A FILOSOFIA DO COLEGIADO DA LUZ HERMÉTICA Fernando Liguori
.I. INTRODUÇÃO
A
dúvida mais frequente sobre o Colegiado da Luz Hermética é Hermética é sobre seu posicionamento filosófico e método. Como o neoplatonismo ainda é uma área da filosofia deveras desconhecido desconhecido no Brasil, tratase de uma novidade para muitos ocultistas e magistas em geral. Isso ocorre porque, como já coloquei ênfase inúmeras vezes, a sabedoria posabedoria popular sobre magia, tradições e ocultismo em geral de conhecimento da grande maioria de interessados é abordada sob a perspectiva do ocultismo nova era cujas era cujas premissas que lhe dão fundamentação são àquelas do materialismo e cientificismo moderno – e revolucionário. revolucionário. O Colegiado da Luz Hermética trilha um caminho completamente distinto desse ocultismo – e filosofia – nova era representados era representados por organizações como a Sociedade Teosófica, a Ordem Hermética da Aurora Dourada – e demais seguimentos rosacrucianos rosacrucianos como a Astrum Argentum, Rosa Cruz (Antiqua, Aurea, AMORC etc.), organizações templárias e para-maçônicas, Sociedade Brasileira de Eubiose, Espiritismo de Alan Kardec ou qualquer seguimento moderno da filosofia ou do hermetismo. O Colegiado da Luz Hermética é Hermética é uma Academia uma Academia Brasileira de Neoplatonismo e Iniciação nos Mistérios. Mistérios. Nosso método filosófico inclui anamnese, meditação e reflexão filosófica, exame dialético, filologia, hermenêutica, exame da consciência, técnica expressiva e teurgia. Nós utilizamos o currículo da escola de Jâmblico (245-325), filósofo neoplatônico que trouxe uma reviravolta na história do neoplatonismo e foi o filósofo mais importante antes de Cornélio Agrippa (1486-1535) a influenciar profundamente a Tradição Hermética de Mistérios. Jâmblico foi tão importante na história da filosofia neoplatônica que seus esforços deram fôlego e vigor a sobrevivência da cultura helênica pagã por mais dois séculos. O Colegiado da Luz Hermética não Hermética não se designa, portanto, como uma ordem ou sociedade secreta. Somos um Colegiado de Iniciação nos Mistérios da Antiguidade. Antiguidade . Diferente dessas escolas acima citadas, o Colegiado da Luz Hermética olha para um passado na Antiguidade tardia, entre os Sécs. III e VI d.C. Não é
fácil fazer esse caminho de retorno. Quando procuramos estudiosos sobre o assunto entre os intelectuais do materialismo moderno, encontramos interpretações equivocadas e desgraçadamente débeis sobre as crenças filosóficas e a prática religiosa dos neoplatônicos tardios. Vamos voltar a esse ponto na próxima seção. Ninguém fala melhor sobre filosofia neoplatônica que os filósofos neoplpatônicos. Então, através de uma análise hermenêutica na construção, desconstrução e reconstituição das maṇḍalas cosmológicas e cosmogônicas neoplatônicas, encontramos portais ocultos nas ocultos nas obras de filósofos como Jâmblico e Proclo que nos possibilitam acesso a filosofia oculta deles, àquela de cujo Conhecimento (gnose) eles participaram na própria Realidade em estados elevados de teofania e henosis com henosis com o Absoluto. A teurgia é, nesse caminho, o exercício fundamental para que cada um de nós possamos adentrar por estes portais ocultos e aprender diretamente da Realidade, assim como nossos filósofos, o Conhecimento filosófico de nossa própria Alma. A filosofia neoplatônica devota um interesse genuíno na salvação da Alma. O Colegiado da Luz Hermética não Hermética não oferece, deixe-nos explicar desde já, a salvação da Alma a ninguém. Cada um é responsável pela salvação de sua Alma. A filosofia não tem por objetivo formular um sistema universal de salvação, salvo àqueles nascidas após o Iluminismo como o marxismo, por exemplo, que quer construir uma sociedade ideal e perfeita, igual para todos.1 Nunca existiu essa entidade na história do mundo, a tal sociedade perfeita. perfeita. Um filósofo não quer saber de nada disso. Ele não tem a pretensão de formuform ular um sistema a ser seguido e colocado em prática na busca utópica de uma sociedade perfeita. Ele sabe muito bem que essa tolice não existe fora do plano das ideias. Pelo contrario, diante do colapso da ordem cósmica que ele testemunha em vida, trata-se daquele homem solitário que sem se apoiar nas crenças vigentes de seu tempo, obscuramente degradantes a condição da Alma humana corporificada, busca nas memórias de sua Alma os padrões de ordem que espelham as leis eternas do cosmos. Ele, portanto, vê o mundo de uma perspectiva privilegiada, acima de qualquer ideologia, crença ou dogma. Ele vê com os olhos de sua Alma. O que o Colegiado da Luz Hermética oferece Hermética oferece é um currículo de estudo filosófico que inclui exegese, meditação e teurgia. Os caminhos pelos quais cada um obterá sucesso a unir-se ao Bem são individuais, pessoais e as experiências deles extraídas são intransmissíveis. intransmissíveis.
1 O
que não é verdade. Os marxistas quando chegam ao poder distribuem a pobreza para a casta inferior, o povo. Enquanto isso, àqueles que estão no poder e no seu entorno vivem como marajás. Qualquer análise lúcida da história política demonstra isso com muita claridade.
.II. O NEOPLATONISMO
O
neoplatonismo iniciou-se iniciou-se com Amônio Sacas (175-242 d.C.) que foi tanto o precursor quanto o iniciador da tradição neoplatônica. Mas não é possível concluir o desenvolvimento de sua filosofia, haja vista que ele nada escreveu. Através de Porfírio de Tiro (233-305 d.C.) sabemos que Sacas viveu e foi educado como cristão, mas tornou-se pagão ao entrar em contato com a filosofia helênica. Ele não foi um filósofo de destaque em seu tempo. Com poucos alunos, preferiu viver recluso em ascese espiritual uma vida de filosofia. Porfírio relata que Plotino (203-270 d.C.) sentia-se desanimado e triste com as aulas e os filósofos com quem aprendia em Alexandria, até que ouviu falar de um filósofo que tinha poucos discípulos e não era considerado nenhuma celebridade. Curioso, ele pediu para participar de uma cátedra de Amônio Sacas. Estarrecido, ele disse: Este é o homem que eu procurava. procurava. Plotino tornou-se o principal discípulo de Sacas aos vinte e oito anos, permanecendo com o mestre até os trinta e oito. Porfírio diz que Plotino aprofundou-se de tal maneira na filosofia, de sorte a ter em vista uma experiência direta tanto da filosofia praticada entre os persas como daquela preponderante entre os hindus. hindus.2 Ao abrir sua escola em Roma, até certo momento Plotino manteve-se restrito ao sistema que aprendeu com Amônio Sacas, mantendo os votos de não escrever nenhum de seus ensinamentos. No entanto, a partir de 254 d.C. Plotino decidiu quebrar seus votos e começou a escrever. Quando Porfírio chegou a Roma para aprender com Plotino por volta de 263 d.C., pelo menos vinte e quatro tratados já haviam sido escritos e em 268 d.C. ele concluiu sua obra. Foi Porfírio que organizou todos os tratados de Plotino na divisão que conhecemos hoje das E NÉADAS, organizadas por assuntos e temas, não por data ou na ordem que foram concebidos. Porfírio diz que Plotino escrevia de inspiração, sem parar para beber, comer ou dormir até terminar. Ele também fala que diferente de todos os homens que encarnam no reino da geração com um daimon pessoal, daimon pessoal, Plotino era auxiliado por um arcanjo pessoal . Estas ENÉADAS de Plotino junto aos D IÁLOGOS de Platão e os escritos esotéricos de Aristóteles contêm a mais refinada mensagem filosófica da antiguidade. 2 Porfírio
de Tiro, A VIDA DE PLOTINO. Não se sabe porque Amônio teria o nome de Sacas. Para uns ele teria sido um carregador de sacos antes de se dedicar a filosofia. Para outros ele pertencia a estirpe indiana dos Seker. E ainda há aqueles que dizem ser ele um Saca-Muni, Saca-Muni, quer dizer, um mestre budista. É por esse motivo que Porfírio diz: filosofia diz: filosofia praticada entre os persas como daquela preponderante entre os hindus. hindus. Plotino chegou a considerar, portanto, que o contato com a tradição filosófica dos hindus seria o coroamento ou complemento daquilo que ele aprendeu com Amônio Sacas, tendo tentado e falhado em chegar a Índia através da expedição do Imperador Romano Gordiano III em 243d.C. Gordiano foi assassinado na Mesopotâmia e Plotino teve de se refugiar em Antioquia, tendo quase perdido a vida na fuga. Dali, impedido de seguir para Índia, decidiu não voltar a Alexandria, ocasião em que Amônio Sacas já havia morrido. Decidiu então se estabelecer em Roma por volta de 244 d.C., quando Filipe conquistou o Império. Aos quarenta anos, maduro, Plotino decidiu abrir sua escola na capital do Império I mpério Romano.
A escola de Plotino ganhou proeminência, distanciando-se completamente das premissas fundamentais da escola de Amônio Sacas. Diferente de Amônio, Plotino era uma celebridade. No leito de morte muitos lhe confiavam não somente a educação de seus filhos, mas também a administração de seus bens como um guardião, tanto sagrado quanto divino. A casa onde Plotino morava vivia cheia de alunos: jovens homens e mulheres, viúvas e políticos. No entanto, embora considerado em alta medida e por muitos requisitado, Plotino tinha um ideal, um projeto que ele chamava de Platonópolis. Platonópolis. Esse projeto, entretanto, era muito distinto daquele que Platão idealizou inspirado no espírito do ethos da ethos da polis grega, que pretendia influenciar a política e reformar o Estado. Plotino não queria saber de nada disso: para ele, a Platonópolis seria o ideal de um oásis filosófico, quer dizer, uma cidade repleta de filósofos educados como tal desde a infância e que se colocavam em condição de viverem em uma comunidade cujo ideal era alcançar a união com o divino. Por isso ele dissuadia seus discípulos a se afastarem da vida política. Embora suas aulas fossem frequentadas por qualquer pessoa indistintamente, seus escritos eram apenas para os alunos mais avançados. Essa é outra ênfase distinta de Plotino. Os filósofos que o precederam davam mais importância ao ensinamento oral secreto do que ensinamento escrito. A metafísica de Plotino distribuía-se por seis eixos fundamentais: 1. Uma distinção ontológica entre o divino e o terreno, o plano inteligível e o mundo sensível. 2. A determinação do incorpóreo em relação às três hipóstases: o Uno, o Nous e Nous e a Psiché (a (a Alma). 3. A determinação exata da relação entre as três hipóstases: como a segunda deriva da primeira e como a terceira deriva da segunda. O grau mais elevado produz o imediatamente inferior sem se diminuir. Essa é a doutrina da processão da processão.. 4. Através da processão processão o mundo sensível é inteiramente deduzido do suprassensível. A matéria, portanto, não constitui em si mesma um princípio subsistente, mas procede da última hipóstase. 5. O estabelecimento da unidade de todas as coisas. O Uno está em todas as coisas e não se diminui ou se altera. Todas as coisas participam do Uno mas não são o Uno. Dessa maneira, há uma unidade intrínseca entre as hipóstases e o mundo sensível. O mundo corpóreo é completamente envolvido pelo mundo incorpóreo. Seguindo por esse caminho, Plotino conclui que não é a Alma que está no corpo, é o corpo que está na Alma. 6. Uma vez que tudo procede ontologicamente do Uno, nada é verdadeiramente estranho ao Uno, pois não existe a ele nenhum contraposto. É possível dessa maneira empreender um retorno ao retorno ao Uno, uma reunificação total com o Primeiro Princípio. Uma realização perfeitamente possível de ser empreendia ainda em vida por qualquer pessoa na u-
nião mística e no êxtase. O filósofo pode desprender-se do mundo sensível e apoderar-se de sua Alma e já que a Alma deriva diretamente do Uno, o homem pode retornar ao Uno. Essa doutrina revoluciona completamente os valores tradicionais clássicos da cultura helênica, transformando a ética em ascese espiritual, encaminhando o thelos humano como uma flecha extática de união transcendente com o Bem. O método de Plotino é aquele mesmo de Platão, a dialética entendida originalmente no sentido metafísico e ontológico, não no sentido lógicometodológico aristotélico aristotélico ou no sentido estoico. Em Platão, a dialética não se tratava de um método, mas de um estilo de vida cuja finalidade era libertar a Alma humano do cativeiro no mundo da geração, elevando-a a uma condição incondicionada. Essa dialética platônica coinsiste de duas etapas: a primeira em transcender o sensível em direção ao inteligível; a segunda em ascender paulatinamente até o último plano inteligível. Ao homem é possível, portanto, tornar-se dialético, quer dizer, desprendido da matéria em jornada ao Uno. Na concepção de Plotino três tipos de pessoas podem fazê-lo: os músicos, os amantes e os filósofos. Por músicos ele fala dos que seguem os mistérios de Orfeu; por amantes aqueles que seguem os mistérios de Baco; por fim, os filósofos, aqueles que seguem os mistérios de Sofia, a sabedoria. Para Plotino esses são homens que aspiram o imaterial e por conta disso são capazes de se separarem do mundo sensível.
.III. J ÂMBLICO: FILOSOFIA , TEOLOGIA & TEURGIA omo bem disse meu amigo Alex Elias, pessoa pela qual integridade filosófica e espiritual são expressões da virtude da excelência, a internet deu voz aos bobos e ouvidos aos perdidos. perdidos. Recentemente, fazendo uma pesquisa na internet, me deparo com um pseudointelectual dizendo: Hoje em dia não faz sentido estudar Éliphas Lévi, já está ultra passado. passado. Diante essa precária preleção não pude deixar de pensar: Mas é muito melhor ler Lévi do que escutar suas asneiras. asneiras. E aí ele fechou com uma chave de ouro de tolo: Jâmblico tolo: Jâmblico é outro que não diz muita coisa. coisa. Essa terceira seção, uma introdução breve a Jâmblico, é uma resposta a esse indivíduo, tamanha sua sapiência. Jâmblico foi um reformador! Como filósofo ele soube avaliar com precisão os problemas de seu tempo, oferecendo ao paganismo e a filosofia helênica uma saída lúcida a prática religiosa politeísta que na sua época passava por uma perseguição radical do cristianismo que se espalhava como fogo no território de palha do Mediterrâneo desde o Séc. I d.C. Foi a reforma que Jâmblico fez no politeísmo pagão que possibilitou uma intricada classificação de criaturas espirituais jamais vista até então. Ao revisar e reformar a ontologia neoplatônica, Jâmblico abriu caminho para futuros filósofos e escolas de mistérios classificarem e estruturarem cosmologias distintas. distintas. As hipóstases plotinianas reorganizadas por Jâmblico eram consideradas deuses em sua teologia, o que possibilitou a justificativa racional do politeísmo. Foi esse trabalho de reorganização que deu nascimento a estrutura cosmológica de deuses hipercósmicos, hipercósmicos, hiperencósmicos, encósmicos, cósmicos, sublunares, arcanjos e anjos, daimones, daimones, heróis e Almas. E dessa classificação também nasceu com Pseudo-Dionísio (final do Séc. V e início do Séc. VI) a estrutura ontológica-metafísica da Igreja de Roma, como fica claro no quadro abaixo:
C
Classificação de Jâmblico
Classificação de Pseudo-Dionísio
Deuses Hipercósmicos Hipercósmicos Deuses Liberados Deuses Encósmicos Arcontes Celestiais Deuses Sublunares Arcontes Arcanjos Anjos Daimones Heróis Almas Purificadas
Serafins Querubins Tronos Domínios Poderes Autoridades Principados Arcanjos Anjos
Foram os esforços de Jâmblico que possibilitaram o desenvolvimento na Antiguidade tardia e Idade Média todo um sistema de classificação daimônica/demonológica ca/demonológica e celestial nas tradições religiosas e escolas de mistérios influenciadas pelo neoplatonismo, como veremos a seguir. O neoplatonismo sob uma nova perspectiva Jâmblico nasceu em Cálcis, na Síria, em meados do Séc. III d.C.3 No seu tempo o centro de furor intelectual era Alexandria e nada mais natural a um intelectual sírio helenizado buscar seus primeiros professores no âmago deste furor. Antes de se encontrar com a filosofia neoplatônica, ele estudou filosofia neopitagórica em Alexandria. Jâmblico foi um profundo admirador da filosofia pitagórica, influenciado sobretudo por Nicômaco de Gerada (60-120 d.C.) e isso formou profundamente o seu pensamento. Sua obra conta uma coleção de dez tratados sobre pitagorismo, alguns deles perdidos, outros em fragmentos e apenas dois completos sobreviveram. Em Alexandria ele também estudou aristotelismo na escola do peripatético Anatólio (falecido em 283 d.C.), um cristão que veio a se tornar bispo de Laodiceia. 4 Posteriormente Jâmblico procurou Porfírio de Tiro que fora aluno de Plotino para estudar neoplatonismo, enviado por Anatólio. 5 Foi Porfírio quem introduziu Jâmblico na metafísica neoplatônica, o que foi decisivo para formação de sua filosofia. Inicialmente, o encontro entre os dois foi promissor, fato comprovado por Porfírio ter dedicado sua obra C ONHECE A TI MESMO a Jâmblico. Mas essa relação entre os filósofos logo se degradou devido às profundas divergências entre eles. O maior desacordo entre os filósofos foi devido a interpretação e avaliação da relação entre filosofia e a prática ritualística pagã e religiosa, em particular, a teurgia. A divergência entre ambos foi tão profunda que em pouco tempo eles se separaram e Jâmblico não tomou apenas uma postura crítica a Porfírio, mas essencialmente hostil. O seu D E MYSTERIIS foi escrito para refutar a argumentação de Porfírio contra a teurgia e em seus comentários sobre o T IMEU de Platão, Jâmblico J âmblico cita Porfírio trinta e duas vezes. Delas, vinte e cinco vezes em desacordo a Porfírio e em linguagem bem pejorativa.6 Jâmblico chega a acusar Porfírio de barbaresca vanglória. vanglória.7 A crítica de Porfírio a religiosidade helênica e a prática da teurgia coroaram a obra de Jâmblico, pois ela foi fundamental a inspiração e concepção de sua escola neoplatônica de filosofia e teurgia na Síria no início do Séc. IV. O novo olhar de Jâmblico sobre o neoplatonismo e o politeísmo religioso encontrava singela sincronia no homem helenizado de seu tempo, que 3 A
datação de seu nascimento e morte é altamente controversa entre os estudiosos mais especializados por conta de informações que hoje nos chegam sobre o casamento de sua filha. 4 Hoje é aceito entre alguns pesquisadores pesquisadores que este professor de Jâmblico, Anatólio, não seria de fato o peripatético, mas um aluno de Porfírio de Tiro. Não parece verossímil visto o denso e carregado material aristotélico encontrado na obra de Jâmblico. 5 Provavelmente Porfírio e Anatólio se conheceram por volta de 250 d.C. (a data é incerta) em Alexandria. Porfírio teria dedicado a Anatólio o seu escrito Q UESTÕES HOMÉRICAS. 6 Veja John Dillon, I AMBLICHI CHALDENSIS. 7 Giovanni Reale, P LOTINO E O NEOPLATONISMO, p. 151.
ansiava tanto por um aprofundamento filosófico quanto por uma prática religiosa pagã lucidamente fundamentada. Olimpiodoro (495-570), um dos últimos filósofos pagãos a ensinar na escola de Alexandria no Séc. VI d.C., em seu comentário ao F EDRO de Platão exalta as diferenças na a interpretação de Jâmblico – e de Siriano e Proclo que seguiram Jâmblico – em detrimento das interpretações de Plotino e Porfírio. Ele diz: Alguns diz: Alguns põem em primeiro lugar a filosofia, como Plotino, Porfírio e muitos outros filósofos; outros, porém, põem em primeiro lugar a arte sacerdotal como Jâmblico, Siriano e Proclo. Proclo.8 Qualquer pensador sério em contato com o que nos restou das obras de Jâmblico ficará impressionado com a envergadura espiritual de nosso filósofo. Mas como eu havia dito anteriormente, 9 não é possível acessar o conteúdo filosófico de um filósofo, sua experiência filosófica, apenas estudando sua obra escrita. É necessário conhecimento filológico de precisão histórica e hermenêutico sobre os textos, é claro. No entanto o fundamental é um aprofundamento meditativo nos caminhos que levaram as concepções filosóficas de nosso filósofo. No caso de Jâmblico, isso implica no exercício da contemplação filosófica e ritos hieráticos de teurgia. É isso que fornece o acesso a Realidade de onde Jâmblico contemplava sua filosofia. Se isso por si só é um trabalho colossal, imagine fazê-lo no Brasil onde não há uma obra de Jâmblico traduzida, além do exercício atual do Colegiado da Luz Hermética que Hermética que está prestes a fazê-lo. Disso concluímos que qualquer ocultista que não tenha de fato lido uma sequer obra de nosso filósofo está completamente desqualificado para falar qualquer coisa acerca de Jâmblico, sua filosofia e teurgia. Se assim o faz, é só mais um tolo opinando na internet. O destaque dado a Jâmblico reside no fato dele saber interpretar os problemas dos pagãos letrados de seu tempo, encontrando saídas promissoras a justificativa religiosa politeísta do paganismo helênico, que sedento estava por ritos soteriológicos de aplacação de deuses e daimones. daimones. Enquanto Plotino se preocupou em criticar os gnósticos e Porfírio em criticar os cristãos, Jâmblico optou por não criticar ninguém, se limitando apenas a expor lúcida e positivamente o paganismo helênico em sua forma greco-síria. Para fazê-lo com eficiência Jâmblico precisava apresentar uma rigorosa fundamentação teórica; era preciso refundamentar e reestruturar em níveis conceituais todo o politeísmo da última fase da cultura helênica. Para resolver essa questão Jâmblico buscou na ontologia neoplatônica, estimulado sobretudo a partir dos O RÁCULOS CALDEUS, toda fundamentação para o politeísmo. O apego à teurgia pelo paganismo popular e filosofia helênica tardia foi o ponto significativo que possibilitou Jâmblico fazer sua reinterpretação e síntese. O Logos era Logos era julgado insuficiente para garantir os fins últimos da matéria, sendo para isso importante a intervenção dos deuses propícios. O que jâmblico fez foi possibilitar uma comunhão entre a mística filosófica e a
8 Citado em Giovanni Reale, P LOTINO E O
NEOPLATONISMO, p. 159. Fernando Liguori, MEDITAÇÃO, ORAÇÃO, NOMES BÁRBAROS & A EXPERIÊNCIA FILOSÓFICA. Veja também Fernando Liguori, ACESSANDO A FILOSOFIA OCULTA DE AGRIPPA. Ambos disponíveis na internet. 9 Veja
transcendência fecunda da adoração ritualística. Nos termos do yoga hindu, um casamento entre o jñāna e o bhakti. bhakti. De certo modo, Plotino e Porfírio abriram caminho para essa reforma jamblicana, pois a multiplicação das hipóstases e dos deuses – que têm a mesma raiz porque nascem da mesma orientação do espírito – já havia sido ensaiada pelo próprio Porfírio, que introduzira inovações metafísicas baseadas nos ORÁCULOS CALDEUS. A direção que Jâmblico empreendeu foi a seguinte: ele repensou a ontologia neoplatônica e diferente de Plotino, inverteu o caminho estabelecido por este. Em sua última fase, Porfírio articulava o Uno no ápice da tríade intelectiva, estabelecendo-o como primeiro membro dela e a partir daí uma sucessão enéadica. Jâmblico retrocede nessa compreensão de Porfírio e como Plotino, estabelece o Uno como transcendente ao Inteligível. No entanto, ele introduz entre o Uno e o cosmo inteligível outro Uno. Jâmblico optou por esse caminho haja vista sua necessidade em distinguir e classificar os dois aspectos do Uno em Plotino, quer dizer, aquele aspecto pelo qual ele é dito ser absolutamente transcendente e inefável, e aquele aspecto pelo qual ele é dito ser potência produtora de todas as coisas, fazendo desses dois aspectos duas hipóstases distintas. A segunda hipóstase de Plotino, o nous, nous, Jâmblico transforma em um complexo intricado de hipóstases, distinguindo ainda o plano inteligível do plano intelectivo (ou intelectual) que em Plotino constituíam uma unidade sintética entre inteligível e e inteligência. inteligência. Mas Jâmblico não parou por aí. Ainda os planos inteligível e intelectivo foram divididos em três tríades. Entre o plano inteligível e o plano intelectivo Jâmblico também estabelece outro plano intermediário, o que antecipou uma doutrina que se tornará presente como técnica na escola de Atenas. Este plano intermediário, Jâmblico chamo de inteligível-e-intelectual , dividindo-o também em três tríades. Outra classificação de Jâmblico se estende a natureza da Alma. Resumindo isso tudo, veja o quadro abaixo: Uno Inefável (primeiro Uno) Uno Mundo do Espírito Alma humana
Plano Inteligível10 Plano Inteligível-e-Intelectial Inteligível-e-Intelectial11 Plano Intelectual12 Alma hipercósmica Alma do Todo Almas particulares
10 Dividido em três tríades. 11 Dividido em três tríades. 12 Dividido em três tríades e uma
dividido em apenas uma tríade.
hebdômada. Mas Proclo corrige dizendo que na verdade o plano intelectual é
É essa intricada multiplicação de hipóstases e deuses que dá ao paganismo de Jâmblico uma justificativa metafísica e ontológica dentro de um caminho asceticamente devocional. E uma vez que os números de hipóstases e deuses poderiam ser multiplicados infinitamente, Jâmblico criou uma classificação que compreendia uma miríade de criaturas espirituais, deuses supramundanos e intraterrenos, daimones de daimones de todos os tipos, heróis, anjos e arcanjos. Isso não só possibilitou, mas forneceu uma classificação coesa e estruturada de todo panteão helênico do paganismo tardio. Todas as classificações de criaturas espirituais após Jâmblico se devem aos seus esforços. Por exemplo, a classificação estabelecida por PseudoDionísio que vimos acima é apenas uma releitura de Jâmblico para o cristianismo. As questões disputadas sobre disputadas sobre a natureza da Alma, das criaturas espirituais, das virtudes, da graça e do poder de Deus etc. tecidas por Santo Tomás de Aquino (1225-1274) foram profundamente inspiradas pelo neoplatonismo de Jâmblico. Toda síntese empreendida por Cornélio Agrippa (14861535) no fim da Idade Média foi profundamente inspirada na síntese de Jâmblico e na mageia mageia dos PAPIROS MÁGICOS GRECO-EGÍPCIOS, principalmente àqueles com influência judia. Em realidade o que Jâmblico empreendeu foi dar materialidade (entificação, substantificação, hipostatização) as hipóstases que em Plotino eram apenas determinações conceituais. Nesse caminho Jâmblico justifica completamente o paganismo tardio helênico, que para o pensamento filosófico se trata apenas de construção conceitual, mas para seus praticantes não; pelo contrário, se trata de algo real e concreto. Se dessa maneira Jâmblico justificava a prática religiosa politeísta, politeísta, como ele justificava a teurgia? Em seu DE MYSTERIIS, Jâmblico refuta Porfírio apresentando a teurgia como um exercício litúrgico metarracional: através ações rituais, amuletos, estatuetas, pedras, ervas e nomes bárbaros torna-se possível acessar os deuses dos planos inteligível e intelectual de luz e perfeição e comungar de suas virtudes. Ele diz: Não é o pensamento que une os teurgos aos Deuses; já que, em tal caso, o que poderia impedir os filósofos teóricos de alcançar a união teúrgica com os Deuses? Mas a verdade não é essa. A união teúrgica é produzida com o cumprimento de ações inefáveis que agem acima de toda possibilidade de compreensão da inteligência e do poder dos símbolos inefáveis, compreensíveis somente aos Deuses. Por isso não é com o pensamento que realizamos aquelas obras. 13
Essa passagem não apenas nos indica que a teurgia pode nos levar a um nível de união com o divino transcendente em que as construções filosóficas não podem e revela também a distância entre a interpretação neoplatônica de Plotino e Porfírio por um lado e Jâmblico e Proclo por outro. A argumentação de Jâmblico seguindo esse caminho, joga por terra os argumentos de Porfírio, demonstrando que a teurgia é uma atividade que está muito além da especulação, razão e inteligência, não podendo ser mensurada e muito 13 Jâmblico, DE MYSTERIIS, 2, 11.
menos compreendida através do exercício filosófico apenas. Mas não é a prática da teurgia que leva o teurgo até os planos de luz e perfeição dos deuses. Isso reforçaria os argumentos de Porfírio, demonstrando a impassibilidade comprometida dos deuses. Ao invés disso é o poder divino que desce como graça sobre os teurgos. Jâmblico diz que durante a teurgia o teurgo se veste com a capa dos deuses. Este poder divino que desce como graça sobre o teurgo, por outro lado, liberta-o do reino da geração, reconduzindo sua Alma as moradas das virtudes e dos deuses. Isso é uma comprovação daquilo que gosto sempre de repetir: não é o teurgo que inicia a teurgia; ao contrário, ele apenas participa da teurgia dos deuses em operação no movimento do cosmos. Isso significa que a teurgia é uma iniciativa dos deuses mais do que dos homens. Pierre Hadot esclarece esse ponto de maneira incontestável nas seguintes palavras: Se pudéssemos obter a união perfeita com os Deuses por meio m eio da contemplação, então seria por nossas forças que alcançaríamos o divino. Os Deuses seriam movidos, então, por seres inferiores. Ao contrário, se eles mesmos escolhem as práticas, incompreensíveis aos homens, mediante as quais podemos esperar nos unir a eles, então eles permanecem imóveis em si mesmos e mantêm a iniciativa.14
Então Jâmblico nega definitivamente as alegações de Plotino que dizia ser possível conquistar por esforço próprio a união com o Bem. Para Jâmblico isso era uma impossibilidade. São os deuses que derramam sobre o teurgo suas virtudes de luz e perfeição. E dessa reforma de Jâmblico os cristãos copiaram a recepção da graça divina através dos sacramentos litúrgicos. Na união com o Bem Jâmblico dizia que três tipos de virtudes se derramavam sobre o teurgo: as virtudes hieráticas, as virtudes sacerdotais e as virtudes teúrgicas. Isso demonstra que a prática da teurgia estava intrinsecamente conectada a ética de Jâmblico. E qual a importância disso? Algo de fundamental no sistema de Jamblico: a Alma humana é envolta em um corpo etérico de luz chamado de ochēma. Este corpo de luz está fadado a permanecer após a morte perdido na região sublunar. Para evitar isso, a teurgia possibilita este corpo de luz a receber as virtudes hieráticas dos deuses hipercósmicos, sendo estas as únicas que possibilitam uma união permanente com o Bem e iluminação da Alma, constituindo por esse motivo uma purificação tão poderosa na estrutura da Alma que ela tornava-se pura, equivalente a Alma dos anjos e arcanjos. Como podemos ver, Jâmblico, sua filosofia, teologia e teurgia, quer dizer, seu sistema, constituiu uma reforma completa no neoplatonismo tardio e influenciou decisivamente a Tradição Hermética de Mistérios. Seus esforços deram a paganismo helênico mais dois séculos de fôlego antes da total opressão, perseguição e criminalização empreendidas pelo cristianismo. Dessa forma, muito se engana o sabichão que sabichão que diz que Jâmblico não diz muita coisa. coisa. 14 Pierre Hadot, O que é F ILOSOFIA ANTIGA?, p. 281.
.IV. O MÉTODO DO COLEGIADO DA LUZ HERMÉTICA
O
corpo literário deixado por Jâmblico demonstra um profundo pensamento filosófico. Ele foi responsável por organizar o programa de leituras platônicas na academia de Atenas até seu encerramento por volta do Séc. VI d.C. A leitura de Platão, que constituía os Mistérios Maiores, Maiores, era precedida pelo estudo dos textos pitagóricos comentados por Jâmblico e alguns ensaios de Aristóteles. Somente então os diálogos de Platão eram introduzidos aos seus estudantes. Seja como for, entre os neoplatônicos Jâmblico é considerado um grande filósofo. Infelizmente, os filósofos de hoje perderam o fio de Ariadne da filosofia iniciática em detrimento da especulativa. A situação piora com os filósofos que foram influenciados por E.R. Dodds (1893-1979) e que não compreendem a diferença entre irracional e irracional e aracional . Isso, no entanto, levou muitos acadêmicos a repudiarem o neoplatoinismo tardio e em especial a escola de Jâmblico, acusando-a de não-filosófica. não-filosófica. Isso está longe da verdade. Por muito tempo Jâmblico ensinou apenas filosofia em sua Academia em Apameia na Síria e somente depois ele começou a incluir a teurgia em seus ensinos. O que é filosofia? A palavra filosofia vem filosofia vem de duas raízes gregas: philia, philia, que significa amor e amor e sophia que sophia que significa sabedoria. sabedoria. Filosofia é, portanto, amor a sabedoria. sabedoria. A tradição diz que a palavra foi cunhada por Pitágoras, um místico e xamã quem Jâmblico idolata e se deteve a dissertar sobre sua vida em vários volumes, mas somente alguns sobreviveram até os dias de hoje. Nos termos platônicos, um amante da sabedoria, quer dizer, um filósofo, é àquele que sabe que não sabe nada! Diferente de um sábio, que é um mestre da sabedoria, um filósofo é um buscador de seu objeto de paixão. Tal busca é necessária porque a sabedoria, almejada na forma da Deusa Sofia, é transcendental, pois se trata da mais elevada de todas as virtudes, difícil de ser conquistada por um mero mortal. Na linguagem pitagórica, um não-iniciado jamais conseguirá tal proeza, cortejar e conquistar a Deusa resplandecente de todas as virtudes. Essa busca, assustadora por si mesma, é a jornada da vida de um filósofo. Mas esta não é a visão das universidades que ensinam filosofia nos dias de hoje. Nas modernas academias o amor a sabedoria esfriou, dando lugar a uma busca vazia, fria e amorfa por um mero exercício intelectual: lógica, raciocínio e retórica construídas sobre castelos de areia. Essa casca vazia de acrobacia intelectual e linguística que hoje aprendemos nas academias não se trata, nem de longe, da filosofia que a tradição indica como o legado de Pitágoras, Sócrates, Platão e Aristóteles. Trata-se, ao invés disso, de um tipo próximo de sofismo que Sócrates tanto deplorou. O que é filosofia então? Na cultura helênica filosofia se tratava de um estilo de vida, uma prática viva que pode ser mensurada por qualquer um ao se debruçar sobre as biografias de Plotino e Jâmblico. Eles não apenas dis-
sertavam em cátedras e enviavam seus alunos para casa pedindo-lhes relatórios e ensaios. Ao contrário disso, estudantes e professores viviam juntos e viajavam para encontrar-se com filósofos de outros lugares. É um requerimento fundamental na transmissão da filosofia o contato entre mestre e discípulo. É nesse contato vivo, quando o discípulo vê o mestre filosofando que a filosofia é transmitida. Jâmblico em seu A VIDA DE PITÁGORAS relata um profundo comprometimento com o desenvolvimento de uma comunidade pitagórica, colocando ênfase no fato de que a filosofia se trata de um organismo vivo que somente pode ser experimentado efetivamente em toda sua inteireza e complexidade através de uma vida de filosofia, não apenas um exercício intelectual. Um estilo de vida filosófico envolve um pouco do que acontece nas salas de aula das academias. O uso apropriado da lógica na avaliação de qualquer premissa ou teoria é inestimável e, como Sócrates demonstrou, também é potencialmente devastador. Essa devastação é o ponto, mas não necessariamente nos termos do castelo de areia construído pelos filósofos modernos. O uso da dialética por Sócrates é apenas obliquamente destinado a um dado teorema ou conhecimento e a verdade que ele supostamente representa. A destruição que Sócrates criava nos pontos de vista levantados levava ao objetivo mais importante de conduzir o estudante ao conhecimento do fato de que ele, assim como o próprio Sócrates, não sabia de nada. O uso da lógica, no entanto, não é o suficiente para que isso seja conquistado. As escolas clássicas de filosofia também ensinam exercícios espirituais. São estes exercícios que evitam que a filosofia se degenere em sofisma, pois eles unem pensamento, imaginação, ética e conduzem o filósofo a se harmonizar com o espírito do cosmos, conduzindo-o ao conhecimento de sua verdadeira natureza e lugar no todo. Através desses exercícios espirituais, os ensinamentos perenes da filosofia se fazem presente no dia-a-dia de cada filósofo, possibilitando-o a viver uma vida de sabedoria. Em outras palavras, através desses exercícios espirituais é possível ao filósofo deter as verdades fundamentais em um estilo de vida filosófico, não apenas mera especulação e abstração mental. Quer dizer, isso lhes possibilita cortejar apaixonadamente a Deusa da mais exaltada das virtudes, Sofia. Na escola de Jâmblico estes exercícios espirituais não envolvem apenas o engajamento no método socrático de diálogo filosófico, mas também a reflexão e contemplação dos V ERSOS DOURADOS DE PITÁGORAS. Jâmblico considera unicamente o modelo iniciático e pitagórico de ensino como prelúdio ao cânone estabelecido por Platão. O papel da filosofia no sistema de Jâmblico é catártico. Trata-se de uma purificação necessária como passo preliminar a prática da teurgia. Através do exame profundo de nossas vidas, modelos modelos de pensamento, hábitos e a maneira como respondemos aos estímulos do mundo, somos capazes de remover a densa carapaça de ignorância do mundo da geração para que nossas Almas possam melhor se aquecer sob a luz do Intelecto Divino, representado pelo fogo central dos ritos teúrgicos. A filosofia, portanto, remove os obstá-
culos que impedem nossa fogueira interior de brilhar resplandecente. Esse trabalho catártico da filosofia pode ser melhor compreendido sobre o estudo das virtudes que tanto preocupou Jâmblico em seus comentários sobre os diálogos de Platão. Uma vida virtuosa é o elemento essencial para harmonia do homem e da sociedade com o espírito do cosmos. Em sua pitagórica EXORTAÇÃO A FILOSOFIA, Jâmblico inicia com quinze declarações sobre a importância das virtudes: Como nós vivemos pela Alma, deve ser dito que pela virtude disso nós vivemos bem; da mesma maneira, assim como nós enxergamos através dos olhos, é pela virtude disso que nós enxergamos bem. Não deve ser pensado que o ouro pode ser maculado pela ferrugem, da mesma maneira a virtude não pode ser corrompida pela baixeza. Nós deveríamos recorrer a virtude como um templo inviolável, de maneira que não sejamos expostos a qualquer insolência ignóbil do elemento irracional da Alma. Nós deveríamos confiar na virtude como [confiamos] na esposa escolhida, mas [também deveríamos] confiar na Fortuna como uma amante inconstante. É melhor que a virtude seja recebida com pobreza do que riqueza com vício; e frugalidade com saúde do que abundância com doença. Da mesma maneira que excesso de comida faz mal ao corpo, muita riqueza é perniciosa a Alma inclinada ou disposta a maldade. É igualmente perigoso dar a um demente uma espada e poder a um homem depravado. Assim como é melhor a uma parte purulenta do corpo ser queimada do que ser deixada doente, é melhor ao homem depravado morrer do que permanecer vivo. Os teoremas da Filosofia devem ser apreciados o máximo possível como se fossem ambrósia ou néctar, pois o prazer que deles provem é genuíno, incorruptível e divino. Magnanimidade eles também produzem e embora através deles não nos tornamos seres eternos, eles nos permitem obter um conhecimento científico da natureza do eterno. Se o vigor dos sentidos é desejável, muito mais a prudência deve ser buscada, pois [ela] é como se fosse o vigor sensível de nosso intelecto prático. E como pelo primeiro estamos protegidos da decepção das sensações, pelo segundo evitamos o falso raciocínio nos assuntos práticos. Nós deveríamos venerar a Deidade corretamente se nós tornamos nosso intelecto puro de todos os vícios, como de algum tipo de mácula ou desgraça. [Da mesma maneira que] deveríamos adornar um templo com presentes ofertados, [deveríamos adornar] a Alma com disciplina. Como antes dos mistérios maiores os menores são entregues, um treinamento disciplinado deveria preceder o estudo e a aquisição da Filosofia. Os frutos da terra são de fato anualmente transmitidos [e] os frutos da Filosofia [também são colhidos] a cada estação do ano. Assim como a terra deve ser especialmente cultivada por àquele que deseja dela obter o melhor fruto, a Alma [também] deve ser cuidadosamente e atenciosamente cultivada, de maneira que ela possa produzir o melhor fruto de sua natureza.
Uma vida de filosofia purifica o intelecto e a Alma de maneira a nos preparar pre parar para a prática da teurgia. Da mesma maneira que a filosofia se degenera em sofismo sem a prática dos exercícios espirituais, a teurgia se degenera em feitiçaria sem uma vida de filosofia.15 O currículo de estudo de Jâmblico em sua escola em Apameia na Síria tornou-se o modelo de estudo para todos os neoplatônicos tardios e ele é 15 De
acordo com Jâmblico, o Demiurgo sub-lunar é o deus venerado pelos sofistas e o feiticeiro, que lida com os daimones sub-lunares daimones sub-lunares apenas, é chamado de góes de góes (goético). (goético).
descrito no P ROLEGOMENA ANÔNIMO A FILOSOFIA PLATÔNICA. Esse é o currículo de estudos principal adotado pelo Colegiado da Luz Hermética. Hermética. Pesquisadores modernos têm dividido o programa em duas etapas: mistérios menores e mistérios maiores. O currículo de Mistérios Menores é constituído por material não-platônico como os comentários sobre o trabalho de Pitágoras e Aristóteles, seguindo na mesma direção do estudo no plotinismo. Nesse curso de estudo Jâmblico aborda os maiores temas da filosofia, matemática (aritmética e geometria), a natureza da Alma em Pitágoras etc. O currículo de Mistérios Maiores inclui as obras ou o cânone platônico, consistindo de um estudo ordenado dos diálogos de Platão, sempre em pares, amplamente comentados por Jâmblico: Estudo 1: 1. ALCIBÍADES: O mais socrático dos diálogos de Platão aborda os fundamentos da doutrina socrática do autoconhecimento e provê uma resposta ao problema gnosiológico: nenhum conhecimento é possível sem o conhecimento de si mesmo. O conhecimento do «eu» possibilita possibilita o conhecimento do «não-eu», o mundo. Nesse diálogo, portanto, a meta é o conhecimento do eu para fazer vir a tona o conhecimento do mundo sensível. Alcebíades, um jovem belo e ambicioso, muito provavelmente é uma inspiração sobre Aristóteles. 2. GÓRGIAS: Trata-se do verdadeiro filósofo, distinto do sofista. Nesse diálogo Platão critica os sofistas e o fato deles não ensinarem as virtudes em aulas particulares remuneradas. Estudo 2: 1. FÉDON: Este é um dos mais belos diálogos de Platão, conhecido também como DA ALMA e relata as últimas horas de Sócrates. Platão aborda a morte, a imortalidade da Alma e a doutrina da transmigração. Nesse diálogo a influência de Pitágoras é nítida e Platão alterna sua visão psicológica da Alma com a doutrina da metempsicose. 2. CRÁTILO: Este diálogo aborda o nome (onoma ( onoma)) e o signo que abriga seu conceito. Ao contrário do que postula Hermógenes, que viveu entre os Sécs. V e IV a.C. e que sustenta que os nomes nada têm a ver com sua origem e são dados segundo as convenções, Crátilo por outro lado diz que a etimologia do nome pode revelar o significado de sua verdadeira origem e natureza. Sócrates contesta ambas as posições, sustentando que a natureza imutável das palavras reside oculta por trás delas e esta natureza é que deve ser observada, pois ela descreve uma imutabilidade permanente. Isso significa que as palavras não são capazes de revelar o mundo inteligível das formas puras. Estudo 3: 1. TEETETO: Aborda a teoria do conhecimento (epistemologia) a partir da indagação: o que é o conhecimento? conhecimento?
2. SOFISTA: Este diálogo compara os conceitos de sofista, político e filósofo. A investigação inicial é sobre o não-ser , questão ontológica fundamental presente nas investigações de Parmênides, filósofo présocrático que nasceu por volta de 515 a.C., natural de Eleia, na costa Sul da Magna Grécia. O SOFISTA é uma continuação de T EETETO, mas seu conteúdo o conecta diretamente ao P ARMÊNIDES. Estudo 4: 1. POLÍTICO: Trata-se de uma continuação do S OFISTA e traça o perfil do homem político, indicando o conhecimento que tal indivíduo deveria possuir para exercer um governo ( polis ( polis)) bom e justo que esteja em harmonia com o cosmos. Aqui Platão retoma a figura do sofista. 2. FEDRO: Este diálogo trata de dois temas aparentemente desconexos, mas que são conectados por Platão: uma crítica aos sofistas abordando a natureza da retórica e o valor do amor sensual ( eros). eros). Estes temas conectam o FEDRO a dois outros diálogos: o G ÓRGIAS, acerca da figura do verdadeiro filósofo em detrimento do sofista e o B ANQUETE, que também aborda a natureza do amor sensual. Outro tema ligeiramente abordado é o caráter negativo da projeção da Alma até a matéria. Estudo 5: 1. O BANQUETE: Este diálogo trata da natureza de eros, eros, o amor sensual. Todo o diálogo ocorre em uma confraternização de homens regada a vinho. 2. FILEBO: O diálogo trata do Bem (ética) e da vida de virtudes. Há uma conexão metafísica estabelecida por Platão entre a ética e a harmonia do cosmos. De outro modo nós temos: 1. ALCIBÍADES: Trata-se do conhecimento de nós mesmos. me smos. Os próximos diálogos abordam dos cinco níveis de virtude: 2. SOFISTA: Virtude Natural. 3. CRÁTILO e TEETETO: Virtude Ética. 4. GÓRGIAS: Virtude Social. 5. FÉDON: Virtude de Purificação. 6. O BANQUETE e FEDRO: Teoria da Virtude. E em dois outros diálogos encontramos: 7. TIMEU: Física e metafísica cosmogônica. 8. PARMÊNIDES: Teologia. Jâmblico fez extensivos comentários sobre esses diálogos de Platão, mas infelizmente apenas alguns poucos extratos sobreviveram até os dias de hoje. Nota-se que A REPÚBLICA e o LEIS não se encontram no currículo acima. Isso
porque o conteúdo de A REPÚBLICA é pitagórico e, portanto, é abordado na primeira etapa do currículo, os Mistérios Menores. Havia uma terceira etapa de estudo que incluía um aprofundamento em teologia e teurgia, sendo eles: P ERI THEON ou SOBRE OS DEUSES, TEOLOGIA PLATÔNICA e uma sistematização da teurgia dos O RÁCULOS CALDEUS. Mas infelizmente este material não sobreviveu até os dias de hoje. O Colegiado da Luz Hermética é Hermética é uma academia neoplatônica de iniciação cuja prática fundamental é a teurgia como proposta pela escola de Jâmblico. É impossível praticar a mística e o ritual teúrgico neoplatônico sem ter um fundamento no cânone platônico, constituído constituído pelos diálogos de Platão. Nas Lições que compõem o estudo e prática do Probacionista dos Mistérios nós nos debruçamos sobre alguns importantes autores neoplatônicos. Estes, por outro lado, se debruçam amplamente sobre os diálogos de Platão, o que nos dá a oportunidade de contextualizá-lo dentro do neoplatonismo e suas distintas interpretações, pagã e cristã. Esse estudo irá capacitar os Probacionistas a se aprofundarem em si mesmos como seres humanos, Almas encarnadas e o mundo sensível que os cerca. Isso construirá também uma ponte entre a filosofia e a teologia para que possamos ter uma base sólida s ólida na execução da teurgia. Em nossas Lições sobre a filosofia em Jâmblico, iniciaremos com os temas fundamentais que envolvem as virtudes e a ideia de virtude da ética, ética, que forma a base da doutrina platônica. Após discutimos as virtudes, nos debruçaremos sobre a natureza do mal, que para os platonistas se trata mais de uma discussão filosófica do que teológica, mas não deixa de abranger o campo da teologia. Jâmblico quase não aborda a natureza do mal em seus escritos, por conta disso, iremos buscar em Proclo e Pseudo Dionísio a base deste estudo. Finalmente iremos encerrar essa etapa preliminar de estudos filosóficos com a ética, examinando a teoria neoplatônica de política. Para os neoplatônicos, o político é necessariamente um homem virtuoso, capaz de elevar sua Alma através da teurgia ao prístino plano das virtudes, alimentadose com seus códigos de luz. Ao elevar sua Alma ao a o plano das virtudes, o teurgo comemora núpcias com a Deusa Sofia (sabedoria), a mais nobre e exaltada das virtudes, tornando-se apto a ser um homem da política. Nessa etapa levaremos em consideração os comentários de Jâmblico sobre o L EIS e A REPÚBLICA de Platão. Não deixaremos de abordar a natureza da estética e do amor nos escritos de Jâmblico, mas também buscaremos em Marsilio Ficino um aprofundamento necessário, sobre o qual ele tão bem discorre. A filosofia não é algo que se lê, mas trata-se de uma prática de vida. Para facilitar a execução da filosofia na vida, cada lição é acompanhada de um exercício espiritual, evitando que o estudo se degenere em sofisma e para que ele forme a base para a teologia e teurgia. Sem a purificação de uma vida filosófica, a execução da teurgia torna-se ineficiente, problemática e até perigosa. Mas através de uma vida filosófica, a teurgia leva o teurgo a uma vida divina na Obra de Deus (teurgia). Deus (teurgia).
Mas filosofia não é apenas um estilo de vida. No F ÉDON aprendemos que se trata de uma preparação para morte. Apenas na morte um filósofo está com seus ancestrais, professores, deuses, heróis ou Deus. Nesse diálogo de Platão nos é ensinado que na morte um não-iniciado, um não-filósofo, não-filósofo, não conquista essa união derradeira, mas uma dissolução infantil que apenas o leva a mais uma encarnação. Por conta da sujeira que encobre sua Alma como uma carapaça, ele não recebe os códigos de luz do Bem, do Altíssimo, mantendo-se atado a uma força centrífuga daimônica que daimônica que lhe impede de elevar-se ao plano das virtudes. O filósofo, por outro lado, através de uma vida de filosofia se purifica e eleva sua Alma, permanecendo uma testemunha do reino do Altíssimo Bem. Quando a Alma encarna, por maiores que sejam suas conquistas nas alturas dos planos superiores das ideias, ela permanece na matéria. A morte libera a Alma de seu cativeiro e nesse momento derradeiro ela está livre para ser o que é, uma completa parte completa parte do todo cósmico.
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Sobre o Autor: Fernando Autor: Fernando Liguori é hermetista praticante e escritor interessado em Neoplatonismo, Tradição Salomônica, Magia na Antiguidade, Filosofia, Filosofia, Yoga, Tantra, Āyurveda, Āyurveda, Xamanismo e Cabala Crioula. É líder e fundador do Colegiado da Luz Hermética, Hermética, uma Escola Neoplatônica de Iniciação que inclui uma Igreja de Ciências Herméticas (Ecclesiae (Ecclesiae Lvx Hermeticae) meticae) e a Ordem das Irmãs de Seshat , cujo trabalho é apresentar os Arcanos de Mistério da Tradição Esotérica Ocidental sob uma perspectiva feminina e para mulheres apenas. Nós celebramos os Mistérios & Arcanos da Iniciação através do conhecimento inspirado transmitido por Pitágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles, Plotino, Jâmblico, Dionísio, o Areopagita e Marsílio Ficino. Somos uma comunidade teúrgica ecumênica fundada na cidade de Juiz de Fora (MG). Nós nos esforçamos para nos engajar na veneração do divino e alcançar o autoconhecimento celestial.
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