CAPÍTULO X
13 RAZÕES PARA NUNCA CRESCER
SÉRIE:
13 Reasons Why
TEMAS:
Risco de suicídio Visibilidade e prestígio entre os pares Adolescência e estados limítrofes Bullying e mal-estar na escola
Abusos sofridos pelas adolescentes
A HISTÓRIA DE HANNAH E SUAS REPERCUSSÕES
U
m enconro bem-sucedido enre a indúsria de enreenimeno e seu pú blico acendeu o alarme de pânico dos adulos: o emor de que seus adolescenes se suicidassem. 13 Reasons Why, um seriado de reze capíulos, chegou às elas caseiras dez anos depois do livro que lhe deu origem: Os 13 porquês, de Jay Ascher, lançado em 2007. Produzida e exibida pela Neflix, a série cona a hisória do suicídio de Hannah Baker, uma garoa nore-americana de classe média. Rapidamene os jovens jogaram-se em maraonas para assisi-lo, enquano seus pais e pare da mídia lhe aribuíam o poder de ser uma espécie de Flauisa de Hamelin, cuja melodia levaria os jovens a jogar-se de um precipício como os raos daquele cono. Ao longo dos episódios, somos convidados a escuar as gravações deixadas por Hannah após sua more, nas quais ela vai arrolando os aconecimenos que a moivaram a corar os pulsos. Em cada uma das reze fias cassees, que mediane ameaças ela garane que sejam ouvidas pelos colegas a quem culpa por sua more, Hannah vai conando seus sofrimenos e responsabilizando uns e ouros por isso. Ela opa por uma ecnologia aniga, as fias, mas o seriado ocorre nos dias auais. Essas gravações relaam siuações realmene graves, como er foos suas vazadas na rede com claras inenções de desruir sua repuação, er sofrido um esupro, assim como er sido obrigada a presenciar siuação similar ocorrida com uma amiga. Porém, enconramos ambém moivos olos e inconsisenes. Por exemplo, o fao de uma poesia escria por ela er sido publicada à sua revelia por um colega que admirava seu rabalho. Mesmo sem a menção de sua auoria, como o poema chamou a aenção na comunidade escolar, ela seniu-se exposa. Ou, ainda, o afasameno daquela que considerava sua melhor amiga.
As dores psíquicas não devem ser mensuradas desde fora: se alguém diz que um episódio aparenemene banal o deixou arrasado, a ninguém cabe discordar disso. Mas, pensando nos parâmeros inernos da própria jovem, é ineressane observar como um desenendimeno enre amigas vale o mesmo que um esupro como condição para ser arrolado enre seus suplícios. Clay, o personagem por meio do qual os episódios são cosurados, é um garoo ímido, apaixonado pela proagonisa, que, devido a seu escasso amor próprio, vacilou inúmeras vezes em declarar-se. Essa covardia seria a razão para esar incluído enre os acusad os de desruir a vida de Hannah. Embora ela insisa que ele é o único que não eria lhe feio um grande mal, apenas deixou de fazer-lhe suficiene bem, há uma fia dedicada a ele. Quem consegue lembrar-se, sabe muio bem que os anos adolescenes não são fáceis de ranspor. Porém, se por ano empo anos sobrepujaram essas dificuldades, por que os jovens auais não o fariam? Por que supor que eles seriam ão mais frágeis que seus adulos, a pono de serem facilmene sugesionáveis pela ideia de suicídio? Não nos parece que se rae disso. O poencial para desperar a idenificação com essa série não é a vonade de irar a própria vida, mas sim a subjeividade auocenrada da proagonisa, sua cereza de ser víima de bullying ou de descaso por pare dos colegas e a gravidade exrema que aribui a isso. Tanos maus-raos podem chamar a aenção do especador em seu caso: ela não perence a nenhum dos grupos a que nossa sociedade preconceiuosa reserva sua crueldade. Ela é branca, heerossexual, de classe média, ineligene, espiriuosa, bonia e nasceu em uma família amorosa, com pais que enam respeiar seus desejos e propiciar-lhe as condições possíveis para realizá-los. Mas Hannah sofre consanemene, por quê? Ela enfrena a selvageria da culura de aparências em que vivemos, encenada naquele hábia, ão popular nos seriados nore-americanos,
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em que o ensino médio equivale a uma espécie de ilha onde são confinados os piores exemplares da espécie humana. Nenhum de nós, após er passado os anos adolescenes, discordará de que é um recho da vida que pode adquirir inas dramáicas, no qual somos desinados a viver em um lugar bem pouco arejado. Para piorar, somos péssima companhia para nós mesmos: a auocríica feroz, ano mais quando se espera ano dessa eapa da vida, é a musa sinisra que cana durane odo o percurso adolescene. Os ouros são considerados um inferno ambém na medida em que os responsabilizamos pelo auodesprezo que senimos. Os colegas, cada um às volas com dramas similares, geralmene são incapazes de olhar para fora, esão imersos em suas próprias ruminações narcisisas e auodepreciaivas. Péssimo momeno para isso, pois os adolescenes precisam de amigos e amores como de oxigênio, em conrapono ao vazio deixado pelo enfraquecimeno dos laços familiares. A endência é que, quando funcionam, as amizades sejam memoráveis e os amores inensos, porém quando esses vínculos fracassam os resulados serão dramáicos, udo é vivido ao exremo. Não podemos esquecer que o adolescene afasa-se da família, mas em geral não é consciene do próprio movimeno, sene-se expulso ou abandonado pelos seus. Por isso, o olhar amoroso dos pares é imprescindível para amenizar o senimeno de desamparo resulane dessa perda. Na ausência de laços com os da sua mesma geração, os jovens senem-se frágeis, inconsisenes, parecem esar à more, mas raramene morrem disso. Na vida de Hannah, seus colegas, ão auocenrados como ela, são acusados da mesma incapacidade de empaia que ela própria amplamene demonsra er. Graças a esse mecanismo de ari buir aos ouros o que esá senindo, obviamene não percebe que ampouco liga para as dificuldades alheias. Aribui pouca imporância à imidez
paralisane do enamorado proagonisa, a mesma que ambém afea ouro garoo invisível, que a foografa secreamene porque a ama. Não regisra o medo de assumir-se gay de mais de um amigo, nem se compadece das durezas de uma família devasada pelas drogas de ouro. Tampouco percebe a rigidez miliar causadora de um clima opressivo nas famílias de vários colegas. Alheia ao rauma de um amigo que presenciou o suicídio da própria mãe, escolhe-o para envolvê-lo na sua more, responsabilizando-o pela disribuição das fias. Não regisra a exisência dos apuros financeiros dos pais, ano que, quando eles lhe pedem ajuda em um râmie bancário, ela perde um envelope com muio dinheiro. Nenhuma das hisórias ou problemas dos ouros parece er verdadeira relevância para a jovem suicida. No palco de sua queixa, os holofoes focam apenas no seu único e precioso sofrimeno.
EFEITO WERTHER A forma explícia em que o ao suicida é apresenado na série, uma cena de inermináveis minuos na qual ela se esvai em sangue na banheira após corar os pulsos, parece uma espécie de uorial para ensinar aos jovens a se maar. Apesar do mau goso, que já jusificaria a reirada da cena, ela é ão deleéria assim? Obras que conam dramas suicidas são gailhos para aos suicidas? Os debaes em om alarmisa sobre a série alicerçam-se ambém na memória da epidemia de suicídios causada na Alemanha no século XVIII, por ocasião do lançameno do livro Os sofrimentos do jovem Werther, de Goehe. Essa obra, que é am bém marco imporane do romanismo como movimeno lierário, alcançou grande popularidade e ficou ligada a essa fama nefasa. O episódio deu forma à preocupação pelo efeio miméico que os exemplos reais ou ficcionais de suicídio poderiam causar em almas despreparadas. Fanasias encenadas em obras de ficção aé podem exercer influência, ano mais poencialmene
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negaiva quano mais frágeis sejam os indivíduos afeados. Porém, somene para um especador em plena crise psicóica o suicídio funcionaria por simples conágio. Aliás, nesses casos, o mesmo efeio poderia er sido produzido por algo viso na rua, no noiciário, por uma voz inerior ou mesmo uma hisória que escuou alguém mencionar. O “efeio Werher”, ou seja, a ideia de que o suicídio de alguém muio conhecido dê impulso a quem esá em cima do muro, namorando o ao de parir dese mundo, parece-nos supervalorizada. A recepividade de ceras ramas macabras que se popularizam deve-se menos a que sejam causadoras desses coneúdos e mais a que ilusram o que anda na cabeça do seu público. Trocando em miúdos: as hisórias mais revelam nossos pensamenos do que os produzem. Descarado esse faor, de que o seriado esivesse incuindo esse assuno, ou melhor, essa saída, no pensameno dos adolescenes, falaria indagar por que anos supuseram que as reze razões de Hannah soariam convincenes e convidaivas ao suicídio. Essa série foi considerada um alera sobre os efeios leais do bullying na adolescência. Na hisória, a escola e as famílias enram em uma espécie de hiseria coleiva, como se odos os alunos esivessem em risco de suicídio, viimados pelos maus-raos sofridos por pare dos colegas. Fora da ficção, não consaamos um “efeio Hannah”, no senido dos aos suicidas que, por emulação, eriam se sucedido ao lançameno do seriado. Na verdade, houve efeio, aumenaram os pedidos de ajuda aos serviços de prevenção ao suicídio e uma mobilização dos adulos, expliciando uma inquieude geral pela sobrevivência dos adolescenes. Essas vozes rouxeram à luz assunos sobre os quais emos medo de falar. A relevância de escuá-los não decorre de eles enderem realmene a maar-se somene por esar aravessando essa fase, mas sim de ineviavelmene se quesionarem sobre o senido da vida e pensarem basane sobre o que os moivaria a passar para a próxima fase e com que forças
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fazê-lo. O medo de fracassar, de desiludir seus pais, a angúsia, os episódios de pânico ou exremo desânimo, a fala de coragem dos adolescenes para seguir adiane emergem como emas possíveis e necessários a ser abordados. Goehe criou uma narraiva capaz de raduzir o que a sociedade já vivia como ransformação subjeiva, que é um enfoque nos sofrimenos individuais. No caso, os que já afeam àqueles que ainda viveram muio pouco. Na lieraura românica pouco impora a magniude real dos faos, mas sim o amanho do sofrimeno do proagonisa. O personagem Werher morreu de desilusão amorosa, apaixonara-se por uma moça casada, não sendo correspondido. O escrior capou o espírio da época, ele já era como ouros jovens, que consideravam seus padecimenos pessoais poencialmene rágicos. Se, com isso, provocou suicídios, ou apenas deu visibilidade a um fenômeno já em curso em seu empo, fica difícil definir. É em função desse impasse que se convenciona não divulgar na imprensa noícias sobre suicídios ocorridos. O objeivo é eviar que a espeacularização dessas mores possa insigar àqueles que pensam em colocar fim na própria vida como forma de fazer ouvir sua mensagem ou mesmo de alcançar alguma popularidade por meio de uma úlima performance pessoal. Os críicos da série avenaram jusamene esse ipo de perigo. Isso não seria um argumeno desprezível, considerando que Hannah assumiu, a parir da more, uma relevância que dificilmene conseguiria em vida. Porém, a busca de presígio não é moivo suficiene de verdadeiras enaivas de suicídio: para ano é preciso um sofrimeno dilacerane e a premene necessidade de a pagar-se, fazer isso cessar, que são conradiórias com esse objeivo. A obra é paradoxal, pois, embora enfoque uma jovem suicida, ela não em o perfil de alguém capaz de semelhane ao. Claro, ela é uma personagem, e os seres da lieraura não êm a
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obrigação de coerência clínica. De qualquer maneira, vale assinalar que duvidamos muio de que alguém na vida real, parecido a Hannah, viesse a suicidar-se. Em primeiro lugar, gosaríamos que ficasse claro que Hannah ceramene sofreu, em boa pare em mãos da opressão que na adolescência afea paricularmene as garoas. A busca do amor por pare das adolescenes nuridas pela fanasia românica que se colou na feminilidade esbarra na afirmação viril, que coloca o sexo oposo na c ondição de objeo descarável. A parir dessa siuação que assola boa pare das colegiais heerossexuais, há várias saídas: enregar-se ao jogo, enando virá-lo a seu favor, dominando as ares da sedução; aliar-se a ouras meninas, proegendo-se muuamene; priorizar o convívio com garoos alheios à virilidade insegura e agressiva de alguns dos seus colegas; acomodar-se no papel de objeo de cobiça masculina e enar adapar-se a ele. É difícil saber a qual dessas alernaivas Hannah aderiu, mesmo porque a rajeória de odos nós cosuma ser de enaiva e erro. O que podemos saber da personagem é que ela opou por uma chanagem ardia, nesse senido enando sim virar o jogo a seu favor, mas quando seus inerlocuores ivessem perdido o direio de resposa. Hannah arquieou uma vingança dealhadamene planejada: as insruções deixadas por ela orquesram os movimenos de seus acusados, que ficam acuados pelas fias e a ameaça de divulgá-las caso não as sigam. Tano sangue frio é de fao possível nos suicidas francamene deerminados ao seu ao, pois cosumam organizar a cena de modo a não ser impedidos. Porém, ao conrário de Hannah, cujo objeivo é disribuir a culpa por sua more enre o maior número de acusados, alguém que não eseja mais suporando viver precisa irar os ouros de seu caminho, em vez de colocá-los. Os suicidas são os únicos que ficam com a úlima palavra. Desejam resringir os efeios de sua mensagem ao senido que preenderam, não
esão aberos a réplicas, nem ineressados em observar os efeios de suas ações. Quem se maa não supora mais e pono. Embora nos pareça que a personagem não eria o perfil suicida, a ideia das várias razões é ineressane. Especialmene no suicídio, a causalidade única deve ser descarada. Raramene é um fao, um incidene, uma derroa que faz alguém enar se maar. Quando esse comporameno se insala, muias coisas já aconeceram e é no conjuno delas que devemos buscar as razões. Isso é especialmene imporane para que os envolvidos em casos de suicídio não fiquem se maririzando. Um suicídio começa muio anes do ao, e não é nos úlimos momenos que vamos enconrar o culpado principal, um fao derradeiro, aé porque isso não faz senido. Um pequeno geso pode salvar um suicida, como ambém a ausência dele pode ser faal. Mas podemos responsabilizar pela desaenção o úlimo da fila? Não seria melhor pensar em oda a eia social – ou o fracasso em er uma – como responsável? Embora seja equivocado disribuir as culpas sem hierarquia definida, como se odas a prejudicassem por igual, a hisória de Hannah nos faz pensar correamene no sofrimeno e no adoecimeno como resulados de um acúmulo paulaino. Nos casos de suicídio geralmene é isso que aconece. É nesse senido que o dio “efeio Werher” parece-nos mascarar a realidade. Ficamos culpando apenas a úlima goa pelo ransbordar do copo. Esse raciocínio nos capura, pois oferece uma desculpa mais fácil e leva a culpa para longe dos direamene envolvidos. A opção dessa obra foi colocar o suicídio em paua sem medo, e de fao desencadeou efeios posiivos de prevenção desse ao. Talvez 13 razões ajude a derrubar o abu e abra caminho para ouras represenações dessa emáica ão grave. Se bem que seja compreensível o emor de dar visibilidade e, com isso, incenivar bravaas suicidas, o silêncio, o segredo caracerísico dos assunos proibidos, ambém sabe ser
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perigoso. A parir da hisória de Hannah, famílias, escolas e grupos de amigos seniram-se liberados para expressar seus emores e falar sobre o assuno. Não emos dúvida de que essa é uma imporane conribuição para a prevenção dessas mores devasadoras.
ADOLESCENTES LIMÍTROFES Hannah armou uma cena que não inha nada de final. Seu ao amarrou a odos os envolvidos em orno de sua pessoa, levou-a ao cenro dos aconecimenos. A perguna que se impõe é por que renunciaria a observar seus colegas, que anes a ignoravam, ransformados em personagens do roeiro escrio por ela? Ficamos quase secreamene esperando que Hannah reapareça para apreciar sua viória. Alguém assim poderia blefar uma more, mesmo sem er consciência da earalidade de seus aos e senimenos. Poderia aé mesmo correr o risco de um acidene, que aconece em algumas enaivas de suicídio voladas para a busca de olhares e aenção. Esas úlimas não são menos perigosas do que as verdadeiras, embora em geral deixem pisas que possibiliem um salvameno. Hannah fez isso: enou fazer-se ouvir pelo conselheiro da escola, apelando para que ele enendesse a gravidade do seu sofrimeno; deixou visosamene suas fias na casa do amigo anes de corar os pulsos, o qual demorou demais a enconrá-las na pora. Enfim, alguns dos seus úlimos aos poderiam er sido percebidos se a sore não a houvesse desfavorecido. Há vidas em que chanagear emocionalmene os ouros é uma aividade cenral. Tais pessoas assemelham-se de alguma forma à nossa personagem, pois seus suposos sofrimenos parecem-lhes o cenro do mundo, e elas não cosumam perdoar qualquer ipo de desaenção. Suas relações com familiares, colegas, amigos e amores cosumam desembocar em alguma forma de aponá-los como culpados por um rosário de carências, frusrações
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e insucessos que possam lhes ocorrer. Não é raro que ais sujeios sejam convincenes, compeenes na argumenação e acabem, como Hannah, envolvendo as pessoas ao seu redor nas cenas que precisam proagonizar. Não é difícil enconrar coadjuvanes, principalmene enre os adulos: mobilizar nos demais senimenos suposamene alruísas ou culposos ao fazê-los senirem-se imporanes pelo desino de alguém que se viimiza é uma proposa basane enadora para a maior pare de nós. A quesão é que, embora ameaças de suicídio possam fazer pare desses quadros, raramene as concreizarão com a devida eficiência e, se vierem a perder a vida em alguma dessas performances, será por acidene. Nossa personagem assemelha-se aos quadros clínicos denominados “limírofes” ou “borderline”. É ineressane observar que essa erminologia, alusiva à froneira enre a neurose e a psicose, não deve levar-nos a ver Hannah como um caso paológico. Talvez essa hisória ajude a perceber como as bordas das eapas da vida e da sanidade menal enconram-se com frequência. Mudanças de humor, irriabilidade explosiva, uma angúsia insuporável que paralisa na hora de encarar as próprias dificuldades, assim como a endência a projear sobre os pais, irmãos, colegas, namorados e amigos aquilo que se esá senindo, são comuns na adolescência. O desânimo absoluo, quando só se deseja dormir, “para sempre se possível”, enquano, ao mesmo empo, a vida urge, chama e não se quer “dormir nunca mais”, para aproveiar cada momeno, são esados de espírio cuja alernância não causa esranheza nessa fase da vida. Considerando que boa pare desses sinomas é arrolada em descrições do ransorno da personalidade borderline, seríamos levados a pensar que há uma epidemia desse quadro na adolescência. Evidenemene que a psiquiaria não comee a insanidade de confundir uma eapa da vida com uma paologia; esamos aqui fazendo esse paralelo apenas para lembrar o quano nossa personagem
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revela a labilidade psíquica própria de ouro limie: aquele que é preciso ranspor enre a infância e a adolescência e, logo após, enre essa fase e a vida adula. Oura borda difícil de delimiar nessa época é a que nos separa dos ouros. As crianças pequenas, por exemplo, conam meniras ingênuas para consaar, surpresas, que suas mães ou ouros adulos não conseguem ler seus pensamenos. É um alívio para elas quando descobrem o reino secreo consiuído pelas próprias menes. Os adolescenes passam por oura rodada dessas, que muias vezes inclui ambém algumas meniras ou omissões, que servem para lembrá-los do quano os pais não sabem udo sobre eles. Porém, essa descobera em duas mãos: consaa-se am bém que é impossível saber o que se passa na ca beça alheia, que foge ao conrole que muias vezes se gosaria de er. Inseguranças amorosas decorrem nauralmene dessa separação, pois, se não se sabe o que o ouro pensa, ampouco emos como mensurar o quano nos aprecia. O funcionameno de Hannah, que misura as próprias ideações com as dos ouros, siua-se nessa confusão prévia à individualização dos pensamenos. Vários dos acusados pelas revelações das fias, além de ouros personagens, insisem na necessidade de quesionar, de levar em cona seus ponos de visa divergenes dos regisrados nas gravações, que confundem as cerezas da garoa suicida com faos reais. Hannah recusou-se a acrediar que o que ela pensava não era o mesmo que passa na cabeça dos ouros, por isso suas impressões e versões inham que ser únicas e definiivas. Essa fusão de menes é infanil, anerior à solidão dos que já descobriram que não carregam a mãe, ou um adulo onipresene e cuidador, denro de si. Suporar o caráer insondável da mene alheia, assim como lidar com divergências, compreender a relaividade do próprio pono de visa, são modalidades maduras de pensameno. Nossa personagem não dá sinais de dispor desses recursos, assim como
ampouco o fazem muios dos que consideramos adulos. Há aspecos das personalidades limírofes que lembram a dificuldade de crescer, alvez por isso esejamos aqui falando de bordas, ravessias que nossa personagem opou por não fazer. É impossível afirmar definiivamene que os argumenos da garoa não poderiam soar a alguém como persuasivos ao suicídio. A nosso ver, eles parecem mais convincenes em relação a enar furar-se de quesionamenos. É duro perceber a própria fragilidade, a dos pais e professores, a das insiuições em que se alicerça nossa sociedade. Hannah morreu preservando sua fé no grande poder de um mundo cruel, onde ela parece mais relevane do que é. A efeividade de sua vingança, arquieada para colocar-se no cenro dos aconecimenos, acabou parecendo um golpe de mesre para al fim.
ADMIRÁVEL EGOÍSMO A garoa cheia de auocomiseração, que, após parir, enou deixar um rasro de culpa por meio de suas fias, não soou simpáica para odos. Alguns se solidarizaram com os senimenos dela, viram ali reraada a solidão que senem ou de que padeceram na adolescência, assim como a dor pelo bullying . As cenas reviveram as conduas agressivas e discriminaórias das quais boa pare dos esudanes são víimas. Algumas das experiências reraadas na série são de indiscuível malignidade, como, por exemplo, a culura do esupro que expõe anas garoas à violência e a siuações raumáicas. Aliás, infelizmene, esse ipo de agressão é ão disseminada que, se fosse direamene causadora de suicídio nas suas víimas, eríamos verdadeiras epidemias de perdas. Porano, apesar dessas compreensíveis razões para o sofrimeno, a personagem ambém causou profunda irriação pelas repeidas demonsrações de egoísmo, cegueira e surdez quano ao que se passava com os ouros e ane o que enavam lhe dizer.
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Por que solidarizar-se com alguém que se apresena de modo ão narcisisa? Ceramene isso é uma enação para aqueles que ficaram presos a uma posição infanil ou são eernamene saudosos dela, pois acrediam er nascido para ser cuidados e admirados incondicional e eernamene. Tal aiude majesosa só cabe aos bebês e às crianças bem pequenas, que se iludem na condição de bibelô da casa. Os adolescenes e adulos que se recusam a admiir qualquer proagonismo nos revezes sofridos querem ser como eles, aconchegados no amor suposamene onipresene dos seus pais. Ao longo da infância vamos percebendo que não é bem assim, que eles são mais fracos e desaenos do que desejávamos, que vivem às volas com os próprios problemas e ausenam-se com maior frequência do que gosaríamos. Graças a isso, vamos desligando-nos deles, ineressando-nos por ouras pessoas e assunos fora do lar, por brincar e falar, por crescer. A adolescência é o recho mais decisivo da separação com a família, quando os filhos começam a sair de casa de fao. Por isso mesmo é uma fase ão difícil, na qual duvidamos er forças ou mesmo desejo suficienes para fazê-lo. Nesse senido, o que mais preocupa na popularidade desse seriado não é uma evenual epidemia de suicídios juvenis, mas sim de onde vem ana empaia com uma personagem cheia de auocomiseração e pouco disposa a incumbir-se de suas amarguras. Tal idenificação de fao pode ocorrer por pare daqueles que, como Hannah, acrediam esar sempre no cenro dos olhares. Traa-se de um expediene basane simples para lidar com a perda do lugar cenral que as crianças supõem ocupar no amor dos pais: acrediar que fora de casa se em igual imporância, mesmo que seja às avessas (o famoso “falem mal de mim, mas falem!”). A solidão que se experimena na adolescência é do ipo que desarma os refúgios emocionais consruídos ao longo da infância. As crianças brincam senindo denro de si a presença acolhedora dos adulos cuidadores. Elas o fazem falando alo, com
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gesos, músicas e inerjeições, ocupam espaço em um ambiene que consideram ser um cenário benevolene para fanasiar a céu abero, sem medo de expor-se. Para elas, o olhar alheio é proeor, represena função maerna, e dificilmene se senem sós, mesmo quando brincam sozinhas. A “capacidade de esar só”, definida por D. W. Winnicot como uma das mais imporanes aquisições mauraivas dos bebês, é jusamene essa possibilidade de brincar sozinho, sem ineragir direamene com a mãe, apenas supondo sua presença. Na adolescência emos necessidade de liberar-nos dessa presença inerna, que acaba soando opressiva. A puberdade raz consigo a busca da inimidade, o banheiro, o quaro e o corpo em ransformação fecham-se aos olhares, já não se recebe bem a inrusão familiar. O desejo de esabelecer os próprios conornos expulsa da mene essa habiane imaginária que ourora dava segurança. Por isso a necessidade de ser viso e lembrado pelos pares orna-se premene para senir-se proegido. A conraparida disso é o error de ser “ransparene”, como dizem senir-se a maior pare dos jovens, que consideram nunca ser noados. Hannah revolou-se conra esse senimeno de solidão. Já não havia como buscar nos pais um reconhecimeno que esperava dos seus amores, amigos e colegas, porém ela não se conformava com o “pouco” que eses inham para lhe oferecer. A arefa da sedução amorosa, a que se enregam os adolescenes apaixonados, é um anídoo conra os resos do narcisismo infanil. O apaixonado não espera nada gráis, como era em casa, supõe que é preciso fazer algo para chamar a aenção do seu objeo de desejo e fazer-se amar. Se a queda do rono de criança majesosa não iver ocorrido, odo ipo de dificuldade para ser correspondido será senida como uma rejeição insuporável, uma esocada a mais na dor da separação com os pais. Isso ocorrerá mesmo quando não se iver expliciado o ineresse pela pessoa amada. Esse é um modo de funcionameno comum enre os que cresceram em uma família do ipo
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que coloca seus descendenes, aé avançada idade, como príncipes e princesas cujos desejos são uma ordem. Isso explicaria que enhamos muios jovens como Hannah, porano, idenificados com seus padecimenos. Serão incapazes de enfrenar qualquer revés com oura reação diferene de uma chanagem: “se não for como espero, não brinco mais”; “se eu morrer, a culpa será sua”. Para eses, se sua presença não puder ser imperiosa, quem sabe sua ausência seria? Esse ipo de subjeividade, por sore, é melhor em ameaças e bravaas do que em aos, afinal, se amam demasiado a si mesmos, por que se suprimiriam? De qualquer maneira, sempre convém prevenir acidenes decorrenes dessas chanagens amorosas, alguns falsos Werhers são capazes de aiudes perigosamene convincenes. Hannah não esá só, muios jovens hoje querem crescer, deixar a infância, mas sem pagar o preço: prefeririam que seu mundo seguisse cuidando deles como anes. Ficam desconsolados e agressivos ao descobrir que os ouros já não os admiram e proegem como seus pais faziam. Apesar das anas críicas dirigidas aos adolescenes mimados, acrediamos ser desnecessário encaixar oda uma geração de bem nascidos nessa caegoria de narcisisas absoluos. Felizmene a maior pare deles ende a não cair no cano de sereia dos mais velhos, que lhes oferece a comodidade hipnóica de ser proegido para sempre. Se esses pais conseguissem fazer o empo parar, nunca envelheceriam, jamais se ornariam superados e obsoleos. Em sua maioria, aé os mais mimados dos filhos acabam por revelar insaisfações com o ninho e aponam para fora dos limies do lar. Fora de casa, quer para os mais bem preparados, quer para os mais imauros, os desafios são assusadores e o convívio com os de sua geração a prioridade. Mesmo enre os mais corajosos para as avenuras no mundo exerno, a experiência da escolaridade na adolescência exige grande equilíbrio emocional, que é o que mais fala nessa época. Se
pudéssemos dizer a um deles uma única frase de aleno, esa seria: acredia, isso acaba!
MAL-ESTAR NA ESCOLA O bullying, ou seja, os maus-raos recebidos geralmene na escola, enconrou nas úlimas décadas uma escua aé enão inédia e é ema cenral nessa série. Resa a perguna de por que demoramos ano para enxergar o óbvio? Que ipo de amnésia envolveu por ano empo os professores e pais para esquecer o que viveram e o que se passava enre seus colegas? A ficção reraa o inferno que podem ser os colégios há muio mais empo do que a popularização do conceio nos faz crer. No Brasil, o melhor exemplo é O Ateneu, de Raul Pompeia, escrio em 1888. Já na lieraura ocidenal, acrediamos ser O jovem Törless, de Rober Musil, de 1906, uma magnífica descrição das oruras sofridas pelos alunos que são viimados por seus colegas e do descuido de seus cuidadores. De cera forma, uma inesquecível críica à crueldade que broa enre crianças e adolescenes confinados é O senhor das moscas , de William Golding, publicado em 1954, que já cona com duas versões cinemaográficas. Essa alegoria descreve a selvageria das agressões que são capazes de infringir-se muuamene quando ficam sem a supervisão dos adulos. Em odas as hisórias mencionadas, raa-se de meninos, aé pelo fao de a escolarização regular das meninas ser um fenômeno mais recene. O que observamos aualmene em ermos de agressões, do bullying nas escolas, é que enre elas não impera um regime de maior olerância e bondade. As escolas êm sido um reduo de regrameno, onde resaria alguma auoridade dos mais velhos e professores que ainda eriam algo a ensinar aos mais jovens, embora nem sempre sejam bem-sucedidos nessa missão. Não é raro que as próprias famílias oscilem enre esperar que a escola inroduza na vida dos filhos uma auoridade que
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fala em casa, combinada com uma posura oposa, que exige que não se imponham resrições aos seus príncipes. Face à rarefação da presença efeiva dos adulos, do enfraquecimeno da hierarquia enre as gerações, os grupos de alunos acabam auorregulando-se em ambienes que lembram a ilha de O senhor das moscas. Deixados à própria sore, os jovens esabelecem suas esruuras de poder, hierarquias e caegorias de inclusão e exclusão dos membros dos seus grupos de modo caricaural, demonsrando a crueldade do poder exercido pela força brua, pelas bravaas de presígio e a insabilidade dos confronos consanes. Nessa série há um grupo de garoos que segue um rapaz rico, violeno e auoriário. É um líder perverso e irânico, responsável pelos esupros e idealizador de várias siuações de bullying . Ao seu redor, cada um dos seguidores esá às volas com uma fragilidade em paricular, mas senem-se ao mesmo empo desacados e proegidos por sua influência. A auoridade será mais oaliária e perversa quano menos for baseada no respeio à experiência do líder, em regras que lhe garanam auenicidade ou em mérios que enham lhe valido o reconhecimeno do grupo. Muias vezes os familiares se omiem em ocupar um lugar de auoridade e influência por idealizar o poencial dos descendenes, inverendo a equação radicional que siuava a sabedoria nos mais velhos. Ouras vezes, pode raar-se de pais incapazes de encarar a pessoa real de seus filhos, preferindo o resguardo das fanasias sobre eles, nas quais seus rebenos não êm falhas, medos ou quaisquer incapacidades. Eles esperam maravilhas, afinal, não suporam er invesido ano esforço em roca de ão pouco, esquecem que filhos são péssimos pagadores da dívida que seus pais supõem que eles conraíram. Há, ainda, os que se refugiam em uma esperança ingênua, que é a compreensão da infância como uma fase de inocência. Os filhos nasceriam com uma essência admirável, seriam bons quando ainda não foram corrompidos pela sociedade,
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por isso ano melhor se as nefasas influências dos adulos impuros se maniverem fora do caminho dessas cândidas criauras. Mas é exaamene o conrário: é o conrapeso da culura, na figura dos pais, professores e ouros adulos, que impedem as crianças de serem agressivas em excesso e de iranizarem seus pares. Parece uma péssima ideia confinar por vários anos um grupo de jovens inseguros e frágeis, obrigados a permanecer imóveis por horas em um único recino, inquieos com a presença uns dos ouros e ociosos, pois fazem o possível para alienar-se das aividades pedagógicas. Isso soa como um pesadelo, e geralmene o é. Se pelo menos ivéssemos clareza de que isso é emporário, ajudaria. Mas quando esamos na escola parece que não haverá amanhã. O presene é opressivo, em-se a sensação de esar preso em um filme infinio, sem cores nem edição, em um único plano sequência. Hannah é linda, desejada por muios e admirada por alguns, que lhe dedicam amizade e lhe propõem alianças naquele ambiene escolar hosil. O narrador do seriado, que conduz as cenas com a ônica de seu olhar enamorado, cusa a declarar-se devido à sua insegurança, enquano ela raramene lhe facilia as coisas. O ambiene para nossa heroína não é mais duro do que para seus conemporâneos, como não é ão diferene do vivido pelas gerações aneriores. Mas ela queixa-se, acusa, arma verdadeiras ciladas para os que convivem com ela, de modo a provar a si mesma e à poseridade que não foi escuada, amada e respeiada o suficiene. Suas reclamações fazem eco em jovens e adulos, porque gosamos de crer que alguém é mais responsável do que nós mesmos pelo desino que nos ocou.
MAL-ESTAR COM A FEMINILIDADE Enre as moivações para o ao de Hannah, enconram-se as várias formas de opressão às
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// ADOLESCÊNCIA EM CARTAZ
mulheres, que nos parecem ser as únicas poencialmene raumáicas. Embora afeem mulheres de odas as idades, essas agressões aumenam em número e grau quando elas enconram-se no auge de seus araivos físicos e ainda verdes para dar cona disso. Consrangimenos verbais, posagem de foos compromeedoras na rede, maledicência e, por fim, o abuso sexual propriamene dio, são práicas, infelizmene, correnes e radicionais. As adolescenes sempre lidaram com a violência masculina como se fosse ineviável e faziam o possível para eviar as más línguas, sempre pronas para condenar qualquer lampejo de liberdade. Aé hoje, as agressões que elas sofrem raríssimas vezes são percebidas e punidas, mesmo nos lugares eoricamene mais arejados. A recene popularização do movimeno feminisa enre as jovens lhes deu a coragem de reagir e organizou uma pressão social para que suas denúncias sejam recebidas de forma respeiosa e os culpados punidos. Ane a dimensão da violência ainda sofrida pelas mulheres, a reação é ainda acanhada e resria a poucos erriórios do planea, mas sua exisência represena um caminho anes inexisene. Nossa personagem e suas amigas não parilham desses avanços, elas inclusive êm parca solidariedade enre si, mas a série revela siuações que garoas e mulheres conemporâneas não êm deixado ser varridas para baixo do apee. Porano, poderíamos dizer que esamos diane de um seriado ineressane, no senido da denúncia feminisa dos perigos do bullying sexual conra as adolescenes. Curiosamene, não em sido essa a razão de sua popularidade.
“Suicídio é para fracos”, diz uma personagem secundária, uma garoa esranha, sofrida e fore que não figura enre os acusados e vai ganhando visi bilidade ao longo dos capíulos. Ela, que ao conrário da visosa Hannah poderia considerar-se como ransparene, é a única que realmene ousa criicar a proagonisa principal, cujas reivindicações anos, denro e fora do seriado, parecem validar. Para a maior pare do público adulo, as reze razões são ocanes porque se senem em permanene dívida com suas próprias fanasias a respeio dos adolescenes. É em nome dessa idealização da juvenude e dos filhos que se ena provê-los de mais, sempre mais recursos e cuidados. Ignora-se que é assim que se consrói uma gaiola dourada, onde eles ficam presos nos sonhos dos mais velhos e fadados a uma fragilidade poliqueixosa. O desafio dos pais é achar a medida cera: esar suficienemene pero para escuar um pedido de ajuda, e longe o basane para que os filhos aprendam a andar sozinhos. Eles vão errar, vão sofrer, privá-los disso é impedi-los de crescer. Se você esiver demasiado dedicado a enar impedir o sofrimeno ineviável dos adolescenes alvez o problema eseja com a sua própria vida, com o medo do vazio que se abre após a parida dos príncipes e princesas. Aprisionar os descendenes em um mundo de fanasia visa acima de udo provar os poderes de realeza dos pais. A realidade ignora esses cargos nobiliárquicos, nela os filhos aprendem sofrendo e os pais ambém precisam crescer.