PEDAGOGIA
CURRÍCULO
Universidade Estadual de Santa Cruz
Reitor Prof. Antonio Joaquim da Silva Bastos Vice-reitora Profª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro Pró-reitora de Graduação Profª. Flávia Azevedo de Mattos Moura Costa Diretora do Departamento de Ciências da Educação Profª. Raimunda Alves Moreira Assis
Ministério da Educação
Ficha Catalográfica
C976
Currículo : educação, currículo e avaliação : Pedagogia módulo 4, volume 2 – EAD / Elaboração de conteúdo : Roberto Sidnei Macedo. – [Ilhéus, BA] : EDITUS, [2011]. 114 p. ISBN 798-85-7455-258-3 1. Currículos. 2. Ensino – Currículos. 3. Educação. I. Macedo, Roberto Sidnei. II. Pedagogia : módulo 4, volume 2 -EAD. CDD 375
Pedagogia EAD . UAB|UESC
Coordenação UAB – UESC Profª. Drª. Maridalva de Souza Penteado
Coordenação do Curso de Pedagogia (EAD) Drª. Maria Elizabete Sauza Couto Elaboração de Conteúdo Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo Instrucional Design Profª. Msc. Marileide dos Santos de Olivera Profª. Msc. Cibele Cristina Barbosa Costa Profª. Msc. Cláudia Celeste Lima Costa Menezes
Revisão Profª. Msc. Sylvia Maria Campos Teixeira
Coordenação de Design Profª. Msc. Julianna Nascimento Torezani
Diagramação Jamile A. de Mattos Chagouri Ocké João Luiz Cardeal Craveiro
Capa Sheylla Tomás Silva
PARA ORIENTAR SEUS ESTUDOS
SAIBA MAIS Aqui você terá acesso a informações que complementam seus estudos a respeito do tema abordado. São apresentados trechos de textos ou indicações que contribuem para o aprofundamento de seus estudos.
PARA CONHECER Aqui você será apresentado a autores e fontes de pesquisa a fim de melhor conhecê-los.
VOCÊ SABIA? Esses são boxes que trazem curiosidades a respeito da temática abordada.
LEITURA RECOMENDADA Indicação de leituras vinculadas ao conteúdo abordado.
Sumário
UNIDADE I CURRÍCULO: CAMPO DE ATIVIDADES E CONCEITO 1 o currículo no cenário educacional contemporâneo .............................................................. 17 2
Distinção e responsabilidade socioeducacional... 19
3
Conceito, campo de atividades e implicações
político-pedagógicas.................................................... 21
ATIVIDADES........................................................................ 27
RESUMINDO........................................................................ 28
LEITURA COMPLEMENTAR .................................................. 28
FILME RECOMENDADO......................................................... 28
VÍDEO RECOMENDADO........................................................ 29
SITE RECOMENDADO........................................................... 29
REFERÊNCIAS...................................................................... 29
UNIDADE II HISTÓRIA DO CURRÍCULO 1
Os primórdios................................................................. 33
2
O currículo moderno..................................................... 34
3
A Crítica entra na História do Currículo................ 36
4
Rumo a uma crítica aos excessos explicativos
do currículo................................................................... 38 5
O currículo no Brasil ................................................. 39
ATIVIDADES........................................................................ 41
RESUMINDO........................................................................ 42
LEITURAS COMPLEMENTARES............................................. 43
FILME RECOMENDADO......................................................... 43
SITES RECOMENDADO......................................................... 43
REFERÊNCIAS...................................................................... 44
UNIDADE III O CURRÍCULO E SEUS SENTIDOS TEÓRICOS I 1
O CURRÍCULO E SEUS SENTIDOS TEÓRICOS........................ 47
2
A Disciplina: foco e problemática.............................. 48
3
A perspectiva interdisciplinar................................... 49
4
A perspectiva transdisciplinar.................................. 50
5
As teorias críticas do currículo............................... 53
ATIVIDADES . ..................................................................... 55
RESUMINDO........................................................................ 56
LEITURA COMPLEMENTAR................................................... 56
FILME RECOMENDADO......................................................... 57
SITE RECOMENDADO........................................................... 57
REFERÊNCIAS...................................................................... 57
UNIDADE IV O CURRÍCULO E SEUS SENTIDOS TEÓRICOS II 1
A crítica da crítica . ..................................................... 59
2
Tensões entre críticos e pós-críticos....................... 65
3
A perspectiva rizomática............................................. 67
4
O foco na vida ................................................................ 68
5
A concepção multirreferencial e intercrítica........ 70
ATIVIDADES........................................................................ 75
RESUMINDO........................................................................ 76
LEITURA RECOMENDADA..................................................... 76
FILME RECOMENDADO......................................................... 77
SITES RRECOMENDADO....................................................... 77
REFERÊNCIAS . ................................................................... 78
UNIDADE V PROPOSTAS CURRICULARES CONTEMPORÂNEAS I 1
A noção de competência e a organização
curricular....................................................................... 83 2
O Currículo por problema............................................ 87
3
O Currículo por projetos............................................. 89
4
O Currículo por temas geradores e por
problematização............................................................ 90
ATIVIDADES........................................................................ 93
RESUMIMDO........................................................................ 93
FILME RECOMENDADO......................................................... 94
REFERÊNCIAS...................................................................... 95
UNIDADE VI PROPOSTAS CURRICULARES CONTEMPORÂNEAS II 1
O Currículo por módulos de aprendizado................ 97
2 currículo em rede, hipertextual e educação
on-line.............................................................................. 100
3
O Currículo por ciclos de formação.......................... 103
4
A aula como atos de sujeitos do currículo e
acontecimento multirreferencial ............................ 106 4.1 Cenário plural........................................................ 106 4.2 Sala de aula e diversidade..................................... 107 5
Cenário propositivo...................................................... 109
6
O que é um currículo educativo ................................. 109
ATIVIDADES........................................................................ 111
LEITURA COMPLEMENTAR................................................... 111
FILME RECOMENDADO......................................................... 111
SITE RECOMENDADO........................................................... 112
REFERÊNCIAS . ................................................................... 113
O AUTOR Prof. Dr. Roberto Sidnei Doutor em Ciências da Educação pelo Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Paris SaintDenis, com pós-doutorado em currículo e formação pela Universidade de Fribourg, Suíça. Atua como professorpesquisador na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, FACED-UFBA. Coordenador do FORMACCE, Grupo de Pesquisa em Currículo e Formação, suas pesquisas direcionam-se para as práticas curriculares e formação de professores, incluindo professores em serviço. Tem obras e artigos publicados com estudos ligados aos campos do currículo, da formação, da etnopesquisa crítica, da etnopesquia-formação e da educação infantil. Faz parte do Conselho Científico da ANPED, é consultor Ad Hoc da CAPES-MEC. Tem inserções internacionais, enquanto pesquisador associado à Universidade de Québec, Universidade Paris 8 e Universidade da Ilha da Madeira-Portugal. Contato:
[email protected]
DISCIPLINA
CURRÍCULO Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo
EMENTA A historicidade do currículo: epistemologia e história. O conceito do currículo nas diferentes teorias. Currículo como uma construção histórica na relação com as políticas sociais. A relação escola/sociedade e o currículo. Currículo, escola, cultura, tecnologia e ideologia. Retrospectiva histórica da teoria do currículo no Brasil. Carga horária: 60 horas
OBJETIVOS Este conjunto de textos tem como objetivo principal oferecer a você, caro aluno, um rol de conhecimentos que visam elucidar algo que ainda inquieta os educadores: a compreensão do que seja o currículo como um complexo e poderoso artefato educacional, organizador das formações. O currículo é uma “tradição inventada” (GOODSON, 1998), que hoje cultiva uma polissemia formidável, pouco conhecida nos âmbitos da sociedade civil organizada e interessada nas coisas da educação. Cultivando o compromisso com o campo propriamente dito do tema currículo, de uma perspectiva histórico-crítica, as argumentações que se constroem ao longo do texto preservam a ideia principal de oferecer ao aprendente um debate e a possibilidade de conceituar de forma elucidativa o currículo, nos âmbitos da sua importante função socioeducacional. Por serem textos de compromisso elucidativo, se exerce aqui, de forma vigorosa, o pensamento de tradição crítica, cultivando a defesa de um currículo dialógico e intercrítico. É assim que se posiciona em favor de um currículo educativo, algo sempre valorado e problematizado, como, aliás, tudo em educação. A intenção fundante dos textos é proporcionar a quantos se interessem em compreender as questões curriculares atuais, uma narrativa e um debate aprofundados, e que entrem no mérito do que seja esse complexo, poderoso e importante organizador de conhecimentos formativos da educação contemporânea e seus grandes desafios. Visa-se a partir dos textos apresentados, que o aluno(a) possa compreender, refletir e se apropriar de concepções curriculares, dos seus processos históricos, assim como dos principais aportes teóricos desenvolvidos no campo curricular. Esses elementos fundamentais dos estudos do currículo possibilitarão a compreensão dos principais modelos propositivos de currículo, suas bases epistemológicas e pedagógicas, assim como suas potencialidades em termos de utilização concreta nos meios educacionais.
APRESENTAÇÃO As políticas e práticas curriculares e suas urgentes demandas de compreensão e interferência, bem como a necessidade de um argumento competente sobre as ações que acontecem no campo curricular, não legitimam mais reduções, pulverizações e concepções a-críticas. É urgente, avaliamos, neste contexto da história das perspectivas e ações curriculares, que os educadores entrem no mérito do que se configura como currículo e saibam lidar com suas complexas e interessadas dinâmicas, que hoje definem de forma potente a qualidade e a natureza das opções formativas e educacionais. Não temos dúvida, que hoje, pelas vias da sua capacidade de organização da educação, os atos de currículo (MACEDO, 2007) podem contribuir, em muito, para definir destinos individuais e horizontes socioeducacionais. Enquanto construção social, o currículo se configura na educação contemporânea, como um dos mais poderosos dispositivos educacionais. Nestes termos, o estudo do currículo passa a ser uma parte da teoria formativa que ultrapassa o mero domínio de um tema/ instrumento educacional. É, em realidade, uma maneira de, pela formação sociopedagógica, compreendermos como a educação do presente e suas políticas concebem, organizam, implementam, institucionalizam e avaliam os conhecimentos, configurados por conteúdos técnicos, éticos, políticos, étnico-culturais e estéticos eleitos como formativos. Assim, as questões curriculares devem ser debatidas pela sociedade civil organizada, na medida em que um “currículo educativo”, ideia defendida neste texto, deve estar direcionado para o bem comum social, pleiteando e aprendendo criticamente com a diferença, envolvendo comunidades interessadas. Antes mesmos de pensarmos em aplicar modelos curriculares como remédios universais para as diversas formações, ou verdades excessivas, pensemos nas pessoas e nas necessidades educativas dos seus grupos de fato, nos contextos culturais, nas demandas e problemáticas do mundo do trabalho e da produção, possibilitando
que as práticas curriculares sejam, em realidade, construídas por processos intercríticos, e os atos de currículo transformados, em atos de justiça curricular. As verdades excessivas, os silenciamentos, as exclusões, as irresponsabilidades com os conhecimentos e aprendizados socialmente relevantes, tão presentes na história moderna e contemporânea do currículo, precisam dar lugar a uma concepção e ação curriculares socialmente implicadas na construção de uma cidadania construída na participação autêntica de toda a sociedade. Foi neste sentido que os curriculogistas críticos, sensíveis diante da forte função socioeducacional do currículo, perguntaram: o que faz o currículo com as pessoas? Ao fazerem essa pergunta, começaram uma revolução que, esperamos hoje, ultrapasse os muros dos interesses meramente burocráticos e acadêmicos e se transforme num ato político e de trabalho árduo em favor da radical democratização da educação de qualidade entre nós.
1 Unidade
UNIDADE I CURRÍCULO: CAMPO DE ATIVIDADES E CONCEITO
OBJETIVO Ao final desta unidade, o aluno deverá situar o campo do currículo na contemporaneidade, assim como as políticas e práticas e suas configurações. Promover a elucidação histórica do conceito de currículo, visando processos de compreensão e de práticas curriculares fundadas num profundo entendimento da sua função educacional e formativa.
1 o currículo no cenário educacional contemporâneo Nunca se constatou na história da educação uma tamanha importância atribuída às políticas e propostas curriculares, diria mesmo, um tamanho empoderamento do currículo enquanto definidor dos processos formativos e educacionais e suas concepções. No Brasil não é diferente. Parâmetros, Parâmetros em ação, Diretrizes Curriculares, leis específicas sobre conteúdos curriculares, fazem parte do cenário contemporâneo de decisões educacionais em nosso país.
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Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito
Se levarmos em conta o contexto de importância que o currículo assume no mundo, em termos da concepção e da construção contemporânea das formações, o seu empoderamento político-pedagógico, assim como a complexidade que emerge dessas configurações, a explicitação reflexiva do campo curricular e da noção de currículo, no sentido de distinguir histórica e conceitualmente as perspectivas e as práticas, se torna uma responsabilidade formativa social e pedagógica incontestável. Junto com esse compromisso, faz-se necessário trazer para esse cenário discursivo e elucidativo o lugar do debate e da diversidade das concepções, sem com isso aceitar os prejuízos conceituais e político-pedagógicos causados pelas perspectivas que acolhem posições do tipo: “você deve dominar e aplicar essa concepção de currículo porque é científica”, ou mesmo, “não é preciso conceituar algo que é extremamente complexo”. Diríamos que as práticas curriculares e suas urgentes demandas de compreensão e interferência político-pedagógica, bem como a necessidade do argumento competente sobre o instituído e o instituinte desse campo, não mais legitimam reduções, pulverizações Numa primeira aproximação ao conceito de currículo, podemos dizer que o currículo se caracteriza nas organizações educacionais como o conjunto de conhecimentos escolhidos como formativos. A centralidade está, portanto, no conhecimento legitimado como formativo. Aqui começa sua importância e complexidade política e pedagógica.
e concepções a-críticas. É urgente, avaliamos, neste contexto da história das perspectivas e práticas curriculares, que os educadores entrem no mérito do que se configura como currículo e saibam lidar com suas complexas e interessadas dinâmicas de ação, sob pena de deixarem que os burocratas da educação continuem tomando de assalto um âmbito das políticas e práticas educacionais que hoje define, em muito, a qualidade e a natureza das opções formativas, na medida em que trabalha, fundamentalmente, nas organizações educacionais, com o conjunto dos conhecimentos e atividades eleitas como formativas. Este é o campo do currículo, que desejamos refletir profunda e democraticamente.
Os tecnocratas do currículo, em geral, não sabem e pouco
se sensibilizam por aquilo que podemos denominar de um currículo educativo, formativo. Ou seja, um currículo em que as intenções formativas sejam explicitadas e se desenvolva, elucidando e compromissando-se com uma educação cidadã. “Pensam” sempre na arquitetura curricular, no seu desenho expresso nas antigas “grades”, hoje matrizes curriculares, fixadas num documento. É preciso, portanto, que a sociedade, seus grupos de fato e os movimentos sociais implicados nos cenários e ações educacionais tenham a oportunidade de compreender e debater bem o currículo, num processo de democratização radical da sua discussão conceitual e da elucidação das práticas e, a partir daí, se apropriem e construam percepções e ações de descolonização nos âmbitos das propostas
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curriculares correntes.
Unidade
Esse não é um esforço de fixação de conceitos, de dizer sobre um conceito correto-incorreto, mas, acima de tudo, um esforço de explicitação politizada de uma concepção sócio-histórica importante; uma política de sentido em elucidação, fincada na relevância socioeducacional do compromisso com o trabalho de responsabilidade em dizer bem com implicação sobre as políticas e práticas curriculares. Não temos dúvida de que o currículo, uma significativa opacidade e dificuldade conceitual para muitos trabalhadores em educação e a sociedade em geral, ainda se constitui num dos dispositivos educacionais dos mais autoritários e excludentes, nestes termos seu conhecimento aprofundado é urgente como um ato democrático. Quando chegamos às nossas escolas, predominantemente, os currículos já estão prontos para serem oferecidos como um banquete a ser consumido, alguns com sabores e adornos extremamente sofisticados.
Podemos dizer que o currículo, como um dispositivo educacional, é, predominantemente, uma das mais autoritárias invenções da história da pedagogia, em face da sua concepção e implementação até hoje pouco ou nada democrática.
Entendemos com isso, que nunca como hoje o trabalho crítico, diria intercrítico, é tão fecundo para deslocarmos propostas supostamente democráticas para o campo da radicalização da construção de novos sujeitos históricos, como partícipes ativos e crítico-reflexivos da cena curricular-educacional. É essa configuração que empresta ao currículo uma formidável perspectiva sistêmica e complexa de um macro-conceito. Ou seja, um conceito de fecundas características analisadoras do entendimento da educação contemporânea, ou seja, dotado de uma significativa capacidade de abraçar as mais diversas dimensões e perspectivas do ato educacional; sem, entretanto, perder a sua especificidade em termos de conceito, campo e história específicos.
2 Distinção e responsabilidade socioeducacional A necessidade de distinguir e de relacionar de forma pertinente, são lógicas necessárias para que se possa trabalhar em prol da lucidez sempre necessária nos âmbitos do currículo, da formação e da atividade político-educacional. Dizer que “currículo é a vida da escola”, “tudo que acontece no convívio escolar”, “currículo é também o grau de limpeza dos corredores da escola”, ou mesmo reduzi-lo ao argumento da mercadorização da educação, como num escrito de uma prova de seleção de mestrado onde se dizia: “currículo é o segredo e a alma do
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No caso da formação dos educadores, saber conceituar currículo faz parte de uma das atividades importantes para se inserir de forma competente nas significativas e tensas discussões sobre as políticas, práticas e opções curriculares-formativas discutidas na nossa sociedade contemporânea.
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Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito
negócio promissor da educação”, é aceitar perspectivas equivocadas, niilistas ou mercantilistas. Neste cenário de equívocos, vieses nãoelucidativos e reduções, em muitos momentos, currículo é mercado ou é tudo e nada. O prejuízo ético, político e formativo desses equívocos são fáceis de ser anunciado. O cultivo de compreensões como essas, e da aceitação fácil de inovações apenas comprometidas ou reduzidas a delírios pedagógicos, só favorecem as elaborações modelizadas de intelectuais delirantes e descomprometidos com as consequências sociais da educação, ou dos experts de gabinete, em geral, simpáticos às compreensões tecnicistas de currículo, porquanto ficam à vontade em trabalhar e prescrever através de seus modelos pretensamente “aplicáveis”. Estamos ainda vivendo numa percepção sociopedagógica de currículo que dá preferência ao modelo e ao sistema pré-montado, em detrimento das pessoas, de suas demandas formativas, referências culturais e históricas; em detrimento dos contextos e seus interesses ligados ao complexo mundo do trabalho e da produção; e em detrimento, por consequência, do debate de sentidos que deve ser formulado no coletivo social. Nestes termos, a concepção de currículo expressa o desejo tecnocrata de uniformidade, de unicidade, como nos diz o educador português João Formosinho (1991, p. 1) “Currículo Uniforme – pronto-a-vestir de tamanho único”. Ou mesmo, cai nas concepções delirantes de quem acha que as coisas da educação não têm especificidade e que toda fonte de elucidação e debate é válida para compreender o ato educativo a partir, apenas, da sua própria lógica ou linguagem. No caso dos experts de gabinete, a diferença em educação, em geral, não faz diferença. Tudo é, a priori, passível de homogeneização. Em geral, o que não pode ser homogeneizado vira resíduo a ser descartado. Entretanto, da perspectiva da teoria dos sistemas e da crítica complexa, os resíduos são produtos de sistemas que, para construir suas coerências, eliminam elementos. Porém esses elementos não desaparecem. Eles se reagrupam na periferia e, num certo momento, podem retornar em avalanche e desestabilizar o sistema (LEFEBVRE apud HESS, 2005, p. 22). O que nos mobiliza, em larga medida, neste momento, é a necessidade de os educadores saberem distinguir o campo e o objeto de estudo do currículo como processos históricos, como processos de interesse formativo e, ao mesmo tempo, de empoderamento político. Numa recente discussão sobre o currículo de licenciatura vivido por nossa faculdade, um representante estudantil se expressou: “Não sei discutir currículo, não tenho os instrumentos conceituais para
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tal, só sei que estou implicado e tenho que discutir”. Essa é uma
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narrativa emblemática que ilustra bem a inquietação e a possibilidade de empoderamento que o saber curricular envolve. Parece-nos importante dizer que uma visão dialógica e nãoformal de currículo, em termos de seu desenho e conteúdo não nos remete necessariamente para fora da implicação com o campo, o debate e a reflexão enraizados aí. Ao longo de nossas elaborações sobre currículo, costumamos implicar a epistemologia, a sociologia, a antropologia, a política, a psicologia, o romance, a poesia, a fábula, o cinema, o teatro, o mito, a música, as artes plásticas e outras narrativas fora da prosa científico-educacional, como possibilidades de enriquecer/aguçar/ampliar/problematizar a compreensão sobre as pautas e as práticas curriculares e suas questões, sem com isso perder de vista de onde falamos, de que falamos e qual o nosso compromisso explicativo em termos do objeto de reflexão e análise.
3 Conceito, campo de atividades e implicações político-pedagógicas Autorizamo-nos a dizer que o currículo tem um campo historicamente construído, onde se desenvolve o seu argumento e o seu jogo de compreensões mediadoras. Há uma especificidade histórica que caracteriza este campo. Existem os substantivos cursus (carreira, corrida) e curriculum que, por ser neutro, tem o plural curricula. Significa “carreira”, em forma figurada. Daí derivam expressões como cursus forenses, carreira do foro; cursus honorum, carreira das honras, das dignidades
A propósito, o lexema currículo, proveniente do étimo latino currere, significa caminho, jornada, trajetória, percurso a seguir e encerra, por isso, duas idéias principais: uma de seqüência ordenada, outra de noção de totalidade de estudos (PACHECO, 1996, p. 16).
funcionais públicas, sucessiva e progressivamente ocupadas. O termo cursus passa a ser utilizado, com variedade semântica a partir dos séculos XIV e XV, nas línguas como o português, o francês, o inglês e outras, como linguagem universitária. A palavra curriculum é de uso mais tardio, nessas línguas. Em 1682, já se utiliza em inglês, a palavra curricle, com o sentido de “cursinho”. Nesta mesma língua, se utiliza, a partir de 1824, o termo curriculum com o sentido de um curso de aperfeiçoamento ou estudos universitários, traduzido também pela palavra course. Somente no século XX, a palavra curriculum migra da Europa para os Estados Unidos. Conforme elabora Beticelli (1999, p. 162), ainda que, a partir de 1920, já se tenha orientações sobre a problemática do currículo, é somente a partir da Segunda Guerra Mundial que vão aparecer às primeiras formulações.
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Cremos ocorrer isto pelas razões arroladas que dizem respeito ao desenvolvimento da tecnologia, umas das características marcantes da modernidade inaugurada por Galileu, a qual passa por Descartes, madurece com Newton e se expande definitivamente com a era industrial. A partir da era industrial se faz a produção de sentido atual do currículo, fenômeno que se estabelece definitivamente no pós-Segunda Guerra Mundial (BERTICELLI, 1999, p. 163).
Na cultura educacional francesa, a discussão sobre currículo tardou a se configurar. Segundo considerações de Jean-Claude Forquin (1966), os teóricos da reprodução, na elaboração da crítica da cultura escolar, tratam das questões curriculares de forma apenas indireta. Silva (1999, p. 21), a propósito, nos diz que a emergência do currículo como campo de estudo está estreitamente ligado a processos tais como a formação de um corpo de especialistas sobre currículo, a formação de disciplinas e departamentos universitários, a institucionalização de setores especializados sobre currículo na burocracia educacional do estado e o surgimento de revistas especializadas. Este autor aponta que a própria emergência da palavra curriculum, como modernamente conhecemos, está ligada à organização das experiências educativas. Faz-se necessário ressaltar que é na literatura estadunidense que o termo surge para designar um campo especializado de estudos. Foram talvez as condições associadas com a institucionalização da educação de massas que permitiram que o campo de estudos do currículo surgisse nos Estados Unidos, como um campo profissional especializado. Estão entre essas condições: a formação de uma burocracia estatal encarregada dos negócios ligados à educação; o estabelecimento da educação como um objeto próprio de estudo científico; a extensão da educação escolarizada em níveis cada vez mais altos de segmentos cada vez maiores da população; as preocupações com a manutenção de uma identidade nacional, como resultado das sucessivas ondas de imigração; o processo de crescente industrialização e urbanização (SILVA, 1999, p. 22).
Kemmis (1998, p. 14), argumenta que o currículo é “um terreno prático, socialmente construído, historicamente formado, que não se reduz a problemas de aplicação de saberes especializado desenvolvido por outras disciplinas, mas que possui um corpo disciplinar próprio”, no que acrescenta Pacheco (1996, p. 24), dizendo-nos que o
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conhecimento curricular se constitui “num corpo disciplinar próprio
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– aqui designado por ‘Teoria e Desenvolvimento Curricular’ - que se situa nos âmbitos teórico e prático do conhecimento educativo.” Inspirado nesse trabalho de compreensão é que nos sentimos instados a elaborar uma certa noção de currículo via um esforço de distinção relacional, implicado às nossas opções político-educacionais. Assim, compreendemos o currículo como uma “tradição inventada” (GOODSON, 1998), como um artefato socioeducacional que se configura nas ações de conceber/ selecionar/produzir, organizar, institucionalizar, implementar/dinamizar saberes, conhecimentos, atividades, competências e valores, visando uma “dada” formação, configurada por processos e construções constituídos na relação com conhecimento eleito como educativo. Enquanto uma construção social, e articulado de perto com outros processos e procedimentos pedagógico-educacionais,
o
currículo,
como
qualquer
artefato
educacional, atualiza-se – os atos de currículo - de forma ideológica e, neste sentido, veicula “uma” formação ética, política, estética e cultural, nem sempre explícita (âmbito do currículo oculto), nem sempre coerente (âmbito dos dilemas, das contradições, das ambivalências, dos paradoxos) nem sempre absoluta (âmbito das derivas, das transgressões), nem sempre sólida (âmbito dos vazamentos, das brechas) . É, nestes termos, que vive cotidianamente enquanto concepção e prática, a reprodução das ideologias, bem como permite, de alguma forma, a construção de resistências, bifurcações e vazamentos. É aqui que o currículo se configura como um produto das relações e das dinâmicas interativas, vivendo e instituindo poderes. Neste movimento, cultiva “uma” ética e “uma” política, ao fazer e realizar opções epistemológicas, pedagógicas, ao orientar-se por determinados valores. Essas realidades estarão sempre presentes nas políticas de sentido dos curricula, emanam das práticas que os constituem e das práticas constituídas por eles; afinal, o currículo é, para nós, o principal artefato de concepção e atualização das formações e seus interesses socioeducacionais.
Dessa forma, uns dos subsídios fundamentais para a construção do currículo é o conhecimento e os valores orientados para uma determinada formação. A sistematização dessa formação por esses componentes é o currículo.
Em geral, o senso comum educacional percebe o currículo como um documento (a grade) onde se expressa e se organiza a formação, ou seja, o arranjo, o desenho organizativo dos conhecimentos, métodos e atividade em disciplinas, matérias ou áreas, competências etc.; como um artefato burocrático pré-escrito. Não perspectivam o fato de que o currículo se dinamiza na prática educativa como um todo e nela assume feições que o conhecimento e a compreensão do documento por si só não permite elucidar. O fato é que professores e educadores em geral, nos seus cenários formativos, atualizam,
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constroem e dão feição ao currículo, cotidianamente, relacionalmente, tendo como seu principal objetivo a formação e seus processos de interpretação e veiculação, daí sua inerente complexidade. Há uma costura, uma forma de tecer a formação, cuja compreensão não é possibilitada por um documento apenas, a matriz curricular, por mais que os documentos educacionais, não só a proposta curricular, digam muito sobre o currículo, sua concepção e prática. É nestes termos que o currículo se atualiza como um fenômeno complexo. Sabemos que o currículo se move em sala de aula, nas palestras, nos laboratórios, nos estudos dos alunos e dos professores, sua vida não se encerra nas mãos e na cabeça daqueles que concebem a matriz curricular, que também é um ato de currículo, mas não-absoluto. Foi procurando desconstruir o caráter hierarquizante e linear que a perspectiva “dura” de currículo cultiva, que argumentamos o quanto este artefato concebido como trajetória e itinerário, se transforma numa forma de poda das possibilidades criativas das experiências aprendentes que emergem dos “sítios de pertencimento simbólico” (ZAOUAL, 2003) e suas formas de apropriação. Neste mesmo argumento, elaboramos a ideia de currículo como itinerância e errância, onde mostramos a necessidade de se vivenciar também nas experiências formativas as interações bifurcantes, os devaneios e as errâncias criativas (MACEDO, 2002). É assim que compreendemos o currículo, como um complexo cultural tecido por relações ideologicamente organizadas e orientadas. Como prática potente de significação, o currículo é, sobretudo, uma prática que bifurca. Neste sentido, não se pode conceber o currículo como prática de significação sem realçar seu caráter generativo, inventivo. Como tal, no seio do currículo, constituindo-o, os significados, os sentidos trabalhados, a matéria significante, o subsídio cultural, são sempre e continuamente retrabalhados. “São traduzidos, transpostos, deslocados, condensados, desdobrados, redefinidos, sofrem, enfim, um complexo e indeterminado processo de transformação” (SILVA, 1999, p. 13). Em termos políticos, faz-se necessário ressaltar, como nos alerta Silva (1999), que há uma tensão constante entre a necessidade de delimitar o significado e a rebeldia, também permanente, do processo de significação. É aqui que o conservadorismo está sempre às turras com o enfrentamento da tendência do significado ao deslizamento, à disseminação, ao vazamento, à transgressão e à traição. É fato que a prática introduz elementos e problemas significativos sobre e a partir dos quais se faz necessário refletir em termos coletivos. Faz-se necessário perceber que o currículo
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curricular. Neste mesmo veio, é necessário dizer que tal atitude vai de encontro a qualquer processo de homogeneização curricular, que tende a criar certa névoa de generalização, sacrificando a visão das situações curriculares específicas e suas singularidades. As políticas e ações curriculares precisam nutrir-se de uma mirada clínica, ou seja, um olhar focado nos movimentos singulares dos cenários socioeducacionais. Neste aspecto, necessário se faz tomar a cultura e o currículo como relações de poder. Mais precisamente: é necessário entender que as relações de poder configuram os processos de significação, e é aqui que o currículo tem um papel político de extremo compromisso com uma outra ética, com uma outra política que não seja a do alijamento, tampouco do corporativismo disciplinar. É assim que as lutas por significado não se resolvem no terreno epistemológico-formativo apenas, mas em muito no terreno político, ou seja, no terreno das relações de poder. Luta por significado é luta por recursos de poder. Um poder que, da nossa perspectiva, levando em conta a compreensão do que seja o campo do currículo, requer do educador a capacidade de nocionar bem, de explicitar bem, para saber lidar. Um compromisso sociopedagógico ineliminável da
Convencemo-nos, assim, de que compreender as estruturas curriculares instituídas é necessário e importante, mas, é a ação socio-educacional – configuradas em atos de currículo – mesmo em cenários ampliados, que muito nos interessa, para não perdermos de vista a pertinência da interferência nestes âmbitos; para não perdermos de vista a pertinência de colocar no centro das atenções curriculares a atividade que interfere, partindose de uma perspectiva criativa, e de que, como toda construção social, o currículo vivencia a contradição como movimento de possibilidades (politização do currículo), por mais que a sua história seja configurada por ações marcadamente conservadoras.
formação e dos formadores de educadores. Neste âmbito, Goodson traz uma discussão significativa, inspirado nas discussões de Michael Young sobre o currículo como fato e o currículo como prática. [...] ao focalizar a definição pré-ativa de currículo escrito como algo constitutivo na criação de um currículo, não estou querendo especificamente promover um conceito exclusivo de ‘currículo como fato’. Todo conceito progressivo de currículo (e de criação de currículo) teria de trabalhar com o currículo realizado na prática como um componente central. Todavia, a crença absoluta nas propriedades de transformação do mundo que o currículo como prática possa ter, é, penso eu, insustentável [...] Uma visão assim é estimulada pelo atual estágio de subdesenvolvimento do nosso modo de entender o currículo pré-ativo. Entender a criação de um currículo é algo que deveria proporcionar mapas ilustrativos das metas e estruturas prévias que situam a prática contemporânea (GOODSON, 1998, p. 21).
Na lucidez das reflexões de Goodson, encontra-se a preocupação que fez brotar parte das formulações deste texto, ou seja, a atual
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realimentados e reorientados pela ação dos atores/autores da cena
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indica caminhos, travessias e chegadas, que são constantemente
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e intensa confusão/dispersão que atinge a compreensão da noção de currículo e o prejuízo formativo que envolve esse fato, com uma inquietação marcante entre as pessoas que precisam atuar política e pedagogicamente com as questões curriculares de fato. São comuns, por parte de estudantes e/ou educadores em formação, colocações como: “afinal, me informem sobre a especificidade do currículo, e como deverei compreender o que seja isso!”; “currículo é política, é cultura, é poder, é complexo, mas, até agora, não sei dizer bem o que é realmente”. É aqui que entrar no mérito do que venha a ser currículo ultrapassa a pretensa propriedade privada dos especialistas, que preferem uma atitude definicional reduzida a uma pretensa compreensão puramente técnica de currículo. É aqui que habita a reivindicação de que todos os atores sociais têm o direito de compreender sua configuração conceitual enquanto fenômeno histórico-social e entrar no mérito das práticas. Há uma perplexidade demonstrada pelos professores, por exemplo, ao se convencerem de que não sabem nocionar o currículo, tampouco discutir suas implicações, mesmo reconhecendo-se atores constitutivos desse importante artefato educacional. Neste sentido, os movimentos sociais vêm jogando a última pá de cal na ideia de que o currículo é algo que, por ser muito complexo, não é, portanto, assunto das pessoas “comuns” e dos segmentos historicamente alijados dos bens da educação. Um exemplo importante dessa superação é a apropriação demonstrada na publicação “Negros e Currículo”, lançada no Congresso de Cientistas Negros em São Luis do Maranhão, no ano de 2004, onde intelectuais e cientistas advindos da luta do movimento negro no Brasil ousam e se autorizam a falar de currículo da perspectiva da formação histórico-cultural do povo negro, mas, ao mesmo tempo, trazendo o campo curricular para o centro dos argumentos.
Um outro exemplo é a construção, em
parceria ativa com a Faculdade de Educação da UFBA, da concepção e organização dos currículos de formação de professores indígenas da Bahia, na qual encontros de trabalho e debates na universidade e nas aldeias se transformaram em dispositivos mutualistas e intercríticos (MACEDO; CORTES, 2003) de construção de currículo, tendo como produto um currículo ligado à história desses povos, suas culturas, contextos e demandas, dentro de uma realidade social globalizada. Se, pelos argumentos aqui desenvolvidos, dizer é uma das maneiras de fazer, e o esforço de dizer bem é uma das maneiras de exercer poder numa realidade em muito mediada pela linguagem e seus jogos, pelo conhecimento e sua dinâmica ambivalente e contraditória, estamos convencidos da necessidade de que os atores
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educativos e a sociedade organizada passem a falar bem sobre o
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currículo e dos currículos obviamente e, neste sentido, exerçam nos seus âmbitos o poder-com; cerne do currículo percebido e edificado como concepção e prática intercríticas.
ATIVIDADES
ATIVIDADES 1. Caracterize, a partir da leitura do texto e das discussões públicas
sobre
currículo,
sua
importância
no
contexto
educacional atual. 2. Reconstrua, a partir de debates com grupos de colegas, a concepção de currículo assumida pelo texto. 3. Indique o que pode distinguir e caracterizar o currículo, em meio a outros temas educacionais. Ou seja, de que trata o currículo como tema e como prática educacional? 4.
Por que, partindo da argumentação do texto, o currículo precisa ser bem conceituado não só pelas organizações e trabalhadores educacionais, mas, também, pela sociedade civil como um todo?
5. O que você entendeu quando se sintetiza no texto a ideia de que o currículo tem a ver com o conhecimento escolhido como formativo?
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RESUMINDO
RESUMINDO
O currículo hoje é um dos temas educacionais mais importantes para as políticas públicas em educação. Na medida em que fundamentalmente lida com o conhecimento escolhido como formativo, passa a ter um poder considerável, porquanto o conhecimento define como devemos ver o mundo, a sociedade e a nós mesmos. Nestes termos, é fundamental que saibamos compreender bem o que seja currículo e como o conhecimento e as atividades nele contidos estão dirigidos para a formação dos diversos segmentos sociais. Compreendido como a concepção, organização, implementação e avaliação de conhecimento eleitos como formativos, é preciso que seja percebido como uma invenção pedagógica onde todos possam compreender bem sua ação e sua qualidade, afinal, o currículo existe porque a educação de qualidade via o conhecimento formativamente organizado é socialmente necessário.
LEITURA COMPLEMENTAR
SILVA, T. T. Documentos de identidade. Uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
FILME RECOMENDADO FILME RECOMENDADO:
Holland: adorável professor! – com mais de duas horas de duração, o filme traz a trajetória de um homem que viveu como professor uma experiência formativa (in)tensa. Com Richard Dreyfuss, que vive o personagem Holland, um pai, professor, músico, maestro, compositor.
O filme mostra a luta de um compositor que começava
ministrar aulas de música para melhorar o orçamento e depara-se com o desinteresse dos alunos. Para conquistar a atenção dos alunos, ele altera profundamente sua relação com o conhecimento e os atos de currículo, despertando resistência de diretores e colegas, mas influenciando decisivamente a vida de muitos deles.
Em meio aos apuros da vida familiar e às neuroses cotidianas
em que todos vivemos, inclusive as inseguranças pessoais e lutas comuns aos seres humanos, o único filho do casal nasce com surdez, aumentando as dificuldades familiares.
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A história se passa na década de 1960 e avança até os
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anos 2000, mostrando a evolução do tempo, envelhecendo os personagens, acrescendo a maneira com que a cidade reconhece a atuação formativa de Holland.
VÍDEO RECOMENDADO
VÍDEO RECOMENDADO Entrevista com Edgar Morin – Programa Roda Viva, “TV E”, agosto de 2005, distribuição. O autor toca em vários pontos importantes para discutirmos a questão da formação e do currículo no mundo contemporâneo, a partir da teoria da complexidade que desenvolve.
SITE RECOMENDADO
SITE RECOMENDADO
http://search.scielo.org/?q=Curriculo&where=ORG (periódicos) http://cutter.unicamp.br/document/results.php?words=curr%EDculo
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS BERTICELLI, I. “Currículo: Tendências e filosofia”. In: Costa, M. V. O Currículo nos limites do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 1999, p. 159-176. FORQUIN, J-C. “As abordagens sociológicas do currículo: orientações teóricas e perspectivas de pesquisa”. Educação & Realidade. Porto Alegre, 21(1): 187-198, jan/jun, 1996, p. 54. FORMOSINHO, J. “Currículo uniforme – pronto-a-vestir em tamanho único”. In: Machado, F. Gonçalves, M. Currículo e desenvolvimento curricular. Rio Tinto: Edições Asa, p. 262-267. GOODSON, I. Currículo: teoria e história. Tradução de Attílio Brunetta. Petrópolis: Vozes, 1998.
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HESS, R. Produzir sua obra. O momento da tese. Brasília: Líber Livro, 2005. KEMMIS, S. El curriculum: más allá de la teoría de la reproducción. Madrid: Morata, 1988. LIMA, I.; ROMÃO, J.
Negros e currículo. 2 ed., Florianópolis:
Atilènde Editora, 2002. MACEDO, R. S. Chrysallís. Currículo e complexidade. A perspectiva crítico-multirreferencial e o currículo contemporâneo. Salvador: EDUFBA, 2002. ________. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2008. MACEDO, R. S. CORTES, C. “Terra, vento, folhas, fogo. Por uma abordagem multirreferencial dos aspectos pedagógicos-curriculares para formação dos professores indígenas da Bahia.” In: Macedo, R. S. ; Silva, G. M.; Torres, M.
Currículo e docência: tensões
contemporâneas, interfaces pós-formais. Salvador: Editora UNEB, 2003. PACHECO, J. A. Currículo: teoria e práxis. Porto: Porto Editora, 1996. SILVA, T. T. Documentos de identidade. Uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. ZAOUAL, H. Globalização e diversidade cultural. Tradução de Michel Thiollent. São Paulo: Cortez, 2003.
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Suas anotações ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... 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UNIDADE II
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HISTÓRIA DO CURRÍCULO
OBJETIVO Explicitar como o currículo se apresenta como uma invenção histórica enquanto dispositivo pedagógico, pensado e construído ao longo do tempo e no seu tempo, trazendo com isso características específicas, só compreendidas se historicizarmos o pensamento, as políticas e as práticas curriculares.
1 Os primórdios Preocupados em discutir a perspectiva disciplinar como orientação curricular, historiadores do currículo argumentam que já no período clássico grego podemos perceber indicativos dessa perspectiva. Nesse período, havia uma preocupação evidente em construir a formação através da organização dos conteúdos por áreas distintas. Gallo argumenta, enquanto filósofo do currículo que, em A República e As Leis, Platão concebia a construção do homem da Grécia Clássica nessa perspectiva.
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Assim procedeu Platão em A República e nas Leis, ao idealizar o extenso e demorado plano de estudos em que deveria se basear a formação dos guardiães, fornecendo uma base comum a todos os cidadãos de ambos os sexos até os 20 anos; sucedendo-se: a Vê-se que currículo se define como um plano de estudos, mas não deixa de conter a inspiração que motivou a perspectiva disciplinar, ou seja, a organização da formação pela distinção das áreas de conhecimento.
educação infantil, dos três aos cinco anos, composta de jogos, cantos e fábulas; seguida, entre os sete e os dez anos, pela aprendizagem das letras – a leitura e a escrita – e pela introdução da aritmética e a geografia, cujo estudo se prolonga até os 16 anos, acrescido da poesia e da música. Por fim a dança e a ginástica, que, como educação do corpo, estão presentes desde o início, são complementadas por exercícios militares e pelas artes marciais. A esse ciclo – com o qual se completa a formação geral ou básica da maioria - sucede, para os se que revelaram mais aptos, uma propedêutica matemática centrada na aritmética, na geometria do plano e do espaço, na astronomia e na harmonia (PINHAÇOS DE BIANCHI, 2001, p.146-147, apud GALLO, 2004, p. 39). Vê-se também, na antiguidade grega e romana, que essa inspiração vai sofrer uma dupla reorganização: com a denominação de trivium, organizam-se as áreas da gramática, da retórica e da filosofia; com a denominação de quadrivium, organizam-se as áreas
A disciplinarização e sua proliferação vão se constituir na opção da modernidade científica e pedagógica, no que concerne à organização dos currículos escolares e de outras formações institucionalizadas.
da aritmética, da geometria, da astronomia e da música. Essa perspectiva curricular vai dominar toda a Idade Média, juntamente
com
a
imposição
de
um
conhecimento
mediado
predominantemente pela fé e se prolonga no iluminismo. Convencidos de que o mundo não poderia ser abarcado na sua totalidade pela compreensão humana, para os educadores clássicos a saída era dividir o conhecimento em áreas.
2 O currículo moderno O
currículo
como
nós
conhecemos
e
experimentamos
predominantemente, na sua versão moderna, portanto, consolidouse na virada do século XIX para o século XX, em torno de um círculo coerente de saberes, bem como de uma estrutura didática para sua transmissão, desaguando no conceito de enciclopédia, como uma certa “educação geral”. Para o professor António Nóvoa, por exemplo, apesar de todas as inovações que ocorreram ao longo do século XX, esse círculo e essa estrutura mantiveram-se relativamente estáveis e se revelam incapazes de responder às novas necessidades educativas. Goodson (1998) nos diz, ademais, que o termo currículo, como uma maneira de organizar e controlar os ideários da formação
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já nos seus primórdios, o currículo como conhecemos hoje, cultivava sua função de controle, dado importante para as elaborações dos teóricos críticos. No contexto educacional dos Estados Unidos do início do século passado, os estudiosos do currículo ligados a uma concepção tecnicista de currículo, queriam ver o currículo ser concebido e praticado tal qual se organiza a empresa e a fábrica, orientadas pelas ideias da
Inspirados nesta perspectiva da organização da formação são os americanos que vão forjar a concepção de currículo como modernamente conhecemos hoje, dando-lhe a feição de um artefato comprometido com os ideários científicos e administrativos do início do século XX.
administração científica da época. Precisar os objetivos e obter, pelas ações minuciosamente conhecidas e fragmentadas, a eficiência e a eficácia transformou-se no método eleito e no caminho aceito científica e academicamente, para se obter a formação relevante para o contexto americano emergente. O currículo passou a ser gerenciado como uma mecânica, tamanha era a força das ideias deterministas de causa e efeito que operavam a concepção da formação e do próprio currículo como seu mais importante mediador. As experiências da psicologia experimental da época, pautadas no valor da eficiência das aprendizagens por procedimentos e processos condicionantes, forjam a intenção de um certo gerenciamento do aprendizado no seio do currículo, onde o controle dos conteúdos e objetivos pré-fixados, orientavam toda a organização pedagógica. Essa hegemonia se consolida, apesar de as ideias fincadas nos ideários democráticos já fazerem parte do contexto das discussões estadunidenses sobre a organização das formações. É assim que a aliança do econômico com o técnico-científico predomina sobre os ideários de uma educação pautada em princípios da democracia liberal, concebida naquela época e naquele contexto. O currículo vai refletir isso até hoje, apesar de as contradições estarem muito mais presentes no desenvolvimento do próprio campo e das práticas. Numa tentativa de dar mais visibilidade ao movimento histórico do currículo, Pacheco (1996, p. 22) argumenta que Ralph Tyler, o mais importante dos discípulos de Bobbitt, dando continuidade a uma conferência realizada em Chicago, em 1947, com o intuito de delimitar o campo curricular e de abordar teoricamente o ensino, publica, dois anos depois, conjuntamente com Virgel Herrick, Toward Improved Curriculum Theory. Quiçá, segundo Pacheco, não retirando a importância das obras de Bobbitt e Dewey, o grande marco da especialização curricular, ao salientar a necessidade de uma teoria sobre currículo. Importante configuração elucidativa nos traz Terigi (1996,
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É interessante este aspecto histórico do currículo, pelo fato de que,
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vai surgir a partir da escola calvinista entre escoceses e holandeses.
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p. 163). Segundo a distinção ternária dessa autora, podemos nos reportar à origem do currículo a partir de três enfoques, segundo três autores diferentes: -
se curriculum é a ferramenta pedagógica de massificação da sociedade industrial, acharemos sua origem nos Estados Unidos, em meados do século, como a encontra Díaz Barriga, ou ainda um pouco antes, na década de 1920;
-
se é um plano estruturado de estudos, expressamente referido como curriculum, podemos achá-lo pela primeira vez em alguma universidade européia, como propõe Hamilton;
-
se é qualquer indicação do que se ensina, podemos chegar, como Narsh, a Platão e, talvez, até antes dele.
3 A Crítica entra na História do Currículo Quanto às teorias críticas do currículo, corporificadas na segunda metade do século passado, Tomaz Tadeu da Silva (1999), na sua relevante e formativa obra introdutória sobre o movimento teórico do campo do currículo, argumenta que essas teorias efetuam uma completa inversão nos “fundamentos das teorias tradicionais” desse campo de reflexão das problemáticas educacionais. É aí que o ângulo muda e se reconfigura, e a atenção da teoria crítica volta-se para compreender o que o currículo faz com as pessoas e as instituições e não apenas como se faz o currículo.
Para Silva, os modelos como o de Ralph Tyler – que percebe o currículo como um artefato neutro, inocente e desinteressado - não estavam preocupados em fazer qualquer tipo de questionamento mais radical aos arranjos educacionais existentes, às formas dominantes de conhecimento ou, de modo mais geral, à forma social dominante. É neste contexto que a concepção formalista de currículo, que Tomaz Tadeu da Silva chama de Inspirados nesta perspectiva da organização da formação são os americanos que vão forjar a concepção de currículo como modernamente conhecemos hoje, dando-lhe a feição de um artefato comprometido com os ideários científicos e administrativos do início do século XX.
“tradicional”, vai tomar o status quo como referência; privilegiando, acima de tudo, o fazer técnico no âmbito das práticas e reflexões curriculares. Outrossim, o que costumamos chamar de teoria crítica em currículo carrega um movimento que vai desde as reflexões que vinculam as concepções e os atos de currículo à dinâmica de produção
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da lógica capitalista, passando por uma identificação dessa lógica capitalista como uma cultura que se reproduz na escola. Os quais o conceito de hegemonia e resistência dinamiza o entendimento de que são as ações coletivas que fazem a mediação dos processos de luta no campo contraditório das relações de poder no currículo.
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Nesta perspectiva, a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, desenvolvida através de uma visão de oposição clara à cultura
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de massa e à tecnificação alienante da sociedade moderna e à razão iluminista, vai desempenhar também um papel estruturante significativo na constituição da atitude crítica, principalmente através do pensamento de Adorno, Horkheimer e Benjamim. É justamente Henri Giroux, emérito teórico crítico do currículo, quem primeiro vai refletir essas influências, de forma mais densa, nos seus trabalhos em currículo, falando de uma “pedagogia das possibilidades”. Tomando de empréstimo a noção de “esfera pública” em Habermas, Giroux vai argumentar em favor de um currículo como “esfera pública democrática”. Fora do contexto marxista, que toma categorias objetivas de classe como forma de compreender a dinâmica reprodutivista da educação pelas relações de produção e culturais surgem os ditos “reconceptualistas”, nos Estados Unidos - William Pinar, principalmente, acompanhado de Joel Martins no Brasil - que, utilizando-se da fenomenologia e dos instrumentos de uma hermenêutica crítica, passam a denunciar o aspecto burocrático-administrativo do currículo como meio de controle pelas noções de eficiência e controle. Os “reconceptualistas” reivindicam, por via das influências de filósofos como Dilthey, Husserl, Heidegger e Merleau-Ponty, uma visão de currículo pautada no reconhecimento de que somos seres de subjetividade e que construímos o conhecimento de forma intersubjetiva, trazendo para a cena da compreensão do currículo a importância da linguagem e da intersubjetividade. Neste sentido, o ator/autor aprendente não deve ser olhado como um “idiota cultural” (H. Garfinkel), ou seja, um ser sem capacidade de sistematizar e compreender bem as realidades em que vive, encerrado nas burocracias que concebem e instituem o currículo. O intercâmbio entre “reconceptualistas” e neomarxistas, nos Estados Unidos, passa a ser dificultado pela não possibilidade de praticarem uma certa visão epistemológica multirreferencial de suas compreensões. Faz-se necessário dizer que todas as duas correntes, mesmo que nascidas de pressupostos diferentes, guardem uma intenção clara de desreificar a burocracia e as formas de relação estabelecidas pelos atos de currículo nas sociedades capitalistas,
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Faz-se necessário pontuar que esses autores vão tratar o currículo, acima de tudo, como uma construção social, a partir da influência forte das ideias de Luckmann e Berger, na obra “A Construção Social da Realidade” (1983). Vão forjar a denominação de “currículo oculto” preocupados que estavam em desnaturalizar e problematizar os mecanismos encobertos de poder que no currículo, acabam por influenciar visões de mundo, de sociedade, de homem e de educação pelos atos de currículo.
bem como exercem uma clara atitude de inconformismo com as consequências desse tipo de organização para os segmentos sociais não hegemônicos. É entre os denominados “Novos Sociólogos da Educação” na Inglaterra que vai se tentar uma articulação entre as teorias de base sociointeracionista e de inspiração neomarxista. Madam Sarup, Peter Woods, Nell Keddie, Geoffrey Esland e Basil, Berstein são os principais nomes. O principal arquiteto dessa corrente, Michael Young, toma uma orientação mais estruturalista, centrando-se na preocupação em refletir as conexões entre currículo e poder, entre a organização do conhecimento e a distribuição do poder. É central para a analítica de Young a pergunta: por que a algumas disciplinas se atribui mais prestígio do que a outras? No momento, um dos projetos de Young tem sido o de construir o que ele denomina de uma “teoria crítica do aprendizado”, expresso na sua obra “O Currículo do Futuro. ‘ Da nova sociologia da educação’ a uma teoria crítica do aprendizado (YOUNG, 2000).
4 Rumo a uma crítica aos excessos explicativos do currículo Em parte, este é o conjunto de sentidos que antecede e afeta o forte e plural movimento crítico-multicultural que impacta as reflexões e ações críticas em currículo hoje. Em termos contemporâneos, também nos encontramos discutindo as potencialidades educativas e políticas do que se está chamando abordagens pós-formais, pós-críticas e pós-estruturalistas em currículo, as quais, articuladas a uma perspectiva crítica ampliada, e ligadas às pautas teóricas e agendas propositivas multiculturais e desconstrucionistas que hoje circulam no mundo, essas visões vão possibilitar uma maior ampliação participativa no que concerne à reflexão do campo curricular; desestabilizam a linearidade de análise e propostas e tentam colocar uma última pá de cal nas perspectivas hierarquizantes e prometeicas que configuram historicamente as compreensões e práticas do currículo. Polêmicas, algumas dessas abordagens são muitas vezes acusadas de serem por demais textualistas, localistas e a-políticas, porquanto, em geral, desprezam as análises que valorizam os processos sociais de totalização que estruturam a sociedade e configuram o currículo e sua dinâmica. Entretanto há de se afirmar a pluralidade dessas posições, onde habitam também, por exemplo,
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No caso da história do pensamento curricular no Brasil, Lopes e Macedo (2002, p. 13) explicitam que as primeiras preocupações com o currículo no Brasil datam dos anos 20. Apenas na década de 80, com o início da democratização do Brasil e o enfraquecimento da Guerra fria, a hegemonia do referencial funcionalista norteamericano foi abalada. Nesse momento ganharam força no pensamento curricular brasileiro as vertentes marxistas. Enquanto dois grupos nacionais – pedagogia histórico-crítica e pedagogia do oprimido – disputavam hegemonia nos discursos educacionais e na capacidade de intervenção política, a influência da produção da língua inglesa se diversificava, incluindo autores ligados à Nova Sociologia da Educação inglesa e à tradução de textos de Michael Apple e Henri Giroux. Essa influência não mais se fazia por processos oficiais de transferência, mas sim subsidiados pelos trabalhos de pesquisadores brasileiros que passavam a buscar referências no pensamento crítico. Esse processo menos direcionado de integração entre o pensamento curricular brasileiro e a produção internacional permitia o aparecimento de outras influências, tanto da literatura de língua francesa quanto de teóricos do marxismo europeu (LOPES; MACEDO, 2002, p. 13-14).
Conforme Lopes e Macedo (2002, p. 16): No fim da primeira metade da década de 1980, a tentativa de compreensão da sociedade pós-industrial como produtora de bens simbólicos, mais do que bens materiais, começa a alterar as ênfases até então existentes. O pensamento curricular começa a incorporar enfoques pós-modernos e pós-estruturais, que convivem com as discussões modernas. A teorização curricular passa a incorporar o pensamento de Foucault, Derrida, Deleuze, Guattari e Morin. Esses enfoques constituem uma forte influência na década de 1990, no entanto, não podem ser entendidas como um direcionamento único do campo. As teorizações de cunho globalizante, seja das vertentes funcionalistas, seja da teorização crítica marxista, vêm se contrapondo a multiplicidade característica da contemporaneidade. Tal multiplicidade não vem se configurando apenas como diferentes tendências
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Crítica, cotidiano e processo são categorias que vão compor os estudos do currículo entre nós, num caminhar de superações das perspectivas pautadas nas visões reprodutivistas, por muito tempo predominantes neste campo. A partir dos anos 1990, o pensamento curricular brasileiro vai optar por uma análise predominantemente sociológica e antropológica, acrescidas de um interesse marcante em desvelar a função do poder na realidade curricular. O currículo passa a ser considerado um texto político, ético, estético e cultural, vivido na tensão das relações de interesse educativo protagonizado pelos diversos grupos sociais.
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5 O currículo no Brasil
Desde então, até a década de 1980, o campo do currículo foi marcado pela transferência instrumental de teorizações americanas. Essa transferência centravase na assimilação de modelos para a elaboração curricular. Era viabilizada por acordos bilaterais entre governos brasileiros e norteamericanos dentro do programa de ajuda à América Latina.
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abordagens neomarxistas.
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e orientações que se inter-relacionam produzindo híbridos culturais. Dessa forma, o hibridismo do campo parece ser a grande marca do campo no Brasil na segunda metade da década de 1990.
Dentro do esforço de marcar historicamente o campo curricular no Brasil, Lopes e Macedo (2002) vão destacar os estudos do grupo liderado por Antônio Flávio Moreira, na medida em que esse pesquisador buscou repensar o conceito de transferência, estudando o desenvolvimento do campo na década de 1990, tanto no que concerne ao pensamento curricular quanto focalizando o ensino de currículo em universidades do Rio de Janeiro. Segundo as autoras, recentemente, o grupo liderado por Moreira tem buscado analisar como a temática do multiculturalismo tem penetrado na produção brasileira de currículo, trabalhando fundamentalmente com o conceito de hibridismo e introduzindo preocupações com a discussão sobre identidade. Mesmo reconhecendo que o hibridismo de diferentes tendências vem garantindo um maior vigor ao campo, Lopes e Macedo observam uma certa dificuldade na definição do que vem a ser currículo. Para além da preocupação epistemológica, para nós, essa questão se transforma numa séria preocupação político-pedagógica, como argumentamos anteriormente, até porque a dificuldade da definição vem amplamente por um descompromisso em distinguir bem, como consequência da aprendizagem aprofundada e relacional. Entre nós, no âmbito da Linha de pesquisa de Currículo e (In) formação do Programa de Pós-graduação em educação da FACED/ UFBA, um exemplo do movimento pós-formal, tomando a história da teoria crítica do currículo como inspiração fundante, é construído no Grupo de Pesquisa FORMACCE, Grupo de Pesquisa em Currículo, Complexidade e Formação, onde coordenamos pesquisas, estudos e formações, com ênfase no estudo do currículo e da formação de professores. Aqui, constroem-se as perspectivas multirreferencial e intercrítica em currículo, com uma ênfase teórica e de pesquisa para o estudo dos atos de currículo, na medida em que entendemos serem os currículos em ato, plasmados nos seus contextos formativos; nas suas diversas perspectivas; nos seus movimentos ambivalentes e contraditórios, que acabam por orientar/forjar as formações imersas numa certa cultura educacional, em geral vinculada, de alguma forma, a processos de totalização social. O conceito de multirreferencialidade é também cultivado no âmbito dos trabalhos de pesquisa e formação acadêmica dos nossos colegas da REDEPECTE-FACED/UFBA, Grupo de Pesquisa liderado pela
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professora Teresinha Fróes Burnham, advindo daí uma preocupação em articular currículo, tecnologia e trabalho a partir dos complexos espaços contemporâneos de aprendizagem. Compreendemos, a partir dessa perspectiva, que é a crítica multirreferencializada
enquanto
intercrítica,
e
sua
pertinência
2
compreensiva, heurística e política, desvinculada do excesso iluminista, enquanto exercício dialógico e descentrado de re-existência, quem
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potencializa a elucidação solidária e a edificação de realidades curriculares, onde a mutualidade eticamente orientada deve aparecer como um valor formativo principal na relação com o conhecimento e as formações a serem desenvolvidas (MACEDO, 2005). Por concluir, entendemos que esse argumento histórico elucidativo deságua num presente que nos autoriza a dizer que os estudos curriculares se constituem num campo de atividades educacionais, por sua densidade, complexidade e pelo poder que emana, como configurador sociopedagógico significativo da educação e das formações, demandando um processo de aprofundamento e debate equivalente a sua importância política e socioeducacional na contemporaneidade.
ATIVIDADES
ATIVIDADES
1. Por que o currículo não é um tema educacional novo? 2. Quais as características trabalhadas pelo texto do currículo moderno? 3. Discuta com seus colegas as características da disciplina como principal organizadora do currículo moderno. 4. Elenque e discuta com seus colegas as necessidades de superação da disciplina como única possibilidade de constituição dos currículos contemporâneos. 5. Caracterize o movimento crítico do currículo e suas principais características.
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Currículo | História do Currículo
RESUMINDO
RESUMINDO Vimos que, desde a Grécia clássica, o tema currículo já estava presente visto como um plano de estudo. A partir da idade média percebe-se mais claramente a necessidade de se subdividir o conhecimento para que a formação fosse dirigida para alguns segmentos sociais, de acordo com a valorização que a sociedade construía a respeito desses segmentos. É também a partir dessa lógica que o currículo chega à modernidade, como uma apropriação que os americanos fazem da forma como protestantes europeus organizam o conhecimento nas escolas, com objetivo de oferecer uma educação calvinista aos jovens. Vimos que, já nesta descrição histórica, o currículo sofre influências das crenças e ideologias da sociedade onde se organiza a educação. Aqui, como na idade média, é a religião que define o currículo. Mas é no contexto americano do norte que o currículo pedagógico e cientificamente concebido vai tomar a forma predominante que hoje conhecemos. Herdando a lógica das disciplinas científicas forjadas pela ciência moderna e a reconfigurando de acordo com a organização escolar da época, o currículo será concebido, organizado e implementado predominantemente com a lógica de funcionamento da indústria americana. A aprendizagem mediada pelo currículo teria que ser expressa com eficiência e produtividade de acordo com o que se ensinava. É assim que a disciplina se impõe como a maneira mais eficaz de se organizar os conhecimentos curriculares. Fragmentação e aprofundamento, tomando como referência única os saberes livrescos dominam a forma como os currículos são concebidos até hoje. Entretanto, a partir da metade do século passado, movido pelas correntes críticas do marxismo, que nos mostram o quanto os currículos legitimam a divisão injusta da sociedade capitalista em classes, bem como pelos movimentos sociais em favor de mais liberdade e autonomia dos cidadãos, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, atingem os estudos curriculares; forjando, neste contexto histórico, as teorias críticas do currículo. Neste momento, não bastava mais se perguntar como se deveria fazer pedagogicamente um currículo, se perguntava com veemência: o que é que os currículos fazem com as pessoas? Reconhece-se, neste momento, o poder agindo no currículo e suas configurações, como algo fundamental para se compreender e se intervir nele. A este movimento se agrega outras abordagens críticas,
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ditas pós-críticas. Nesta abordagem, a própria teoria crítica vai ser reavaliada, principalmente naquilo que expressa como verdades excessivas, assim como as questões culturais entram no currículo como questões importantes para se discutir o conhecimento e suas formas plurais na formação. Percebe-se, a partir daqui, uma forte
Unidade
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tendência para democratização curricular.
LEITURA COMPLEMENTAR
LEITURAS COMPLEMENTARES GOODSON, I. Currículo: teoria e história. Tradução de Attílio Brunetta. Petrópolis: Vozes, 1998. LOPES, A. MACEDO, E. “O pensamento curricular no Brasil”. In: Lopes, A; Macedo; E. (Orgs.). Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002, p. 13-54.
FILME RECOMENDADO FILME RECOMENDADO Sociedade dos Poetas Mortos – Direção de Peter Weir, o filme mostra-nos como se realiza uma formação simbolicamente violenta numa escola americana da metade do século XX. Neste contexto desenvolve-se no filme a história do professor John Keaten, que tem como princípio uma educação radicalmente dialógica e a constituição de atos de currículo para a autonomia. São profundas e comoventes as contradições e consequências existenciais que o enredo do filme nos oferece, enquanto possibilidades reflexivas para um currículo por possibilidades autorizantes. As cenas nos permitem ainda, analisar as formas de avaliação que emerge das práticas curriculares mostradas.
SITE RECOMENDADO
SITES RECOMENDADO http://www.mundoeducacao.com.br/educacao/o-curriculo-naeducacao-infantil.htm http://www.espacoacademico.com.br/096/96nery.htm
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Currículo | História do Currículo
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
BERGER, P. LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Tradução de Sílvia Porto. Petrópolis: Vozes, 1983. GALLO, S. “A orquídea e a vespa: transversalidade e currículo rizomático”. In: GONSALVES, E.; PEREIRA, M.; CARVALHO, M. Currículo e Contemporaneidade: questões emergentes. Campinas: Alínea, 2004, p. 37-50. GOODSON, I. Currículo: teoria e história. Tradução de Attílio Brunetta. Petrópolis: Vozes, 1998. LOPES, A. MACEDO, E. “O pensamento curricular no Brasil”. In: LOPES, A.; MACEDO, E. (Orgs.). Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002, p. 13-54. MACEDO, R. S. Atos de currículo. Educação intercrítica como práxis identitária. 2005. PACHECO, J. A. Currículo: teoria e práxis. Porto: Porto Editora, 1996. SILVA, T. T. Documentos de identidade. Uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. TERIGI, F. “Notas para uma genealogia do curriculum escolar”. In: Educação & Realidade, Porto Alegre, 21 (1):159-186, Jan.,/jun., 1996. YOUNG, M. O Currículo do Futuro. Da “Nova sociologia da educação” a uma teoria crítica do aprendizado. Tradução de Roberto Leal Ferreira. Campinas: Papirus, 2000.
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Suas anotações ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... 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UNIDADE III O CURRÍCULO E SEUS SENTIDOS TEÓRICOS
OBJETIVO
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Esta unidade tem como objetivo proporcionar com densidade
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e debate o conhecimento teórico do campo curricular, trazendo para reflexões mais aprofundadas temas como a disciplina, as tentativas de sua superação pedagógica: interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, assim como as teorias críticas do currículo e seus fundamentos.
1 O CURRÍCULO E SEUS SENTIDOS TEÓRICOS
Podemos dizer que é a própria configuração do mundo
contemporâneo, junto a uma nova ética da relação com os saberes, o conhecimento científico e a formação, que vêm fazendo com que o estudo e as práticas curriculares se transformem num tenso e sedutor campo de inovações e debates. Se nesse movimento temos a oportunidade ímpar de mudar a história extremamente hierarquizante, excludente, rígida e fragmentária que marcou a ação pedagógico-curricular, temos, na mesma proporção, um hercúleo compromisso político, ético e pedagógico de instituirmos percepções, políticas e práticas capazes de assegurar a responsabilidade com uma aprendizagem consistente e qualificada, que garanta competência e formação cidadã conectada aos grandes desafios que a contemporaneidade se nos apresentam.
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2 A Disciplina: foco e problemática A lógica disciplinar não é fruto apenas da história do campo curricular, é necessário afirmar. A lógica da ciência moderna criou a ideia de disciplina, a escola se apropriou dela e a fez segundo suas culturas pedagógicas, assim como temos uma civilização ocidental pautada na cosmovisão disciplinar. Isso nos mostra a dimensão e a complexidade da sua superação em termos de lógica da relação com o conhecimento eleito como formativo: ou seja, o currículo.
Estamos vivendo um verdadeiro ataque às lógicas disciplinares que secularmente organizam os curricula. Já está claro o quanto a perspectiva disciplinar fragmentou o currículo, bem como organizou nossa maneira de perspectivar o mundo, de forma predominantemente antinômica, bipolar, portanto. Aprendemos a olhar a realidade em muito por essa lógica, separamos muitas vezes o inseparável, porque a disciplina nos ensinou assim. Desta forma, num mundo que experimenta tamanho processo de escolarização, nunca tivemos tão expostos às lógicas curriculares, predominantemente fragmentárias. Essa realidade nos diz da responsabilidade do currículo por aquilo que pensamos e fazemos nesta conjuntura histórica. Por mais relacional que sejam as emergências da disciplina científica e da disciplina curricular, é bom distinguir as dinâmicas das suas construções. Essas dinâmicas nos pedem compreensões mais aprofundadas, tanto histórica quanto epistemologicamente. Entre os estudiosos do currículo já existe uma compreensão de que a disciplina escolar não é uma tradição monolítica, portanto não é única, tendo como espelho a disciplina acadêmica ou científica. Segundo Lopes e Macedo (2002, p. 80) “não se trata de uma ‘tradução’ de um corpo de conhecimentos
para o nível escolar. Ao contrário, a disciplina
escolar é construída social e politicamente, de forma contestada, É assim que Goodson (1997) considera que a fragmentação, propiciada pela disciplinarização, isola os atores curriculares no espaço de cada disciplina, dificultando o debate mais ampliado sobre os objetivos sociais do ensino e contribuindo para a estabilidade da fragmentação por nós vivenciada como uma maneira predominante de formação.
fragmentada e em constante mutação.” Esse argumento nos diz de uma inteligibilidade da lógica disciplinar que tem muito a ver com o institucional escolar e acadêmico, suas características materiais e ideológicas. Por outro lado, não se pode negar uma identificação socialmente construída entre a disciplina escolar e a disciplina científica, mesmo que aquela seja ainda hoje identificada, predominantemente, como uma tecnologia de organização curricular. É bom pontuar, que essa realidade não pode retirar a análise da lógica e ação disciplinares de uma vinculação com um contexto mais amplo, onde a distribuição dos saberes está imbricada à reprodução social e seus interesses tácitos ou explícitos. Para Macedo e Lopes (2002, p. 83) “A organização disciplinar do currículo funciona, assim, como um arquétipo (grifo nosso)
da
compartimentação
do
conhecimento
na
sociedade
moderna”. Para Veiga-Neto: As disciplinas modernas ‘ funcionam como códigos de permissão e interdição’ (Elias, 1989, p. 529) e,
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nesse sentido, funcionam quais uma matriz de fundo. É justamente aí que se articulam a disciplinaridade moderna dos saberes com a disciplinaridade moderna dos corpos... (1999, p. 14). Conclui-se, assim, que a prática disciplinar e sua força simbólica constituem-se numa estrutura significativa para dificultar as iniciativas não-disciplinares. Nesses termos, a nossa hipótese é que as práticas disciplinares por muito tempo ainda guiarão as concepções e implementações curriculares. Ou seja, o currículo oculto disciplinar dirá, durante um tempo significativo, como devemos organizar as
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nossas formações, por mais que reconheçamos o importante e
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construtivo movimento relacional não-disciplinar que habita hoje o argumento epistemológico e formativo e, por consequência, as práticas curriculares. O que nos parece ainda importante enfrentar, no que concerne à lógica disciplinar, é a ideia positivista de que a disciplina representa a própria realidade a ser conhecida por um processo de transmissão de verdades perenes, ou que a disciplina é a última fronteira do conhecimento a ser veiculado sobre essa mesma realidade. É preciso destituir esse poder veiculador da disciplina, para que possamos multirreferencializar o currículo e torná-lo lugar da solidariedade epistêmica, face à heterogeneidade irredutível das experiências curriculares e formativas e a necessidade histórica de constituirmos múltiplas justiças curriculares, inspirando-nos em Connell, ou seja, formas de justiça que alcancem todos os segmentos sociais.
3 A perspectiva interdisciplinar Fazendo uma leitura crítica de como a disciplina fragmentou para “conhecer de forma clara e distinta”, essa perspectiva vem propor a superação dessa fragmentação, argumentando e criando dispositivos, onde as disciplinas são chamadas a dialogar, a se interfecundar no intuito de melhor compreender muitas das realidades, que hoje, pelas suas complexidades, revelam-se impossíveis de serem explicitadas e resolvidas por visões pautadas na perspectiva monodisciplinar.
Assim, a noção-chave da interdisciplinaridade é a interação entre as disciplinas, que pode ir da simples comunicação de ideias até a integração mútua dos conceitos, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos.
Neste caso, cada disciplina, a partir da sua concepção epistemológica e pedagógica, oferece a sua contribuição e se abre à contribuição de outras disciplinas. Há neste esforço o objetivo de se chegar a uma compreensão em que a unidade perdida pela hiperespecialização das disciplinas
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seja recuperada em prol de uma visão que globalize os saberes e construa unidades de conhecimento, edificadas pelo encontro interfecundante entre as disciplinas. Os trabalhos da professora Ivani Fazenda e seu grupo de pesquisa são emblemáticos para se entender o acolhimento, os limites e a amplitude dessa perspectiva curricular (FAZENDA, 1991). Para se chegar a este ideal, vários são os dispositivos didáticopedagógicos que possibilitam a interação e a interfecundação desejada, enquanto processo de interconhecimento: o trabalho pedagógico com projetos, o ensino por problemas e por problematização; por temas geradores etc. São dinâmicas pedagógicas que fazem as disciplinas confluírem interativamente. Para alguns curricologistas mais voltados para uma perspectiva onde a diferença e não a identidade aparece como fundante na constituição curricular, a interdisciplinaridade é um ideário pedagógico que cultiva a utopia de alcançar uma certa unidade perdida, constituída na esperança de que, na reunião dialógica de várias disciplinas, se consiga um objetivo formativo unificado. Há que se pontuar, entretanto, que a polissemia nesta discussão é considerável. Existem perspectivas interdisciplinares que não vão nesta direção, visam atingir compreensões mais relacionais, sem, entretanto, vislumbrarem a constituição de unidades fixas e fundadas numa pretensa totalização ou unificação dos conhecimentos. Temos que destacar, que a perspectiva interdisciplinar é uma releitura crítica da lógica disciplinar que organiza a educação. Com algumas superações, a interdisplinaridade traz consigo, dialeticamente, a necessidade de se levar em consideração, ainda, a disciplina.
4 A perspectiva transdisciplinar Essa elaboração tem, na realidade, a intenção de colocar a perspectiva da transdisciplinaridade em um outro lugar, diferente da necessidade de se alcançar, por coerência uma compreensão unificante, como algumas análises pretendem colocar. Vejamos por exemplo, o segundo artigo da “Carta de Transdisciplinaridade”, redigida por Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu (1994, p. 2). Ademais, o que se percebe de forma enfática é que a origem desse pensamento não emerge de uma epistemologia desvinculada da necessidade de enfrentarmos os desafios que a modernidade tardia se nos apresenta. Nestes termos, o que os pensadores da
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transdisciplinaridade almejam é o enfrentamento ético-político, epistemológico e formativo das questões humanas e planetárias que em larga escala atingem as pessoas, suas sociedades e ecologias, e que a lógica disciplinar não absorve nem alcança. Violência, intolerância, destruição do ecossistema, fazem parte dos desafios que clamam por um olhar transdisciplinar, e que não descarta o multirreferencial no segundo artigo da “Carta de Transdisciplinaridade”. Jacques Ardoino (2001, p. 549), o principal pensador do conceito de multirreferencialidade, inspirado na heterogeneidade irredutível e na pluralidade como fundante da formação e da educação, fala de uma “Transdisciplinaridade não homogeneizadora”, ao participar
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da rica coletânea coordenada por Edgar Morin com o título de: “A
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religação dos Saberes”: Querer unir os saberes (tema dessa jornada) não acarreta o desenvolvimento de uma transdisciplinaridade homogeneizadora, mas leva, isso sim, a situá-los com precisão uns em relação aos outros em função de suas alteridades históricas, antropológicas e epistemológicas (sem por isso, excluir suas possibilidades de alteração mútua)... Georges Lerbert retoma, a propósito da transdisciplinaridade, o tema bachelardiano de uma poética da ciência. O conjunto torna assim, para nossa inteligência, uma unidade relativamente autônoma, superior ou não à organização anterior de que provém (por exemplo, o fenômeno biológico, o ser vivo, em relação à sua materialidade físico-química), mas conservando também em sua memória os traços de sua heterogeneidade constitutiva. É este salto qualitativo, e apenas ele, que vai atestar a passagem de um paradigma a outro... A unidade e a diversidade devem então reencontrarse, conciliadas no seio de uma unitas multiplex.
Ao falar de uma nova transdisciplinaridade Morin (2002, p. 52) argumenta: Para promover uma nova transdisciplinaridade precisamos de um paradigma que, certamente, permita distinguir, opor, mas que, também, possa fazê-los comunicarem-se entre si, sem operar a redução...que conceba os níveis de emergência da realidade sem reduzi-los às unidades elementares e às leis gerais... Consideremos os três grandes domínios da Física, Biologia e Antropossociologia. Como fazer para que eles se comuniquem? Sugiro que essa comunicação seja feita em circuito. Primeiro movimento: é preciso enraizar a esfera antropossocial na esfera biológica, porque somos seres vivos, animais sexuados, vertebrados, mamíferos, primatas. De modo semelhante, é preciso enraizar a esfera viva na physis, porque,
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Vejamos outra narrativa elucidativa de Edgar Morin (2002, p. 67): “Creio que nesse momento religar e problematizar caminham juntos. Se eu fosse professor, tentaria religar as questões a partir do ser humano, mostrando-o nos seus aspectos biológicos, psicológicos, sociais. Desse modo, poderia acessar as disciplinas, mantendo nelas a marca humana e, assim, atingir a unidade complexa do homem...”
se a organização viva é original em relação a toda organização físico-química, ela é também uma organização físico-química, saída do mundo físico e dependente dele. Operar o enraizamento não implica operar nenhuma redução: não se trata de reduzir o humano a interações físico-químicas, mas se reconhecer os níveis de emergência dessas interações... é preciso também, nesse movimento, enraizarmos o conhecimento físico e biológico numa cultura, numa sociedade, numa história, numa humanidade.
Em termos curriculares, da nossa perspectiva, não é necessário transformar a perspectiva transdisciplinar numa imposição totalizante, mas reconhecer o seu potencial elucidativo e formativo, na medida em que essa perspectiva não quer fornecer fórmulas pragmáticas de um pensamento, mas mobilizar a cooperação e a interfecundação de saberes para compreender a partir do que é produzido pelas interações entre eles, sem desprezar as especificidades. Um
currículo
transdisciplinar
trabalha
com
as
sínteses
possíveis, com as relações possíveis, porque contextuais, históricas e políticas, sínteses essas requeridas pelas problemáticas humanas e seus desafios. A transdisciplinaridade busca, na realidade, aquilo que o próprio Morin chama de Unitas Multiplex, a unidade na multiplicidade, não como uma unidade fixa, somatório perfeito, mas algo que como um complexo contenha a singularidade e se constitua no e com o plural; com e no movimento, realizando diferentes configurações. A narrativa que se segue é emblemática do conteúdo epistemológico, formativo e político que a transdisciplinaridade moriniana almeja. Penso no que dizia meu amigo, astrofísico Michel Cassé. Durante um banquete, um famoso enólogo lhe havia perguntado o que um astrofísico via em sua taça de bordeaux. Ele respondeu: ‘Vejo o nascimento do universo já que vejo as partículas que se formaram nos primeiros segundos. Vejo o sol anterior ao nosso já que os átomos de carbono se formaram no interior da forja desse sol que explodiu. Depois o carbono chegou nessa espécie de lata de lixo cósmico que foi a origem da terra. Vejo também a formação das macromoléculas. Vejo o nascimento da vida, o desenvolvimento do mundo vegetal, a domesticação da vinha nos países mediterrâneos. Vejo o desenvolvimento da técnica moderna que permite hoje controlar de forma eletrônica a temperatura de fermentação nas cubas. Vejo toda a história cósmica e humana nessa taça de vinho. Em resumo, o que ele
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via era a taça de um sublime vinho bordeaux. Sem tentar pensar em tudo isso quando bebemos uma taça de vinho, é necessário religar, assim como reconhecer nosso lugar no universo. Tornamo-nos relativamente estrangeiros nesse universo. Somos diferentes dos animais pela consciência, pela cultura e por nossa vontade de conhecer. Queremos assim, tentar construir uma sociedade um pouco menos inumana, fundamentada em relações um pouco menos ignóbeis (EDGAR MORIN, 2002, p. 67-68).
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5 As teorias críticas do currículo
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Ao fazerem a crítica às visões tecnicista e classista de currículo, veiculadas por Bobbitt e Tyler, os teóricos críticos liderados, principalmente, por Michael Apple e Henri Giroux, curricologistas americanos, vão indagar sobre o que é que o currículo faz com as pessoas, antes mesmo de se interessarem sobre como se faz o currículo. Essa mudança ideológica faz com que a crítica implemente a construção de uma outra concepção de currículo, agora desvinculada de qualquer perspectiva neutral, ou seja, vinculada a ideias de que os curricula são opções formativas que trazem consigo ideologias e formas instituintes de poder pautadas na opção de formar para legitimar e perpetuar as relações de classe estabelecidas pelas sociedades capitalistas, sem que isso, muitas vezes, esteja explicitado. Assimilando a ideia de que o currículo reproduz a sociedade, sua estrutura e dinâmica, seja em níveis classistas, seja em níveis de outras formas de hierarquização, como as exclusões étnicoraciais, por exemplo, a crítica curricular denuncia também o processo de homogeneização veiculado pelo currículo, em favor dos grupos
Nesta perspectiva, o currículo passaria a ser uma forma de práxis social orientada para o desvelamento das desigualdades sociais e a preparação para uma ação intelectualmente competente visando a transformação de uma educação forjada na seleção social e na hierarquização de pessoas e suas classes sociais.
hegemônicos e suas cosmovisões. Reivindica enfaticamente que as formações assumam a preparação para uma competência política capaz de desvelar as injustiças e, via o ato educativo, afirmar políticas justas, tomando como referência a heterogeneidade da sociedade. Formação socialmente justa e aprendizagem com e pela diferença constituem as pautas que sintetizam a proposta curricular crítica. Aqui a formação é, em muito, a construção de um senso crítico construído a partir de uma compreensão radical do que seja histórica e socialmente as ideologias das sociedades capitalistas e suas políticas de configuração. Esse conjunto de argumentos tem sua inspiração inaugurada, podemos dizer, pelos trabalhos de Apple, nos Estados Unidos. Apple toma como ponto de partida os elementos centrais da crítica marxista
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da sociedade. A dinâmica da sociedade capitalista gira em torno da dominação de classe, da dominação dos que detêm o controle da propriedade dos recursos materiais sobre aqueles que possuem apenas sua força de trabalho. Para este raciocínio há uma clara conexão entre a forma como a economia está organizada e a forma como o currículo está organizado. Em Apple, por outro lado, essa ligação não é uma ligação de determinação simples e direta. A preocupação em evitar uma concepção mecanicista e determinista dos vínculos entre produção e educação segue o seu pensamento desde seus primeiros escritos. Para esse curricologista, não é suficiente postular um vínculo entre, de um lado, as estruturas econômicas, de outro, a educação e o currículo. Esse vínculo é mediado por processos que ocorrem no campo da educação e do currículo e que são aí ativamente produzidos; é mediado pela ação humana, enfim. Nas elaborações críticas de Apple, o importante é se perguntar por que se elegem determinados conhecimentos como importantes e outros não. Trata-se de saber: quais interesses orientaram a seleção desses conhecimentos e a concepção do currículo? Quais são as relações de poder envolvidas nesse processo que resultou nesse currículo particular? Para Apple, as ideologias presentes no que ele chamou de conhecimento oficial, distribuído pela escola, é o interesse central de uma teoria crítica do currículo. Para tanto, se apropria de forma densa, dos argumentos sobre o poder nas relações educativas, assim como do conceito de hegemonia tal como formulado por Antonio Gramsci, de onde se pode fazer uma leitura da dinâmica da reprodução social e da resistência nos cenários curriculares. Um outro pensamento do campo curricular crítico se configura a partir das obras de Henri Giroux. Tratando o currículo como política cultural, inspirado pelos filósofos da Escola de Frankfurt como Ardorno, Horkheimer e Marcuse, Giroux critica em toda a sua obra a racionalidade técnica e utilitária curricular, assim como o habitus positivista do currículo moderno. Reivindica que o campo do currículo não pode deixar de tentar compreender as práticas curriculares via uma análise histórica, ética e política. Segundo Silva (1999, p. 53), “é no conceito de resistência [...] que Giroux vai buscar as bases para desenvolver uma teorização crítica, mas alternativa, sobre a pedagogia e o currículo”. Influenciado de perto pelas ideias de Paulo Freire, a partir das noções de libertação e ação cultural, Giroux vai atrelar a pedagogia e o currículo ao campo da cultura, mais precisamente ao campo de uma política cultural, diria mesmo da cultura politizada,
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mostrando que a emergência do currículo se configura num campo de disputa de significados. Nasce, desse veio argumentativo, a ideia dos “professores como intelectuais transformadores” e de uma “ pedagogia de possibilidades emancipatórias”. Necessário pontuar que Apple e Giroux mantêm um diálogo contemporâneo teórica e politicamente importante com as pautas do argumento pós-moderno em currículo, naquilo que, aceitando a crítica das metanarrativas vindas dessa perspectiva, apontam também as dificuldades de uma análise histórica, ausente nesses aportes teóricos, e o excessivo textualismo que configura suas interpretações da realidade.
Tanto Apple como Giroux são estudiosos do currículo que, através de uma leitura crítica da história do currículo, inserida nas contradições da sociedade capitalista e suas ideologias, propõem outra realidade curricular pautada nas justiças curriculares, como elabora Connell (1996), e nas construções pedagógicas de inspiração crítico-emancipatórias.
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Nos Estados Unidos, com Peter McLaren, e no Brasil, com
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Antônio Flávio Moreira, a perspectiva crítica vai se conjugar com um aporte multicultural que, sem abrir mão de uma leitura inconformada, face às injustiças vividas pela educação forjada pelo ideário liberalcapitalista, demonstra a necessidade de uma análise cultural do currículo, na medida em que entendem com Giroux, por exemplo, que a luta por significados é uma luta por recursos no campo políticoeducacional.
ATIVIDADES
ATIVIDADES 1. Para você qual é o papel das teorias do currículo e sua importância? 2. Por que a disciplina se constituiu um elemento teórico importante para teoria do currículo? 3. Como você caracterizaria a teoria crítica explicitada neste primeiro bloco? 4. Qual a sua principal contribuição à teoria do currículo? 5. Construa, num debate com seus colegas, em grupo, uma crítica ao currículo do seu atual curso. Após este debate, um relator do grupo publicizará para todas as elaborações grupais, abrindo um debate geral sobre todas as contribuições.
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RESUMINDO Na medida em que a teoria crítica do currículo identificou no conhecimento um poder considerável, vinculado às ações ideológicas de quem o concebe, seja através dos interesses de classe social e das culturas a que fazem parte, a disciplina também se tornou alvo dessas críticas, ao se mostrar o quanto um currículo concebido de forma disciplinar dificulta uma visão mais abrangente, mais conectiva e ideologicamente mais profundo dos conteúdos educacionais e as atividades ligadas a ele. Surgem, neste contexto, as propostas interdisciplinares, transdisciplinares e multirreferenciais, motivadas por esta crítica, bem como por entender que a disciplina, em si e por si, como organizadora do currículo, não consegue proporcionar as compreensões demandas por um mundo cada vez mais globalizado e seus problemas fundados na diversidade das suas características. Neste veio, descobre-se que, se o currículo não trabalhar com a heterogeneidade articulada a uma educação em prol do bem comum socialmente referenciado, estará fadado ao fracasso. Neste caso, disciplinas terão que se articular, se conjugar, inclusive com saberes não-disciplinares, nos diz a abordagem multirreferencial. É por este argumento que se entende que nenhum saber por si só é capaz de compreender uma realidade na sua complexidade.
LEITURA COMPLEMENTAR
LEITURAS COMPLEMENTARES APPLE, M. Ideologia e currículo. Tradução de Maria Cristina Monteiro. São Paulo: Brasiliense, 1982. __________, Educação e poder. Tradução de Maria Cristina Monteiro. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. MACEDO, R. S. Currículo, diversidade e equidade: luzes para uma educação intercrítica. Brasília: Liber Livro; Salvador: EDUFBA, 2007. _________, R. S. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2009.
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FILME RECOMENDADO
FILMES RECOMENDADOS A Casa dos Espíritos – com direção de Bille August, é baseado no romance de Isabele Allende. A formação aparece aqui como um fenômeno que se atualiza em personagens singulares, mas marcados por uma época histórica caracterizada por saberes conservadores violência social e corrupção, vividas no Chile dos anos 1920 aos anos 1970, anos em que a América Latina mergulha num profundo e violento obscurantismo político e o presidente Salvador Allende é deposto por um golpe militar. Ao lado disso, percebe-
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se a construção socioexistencial através de saberes e de uma formação pela contradição, pela transgressão, pela transcendência
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e emancipação de personagens que cultivam a utopia de um mundo social e existencialmente melhor, através de um “currículo” vivido no movimento global da vida.
SITE RECOMENDADO
SITES http://www.curriculosemfronteiras.org/ http://www.globalcurriculum.net/pt/curriculo/
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS MACEDO, R. S. Chrysallis. Currículo e Complexidade: a perspectiva crítico-multirreferencial e o currículo contemporâneo. Salvador: EDUFBA, 2005. __________, Currículo: campo, conceito e pesquisa. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. __________, Compreender/mediar a formação: o fundante da educação. Brasília: Liber Livro, 2010.
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Suas anotações ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... 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UNIDADE IV O CURRÍCULO E SEUS SENTIDOS TEÓRICOS II
OBJETIVO Apresentar de forma fundamentada o movimento das teorias críticas em direção a sua própria crítica. Discute e aprofunda as abordagens pós-modernas, pós-estruturalistas e pós-coloniais do currículo. Ademais, explicitar as ideias de um currículo multirreferencial e intercrítico, assim como o currículo como
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forma de vida.
1 A crítica da crítica No seio do que se está denominando, no campo do currículo, de teorias pós-críticas, encontra-se o multiculturalismo como um movimento que toma a diferença como sua característica fundante. É fato que o movimento multicultural tem várias matizes. Vai desde um multiculturalismo, onde não se prioriza a análise das forças que imprimem legitimações e oficialidades culturais, tomando a cultura como algo fora da dinâmica política das relações de poder, como algumas correntes americanas que se inspiram na visão liberal ou humanista, até perspectivas que, ao politizarem o debate sobre a diversidade cultural, preferem não desatrelar a análise da emergência dessa diversidade das dinâmicas das relações de poder. É assim que entram no campo curricular, argumentando a favor do estudo e das práticas curriculares, nas quais a cultura aparece como um movimento
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de relações, levando em consideração a luta por significados como algo presente e determinante do tipo de educação “distribuída” é legitimada. Percebem que a referência do multiculturalismo liberal a uma humanidade comum deve ser rejeitada por fazer apelo a uma essência, a um elemento transcendente, a uma característica fora da sociedade e da história (SILVA, 1999, p. 86). Vale salientar, que a perspectiva crítica do multiculturalismo cultiva duas vertentes: uma concepção denominada de pósestruturalista e outra que poderia ser chamada de “materialista”. Na visão pós-estruturalista, o fundante é a análise da diferença enquanto expressão do ser-no-mundo, do ser-com-o-outro. Neste sentido, a diferença é sempre uma relação. Minha diferença existe na medida em que o outro existe; assim, não se pode ver a diferença como coisa absoluta, é um conceito eminentemente relacional, portanto. Ademais, a diferença, nesta perspectiva se configura a partir de relações de poder. São as relações de poder que fazem com que a ‘diferença’ adquira um sinal, que o ‘diferente’ seja avaliado negativamente relativamente ao ‘não-diferente’. Inversamente, se há sinal, se um dos termos da diferença é avaliado positivamente (o ‘não-diferente’) e o outro, negativamente (o ‘diferente’), é porque há poder (SILVA, 1999, p. 87).
Como esta abordagem coloca o discurso no âmbito da produção da própria realidade cultural e suas dinâmicas de relação de poder, é acusada de um excessivo textualismo, na medida em que põe o discurso no centro da produção da diferença. Na perspectiva multicultural crítica, implicada com uma visão materialista e inspirada no marxismo, os determinantes econômicoestruturais são vistos como mediadores potentes da produção da diferença e da desigualdade social, e por consequência das relações culturais. Para os multiculturalistas críticos, em termos curriculares, é preciso perceber que o currículo pode estar legitimando através da seleção dos seus conteúdos, atividades e valores, determinadas visões de mundo e de cultural, em detrimento de outras. Historicamente, isso é fácil de perceber entre nós, quando se constata uma verdadeira negação perversa das histórias do negro, do índio, das mulheres, das pessoas advindas de culturas não-oficiais. Muitas vezes, são identificados por uma história secundária, sub-valorizada, ou uma cultura “menor”, meros protagonistas epifenomenais do processo histórico e cultural da sociedade. Podemos identificar na obra de Peter
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McLaren uma significativa e valorosa contribuição a essa perspectiva. Para Silva (1999, p. 88), [...] um currículo inspirado nessa concepção não se limitaria, pois, a ensinar a tolerância e o respeito, por mais desejável que isso possa parecer, mas insistiria, em vez disso, numa análise dos processos pelos quais as diferenças são produzidas através das relações de assimetria e desigualdade.
Nesta perspectiva a diferença aparece sempre colocada em questão, portanto constantemente tensionada. O desafio de se implementar uma formação, onde o fundante seja a diferença, não impede nem descarta o ideário de uma educação igualitária em termos daquilo que Robert Connell chama de “justiça curricular”. Aliás, esse é um dos grandes desafios das políticas e práticas do campo educacional: implementar uma educação que possibilite as pessoas
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ascender a uma cidadania plena de direitos e condições de dignidade social, sem homogeneizar ou pasteurizar suas singularidades. Para
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nós, é possível uma educação que construa o acesso à dignidade social, que viabilize as condições para essa dignidade, via um currículo que trabalhe a partir de e com a diversidade. Não temos dúvidas de que o currículo moderno é recheado de grandes narrativas teóricas, ou mesmo, que o currículo, em geral, é uma metanarrativa com marcantes características de um artefato educacional não-problematizado. É neste veio que o argumento pós-moderno entra no campo curricular de forma significativa. Estamos longe de vivenciar um currículo problematizado desde a sua origem. Em geral, o currículo é a expressão de uma imposição de especialistas, burocratas ou acadêmicos, que terminam por impor modelos e concepções, com uma grande má vontade de radicalizar democraticamente a experiência da concepção, da organização e da implementação dos curricula. É aqui que a perspectiva pós-moderna acha a sua brecha interpretativa e crítico-propositiva em termos das políticas e práticas curriculares.
Na visão pós-moderna, existem heranças da modernidade que não mais respondem aos desafios que a contemporaneidade nos oferece. Antiiluminista, o movimento pós-moderno destitui os essencialismos presentes nas interpretações da modernidade, expressos, por exemplo, a partir do conceito de razão, de ciência, de racionalidade, de progresso e até mesmo de democracia.
Em realidade, o pós-modernismo é um conjunto de perspectivas que abrange os campos estético, político e epistemológico que começa nos meados do século XX, e tem sua configuração no questionamento dos princípios e pressupostos do pensamento social e político estabelecidos a partir do iluminismo. Trata-se de um movimento antiessencialista. Nessa esteira de argumentos, o pós-modernismo analisa pautas educacionais como o currículo, a pedagogia, a didática como
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saberes fincados solidamente na perspectiva moderna. É nestes termos que desenvolve uma desconfiança potente em relação às pretensões totalizantes, generalizantes do conhecimento. A base generalizante do conhecimento moderno fê-lo edificar-se enquanto “grandes narrativas”, “narrativas mestras”, pautadas na vontade de controle e com o objetivo de se chegar a uma sociedade pura e perfeita, sonho do iluminismo, dizem os pós-modernos. É assim que a própria noção de progresso é questionada na medida em que se torna algo inevitável. Essa tendência do pensamento moderno trabalhar com categorias essenciais, ou seja, não submetidas às alterações e às Nestes termos, é a própria teoria crítica em currículo que é posta em questão. Acontece aqui, a crítica da crítica em termos curriculares. Uma espécie de revisão da teoria crítica.
contradições históricas e culturais, leva o movimento pós-moderno a criticar as “fundações” do pensamento moderno. É assim que se torna também uma perspectiva antifundacional. Sua crítica ao sujeito autônomo, centrado e soberano é virulenta, assim como à teoria crítica, que fala em nome de uma atitude educacional emancipadora, libertadora.
O
pós-modernismo
desconfia
dessa
emergência
prometeica da teoria crítica no campo educacional. Para o pensamento pós-moderno o currículo, enquanto uma invenção moderna, baseado em certezas estáveis, com características lineares, seqüencial, estática, binária, onde se valoriza fundamentalmente a estabilidade e a ordem das coisas e das pessoas, é um exemplo emblemático de um artefato moderno. Diz-se, portanto, que o movimento pós-moderno vem desestabilizar a teoria crítica, propondo a inauguração de uma pedagogia pós-crítica. Nesse contexto, parece haver uma incompatibilidade entre o currículo existente e o pós-moderno. O currículo existente é a própria encarnação das características modernas. Ele é linear, seqüencial, estático. Sua epistemologia é realista e objetivista. Ele disciplinar é segmentado. O currículo existente está baseado numa separação rígida entre ‘alta’ cultura e ‘baixa’ cultura, entre conhecimento científico e conhecimento cotidiano. Ele segue fielmente o script das grandes narrativas da ciência, do trabalho capitalista e do estado-nação. No centro do currículo existente está o sujeito racional, centrado e autônomo da modernidade (SILVA, 1999, p. 115).
Uma discussão fecunda e ampliada sobre a emergência do discurso pós-moderno no âmbito do campo curricular é encontrada nos trabalhos de Moreira (1997) e Silva (1993). Neste movimento de crítica da crítica do currículo o pensamento pósestruturalista vai falar também do currículo. Para Silva, por exemplo,
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não se pode falar propriamente de uma teoria pós-estruturalista do currículo, “mas há certamente uma ‘ atitude’ pós-estruturalista em muitas das perspectivas atuais sobre currículo” (1999, p. 112). Esse autor nos diz que, Cleo Cherryholmes, estudioso pós-crítico norte americano, foi um dos primeiros a desenvolver de forma explícita uma perspectiva pós-estruturalista na área dos estudos sobre currículo, acompanhado das elaborações de Thomas Popkewitz teórico dos estudos culturais, inspiradas no filósofo francês Michel Foucault. O que caracteriza de forma marcante as análises pósestruturalistas é a ideia de que o significado é socialmente construído e vive de forma ineliminável, a incerteza e a opacidade. O significado, portanto, não é pré-existente, mas culturalmente edificado, bem como se dinamiza nas relações de poder ao qual está implicado ou implica. Afirma-se, assim, que o significado é socialmente definido. Foucault e Derrida são chamados a inspirar a ideia da inseparabilidade
No que concerne às práticas curriculares, o que será questionado é a sua relação com a verdade. Enquanto um arauto das verdades pré-digeridas, o currículo vai ser abalado, assim como a escola das certezas pretensamente absolutas, na medida em que o movimento pós-estruturalista não apenas questiona as verdades, mas o lidar com a própria verdade. Nestes termos, quer questionar o processo pelo qual algo se tornou verdade. Ou seja, como foi produzida uma determinada verdade.
da conexão poder e saber. Assim, onde há saber, há poder, inspiração
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foucaultiana.
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Avesso aos binarismos, esse movimento questiona e desconfia justamente dos binarismos de que é feito o currículo: branco/preto; masculino/feminino; homossexual;
velho/novo;
mente/corpo;
teoria/prática;
heterossexual/
objetividade/subjetividade
etc.
Poderíamos dizer que o pós-estruturalismo é uma perspectiva nitidamente desreificadora do currículo que temos, tanto em termos de forma quanto de conteúdo. Numa outra construção pautada na rebeldia face ao processo de colonização opressor que subjuga as culturas não-europeias, a teoria pós-colonial lança seu olhar para currículo, reivindicando a inclusão das formas culturais que refletem a experiência de segmentos cujas identidades culturais e sociais são marginalizados pela identidade ocidental hegemônica. Para o póscolonialismo há um “cânon ocidental” que atravessa os curricula e que acabam por legitimar a história dominante dos europeus. Em realidade, a análise pós-colonial quer nos mostrar que os processos de dominação são processos fundamentados em alianças com o capitalismo, com a lógica judaica cristã, com a cultura europeia branca e com o aparato técnico-militarista que o norte fabricou com interesses imperialistas. A colonização se dá por essa aliança, na qual o outro aparece representado como um ser que necessita de “civilização”, “privado de cultura”, ou tem uma cultura inferior.
É assim que a análise pós-colonial se junta ao pós-modernismo e ao pós-estruturalismo, para questionar a dinâmica de poder e as formas de conhecimento que colocaram o sujeito imperial europeu na posição atual de privilégio.
Marginalizado cultural, o outro “não-civilizado” precisa ser incluído. Esse projeto teve, desde o início, uma importante função educacional e pedagógica. Uma discussão sobre a questão da inclusão no cenário educacional brasileiro a partir dessa perspectiva seria muito
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importante para se problematizar o ranço etnocêntrico da política de sentido que orienta as ideias e ações neste âmbito. É importante salientar que a teoria pós-colonial evita formas de análise que perspectivam o processo de dominação cultural como uma via de mão única. Interpreta essa dinâmica como uma complexa relação de poder onde se vislumbram transformações mútuas, sem com isso deixar de mostrar as relações assimétricas de opressão daí advindas. Traduções, mestiçagens, reexistências, são construções forjadas por sujeitos em relação, culturas em relação, realidades que, obviamente, não retiram do cenário analítico pós-colonial as questões políticas e éticas. Muito pelo contrário, as relações culturais só são vistas a partir de uma politização do cultural. Analisar o currículo sob as tensões da pluralidade cultural; fazêlo viver ética e politicamente os processos interculturais inerentes a qualquer experiência educativa; mobilizá-lo para se tornar um artefato aprendente em termos socioculturais, parece-nos ser decisões que podem apontar na direção de um processo de descolonização de suas formas e conteúdos inerentes à concepção moderna de currículo, que há muito se atualiza via um processo excludente e recheado de etnocentrismos eurocêntricos. Neste sentido, o olhar pós-colonial é um fecundo analisador. Atravessando as ditas teorias pós-críticas em currículo, temos a contribuição dos estudos culturais. Na obra denominada “Introdução aos Estudos Culturais”, Mattelart e Neveu (2004, p. 35) dizem que os “estudos culturais”, antes um conjunto de pesquisas dispersas entre o mundo universitário marginal e a nova esquerda britânica, conhecerá, a partir de 1980, uma considerável densidade e expansão. Segundo esses autores, os trabalhos produzidos, que depois receberão o rótulo de estudos culturais, começam a se estender para pensarem as questões de gênero, de etnicidade, o conjunto de práticas de consumo etc. Cita-se, por exemplo, os estudos de Marc Augé como estudos que podem ser caracterizados por esse viés de pesquisa. Com Augé, vamos ter acesso à pesquisa de uma “antropologia dos mundos contemporâneos” que se aventura no metrô, nos parques de diversão, nos aeroportos, nos “não-lugares”. Para Mattelart e Neveu, os “estudos culturais” serão levados pela dinâmica de seu sucesso, que se traduzem, em particular, por uma inflação de revistas, livros, manuais, pela criação em um número crescente de países de departamentos de estudos culturais. Esses estudos conhecerão novas inflexões, que se traduzem na incessante expansão de território, o qual passa a englobar objetos até então tratados por diversas ciências sociais e humanas: consumo, moda,
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identidades sexuais, museus, turismo, literatura. Os defensores mais clássicos dessas pesquisas reivindicam o estatuto de uma “antidisciplina”. O termo marca a recusa de divisões disciplinares, de especializações, a vontade de combinar as contribuições e os questionamentos advindos de saberes cruzados, a convicção de que a maioria dos desafios do mundo contemporâneo ganha ao ser questionado pelo prisma do cultural.
importantes no cenário britânico dos “estudos culturais”, o que vamos verificar é uma orientação para que a cultura seja vista como um campo relativamente autônomo da vida social, sem perder de vista que a cultura é um campo de produção de significados, no qual os diferentes grupos sociais, situados em posições diferenciadas de poder, lutam pela imposição de seus significados a sociedade mais
É assim que a análise pós-colonial se junta ao pós-modernismo e ao pós-estruturalismo, para questionar a dinâmica de poder e as formas de conhecimento que colocaram o sujeito imperial europeu na posição atual de privilégio.
ampla. “É neste sentido um campo contestado de significação” (SILVA, 1999, p. 134). Além dos autores já evidenciados nessa nossa discussão, são significativos, nesse campo dos estudos culturais relacionados ao currículo, os trabalhos de Sandra Corazza (2002) e Marisa Vorraber Costa (2002).
2 Tensões entre críticos e pós-críticos Ao avaliarem que a teoria crítica, nascida das tensões modernas, ainda constitui uma potência significativa para explicitar e instrumentalizar o pensamento politicamente responsável diante da presente configuração social, política, econômica e educacional, Michael Apple e Dennis Carlson (2000) dialogam com vigor, mas sem qualquer arrogância acadêmica, com as pautas do pensamento pósmoderno. Ao se implicarem num diálogo tenso e elucidativo, tomando
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Tendo Raymond Williams como um dos pesquisadores mais
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Essa desconstrução de uma herança de pesquisa abre caminho para o último objetivo: compreender as metamorfoses da noção de cultura na última metade do século XX, questionar tanto os modos em que a cultura funciona na época da globalização como os riscos de uma visão da sociedade reduzida a um caleidoscópio de fluxos culturais que leve a esquecer que nossas sociedades também são regidas por relações econômicas, políticas, uma armadura social que não se reduz nem às séries de televisão de grande sucesso, nem ao impacto dos reality shows (MATTELART; NEVEU, 2004, p. 17).
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como objeto de análise as elaborações pós-modernas sobre a incerteza, os autores argumentam que, até certo ponto, todos os tempos são incertos, pois o desenvolvimento cultural nunca permanece imóvel. Para Apple e Carlson, inspirados nas posições gramscianas, há que ressaltar que as perspectivas pós-modernas e pós-estruturalistas acabam por cultivar dualidades entre o velho e o novo, que dificultam perceber tanto continuidades quanto descontinuidades no interior das categorias “moderno” e “pós-moderno”. Precisamos ter em mente que as múltiplas tradições críticas em educação têm raízes na cultura moderna tanto quanto as têm os modelos econômicos conservadores de educação. Em vez de abandoná-las por as considerar ultrapassadas, essas tradições precisam ser relidas, em consistências com os novos insigths teóricos e à luz dos correntes desenvolvimentos culturais [...] Em segundo lugar, alguns discursos pós-modernistas posicionam-se em oposição a toda análise estruturalista ou materialista, e como resultado tendem a ver a realidade social e o processo de ensino como mais abertos do que realmente são a uma reescritura discursiva (APPLE; CARLSON, 2000, p. 13).
Reconhecendo que todos esses movimentos multifacetados que estão desestabilizando os modos estabelecidos de conduzir a pesquisa em educação e a compreensão das questões de currículo, os autores percebem potenciais democráticos e progressistas nesses movimentos, mas, ao mesmo tempo, reivindicam uma conceituação radical daquilo que queremos dizer, por exemplo, com os termos “público” e “interesse público”. O que nos parece significativo nessas tensões é percebermos que, mais do que nunca, o currículo deve ser desconfigurado, rasurado, na medida em que a desfocalização da aprendizagem, hoje, nos remete para outros cenários, outros atores/autores curriculares, outras experiências que, de longe, não correspondem às formas convencionais de implementar o aprendizado e a formação. Criticando o excessivo textualismo e abstracionismo das elaborações teóricas pós-modernas e pós-estruturalistas, Apple e Carlson continuam apelando para a noção de uma política de redistribuição e de reconhecimento, como saídas para aquilo que imaginam ser as antinomias insulares que basilaram as interpretações curriculares modernas. Por outro lado, para Apple e Carlson, assim como as teorias neomarxistas correram o risco de tornarem-se a voz da
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academia masculina, branca, as teorias pós-modernas podem ser, paradoxalmente, facilmente capturadas pela intenção da nova classe média de engajar-se em uma política de mobilidade e de status no interior da academia [...] (APPLE; CARLSON, 2000, p.16).
3 A perspectiva rizomática Entre nós, é com o filósofo do currículo Sílvio Gallo (2004) que vamos ver elaborada a perspectiva de um currículo rizomático. Fazendo críticas ao modelo disciplinar e unificante; que, até o momento, permanece como orientação hegemônica para se conceber o currículo, Gallo nos mostra como a concepção, nascida com René Descartes, da Árvore dos Saberes, nos remete para uma visão de unicidade do conhecimento. A imagem cartesiana nos leva a perceber
dando consistência e sustentação para totalidade; os galhos, por sua vez representariam as disciplinas científicas subdivididas em diversos ramos. A busca de uma visão da inteireza estaria na imagem da árvore. Identificando a visão interdisciplinar e transdisciplinar como visões que se apropriam da imagem da árvore, a perspectiva rizomática quer destituir qualquer expectativa totalizante. Percebe nestas visões propositivas do currículo o desejo de se chegar a uma realidade única.
Tomando os filósofos Nietzsche, Deleuze e Guattari como inspirações fundantes, a perspectiva rizomática vai afirmar que a realidade é multiplicidade, é diferença. O que há são múltiplas realidades interconectadas. “A unidade é uma fábula criada por nossas ilusões”, afirma Gallo (2004, p. 41).
Neste veio, Gallo faz sua crítica pontual às ideias de Edgar
Morin: Em termos de currículo não há religação dos saberes a ser perseguida, pois não há como religar o que nunca esteve ligado. Ao contrário, o que precisamos buscar são formas de diálogo na diferença, diálogo na multiplicidade, sem a intenção de reduzir os diferentes ao mesmo, ao uno (GALLO, 2004, p. 43).
Mas a crítica da perspectiva rizomática é propositiva em
relação ao currículo. Ou seja, ela propõe um currículo rizomático. Na sua crítica à disciplina, esta visão cria uma imagem onde a disciplina, identificada na árvore dos saberes, produz fragmentação e busca uma unidade perdida. Com o rizoma as coisas se passam de maneira distinta. Sua imagem remete para uma miríade de
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como conhecimento originário; o tronco representaria a filosofia,
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a árvore através de três subdivisões: as raízes representariam o mito
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linhas que se engalfinham, como num novelo de lã emaranhado pela brincadeira do gato. Ou talvez essa não seja a melhor imagem; um rizoma é promiscuidade, é mistura, mestiçagem, é mixagem de reinos, produção de singularidades sem implicar o apelo à identidade. Se pensarmos o currículo como rizoma e não como árvore, as disciplinas já não seriam gavetas que não se comunicam, mas tenderiam a soar como linhas que se misturam, teia de possibilidades, multiplicidade de nós, de conexões, de interconexões [...] a imagem do rizoma por sua vez, implica um currículo como sistema aberto e múltiplo, isto é, não um currículo, mas muitos currículos. Não um mapa, mas muitos mapas. Não um percurso, mas inúmeros percursos. E sempre com pontos de partida e pontos de chegada distintos. O que não inviabiliza encontros, mas, ao contrário, os possibilita, os promove, os estimula (GALLO, 2004, p. 45-46).
Para este autor o currículo como rizoma, é um desmonte de
qualquer simulacro de unidade que nos é imposto. Mas o que seria um rizoma para Deleuze e Guattari? Um rizoma como haste subterrânea distingue-se absolutamente das raízes e radículas. Os bulbos, os tubérculos são rizomas... Até os animais o são, com todas as suas funções de habitat, de provisão, de deslocamento, de evasão e de ruptura... Há rizoma quando os ratos deslizam uns sobre os outros. Há o melhor e o pior no rizoma: a batata e a grama, a erva daninha. Animal e planta, a grama é o capimpé-de-galinha (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 15).
Neste ponto argumentativo, a imagem do currículo como rizoma nos convida a realizar a construção de transversalidades, ou seja, uma circulação de saberes que se realiza de maneira livre, como uma errância infinita.
É assim que, na perspectiva ou na imagem do rizoma, instituise a vivência do caos, na qual controle, hierarquia e planos prévios não têm lugar, a proposição é aventurar-se na multiplicidade dos saberes. Não importa controlar o processo de aprendizagem, até porque, desta visão de currículo, só sabe o que aprendeu e como aprendeu quem vivencia o aprendizado.
Diz-nos
Gallo:
“Façamos
rizomas
com
nossos
alunos,
estimulemos que eles façam rizoma entre si. Instituamos a promiscuidade e a mestiçagem na sala de aula. Pedagogia mestiça, pedagogia promíscua, pedagogia do caos” (2004, p. 48).
Parece-nos não importar, tampouco imaginar o enquadre dessa
perspectiva nas expectativas correntes de currículo que acostumamos a vivenciar. O que parece importante são as luzes lançadas por essa imagem na direção da possibilidade de desconstrução da concepção “dura” de currículo.
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4 O foco na vida
O currículo contemporâneo vai encontrar na nova biologia
inspirações para uma humanização radical das suas concepções e ações. Neste cenário político-epistemológico, preocupando-se com a formação humana em larga medida, aparecem, inspirando as possibilidades curriculares, as ideias dos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela. Onde estariam suas contribuições?
Na
obra
“Currículo
e
Contemporaneidade:
Questões
podemos vislumbrar como o conceito de autopoiese forjados por Maturna e Varela inspiram uma concepção original de currículo. Nesta obra, a Professora Maria Zuleide da Costa Pereira procura mostrar a pertinência e a relevância do pensamento desses dois biólogos latinoamericanos para o campo e as práticas curriculares. Esclarece-nos que o currículo no seu processo de construção do conhecimento, não
O currículo é um espaço vivo de construção de conhecimento, resultante do pensamento, das experiências dos sujeitos e das suas interações de natureza histórica, social e biológica.
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resulta apenas de experiências trazidas de fora para dentro do espaço escolar. O Currículo, portanto, é o resultado da incorporação das interações da vida dos sujeitos que se manifestam dentro e fora do espaço escolar [...] O currículo é a expressão da vida. Vida plena e indissociável, que resulta da unicidade dos processos vitais e dos processos cognitivos. Essa unicidade pensada dentro da proposta de auto-organização dos sistemas vivos de Maturana e Varela (2001) percebe a organização autopoética como característica essencial para que a vida se produza. Sendo assim o currículo voltado para a vida traduz-se num espaço de produção de conhecimento que se caracteriza não pela forma ordenadora com que se potencializa, mas por uma dinâmica caótica que há muito vem sendo evidenciada (PEREIRA, 2004, p. 54).
As ideias de Pereira se articulam com as elaborações epistemológicas
de
Hugo
Assmann,
quando
esse
autor
nos
recomenda substituir a pedagogia das certezas por uma “pedagogia plástica e sinuosa” (1996, p. 146) que incentive certezas operacionais imprescindíveis, capacite para modelizações da realidade, mas preserve também as incertezas sobre os rumos, para que estes sejam descobertos e não estejam pré-definidos.
Essa perspectiva vai valorizar o conhecimento como produto de
um ser articulado, onde cognição e corpo, cognição e vida imbriquemse. Mediando essa concepção está o conceito de enaction, cunhado
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Emergentes” (GONÇALVES; PEREIRA; CARVALHO, 2004, p. 51-58),
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Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II
por Francisco Varela. É nestes termos que, para Pereira, um currículo enactante edifica-se na experiência instigante e que não se exime de se aproximar e trabalhar com a vida dos aprendentes e os sentidos que estes atribuem à própria vida. Nesse sentido, quando proponho pensar os currículos de forma autopoética, estou querendo dizer que eles se autoproduzem. A construção do conhecimento, o qual se apresenta de forma circular, é produzida no interior dos currículos. Estes, dotados de “clausura operacional”, ao serem atingidos por mudanças, são capazes, no seu interior, de gerar outras modificações [...] compreendo o currículo como expressão da vida, num primeiro momento, ele é um artefato que congrega no seu interior um conhecimento resultante das diversas formas biossocioculturais de como os sujeitos se organizam [...] Num segundo momento, esse conhecimento existente é influenciado e, conseqüentemente alterado pelos acoplamentos estruturais experienciais – interações que permitem a geração de novos fenômenos (Maturana; Varela 2001, p. 16), oriundos dos sujeitos com seu entorno (PEREIRA, 2004, p. 56).
Avaliamos que a contribuição aqui desenvolvida vai ao
encontro da vivificação das experiências curriculares, à medida que não mais admite o currículo como um mero reprodutor dos ditames externos, ou atendente de demandas, visto como uma trajetória a ser seguida. Os críticos do campo curricular já reconhecem, há algum tempo, o caráter autopoético da experiência curricular; mesmo assim, consideramos que as inspirações trazidas pelas elaborações teóricas de Maturana e Varela, para o âmbito das concepções e práticas curriculares, nos ajudam a lançar mais luzes para essa compreensão auto-eco-organizativa do currículo. Há que se admitir que o cultivo da autonomia, da errância, da autorização, da autoria solidária e da mutualidade criativa é raríssimo enquanto orientação da experiência curricular. Diríamos mesmo, que ainda se constitui em uma ameaça às práticas predominantes em termos de concepção, organização e implementação dos curricula.
5 A concepção multirreferencial e intercrítica
Necessário enfatizar, em termos político e explicitativos, que a
proposta curricular multirreferencial existe, porque acabamos de nos convencer de que as múltiplas justiças são necessárias em termos
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socioculturais e curriculares. Segundo Anísio Teixeira, se tivéssemos tido no século XVI um McLuhan, talvez não nos iludíssemos com a época das certezas lineares e unidimensionais com que nos aturdiu o século XIX e chegássemos preparados para a época das incertezas multidimensionais do nosso tempo. Esta é uma das elaborações de afinada pertinência histórica concebida por Anísio e que projeta em muito, em termos formativos, a problemática da pluralidade em termos formativos.
Em outro contexto, não menos inquieto com a construção
do compromisso democrático com a educação, ao cunhar a noção de multirreferencialidade no seio das inquietações espistemológicas do pluralista e crítico Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Paris Saint-Denis, Jacques Ardoino quer atribuir às referências como produções culturais constituídas nos processos de diferenciação/identidade, um status legítimo enquanto intelegibilidades não encapsuladas na rigidez prescritiva da lógica disciplinar ou
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conjuntista-identitária da modernidade. É assim que para Ardoino,
Unidade
descontinuidade, heterogeneidade, turbulências de escalas, vazios criativos e conflitos, fazem parte de um mesmo processo. Assim, no âmbito desse argumento, se estabelece uma crítica radical à própria lógica disciplinar, enquanto uma lógica que historicamente se edificou nos currículos, sob a compreensão de que representa a última fronteira do real ou mesmo a realidade em si enquanto continuidade. Em geral, é assim que a escola a apresenta e trabalha.
A virada multirreferencial, enquanto uma das perspectivas não-
formalista de compreensão da realidade, ao instituir as referências como sua perspectiva reitora, desloca de vez o centro lógico do conhecer fincado na disciplina.
Nos seus recentes diálogos com Edgar Morin, no número 39
da Revista Pratique de Formation, Ardoino demonstra o quanto a noção de multirreferencialidade está contida de forma pertinente na inteligência da complexidade, o que nos faz perceber como os dois pensadores da complexidade humana concordam sobre o potencial edificador desta noção, enquanto um dispositivo epistemológico e político significativo para o campo da relação plural com os saberes. Aliás, Morin é convencido neste diálogo de que a noção de multirreferencialidade em Ardoino é muito mais pertinente para um olhar complexo da realidade do que a noção que cultiva: a de multidimensionalidade (MORIN, 2000). Do nosso lugar, entendemos que trabalhar os saberes como referências constituídas na dialógica da diferenciação, na
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Pedagogia
Em Ardoino, o enfoque multirreferencial não cria, através do entrecruzamento dos olhares críticos, uma zona mista, espécie de interseção de múltiplos campos disciplinares. Constitui, sobretudo, a invenção temporal, contínua, de um questionamento mútuo de cada uma das disciplinares convocadas pelas outras. É a singularidade do olhar, e das linguagens com os quais conhecemos as realidades que constitui a multirreferencialidade.
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Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II
referencialização/desreferencialização,
sem
nenhuma
pretensão
unificante, nos permite pleitear de forma muito mais fecunda e coerente a intercriticidade nos âmbitos dos atos de currículo. Até porque, sempre, dentro da perspectiva educativa, o importante é a compreensão política do outro na sua complexidade. Acrescento, a propósito, que a complexidade é multirreferencial porque é heterogênea. Falamos aqui de uma heterogeneidade dialógica, o coração mesmo da inteligência da complexidade. Para Jacques Ardoino, por exemplo, o cerne da multirreferencialidade está no trabalho com a linguagem; acrescentamos, um trabalho com a linguagem de compreensão crítica, ou melhor, com uma linguagem de compreensão intercrítica. Neste sentido, a narrativa, o contar, aliás, toda e qualquer expressão da existência humana se constitui numa referência. Tal perspectiva vai nos propor uma concepção e uma prática curricular nas quais as referências sejam tratadas como irredutíveis; a disciplina, e sua crítica são referências importantes; os mundos que interessam às formações se apresentem como textos-referência explicitativos, como, por exemplo, as diversas culturas comunitárias, o mundo do trabalho e da produção, os processos políticos que organizam a educação, as existências que se atualizam no próprio processo formativo, as diversas linguagens da expressão humana, como componentes de uma heterogeneidade também irredutível, mas articulável, conjugável, mestiçável. Tal abertura nos leva até o que denominei de uma “articulação crítica dos saberes” (MACEDO, 2002), na qual os processos de totalização compreensiva dos fenômenos e situações estejam implicados à própria lógica da duração, da temporalidade, da negatricidade e da alteração, cernes da complexidade a ser acolhida e enfrentada nos âmbitos da formação humana. Essa disponibilidade ao mesmo tempo epistemológica e curricular desestabiliza o conforto das certezas acadêmicas, à medida que as diferentes referências não disciplinares aparecem desafiando um saber pretensamente estável e autossuficiente. O currículo aqui é literalmente colocado no âmago do mundo. Um currículo mundano que, ao propor uma formação pedagógica, ética e politicamente comprometido com a dignidade humana, atrai e acolhe as impurezas do mundo para o debate, até porque é para o mundo e sua “natural” heterogeneidade que as pessoas se formam, e não para continuar a deificar saberes no conforto dos âmbitos de algumas verdades e de algumas mentiras do pequeno e específico mundo acadêmico. A
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concepção
de
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referência
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cultivada
pela
abordagem
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multirreferencial é explicitada por René Barbier (1997, p. 161), ligando-a aos saberes na pluralidade das suas emergências, seja do ponto de vista organizacional, simbólico, institucional, ideológico, quanto libidinal, sacral etc. No que concerne à pesquisa de inspiração multirreferencial, Burnham e Fagundes argumentam que: Em suas tentativas de articulação das diferentes referências, o pesquisador assume sempre uma posição; não aborda seu objeto de pesquisa a partir de uma justaposição de abordagens, em um relativismo cultural no qual tudo é igual a tudo, mas situase teoricamente e articula, de forma singular, diferentes teorias (1994, p. 48).
Com essa compreensão citam Giust-Desprairies:
Unidade
4
O posicionamento ético do pesquisador parece-nos a condição necessária para chegar além de uma ‘interdisciplinaridade aditiva e fusionante’, aos verdadeiros obstáculos epistemológicos da multirreferencialidade ligados à complexidade dos fenômenos e à sua difícil apreensão na confrontação com o objeto de pesquisa (GIUST-DESPRAIRIES, apud BURNHAM; FAGUNDES, 1994, p. 51).
Vale a pena ressaltar que, no âmago da Linha de Currículo do
PPGE/FACED-UFBA,
teses
e
dissertações
importantes
vêm
sendo defendidas, nas quais a abordagem multirreferncial aparece orientando as pesquisas, tanto em termos teóricos quanto em termos metodológicos. Neste veio, seu potencial político, heurístico e pedagógico-curricular vem se ampliando de maneira significativa. Destacam-se as teses em currículo de Fagundes, (2003), Sá, (2004), Tourinho, (2003) e Santos (2005). Para nós, o inacabamento relacional cultivado pela perspectiva multirreferencial, como uma intercrítica, passa a inspirar a dialogia que se instaura na relação com os saberes e as experiências formativas em toda a sua diversidade (MACEDO, 2005a). Realçando a compreensão como ato de vida e a interpretação partilhada como um exercício fundamental para não se praticar a alteração ideologicamente sistematizada como assimilação e descarte, entendemos que um cenário curricular constituído sob uma inspiração multirreferencial e intercrítica inova política e pedagogicamente, na medida em que se institui e se organiza pelo conjunto de relações abertamente disponibilizadas à tensão dialógica como forma de política cultural para construção da formação.
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Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II
Assim, para Atlan, em havendo várias racionalidades, múltiplas maneiras de se ter razão, legítimas, ainda que diversas, é preciso não se buscar mais a verdade última, única.
É fato que o biólogo e epistemólogo francês Henri Atlan, ao propor o conceito de intercrítica, concebe-o de forma a resistir às afetações e hibridizações possíveis entre a cultura científica e outras culturas não-científicas, a partir de uma clara preocupação com as analogias e com determinados ecletismos. Atlan propõe a diferença como fundante e irredutível, mesmo que, na relação, a alteração em uma das partes possa acontecer. Constatando que a nossa razão discursiva funciona sempre privilegiando a identidade de não-contradição, Atlan vai colocar em realce muito mais as relações entre diferenças do que as analogias. Neste sentido nos diz: A preocupação que os depositários de uma tradição possam ter em aceitar e reconhecer os valores das outras deve impedi-los de tentar negar ou dominar estas outras pela força, continuando a avançar resolutamente no seu próprio caminho. Neste sentido, e apenas neste sentido, certas tradições talvez possam pretender ser mais ‘universais’ do que outras; mas não em nome de universais teóricos da razão ou da revelação, cujos discursos apenas falam linguagens particulares... Esta atitude contrasta com a atitude adotada por um público apreciador de grandes sínteses unificadoras, e também de ‘astrologias científicas’ e de outros fads and fallacies... (ATLAN, 1994, p. 38).
Da perspectiva do teórico, a intercrítica resultaria numa crítica que não seria simultânea, mas alternativa e recíproca. Partindo da premissa de que “o real não é verdadeiro, contenta-se apenas em ser”, o autor tenta nos convencer que a única universalidade de valores possível é aquela que se constrói passo a passo, através do embate, da coexistência, e do diálogo, e a única garantia para isso é a boa vontade, sem complacência em relação ao outro, ao estranho e ao estrangeiro. Para Atlan: Pode-se sempre criticar o método crítico, do lugar em que nos colocamos, mas é fácil constatar que é impossível colocar-se num ponto de vista absoluto. Isto é, não pode haver um ponto de vista que escape ao método crítico. E a maneira mais eficaz de se dar conta disso consiste justamente em criticar as pretensões de unicidade absoluta de um método colocando-se do ponto de vista do outro método [...]. Muito bem, hoje - porque se descobre que a verdade científica sozinha é insuficiente para resolver os nossos problemas de vida, e que as ciências e as técnicas
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colocam um número cada vez maior de problemas éticos e sociais sem fornecer os meios de resolvê-los -, revaloriza-se a tese de Protágoras. Com efeito, a virtude pode ser ensinada com uma pedagogia específica que se ‘cola’ necessariamente ao ensino da verdade científica. Isso não significa que não haja nenhuma relação entre o ensino da virtude e o das ciências, mas são relações intercríticas, e não dedutivas [...] (1994, p.73-76).
Para uma etnoeducação crítica (MACEDO, 2005b), essas elaborações de Henri Atlan permitem alcançar uma perspectiva fecunda para evitarmos, pelos processos interculturais vividos no currículo, a colonização via a destruição das tradições das pessoas que, historicamente, foram impedidas de afirmar ou mesmo de reconquistar ou conquistar seus recursos político-culturais. Essas pessoas têm, na escola, um locus de pasteurização dos seus saberes, de seus pertencimentos e, portanto, das referências com as quais
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4
compreendem o mundo, a vida, e, com isso, aprendem.
ATIVIDADES
ATIVIDADES
Em que a crítica da crítica contribui para teoria crítica em currículo? 1. O que mais caracteriza a crítica pós-moderna em currículo? 2. Caracterize a partir do argumento do texto as perspectivas pós-estruturalista e pós-colonialista, tomando currículo como problemática a ser discutida. 3. Como se caracterizam em termos curriculares as visões risomática e centrada na vida? 4. Qual a importância para você, a partir do texto, de um currículo multirreferencial e intercrítico?
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RESUMINDO
RESUMO O movimento pós-crítico no campo do currículo vem contribuir para ampliar os pontos que uma teoria crítica pode construir com o objetivo de compreender nossa relação com o conhecimento e as culturas que o produzem. Nestes termos vai fazer a crítica da própria teoria crítica. A abordagem pós-moderna, por exemplo, nos fala da necessidade de desconfiarmos das verdades acadêmicas e científicas, vistas como completas e estáveis, de um conhecimento que se quer, portanto, histórica e culturalmente onipresente, perfeitamente generalizável. Enquanto pós-estruturalistas nos alertam para um mundo em que os conhecimentos são, em realidade, textos, formas de interpretação entre várias, com as quais o currículo deveria aprender a lidar. Já os pós-colonialistas só admitem a perspectiva cultural assumida no currículo numa dinâmica onde o cultural é construído através de relações que se estabelecem no interior da própria cultura e entre culturas. Funda-se a ideia de um currículo multi e intercultural. Para o curriculogistas que estudam o currículo como um ato de vida, centrado, portanto, no bios, o currículo tem um caráter autoorganizativo que deveríamos prestar a atenção para lidar com sua organização e implementação. Já para a perspectiva rizomática, a partida é que nada deveria ser visto em currículo em termos de inter, trans. A diferença pura das itinerâncias dos aprendentes deveria ser pleiteada de forma que as pessoas nas suas diferenças fizessem seus percursos no currículo sem entradas e saídas fixas. No que concerne à perspectiva multirreferencial e intercrítica, é a incompletude das verdades a serem conjugadas e a heterogeneidade das realidades humanas que interessa, para se compreender e construir currículos, no plural mesmo.
LEITURA COMPLEMENTAR LEITURAS RECOMENDADAS
GIROUX, H. Os professores como intelectuais. Rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Tradução de Daniel Buena. Porto Alegre: Artmed, 1997.
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Módulo 4 I
Volume 2
EAD
___________, Pedagogia radical. Subsídios. Tradução de Dagmar Zibas. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1983. MCLAREN, P. Multiculturalismo revolucionário. Pedagogia do dissenso para o novo milênio. Tradução de Mário Morais e Roberto Costa. Porto Alegre: Artmed, 1997. MOREIRA, A. F. “Currículo, utopia e pós-modernidade”. In: Moreira, A. F. (Org.). Currículo: questões atuais. Campinas: Papirus, 1997, p. 9-28.
Unidade
4
FILME RECOMENDADO
FILME RECOMENDADO A Festa de Babete – filme dinamarquês, baseado no romance de Isak Binesen. A culinária é o dispositivo de transformação que a personagem principal usa, através de suas criativos e refinados saberes e habilidades, com o intuito de transformar uma comunidade rigidamente religiosa, conservadora e melancólica, através de experiências formativas estéticas, onde o desejo e o prazer são reapropriados pela beleza e a felicidade produzidos pela arte do saber cozinhar. Babete é uma refugiada francesa que, impactada com o modo de vida da comunidade, usa sua experiência e habilidade culinárias para transformar de alguma maneira a visão de mundo e comunitária onde vive.
SITE RECOMENDADO
SITES RRECOMENDADO http:////www.curriculosemfronteiras.org/ http://www.globalcurriculum.net/pt/curriculo/
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Pedagogia
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Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
ARDOINO, J. “A Complexidade” In: MORIN, E. A Religação dos saberes. O desafio do século XXI. Tradução de Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p. 548-558. ASSMANN, H. Metáforas novas para reencantar a educação: epistemologia e didática. Piracicaba: Editora UNIMEP, 1996. APPLE, M. Ideologia e currículo. Tradução de Maria Cristina Monteiro. São Paulo: Brasiliense, 1982. __________, Educação e poder. Tradução de Maria Cristina Monteiro. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. . APPLE, M.; CARLSON, D. “Teoria educacional crítica em tempos incertos”. In: HYPÓLITO, A.; GANDIN, L. (Orgs.). Educação em tempos incertos. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 11-57. ATLAN, H. Com razão ou sem ela. Intercrítica da ciência e do mito. Tradução de Fátima Gaspar; Fernando Gaspar, Lisboa: Instituto Piaget, 1994. BARBIER, R. L’ Approche transversale. L’écoute sensible en sciences humaines. Paris: Económica/Antropos, 1997, p. 357. CONNEL, R. “Pobreza e educação”. In: GENTILI, P. (Org.). Pedagogia da exclusão. Crítica ao neoliberalismo em educação. Tradução de Vânia Thurler; Tomaz Tadeu da Silva. Petrópolis: Vozes, 1996, p 1142. CORAZA, S. M. “Diferença pura de um pós-currículo” In: LOPES, A.; MACEDO, E. (Orgs.). Currículo: Debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002, p. 103-114. COSTA, M. V. “Poder, discurso e política cultural: Contribuições dos estudos culturais ao campo do currículo”. In: LOPES, A.; MACEDO, E. Currículo. Debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002, p. 133-149.
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DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs. Vol. 1. São Paulo: Editora 34, 1995. FAGUNDES,
N.
BURNHAM
T.
“Transdisciplinaridade,
multirreferencialidade e currículo”. IN: Revista da FACED, n. 05, 2001, p. 39-55. ___________, “Em busca de uma universidade outra: A inclusão de ‘novos’ espaços de aprendizagem na formação de profissionais de saúde”. Tese de Doutorado. PPPGE/FACED-UFBA, 2003, 229 p. FAZENDA, I. (Org.). Práticas interdisciplinares na escola. São Paulo: Cortez, 1993. GALLO, S. “A Orquídea e a vespa: transversalidade e currículo rizomático” In: GONSLAVES, E.; PEREIRA, M. Z.; CARVALHO, M. E.
4
Currículo e contemporaneidade: questões emergentes. São Paulo:
Unidade
Alínea, 2004, p. 37-50. GOODSON, I. A Construção social do currículo. Tradução de Álvaro Campelo. Lisboa: EDUCA, 1997. GIROUX, H. Os professores como intelectuais. Rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Tradução de Daniel Buena. Porto Alegre: Artmed, 1997. ___________, Pedagogia radical. Subsídios. Tradução de Dagmar Zibas. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1983. MCLAREN, P. Multiculturalismo revolucionário. Pedagogia do dissenso para o novo milênio. Tradução de Mário Morais e Roberto Costa. Porto Alegre: Artmed, 1997. ____________, Multiculturalismo crítico. Tradução de Bebel Orofino Schaefer. São Paulo, Cortez, 1986. MOREIRA, A. F. “Currículo, utopia e pós-modernidade”. In: MOREIRA, A. F. (Org.). Currículo: questões atuais. Campinas: Papirus, 1997, p. 9-28. MORIN, E. “A articulação dos saberes”. In: ALMEIDA, M. C.; CARVALHO, E. A.. Edgar Morin. Educação e complexidade: Os sete saberes e
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Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II
outros ensaios. Tradução de Edgard de Assis Carvalho São Paulo: Cortez, 2002. MATTELART, A.; NEVEU, E. Introdução aos estudos culturais. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2004. MATURMA, H; VARELA, F. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. Tradução de Jonas Pereira dos Santos. São Paulo: Palas Athenas, 2001. MACEDO, E.; LOPES, A. “A estabilidade do currículo disciplinar: o caso das ciências”. In: LOPES, A.; MACEDO, E. (Org.). Disciplina e integração curricular: História e políticas. Rio de Janeiro, DP&A Editora, 2002, p. 73-94. PEREIRA, M. Z. “Currículo e autopoíese: a produção do conhecimento. In: GONSLAVES, E.; PEREIRA, M. Z.; CARVALHO, M. E. Currículo e contemporaneidade: questões emergentes. São Paulo: Alínea, 2004, p. 51-58. PINEAU, G. “Les histoires de vie comme arts formateurs de l’existence”. Trabalho apresentado no II Congresso Internacional sobre Pesquisa Auto-biográfica. Salvador-BA, setembro de 2006. SÁ, M. R. G. Hermenêutica de um currículo: O curso de pedagogia da FACED/UFBA. Tese de Doutorado. PPGE/FACED-UFBA, 2004. SANTOS, E. de O. Educação online. Cibercultura e pesquisa-formação na prática docente. Tese de Doutorado, PPGE/FACED-UFBA, 2005. SILVA, T. T. Documentos de identidade. Uma introdução à teoria do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. ___________, (Org.). Teoria educacional crítica em tempos pósmodernos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. TOURINHO, M. A. O ensino de história: Inventos e contratempos. Tese de Doutorado. PPGE/FACED-UFBA, 2003. VEIGA-NETO, A. Espaços que produzem. Porto Alegre: UFRGS/ PPGEdu, 1999, mimeo.
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Suas anotações ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... 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UNIDADE V PROPOSIÇÕES CURRICULARES CONTEMPORÂNEAS I
OBJETIVO Nesta unidade apresenta-se de forma fundamentada e crítica os diversos modelos curriculares que a contemporaneidade nos oferece como possibilidade de implantação pedagógica e formacional. Há uma preocupação evidente de se evitar que possamos tomá-los como modelos que se bastam em si, mas como possibilidades modelizadas de currículo que podem ser
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5
articulados com outras perspectivas curriculares pertinentes.
1 A noção de competência e a organização curricular Dados históricos nos mostram que a noção de competência como norteadora de processos de formação não é recente. Superando a orientação condutista, o seu retorno acontece, também, num contexto de crítica a certa burocratização da formação e, por consequência, do currículo. Tal burocratização criaria uma série de entraves para se forjar currículos sensíveis e conectados às realidades que envolvem/ desafiam os sujeitos coletivos em formação.
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É fato que, neste veio, algumas apreensões do conceito de
competência vão cair numa perspectiva tecnicista de formação orientada tão somente por objetivos instrucionais, ou mesmo, confunde competência com habilidade, desconecta conhecimentos, habilidades e valores, perdendo, por consequência, a possibilidade relacional do conceito e suas mediações pedagógicas. Para não se falar da recaída neotecnicista de algumas normas de certificação, quando transformam as competências ali listadas num conjunto de prescrições sem qualquer compromisso com os contextos de formação, suas singularidades e dinâmicas sociopolíticas.
Tomando esse veio de raciocínio e falando de um lugar teórico,
político, epistemológico e pedagógico opcionado, face à pluralidade com que a noção de competência se edifica, podemos dizer que a concepção de
currículo por competências podem ter nos seus
fundamentos a desconstrução de alguns prejuízos epistemológicos Ao apontar para uma formação que se articula com o mundo do trabalho, da produção e das pautas concretas da vida em sociedade, a proposta da formação por competências aqui pleiteada objetiva a superação das visões apartadas que nos levaram a construir currículos pautados nas separações fragmentárias e nas compreensões nãocomunicantes.
e formativos. Podemos verificar, nos argumentos que tomam as competências como uma ampliada e dialética possibilidade formativa, uma crítica às fragmentações encontradas nos currículos pautados na disciplinarização, assim como no que concerne aos processos reducionistas nos quais, muitas vezes, essa mesma disciplinarização reduz a formação a aspectos insulares do conhecimento sistematizado.
Ademais, a proposta da formação por competências critica as
formações que privilegiam o abstracionismo acadêmico, que esquece que se aprende para se inserir de forma competente e cidadã na sociedade do presente e enfrentar seus desafios.
Essa reivindicação formativa vai ao encontro também da
desconstrução das naturalizações ou coisificações dos saberes formativos, na medida em que as referências que advêm dos mundos não-disciplinares acabam por colocar o saber acadêmico sob constante tensão, no que concerne ao valor das suas verdades. Como as competências apontam para a atualização das aprendizagens em contexto, conhecimentos, habilidades e valores são transformados em saberes em uso, estando sujeitos às ressignificações a partir do mundo não-acadêmico da atividade humana.
Da nossa perspectiva, esse caminho de superação desses
prejuízos epistemológicos e formativos que um currículo por competências construiria, não pode prescindir da vinculação histórica, ética e política, sob pena de cair-se numa reedição do ensino por objetivos instrucionais, reduzidos à reprodução de conhecimentos pré-digeridos e autoritariamente enquadrados.
Nestes termos, a
nossa perspectiva entende que cabe fecundar a noção de competência como mediadora da organização curricular com o veio crítico das
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teorias curriculares, retirando-a da captura neotecnicista que, em muitos momentos, contaminam essa noção mediadora das formações contemporâneas. Diz-se que a pedagogia das competências é, na sociedade contemporânea, a pedagogia da sociedade pós-industrial. Entretanto é preciso refletir epistemológica, ética, política e pedagogicamente sobre esses sentidos que configuram o processo de formação e o currículo, até porque, a centralidade cognitiva desse conceito pode facilmente colocá-lo numa reedição psicologizante da gestão do aprendizado nos cenários curriculares. A
partir
dessa
perspectiva,
algumas
atitudes
didático-
pedagógicas podem ser apontadas como pertinentes para o trabalho formativo via um currículo por competências: • valorização da transposição didática; • globalização dos saberes; • o uso de ideias-chave ou noções-núcleo como orientação dos módulos de aprendizagem; • aprendizagem para e pelas situações e cenários de trabalho;
É assim que as competências são conceituadas, como um conjunto de saberes e habilidades que os aprendentes incorporam por meio da formação e da experiência, conjugados à capacidade de integrá-los, utilizá-los, transferi-los em diferentes situações. Trata-se, portanto, de uma concepção de currículo mediada por uma pedagogia ativa e construtivista, na qual a formação é configurada pelo saber teórico (formalizado) e prático (técnico e metodológico), os quais podemos denominar de saberes em uso.
• tradução dos conteúdos em objetivos flexíveis; • envolvimento dos alunos em projetos de trabalho;
5
• avaliação como observação processual; avaliação formativa;
Unidade
• “transferência” de conhecimentos, habilidades e valores; • necessidade de planejar problemas e encontrar estratégias para resolvê-los, no caso do uso da perspectiva pedagógica da aprendizagem por problemas; • Interesse pelos processos de aprendizagem dos alunos; • avaliação
centrada
nas
evidências
de
desempenho
demonstrado em situações as mais próximas possíveis daquelas que os alunos poderão enfrentar na realidade; realizada em tempo relativizado. Pleitea-se aqui o uso de indicadores flexíveis, através, predominantemente, de instrumentos avaliativos de registro. Vale ressaltar que há nos debates envolvendo a formação para o trabalho, uma clara tensão ideológica entre aqueles que aceitam a noção de competência como uma noção mediadora do currículo e da formação e aqueles que defendem a orientação dessa formação pautada na perspectiva da qualificação. Sabe-se que essa perspectiva está vinculada a uma educação pelo conhecimento e à configuração do mundo do trabalho e sua dinâmica de inserção, em meio aos processos contraditórios capital-trabalho. Enquanto a
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Currículo | Propostas curriculares contemporâneas I
perspectiva das competências desloca a atenção para as capacidades das pessoas em termos sociocognitivos, procurando desenvolver, a partir da formação, os instrumentos cognitivo-intelectuais capazes de responder a um mundo da produção profundamente marcado pela incerteza, pela necessidade de uma atuação flexível e autônoma. Há um importante debate político aí constituído que precisa ser explicitado, até porque se pode falar de competências em termos da organização da formação e do currículo, trazendo para seus âmbitos as pautas de uma formação ampliada para além do psicológico, implicando-se o político, o ético e o cultural como organizadores ativos, rejeitando-se, por consequência, as tendências psicologizantes e tecnicistas que fizeram parte da sua história. Um argumento que nos mostra bem essa contradição é encontrado em Freitas (2002, p. 93): O pensamento progressista já examinou como o capital escamoteia a formação do trabalhador, na medida em que educá-lo é permitir que se torne cidadão consciente das contradições do próprio sistema capitalista. A questão que se coloca para o capital é: como instruir um pouco mais sem aumentar o grau de conscientização das classes populares? [...] sendo a escola um local de preparação dos futuros trabalhadores, ela não pode estar fora de sintonia com as novas habilidades exigidas no interior da produção: isto implica maior “participação” e “democracia” no interior da escola. É interessante notar que também no interior da indústria começa a ser experimentado, dentro do novo padrão de exploração implantado (tecnologia de grupo, células, círculo de controle de qualidade, planejamento participativo, qualidade total, avaliação de competências etc.).
Para Freitas, o que se desenvolve nesse processo é uma “democratização” do que já está ditado. As obras de Marise Nogueira Ramos, A pedagogia das competências:
autonomia
ou
adaptação
(2001),
bem
como
a coletânea organizada por Antônio Tomasi Da qualificação à competência. Pensando o século XXI (2004), são trabalhos que trazem de forma pertinente o debate entre as perspectivas da competência e da qualificação como organizadoras curriculares da formação na contemporaneidade. Podemos também citar como importante o trabalho de Philippe Perrenoud (2000), a partir da sua preocupação em apresentar uma pedagogia que opere mediada pela noção de competências, direcionando esse aporte, inclusive, para a formação de professores.
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O que é interessante problematizar, é como currículos que apontam para superação dos prejuízos causados pela lógica disciplinar abstracionista e reducionista, podem garantir a verticalização reflexiva dos campos de conhecimento historicamente construídos, para evitarem um outro prejuízo epistemológico e formativo: a lógica do descarte e da substituição das tradições em face do fascínio pela inovação sociopedagógica e curricular, irrefletida, descontextualizada e sem aprofundamento compreensivo do movimento histórico que vem configurando essas superações.
2 O Currículo por problema A filosofia pedagógica da proposta curricular de aprendizagem baseada em problemas é o aprendizado centrado no aluno. É baseada, portanto, no estudo de problemas propostos com a finalidade de fazer com que o aluno estude determinados conteúdos de forma reflexiva e tensionada por problemas concretos. O problema identificado é o mediador principal do aprendizado. Estimula-se, assim, a atitude proativa dos alunos em busca do conhecimento. Tomando as definições importantes, relacionadas à organização saber. Esse elenco é analisado, situação por situação, para que se determinem os conhecimentos que o aluno deverá possuir para cada uma delas. O referido elenco constitui os temas de estudo. Cada tema será transformado em um problema a ser discutido em um grupo de apoio, quando se tratar de um tema que diga respeito à esfera cognitiva. A aprendizagem baseada em problemas tem o grupo de apoio como suporte para os estudos, que é composto em geral de um orientador e de 8 a 10 alunos. Dentre os alunos, um será o coordenador e outro será o secretário, havendo rodízio de sessão a sessão, para que todos exerçam essas funções. No grupo, os alunos são apresentados a um problema pré-elaborado pela comissão de elaboração de problemas. Essa organização pode assumir formas mais abertas, mais participativas e menos tutoriais.
A construção do problema consiste em: uma descrição do fenômeno para o qual se deseja uma explicação no grupo de apoio; ser formulado em termos mais concretos possíveis; ser o mais conciso possível; dirigir o aprendizado para um número limitado de itens; dirigir-se apenas a itens que possam ter alguma explicação baseada em conhecimento prévio dos alunos; orientar os alunos para estudos independentes.
Em termos da experiência do grupo de apoio, alguns passos são sugeridos: leitura do problema; identificação e esclarecimentos de termos desconhecidos; identificação dos problemas propostos pelo enunciado; formulação de hipóteses explicitativas para os problemas identificados no passo anterior (os alunos se utilizam nesta fase dos conhecimentos de que dispõem sobre o assunto); resumo
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do curso, prepara-se um elenco de situações que o aluno deverá
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das hipóteses ou questões formuladas; formulação de objetivos de aprendizado; estudo individual dos assuntos levantados nos objetivos de aprendizado; retorno ao grupo de apoio para discussão do problema frente aos novos conhecimentos adquiridos na fase de estudo anterior (BORDENAVE, J.; PEREIRA, A. 1982). Uma carga horária é prevista para o estudo de cada problema. São várias as formas de avaliação possíveis dentro do currículo baseado em problemas. São previstas avaliações por módulos, avaliação progressiva dos conhecimentos dos alunos. No que se refere à avaliação ao final dos módulos, tem por finalidade avaliar a qualidade do módulo. Um módulo temático deve levar os alunos a atingirem determinados objetivos de conhecimentos. O núcleo central do módulo temático são os problemas desenvolvidos para a abordagem dos temas. Espera-se que um problema deve ensejar uma boa discussão no grupo de apoio de modo que ao fim desta discussão os alunos elejam objetivos de aprendizado adequados ao conhecimento do tema em estudo. Em termos organizacionais, instituem-se comissões, como a comissão de currículo, a comissão de avaliação, as comissões diretoras e a comissão de problemas. Vale questionar se uma aprendizagem por problema pode garantir os níveis de aprofundamento em determinados campos do conhecimento necessários a um processo de qualificação interna a esses campos. Teria a configuração de um problema a capacidade de suscitar o “domínio” necessário nestes termos? Não seria mais pertinente configurar modelos curriculares crítico-multirreferenciais onde os inacabamentos pudessem ser reconhecidos e articulados, em vez de tentar-se achar num só modelo uma realização acabada e totalizante? O que nos parece importante, neste dispositivo curricular, é a articulação entre o problema estudado e o processo de problematização dos fenômenos. Neste sentido, os atos de currículo caminhariam através de uma práxis pedagógica, que cultivaria a reflexão ultrapassando a mera atividade intelectual, vinculandose a uma aprendizagem acionalista, no qual a compreensão e a transformação seriam ética, política e esteticamente recomendadas como perspectivas indissociáveis.
Aprender implicando-se numa
prática reflexiva é a orientação fundante de uma formação pautada na problematização do conhecimento e da realidade social.
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3 O Currículo por projetos Como mais um dispositivo que se orienta na perspectiva de integrar os conhecimentos a partir dos desafios que a realidade concreta nos apresenta, o currículo por projeto vem sendo praticado como um modelo curricular inovador e superador da lógica disciplinarfragmentária e abstracionista que a tradição curricular cultivou secularmente. Há, como em todo dispositivo curricular, passos a serem organizados para que esse dispositivo se caracterize como tal. É assim que um currículo por projeto começa com a escolha do tema que constitui o ponto de partida.
Integrar conhecimentos e pensá-los com as realidades contextualizadas é o cerne da proposta curricular por projetos. Ou seja, possibilitar que o conhecimento seja experienciado de forma globalizada, relacional, e, portanto, com uma compreensão relacional. Nestes termos, é central o incentivo e o desafio a um constante esforço interpretativo construtivista por todas as vias didáticopedagógicas.
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Na descrição realizada por Hernández e Ventura em cada nível de escolaridade, essa escolha adota características diferentes. Os alunos partem das suas experiências anteriores, da informação que têm sobre os projetos já realizados ou em processo de elaboração por outras classes. Essa informação deve se tornar pública nos espaços formativos. Dessa forma, o tema pode pertencer ao currículo oficial, proceder de uma experiência comum, originar-se de um fato da atualidade, surgir de um problema proposto pela professora ou emergir de uma questão que ficou pendente em outro projeto. O professorado e os alunos devem perguntar-se sobre a necessidade, relevância, interesse ou oportunidade de trabalhar um ou outro determinado tema. Todos eles analisam, de diferentes perspectivas, o processo de aprendizagem que será necessário levar adiante para construir conjuntamente o projeto (HERNANDEZ; VENTURA 1998, p. 69).
A atividade do docente: escolhido o tema do projeto e construídas as percepções sensibilizadoras, em termos do que se quer saber, as perguntas que se deve responder, a atividade docente especificará qual o motivo reitor do conhecimento, o fio condutor, o esquema cognocitivo que permitirá que o projeto vá além dos processos informativos ou instrumentais imediatos e possa ser aplicado em outro tema ou problema. Esse fio condutor está em relação com o Projeto Político Pedagógico e o Projeto Institucional Curricular, no sentido da realização de uma primeira previsão dos conteúdos (conceituais e procedimentais) e as atividades, tratando de encontrar algumas fontes de informação que permitam iniciar e desenvolver o projeto. Segundo Hernández e Ventura (1998), a pergunta que o docente tenta responder é: o que pretendo que os
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diferentes componentes do grupo aprendam com o projeto? Neste sentido, inovações, paradoxos, contraste com outras fontes, cenários educativos e experiências trazidas pelos próprios estudantes são importantes. O compromisso é com o aprendizado ativo e a criação. Oficinas interclasses podem ser intercruzadas com o trabalho individual; um ambiente pedagógico motivador deve ser incentivado para bem como realçar e valorizar a consciência do sentido da aprendizagem grupal; procura-se trabalhar bem com a previsão dos recursos para efetivar a funcionalidade do projeto; trabalha-se para se conceber e instituir uma avaliação processual, ou seja: de início, verificar o que os alunos sabem sobre o tema, quais são suas perguntas, hipóteses e referências de aprendizagem, e, ao longo do projeto, se estão aprendendo, como estão acompanhando o sentido do projeto, para finalmente perceber o que aprenderam em relação às propostas iniciais e se são capazes de estabelecer novas relações. Investir nas fontes de informações, nas tecnologias mediadoras e como acessá-las é também do âmbito da organização de um trabalho pedagógico com projetos. Dizem-nos Hernández e Ventura (1998) que, partindo da perspectiva geral, os projetos geram um alto grau de autoconsciência e de compreensão nos alunos com respeito à sua própria aprendizagem, ainda que, num determinado período ou momento da formação, possam estar desenvolvendo projetos de uma forma menos intensa. Segundo os autores, essa variedade é um elemento de contraste e dinamiza a discussão. O que nos parece importante salientar, no veio dos argumentos das nossas perspectivas curriculares, é que nenhum dispositivo ou modelo curricular deve ser compreendido ou implementado como mais uma nova panaceia educacional. A superação dessa expectativa aplicacionista, junto a uma abertura para avaliar bem a inovação, já seria um grande avanço para a superação dos nossos hábitos reprodutivistas e totalizantes em termos pedagógico-curriculares.
4 O Currículo por temas geradores e por problematização Longe de qualquer visão populista do pedagógico, a perspectiva curricular dos temas geradores, inspirados no pensamento de Paulo Freire, caminha num claro questionamento: para quê? Assim, educação e política são indissociáveis como projeto e práticas sociais. O currículo, sua concepção e implementação vão refletir, mobilizar e
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objetivar essa indissociabilidade. Propostos pelos professores, e detectados pelos grupos, os temas geradores não se identificam com a simples transmissão do conhecimento. Entretanto isso não proíbe a narrativa dos professores como produtos de experiências significativas. Vale ressaltar que os temas geradores não se identificam também com as atividades realizadas em torno dos “centros de interesse”, na medida em que, diferentemente destes, procuram ampliar o horizonte da investigação e aprendizagem, explorando os fatores culturais e sociais envolvidos, tanto do ponto de partida quanto no seu desenvolvimento. Há, no trabalho de integração das áreas do conhecimento
Integrar conhecimentos e pensá-los com as realidades contextualizadas é o cerne da proposta curricular por projetos. Ou seja, possibilitar que o conhecimento seja experienciado de forma globalizada, relacional, e, portanto, com uma compreensão relacional. Nestes termos, é central o incentivo e o desafio a um constante esforço interpretativo construtivista por todas as vias didáticopedagógicas.
com os temas geradores, a superação da fragmentação e da justaposição de informações muitas vezes irrelevantes, tão comuns na composição e implementação dos nossos currículos. A crítica às formas opressoras seja de classe, seja de qualquer outra natureza é fundante nesta perspectiva curricular, assim como o incentivo a uma práxis transformadora das iniquidades sociais dentro e fora dos cenários educacionais. É interessante colocar que neste tipo de dispositivo curricular o professor não deve descartar o imprevisto, na medida em que a dialogicidade é constitutiva da própria proposta curricular. Sua atitude
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de pesquisa deve estar aguçada, porquanto a problematização da
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realidade e dos conhecimentos que dinamizam teoricamente os temas criam constantemente campos de inacabamento e necessidades de novos estudos e pesquisas. É aqui que o planejamento da atividade curricular deve incluir um processo pedagógico multirreferencial, na medida em que são necessárias para esse trabalho múltiplas fontes de informação, vindas de dentro e de fora da instituição formadora. Faz-se
necessário,
portanto,
mobilizar
múltiplos
cenários
de
aprendizagem e, na prática, destituir totalmente o ensinaraprender pautado na hipertrofia da memória. Aqui, o heterogêneo potencializa o senso crítico e a capacidade de realizar compreensões em meio a uma realidade humana que nunca foi homogênea, tampouco estável e justa. Um tema pode surgir do coletivo social dos alunos e professores. Um tema gerador não é uma camisa de força. Essa inspiração pedagógico-curricular parte da premissa de que nossa educação não é igualitária e justa, e que se faz necessário trabalharmos em todas as dimensões para a conquista de um ato educativo pautado nas diversas justiças negadas pelo modelo opressivo do capitalismo e das sociedades autoritárias; deverão existir cenários formativos que permitam a errância, a transgressão, a emergência da diferença,
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Nutrir a curiosidade, valorizar o conhecimento científico como construção humana, evitar modelos impostos, trabalhar com a contextualização, garantir a criticidade e a criatividade, articular criticamente os temas e os saberes que nele se implicam, historicizar e politizar a relação com o saber são caminhos inerentes à perspectiva pedagógico-curricular dos temas geradores.
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sempre problematizados e enraizados na responsabilidade social de uma educação para a dignidade humana; uma educação cidadã, pautada numa moral cidadã, portanto. Ouçamos Sônia Kramer (1989, p. 63), quando acolhe a perspectiva do tema gerador como orientação curricular: Cabe lembrar que uma característica fundamental da proposta é a necessária articulação desses conhecimentos com a prática pedagógica, viabilizada exatamente pelo tema gerador, verdadeiro fio condutor das atividades e, ao mesmo tempo, organizador dos conteúdos. Mas esses conteúdos não se amalgamam, nem se desfiguram ou são disfarçados pelo tema. Ao contrário, eles se tornam significativos e ficam revestidos de seu real valor e de sua função social, na medida em que são sempre contextualizados, sendo adquiridos para alguma finalidade concreta e em função de um objetivo elucidado.
Em
termos
de
avaliação,
impossível
reproduzir,
nesta
perspectiva, os padrões correntes de avaliação pautados em comparações por escalas numéricas e na compulsiva busca dos erros e acertos para, de forma antinômica, definir e decidir sobre a aprendizagem do outro. Nestes termos, Kramer sugere cinco tipos de estratégias para proceder à avaliação: “análises e discussões periódicas sobre o trabalho pedagógico; observações e registros sistemáticos; arquivos contendo planos e materiais referentes aos temas; relatórios dos alunos; prática da auto avaliação” (KRAMER, 1989, p. 95-96). Como dispositivo da organização e de orientação dos atos de currículo, o tema gerador aparece como uma das perspectivas curriculares das mais significativas, na medida em que epistemológica, política, ética e pedagogicamente não cai numa simplificada proposição modelizada de currículo.
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ATIVIDADES
ATIVIDADES
1. Qual é a principal crítica efetivada pelo modelo curricular por competência aos currículos modernos? 2. Baseado nos fundamentos e nas propostas concretas de currículos por competências, realize um rascunho com um exemplo de como se constrói uma competência curricular, tendo como componentes globalizados e necessários, o conhecimento, as habilidades e os valores a serem trabalhados. 3. Caracterize e relacione a concepção de currículo por problema e por projeto. 4. Como você caracterizaria o currículo por temas geradores? 5. Qual o papel central do pensamento de Paulo Freire nesta concepção de currículo?
RESUMINDO RESUMIMDO
O
movimento
das
necessidades
formativas
do
mundo
educacional contemporâneo, assim como a presença de uma
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diversidade de concepções de currículo que surgem desse movimento, suas características e contradições vão forjar um conjunto de
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modelos curriculares extremamente singulares nas suas propostas organizativas e formativas. A superação do modelo disciplinar está na base desses modelos denominados de integrativos. Vê-se, neste contexto, o surgimento da proposta curricular por competência, que tem como lógica a superação da fragmentação e do abstracionismo disciplinar pautada na necessidade de integrar conhecimentos, habilidades e valores, vinculados às realidades das atividades humanas concretas, principalmente atreladas ao mundo do trabalho. Neste mesmo veio de superação dos modelos disciplinares, os modelos por projeto estão fundando no exercício da globalização dos saberes e na interdisciplinaridade, a partir do trabalho com temas eleitos como pertinentes. Coerente com esses princípios o modelo curricular por problema, parte não do conhecimento livresco ou disciplinar mais de problemas pertinentes para a formação. É o problema a ser compreendido e superado que mobiliza os saberes. No caso do currículo por problematização está pautado nos ideais político-educacionais de Paulo Freire e sua concepção de uma educação para conscientização e emancipação. O trabalho com os temas geradores como tema que problematizam a realidade para melhor compreendê-la é a base pedagógica dessa proposta curricular.
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FILME RECOMENDADO FILME RECOMENDADO
Escritores da Liberdade – dirigido por Richard La Gravenese, num cenário tenso e de intolerância etnicorracial, uma professora dedicase em desenvolver atos de currículo e uma formação pautada na solidariedade e no reconhecimento da diferença. As marcas dessa atitude são profundas na sua vida profissional e pessoal e dos seus alunos. O Carteiro e o Poeta – tendo como diretor Michael Radford, o filme narra a amizade do poeta chileno Pablo Neruda com um carteiro. Num cenário de uma pequena ilha da Itália, onde Neruda vive o exílio, ao ler as poesias deste, o carteiro vai construindo seus saberes e sua formação estética onde o amor e a poesia assumem a centralidade desta experiência formativa. Documentário sobre Paulo Freire - realizado pela TV Escola, dirigido por Toni Venturini, está disponível na internet como domínio público na Biblioteca Digital do MEC. Dividido em três partes, o vídeo apresenta a biografia de Freire, comentários sobre sua obra e importância deste educador no contexto nacional e mundial. Neste documentário temos a oportunidade de perceber os fundamentos do currículo por temas geradores.
SITE RECOMENDADO
SITE RECOMENDADO http://eduquenet.net/educompetencias.htm http://www.curriculosemfronteiras.org/ http://www.globalcurriculum.net/pt/curriculo/ hyyp://cenpah.blogspot.com/2011/02/curriculo-de-desigualdades. html
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REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS HERNÁNDEZ, F. VENTURA, M. A Organização do currículo por projetos de trabalho. O conhecimento é um caleidoscópio. Tradução de Jussara Rodrigues. Porto Alegre: Artmed, 1998. KRAMER, S. Com a pré-escola nas mãos. Uma alternativa curricular para a educação infantil. São Paulo: Ática, 1989. LAVE, J.; WENGLER, E. Situeted learning: Legitimate peripheral participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1994. LIMA, E. S. Ciclos de Formação. Uma reorganização do tempo escolar. São Paulo: Editora Sobradinho, 2002. MACEDO, R. S. A etnopesquisa crítica e multirreferencial nas ciências humanas e na educação. Salvador: EDUFBA, 2000. ________, Chrysallís. Currículo e complexidade. A perspectiva crítico-multirreferencial e o currículo contemporâneo. Salvador:
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EDUFBA, 2002. ________, Atos de currículo. Educação intercrítica como práxis identitária. 2005. ________,
Etnopesquisa
Crítica,
Etnopesquisa-formação.
Coleção Pesquisa n. 15, Brasília: Líber Livro, 2006. PERRENOUD, Ph. 10 novas competências para ensinar. Tradução de Patrícia Reuillard. Porto Alegre: Artmed, 2000. RAMOS, M. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São Paulo: Cortez, 2002.
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Suas anotações ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... 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UNIDADE VI PROPOSIÇÕES CURRICULARES CONTEMPORÂNEAS II
OBJETIVO Nesta unidade, continuidade da anterior, ampliamos o estudo sobre
os
modelos
curriculares
contemporâneos,
focando
agora nos currículos por módulos de aprendizagem, em rede, hipertextual e online, bem como no currículo por ciclo de formação. Apresenta-se ademais, a ideia da aula como atos de sujeitos do currículo e o pensamento fundante que atravessa todos os textos que é a possibilidade de se conceber e se
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construir um currículo educativo.
1 O Currículo por módulos de aprendizado A preocupação com a fragmentação das formações, bem como com a construção, no âmbito dos currículos, de um itinerário formativo onde o aluno possa construir com considerável autonomia seu percurso de aprendizagens; a edificação de uma flexibilidade quanto à terminalidade desse percurso, levam autores como Michael Young a propor a modularização como uma das alternativas possíveis para se superar os currículos lineares e de itinerário de formação rígido. Acrescenta a esta possibilidade de organização curricular a abordagem por resultados. Como explicita, no início do sexto capítulo
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do seu livro, o Currículo do Futuro: Neste capítulo quero examinar os laços entre duas estratégias curriculares correlacionadas, a abordagem de resultados... e a modularização como modo de organizar um currículo flexível em pequenos blocos de aprendizado, que podem ser combinados uns com os outros de diversas maneiras (YOUNG, 2000, p. 119).
Mesmo analisando a questão curricular da modularização a partir do contexto da escolarização na Inglaterra, o autor nos oferece reflexões fecundas para pensarmos alternativas de construção curricular que favoreça a vivência de aprendizagens relacionais, ou seja, aprendizagens que se articulem com temas transversais de modo a se dinamizar num movimento em espiral, onde temas, proposições, problemáticas, conceitos fundantes da experiência formativa, sejam vivenciados perpassando toda a formação e sendo perpassado pelos conhecimentos específicos dessa mesma formação. Vê-se, no argumento que se desenvolve no texto, que Michael Young (2000) está preocupado, acima de tudo, com o aprendizado no âmago da dinâmica curricular, pois são vários os momentos em que cita a “elevação do desempenho” como uma meta importante na vivência formativa do currículo modularizado. Vejamos a elaboração do próprio autor: “[...] a avaliação ao final de cada módulo significava que ela poderia se relacionar mais diretamente com as experiências de aprendizado dos estudantes e, assim, ser mais conclusiva na elevação do desempenho do que as formas convencionais de avaliação final” (Idem, p. 129). Relacionando a modularização do currículo com a abordagem por resultados, o autor explicita, que tanto a modularização como a abordagem por resultados podem afirmar ser perspectivas curriculares centradas no aluno, embora de um ponto de vista um tanto quanto diferente. É assim que a abordagem por resultados começa descrevendo o que o aluno pode esperar alcançar, definindo os critérios de reconhecimento do aprendizado já realizado, ao passo que a modularização concentra-se nos estudantes como administradores de seu próprio aprendizado, que precisam de retornos explicitadores a fim de criar a base para melhoria das suas próprias estratégias de aprendizado, como responsáveis pelas decisões e como selecionadores de programas de aprendizado. Para Young (2000), a capacidade de tomar decisões em relação ao aprendizado não pode ser separada do nível de aprendizado alcançado, é ela própria algo que tem de ser aprendido, reconhecido
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na ideia de “aprender a aprender.” No mesmo veio de raciocínio, o autor nos fala que a modularização por si só não é capaz de assegurar um bom desempenho. Neste sentido, estratégias pedagógicas pertinentes terão que ser usadas para se chegar a uma “elevação do desempenho”. É aqui que a valorização do professor aparece de forma explícita para Young: Renunciar a algumas de suas práticas tradicionais equivalerá a depositar mais, e não menos, responsabilidade nos professores. A contraposição entre a centralidade do professor e a centralidade do aluno, em especial no contexto de uma abordagem baseada em resultados, que dá tanta atenção à avaliação, pode facilmente distrair a atenção dos desenvolvimentos de uma pedagogia centrada no aluno [...] minha crítica a um currículo centrado no aluno concentrou-se nas limitações das abordagens que dão excessiva ênfase ao papel ativo dos alunos; argumentei que elas desdenham a necessidade de novos papéis para professores... (Idem, p. 130).
Esta preocupação do autor vai ao encontro do fato de que uma abordagem de formação predominantemente focada no aprendizado por ensaio e erro não parece ser uma base para elevar os níveis de desempenho ou para preparar os jovens para um mundo do trabalho no geral é provável que cada vez mais empregos exijam conhecimentos
Outra preocupação do autor é quanto ao conteúdo na organização curricular por módulos. Neste ponto, afirma que a capacidade de “aplicar” o conhecimento é tão importante quanto o próprio conhecimento, e que o conhecimento que fica na fronteira entre as matérias pode, às vezes, ser mais importante do que o próprio conhecimento das matérias. Assim, um currículo organizado por módulos pode oferecer essas possibilidades, permitindo diferentes combinações de conhecimentos disciplinares e de aplicações que podem ser definidas por resultados. Para Young (2000), porém, o desenvolvimento do conhecimento e das habilidades gerais, exige a especificação dos conteúdos, dos contextos e dos processos (por exemplo, experiência industrial e trabalho em equipe) e, portanto, exigiria um currículo que fosse além de um banco modular nacional e além dos resultados de aprendizado que estivesse ligado a módulos individuais. De acordo com Lave e Wengler, “o conceito de conectividade começa reconhecendo que o aprendizado tem uma finalidade e é
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Michael Young (2000) conclui a sua análise conclamando para que se realize a organização curricular por módulo, pautada nos princípios da modularização conectiva, nos resultados conectivos, vinculandoos à ideia de currículo do futuro. Neste sentido, é necessária uma nova abordagem de organização do currículo que ligue os módulos e os resultados às aspirações e necessidades dos alunos e aos objetivos e propósitos do sistema como um todo. No centro dessa perspectiva está um completo envolvimento dos alunos, na medida em que o aprendizado se dá por intermédio das relações que se estabelecem.
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trabalho.
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e habilidades conceituais que não podem ser aprendidos apenas no
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um processo social que tem lugar explícita ou implicitamente numa comunidade de prática com outros alunos” (1994, p. 56). O que se percebe nesses argumentos é que, para o nosso sociólogo do currículo, a conectividade na organização do currículo por módulos não se refere a um modelo determinado de currículo, mas, sim, à maneira como os objetivos curriculares de uma formação são expressos em todas as suas atividades e à maneira como essas atividades são reunidas para articular e apoiar os objetivos de cada um dos alunos. Ressalta, assim, a interdependência entre todo o currículo de uma escola e os elementos que a compõem: programas disciplinares e profissionalizantes, apoio ao aluno, orientação etc., e como argumenta conclusivamente Young (2000, p. 134), “nas suas relações com desenvolvimentos mais amplos dentro da sociedade.”
2 currículo em rede, hipertextual e educação on-line A chegada das tecnologias da informação e da comunicação nos cenários educacionais obriga, de alguma forma, o campo do currículo e as práticas curriculares a entrarem no mérito das possíveis mediações estruturantes que essas tecnologias podem implementar, e mesmo, na natureza do contexto cultural e sociopolítico que produzem: a cibercultura. Potencializadoras de novas/outras maneiras de se estruturar o currículo, as chamadas TICs, representam hoje um desafio que vão além do tecnológico quando são transferidas para educação ou produzidas neste cenário social. Incitam problemáticas éticas, políticas, epistemológicas e pedagógico-curriculares. Como com qualquer contexto técnico, é necessário refletir as ambivalências que crivam o seu uso socioeducacional. Até porque, avanço técnico não significa necessariamente avanço social, tampouco educacional. É fato, nesse mesmo contexto, que essas tecnologias apontam para soluções interessantes e potencialidades significativas quando se pensa na democratização da educação e na diversidade de configurações e modos de relação com o conhecimento, numa realidade sociotécnica que nos desafia, vinda principalmente do mundo do trabalho, da produção, da cultura, e mesmo das novas configurações da (in)formação e da comunicação propriamente ditas. Para não dizer, do “oferecimento” aos educadores de possibilidades inovadores e relevantes jeitos de se lidar com o aprendizado, em várias e simultâneas linguagens conectadas, que acabam por ampliar
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mundo digitalizado, veloz e cada vez mais enraizado em um misto de redes virtuais e presenciais. Potencializa-se uma interatividade de ampla conectividade, o que alarga os níveis de contato e, portanto, de possibilidades (in)formativas. Diante de tanta proximidade com a diferença, a aprendizagem com o outro é enriquecida de forma significativa. É aqui que curriculogistas como Santos nos demanda a construção de um currículo em rede: Diante do paradoxo entre a natureza do ciberespaço, rede, e as produções lineares encontradas no mesmo, torna-se urgente discutir outras dimensões de comunicação para que novas ações sejam materializadas, sobretudo no campo do currículo e da educação. Um currículo em rede precisa ser instituído. A rede tem centros instáveis, configurados por compromissos técnicos, estéticos e políticos. Seus elementos circulam e se deslocam de acordo com as necessidades e problematizações dos sujeitos. Dessa forma, tanto professores quanto estudantes pode ser autores e co-autores de mensagens abertas e contextualizadas pela diferença das suas singularidades [...] O que importa nessa complexa rede de relações é a garantia da produção de sentido, da autoria dos sujeitos coletivos...O currículo em rede exige a comunicação interativa onde saber e fazer transcendam as separações burocráticas que compartimentalizam a autoria , quem elabora, quem ministra, quem tira as dúvidas e quem administra o processo da aprendizagem (2005, p. 25).
Como consequência da forma interfaceada desses dispositivos, os atos de currículo emergiriam: disponibilizando possibilidades de múltiplas experimentações, de múltiplas expressões; disponibilizando uma montagem de conexões em rede que permite múltiplas ocorrências; formulando situações; arquitetando percursos; mobilizando a experiência do conhecimento; construindo uma rede e não uma rota; oferecendo ocasião de engendramentos, de agenciamentos; estimulando a intervenção dos alunos como co-autores da construção do conhecimento e da comunicação (SANTOS, 2005, p. 31).
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a compreensão da realidade que vivemos, pautada e muito, num
É necessário pontuar, entretanto, que o trabalho pedagógico
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curricular com a metáfora da rede não implica apenas no trabalho com os dispositivos digitais. A rede é um potencial humano, hoje diferencialmente realçado pelas TICs. É no trabalho com redes de saberes desenvolvido pela pesquisadora Nilda Alves, que vamos verificar a ideia de que a tessitura do conhecimento em rede aprofunda a discussão inicial das esferas de formação. É assim que a noção de conhecimento em rede introduz um novo referencial, a prática social, na qual o conhecimento praticado é tecido por contatos múltiplos. O conhecimento cotidiano é tecido por meio de táticas de uso do já existente, seguindo o caminho de certa improvisação (ALVES, 1998). Em contexto, múltiplas subjetividades se encontram e sujeitos cotidianos tecem seus conhecimentos a partir das diversas redes que pertencem. Essas inspirações são, em muito, pautadas nas obras de Boaventura de Souza Santos, Henri Lefèbvre
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Quanto a um currículo vivido como um hipertexto, potencializado pela cibercultura, configura-se como uma significativa abertura para uma formação multirreferencializada na medida em que o hipertexto é concebido como uma inter-relação de vários textos ou narrativas.
e Michel de Certeau. Dessa forma Ramal nos fala: “Rede: eis a metáfora e a inspiração possível de um novo diagrama curricular. A rede que captura, e que ampara, que distribui e abastece, canaliza e entrelaça, transmite e comunica, interliga e acolhe” (RAMAL, 2002, p. 186). Temos, por outro lado, que tomar cuidado com o discurso que enaltece um currículo em rede, afirmando a ausência de hierarquia, é como se o poder não fizesse parte das relações com o saber. Cuidemos dessas simplificações que acabam por ofuscar a concretude das relações que se estabelecem nas práticas curriculares com o conhecimento e a formação. Inspirando-nos em Santos (2005, p. 126), a rede possibilita dialogar num cenário polifônico ampliado. Múltiplas linguagens confluem para uma formação que disponibiliza a pluralidade de forma rápida e em tempo real. Santos (2005, p. 134), quando enfatiza a multivocalidade, nos diz que o hipertexto precisa contemplar uma pluralidade de pontos de vista acerca dos temas abordados. Conclui a autora: “Quanto mais diversidade e referências diferentes mais possibilidades terá o participante da formação de construir seu próprio ponto de vista” (SANTOS 2005, p. 138) A tese de doutorado dessa autora é uma pesquisa-formação que mostra um exemplo prático de uma formação em pesquisa de educadores, usando um currículo hipertextual, a partir da criação de um AVA – ambiente virtual de aprendizagem – concebido como dispositivo formativo. A formação e, portanto, o currículo – seu principal organizador - são preocupações que devem ancorar as disponibilidades e dispositivos tecnológicos e inovações pedagógicas sempre lembrando que a técnica nos meios educacionais está orientada por perspectivas ideológicas, mesmo que implicitamente. Por concluir, nos parece importante vislumbrar a necessidade de não mais cairmos na tentação da excessiva e impositiva modelização, tão cara aos meios educacionais e acadêmicos, sempre movidos pelas práticas da busca de soluções pedagógicas isoladas. A saída educacional é a lembrança fundante de que a educação é uma prática social, comprometida com a dignidade da formação e, deve, por esses princípios, filtrar política e eticamente as proposições, modelos de inovação e avanços técnicos. As tecnologias não são meras ferramentas transparentes; elas não se deixam usar de qualquer modo: são em última análise a materialização da racionalidade de uma certa cultura e de um ‘modelo global
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de organização do poder’. É possível, contudo, uma reconfiguração, uma reapropriação, se não como estratégia, pelo menos como tática (MARTIN-BARBERO, 1997, p. 256).
Questionamos proposições curriculares que se apresentam como vias únicas. Desconfiamos sempre das vias únicas não-dialógicas, na medida que os cenários educacionais foram e sempre serão plurais, heterogêneos, temporais e, portanto, produzem problemas vários. Michel Serres vem nos dizendo que nós humanos produzimos a diferença. Nestes termos, a perspectiva multirreferencial nos sinaliza para uma orientação curricular capaz de fazer face ao que mais assombra os sistemas educacionais e os atos de currículo: o trabalho pedagógico diferenciado com as diferenças, visando uma educação de condições e oportunidades iguais. A rejeição das vias únicas não significa que algumas vias não deixem de representar escolhas que se apresentam como mais relevantes em determinados momentos históricos, como, por exemplo, a luta inspirada de alguns sistemas de ideias que se orientam por, pelas e para as justiças curriculares. A cibercultura deve ser, portanto, mais um conjunto de referências, com as quais as práticas curriculares devem contar para realizar a sua mais árdua e importante tarefa, a de organizar e implementar a formação do Ser-cidadão. Por todos os ângulos, devemos evitar nos meios educacionais os Prometeus técnicos, acadêmicos ou de qualquer natureza. Eles nunca cumprem o que prometem, aliás, nunca cumprirão, pois as
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reduções que cultivam são parcialidades em si.
3 O Currículo por ciclos de formação Partimos da premissa de que o tempo que, predominantemente, organiza a formação na escola é um tempo de significado autoritário e reduzido a uma certa reprodução cronológica. É um tempo que joga contra a singularidade, a itinerância-errância do aprender e a inventividade, por consequência.
Não é um tempo que possibilita
o processo de autonomização de quem aprende e forma-se. É um tempo-controle que intensifica a burocratização do aprendizado e facilita a alienação no desejo do outro instituído, ou melhor, do Estadocontrolador. Essa temporalidade dificulta a emergência dos tempos heterogêneos, vividos, negociados, portanto do trabalho democrático e responsabilizado com os tempos humanos e institucionais. Negase de forma policialesca o direito ao tempo para o devaneio, como
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nos provoca Bachelard. Trivializa-se e rotinariza-se o tempo, fabricase o tédio da repetição e planta-se o beijo da morte no tempo que se necessita para nutrir/oxigenar a aprendizagem do exercício da construção de espíritos improgramáveis. É complexificar a temporalidade demonstrando seu caráter irreversível e reiterativo. O que se percebe nesta perspectiva é uma temporalidade marcadamente mais rica, múltipla. Podemos falar de uma politemporalidade onde se vinculam repetição, progresso e degradação. O pensamento complexo afronta a complexidade do tempo; entendemos que não existe apenas o tempo de duas flechas, mas também o tempo que pode ser simultaneamente irreversível e O currículo e a aula, como atos de currículo, precisam incorporar intercriticamente os tempos culturais que se atualizam nesses cenários, como referências que orientam e configuram o aprendizado, bem como precisam começar a repensar o automatismo, a linearização e a rigidez com que pleiteiam os tempos humanos e o trabalho pedagógico com eles nas instituições de formação.
reiterativo (MACEDO, 2002). Os tempos subjetivos costumam estar inscritos de forma rígida no tempo das instituições. É tomando a complexidade dessa temporalidade que Assmann (2000) propõe que o tempo institucional deveria estar sempre a serviço de um clima institucional que estimule a sincronização entre tempos cronológicos e tempos vivenciados. Segundo Assmann, a criação de condições de aprendizagem requer que temporalidade institucional seja colocada em função da produção de tempo vivo, ou seja, a serviço de um tempo que se revele fecundo para a construção do conhecimento e para alentar a sensação do aluno/as e docentes de que eles efetivamente se encontram inscritos num tempo pedagógico. A preocupação do autor vai ao encontro do fato de que a dimensão temporal do processo de aprendizagem não se refere apenas ao tempo cronológico, mas a uma pluralidade de tempos que, literalmente, estão em jogo no cotidiano da vivência curricular. Sabendo-se que a vida não se desprende do tempo, compreendemos que o tempo humano está inscrito na duração. Ele existe mediante o devir e não é redutível a fragmentos separáveis. Para Borba, as pedagogias normativas instituem um tempo que causa impacto, angústia e inquietude nos professores e alunos. No entanto, a transposição pedagógica, e diversas pesquisas comprovam isso, não se dá no mesmo tempo para cada aluno. Há o aluno que, uma vez ensinada a matéria, a apreende na hora; há o aluno que a apreende uma semana depois e há o aluno que só depois exclama: Ah! o que o professor queria dizer era isso! (BORBA, 2004). O que Borba quer ressaltar é que o ato complexo de aprender passa pela compreensão da temporalidade e nela a historicidade de cada um. Borba se pauta nas elaborações de Ardoino e Castoriadis na medida em que esses autores entendem que a alteração, finalidade de toda educação, é um processo de mudança que ocorre dentro de uma duração. “A alteração (grifo nosso) é um processo de mudança, de
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criação – no tempo – do que ainda não é no processo de hominizaçãoformação, estamos sempre num movimento mutante dentro da temporalidade”, conclui Borba (2004, p.51). É assim que o indivíduo, em formação, forma-se com tudo aquilo que sua historicidade/ temporalidade traz de importante para orientá-lo e referenciá-lo. É assim que entra e convive com os outros numa sala de aula. Por que e para que o currículo faz desses tempos diversos algo de pouca importância? Parece-nos uma questão desveladora em termos socioculturais e políticos, porquanto aponta para uma porção autoritária e alienante do currículo expresso e oculto. É nestes termos que, em nome das errâncias criativas necessárias a uma digna qualificação via os processos formativos, a aula, como ato de currículo, poderia construir uma experiência temporal rica, não carcerária, onde responsabilização e autonomização não se colocassem como coisas incomunicáveis, mas presenças dialógicas necessárias nas construções instituídas e instituintes dos tempos do ensinaraprender. No seio dessa perspectiva é que surgem as propostas dos currículos por ciclo de aprendizagem e formação. Para Lima (2002 p. 9), o ciclo de formação é uma concepção que rompe com os modelos internalizados de aprendizagem:
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É uma concepção que está ligada a um projeto de educação que valoriza a formação global humana e que está fortemente corroborada, hoje, pela pesquisa em neurociência. [...] Educação por ciclos de formação é uma organização do tempo escolar de forma a se adequar melhor às características biológicas e culturais do desenvolvimento de todos os alunos. Não significa, portanto, ‘dar mais tempo aos fracos’, mas, antes disso, é dar o tempo adequado a todos. A ideia de ciclo confere ao aprender o que ele é: um trabalho com conteúdos do assim chamado conhecimento formal, simultaneamente ao desenvolvimento de sistemas expressivos e simbólicos, à formação (aquisição, transformação e reformulação) de formas de atividade humana que levam à construção do conhecimento e à possibilidade de, realmente, se trabalhar em nível da transformação das funções psicológicas superiores, que se dá pela introdução e pelo processo de construção de significação de novos instrumentos culturais (LIMA, 2002 p. 9-10).
Tomando o currículo instituído, este, predominantemente, é concebido de forma cronológica, levando em conta os dias do ano. Há uma quantidade de dias a ser cumprida e, nesta quantidade,
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As ideias de Lima estão pautadas principalmente nos trabalhos de Henri Wallon e no seu já conhecido Plano para a educação francesa, o “Plano Langevin-Wallon”. Para Wallon não é um tempo cronológico instituído que deve nortear um currículo e uma formação, mas a cultura e a história biológica e cultural onde o desenvolvimento psicossocial do ser em aprendizagem se realiza.
enquadra-se uma quantidade de conteúdos. É o calendário que organiza temporalmente currículo. No caso dos ciclos de formação, estes levam em conta a característica biológica e cultural dos seres humanos aprenderem no tempo. Esses tempos/períodos são variáveis, como é heterogênea as formas biológicas e culturais dos humanos aprenderem. Em termos operacionais podemos verificar como as várias experiências de formação por ciclos se organizam, onde os tempos de aprendizagem mais longos, flexíveis, articulados e orientados pelas características culturais dos alunos e seus contextos é a experiência mais encontrada. Não deve haver um modelo, mas uma decisão curricular que, pautada em inspirações exitosas com os ciclos (já existem várias no mundo e em municípios brasileiros), permita que a comunidade educativa implicada defina como seus ciclos de formação irão se organizar para gestão do aprendizado em todas as suas expressões. A perspectiva do ciclo de formação é contrária à padronização e à homogeneização de conhecimentos. Nestes termos os professores precisariam atender aos ritmos, estilos e tempos diferentes de aprendizagem e, também, às experiências dos alunos, não como desvios, mas como facetas de uma realidade que merece ser conhecida, considerada e analisada no coletivo, para o estabelecimento de relações com o conhecimento e com a própria escola. Assim, esse processo estruturante de aprendizagem enfatiza a associação entre o conteúdo escolar, a idade de formação e as vivências próprias de cada idade (DALBEN, 2006, p. 75-76). No que concerne à avaliação na experiência da aprendizagem nos ciclos de formação, Perrenoud (2004, p. 24) nos fala da necessidade de propor a cada aluno a itinerância mais fecunda para ele, de modo a otimizar o uso do tempo. A avaliação, portanto, tem um único e grande compromisso: a formação. A avaliação passa a ter, dessa forma, uma perspectiva sistêmica, não isolada, vinculada ao sujeito humano aprendente, sem desprezar suas implicações institucionais.
Esse ensaio foi originalmente apresentado no XIII ENDIPE, Recife, 2006.
4 A aula como atos de sujeitos do currículo e acontecimento multirreferencial
4.1 Cenário plural A aula, como um cenário socialmente importante para a
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formação, configura um microcosmo complexo, onde acontece grande parte dos determinantes da qualidade dos processos e produtos educacionais da sociedade contemporânea. Se o fenômeno da aprendizagem é conceituado como um fenômeno que se realiza nas relações que estabelecemos com os saberes, o conhecimento e as pessoas, na sala de aula essa constatação se transforma numa realidade extremamente significativa. É na qualidade das relações estabelecidas na aula com os conhecimentos, os professores e os alunos que podemos fazer desse cenário um lugar qualificador dos processos de formação. Sabemos que a edificação de princípios educativos norteadores do ensino não esgotam a análise da complexidade do espaço sala de aula. Entretanto eles trazem contribuições muito importantes para que esse cenário se constitua num lugar privilegiado de uma educação de qualidade e conectado com os desafios formativos do mundo contemporâneo, que descobre ainda com dificuldades, que é a riqueza da heterogeneidade humana que deve também redesenhar
Inspirando-nos em Bruner (2003), compreendemos que uma educação culturalmente plural e mutualista, intercultural, portanto consiste em que a aula seja repensada na direção de uma comunidade de discentes recíprocos. Tais comunidades não reduzem o papel do professor nem sua especificidade. O professor recebe, através da mediação que exercita em relação ao conhecimento, a função de narrar experiências, de encorajar e provocar os alunos a partilharem a autonomia. Assim como o narrador onisciente desapareceu da ficção moderna, também o professor onisciente desaparecerá da escola do futuro. Mesmo que sejamos a única espécie que “ensina propositadamente” e “fora do contexto de uso”, tal não significa que
A aula é um contexto vivo situado numa cultura mais ampla. Diríamos que a sala de aula constrói e vive um conjunto de sentidos irrigados por veias culturais advindas de diversas nascentes sociais. Isso vai implicar na construção de culturas escolares que operem como comunidades mútuas de alunos, na contribuição de todos para o processo educativo. É assim que as escolas passariam a ser um lugar da práxis formativa via o mutualismo cultural.
tenhamos de transformar este passo evolutivo em amuleto (BRUNER, 1996, p. 43).
4.2 Sala de aula e diversidade Uma das situações mais comuns a ser encontrada no trato com a sala de aula é a diversidade com que nossos cenários de aprendizagem são constituídos. Em qualquer situação educativa, o corpo discente é composto de alunos advindos de famílias com situações financeiras diferenciadas, com múltiplas opções religiosas,
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um novo humanismo como processo civilizatório via a educação, por
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com expectativas socioculturais diferentes, com hábitos inerentes à sua educação inicial etc. Isso vem caracterizar algo que a escola, os currículos e os professores sabem relativamente, mas nunca se prepararam para confluir de forma sistemática e interativa suas atitudes pedagógicas visando conseguir um ensino de qualidade na diversidade. Ou seja, que os conteúdos trabalhados em sala de aula sejam articulados por um processo dialógico cada vez mais interativo com as realidades vividas pelos alunos e seus anseios formativos. Homogeneizar o ensino sempre foi o objetivo da escola única, com viés de massificação, imaginando que a diferença que nossos alunos trazem para sala de aula não faz diferença, são, portanto pouco importantes. Em realidade, a invenção da escola única como um ato de solidariedade social, não soube articular seus ideários com o desenvolvimento de dispositivos pedagógicos que acolhessem e trabalhassem com a diferença. A própria forma com que o jovem visualiza o mundo - em geral, diferentemente dos adultos, na medida em que vive sua especificidade existencial - até como cultiva suas culturas juvenis, dependendo dos seus gostos e de suas influências regionais, até mesmo as expectativas que nutrem (formativa, econômica, política, sexual etc.), nos obriga a imaginar um ensino-aprendizagem fincado no princípio de que nós aprendemos trazendo para sala de aula nossas diferenças individuais e sócio-culturais que, pelo trabalho pedagógico do professor, devem ser articuladas criticamente com os saberes e tecnologias necessários à sua formação, apresentados pelo currículo Podemos verificar o quanto o mundo cultural da juventude pode nos ajudar a lançar mão de recursos didáticos para irmos ao encontro das suas diferenças, respeitando-as, convivendo com elas e aprendendo com elas, na medida em que possibilitem uma formação pautada em práticas morais dignificantes.
instituído. Ao entrar numa sala de aula, o aluno não deixa suas referências individuais e socioculturais nos seus nascedouros ou nos corredores da escola, ele traz consigo sua bagagem de valores e crenças, com os quais vai se desenvolvendo, se modificando, se aperfeiçoando. Cabe ao professor, na edificação da sua aula, dialogar autenticamente com essas diferenças, criar meios de mobilizá-las para implementar o aprendizado, no qual o princípio didático fundamental é se aproximar o máximo possível das cosmovisões dos alunos, não para aceitá-las passivamente, mas trabalhar ativamente com elas, com todos os recursos que a educação contemporânea pode fornecer para educarmos na diversidade. Afinal, a riqueza humana é a sua diversidade e a educação, principalmente, não pode desprezá-la, mas potencializá-la, ética e politicamente, cada vez mais, através dos seus recursos pedagógicos comunicantes e relacionais. Ademais, como nos recomenda Bruner (1996), é preciso
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instaurar nos cenários educativos a emergência da narrativa como constituição de seres que falam e argumentam, que constroem pontos de vista, “definem situações” como concebem os interacionistas simbólicos, como seres conceituais, enfim. Para o autor é através, sobretudo, das nossas narrativas que “construímos uma versão de nós mesmos no mundo” (1996, p. 14), e é através da sua narrativa que a cultura oferece modelos de identidade e de ação aos seus membros.
5 Cenário propositivo Parece-nos importante considerar, no cenário da enxurrada de inovações pedagógico-curriculares com as quais convivemos nos meios educacionais, que perspectivas e dispositivos curriculares não devem ser considerados uma solução de via única, como estamos insistindo em explicitar em vários momentos destes textos. Avaliamos
como
significativo
conviver
com
as
amplas
possibilidades de perspectivas e dispositivos curriculares, filtrandoas criticamente, até porque podemos melhor nos preparar para a diversidade que se intensifica em termos de demandas da organização da formação. O problema é que nos acostumamos a buscar a-criticamente o novo pronto para aplicarmos. Essa disposição, quase fórmula, uma verdadeira gramática do senso comum educacional, uma bula sem interpretação, não mais se sustenta. Há saturação, descrédito, diríamos mesmo resistência, por alguns setores politizados
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da educação – e esse segmento se amplia sobremaneira – diante das soluções fáceis e aligeiradas que chegam aos meios educacionais
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como remédios pedagógicos universais e salvacionistas. Um currículo de dignidade social e formativa necessita de novos sujeitos do conhecimento, históricos e democráticos, que filtrem política e pedagogicamente aquilo que a ciência e a tecnologia se nos oferece como subsídio para a formação, como interpretações abstratas e mirabolantes, invenções eficazes, soluções fantásticas, realizações rápidas e perfeitamente generalizáveis. Que esses novos sujeitos históricos mudem intercriticamente essa percepção, conformado em simplificações modelizadas, é o que pretendemos, como um argumento ideológico fundante dessas nossas elaborações.
6 O que é um currículo educativo
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No caminho das preocupações que atravessam este texto, entendemos que, para efetivarmos esse projeto solidarista e politicamente implicado de um currículo educativo, faz-se necessário, nos prepararmos para entrar no mérito da concepção e organização das formações e isso significa compreender histórica, epistemológica, política, ética, cultural e pedagogicamente o que seja o currículo, ampliando sua concepção para além da organização de conhecimentos e atividades para se ensinar e se aprender de forma eficaz; ou para além de um mero mediador de experiências espetaculares e fugazes, muitas vezes irresponsáveis, em relação aos saberes e os conhecimentos socialmente relevantes.
Um currículo educativo é algo que da nossa perspectiva, vai ao encontro de uma formação que se configure não apenas em termos de implicações didático-pedagógicas eficazes, mas de algo que aponte para uma significativa preocupação com os compromissos sociais, portanto ético-políticos, que devem permear o currículo, sua concepção e prática. Entendemos que a perspectiva aqui cultivada, de uma educação que se amplia para além da instrução, vai significar uma confluência com nossas inspirações a respeito de um currículo mutualista que deve responsabilizar-se em educar. Não basta, assim, transmitir os conteúdos curriculares previstos. É falar também de um lugar opcionado e de uma perspectiva de formação e de sociedade que têm a justiça e o bem comum sociais como norteadores políticos e éticos inelimináveis; como um esforço contínuo de construção de cidadania repensada por novos/outros sujeitos democráticos, novos/ outros sujeitos históricos, caracterizados pela vontade de interferência irrestrita nas coisas da educação para dignidade cidadã. Está no campo de uma luta que tem face, cor e jeito, até porque não existe o educativo como construção pedagógica e social neutras, imparciais. O educativo é sempre opcionado e referenciado, aí está o campo da luta político-curricular contemporânea. Esses princípios e atitudes devem inspirar um currículo de rigorosa responsabilidade democrática com o aprendizado da formação e mediador de plurais e justas possibilidades formativas, para que tenha dignidade socioeducativa. Maior interatividade, autonomia e flexibilidade ao pleitear o sujeito que aprende, são as bases dos modelos curriculares por módulo, online e por ciclos de formação. No primeiro os módulos acabam por criar uma flexibilização pautada na capacidade do formando fazer a gestão da sua própria formação. No currículo online, as tecnologias da informação e da comunicação permitem o trabalho de aprendizagem do formando a partir de uma intensa interatividade em tempo real da aprendizagem, assim como a disponibilidade de interfaces tecnológicas caracterizadas pela capacidade integrativa, propositiva e estruturante dessas tecnologias. No caso do currículo por ciclos de formação, o que se pretende é pleitear a diversidade dos tempos de aprendizagem e educacionais, na medida em que dependendo de cada contexto o tempo é vivido e organizado de forma diferente, bem como em face da constatação e da compreensão de que os seres humanos não aprendem num tempo igual. As temporalidades humanas e sua pluralidade passam ser aqui a preocupação central.
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ATIVIDADES
ATIVIDADES 1. Quais as principais características de um currículo por módulos de aprendizagem? 2. Quais os fundamentos e como se praticaria um currículo em rede, um currículo hipertextual e um currículo online? 3. O que justifica um currículo por ciclo de formação? Comente uma experiência concreta, entrevistando educadores que experimentaram esse modelo, bem como analise uma proposta concreta. 4. Estabeleça, a partir do texto, relações entre a aula e o currículo. 5. Como você compreendeu a ideia de atos de currículo, levando em conta o contexto das práticas curriculares?
LEITURA COMPLEMENTAR
LEITURAS COMPLEMENTARES MACEDO, R. S. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2008. LIMA, E. S. Ciclos de Formação. Uma reorganização do tempo
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escolar. São Paulo: Editora Sobradinho, 2002.
RECOMENDADO FILMES FILME RECOMENDADOS
Quase Deuses – dirigido por Joseph Sargent, o filme se desenrola a partir de cenário dos anos 1930 nos Estados Unidos, tomando como base a história real de Viven Thomas, negro, ajudante de laboratório e cirurgia, que sonhava um dia ser um médico e Alfred Blabock, branco, médico,
conceituado titular de uma cadeira de cirurgia cardíaca.
Viven, a partir da experiência constituída, se forma e se revela ao lado de Blabock, extremamente habilidoso e criativo na condução das cirurgias realizadas pela dupla, em situações as mais sensíveis
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e decisivas desta prática médica. Por outro lado, a sua condição de negro e pobre, o coloca sempre em situação de não reconhecimento e anonimato, diferente de Blabock, que mesmo percebendo as injustiças, percebia a condição de Viven de forma naturalizada. Tratase de um filme denso de possibilidades reflexivas sobre processos curriculares e de formação pela experiência, sobre mecanismos institucionais pelos quais a experiência é desperdiçada, o mundo do trabalho é desprivilegiado, e como ao lado disso, funcionam formas de preconceito e alijamentos, muitas vezes em opacidade, como demonstram as várias maneiras em que nossos currículos ocultos atuam e naturalizam/coisificam a formação. A onda – com direção de Dennis Gansel, o filme narra como um professor, ao realizar simulações com seus alunos, como uma forma de atualizar o currículo escolar, expressa como o facismo cria e executa seus dispositivos e ações. Sem princípios explicitativos, orientações éticas e políticas capazes de barrar seus comportamentos, os alunos começam a propagar o poder da ideologia facista e o professor não mais consegue barrá-los. Trata-se de um contexto curricular e formativo onde podemos encontrar aquilo que Hanna Arendt denunciara levando em conta o contexto da Alemanha dos anos 1940, ou seja, “a despolitização da sociedade alemã” no que concerne aos princípios mais profundos da Bildung (formação). Documentário “Pro Dia Nascer Feliz” – realizado por João Jardim, trata-se de um documentário inteligente e sensível sobre as contradições da situação educacional brasileira.
SITE RECOMENDADO
SITE RECOMENDADO JDJFMSDV
http://www.curriculosemfronteiras.org/ http://www.globalcurriculum.net/pt/curriculo/
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REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
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Rumo
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Suas anotações ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... 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