico e puséssemos 10 aqui, quantas unidades teríamos? E para chegar ao próximo passo no problema 53-25, mostraria que tenho 1, 2,3,4 dezenas e 13 unidades e depois subtrairia dessa maneira... Diria à criança que não tínhamos adicionado ou subtraído nada ao 53, certo? Certo... 5 dezenas e 3 unidades é o mesmo que 4 dezenas e 13 unidades, e o que acontece quando daí tiramos 25?
Ao contrário de outros professores que usaram materiais manipuláveis para ilustrar o procedimento de cálculo, a Sr. a Faith usou-os para representar o conceito matemático subjacente ao procedimento. A única razão pela qual o uso desses materiais pela Sr.a Faith poderia levar os seus alunos «mais longe» do que a sua utilização por outros professores era que ela compreendia o tópico matemático de modo mais profundo que os outros. Usando um método similar, os professores com diferentes visões sobre a matéria poderiam conduzir os alunos a diferentes entendimentos da matemática.
A ABORDAGEM DOS PROFESSORES CHINESES: DECOMPOR UMA UNIDADE DE ORDEM SUPERIOR Alguns entendimentos do tópico por parte dos professores chineses tinham pontos comuns com os dos professores americanos. O grupo de professores chineses que defendia o conceito de «empréstimo» tinha um enfoque muito similar ao dos seus colegas americanos: Diria aos alunos que, quando calculamos problemas como 53-25, alinhamos primeiro os números e começamos a
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subtracção pela coluna das unidades. Uma vez que o 3 não é suficientemente grande para dele tirar 5, devemos pedir emprestada uma dezena da coluna das dezenas e transformá-la em 10 unidades. Ao adicionarmos as 10 unidades a 3 obtemos 13. Se subtrairmos 5 de 13 obtemos 8. Coloca-se o 8 na coluna das unidades em baixo. Depois movemo-nos para a coluna das dezenas. Uma vez que o 5 da coluna das dezenas emprestou um 10 à coluna das unidades, restam apenas 4 dezenas. Tiramos 20 de 40 e obtemos 20. Coloca-se o 2 na coluna das dezenas em baixo. (Sr. a Y.)
A Sr.a Y. estava a meio do seu segundo ano de ensino. A sua explicação foi uma variante da da Sr. a Fawn. Ela centrou-se nos passos específicos do algoritmo e não mostrou qualquer interesse na sua fundamentação lógica. A percentagem dos professores chineses que defendiam estas ideias orientadas para o procedimento era, contudo, substancialmente menor do que a dos professores americanos (14% vs. 83%). A figura 1.1 mostra os diferentes entendimentos dos professores sobre o tópico. □ Profs. Americanos (N= 23) ■ Profs. Chineses (N= 72)
Empréstimo
Reagrupamento
Várias formas de reagrupamento
Fig. 1.1. Os entendimentos dos professores sobre a subtracção
A maioria dos professores chineses centrou-se no reagrupamento. No entanto, ao contrário dos professores americanos, cerca de 35% dos professores chineses descreveram mais do que um modo de reagrupar. Estes professores referiram não só a fundamentação lógica do algoritmo habitual, mas discutiram também outros modos de resolver o problema, não
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mencionados pelos professores americanos. Vamos analisar em primeiro lugar uma frase-chave proferida pelos professores chineses: decompor uma unidade de ordem superior. «Decompor uma unidade de ordem superior [tui yf]» é um termo da aritmética chinesa tradicional baseada no ábaco. Cada fio de um ábaco representa um certo valor posicionai. O valor de cada conta no ábaco depende da posição do fio onde está colocada. Quanto mais à esquerda um fio estiver no ábaco, maior é o valor posicionai que representa. Por isso, os valores das contas nos fios à esquerda são sempre maiores do que os das contas nos fios à direita. Ao subtrair com reagrupamento no ábaco, precisamos de «tirar» uma conta de um fio à esquerda e transformá-la em 10 ou em potências de 10 contas nos fios à direita. A isto chama-se «decompor uma unidade de ordem superior». 86% dos professores chineses descreveram o passo de «tirar» no algoritmo como um processo de «decompor uma unidade de ordem superior». Em vez de dizerem que «pedimos uma dezena emprestada da posição das dezenas», disseram que «decompomos uma dezena»12 13. A razão pela qual não podemos calcular 21-9 directamente reside na forma do número 21. No sistema decimal, os números são compostos de acordo com a base 10. Logo que um número recebe 10 unidades em determinada posição (ex., posição das unidades, posição das dezenas), as 10 unidades devem ser organizadas numa unidade na próxima posição de ordem superior (ex., posição das dezenas, posição das centenas). Teoricamente, não existem mais do que 9 unidades «dispersas» (não compostas) no sistema de numeração decimal. Agora queremos subtrair 9 unidades dispersas de 21, que tem apenas 1 na
* Os caracteres chineses e outras palavras chinesas aparecem no Apêndice, Fig. A.2. 13 Este aspecto foi também observado por outros investigadores. Stigler e Perry (1988a) disseram que os professores chineses davam ênfase «à composição e decomposição de números em grupos de 10».
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posição das unidades. A solução é, então, decompor uma unidade de ordem superior, um 10, e subtrair 9 unidades individuais de 21, após a recomposição deste número. Durante as entrevistas, os professores tendiam a discutir a ideia de «decompor uma unidade de ordem superior» em ligação com a adição com transporte — «compor uma unidade de ordem superior \jin yi\». Ao descrever como ensinaria este tópico, a Prof. L., uma professora experiente que ensina do primeiro ao terceiro ano, disse: Eu começaria com um problema de subtracção fácil, como 43-22=? Depois de eles o resolverem, mudaria o problema para 43-27=? Como é que o problema novo difere do primeiro? O que acontecerá quando estivermos a resolver o segundo problema? Descobrirão que 7 é maior que 3 e que não temos unidades suficientes. Então direi: ok, hoje não temos unidades suficientes. Mas às vezes temos unidades a mais. Devem lembrar-se que na semana passada, quando fizemos a adição com transporte, tínhamos muitas unidades. O que fizemos nessa altura? Eles dirão que as compusemos em dezenas. Então, quando temos muitas unidades, compomo-las em dezenas; o que podemos fazer quando não temos unidades que cheguem? Podemos decompor uma dezena de novo em unidades. Se decompusermos um 10 de 40, o que acontece? Teremos unidades suficientes. Deste modo, introduziria o conceito de «decompor uma unidade de ordem superior em 10 unidades de ordem inferior».
Alguns professores indicaram que o termo «decompor» sugere a sua relação com o conceito de «compor». Porque é que não existem unidades suficientes em 53 para subtrair 6? Cinquenta e três é obviamente maior que 6. Onde estão as unidades de 53? Os alunos dirão que as outras unidades de 53 foram compostas em dezenas. Então irei perguntar o que podemos fazer para ter unidades suficientes para
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subtrair 6. Espero que eles tenham a ideia de decompor um 10. Caso contrário, proporei isso. (Prof. P.) Na China, assim como nos Estados Unidos, o termo «empréstimo» costumava ser uma metáfora tradicional na subtracção 14 . A Sr.a S., uma professora de terceiro ano no seu segundo ano de ensino, explicou porque pensava que o conceito de «decompor uma unidade de ordem superior» fazia mais sentido que a metáfora do empréstimo: Alguns dos meus alunos podem ter aprendido dos seus pais que «pedimos uma unidade emprestada às dezenas e vemo-la como 10 unidades [jie yi dang shi]». Explicar-lhes-ei que não estamos a pedir um 10 emprestado, mas sim a decompor um 10. O «empréstimo» não explica porque podemos tirar um 10 para a posição das unidades. Mas a «decomposição» explica. Quando dizemos decompor, isso implica que os algarismos em posições de ordem superior são de facto compostos a partir daqueles que estão em posições de ordem inferior. São permutáveis. O termo «empréstimo» não significa, de todo, o processo de compor-decompor. «Pedir uma unidade emprestada e transformá-la num 10» parece arbitrário. Os meus alunos podem perguntar-me como podemos pedir emprestado às dezenas. Se pedirmos alguma coisa emprestada, devemos devolvê-la mais tarde. Como e o que vamos devolver? Além disso, ao pedir emprestado, temos de encontrar uma pessoa com disposição para nos emprestar. Então, e se a posição das dezenas não quiser emprestar à posição das unidades? Não saberemos responder a estas questões que os alunos podem colocar. Explicar o passo de «tirar» como um processo de decompor uma unidade de ordem superior reflecte um entendimento
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antigas de manuais de aritmética chineses usavam o termo «sub- tracção com empréstimo», traduzido a partir do Ocidente. Nas últimas décadas, os manuais têm usado «subtracção com decomposição».
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ainda maior do que a explicação que assenta no «reagrupar». Embora a fundamentação lógica do algoritmo seja reagrupar o aditivo, o reagrupar é uma abordagem matemática que não está confinada à subtracção: é fundamental para uma variedade de cálculos matemáticos. Há vários modos de reagrupar. Por exemplo, ao efectuar uma adição com transporte, a soma numa certa posição pode ser maior do que 10 unidades; então reagrupamo-la, compondo as unidades em uma, ou mais, unidades de ordem superior. Novamente, ao efectuar uma multiplicação com números de vários algarismos, reagrupamos o multiplicador em grupos da mesma ordem (ex., ao calcular 57 x 39, reagrupamos 39 em 30 + 9 e efectuamos o cálculo de 57 x 30 + 57 x 9). De facto, cada uma das quatro operações aritméticas implica determinado tipo de reagrupamento. Por isso, explicar o procedimento de «tirar» apenas em termos de «reagrupar» é menos correcto, porque o reagrupar é menos relevante ao tópico da subtracção do que a «decomposição de uma unidade de ordem superior». A primeira explicação falha por não indicar a forma específica de reagrupar que ocorre na subtracção. Além disso, ao usar o conceito de decompor uma unidade de ordem superior, o procedimento da subtracção é explicado de um modo que mostra a sua ligação com a operação da adição. Fornece um apoio conceptual maior para a aprendizagem da subtracção e reforça a aprendizagem anterior dos alunos. A base para compor uma unidade de ordem superior. Com o
conceito de «decompor 1 dezena em 10 unidades», os professores chineses de orientação conceptual tinham já explicado os passos de «tirar» e «transformar» no algoritmo. Contudo, muitos deles aprofundaram mais o aspecto de «transformar» do procedimento. Cerca de metade, à semelhança dos professores americanos no grupo do «reagrupar», enfatizaram que 1 dezena é composta por 10 unidades e pode ser decomposta em 10 unidades. A outra metade,
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contudo, referiu-se a uma ideia matemática mais básica — a base para compor uma unidade de ordem superior [jin lu] — como um conceito que os alunos devem conhecer antes de aprenderem o reagrupamento, e que deve ser reforçado ao longo do ensino. Estes professores afirmaram que os alunos devem ter uma ideia bem definida sobre «a base para compor uma unidade de ordem superior», para que melhor possam compreender porque uma unidade de ordem superior é decomposta em 10, ou potências de 10, unidades de ordem inferior. Tal compreensão, de acordo com estes professores, irá facilitar a aprendizagem futura dos alunos. O Prof. Mao, um professor do quinto ano que tinha ensinado matemática no ensino básico durante 30 anos, fez este comentário: Qual é a base para compor uma unidade de ordem superior? A resposta é simples: 10. Perguntemos aos alunos quantas unidades há num 10, ou perguntemos qual é a base para compor uma unidade de ordem superior, as suas respostas serão as mesmas: 10. Contudo, o efeito das duas perguntas na aprendizagem não é o mesmo. Quando relembramos aos alunos que uma dezena é igual a 10 unidades, estamos a dar-lhes o facto que é usado no procedimento. Isto, de algum modo, limita-os a esse facto. Quando lhes pedimos que pensem na base para compor uma unidade de ordem superior, guiamo-los para uma teoria que explica tanto o facto como o procedimento. Tal entendimento é mais poderoso que um facto específico. Pode ser aplicado a mais situações. Assim que eles percebam que a base para compor uma unidade de ordem superior, 10, é o motivo pelo qual decompomos uma dezena em 10 unidades, irão aplicar esta noção a outras situações. Não precisaremos de lhes recordar novamente que 1 centena é igual a 10 dezenas, quando no futuro aprenderem a subtracção com números de 3 algarismos. Conseguirão perceber isso por si próprios.
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A Sr.a N. tinha ensinado anos menos avançados numa escola do ensino básico numa zona rural durante três anos. Ela disse: Discutir a base para compor uma unidade de ordem superior ajuda-os a lidar não só com a subtracção de números com muitos algarismos, mas também com versões mais complicadas de problemas. Decompor uma dezena em 10 unidades ou decompor uma centena em 10 dezenas é decompor 1 unidade em 10 unidades da ordem imediatamente inferior. Mas às vezes precisamos de decompor 1 unidade em 100,1000 ou até mais unidades de ordem inferior. Por exemplo, para calcular 302-17, precisamos de decompor uma centena em 100 unidades. Mais uma vez, para efectuar a subtracção 10 005-206, precisamos de decompor 1 unidade em 10 000 unidades de ordem inferior. Se os nossos alunos estiverem limitados ao facto de que uma dezena é igual a 10 unidades, podem sentir-se confusos perante problemas deste tipo. Mas se no início da aprendizagem lhes for explicada a base para compor uma unidade de ordem superior, talvez possam deduzir as soluções para estes problemas novos. Ou, pelo menos, têm uma chave para os resolver.
Professores como o Prof. Mao e a Sr. a N. partilhavam uma visão clara sobre a aprendizagem dos alunos. A sua abordagem para ensinar a subtracção com números de dois algarismos previa a competência necessária para a subtracção com números de muitos algarismos. A subtracção com números de muitos algarismos inclui problemas de decompor uma centena em dezenas, ou decompor um milhar em centenas e pode também incluir problemas de decompor uma unidade não em 10, mas numa potência de 10 unidades de ordem inferior, como a decomposição de um milhar em 100 dezenas, etc. Esta visão baseia-se obviamente na compreensão profunda que os professores tinham deste tópico. Ao aprender a adição com transporte, os alunos destes professores são expostos à ideia da base para compor uma unidade de ordem superior. Ao ensinar a subtracção, os professores levam os seus alunos a revisitar a ideia de uma outra
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perspectiva — a perspectiva de decompor uma unidade —, o que é certamente um avanço em relação à sua anterior aprendizagem da ideia básica. Comparada com a ideia de trocar uma dezena por 10 unidades, a ideia da base para compor uma unidade de ordem superior toca uma camada mais profunda da compreensão matemática. Bruner (1960/1977), em O Processo da Educação, disse: «Quanto mais fundamental ou básica for a ideia aprendida, quase por definição, maior será o seu âmbito de aplicabilidade a novos problemas» (p.18). De facto, a base para compor uma unidade de ordem superior é uma ideia básica do sistema de numeração. Ligar o passo de «transformar» à ideia de compor uma unidade no sistema de numeração re- flecte não só a visão destes professores sobre as ideias básicas subjacentes aos factos, mas também a sua capacidade de incluir uma ideia fundamental da disciplina num simples facto. Várias formas de reagrupar. O debate anterior ficou confinado ao algoritmo habitual para a resolução de problemas de subtracção. O algoritmo tem um procedimento para reagrupar o aditivo de certo modo, por exemplo, 53 é reagrupado em 40 e 13. Embora nenhum dos professores americanos tenha ido além deste modo usual, alguns professores chineses foram. Estes professores salientaram que esse algoritmo não é a única maneira correcta de efectuar a subtracção: existem outras formas aceitáveis. O modo usual funciona melhor na maioria dos casos, mas não em todos. Em torno do princípio de «decompor uma unidade de ordem superior», os professores referiram três modos principais de reagrupar: De facto, existem várias formas de agrupar e reagrupar que podemos usar para pensar sobre o problema 53-26. Em primeiro lugar, podemos reagrupar 53 deste modo:
53 40
/\
13
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Deste modo, podemos subtrair 6 de 13, 20 de 40 e obter 27. Isto faz sentido. Contudo, podemos querer reagrupar 53 de outro modo:
53 / I \
40 10 3 Podemos subtrair 6 de 10 e obter 4, adicionar 4 e 3 e obter 7, subtrair 20 de 40 e obter 20, adicionar 20 e 7 e obter 27. A vantagem deste segundo modo de reagrupar é que é mais fácil subtrair 6 de 10 do que de 13. A adição incluída neste procedimento não envolve transporte, por isso é também simples. Há ainda outro modo de reagrupar. Podemos querer reagrupar o subtractivo 26 como:
26 / I \
20 3 3 Primeiro subtraímos 3 de 53 e obtemos 50. Depois subtraímos o outro 3 de 50 e obtemos 47. Finalmente, subtraímos 20 de 47 e obtemos 27. (Prof. C.)
O primeiro modo de reagrupar foi o usual: decompor uma unidade de ordem superior em unidades de ordem inferior, combiná-las com as unidades originais na posição de ordem inferior, e depois subtrair. O segundo modo consistiu em reagrupar o aditivo em três partes, em vez de duas, antes de subtrair. Por outras palavras, deixa-se isolada a unidade separada da posição das dezenas, em vez de a combinar com as unidades da posição das unidades. Depois, o algarismo do subtractivo na posição das unidades é subtraído da unidade separada. Finalmente, combina-se a diferença obtida com as unidades do aditivo na posição das unidades. Embora a parte adicional do número
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pareça criar alguma complexidade, este cálculo é mais fácil do que no modo usual. Precisamos simplesmente de subtrair as unidades do subtractivo de 10, em vez de um número maior que 10. A subtracção com o terceiro modo de reagrupar pode ser ainda mais fácil. Primeiro separa-se da posição das unidades do subtractivo o mesmo número que está na posição das unidades do aditivo. Em seguida, subtrai-se do aditivo o número separado, ficando zero na posição das unidades do aditivo. Depois subtrai-se do aditivo, que é agora composto de dezenas inteiras, a parte restante do subtractivo. O segundo e terceiro modos são de facto muito usados na vida quotidiana. Estas abordagens são também mais compreensíveis às crianças mais novas, atendendo aos seus limitados conhecimentos de matemática. Para além de descreverem estes modos alternativos de reagrupar, os professores chineses também os compararam — descrevendo as situações nas quais estes métodos podem tornar o cálculo mais simples. Alguns professores disseram que o segundo modo de reagrupar é usado mais frequentemente quando o algarismo do subtractivo situado na posição de ordem inferior é substancialmente maior que o do aditivo, como, por exemplo, em 52-7, ou 63-9. Estes problemas são fáceis de resolver se primeiro subtrairmos 7 de 50 e adicionarmos 2 à primeira diferença 43, ou primeiro subtrairmos 9 de 60 e adicionarmos 3 à primeira diferença 51, já que neste tipo de problema os números a subtrair estão normalmente perto de 10. O terceiro modo é particularmente fácil quando os valores dos algarismos do aditivo e do subtractivo na posição de ordem inferior estão perto um do outro. Por exemplo, 47-8, ou 95-7. É fácil subtrair 7 de 47 e depois subtrair 1 à primeira diferença 40, ou subtrair 5 de 95 e depois subtrair 2 à primeira diferença 90. Apesar de existirem várias formas de subtrair, o modo usual é ainda o melhor para a maioria dos problemas, em particular para aqueles que são mais complicados. A Prof. a Li, uma
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professora de reconhecido mérito, descreveu o que acontece na sua aula quando ensina a subtracção: Começamos com problemas de um número de dois algarismos menos um número de um algarismo, tal como 34-6. Coloco o problema no quadro e peço aos alunos para resolverem o problema por si próprios, seja com conjuntos de pauzinhos ou outros materiais de ajuda, ou mesmo sem nada, só pensando. Depois de uns minutos, eles acabam e peço-lhes que expliquem à turma o que fizeram. Podem fazê-lo de várias maneiras. Um aluno pode dizer: «34-6, 4 não é suficiente para subtrair 6. Mas eu posso tirar 4 primeiro e obter 30. Ainda preciso de tirar 2, porque 6=4+2. Subtraio 2 de 30 e obtenho 28. Assim, o meu modo é 34-6=34-4-2=30-2=28.» Outro aluno que tenha trabalhado com pauzinhos pode dizer: «Quando vi que não tinha pauzinhos separados suficientes, desfiz um conjunto. Fiquei com 10 pauzinhos e pus 6 deles de parte. Coloquei os 4 pauzinhos que sobraram junto dos 4 originais e obtive 8. Ainda tinha mais dois conjuntos de 10, e então, juntando todos os pauzinhos que ficaram, obtive 28.» Alguns alunos, normalmente menos do que os dos outros dois modos, podem dizer: «Os dois modos que eles usaram são bons, mas tenho outro modo de resolver o problema. Já aprendemos a calcular 14-8,14-9, então porque não usar esse conhecimento? Assim, pensei em resolver o problema de modo mais simples. Reagrupei 34 em 20 e 14. Depois subtraí 6 de 14 e obtive 8. Claro que não me esqueci do 20, por isso obtenho 28.» Coloco no quadro todos os modos que os alunos explicaram e atribuo-lhes números, o primeiro modo, o segundo modo, etc. Depois convido os alunos a comparar. Qual é o modo mais fácil? Qual é o modo mais razoável? Às vezes não concordam uns com os outros. Outras vezes não concordam que o modo usual que estou a ensinar seja o mais fácil. Especialmente aqueles que não estão à vontade com problemas de subtracção até 2015,
Com a expressão «subtracção até 20», os professores chineses entendem subtracção com reagrupamento e com aditivos entre 10 e 20, como 12-6 ou 15-7. 15
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como 13-7, 15-8, etc., tendem a pensar que o modo usual é mais difícil.
Os alunos podem de facto encontrar vários modos de reagrupar se tentarem resolver os problemas por si próprios, o que também foi descrito por outros professores. Para liderar um debate produtivo, após os alunos terem expresso as suas ideias, um professor precisa de ter uma profunda compreensão deste tópico. Ele ou ela devem saber as várias soluções para o problema, perceber como e porquê os alunos chegaram a elas, conhecer a relação entre os modos de resolução menos comuns e o modo usual, e conhecer o conceito único subjacente a todos eles. A Prof.a G., uma professora do segundo ano na casa dos trinta e poucos anos de idade, concluiu, após ter descrito os vários modos pelos quais os seus alunos poderiam resolver um problema usando materiais manipuláveis: Levaria a turma a descobrir que existe um processo subjacente a todos os diferentes modos de subtracção: desfazer um conjunto de materiais. Isto permitir-lhes-ia compreender o conceito de decompor uma dezena, que desempenha o papel fundamental no cálculo.
É importante para um professor conhecer o algoritmo habitual, bem como as versões alternativas. É também importante que um professor conheça a razão por que determinado modo é aceite como o modo usual, embora haja outros modos que podem desempenhar um papel significativo na abordagem ao conhecimento subjacente ao algoritmo. Uma perspectiva abrangente ao comparar e contrastar os vários modos de reagrupar na subtracção, revela completamente o conceito sub jacente ao procedimento. Estes professores, apoiados por um amplo entendimento da conceptualização, foram capazes de
_____________ Com a expressão «adição até 20» os professores chineses entendem a adição com transporte na qual a soma é entre 10 e 20, como 7+8 ou 9+9.
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mostrar flexibilidade ao lidar com os métodos menos comuns que não aparecem nos manuais.
Base de conhecimento e os seus elementos-chave Uma outra característica interessante das entrevistas aos professores chineses foi que estes procuravam estabelecer relações entre tópicos matemáticos. Por exemplo, a maioria mencionou a questão da «subtracção até 20» como o «fundamento» conceptual e também procedimental da subtracção com reagrupamento. Eles disseram que a ideia de reagrupar na subtracção, decompor uma unidade de ordem superior em unidades de ordem inferior, se desenvolve através da aprendizagem de três níveis de problemas. O primeiro nível inclui problemas com aditivos entre 10 e 20, como 15-7,16-8, etc. Neste nível os alunos aprendem o conceito de decompor um 10, e a aptidão que daí deriva. Aprendem que, ao decompor um 10, serão capazes de subtrair números com um algarismo de números na casa dos 10 com o algarismo das unidades menor que o subtractivo. Este passo é crítico porque antes disso a subtracção era directa — subtraíam-se números com um algarismo de números maiores também com um algarismo ou de números na casa dos 10 com o algarismo das unidades maior que o subtractivo 16 . O aspecto conceptual e a aptidão adquiridos neste nível irão servir de base para os procedimentos de reagrupar nos outros níveis.
O sistema chinês de número-palavra pode contribuir para a atenção particular que os professores chineses dão à composição e decomposição de um 10. Em chinês, todos os números na casa dos 10 têm a forma de «dez, número de um algarismo». Por exemplo, onze é «dez-um,» doze é «dez-dois» e assim sucessivamente. (Vinte é «dois dez», trinta é «três dez» e assim por diante. Vinte e um é chamado «dois dez-um», vinte e dois é «dois dez-dois» e assim sucessivamente.) Por isso, «decompor um 10» tende a ser uma solução óbvia para o problema «Como se subtrai 5 de dez-dois?» 16
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O segundo nível inclui problemas com aditivos entre 19 e 100, como 52-25, 72-48, etc. No segundo nível, a dezena a ser decomposta está combinada com várias outras dezenas. A nova ideia é separá-la das outras dezenas. O terceiro nível inclui problemas com aditivos maiores, isto é, aditivos com três ou mais algarismos. A nova ideia no terceiro nível é a decomposição sucessiva. Quando no aditivo a próxima posição de ordem superior contém um zero, temos de decompor uma unidade de uma posição mais distante do que essa próxima. Os problemas incluem decompor duas ou até mais vezes. Por exemplo, no problema 203-15, ao trabalhar na posição das unidades, devemos decompor uma centena em 10 dezenas e, para além disso, decompor uma dezena em 10 unidades. De acordo com os professores chineses, a ideia básica da subtracção com reagrupamento desenvolve-se através destes três níveis. Contudo, a «semente» conceptual e a aptidão básica ao longo de todos os níveis de problemas ocorrem logo no primeiro nível — subtracção até 20. Aqui reside uma diferença bastante interessante no entendimento existente nos dois países. Nos Estados Unidos, problemas como «5+7=12» ou «12-7=5» são considerados «factos aritméticos básicos», que os alunos devem simplesmente memorizar. Na China, contudo, são considerados problemas de «adição com composição e subtracção com decomposição até 20»17, sendo a primeira ocasião em que os alunos devem recorrer à aprendizagem anterior e em que a sua capacidade de compor e decompor um 10 é significativamente consolidada 18.
Na China, a adição com transporte é chamada «adição com composição» e a subtracção com reagrupamento é chamada «subtracção com decomposição». A «adição com composição e a subtracção com decomposição até 20» são ensinadas durante o segundo semestre do primeiro ano. 18 Nos manuais chineses do ensino básico, antes da secção de «adição com composição e subtracção com decomposição até 20» existe uma secção sobre a composição de um 10. Contudo, até que os alunos cheguem à secção da adição e subtracção até 20, o significado matemático de compor e decompor um 10 não é claro para eles. 17
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A Prof.a Sun estava na casa dos trinta e muitos anos e ensinava há já 18 anos em escolas do ensino básico em várias cidades. Criticou a minha questão na entrevista, por achar que não era suficientemente relevante: O tópico que apresentou foi a subtracção com reagrupa- mento. Mas os problemas que me mostrou aqui, tendo todos aditivos maiores que 20 e menores que 100, são apenas um tipo de problema a tratar em relação a este tópico. De facto, não é o tipo de problema crucial na aprendizagem do tópico. É difícil para mim falar sobre como ensinar este tópico com base apenas na abordagem destes problemas.
Após ter discutido os três níveis de problemas para aprender a subtracção com reagrupamento, continuou a explicar porque pensava que a minha questão era problemática: Existem aspectos novos em cada um dos outros níveis de aprendizagem, mas são de facto formas desenvolvidas da ideia básica introduzida quando se aprende a subtracção até 20. A aptidão que se alcança num primeiro nível aplica-se em todos os níveis mais elevados da subtracção. Após os alunos terem consolidado o conceito e a capacidade para resolver problemas de subtracção até 20, a sua posterior aprendizagem da subtracção terá uma base sólida na qual se apoiar. Por exemplo, muitos deles estarão prontos a compreender como se resolvem os problemas que me está a mostrar, por si próprios ou com pequenas pistas dadas por mim ou pelos meus colegas. Assim, a subtracção até 20 é crucial para a aprendizagem da subtracção com decomposição. Este é o conhecimento que perpassa todos os três níveis. Focamos os nossos esforços de ensino na adição e na subtracção até 20. Por isso, parece-me impossível falar da abordagem ao ensino da subtracção com reagrupamento a partir dos problemas que me apresentou.
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Os comentários da Prof.a E. são muito típicos dos professores chineses: Visto que os meus alunos não têm um sólido conhecimento dos problemas até 20, como podem resolver problemas como 37-18=? e 52-37=? Sempre que seguirem o algoritmo, encontrarão problemas como 17-8=? e 12-7=? Vamos continuar a confiar na contagem dos pauzinhos para sempre? Todos os procedimentos da subtracção em problemas com números maiores são transformados em subtracções até 10 ou até 20. Por isso é que o primeiro nível é tão importante. Quando os professores chineses falaram da importância da aprendizagem da subtracção até 20, não assumiram que isso era a única coisa que se deve aprender antes dos problemas que lhes mostrei. Os itens que mencionaram como necessários para os alunos aprenderem este tópico formaram uma lista substancialmente maior que a dos itens citados pelos professores americanos. Em média, os professores chineses mencionaram 4,7 itens, enquanto os professores americanos citaram 2,1 itens. O Prof. Chen era um professor quase na casa dos sessenta anos que ensinara numa escola citadina durante mais de 30 anos. Ele tinha descrito os três níveis da aprendizagem do reagrupamento na subtracção e eu perguntei-lhe se assumia que a aprendizagem matemática é um processo passo a passo. Respondeu: Preferia dizer que a aprendizagem de um tópico matemático nunca está isolada da aprendizagem de outros tópicos. Uma apoia a outra. As relações entre os três níveis são importantes, mas existem outras ideias importantes incluídas na subtracção. Por exemplo, o significado da subtracção, etc. A operação da subtracção com decomposição é a aplicação de várias ideias em vez de uma só. É um conjunto, e não uma sequência, de conhecimentos. A base de conhecimento que eu 55
vejo quando ensino os problemas que apresentou é mais extensa que os três níveis que acabei de descrever. Pode também incluir a adição até 20, a subtracção de números de dois algarismos sem decomposição, a adição de números de dois algarismos com transporte, a ideia da base para compor uma unidade de ordem superior, a subtracção com números decimais, etc. Alguns deles apoiam e outros são apoiados pelo presente conhecimento.
Perguntei ao Prof. Chen mais sobre a «base de conhecimento» e sobre a sua dimensão e componentes. Ele respondeu: Não existe um modo firme, rígido ou simples de «agrupar» conhecimento. Depende do ponto de vista. Diferentes professores, em diferentes contextos, ou o mesmo professor com diferentes alunos, podem «agrupar» conhecimento de modos diferentes. Mas o que interessa é que devemos ver uma «base de conhecimento» quando estamos a ensinar um elemento de conhecimento. E devemos saber qual o papel do conteúdo que se está a tratar nessa base. Temos de saber que ideias e procedimentos apoiam o conteúdo que estamos a ensinar, para que o nosso ensino vá reforçar e elaborar a aprendizagem dessas ideias. Quando estamos a ensinar uma ideia importante que vai apoiar um procedimento, devemos dedicar esforços particulares para ter a certeza de que os nossos alunos irão compreender a ideia muito bem e serão capazes de efectuar o procedimento proficientemente.
A maioria dos professores chineses, como o Prof. Chen, falava de um grupo de elementos de conhecimento em vez de um só elemento. O esquema em rede da figura 1.2 foi desenhado com base naquilo que disse sobre subtracção com reagrupa- mento. Como disse o Prof. Chen, «agrupar» conhecimento — ver os tópicos matemáticos grupo a grupo e não elemento a elemento — é uma forma de pensar. As opiniões dos professores sobre quais e quantos elementos de conhecimento deveriam ser
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incluídos na base de conhecimento diferiam um pouco. Contudo, eles partilhavam os princípios de como «agrupar» o conhecimento e concordavam quanto aos «elementos-chave». A figura 1.2 ilustra as principais ideias que os professores chineses usam ao «agrupar» os elementos de conhecimento relacionados com a subtracção com reagrupamento. O rectângulo representa o tópico que eu propus na entrevista e as elipses representam os elementos de conhecimento relacionados. As elipses sombreadas representam os elementos-chave do conhecimento. Uma seta de um tópico para outro indica que o primeiro sustenta o segundo, portanto, de acordo com os professores, deve ocorrer antes do segundo Adição sem transporte no Subtracção com reagrupamento de
A com osi ão de 10
Subtracção com reagrupamento de números entre 20 e 100 Subtracção sem reagrupamento
A composição de números até 100 Adição e subtracção até 20
ensino19.
A base para compor uma unicade de ordem superior Adição e subtracção até 10
Compor e decompor uma unidade dc ordem superior Adição e subtracção como _ operações inversas _
Fig. 1.2. Uma base de conhecimento para a subtracção com reagrupamento
No meio da figura existe uma sequência de quatro tópicos: «adição e subtracção até 10», «adição e subtracção até 20», «subtracção com reagrupamento de números entre 20 e 100» e
Durante as entrevistas, os professores chineses comentaram frequentemente que a relação é recíproca: primeiro, a aprendizagem de um tópico básico apoia a aprendizagem de um tópico mais avançado, mas a aprendizagem do tópico básico é também reforçada pela outra. Visto que o foco deste estudo é o ensino, não coloquei setas bidireccionais nas figuras da base de conhecimento. 19
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«subtracção com reagrupamento de números grandes». De acordo com os professores chineses, o conceito e o procedimento da subtracção com reagrupamento desenvolvem-se passo a passo através desta sequência, a partir de uma forma simples e primária para uma forma complexa e avançada. O tópico da «adição e subtracção até 20» é considerado o elemento-chave da sequência, ao qual os professores dedicam um maior esforço em todo o processo de ensino da subtracção com reagrupamento. Eles acreditam que tanto o conceito como a capacidade de cálculo introduzida pelo referido tópico constituem a base para uma aprendizagem posterior de formas mais avançadas de subtracção com reagrupamento e, por isso, esse tópico irá fornecer uma ajuda preciosa na aprendizagem posterior da subtracção, tanto no aspecto conceptual como procedimental. Para além desta sequência central, a base de conhecimento contém ainda outros tópicos, directa ou indirectamente ligados a um ou mais tópicos da sequência central que no esquema a circundam. Durante as entrevistas, alguns professores discutiram uma «subsequência» deste «círculo» — desde a «composição de 10» à «adição sem transporte» e à «subtracção sem reagrupamento». Podemos imaginar que, se mudarmos de perspectiva, por exemplo, se o nosso tópico for como ensinar a subtracção sem reagrupamento, esta subsequência pode tornar-se a sequência central da base de conhecimento dos professores. Um tópico do «círculo», «compor e decompor uma unidade de ordem superior», pode ser considerado outro elemento-chave da base, porque é o conceito nuclear subjacente ao algoritmo da subtracção. O objectivo de um professor, ao organizar conhecimento numa base deste tipo, é promover uma aprendizagem sólida de determinado tópico. É óbvio que todos os itens na base de conhecimento da subtracção com reagrupamento estão relacionados com a aprendizagem deste tópico, apoiando-o ou apoiando-se nele. Alguns itens, por exemplo, a subtracção sem reagrupamento, são incluídos principalmente para fornecer um apoio procedimental. Outros itens, por exemplo, compor e
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decompor uma unidade de ordem superior, são considerados principalmente como apoio conceptual. Outros ainda, por exemplo, o conceito de operação inversa, foram referidos como apoio conceptual bem como apoio procedimental 20. Os esquemas individuais de cada professor variavam de acordo com os itens específicos neles incluídos. Contudo, as relações entre os itens e alguns itens nucleares eram comuns.
Materiais manipuláveis e outras abordagens de ensino Embora mencionados com menos frequência do que pelos professores americanos, os materiais manipuláveis eram também o suporte de uma estratégia frequentemente relatada pelos professores chineses. Havia no entanto uma diferença, visto que a maioria dos professores chineses disseram que fariam um debate na aula a seguir ao uso desses materiais. Nestes debates os alunos deveriam mencionar, mostrar, explicar e argumentar as suas próprias soluções. Através dos debates, seria estabelecida «a construção explícita de ligações entre acções perceptíveis sobre os objectos e procedimentos simbólicos relacionados» referida por Hiebert (1984, p. 509). Liderar um debate depois do uso dos materiais manipuláveis, contudo, requer mais fôlego e profundidade no conhecimento que os professores têm da matéria. Através do uso desses materiais, os alunos podem levantar várias questões. Se um professor não conhecer muito bem as várias maneiras de resolver um problema, como pode ele ou ela liderar um debate sobre os diferentes caminhos que os alunos apresentam à turma? Por vezes, um debate na aula tem de lidar com problemas mais complicados, que não podem ser resolvidos numa única lição. A Sr.a S. relatou um debate na sua turma que começou no início do ano escolar e só terminou no fim: Alguns professores chineses afirmaram que sugeririam aos alunos que «pensassem na adição quando efectuassem a subtracção», com o objectivo de facilitar a sua aprendizagem. 20
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No Outono passado, quando os meus alunos trabalhavam com este tipo de problemas usando materiais manipuláveis, deparámo-nos com uma dificuldade. Reparámos que o procedimento manipulativo era diferente do que seguimos com colunas no papel. Digamos que estamos a resolver o problema 35-18. Com os materiais manipuláveis começamos pela posição de ordem superior. Tiramos primeiro o 10 existente em 18 e só depois o 8. Com as colunas começamos pela posição das unidades, subtraindo o 8 primeiro. O modo de utilização dos materiais manipuláveis corresponde de facto ao modo como efectuamos habitualmente a subtracção no dia-a-dia. Quando pensamos no troco que vamos receber ao pagar com 2 yuans 21 alguma coisa que custa 1 yuan e 63 cêntimos, subtraímos primeiro l.yuan, depois 60 cêntimos e depois 3 cêntimos. Mas com o modo tradicional, em colunas, fazemos o cálculo no sentido oposto: subtraímos primeiro 3 cêntimos, depois 60 cêntimos e finalmente 1 yuan. Na perspectiva da experiência de vida dos alunos, o modo como aprendem na escola parece ser mais complexo e fazer menos sentido. Tentámos fazer no quadro para ver o que aconteceria se começássemos na posição de ordem superior. Descobrimos que começar pelas dezenas iria dar primeiro uma diferença de 2 na posição das dezenas: 35 -18
2 Depois, quando trabalhámos na posição das unidades, aconteceu que tivemos de mudar a diferença que já tínhamos obtido na posição das dezenas: 35 -18
2 17
Mas, se começássemos a partir da posição das unidades, esta confusão podia ser evitada. Obteríamos directamente 21Yuan
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é uma unidade monetária chinesa. Um yuan tem 100 cêntimos.
a diferença final. No entanto, esta explicação resolveu apenas metade do problema — porque é que com colunas precisamos de começar pela posição de ordem inferior. Os alunos não estavam ainda convencidos de que tinham de aprender o modo tradicional, uma vez que não viam nele qualquer vantagem. Sugeri que de momento esquecêssemos este imbróglio, já que provavelmente voltaríamos a ele mais tarde. No final do ano escolar, trabalhámos na subtracção com decomposição de números grandes. Levantei novamente a questão para uma discussão. Os meus alunos rapidamente descobriram que, com números grandes, o modo tradicional é muito mais fácil na maioria dos problemas. Depois concordaram que vale a pena aprender o modo tradicional... Se o conhecimento da Sr.a S. estivesse limitado ao modo como se concretiza o procedimento de cálculo, seria difícil imaginar que tivesse levado os seus alunos a uma tal compreensão matemática.
DEBATE Fazer ligações: conscientemente versus inconscientemente É claro que o conhecimento matemático de um professor difere do de uma pessoa não ligada ao ensino. As características especiais do conhecimento matemático de um professor derivam da tarefa de promoção da aprendizagem dos alunos. Para facilitar a aprendizagem, os professores tendem a tornar explícitas as ligações entre os tópicos matemáticos que permanecem tácitas para os não-professores. Nas suas entrevistas sobre o ensino da subtracção com reagrupamento, os professores procuravam estabelecer dois tipos de ligações. Em primeiro lugar, procuravam ligar o tópico a um ou mais tópicos procedimentais relacionados, normalmente os de menor estatuto, tais como o procedimento da subtracção sem reagrupamento e o facto de uma dezena ser igual a 10 unidades,
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que, obviamente, são a base da subtracção com reagrupamento. Em segundo lugar, procuravam ligar o procedimento a uma explicação, o que também reforça a aprendizagem dos alunos — ao dar uma razão para o «tirar» e «transformar», o professor fornece mais informação para apoiar a aprendizagem do algoritmo. Quando lhes pedimos que indicassem aquilo que, na sua opinião, os alunos iriam precisar para compreender ou de saber fazer antes da aprendizagem da subtracção com reagrupamento, todos os professores apresentaram as suas próprias «bases de conhecimento», incluindo ambos os tipos de ligações. Uma diferença, contudo, foi a de que alguns professores mostraram uma consciência bem definida destas ligações, enquanto outros não. Esta diferença estava associada a diferenças significativas no conhecimento dos professores sobre a matéria. Os professores que procuravam «agrupar» conhecimento conscientemente conseguiam descrever os elementos que incluíam na sua base e, além disso, estavam claramente cientes da estrutura da rede e do estatuto de cada elemento na mesma. Por outro lado, os professores que «agrupavam» conhecimento inconscientemente tinham um conhecimento vago e incerto dos elementos e da estrutura da rede: as bases de conhecimento nas suas mentes estavam subdesenvolvidas. De facto, embora ligar um tópico que se vai ensinar a tópicos relacionados possa ser uma intenção espontânea de qualquer formador, uma base de conhecimento totalmente desenvolvida e bem organizada sobre um tópico é resultado de um estudo deliberado. Modelos do conhecimento dos professores quanto à subtracção: entendimento procedimental versus entendimento conceptual A maioria das bases de conhecimento que os professores descreveram durante as entrevistas continha os mesmos tipos de elementos — os que fornecem apoio procedimental e os que fornecem explicações. Os professores com entendimento conceptual e os professores apenas com entendimento procedimental, contudo, tinham bases de conhecimento organizadas de
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modo diferente. Um modelo de entendimento procedimental da subtracção com reagrupamento. As bases de conhecimento dos professores com
apenas entendimento procedimental da subtracção tinham poucos elementos, sendo a maioria tópicos procedimentais directamente relacionados com o algoritmo da subtracção com reagrupamento. Normalmente era incluída uma breve explicação, sem ser de facto uma explicação matemática real. Por exemplo, quando um professor disse aos seus alunos que a fundamentação lógica do algoritmo é semelhante à mãe de cada um ir ao vizinho pedir açúcar emprestado, esta explicação arbitrária não continha qualquer significado matemático real. Alguns professores explicaram que, pelo facto de o algarismo na coluna das unidades do aditivo ser menor que o do subtractivo, o primeiro devia «pedir emprestada» uma dezena à coluna das dezenas e transformá-la em dez unidades. Isto também não era uma explicação matemática real. De acordo com o que expusemos anteriormente neste capítulo, algumas explicações eram até matematicamente problemáticas. O entendimento destes professores parecia conceptual, mas na realidade era demasiado imperfeito e fragmentado para promover a aprendizagem conceptual dos alunos. A figura 1.3 ilustra uma base de conhecimento de um professor com entendimento procedimental. O rectângulo superior representa o conhecimento procedimental do algoritmo, as duas elipses representam os tópicos procedimentais relacionados e o trapézio por baixo do rectângulo representa um entendimento pseudoconceptual.
Fig. 1.3. Entendimento procedimental de um tópico.
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83% do conhecimento dos professores americanos e 14% do dos professores chineses sobre subtracção com reagrupamento enquadravam-se neste padrão. O seu entendimento do tópico contém alguns tópicos procedimentais e um entendimento pseudoconceptual: fizeram muito poucas ligações entre tópicos matemáticos e não incluíram quaisquer argumentos matemáticos nas suas explicações. Um modelo de entendimento conceptual da subtracção. O
conhecimento dos professores com um entendimento conceptual da subtracção era considerado e organizado de modo diferente. Uma base de conhecimento de entendimento conceptual bem desenvolvida e bem organizada inclui três tipos de conhecimento matemático: tópicos procedimentais, tópicos conceptuais e princípios básicos da disciplina. Os tópicos procedimentais são incluídos para apoiar a aprendizagem procedimental, bem como a aprendizagem conceptual do tópico. Por exemplo, a competência na composição e decomposição de um 10 é um desses tópicos. Muitos professores chineses referiram-se-lhe como sendo uma ajuda significativa na aprendizagem da adição e subtracção até 20, tanto do ponto de vista procedimental como conceptual. Os tópicos conceptuais incluem-se principalmente para propiciar um entendimento profundo da fundamentação lógica
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subjacente ao algoritmo. Contudo, os professores acreditavam que os tópicos conceptuais também desempenhavam um papel importante na promoção da competência procedimental. Por exemplo, alguns professores achavam que um entendimento amplo do conceito de reagrupar ajudava os alunos a escolher um método fácil de subtracção. Algumas bases de conhecimento dos professores incluíam princípios básicos, por exemplo, o conceito da base para compor uma unidade de ordem superior e o conceito de operações inversas. A base para compor uma unidade de ordem superior é um princípio básico na compreensão dos sistemas de numeração. Este conceito não está apenas relacionado com a aprendizagem pelos alunos da subtracção com reagrupamento de números grandes, quando são necessárias decomposições sucessivas, mas também estará relacionado com a futura aprendizagem do sistema binário — um sistema de numeração completamente diferente. Para além disso, ao revelar um princípio dos sistemas de numeração, o conceito irá aprofundar a compreensão de toda a disciplina. O conceito de operações inversas é um dos princípios fundamentais que subjazem às relações entre as operações matemáticas. Embora este conceito esteja relacionado com a aprendizagem da subtracção conjuntamente com a sua operação inversa, a adição, está também na base da aprendizagem de outras operações inversas na matemática, tais como a multiplicação e divisão, elevar ao quadrado e calcular as raízes quadradas, elevar ao cubo e calcular as raízes cúbicas, elevar a ne calcular as raízes de índice n, etc. Estes dois princípios gerais são exemplos daquilo a que Bruner (1960/1977) chamou «estrutura da disciplina». Bruner disse: «Entender a estrutura de uma disciplina é compreendê-la de um modo que permita que muitas outras coisas se relacionem com ela de modo significativo. Aprender a estrutura é, em resumo, aprender como as coisas se relacionam.» (p. 7) Com efeito, os professores que incluíam no seu ensino ideias básicas da disciplina «simples mas poderosas» estariam
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não só a promover uma aprendizagem conceptual no presente, mas também a preparar os seus alunos para relacionar a aprendizagem actual com a futura. Um entendimento conceptual bem desenvolvido de um tópico inclui também a compreensão da importância de outra dimensão da estrutura da disciplina — atitudes perante a matemática. Novamente, Bruner disse: «O domínio de ideias fundamentais de determinado campo envolve não só a compreensão dos princípios gerais, mas também o desenvolvimento de uma atitude perante a aprendizagem e a pesquisa, perante as estimativas e os palpites, perante a possibilidade de resolver problemas por si próprio.» (p. 20) Os professores não deram quaisquer exemplos de atitudes perante a matemática nas bases de conhecimento que construíram. Alguns professores, contudo, mostraram conhecimento de atitudes gerais. As suas explicações sobre os modos convencionais e alternativos de reagrupar mostraram uma atitude perante a disciplina — a de abordar uma questão matemática a partir de várias perspectivas. As descrições dos professores relativas à forma como encorajam os alunos a apresentarem os seus próprios modos de efectuar a subtracção com reagrupamento e os levam a discutir esses modos mostraram as suas próprias atitudes para com a pesquisa matemática. Para além disso, a intenção dos professores de fornecer provas matemáticas após levantarem uma questão, a sua confiança e capacidade de debater o tópico de um modo matemático e a sua intenção de promover um tal debate entre os seus alunos são exemplos de atitudes generalistas. De facto, embora não tivessem sido explicitamente incluídas como itens específicos na base de conhecimento de qualquer professor, as atitudes básicas em relação à matemática têm uma forte influência sobre o entendimento conceptual da matemática. Como indicarei nos capítulos seguintes, a maioria dos tópicos específicos mencionados neste capítulo não aparece em exposições sobre a multiplicação com números de vários algarismos, divisão por fracções, e área e perímetro. As atitudes que
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os professores apresentaram neste capítulo, contudo, irão acompanhar-nos ao longo dos outros capítulos sobre tópicos matemáticos e no resto do livro. A figura 1.2 mostrou como estava organizada uma base de conhecimento bem desenvolvida para a subtracção com reagrupamento. A figura 1.4 ilustra um modelo de entendimento conceptual de um tópico. O rectângulo cinzento mais elevado representa o entendimento procedimental do tópico. O trapézio central cinzento representa o entendimento conceptual do tópico. É sustentado por alguns tópicos procedimentais (elipses brancas), tópicos conceptuais (elipses cinzentas-claras), ideias matemáticas básicas (elipses escuras representando princípios básicos e elipses com ligações ponteadas representando atitudes básicas em relação à matemática). O rectângulo inferior representa a estrutura da matemática.
Fig. 1.4. Entendimento conceptual de um tópico Um entendimento conceptual autêntico é apoiado por argumentos matemáticos. Por exemplo, os professores americanos que detinham um entendimento conceptual elaboraram o
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aspecto «reagrupar» da operação. Muitos professores chineses explicaram que a ideia principal do algoritmo é «decompor uma unidade de ordem superior». Ambas as explicações se baseiam em argumentos matemáticos e reflectem o entendimento conceptual do tópico procedimental por parte dos professores. O entendimento conceptual da subtracção com reagrupamento, contudo, não tem «apenas uma resposta correcta». Existem várias versões de explicações conceptuais. Por exemplo, o professor A pode expor o conceito de decompor uma unidade de ordem superior. O professor B pode explicar o conceito de decompor relacionando-o com o conceito de compor. O professor C pode introduzir o conceito de base para compor uma unidade de ordem superior. O professor D pode apresentar o conceito de reagrupar usando o reagrupamento sugerido pelo algoritmo. O professor E pode apresentar várias formas de reagrupar para desenvolver o conceito. Todos estes professores têm entendimentos conceptuais autênticos. Contudo, a abrangência e profundidade dos seus entendimentos não é igual. O sombreado no trapézio pretende mostrar esta característica do entendimento conceptual. Sabemos muito pouco sobre a qualidade e as características do entendimento conceptual dos professores. Pode acontecer que o poder matemático de um conceito dependa da sua relação com outros conceitos. Quanto mais perto um conceito está da estrutura da disciplina, mais relações pode ter com outros tópicos. Se um professor usa um princípio básico da disciplina para explicar a fundamentação lógica do procedimento da subtracção com reagrupamento, ele ou ela dota essa explicação de um forte poder matemático. 17% dos professores americanos e 86% dos professores chineses demonstraram um entendimento conceptual do tópico. Entre estes professores, os chineses apresentaram um conhecimento mais sofisticado do que o dos seus colegas americanos. Relação entre o conhecimento dos professores sobre a matéria e o método de ensino: pode o uso de materiais manipuláveis compensar a deficiência de conhecimento sobre a matéria?
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Em comparação com o conhecimento dos professores sobre a matéria, há outros aspectos do ensino que recebem habitualmente mais atenção, talvez porque pareçam afectar os alunos mais directamente. Ao pensar como se vai ensinar um tópico, a preocupação principal deverá ser qual a abordagem a utilizar. Durante as entrevistas, a maioria dos professores disse que usaria materiais manipuláveis. Contudo, o modo como estes materiais seriam usados dependia da compreensão matemática do professor que se servia deles. Os 23 professores americanos não tinham os mesmos objectivos de aprendizagem. Alguns pretendiam que os alunos ficassem com uma ideia «concreta» da subtracção, outros queriam que os alunos compreendessem que uma dezena é igual a 10 unidades, e uma queria que os alunos aprendessem a ideia de troca equivalente. Os que queriam que os alunos tivessem uma ideia concreta da subtracção descreveram usos de materiais manipuláveis que eliminavam a necessidade de reagrupar. Os que queriam que os alunos compreendessem que uma dezena é igual a 10 unidades descreveram um procedimento com materiais manipuláveis que os alunos podiam usar para fazer o cálculo. A professora que queria que os alunos aprendessem a ideia de troca equivalente descreveu o modo como usaria os materiais manipuláveis para ilustrar o conceito subjacente ao procedimento. Ao contrário dos professores americanos, os professores chineses disseram que fariam um debate na aula a seguir ao uso dos materiais manipuláveis, no qual os alunos iriam relatar, mostrar, explicar e discutir as suas soluções. Em actividades envolvendo materiais manipuláveis, e segundo as descrições dos professores chineses, os alunos levantam questões que poderão levar a uma compreensão mais profunda da matemática. A concretização do potencial de aprendizagem de tais questões pode ainda depender em grande parte da qualidade do conhecimento dos professores sobre a matéria.
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SUMÁRIO A subtracção com reagmpamento é tão elementar que é difícil imaginar a inexistência de conhecimento adequado dos professores sobre este tópico. Contudo, as entrevistas deste capítulo revelaram que era o caso de alguns professores. 77% dos professores americanos e 14% dos professores chineses mostraram apenas um conhecimento procedimental do tópico. O seu entendimento era limitado a aspectos superficiais do algoritmo — os passos de tirar e transformar. Esta limitação restringia as expectativas no que toca à aprendizagem dos alunos, bem como a capacidade de promover uma aprendizagem conceptual na sala de aula. Este capítulo revelou ainda diferentes camadas de entendimento conceptual da subtracção com reagmpamento. Alguns professores americanos explicaram o procedimento como sendo o reagmpamento do aditivo e disseram que durante o ensino iriam mencionar o aspecto da «troca» subjacente ao passo de «transformar». A maioria dos professores chineses explicou o reagrupar usado nos cálculos da subtracção como a decomposição de uma unidade de ordem superior. Mais de um terço destes professores referiram não só métodos não convencionais de reagrupar, mas também as relações entre os métodos tradicionais e os não convencionais. Os professores com diferentes entendimentos da subtracção com reagmpamento tinham objectivos pedagógicos diferentes. Embora muitos professores tenham mencionado que usariam materiais manipuláveis como forma de abordagem ao ensino, os modos de utilização que largamente decidiriam a qualidade da aprendizagem na aula dependiam do que achavam que os alunos deviam aprender. Ao contrário dos professores americanos, a maioria dos professores chineses disse que, depois de os alunos terem usado materiais manipuláveis, promoveria um debate na aula — uma estratégia de ensino que requer maior extensão e profundidade no conhecimento dos professores sobre a matéria.
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Multiplicação com números de vários algarismos: lidar com os erros dos alunos Cenário Alguns professores do sexto ano repararam que vários alunos estavam a cometer o mesmo erro na multiplicação com números de vários algarismos. Ao tentarem calcular
123 x 645 os alunos pareciam esquecer-se de «mover os números» (i.e., os produtos parciais) em cada linha. Eles faziam isto:
123 x 645 615 492 738 1845 em vez disto:
12 3x 645 615 492 71
738 7933 5
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Embora estes professores tenham concordado que isto era um problema, não concordaram quanto ao seu tratamento. O que fariam se estivessem a ensinar o sexto ano e reparassem que alguns alunos estavam a cometer este erro?
Todos os professores no estudo consideraram que este erro dos alunos na multiplicação com números de vários algarismos, o alinhamento incorrecto dos produtos parciais, era mais um problema de aprendizagem matemática do que um descuido. Contudo, ao identificar o problema e explicar como ajudariam os alunos a corrigir o erro, os professores apresentaram várias ideias.
A ABORDAGEM DOS PROFESSORES AMERICANOS: ALINHAR VERSUS SEPARAR EM TRÊS PROBLEMAS Razões para o erro Ao identificar o erro dos alunos, dezasseis professores americanos (70%) pensaram que era um problema na execução do procedimento de alinhamento, enquanto os outros sete professores (30%) concluíram que os alunos não entendiam a fundamentação lógica do algoritmo. O segundo grupo de professores incluía a Prof. a Bridget, a Sr.a Faith e a Sr.a Fleur, cuja orientação também era conceptual no que toca à subtracção com reagrupamento. A mesma frase — «o aluno não tem um bom entendimento do valor posicionai» — foi ouvida frequentemente na maioria das entrevistas. No entanto, este termo tinha significados diferentes para os professores dos dois grupos. O que os professores com orientação procedimental entendiam por «valor posicionai» estava apenas na segunda metade da expressão, «posição» — a localização dos algarismos. Por exemplo, a experiente Prof.a Bernice deu-nos esta explicação: Não vejo nenhum problema com a multiplicação por 5. Na multiplicação seguinte, ou seja, na multiplicação da coluna das
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dezenas, deveriam mover-se para a coluna das dezenas para começarem a colocar a resposta. E depois teriam de multiplicar a coluna das centenas, de forma que deveriam passar à terceira coluna.
Quando os professores, à semelhança da Prof. a Bernice, falavam sobre a «coluna das dezenas» ou a «coluna das centenas», não pensavam no valor dos algarismos nestas colunas, mas usavam antes os termos «dezenas» e «centenas» como etiquetas para as colunas. Do seu ponto de vista, estas etiquetas ajudam a verbalizar o algoritmo para que se consiga efectuá-lo correctamente. Desde que os alunos consigam identificar uma coluna e lembrar-se de aí colocar o número relevante, «não podem falhar» (Prof. Baird). Outros professores usavam os números do multiplicador para identificar as colunas: quando mencionavam uma parte do multiplicador, 40 ou 600, não se referiam ao seu valor, mas usavam-no para etiquetar uma coluna. Referindo-se ao trabalho dos alunos, a Sr. a Fay, professora em início de carreira, disse: Penso que talvez estivessem apenas um pouco confusos sobre os valores posicionais... Em primeiro lugar estamos a multiplicar por 5 nas unidades. Depois avançamos e não estamos a multiplicar por 4, mas sim por 40. Assim, temos de modificar o valor posicionai
para cima. Trata-se apenas de recordar o processo de onde se coloca, onde se inicia a coluna.
Podemos começar por pensar que a Sr. a Fay tinha uma orientação conceptual, pois usou o termo «valor posicionai» e disse que o 4 na posição das dezenas não era 4 mas sim 40. Contudo, ela não seguiu a direcção conceptual que se esperaria, dada a primeira parte da sua afirmação. A sua atenção estava no como mover os números, não no porquê. Nem «valor posicionai» nem «quarenta» focavam o valor do produto parcial, nem foram usados de modo a revelar o conceito subjacente ao algoritmo. Reconhecer 40 e 600 era simplesmente um modo de alinhar os produtos parciais: quando multiplicamos
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por 40, temos de nos lembrar de alinhar com 40; ao multiplicar por 600, temos de nos lembrar de alinhar com 600. É apenas uma questão de memorizar o procedimento. Os professores do grupo de orientação conceptual tinham uma interpretação diferente do erro dos alunos. Usando os termos já usados pela Sr. a Fay, outra professora em início de carreira, Sr.a Francesca, disse: Diria que as crianças, os alunos não têm ideia disso, não entendem de facto o valor posicionai. Não entendem o conceito, porque estão a fazer 4 vezes 3, que é o que parece, mas tem que ser visto como 40 vezes 3 e eles não compreendem isso. Por isso não colocam os valores de modo correcto... O problema é que não viram como cada número é formado.
A preocupação da Sr. a Francesca, bem como dos outros professores que integravam o grupo de orientação conceptual, não era «onde colocar a resposta», mas sim o facto de os alunos não compreenderem por que razão os produtos parciais são alinhados do modo requerido pelo algoritmo. A Prof. a Belle, uma professora experiente, indicou que a razão para o erro dos alunos assentava no facto de eles não entenderem o conceito subjacente ao procedimento: Não penso que os alunos entendam o que estão a multiplicar. Acho que, se compreendessem de facto o conceito, se lembrariam de onde colocar os números. Acho que, frequentemente, são ensinados passos às crianças, dás este passo, dás aquele passo e moves este número uma vez e moves aquele número duas vezes; mas elas não sabem realmente porque estão a fazer tudo isso. Acho que se elas, de facto, compreendessem o que estão a fazer, colocariam os números no devido lugar.
O que os professores achavam ser a causa do erro dos alunos determinou a orientação da aprendizagem que pretendiam promover ao lidar com este problema. Contudo, a perspectiva procedimental ou conceptual de um professor ao definir o problema parecia largamente determinada pelo conhecimento 75
que o professor tinha da multiplicação com números de vários algarismos. Todos os professores no grupo de orientação conceptual, mas apenas dois no grupo de orientação procedimental, mostraram um sólido entendimento da fundamentação lógica subjacente ao algoritmo. Os outros catorze professores de orientação procedimental (61%) tinham um conhecimento limitado do tópico. Embora fossem capazes de verbalizar a regra de «mover» explicitamente, nenhum conseguiu explicá-la. Durante as entrevistas, alguns professores admitiram que não conheciam a fundamentação lógica. A Prof. a Beverly, uma professora experiente que considerava ser a matemática o seu forte, confessou que não estava muito à vontade nesta área e que não era capaz de explicar «porque se move»: «Vejamos, este é o tipo de coisas que me causa problemas. Áreas em que não estou à vontade.» Outros professores articularam uma resposta, mas falharam ao tentar dar uma explicação matemática real: «É difícil... Porque é o modo como sempre fazemos... Quer dizer, foi assim que nos ensinaram a fazer» (Sr. a Fay). «Porque é o modo correcto. Foi assim que aprendi. Está certo» (Sr. a Fiona). «Não consigo lembrar-me da regra. Não consigo lembrar-me porque se faz deste modo. Apenas faço como me ensinaram» (Sr. a Felice). O conhecimento matemático é baseado na convenção e na lógica. Contudo, neste caso a convenção funciona como um abrigo para aqueles que não têm um entendimento conceptual de um procedimento matemático. As características problemáticas do conhecimento dos professores sobre a matéria foram também reveladas nas suas opiniões sobre os zeros «escondidos» incluídos no cálculo.
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O alinhamento em escada, que confunde os alunos, é, de facto, um resumo do seguinte: 123 x 645 615 4920 7380 0 7933 5 Ao incluirmos os zeros, a fundamentação lógica do algoritmo torna-se clara: 492 significa 4920, e 738 significa 73800. Contudo, a maioria dos professores no grupo de orientação procedimental não conseguia ver estes significados. Os catorze professores com um entendimento procedimental do algoritmo tinham duas opiniões diferentes sobre o papel dos zeros no cálculo. Alguns pensavam que os zeros eram perturbadores, enquanto outros os viam como marcadores úteis das posições. Todos consideraram os zeros como algo estranho ao cálculo. Os professores que tinham uma opinião negativa argumentaram que os zeros eram «artificiais» e que «não pertenciam ali»: Bem, alguns textos e alguns professores usam zeros e colocam um zero como marcador de posição na multiplicação de cada algarismo. Mas nunca gostei disso porque sempre me pareceu que era artificial, que havia uma adição de algo que não devia estar ali, sentia-me desconfortável com isso. (Prof. Félix)
Outros professores achavam que os zeros iriam confundir ainda mais os alunos: «Receio que [os zeros] ainda os vão confundir mais» (Prof.a Bernice). «Faço isso [colocar um asterisco como marcador de posição] para que prestem atenção e também para que não haja confusão com outros zeros» (Prof. a Belinda).
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Por outro lado, os professores que consideravam os zeros marcadores de posição úteis ao efectuar o algoritmo também não lhes atribuíam qualquer significado matemático. Quando lhes perguntaram se a colocação de um zero depois de 492 iria mudar o número, ficaram confusos: Oh, sim, é verdade, e já agora, a razão pela qual eu digo um zero é apenas porque, sim, porque me ajuda a conservar o meu lugar, não tem qualquer valor no número. Mas ajuda-me a saber qual é o meu lugar, o lugar onde deveria estar. (Sr. a Fay) Ok, eu não lhes diria que estava a adicionar zeros, estou a colocar zeros como marcadores de lugar. (Prof. 1 Bernardette)
Não sendo capazes de explicar o imbróglio, a Sr. a Fay e a Prof.a Bernadette apenas queriam evitar enfrentar o desafio. A Sr. a Francine, contudo, argumentou que o número nunca seria alterado porque «mais zero significa mais nada»: «Eu diria, o que é 5 mais nada? É adicionar alguma coisa? Não, não é.» O argumento da Sr.a Francine sugere que ela confundia «adicionar um zero» a um número (5 + 0 = 5 ou 492 + 0 = 492) com o papel do 0 num número (50 ou 4920). Os professores do grupo de orientação procedimental usavam o zero para se lembrarem do movimento: não o consideravam diferente de um qualquer marcador de lugar. Pôr um zero é simplesmente como colocar um x sem significado: Eu diria que não os estamos a mudar [os números], apenas estamos a colocar um espaço ali para nos lembrarmos de os mover. Ou talvez pudéssemos pôr um x e não usar um zero. Algo que nos fizesse lembrar a necessidade de os mover. (Sr. a Felice)
Os testes conceptuais expuseram as limitações do conhecimento destes professores, que sabiam como efectuar o algoritmo e como verbalizar a regra, mas não percebiam porque tinha sido criada.
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Contudo, os sete professores do grupo de orientação conceptual deram explicações matemáticas do algoritmo. Explicaram que multiplicar por 645 era multiplicar realmente por 5 e por 40 e por 600, de forma que os produtos parciais eram de facto 615, 4920 e 73800. Em face dos mesmos testes conceptuais sobre os zeros, «aguentaram-se no exame». Quando lhes perguntaram se acrescentar zeros ao número o mudaria, alguns disseram que sim e outros que não. Ambas as respostas fazem sentido. A Sr. a Fawn argumentou que, se o 492 do problema é visto com um número normal, então acrescentando um zero estamos a mudá-lo, e essa mudança é necessária: Eu diria que sim, isso é mudar o número. Porque 123 x 40 não é igual a 492, este não é o número correcto, e estamos a mudar o número porque estamos a multiplicar por mais do que 4, estamos a multiplicar por 40.
A Sr.a Francês, tendo outro ponto de vista, argumentou que, já que 492 não é um número vulgar mas sim um número que começa na coluna das dezenas, acrescentar um zero não o muda, mas revela o seu verdadeiro valor: Bom, eu diria que é este o número. Lembrem-se daquilo que multiplicaram... Deveriam colocar um zero ali, o que daria 4920, porque estão a multiplicar por dezenas.
Outros professores ainda, como a Sr. a Faith e a Sr. a Fleur, deram indicação de que, ao mostrar aos alunos «o que realmente se passa no procedimento», a questão de saber se o acréscimo de um zero a 492 o modifica ou não deixaria de ser um problema ou passaria a ser um problema resolvido: Eu já lhes tinha mostrado que não estão apenas a acrescentar o zero ali, que existe uma razão para aquele número ser, de facto, 4920 e não um 492 deslocado. (Sr. a Fleur)
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Ok, eu acho que com este processo (separar o problema e listar os produtos parciais) mostraria que não estamos apenas a acrescentar zeros. (Sr.a Faith)
Estratégias de ensino Procedimentais
Os dois grupos de professores que definiram o erro dos alunos de dois modos diferentes tinham diferentes abordagens para o tratar. Os professores do grupo de orientação procedimental disseram que ensinariam os alunos a alinhar correctamente os produtos parciais, para o que apresentaram três estratégias. Descrever a regra. Verbalizar a regra claramente foi mencionado por cinco professores, entre eles a Prof. a Bernice e a Prof.a Beverly: Bem, se a criança tem noção do valor posicionai, talvez a encorajasse a colocá-lo [o produto parcial] debaixo do número que estão a multiplicar, em correspondência com o seu valor posicionai. Por exemplo, o 5 está na coluna das unidades, por isso começaríamos na coluna das unidades, o 4 está na coluna das dezenas, por isso poderíamos movê-lo e colocá-lo a partir desse 4. Depois trabalharíamos na coluna das centenas, ou seja, começando na coluna do 6. (Prof. a Bernice) Eu voltaria ao valor posicionai e dir-lhes-ia que, quando estão a multiplicar pelas unidades, estão alinhados com os números acima. E quando mudam para o próximo número, que é o das dezenas, devem alinhar com as dezenas. E depois o próximo número seria alinhado com as centenas e assim sucessivamente. (Prof. a Beverly)
As descrições da Prof. a Bernice e da Prof.a Beverly são mais dois exemplos de como um termo conceptual pode ser usado de um modo procedimental. O termo «valor posicionai» não foi apresentado aos alunos como um conceito matemático, mas sim
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como uma etiqueta para cada uma das colunas onde eles deveriam colocar os números. Usar papel de linhas. Outra estratégia para ajudar os alunos a aplicar a regra era usar papel de linhas ou quadriculado: Bom, provavelmente do mesmo modo como ensino agora. Começo com papel de linhas. Rodo-o, de forma a ficar com as linhas na vertical, e ponho um algarismo em cada linha. Basta pôr um algarismo em cada linha, em cada espaço. E depois faço-os trabalhar sobre isto. E faço-os ver que quando multiplicam, digamos, 3 vezes 5, o resultado ficará debaixo do cinco... E depois, quando multiplicam 3 vezes 4, ficará na mesma coluna do 4. E quando multiplicam 3 vezes 6, estará na mesma coluna do 6. (Prof. Bridget)
A estratégia sugerida pela maioria dos professores foi colocar um marcador de posição nos espaços em branco. Oito professores propuseram usar o zero como marcador. Claro que, por muitos professores não entenderem o significado real dos zeros, nem sequer pensaram em promover um maior entendimento do formato particular de alinhamento. Eles sugeririam isto aos alunos só para os números se posicionarem correctamente: Para os ajudar a lembrar ao multiplicar, poderemos preencher a primeira linha e depois pôr um zero debaixo da posição das unidades para recordar que não se pode usar aquele espaço. (Sr. a Francine)
Usar marcadores de posição. Dois professores experientes no ensino deste tópico disseram que sugeriam aos seus alunos o uso de um marcador de posição que não fosse um zero, por exemplo, um asterisco. A Prof. a Barbara disse que o seu modo
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de ensinar este tópico era usar coisas que «os alunos captassem rapidamente» como marcadores de posição: Uma coisa que eu faria é, bem, devo confessar que já o fiz, ao ensinar este tópico num quadro de feltro, ponho sempre uma maçã, laranja ou qualquer outra coisa nos espaços... Isto é, pode ser uma coisa estranha, até imagens de elefantes. Não importa o que é. Mas as crianças memorizam isso e dizem, oh lembro-me que [a minha professora] disse para não pôr nada ali porque era onde estava a laranja ou a maçã... Coloquem ali qualquer coisa diferente para captar a atenção dos alunos.
A estratégia da Prof.a Barbara parecia advir da experiência de que colocar uma maçã, uma laranja, um elefante ou algo invulgar no espaço em branco ajudava a que os alunos efectuas- sem o procedimento correctamente. Infelizmente, isto parece não promover qualquer aprendizagem matemática significativa. Pelo contrário, está de acordo com a ideia de que na aprendizagem matemática é desnecessário compreender a ideia subjacente ao procedimento — devemos apenas seguir as ordens «interessantes» mas arbitrárias do professor. Embora procurasse resolver o problema ao nível procedimental, esta abordagem de alinhamento não reflectia, de todo, uma preocupação com a aprendizagem conceptual. Conceptuais
Explicar a fundamentação lógica. Os professores do grupo de orientação conceptual centraram-se na descodificação da fundamentação lógica da regra de alinhamento. Dois professores disseram que iriam explicar essa fundamentação aos alunos. A Prof.a Belle disse: Eu falaria sobre o que o exemplo realmente significa, o que significa 123 vezes 645... Falaríamos sobre o 123 e sobre o que
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123 é realmente e o que significa: é 100, mais 20, mais 3. E depois falaríamos sobre o 645 e o que significa. E em seguida sobre o que significa multiplicar, e eu pegaria num número como 123 vezes 5, e o que significa multiplicar 123 vezes 5: significa 123 cinco vezes. Por fim, faríamos o mesmo com a parte seguinte do número, 40, e depois com o 600.
Separar o problema em três subproblemas. Os outros cinco professores falaram da estratégia que usariam: separar o problema em «problemas pequenos». Eles separariam o problema 123 x 645 em três problemas menores nos quais multiplicariam o 123 por 5, 40 e 600 respectivamente. Depois alinhariam e somariam os três produtos parciais, 615, 4920 e 73 800. Nenhum dos cinco professores justificou esta transformação, por exemplo, com uma referência ao reagrupamento ou à propriedade distributiva. Três professoras em início de carreira, a Sr. a Faith, a Sr.a Fleur e a Sr.a Francês explicaram de que modo iriam mostrar isto. Tomando a Sr.a Faith como exemplo: Eu levá-los-ia através disto, começando por multiplicar 5 por 123 e escrevendo a resposta ao lado. Depois multiplicaria 40 por 123, e colocaria a resposta por baixo e encostada à direita. Para que eles pudessem visualizar que o zero está lá... E depois faria 123 vezes 600. Por fim, somaria todos estes resultados e explicaria ao
mesmo tempo que o que estamos afazer aqui é exactamente a mesma coisa.
Como indicou a Sr.a Faith, através da sua explicação os alunos veriam o que realmente se passa no procedimento da multiplicação com números de vários algarismos. Eles veriam, em concreto, que os números 492 e 738 no procedimento eram, de facto, 4920 e 73900 com os zeros deixados de fora. Isso explicaria de onde vinham as colunas em escada, por que motivo os alunos estavam errados e também daria sentido à regra de alinhamento. Segue-se outro exemplo, neste caso da Sr. a Fleur: Eu iria rever o valor posicionai e mostrar-lhes que aqueles
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produtos parciais podem ser separados, multiplicando primeiro 123 vezes 5 e depois 123 vezes 40 e depois 123 vezes 600 e por fim somando-os todos... E isso que estamos afazer no problema. E depois pediria aos alunos que colocassem o zero marcador de posição.
Alguns professores do grupo de orientação conceptual, tal como a Sr.a Fleur, referiram-se também a estratégias procedimentais, em particular ao uso do zero como marcador de posição. Sem dúvida que os professores devem prestar atenção aos procedimentos de cálculo. Contudo, para o grupo de orientação conceptual, as estratégias procedimentais eram complementares, enquanto estas eram usadas exclusivamente pelo grupo de orientação procedimental.
A relação entre o conhecimento da matéria e as estratégias de ensino Um conhecimento limitado da matéria restringe a capacidade de um professor promover uma aprendizagem conceptual entre os alunos. Mesmo um forte sentimento de «ensinar matemática para a compreensão» não pode remediar ou complementar uma limitação de um professor no conhecimento da matéria. Alguns professores em início de carreira, no grupo de orientação procedimental, queriam «ensinar para a compreensão». Eles pretendiam envolver os alunos no processo de aprendizagem, e promover uma aprendizagem conceptual que explicasse a fundamentação lógica subjacente ao procedimento. Contudo, devido às suas próprias deficiências no conhecimento da matéria, a sua concepção de ensino não podia ser posta em prática. O Sr. Félix, a Sr.a Fiona, a Sr.a Francine e a Sr. a Felice pretendiam promover uma aprendizagem conceptual. Ironicamente, com um conhecimento limitado do tópico, tanto as suas perspectivas na definição do erro dos alunos
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como as suas abordagens ao lidar com o problema se centravam no procedimento. Ao descrever as suas ideias sobre o ensino, o Sr. Félix disse: Eu quero que eles pensem realmente sobre isso e usem os materiais manipuláveis e outras coisas com que possam ver o que estão a fazer, e porque faz sentido movê-lo [o número] uma coluna. Porque é que fazemos isso? Acho que os alunos são capazes de compreender muito melhor a fundamentação lógica do comportamento e das acções do que muitas vezes imaginamos. Penso que é mais fácil para qualquer um recordar uma coisa que se faça quando se entende porque se faz desse modo.
O Sr. Félix tinha a intenção de encorajar os seus alunos a «pensarem realmente sobre isso». Contudo, o seu próprio entendimento de «porque movemos» era que «devemos alinhar com o algarismo pelo qual estamos a multiplicar». Ele não entendia o valor real dos produtos parciais e pensava que os zeros potenciais «não pertenciam de facto ali». Assim, apesar de querer promover uma aprendizagem conceptual, a sua estratégia de ensino era fazer com que os alunos «resolvessem os seus problemas num papel de linhas, usando as linhas para fazer as colunas verticais», para tornar claro «que se salta uma coluna» — não havia aqui indícios de qualquer aprendizagem conceptual. A Sr.a Fiona insistiu que os seus alunos precisavam de ser capazes de responder à questão «Porque é que movemos aqueles números?» Contudo, tal como o Sr. Félix, ela própria não entendia de facto porque temos de mover os números. Quando foi questionada sobre isto, não conseguiu dar uma explicação convincente. Então, o que queria que os alunos «entendessem» era «que esse é o modo correcto, o modo como eu aprendi». A Sr.a Francine acreditava que, para a aprendizagem dos alunos, o entendimento deveria vir antes da memorização, porque «depois eles estão preparados para a vida». Contudo, quando disse que faria os alunos colocarem zeros, para que pudessem alinhar os números correctamente, ela própria não
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I
conseguiu dar uma explicação matemática legítima da razão de incluir os zeros. Consequentemente, apesar de a Sr. a Francine acreditar que os alunos deviam entender um procedimento antes de o memorizar, o seu conhecimento limitado restringia a sua capacidade de ajudar os alunos a entender o procedimento. A Sr.a Felice optaria por um ensino cooperativo. Ela acreditava que os alunos aprenderiam muito mais matemática se trabalhassem em grupos heterogéneos com os seus pares. Mais uma vez, contudo, o seu próprio conhecimento limitado iria condicionar os seus alunos: Sr.a Felice:
Ok, eu agrupá-los-ia com alunos que estavam a fazê-lo de modo correcto... Teria assim um ensino em grupos. Depois pedir-lhe-ia que fossem ao quadro com alunos que sabiam, para que pudessem estar perto de colegas que sabiam. E depois examinaria, como estivessem a fazer eu faria também, portanto eles podiam seguir-me e seguir os seus pares. Iríamos discutir a matéria e, se mesmo assim ainda restassem dúvidas, sentar-me-ia com eles e tentaria explicar-lhes individualmente. Entrevistador: Tem alguma ideia de como gostaria que eles explicassem o modo de resolver o problema 123 vezes 645? Sr.a Felice: Pedir-lhes-ia que explicassem porque estão a fazer daquela maneira, fazendo-o verbalmente através dos vários passos. E depois, conjuntamente com eles, explicaria verbalmente que «é assim que fazemos», e resolveríamos em conjunto. Entrevistador: Pode dizer-me o que diria? Sr.a Felice: Eu sempre, quando era jovem, sempre coloquei zeros imaginários ali. Ou os colocava com cores diferentes ou os apagava mais tarde. Mas punha sempre ali alguma coisa para me lembrar. Embora a Sr.a Felice tenha mencionado que lhes pediria que 86
explicassem «porque faziam daquela maneira», durante toda a entrevista nunca especificou porquê. Em vez disso, enfatizou como efectuar o procedimento: fazer com que os alunos seguissem outros alunos, acompanhar verbalmente os seus passos, colocar zeros imaginários, etc. Disse que discutiria isso com os alunos, fornecendo explicações individualmente. Mesmo assim, quando o entrevistador sugeriu uma conversa simulada entre a Sr.a Felice e os alunos, ela não conseguiu debater o problema a nível conceptual. O conhecimento dos professores sobre uma matéria pode não produzir automaticamente métodos de ensino promissores ou novas concepções de ensino. Mas sem um apoio sólido desse conhecimento, métodos promissores ou novas concepções de ensino não podem ser realizados com sucesso.
A ABORDAGEM DOS PROFESSORES CHINESES: DESENVOLVER O CONCEITO DE VALOR POSICIONAL A imagem geral da abordagem dos professores chineses ao problema tem alguns aspectos em comum com a dos professores americanos. O caso chinês mostrou também correlações entre o conhecimento dos professores sobre a matéria e as suas estratégias de ensino para esta situação. Os professores que tinham um entendimento conceptual do tópico tendiam a definir o erro como um problema de falta de entendimento conceptual e a resolvê-lo dirigindo-se ao entendimento dos alunos. Os professores que conseguiam apenas verbalizar o algoritmo tendiam a dizer aos alunos para memorizar a regra de alinhamento. Novamente, os professores chineses diferem dos seus colegas americanos na dimensão dos «domínios» em que se situam e na variedade do «domínio orientado para os conceitos». Apenas 6 dos 72 professores chineses (8%) não mostraram um entendimento conceptual do algoritmo. Nove professores chi-
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neses, os seis que tinham um entendimento procedimental e três que entendiam a fundamentação lógica, mostraram uma orientação procedimental na definição e na gestão do erro. Sessenta e tr ê s p r o □ Profs. Americanos {N = 23) ■
Profs. Chineses (N = 72)
Apenas entendimento procedimental
Entendimento conceptual e procedimental
Fig. 2.1. Conhecimento dos professores sobre o algoritmo Fig. 2.2. Estratégias de ensino fessores chineses adoptaram uma orientação conceptual. Uma comparação entre a «dimensão do domínio» dos professores americanos e chineses está ilustrada nas duas figuras seguintes. A figura 2.1 ilustra o conhecimento dos professores sobre a matéria relativa a este tópico. A figura 2.2 ilustra a orientação pedagógica na definição e na gestão do erro dos alunos. 100% 80S ■
60% ' 40% ' 20% ■ 0% •
De orientação procedimental
De orientação conceptual
Estas duas figuras ilustram o aspecto intrigante apontado anteriormente: os professores que descreveram uma estratégia de ensino de orientação conceptual foram em número ligeiramente menor do que os que tinham um entendimento conceptual do algoritmo.
Interpretar o erro Os professores chineses de orientação conceptual distribuíam-se por três subgrupos. Um grupo baseou-se na pro88
priedade distributiva22, outro grupo ampliou o conceito de valor posicionai em sistema de valor posicionai e o terceiro grupo explicou o problema a partir de ambas as perspectivas. Propriedade distributiva
No primeiro subgrupo inseria-se cerca de um terço dos professores chineses do grupo de orientação conceptual. As suas explicações eram paralelas às dos professores americanos com a mesma orientação. Os argumentos dos professores chineses, contudo, eram matematicamente mais «formais» do que os dos seus colegas americanos. Mais de metade destes professores referiram-se à propriedade distributiva para justificar as suas explicações, enquanto nenhum dos professores americanos mencionou este termo. Em vez de simplesmente separar o problema em três problemas mais pequenos, os professores chineses tendiam a apresentar o processo da transformação: O problema é que o aluno não tinha uma ideia clara da razão por que os números devem ser alinhados de modo diferente do da adição. O alinhamento é de facto derivado através de vários passos. Primeiro, coloco no quadro uma igualdade e trabalho-a com os alunos:
123 x 645 = 123 x (600 + 40 + 5) = 123 x 600 + 123 x 40 + 123 x 5 = 73800 + 4920 + 615 = 78720 + 615 = 79335
22 Os
alunos na China aprendem uma versão aritmética das propriedades comutativa, associativa e distributiva. São ensinados que estas leis podem tomar os cálculos matemáticos mais fáceis. Por exemplo, com as propriedades comutativa e associativa, podemos reorganizar problemas como «12 + 29 + 88 + 11 =» em «(12 + 88) + (29 + 11) =» e com a propriedade distributiva, podemos reorganizar «35 x 102 =» em «35 x 100 + 35 x 2 =» .
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O que nos permitiu transformar o problema? A propriedade distributiva. Depois, sugiro que a turma reescreva a igualdade em colunas:
123 x 645 615 4920 7380 0 7933 5 Peço aos alunos que observem os zeros na igualdade, bem como os que estão nas colunas. Será que afectam a soma? Porque sim, e porque não? Será que os zeros na igualdade podem ser eliminados? E o zeros nas colunas? Se apagarmos os zeros das colunas, o que acontece? Depois apago os zeros nas colunas e fico no quadro com umas colunas em forma de escada:
12 3x 645 615 492 738 7933 5 Depois desta explicação, acredito que o alinhamento na multiplicação fará sentido e será marcante para os alunos. (Prof. a A.)
A lógica da Prof.a A. era muito clara. Primeiro, serviu-se da propriedade distributiva para justificar a transformação e apresentou o problema como uma composição de três problemas menores. Em segundo lugar, reescreveu a operação com os três produtos parciais organizados em coluna e pediu aos alunos para 90
compararem as duas formas da operação e, em particular, para prestarem atenção aos zeros. Depois, após um debate sobre o papel dos zeros, apagou-os nas colunas porque eles não faziam diferença no cálculo, o que transformou as colunas originais em
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colunas tipo escada. Comparada com as dos professores americanos, a explicação da Prof. a A. estava mais perto de um argumento matemático convencional: as características de um argumento matemático — justificação, raciocínio rigoroso e expressão correcta — foram observadas durante a sua explicação. Outros professores, contudo, disseram que explicações como as da Prof.a A. não eram ainda suficientemente rigorosas. Outra propriedade matemática importante, multiplicar por 10 e pelas potências de 10, deveria ser incluída: Para além da propriedade distributiva, existe um outro argumento que deve ser incluído na explicação. E a multiplicação de um número por 10 ou por uma potência de 10. Multiplicar por 10 ou por uma potência de 10 é um processo especial que difere da multiplicação normal — para obter o produto, colocamos o número de zeros do multiplicador no fim do multiplicando. Ao multiplicar um número por 10, colocamos simplesmente um zero depois do número, e por 100, pomos dois zeros. Este aspecto explica porque 123 x 40 = 4920. De outro modo, se os alunos tratarem 123 x 40 como um problema de multiplicação normal, irão obter colunas como estas: 123 x 40
000 492 4920 A questão de o 492 ter que ser «movido» ainda existirá. Penso que é por isso que nos manuais, em geral, a multiplicação por 10 e por potências de 10 vem imediatamente antes da multiplicação com números de vários algarismos. Eíma vez que o procedimento de multiplicar por 10 e por potências de 10 é tão simples, tendemos a ignorá-lo. Mas, em termos da precisão da matemática, deve ser debatido, ou pelo menos mencionado, na nossa explicação. (Prof. Chen)
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A preocupação do Prof. Chen não era gratuita. Entre os sete professores americanos que explicaram a fundamentação lógica do procedimento, dois mostraram ignorância do que o Professor Chen explicitou. Embora tivessem separado o problema correctamente em subproblemas, não entenderam os procedimentos particulares de x 10 e x 100 incluídos nos subproblemas x 40 e x 600. Em vez disso, trataram-nos como cálculos normais: Bem, e se multiplicássemos [o número] por 10? Eu exploraria todo o conceito. Bem, 0 vezes o número é 0. Agora estamos a multiplicá-lo por 40. Mostrar-lhes-ia que teriam de pôr o 0 lá, porque 0 vezes o número é 0. Então, agora vamos multiplicar por 4, 4 vezes isto, e mostrar-lhes-ia como o 0 guarda o valor posicionai. (Sr. a Fawn) Eu diria quanto é 123 vezes 40... Façamos 0 vezes aquele número. Então, 0 vezes 3 é 0, e 0 vezes 2 é 0 e 0 vezes 1 é 0. (Sr. a Francês)
Neste sentido, embora a Sr. a Fawn e a Sr. a Francês tivessem um bom entendimento da fundamentação lógica do algoritmo da multiplicação com números de vários algarismos, elas não mostraram um conhecimento abrangente deste tópico. As suas explicações não foram justificadas explicitamente. Explicações como as da Prof. a A. ou do Prof. Chen transmitem não só elementos específicos de conhecimento, mas também as convenções da disciplina. Transformar o problema 123 x 645 em 123 x 600 + 123 x 40 + 123 x 5 foi um modo de explicar a fundamentação lógica do procedimento de alinhamento. Os elementos-chave da explicação foram, primeiro, revelar os zeros «invisíveis» no procedimento e, depois, ilustrar como podiam ser omitidos.
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O sistema de valor posicionai
Outros professores, contudo, pensavam que introduzir os zeros e depois eliminá-los era um desvio desnecessário. Os outros dois terços dos professores chineses de orientação conceptual descreveram um modo mais directo de explicar o procedimento, que não requeria a introdução dos zeros. O seu argumento baseava-se numa expansão do conceito de valor posicionai. Em vez de dizer que o 4 em 645 representa 40 e 123 x 40 é igual a 4920, estes professores argumentaram que o 4 em 645 representa 4 dezenas e 123 multiplicado por 4 dezenas são 492 dezenas. Depois explicaram por que motivo o 492 deve ser alinhado com a posição das dezenas: Já que o 5 em 645 está na posição das unidades, representa 5 unidades. 123 x 5 = 615, são 615 unidades. Por isso pomos o 5 na posição das unidades. O 4 em 645 está na posição das dezenas, representa 4 dezenas. 123 x 4 = 492, são 492 dezenas. Por isso pomos o 2 na posição das dezenas. O 6 em 645 está na posição das centenas, portanto representa 6 centenas. 123 x 6 = 738, são 738 centenas. Por isso colocamos o 8 na posição das centenas. (Sr. a S.)
Ao renomear 4920 como 492 dezenas e 73800 como 738 centenas, os professores evitavam o «desvio» de introduzir zeros. Para além da propriedade distributiva, que nos fornece a fundamentação lógica geral do algoritmo, os professores serviram-se do seu profundo entendimento do sistema de valor posicionai — o conceito de unidade básica e do seu valor posicionai, e a interdependência entre valores posicionais. O conceito de unidade básica de um número desempenha um papel importante na numeração. Normalmente usamos «um» como unidade básica de um número. Quando dizemos 123, queremos dizer 123 unidades. Na vida diária tomamos por certo que «um» é a unidade básica de um número. Contudo, podemos usar outra unidade básica para a numeração, se
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necessário, ou apenas se quisermos. Por exemplo, usando uma dezena, uma centena, uma décima ou até um dois como unidade básica, podemos dizer que o número 123 são 12,3 dezenas; 1,23 centenas; 1230 décimas ou até 61,5 dois. Podemos também mudar o valor de um número simplesmente alterando o valor posicionai da sua unidade básica. Com os mesmos três algarismos, 123 décimas, 123 dezenas, e 123 centenas têm valores significativamente diferentes. Baseando-se nesta observação, os professores argumentaram que as 40 unidades em 645 deviam ser tratadas como 4 dezenas — um número de um algarismo — no algoritmo. Do mesmo modo, as 600 unidades em 645 deviam ser tratadas como 6 centenas. De facto, no sistema de valor posicionai, cada posição está relacionada com outra. Um único valor posicionai não tem um significado independente. Cada um é definido pela sua relação com outros membros do sistema, de forma que todos os valores posicionais são interdependentes. Não existiria um «um», a menos que fosse um décimo de uma dezena, um por cento de uma centena, dez décimas, etc. O valor posicionai de uma unidade básica determina a forma como um número é apresentado. Através das explicações sobre a relação entre 4920 unidades e 492 dezenas, o conhecimento prévio dos alunos sobre o valor posicionai seria desenvolvido: Precisamos de aprofundar o entendimento dos alunos em relação ao valor posicionai. O seu conceito de valor posicionai costuma ser bastante limitado. A unidade básica de um número é sempre o um na posição das unidades. Quando vêem um número como 492, significa sempre 492 unidades, quando vêem um número como 738, significa sempre 738 unidades. Mas agora, o valor posicionai da unidade básica deixa de ser um único um. Muda de acordo com o contexto. Por exemplo, o valor posicionai do 4 no problema é dez. Quando multiplicamos 123 por 4, vemos o 4 como 4 dezenas. Assim, a dezena passa a ser o valor posicionai da unidade básica do produto 492. Não são 492 unidades, como no trabalho dos alunos, mas 492 dezenas. Por isso é que colocamos o 2 na posição das dezenas. O
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mesmo acontece quando multiplicamos 123 por 6, que vemos como 6 centenas. O valor posicionai da unidade básica do produto é a centena, 738 centenas. Por isso devemos pôr o 8 na posição das centenas. Em vez de quantas unidades, estamos agora a pensar em quantas dezenas, quantas centenas, ou até mesmo quantos milhares, etc... Para corrigir o erro dos alunos devemos expandir o seu entendimento do valor posicionai, para os ajudar a pensar no conceito de modo flexível. Sim, são 492, mas não 492 unidades e sim 492 dezenas. (Prof. Wang)
O Prof. Mao encarou a multiplicação com números de vários algarismos como uma oportunidade para desenvolver nos alunos o conceito de valor posicionai: Ensinámos aos alunos a regra básica de que os algarismos devem sempre ser alinhados com o que tem o mesmo valor posicionai. Agora podem ficar confusos, uma vez que a regra parece estar a ser quebrada. Mas a confusão é, de facto, um momento para expandir o seu entendimento do valor posicionai e da regra de alinhamento. Porque é que parece um alinhamento de modo diferente? Quebra a regra de alinhamento que aprendemos anteriormente? Ao explorar estas questões, os nossos alunos irão ver que o valor de um número não depende apenas do número de algarismos que contém, mas também das posições onde os algarismos estão colocados. Por exemplo, o valor dos números de três algarismos no problema varia se os colocarmos em diferentes posições. 123 x 4 é 492, sem dúvida. Mas uma vez que o 4 não representa 4 unidades e sim 4 dezenas, o 492 não representa 492 unidades e sim 492 dezenas. Ou então podemos dizer que a posição das dezenas é a posição das unidades das dezenas e a posição das centenas se torna a posição das dezenas das dezenas. É o que acontece com o número 738, são 738 centenas. Portanto, não é que a ideia de alinhamento seja alterada ou quebrada de todo. Em vez disso, é necessária uma explicação complexa para a regra.
Estes professores apresentaram uma descrição clara dos vários aspectos do valor posicionai. Eles estavam também cons96
cientes de que os aspectos complicados derivam de aspectos simples e elementares deste conceito. Mais importante, mostraram um sólido entendimento da ideia fulcral do conceito — «o que representa um algarismo em determinada posição». Esta ideia perpassa todas as fases do ensino-aprendizagem e está subjacente a diferentes aspectos do conceito. Para além disso, os professores estavam conscientes do modo como o conceito de valor posicionai está interligado com várias operações matemáticas e do papel que desempenha nessas operações. Com esta consciência, os professores preparam os alunos para aprender uma ideia, mesmo quando ainda não é óbvia no conteúdo que estão a ensinar no momento. A Prof. a Li descreveu como o conceito de valor posicionai nos alunos se desenvolve passo a passo: Os alunos não podem obter um entendimento profundo do valor posicionai num só dia, mas sim passo a passo. Primeiro, quando começam a numerar e a reconhecer números de dois algarismos e depois com vários algarismos, obtêm uma ideia preliminar do que significa uma posição em matemática, os nomes das posições, e os aspectos limitados da relação entre posições, como 1 dezena ser igual a 10 unidades, etc. A ideia mais significativa que podem aprender nesta fase é que os algarismos em diferentes posições têm diferentes significados, ou representam valores diferentes. Começamos por colocar-lhes uma questão: «O que representa este algarismo?» Eles aprendem que um 2 na posição das unidades representa 2 unidades, um 2 na posição das dezenas representa 2 dezenas, um 2 na posição das centenas representa 2 centenas, etc. Depois, quando aprendem a adição e subtracção normais, o valor posicionai adquire mais significado para eles, pois têm de alinhar os algarismos com o mesmo valor posicionai. Posteriormente, ao aprenderem a adição com composição e a subtracção com decomposição 23 , os alunos aprendem o aspecto da composição e decomposição de uma unidade de ordem
Na China, a adição com transporte é designada «adição com composição» e a subtracção com reagrupamento é designada «subtracção com decomposição». 23
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superior. A composição e decomposição de uma unidade são também aspectos importantes do conceito de valor posicionai. Agora, na multiplicação, são confrontados novos aspectos do conceito. Costumavam lidar com várias dezenas. Agora estão a lidar com várias dezenas de dezenas, digamos 20 ou 35 dezenas, ou até várias centenas de dezenas, como neste problema, 492 dezenas. Costumavam lidar com várias centenas. Agora têm de lidar com várias dezenas de centenas, ou até várias centenas de centenas, como 738 centenas neste problema. Para entender este aspecto, têm de saber como lidar com o valor posicionai de modo sistemático.
Valor posicionai e propriedade distributiva
A Prof.a Li estava entre os onze professores que diziam expor os alunos a duas explicações — com zeros e sem introdução de zeros. Estes professores afirmaram que uma comparação das duas explicações iria alargar as perspectivas matemáticas dos alunos, bem como desenvolver a capacidade de tirarem as suas próprias conclusões matemáticas.
Base de conhecimento Tal como no caso da subtracção com reagrupamento, a resposta dos professores chineses ao tópico da multiplicação com números de vários algarismos evidenciou preocupação com a aprendizagem de tópicos relacionados. Os elementos da sua base de conhecimento incluíam tópicos como o valor posicionai, o significado da multiplicação, a fundamentação lógica da multiplicação, a multiplicação por números de dois algarismos, a multiplicação por números de um algarismo, a multiplicação por 10 e potências de 10, a propriedade distributiva e a propriedade comutativa. Havia também alguns elementos-chave na base que os professores acreditavam ter mais peso. A multiplicação por números de dois algarismos era o que mais sobressaía, por ser considerada o elemento-chave de sustentação da aprendizagem
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da multiplicação por números de três algarismos. A questão da «multiplicação por números de dois algarismos» foi levantada pelos professores nas primeiras reacções à minha questão. Cerca de 20% dos professores chineses comentaram que os seus alunos não tinham cometido «um tal erro» ao aprender a multiplicação por números de três algarismos, pois isso teria sido resolvido na fase da aprendizagem da multiplicação por números de dois algarismos: Este erro devia ter ocorrido quando os alunos aprenderam a multiplicação por números de dois algarismos. O conceito matemático e a capacidade de cálculo da multiplicação com números de vários algarismos são ambos tratados na aprendizagem da operação com números de dois algarismos. Por isso o problema pode surgir e deve ser resolvido nessa fase. (Sr.a F.)
Alguns professores deram indicação de que o tópico por mim levantado, a multiplicação por números de três algarismos, não era um elemento-chave na base de conhecimento. Era um «ramo» e não a «raiz» ou o «tronco» da árvore. Na perspectiva dos professores chineses, a multiplicação por números de dois algarismos pesa mais do que por números de três algarismos. Ao analisar a razão por que os alunos cometeram tal erro, alguns professores disseram que «os alunos não entenderam o conceito quando aprenderam a multiplicação por
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números de dois algarismos.» A Prof. a Wang disse que nas suas aulas a multiplicação por números de dois algarismos era levada a sério e trabalhada intensivamente: Para lhes dizer a verdade, não ensino aos meus alunos a multiplicação por números de três algarismos. Em vez disso, deixo- os aprendê-la por si próprios. O meu enfoque, contudo, é na multiplicação por números de dois algarismos. Multiplicar por um número de dois algarismos é o tópico mais difícil. Os alunos precisam de aprender um conceito matemático novo, bem como uma nova capacidade de cálculo. Temos de ter a certeza de que adquirem ambos. Promovo debates pormenorizados, uma e outra vez. Como se resolve o problema? Porque precisamos de mover [o produto parcial]? Eles podem ter as suas próprias ideias, e podem também abrir o manual e ver o que lá diz. O ponto principal é que têm de reflectir sobre o porquê, e explicar. Normalmente organizo debates em grupo ou com toda a turma. Para os debates em grupo, formo pares de alunos que estão na mesma secretária24 , ou de quatro alunos sentados em duas secretárias uma atrás da outra. Os alunos da secretária da frente viram-se para trás para ficar de frente para os outros dois alunos. O problema dos debates em grupo é que alguns alunos mais lentos podem sentir-se tentados a confiar nos seus colegas para explicar a questão. Por isso, no debate com toda a turma, presto-lhes particular atenção. Convido-os a falar para a turma e asseguro-me de que entendem a questão. Depois, a turma tem de praticar o cálculo. Por vezes, embora entendam a fundamentação lógica, podem esquecer-se de mover os números porque se habituaram a alinhá-los directamente quando fizeram a adição. Por isso, precisam de praticar. Após terem uma ideia clara do conceito e obterem prática suficiente, tornam-se peritos em fazer a multiplicação por números de dois algarismos. Tenho a certeza de que depois conseguem aprender por si pró-
24 Na
China, dois alunos partilham uma secretária e todas as secretárias estão alinhadas de frente para a secretária do professor. * íflffr.iKÍ
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prios a multiplicação por números de vários algarismos. É por isso que o seu entendimento do conceito, ao trabalharem a multiplicação por números de dois algarismos, é tão importante.
Na perspectiva do conhecimento da matéria, os professores chineses parecem ter uma visão mais clara sobre qual é a forma mais simples de uma certa ideia matemática. Na perspectiva da aprendizagem do aluno, eles prestam particular atenção à primeira vez que uma ideia é abordada na sua forma mais simples e acreditam que, após os alunos a entenderem completamente, a aprendizagem posterior de formas mais avançadas e complexas da ideia terá uma base sólida na qual se apoiar. A aprendizagem posterior irá também reforçar a ideia aprendida na forma mais simples. Para além da multiplicação por números de dois algarismos, o conceito de sistema de valor posicionai foi outro elemento-chave frequentemente mencionado pelos professores. A figura 2.3 ilustra a base de conhecimento da multiplicação por números de três algarismos descrita pelos professores. A propriedade distributiva
O conceito de sistema de valor posicionai Multiplicação por 10 e potências de 10
Como um número é composto
Multiplicação por números de dois algarismos Multiplicação por números de três algarismos Significado da multiplicação Multiplicação por números , de um algarismo .
Fig. 2.3. Uma base de conhecimento para a multiplicação por números de três algarismos
Estratégias de ensino A tendência observada entre os professores americanos era também evidente entre os professores chineses: a forma como
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um professor se propunha a ajudar os alunos dependia fortemente do seu conhecimento sobre o tópico. Os poucos professores chineses cujo conhecimento estava limitado aos procedimentos disseram que iriam simplesmente lembrar aos alunos que deviam mover correctamente os produtos parciais. A maioria dos professores chineses, contudo, apresentaram estratégias baseadas em conceitos para ajudar os alunos a entender o problema. Explicação e demonstração
Dos 72 professores, 22 disseram que iriam explicar aos alunos um modo correcto de resolver o problema. Vinte professores disseram que iriam fazer uma demonstração, bem como dar uma explicação. Enquanto estas duas abordagens eram também vistas frequentemente entre os professores americanos, as explicações e demonstrações da maioria dos professores chineses diferiam das dos seus colegas americanos. Para muitos professores americanos, explicar significava verbalizar o procedimento do algoritmo e demonstrar significava mostrar os passos do cálculo. A maioria dos professores chineses, contudo, tinha intenção de ilustrar a fundamentação lógica do algoritmo através das suas explicações e demonstrações. As explicações assentavam, normalmente, em fundamentos conceptuais sólidos. Em seguida vemos um exemplo típico de uma explicação dos professores chineses: Eu direi aos alunos que, uma vez que o 4 em 645 representa 4 dezenas, então 123 multiplicado por 4 será igual a 492 dezenas. Em 492 dezenas, onde deve ser alinhado o 2? Claro que na posição das dezenas. Novamente, o 6 representa 6 centenas, pelo que 123 vezes 6 é igual a 738 centenas. Onde deve ser alinhado o 8? Na posição das centenas. Os algarismos na posição das unidades destes três números (615, 492 e 738) representam, de facto, três ordens diferentes. Um representa unidades,
o seguinte representa dezenas e o outro representa centenas. O problema é que eles não notam a diferença e os vêem a todos como representando unidades. (Sr. a G.) 102
Através da sua explicação, a Sr. a G. transmitiu o conceito incluído na fundamentação lógica subjacente ao procedimento, bem como o fio condutor de um argumento matemático. A maioria dos professores que pretendiam explicar o algoritmo pela transformação do problema segundo a propriedade distributiva disseram que mostrariam a transformação no quadro. Durante as entrevistas, notou-se uma tendência dos professores para mostrar cada passo do procedimento como se estivessem a ensinar aos seus alunos de forma que eles compreendessem o encadeamento lógico completo do cálculo. Os alunos à descoberta do erro
Outros 29 professores chineses tinham intenção de fazer com que os alunos descobrissem o erro por si próprios. A Sr. a Felice, uma professora americana, expressou uma intenção similar, na esperança de que, através do seu ensino cooperativo, os alunos que erravam conseguissem perceber o problema. Contudo, pelo facto de o conhecimento da Sr. a Felice sobre o tópico estar limitado ao procedimento, o erro para ela estava também a um nível procedimental. Muitos dos professores chineses, por outro lado, tentavam conduzir os alunos a um entendimento da fundamentação lógica do procedimento, bem como dos conceitos matemáticos associados. Durante as entrevistas, mencionaram várias estratégias que gostariam de usar para motivar e guiar os alunos a descobrir o erro. Observar, examinar, analisar e debater. Alguns professores chineses disseram esperar que os alunos descobrissem o erro através da observação. Eles disseram que iriam colocar o procedimento errado no quadro e convidar os alunos a exa-
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miná-lo com atenção, e depois pediriam à turma que debatesse as suas conclusões: Vamos abrir o nosso «pequeno hospital matemático». Os alunos serão os «médicos» e o problema será o «paciente». Os «médicos» devem diagnosticar se o «paciente» está doente ou não. Deixemo-los fazer a análise. Se está «doente», que tipo de doença tem? Qual é a causa da doença? Enquanto professor, a minha responsabilidade é guiá-los para que percebam porque está errado... É um problema de valor posicionai, digamos, algarismos em diferentes posições expressam diferentes significados. (Prof. Sun) Coloco o procedimento problemático no quadro e convido os meus alunos a observar atentamente para ver se está ou não correcto. Depois deixo-os explicar onde está o erro, porque é que o procedimento está incorrecto. Porque devem ser alinhados de modo diferente o 492 e o 738? O que representam agora estes números e o que deveriam de facto representar? Depois peço a um aluno, talvez o que cometeu o erro, para vir ao quadro e corrigir. Depois de tal análise da fundamentação lógica, resumimos a regra. Finalmente, dou aos alunos mais alguns problemas e peço-lhes que descrevam o procedimento e o expliquem. (Sr. a L.)
Ao contrário da Sr.a Felice, os professores chineses não paravam na fase em que os alunos detectavam o problema. Seguir-se-ia uma discussão para explorar o conceito subjacente, ao longo da qual os alunos aprenderiam não só a corrigir o procedimento incorrecto, mas também qual a ideia errada presente. Colocar questões para definir a orientação. Em vez de mostrar directamente o problema, alguns professores iriam definir uma orientação, usando determinadas questões para guiar os alunos na descoberta do erro. As questões iriam lembrar aos alunos os conceitos incluídos na explicação do procedimento, tais como de que modo um número é formado, os valores posicionais dos algarismos do multiplicador, etc. Estas questões seriam 104
colocadas preferencialmente aos alunos que tinham cometido o erro: Em primeiro lugar, irei pedir aos alunos que me digam como é formado o número 645. Eles irão dizer 6 centenas, 4 dezenas e 5 unidades. Ou também podem dizer 600 e 40 e 5. Depois pedir-lhes-ei que pensem no que representa 123 x 5. O que representa 123 x 4? O que representa 123 x 6? Estavam então correctos na resolução deste problema? O que está errado? Vão corrigi-lo. (Prof. A.) Irei perguntar aos alunos o que representa o 4 em 645, eles dirão 4 dezenas, depois irei pedir-lhes que estimem quanto é 123 vezes 4 dezenas, pode ser 492? Depois digo-lhes que acabem de pensar e que voltem com o trabalho corrigido, preparados para me explicarem o erro que encontraram. (Sr. a F.) Ensino há mais de vinte anos matemática elementar mas nunca encontrei tal erro. Se acontecesse aos meus alunos de quinto ano, eu poderia dizer: ok, já que aprenderam a propriedade distributiva, quem consegue reescrever o produto 123 x 645 de acordo com ela, separando o multiplicador de acordo com os valores posicionais? Depois de o terem reescrito, irão rapidamente ver onde está o erro. (Prof. Mao)
Ao colocar estas questões, os professores davam aos alunos uma pista para encontrar o erro e deixavam-nos encontrá-lo por si próprios. Guiados por estas questões, os alunos não centrariam a atenção em aspectos superficiais do problema, mas sim directamente na sua essência. Exercidos de diagnóstico. Conceber exercícios relevantes para ajudar os alunos a «diagnosticar» o problema foi outra estratégia que os professores usaram para definir uma orientação que ajudasse os alunos a descobrir o erro. Estes exercícios eram propostos para chamar a atenção para as questões conceptuais subjacentes ao procedimento:
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Penso que a razão pela qual os alunos cometeram tal erro se prende com o facto de não entenderem o significado que cada algarismo exprime quando está em determinada posição. Primeiro peço-lhes que resolvam alguns exercícios como estes: 123 = () x 100 + () x 10 + () x 1 645 = () x 100 + () x 10 + () x 1 Depois, pergunto-lhes se eles acham que estavam certos ou não e porquê. (Prof. H.) Primeiro, peço-lhes que resolvam estes dois exercícios: 42 x 40 = () dezenas 42 x 400 = () centenas Estes exercícios irão fazer com que percebam a fundamentação lógica da multiplicação. Em segundo lugar, irei pedir aos alunos que partilham a mesma secretária para dizerem um ao outro o que significa 123 vezes cada algarismo de 645, e em que posições os produtos devem ser colocados. Depois levá-los-ei a discutir se existe ali algum erro, a analisar o erro com base na fundamentação lógica do cálculo e a explicar qual é o modo correcto. (Sr. a A.) Visto que os meus alunos fizeram deste modo, peço primeiro a três alunos que venham ao quadro, para cada um efectuar um dos três exercícios: 123 x 5 = ?, 123 x 40 = ? e 123 x 600 = ?, depois peço à turma que compare os resultados no quadro com o resultado duvidoso e pergunto-lhes o que encontraram. Deste modo, irão rapidamente descobrir o erro e a sua causa. (Prof. C.)
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Tanto os professores que usavam «exercícios de diagnóstico» como os que usavam questões indicaram uma orientação aos alunos, no entanto deixaram para estes a tarefa de abordar o problema. Verificar a regra. Alguns professores chineses fariam com que os alunos revissem o procedimento antes de debater a fundamentação lógica. Estes professores disseram que gostariam que os alunos verificassem a regra para descobrir o problema através da comparação do erro com a regra: Se os meus alunos cometerem esse erro, pedir-lhes-ei que abram o manual e verifiquem o procedimento por si próprios. Depois encorajá-los-ei a pensar porque é que a regra é assim, porque é que a regra estipula que os produtos parciais devem ser alinhados deste modo. Depois disso, mostrarei o erro no quadro. O que pensam do trabalho destes alunos? Eles dirão imediatamente que está errado. Perguntar-lhes-ei porque está errado, e como se corrige. (Sr. B.)
Embora tenham começado pelo aspecto procedimental da regra, estes professores não ignoraram o aspecto conceptual. Baseando-se no seu entendimento conceptual do tópico, actuaram com o objectivo de ajudar os alunos a «recordar a regra com base na sua compreensão». Os professores que propuseram diferentes estratégias para envolver os alunos na descoberta do erro partilhavam algumas características comuns. A maioria dos professores esperava que os alunos descobrissem o problema por si próprios e que o explicassem a um nível conceptual. Alguns professores colocaram questões ou construíram exercícios de diagnóstico com a intenção de estabelecer uma orientação conceptual. Outros professores tentaram que os alunos descobrissem primeiro o problema procedimental e depois abordassem o conceito subjacente. Em todos os casos, a fundamentação lógica do procedimento era o ponto fulcral.
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O discurso matemático, que se caracteriza pela pesquisa, problematização e defesa de proposições, inclui também um discurso dentro de si próprio. Esta característica da matemática está reflectida nas estratégias destes professores — envolver os alunos na descoberta e na explicação do problema por si próprios. A abordagem do Prof. Chen
A somar às abordagens acima descritas para lidar com o erro dos alunos, o Prof. Chen propôs o seu próprio método, bastante sugestivo. Sugeriu usar modos «não convencionais» de resolver o problema para ajudar os alunos a entender o procedimento. Disse que iria motivar os alunos a verem que existe, de facto, mais do que um modo correcto para alinhar as colunas. Avançou que pode haver cinco modos para o alinhamento, para além do convencional:
123 123 x 645 x 645 615 492 738 615 492 738 79335 79335
123 x 645 492 738 615 79335
123 123 x b45 x 645 738 738 492 615 615 492 79335 79335
O professor Chen acreditava que conduzir os alunos a descobrir estes modos não convencionais iria estimular não só o entendimento do algoritmo, mas também um uso mais flexível deste.
DEBATE «Entendimento conceptual»: não é uma história simples Para o tópico da multiplicação com números de vários algarismos, as respostas dos professores foram distribuídas
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num padrão similar ao do capítulo anterior. Mais uma vez, todos os professores atingiram o nível procedimental — todos sabiam como fazer a multiplicação correctamente. Contudo, 61% dos professores americanos e 8% dos professores chineses não conseguiram fornecer verdadeiras explicações conceptuais para o procedimento. Ironicamente, tendiam a usar o termo «valor posicionai» procedimentalmente — para identificar ou etiquetar as colunas com o objectivo de alinhar os números. Os restantes 39% dos professores americanos e 92% dos professores chineses deram explicações conceptuais para o algoritmo da multiplicação com números de vários algarismos. As suas explicações tomaram, contudo, várias formas. Os 7 professores americanos disseram que o problema 123 x 645 é, de facto, constituído pelos três subproblemas 123 x 600,123 x 40 e 123 x 5, mas não deram justificações explícitas para esta afirmação. Por isso, os produtos parciais não eram 615, 492 e 738, mas sim 615, 4920 e 73 800. Por outro lado, a maioria dos professores chineses indicaram que o conceito subjacente ao algoritmo é a propriedade distributiva. Não só mencionaram frequentemente o termo «propriedade distributiva», como a aplicaram para mostrar e justificar a transição: 123 x 645 = 123 x (600 + 40 + 5) = 123 x 600 + 123 x 40 + 123 x 5 = 73800 + 4920 + 615 = 79335 Para explicar a razão por que no algoritmo são omitidos os zeros no final dos produtos parciais, os professores chineses desenvolveram o conceito de sistema de valor posicionai. Eles disseram que, nesta perspectiva, os três produtos parciais podem também ser vistos como 615 unidades, 492 dezenas e 738 centenas. Mais ainda, alguns professores chineses incluíram a multiplicação por 10 e potências de 10 nas suas explicações, para as tornarem mais rigorosas.
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Embora todas as explicações acima mencionadas sobre o procedimento de cálculo da multiplicação com números de vários algarismos façam sentido, facilmente se detectam diferenças conceptuais entre elas. Como compreender estas diferenças no entendimento conceptual dos professores de um tópico matemático? Será que estas diferenças no entendimento dos professores farão diferença na aprendizagem dos alunos? Há, em 1998, muita discussão na educação matemática sobre o entendimento conceptual, por oposição ao entendimento procedimental. No entanto, prestou-se pouca atenção a características mais específicas de um entendimento conceptual adequado, por exemplo no que se refere à sua abrangência.
Base de conhecimento e os seus elementos-chave As entrevistas sobre o tópico do capítulo anterior, sub- tracção com reagrupamento, incluíam um teste sobre tópicos relacionados. As entrevistas analisadas neste capítulo não incluíam um teste similar. Sem ele, os professores americanos limitaram as suas exposições ao tópico da multiplicação com números de vários algarismos. A maioria dos professores chineses, contudo, mencionou espontaneamente alguns tópicos relacionados. Em paralelo com o tópico da subtracção com reagrupamento, a base de conhecimento que os professores chineses mencionaram incluía uma sequência linear de tópicos matemáticos: multiplicação por números de um algarismo, por números de dois algarismos e por números de vários algarismos. A sequência de operações na multiplicação era apoiada por alguns outros tópicos, tais como o conceito de sistema de valor posicionai, a propriedade distributiva, a multiplicação por 10 e potências de 10, etc. E interessante notar que, como no caso da subtracção com reagrupamento, os professores chineses pensavam que o tópico da entrevista não era o elemento-chave da base de conhecimento. A multiplicação por números de dois algarismos,
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onde a fundamentação lógica do tópico é tratada pela primeira vez, foi considerada o elemento-chave que merece mais esforço por parte dos professores, bem como dos alunos. Para o tópico da subtracção com reagrupamento, o elemento-chave foi a subtracção até 20. Os professores chineses normalmente prestam especial atenção à ocasião em que um conceito é abordado pela primeira vez, pois querem estabelecer uma base sólida para a aprendizagem posterior. De acordo com eles, quanto mais sólida é a primeira aprendizagem, tanto maior apoio dará à aprendizagem posterior do conceito, na sua forma mais complexa. Este apoio, por sua vez, irá potenciar a aprendizagem original da forma primária do conceito. A perspectiva dos professores chineses sobre o elemento-chave numa sequência de conhecimento faz lembrar uma abordagem de ensino nos Estados Unidos da América. Num curriculum em espiral, os conceitos matemáticos reaparecem ao longo de todos os anos escolares. Como é que cada aparição de um conceito contribui para a aprendizagem matemática? Como devem estar relacionadas sucessivas apresentações de um conceito de modo a produzirem uma aprendizagem consistente? Nenhum professor americano deste estudo nem nenhum dos que conheci noutras escolas dos Estados Unidos mostraram preocupação relativamente à forma como um conceito deve ser ensinado em cada ocasião que aparece. Dado que os professores não estão conscientes de que há uma relação entre estas ocasiões, e dado que eles não sabem qual deve ser essa relação, o ensino matemático do tópico ficará fragmentado e inconsistente.
Relação entre conhecimento da matéria e crenças: bastará a intenção de ensinar para a compreensão? Os dados neste capítulo revelam um aspecto interessante na relação entre o conhecimento dos professores sobre a
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matéria e a aprendizagem que eles intentam promover com o seu ensino. Entre os professores dos dois países, a percentagem dos que mostraram um entendimento conceptual do tópico foi ligeiramente mais alta do que a daqueles que tomaram uma direcção conceptual ao ajudar os alunos a corrigir o erro. Por um lado, nenhum dos professores cujo conhecimento era procedimental descreveu uma estratégia de ensino de orientação conceptual. Por outro lado, alguns professores que detinham um entendimento conceptual do tópico tomaram uma orientação procedimental no ensino, pois não esperavam que a aprendizagem dos alunos chegasse tão longe quanto a deles. Nenhum dos professores observados promoveria a aprendizagem para além do seu próprio conhecimento matemático. SUMÁRIO A maioria dos professores considerou o erro dos alunos na multiplicação com números de vários algarismos, ou seja, o alinhamento incorrecto dos produtos parciais, como um indicador de um problema no entendimento matemático dos alunos mais do que um erro por descuido. Contudo, os professores tinham diferentes visões do problema: alguns consideraram-no um problema de conhecimento do procedimento; outros encararam-no como um problema de entendimento conceptual. A perspectiva dos professores sobre o problema era paralela ao seu conhecimento sobre a matéria deste tópico. A maioria do conhecimento dos professores americanos sobre este tópico era procedimental; em contrapartida, a maioria dos professores chineses mostrou um entendimento conceptual. Os professores descreveram estratégias educativas para tratar o erro. O enfoque destas estratégias não era completamente paralelo ao conhecimento dos professores: os que descreveram estratégias de orientação conceptual eram em número ligeiramente menor do que aqueles que tinham um entendimento conceptual do tópico. As explicações dos professores chineses
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sobre o algoritmo e as suas estratégias para lidar com o erro eram bem apoiadas pelo seu conhecimento das ideias básicas da disciplina e dos tópicos relacionados com a multiplicação com números de vários algarismos.
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3 Criar representações: divisão por fracções Cenário As pessoas parecem adoptar diferentes abordagens na resolução de problemas envolvendo a divisão por fracções. Como se resolve um problema como este?
Imagine que está a ensinar a divisão por fracções. Para que isto tenha algum significado para as crianças, muitos professores tentam relacionar a matemática com outras coisas. Por vezes tentam arranjar situações da vida real ou histórias-problema para mostrar a aplicação de um conteúdo particular. Qual seria uma boa história ou um bom modelo para 1 : [ ? Desta vez pede-se aos professores que realizem duas tarefas: calculem l-|:y e traduzam o significado da proposição matemática resultante. Os tópicos matemáticos debatidos nos dois capítulos anteriores são relativamente elementares, mas a divisão por fracções é um tópico avançado da aritmética. A divisão é a mais complicada das quatro operações. Os números fraccionários 113
são muitas vezes considerados os números mais complexos na matemática do ensino básico. A divisão por frac-
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ções, a operação mais complicada com os números mais complexos, pode ser considerada um tópico cimeiro da aritmética.
O DESEMPENHO DOS PROFESSORES AMERICANOS NOS CÁLCULOS As lacunas do conhecimento dos professores americanos sobre a matéria foram mais visíveis neste tópico avançado do que nos dois tópicos tratados anteriormente. As suas explicações sobre a subtracção e multiplicação de números inteiros tinham mostrado um conhecimento procedimental correcto, mas na exposição sobre a divisão por fracções até este conhecimento faltou. Dos 23 professores americanos, 21 tentaram calcular l|-:-y , mas apenas nove (43%) completaram os seus cálculos e obtiveram a resposta correcta. Por exemplo, o Sr. Félix, um professor em início de carreira, deu esta explicação: Eu convertería o ly em quartos, o que me daria -f. Depois, para dividir por y, inverteria y e multiplicaria. Por isso iria multiplicar — por 2 e obteria y e depois dividiria 14 por 4 para voltar a um número misto, 3 que depois reduziria para 3 y.
Para os professores como o Sr. Félix, o procedimento de cálculo era claro e explícito: converter o número misto numa fracção imprópria, inverter o divisor e multiplicá-lo pelo dividendo, reduzir o produto -4 e mudá-lo para um número misto, 3y. Dois dos 21 professores (9%) efectuaram correctamente o algoritmo, mas não reduziram a sua resposta nem a transformaram num número misto. A sua resposta, y, estava incompleta. Quatro dos 21 professores (19%) ou não foram claros no procedimento, ou mostraram-se claramente inseguros naquilo que estavam a fazer: A primeira coisa a fazer é mudá-los [os números] para se sincronizarem. Bem, pressupõe-se multiplicar aquilo e somar aquilo. Por isso, 1-f- é o mesmo que 4 , e depois temos de trans-
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formá-lo [o divisor] da mesma maneira. Dividir por f . Certo?
E depois multiplicamos de uma forma cruzada. Obtemos y? (Sr. a Felice). Mudar o dividendo e o divisor para fracções semelhantes (com o mesmo denominador) e depois efectuar a divisão é uma alternativa ao algoritmo habitual da divisão por fracções. Por exemplo, ao converter um problema de dividir ly piza por j piza num problema de dividir y piza por j piza, estamos a dividir 7 quartos de piza por 2 quartos de piza. Esta abordagem de «denominador comum» converte a divisão por uma fracção em divisão de números inteiros (7 fatias divididas por 2 fatias). A dificuldade da Sr. a Felice, contudo, era não ter um conhecimento sólido do algoritmo habitual, embora tivesse pensado que «temos de» mudar os números para fracções «semelhantes». Ela poderia ter visto a abordagem com o denominador comum anteriormente, mas parecia não entender nem a sua fundamentação lógica, nem a relação entre a abordagem alternativa e o algoritmo habitual. Poderia até ter confundido o algoritmo habitual da divisão por fracções com o da adição de fracções, que requer um denominador comum. Em todo o caso, não estava segura durante o cálculo. Mais ainda, não reduziu o quociente nem o converteu num número misto. A Prof.a Blanche, uma professora experiente, estava extremamente insegura sobre o que se recordava do algoritmo: Parece que precisamos de, não podemos trabalhar com uma fracção e um número misto, por isso a primeira coisa que eu faria seria transformar isto nalgum número de quartos. Por isso teria f a dividir por y. E isto é o mesmo que multiplicar por 2, no meu entender. Por isso são os passos que eu daria, mas agora começo a pensar se estou a fazer isto correctamente. Será que os y que eu converti a dividir por y são o mesmo que y vezes 2? Isso dá 14, deixem-me ver... Esperem um pouco — deixem-me pensar no processo... Não posso dizer se faz sentido porque não me lembro... Por alguma razão, achei que essa era a fórmula de que me lembrava. Mas não tenho a certeza se é lógico.
A Prof.a Blanche começou a pensar se estaria a proceder correctamente no início do cálculo e acabou com «Não tenho a certeza se é lógico.»
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Assim como as memórias dos professores como a Sr. a Felice e a Prof.a Blanche estavam confusas ou inseguras, as de outros cinco professores (24%) eram ainda mais fragmentadas. Eles lembravam-se vagamente de que «devemos inverter e multiplicar» (Sr.a Fawn), mas não tinham a certeza do que isso significava: Por alguma razão, algo me diz que temos de inverter uma das fracções. Como, sabem, ou - se torna y ou y se torna :, não tenho a certeza. (Sr.a Francês)
As memórias fragmentadas destes cinco professores sobre o algoritmo dificultavam os seus cálculos. A Prof. a Bernadette, uma professora experiente que estava muito a par da fundamentação lógica da subtracção com reagrupamento, tentou uma estratégia completamente incorrecta: Eu tentaria encontrar, oh céus, o menor denominador comum. Penso que os mudaria a ambos. O menor denominador comum, penso que é assim que se chama. Não sei como vou obter a resposta. Uuups. Desculpem.
Tal como a Sr.a Felice, a Prof.a Bernadette começou por mencionar a necessidade de encontrar um denominador comum. No entanto, o seu entendimento era mais fragmentado do que o da Sr.a Felice: ela não sabia qual seria o próximo passo. A última professora admitiu simplesmente que não sabia efectuar o cálculo. A Tabela 3.1 resume o desempenho dos 21 25 professores dos Estados Unidos no cálculo de l-|:-y.
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Como indicado anteriormente, 21 dos 23 professores tentaram efectuar o cálculo.
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Tabela 3.1
O cálculo de 1-j-: Y por parte dos 21 professores americanos % Resposta Algoritmo correcto, resposta completa Algoritmo correcto, resposta incompleta Algoritmo incompleto, resposta incompleta Memória fragmentada do algoritmo, sem resposta Estratégia errada, sem resposta
N
43 9 19 24 5
9 2 4 5 1
O DESEMPENHO DOS PROFESSORES CHINESES NOS CÁLCULOS Todos os 72 professores chineses efectuaram os cálculos correctamente e deram respostas completas ao problema. Em vez de «inverter e multiplicar», a maioria deles usou a expressão «dividir por um número é equivalente a multiplicar pelo seu recíproco»: Dividir por um número é equivalente a multiplicar pelo seu recíproco. Por isso, ao dividir 1 por y, multiplicamos ly pelo recíproco de y, ;, e obtemos 3Vi. (Sr.a M.) O recíproco de uma fracção com numerador 1 é o número no seu denominador. O recíproco de y é 2. Sabemos que a divisão por uma fracção pode ser convertida na multiplicação pelo seu recíproco. Por isso, dividir ly por y é equivalente a multiplicar 1T por 2. O resultado será 3y. (Prof. O.)
Alguns professores mencionaram a relação entre a divisão por fracções e a divisão por números inteiros. O Prof. Q. explicou por que razão a regra de «dividir por um número é equivalente a multiplicar pelo seu recíproco» não é ensinada aos alunos até ser tratado o conceito de fracção 26. De acordo com o curriculum nacional actual de matemática da China, o conceito de fracções não é ensinado até ao quarto ano. A divisão por fracções é ensinada no sexto ano, o último ano da educação básica. 26
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Dividir por um número é equivalente a multiplicar pelo seu recíproco, desde que o número não seja zero. Apesar de este conceito ser tratado quando se aprende a dividir por fracções, também se aplica à divisão por números inteiros. Dividir por 5 é equivalente a multiplicar por -t. Mas o recíproco de qualquer número inteiro é uma fracção — uma fracção que tem 1 como numerador e o número original como seu denominador — por isso temos de esperar até às fracções para tratar este conceito.
«Dividir por um número é equivalente a multiplicar pelo seu recíproco» é usado nos manuais chineses para justificar o algoritmo da divisão por fracções. Isto é consistente com a ênfase dada no curriculum matemático do ensino básico chinês às relações entre as operações e as suas inversas. A maioria dos professores não mencionou a propriedade para se lembrar do procedimento de cálculo, mas sim para justificar os seus cálculos.
Dar sentido ao algoritmo A questão original da entrevista apenas pedia aos professores que resolvessem o problema da divisão. Durante as entrevistas, contudo, alguns professores chineses tinham tendência para explicar como é que o algoritmo faria sentido. Então, depois de entrevistar dois terços dos professores chineses, comecei a perguntar-lhes se o algoritmo fazia sentido para eles. A maioria dos professores do quarto e quinto anos conseguiram dizer mais do que «dividir por um número é equivalente a multiplicar pelo seu recíproco», desenvolvendo o seu entendimento a partir de várias perspectivas. Alguns professores argumentaram que a fundamentação lógica para o procedimento de cálculo pode ser demonstrada convertendo a operação com fracções numa operação com números inteiros: Podemos usar o conhecimento adquirido pelos alunos para provar a regra segundo a qual dividir por uma fracção é equi-
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valente a multiplicar pelo seu recíproco. Eles aprenderam a propriedade comutativa. Aprenderam como tirar e acrescentar parênteses. Também aprenderam que uma fracção é equivalente à expressão de uma divisão, por exemplo, y = 1 : 2. Agora, usando estes conhecimentos, de acordo com o seu exemplo, podemos reescrever a divisão deste modo:
1|:| = 1|:(1:2) = 11 = 1x2 = H x 2 : 1 = IA x (2:1) = 11x2 De facto não é nada difícil. Posso mesmo dar aos alunos algumas divisões com números simples e pedir-lhes que comprovem a regra por si próprios. (Prof. Chen)
Outros professores justificaram o algoritmo apoiando-se num outro conhecimento que os alunos tinham aprendido — a regra de «manter o valor de um quociente»27: Ok, os alunos do quinto ano sabem a regra de «manter o valor de um quociente». Isto é, quando multiplicamos o dividendo e o divisor pelo mesmo número, o quociente permanece inalterado. Por exemplo, ao dividir 10 por 2, o quociente é 5. Se multiplicarmos o 10 e o 2 pelo mesmo número, por exemplo 6, iremos obter 60 a dividir por 12, e o quociente será o mesmo, 5. Agora, se tanto o dividendo como o divisor forem multiplicados pelo recíproco do divisor, o divisor ficará igual a 1. Já que dividir por 1 não altera um número, pode ser omitido. Por isso a divisão transforma-se na multiplicação do dividendo pelo recíproco do divisor. Deixem-me mostrar o
Na China, a regra de «manter o valor de um quociente» é ensinada como uma parte da divisão com números inteiros. A regra é: quando o dividendo e o divisor são multiplicados ou divididos pelo mesmo número, o quociente permanece inalterado. Por exemplo, 15 : 5 = 3, por isso (15 x 2) : (5 x 2) = 3 e (15 : 2): (5 : 2) = 3. 27
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procedimento:
= (l|xf):l = lf *f = 3y Com este procedimento podemos explicar aos alunos que este algoritmo aparentemente arbitrário tem razão de ser. (Prof. Wang)
Existem vários modos através dos quais se pode mostrar a equivalência de 1 \\\ e ly x-j- . O Prof. Chen e o Prof. Wang mostraram como usaram o conhecimento que os alunos já tinham aprendido para justificar o algoritmo da divisão por fracções. Outros professores disseram que a sua explicação do motivo de 1-f-: \ ser igual a l{ x 2 assentava no significado da expressão l-ji-y. Porque é que é igual a multiplicar pelo recíproco do divisor? 1 j: Y significa que y de um número é 1-|. A resposta, como podemos imaginar, será 3y, que é exactamente a mesma que para 1-f-x 2. 2 é o recíproco de y. Seria assim que eu explicaria aos meus alunos. (Prof. Wu)
Abordagens alternativas de cálculo A questão da entrevista fez lembrar aos professores que «as pessoas parecem ter diferentes abordagens na resolução de problemas envolvendo a divisão por fracções». No entanto, os professores americanos apenas mencionaram uma abordagem — «inverter e multiplicar» — o algoritmo habitual. Os professores chineses, contudo, propuseram pelo menos outras três abordagens: dividir por fracções usando números decimais, aplicar a propriedade distributiva, e dividir por uma fracção sem multiplicar pelo recíproco do divisor.
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Alternativa I: Dividir por fracções usando números decimais 4
Um modo alternativo da divisão por fracções, popular entre os professores chineses, era calcular com números decimais. Mais de um terço disseram que a divisão também podia ser feita convertendo as fracções em números decimais: l|:| = 1,75: 0,5 = 3,5 Muitos professores disseram que a divisão era de facto mais fácil de efectuar com números decimais: Penso que este problema é mais fácil de resolver com números decimais, porque é tão óbvio que 1-f- é 1,75 e |é 0,5, e qualquer número pode ser divisível pelo algarismo 5. Dividimos 1,75 por 0,5 e obtemos 3,5. É muito directo. Mas se o calcularmos com fracções, temos de converter lj numa fracção imprópria, inverter y em multiplicar, reduzir o numerador e o denominador, e, por último, precisamos de converter o 28 29 produto, de uma fracção imprópria para um número misto. O processo é muito mais longo e complicado do que com números decimais. (Sr. a L.)
Não só os números decimais podem tornar um problema com fracções mais fácil, mas também as fracções podem tornar um 4 No
curriculum nacional chinês, os tópicos relacionados com as fracções são ensinados
por esta ordem: 29 Introdução ao «conhecimento básico sobre fracções» (o conceito de fracção) sem operações. 2. Introdução aos números decimais como «fracções especiais com denominadores 10 ou potências de 10». 3. Quatro operações básicas com números decimais (que são similares às dos números inteiros). 4. Tópicos de números inteiros relacionados com fracções, tais como divisores, múltiplos, números primos, factores primos, máximos divisores comuns, mínimos múltiplos comuns, etc. 5. Tópicos como fracções próprias, fracções impróprias, números mistos, redução de uma fracção e encontrar denominadores comuns. 6. Adição, subtracção, multiplicação e divisão com fracções.
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problema com números decimais mais fácil. Note-se, no entanto, que é preciso conhecer as características de ambas as abordagens e ser capaz de optar por uma delas de acordo com o contexto: Apesar de dividir por um número decimal ser por vezes mais fácil do que dividir por uma fracção, nem sempre isso acontece. Em certos casos, converter fracções em números decimais é complexo e difícil, por vezes o número decimal pode não terminar. Outras vezes, ainda, é mais fácil resolver um problema de divisão com números decimais, convertendo-os em fracções. Por exemplo, 0,3 : 0,8 é mais fácil de resolver com fracções: facilmente obtemos 4. Por isso, é importante para nós e para os nossos alunos conhecer modos alternativos de abordar um problema e de ser capaz de optar pelo modo mais razoável de resolver um determinado problema. (Prof. B.)
O conhecimento extenso de um tópico pelos professores pode contribuir para dar oportunidades aos alunos de o aprenderem. Os professores disseram que os alunos também eram encorajados a resolver problemas de fracções com números decimais: Encorajamos também os alunos a resolver problemas de fracções com números decimais, ou vice-versa, para todas as quatro operações. Existem várias vantagens em fazer isto. Uma vez que já aprenderam as operações com números decimais, é uma oportunidade para que revejam o conhecimento adquirido anteriormente. Para mais, a conversão entre fracções e números decimais irá aprofundar o seu entendimento
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destas duas representações de números e aumentar o seu sentido de número. Além disso, é uma prática para resolver um problema através de vias alternativas. (Prof. S.)
Alternativa II: Aplicar a propriedade distributiva
Sete professores disseram que a lei distributiva pode ser usada para calcular 1-j : [. Em vez de se considerar 1-| como um número misto e de o converter numa fracção imprópria, eles escreveram-no como 1 + y, dividiram cada parte por \ e depois adicionaram os dois quocientes. Foram indicados dois 1 1
procedimentos ligeiramente diferentes: A) B)
= (1 + "fO *2T = (l + f)*|
= (1 X 2) + (y x 2) = 2 + 1 | = 3| l|:j 1|:| = 0 + | ) : i = (1 : y) + (T : y) = 3|
Depois de apresentar a versão A, o Prof. Xie comentou que este procedimento aparentemente complicado tornou o cálculo de facto mais simples do que o procedimento usual: Neste caso, aplicar a propriedade distributiva torna a operação mais simples. O procedimento de cálculo que escrevi no papel parece complicado, mas eu quis mostrar a lógica do processo. Além disso, quando se efectuam as operações, é muito simples. Apenas temos de pensar que 1 vezes 2 é 2 e } vezes 2 é ly, depois adicionamo-los e obtemos 3y. Podemos até fazê-lo sem lápis. Ao trabalhar com números inteiros, os meus
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alunos aprenderam a resolver certo tipo de problemas de modo mais simples, aplicando a lei distributiva. Esta abordagem aplica-se também a operações com fracções.
O modo como os professores usaram a propriedade distributiva tornou evidente a sua compreensão dela e a sua confiança em aplicá-la. Ficou também demonstrado o seu amplo entendimento do que é um número misto, um conceito que era, como veremos, um obstáculo para os cálculos de alguns professores americanos. Alternativa III: «Não é preciso multiplicar»
Três professores chamaram a atenção para o facto de que, apesar de o modo convencional para efectuar a divisão por fracções ser a multiplicação pelo recíproco do divisor, nem sempre é preciso actuar dessa forma. Por vezes a divisão por fracções pode ser resolvida sem recorrer à multiplicação. O problema que lhes dei para resolver fornece um exemplo disso: i 3.1 1 4 ' 2 ~ 4 ’ 2
_ Z A J 4.2 _ 7 "2
~
~
De novo, os professores que propuseram esta abordagem argumentaram que, para a divisão apresentada na entrevista, o seu método era mais fácil que o método usual. Foram eliminados dois passos, inverter o divisor e reduzir a resposta final. Contudo, os professores explicaram que esta abordagem só é aplicável aos problemas em que tanto o numerador como o denominador do dividendo são divisíveis respectivamente pelos numerador e denominador do divisor. Por exemplo, em ljiy.
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7 é divisível por 1 e 4 é divisível por 2. Mas se o problema for 1 ' : |, esta abordagem não se aplicará, visto que o denominador do dividendo, 3, não é divisível pelo denominador do divisor, 2. O Prof. T. disse: De facto, a divisão é mais complicada do que a multiplicação. Pensem só nos casos em que um número não pode ser dividido por outro sem um resto. Mesmo quando usamos números decimais, podemos encontrar dízimas infinitas periódicas. Mas na multiplicação nunca temos o problema de restos. É por isso que, provavelmente, o modo de multiplicar pelo recíproco do divisor foi aceite como modo normal. Contudo, neste caso, porque dividir 4 por 2 e 7 por 1 é fácil, efec- tuar a divisão directamente é ainda mais simples.
O Prof. Xie foi o primeiro professor que eu conheci que descreveu um método não usual de resolver um problema de divisão por fracções sem efectuar a multiplicação. Disse-lhe que nunca tinha pensado nisso e pedi-lhe que explicasse como funcionava. Ele disse que era fácil: i-Ç-L = 1-1 4
• 2
4 ' 2
= (7 : 4): (1 : 2) = 7:4:1 x2 =7:1:4 x 2 = (7 : D : (4 : 2)
_ 7
1
“ 4 : 2
Mais uma vez, deduziu o resultado baseando-se em princípios básicos, tais como a ordem das operações e a equivalência entre uma fracção e a expressão de uma divisão. Todos os professores que sugeriram métodos alternativos argumentaram que os seus métodos eram «mais fáceis» ou «mais simples» para este cálculo. De facto, eles não só conheciam modos alternativos de calcular o problema, como estavam também cientes do significado destes modos de
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calcular — tornar o procedimento de cálculo mais fácil ou simples. Resolver um problema complexo de modo simples é um dos padrões estéticos da comunidade matemática. Os professores argumentaram que os alunos devem não só conhecer vários modos de calcular um problema, mas também ser capazes de avaliar esses modos e de optar pelo mais adequado.
AS REPRESENTAÇÕES DOS PROFESSORES AMERICANOS NA DIVISÃO POR FRACÇÕES Os conceitos matemáticos que os professores representaram Embora 43% dos professores americanos tenham calculado I j: Y com sucesso, quase todos falharam na tentativa de arranjar uma representação para a divisão por fracções. Entre os 23 professores, 6 não conseguiram criar uma história e 16 inventaram histórias com concepções erradas. Apenas um professor forneceu uma representação conceptualmente correcta, mas com problemas a nível pedagógico. Os professores mostraram várias concepções erradas sobre o significado da divisão por fracções. Confundir a divisão por \ com a divisão por 2
Dez professores americanos confundiram a divisão pory com a divisão por 2. Os professores com esta ideia errada criaram histórias sobre a divisão da quantidade I , igualmente por duas pessoas, ou em duas partes. Estas histórias eram normalmente sobre objectos circulares, tais como tartes ou pizas: Podemos usar uma tarte, uma tarte inteira, e depois três quartos de outra tarte e temos duas pessoas, temos de ter a certeza de que isso é dividido igualmente, para que cada pessoa obtenha uma parte igual à outra. (Sr. a Fiona) As expressões que os professores usaram, «dividir igualmente por dois»,
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ou «dividir em metades», correspondem à divisão por 2 e não à divisão por Vi. Confundir os três conceitos Quando dizemos que vamos dividir dez maçãs igualmente por duas pessoas, dividimos o número de maçãs por 2 e não por ¥ 1. Contudo, muitos professores não notaram esta diferença.
Confundir a divisão por \ com a multiplicação por \ Seis professores forneceram histórias que qu e confundiam a divisão por y com a multiplicação por y. Esta ideia errada, embora não tão comum como a anterior, foi também frequente. Tomando outro exemplo com tartes: Provavelmente o mais fácil seria falar de tartes, com este número pequeno. Usar a tarte habitual para fracções. Podíamos ter uma tarte inteira e três quartos de outra, como se alguém tivesse tirado um pedaço. Depois dividíamos tudo em quartos e teríamos de tirar uma metade do total. (Prof. Barry) Enquanto os professores citados anteriormente tinham falado sobre «dividir por dois», o Prof. Barry sugeriu «tirar metade do total». total» . Para encontrar uma certa parte de uma unidade usaríamos multiplicação por fracções. Suponhamos que queremos tirar J- da farinha de um saco com dois quilos de farinha, então multiplicamos 2 por f e e obtemos ly quilos de farinha. O que os professores como o Prof. Barry representaram foi a multiplicação por fracções: 1} x |, e não 1-| : y. As histórias que confundiam a divisão por \ com a multiplicação por y revelaram também as fraquezas dos professores nos conceitos da multiplicação por fracções.
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A Prof.a Bernadette e a Prof.a Beatrice, que não faziam parte de qualquer dos grupos acima, confundiram os três conceitos, dividir por y, dividir por 2 e multiplicar por y: Dividir um e três quartos em metades. Ok, vejamos... Teríamos este todo, e aqui teríamos os três quartos. E depois queremos apenas metade do todo. (Prof. a Bernadette) Temos um e três quartos de litros de um líquido num jarro, e queremos dividi-lo ao meio de uma maneira visível, para cada um ficar com metade do líquido para beber. (Prof. a Beatrice)
Quando a Prof. a Bernadette e a Prof. a Beatrice expressaram o problema como «dividir um e três quartos ao meio» ou «dividi-lo ao meio», estavam a confundir a divisão por y com a divisão por 2. Depois, quando disseram que queriam «apenas metade do todo», ou «ficar com metade», confundiram a divisão por y com a multiplicação por \. Para elas, parecia não haver diferença entre a divisão por y, a divisão por 2 e a multiplicação por y. Sem confusão, mas também sem história
Outros dois professores não forneceram uma história, mas notaram a diferença entre dividir por Vi e dividir por 2. A Prof. a Belinda, uma professora experiente do sexto ano, estava consciente da lacuna no seu conhecimento e da rasteira no problema: Não tenho a certeza de ter compreendido suficientemente bem, excepto em termos de cálculo. Sei como fazê-lo, mas de facto não sei o que significa para mim.
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O Sr.Confundir Félix notou também uma diferença entre os dois conos três conceitos ceitos. Depois de tentar, sem conseguir, inventar uma história, explicou: Trata-se de dividir alguma coisa por uma metade e por isso confundi-me com o dois, pensando que significava dividir por dois, mas não... Significa algo completamente diferente... Bem, para mim o que se torna difícil é não ser capaz de visualizar o que representa no mundo real. Não consigo realmente pensar no que significa dividir por uma metade.
Embora a Prof.a Belinda e o Sr. Félix não tenham sido capazes de fornecer uma representação do conceito da divisão por fracções, não o confundiram com outra coisa. Foram os únicos professores americanos que não confundiram a divisão por fracções com outra operação. Concepção correcta e representação pedagógica problemática
A Prof.a Belle, uma professora experiente, foi a única que forneceu uma representação conceptual correcta do significado da divisão por fracções. Ela disse30: Vejamos algo como 2 tabletes de chocolate e um quarto. E eu quero dar a cada criança metade de uma tablete. Quantas crianças podem obter ou irão obter um pedaço de chocolate? Claro que ficou metade de uma criança no fim, mas... Ok, é esse o problema de usar crianças aqui, porque depois temos quatro crianças e meia. Sabemos que serão quatro crianças, e uma criança irá receber apenas metade da quantidade dos outros. Penso que eles conseguiam descobrir isso.
30 A
Prof.a Belle usou 2 Ç em vez de 1. Contudo, o seu entendimento do ' 4 4 conceito da divisão por fracções está correcto.
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A Prof.a Belle representou o conceito correctamente. Dividir o número A pelo número B é achar quantos Bs estão contidos em A. Contudo, como a própria Prof. a Belle indicou, esta representação implica um número fraccionário de crianças: a resposta ao problema original será 3y crianças. É problemático a nível pedagógico, porque na vida real um número de pessoas nunca será uma fracção. Lidar com a discrepância: cálculo correcto versus representação incorrecta
Embora as histórias criadas pelos professores ilustrassem concepções erradas sobre a divisão por fracções, houve oportunidades durante as entrevistas que podiam ter levado alguns deles a encontrar a ratoeira. Dos 16 professores que criaram uma história conceptualmente incorrecta, 9 tinham feito cálculos correctos ou incompletos. Uma vez que a maioria dos professores discutiram os resultados das suas histórias, as discrepâncias entre as respostas das histórias erradas conceptualmente (g-) e as respostas dos cálculos (3y,y ou y) podiam tê-los feito reflectir. Embora quatro professores não tenham notado qualquer discrepância, os cinco restantes notaram. Infelizmente, a descoberta da discrepância não levou nenhum dos cinco a uma concepção correcta. Os cinco professores reagiram de três modos diferentes à discrepância. Três professores duvidaram da possibilidade de criar uma representação para a divisão e decidiram desistir. A Sr.a Fleur ficou frustrada porque «o problema não funcionou da forma que se esperaria». A Prof. a Blanche ficou «totalmente desorientada» quando percebeu que as duas respostas eram diferentes. O Prof. Barry concluiu que «[a história] não vai funcionar. Não sei o que fiz.» A Sr.a Felice, contudo, parecia ser mais persistente. Ela criou uma história para representar represent ar l{x| em vez de lj : «Temos uma chávena mais três quartos de chávena de farinha e que-
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remos metade disso, para podermos fazer metade de uma fornada de bolachas.» Ao estimar o resultado da história-problema, ela notou que seria «um pouco mais de três quartos» em vez de três e meio. Uma vez que se tinha sentido insegura durante os cálculos procedimentais, rapidamente decidiu que j , a resposta que tinha obtido anteriormente, estava errada. Pensou que «a coisa do mundo real» que lhe ocorrera tinha mais autoridade do que a solução obtida usando o algoritmo: Faz com que [o cálculo que ela tinha feito] esteja errado. Porque temos metade de um, seria uma metade, e metade de três quartos seria [longa pausa]... se a estimássemos seria um quarto e depois um pouco mais. Vejamos, a resposta é um pouco acima de três quartos... Quando o fizesse com uma coisa do mundo real, veria que tinha errado [o cálculo], e então tentaria corrigi-lo. Quando fazemos isso sem uma coisa do mundo real, podemos estar a fazê-lo mal, e podemos fazer o problema mal dessa forma.
Infelizmente, a «coisa do mundo real» da Sr. a Felice representava uma ideia errada. Dada a sua insegurança com o cálculo e a sua inclinação cega para «coisas do mundo real», ter detectado a discrepância não a levou a reflectir sobre a ideia errada, mas sim a repudiar o resultado correcto, embora incompleto, que tinha calculado. A última professora, a Sr. a Francine, acabou por encontrar um modo de diminuir a gravidade da discrepância. A história que ela inventou para o problema representava l-|:y: Talvez algum produto alimentar, bolachas que tenham quatro secções. Temos uma inteira, [mais] quatro quartos e depois tiramos um quarto, temos apenas uma e três quartos, e depois queremos, como é que vamos dividir isto para que, digamos, se tivermos duas pessoas e quisermos dar metade a uma e metade a outra, como é que fazemos?
Ao dividir uma bolacha e três quartos por duas pessoas, ela esperava obter a mesma resposta — «três e meio» — que obteve com a divisão 1-f : y. Contudo, cada pessoa obteria três quartos e 132
meio de bolachas: Obteria três e meio, fi-lo correctamente? [Ela está a olhar para o que
escreveu e a falar sozinha.] Vejamos, um, dois, três, sim, é isto, um, dois, três. Cada uma obteria três quartos e depois metade de outro quarto.
Apesar de a Sr.a Francine ter notado que havia «duas [respostas] diferentes», acabou por explicar como a última, três e meio quartos, fazia sentido com a resposta anterior, três e meio. Ela pareceu achar esta explicação satisfatória para ter um dividendo ly mais pequeno do que o quociente 3 Interrogamo-nos como é que um e três quartos, que é mais pequeno que três e meio, vejamos, aqui um e três quartos refere-se ao que temos, três e meio está de acordo com a fracção de um e três quartos, por isso se considerarmos apenas a divisão, não faz sentido, ou seja, acho que não faz sentido.
O modo como a Sr.a Francine explicou a discrepância fez confluir o número 3 y (a resposta de ly : y) com 3 \ quartos (a resposta de ly : 2). Visto que o número \ é um quarto do número 2, o quociente de um número dividido por 2 será um quarto do número dividido por y . Por exemplo, 2 : 2 = 1; 2 : \= 4 ou T : 2 = y; y = 1. É por isto que s, o quociente da divisão ly : 2, é 3y quartos. A Sr.a Francine, claro, não os confundiu de propósito, nem sequer notou a coincidência. O seu conhecimento inadequado de fracções e a sua ignorância de que o resultado da divisão por uma fracção menor que um será maior do que o dividendo levaram-na a uma explicação incorrecta da discrepância. A razão de as discrepâncias encontradas não terem levado a Sr.a Francine e a Sr.a Felice a reflectirem sobre as suas representações, foi o seu conhecimento de cálculo ser limitado e superficial. Embora os seus cálculos estivessem correctos, não estavam suficientemente apoiados por um entendimento conceptual. Conforme disseram durante as entrevistas, estas professoras não entendiam porque é que o algoritmo de cálculo funcionava. Por isso, os resultados obtidos através do cálculo não foram
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capazes de resistir a um desafio, nem podiam servir como ponto de partida para uma abordagem ao significado da operação. Um entendimento inadequado do procedimento impede a criação de uma representação
O caso da Sr.a Fay foi outro exemplo de como a capacidade de cálculo de cada um pode influenciar a abordagem conceptual ao significado da operação. A Sr. a Fay parecia estar perto de atingir um entendimento do significado da divisão por frac- ções. Ao calcular, descreveu o procedimento de modo claro, e obteve uma resposta correcta: Eu copiaria a primeira fracção tal como está, depois mudaria o sinal de divisão para multiplicação. E depois inverteria a segunda fracção. Depois, porque a primeira fracção é uma fracção mista, mudá-la-ia de mista para uma fracção simples. Por isso, poria 1 vezes 4 que é 4 e depois adicionaria o 3, o que daria ~ vezes 2... Com as fracções multiplicamos logo a direito, o que seria 7 vezes 2 a dividir por 4, o que dá y. E depois eu reduziria isso.
Além disso, a Sr.a Fay expressou o problema correctamente, usando «dividir por uma metade» Oy), em vez de «ao meio» (: 2). Contudo, quando começou a dividir ly piza por \ piza, «perdeu-se» e não sabia para onde «iria a partir daí»: Bem, seria uma piza inteira e depois três quartos de uma piza. O que seria mais ou menos assim. E seria dividida por
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metade de uma piza. E depois... depois disso estou de facto perdida. Se eu as combinar [a piza inteira e os três quartos de piza], não sei o que faria a seguir com um aluno. Diria que teríamos de as combinar, porque sei que temos de o fazer, que é preciso fazê-lo. É muito difícil, é quase impossível para mim dividir uma fracção mista por uma fracção simples e não consigo explicar porquê, mas foi assim que me ensinavam. Que temos de mudar o numeral misto para uma fracção. .. Por isso teria de mostrar aos alunos como se combinam estes dois. E isto é muito difícil. Não sei para onde iria a partir daí.
A Sr.a Fay tinha começado bem. A história que tentou inventar, dividir 1 piza por y piza, era quase um modelo apropriado para dividir ljpor !. Contudo, «perdeu-se» pelo meio e desistiu de terminar a história. O que impediu a Sr. a Fay de completar a história foi o seu entendimento inadequado do procedimento de cálculo que queria usar: mudar o número misto para uma fracção imprópria, e dividir. Ao calcular, a Sr.a Fay lidou com o número misto de acordo com aquilo que «tinha aprendido». Ela efectuou a primeira parte do procedimento, convertendo ly em ~ . No entanto, não conseguiu explicar porque deveria ser feita a mudança. Mais ainda, não entendeu o que se passava durante o procedimento de mudar um número misto para uma fracção imprópria. Esta deficiência de entendimento fez com que se «perdesse». Se a Sr. a Fay soubesse o que significa mudar um número misto para uma fracção imprópria — escrever a parte inteira como uma fracção imprópria com o mesmo denominador da parte fraccionária e adicionar as duas fracções —, teria sido capaz de efectuar o procedimento para os ly piza. Bastava cortar a piza inteira em quartos para que o todo, 1, se tornasse y, e ly piza se tornassem , piza. Precisava pelo menos de mais um passo para completar a representação. Para além da Sr.a Fay, pelo menos mais três outros professores indicaram que tinham dificuldade em trabalhar com números
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mistos. O seu conhecimento inadequado do procedimento de cálculo impedia a sua abordagem ao significado da operação. Poderá o conhecimento pedagógico compensar a ignorância do conceito?
A deficiência dos professores no entendimento do significado da divisão por fracções determinou a sua incapacidade de criar uma representação apropriada. Mesmo o seu conhecimento pedagógico não pôde compensar a ignorância do conceito. Objectos circulares são considerados apropriados para representar conceitos relativos a fracções. Contudo, conforme vimos, as representações que os professores criaram com pizas ou tartes mostraram concepções erradas. O uso que a Sr. a Francine fez das bolachas com quatro secções foi também bem pensado pedagogicamente para representar quartos. No entanto, não remediou o seu entendimento errado do significado da divisão por fracções. Para criar uma representação, devemos primeiro saber o que representar. Durante as entrevistas, os professores indicaram várias ideias pedagógicas para a criação de representações. Infelizmente, devido ao seu inadequado conhecimento da matéria, nenhuma destas ideias os conduziu, com sucesso, a uma representação correcta. A Sr.a Florence, uma professora que afirmava gostar de fracções, usaria «objectos da sala de aula para representar a ideia». A representação que propôs foi: O José tem 1-| caixas de lápis e quer dividi-los por duas pessoas ou dividir os lápis ao meio, e então, primeiro podíamos fazê-lo com os lápis e talvez escrevê-lo no quadro ou tentar que o fizessem com números.
Outros contextos requerendo medidas, tais como receitas de cozinha, distâncias, dinheiro e volumes, foram também usados pelos professores para representarem conceitos de frac-
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ções. A Sr.a Francesca disse que usaria dinheiro. Dir-lhes-ia: «Vocês têm uma quantia em dinheiro, têm duas pessoas, e têm de o dividir igualmente por ambas.» A Prof.a Blanche, uma professora experiente que estava muito confiante no seu conhecimento matemático, pensou que podia usar qualquer coisa para a representação: «Teria um e três quartos de qualquer coisa, não interessa o quê, e se precisasse de dividir por dois, separaria 2 grupos...» Enquanto os professores mencionados anteriormente representaram o conceito de dividir por 2, outros professores representaram o conceito de multiplicar por y. A Prof. Barbara era uma professora experiente, orgulhosa do seu conhecimento matemático, e disse que gostava do «desafio da matemática». Acrescentou que, quando era estudante, costumava passar um mau bocado com as fracções mas, desde que uma professora lhe ensinara fracções através de uma receita de cozinha, ela «entendeu» e «adorou trabalhar» o assunto. Então ensinaria aos seus alunos do mesmo modo que aprendeu — usando uma receita: Bem, se tivesse este tipo de divisão, diria que podíamos usar uma e três quartos taças de manteiga. E se quiséssemos tirar metade disso, como faríamos? Podemos usar o que quisermos, farinha, açúcar ou algo parecido. A Sr.a Fawn, uma professora em início de carreira, criou várias representações com diferentes assuntos, tais como dinheiro, receitas, tartes, maçãs, etc. Contudo, todas as suas histórias representavam uma ideia errada — a de multiplicar por Vi em vez de dividir por y. Não há provas de que faltasse conhecimento pedagógico a estes professores. Os assuntos das suas histórias — tartes, pizas, receitas, objectos da sala de aula, etc. — eram apropriados para representar conceitos de fracções. Contudo, devido às suas ideias erradas sobre o significado da divisão por
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fracções, estes professores não conseguiram criar representa ções correctas. A ABORDAGEM DOS PROFESSORES CHINESES AO SIGNIFICADO DA DIVISÃO POR FRACÇÕES
As lacunas no conhecimento dos professores americanos sobre o tópico de aritmética avançada, a divisão por fracções, não estavam presentes entre os professores chineses. Enquanto apenas um dos 23 professores americanos criou uma representação conceptualmente correcta para o significado da divisão proposta, 90% dos professores chineses fizeram-no. Sessenta e cinco dos 72 professores chineses criaram mais de 80 histórias-problema representando o significado da divisão por uma fracção. Doze professores propuseram mais do que uma história para abordar os diferentes aspectos do significado da operação. Apenas seis professores (8%) disseram que não eram capazes de criar uma história, e um professor forneceu uma história incorrecta (que representava j- : 1|- em vez de 1-f-: y). A figura 3.1 mostra uma comparação do conhecimento dos professores sobre este tópico. Os professores chineses representaram o conceito usando três
Resposta calculada Propuseram correcta mais do que uma abordagem história correcta
Apresentaram pelo menos uma
Fi . 3.1 O conhecimento dos rofessores sobre a divisão or frac ões
modelos de divisão diferentes: de agrupamento, de
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repartição, e de produto e factores31. Por exemplo, ly : y pode representar: • ly metros : y metro = y (modelo de agrupamento)
metros : y = y metros (modelo de repartição) •ly metros quadrados : y metro = y (modelo de produto e factores) •,ly
que podem corresponder a: •Quantos \ metros existem em algo que tem ly metros de
comprimento? •Se metade de um comprimento mede ly metros, quanto mede o todo? •Se um lado de um rectângulo de l- 4 metros quadrados mede -V metro, qual é o comprimento do outro lado? Os modelos da divisão por fracções
O modelo de agrupamento da divisão: «Encontrar quantos ys existem em 13 Á» ou «Encontrar quantas vezes ly é relativamente a y» Dezasseis das histórias criadas pelos professores ilustravam duas ideias relacionadas com o modelo de agrupamento da divisão: «encontrar quantos ys existem em ly» ou «encontrar quantas vezes ly é relativamente a y . » Oito histórias sobre cinco cenários correspondiam a «encontrar quantos yS existem em ly». Aqui ficam dois exemplos: Recorrendo ao modelo de agrupamento da divisão, l -4 : y pode ser articulado como quantos 4s existem em ly.
31 Greer
(1992) mostra um debate intenso sobre os modelos de multiplicação e divisão. A sua categoria «área rectangular» está incluída em «produto e factores».
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Para o representar podemos dizer, por exemplo, se uma equipa de trabalhadores construir y km de estrada por dia, quantos dias serão necessários para construir uma estrada com ly km de comprimento? O problema é encontrar quantos troços de y km, distância que conseguem fazer em cada dia, estão contidos em lykm. Dividimos ly por y e o resultado é 3y dias. Serão necessários 3y dias para construir a estrada. (Prof. R.) Cortamos uma maçã em quatro partes iguais. Pegamos em três partes e juntamo-las a uma maçã inteira. Se y maçã for uma porção, quantas porções podemos obter com ly maçãs? (Sr. a I.)
A abordagem atrás referida pela Prof. a Belle, a professora americana que tinha um entendimento conceptual do tópico, integra-se nesta orientação: «encontrar quantos yS existem em ly». As outras oito histórias representavam «encontrar quantas vezes ly é relativamente a y». Por exemplo: Estava planeado construir uma ponte em 1 mês e y. Mas de facto demorou apenas y mês. Quantas vezes o tempo que estava planeado é relativamente ao tempo que realmente levou? (Prof. K.)
«Encontrar quantos yS existem em ly» e «encontrar quantas vezes ly é relativamente ay» são duas abordagens ao modelo de agrupamento da divisão por fracções. A Profd Li deu indicação de que, apesar de este modelo ser consistente para os números inteiros e as fracções, o modelo precisa de ser revisto quando as fracções são introduzidas: Na divisão com números inteiros temos um modelo para encontrar quantas vezes um número é relativamente a outro número. Por exemplo, quantas vezes o número 10 é relativamente ao número 2? Dividimos 10 por 2 e obtemos 5. 10 é 5 vezes 2. É a isto que chamamos o modelo de agrupamento.
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Com as fracções, ainda podemos dizer, por exemplo, o que é que multiplicado por y dá 1 4 ? Ao inventar uma história-problema, podemos dizer que existem dois campos. O campo A tem l-4 hectares e o campo B y hectare. Quantas vezes a área do campo B é maior que a área do campo A? Para resolver o problema dividimos ly hectares por y hectare e obtemos 3y. Assim, sabemos que a área do campo A é 3y vezes a do campo B. A divisão que me pediu para representar encaixa neste modelo. Contudo, quando as fracções são utilizadas, é preciso revê-lo. Em particular, quando o dividendo é mais pequeno que o divisor e então o quociente se torna uma fracção própria. Aí o modelo deve ser revisto. As afirmações de «encontrar que fracção um número é de outro», ou «encontrar que parte fraccionária de um número é igual a outro» devem ser adicionadas às afirmações originais. Por exemplo, para a divisão 2 : 10, podemos perguntar: que fracção é 2 de 10? Ou, que parte fraccionária de 10 é 2? Dividimos 2 por 10 e obtemos ! : 2 é y de 10. Do mesmo modo, podemos também perguntar: que parte fraccionária de ly é-j ? Então devemos dividir y por De obtemos 1 . 2
o
O modelo de repartição da divisão: encontrar um número tal que \ dele seja ly Entre as mais de 80 histórias-problema representando o significado de ly : y, 62 histórias representavam o modelo de repartição da divisão por fracções — «encontrar um número tal que y dele seja ly»: A divisão é o inverso da multiplicação. Multiplicar por uma fracção significa que conhecemos um número que representa um todo e queremos encontrar um número que representa uma determinada fracção dele. Por exemplo, se quisermos saber que número representa y de ly, multiplicamos ly por y e obtemos j. Por outras palavras, o todo é ly e y dele é H Por outro lado, quando se divide por uma fracção, o número que representa o todo passa a ser a incógnita a ser encontrada.
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Conhecemos uma parte fraccionária dele e queremos encontrar o número que representa o todo. Por exemplo, 4- de uma corda de saltar mede 11- metros, qual é o comprimento da corda? Sabemos que uma parte da corda mede 1-j- metros e sabemos também que esta parte é y da corda. Dividimos o número da parte, ly metros, pela fracção correspondente do todo, y, e obtemos o número que representa o todo, 3y metros. Ao dividir 1-i por y iremos descobrir que toda a corda tem 3y metros de comprimento... Mas prefiro não usar o dividir por y para ilustrar o significado da divisão por fracções, porque conseguimos facilmente chegar à resposta sem realmente fazer a divisão por fracções. Se dissermos que J- de uma corda é 1 metro e qual é o comprimento da corda? A operação da divisão terá mais significado aqui, porque não conseguimos ver a resposta imediatamente. A melhor forma de calcular é dividir ly por J- e obter 2^ metros. (Sr. a G.) Dividir por uma fracção é encontrar um número quando uma parte fraccionária dele é conhecida. Por exemplo, se soubermos que Vi de um número é 1 y, ao dividir ly por y, podemos ficar a saber que esse número é 3y . Para inventar uma história-problema que ilustre este modelo, digamos que uma variedade de madeira pesa ly toneladas por metro cúbico, o que é apenas y do peso por metro cúbico de uma variedade de mármore. Quanto pesa um metro cúbico de mármore? Sabemos que y metro cúbico de mármore pesa ly toneladas. Para saber o peso de um metro cúbico, dividimos ly, o número que representa a parte fraccionária, por A, a fracção que ly representa, e obtemos 3 J-, o número do todo. O mármore pesa 3y toneladas por metro cúbico. (Prof. D.) A minha história será: um comboio anda para a frente e para trás entre duas estações. Da estação A à estação B é a subir e da estação B à estação A é a descer. O comboio demora
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l f horas para fazer o percurso da estação B à estação A.
É apenas y do tempo que demora da estação A à estação B. Quanto tempo demora o comboio a fazer o percurso da estação A à estação B? (Prof. S.) A mãe comprou uma caixa de doces. Ela deu à avó y do conteúdo da caixa, e essa porção pesava l y kg . Quanto pesava originalmente a caixa? (Sr.a M.)
Os professores acima explicaram a versão fraccionária do modelo de repartição da divisão. O Prof. Mao explicou especificamente como se revê o modelo de repartição da divisão por números inteiros quando as fracções são introduzidas: Com os números inteiros os alunos aprenderam o modelo de repartição da divisão. É um modelo que pretende encontrar o tamanho de cada um dos grupos iguais que foram formados a partir de uma dada quantidade. Por exemplo, na nossa turma temos 48 alunos, que foram agrupados em 4 grupos de igual tamanho; quantos alunos existem em cada grupo? Sabemos a quantidade dos vários grupos, 48 alunos. Também sabemos o número de grupos, 4. Queremos encontrar o tamanho de um grupo. Por isso, um modelo de repartição pretende encontrar o valor de uma unidade quando é conhecido o valor de várias unidades. Na divisão por fracções, contudo, esta con-
dição altera-se. Aqui o que sabemos não é o valor das várias unidades, mas sim o valor de uma parte da unidade. Por exemplo, se pagarmos ly yuans para comprar y de um bolo, quanto custaria um bolo inteiro? Dado que - do preço total é l y yuans, para saber o preço total dividimos l y por y e obtemos 3y yuans. Por outras palavras, a versão fraccionária do modelo de repartição pretende encontrar um número quando uma parte dele é conhecida.
A observação do Prof. Mao é verdadeira. Encontrar um número quando é conhecida a quantidade de várias unidades e
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encontrar um número quando uma parte fraccionária dele é conhecida são representados por um modelo comum — encontrar o número que representa uma unidade quando determinada quantidade de unidades é conhecida. O que difere é a característica da quantidade: com um divisor inteiro, a condição é que «é conhecido um múltiplo da unidade», mas com um divisor fraccionário a condição é que «é conhecida uma fracção da unidade». Por isso, a nível conceptual, estas duas abordagens são idênticas. Esta mudança no significado é intrínseca ao modelo de repartição. No modelo de agrupamento e no modelo de produto e factores, a divisão por fracções mantém o mesmo significado da divisão por números inteiros. Isto pode explicar por que motivo tantas representações dos professores chineses seguiam este modelo. O modelo de produto e factores: encontrar um factor que multiplicado por \ dará 1~
Três professores descreveram um modelo mais geral da divisão — encontrar um factor quando o produto e o outro factor são conhecidos. Os professores referiram-se-lhe como «encontrar um factor que multiplicado por \ origine 1 j»: Enquanto operação inversa da multiplicação, a divisão consiste em encontrar um número que representa um factor quando o produto e o outro factor são conhecidos. A partir desta perspectiva, podemos formular um problema da seguinte forma: «Se o produto de ÿ por outro factor for 1 — , qual é o outro factor?» (Prof. M.) Sabemos que a área de um rectângulo é o produto do comprimento pela largura. Digamos que a área de um quadro rectangular é 1-jmetros quadrados e a sua largura é ~ metro; qual é o seu comprimento? (Sr. A.)
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Estes professores olharam para a relação entre a multiplicação e a divisão de um modo mais abstracto. Ignoraram o significado específico do multiplicando e multiplicador na multiplicação e nos modelos relacionados da divisão. Em vez disso, entenderam o multiplicando e o multiplicador como dois factores com o mesmo estatuto. A sua perspectiva, de facto, foi legitimada pela propriedade comutativa da multiplicação. Tanto o conceito de fracções como as operações com fracções ensinadas na China e nos Estados Unidos parecem diferentes. Os professores americanos tendem a lidar com unidades inteiras «reais» e «concretas» (normalmente formas circulares ou rectangulares) e as suas fracções. Embora os professores chineses também usem estas formas para abordar pela primeira vez o conceito de fracção, quando ensinam as operações com fracções tendem a usar todos «abstractos» e «invisíveis» (ex: o comprimento de um troço particular de uma estrada, o tempo que demora a completar uma tarefa, o número de páginas de um livro). O significado da multiplicação por uma fracção: o elemento importante da base de conhecimento
Ao longo das exposições sobre o significado da divisão por fracções, os professores mencionaram vários conceitos que consideraram elementos da base de conhecimento relacionada com o tópico: o significado da multiplicação com números inteiros, o conceito de divisão enquanto operação inversa da multiplicação, os modelos da divisão com números inteiros, o significado da multiplicação com fracções, o conceito de fracção, o conceito de unidade, etc. A Figura 3.2 resume as relações entre estes itens. A aprendizagem dos conceitos matemáticos não é uma viagem unidireccional. Apesar de o conceito de divisão por fracções ser construído logicamente sobre a aprendizagem prévia
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Significado da divisão por fracções
C Significado da
multiplicação )
Significado da divisão com ^números inteiros ^
Conceito de unidade
Significado da multiplicação^^ com números inteiros — Conceito de operações
Conceito de fracção Significado da adição
Fig. 3.2. Uma base de conhecimento para o entendimento do significado da divisão por fracções
de vários conceitos, ele desempenha por seu turno um papel de reforço e aprofundamento dessa aprendizagem prévia. Por exemplo, reflectir sobre o significado da divisão por fracções irá intensificar o entendimento dos conceitos anteriores da multiplicação com números racionais. Do mesmo modo, ao desenvolver versões com números racionais dos dois modelos da divisão, o entendimento original dos dois modelos com números inteiros tornar-se-á mais abrangente: É a isto que se chama «abrir novos horizontes através da exploração de horizontes antigos». A aprendizagem actual é apoiada pela aprendizagem anterior, mas também a aprofunda. O significado da divisão por fracções parece complicado porque está construído sobre vários conceitos. Por outro lado, contudo, fornece uma boa oportunidade para os alunos aprofundarem a sua aprendizagem anterior destes conceitos. Tenho a certeza de que, depois de abordar o significado e os modelos da divisão por fracções, a referida aprendizagem ficará mais completa do que antes. Aprender é um processo de avanços e recuos. (Prof. Sun)
Nesta perspectiva, aprender é um processo contínuo durante o qual o novo conhecimento é apoiado pelo conhecimento
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anterior e este é reforçado e aprofundado pelo novo conhecimento. Durante as entrevistas, «o significado da multiplicação com fracções» foi considerado um elemento-chave da base de conhecimento. A maioria dos professores considerou a multiplicação com fracções a «base necessária» para o entendimento do significado da divisão por fracções: O significado da multiplicação com fracções é particularmente importante porque é dele que derivam os conceitos da divisão por fracções... Se os nossos alunos entenderem perfeitamente que multiplicar por uma fracção significa encontrar uma parte fraccionária de uma unidade, eles irão seguir esta lógica para compreender como funcionam os modelos da operação inversa. Por outro lado, se não tiverem uma ideia clara sobre o que significa a multiplicação com fracções, os conceitos da divisão por fracções serão arbitrários e difíceis de entender. Por isso, para que os nossos alunos possam entender o significado da divisão por fracções, devemos primeiramente dedicar tempo e esforços significativos ao ensino da multiplicação com fracções, para assegurar que eles entendam completamente o significado desta operação... Normalmente ao ensinar o significado da divisão por fracções, começo com uma revisão do significado da multiplicação com fracções. (Prof. Xie) Os conceitos da divisão por fracções, tais como «encontrar um número quando uma parte fraccionária é conhecida» ou «encontrar que fracção um número é de outro», etc. parecem complicados. Mas após termos um entendimento inclusivo do significado da multiplicação com fracções, iremos ver que estes conceitos são lógicos e fáceis de entender. Por isso, para ajudar os alunos a entender o significado da divisão por fracções, muitos dos nossos esforços não são directamente dedicados ao tópico,
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mas sim à compreensão plena do significado da multiplicação com fracções, e à relação entre divisão e multiplicação. (Prof. Wu)
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O significado da multiplicação com fracçòes é também importante na base de conhecimento porque «relaciona vários conceitos relevantes»: O conceito da multiplicação com fracçòes é como um «nó», pois «liga» vários outros conceitos importantes. Tal como a operação da multiplicação, está relacionado com os conceitos da adição e divisão com números inteiros. Mais ainda, uma vez que lida com números fraccionários, está relacionado com o conceito de fracção e com os da adição e divisão com frac- ções. Entender o significado da multiplicação com fracçòes depende da compreensão de vários conceitos. Ao mesmo tempo, reforça substancialmente a aprendizagem anterior e contribui para a futura aprendizagem do aluno. (Sr.a I.)
De facto, segundo a perspectiva dos professores, a importância dos elementos de conhecimento matemático não é a mesma. Alguns deles «pesam» mais que outros, porque têm um maior significado para a aprendizagem matemática dos alunos. Para além do «poder de sustentação» abordado anteriormente, outro aspecto que contribui para a importância de um elemento de conhecimento é a sua «localização» numa rede de conhecimento. Por exemplo, a multiplicação com frac- ções é importante porque é uma «intersecção» de vários conceitos matemáticos. As representações dos modelos da divisão por fracçòes
O profundo entendimento dos professores chineses do significado da divisão por fracçòes e a sua relação com outros modelos matemáticos forneceu-lhes uma base sólida sobre a qual construíram o seu conhecimento pedagógico do tópico. Recorrendo à sua imaginação fértil, elaboraram uma variedade de cenários para representarem um conceito único da divisão por fracçòes. Por outro lado, alguns professores utili-
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zaram um único cenário para criar várias histórias-problema que representassem os diferentes aspectos do conceito. Os professores basearam-se também no conhecimento da geometria elementar — a área de um rectângulo — para representar a divisão. Riqueza de cenários nas representações do modelo de repartição
Apesar de a operação da divisão comportar dois modelos, não foi dado o mesmo destaque a ambos. Para a maioria dos professores que participaram na nossa investigação, o modelo de repartição revelou-se substancialmente mais marcante do que o modelo de agrupamento. Os professores referiram cerca de trinta cenários durante a criação de mais de sessenta histórias-problema para representarem a versão fraccionária do modelo de repartição da divisão. Para além dos que apresentámos anteriormente, aqui ficam mais alguns exemplos: Uma fábrica que produz máquinas-ferramentas usa ac- tualmente 1-j- toneladas de aço para fazer uma máquina, \ do que costumavam usar. Que quantidade de aço costumavam usar para produzir uma máquina? (Sr.a H.) O tio Wang lavrou 1-| «mus» 32 em ~ dia; a esta velocidade, quantos «mus» conseguirá lavrar num dia inteiro? (Sr. B.) Ontem fui de bicicleta da cidade A até à cidade B. Demorei 1^ horas para 2 do caminho; quanto tempo demorei na viagem toda? (Prof. R.) Uma quinta tem 1^- «mus» de terrenos sazonais onde cresce trigo. Esta área é 1 da área do campo sazonal onde cresce algodão. Qual é a área do campo de algodão? (Prof. N.)
Num rio com uma corrente rápida, um barco a favor da corrente demora apenas y do tempo de um barco contra a corrente para fazer o mesmo percurso. Temos um barco a 32 «Mu»
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é uma medida chinesa de área. Quinze mus equivalem a um hectare.
favor da corrente que demorou ly hora a ir do sítio A para o sítio B; quanto irá demorar o barco contra a corrente a ir do sítio B para o sítio A? (Prof. Mao) Queremos saber que quantidade de óleo vegetal existe numa garrafa grande, mas temos apenas uma pequena balança. Extraímos y do óleo da garrafa, pesamo-lo e descobrimos que tem ly kg. Podem dizer-me quanto pesava originalmente todo o óleo que a garrafa continha? (Sr.a R.) Um dia Xiao-Min foi ao centro da cidade para ver um filme. Pelo caminho encontrou a sua tia, a quem perguntou: «Sabe qual a distância da nossa vila até ao centro da cidade?» A tia respondeu: «Não vou dizer-te, mas dou-te uma pista. Já andaste ly «lis» 33 , que correspondem a y da distância total. Descobre a resposta por ti próprio.» (Sr.a K.) A maioria dos professores americanos usavam um todo concreto (tal como um objecto circular) e as suas partes para representar um todo e uma fracção; por outro lado, a maioria dos professores chineses representavam estes conceitos de um modo mais abstracto. Apenas 3 dos 72 professores usaram ob- jectos circulares como assunto da sua representação. Em muitas das histórias-problema criadas pelos professores chineses, 3y, o quodente da divisão, foi tratado como uma unidade e ly, o dividendo, foi visto como y da unidade. Enquanto os alimentos e o dinheiro eram os principais assuntos das representações dos professores americanos, os professores chineses usaram representações muito mais diversificadas. Para além de cenários relacionados com as vidas dos alunos, foram acrescentados outros, como a vida numa quinta, numa fábrica, na família, etc. O conhecimento sólido dos 33 «Li»
é uma medida tradicional de distância. Um li é y quilómetro.
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professores no que diz respeito ao significado da divisão por fracções deu-lhes à-vontade para usar um largo leque de cenários nas suas representações. Algumas histórias com um único cenário
Entre os professores que criaram mais do que uma história para ilustrar vários aspectos do conceito de divisão por fracções, a Sr.a D. destacou-se. Ela criou três histórias com o mesmo cenário: A operação 1-f- : y pode ser representada a partir de diferentes perspectivas. Por exemplo, podemos dizer: aqui está 1| kg de açúcar e queremos embalá-lo em pacotes de ykg cada. Quantos pacotes teremos? Podemos também dizer que temos 2 pacotes de açúcar, um de açúcar branco e outro de açúcar amarelo. O açúcar branco pesa 1-|- kg e o açúcar amarelo — kg. Quantas vezes é o peso de açúcar branco maior que o do açúcar amarelo? Mais ainda, podemos dizer que na mesa está uma porção de açúcar que pesa 1 kg; é y de todo o açúcar que existe em casa, por isso quanto açúcar temos nós em casa? Todas as três histórias são sobre açúcar, e todas representam ly : y. Mas os modelos numéricos que ilustram são distintos. Colocaria as três histórias no quadro e convidaria os alunos a comparar os diferentes significados que elas representam. Após a discussão pedir-lhes-ia que tentassem inventar as suas próprias histórias-problema para representar os diferentes modelos da divisão por fracções. (Sr.a D.) De forma a envolver os alunos na comparação dos diferentes conceitos associados a lj : !, a Sr.a D. criou várias representações com um único cenário. A uniformidade no cenário e nos números incluídos na operação tornariam mais óbvia para os alunos a diferença entre os modelos numéricos que as histórias representam. DEBATE
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Como é que o cálculo revelou a compreensão matemática dos professores?
A diferença entre o conhecimento matemático dos professores americanos e o dos professores chineses tornou-se mais flagrante com o tópico da divisão por fracções. O primeiro contraste ficou patente no cálculo. A pergunta da entrevista deste capítulo pedia aos professores que calculassem 1 T : ;. O processo de cálculo revelou características não só do conhecimento procedimental e da compreensão da matemática por parte dos professores, como da sua atitude perante a disciplina. Nos dois capítulos anteriores todos os professores apresentaram um conhecimento procedimental sólido. Desta vez, apenas 43% dos professores americanos conseguiram efectuar o cálculo e nenhum deles mostrou um entendimento da fundamentação lógica do algoritmo. A maioria destes professores sentiu dificuldades. Muitos tendiam a confundir o algoritmo da divisão por fracções com os da adição e subtracção ou com o da multiplicação. O conhecimento procedimental destes professores era não apenas fraco na divisão com fracções, mas também noutras operações com fracções. Quando os professores confessaram que não se sentiam à vontade no cálculo com números mistos ou fracções impróprias, o seu conhecimento sobre as características básicas das fracções provou ser muito limitado. Todos os professores chineses tiveram sucesso nos seus cálculos e muitos deles mostraram-se entusiasmados a resolver o problema. Calcular e obter uma resposta não foi suficiente para estes professores: quiseram apresentar vários modelos para o fazer — usando números decimais, números inteiros, aplicando as três propriedades básicas, etc. Andaram às voltas com subconjuntos de números e com diferentes operações, adicionaram e retiraram parênteses e mudaram a ordem das operações. Fizeram-no com extrema confiança e com uma capacidade surpreendentemente flexível. Para além disso, muitos professores fizeram comentários sobre os vários métodos de cálculo e avaliaram-nos. O seu modo de «fazer matemática» deu
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mostras de um entendimento conceptual significativo. Outra característica interessante da matemática dos professores chineses é que eles procuravam fornecer «provas» para os seus procedimentos de cálculo. A maioria dos professores justificou os seus cálculos mencionando a regra segundo a qual «dividir por um número é equivalente a multiplicá-lo pelo seu recíproco». Outros converteram a fracção y em 1 : 2 e provaram passo a passo que dividir por y é equivalente a multiplicar por 2. Outros ainda, usaram o significado de dividir por y para explicar o procedimento de cálculo. O seu desempenho é tipicamente matemático no sentido em que, para convencermos alguém de uma verdade, temos de prová-la, não basta afirmá-la. «Um nó conceptual»: por que razão é importante
Para além do seu desempenho a «fazer matemática», os professores chineses mostraram um conhecimento de fracções que era acentuadamente mais sólido do que o dos professores americanos. Os professores chineses estavam conscientes das abundantes relações entre fracções e outros tópicos matemáticos; de como uma fracção pode ser escrita como a expressão de uma divisão na qual o numerador é o dividendo e o denominador é o divisor; da relação entre números decimais e fracções, sendo muito hábeis na conversão entre as duas formas de números; de como os modelos de divisão por fracções estão relacionados com o significado da multiplicação com fracções e com os modelos da divisão com números inteiros. Tal como nos dois capítulos anteriores, os professores chineses não descreveram o tópico deste capítulo como o elemento-chave da base de conhecimento no qual se inclui: esse elemento-chave é o significado da multiplicação com fracções. Os professores viram-no como um «nó» que une um aglome-
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rado de conceitos que apoiam o entendimento do significado da divisão por fracções. Nos capítulos anteriores mencionámos que os professores chineses prestavam uma atenção especial à ocasião em que um conceito é abordado pela primeira vez, sobretudo quando o consideravam um elemento-chave numa base de conhecimento. Ao mencionarem o elemento-chave da base de conhecimento deste capítulo, continuaram a aderir a este princípio. Contudo, uma vez que o tópico matemático debatido neste capítulo é mais avançado e complexo, os seus alicerces não são um único conceito mas uma ligação de vários conceitos. Uma das razões pelas quais o entendimento dos professores americanos sobre o significado da divisão por fracções não estava desenvolvido pode ser o facto de faltarem ligações ao seu conhecimento. O entendimento da maioria dos professores americanos apoiava-se em apenas uma ideia — o modelo de repartição da divisão com números inteiros. Porque lhes faltavam outros conceitos necessários para o entendimento e as suas ligações com o tópico, estes professores não foram capazes de criar uma representação conceptual do significado da divisão por fracções. Relação entre o conhecimento dos professores sobre a matéria e as suas representações Criar representações para um conceito matemático é uma tarefa pedagógica comum. A maioria dos professores americanos representou o significado da divisão por fracções recorrendo a um exemplo do mundo real. Os cenários que os professores chineses usaram foram, contudo, de âmbito mais alargado e menos relacionados com as vidas dos alunos. Sem dúvida que relacionar a aprendizagem escolar da matemática com as vidas dos alunos fora da escola pode ajudar a que a matemática tenha mais sentido para eles. No entanto, o «mundo real» não pode, por si próprio, produzir conteúdo matemático. Sem um conhecimento sólido sobre o que representar, não con-
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seguiremos produzir uma representação conceptualmente correcta, não importa quão rico seja o conhecimento pessoal das vidas dos alunos ou a motivação que se tenha para relacionar a matemática com essas vidas. SUMÁRIO
Este capítulo investigou o conhecimento dos professores sobre dois aspectos do mesmo tópico — divisão por fracções. Foi pedido aos professores que calculassem l| : { e que ilustrassem o significado da operação, um aspecto do conhecimento não abordado nos capítulos anteriores. O conhecimento dos professores americanos sobre a divisão por fracções foi marcadamente mais fraco que o seu conhecimento dos dois tópicos anteriores. Embora 43% dos professores americanos tivessem conseguido calcular correctamente uma resposta completa, nenhum mostrou um entendimento da fundamentação lógica subjacente aos cálculos. Apenas a Prof. Belle, uma professora experiente, conseguiu criar uma representação que ilustrava correctamente o significado da divisão por fracções. O desempenho dos professores chineses ao efectuar a tarefa deste capítulo não foi notavelmente diferente do das tarefas anteriores. Todos os seus cálculos estavam correctos e alguns professores foram mais além ao debater a fundamentação lógica subjacente ao algoritmo. A maioria dos professores criou pelo menos uma representação correcta e apropriada. A sua capacidade para criar representações com uma grande variedade de cenários e diferentes modelos da divisão por fracções parecia basear-se no seu sólido conhecimento do tópico. Por outro lado, os professores americanos que foram incapazes de representar a operação não explicaram correctamente o seu significado. Isto sugere que, para produzir uma representação pedagógica eficaz de um tópico, um professor deve primeiro ter um amplo entendimento desse tópico.
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4 Explorar novo conhecimento: a relação entre perímetro e área Cenário Imagine que uma das suas alunas chega à aula muito entusiasmada. Ela diz-lhe que descobriu uma teoria que você nunca havia ensinado à turma. Explica ter descoberto que, à medida que o perímetro de uma figura fechada34 aumenta, a área também aumenta. Mostra-lhe a figura seguinte para provar o que está a dizer: 4 cm 4 cm
Como responderia a esta aluna? Perímetro = 16 cm Área = 16 cm2
8 cm 4 cm Perímetro = 24 cm Área = 32 cm2
34 O
uso da expressão «figura fechada» usada no cenário foi intencional, de forma a convidar os professores a discutir vários tipos de figuras. Contudo, durante as entrevistas, os professores falaram exclusivamente acerca de quadrados e rectângulos. Alguns professores chineses disseram que o conceito de figura fechada é abordado pela primeira vez no terceiro ciclo (escola secundária na China) e portanto preferiram centrar a discussão na figura particular mencionada pela aluna.
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Os alunos trazem novas ideias e asserções para as suas aulas de matemática. Por vezes, os professores sabem que as asserções dos alunos são válidas, mas outras vezes não. O perímetro e a área de uma figura são duas medidas diferentes. O perímetro é uma medida do comprimento da fronteira de uma figura (no caso de um rectângulo, a soma do comprimento dos lados), enquanto a área é uma medida do tamanho da figura. Como os cálculos de ambas as medidas estão relacionados com os lados da figura, a aluna afirmou que elas estavam correlacionadas. As reacções imediatas dos professores americanos e chineses a esta asserção foram similares. Para a maioria dos professores neste estudo, a asserção da aluna era uma «nova teoria» de que ouviam falar pela primeira vez. Percentagens similares de professores americanos e chineses aceitaram a teoria imediatamente. Todos os professores sabiam o que as duas medidas significavam e a maioria dos professores sabia como calculá-las. A partir deste ponto, contudo, os caminhos dos professores divergiram: exploraram diferentes estratégias, alcançaram resultados diferentes e responderam de forma diferente à aluna. COMO OS PROFESSORES AMERICANOS EXPLORARAM A NOVA IDEIA Reacções dos professores à asserção
Estratégia I: Consultar um livro. Enquanto dois dos professores americanos (9%) simplesmente aceitaram a teoria da aluna sem hesitar, os restantes não. Dos 21 professores que suspeitavam da veracidade da teoria, cinco disseram que precisavam de um livro, porque não se lembravam do modo de calcular o perímetro e a área: [Pausa de cerca de 5 segundos] Aqui esqueci-me dos perímetros e das áreas. [Frank olhou atentamente para o problema
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[
durante cerca de 10 segundos] Bem, vejamos agora a área ...[pausa de cerca de 10 segundos] ... Tenho que ir pesquisar e depois voltarei a falar com os alunos. (Sr. Frank) Penso que primeiro iria procurar fórmulas. Para encontrar a fórmula básica para o perímetro e a área. E depois veria se eles conseguiam dar alguns exemplos do perímetro aumentando num sentido, veria como formulavam o problema, e veria se essa formulação estava em concordância com a que tinham no livro. Também poderia sugerir que contactássemos alguém com mais conhecimentos do tópico, outro professor (Sr. a Fay).
Sem ideia de como calcular o perímetro e a área, estes professores acharam difícil investigar uma asserção acerca da relação entre as duas medidas. Portanto preferiram consultar um manual ou outra fonte autorizada. A Sr.a Francesca, uma professora no início da carreira, sabia as fórmulas para calcular o perímetro e a área de um rectân- gulo. Por acreditar que a asserção da aluna não estaria certa em todos os casos, pensou que a única forma de lhe explicar seria «pegar noutros exemplos em que a referida asserção não se verificasse». Contudo, por não perceber como as fórmulas funcionavam, considerou que era difícil desenvolver um contra-exemplo por si própria. O que faria seria procurar alguém para lhe dizer, ou então «ir para casa, procurar num livro e confirmar»: Vejamos, o perímetro é [murmura a fórmula para si mesma]. Como lhe explicaria que a sua asserção não é verdadeira? Acho que a outra forma de o fazer seria, assim de repente, pegar noutros exemplos que fossem falsos, e demonstrar-lhe isso... que não é verdadeira. E não me posso lembrar exactamente porquê... Iria ter que pesquisar e descobrir porquê, e depois voltar a falar com ela e mostrar-lhe. E também provavelmente se alguém viesse ter comigo e me
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dissesse isso agora. Porque eu, para ser sincera, lembro-me de como encontrar o perímetro e a área, mas não percebo o porquê agora. Dir-lhe-ia: não acredito que seja verdade, mas deixa-me ter a certeza. Depois procuraria e faria problemas por mim própria, até saber explicar porquê.
Era óbvio que a Sr.a Francesca sabia mais acerca do tópico do que os outros quatro professores. No entanto também notou que lhe faltava conhecimento específico relacionado com a asserção da aluna. Recorreria a um manual ou a quem tivesse mais conhecimento, na esperança de que a ajudassem a encontrar a resposta correcta para o problema. Estratégia II: Recorrer a mais exemplos. Treze professores americanos propuseram uma outra estratégia para explorar a asserção — recorrer a mais exemplos: Eu não tenho a certeza. Diria provavelmente que funciona nalguns casos, mas poderá não funcionar noutros. (Sr. a Fiona) Provavelmente seria necessário arranjar exemplos em número suficiente. (Prof.a Blanche) Deveríamos conversar para tentar perceber se funcionaria em todos os casos, se seria verdade em todas as situações. (Sr. a Florence)
As respostas destes professores — que a asserção precisava de mais exemplos — basearam-se mais na experiência do dia-a-dia do que em discernimento matemático. A maioria dos adultos não aceita uma proposição com base num exemplo apenas. Os comentários dos professores à teoria matemática da aluna, de facto, incluíram afirmações como «Ainda que eu visse dois cisnes brancos, não acreditaria que todos os cisnes são brancos.» Contudo, quantos cisnes brancos precisamos de ver para acreditar que todos os cisnes são brancos? Preocupando-se com o número de exemplos, estes professores ignoraram o facto de que uma afirmação matemática concernente a um
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número infinito de casos não pode ser provada por muitos exemplos em número finito — não importa quantos. Deverá ser provada por um argumento matemático. O papel dos exemplos é ilustrar relações matemáticas, e não prová-las. Apesar de os professores terem sido capazes de fazer notar que um exemplo não é suficiente para provar uma teoria, não foram capazes de pesquisar matematicamente a asserção. Alguns deles sugeriram experimentar com números arbitrários, por exemplo, «de um a dez», ou «números estranhos tais como três e sete». Estas sugestões eram baseadas no senso comum, e não em discernimento matemático. Estratégia III: Abordagens matemáticas. Os restantes três professores pesquisaram matematicamente o problema. A Sr. a Faith foi a única a chegar a uma solução correcta. A sua abordagem consistiu em apresentar um exemplo que invalidava a teoria da aluna: Eu diria: «Agora diz-me o que acontece quando tens 2 cm num lado e 16 cm no outro.» Perguntar-lhe-ia qual seria o perímetro, e depois pedir-lhe-ia para calcular a área. Aha!
A aluna usou um quadrado com lados de 4 cm e um rectângulo com a largura de 4 cm e o comprimento de 8 cm para provar a sua asserção. O perímetro do quadrado era de 16 cm e o do rectângulo de 24 cm. A área do primeiro era de 16 cm 2 e a do segundo de 32 cm2. A aluna tinha concluído que «à medida que o perímetro de uma figura aumenta, a área aumenta também.» A Sr.a Faith pedir-lhe-ia para tentar com outro exemplo, um rectângulo com uma largura de 2 cm e um comprimento de 16 cm. O perímetro do rectângulo da Sr. a Faith era de 36 cm, 12 cm mais longo do que o do rectângulo da aluna. De acordo com a asserção da aluna, a área do rectângulo da Sr. a Faith devia ser maior do que a do seu rectângulo. Contudo, isto não era verdade. O rectângulo da Sr. a Faith tinha a mesma área que o da aluna, 32 cm 2. Com apenas um contra-exemplo, a
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Sr.a Faith refutaria a asserção. A Sr.a Francine também testou a asserção desenhando um rectângulo comprido e estreito. Contudo, não foi tão bem-sucedida como a Sr.a Faith: Eu diria que por esta figura isso é correcto. Mas que tal desenhar outra figura, mas estreita, comprida... e depois mostrar-lhe que talvez nem sempre funcione... Tal como estas [desenhou algumas figuras no papel]. 4 e 8... Estou a tentar... a área é, quando multiplicamos, 32. Portanto, sim, é correcto... Vejamos este, 4 por 4, e este outro, 2 por 4... oh, oh, esperem um minuto. Não sei. Não sei se ela está certa ou não... Acho que teríamos de descobrir... procurar num livro!
A Sr.a Francine esteve quase a encontrar um contra-exemplo. Contudo, falhou porque seguiu o padrão no exemplo da aluna — alterando o perímetro mudando um par de lados opostos e mantendo o outro par de lados fixo. Ela reduziu o perímetro reduzindo o comprimento de um par de lados opostos de 4 para 2 cm, mas mantendo o outro par de lados inalterado. Ao contrário das suas expectativas, a asserção da aluna continuava a parecer válida: a área da nova figura decrescia também. Aí ficou confusa. Decidiu desistir da sua própria abordagem e procurar num livro — resposta mais própria de uma leiga do que de uma matemática. O Sr. Félix foi o terceiro professor a abordar o problema matematicamente, explorando o porquê de a asserção da aluna ser verdadeira: Eu iria... confirmar que, de facto, no caso destes rectângulos e quadrados isso é verdade; de facto, aumenta. Falaria do porquê de ser esse o caso. Do que é a relação entre área e perímetro, e de como usar algo como uma malha quadriculada, para falar de como a adição daquele perímetro extra aumenta a área.
A abordagem do Sr. Félix explica porque a Sr. a Francine falhou na refutação da asserção da aluna. Quando o aumento (ou diminuição) do perímetro é causado somente pelo aumento (ou
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diminuição) de apenas um par de lados opostos, a área da figura irá aumentar (ou diminuir) também. A área da nova figura aumentada (ou diminuída) é o comprimento aumentado (ou diminuído) vezes o comprimento do lado inalterado. Usando este padrão, podemos gerar exemplos em número infinito que apoiam a asserção da aluna. O Sr. Félix, contudo, não analisou por completo a asserção da aluna: parou antes de explicar porque é que a asserção era verdadeira neste caso e não investigou os casos em que não funcionaria. Dos 23 professores americanos, a Sr. a Faith, uma professora no início de carreira, foi a única a analisar com sucesso a asserção da aluna e a chegar a uma solução correcta. A tabela 4.1 sumariza as reacções dos professores americanos à asserção da aluna.
Tabela 4.1
Reacção dos professores americanos à asserção da aluna (N = 23) % Reacções Aceitaram a asserção sem a questionar Sem pesquisa matemática Pesquisaram a asserção
9 78 13
N 2
18 3
As respostas dos professores à aluna
Bali (1988b) sugeriu que, quando confrontados com uma nova ideia proposta por um aluno, os professores podem responder de três formas diferentes: 35
35 Dissuadir o aluno de seguir ideias não incluídas no programa da disciplina. 163
2. Responsabilizar-se por avaliar a verdade da asserção do aluno. 3. Envolver o aluno na exploração da verdade da sua asserção. Os professores neste estudo escolheram a segunda e a terceira alternativas. Os professores que optaram pela segunda alternativa referiram que «diriam» ou «explicariam» a solução à aluna. Os professores que optaram pela terceira alternativa disseram que convidariam a aluna a pesquisar ou discutir a asserção mais extensivamente. Acresce que a maioria dos professores disseram que fariam primeiro um comentário positivo à aluna. Portanto, as respostas dos professores à aluna caíram em duas categorias principais: elogio com explicação, e elogio com incentivo a mais exploração. Dezasseis professores americanos (72%) descreveram a intenção de envolver a aluna numa prova mais completa da sua asserção. Contudo, sem eles próprios a entenderem, as suas tentativas só podiam ser superficiais. Três professores disseram que iriam «procurar conjuntamente com a aluna»: Ok, o que eu faria era ir, ir com ela a um livro de matemática e procurar em perímetro, procurar em área, e como, como o perímetro e a área estão relacionados, e ver tudo em conjunto. (Sr. a Francês) Penso que diria «Não tenho bem a certeza, mas procuremos juntos, a ver se conseguimos encontrar um livro que nos mostre se estás ... se a tua descoberta está correcta ou não.» (Sr. a Fay)
Estes eram os professores que não se lembravam de como calcular as duas medidas de um rectângulo. O que eles sugeriram que a aluna deveria fazer era o mesmo que eles próprios queriam fazer — consultar um livro.
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Seis professores disseram que pediriam à aluna para tentar mostrar mais exemplos, para provar a sua asserção: Ela está certa. Encorajá-la-ia a experimentar, dizendo: eu acho que estás certa. Levá-la-ia talvez a mostrar à turma ou a mim — tentaria com vários exemplos e certificar-me-ia de que ela conseguia defender a sua hipótese. Colocá-la-ia numa posição de «Eu descobri realmente alguma coisa» — fá-la-ia sentir-se bem. (Sr. a Fleur) Oh, provavelmente, oh sim. Agora só me quero certificar de que está certo. Bem, elogiá-la-ia por fazer trabalho em casa... Usaria então estes como exemplos no quadro. Talvez lhe pedisse para ser minha ajudante, dar outros exemplos. (Prof.a Belinda) Eu ficaria muito contente. Realmente não tenho nenhum comentário a fazer. Provavelmente pedir-lhe-ia que desse mais exemplos para provar a sua hipótese. (Prof.a Beatrice) Estes professores apenas pediriam à aluna para experimentar com mais exemplos, mas não pensaram matematicamente acerca do problema nem discutiram estratégias específicas. Cinco outros professores ofereceram-se para experimentar mais exemplos com a aluna, mas também não mencionaram estratégias específicas: Não tenho a certeza. Diria provavelmente que funciona nalguns casos, mas pode não funcionar noutros. Eu diria: «Bem sabes, isto é muito interessante. Vamos experimentar com outros números e ver se também funciona.» (Sr. a Fiona) Eu penso que o melhor, provavelmente teríamos que percorrer todo o caminho e começar com, de novo, um
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grupo diferente de números e percorrer novamente o caminho. Por outras palavras, talvez funcionasse com um caso, mas não funcionasse com o caso seguinte. Portanto talvez pedir à rapariga que trabalhasse não apenas o 4 por 4 e depois o 4 por 8, mas também, por exemplo, o 3 por 3 e experimentar com outros números. Bem, supondo que ela continuasse virada para aí... (Prof. a Bernardette)
Cinco professores mencionaram estratégias específicas para abordar o problema. Contudo, com excepção da mendonada pela Sr.a Faith, as estratégias não eram baseadas em pensamento matemático cuidado. Quando eles sugeriam experimentar «números diferentes» ou «números estranhos», não estavam a considerar casos diferentes de uma forma sistemática, como veremos que os professores chineses fizeram. Pelo contrário, a estratégia que eles propunham era baseada na ideia de que uma proposição matemática deveria ser provada por um largo número de exemplos. Esta falsa noção, que era partilhada por muitos dos professores americanos, provavelmente induziria em erro a aluna. COMO OS PROFESSORES CHINESES EXPLORARAM A NOVA IDEIA
As abordagens dos professores ao problema As primeiras reacções dos professores chineses ao problema foram bastante similares às dos professores americanos. Percentagens semelhantes de professores chineses (8%) e de professores americanos (9%) aceitaram a asserção imediatamente, sem qualquer dúvida. Os outros professores chineses não tinham a certeza se a asserção era válida ou não. Levaram algum tempo a pensar antes de começarem a responder. Das quatro perguntas da entrevista, esta foi a que lhes levou mais tempo a pensar. E, depois de começarem a debater o problema, as suas respostas diferiram consideravelmente das dos seus colegas americanos
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em três aspectos. Primeiro, muitos professores chineses mostraram um interesse entusiástico no tópico, a relação entre o perímetro e a área
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de um rectângulo, enquanto os professores americanos se preocuparam mais com o facto de a asserção «à medida que o perímetro aumenta, a área também aumenta» ser verdadeira ou não. Segundo, a maioria dos professores chineses fizeram explorações matemáticas legítimas por si próprios, enquanto a maioria dos colegas americanos não. Nenhum professor chinês disse que teria de consultar um livro ou uma pessoa 36, e nenhum concluiu com «Não tenho a certeza.» As explorações dos professores chineses, contudo, não os conduziram necessariamente a soluções correctas. A maioria dos professores americanos que sustentaram uma opinião do tipo «Não tenho a certeza» evitaram dar uma resposta errada, mas 22% dos professores chineses, devido às suas estratégias problemáticas, propuseram soluções incorrectas, enquanto 70% resolveram correctamente o problema. problema. Terceiro, os professores chineses demonstraram um melhor conhecimento de geometria elementar. Estavam bastante familiarizados com as fórmulas de perímetro e área. Durante as entrevistas, muitos apresentaram relações entre as várias figuras geométricas que nem sequer foram mencionadas por qualquer dos professores americanos. Por exemplo, alguns professores chineses disseram que um quadrado é um rectângulo especial. Alguns chegaram a fazer notar que um rectângulo é uma figura básica — que o cálculo do perímetro e da área de várias outras figuras recai no uso de rectângulos 37. A figura 4.1 sumariza as reacções dos professores dos dois países ao problema. Justificar uma asserção inválida: inválida: o conhecimento dos professores e as possíveis falhas. Dezasseis professores chineses
36 Stigler,
Fernandez, e Yoshida (1996) relataram uma tendência similar por parte de professores japoneses do ensino básico. 37 No curriculum chinês, as fórmulas da área para outras formas, como quadrados, triângulos, círculos e trapézios, derivam da fórmula para rectângulos.
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□
Profs. Americanos (W=23) B Profs.
Chineses (N= 72)
Aceitaram Não tinham Procuraram, simplesmente a certeza, não estratégia a asserção procuraram problemática
Procuraram, estratégia correcta
Fig. 4.1. Uma comparação das reacções dos professores à asserção da aluna
que pesquisaram matematicamente o problema argumentaram que a asserção da aluna estava correcta. Doze professores justificaram a asserção asserção considerando considerando o porquê do do caso e os outros quatro orientaram-se para o como do caso. Os argumentos destes professores baseavam-se essencialmente na correspondência obtida ao identificar o comprimento, largura e área do rectângulo com dois números e o seu produto: Eu penso que a aluna está certa. À medida que o perímetro de um rectângulo aumenta, a sua área também aumenta. Sabemos que a área de um rectângulo é o produto do seu comprimento pela sua largura. Por outras palavras, o comprimento e a largura são os dois factores que produzem a área. Inquestionavelmente, à medida que os factores aumentam, o produto aumentará também. (Sr. a H.)
Embora baseada em matemática adequada, a estratégia destes professores estava incorrecta. Primeiro, eles identificaram a asserção da aluna como uma relação numérica — a relação entre dois factores e o seu produto na multiplicação. Depois desenvolveram o seu raciocínio sobre um princípio estabelecido desta relação — entre os factores e o produto — para pro
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var a asserção. Falharam, contudo, por não repararem que a asserção envolvia duas relações numéricas diferentes, e não apenas uma multiplicativa. Enquanto a relação de comprimento, largura e área de um rectângulo é multiplicativa, a do seu comprimento, largura e perímetro é aditiva. O perímetro de um rectângulo pode aumentar enquanto dois dos seus lados opostos decrescem em comprimento. Alguns professores que disseram ser verdadeira a asserção apresentaram apresentaram explicações similares à do Sr. Félix: A asserção da aluna é verdadeira. Vejamos como é verdadeira. Se sobrepusermos o quadrado ao rectângulo, veremos outro quadrado a descoberto. Essa será a área aumentada. Um par de lados opostos da área aumentada é na verdade a largura das duas figuras originais, o outro par de lados opostos da área aumentada é a diferença entre o comprimento do rectângulo original e o lado do quadrado original. Ou podemos dizer que é o bocado a mais do comprimento... (Sr. a B.)
Tal como o Sr. Félix, não consideraram todas as alternativas em que o perímetro de um rectângulo pode aumentar. Portanto, apenas explicaram como o caso da aluna era verdadeiro, mas não exploraram o problema real: se era sempre verdadeiro. Apesar de estes dezasseis professores não terem alcançado soluções correctas, mostraram intenção de explorar o problema matematicamente. Em vez de fazerem comentários gerais acerca da asserção da aluna, pesquisaram o problema e chegaram às suas próprias conclusões. Mais ainda, estes professores estavam conscientes de uma importante convenção na disciplina: qualquer proposição matemática tem que ser provada, e procuraram seguir esta convenção. Não se limitaram a opinar «a asserção está correcta», antes deram provas das suas opiniões. Os argumentos que apresentaram, embora deficientes, baseavam-se em matemática legítima. A somar a um conhecimento sólido do cálculo das duas medidas, estes professores apresentaram atitudes sensatas em relação à pesquisa matemática. Claro, as suas abordagens também revelaram uma fraqueza óbvia — a
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superficialidade do seu pensamento. Refutar a asserção: o primeiro nível de entendimento. Cinquenta
dos 72 professores chineses deram soluções correctas, mas as suas diferentes abordagens apresentavam vários níveis de entendimento. O primeiro nível consistia em refutar a asserção da aluna. A abordagem dos 14 professores chineses a este nível foi similar à da Sr.a Faith — procurando contra-exemplos: A asserção da aluna não é verdadeira. Eu não diria nada, mas mostraria à aluna um contra-exemplo. Por exemplo, por baixo do seu quadrado (com lados de 4 cm), posso desenhar um rectângulo com comprimento de 8 cm e largura de 1 cm. Ela depressa irá perceber que a minha figura tem um perímetro maior, mas área menor do que a dela. Portanto, sem nada dizer, a sua asserção está errada. (Sr. a I.) Esta asserção não é verdadeira em todos os casos. E fácil encontrar casos que a refutam. Por exemplo, temos um rectângulo, o seu comprimento é 10 cm e a sua largura 2 cm. O seu perímetro será igual ao do rectângulo da aluna, 24 cm. Mas a sua área será apenas de 20 cm2 , menor do que a do rectângulo da aluna. (Prof. R.)
Para refutar a asserção, os professores criaram dois tipos de contra-exemplos. Um consistia em figuras com perímetro maior mas área menor ou com menor perímetro mas área maior do que uma das figuras da aluna. O outro tipo consistia em figuras com a mesma área mas perímetro diferente — ou o mesmo perímetro mas área diferente — relativamente a uma das figuras da aluna. Identificar as possibilidades: o segundo nível de entendimento. Oito
professores exploraram as várias relações possíveis
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entre perímetro e área. Deram diferentes tipos de exemplos que tanto apoiavam como contrariavam a asserção, para mostrar as várias possibilidades: Eu apresentarei à aluna várias figuras e pedir-lhe-ei para calcular os seus perímetros e áreas: 4 8 a
b
2
P = 16 A6= 16
P = 20 A = 16 7
P- 16 A = 12
1 I d I
P = 16 A = 7
Ao comparar estas figuras, ela irá aprender que, à medida que o perímetro aumenta, a área não aumenta necessariamente, tal como no caso das figuras a e b. Também, quando o perímetro permanece o mesmo, a área pode não ser a mesma, como no caso das figuras c e d. Assim ela ficará a saber que não há uma relação directa entre perímetro e área. O que ela encontrou foi uma das várias soluções do problema. (Sr.a E.) Primeiro elogiá-la-ei pelo seu pensamento independente. Mas também lhe farei saber que pode haver duas outras situações. Por exemplo, quando o perímetro aumenta, a área pode aumentar, mas também pode diminuir, ou mesmo permanecer igual. Então mostrar-lhe-ei um exemplo de cada caso para comparar com o seu rectângulo (com comprimento de 8 cm e largura de 4 cm). Primeiro darei um exemplo da sua asserção, com um rectângulo com comprimento de 8 cm e uma largura de 5 cm. O perímetro aumentará de 24 cm para 26 cm, e a área irá aumentar de 32 para 40 cm 2. Agora, o segundo exemplo será um rectângulo com comprimento de 12 cm e largura de 2 cm. O seu perímetro irá aumentar para 28 cm, mas
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a sua área irá diminuir para 24 cm 2 , apenas três quartos da área do seu rectângulo. Outro exemplo poderá ser um rectân- gulo com comprimento de 16 cm e largura de 2 cm. O seu perímetro também irá aumentar, até 36 cm, mas a área permanecerá a mesma da do seu rectângulo, 32 cm 2. Portanto dir- lhe-ei que o pensamento matemático tem que ser exaustivo. Esta é uma característica do nosso pensamento que se aperfeiçoa com a aprendizagem da matemática. (Sr. A.)
O Sr. A. revelou que aumentar o perímetro pode provocar o aumento, decréscimo ou manutenção da área. A Sr. a E. descreveu dois casos nos quais as duas medidas se alteravam de diferentes maneiras — enquanto o perímetro aumentava, a área mantinha-se, e enquanto o perímetro se mantinha, a área diminuía. A este nível de entendimento, os professores discutiram várias facetas da relação entre o perímetro e a área de uma figura. Em particular, examinaram diferentes tipos de alterações na área de um rectângulo que resultam de alterações no perímetro. Os professores não se limitaram a refutar a asserção da aluna e em vez disso apresentaram uma perspectiva alargada na qual essa asserção estava incluída. Clarificar as condições: o terceiro nível de entendimento. A somar à apresentação das várias possibilidades, 26 professores clarificaram as condições em que elas são verdadeiras. Estes professores exploraram relações numéricas entre perímetro e área e deram exemplos específicos: É óbvio que em alguns casos a asserção é verdadeira, mas noutros não. Porém, quando é que é verdadeira e quando é que não? Por outras palavras, em que condições é verdadeira, e em quais é que não o é? É melhor termos uma ideia clara sobre o assunto. Para clarificar as condições específicas que originam as várias possibilidades, podemos primeiro investigar as condições que irão provocar o aumento no perímetro, e explorar como estas condições afectam a área. (Sr. D.)
A Prof.a R. expôs a estratégia que ela e vários outros professores usaram para explorar as condições em que a asserção da 173
aluna é verdadeira. Primeiro examinaram a causa nessa asserção — um aumento no perímetro. Investigaram as situações que iriam produzir um aumento no perímetro de um rectân- gulo e encontraram três padrões. Depois analisaram as alterações que estes padrões iriam produzir na área. Através de um exame cuidadoso, a Prof. R. obteve uma imagem clara de como a área pode ser afectada de diferentes maneiras por um aumento do perímetro: Eu diria que a asserção da aluna é verdadeira sob certas condições. Sabemos que alterações no comprimento e na largura de uma figura podem causar um aumento do seu perímetro. Há três formas de alterar o comprimento e a largura de um rectângulo que provocam um aumento do seu perímetro. A primeira é quando um dos dois, comprimento ou largura, aumenta e o outro lado se mantém. Sob esta condição, a área da figura irá aumentar também. Por exemplo, se o comprimento do rectângulo da aluna aumentar para 9 cm e a sua largura permanecer inalterável, a área original, 32 cm2 , irá aumentar para 36 cm2. Ou se a largura do rectângulo original aumentar para 5 cm, mas o comprimento permanecer o mesmo, a sua área irá aumentar para 40 cm 2. A segunda forma de aumentar o perímetro é quando ambos, comprimento e largura, aumentam ao mesmo tempo. Sob esta condição, a área também irá aumentar. Por exemplo, se o comprimento do rectângulo aumentar para 9 cm e a largura aumentar para 5 cm ao mesmo tempo, a área do rectângulo irá aumentar para 45 cm 2. A terceira condição que causa o aumento do perímetro é quando um dos dois, comprimento ou largura, aumenta mas a outra medida da figura diminui e, além disso, a quantidade aumentada é maior do que a quantidade diminuída. Sob esta condição, o perímetro também irá aumentar, mas a alteração na área pode ir em três direcções. Pode aumentar, diminuir ou permanecer igual. Por exemplo, se a largura aumentar para 6 cm e o comprimento diminuir para 7 cm, o perímetro irá aumentar para 26 cm e a área irá aumentar para 42 cm2. Se o comprimento aumentar para 10 cm e a largura diminuir para 3 cm, o perímetro irá
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aumentar para 26 cm, mas a área irá diminuir para 30 cm 2. Se o comprimento aumentar para 16 cm e a largura diminuir para 2 cm, o perímetro irá aumentar para 36 cm, mas a área irá permanecer a mesma, 32 cm 2. Em suma, sob as duas primeiras condições, a asserção da aluna é verdadeira, mas sob a última, não o é necessariamente. (Prof. R.)
A solução que estes professores alcançaram foi: quando o aumento no perímetro de um rectângulo é causado pelo aumento só do comprimento ou só da largura ou de ambos, a área da figura irá aumentar também; mas quando o aumento no perímetro é causado por um aumento do comprimento e uma diminuição da largura, ou vice-versa, a área não aumentará necessariamente. Cerca de dois terços dos 26 professores elaboraram a sua exposição da mesma maneira que a Prof. R., referindo ambas as situações — quando a asserção é verdadeira e quando não o é necessariamente. O restante terço dos professores ficou-se por uma destas situações. Os professores que alcançaram este nível de entendimento não consideraram a asserção absolutamente correcta ou absolutamente errada. Referiram-se antes ao conceito de «condicional». Argumentaram que a asserção estava correcta condicionalmente: Portanto, podemos dizer agora que a asserção da aluna não está absolutamente errada, mas está incompleta ou condicional. Sob certas condições é sustentável, mas sob outras não se verifica necessariamente. Estou contente que tenha levantado a questão. Descobri hoje algo de novo, em que nunca tinha pensado antes. (Prof. J.) Após a discussão, talvez lhe sugira que reformule a sua asserção confinando-a a certas condições. Ela poderá dizer que sob as condições em que o aumento do perímetro é causado
pelo aumento ou do comprimento, ou da largura, mas o outro lado permanece inalterado, ou pelo aumento de ambos, comprimento e largura, a área do rectângulo
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aumenta também. Essa será uma asserção correcta. (Sr. a G.) Ao clarificar as diferentes condições sob as quais a asserção da aluna é verdadeira ou não, os professores desenvolveram diferentes relações entre o perímetro e a área de um rectângulo. A asserção da aluna não foi simplesmente abandonada; pelo contrário, foi revista e incorporada numa das relações. Explicar as condições: o quarto nível de entendimento. Seis dos professores que alcançaram o terceiro nível de entendimento foram ainda mais além, explicando por que razão é que algumas das condições implicavam a veracidade da asserção da aluna e outras não. As suas abordagens variaram. Após uma apresentação detalhada e bem organizada das condições sob as quais a asserção da aluna é verdadeira, o Prof. Mao disse:
Por fim, podemos examinar porque é que estas condições são sustentáveis. Imaginem como é que a área de uma figura muda quando o seu perímetro muda. Sob as duas primeiras condições, a área original permanece mas uma nova área é-lhe adicionada. Por exemplo, quando o comprimento aumenta mas a largura permanece a mesma, haverá uma área extra expandindo-se horizontalmente a partir da original. Por outro lado, quando a largura aumenta mas o comprimento se mantém o mesmo, haverá uma área extra expandindo-se verticalmente a partir da original. Se ambos, comprimento e largura, aumentarem ao mesmo tempo, a área original expandir-se-á em ambas as direcções. Em qualquer destes casos, a área original continua lá mas alguma área extra foi-lhe acrescentada. Podemos desenhar figuras para ilustrar os casos. De facto, isto também pode ser provado usando a propriedade distributiva.
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Por exemplo, quando o comprimento aumenta 3 cm, passa a (a + 3) cm.38 A área será (a + 3) b = ab + 3b. Agora, comparada com a área original, ab, podemos ver porque é maior: 3b é a quantidade aumentada. Contudo, quando uma medida aumenta e a outra diminui, a área original da primeira figura será destruída. Não há razão que garanta que a nova área seja maior do que a original.
O argumento do Prof. Mao foi baseado numa representação geométrica da situação e também aplicou a propriedade distributiva para adicionar outra prova à sua abordagem. O argumento do Prof. Xie acerca do porquê de rectângulos com o mesmo perímetro poderem ter diferentes áreas também foi muito perspicaz. Ele indicou primeiro que, com o mesmo perímetro, podemos formar vários rectângulos de diferentes comprimentos e larguras, porque há muitos pares de parcelas que dão a mesma soma. Depois argumentou que, quando estes pares de parcelas se tornam factores, como ao calcular a área de uma figura, obviamente eles irão dar origem a produtos muito diferentes. Finalmente, usando o facto de que, quanto mais perto estiverem os valores dos dois factores, maior será o seu produto, ele alegou que, para um dado perímetro, o quadrado é o rectângulo com a maior área: A área de um rectângulo é determinada por duas coisas, o seu perímetro e a sua forma. O problema da aluna al una foi que ela viu apenas a primeira. Teoricamente, com o mesmo perímetro, digamos 20 cm, podemos ter um número infinito de rectângulos desde que a soma dos seus comprimentos e larguras seja de 10 cm. Por exemplo, podemos ter 5 + 5 = 10, 3 + 7 = 10, 0,5 + 9,5 = 10, mesmo 0,01 + 9,99 = 10, etc., etc. Cada par de parcelas podem ser os dois lados de um rectângulo. Como podemos imaginar, a área destes rectângulos cairá num amplo intervalo. O quadrado com lados de 5 cm terá a maior área, 25 cm2 , enquanto o rectângulo de comprimento 9,99 cm e largura 0,01
38 Nos
manuais de matemática chineses do ensino básico, a significa o comprimento de uma figura e b significa a sua largura.
177
cm quase não terá área. Porque em todos os pares de números com a mesma soma, quanto mais próximos os dois números estiverem, maior será o produto... (Prof. Xie)
O Prof. Xie e o Prof. Mao não se basearam nos mesmos princípios básicos de matemática para os seus argumentos. Contudo, ambos desenvolveram argumentos sólidos. De facto, um princípio básico de matemática pode conseguir apoiar vários modelos numéricos e, por outro lado, um modelo numérico pode também ser apoiado por vários princípios básicos. A profunda compreensão de um tópico matemático, por fim, irá incluir certos princípios básicos da disciplina. Passando por vários níveis de entendimento da asserção da aluna, os professores aproximaram-se mais e mais de um argumento matemático completo. Um mapa de como a pesquisa dos professores se desenvolveu
Os professores exploraram a asserção da aluna e chegaram a um entendimento dos resultados matemáticos a vários níveis conceptuais: encontrar um contra-exemplo, identificar as possíveis relações entre área e perímetro, clarificar as condições sob as quais essas relações são válidas e explicar as relações. Enquanto nos três capítulos anteriores estávamos interessados no conhecimento dos professores em matemática escolar, agora estamos interessados na sua capacidade de explorar uma nova ideia. A tarefa requeria que os professores «saltassem» da sua actual «área familiar» para uma nova «área», para descobrirem algo em que não tinham pensado antes. A Figura 4.2 representa como se desenvolveu a abordagem à relação entre perímetro e área. O rectângulo no topo representa a tarefa: explorar uma nova ideia matemática de uma
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forma autónoma. Os losangos representam os factores afecti- vos. Os outros componentes da figura representam aspectos do conhecimento do professor sobre a matéria. O círculo representa conhecimento do cálculo do perímetro e da área, relacionado intimamente com a nova ideia. Os quadrados representam o que Bruner (1960/1977) considerou ideias básicas de uma disciplina — princípios básicos (representados por quadrados com cantos rectos) e atitudes básicas (representadas por quadrados com cantos arredondados). arredondados). Explorar a relação entre perímetro e área Intenção
Autoconfiança
Fig. 4.2. Um mapa de como se desenvolveu a pesquisa dos professores
As explorações da asserção da aluna pelos professores foram Atitude em relação à possibilidade de resolver um problema por ^ si próprio ^
Cálculo do perímetro e da área
f Forma de pensar: exemplo e contra-exempl o, abrangência, \conecHvidade/
Condições de validade, propriedad e distributiva
afectadas por dois factores: intenção e estratégia. Indubitavelmente a estratégia representa um papel importante nesta tarefa. Contudo, as entrevistas revelaram que as intenções dos professores também desempenharam um papel crítico. Os professores que não tencionavam examinar a asserção não se preocuparam em pensar numa estratégia. A maioria dos professores americanos não evidenciaram qualquer intenção de abordar a nova ideia por si próprios, portanto não consideraram seriamente uma estratégia.
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A intenção dos professores de abordar a asserção da aluna autonomamente recaiu sobre dois subfactores — o seu interesse numa nova proposição matemática e a autoconfiança na própria capacidade de a entender. Os professores que entusiasticamente fizeram um estudo completo sobre a asserção da aluna foram aqueles particularmente interessados no tópico matemático levantado. Foram guiados por uma forte curiosidade acerca da relação entre o perímetro e a área de um rectângulo. Nas respostas destes professores pôde ser observada uma forte motivação interior para ensinar matemática. Por outro lado, os professores que não estavam interessados na asserção não estavam motivados para a examinar. Confiança foi o outro factor a determinar se um professor pesquisou ou não a asserção. Os professores que não estavam confiantes na sua própria capacidade de resolver o problema não o tentaram. A confiança dos professores estava associada a dois aspectos do seu conhecimento da matéria: as suas atitudes em relação à possibilidade de resolver problemas matemáticos por si próprios e o seu conhecimento sobre os tópicos particulares relacionados com a asserção. Aqueles que não acreditavam que fosse possível resolver o problema autonomamente, ou que não sabiam como calcular o perímetro e a área de uma figura, não exploraram mais relações entre perímetro e área. Consequentemente, as suas intenções de resolver o problema, se existiam, foram inibidas. As estratégias dos professores para pesquisar o problema baseavam-se em três aspectos do seu conhecimento da matéria: o conhecimento do tópico particular relacionado com a nova ideia, as formas de pensar em matemática e os princípios básicos da disciplina relacionados com a abordagem. Todos os professores que realizaram a tarefa com sucesso se mostraram familiarizados com as fórmulas para calcular perímetro e área, assim como com o entendimento das fundamentações lógicas subjacentes. A sua perícia no cálculo apoiou substancialmente as suas pesquisas, que implicaram vários procedimentos de cálculo.
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O conhecimento dos professores sobre pensamento matemático desempenhou um papel-chave ao ajudar os professores a «saltar» do seu conhecimento prévio para uma nova descoberta. Nem todos os professores que sabiam como calcular o perímetro e a área de um rectângulo conduziram uma abordagem matemática por si próprios. Contudo, aqueles que também sabiam pensar na asserção da aluna de uma forma matemática adoptaram uma abordagem legítima, embora alguns não tenham alcançado uma solução correcta. Pelo contrário, os professores que sabiam as fórmulas mas que não pensaram na asserção de uma forma matemática não conseguiram abordar o problema matematicamente. Finalmente, o conhecimento de princípios matemáticos básicos — por exemplo, as condições sob as quais uma proposição matemática é válida — contribuiu substancialmente para a abordagem dos professores. A familiaridade com a aplicação da propriedade distributiva fez realçar, mais uma vez, algumas explicações sobre as relações entre a adição e multiplicação ligadas ao tópico. As respostas dos professores à aluna
As respostas dos professores chineses à aluna situam-se nas mesmas categorias das dos professores americanos — elogio com explicação e elogio com compromisso de mais exploração. Contudo, como a maioria dos professores chineses investigou o problema, as suas respostas à aluna foram significativamente mais substanciais e relevantes do que as dos professores americanos. Eles forneceram exemplos mais adequados para ilustrar os vários aspectos do tópico e levantaram questões mais apropriadas para conduzir a aluna a fazer outras descobertas. Além disso, os dois grupos de professores ficaram diferentemente distribuídos nas duas categorias. Apenas dois professores americanos (9%) disseram que dariam à aluna uma explicação: um deles fá-lo-ia imediatamente e o outro após
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«procurar algures». A maioria dos professores americanos disseram que iriam explorar a asserção com a aluna, mas na generalidade não tinham ideia de como o iriam fazer. A maioria dos professores chineses (62%), após terem chegado a uma solução clara, dariam à aluna uma explicação pormenorizada do tópico, em oposição àqueles que a persuadiriam a encontrar a solução por si própria (30%). A maioria das explicações dos professores chineses durante as entrevistas foram claras, organizadas e completas. Geralmente, uma explicação vinha após uma afirmação tal como «digam à aluna que a sua asserção não é verdadeira» ou «digam à aluna que a sua asserção não está completa». A maioria dos professores que justificaram a asserção da aluna iriam também explicar-lhe porque pensavam que ela estava certa. Os professores chineses que incentivariam a aluna a uma reflexão posterior sobre a sua asserção apresentaram um melhor entendimento e mostraram mais à-vontade na sua própria pesquisa do problema. A maioria disse que iria levantar questões ou dar outros exemplos de forma a levar a aluna a descobrir as limitações da sua asserção e alcançar um maior entendimento da relação entre o perímetro e a área de um rec- tângulo: Quanto à aluna, primeiro que tudo, vou elogiá-la. Farei comentários agradáveis acerca do seu pensamento independente, e da consistência entre a sua asserção e o exemplo. Mas depois tentarei que identifique o problema na sua asserção. Primeiro pedir-lhe-ei para explicar porque é que no caso dela, à medida que o perímetro aumenta, a área também aumenta, e para me mostrar a parte da área que aumentou e dizer como se gerou. Depois direi: «O teu exemplo mostrou uma situação na qual um par de lados opostos da figura aumentou e o outro par de lados permaneceu inalterado. Esta é uma situação que causa o aumento do perímetro de um rectângulo. Pensaste em outras situações em que o perímetro também aumente? Sabes o que irá acontecer nessas situações? Agora sabemos que pelo menos numa situação a tua asserção está correcta. Mas para
a provar deves ter a certeza de que funciona em todas as 182
situações e explicar porque é que funciona.» Ela poderá facilmente descobrir outras situações em que o perímetro de um rectângulo irá aumentar. Muito provavelmente, irá descobrir que, quando o outro par de lados aumenta, ou quando ambos os pares de lados aumentam, o perímetro também aumentará. E também irá descobrir que nestes casos a sua asserção será válida. Depois levá-la-ei a pensar em mais situações. Provavelmente descobrirá que, em certas condições, a sua asserção não é sustentável. Se não conseguir pensar nas outras condições por si própria, dar-lhe-ei alguns exemplos e pedir-lhe-ei que pense nos tipos de situações que estes exemplos ilustram e no que acontecerá nestas situações. Em resumo, levá-la-ei a investigar a asserção por si própria e ajudá-la-ei sempre que necessário. No final, espero que ela fique com uma ideia clara das condições em que a sua asserção é válida e das condições em que é inválida. Também quero ajudá-la a ver que o problema com a sua abordagem era a falta de exaustividade no seu pensamento. Depois fecharei a conversa enfatizando que é muito bom pensar independentemente, contudo não é suficiente. Também se deve aprender a pensar. Como no seu caso, saber como pensar de forma minuciosa. (Prof. T.) As respostas da Prof. a T. mostram várias características interessantes apresentadas em respostas similares de outros professores chineses. Primeiro, houve um entrelaçar subtil de elogio e crítica. Ainda que tenha começado com um elogio pelo pensamento independente da aluna, após uma apreciação das várias facetas do tópico, a professora acabou a conversa indicando que a aluna devia trabalhar no sentido de melhorar o aspecto que ela prezava — pensar de forma abrangente. Este padrão foi visto nalgumas respostas de outros professores. Por exemplo: Primeiro darei uma reacção positiva à sua iniciativa, dir-lhe-ei
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que estou contente pelo que ela descobriu. Depois
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sugerirei que se discuta mais a asserção. Baseada no seu rec- tângulo, dar-lhe-ei uma série de exemplos que apresentem diferentes situações que possam causar o aumento do perímetro e uma alteração diferente na área... [exemplos omitidos], Finalmente, elogiá-la-ei pelo facto de se ter atrevido a iniciar um estudo e explorar uma nova ideia por si própria. Mas ao mesmo tempo far-lhe-ei notar que não se deve apenas atrever a pensar, mas também aprender a ser bom a pensar. (Prof. Sun)
A maioria dos professores chineses disseram que começariam por elogiar o esforço mental da aluna, tal como «observação apurada», «averiguação para novo conhecimento», «pensamento independente», «iniciativa de explorar novo conhecimento autonomamente», etc. Contudo, não deixariam passar em branco os aspectos problemáticos da asserção da aluna, que consideravam ser causados por uma certa inadequação na sua forma de pensar. No final, os professores voltariam ao que tinham elogiado, confirmando-o de novo, e indicando o que deveria ser melhorado depois. Além disso, nas respostas dos professores chineses havia habitualmente outros elementos entrelaçados: dizer, explicar, levantar questões e apresentar exemplos. Aqui fica o exemplo de um professor que diria primeiro à aluna que a sua asserção era problemática e depois a guiaria mais além: Talvez lhe diga que a sua descoberta não está completa. Porque ilustra apenas um tipo de relação entre perímetro e área. Irei sugerir que ela pense noutros casos. O que irá acontecer se a largura aumentar mas o comprimento permanecer o mesmo? O que irá acontecer se ambos, comprimento e largura, aumentarem? O que irá acontecer se o comprimento aumentar e a largura diminuir, ou vice-versa? Pedir-lhe-ei para continuar a pensar acerca destas situações e que volte a falar comigo sobre as suas novas descobertas. Se ela não conseguir encontrar a solução completa após uma nova exploração,
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discuti-la-ei com ela e mostrar-lhe-ei outros exemplos relevantes, de forma a revelar a solução passo a passo. Finalmente, de forma a incentivá-la a explorar mais a relação entre perímetro e área de um rectângulo, dar-lhe-ei provavelmente um problema para resolver: com um mesmo perímetro, que tipo de comprimento e largura irá causar a maior área? (Prof. S.) Ainda que alguns professores incentivassem a aluna a explorar o problema por si própria, estariam também preparados para a qualquer momento dar sugestões específicas sobre como abordá-lo: Primeiro pedir-lhe-ei para olhar de novo para as figuras que trouxe e dizer-me a sua ideia de como a área aumentou. Se ela não me conseguir dizer, talvez sugira que imagine o quadrado a sobrepor-se ao rectângulo, e veja onde está a área que aumentou e pense de onde veio esta área. É causada pelo aumento do comprimento. É óbvio que, quanto mais aumenta o comprimento, maior será a área aumentada. Um aumento do comprimento também irá causar um aumento no perímetro. Depois perguntar-lhe-ei se existem outras formas de aumentar a área de um rectângulo. Seguindo a lógica da nossa pesquisa, ela irá provavelmente dizer que, quando a largura aumenta, a área também aumenta. E se ambos, comprimento e largura, aumentarem? Claro, também o perímetro e a área irão aumentar. Nós nem sequer precisamos de exemplos aqui. Depois perguntar-lhe-ei se ela conhece outra forma de aumentar o perímetro de um rectângulo. Este seria um passo difícil para ela, porque teria que alterar o modo como tem vindo a pensar. Talvez lhe peça para pensar sobre o assunto em casa e venha ter comigo no dia seguinte. Ou, se achar que ela não irá conseguir por si própria, dar-lhe-ei alguns exemplos com maior perímetro do que o da figura que me trouxe, mas
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com menor ou igual área. Por exemplo, um rectângulo com um comprimento de 10 cm e uma largura de 2 cm. Desta forma, conduzi-la-ei a uma discussão das condições sob as quais a sua proposição é sustentável ou não, e porquê. Após esclarecer isso, discutiríamos o problema existente na sua asserção original e as suas causas. (Prof. C.) Alguns professores pareceram particularmente bons a usar exemplos apropriados, enquanto outros eram bons a fazer perguntas apropriadas. Contudo, estes dois elementos estavam ligados: Primeiro irei comentar a sua atitude de pensamento independente. Depois perguntar-lhe-ei: «Tens a certeza de que a teoria que descobriste a partir das duas figuras é verdadeira em todos os casos? Não queres experimentar com mais alguns exemplos? Por exemplo, não queres desenhar rectângulos diferentes com um perímetro de 24 cm e calcular as suas áreas? Vê o que acontece e volta a falar comigo.» Ela poderá propor figuras tais como 1 x 11, 2 x 10, 3 x 9, 4 x 8, 5 x 7, 6 x 6, etc., cada uma com a área calculada. [Chen desenhou alguns rectângulos numa folha de papel.] É muito provável que ela já tenha descoberto que com o mesmo perímetro se conseguem figuras de áreas diferentes. Esperaria que também conseguisse encontrar autonomamente que, com rectângulos do mesmo perímetro, quanto mais próximos estiverem o comprimento e a largura, maior será a área. Ou, pelo menos, que visse que o quadrado tem a maior área e o rectângulo mais fino [no seu papel] tem a menor área. Depois perguntar-lhe-ei se ela consegue ver algum padrão na forma e na área das figuras com o mesmo perímetro. Através deste diálogo, ela irá descobrir por si própria que área e perímetro não aumentam ao mesmo tempo. (Prof. Chen)
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Enquanto o Prof. C. levaria a aluna a reflectir sobre o seu raciocínio, o Prof. Chen guiaria a aluna numa pesquisa mais aprofundada do tópico. Estas duas respostas ponderadas foram fortemente apoiadas pelo conhecimento da matéria por parte dos professores — o conhecimento de como investigar uma nova ideia em matemática assim como o conhecimento de tópicos matemáticos específicos relacionados com a ideia. DEBATE Atitude face à disciplina: o que fomenta a averiguação matemática dos professores
Os professores americanos não mostraram falhas notórias nos seus cálculos de perímetro e área de rectângulos. Contudo, havia mesmo assim uma diferença notória entre professores americanos e chineses. Apenas três professores americanos (13%) conduziram pesquisas matemáticas autonomamente e só um chegou a uma resposta certa; por outro lado, 66 professores chineses (92%) conduziram pesquisas matemáticas e 44 (62%) chegaram a uma resposta certa. Dois factores principais podem ter impossibilitado uma pesquisa matemática bem-sucedida aos professores americanos — a falta de destreza computacional e a atitude leiga em relação à matemática. Apesar de a maioria dos professores americanos saber como calcular as duas medidas (do perímetro e da área), estes mostraram-se menos aptos do que os chineses. Alguns disseram que, apesar de saberem fazer os cálculos, não percebiam as suas fundamentações lógicas, e que esta deficiência atrapalhava uma maior exploração. Não era o caso dos professores chineses: nenhum relatou uma falta de conhecimento em relação às fórmulas que impedisse a sua pesquisa. O segundo factor, que poderá ser ainda mais significativo, foi a atitude dos professores em relação à matemática. Em resposta à
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asserção da aluna acerca da relação entre perímetro e área, os professores americanos agiram mais como leigos, enquanto os chineses actuaram mais como matemáticos. Aqui reside a diferença entre as suas atitudes em relação à matemática. Sobre a estrutura de uma disciplina, Bruner (1960/1977) escreveu: Dominar as ideias fundamentais de uma área de conhecimento envolve não apenas a compreensão de princípios gerais, mas também o desenvolvimento de uma atitude no sentido de aprender e investigar, no sentido de conjecturar e intuir e de resolver problemas autonomamente, (p. 20)
Neste capítulo vimos que todos os professores que exploraram a asserção mostraram atitudes sólidas em relação à matemática. Eles podem ou não ter chegado à resposta certa, mas a atitude deles em relação à possibilidade de resolver um problema matemático de maneira independente e as suas formas de pensar matematicamente melhoraram as suas averiguações. Ser aculturado para a matemática: deverá ser uma característica dos professores de matemática?
Embora a solidez das atitudes dos professores chineses em relação à matemática tenha sido um foco particular deste capítulo, também foi evidente nos capítulos anteriores. O leitor deve ter reparado que as citações dos professores chineses nos quatro capítulos foram geralmente mais longas do que as dos professores americanos. Na realidade os professores americanos não disseram menos que os professores chineses durante as entrevistas, mas o que disseram foi matematicamente menos relevante e organizado. Uma razão para a eloquência dos professores chineses poderá ser o seu estilo de ensino. A forma de ensinar dos professores chineses é mais do tipo prelecção. Sempre que ensinam um novo conceito matemático ou desenvolvem uma capacidade, precisam de preparar uma pequena «prelecção» — uma apresentação
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completa do conceito ou da capacidade. Consti-
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tuindo um elemento importante e recorrente no ensino da matemática, estas pequenas prelecções treinam os professores a falar de forma organizada. No entanto, existe outro factor profundo que parece representar um papel ainda mais importante: é a aculturação dos professores de matemática chineses para a disciplina. Obviamente, estes professores não são matemáticos. A maioria deles não tiveram contacto com qualquer ramo da matemática, além da álgebra e da geometria elementares. Contudo, procuram pensar rigorosamente, usar termos matemáticos para discutir um tópico e justificar as suas opiniões com argumentos matemáticos. Todas estas características contribuem para a eloquência matemática dos professores chineses. Relação entre o conhecimento dos professores sobre a matéria e as respostas positivas às propostas dos alunos: como é que uma averiguação matemática pode ser promovida e sustentada?
O momento em que um aluno propõe uma nova ideia ou asserção é uma oportunidade especial para promover aprendizagem e averiguação matemática. É certamente necessário fazer comentários positivos ao aluno e elogiar a sua iniciativa. Contudo, comentários positivos por si só não são suficientes para promover aprendizagem e averiguação matemática significativas: o aluno irá necessitar de um apoio particular do professor para esse fim. Neste capítulo, vimos que um professor pode apoiar o aluno ao providenciar explicações acerca da sua asserção, mostrando-lhe como a examinar ou conduzindo-o passo a passo na sua averiguação. Todos estes apoios à aprendizagem matemática, contudo, são baseados no conhecimento do professor sobre averiguação matemática. Os professores que não sabiam conduzir uma tal averiguação, ainda que elogiassem a aluna e lhe pedissem para trazer mais
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exemplos, apenas referiram apoios demasiado vagos e genéricos para promover uma verdadeira aprendizagem matemática. Para dotar alunos de pensamento matemático, os professores devem ser os primeiros a tê-lo. De acordo com o que apresentei nestes quatro capítulos sobre os resultados obtidos, pode parecer que concluí que os professores tendem a não promover ou podem ser incapazes de promover aprendizagem matemática para além da sua própria compreensão. É verdade que a aprendizagem matemática dos alunos não pode ir além do conhecimento matemático dos seus professores? Coloquei esta questão à Sr. a Lin, a minha professora de ensino básico, que não estava incluída na minha investigação. Contudo, encontrei-a quando revisitei a minha escola primária enquanto recolhia informação para este estudo. Depois de me dizer orgulhosamente que alguns dos seus alunos de sexto ano tinham acabado de ganhar um concurso de matemática, acrescentou: «Eles conseguiram! Resolveram problemas que nunca tinham aprendido antes. Resolveram problemas que nem mesmo eu sei resolver! Estou orgulhosa deles. Mas também estou orgulhosa de mim própria. Porque estou convencida que fui eu que alimentei a sua capacidade de explorar novos problemas por si próprios — a capacidade de superar a sua professora!» Se a Sr.a Lin estava correcta, parece que os alunos capazes de explorar problemas autonomamente podem por vezes ultrapassar o professor. Contudo, que tipo de professor consegue alimentar a capacidade dos alunos para explorar novos problemas matemáticos? Devem ser os professores os primeiros a possuir essa capacidade? Esta questão ainda não foi estudada. Porém, penso que apenas professores aculturados para a matemática podem alimentar a capacidade dos alunos para conduzir averiguações matemáticas. Para alimentar tal capacidade nos seus alunos, os professores têm que a ter primeiro.
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SUMÁRIO
Este capítulo investigou como os professores abordaram uma ideia matemática que era nova para eles: a relação entre o perímetro e a área de um rectângulo. Dois aspectos do conhecimento da matéria contribuíram substancialmente para uma abordagem bem-sucedida: o conhecimento de tópicos relacionados com a ideia e atitudes matemáticas. Em oposição a capítulos anteriores, a presença ou ausência de atitudes matemáticas foi um factor significativo para completar a tarefa deste capítulo. Os professores americanos não mostraram grandes deficiências no seu conhecimento de tópicos relacionados com a nova ideia. Mais de metade sabia as fórmulas para calcular o perímetro e a área de um rectângulo. Contudo, os professores americanos eram particularmente fracos na sua atitude geral em relação à matemática. A maioria agiu de forma não matemática ao abordar a nova ideia e não a investigou de uma forma independente. Apenas a Sr.a Faith, uma professora no início da carreira, pesquisou a nova ideia e chegou a uma solução correcta. Em contrapartida, a maioria dos professores chineses pesquisou a nova ideia de uma forma independente, mas cerca de um quinto não chegou a uma solução correcta devido a estratégias problemáticas.
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5 Conhecimento dos professores sobre a matéria: compreensão profunda da matemática fundamental Os quatro capítulos anteriores descreveram o conhecimento dos professores americanos e chineses sobre quatro tópicos de matemática elementar. Verificou-se um contraste óbvio no conhecimento dos dois grupos de professores estudados. Os 23 professores americanos «acima da média» apresentaram uma orientação predominantemente procedimental. A maioria mostrou competência algorítmica sólida nos dois primeiros tópicos, subtracção e multiplicação de números inteiros, mas teve dificuldades nos dois tópicos mais avançados, divisão por fracções e perímetro e área de um rectângulo. Apesar de terem vindo de escolas cuja qualidade variava de excelente a medíocre, a maioria dos 72 professores chineses demonstrou não só competência algorítmica mas também entendimento conceptual de todos os tópicos. Este capítulo é dedicado ao debate sobre o conhecimento dos professores em relação aos tópicos considerados. Considerado como um todo, o conhecimento dos professores chineses mostrou-se coerente, enquanto o dos americanos era claramente fragmentado. Apesar de os quatro tópicos neste estudo se situarem em diferentes níveis e subáreas de matemática elementar, enquanto entrevistava os professores chineses pude aperceber-me de interligações nas suas explicações. 194
Nas respostas dos professores americanos, contudo, dificilmente se pode ver alguma conexão entre os quatro tópicos. Curiosamente, a fragmentação do conhecimento matemático dos professores americanos coincide com a fragmentação do curriculum e ensino matemático nos Estados Unidos, apontada por outros investigadores como uma das principais explicações para a insatisfatória aprendizagem matemática no país (Schmidt, McKnight, & Raizen, 1997; Stevenson & Stigler, 1992). Na minha perspectiva, contudo, esta fragmentação e incoerência são efeitos, não causas. Curricula, ensino e conhecimento dos professores reflectem o estado da matemática elementar nos Estados Unidos e na China. A coerência do conhecimento dos professores chineses deve-se, de facto, à substância matemática do seu conhecimento. UM RETRATO TRANSVERSAL DO CONHECIMENTO DOS PROFESSORES CHINESES: QUAL É A SUA SUBSTÂNCIA MATEMÁTICA?
Uma análise retrospectiva das respostas dos professores chineses às questões das entrevistas viria a revelar algumas características interessantes do seu conhecimento matemático, características raramente encontradas, se o tiverem sido, nas respostas dos professores americanos. Encontrar a fundamentação lógica matemática de um algoritmo
Durante as entrevistas, os professores chineses citaram várias vezes um velho ditado para aprofundar o debate sobre um algoritmo: «Sabe como, e sabe também porquê.» Adop- tando este ditado que encoraja as pessoas a descobrir uma razão por detrás de uma acção, os professores deram-lhe um novo significado bastante específico — saber como aplicar um al goritmo e saber porque faz sentido matematicamente. A aritmética
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contém vários algoritmos — na verdade, pensa-se muitas vezes que saber aritmética significa ter a capacidade de usar estes algoritmos. Na perspectiva dos professores chineses, contudo, conhecer um conjunto de regras para resolver um problema num número finito de passos está longe de ser suficiente — também se deve saber porque é que a sequência de passos no cálculo faz sentido. Para o algoritmo da subtracção com reagrupamento, enquanto a maioria dos professores americanos ficaram satisfeitos com a pseudo-explicação de «empréstimo», os professores chineses explicaram que a fundamentação lógica do cálculo é «decompor uma unidade de ordem superior.» 39 Para o tópico da multiplicação com números de vários algarismos, enquanto a maioria dos professores americanos se contentaram com a regra de «alinhar pelo número pelo qual se multiplica», os professores chineses exploraram os conceitos de valor posicionai e de sistema de valor posicionai para explicar porque é que os produtos parciais não são alinhados na multiplicação como as parcelas na adição. Para o cálculo da divisão por fracções, para o qual os professores americanos usaram «inverter e multiplicar», os professores chineses referiram «dividir por um número é equivalente a multiplicar pelo seu recíproco» como o princípio lógico deste algoritmo aparentemente arbitrário. A predisposição para perguntar «Porque é que faz sentido?» é o primeiro passo para o entendimento conceptual da matemática. Além disso, explorar as razões matemáticas subjacentes aos algoritmos levou os professores chineses a ideias mais importantes da disciplina. Por exemplo, a fundamentação lógica para a subtracção com reagrupamento, «decompor uma unidade de ordem superior», está ligada à ideia de «compor uma
No ensino, os professores chineses tendem a usar termos matemáticos nas suas explicações verbais. Termos como parcela, soma, aditivo, subtractivo, diferença, multiplicando, multiplicador, produto, produto parcial, dividendo, divisor, quociente, operação inversa e compor e decompor, são frequentemente usados. Por exemplo, os professores chineses não exprimem a versão aditiva da lei comutativa como «não importa a ordem pela qual se somam dois números», mas sim como «quando somamos duas parcelas, se trocarmos os seus lugares na expressão, a soma permanecerá a mesma». 39
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unidade de ordem superior», que é a fundamentação lógica da adição com transporte. Mais pesquisa sobre compor e decompor uma unidade de ordem superior pode então levar à ideia de «base para compor e decompor uma unidade de ordem superior», que, por sua vez, é uma ideia básica da representação numérica. Do mesmo modo, o conceito de valor posicionai está ligado a ideias mais profundas, como o sistema de valor posicionai e a unidade básica de um número. Explorar o «porquê» subjacente ao «como» leva passo a passo às ideias básicas no âmago da matemática. Justificar uma explicação com uma derivação simbólica
Para os professores chineses, a explicação verbal de uma razão matemática subjacente a um algoritmo aparecia como necessária, mas não suficiente. Como é possível constatar nos capítulos anteriores, após dar uma explicação, os professores chineses procuravam justificá-la com uma derivação simbólica. Por exemplo, no caso da multiplicação com números de vários algarismos, alguns dos professores americanos explicaram que o cálculo 123 x 645 pode ser separado em três «pequenos cálculos»: 123 x 600, 123 x 40 e 123 x 5. Os produtos parciais são, então: 73 800, 4920 e 615, em vez de 738,492 e 615. Comparada com a ênfase em «alinhar» da maioria dos professores americanos, esta explicação é conceptual, mas os professores chineses deram explicações ainda mais rigorosas. Primeiro, referiram com maior frequência que a propriedade distributiva40 é a fundamentação lógica subjacente ao algoritmo. Depois, segundo o que foi descrito no capítulo 2, mostraram
40 No
curriculum matemático chinês, as versões aditivas das propriedades comutativa e
associativa são abordadas pela primeira vez no terceiro ano. As
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como o algoritmo pode ser derivado da propriedade distributiva, de modo a ilustrar como a lei funciona nestas situações e porque faz sentido: 123 x 645 = 123 x (600 + 40 + 5) = 123 x 600 + 123 x 40 + 123 x 5 = 73 800 + 4920 + 615 = 78 720 + 615 = 79 335
Para o tópico da divisão por fracções, as representações simbólicas utilizadas pelos professores chineses foram ainda mais sofisticadas. Eles recorreram a conceitos que «os alunos tinham aprendido» para provar a equivalência de lj : ~ e l| x Y de várias formas. A seguinte prova baseia-se na relação entre uma fracção e a expressão de uma divisão (y = 1 : 2): : (1 2)
=lf : 1 x 2 = lf x 2 :1 = lfx(2 : = 1T x T
propriedades comutativa, associativa e distributiva da multiplicação são introduzidas no quarto ano, como alternativas ao método habitual. Por exemplo, o manual escolar diz: «Quando dois números são somados, se a posição das parcelas é trocada, a soma permanece a mesma. Esta é a chamada propriedade comutativa da adição. Se as letras a e b representam duas parcelas arbitrárias, podemos escrever essa propriedade como: a + b = b + a. O método que aprendemos de alterar a ordem das parcelas para verificar a soma é extraído desta propriedade» (Beijing, Tianjin, Xangai, e Zhejian Associate Group for Elementary Mathematics Teaching Material Composing, 1989, pp. 82-83). O manual escolar ilustra como as duas regras podem ser usadas como «uma forma de cálculo rápido». Por exemplo, os alunos aprendem que uma forma mais rápida de resolver 258 + 791 + 642 é transformá-lo em (258 + 642) + 791 e de resolver 1646 - 248 - 152 é transformá-lo em 1646 - (248 + 152).
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Uma prova baseada na regra de «manter o valor de um quociente» é: 2 2
_ 1A3 =
3
7
''4
v1
21
- J
Além disso, tal como ilustrado no capítulo 3, os professores chineses usaram expressões matemáticas para exemplificar várias formas não usuais de resolver o problema l j : , assim como para derivar as soluções. Nas aulas chinesas são largamente usadas representações simbólicas. Tal como a Prof. Li relatou, os seus alunos do primeiro ano usaram expressões matemáticas para descrever a maneira própria que eles tinham de reagrupar: 34 - 6 = 34 - 4 - 2 ■=■ 30 - 2 = 28. Outros professores chineses deste estudo também se referiram a ocorrências similares. Alguns investigadores descobriram que os alunos do ensino básico nos Estados Unidos frequentemente vêem o sinal de igual como um «sinal de fazer algo» (ver e.g., Kieran, 1990, p. 100). Isto lembra-me uma discussão que tive com uma professora americana do ensino básico. Perguntei-lhe porque é que ela aceitava trabalhos de alunos tais como «3 + 3 x 4 = 12 = 15». Ela disse: «Bem, eles calcularam pela ordem correcta, e chegaram à resposta certa, qual é o problema?» Na perspectiva dos professores chineses, contudo, a semântica das operações matemáticas deve ser representada rigorosamente. É intolerável ter dois valores diferentes em cada um dos lados de um sinal de igual. Tal como a minha professora da escola primária uma vez disse à sua turma, «o sinal de igual é a alma das operações matemáticas». De facto, alterar um ou ambos os lados de um sinal de igual para certos fins, mas preservando a relação de «igualdade», é o «segredo» das operações matemáticas. Os professores chineses eram peritos em acrescentar e remover parênteses e em alterar a ordem das operações numa
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Í expressão matemática. Fazendo uso de umas quantas propriedades simples como as três propriedades básicas, a regra da manutenção do valor de um quociente e o significado de fracção, desenvolveram justificações simbólicas inteligentes dos algoritmos aritméticos que abordaram nas entrevistas. Tal como Schoenfeld (1985) indicou, a «prova» como forma de explicação é obrigatória, uma norma aceite na disciplina de matemática. Os professores chineses tinham a preocupação de justificar expressões matemáticas tanto verbal como simbolicamente. A justificação verbal vinha geralmente antes da justificação simbólica, mas esta tendia a ser mais rigorosa. Após os professores chineses terem relatado as suas investigações sobre a asserção da aluna, tal como foi apresentado no capítulo 4, todos eles justificaram as suas ideias. Todos os que apresentaram uma ideia inválida deram apenas justificações verbais. Se tivessem usado representações simbólicas, suspeito que alguns teriam evitado ou pelo menos detectado as falhas nos seus argumentos. Abordagens múltiplas para um procedimento computacional: flexibilidade enraizada em entendimento conceptual
Apesar de as provas e explicações deverem ser rigorosas, a matemática não é rígida. Os matemáticos usam e valorizam diferentes abordagens para resolver problemas (Pólya, 1973), até mesmo problemas aritméticos. Dowker (1992) pediu a 44 matemáticos profissionais para estimar mentalmente os resultados de produtos e quocientes de 10 problemas de multiplicação e divisão envolvendo números inteiros e decimais. O resultado mais espantoso da sua pesquisa «foi o número e a variedade de estratégias específicas de estimação usadas pelos matemáticos». «Os matemáticos tendiam a usar estratégias envolvendo a compreensão de propriedades e relações aritméticas» e «raramente a estratégia de 'proceder algoritmicamente'». «Resolver um problema de múltiplas formas» é também uma atitude característica dos professores chineses. Para todos os tópicos consideraram tanto abordagens usuais como 200
alternativas. Para o tópico da subtracção, descreveram pelo menos três formas de reagrupar, incluindo o reagrupar de subtractivos. Para o tópico da multiplicação com números de vários algarismos, mencionaram pelo menos duas explicações do algoritmo e um professor mostrou seis formas de alinhar os produtos parciais. Para o tópico da divisão por fracções, os professores chineses mostraram pelo menos quatro maneiras de provar o algoritmo habitual e três métodos alternativos de cálculo. Para todos os tópicos aritméticos, os professores chineses indicaram que, apesar de o algoritmo habitual poder ser usado em todos os casos, pode não ser o melhor método num caso particular. Aplicar um algoritmo e as suas várias versões de forma flexível permite-nos chegar à melhor solução para um dado caso. Por exemplo, os professores chineses salientaram que há várias formas de calcular 1-|- : ~. Usar números decimais, a lei distributiva ou outras ideias matemáticas, todas as alternativas eram mais rápidas e fáceis do que o algoritmo habitual. Ser capaz de calcular de várias formas significa que transcendemos a formalidade de um algoritmo e alcançámos a essência das operações numéricas — as ideias e os princípios matemáticos subjacentes. subjacentes. A razão por que um problema pode ser resolvido de múltiplas formas é que a matemática não consiste em regras isoladas mas sim em ideias relacionadas. Ser capaz de, e dispor-se a resolver um problema de mais do que uma maneira, revela, portanto, a capacidade e a predilecção para estabelecer ligações entre áreas e tópicos matemáticos. Abordar um tópico de várias formas, elaborar argumentos para várias soluções, comparar soluções e encontrar a melhor são, de facto, uma força constante no desenvolvimento matemático. Uma operação avançada ou um ramo avançado da matemática normalmente implicam uma forma mais sofisticada de resolver problemas. A multiplicação, por exemplo, é uma operação mais sofisticada do que a adição para resolver alguns problemas, e alguns métodos algébricos de resolver problemas são mais sofisticados do que alguns aritméticos. Quando um problema é resolvido de múltiplas formas, funciona como um laço ligando vários elementos do conhecimento
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matemático. A forma como os professores chineses encararam as quatro operações aritméticas básicas mostra como se orientavam de forma a unificar todo o campo da matemática elementar. elementar. Relações entre as quatro operações básicas: b ásicas: o «sistema de vias» ligando os tópicos da matemática elementar
A aritmética, «a arte de calcular», consiste em operações numéricas. Contudo, os professores americanos e chineses pareciam ver de forma diferente estas operações. Os professores americanos tinham tendência para se centrarem num algoritmo particular associado a uma operação, por exemplo, o algoritmo para a subtracção com reagrupamento, o algoritmo para a multiplicação com números de vários algarismos e o algoritmo para a divisão por fracções. Os professores chineses, por outro lado, estavam mais interessados nas operações propriamente ditas e nas relações entre elas. Em particular, estavam interessados em formas mais rápidas e fáceis de efectuar um dado cálculo, no modo como os significados das quatro operações estão relacionados e no modo como o significado e as relações entre as operações são representadas através de subconjuntos de números — números inteiros, fracções e números decimais. Quando ensinam a subtracção com decomposição de uma unidade de ordem superior, os professores chineses tomam como ponto de partida a adição com composição de uma unidade de ordem superior. Quando apresentaram a «regra de alinhar» na multiplicação com números de vários algarismos,
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compararam-na com a regra de alinhar na adição de números com vários algarismos. Ao representarem o significado da divisão, explicaram como os modelos da divisão derivam do significado da multiplicação. Os professores também notaram como a introdução de um novo conjunto de números — números fraccionários — traz novas características às operações aritméticas que antes estavam restringidas aos números inteiros. Nos seus debates sobre a relação entre o perímetro e a área de um rectângulo, os professores chineses mais uma vez relacionaram o tópico da entrevista com operações aritméticas. Nas explicações dos professores chineses eram evidentes dois tipos de relações ligando as quatro operações básicas. Uma relação designa-se «operação derivada». Por exemplo, a multiplicação é uma operação derivada da operação de adição. Resolve certos tipos de problemas complicados de adição de uma forma mais fácil41. A outra relação é a operação inversa. O termo «operação inversa» nunca foi mencionado pelos professores americanos, mas foi várias vezes usado pelos professores chineses. A subtracção é a inversa da adição, e a divisão é a inversa da multiplicação. Estes dois tipos de relações ligam fortemente as quatro operações. Porque todos os tópicos da matemática elementar estão relacionados com as quatro operações, o entendimento das relações entre as quatro operações torna-se, então, um «sistema de vias» que liga toda a matemática elementar 42 . Com este sistema, podemos ir a qualquer lado dentro do domínio.
41 Apesar
de as quatro quatr o perguntas da entrevista entre vista não providenciarem espaço e spaço para debate acerca da relação entre adição e multiplicação, os professores chineses consideram-na realmente um conceito bastante importante no seu ensino diário. 42 Os dois tipos de relações entre e ntre as quatro qua tro operações básicas, de facto, fact o, aplicam-se apli cam-se também a todas as operações avançadas na disciplina de matemática. O «sistema de vias» da matemática elementar exemplifica, portanto, o «sistema de vias» de toda a disciplina.
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BASES DE CONHECIMENTO E OS SEUS ELEMENTOS-CHAVE: COMPREENDER A COERÊNCIA LONGITUDINAL NA APRENDIZAGEM
Outra característica que distingue o conhecimento dos professores chineses, em relação ao dos professores americanos, encontra-se nas suas bem desenvolvidas «bases de conhecimento». As quatro características acabadas de apresentar dizem respeito ao entendimento que os professores têm da matemática elementar. Pelo contrário, as bases de conhecimento revelam o entendimento dos professores relativo ao processo longitudinal de abrir e desenvolver este campo na mente dos alunos. A aritmética, enquanto campo intelectual, foi criada e desenvolvida por seres humanos. Ensinar e aprender aritmética, criando condições nas quais os jovens possam reconstruir este campo nas suas mentes, é a preocupação dos professores de matemática elementar. Alguns psicólogos têm-se dedicado a estudar como os alunos aprendem matemática. Os professores de matemática têm a sua própria teoria acerca da aprendizagem da matemática. Os três modelos de bases de conhecimento que derivaram dos debates dos professores chineses sobre a subtracção com reagrupamento, multiplicação com números de vários algarismos e divisão por fracções partilham uma estrutura similar. Todos eles têm uma sequência no centro e um «círculo» de tópicos ligados entre si e aos tópicos da sequência. A sequência na base da subtracção vai do tópico da adição e subtracção até 10, para a adição e subtracção até 20, para a subtracção com reagrupamento de números entre 20 e 100, depois para a subtracção com reagrupamento de números grandes. A sequência na base da multiplicação inclui multiplicação por números de um algarismo, multiplicação por números de dois algarismos e multiplicação por números de três algarismos. A sequência na base do significado da divisão por fracções vai do significado da adição ao significado da multiplicação com números inteiros, ao significado da multiplicação com fracções, até ao significado da
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divisão por fracções. Os professores acreditam que estas sequências são os principais caminhos pelos quais se desenvolvem conhecimento e capacidades acerca dos três tópicos. Tais sequências lineares, contudo, não se desenvolvem sozinhas, mas são sustentadas por outros tópicos. Na base de conhecimento da subtracção, por exemplo, «adição e subtracção até 10» está relacionada com três outros tópicos: a composição de 10, compor e decompor uma unidade de ordem superior, e adição e subtracção como operações inversas. «Subtracção com reagrupamento de números entre 20 e 100», tópico abordado nas entrevistas, também era apoiado por cinco itens: composição de números até 10, a base para compor uma unidade de ordem superior, compor e decompor uma unidade de ordem superior, adição e subtracção como operações inversas, e subtracção sem reagrupamento. Ao mesmo tempo, um item no círculo pode estar relacionado com vários elementos na base de conhecimento. Por exemplo, «compor e decompor uma unidade de ordem superior» e «adição e subtracção como operações inversas» estão ambas relacionadas com quatro outros elementos. Com o apoio destes tópicos, o desenvolvimento das sequências centrais torna-se matematicamente mais significativo e mais rico do ponto de vista conceptual. Os professores não consideram que todos os itens tenham o mesmo estatuto. Cada base contém elementos-«chave» que «pesam» mais do que outros membros. Alguns dos elementos-chave estão localizados em sequências lineares, outros estão no «círculo». Os professores deram várias razões para considerarem um certo elemento de conhecimento como elemento-chave. Eles prestam uma particular atenção à primeira ocasião em que um conceito ou aptidão é abordado. Por exemplo, o tópico da «adição e subtracção até 20» foi considerado um desses casos para a aprendizagem da subtracção com reagrupamento. O tópico da «multiplicação por números de dois algarismos» foi considerado um passo importante na aprendizagem da multiplicação por números de vários algarismos. Os professores chineses acreditam que, se os alunos aprenderem
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um conceito a fundo na primeira vez em que é abordado, «obteremos o dobro do resultado com metade do esforço numa aprendizagem posterior». Caso contrário, «obteremos metade do resultado com o dobro do esforço». Outro tipo de elemento-chave numa base de conhecimento é um «conceito-nó». Por exemplo, para explicarem o significado da divisão por fracções, os professores chineses referiram-se ao significado da multiplicação com fracções, pois pensam que este une cinco importantes conceitos relacionados com o significado da divisão por fracções: significado da multiplicação, modelos da divisão por números inteiros, conceito de fracção, conceito de um todo e o significado da multiplicação com números inteiros. Um entendimento completo do significado da multiplicação com fracções irá, então, permitir aos alunos atingir facilmente um entendimento do significado da divisão por fracções. Por outro lado, os professores também acreditam que explorar o significado da divisão por fracções é uma boa oportunidade para revisitar e aprofundar o entendimento destes cinco conceitos. Nas bases de conhecimento, foram entrelaçados conhecimentos procedimentais e conceptuais. Os professores com um entendimento conceptual do tópico que tinham como intenção promover a aprendizagem conceptual dos alunos não ignoraram o conhecimento procedimental. De facto, na sua perspectiva, o entendimento conceptual nunca está separado dos correspondentes procedimentos onde o entendimento «vive». Os professores chineses também pensam que é muito importante para um professor çonhecer todo o campo da matemática elementar, bem como todo o processo de aprendizagem do mesmo. O Prof. Mao disse: Um professor de matemática precisa de saber a localização de cada elemento de conhecimento em todo o sistema matemático, a sua relação com conhecimento prévio. Por exemplo, este ano estou a ensinar ao quarto ano. Quando abro o manual escolar devo saber como os tópicos nele contidos estão relacionados com o
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conhecimento ensinado no primeiro, segundo e terceiro anos. Quando ensino multiplicação por números de três algarismos, sei que os meus alunos aprenderam a tabuada da multiplicação, multiplicação por números de um algarismo com o produto até 100 e multiplicação com um multiplicador de dois algarismos. Como os alunos já aprenderam esta última, quando ensino multiplicação com um multiplicador de três algarismos, deixo-os explorar por si próprios. Primeiro dou-lhes vários problemas com um multiplicador de dois algarismos. Depois apresento um problema com um multiplicador de três algarismos, e deixo os alunos pensar em como o resolver. Nós já multiplicámos por um algarismo no lugar das unidades e por um algarismo no lugar das dezenas, agora vamos multiplicar por um algarismo no lugar das centenas, o que podemos fazer, onde vamos colocar o produto, e porquê? Deixo-os pensar um pouco. Depois o problema será facilmente resolvido. E pedir-lhes-ei para serem eles a dar a fundamentação lógica. Por outro lado,
tenho que saber que conhecimento será construído sobre aquilo que ensino hoje.
A MATEMÁTICA ELEMENTAR COMO MATEMÁTICA FUNDAMENTAL As explicações dos professores chineses apresentaram uma imagem sofisticada e coerente da matemática elementar. Mostraram que a matemática elementar não é uma simples colec- ção desconexa de factos sobre números e algoritmos de cálculo. Antes é um campo intelectualmente exigente, desafiador e excitante — uma base sobre a qual muito se pode construir. A matemática elementar é matemática fundamental. O termo fundamental tem três significados relacionados: básico, primário e elementar. A matemática é uma área da ciência que diz respeito a relações espaciais e numéricas e cujo raciocínio se baseia nestas relações. Historicamente, aritmética e geometria foram os dois
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principais ramos da disciplina de matemática. Hoje, apesar de o número de ramos da disciplina se ter expandido e o próprio campo da disciplina ter aumentado, o estatuto da aritmética e geometria como base ou fundamento da matemática permanece inalterado. Nenhum dos novos ramos, quer puros ou aplicados, opera sem as regras matemáticas básicas e as capacidades computacionais estabelecidas na aritmética e na geometria. A matemática do ensino básico, composta de aritmética e geometria elementares, é, portanto, a base da disciplina sobre a qual são construídos ramos avançados. O termo «primário» refere-se a outra característica da matemática elementar. A matemática elementar contém os rudimentos de conceitos muito importantes em ramos mais avançados da disciplina. Por exemplo, a álgebra é uma forma de organizar «constantes» e «incógnitas» em equações, para que as «incógnitas» possam vir a ser conhecidas. Tal como vimos no capítulo anterior, as três propriedades básicas com que se resolvem estas equações — comutativa, distributiva e associativa — estão naturalmente enraizadas na aritmética. As ideias de conjunto, correspondência de um para um e ordem estão implícitas na contagem. Operações da teoria dos conjuntos, como união e produto cartesiano, estão relacionadas com o significado da adição e multiplicação de números inteiros. Ideias básicas do Cálculo estão implícitas na fundamentação lógica do cálculo da área de um círculo em geometria elementar 43 44. As características básica e primária da matemática, contudo,
43Ao
ensinar a fórmula de cálculo da área de um círculo, os professores chineses trazem um disco de papel para a aula. Metade do disco tem uma cor e a outra metade tem outra. O disco é primeiro cortado em duas metades. Depois as duas metades são cortadas em finos bocados com a forma de fatias de tarte, com as pontas ligadas. Os dois meios círculos são abertos e encaixados um no outro, de modo a formar uma superfície semelhante a um rectângulo: jüiüü. Os professores incentivam os alunos a imaginar subdividir o disco em mais fatias, de modo que a superfície se aproxime o mais possível de um rectângulo. Depois, recorrendo à fórmula para calcular a área de um rectângulo, os alunos aprendem a fundamentação lógica da fórmula para calcular a área de um círculo. Este método de aproximar a área de um círculo foi conhecido no séc. xvn (ver Smith 44 Mikami, 1914, p. 131).
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são apresentadas num formato elementar. É elementar porque surge no início da aprendizagem matemática dos alunos e portanto parece claro e fácil. As ideias aparentemente simples formadas nas mentes dos alunos nesta ocasião irão ser necessárias durante todo o percurso da sua aprendizagem matemática. Por exemplo, nos anos mais avançados, os alunos não esquecerão o conceito de igualdade, aprendido a partir de «1 + 1 = 2», embora esse venha a ser alterado e enriquecido. De uma perspectiva de obtenção de competência matemática, ensinar matemática elementar não significa levar os alunos meramente até ao final da aritmética ou ao início da «pré-álgebra». Significa antes providenciar-lhes os alicerces sobre os quais se deverá construir a sua futura aprendizagem matemática. Estudiosos americanos têm defendido que conceitos avançados podem ser apresentados de forma intelectualmente adequada aos alunos do ensino básico. Há três décadas, Bruner defendeu que ideias de matemática avançada, tais como topologia, geometria projectiva, teoria das probabilidades e teoria dos conjuntos, podiam ser apresentadas a estes alunos (Bruner, 1960/1977). A sua proposta foi recuperada recentemente por Hirsch (1996). Kaput, Steen e os seus colegas sugeriram uma «organização ramificada» da matemática escolar (Kaput & Nemirovsky, 1995; Steen, 1990). Esses autores criticaram a tradicional organização de «bolo em camadas», porque «apanha muito poucos ramos (e.g., aritmética, geometria e álgebra), organizando-os horizontalmente para formar o curriculum» (Steen, p. 4). Em vez disso, propuseram uma estrutura longitudinal «com maior continuidade vertical, para ligar as raízes aos ramos da matemática na experiência educacional das crianças» (Steen, p. 4), ilustrada por uma árvore com raízes que representam linhas como «dimensão», «espaço», «mudança e variação», etc. (Kaput & Nemirovsky, p. 21). No entanto, os professores do ensino básico com entendimento conceptual neste estudo podem não ser tão radicais como Kaput e Steen. Como mostram as suas entrevistas, a matemática
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elementar, constituída por aritmética e geometria básicas, já contém ideias matemáticas importantes. Para estes professores, um «curriculum organizado horizontalmente» também pode possuir «continuidade vertical». A aritmética também pode ter «múltiplas representações», «matemática séria», e «conversas matemáticas genuínas»45. Eu considero mais correcta a metáfora usada pelos professores chineses para ilustrar a matemática escolar. Eles acreditam que a matemática elementar constitui a base da futura aprendizagem matemática dos seus alunos e irá contribuir para a sua vida futura. A futura aprendizagem matemática dos alunos é como um edifício de vários andares. Os alicerces podem ser invisíveis a partir dos pisos superiores, mas são eles que os sustentam e fazem com que o conjunto de pisos forme um todo coerente. O aparecimento e desenvolvimento de matemática nova não deviam ser olhados como uma negação da matemática fundamental. Pelo contrário, deveriam conduzir-nos a um entendimento ainda melhor da matemática elementar, das suas poderosas potencialidades, bem como das suas sementes conceptuais para os ramos avançados. COMPREENSÃO PROFUNDA DA MATEMÁTICA FUNDAMENTAL
De facto, é a substância da matemática elementar que permite um entendimento coerente da mesma. Contudo, o entendimento da matemática elementar nem sempre é coerente. De uma perspectiva procedimental, os algoritmos aritméticos têm pouca ou nenhuma conexão com outros tópicos, e estão isolados uns dos outros. Tomando os quatro tópicos estudados como exemplo, a subtracção com reagrupamento nada tem a ver com a multiplicação com números de vários algarismos, nem com a divisão por fracções, nem com a área e o perímetro de um 45 «Representações
múltiplas», «conversas matemáticas genuínas» e «entendimento qualitativo de modelos matemáticos» são características do ensino matemático advogado por Kaput e seus colegas (Kaput & Nemirovsky, 1995).
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rectângulo. A Fig. 5.1 ilustra um entendimento procedimental típico dos quatro tópicos. As letras S, M, D e G representam os quatro tópicos: subtracção com reagrupamento, multiplicação com números de vários algarismos, divisão por fracções e o tópico de geometria (cálculo do perímetro e da área). Os rectângulos representam o conhecimento procedimental destes tópicos. As ovais representam outros conhecimentos procedimentais relacionados com os tópicos. Os trapézios por baixo dos rectângulos representam o entendimento pseudoconceptual de cada tópico. As linhas ponteadas representam itens em falta. Note-se que os entendimentos dos diferentes tópicos não estão ligados.
Fig. 5.1. O conhecimento procedimental dos quatro tópicos por parte dos professores
Na Fig. 5.1 os quatro tópicos são essencialmente independentes e poucos elementos estão incluídos em cada base de conhecimento46. Explicações pseudoconceptuais para algoritmos são uma característica de um entendimento meramente procedimental. Alguns professores inventaram explicações arbitrárias e outros simplesmente verbalizaram o algoritmo.
46 Para
o ensino de um tópico, o professor tende a ver tópicos relacionados. Se o tópico for procedimental, o professor poderá arranjar uma explicação para ele; se for conceptual, poderá ver um procedimento ou conceito relacionado. Esta tendência inicia a organização de uma «base de conhecimento» que acaba por reunir o grupo de tópicos que os professores conseguem descortinar à volta do tópico que estão a ensinar.
211
r
Porém, mesmo inventar ou citar uma explicação pseudoconceptual requer familiaridade com o algoritmo. Os professores que mal conseguiam acabar um algoritmo tinham dificuldade em o explicar ou relacionar com outros procedimentos, como vimos nalgumas respostas à divisão por fracções e ao tópico geométrico. Com bases de conhecimento isoladas e subdesenvolvidas, o entendimento matemático de um professor com uma perspectiva procedimental é fragmentário. Ao contrário, de uma perspectiva conceptual, os quatro tópicos estão ligados, relacionados pelos conceitos matemáticos que partilham. Por exemplo, o conceito de valor posicionai subjaz aos algoritmos para subtracção com reagrupamento e para multiplicação com números de vários algarismos. O conceito de valor posicionai, então, funciona como uma ligação entre os dois tópicos. O conceito de operações inversas contribui para a fundamentação lógica da subtracção com reagrupamento, bem como para a explicação do significado da divisão por fracções. Assim, o conceito de operações inversas liga a subtracção com reagrupamento e a divisão por fracções. Alguns conceitos, como o significado da multiplicação, são partilhados por três dos quatro tópicos. Outros, como as três propriedades básicas, são partilhados por todos os tópicos. A Fig. 5.2 ilustra como os tópicos matemáticos estão relacionados numa perspectiva conceptual. .Conceito de operações inversa«
Significado da adição Significado da multiplicaçãc^^
Valor posicionai
s
M
D
^ três propriedades básica?
212
G
Fig. 5.2. Alguns conceitos partilhados ligam os quatro tópicos
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Apesar de nem todos os conceitos partilhados pelos quatro tópicos estarem incluídos, a Fig. 5.2 ilustra como as relações entre itens e tópicos os inserem numa rede. Alguns itens não estão directamente relacionados com todos os tópicos; contudo, as suas diversas associações sobrepõem-se e entrelaçam-se. As três leis básicas apareceram nas explicações dos professores chineses sobre todos os tópicos. Em contraponto com a perspectiva procedimental dos quatro tópicos ilustrada na Fig. 5.1, a Fig. 5.3 ilustra um entendimento conceptual desses tópicos. Os quatro rectângulos no topo da Fig. 5.3 representam os quatro tópicos. As elipses representam os elementos de conhecimento nas bases de conhecimento: as brancas representam tópicos procedimentais, as cinzentas-claras representam tópicos conceptuais, as cinzentas-escuras representam os princípios básicos, e aquelas de onde saem linhas ponteadas representam atitudes gerais em relação à matemática. Quando é composto por bases de conhecimento bem de-
E&trunira da disciplina
Fig. 5.3. Conhecimento conceptual dos quatro tópicos por parte dos professores
senvolvidas e interligadas, o conhecimento matemático forma uma rede sustentada solidamente pela estrutura da disciplina. A Fig. 5.3 amplia o modelo de entendimento conceptual de um tópico particular apresentado na Fig. 1.4 e ilustra o alcance, a profundidade, a conectividade e a abrangência do entendimento conceptual da matemática por parte de um professor. Como os quatro tópicos estão localizados em várias subáreas da matemática elementar, este modelo também funciona como
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uma miniatura do entendimento conceptual de um professor no campo da matemática elementar. As elipses com linhas ponteadas, atitudes gerais em relação à matemática, não são normalmente incluídas nas bases de conhecimento dos professores para tópicos específicos. Contudo, elas contribuem significativamente para a coerência e consistência do conhecimento matemático de um professor. As atitudes básicas em relação a uma disciplina podem ser ainda mais penetrantes do que os seus princípios básicos. Um princípio básico pode não sustentar todos os tópicos, mas uma atitude básica pode estar presente em relação a todos os tópicos. As atitudes básicas em relação à matemática mencionadas pelos professores durante as entrevistas, tais como «justificar uma asserção com um argumento matemático», «saber como, assim como saber porquê», «manter a consistência de uma ideia em vários contextos», e «abordar um tópico de múltiplas formas» pertencem a todos os tópicos em matemática elementar47. Eu chamo compreensão profunda da matemática fundamental (CPMF) ao conhecimento da matéria ilustrado na Fig. 5.3. Por compreensão profunda refiro-me a um entendimento do campo da matemática elementar que é profundo (no sentido de completo), amplo e abrangente. Ainda que o termo profundo seja muitas vezes considerado no sentido de profundidade intelectual, as suas três conotações — profundidade, alcance e abrangência — estão interligadas. Duckworth, antiga aluna e colega de Jean Piaget, acredita que devíamos continuar a aprender acerca da «profundidade» e «complexidade» da matemática elementar (1987, 1991). Inspirada pela preocupação de Piaget de quão longe, em vez de quão rápido, a aprendizagem deveria ir, ela propôs a noção de
Ambas as dimensões da estrutura — princípios básicos e atitudes básicas (Bruner, 1960/1977) — são bastante poderosas para fazer conexões. Infelizmente, a Fig. 5.3 é demasiado simples para ilustrar bem as relações de um para muitos entre princípios ou atitudes gerais e conceitos ou tópicos matemáticos. 47
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«aprender com profundidade e alcance» (1979). Após uma comparação entre construir uma torre «com um tijolo em cima de outro» e «numa base ampla ou numa fundação profunda», Duckworth disse: Qual é o equivalente intelectual de construir em alcance e profundidade? Eu penso que é uma questão de fazer conexões: o alcance pode ser visto como o conjunto das esferas de experiência, muito diferentes, que podem ser relacionadas umas com as outras; a profundidade pode ser vista como os tipos diferentes de conexões que podem ser feitas entre diferentes facetas da nossa experiência. Não tenho a certeza se o alcance e a profundidade intelectuais podem ou não ser separados um do outro, excepto quando falamos deles. (p. 7)
Concordo com Duckwort que obter alcance e profundidade intelectuais «é uma questão de fazer conexões», e que os dois estão interligados. Contudo, a sua definição de alcance e profundidade intelectuais é genérica de mais para ser usada ao debater a aprendizagem matemática48. Mais ainda, Duckwort não explica qual é a sua relação. Baseada na minha investigação, defino entender um tópico com profundidade como a articulação desse tópico com ideias da disciplina conceptualmente mais poderosas. Quanto mais perto uma ideia estiver da estrutura da disciplina, mais poderosa será e, consequentemente, mais tópicos será capaz de sustentar. Entender um tópico com alcance, por outro lado, é ligá-lo àqueles de poder conceptual similar ou menor. Por exemplo, consideremos a base de conhecimento da subtracção com reaPara os investigadores educacionais, a profundidade do conhecimento dos professores sobre a matéria parece ser subtil e intrigante. Por um lado, a maioria concordaria que o entendimento dos professores deveria ser profundo (Bali, 1989; Grossman, Wilson & Shulman, 1989; Marks, 1987; Steinberg, Mark, & Hay- more, 1985; Wilson, 1988). Por outro lado, porque o termo profundidade é «vago» e «difícil de definir e medir» (Bali, 1989; Wilson, 1988), a sua compreensão tem sido lenta. Bali (1989) propôs três «critérios específicos» para o conhecimento substantivo dos professores: correcção, significado e conectividade, de modo a evitar o termo profundo, que ela considerava um descritor vago do conhecimento dos professores sobre a matéria. 48
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grupamento. Relacionar a subtracção com reagrupamento com os tópicos da subtracção sem reagrupamento ou da adição sem transporte é uma questão de alcance. Relacioná-la com conceitos tais como a base para compor ou decompor uma unidade de ordem superior ou o conceito de que adição e subtracção são operações inversas — é uma questão de profundidade. Profundidade e alcance, contudo, dependem da abrangência — a capacidade de «atravessar» todas as partes do campo — para as interligar. De facto, é esta abrangência que «cola» o conhecimento da matemática num todo coerente. Claro, só é possível ter uma compreensão profunda da matemática elementar porque, antes de tudo, a matemática elementar é um campo de profundidade, alcance e abrangência. Os professores com este entendimento profundo, vasto e completo não inventam conexões entre ideias matemáticas, mas revelam-nas e representam-nas em termos de ensino e aprendizagem da matemática. Tal ensino e aprendizagem tende a ter as quatro propriedades seguintes: Conectividade. Um professor com CPMF tem uma intenção geral de estabelecer conexões entre conceitos e procedimentos matemáticos, desde conexões simples e superficiais entre elementos de conhecimento individuais até conexões complicadas e profundas entre diferentes operações e subdomínios matemáticos. Quando reflectida no ensino, esta intenção irá impedir que a aprendizagem dos alunos seja fragmentada. Em vez de aprenderem tópicos isolados, os alunos assimilarão um corpo de conhecimento unificado. Perspectivas múltiplas. Aqueles que alcançaram CPMF valorizam diferentes facetas de uma ideia e várias abordagens para uma solução, bem como as suas vantagens e inconvenientes. Além disso, são capazes de providenciar explicações matemáticas destas várias facetas e abordagens. Neste sentido, os professores podem encaminhar os seus alunos para uma compreensão flexível da disciplina.
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Ideias básicas. Professores com CPMF mostram atitudes matemáticas, estão particularmente conscientes dos «conceitos e princípios básicos da matemática simples mas poderosos» (e.g., a ideia de igualdade) e tendem a revisitar e reforçar estas ideias básicas. Colocados perante estas ideias, os alunos são não apenas encorajados a abordar os problemas, mas também orientados no sentido de conduzir uma actividade matemática efectiva. Coerência longitudinal 49 . Professores com CPMF não estão limitados ao conhecimento que deve ser ensinado em determinado ano escolar; pelo contrário, eles alcançaram um entendimento fundamental de todo o curriculum da matemática elementar. Com CPMF, os professores estão prontos para explorar a qualquer momento uma oportunidade de rever conceitos cruciais que os alunos estudaram anteriormente. Também sabem o que os alunos irão aprender mais tarde, e aproveitam para lançar as bases próprias dessa aprendizagem.
Estas quatro propriedades estão inter-relacionadas. Enquanto a primeira propriedade, conectividade, é uma característica geral do ensino da matemática por parte de um professor com CPMF, as outras três — perspectivas múltiplas, ideias básicas e coerência longitudinal — são ligações que conduzem a diferentes aspectos da compreensão significativa da matemática — alcance, profundidade e abrangência. Infelizmente, um modelo estático como aquele apresentado na Fig. 5.3 não pode representar a dinâmica destas conexões. Quando ensinam, os professores organizam as suas bases de conhecimento de acordo com o contexto de ensino. As conexões entre tópicos alteram-se com o fluir do ensino. Um elemento central numa base de conhecimento para um tópico pode tornar-se num elemento marginal na base de conhecimento para
]0 Kaput
(1994) usou este termo para descrever os curricula ; aqui uso-o para descrever a propriedade correspondente para o conhecimento do professor. Esta propriedade está relacionada com um aspecto daquilo a que Shulman (1986) chamou conhecimento curricular.
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outro, e vice-versa. As entrevistas que realizei para o meu estudo fizerm-me pensar no modo como as pessoas conhecem a vila ou cidade onde vivem. As pessoas conhecem a terra onde vivem de formas diferentes. Algumas pessoas — por exemplo, recém-chegados — apenas sabem o local onde a sua casa está localizada; outras também conhecem bem os bairros vizinhos, mas raramente vão além deles; outras ainda poderão saber como chegar a alguns sítios na localidade — por exemplo, o local onde trabalham, algumas lojas onde fazem as compras ou os cinemas onde podem assistir a um filme. Porém, é possível que conheçam apenas um único caminho para chegar a esses sítios, e nunca se tenham dado ao trabalho de explorar caminhos alternativos. Contudo, algumas pessoas, por exemplo, motoristas de táxi, conhecem muito bem todos os caminhos na sua cidade. São muito flexíveis e seguros de si próprios quanto a ir de um local a outro, e têm conhecimento de vários caminhos alternativos. Se se trata de um visitante, eles podem tomar o caminho que melhor mostra a cidade. Se o cliente estiver com pressa, a qualquer hora do dia eles sabem o caminho que o levará mais depressa ao destino. Chegam mesmo a encontrar um sítio sem terem o endereço completo. Ao falar com professores, encontrei paralelismo entre uma certa forma de saber matemática escolar e uma certa forma de conhecer os caminhos numa cidade. A forma como esses professores com CPMF conhecem a matemática escolar pareceu-me, num certo sentido, muito semelhante à forma como um motorista de táxi experiente conhece uma cidade. Também pode existir um mapa da cidade em desenvolvimento na mente de um motorista de táxi. Contudo, um mapa da matemática escolar na mente de um professor deverá ser mais complicado e flexível. SUMÁRIO
Este capítulo pôs em confronto o entendimento geral dos professores chineses e americanos relativamente aos quatro tópicos discutidos nos capítulos anteriores. As respostas dos dois grupos de professores sugeriram que a matemática elementar é interpretada de maneira muito diferente na China e nos Estados 219
Unidos. Apesar de os professores americanos terem a preocupação de ensinar para um entendimento conceptual, as suas respostas reflectiram uma perspectiva comum nos Estados Unidos — que a matemática elementar é «básica», uma colecção arbitrária de factos e regras em que fazer matemática significa seguir passo a passo procedimentos estabelecidos para chegar às respostas (Bali, 1991). Os professores chineses, por outro lado, esforçavam-se por saber porque é que os algoritmos fazem sentido e também por saber como levá-los até ao fim. As suas atitudes eram similares às de matemáticos profissionais: procuravam justificar uma explicação com uma derivação simbólica, propor múltiplas soluções para um problema e debater relações entre as quatro operações básicas da aritmética. Para cada um dos três tópicos das entrevistas que ensinavam, os professores chineses descreveram uma «base de conhecimento», rede de tópicos procedimentais e conceptuais, apoiando a aprendizagem do tópico em questão, ou apoiando-se nela. Os itens numa base de conhecimento diferiam de estatuto; na primeira ocasião em que um conceito específico era abordado, ele era considerado um «elemento-chave» e dava-se maior ênfase ao seu ensino. Por exemplo, a «adição e subtracção até 20» é considerada um elemento-chave da base de conhecimento para a subtracção com reagrupamento porque é a primeira ocasião em que o conceito de compor e decompor uma dezena é usado. A matemática elementar pode ser vista como matemática «básica» — uma colecção de procedimentos — ou como matemática fundamental. A matemática fundamental é elementar,
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primária e básica: elementar porque se situa no início da aprendizagem matemática, primária porque contém os rudimentos de conceitos matemáticos mais avançados e básica porque providencia uma base (fundação) para a futura aprendizagem matemática dos alunos. A compreensão profunda da matemática fundamental (CPMF) é mais do que um sólido entendimento conceptual da matemática elementar — é a tomada de consciência da estrutura conceptual e das atitudes básicas em relação à matemática elementar e a capacidade de providenciar uma base para essa estrutura conceptual e incentivar as atitudes básicas nos alunos. Um entendimento profundo da matemática tem alcance, profundidade e abrangência: alcance de entendimento é a capacidade de relacionar um tópico com tópicos de poder conceptual similar ou menor; profundidade de entendimento é a capacidade de relacionar um tópico com aqueles de maior poder conceptual; abrangência é a capacidade de relacionar todos os tópicos. O ensino de um professor com CPMF tem conectividade, promove múltiplas abordagens para resolver um dado problema, revisita e reforça ideias básicas e tem coerência longitudinal. Um professor com CPMF é capaz de mostrar e representar conexões entre conceitos e procedimentos matemáticos aos alunos. Ele ou ela aprecia diferentes facetas de uma ideia e várias abordagens para a obtenção de uma solução, bem como as suas vantagens e desvantagens — e é capaz de providenciar explicações aos alunos destas várias facetas e abordagens. Um professor com CPMF está consciente das ideias básicas «simples mas poderosas» da matemática e tem tendência para as revisitar e reforçar. Ele ou ela tem uma compreensão profunda de todo o curriculum da matemática elementar, e assim está pronto para explorar qualquer oportunidade tanto para rever conceitos que os alunos estudaram anteriormente como para lançar as bases para um conceito a ser estudado posteriormente.
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6 Compreensão profunda da matemática fundamental: quando e como é atingida No final do meu estudo conduzi uma breve investigação em duas partes sobre quando e como um professor atinge CPMF. Primeiro, de modo a ter uma ideia geral de quando se pode atingir a CPMF, entrevistei dois grupos de pessoas na China que ainda não exerciam a docência, usando as mesmas questões que tinham sido colocadas aos professores. Um grupo era uma turma de 26 recém-formados e o outro consistia em 20 alunos do nono ano50. Nos primeiros, quis analisar o seu conhecimento no final do seu programa de educação para a docência; nos últimos, o tipo de conhecimento que um aluno pode ter ao entrar num programa de educação para a docência. A segunda parte da investigação diz respeito ao modo como a CPMF é obtida. Entrevistei três professores que havia identificado como tendo CPMF. As entrevistas exploraram duas questões principais: o que os professores consideravam dever ser um conhecimento da matéria de matemática e a forma como eles tinham alcançado o seu próprio conhecimento. As respostas à questão do que deveria ser o conhecimento de um professor sobre a matéria de matemática foram debatidas no
50 As
escolas chinesas do terceiro ciclo (7.° a 9.° anos) diferem substancialmente em qualidade. Os alunos que entrevistei eram de uma escola medíocre em Xangai, onde, quando muito, metade dos alunos seria capaz de passar nos exames de admissão para a universidade.
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capítulo anterior. A segunda parte deste capítulo expõe as descrições dos professores sobre a forma como as suas condições de trabalho apoiaram, e continuam a apoiar, o crescimento do seu conhecimento matemático e a sua organização para o ensino. QUANDO É ATINGIDA A COMPREENSÃO PROFUNDA DA MATEMÁTICA FUNDAMENTAL? O QUE OS GRUPOS DE FUTUROS PROFESSORES SABIAM SOBRE OS QUATRO TÓPICOS Diferenças entre os dois grupos de futuros professores chineses
Os dois grupos de futuros professores não mostraram diferenças óbvias em competência algorítmica. Todos os seus cálculos para os problemas de subtracção, multiplicação e divisão por fracções estavam correctos, com excepção dos cálculos de um aluno do nono ano que cometeu um erro quando somava os três produtos parciais no problema de multiplicação com números de vários algarismos. As explorações da asserção acerca da relação entre perímetro e área mostraram que ambos os grupos sabiam muito bem as fórmulas para calcular o perímetro e a área de um rectângulo. 58% dos recém-formados e 60% dos alunos do nono ano pensaram que a asserção «quando o perímetro de uma figura aumenta, a sua área aumenta» não era verdadeira em todos os casos. A maioria forneceu um contra-exemplo para a refutar e alguns discutiram os vários casos possíveis. Ao representar o conceito de divisão por fracções, contudo, os dois grupos de futuros professores revelaram algumas diferenças interessantes. Os recém-formados davam normalmente respostas correctas, mas de uma perspectiva limitada, enquanto os alunos tinham uma perspectiva mais alargada, mas cometiam mais erros. 85% dos recém-formados, mas apenas 40% dos alunos do nono ano, criaram uma história-problema conceptualmente correcta para representar o significado de 1-f- : \. Dos 22
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recém-formados que providenciaram pelo menos uma história-problema correcta, 20 (91%) usaram o modelo de repartição (i.e., encontrar um todo, sabendo que metade é 1-|) e apenas 2 (9%) recorreram ao modelo de agrupamento (i.e., encontrar quantas metades há em 1%). Contudo, entre os 8 alunos do nono ano bem-sucedidos na criação de uma representação, os modelos estavam igualmente distribuídos: o modelo de repartição foi usado em quatro representações e o de agrupamento nas outras quatro. Todos os recém-formados que não forneceram uma história disseram que eram incapazes de o fazer; nenhuma história apresentou conceitos errados. Por outro lado, os doze alunos de escolaridade média que falharam na criação de uma representação conceptualmente correcta mostraram-se mais «cora josos» e menos «cautelosos». Exploraram o tópico em várias direcções: oito criaram uma história que representava o significado de 1% x 2 (um procedimento intercalar no cálculo), três criaram uma história que representava ly Xy, e um disse que era incapaz de apresentar uma história. A diferença entre os dois grupos na representação do significado da divisão por fracções pareceu reflectir a influência do programa de educação para a docência no conhecimento matemático dos recém-formados. O seu conhecimento sobre o tópico parecia estar «limpo» — livre de conceitos errados. Contudo, este processo pode ter estreitado as suas perspectivas. Devido à cautela que tomavam acerca do que está correcto e incorrecto, raramente tentavam formas alternativas quando ficavam bloqueados. Outra diferença entre os dois grupos foi que os recém-formados mostraram preocupação por ensinar e aprender quando debatiam um tópico matemático. Normalmente, eles forneciam uma explicação após um cálculo, ainda que a maioria das suas explicações fossem muito limitadas e breves. Por
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exemplo, ao responder à questão sobre o erro do aluno na multiplicação com números de vários algarismos, os alunos do nono ano afirmavam na maioria dos casos que os alunos estavam errados e mostravam como se fazia o cálculo correctamente. Pelo contrário, as respostas dos recém-formados frequentemente incluíam três passos: primeiro, o problema era que os alunos não tinham alinhado os produtos parciais correctamente; segundo, eles explicariam aos alunos a fundamentação lógica subjacente ao algoritmo; terceiro, pediriam aos alunos para resolver mais problemas. Apesar de só um recém-formado ter debatido especificamente a fundamentação lógica e nenhum ter debatido em profundidade que tipo de exercícios seria providenciado aos alunos, os recém-formados estavam claramente preocupados em ensinar e aprender. Em suma, apesar de os recém-formados e de os alunos do nono ano terem uma competência algorítmica equiparável, apresentaram duas grandes diferenças. Primeiro, os recém-formados pareciam ter conceitos matemáticos «limpos», embora a sua abordagem matemática pudesse ser considerada limitada. Segundo, ao contrário dos alunos, os recém-formados estavam preocupados com o ensino e a aprendizagem. Diferenças entre os professores americanos e os dois grupos de futuros professores chineses
Olhemos agora para as diferenças entre os professores americanos e os dois grupos de futuros professores chineses. Para os tópicos da subtracção com reagrupamento e multiplicação com números de vários algarismos, os três grupos mostraram um sucesso semelhante em competência algorítmica. Contudo, os dois grupos de futuros professores chineses apresentaram maior entendimento conceptual. Por exemplo, nas suas explicações da regra de alinhamento para a multiplicação com números de vários algarismos, todos eles mostraram um entendimento da fundamentação lógica subjacente ao algoritmo.
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A actuação dos dois grupos de futuros professores chineses nos dois tópicos mais avançados foi visivelmente melhor do que a dos professores americanos. Todos os membros dos grupos chineses foram bem-sucedidos a calcular V Á : V e sabiam as fórmulas para calcular o perímetro e a área do rectân- gulo. Em comparação, apenas 43% dos professores americanos foram bem-sucedidos no cálculo da divisão por fracções, e 17% deles disseram que não sabiam as fórmulas para calcular o perímetro e a área. Para as duas questões conceptualmente mais exigentes, a diferença foi ainda maior. 85% dos recém-formados e 40% dos alunos do nono ano criaram histórias-problema conceptualmente correctas para representar o significado da divisão por fracções, enquanto apenas 4% dos professores americanos o fizeram. 58% dos recém-formados e 60% dos alunos do nono ano apresentaram abordagens correctas à relação entre perímetro e área de um rectângulo. De novo, só 4% dos professores americanos o fizeram. Parece que, quanto mais avançado era o tópico e quanto mais necessário era o pensamento conceptual, menos professores americanos actuaram competentemente. A Fig. 6.1 resume estas diferenças para o caso dos dois tópicos avançados. 2
Fig. 6.1. Diferenças entre os professores americanos e os dois grupos de futuros professores chineses no conhecimento dos dois tópicos avançados
Diferenças entre os professores chineses e os dois grupos de futuros professores chineses
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As diferenças no conhecimento matemático entre os professores chineses e os dois grupos de futuros professores chineses eram de outro tipo. A respectiva competência algorítmica, indicador de conhecimento matemático na perspectiva de um leigo, era similar. Em termos das características de conhecimento matemático de um professor, contudo, os dois grupos de futuros professores diferiam substancialmente do grupo de professores. Entrevistar os recém-formados e os alunos do nono ano levou significativamente menos tempo do que entrevistar os professores, ainda que as questões da entrevista fossem as mesmas. Muitos dos recém-formados conseguiram explicar um algoritmo, mas as suas explicações eram muito breves. Os alunos não pensaram em fornecer explicações, mas gastaram mais tempo com a representação da divisão por fracções e com a relação entre perímetro e área. Nenhum dos grupos de futuros professores levou a cabo um debate elaborado sobre qualquer dos quatro tópicos, nem discutiu relações entre tópicos matemáticos, soluções múltiplas para um problema 51 ou ideias básicas da disciplina relacionadas com os tópicos. A CPMF, enquanto um tipo de conhecimento da matéria por parte do professor, nem sempre tem fronteiras claras. Em muitos casos, é difícil dizer se um professor tem ou não tem CPMF. Por exemplo, cerca de um décimo dos professores chineses entrevistados podiam ser identificados como tendo CPMF. Todos eles eram professores com muitos anos de experiência no ensino e a maioria tinha ensinado todos os anos de matemática elementar, muitos deles mais do que uma vez.
51
Após lhes ter sido pedido para elaborarem mais do que uma história, se fossem capazes disso, seis dos futuros professores providenciaram mais do que uma representação, mas todas relativas ao modelo de repartição da divisão.
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Cerca de um décimo dos professores chineses podia ser categorizado como não tendo CPMF de todo. A maioria dos outros professores situava-se numa zona cinzenta entre os dois extremos. Alguns deles mostraram um entendimento amplo, profundo e abrangente da subárea da matemática elementar que ensinavam, mas não de toda a área. Por exemplo, alguns professores estavam particularmente familiarizados com o conteúdo dos primeiros anos e outros com o de anos mais avançados e propiciaram debates elaborados sobre os tópicos das áreas com as quais estavam familiarizados, mas não sobre o resto. De facto, durante as entrevistas, aqueles que originaram os debates mais pormenorizados sobre os dois primeiros tópicos estavam normalmente a ensinar os primeiros anos, e aqueles que debateram os outros dois tópicos mais elaboradamente estavam normalmente a ensinar anos mais avançados. Parece que a CPMF, que encontrei num grupo de professores chineses, se desenvolveu após estes se terem tornado professores — ou seja, durante as suas carreiras de professores. A questão, então, é: como é que os professores chineses desenvolveram CPMF após se terem tornado professores? Para explorar esta questão, entrevistei três professores que eu considerava terem CPMF. COMPREENSÃO PROFUNDA DA MATEMÁTICA FUNDAMENTAL: COMO É ATINGIDA?
Por uma questão de conveniência na recolha de informação, entrevistei o Prof. Mao, a Prof. Wang e a Prof. Sun, que ensinavam, na mesma escola de ensino básico em Xangai, matemática elementar em anos avançados, anos intermédios e anos iniciais, respectivamente. Como a maioria dos professores que entrevistei52, estes professores ensinavam apenas matemática na altura desta entrevista. (Alguns professores 52 Os
doze professores da escola rural ensinavam todas as disciplinas.
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alternam entre disciplinas, mas actualmente isso é pouco frequente.) Em geral, numa escola com professores especializados, a especialização de um novo professor é determinada pelas necessidades da escola, as notas do novo professor nos exames para a docência e o interesse do próprio professor. Diferentemente dos professores do ensino básico (do primeiro e segundo ciclos) nos Estados Unidos, o Prof. Mao, a Prof. a Wang e a Prof.a Sun davam três a quatro aulas de 45 minutos por dia. Quando não estavam a ensinar, corrigiam trabalhos dos alunos ou preparavam aulas nos gabinetes que partilhavam com os seus colegas. Estudar materiais de ensino intensivamente
Quando questionados sobre como tinham atingido o seu conhecimento matemático de «uma forma sistemática», estes professores referiram a actividade de «estudar materiais de ensino intensivamente quando estavam a ensinar»: Primeiro que tudo, temos que ensinar de uma forma personalizada, e temos que estudar materiais de ensino intensivamente quando ensinamos. Em escolas normais fazemos cursos como «Os Conteúdos e Métodos de Ensino para a Matemática Elementar». Mas isso é insuficiente. Ficamos apenas com uma ideia breve e rudimentar do que é a matemática elementar, que não é relevante para o ensino real. Só através do ensino pessoal de um dado ano podemos saber realmente o que é ensinado nesse ano. Mais ainda, não devemos limitarnos a ensinar apenas um ano, mas sim ensinar ciclo após ciclo. As pessoas dividem a educação na escola básica em vários pequenos ciclos. Na nossa escola temos o primeiro ciclo, que vai do primeiro ao terceiro anos, e o segundo ciclo, que inclui o quarto e quinto anos. Em cada ciclo, vários anos estão ligados e cobrem um subcampo da matemática elementar. Se ensinámos ao primeiro ciclo,
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familiarizámo-nos com a imagem dos
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tópicos ensinados nos três primeiros anos e o modo como estão relacionados. Se ensinámos ao segundo ciclo, ficámos a conhecer a imagem do que é ensinado nos dois anos seguintes. Se ensinámos ambos os ciclos, conhecemos a imagem total do curriculum da matemática do ensino básico. Quanto mais vezes ensinarmos um ciclo, mais familiarizados nos tornaremos com os seus conteúdos. Mas ensinar apenas não é suficiente. Só nos permite conhecer o conteúdo, não necessariamente conhecê-lo bem. Para o conhecer bem, temos que estudar materiais de ensino intensivamente ao longo do ensino. (Prof. Sun) Os três elementos referidos pela Prof. a Sun — ensinar, ensinar ciclo após ciclo e estudar materiais de ensino intensivamente durante o ensino — também foram mencionados pelos outros professores. Ensinar e ensinar ciclo após ciclo pode não ser difícil de perceber, mesmo para pessoas fora da China. Mas podemos não perceber bem o que estes professores querem dizer com «estudar materiais de ensino intensivamente [zua- nyan jiaocai]», um termo que se ouve frequentemente quando falamos com um professor chinês. Provavelmente qualquer pessoa que saiba chinês e inglês traduziria o termo chinês jiaocai por «materiais de ensino» porque jiao significa literalmente «ensinar» e cai significa «materiais». Mas eu diria que, de facto, jiaocai é mais o que «curriculum» significa nos Estados Unidos. Geralmente, quando os professores chineses se referem a zuanyan jiaocai, o termo abrange três componentes principais — o Quadro de Referência do Ensino e Aprendizagem ( jiaoxue dagang ), manuais escolares (keben) e manuais do professor [beike fudao cailiao). O Quadro de Referência do Ensino e Aprendizagem é publicado pelo Departamento Nacional de Educação. Estipula o que os alunos devem aprender em cada ano e os padrões para a sua aprendizagem. É um documento similar em alguns aspectos aos Padrões para a Matemática Escolar (NCTM, 1989), do Conselho Nacional de Professores de Matemática (National 226
Council of Teachers of Mathematics — NCTM), ou a documentos oficiais como o Quadro de Referência de Matemática para as Escolas Públicas da Califórnia (1985, 1992), do Departamento de Educação da Califórnia. Na China, os manuais escolares pretendem interpretar e incorporar o Quadro de Referência do Ensino e Aprendizagem. O Departamento Nacional de Educação publicou em tempos um único conjunto de manuais escolares para todas as escolas públicas. Na última década, têm sido produzidas várias séries diferentes de manuais escolares, que interpretam o Quadro de Referência de forma mais adequada às diferentes situações locais. Contudo, a qualidade dos manuais escolares continua a ser rigorosamente controlada pelos governos central e locais e as várias versões são na realidade bastante similares. Cada conjunto de manuais escolares vem com uma série de manuais do professor, que disponibilizam aos professores os fundamentos do conhecimento contido nos respectivos manuais escolares e trazem sugestões de como os ensinar. Ambos, manuais escolares e do professor, são cuidadosamente redigidos por professores experientes e peritos em curriculum escolar reconhecidos a nível nacional. Tomando a definição de curriculum de Walker (1990) como «o conteúdo e o objectivo de um programa educativo em conjunto com a sua organização» (p. 5), podemos dizer que, em certo sentido, os três materiais podem ser considerados os componentes que integram o curriculum nacional da China. Os professores chineses estudam os três tipos de materiais de maneiras diferentes. Normalmente, os professores estudam o Quadro de Referência do Ensino e Aprendizagem durante o Verão ou antes do começo de um semestre. Quando estudam o Quadro de Referência, em particular a parte relacionada com o ano que vão ou estão a ensinar, os professores traçam metas gerais para o ano escolar e para cada semestre. Os professores não «negoceiam» com este documento, seguem-no. Eles consideram que uma das suas principais tarefas é ajudar os alunos a alcançar os padrões de aprendizagem estipulados no Quadro de Referência.
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O manual escolar é o material no qual os professores chineses investem a maior parte do seu tempo, dedicando a maioria dos seus esforços ao seu «estudo intensivo». Estudam-no constantemente quando o ensinam ao longo do ano escolar. Primeiro que tudo, preocupam-se em entender o «que ele é». Estudam como ele interpreta e ilustra as ideias no Quadro de Referência do Ensino e Aprendizagem, porque é que os autores estruturaram o livro de certa forma, quais são as relações entre os conteúdos, quais são as relações entre os conteúdos de um certo manual e os seus antecessores ou sucessores, o que é novo num manual escolar por comparação com uma versão antiga e porque é que foram feitas alterações, e por aí fora. A um nível mais detalhado, estudam como cada unidade do manual escolar está organizada, como o conteúdo é apresentado pelos autores e porquê. Estudam que exemplos existem numa unidade, porque é que estes exemplos foram escolhidos e porque é que os exemplos foram apresentados numa certa ordem. Revêem os exercícios em cada secção de uma unidade, o objectivo de cada secção de exercícios e assim por diante. De facto, conduzem uma pesquisa muito cuidadosa e crítica do manual escolar. Apesar de os professores normalmente acharem as ideias dos autores engenhosas e inspiradoras, por vezes também encontram partes nos manuais escolares que são insatisfatórias na sua perspectiva, ou fornecem ilustrações inadequadas de ideias do Quadro de Referência. Os manuais escolares na China (e nalguns outros países asiáticos) são bastante diferentes dos manuais nos Estados Unidos. Stevenson e Stigler (1992) descreveram-nos como: Volumes separados, raramente contendo mais do que cem páginas, cobrem o trabalho de cada semestre em cada disciplina. As capas são atractivas, mas as páginas interiores têm poucas ilustrações e são dedicadas principalmente ao texto. As ilustrações representam apenas o ponto central da lição, e existe muito pouca informação que não seja necessária para o desenvolvimento dos conceitos em consideração. Os manuais
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apresentam o essencial da lição, na expectativa de que o professor venha a trabalhar e a complementar a informação com outros materiais, (p. 139)
Por exemplo, os dois manuais escolares para os dois semestres de matemática do terceiro ano têm cada um menos de 120 páginas. Juntos pesam apenas 6 onças (170 g). Os onze tópicos que cobrem 53 são cuidadosamente organizados, cada um relacionado com o outro, e «existe muito pouca informação que não seja necessária para o desenvolvimento dos conceitos em consideração». Tal estrutura compacta mas rigorosa ajuda os professores a estudar o conteúdo por completo e a compreendê-lo solidamente. Além de uma cuidada investigação «do que ensinar», os professores estudam «como o ensinar», ou, usando a sua
53 Os
onze tópicos (com subtópicos entre parêntesis) são: Divisão com divisor de um algarismo (dividir com um divisor de um algarismo, divisão quando o quociente tem zero no meio ou no final do número, problemas contendo divisão e multiplicação, revisão). Problemas com operações combinadas e problemas com palavras (frases com números, problemas com palavras, revisão). Ler e escrever números com vários algarismos. Adição e subtracção com números de vários algarismos (adição com números de vários algarismos, propriedades comutativa e associativa da adição, subtracção com números de vários algarismos, relação entre adição e subtracção, como as propriedades comutativa e associativa podem tomar algumas operações com adição e subtracção mais fáceis, revisão). Reconhecimento do quilómetro. Reconhecimento da tonelada, do quilograma e do grama. Multiplicação com multiplicador de dois algarismos (multiplicar com um multiplicador de dois algarismos, multiplicação quando o multiplicando e/ou o multiplicador têm zeros no fim, revisão). Divisão com divisores de dois algarismos (dividir com um divisor de dois algarismos, relação entre multiplicação e divisão, revisão). Problemas com operações combinadas e problemas com palavras (frases com números, problemas com palavras, revisão). Ano, mês e dia. Perímetro de rectângulos e quadrados (rectas e segmentos de recta, ângulos, características dos rectângulos e quadrados, cálculo do perímetro de rectângulos e quadrados). Após os onze tópicos, o manual escolar tem uma «revisão do ano inteiro».
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linguagem, «como lidar com o material de ensino [chuli jiaocai]» 54 . De facto, na investigação «do que o material é», está sempre implícita e incluída a preocupação de «como o ensinar». Afinal, um manual escolar é composto com o propósito de ser ensinado. Indo directos ao problema de «como lidar com o material de ensino», os professores consideram a melhor forma de ensinar com o manual escolar — como apresentar a matéria, explicar um tópico, conceber exercícios apropriados para os alunos, etc. —, em suma, tal como o Prof. Mao disse, «como promover o máximo de aprendizagem no mais curto espaço de tempo, como beneficiar o mais possível todos os alunos numa turma, tanto os adiantados como os atrasados». No processo de estudar o que vem no manual e de como lidar com ele, ocorrem interacções entre «o que ensinar» e «como ensiná-lo». É fácil de ver que, através de tais interacções, o conhecimento de um professor sobre a matéria irá desenvolver-se, estimulado pela preocupação de como ensinar. Entre os três materiais de ensino anteriormente descritos, os professores chineses levam menos a sério o manual do professor. Apesar de muitos professores, particularmente os novos, os acharem muito úteis para uma exploração do que ensinar e como ensinar, é normalmente sugerido que um professor não se deve basear unicamente no referido manual e ser limitado por ele. Na prática, os manuais do professor são normalmente estudados como suplementos dos manuais escolares. Os manuais dos professores não fizeram parte do estudo descrito neste livro. Contudo, tal como os professores no meu estudo, usei manuais quando era professora do ensino básico. A descrição que se segue é baseada nessa experiência. Os manuais do professor providenciam explicações sobre os fundamentos matemáticos nos manuais escolares corres54 Quando
os professores mencionam o chuli jiaocai, referem-se a «lidar com o manual escolar». Apesar de num sentido lato jiaocai incluir manual escolar, manual do professor e o Quadro de Referência de Ensino e Aprendizagem, na prática, a maioria das vezes significa manual escolar.
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pondentes e sugestões de como ensinar. A introdução de um típico manual do professor dá uma panorâmica do manual escolar: os seus tópicos principais, a fundamentação lógica para a sua organização, a relação entre os tópicos no manual escolar e os tópicos dos volumes precedentes e dos que lhe sucedem. O corpo principal do manual é uma explicitação, secção por secção, de cada tópico e subtópico do manual escolar. O debate sobre cada tópico foca estas questões: Qual é o conceito relacionado com o tópico? Quais são os pontos difíceis ao ensinar o conceito? Quais são os pontos importantes ao ensinar o conceito? Quais são os erros e confusões que os alunos tendem a fazer quando aprendem este tópico? Após tratar estas questões, o manual fornece por vezes sugestões de soluções para problemas pedagógicos. Por exemplo, aqui fica parte da exposição sobre «O significado e as propriedades das fracções» do manual do professor para o manual escolar do quarto ano (Shen & Liang, 1992). Começa: Primeiro devíamos deixar os alunos compreender o significado das fracções — «quando um todo ‘Y é dividido em partes iguais, o número que exprime uma ou mais dessas partes é chamado 'fracção'». Aqui, os pontos difíceis na aprendizagem dos alunos são compreender o significado de um todo 'Y e compreender o que é a unidade fraccionária de uma fracção. O ponto importante é explicar claramente o conceito de «dividir em partes iguais», (p. 70)
O manual diz que os professores devem estar cientes da necessidade de mostrar que o conceito de um todo «1» nem sempre representa um objecto simples tal como um círculo, um rectângulo ou uma maçã. Também pode representar um grupo
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de objectos como uma turma de alunos, um cesto de maçãs ou uma pilha de livros. O manual continua: Quando se começa a ensinar o conceito de «dividir em partes iguais», as formas circulares são os auxiliares de ensino mais apropriados, porque é mais fácil ver as relações entre um todo e as suas partes a partir de uma forma circular igualmente dividida e dos seus sectores. Depois disso, podem ser usadas outras formas como auxiliares de ensino, para fortalecer e solidificar o conceito. Por exemplo, podemos pedir aos alunos para dobrarem um rectângulo em quatro partes iguais e colorirem um quarto e três quartos dele, para os ajudar a construir o conceito de ^ e f. Depois podemos pedir-lhes para cortar o rectângulo em quartos e colar os quartos no quadro para ilustrar que 3 Á são compostos de três y. A unidade fraccionária de ^ é X. Usando a mesma abordagem, podemos mostrar que j são compostos de quatro ~ — a unidade frac- cionária de y é y, etc. Desta forma, a dificuldade em ensinar «unidade fraccionária» estará resolvida, (p. 71) Após apresentar várias formas que podem ser usadas para ajudar os alunos a compreender o conceito de unidade fraccionária, o livro conclui: Se os alunos são capazes de examinar o valor de uma frac- ção e da sua unidade fraccionária, isso quer dizer que eles têm um entendimento preliminar do significado de uma fracção. Os professores podem então dar-lhes algumas formas geométricas para maior diferenciação. Por exemplo, podem perguntar aos alunos quais destas formas sombreadas representam correctamente as fracções por baixo delas, quais as representam incorrectamente, e porquê: 55 55 2
232
1
5
i
3
i
3
J-
2
1
4
Alguns professores experientes disseram que não usavam frequentemente o manual do professor porque já «sabiam o que ele contém». Contudo, para professores principiantes e mesmo para professores experientes que ensinam um dado ano pela primeira vez, os manuais providenciam um enquadramento para orientar o pensamento sobre o que irão ensinar e informação que facilita os primeiros passos de um entendimento mais profundo. Todos os professores que entrevistei sentiram que «estudar materiais de ensino de forma minuciosa» era muito importante para eles: Estudar materiais de ensino é extremamente importante. Estudar materiais de ensino é estudar o que iremos ensinar e como ensiná-lo aos nossos alunos; por outras palavras, é encontrar ligações entre o conhecimento e os alunos. Os professores estagiários de escolas normais, fazendo o seu ensino de estudo comigo, normalmente não conseguem compreender porque é que passamos tanto tempo a estudar materiais de ensino e o que podemos aprender com isso. Para eles, o estudo parece ser demasiado simples e elementar: há apenas vários problemas-tipo, um dos quais se pode resolver num minuto e explicar aos alunos em dois minutos. Mas eu disse-lhes que, mesmo depois de ensinar há mais de trinta anos, sempre que estudo um manual escolar vejo algo de novo. Como inspirar o raciocínio dos alunos, como explicar de forma mais clara, como despender menos tempo e deixar os alunos beneficiar mais, como motivar os alunos a aprender estes tópicos... As respostas para todas estas questões são apoiadas por uma compreensão profunda e ampla dos materiais de ensino. E todas as vezes que os estudamos, ficamos com uma melhor ideia do que se trata e de como ensiná-lo. Nunca iremos sentir que não
233
temos nada mais a aprender com o estudo dos materiais de ensino. (Prof. Mao).
234
«Estudar materiais de ensino» ocupa um lugar significativo no trabalho dos professores chineses. Por vezes é usado como sinónimo de «planificação de aulas»: Passo sempre mais tempo a preparar as aulas
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coisas repetidamente quando estudamos materiais de ensino. Acreditem, parece simples quando falo sobre isso, mas quando realmente o fazemos, é muito complicado, subtil e leva muito tempo. É fácil ser um professor do ensino básico, mas é difícil ser um bom professor do ensino básico. (Prof. Wang)
Das afirmações anteriores podemos ver como as interacções entre «o que ensinar» e «como ensinar» ocorrem aos professores antes de eles ensinarem uma lição ou um tópico. Através deste processo, desenvolvem-se quer o seu conhecimento do que ensinar quer o de como ensinar. O entendimento da fundamentação lógica da subtracção com reagrupamento é um exemplo notável de como os professores chineses melhoraram o seu conhecimento da matemática escolar através do estudo daquilo a que chamam «materiais de ensino». Apesar de termos visto neste estudo que a maioria dos professores chineses explicava a subtracção com reagrupamento como «decompor uma unidade de ordem superior», no final da década de 70 do século passado, a maioria dos professores chineses usava «emprestar». Durante a sua entrevista sobre subtracção, uma professora relatou que os pais de alguns dos seus alunos ainda ensinavam este conceito aos seus filhos. Contudo, a versão do Quadro de Referência do Ensino e Aprendizagem e a série de manuais escolares publicados no início da década de 80 eliminaram o conceito de empréstimo e substituíram-no pelo conceito de «decompor uma unidade de ordem superior», e a maioria dos professores usa agora este último.
Aprender matemática com os colegas Os professores chineses não estudam os materiais de ensino apenas a título individual, também os estudam com colegas e há interacções entre colegas na compreensão da matemática escolar. Os professores chineses estão organizados em jiaoyanzu ou «grupos de investigação de ensino» (para mais informação ver
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Paine & Ma, 1993). Estes grupos, que se encontram normalmente uma vez por semana durante cerca de uma hora, juntam-se formalmente para partilharem as suas ideias e reflexões sobre o ensino. Durante este período de tempo, estudar materiais de ensino é para eles uma actividade central. Além disso e porque os professores chineses não têm secretárias próprias numa sala de aula, partilham um gabinete com os seus colegas, normalmente com outros membros dos seus grupos de investigação de ensino. Os professores lêem e corrigem trabalhos dos alunos, preparam as aulas, têm conversas individuais com alunos e passam o seu tempo não lectivo nos seus gabinetes. Portanto, têm muitas interacções informais com colegas de profissão fora das reuniões formais dos seus grupos de investigação de ensino. Quando lhe perguntaram se aprendeu alguma matemática com os colegas, a Prof. Wang referiu-se imediatamente à sua experiência quando começou a ensinar: Aprendi imensa matemática com outros professores. Quando entrei para a escola, o meu mentor foi o Prof. Xie 56 , um professor de matemática muito bom que agora está reformado. Eu gostava de ouvir o Xie e outros professores a discutir como resolver um problema. Normalmente tinham várias formas de resolver um problema. Ficava impressionada por usarem ideias aparentemente muito simples para resolver problemas muito complicados. Foi com eles que comecei a ver a beleza e o poder da matemática.
De facto, não só os professores jovens aprendem matemática com os colegas, como também os professores experientes beneficiam dessa interacção. O Prof. Mao disse: Os debates com os meus colegas são normalmente muito inspiradores. Especialmente quando partilhamos o modo como
cada um de nós lida com certo tópico, concebe exercícios para a turma, administra o ritmo de ensino, que trabalho
56 Este
não era o Prof. Xie que participou no estudo.
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de casa escolhe e porquê, etc. No meu grupo de investigação de ensino sou o mais velho e o que ensinou por mais tempo; contudo, aprendo imenso com os meus jovens colegas. Eles são normalmente mais flexíveis do que eu nas formas de resolver os problemas. Por exemplo, Jianqiang é um jovem professor, que ensina há apenas três anos. Frequentemente resolve os problemas de uma forma própria, engenhosa e muito motivadora. Pessoas mais velhas têm uma experiência mais rica, mas normalmente temos uma forma fixa de resolver um problema. A forma como o ensinei antes pode limitar o meu raciocínio. Mas os jovens não têm caminhos tão rígidos. Têm tendência para pensar a várias dimensões, portanto podemos estimular-nos uns aos outros. A Prof.a Sun ensinou em duas escolas. Pedi-lhe para comparar a relação entre colegas nas duas escolas: Vim para esta escola há três anos, quando voltei para Xangai. Antes disso ensinei numa escola no concelho de Jianding, província de Zhejiang. Também aí tínhamos relações muito próximas no nosso grupo de investigação de ensino. Penso que um grupo assim é sempre útil porque precisamos de ser estimulados por alguém quando tentamos ter uma melhor compreensão de alguma coisa. Os modos como outros professores interpretam o Quadro de Referência do Ensino e Aprendizagem, como os colegas entendem um determinado tópico que vamos ensinar, e como o vão ensinar, etc., são sempre inspiradores. Mais ainda, partilhar as nossas ideias com outros força-nos a torná-las mais claras e explícitas. Eu sinto sempre que as minhas ideias nunca se teriam desenvolvido o suficiente se não as tivesse partilhado com os meus colegas. De facto, tal como sugerido pela Prof. Sun, aprender algo específico com um colega é apenas um dos benefícios da
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relação entre colegas. Outro, partilhar ideias com colegas, aumenta a motivação pessoal para estudar e tornar as ideias mais claras e explícitas. Além disso, o debate em grupo é um contexto onde facilmente se fica motivado. As interacções entre «o que ensinar» e «como ensinar» parecem fornecer o impulso para o crescimento do conhecimento da matemática escolar dos professores chineses, enquanto a relação entre colegas reúne ímpeto para o processo.
Aprender matemática com os alunos Eu não esperava que os professores me dissessem que tinham aprendido matemática com os seus alunos, mas disseram. O exemplo mais impressionante foi dado pelo Prof. Mao: Um bom professor pode aprender com os seus alunos para se enriquecer. Por vezes um aluno resolve um problema de uma forma em que eu nunca tinha pensado, ainda que tenha ensinado na escola do ensino básico por várias décadas. Posso contar-vos algo que aconteceu apenas há alguns dias. Estávamos na «unidade do triângulo» e pedi à minha turma para tentar calcular a área da seguinte figura:
A maioria dos alunos pensou que era impossível resolver este problema, uma vez que nenhuma das alturas dos triângulos era conhecida. Normalmente ensino isto referindo-me à fórmula para calcular a área de um triângulo e à propriedade
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distributiva. Digo normalmente aos alunos: «Olhem, esta figura, de cima para baixo, consiste em dois triângulos. Existe algo em comum entre estes dois triângulos. O que é?» Os alunos iriam descobrir que os dois triângulos partilham uma base comum. Então, da esquerda para a direita, a figura consiste também em dois triângulos que também partilham uma base comum. «Comecemos pelos triângulos de cima e de baixo. Uma vez que aprendemos como usar uma letra para representar um número, porque não tentamos usar letras para representar as alturas desconhecidas? Se escrevermos a altura desconhecida deste triângulo de cima como h\, como podemos representar a altura do triângulo de baixo? J . Ok, então como podemos escrever a fórmula para as suas áreas? Um aluno diria que para a área do triângulo de cima teríamos 25 x h\: 2 e para o triângulo de baixo 25 x /z 2: 2. Portanto a área de toda a figura seria 25 x h\: 2 + 25 x hi: 2. Uma vez que aprendemos a propriedade distributiva, sabemos que o factor comum 25 pode ser posto em evidência e o divisor 2 também. Portanto podemos reorganizar o problema desta forma: 12
25 x Jz, ; 2 + 25 x hi: 2 = 25 x (h, + h 2 ): 2 Este passo seria uma revelação para os alunos. Sabemos o que é hi + fa! E 24 cm! E o problema estaria resolvido. Mas desta vez, antes da minha explicação, um dos alunos levantou a mão e disse que sabia resolver o problema. Disse: «Vou desenhar um rectângulo à volta da figura.
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O comprimento do rectângulo é 25 cm e a largura 24 cm. A sua área é 25 x 24. A nossa figura original no meio do rectângulo é exactamente metade do rectângulo. Por isso, divido 25 x 24 por 2 e saberei a área da figura.» Como podem ver, a sua forma de resolver era bem mais simples do que a minha. Eu nunca tinha pensado nesta solução inteligente! Mas percebi a sua ideia imediatamente. A maioria dos alunos continuava intrigada. Precisava de os ajudar a compreender como e porque é que esta forma de resolver funcionava. Disse à turma: «Esta é uma boa ideia. Por favor, olhem, quantos rec- tângulos pequenos existem neste rectângulo grande?» «Quatro.» «Ok.» Apontei para um desses rectângulos pequenos e perguntei: «O que é esta linha neste rectângulo?» «Linha diagonal.» «E quanto à área dos dois triângulos pequenos separados pela linha diagonal?» «Têm a mesma área.» Depois os alunos depressa descobriram que cada rectângulo pequeno estava dividido em duas partes. Nós tínhamos encontrado quatro partes dentro e quatro partes fora; as quatro de dentro, que formavam a figura original, eram da mesma área das quatro de fora. Portanto, a área da nossa figura original era exactamente metade da do rectângulo grande... Mas, para conseguirmos agarrar novas ideias dos alunos como esta na sala de aula, temos que ter uma boa compreensão da matemática. Temos que as agarrar no momento, com toda a turma a aguardar a nossa orientação. 241
A Prof. Wang também mencionou que tinha aprendido com os seus alunos e disse que estava convencida que alguns alunos adiantados eram mais conhecedores do que ela, quando começou a ensinar. A Prof. Sun descreveu o que aprendeu com os alunos dos primeiros anos: Os alunos são bastante criativos. Eles têm-me ensinado muito. Eu costumava ensinar anos mais avançados noutra escola. Nesta escola quiseram que ensinasse os primeiros anos. Os pequenos têm-me surpreendido tantas vezes! Por exem-
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pio, nunca tinha pensado que o problema da subtracção com decomposição acerca do qual me entrevistou, podia ser resolvido de tantas maneiras diferentes. Foram os meus alunos que propuseram as soluções não usuais. De facto, as propostas deles aprofundaram a minha compreensão do algoritmo.
As explicações destes professores acerca de como tinham aprendido com os seus alunos lembraram-me uma conversa que tive com outra professora há muitos anos. Ela disse: Em termos de resolver problemas matemáticos, alguns dos meus alunos são ainda mais capazes do que eu. Alguns problemas na competição de matemática do distrito escolar são complicados de mais para mim. Mas alguns estudantes da minha aula conseguem-no. Estou contente por os meus alunos conseguirem ir além de mim. Mas também sei que fui eu, o meu ensino, que lhes deu poder.
Penso que ela está certa. Alunos criativos são encorajados num contexto de ensino e aprendizagem criativos. De facto, é um professor que cria tal contexto, que prepara os alunos para se tornarem professores do seu professor.
Aprender matemática fazendo matemática Fazer matemática era um tópico importante para estes professores chineses. «Resolver um problema de várias formas [yiti duojie]» parecia ser para eles um importante indicador de capacidade para a matemática. Os professores disseram-me que era uma maneira de se aperfeiçoarem. A Prof. a Wang disse que era uma das principais vias de aperfeiçoamento do seu conhecimento matemático: O meu conhecimento de matemática aperfeiçoou-se substancialmente depois de me ter tornado professora. Quando
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vim pela primeira vez para esta escola em 1980, tinha muito pouco conhecimento de matemática elementar, pois fizera a minha própria escola básica e secundária durante a Revolução Cultural, quando as escolas não ensinavam seriamente os alunos. A princípio era ajudante do Prof. Xie na sua turma do sexto ano. O meu trabalho era corrigir os trabalhos de casa dos alunos e ajudar os alunos mais atrasados. Nessa altura senti que muitos alunos na turma de Xie eram mais espertos do que eu. Fiquei surpreendida quando vi quão capazes eram os alunos mais rápidos a resolver problemas complicados. Eu não conseguia fazê-lo de todo. No ano seguinte fui destacada para ensinar o terceiro ano. Depois segundo, depois terceiro, e depois terceiro, terceiro, quarto, quinto, sexto. Em anos recentes tenho ensinado os anos mais avançados. Uma das maneiras como tenho aperfeiçoado o meu conhecimento matemático é resolvendo problemas matemáticos fazendo matemática. As formas inteligentes como professores experientes como Xie, Pan e Mao, e mesmo os alunos mais adiantados, resolviam problemas matemáticos impressionavam-me mesmo. Para me aperfeiçoar a mim própria, primeiro que tudo fiz com antecedência todos os problemas que iria pedir aos meus alunos para resolver. Depois estudei como explicar e analisar os problemas com as crianças. Para fazer mais problemas matemáticos procurei livros de colecções de problemas matemáticos e resolvi os problemas destes livros. Não sei quantos problemas matemáticos fiz após me tornar professora, muitos, muitos, já perdi a conta. Actualmente estou a estudar uma colecção de problemas de competições matemáticas. São problemas mais complicados do que aqueles que ensinamos na escola, mas sinto que melhoro quando os estudo. Partilho a forma como resolvo problemas difíceis com outros professores, normalmente com Jianqiang. Ele também gosta de resolver problemas complicados de matemática. Gostamos de discutir várias formas de os resolver. 244
«Fazer matemática» é a actividade principal dos matemáticos. Lange (1964) escreveu: A maioria dos membros da comunidade matemática — notável comunidade a nível mundial, possuindo uma universalidade incomum noutras áreas do empreendimento humano — prefeririam fazer matemática, sem se preocuparem excessivamente com a questão do que é que estão a fazer. (p. 51)
Enquanto os matemáticos podem não se preocupar «excessivamente com a questão do que é que estão a fazer», os professores que ensinam matemática não podem ignorar a questão do que é que estão a ensinar. Contudo, um professor de matemática deveria manter também o seu entusiasmo por fazer matemática. Tudo indica que um professor de matemática deve tomar em consideração os dois interesses: fazer matemática, bem como tornar claro o que está a fazer ou a ensinar. Através desta interacção, desenvolve-se o conhecimento da matéria por parte de um professor. Nas explicações dos três professores sobre como desenvolveram a sua compreensão da matemática escolar, vemos um processo com uma série de interacções: entre considerações do que se devia ensinar e de como ensiná-lo; entre colegas; entre professores e estudantes; e entre o interesse de cada um na matemática como professor e como leigo ou matemático. Ainda que todas estas interacções contribuam para o desenvolvimento e a construção do conhecimento da matéria por parte de um professor, a interacção entre a consideração do que ensinar e de como o ensinar parece ser o «eixo» que faz girar a «roda», enquanto a relação entre professores actua como os «raios» que ligam todas as peças. O conhecimento da matéria de matemática por parte de um professor, desenvolvido com a preocupação de ensinar e aprender, será relevante para ensinar e é provável que seja usado no ensino. Por outras palavras, os professores chineses desenvolvem e aprofundam o seu conhecimento de matemá-
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tica elementar, preparando-se para as aulas, ensinando a matéria e reflectindo sobre o processo. Portanto, o que eles aprendem irá contribuir para e será usado nesse ensino. SUMÁRIO Neste capítulo foram discutidos os resultados de dois breves estudos que investigaram quando e como a CPMF é atingida. De modo a saber quando um professor pode atingir a CPMF, entrevistei dois grupos chineses de não-professores, alunos do nono ano e recém-formados, colocando-lhes as mesmas questões que havia colocado aos professores que tinha entrevistado anteriormente. Ambos os grupos mostraram compreensão conceptual e competência algorítmica. Ao contrário das respostas dos alunos do nono ano, as respostas dos recém-formados aos quatro cenários apresentaram uma preocupação por ensinar e aprender. Nenhuma das respostas manifestou CPMF: não houve explicações sobre ligações entre tópicos matemáticos, soluções múltiplas para um problema, princípios básicos da matemática ou coerência longitudinal. Todos os membros dos dois grupos de futuros professores chineses manifestaram maior entendimento conceptual que os professores americanos; por exemplo, todos mostraram uma compreensão da fundamentação lógica para a multiplicação com números de vários algarismos. Os grupos de futuros professores chineses também mostraram maior conhecimento procedimental: todos fizeram os cálculos correctamente (com a excepção de um erro menor) e todos sabiam as fórmulas para o cálculo da área e do perímetro de um rectângulo. 85% dos recém-formados, mas apenas 40% dos alunos do nono ano, criaram uma história-problema que representava correctamente o significado da divisão por fracções. 58% dos recém-formados e 60% dos alunos do nono ano chegaram a uma solução correcta nas suas explicações sobre a relação entre a área e o perímetro de um rectângulo. Em comparação, 43% dos
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professores americanos foram bem-sucedidos no cálculo da divisão por fracções, mas apenas um deles (4%) criou uma história-problema que representava correctamente o significado da divisão por fracções. Apenas um dos professores americanos alcançou uma solução correcta ao expor a relação entre a área e o perímetro de um rectângulo e 17% disseram que não sabiam as fórmulas para calcular a área e o perímetro. O segundo estudo investigou como os professores chineses atingiram a CPMF. Entrevistei três professores com CPMF, perguntando-lhes como tinham adquirido o seu conhecimento matemático. Os professores mencionaram vários factores: aprender com os colegas, aprender matemática com os alunos, aprender matemática resolvendo problemas, ensinar, ensinar a todos os ciclos de uma ponta à outra e estudar materiais de ensino de forma exaustiva. Durante os Verões e no início do período escolar, os professores chineses estudam o Quadro de Referência de Ensino e Aprendizagem, um documento com algumas semelhanças com os Padrões para a Matemática Escolar (NCTM, 1989), do Conselho Nacional de Professores de Matemática (National Council of Teachers of Mathematics — NCTM), ou com documentos oficiais como o Quadro de Referência de Matemática para as Escolas Públicas da Califórnia (1985,1992), do Departamento de Educação da Califórnia. O material mais estudado é o manual escolar. Os professores estudam-no e discutem-no durante o ano escolar enquanto o ensinam. Comparativamente, dedicam pouco tempo a estudar o manual do professor, ainda que os professores novos o considerem útil. Os dois estudos sugeriram que, apesar de a sua escolaridade lhes fornecer uma base sólida, os professores chineses desenvolvem CPMF durante as suas carreiras de ensino — estimulados por uma preocupação sobre o que ensinar e como o ensinar, incentivados e apoiados pelos seus colegas e materiais de ensino.
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7 Conclusão
Tal como disse no início deste livro, a motivação inicial para o meu estudo era explorar algumas causas possíveis dos resultados insatisfatórios em matemática dos alunos nos Estados Unidos, quando comparados com os resultados dos seus colegas em alguns países asiáticos. Para concluir, gostava de voltar à minha preocupação original acerca da educação matemática das crianças nos Estados Unidos. Tendo analisado em profundidade o conhecimento dos professores em matemática escolar, sugiro que, para melhorar a educação matemática dos alunos, uma acção importante é melhorar a qualidade desse conhecimento. Apesar de a intenção do meu estudo não ter sido a avaliação do conhecimento matemático dos professores americanos e chineses, ele revelou algumas diferenças importantes no respectivo conhecimento de matemática escolar. Não deve ter sido por acaso que nem um só professor do grupo de professores americanos acima da média tenha revelado uma compreensão profunda da matemática elementar. De facto, o hiato de conhecimento entre professores americanos e chineses é paralelo ao hiato de aprendizagem entre alunos americanos e chineses revelado por outros estudiosos (Stevenson et ah, 1990; Stevenson & Stigler, 1992). Dado que o paralelo dos dois hiatos não é mera coincidência, segue-se que, se quisermos
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trabalhar no aperfeiçoamento da educação matemática dos alunos, também precisaremos de aperfeiçoar o conhecimento dos seus professores em matemática escolar. Tal como indicado na introdução, a qualidade do conhecimento da matéria pelo professor afecta directamente a aprendizagem dos alunos — e pode ser imediatamente alvo de intervenção. O conhecimento dos professores sobre a matéria desenvolve-se num processo cíclico ilustrado na Fig. 7.1.
Fig. 7.1. Três fases durante as quais o conhecimento dos professores desenvolve
A Fig. 7.1 ilustra três períodos durante os quais o conhecimento da matéria de matemática escolar por parte dos professores pode ser incentivado. Na China, a espiral é ascendente. Os professores atingem competência matemática quando são ainda estudantes. Durante os programas de formação para o ensino, as suas competências matemáticas começam a estar ligadas a uma preocupação acerca de ensinar e aprender matemática escolar. Finalmente, durante as suas carreiras de professores, à medida que transmitem aos alunos competência matemática, desenvolvem um conhecimento da matéria que, na sua forma mais elevada, designei por CPMF. Infelizmente, não é este o caso dos Estados Unidos. Tudo indica que a baixa qualidade da educação matemática escolar e a baixa qualidade do conhecimento dos professores em matemática escolar se reforçam mutuamente. É pouco provável
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que os professores que não adquirem competência matemática durante os seus estudos tenham outra oportunidade de a adquirir. O estudo NCRTE (1991) dos programas de formação de professores indica que a maioria dos programas de preparação dos professores americanos se concentram em como ensinar matemática em vez de focarem a matemática propriamente dita. Após a preparação para o ensino, espera-se que os professores saibam como e o que irão ensinar, sem requerer mais estudo (Schifter, 1996a). Esta suposição reflecte-se na estrutura educacional americana: a Comissão Nacional para o Ensino e o Futuro da América (1997) não encontrou qualquer sistema em funcionamento para assegurar que os professores têm acesso ao conhecimento de que precisam. Esta lacuna pode ser um importante obstáculo à reforma. Em 1996, após dois anos de estudo intensivo, a comissão concluiu que «a maioria das escolas e dos professores não pode alcançar os objectives estabelecidos pelos novos padrões educacionais, não porque não tenham vontade, mas porque não sabem como, e os sistemas em que trabalham não os apoiam a fazê-lo» (p. 1). Reflectindo sobre a educação matemática dos chineses, podemos constatar que a espiral ascendente não está lá por acaso, mas porque é cultivada e apoiada pela robustez da substância matemática escolar na China. Se a disciplina que eles ensinam não tivesse profundidade e alcance, como poderiam os professores chineses desenvolver uma profunda compreensão a seu respeito? De facto, pode existir outra espiral ascendente na China — entre matemática elementar essencial e educação matemática sólida, o que contrasta com os prolongados baixos níveis nos Estados Unidos, onde uma matemática elementar inadequada («capacidades básicas», «aritmética de balconista») reforça e é reforçada por uma educação matemática insatisfatória. Nos Estados Unidos é largamente aceite que a matemática elementar é «básica», superficial e facilmente compreendida. A informação neste livro desmascara este mito. A matemática elementar não é de todo superficial, e quem quer
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que seja que a ensine tem que a estudar de forma a entendê-la de uma forma ampla57. Como pode este círculo vicioso — entre aprendizagem insatisfatória dos alunos e conhecimento inadequado dos professores, entre educação matemática insatisfatória e matemática elementar inadequada — ser quebrado? Como podem os objectivos da reforma ser atingidos? Concluo com algumas recomendações. CONSIDERAR SIMULTANEAMENTE O CONHECIMENTO DOS PROFESSORES E A APRENDIZAGEM DOS ALUNOS
Primeiro que tudo, gostaria de afirmar que, apesar de considerar que o hiato no conhecimento dos professores é um factor do hiato na aprendizagem dos alunos, não olho para um aperfeiçoamento do conhecimento dos professores como necessariamente precedente do aperfeiçoamento da aprendizagem dos alunos. Antes acredito que ambos deviam ser considerados simultaneamente, e que o trabalho em cada um devia apoiar o trabalho no outro. Porque são processos interdependentes, não podemos esperar que aperfeiçoar primeiro o conhecimento matemático dos professores tenha como consequência aperfeiçoar automaticamente a educação matemática dos alunos. Conforme vimos no capítulo anterior, o conhecimento da matéria de matemática escolar por parte dos professores é um produto da interacção entre a competência matemática e a preocupação de ensinar e aprender matemática. A qualidade da interacção depende da qualidade de cada componente. Visto que a escolaridade não providencia ainda aos futuros professores uma competência matemática forte, a base para desenvolver conhecimento para ensinar fica enfraquecida. Como a minha informação mostra, o grupo de alunos chineses do nono ano era mais
57 Outros
eruditos, tal como Bali (1988d), também revelaram a falsidade da as- pretensão de que a matemática elementar é comummente compreendida.
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competente em matemática elementar do que o grupo de professores americanos, e além disso mostrou maior entendimento conceptual. Isto sugere que, apesar de os professores chineses desenvolverem CPMF durante as suas carreiras de ensino, a sua escolaridade fornece uma base sólida para esta. Os candidatos a professores nos Estados Unidos não terão esta base sólida se a aprendizagem dos alunos não for tomada em consideração. A segunda razão pela qual o aperfeiçoamento do conhecimento da matéria de matemática por parte dos professores não pode ser isolado da melhoria do ensino da matemática escolar é que, como revelei, a actividade docente é o período-chave durante o qual os professores chineses desenvolvem um conhecimento dessa matéria — dado que têm motivação para aperfeiçoar o seu ensino e oportunidade para o fazer. Se isto é verdade, é utópico esperar que o conhecimento da matéria de matemática escolar pelos professores americanos seja aperfeiçoado antes de a educação matemática na escola ser aperfeiçoada. Aperfeiçoar o conhecimento da matéria por parte dos professores e aperfeiçoar a educação matemática dos alunos são assim processos interligados e interdependentes que têm de ocorrer simultaneamente. O que é necessário, então, é um contexto de ensino no qual seja possível aos professores aperfeiçoar o seu conhecimento de matemática escolar, à medida que trabalham para aperfeiçoar o seu ensino da matemática. REALÇAR A INTERACÇÃO ENTRE O ESTUDO DA MATEMÁTICA ESCOLAR PELOS PROFESSORES E O MODO DE A ENSINAR
Mostrei que o período-chave durante o qual os professores chineses desenvolvem a sua profunda compreensão da matemática escolar é quando estão a ensiná-la. Contudo, esta descoberta pode não se aplicar aos professores nos Estados Unidos. Em termos do conhecimento da matéria, os professores americanos experientes neste estudo não actuaram melhor que os seus
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colegas em início de carreira. Esta descoberta está de acordo com a do Centro Nacional de Investigação sobre a Formação de Professores (1991). A questão então é: porque é que ensinar matemática neste país não produz CPMF entre os professores? Tenho observado que ao ensino da matemática nos Estados Unidos falta uma interacção entre o estudo da matemática ensinada e o estudo de como ensiná-la. Vários factores impedem os professores de estudar cuidadosamente a matemática escolar que ensinam. Um é a pretensão que já discuti — que a matemática elementar é «básica», superficial e comummente compreendida. Outra pretensão — que os professores não precisam de estudar mais a matéria que ensinam — também impede os professores de voltarem a estudar a matemática escolar. Schifter escreveu: A noção de que pode e deve esperar-se que mesmo os professores experientes continuem a aprender nas suas aulas contrasta vivamente com a tradicional pretensão de que tornar-se professor marca uma etapa final na aprendizagem. Não é grande exagero dizer que, de acordo com as convenções da cultura escolar, os professores, por definição, já sabem — sabem o conteúdo que vão ensinar, a sequência das lições que devem seguir para o ensinar e as técnicas para impor ordem numa sala cheia de alunos. (1996a, p. 163)
Mesmo que os professores tivessem tempo e inclinação para estudar matemática escolar, o que iriam eles estudar? Bali (1996) escreveu: «não é claro que a maioria dos que desenvolvem os curricula tenham a aprendizagem dos professores como um objectivo». H. Burkhardt (comunicação pessoal, 11 de Maio, 1998) disse: «os profissionais do desenvolvimento curricular, embora advoguem uma abordagem construtivista para as crianças, apenas permitem que os professores aprendam gradualmente de uma forma intuitiva». Os manuais escolares fornecem pouca orientação aos professores (Armstrong & Bezuk, 1995; Schmidt, 1996, p. 194),
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possivelmente porque não se espera que eles os leiam. Burkhardt (comunicação pessoal, 11 Maio, 1998) disse: Os manuais escolares de matemática fornecem um guião (com encenação) para o professor usar, ao explicar o tópico e orientar a lição; dos alunos espera-se apenas que leiam e façam os exercícios no final de cada capítulo. Ninguém lê «os guias do professor», excepto em cursos de mestrado.
Apesar de os resultados do Terceiro Estudo Internacional de Matemática e Ciência indicarem que as aulas de matemática elementar nos Estados Unidos tendem a ser baseadas nos manuais escolares (Schmidt, 1996, p.104), pouca investigação foca exactamente o modo como os professores usam os manuais escolares (Freeman & Porter, 1989, pp. 67-88; Sosniak & Stodolsky, 1993). Esta investigação indica que pode haver grandes variações na selecção dos tópicos, ênfase de conteúdos e sequência de ensino por parte dos professores. Os manuais escolares raramente são seguidos do princípio ao fim (Schmidt, McKnight, & Raizen, 1997). Estudos de caso sugerem que o conhecimento dos professores representa um importante papel na maneira como os conteúdos dos manuais escolares são escolhidos e interpretados (Putman, Heaton, Prawat, & Remillard, 1992). Mesmo o ensino de um tópico pode ter grandes variações: como vimos nos primeiros três capítulos deste livro, professores diferentes podem explicar o mesmo tópico de formas bem diferentes. Na China, ensinar uma disciplina é considerado semelhante a actuar numa peça. Apesar de um actor ter que saber muito bem o seu papel e poder interpretá-lo de uma forma original, não é admissível que ele escreva (ou reescreva) a peça. Com efeito, uma peça bem escrita não irá cercear a actuação ou a criatividade do actor, mas irá antes estimulá-la e inspirá-la. O mesmo pode ser verdade para os professores. Ensinar pode ser uma actividade socialmente cooperativa. Precisamos tanto de bons actores como de bons dramaturgos. Um manual
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escolar composto de uma forma atenta e cuidadosa encerra em si mesmo sabedoria sobre o curriculum, com a qual os professores podem «falar» e que os pode inspirar e elucidar. Na China, os manuais escolares são concebidos não apenas para os alunos, mas também para a aprendizagem dos professores sobre a matemática que estão a ensinar. Os professores estudam os manuais escolares muito cuidadosamente: pesquisam-nos individualmente e em grupos, conversam sobre o seu significado, fazem os problemas em conjunto e têm conversas sobre eles. Os manuais do professor fornecem informação acerca de conteúdo e pedagogia, pensamento dos alunos e coerência longitudinal. O tempo é aqui uma questão importante. Se, no seu muito limitado tempo fora das salas de aula, os professores têm que descobrir o que ensinar por si próprios e decidir como o ensinar, que tempo lhes resta para estudarem cuidadosamente o que irão ensinar? Os professores americanos têm menos tempo de trabalho fora das salas de aula do que os professores chineses (McKnight e tal., 1987; Stigler & Stevenson, 1991), mas precisam de fazer muito mais neste tempo limitado. O que se espera que os professores americanos alcancem é, então, impossível. Está claro que eles não têm tempo suficiente nem apoio apropriado para pensar do princípio ao fim, exaustivamente, sobre o que vão ensinar. E sem uma ideia clara do que ensinar, como podem determinar como o ensinar de uma forma reflectida? CENTRARMO-NOS DE NOVO NA PREPARAÇÃO DOS PROFESSORES
Eu insisto que a formação dos professores é um período estrategicamente crítico durante o qual pode ser feita a mudança, em concordância com o que o relatório da Conferência sobre a Preparação Matemática dos Professores da Escola Básica sugere: Faz sentido atacar o problema da educação matemática escolar elementar ao nível da faculdade. Todos os professores vão para a
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universidade — é onde eles esperam aprender a ensinar. Mais ainda, a tarefa é passível de ser gerida ao nível universitário... apenas cerca de mil escolas universitárias formam professores. (Cipra, 1992, P. 5)
Apesar de a informação em meu poder não mostrar que os professores chineses desenvolvem a CPMF durante a sua preparação, isto não quer dizer que deva ser minimizado o papel da preparação do professor no aperfeiçoamento do conhecimento da matemática elementar. Pelo contrário, no círculo vicioso formado por educação matemática e conhecimento da matemática elementar por parte dos professores, ambos de baixa qualidade — uma terceira parte —, a preparação dos professores pode ajudar a quebrar o círculo. Centrarmo-nos na preparação dos professores, contudo, cria outra tarefa importante para a investigação educacional — reconstruir uma matemática escolar sólida e substancial para professores e alunos aprenderem. O que devíamos fazer era reconstruir uma matemática escolar substancial com um entendimento mais amplo da relação entre matemática fundamental e novos ramos avançados da disciplina. Reconstruir uma matemática escolar sólida para hoje é uma tarefa para os investigadores de educação matemática. De facto, a menos que tal matemática escolar seja desenvolvida, o reforço mútuo de conteúdos e ensino de baixos níveis não será corrigido. ENTENDER O PAPEL QUE OS MATERIAIS CURRICULARES, INCLUINDO OS MANUAIS ESCOLARES, PODEM DESEMPENHAR NA REFORMA
À semelhança dos manuais escolares, documentos de reforma como o Quadro de Referência de Matemática para as Escolas Públicas da Califórnia (1985) e os Padrões para a Matemática Escolar (1989) do Conselho Nacional de Professores de Matemática (National Council of Teachers of Mathematics — NCTM) prestam-se a múltiplas interpretações (Putman et al.,
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1992), que dependem do conhecimento e das crenças do leitor acerca da matemática, do ensino e da aprendizagem. Os Padrões Profissionais para o Ensino da Matemática (NCTM, 1991, p. 32) referem que «os manuais escolares podem ser recursos úteis para os professores, mas os professores também devem ter liberdade para adaptarem os textos ou desviarem-se deles, se as ideias e conjecturas dos alunos ajudarem a definir a rota dos professores pelo conteúdo». Ferruci (1997) fez notar que descontinuar o uso de manuais escolares pode ser visto como sendo consistente com esta afirmação. Outros caracterizam os professores reformistas como os que «usam o manual escolar como um complemento do curriculum» para trabalho de casa, prática e revisão; ao invés, os professores tradicionais dependem do texto para orientar o âmbito e a sequência do curriculum (Kroll & Black, 1993, p. 431). Por causa do descontentamento com os manuais escolares (Bali, 1993b; Heaton, 1992; Schifter, 1996b) ou porque eram encorajados a fazê-lo nos programas de formação (Bali & FeimanNemser, 1988), alguns professores adeptos da reforma organizam independentemente os seus próprios curricula, elaboram os seus próprios materiais e implementam as lições que projectaram (Heaton, 1992; Shimahara & Sakai, 1995; Stigker, Fernandez, & Yoshida, 199b, p. 216; para narrativas de professores do Programa de Verão de Matemática, ver Schifter, 1996c, 1996d). Bali e Cohen (1996) escreveram: Os formadores menosprezam frequentemente os manuais escolares, e muitos professores reformistas repudiam-nos, anunciando desdenhosamente que não usam textos. Esta idealização de autonomia profissional leva à visão de que bons professores não seguem manuais escolares, mas que em vez disso fazem o seu próprio curriculum.... Esta hostilidade em relação
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aos textos, juntamente com a imagem idealizada do profissional individual, têm inibido uma consideração cuidadosa do papel construtivo que o curriculum pode desempenhar, (p. 6)
Não é necessário que os professores tenham uma relação antagónica com os manuais escolares. A informação em meu poder ilustra como os professores tanto podem usar como ir além do manual escolar. Por exemplo, as bases de conhecimento dos professores chineses são consistentes com o curriculum nacional. Mas a ideia do aluno que o Prof. Mao «agarrou» (capítulo 6) e os métodos não usuais da subtracção com rea- grupamento, multiplicação com números de vários algarismos e divisão por fracções descritos pelos professores chineses não estavam no manual escolar. Os manuais do professor podem explicar as intenções e razões dos profissionais de desenvolvimento curricular relativamente às formas como os tópicos são seleccionados e sequenciados. Os manuais podem também fornecer informação muito específica sobre a natureza das respostas dos alunos a actividades específicas (Magidson, Abril de 1994; Stigler, Fernandez, & Yoshida, 1996), que pode apoiar os professores centrados no pensamento dos alunos. Contudo, tal informação pode ser inútil se os professores não reconhecerem o seu significado ou não tiverem tempo e energia para efectuar um estudo cuidadoso dos manuais. (Magidson, 1994 Abril) COMPREENDER A CHAVE PARA A REFORMA: INDEPENDENTEMENTE DA SUA FORMA, AS INTERACÇÕES NA SALA DE AULA DEVEM CENTRAR-SE NA MATEMÁTICA SUBSTANTIVA
Tal como o uso de manuais escolares, o tipo de ensino advogado pelos documentos de reforma está sujeito a várias interpretações. Por exemplo, Putman e os seus colegas (1992) entrevistaram professores da Califórnia e formadores de
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matemática do estado. Alguns achavam que o foco principal do quadro de referência de 1985, acima citado, era o que ensinar — «conteúdo matemático importante»; outros que era como ensinar — «um apelo ao uso de materiais manipuláveis e grupos cooperativos» (p. 214). Durante 1992 e 1993, o Projecto de Reconhecimento e Registo da Reforma em Educação Matemática estudou escolas em todos os Estados Unidos. Fer- rini-Mundi e Johnson (1994), membros do projecto, notaram que esforços superficiais podem passar por mudança. «Salas de aula de matemática podem aparentar ser muito orientadas por competências, com máquinas calculadoras em evidência, alunos trabalhando em grupo, materiais manipuláveis disponíveis e problemas interessantes em discussão» (p. 191), mas os investigadores precisam de uma compreensão mais profunda do que está a acontecer nestas salas de aula. Esta dicotomia é avivada quando consideramos as salas de aula dos professores chineses. Por um lado, o ensino da matemática nas salas de aula chinesas, mesmo por um professor com CPMF, parece bastante «tradicional», isto é, contrário ao defendido pela reforma. O ensino da matemática na China é claramente baseado no manual escolar. Nas salas de aula chinesas, os alunos sentam-se em filas de frente para o professor, que é obviamente o líder, o autor da agenda e o orientador da aprendizagem. Por outro lado, podemos ver nas salas de aula chinesas, particularmente naquelas com professores com CPMF, características defendidas pela reforma — o ensino para uma compreensão conceptual, o entusiasmo dos alunos e oportunidades para exprimirem as suas ideias, a sua participação e contribuição para o seu próprio processo de aprendizagem. Como podem estas características aparentemente contraditórias — algumas refutadas e outras defendidas pela reforma — ocorrer ao mesmo tempo? O que pode este intrigante contraste implicar para os esforços de reforma nos Estados Unidos? A perspectiva de Cobb e dos seus colegas (Cobb, Wood, Yackel, & Meneai, 1992) ajuda a explicar este imbróglio. Cobb e os seus colegas vêem a essência da actual reforma como
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uma mudança da tradição da matemática nas salas de aula, e insistem que o ensino tradicional e o reformista diferem na «qualidade dos significados normativos e nas práticas da matemática» mais do que em «caracterizações retóricas». No seu estudo de caso de duas salas de aula, uma com «tradição de matemática escolar» onde o conhecimento era «transmitido» do professor para «alunos passivos», e a outra com «tradição de matemática de averiguação» na qual a «aprendizagem matemática era vista como um processo interactivo, construtivo e centrado nos problemas», estudiosos concluíram que, em ambos os casos, os professores e os alunos contribuíam activamente para o desenvolvimento da tradição da matemática na sua sala de aula, enquanto em ambas as salas de aula os professores expressavam a sua «autoridade institucionalizada» durante o processo. Cobb e os seus colegas sugerem que «aprendizagem significativa» pode ser mera retórica na educação matemática porque «a actividade de seguir instruções procedimentais também pode ser significativa para os alunos» em certas tradições da matemática nas salas de aula. A metáfora de transmissão que descreve o ensino matemático tradicional como a tentativa de transmitir conhecimento do professor para alunos passivos pode parecer apropriada apenas «no contexto político da reforma» (p. 34). Neste sentido, apesar de o ensino matemático nas salas de aula dos professores chineses não ir ao encontro de algumas «caracterizações retóricas» da reforma, ele enquadra-se de facto na tradição da matemática nas salas de aula defendida pela actual reforma. Na verdade, ainda que a sala de aula de um professor chinês com CPMF possa parecer bastante «tradicional» na sua forma, ela transcende a forma em muitos aspectos. É baseada no manual escolar, mas não confinada aos manuais escolares. O professor é o líder, mas as ideias e iniciativas dos alunos são altamente encorajadas e valorizadas.
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Por outro lado, que tipo de «ensino para a compreensão» podemos esperar de um professor que não consegue dar uma explicação matemática dos algoritmos da subtracção com reagrupamento, multiplicação com números de vários algarismos ou divisão por fracções? Ou de um professor que não pode fornecer uma representação correcta do significado de uma operação aritmética tal como divisão por fracções? Ou ainda de um professor que não está motivado para explorar novas asserções matemáticas? Para tornar a situação mais clara, podemos pensar numa sala de aulas como a de Bali (1993a, 1993b, 1996), considerada por alguns como um modelo da corrente reforma: Na sala de aula centrada no pensamento e debate dos alunos — a sala de aula imaginada pelos reformadores da educação matemática — , as crianças dividem-se regularmente em pequenos grupos onde trabalham os problemas em conjunto, enquanto o professor passeia pela sala procurando ouvir questões matemáticas significativas e considerando que tipo de intervenção, se alguma, é apropriada. E quando as crianças se reúnem para comparar as suas ideias e soluções, as perguntas do professor facilitam o debate. (Schifter, 1996b, p. 3)
De modo algum é esta a forma como as salas de aula chinesas estão organizadas. Contudo, o que eu quero realçar é que, mesmo que elas pareçam bastante diferentes, a diferença é superficial. Se olharmos cuidadosamente para o tipo de matemática que os alunos chineses estão a fazer, o tipo de pensamento que têm sido encorajados a desenvolver, e a forma como as interacções com os professores alimentam esse tipo de processo mental e matemático, os dois tipos de salas de aula são na realidade muito mais similares do que aparentam. Por outro lado, apesar do facto de tantos professores americanos do ensino básico terem crianças em grupos de frente uns para os outros e a usar materiais manipuláveis poder significar que as suas salas de aula se parecem mais com a sala de aula de
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Bali, nem a matemática nem o pensamento matemático que os alunos estão a desenvolver, nem o que o professor está a tentar ajudá-los a perceber, são os da sala de Bali. O verdadeiro pensamento matemático que ocorre numa sala de aula, de facto, depende grandemente da compreensão da matemática por parte do professor. Outro ponto que gostaria de realçar é que a mudança da tradição da matemática numa sala de aula pode não ser uma «revolução» que simplesmente deita fora o velho e adopta o novo. Em vez disso, pode ser um processo no qual algumas características novas se desenvolvem a partir da tradição anterior. Por outras palavras, as duas tradições podem não ser absolutamente antagónicas: pelo contrário, a nova tradição envolve a antiga — tal como um novo paradigma na investigação científica não exclui completamente um antigo e o inclui como um caso especial. No verdadeiro ensino na sala de aula, as duas tradições podem não se distinguir uma da outra claramente, ou podem não ser tão «puras» como tem sido descrito. Por exemplo, o meu estudo indica que professores com CPMF nunca ignoram o papel da «aprendizagem procedimental», independentemente do grau em que enfatizam a «compreensão conceptual». Mais ainda, esta investigação sugere que o conhecimento da matéria de matemática por parte dos professores pode contribuir para uma tradição da matemática na sala de aula e para a sua alteração. Uma «compreensão matemática partilhada» que marca uma tradição não pode ser dissociada do conhecimento matemático das pessoas na sala de aula, especialmente do conhecimento do professor que está encarregado do processo de ensino. Se o conhecimento próprio do professor em relação à matemática ensinada na escola básica estiver limitado a procedimentos, como podemos nós esperar que a sua sala de aula tenha uma tradição de averiguação matemática? A mudança por que esperamos só ocorrerá se trabalharmos para mudar o conhecimento matemático dos professores.
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Gostaria de terminar com uma citação de Dewey (1902/1975): Mas é aqui que entra o esforço do pensamento. É mais fácil estabelecer posições diferentes, insistir numa à custa da outra, criar antagonismos entre elas, do que descobrir uma realidade à qual cada uma delas pertence, (p. 91)
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Apêndice
Eu domino a matemática básica
Eu consigo aprender matemática avançada
A matemática é a minha força
Fig. A.l. Visão dos professores americanos sobre o seu próprio conhecimento matemático
Tabela A.l
Anos de ex eriência de ensino dos rofessores americanos ex erientes Anos de ensino Escola elementar (1° ciclo) Escola média (2° Ciclo)
Prof." Baird Prof.3 Barbara Prof. Barry Prof." Belinda Prof." Belle Prof." Bernadette
14 5 23
Prof." Bernice Prof." Beverly Prof." Blanche Prof. Brady Prof." Bridget
8 15
12 19 17
1 19 2 14
Nenhum dos professores relatou experiência de ensino no pré-escolar ou jardim de infância. Nota:
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&
Livros do professor
Grupos de investigação de ensino
#-£ +
Quadro de referência de ensino e aprendizagem
a#
Pedir uma unidade às dezenas e olhá-la como dez unidades
it-
■$;£
iã-
A base para compor uma unidade de ordem superior Decompor uma unidade de ordem superior Manuais escolares Decompor uma unidade de ordem superior Resolver um problema de várias formas Saber como, e saber também porquê Estudar materiais de ensino intensivamente
#«f Lidar com material de ensino
Fig. A.2.
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índice remissivo A ábaco, 41 abrangência, 108,176,180, 210-213 adição até 10, 57 até 20, 56-58 com composição, 53, ver também com transporte com transporte, 42, 53n, 56 alcance, 210-213 algoritmo, 29, 47, 62,190,195, 196, 207 atitudes básicas, 29, 30, 6b, 67, 183,185, 209 com derivação simbólica, 192-195 condições de validade, 170-173,178 confiança, 66,124,151,176,177 exemplos, papel dos, 158,159 justificação, 88, 89,107,118, 152,18b, 195 métodos mais simples, 125 promover debate, 66 prova, 66,152,167,168,195 saber como e saber também porquê, 30,192 soluções múltiplas, 125,126, 195,196 atitudes gerais, ver atitudes básicas 6
274
base de conhecimento, 56-59, 65-68,199-202, 205-209 elementos-chave, 58,108,146, 152,153, 200, 201, 233 nó conceptual, 147,152,153, 201 operação inversa numa, 207 para divisão por fracções, 144-147 para multiplicação com números de três algarismos, 96-99,108, 207 para subtracção com reagrupamento, 55-59, 63-68, 207 valor posicionai numa, 207 base para compor uma unidade de ordem superior, 44-47, 56, 57,65 beikefudao cailiao, 225, ver também manuais do professor c cálculo, 202, 203 chuli jiaocai, 229 coerência longitudinal, 212 colegas, ver relação entre colegas compor uma unidade de ordem superior, 96 composição de 10, 58 compreensão profunda da matemática fundamental (CPMF), 29, 209-213, 246 abrangência, 108,176,180, 210-213 alcance, 210-213 coerência longitudinal, 212 conectividade,
211 ideias básicas, 212 perspectivas múltiplas, 211, 212 profundidade, 210-213 quando e como é atingida, 223-243, 246 condições de trabalho dos professores, 30 na China, 223, 224 nos EUA, 246-252 condições de validade, 170-173, 178 conectividade, 211 confiança, 66,124,151,176,177 conhecimento, ver também compreensão profunda da matemática fundamental abrangência, 108,176,180, 210-213 alcance, 210-213 coerência longitudinal, 212 conceptual, 64-68,106-108, 201, 207, 208 conectividade, 211 conteúdo pedagógico, 27, 30 crescimento em, ver crescimento do conhecimento matemático dos professores da matéria, 27, 30, 58,109, 176, 217, 222, 242, 246, 248 dos professores, 24, 27, 29, 30, 189, 210«, 222, ver também base de conhecimento pedagógico, 135-137 perspectivas múltiplas, 211,212 procedimental, 61-64, 201, 206-208 profundidade, 210-213 consultar um livro, 162,165 convenção matemática, 75, 91 crescimento do conhecimento matemático dos professores apoiado na China, 224-244, 246, 249 não incentivado nos EUA, 249-255 curriculum China divisão, 117«, 119«, 228n espiral, 109 figura fechada, 155 fórmulas para o cálculo de áreas, 165, 203« fracções, 117«, 121« manter o valor de um quociente,
119« operações inversas, 118 propriedades básicas, 88«, 192-193«, 228« quarto ano, 117«, 193« sexto ano, 117« terceiro ano, 192«, 228 terceiro ciclo, 155« EUA, 109,190, 204
275
D
I
decompor um 10, 42-44, 52-55, 64 decompor uma unidade de ordem superior, 39-44, 47, 52, 234 desenvolvimento profissional, ver crescimento do conhecimento matemático dos professores divisão base de conhecimento, 144-147 enquanto operação inversa, 146 modelo de agrupamento, 21 , 24,137-140 modelo de produto e factores, 137,138,143,144 modelo de repartição, 21, 24, 137,138,140-142,148,153 modelos de, 137,138,147 mudança no significado, 140-143 no curriculum nacional da China, 117n, 119n, 228n por fracções, 25 propriedade distributiva da, 123, 124 significado, 145
ideias básicas, 47, 65, 66 , 212, ver também atitudes básicas; princípios básicos ideias gerais, ver ideias básicas
E elementos-chave, 58,108,146, 152,153, 200, 201, 233 empréstimo, 32-35, 43, 234 equivalência entre uma fracção e a expressão de uma divisão, 119,125 estratégias na divisão por fracções denominador comum, 115 fracção equivalente à expressão de uma divisão, 119,125 manter o valor de um quociente, 119 multiplicar pelo recíproco, 117-120 propriedade distributiva, 123, 124 sem multiplicar, 124,125 usar números decimais, 121 exemplos papel dos, 158,159 uso de, 163-165
276
J jiaoxue dagang, 225, ver também
Quadro de Referência do Ensino e Aprendizagem jiaoyanzu, 234 jie yi dang shi, 43, ver também empréstimo jin lu, 45, ver também base para compor uma unidade de ordem superior jin yi, 42, ver também compor uma unidade de ordem superior justificação, 88 , 89,107,118,152, 186,195 com derivação simbólica, 192-195
K keben, 225, ver também manuais
escolares
L ligações, 61,153,196, 207 M manter o valor de um quociente, 119 manuais do professor China, 225, 226, 229-232, 244 EUA, 253-255 manuais escolares China, 43«, 52,118,174«, 193«, 225-229, 255 consultar um manual, 157, 158, ver também consultar um livro EUA, 253-255 marcadores de posição, 76, 80-83 matemática fundamental, 202-205 materiais manipuláveis, 36-39, 59, 60, 69, 70, 256, 258 métodos mais simples, 125 múltiplas soluções, ver soluções múltiplas multiplicação com números de vários algarismos, 28 por 10 e por potências de 10 , 45, 90, 99 propriedade distributiva, 8791, 96,100,101,107 sistema de valor posicionai, 92-96, 99,107 usar marcadores de posição, 76, 80-83 valor posicionai, 88 , 92, 94,102, 104
N nó conceptual, 147,152,153, 201 O operação inversa, 59, 65,198, 207 a divisão enquanto, 146 a subtracção enquanto, 57, 65 no curriculum nacional da China,
118 numa base de conhecimento, 207 ordem das operações, 125 P perspectivas múltiplas, 211 , 212 potências de 10 na multiplicação, 90,99 preparação dos professores China, 23, 24, 27, 224 EUA, 23, 24, 27, 246, 247, 252 princípios básicos, 64-68,175, 208, 209 base para compor uma unidade de ordem superior, 65 compor uma unidade de ordem superior, 96 equivalência entre uma fracção e a expressão de uma divisão, 125 operação inversa, 65,198 ordem das operações, 125 propriedade associativa, 88«, 192-193« propriedades básicas, 151, 195, 203 propriedade comutativa, 88n, 192-193n propriedade distributiva, 87-90,174,192 princípios gerais, ver princípios básicos profundidade, 210-213 promover debate, 66 propriedade associativa, 88«, 192-193« propriedades básicas, 151,195, 203 propriedade comutativa, 88«, 192-193« propriedade distributiva, 87-90, 174,192 da divisão, 123,124 da multiplicação, 87-91, 96, 100,101,107 no curriculum nacional da China,
277
8877 ,192«, 228n
prova, 66,152,167,168,195
Q Quadro de Referência do Ensino e Aprendizagem, 225-227, 234, 236, 244
R reagrupamento na subtracção, 28, 31, 36, 38, 47-51, 52,53 reforma, 25, 26, 29, 247, 253-260 relação entre colegas, 234-237, 242
S
saber como e saber também porquê, 30,192 sinal de igual, 194 sistema de numeração, 47, 65 sistema de número-palavra chinês, 23, 52n sistema de valor posicionai, 92-95, 99,107 na multiplicação, 92-95,99,107 unidade básica, 92, 93 soluções múltiplas, 125,126,195, 196 subtracção até 20, 50-58 base de conhecimento, 55-59, 63-68, 207 base para compor uma unidade de ordem superior, 44-47, 56, 57, 65 com decomposição, 53, ver também com reagrupamento com decomposição de um 10 , 52, 53, 64 com decomposição de uma unidade de ordem superior, 39-44, 47, 52, 234 com empréstimo,
278
32-35,43,234 com reagrupamento, 28, 31, 36, 38, 47-51, 52, 53 enquanto operação inversa, 59,65 sem reagrupamento, 58 T Terceiro Estudo Internacional de Matemática e Ciência, 22 tui yi, 41, ver também decompor uma unidade de ordem superior
U unidade fraccionária, 230, 231 V valor posicionai, 72, 73, 88, 91, 92, 94,102,104 na multiplicação, 88, 92, 94, 102,104 numa base de conhecimento, 207
Y yiti duojie, 240, ver também
soluções múltiplas
Z zhi qi ran, zhi qi suoyi ran, 262, ver também saber como e saber também porquê zuanyan jiaocai, 225
Temas de Matemática
LIPING MA. é doutorada pela Universidade de
Stanford
e
investigadora
na
Carnegie Foundation for Advancement of Teaching. Começou a sua carreira de educadora
ensinando
matemática
elementar na China, em regiões rurais remotas. Fez uma pós-graduação em educação em Xangai e estudou depois nos Estados Unidos, onde desenvolveu investigação
sobre
o
ensino
de
matemática nos dois países. O livro Saber e Ensinar Matemática Elementar
foi um sucesso editorial e lançou o debate educativo em novas bases. Liping
Ma
destacou
uma
questão
central para o sucesso do ensino: na formação
de
procurar
professores
de
transmitir-lhes
/e-se um
conhecimento profundo das matérias que irão ensinar.
«E um livro que se recomenda a todos quantos se preocupam com o ensino de matemática e com os seus resultados reais. Contém algumas das perguntas a que todos queremos responder, particularmente sobre as relações entre a formação de professores, as práticas docentes a aprendizagem de crianças e jovens. O estudo de Liping Ma é um bom ponto de partida. Assim ele seja lido com olhos de 1er pelos responsáveis do governo, instituições do ensino superior e escolas, po professores e por todos os interessados nos problemas da educação.» ARSÉLIO MARTINS, professor de Matemática na E. S. José Estêvão, presidente da Associação de Professores de Matemática «O presente livro é muito rico. Uma das principais razões é ser um livro que ‘põe a mão na massa'. Através da própria construção do estudo, utilizando questões muito bem escolhidas, analisa, muitas vezes com bastante pormenor, aspectos diversos ligados à matemática elementar. A pretensão do livro não é ser completo e metódico no que diz respeito à matemática, mas aponta a forma de o fazer.» CARLOS PEREIRA DOS SANTOS, professor de Didáctica da Matemática na Escola Superior de Educação e Ciências •
«Um livro que fez furor nos Estados Unidos e que iniciou um grande debate, pondo em causa muitas das pretensas certezas pedagógicas que floresceram nas últimas décadas. Liping Ma mostra que se pode ter um ensino organizado e simultaneamente activo, que o professor pode comandar o ritmo da aula e ao mesmo tempo envolver os seus alunos e, sobretudo, que para poder ensinar precisa de saber - e saber muito sobre a matéria que ensina.» NUNO CRATO, professor no ISEG e pró-reitor da UTL, presidente da SPM
gradiva
A colecção «Temas de Matema'tica» é uma iniciativa conjunta da Gradiva e da Sociedade Portuguesa de Matemática. Tem como objectivo a divulgação de textos de matemática cu com ligação a esta disciplina. Pretende contribuir para o aprofundamento da c ultura matemática de estudantes e profissionais com especial destaque
ISBN
para os jovens professores, e também cativar o interesse de um público não especialista interessado em textos de divulgação científica.
9 7898 96 16324 2
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