A LÓGICA DAS PERDAS NOS SISTEMAS PRODUTIVOS: UMA REVISAO CRÍTICA Dr. JOSÉ ANTONIO VALLE ANTUNES JUNIOR PROFESSOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
l. INTRODUÇÃO O acirramento da competição intercapitalista a partir da crise do petróleo de 1973, tem permitido uma ampla discussão a respeito de novos sistemas de Organização da Produção e do Trabalho. Nesta problemática tem-se destacado os modelos surgidos dentro da lógica produtiva japonesa. Neste contexto destacam-se os trabalhos de Taiichi Ohno e Shigeo Shingo, precursores do Sistema Toyota de Produção. Por sua vez, os princípios de Engenharia Industrial defendidos por Ohno e Shingo estão fortemente vinculados com o conceito de perdas. O presente trabalho objetiva discutir criticamente a evolução histórica do conceito de perdas desde antes de Taylor e Ford até os clássicos japoneses. Uma abordagem deste tipo torna-se necessária na medida em que para conceber sistemas de organização da produção e do trabalho, adaptados a realidade brasileira, necessita-se uma ampla reflexão sobre as bases conceituais de construção dos ditos modelos Fabricação Classe Universal.(FCU).
2 - A NOÇÃO DE PERDAS SEGUNDO TAYLOR Pode-se dizer que, de forma geral, Taylor associava a visão de perdas diretamente a problemática da eficiência industrial nos EUA. De acordo com Taylor (TAYLOR, 1982) a noção de perdas, hegemônica entre os industriais no início do século, vinculava-se basicamente ao desperdício dos materiais. Taylor (TAYLOR, 1982) retoma Theodoro Roosevelt, presidente americano da época (1901 a 1908), quando este postulou que "a conservação de nossos recursos naturais é apenas fase preliminar do problema mais amplo da eficiência nacional". Segundo Taylor, para atacar a problemática da eficiência econômica nacional americana tornava-se necessário explicitar em profundidade as causas fundamentais das perdas mais amplas apontadas por Roosevelt. Porém, algumas perguntas se colocavam com clareza: onde estaria centrado, então, o problema mais amplo da eficiência nacional dos EUA? Por que o desperdício de matéria-prima constituía-se apenas parte da questão da eficiência nacional? A posição pragmática de Taylor (TAYLOR,1982) visando responder esta pergunta está expressa abaixo: "Vemos e sentimos o desperdício das coisas materiais. Entretanto as ações desastradas, ineficientes e mal orientada dos homens não deixam indícios visíveis e palpáveis. E por isso, ainda que o prejuízo diário daí resultante seja maior que o desastre das coisas materiais, este último nos abala profundamente, enquanto aqueles apenas levemente nos impressionam".
Ou seja, Taylor postulava que a problemática das perdas e da eficiência nacional, em suas raízes mais profundas, estaria diretamente vinculada, de forma genérica, à Administração Científica das empresas e, em particular, ao gerenciamento das pessoas. Taylor explicita claramente esta idéia quando diz que "nunca se mostrou tão intensa, como atualmente, a procura de homens melhores e mais capazes, desde diretores de grandes companhias até simples serventes". Este tipo de lógica tem embasamento econômico no mercado da época dado que "agora, mais do que antes, a procura dos componentes excede a oferta". (TAYLOR, 1982) A postura de Taylor desemboca em seu preceito ideológico básico relacionado com a necessidade de assimilação dos chamados "Princípios de Administração Científica". Conforme Taylor ( TAYLOR, 1982), dentro do contexto da sociedade norte-americana "só entraremos no caminho da Eficiência Nacional quando compreendermos completamente que nossa obrigação, bem como nosso interesse, está em cooperar sistematicamente no treinamento e formação das pessoas". Estes esforços coletivos deveriam ser feitos sob a "direção racional" das gerências preparadas dentro da lógica de seus "Princípios de Administração Científica". Isto porque, segundo Taylor, (TAYLOR, 1992) "nenhum outro sistema de administração poderá competir com homens comuns, mas organizados adequada e eficientemente para cooperar". Portanto, Taylor associa as perdas a algumas causas fundamentais, entre as quais duas parecem ser mais evidentes: a) a falta de uma visão gerencial por parte dos empresários relativamente a questão do treinamento e de formação das pessoas e da forma de organizá-las segundo a ótica do capital; b) da deficiente visão sistêmica da organização dos sistemas produtivos existentes na época.
3-A NOÇÃO DE PERDAS (DESPERDÍCIO) SEGUNDO HENRY FORD Ford (FORD, 1927) dedica um capítulo completo de sua obra "Hoje e Amanhã" para a discussão da problemática das perdas. Ford procura em seus escritos derrubar o paradigma Industrial hegemônico na época. Postula que é necessário desvencilhar-se da "velha concepção de que uma coisa vale mais do que um homem". Ford deixa claro que sua hipótese de trabalho parte do pressuposto de que existiam amplos recursos naturais levando em consideração "as necessidades presentes" da indústria americana. Sendo assim, o que seria necessário então colocar no centro da problemática do desperdício? A resposta proposta por Ford é o trabalho humano. Ford parte do princípio segundo o qual "os materiais nada valem, adquirindo importância na medida em que chegam às mãos dos industriais" (FORD, 1927). Portanto, a problemática do desperdício associar-se-ia a "economizar material". Porém esta economia é relevante somente na medida em que "os materiais representam certa quantidade de trabalho" humano já dispendidos. A "lógica de Ford visava romper o paradigma anterior, dado que seria necessário deixar de "esbanjar os materiais, porque a recuperação dos mesmos implicaria diretamente na utilização desnecessária do trabalho humano. 2
Ford menciona alguns exemplos práticos visando esclarecer o conceito acima apresentado. Coloca que a companhia Ford possuía um grande departamento de recuperação que rendia mais de 20 milhões de dólares por ano. Porém, à medida que a seção de recuperação expandia-se "avultando em rendimento e eficiência", uma pergunta mais profunda tornava-se essencial: "Por que motivo havemos de ter tanta coisa a aproveitar?". "Não estaremos dando maior atenção a recuperação dos desperdícios do que ao próprio desperdício?". (FORD, 1929). E, neste ponto, surge uma importante discussão teórico-prática. Não se estaria tentando atacar a conseqüência (recuperação de materiais) sem analisar detidamente as causas da geração destas perdas? E, Ford (FORD, 1929) responde "E atentos ao caso puzemo-nos a examinar os nossos processos de produção". Pode-se ainda observar a importância histórica do pensamento de Ford para o desenvolvimento do conceito de perdas a nível de Engenharia Industrial, quando Ohno (OHNO, 1978) diz que o pensamento de Henry Ford é universal e ortodoxo no que concerne, por exemplo, aos aspectos da estandardização (padronização) e da análise da "natureza das perdas no negócio”1
4 - CONSlDERAÇÕES CRÍTICAS SOBRE A NOÇÃO DE PERDAS SEGUNDO TAYLOR E FORD. Pode-se dizer que os aspectos centrais do conceito de perdas em Taylor/Ford preocupam-se fundamentalmente em debelar as perdas de materiais que seriam uma conseqüência cujas causas fundamentais encontrar-se-iam em dois eixos centrais: a) Na falta de uma visão sistêmica por parte da gerência em relação à necessidade do treinamento e formação das pessoas, de acordo com a perspectiva mais global da Organização Gerencial e Industrial proposta por Taylor e Ford. b) Na falta de uma análise detalhada dos processos que geram estas perdas. Processos estes entendidos tanto no campo das relações inter-industriais amplas (Ex.:. as preocupações de Ford com as perdas nas áreas de carvão, madeira, transporte, uso de aço e metais), como no campo microeconômico das empresas (Ex. estudos de tempos-padrão propostos por Taylor e as análises dos movimentos defendidos por Gilbreith). 5 - A ANÁLISE DAS PERDAS SEGUNDO OHNO - UMA VISÃO GLOBAL "Para implementar o Sistema Toyota de Produção em nosso próprio negócio, deve haver uma total compreensão de perdas. A menos que todas as fontes de perdas sejam detectadas e eliminados o sucesso irá sempre tornar-se apenas um sonho". (OHNO, 1988) Ohno (OHNO, 1988) destaca que são dois os pontos fundamentais para compreender a necessidade da absoluta eliminação de perdas no processo produtivo:
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O grifo é do autor deste trabalho. 3
1°) Só faz sentido aumentar a eficiência da produção quando é necessário reduzir os custos. Para alcançar este objetivo torna-se essencial fabricar apenas os produtos necessários usando a mínima força de trabalho; 2°) É essencial observar e estudar a eficiência de cada operador e de cada linha. A seguir, toma-se necessário analisar os operadores como um grupo e então verificar a eficiência de todas as linhas produtivas e, portanto, da planta produtiva. Segundo Ohno (OHNO, 1988), a eficiência deve ser incrementada em cada passo da produção e, ao mesmo tempo, tendo em conta as necessidades da planta como um todo. A partir desta lógica, Ohno propõe a necessidade de compreender com clareza a composição do trabalho nas organizações industriais. Ohno observa que é necessário dividir o movimento dos trabalhadores em duas diferentes dimensões: a do trabalho e a das perdas. O trabalho constitui-se do trabalho real necessário nas organizações. Ele pode ser subdividido em dois tipos: trabalhos que adicionam valor (VALUE ADDED WORK) e trabalhos que não adicionam valor 2 Em todos os casos, o trabalho que adiciona valor significa, segundo Ohno, algum tipo de processamento. Processar adiciona valor. Exemplos são atividades tais como: soldar, pintar, usinar, fresar, etc. Já o trabalho que não adiciona valor (NON VALUE ADDED WORK) porém é necessário para apoiar o trabalho que adiciona valor não deve ser confundido com as perdas. Como exemplo deste tipo de trabalho, pode-se citar: operadores caminhando para movimentar peças (ou seja, algum nível de movimentação dos materiais), operação de ligar e desligar máquinas, supervisão, etc. As perdas, conceitualmente, constituem-se de trabalho não necessário. Isto implica na imediata eliminação de algumas atividades. Ohno (OHIVO, 1988) cita, por exemplo, as esperas dos materiais para submontagens.
6 - OPERACIONALIZANDO O CONCEITO DEPERDAS SEGUNDO OHNO E SHINGO - AS 7 GRANDES PERDAS Segundo Ohno (OHNO, 1988) e Shigeo Shingo (SHINGO, 1981) são 7 as grandes perdas a serem perseguidas incessantemente na lógica do Sistema Toyota de Produção: Perdas por superprodução, por transporte, no processamento em si, por fabricação de produtos defeituosos, no movimento, por espera, no estoque. A proposta de Shigeo Shingo é que estas 7 perdas sejam atacadas de forma simultânea e articulada. Propõe, também, que elas podem ser melhor visualizadas e compreendidas a partir do “Mecanismo da Função de Produção"3 2
- Para uma apresentação mais didática pode-se chamar o trabalho que adiciona valor aos produtos/serviços de TRABALHO EFETIVO e o trabalho que não adiciona valor, mas é necessário para suportar o trabalho efetivo, de TRABALHO ADICIONAL. 3 - O “Mecanismo da função de Produção” consiste em analisar a fabricação a partir de dois conceitos centrais, independentes e interligados: o de processo e o de operação. Por processo compreende-se a análise do fluxo de materiais (objeto de trabalho) no tempo e no espaço. Basicamente são 4 os processos principais: transporte, processamento em si, inspeção e armazenamento. Por operação compreende-se a análise do fluxo das pessoas e máquinas (sujeitos do trabalho) no tempo e no espaço. Basicamente compreende: operação principal, operações de preparação e as folgas ligadas às pessoas e às máquinas. 4
A seguir apresenta-se a conceituação das 7 perdas relacionando-as com o "Mecanismo da Função de Produção". 6.1 - Perda por Superprodução Segundo Ohno (OHNO, 1988) as perdas por superprodução são o nosso pior inimigo, porque "elas ajudam a esconder outras perdas": Conforme Shingo (SHING0, 1981) a eliminação das perdas por superprodução é o "primeiro objetivo das melhorias no Sistema Toyota de Produção". Shingo postula que existem perdas por superprodução de duas naturezas distintas: a) a superprodução no sentido da quantidade tanto interna como externamente (superprodução quantitativa); b) a superprodução no sentido de produzir antecipadamente as necessidades dos estágios subsequentes da produção e do consumo, tanto interna como externamente (superprodução por antecipação). Os exemplos que se seguem esclarecem a distinção entre superprodução quantitativa e superprodução por antecipação. Suponha que uma dada fábrica irá vender 1000 peças de um dado produto e que, resolveu fabricar 1100 peças supondo um percentual de refugo de 10%. Ou seja, produziu 100 peças de folga imaginando-se uma taxa de refugo de 10%. Porém de forma inesperada teve-se somente 50 peças defeituosas e, portanto, dispor-se-á de 50 peças para estoque. Neste caso dir-se-á que houve uma perda por superprodução quantitativa. Uma determinada fábrica recebeu um planejamento para entregar 1000 produtos de um certo tipo ao cliente no dia 20 do mês de março. Porém a produção foi antecipada e produziuse os 1000 produtos no dia 15 do mês de março, portanto, com 5 dias de antecipação. Neste caso, dir-se-á que houve uma perda por superprodução antecipada. As ações gerais no sentido de atacar as perdas por superprodução são as seguintes: a) Melhorias no processo de estocagem Nivelamento das quantidades e sincronização entre os processos visando a minimização ou eliminação da necessidade dos estoques intermediários. Operação em fluxo de uma só peça, ou produção em pequenos lotes. Neste caso tornam-se necessárias ações no sentido de aprimorar o "layout" das fábricas. b) Melhorias na Operação via Preparação de Máquinas e Ajustes. Os tempos de preparação longos acarretam a necessidade de produção de grandes lotes. Isto implica na existência de estoques intermediários desnecessários, além de impor longos tempos de atravessamento ("lead-time") aos produtos •
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6.2 - Perdas por transporte As perdas por transporte relacionam-se diretamente com todas as atividades de movimentação de materiais que geram custo e não adicionam valor e que, além disso, podem ser eliminados imediatamente ou em prazo curto claramente delimitado Shigeo Shingo (SHINGO, 1981 ) observa que melhorias visando atacar as perdas no processo de transporte são completamente diferentes das melhorias no trabalho de transporte. Abordar as perdas por transporte significa discutir a eliminação da movimentação de materiais, tanto quanto o possível, em um certo tempo.
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Ações no campo de trabalho de transporte em si, (por exemplo, através da utilização de técnicas como a introdução de correias transportadoras), podem significar uma melhoria. Porém constituem uma pequena parcela dentro do contexto global das perdas por transporte. Shingo (SHINGO, 1981) deixa claro que o "fenômeno de transportar não é trabalho que agrega valor (Value Added Work), apenas elevando os custos de performance do sistema". Ou seja, se um trabalho de transporte manual é meramente mecanizado, isto significa, simplesmente, que "o alto custo do transporte foi convertido de manual em mecânico". (SHINGO, 1981) Consequentemente, a atitude de longo prazo da organização, relativamente às perdas por transporte, implica na busca incessante da "absoluta eliminação do transporte" (SHINGO, 1981). Para atacar as causas fundamentais das perdas por transporte, dois tipos gerais seqüenciados de ação são necessários: a) o primeiro estágio consiste em executar ações concentrando-se na busca da eliminação do transporte via melhorias em nível do "layout". b) o segundo estágio consiste em executar melhorias no sentido da mecanização (em alguns casos, automatização) dos trabalhos de transporte, difíceis de serem eliminados no curto e médio prazo.
6.3 - Perdas no processamento em si Perdas no processamento em si são decorrentes de atividades de processamento desnecessárias para que o produto adquira suas características básicas de qualidade. Pode-se localizar essas perdas a partir de duas perguntas básicas: a) Por que este tipo de produto especifico deve ser produzido? b) Por que este método deve ser utilizado neste tipo de processamento? Observa-se que ambas as perguntas podem ser respondidas a partir das lógicas das técnicas de Análise de Valor e Engenharia de Valor. Para atacar as causas fundamentais das perdas no processamento em si, dois tipos gerais de melhorias devem ser buscadas. a) Analisar "que tipo de produto" deve ser manufaturado do ponto de vista da Engenharia de Valor (SHINGO, 1981). b) analisar quais métodos devem ser utilizados para fabricar o produto, dado que tenhase considerado definido o produto a ser elaborado. Isto implica na utilização de técnicas como, por exemplo, a análise de valor. 6.4 - Perdas por fabricação de produtos defeituosos As perdas por fabricação de produtos defeituosos consistem em peças, subcomponentes e produtos acabados que não atendam às especificações de qualidade requeridas pelo projeto. Shigeo Shingo (SHINGO, 1982) propõe a necessidade de elucidar a diferença entre "inspeção para prevenir produtos defeituosos" e "inspeção para localizar (descobrir) defeitos". A postura de "inspeção para localizar defeitos" implica em detectar em pontos específicos do processo os produtos fora de especificação e, então, segregá-los. Shingo (SHINGO, 1981) coloca que a "inspeção para localizar defeitos" é uma espécie de inspeção por julgamento.
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Já a postura da "inspeção para prevenir produtos defeituosos" baseia-se em uma estratégia que visa realizar inspeções para detectar rapidamente e, então, prevenir o alastramento da produção de defeitos no sistema produtivo. É uma lógica de inspeção onde, uma vez descoberto o primeiro defeito (partes do produto ou produto fora de especificação), uma informação deve ser imediatamente transmitida para o processo visando corrigir as causas que estão levando ao aparecimento de defeitos. Segundo Shingo (SHINGO, 1981) para atacar as causas fundamentais das perdas por fabricação de produtos defeituosos, é necessário estabelecer sistemas de "inspeção para prevenir defeitos".
6.5 - Perdas no movimento Perdas no movimento estão diretamente associadas aos "movimentos desnecessários" dos trabalhadores quando estes estão executando as operações principais nas máquinas ou nas linhas de montagem. Podem ser compreendidos, segundo Shingo (SHINGO, 1981) a partir dos estudos desenvolvidos por Gilbreith sobre o estudo do movimento. Gilbreith desenvolveu seus estudos e teorias no sentido da obtenção da economia de tempo e das relações existentes entre o movimento humano e a postura no trabalho. Sua defesa de tese central postulava que "o tempo é meramente um reflexo do movimento". Ele postula que nenhuma redução profunda nos tempos é possível sem analisar as razões de causa e efeito entre esta redução de tempo com a melhoria nos movimentos em si. A análise proposta por Gilbreith relativamente ao movimento consiste em dividir o movimento global em unidades de movimentos elementares intitulados de 'therbligs'. Estes 'therbligs' são definidos como o mais microscópico método de observação do movimento. A partir desta análise Gilbreith propõe a existência de uma única e melhor maneira ("the one best way") de realizar uma tarefa. Historicamente as críticas sociais a este pensamento do Gilbreith foram muitas. No entanto é relevante observar a retomada deste pensamento pelos mais importantes engenheiros industriais japoneses, como Shigeo Shingo. Shingo (SHINGO, 1988) tece um elogio ao uso deste método como uma das formas de reduzir as perdas por movimento, dado que, "naturalmente, observações microscópicas desvendam mais problemas do que observações macroscópicas". A análise das perdas no movimento podem ser feita a partir das seguintes ferramentas gerais: a) estudo do movimento ('estudo do therblig'), proposto por Gilbreith; b) estudo dos tempos, proposto por Taylor; c) estudo do tempo alocado ou previsto ('predicted time study'). 6.6 - Perdas por espera As perdas por espera associam-se aos períodos de tempo onde os trabalhadores e as máquinas não estão sendo utilizados produtivamente, embora seus custos horários continuem sendo despendidos. De acordo com Shigeo Shingo (SHINGO, 1981 ) as esperas dos trabalhadores são bem mais relevantes que a das máquinas no caso do Japão, dado que o custo horário relativo a
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pessoal era, em média, no inicio dos anos 80, 3 a 5 vezes maior do que o custo horário das máquinas. Portanto, a racionalização da utilização do pessoal no contexto da economia japonesa, tornou-se elemento vital na estratégia global competitiva do país. As causas centrais que levam ao incremento das perdas por espera são as seguintes: a) Elevado tempo de preparação, ou seja, longos tempos de troca de dispositivos e ferramentas; b) Falta de sincronização da produção, ou seja, o ritmo de produção não é uniforme, levando ao desbalanceamento da produção e a conseqüente espera de trabalhadores e máquinas; c) Falhas não previstas que ocorrem no sistema, tais como: quebra de equipamentos, esperas pela chegada de matérias-primas e materiais, acidentes causados pela fadiga dos trabalhadores etc... As principais técnicas passíveis de serem utilizadas para atacar as causas fundamentais das perdas por espera são: a) Aplicação da sistemática da Troca Rápida de Ferramentas, desenvolvida originalmente por Shigeo Shingo (SHINGO, 1985). b) Sistemas e técnicas que facilitem a sincronização de produção como, por exemplo, a técnica Kanban. c) Utilização de sistemas e técnicas que incrementem a confiabilidade do sistema produtivo, impedindo, desta forma, paradas não programadas do mesmo. d) Shingo (SHINGO, 1988) propõe o estudo da taxa de espera. É um método analítico que permite a análise dos elementos operativos que ocorrem fora da operação principal, tais como: preparação, ajustes posteriores a operação em si mesmo, margem de tolerância. Ou seja, é um tipo de estudo que visa basicamente atingir dois objetivos: a) Melhorar a taxa de operação pelo estudo e melhoria dos trabalhos de preparação ("set-up") e das margens de tolerância. b) Estabelecer margens de tolerância apropriados (fadiga, etc). Basicamente existem duas formas possíveis para o estudo da taxa de espera. a) Estudo contínuo da taxa de espera, ou seja, todo o tempo de trabalho é analisado em um período de 1 dia ou uma semana inteira. A realização deste estudo é, obviamente, bastante trabalhoso. b) Pode-se usar métodos estatísticos, com os quais são feitos, por exemplo, 4 ou 5 observações no período de 1 hora. Para uma compreensão mais abrangente do fenômeno é preciso aumentar a freqüência de amostragem. 6.7 - Perda por estoque Perdas por estoque resultam da existência de estoques elevados de matéria-prima, material em processo e produtos acabados, que acarretam elevados custos financeiros bem como perdas de oportunidade de negócios. A proposição de Shigeo Shingo (SHINGO, 1988) consiste em estabelecer como estratégia global das organizações a produção sem estoque.
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A existência de estoques tem como raiz fundamental a falta de sincronia entre o prazo de entrega do pedido de compra e o período de produção. Se o período de produção, que se relaciona diretamente com o tempo de atravessamento "lead-time", for muito maior que o prazo de entrega então a adoção de produção especulativa e o acréscimo do inventário de produtos não poderão ser evitados. Fundamentalmente, então, deve-se ter em mente dois conceitos fundamentais: o prazo de entrega permissível que o cliente considere razoável e o ciclo de manufatura do produtor. Digamos que se tenha um produto A cujo ciclo de produção é de 30 dias. O produtor B possui um ciclo de produção de 15 dias. Neste caso, o consumidor estabelecerá que seu intervalo de compra permissível será de 15 dias e o produtor A terá grande probabilidade de perder o negócio a menos que utilize uma prática de aumentar seu estoque de produtos acabados. Neste caso, o produtor estabelecerá estoques "especulativos" a espera das vendas. Porém, a este incremento de estoque de produtos acabados associar-se-á uma série de desvantagens tais como: custos financeiros, obsolescência de produtos, risco da não venda de produtos acabados, etc. Concluindo, pode-se dizer que o produtor A terá perdas de oportunidade de negócio ou perdas financeiras decorrentes da elevação do nível de estoques. Para atacar a raiz desta problemática torna-se necessário o estabelecimento de uma política que busque o “nivelamento da quantidade, sincronização e o fluxo de operação de uma peça", associado a adoção da "produção em pequenos lotes” (SHINGO, 1981 ). A principal técnica que permite a eliminação das perdas por estoque é a Troca Rápida de Ferramentas. As perdas por estoque estão, também, associadas a organização global do sistema produtivo. Assim, ações eficazes no sentido de eliminar as perdas por estoque envolvem melhorias do “layout”, ferramentas de sincronização da produção e ferramentas que melhorem a confiabilidade do fluxo produtivo.
7 - CONCLUSÃO - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS SOBRE O CONCEITO DE 7 PERDAS SEGUNDO OHNO E SHINGO A seguir apresentamos uma série de considerações críticas sobre o conceito de 7 perdas segundo OHNO e SHINGO. a) Observa-se que o conceito de 7 perdas apresentadas por Ohno e Shingo constitui a base fundamental para a construção do chamado Sistema Toyota de Produção (STP). Na lógica de construção do sistema observa-se claramente a preocupação em caracterizá-lo como aberto e sistêmico de acordo com a seguinte lógica hierárquica geral: i) Apresentação do conceito Global de perdas e o detalhamento das 7 perdas de modo amplo; ii) Construção de uma concepção de sistema produtivo a partir dos conceitos gerais de perdas adaptado a realidade da competição intercapitalista mundial e de cada país ou região em particular No caso japonês esta concepção desembocou no chamado "Sistema Toyota de Produção". iii) Estabelecer um conjunto de técnicas apropriadas para operacionalização do sistema. Dentro deste contexto geral, é preciso observar que a realidade econômica de cada país levará a soluções de alguma forma diferenciadas no que tange aos aspectos operacionais de definiçào das perdas e, posteriormente, na sua minimização e/ou eliminação. 9
Como exemplo, pode-se tomar as perdas por espera. No caso japonês, o custo-horário do pessoal é de 3 a 5 vezes maior do que o custo-horário das máquinas (SHINGO, 1981). Neste contexto a estratégia adotada no STP passa pela necessidade de racionalizar ao máximo a utilização de pessoal, podendo conviver, no entanto, com um conjunto numérico de maquinário superior ao estritamente necessário. Ou seja, no caso japonês a espera dos trabalhadores é muito mais importante do que a taxa de operação das máquinas, (SHINGO, 1981). Segundo Shingo, quando compara-se o não uso da máquina com as esperas de um operador tendo em vista a redução do custo, o "não uso das máquinas é algumas vezes permitido", porque, "quando calculado o custo por hora, o custo do operador é 3 a 5 vezes maior que o custo da máquina". No caso japonês, isto traz como conseqüência o que é evidenciado no STP a necessidade da operação múltipla das máquinas por parte do operador. Em 1985, por exemplo, uma unidade da Toyota tinha um conjunto de 3.500 máquinas e apenas 700 trabalhadores empregados. Ou seja, em média um conjunto de 5 máquinas era gerenciado por um trabalhador. No caso brasileiro, o gerenciamento das perdas por espera pode tomar outras conotações sistêmicas e operacionais. Isto porque o custo médio horário das máquinas é da mesma ordem de grandeza ou mesmo maior do que o custo-horário do pessoal. Desta forma, as perdas por espera das máquinas são muito relevantes. Assim, sistemas de produção adequados à realidade brasileira devem levar em consideração essa questão. Técnicas como, por exemplo, a Manutenção Produtiva Total, são essenciais para dar confiabilidade operacional ás máquinas principais que constituem o sistema produtivo. (NAKAJIMA, 1988) Da mesma forma, é difícil admitir o uso de máquinas reservas no Brasil, especialmente naqueles casos onde tem-se elevada depreciação técnica e contábil. b) O conceito das 7 perdas visa a redução dos custos, ou seja, o ataque às perdas baseiase no principio do não-custo. Para isto observam-se as perdas de forma global, tanto no que tange aos processos (processamento em si, inspeção, transporte e armazenagem), analisando o fluxo de materiais no tempo e no espaço como no que tange as operações (operação principal e secundária, tempos de preparação, fadiga, etc.) que analisam a ação dos trabalhadores e das máquinas no tempo e no espaço. Um ponto importante é que o conceito de perdas apresentado por Ohno e Shingo é holístico e sistêmico não separando as noções de qualidade, produtividade, flexibilidade e custo. Esta integração é necessária para a compreensão ampla dos sistemas produtivos de origem japonesa, contrastando com a visão do mundo ocidental em geral, e do Brasil em particular, dado que estes pontos são vistos a partir da lógica de diferentes especialidades (ex. profissionais da área de produtividade, profissionais da área da qualidade e profissionais da área de custos). Na lógica de perdas, exposta por Ohno e Shingo, torna-se impossível pensar no estabelecimento de uma estratégia de produção que não leve em consideração conjuntamente aspectos tais como: automação, ergonomia, análise do trabalho, técnicas visando a qualidade e a produtividade (ex.: "set-up", padronização, técnicas de melhoria de layout, etc..) c) O conceito de perdas exposto por Ohno e Shingo parte do estudo sistemático das obras dos clássicos de Engenharia lndustrial americanos: Ford, Taylor e Gilbreith. Especificamente á obra de Ford foi estudada profundamente por Ohno e Shigeo Shingo (OHNO, 1988; OHNO e MITO, 1990; SHINGO, 1988) e as obras de Taylor e Gilbreith são referenciadas e avaliadas por Shingo (SHINGO, 1988). No entanto, a análise feita pelos japoneses é muito mais complexa e abrangente do que os conceitos originais sobre perdas 10
construídas por Taylor, Gilbreith e Ford. Na verdade, são incorporados importante preceitos teóricos especialmente a observação do sistema produtivo como uma rede composta de processos e operações e a análise detalhada de cada perda específica no processo e na operação, e de suas sinergias. d) Pode-se dizer que, de forma geral, as 7 perdas propostas por Shingo e Ohno preocupam-se, predominantemente, com o projeto do processo produtivo. Embora nas perdas por processamento em si ocorra uma abertura para as características do projeto do produto (preocupação com Engenharia de Valor), no conjunto pode-se afirmar que as maiores preocupações estão relacionadas com o projeto dos processos produtivos e não com o projeto do produto. Neste sentido, os trabalhos realizados por Taguchi (TAGUCHI, 1990 ; LIN & TAGUCHI, 1990) ampliam a noção de perda, associando as importantes noções de perda no projeto e no processo, e os custos impostos a sociedade por estas perdas. c) Qualquer estudo visando a criação de Sistemas de Produção baseados na conceituação de perdas e adaptados a realidade brasileira necessitam de uma visualização ampla dos sistemas produtivos competitivos a nível internacional. Neste sentido, o "Sistema Toyota de Produção" deve ser cuidadosamente analisado. Para que se possa ter uma visão crítica das bases mais profundas de sua constituição, é necessário compreender em detalhes alguns pontos, entre os quais certamente se inclui a noção de perdas em Taiichi Ohno, Shigeo Shingo e Taguchi.
9 - BIBLIOGRAFIA FORD, H. Hoje e Amanhã. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1929. LIN, P. K. SULLIVAN, L. P. Taguchi, "Using Taguchi Methods in Quality Engineering", Quality Progress, XXIII, 1990. NAKAJIMA, Seüchi. TPM-Development Program, Implementing Total Productive Maintenance, Productive Press, Cambridge Massachusetts, Norwalk Connecticut, 1989. OHNO, Taiichi e MITO, Setsue. Just In Time for Today and Tomorrow, Productivity Press, Cambridge, Masschussets and Norwalk, Connecticut, 1988. OHNO, Taüchi. Toyota Production System. Productivity Press. Cambridge, Massachussets and Norwalk, Connecticut, 1988. SHINGO, Shingeo. Study of Toyota Production System from Industrial Engineering View Point, Japan Management Association, 3- l-22, Shiha-Park Minatu-Hu, Tokyo, Japan, 1981. SHlNGO, Shingeo. Non-Stock Production: The Shingo System for Continuos Improvement. Productivity Press, 1988. SHINGO, Shingeo. A Revolution in Manufacturing and the SMED System. Productivity Press, Cambridge, Massachussets, Norwalk, Connecticut, 1985. TAYLOR Fredecick W. Principios Gerais da Administração Científica, Editora Atlas, São Paulo, 1982. TAGUCHI, G., Elsayed, E. A. e Hsiang, T. Engenharia da Qualidade em Sistema de Produção, 1° edição, São Paulo, McGraw-Hill, 1990. 11