• a comunlcacao dogrotesco
Muniz Sodre Como pensara cultura de massa brasi leira it luzda modern a Teoria da Comunica,ao? Na primeira partedeA Comunica,ao do Grotesco 0 autor procura indicar as motiva,Oes politicas e mitol6gicas dessa cultura. As conclusOes, afirma ele, nao sao definit ivas epodem mesmo converter-seem hip6teses para novas pesquisas . Na segunda parte analisa as revistas e a televisao . A escolha seprendeao fato detais velculos implicarem num con sumo passive, estando por isso mais diretamente ligados ao lazer e it disponibi lidade de tempos mortos na vida do homem con temporaneo ; fornecem , poroutro lado , uma ideia mais precisa da for,a de evasao episodica no interior da cuitura de massa. livro mostra, igualmente, como uma engrenagem industrial pode utilizar velhos mecanismos da consciencia coletiva para combi nar, sob a egide do consu mo, culturas dediversas forma,Oes sociais coexisten tes. E aponta, por fim, a mais grave de suas coseqOencias: a destrui,ao dos val<;>res da cuitu ra rustico -plebeia nacional. autor nasceu em Sao Gon,a lo dos Campos (Bahia). Bacharel em Cianci as Jurldicas .e Sociais pela Universidade Federal da Bahia (1964); cursou Sociologia da Info rma,ao eda Comunica,ao - nlvel de mestrado - na Sorbonne(Fran,a). Exerce 0 mag isterio em varias universidades brasileiras . Jornalista profissional, e redatorde variosjornais e revistas. Publicou varias obras , entre elas a Monop6lioda Fala (Vo zes).
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ISBN 85 . 326.0794- 2
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A Comunicar;ao do Grotesco
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A COMUNICACAO DO GROTESCO a cultura
Cole~ao
VOZES DO MUNDO MODERNO/4 Orie nta~ao
editorial:
I ntrodUfao
de massa brasileira
Muniz Sodri
MARIO PONTES
12' Edi~o
,
1
I
Petr6polis 1992
Pre/acio
No BRASIL, OS AUTORES DE TRABALHOS SOBRE COMUNICAGAO au cultura de massa lembram bastante Bouvard e Pecuchet, personagens de Flaubert, muito apegados as
teorias dos rnanuais e
a
pOlleD
aos fatas. E no que toea
cultura de massa nacional, quase nada se diz. Isto
se deve, em parte, ao velho hAbito de transplante cultural por parte das elites intelectuais nativas e a es-
cassa tradicao de reflexao sobre a "ossa realidade. Em parte, tamhem, a pr6pria confusao em torna da Teoria da Comunicacao e todas as suas ramificacoes. Althusser observa que urna ci@ncia em nascimento "cor-
re
0
risco de pOr a serviCD de
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procedimentos '
habituais a ideologia em que se banha". A Teoria da
Cort:lunicacao naD pocteria fugir a esse perigo. Nos Estados Unidos, situada no campo das chamadas ci~n cias humanas, ela ainda se acha parcial mente bloqueada pela ideologia empirista que domina 0 panorama cientifico americano. Ali, onde e mais desenvolvido 0 estudo dos veiculos de massa e do comportamento do publico, a pretensa ciencia da comunicacao e urna colcha de relalhos, conslitufda por milhares de pesquisas patrocinadas por empresas de publicidade, fundacoes, universidades ou 6rgaos governamentais. Dessa forma, os americanos ainda nao puderam dominar esse monstro epistemol6gico que e a Teoria da ComunicaC;ao, embora se valham de outras discipJinas jll conslituidas (Antropologia, Sociologia, elc.) para erigir as suas linhas de pesquisa. Ora, sem a instauracao do processo te6rico necessaria it sua canstituic;ao definitiva como ci~ncia, a comunicacao corre 0 risco de converter-se numa tecnica de recursos gigantescos destinada a promoc;ao e it perpetuacao dos ob-
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jetos e simbolos da sociedade de consumo ocidental. Vma ci~ncia nao progride sem uma ideia precisa de sua natureza e de sells meios de desenvolvimento, 0 que s6 pode ser conseguido por arduo esforco te6rico. Enos Estados Vnidos, com relacao aos mass-media, tern havido rna is uma prdtica industrial do que uma pratica te6rica, indispensavel it prodUf;ao dos conceitos cienUticos adequados. Por sua vez, 0 panorama cienUtico europeu - notadamente 0 caso frances - caracteriza-se pelo contra rio : rnuitas teorias, em bases linglifstico-socioJ6gicas, e poucas pesquisas, que supoem sempre grandes recursos de financiamento. Como pensar a cultura de rnassa brasileira it luz da rnoderna Teoria da Cornunicac;ao? Reconheternos as dificuldades. Para comec;ar carecemos de pesquisa e de teoria pr6prias. Mas carecernos tam bern de urna certa coragern necessaria para esquecerrnos das compJicacoes te6ricas. desnecessarias. As vezes, e preciso retomar a ideia nietzscheana de "ruminar" ideias ao ioves de persistir numa exegese que conduz invariavelrnente a impasses. Este. trabalho nao ultrapassa, assirn, 0 quadro de urn ensalO. 0 termo e usado aqui em seu sentido radical, de tentativa, mas tambern de forma literaria caracterizada pela brevi dade . e pela interpretacao pessoal. Nossa intenc;ao e, ademais, didatica. Levarnos em considerac;ao 0 oosso contexto de pais em desenvolvimen10. E lambem a falo de que a Iransforma,ao das estruturas ec
dicotomia entre a poUtica e as comunicac;oes nao existe com relac;ao it construcao de uma estrutura politica; o processo mesmo de comunicacoes e coincidente com o processo politico. 0 desenvolvimento da estrutura das comunicac;oes, a criac;ao de modos de cornunicac;ao mais coerentes e 0 fortalecimento de todas as formas de co~ municacao recfproca 'sao tambem inerentes ao desenvolvimento de uma estrutura politica mais integrada e mais sensfvel". No Brasil, a velha estrutura politica formou· se com urn sistema comunicativo baseado nas relac;oes interpessoais, no prestigio do cabo eleitoral rnais pr6ximo - 0 cidadao de uma sociedade economicamente nao~expansiva tende a contiar apenas na palavra verbal direta dos que integram 0 mesmo ambiente. Hoje, porem, quando sao evidentes 0 abalo dos sistemas tradicionais de poiftica e de comunicacao e 0 progresso dos media eletrOnicos, a cultura nacional permanece presa a padroes imobilistas. Sabemos que, enquanto a ci~ncia avanc;a, as representac;oes coletivas permanecem seculos atrasadas. E' dentro de uma perspectiva de alienac;ao e de crise que enxergamos a cultura de massa brasileira. Na primeira parte deste trabalho, procuramos indicar as suas motivac;oes poHticas e mitol6gicas. As concJusoes nao sao definitivas: podem converter-se em hip6tese de novas pesquisas. Na segunda parte, analisamos as revistas e a televisao. A escolha se prende ao fato de considerarmos que esses veiculos implicam num consumo passivo, estando p~r isso mais diretamente ligados ao lazer e it disponibilidade de tempos mortos na vida do homem contemporAneo. Fornecem uma ideia mais precisa da forc;a da evasao epis6dica no interior da cultura de massa. E nao deixam duvidas de que por tras do racionalis· rna de Apolo (a escrila) e do arrebalamenlp de Dionisio (a imagem) se encontra 0 olho comercial de Hermes. MUNIZ SOORE
Nao resta duvida nenhuma de que 0 processo de desenvolvimento economico tern de coincidir com lima mobilizac;ao ideol6gica de ordem nacional. 0 sistema de comunicacao nacional nao deve exercer influ~ncias contrarias. 0 soci610go Lucian W. Pye observa que "a
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I. Cultura e Cullura de Massa
NAO HA SOCIEDADE, POll MAIS AIlCAICA QUE SEJA,
sem urn sistema de comunica9ao, ou seja, sem urn sistema de circula9ao de informa90es baseado num c6digo comum. A n09ao de comunica9ao, apesar de toda a sua complexidade te6rica, sera submetida aqui a uma simplifica9ao necessaria: Comunica9ao e troca de inforrna90es (estimulos, irnagens, sirnbolos, mensa gens ) possibilitada por urn conjunto de regras explicitas ou irnplicitas, a que chamarernos de Clidigo. Urn exemplo de c6digo de cornunica9ao com regras explicitas fixadas por conven9ao clara e inequivoca - e o C6digo Morse. A lingua tambern e urna especie de c6digo, mas com regras irnplicitas, subentendidas para todos os usuarios, letrados ou analfabetos, nurna comunidade Iingiiistica. Nas ciencias sociais, a cornpreensao dessas regras . perrnite a constru9ao de urn rnodelo te6rico do conjunto, antecipador do real, que recebe 0 nome de estrutura. Entender a estrutura de urn sistema irnplica em decifrar 0 seu c6digo. Mas alern dessa visao geral, metalingiiistica, a estrutura tern urn sentido mais especifico em Antropologia Cultural. E' que todo agrupamento humano s6 se torna possivel mediante uma coerencia intern a - a cultura - que e tambem a 11
sua estrutura. Toda cultura, portanto, e uma estrutura de comunica~ao, que s6 pode ser compreendida pel a decifra~ao de seu c6digo. Mas a estrutura tem duas faces: uma explicita (de sentido s6cio-antropo-etnogrAfico, ou os ditos fenlimenos culturais comuns) e outra implicita (as regras formais de comunica~ao, que compoem 0 c6digo). Fica evidente que 0 conhecimento do c6digo nao esgota a cultura. Alem do mais., os fenlimenos explicitos reagem constantemente em retorno sobre as regras implicitas, chegando as vezes a transformA-las. As sociedades hist6ricas variam os seus sistemas de comunica~ao, mas a Sociologia identifica hoje dois tipos principais: 0 sistema oral e 0 sistema por media (veiculos indiretos ou de comunica~ao de massa). Atraves das respostas a questoes jA paradigmAticas em pesquisa de comunica~ao (quem diz, 0 que, a quem, com que efeitos), percebe-se melhor a diferen,a entre os dois sistemas:
2 Sistema d. media Conal
Publico
1 SI,tema oral
media {com. indireta au difusaoJ
oral (com . direta ou caro-a-coro)
masso (ample, dispersa,
prim6rio (homogeneo)
heterogenea) Fonte
profissionol Ihabilito!;aol
hier6rquica (baseoda
no stotus sociol)
ConteuC:o
descritivo
prescrilivo (boseodo no costume e no trodi!;ool
Este quadro nlio e, evidentemente, rigido, podendo haver a coexist~ncia dos dois sistemas. Nos paises ainda nao desenvolvidos, essa coexist@ncia e bastante comum. Mas se tem como absoluto 0 fato de 12
que a dire~ao da mudan~a se dA sempre no sentido sistema oral -> sistema de media. Esta mudan~a, por sua vez, mantem estreita correla~ao com os novos modos de produ~ao e com uma serie de fenlimenos sobrevindos no conjunto da sociedade: urbaniza~ao, alfabetiza,ao, industrializa~ao e desenvolvimento econlimico-social. Um sistema de comunica~ao pode servir como barlimetro do desenvolvimento econlimico de um pais e como espelho de suas caracteristicas s6cio-politico-culturais. o moderno fenlimeno da cultura de massa s6 se tornou possivel com 0 desenvolvimento do sistema de comunica~ao por media, ou seja, com 0 progresso e a multiplica~ao vertiginosa dos veiculos de mass a - 0 jornal, a revista, 0 filme, 0 disco, 0 rAdio, a televisao. Como causas subjacentes necessArias, mencionam-se os fenlimenos da urbaniza~ao crescente, da forma~ao de publicos de massa e do aumento das necessidades de lazer. Portanto, 0 que se convencionou chamar cultura de massa tem como pressuposto, e como suporte tecnol6gico, a instaura~ao de um sistema moderno de comunica~ao (os mass-media, ou veiculos de massa) ajustado a um quadro social propicio. o problema que tem agitado os scholars gira em torno da exist@ncia da cultura de mass a como uma unidade antropol6gica autlinoma, em oposi~ao a uma silposta cultura elevada ou superior: Nao seria essa proposi~ao (distin~ao) mero preconceito de uma classe detentora da produ~ao da cultura? Para ten tar solucionar a questao, e preciso voltar brevemente Ii no~ao, em geral nebulosa, de cultura. JA deixamos assente: a cultura e uma estrutura biface - c6digo e atualiza~oes (concre~oes). Articula-se ao sistema social e torna possiveis as diferentes trocas entre os homens (bens, mensagens, mulheres) ou entre os homens e a natureza (a transforma~ao e a assimi1a~ao). A cul-
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'! tura e, na verdade, urn sistema mediador - uma especie de circuito que possibilita a circula~ao , a analise e a constru,ao do real Izumano (nao sc pode falar, assim, de uma cultura simplesmente animal). Em Iinhas gerais, como ela funciona? Consideremos 0 processo de fabrica,ao de uma mesa. Atraves da experi@ncia hist6rica do trabalho, 0 marceneiro aprendeu a serrar a madeira e a articular as diversas partes do m6vel. Cada novo conhecimento enriquecia as regras (0 c6digo) de constru,ao da mesa, que por sua vez eram mantidas como pad roes necessarios II etapa seguinte - a fabrica~ao de novas mesas. Se alguem quisesse inovar em materia de mesas, teria de ultrapassar o cMigo ja assente desse m6vel. E' perfeitamente visivel a rela~ao dialetica entre 0 c6digo e a experi@ncia existencial: urn avan,a com a ajuda do outro. A cultura e precisamente a estrutura que possibilita a dialetica c6digo/ exist@ncia (atraves da troca de informa,oes entre os dois niveis), a analise do real e a cria,ao. Mas a cultura s6 ~xiste no tempo e muda, de acordo com as encarna,oes hist6ricas, a sua organiza,ao interna. Em conseqil@ncia, pode existir uma cultura sincretica (onde haja uma unidade religiosa dos conhecimentos, como nas sociedades arcaicas), mas tambem uma cultura heterogenea, de realidades diferentes (social, economica, etc.), como se da historicamente na nossa sociedade. Cada uma. .dessas realidades diversificadas comporta, po{ sua vez, uma subestrutura (ou uma estrutura parcial), com seu c6digo particular e seus fenomenos explicitos especificos, sempre regidos por uma dialetica estruturante. Aquilo a que em geral cham amos de "cultura" tern urn sentido estritamente sociol6gico: Ii 0 saber das artes e das letras (as Humanidades), legado greco-Iatino iricorporado pelo Ocidente. Esta 14
cultura, de raizes aristocraticas, denominada por muitos de superior ou elevada, tomou vullo a partir do seculo XVI. Ap6s a Renascen~a c a Reforma, a intelligentsia (classe dos intelectuais) c a cultura se Iibertaram da rigida ambienta~ao social imposta a vida culta pelo Cristianismo durante a Idade Media e se separaram em demasia da exist@ncia com urn - a cultura era campo particular dos "privilegiados do espirito", dos aristocratas. Dela come~ou a se apropriar, no seculo seguinte, a burguesia ascendente (intelectuais como Spinoza, Hobbes, Descartes, ja provinham dessa c1asse), desejosa de arrebatar os simbolos de status da aristocracia e tam bern ·de marcar a sua posi~ao como c1asse. No seculo XVIII , urn numero maior de burgueses (Diderot, Rousseau, d' Holdach, Voltaire e outros) ascendeu as posi,oes-chaves da cultura. No seculo XIX, a c1asse vitoriosa, senhora absoluta dos meios de produ,ao, passou a patrocinar integral mente a cultura e os intelectuais. Estes se abriam, esporadicamente, para a vida social, mas em geral esta era entendida como a vida da nova c1asse no poder. No seculo XX, a cultura elevada voltou a fechar-se num certo hermetismo e numa posi~ao que exalta a aristocracia do espirito, separando-se - como ap6s a Reforma - da vida comum. Qual 0 c6digo atual des sa cultura? Segundo Edgar Morin, elee estetico-cognitivo: leva ao conhecimento cumulativo do saber humanistico, mas ao mesmo tempo orienta as percep,oes, as condutas, os gostos do iniciado, de acordo com modelos esteticos consagrados. Urn entendido em Picasso, por exemplo, deve nao apenas conhecer a obra do pintor, mas ser tambem capaz de sentir 0 mundo como ele, ou seja, de ressentir 0 seu ata criador. E a cria,ao e tida como apanagio dessa cultura. Caberia II vanguarda, aos genios, no interior da intelligentsia, sentir a ferida mitol6gica
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de Filoctetes (de S6focles) e, ultrapassando 0 cOdigo, criar. 0 que tern cabido II classe detentora dos meios de produ~ao? 0 usa social do c6digo. A classe que fin an cia a intelligentsia - 0 financiamento nao exclui a revolta eventual dos intelectuais contra 0 sistema s6cio-economico de seus mecenas - sente-se tao dona da cultura elevada quanto os seus criadores. De tal modo que 0 arrivismo social implica, sociologicamente, num arrivismo cultural. 0 nouveau riche das finan~as costuma ser tambem 0 novo rico da cultura: freqilenta salas de concertos, possui objetos unicos, coleciona quadros originais, Ie os autores consagrados, assinalando com estes pretensos atos de cultura superior a sua posi~ao social elevada. Aquilo a que se convencionou chamar cultura de massa vem tendo senti do no quadro de uma oposi~ao II cultura superior que e colocada geralmente em termos de refinamento contra vUlgaridade. E.sta oposi~ao e basicamente falsa, porque 0 c6dlgo da cultura de massa (tambem estetico-cognitivo) e ontologicamente 0 mesmo da cultura elevada, apenas adaptado para 0 consumo de todas as classes socia is (urn publico amplo, disperso e heterogeneo). Quando se diversifica _ por classes, sexos, idades, niveis de instru~ao, etc. - 0 publico receptor de uma mensagem, esta deve simplificar-se a urn denominador comum, para ser ;ntendida por todos. 0 c6digo que rege a 'Produ~ao das mensa gens de massa tern de se to mar rna is pobre para aumentar 0 indice de perce~ao por parte dos receptores. E is to implica, com freqilencia, num empobrecimento da mensagem com rela~ao il original (da cultura elevada). Na sociedade moderna, com a passagem do sistema oral de comunica~ao ao sistema por media, os detentores do novo sistema continuaram pertencendo il mesma classe que se apropriara e financiara a cultura humanistica. Essa classe foi buscar 16
na cultura tradicional, com todas as suas injun,oes ideol6gicas, os padroes fundamentais do que iria comunicar pelos novos veiculos. 0 sistema da comunica,ao de massa nao instaurou, portanto, uma cultura estruturalmente diferente da tradicional (0 codigo e 0 mesmo, apenas mais maleavel), porem uma extenstio, mais sintonizada com a existencia do homem medio, da cultura tradicional. Preparada para 0 consumo de massa, essa extenstio participa da sociedade capitalist a por seu carater industrial: e a cultura que se vende, a cultura de mercado. De evolu~ao rapida e planetarizada, ela apresenta caracteristicas transnacionais em varios aspectos. Sao exemplos comuns os modelos (de' felicidade, beleza, bem-estar, etc.) do cinema americano, as bossas da reda~ao publicitaria, os {opyrights das gran des revistas europeias ou american as, importados, adaptados e consumidos por paises de culturas nacionais diversas (fenomeno, alias, marc ante nos paises em desenvolvimento, com conseqilencias dificilmente beneticas) . Na cultura de massa, a parte cognitiva (a informa,ao do tipo jornalistico, por exemplo) e a estetica (os espetaculos, as diversoes destinadas a provocar a evasao onirica do consumidor) costumam situar-se em niveis muito superficiais com rela,ao II cultura elevada - dai 0 menosprezo das elites pelos produtos culturais de massa. No en tanto, a rela,ao estetica entre 0 consumidor e a obra e geralmente rna is viva do que na cultura elevada atual. Isto porque existe maior participa,ao psicoafetiva da parte do espectador - e toda rela,ao estetica e poderosa quando alimentada pela participa,ao. 0 que tern acontecido na cultura de massa e que esta rela~ao e, ao mesmo tempo, intensa e an6dina. Por que? Porque 0 fenomeno e provisorio, e a sua influencia e micromutacionista: milhares de fragmentos culturais
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bombardeiam 0 individuo na sociedade modern a (Abraham Moles fala mesmo de uma cullura mosaiC(!, fragmentada e aleat6ria), sem formar urn corpo sistematico e coerente de conhecimentos, como na cultura tradicional. Mas nao existe nenhum criterio real mente valido que permita estabelecer a priori uma diferen9a intrinseca entre urn produto de cultura elevada e outro de cultura de massa. Historicamente, a cultura de massa e apenas urn momento na evolu9ao da cultura de uma classe, e seus produtos nao tardam a ser recuperados pelo sistema elitist a da cultura superior. Na verdade, ha tambem ultrapasse do c6digo - logo, ato criador - no interior da cultura de massa. Quando is to ocorre, a dita oposi9ao se reduz, em termos objetivos, a urn sopro de voz. Urn born exemplo e 0 cinema, classificado como arte de massa no inicio de sua hist6ria e ·hoje aceito no Olimpo da cultura elevada. Dentro da pr6pria cultura de massa, constituem-se hierarquias e estratifica90es, sempre em fun9ao de urn apice ideal localizado na cultura elevada. Por exemplo, cineastas como Glauber Rocha, Caca Diegues, joaquim Pedro, Nelson Pereira dos Santos, sao em geral colocados a priori num p610 formal mente superior a outro em que estao j. B. Tanko, Adolfo Chadler, etc. Na musica popular, Pixinguinha, Caetano Veloso, joao Gilberto, sao vistos aprioristic.amente como mais pr6ximos da cultura elevada do que Teixeirinha, Adelino Moreira, etc. Pixinguinha, classico da musica popular brasileira ~ .cpstuma ser associado a Bach - com isto 0 sistema gar ante a sua recupera9ao para 0 nivel superior da cultura. E assim por diante. Do ponto de vista antropol6gico, a cultura de massa nao tern unidade nem c6digo autOnomo. Seus produtos nao se podem distinguir antecipadamente de nenhuma obra da cultura elevada. No 18
campo da informa9ao jornallstica, esse fato e bern patente. Por exemplo, 0 jornal Le Monde, que e urn registro em bases uni~ersitarias da Hist6ria cotidiana, e cultura supenor ou de massa? Para seus leitores, a pergunta certamente nao tern grande importAncia. No Brasil, os artigos jornaIlsticos de Paulo Francis, Newton Carlos, Otto Maria Carpeaux ou Carlos Castelo Branco sobre polltica sao geralmente mais valiosos do que as explana90es de certos manuais adotados pel as universidades. No en tanto, a informa9ao jornallstica esta est reitamente associada ao fenomeno da cultura de massa (a evasao epis6dica nao e norma absoluta dessa cultura) e po de mesmo trazer maiores esclarecimentos quanta as suas fun90es. Com efeito, a informa9ao destina-se sempre a grupos sociais enquanto grupos (indiferenciados), com uma inten9 ao comunitaria, generalizadora: urn Iivro de Economia destina-se, em principio, a urn publico homogeneo e restrito - a classe dos especialistas ou dos iniciados em Economia - mas urn programa de teve ou urn artigo de jornal visa a todo e qualquer individuo, indistintamente, na sociedade. A finalidade aparente da inform a 9ao e ordenar (ou reordenar) a experiencia social do cidadao, promovendo 0 seu convivio com setores con tin gentes. A informa9ao tern, assim, uma fun9ao polltica - no sentido de constitui9aO ou forma~ao da Polis. Por esta razao, urn produto da cultura de massa nao pode ser analisado em termos puramente esteticos ou poeticos, mas tambem em fun~ao das inten~oes do sistema comunicador _ definidas pel a Publici dade, pelas ideologias predominantes, pelos interesses das empresas de comunica9ao, etc. Essa intencionalidade condiciona, mais no que da cultura elevada, as rela90es entre oprodutor da obra e 0 consumidor, gerando uma mensagem bast ante especifica. Encarada
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sob esse angulo, a cultura de massa mio deixa de ser politicamente mais democrAtica do que a tradicional. Mas se cullura de massa e cultura superior sao dois aspectos de uma mesma realidade antropo16gica, is to nao significa que a aludida oposi~ao na~ exista. Significa que essa oposi~ao pode ser formal - e nao material (conteudistica). Em L6gica Simb6lica, toda vez que se forma uma classe n? universo de um discurso qualquer, forma-se slmultaneamente a sua nega~ao ou 0 seu complemento (no universo homens, a classe homens bran cos tem como complemento a c1asse h017U!ns nao-brancos). Em Semantica Estrutural, para que um signo tenha significa~ao, e preciso que ~e oponha imedia1amente a um outro signo (ls6hdo/ dA sentido a / liquido/ e vice-versa). A oposi~ao e uma condi~ao da significa~ao . Nas . sociedades hist6ricas conhecidas, a cultura dommante sempre buscou contrapartidas, provavelment7 p~r.a achar um estatuto significativo e melhor Jushhcar a sua superioridade - logo, da classe que controla 0 seu c6digo. Na Europa, ja no seculo XIII, uma musica popular - caracterizada pelo ritmo, pela parte instrumental e pelo uso do vernaculo - , de origem an6nima ou composta por trovadores e menestreis, era colocada em oposi~ao a musica sacra. Mas ao mesmo tempo influenciava os compos ito res austeros da Igreja. Depois do seculo XIV, ja no fim da Idade Media, desenvolveu-se ao lado da cullura das universidades uma cullura popular Iigada a seculariza~ao da vida social. Desde entao, nunca se deixou de nomear uma cullura folc16rica ou popular ou rustico-plebeia ao lado da cullura das elites. A parte popular era eventualmente recuperada por determinados movimentos criadores de elite, COl)1O 0 Romantismo. Essa oposi~ao entre os valores culturais de classes diferentes era sempre formalizada e acentuada 20
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por razoes politicas. Na realidade, a pr6pria ideia de cullura nacional e, em suas origens, essencialmente politica (tao politica quanto 0 conceito de na~ao). Na Europa, esta vinculada ao historicis100 que pretendeu reagir ao racionalismo do seculo XVIII. A romantica exalla~ao do folclore por parte da intelectualidade burguesa no seculo XIX era uma rea~ao a aristocracia internacional. A verdade e que os mitos, as lendas, as dan~as populares, quase nunca sao aut6ctones. Nao deixaram, entretanto, de servir a cullura burguesa emergente como instrumento politico de afirma~ao nacional. Mas sempre como uma "outra cullura", simples e ingenua, basicamente oral, sobre a qual se debru~ava, sonhador e nostalgico, 0 intelectual. A partir do seculo XIX, 0 monop6lio da cultura foi abalado pelas ideias democrAticas e pel a maior abertura da educa~ao . As mass as recem-despertadas para 0 que era antes privilegio das elites tornavam-se excelente mercado para uma industria que ainda engatinhava. No inlcio, foi 0 barateamento do jornal, 0 incremento do folhetim. Depois, com 0 desenvolvimento da tecnologia, chegou-se aos mt!dJa modernos. E a oposi~ao cullura superior/ cullura de massa surgiu, como sempre, para reafirmar e atribuir significa~ao nao exatamente a uma hipotetica "cullura superior", mas a pr6pria concep~ao burguesa de cullura. Por isso, essa oposi~ao tem mais sentido junto aos membros das classes que controlam os melos de produ~ao, as institui~oes oficiais (universidactes, orgaos cllllurais, etc.), aos arrivistas e outros.
FORMAI;AO E ESTRUTURA DA CULTURA DE MASSA BRASILEIRA Ja afirmamos que a cullura de massa tem uma func;ao marcadamente politica e se instaura como 21
uma extensao da cultura Iivresca de elite. Mas 0 que acontece com a cultura oral - base ada na mem6ria, nos ritos coletivos, na poesia popular, no folclore - em face dos media modernos? Em geral, e destruida e incorporada ao novo sistema. No Brasil, este processo ainda pode ser observado com muita riqueza de detalhes. Nao e uma transforma~ao inocente. Ao se transplantarem para os veiculos de massa, os elementos da cultura tradicional passam pelo crivo ideol6gico do sistema, que aproveita apenas as formas (os significantes do mito) mais propicias a inocula~ao da consciencia hist6rica da c1asse dominante. Todo 0 aparato tecnol6gico da comunica~ao brasileira tern sido acionado ate agora por uma politica de manuten~ao de urn sistema de inercias, perfeitamente ajustado ao interesse de for~ar 0 consumo. Num pais de poupan~a deficiente (0 baixo nivel de renda das popula~oes e causa principal), 0 sistema da cultura de massa esta, paradoxalmente, montado para for~ar 0 que os economistas denominam efeito de demonstrariio : hA estimula~ao de necessidades atraves de modelos s6cio-culturais importados e 'adaptados, embora nao haja dinheiro suficiente para paga-Ias. Deste modo, a, poupan~a que, se canalizada para investimentos produtivos, poderia financiar 0 desenvolvimento economico nacional se depaupera. Como a precariedade do equilibrio financeiro e uma das caracteristicas basicas da economia da cultura de massa, os veiCulos - no caso, a televisao e a imprensa - dependem hoje quase inteiramente da Publicidade, que nao e urn mecenas desinteressado. A cultura de massa tern de ser entendida, portanto, no interior de urn sistema complexo, para 0 qual confluem: (a) as mot iva~oe s do consumo orientado segundo os interesses das empresas nacionais e estrangeiras, atraves do financiamento publicitario; (b) os interesses even-
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tuais dos governos; (c) a recupera~ao mitica da cultura oral; (d) a dilui~ao da CUltura elevada, mas tambem 0 processo de cria~ao em termos de cultura de elite; (e) 0 acionamento ~os velhos mecanismos da consciencia coletiva naclOnal, atrayeS dos quais os detentores do .sisteI?a de. comunica~ao projetam a sua forma~ao pSlcol6glca (as suas alucina~oes) de elite, Para entendermos tais mecanismos, temos de levar em conta que 0 Brasil de hoje se movimenta sobre uma calmaria secular. Comparada aos outros paises da America Latina, a Hist6ria do Brasil se caracteriza pelo abrandamento das lutas de classes e pela inexistencia de uma tradi~ao de .Iuta ou dos aspectos cruentos tao freqUentes na hlst6ria dos povos hispanicos, dos asiaticos e mesmo, em certos casos, dos europeus. As insurrei~oes que ensangUentaram a Hist6ria brasileira (Palma res, Cabanagem, Balaiada, Canudos, Farrapos e o~ tras) eram manifesta~oes isoladas de.grupos opnmidos, sem objetivos de transforma~ao estrutural. E com raras exce~oes, os choques entre conserv;dores (oligarquias) e progressistas (liberais) tiveram sempre uma solu~ao de compromisso, de transigencia. 'Esta mesma solu~ao se aplic~va ~os casos de insatisfa~ao das grandes massas mtenoranas analfabetas. Mais do que a for~a das armas, a grande tecnica .de dissuasao. ~ra a palavra: o aliciamento pelo dlscurso conclhador. Esta e uma das raizes hist6ricas do mandarinato do verbo no Brasil. Nesse imenso feudo da Ret6rica, desenvolveu-se 0 culto da personalidade bern do· tad a do individuo dedicado aos jogos do espirito ~m suma, 0 culto do doutor. Os politicos, os b;chareis em Direito e em Medicina capitalizariam os louvores desse culto ap<>iado no analfa· betismo. Isto se dava atraves de urn sistema de comunica~ao oral. Para as gran des massas, a palavra imprensa sempre inexistiu. E a cult~ra e~e vada brasileira, de tradi~ao basicamente hterana,
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sempre se ressentiu da ausencia de publico, devido II grande massa de analfabetos nas popula~5es interioranas, mesmo urbanas, do pals. Nas cidades, os conflitos politicos mais serios ocorriam sempre no nlvel da pequena burguesia urbana (a classe media), classe sem norte politico e sem compromissos fortes com a Hist6ria formada dos meios tradicionais decadentes e das familias de imigrantes - sempre disposta a aceitar 0 jogo conciliat6rio. Depois de 1930, com a acelera~ao das rela~5es capitalistas, entraram em cena outros fatores - atividade sindical, nacionalismo em ascensao, enfraquecimento do coronelismo - capazes de agu~ar os conflitos ou de resolver as contradi~5es socia is. Mas a personalidade hist6rica do pais (os condicionamentos psicossociais das mass·as e das elites) atuava como parte do complexo sistema de freios. 0 compromisso, 0 adiamento, 0 famoso jeitinho eram us os correntes. Os partidos politicos posteriores ao Estado Novo tinham programas ou demag6gico-populistas ou timidamente nacionalistas Oll de indigna~ao moral. No BraSil, porem, a pobreza nao provocou junto as massas efeitos permanentes de desanimo ou abatimento, em compara~ao, por exemplo, com a resigna~ao fatalista dos miseraveis fellahs eglpcios da epoca de Farouk. As popula~5es brasileiras, sobretudo as urban as, sempre se caracterizaram por urn certo otimismo (este sentimento coletivo chegou mesmo a inspirar todo urn programa de Governo, como 0 do sr. Juscelino Kubitschek). E o ufanismo, a exalta~ao irrestrita das virtudes e das potencialidades nacionais - que teve no Conde Afonso Celso 0 seu coordenador - e a 6xacerba~ao desse sentimento. A decada de 30 nao consolidou apenas a derrocad a da Velha Republica brasileira , mas tambem 24
o nascimento da cultura de massa no Brasil. 0 radio ja era mania nacional, Assis Cha.teaubriand criava 0 seu imperiO jornalistico, crescI am 0 proletariado e as dasses medias urbanas (formando o publico de massa), sur~ia~ os p.rimeiros grandes projetos de autonomla mdustrlal do pais: 0 publico das gran des cidades ja nao era tao bl~o lado tao controlado de perto quanta 0 dos melDs rurals, mas tambem nao era radicalmente diferenteo Seria de esperar, por exemplo, que urn nordestino que migrasse para 0 Rio nos anos quarenta encontrasse, fora das estruturas espontaneas de comunica~ao da cidadezinha do interior, mensagens verdadeiramente novas. Realmente, ~ conversa entre vizinhos, 0 cochicho do cabo eleltoral, as brigas entre fazendeiros, tinham sido substituldos pelo noticiario jornalistico, pel.a propaganda, pelos espetaculos dos duelos verbals moral-r~for mistas. Em franca disponibilidade moral e mtelectual, conseqUente ao seu desenraizam:nto comunitario, esse nordestino estaria teorlcamente preparado para receber as mensagens .que .Ihe inculcariam uma consciencia nova, naclOnahsta e desenvolvimentista. Por que is to nao ocorreu? Porque a ideologia do consumo suntuario, que ja come~ava a marcar a incipiente cultura de massa nacional, se opunha visceral mente a ideologia da produ~ao para 0 desenvolvimento com todos os seus valores necessarios: poupan~a, participa~ao nacio~a.1 in~egral no processo de industrializa<;ao, modlftca~ao do slatu quo imobilista. Na vcrdade, 0 processo de desenvolvimento brasileiro - adaptado ao modelo clilssico latino-americano de exporta~ao restrita a poucos produtos primarios e importa<;ao diversificada em fun<;ao do crescimento de uma parte da demand a interna - nunca se fez acompanhar de transforma<;5es econ5micas em profundidade. 0 modelo exportador adotado nao exigiu 2li
das classes dirigentes uma mudan9a radical em seu comportamento hist6rico. Algumas das conseqiiencias foram a indecisao e a ineficU!ncia dos comandos nacionais (politicos e econOmicos), assim como a continua9ao da imobilidade e 0 conformismo das popul'a90es. A nossa cultura de massa - estreitamente dependente dos grupos econOmicos e dos interesses industriaJs - nao deixaria de refletir as caracteristicas nacionais de pouca plasticidade das estl'uturas e da politica de consumo desenfre'ado. Depois de 1940, a industrializa9ao brasileira diversificou enormemente 0 sistema industrial, levando 0 pais a reduzir a urn minimo as importa90es dos bens de consumo. Como, por~m, essa industrializa9ao se fez sem a aludida participa9ao integral da na9ao (excluindo 0 excedente estrutural de mao-de-obra composto pelas popula~oes interioranas e pel as baixas camad as sociais, mas beneficiando as classes mectias e as rna is elevadas), apenas urn pequeno segmento da popula9ao - cerca de cinco por cento do total - pOde ingressar na chamada era do consumo. Este segmento privilegiado, que hoje se concentra em sua maior parte no Rio e em Sao Paulo, passou a importar os padroes d'a cultura de massa dos paises de economia desenvolvida, consumindo-os e retransmitindo-os para 0 resto da popula9ao. Esta, na verdade, nao tern status econOmico para assumir as compulsoes da moderna sociedade de consumo, mas e lev ada, a pensar que tern pelo sistema da cultura de massa brasileira. A Publicidade estA prepar ada para fazer vender a todo custo, e a institui9ao do crectito dA ao consumidor pobre a ilusao da propriedade do objeto, mantendo-o definitivamente preso em suas redes. Voltados para 0 lazer, ideal mftico do consumo, num pais que ainda aspira ao pleno emprego industrial, os veiculos de massa brasileiros desenvolvem, na
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malOna, uma trajet6ria cultural alien ante e imobilista. Exager adame nte comercializados (especialmente a televisao e 0 ractio) , os vefculos de massa recorreram As mensagens da velha consciencia coletiva brasileir.a para levar a cabo a sua tarefa de estimula9ao do consumo. Mas 0 que seria exatamente a consciencia coletiva nacional? Ou, melhor ainda, 0 que e consciencia ou c·arAter coletivo? Podemos adiant ar uma n09ao provis6ria: e 0 conjunto dos patterns (padroes, modelos) de comportamento, capaz de estabelecer as distin90es entre indivfduos e classes, epocas e regioes diferentes. A Hist6ria de cada na9ao impoe ao 'homem valores particulares, que vao constituir esses pad roes, assimilados e reconfirmados pel as consciendas, atrav~s de representa90es subjetivas e coletivas. Mas a consciencia nao se exaure nas representa90es, constituindo tam bern projetos e estimulos a a9ao concreta. E assim, num processo de desenvolvimento nacional, a consciencia coletiva torna-se urn dos agentes capazes de engendrar modifica90es estruturais. Essa consciencia coletiva ou 0 que David Riesman chama de carater social - definido como "estrutura, mais ou menos condicionada pel os fatores sociais e hist6ricos, dos impulsos e das satisfa90es do individuo, 0 tipo de atlfude com a qual 0 homem se ,a presen ta diante do mundo e de seus semelhantes - varia, segundo 0 mesmo autor, de acordo com tres tipos de sociedades: 1) Sociedade de directed) -
determlna~iio
tradlclonal (tradition·
em que as individuos sao orientados prin-
cipalmente pela tradi~ao . Historicamente, este tipo de sociedade e pre-capitalista e coincide com os sistemas de coml1nica~ao direta (anterior a tipografia e a reprodutibilidade dos veiculos), ern que prevalecia 0 la~o fisico no entendimento interindividuaJ, consubstanciado
no gesto e
'fi3
'Palavra. 0 contrale social tern bases
familiares au c1Anicas. A
tradi~ao,
transmitida oralmente
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°
pelos rna is velhos, e rneio de que dispoe urna gera~ao para legar a seguinte os valores culturais do grupo. Urna tribo africana, urna aldeia Jatino~a-rnericana, urna vila de pescadores no interior brasileiro, urna cidadezi~ nha nordestina, sao alguns das dezenas tie exernplos contemporaneos possiveis de sociedades de deterrnina~ao tradiciqnat. Nurna sociedade deste tipo, e dificil para o indiv!duo quebrar 0 circulo de ferro da tradi~ao: 0 filho herda do pai a profissao e os val ores ideol6gicos.
2) Sociedade introdeterminada (inner· directed) - His· toricamente e posterior a Renascen~a e A Reforma, coincidindo com 0 advento da comunicacao indireta (a era do livra) e da mentalidade capitalista. 0 cen~ tro orientador desloca~se dos grupos elementares de parentesco para a pr6pria consci~ncia individual. 0 homem introdeterminado e aquele voltado para a produCio, capaz de entrar em conflito com os valores familia res para ter uma vida pessoal brilhante e capaz de sacrificar 0 conforto imediato em favor da pou~ panca e da acumulacao. A ctica do introdeterminado e a mesma descrita por Max Weber como necessAria a formacao do espirito capitalista. Nesse tipo de socie~ dade, 0 Hvro, capaz de conservar 0 acervo cultural do grupo, rouba A tradicao oral a sua funCao. No mundo de hoje, a maioria das classes medias dos palses em desenvolvimento, 0 operariado, os subempregados, se alimentam de valores introdeterminados. 3) Sociedade extrodeterminada (other·directed) _ E' a sociedade da Segunda Revolu~ao Industrial a da comu~ nicaCao de massa. 0 extrodeterminado s~ orienta por sellS contemporaneos, sejam amigos pessoais ou an6nimos (atraves dos veiculos de massa), reagindo mai~ em funCao de grupos sociais amplos do que em fllnCan da familia Oll de objetivos pessoais interiorizados. E' este 0 homem das novas classes medias nas grandes sociedades de massa - Nova Jorque, Paris, Sao Paulo, etc. - onde as valores da producao jA foram au estao sendo rapidamente substitufdos pelos do consumo. Para emergir Ita Hist6ria Ocidental, este tipo de sociedade teve de seT precedido pelos fen6menos da industriati~ zacao capitalista, da urbanizacao vertiginosa, do aumento do poder aquisitivo das populacoes urbanas e da multiplicaCao dos tempos mortos na exist~ncia indi~ vidual (0 fim de semana com seus ritos de descanso e lazer, a regulamentacao e a diminuicao das horas de
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rt'
trabalho). A extrodetermina~ao nlio implica na .limina· Cao do individualismo no h.ome~. con~em~oraneo .. 0 extrodeterrninado continua a mtenoTlzar IdealS de vida, mas estes passam antes pelo crivo dos vefculos. de massa e dos grupos profissionais ou de vizinhan~a. A individualidade exacerbada dos introdeterminados (exem~ plos literArios: 0 person. gem Julien Sorel, de Stendh. l; o Amancio, de Aluisio de Azevedo, em Casa de Pen· sao) dA lugar aos projetos individuais maneiros e calculados dos extrodeterminados (0 persona gem Beto Rockefeller, d. telenovel. de BrAulio Pedroso ).
E' claro que esta classifica~ao de sociedade, baseada na mentalidade e no comportamento geral de seus membros, peca por idealismo (nao se assenta nas rela~oes de produ~ao, mas principalmente na curva de crescimento demogrAfico de cad a grupo social em questao) e por imprecisao: a descri~ao dos tipos se ressente de exemplos cstatisticamente definidos. Alem disso, e dificil conceber urn individuo de carater determinado exclusivamente por urn desses tipos id·eais de sociedade. Os tres tipos ·podem coexistir num grupo social ou mesmo num s6 individuo. No Brasil de hoje, 0 homem interiorano pode ~r tradicionalista, introdeterminado e extrodetermlnado ao mesmo tempo, porque as mensagens da moderna sociedade de consumo Ihe chegam em f1uxo constante atraves do radio-transistor ou da televisao. Do mesmo modo, nas gran des cidades, as classes de baixo poder aquisitivo sentem-se impelidas a agir como as classes abasta das, rna is caracterizadamente extrodeterminadas. Mas a classifica~ao de Riesman pode ser utilissirna como hip6tese de pesquisa, na medida em que a sua tipologia sociol6gica seja consider ada, antes de tudo, como tendencial. Ai entao se vera que os extrodeterminados realmente tendem a assumir uma outra das atitudes descritas, embora possam desviar-se em certos momentos da caracteriza~ao. Os hippies norte-americanos, por exemplo, sao u.m caso patente de extrodetermi-
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na9ao, embora em situa9ao contestataria. Os valores desses jovens (renega9ao da sociedade de consumo, de higiene, do vestuario, da moral vigente, etc.) tern eficacia contestataria porque atingem va lores carissimos it ideologia da classemMi'a norte-americana. Eles sao simbolos negativos da plenitude - enquanto os hippies nos paises subdesenvolvidos podem afixar, no maximo, indices de uma carencia (a· ausencia de bemestar comum). Mas, mesmo como contestadores, os hippies existem dentro de lim dos tra90S definidores da moderna sociedade de consumo, que e' a extrodetermina9ao. Em outros termos, o hippie nao e a expressao de uma individualidade exaltada, decidida a enfrentar sozinha a sociedade que contesta, m'as uma expressao grupal. Ele s6 existe no interior de seu grupo que nao e 0 da familia , nem mesmo as vezes de amigos ou conhecidos - cuJos valores aceita e afixa. Ha no hippie uma vontade de realiza9ao pessoal, mas diferente do homem introdeterminado. Agora a enfase recai sobre uma especie de realiza9ao introspectiva, de autoconhecimento, desligada dos val ores materiais, de certo modo mais pr6xima da cultura hedonistica (helenistica) do Terceiro Seculo Grego - que se caracterizou pelo misticismo, pelo desprestigio da razao, pela busca do orientalisl1)o - do que da civiliza9ao tecnol6gica do seculo XX. A extrodetermina9a{) brasileiraainda atravessa a sua pre-hist6ria •. Os veiculos de massa, cuja • No en tanio, tern Impo rtAn cia 0 reconbeclmento dessa nOl;lo a 11m de se enquad rarem corretam ente d ~te rmlnado s problemas: Exemplo: Recentemente, 0 Ministerlo da Educa~!o condenou
da
em oficlo A Comlssl0 de Educa~!o da CAmara e em nome "hlgiene, da moral e da pedagogla" , 0 pfojelo que lorn ava obrlatOria a educa~lo sexual nas estolas prim arias e secundAtlas lornal do Brasil de 20/11/70). Urn dos argumentos pa ra a con-
f
denalOAo do pfojelo era de que "56 os pals devem Inlela r os adOleScentes nos mlsthlos da vida. S6 0 Jar reune condl ~o es pSIcol6glcas e mora is para essa educ8f;lo sadla e eflclente em materia tlo dellcada". Segundo outro arg umento, "0 assunto s6 deverA se r tratado Individual mente, nunca em g rupo. E s6 deve s er abordado por pessoa que tenha saudAvel f nflu ~ncla moral sob re 0 lns trumento, com o 0 pal, arnIe, determlna dos mestres,
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a9ao e imprescindivel na difusao dos valores extrodeterminados, operam como modelos trans plantados da cultura de massa estrangeira (os anuncios publicitarios, as f6rmulas jornalisticas, as programa90es de teve, etc.) ou com val ores nacionais ultrapassados, em geral sobrevivencias da velha cultura brasileira, apoiadas em velhos mecanismos psicossociais. Examinaremos alguns deles, sem inten~ao exaustiva: I) 0 espirito de
concilla~Ao,
que .comodo ou obsta
as defini~oes por demais extremadas ou radicais. Dele decorreria nao s6 uma certa lentidao nas reacoes politicas, mas tambem a indecisao quanto a atitudes existenciais importantes. A linguagem conciliat6ria apeJa com freqU ~ ncia para os valores do bom-senso, que compoe uma especie de doutrina pequeno-burguesa da realidade. Para os cultores do born-sen so, as organizacoes sociais tern uma ordem natural, que seria 0 reflexo mais ou menos perfeito do comportamento e das tendencias de seus membros. Exemplo: vamos admitir que, segundo a tradicional classif icaCao dos tipos humanos brasileiros, 0 carioca seja considerado sempre aJe gre e bem-humorado. Suponhamos que haja protesto violento de urn grupo social qualquer contra uma situacao que afete coletivamente 0 grupo. Os apelos ao bom-senso deverao conter mensagens de (a) retorno ao bomhumor, suposto substrato psicossociai do grupo e (b) resolucao espontdnea da situacao geradora do conflito. o bom-senso e, na realidade, urna das manifestacoes da ideologia da Ordem estabelecida. De maneira gera l, os profissionais da informacao, os jornalistas, os homens muito afeitos as "ideias gerais", por dificuldade te6rica de sistematizacao de seus conhecimentos, term inam aderindo it doutrina do bom-senso. Acabam confundindo a regra da simplicidade nas formulas da cultura de massa com toda e qualquer realidade. Dai urna certa ojeriza, nesses sistemas, as elaboracoes te6ricas que nao tenharn urna expressao positivista. 0 tom do o medico quando amigo Intimo, parentes pr6ximos rnais velhos". Ora 0 adolescente das grandes cldades brasllelras nlo pode esqulvar-se a orienta~lo de g rupos extrafarnlllares e dos velculos de massa , que colo cam constantemente questoes de ordern sexual. o jovem s 6 poderA anailsar corretamente 0 fenOmeno sexual se dlspuse r de Informa~lS es slstematlcas de base ou sela, de urna educalOlo sexual escola r. 0 parecer ollclal valeu-se de normas da socledade de determln alOlo tradlClonal para regular sltualOOes de uma socltdade que comelOa a se extrodeter mlnar .
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c
bom-senso muitu freqtiente nos editoriais, nas opiniOes pessoais dos jornalistas muito experientes, em certos personagens de novel as, filmes, etc. 2) 0 otimismo generatizado, que ja deu frutos pOllderaveis no nivel do desenvolvimento empresarial. Mas a sua exacerbal;8.0 - 0 ufanismo - pode tornar-se contraprodllcente do ponto de vista do real progresso economico nacional, quando e posto a servic;o das ideologias do elltorpecimento politico e do consumo de bens suntuarios . . 0 ufanismo decorre de lima distorl;ao da consciencia no processo de percepl;ao da realidade, em que deixam de existir limites entre 0 Brasil real e 0 Brasil possive!. 0 discllrso ufanista caracteriza-se pela adjetival;ao apologetica, sempre exaltativa do possivel, apresentado como urn aposto indiscutivel do real. A 16gica ufanista se expressa mais ou menos da maneira seguinte: « 0 Brasil e imenso, pleno de riquezas minerais e natllrais, sellS habitantes SaO alegres e inteligentes, logo e urn pais que sera inevitavelmente rico e feliz no futuro». Desta forma, a riqueza potencial passa a ser aeeita como atual; a felicidade vindoura se sobrep6e imaginariamente as dificuldades presentes i a inteligencia exaltada faz esquecer a educal;aO ainda precaria e passadista; a plena industrializal;ao futura se ante poe aos percall;os da marcha para 0 progresso industrial e para. a eliminac;ao do subemprego. Este futuro suposto, conhdo num presente imaginario, e otimo instrumento para urn sistema que lida jl1stamente com 0 imaginario do homem contemporaneo, procurando eleva-Io a urn estado ideal onde nao existam as asperezas do mundo eotidiano. E a cultura de massa brasileira nao pOllpa os seus usos do ufanismo: a simples indicac;ao fotografica de uma cachoeira - em geral, conotada como sOberba, majestosa, incomparavel - ja e significada como indice de extraordinaria capacidade hidreletrica. A constrUl,;ao de uma barragem numa regiao pobre em fotos coloridas ou em imagens de televisao, transc~nde a slla significac;ao hidreletrica e vai converter-se imaginariamente, na redenl;ao economico-sociaJ de to~los os habitantes da regiao. 3~
~. persona1ism~ exagerado, que antropomorfiza a }-lIstona, encarando-a como expressao de individualidades ex~epcionai!': ataca-!'e, por exemplo, 0 admini!'tra~or, nao 0 problema de administrac;:ao. 0 elemento naclonal •d~ lima. enfase exc~ssiva as relac;:ues pessoais, ao preshglo socIal e ao bnlho intelectual. Estes eram valores cultuados pela aristocracia rural que, durante
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muito tempo, comandou a vida politica e econ6mica do pais, e pela cJasse media urbana ...tradicional. 0 prestigio do doutor, a forc;a da expressao / Sabe co~ quem esta falando? / ainda nao desapareceram como IIlflu~n das. Mas e forl;oso notar que, devido a forc;a da coII1unicac;:ao de massa nos grandes centros urbanos, a influ~nda deslocou-se bastante dos grupos politicos ou administrativos para 0 dos artistas ou personalidades do mundo dos espetaculos. Isto se acentuou depois de 1964 e coincidiu com 0 inicio da era dos festivais da canc;ao, do aumento do prestigio da musica popular brasileira e seus autores junto as massas, bern como do sucesso fantastico das telenovelas.
4) 0 gosto pelo verb.Usmo, que dec~rre hi~toricame~te da erudic;ao estcril e de uma educal;ao ehtlsta, desvmculada da vida pratica e voltada para os jogos do espirito importados das metropoles cultura.is euro~eias. A velha ret6rica ainda e cultuada nos melDs dommantes da cu!tura brasileira. E as massas analfabetas ou semiletradas continuam a se deixar fascinar pelo verbalismo beletrista, sobretudo quando as mensa gens t~m como referentes os tern as da indignac;:ao moral ou da reforma dos costumes. 0 discurso empolado e pedante impera ainda na televisao, especialmente na voz dos apresentadores, loc utores e animadores. 5) A transigencia nas reta~oes raciais, que da carAter pacifico e conciliador as quest6es de ral;3 no Brasil. A campanha abolicionista, principalmente depois de centralizada na famosa Confederac;:ao Abolicionista, atingiu a consciencia coletiva e obteve participac;ao popular. Nao ha, assim, uma tradil;ao brasileira de difusao de valores racistas: os textos da educac;ao nacional, ern escolas publicas ou privadas, cont~m geralmente as ensinamentos de liberais abolicionistas como Joaquim Nabuco, Rui Barbosa Raul Pompeia, Luis Gama, Silva Jardim, Andre Rebo~l;as e tantos outros. Nao ha racismo no nivel da massa, no Brasil. Em termos sociol6gicos, a Abolic;ao orientou-se no sentido de uma ideologia de transigencia e ajustamento do negro e do mula:o, tao bern caracterizada no fenomeno do embranqueclmento: o negro lorna-se bran co (e valorizado como branco) quando conquista economicamente e social mente urn lugar no universo control ado pelos bran cos. Dessa ideologia decorre 0 mito da democracia racial, que contesta a predominancia de uma rac;a sobre outra, mas ao mesmo tempo a reconhece, quando da ao negro a po~ sibilidade de se tornar branco. Na verdade, no Brasil,
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rna is do que em qualquer outr~ pais do mundo, fica
bern claro que as classificacoes raciais (branco, negro, mutato. etc.) sao criterios da identificacao dos indivlduos em funcao de sua participacao no sistema de producao: ~rata-se de determinar se, historicamente, perw ten cern a classe compradora ou vendedora de trabalho. A campanha abolicionista foi uma forca poderosa na atenuacao e na conciliacao das manifestacoes discriminat6rias. Existe desigualdade racial no Brasil _ porque ainda nao se alteraram as relacoes de prodU(;a o tradicionais - mas 0 preconceito de cor e velado tern medo de se manifestar publicamente. Na televisao. ' as novelas e os program as de variedades refJetem bern essa sM:uacao: 0 personagem negro e sempre empregado domestico ou exerce profissao equivalente na escala socia l. Mas ·0 seu Who, mulato, pode "embranquecer". A telenovel a Verdo Vermelho tipificava exatamente este exemplo: a filha da empregada negra era amulatada, de tracos "fin os" e pOde casar-se com urn advogado louro. . Mas 0 casamento fracass a...
Camaval: Um Exemplo de Transiorma~ao Valendo-se de urn ou de varios dos mecanismos psicol6gicos indicados, 0 sistema da cultura de massa se aplica sobre determin-a das maniiesta~oes da cultura oral e as assimila. Examinemos 0 caso do carnaval. anea da o carnaval ja ioi uma expressao espont . No ndo-se diverti -se, vontade coletiva de liberar de havam empen se mente real Rio, -as multidoes o, Enfrud do s batalha as violent corpo e alma nas hore goma de iarinha cheiro, de em que limoes tali~as iaziam as vezes de arm as da anima~ao. Mais tarde, os bairros, os suburbios organizayam as suas lestas, construindo coretos, pal anques e promovendo corsos, blocos e ranchos. Os comerciantes, abastados e pobres, ajudavam a pagar os custos de decora~ao. Mas depois de 1930 - quando 0 comercio, em consequencia de varias - altera~oes nas rela~oes de produ~ao, reorganizouse em bases mais capitalist-as, impessoalizando-se - os comerciantes deixaram de auxiliar os .gru34
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pos carnavalescos. Entao, porem, 0 carnaval ja se oficializava, e as tarefas de organiza~ao da festa popular come~avam a ser encampadas pelas autoridades municipais. A Prefeitura do Rio assumiu inicialmente as responsabilidades da decora~ao. Depois, 0 Departamento de Turismo passou a subvencionar os grupos carnavalescos - blocos, grandes sociedades, escolas de samba. o carnaval, de rito de celebra~ao comunitaria, convertia-se gradual mente num espetaculo. 0 toque final loi dado pelas revistas, jornais, cinema e televisao, que passar am a tratar 0 carnaval como espetaculo a ser consumido por urn publico de massa. HOje, a cultura de massa apropriouse inteiramente dessa manifesta~ao de cultura oral e passou, por sua vez, a impor-Ihe valores residuais da cultura olicial: os temas civicos ou hist6ricos nos enredos das escolas de samba, a coreografia teatral, a decora~ao das ruas por cen6grafos ou decoradores profissionais. Os foHoe. de rua foram substituidos pel os virtuoses do samba e -dos instrumentos de percussao, que logo encontrar-a m urn campo de a~ao profissional em cinema, shows de teatro ou de televisao. Os bailes em clubes particulares permaneceram como ultimos redutos do carnaval espontaneo, mas nao demoraram a ser incorporados, como espetaculo, it cultura de mass a : a imprens-a e a televisao vigiam de perto 0 foHao e vendem a sua alegria em imagens ja estereotipadas - a jovem loura que dan~a em cima da mesa, a ·autoridade que se descontrai, a grande dama que p-erde 0 ar snob,e tc. Em suma, a cultura de massa assimilou 0 carnaval, mas deixando de lado 0 seu ca]' rater dionisiaco, talvez mesmo histerico (no sentido gregG de rito coletivo uterino ou afrodisiaco), que imprimia- it diversao urn forte sentido de contesta~ao psicossocial. 0 que era consagra~ao ritual de alegria transformou-se na sugestao es-
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t~tica (sem nenhuma transfigura9ao criadora) desse estado de espirito.
E' dessa forma que a cultura de massa se apropria da oral, traduzindo os seus padroes aos arqu~tipos da consciencia coletiva. A televisao, mais do que qualquer outro veiculo, tem sido a gran.de. aproveitadora da cultura popular oral brastlelra. Urn programa de variedades na teve, pore~emplo, tem geralmente forma estrangeira (amencana) - a do show estilo music-hall com cantores, concursos, curiosidades, de~onst;a90es de destreza, etc. - mas conteudos nacionais: personagens, situa90es, alusoes, j'Ogos brasileiros. Por ai penetram elementos esparsos da oralidade brasileira, mas sempre sob a a9ao de controle dos supostos padroes da consciencia coletiva: a c(>ncilia9ao, 0 verbalismo, 0 sentimentalismo, a {;aridade, a democracia racial, a benignidade de carater do cidadao nacional, etc. Assim, a televi sao ou a revista podem mostrar, como fazem os pequenos circos de interior, 0 magico que serra a mulher ao meio, 0 garoto que repete palavras de tras para frente, sessoes de baixo espiri·tismo, '0 doutor fulano de tal, a garota que sabe tudo sobre urn vulto famoso da Hist6ria patria, 0 negro mais bonito, 0 negro mais feio, etc. 0 universo evasivo da cultura de massa brasileira e realmente 0 do velho jogo oral, recriado pelo offset ou pelo olho eletronico das camaras. Escatologia e Grotesco Existira um sentido escatol6gico na cultura de massa brasileira? As culturas orais, de um modo ou de outro inf1uenciadas por concep90es religiosas e filos6ficas estao intimamente Iig.adas a formas escatol6gica~ que orientam seus mitos quanto ao homem, a
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.
natureza, 0 fim de todas as coisas. Esta e a significa9ao precisa da Escatologia: reflexao ou doutrina das coisas finais (do mesmo modo como se reflete sobre as origens). Em Medicina, '0 termo tern sentido coprol6gieo e 0 estudo dos excrementos. A Escatologia implica numa atitude cultural com rela9ao a Hist6ria. A cultura oral brasileira foi marcada, des de as suas origens afro-indianoportuguesas, por uma Escatologia naturalista que ve 0 homem como parte de uma natureza manifesta em ritmos ciclicos, recorrentes . Como o homem estaria integra do organicamente na natureza, qualquer desacerto, injusti9a, ou aberra'9ao, deveria ser vista como uma aliena9ao do estado natural, remediavel pelo culto ou pel a magia. Mas esse naturalismo nunea foi absolutamente coerente - como acontece nas culturas sincreticas das sociedades arcaicas - , existindo sempre em conjunto com restos da' Escatologia hist6rica do Novo e do Velho Testamento, transmitidos pel as classes letradas. A cren93 na vida post-mortem, no sobrenatural, e urn exemplo dessa alucina9ao hist6rica. Essas escatologias influem poderosamente n'a imagina9ao coletiva. 0 portador de deiorma9ao fisica, por exemplo, e percebido historicamente como urn desvio da organicidade natural, como monstro (Teratos). Isto gerou em nossa mitologia figuras como 0 lobisomem, 0 mao-de-cabelo, etc. Ainda hoje, em cidades do interior do Brasil, 0 deformado fisico (a mulher macaco, 0 menino com car a de jumento, ·etc.) e vivido como urn fen(}meno de ordem sobrenatural - castigo dos eeus - e, as vezes, como espetaculo, ja que pode ser exibido, a dinheiro, em feiras, ou simplesmente vendido como hist6ria na Iiteratura .de cordel. 37
Mas 0 tato social tambem po de ser vivido como desvio teratol6gico. A madrasta, em nossa mitologia uma substituta impossivel da mae verdadeira, aparece treqilentemente como tigura rna e perversa na tradi9ao oral brasileira. Outro exemplo: 0 tilho que renega os pais, sendo transtormado, como castigo, em mula sem cabe9a. Da mesma torma, bandidos tamosos assumiam poderes sobrenaturais na imagina9ao popular, sendo us ados para amedrontar crian9as. Faz parte tambem da mesma mitologi-a a tixa9ao pelas deje90es, pelo suor, pel as roupas usadas - componentes sobrenaturais dos teiti90s de amor e morte. o ethos da cultura de massa brasileira, tao perto quanto ainda se acha da cultura oral, e tortemente marcado pelas intIuencias escatol6gicas da tradi9ao popular. 0 tascinio pelo extraordinario, pel a aberra9ao, c evidente nos programas de variedades (tatos mediunicos, aberra90es fisicas como as irmas siamesas, aleijoes, tlagela~oes morais, etc.). A essa altura, a Escatologia consegue juntar os dois sentidos: 0 mistico e 0 coprol6gico. E os temas coprol6gicos - que, na literatura de Samuel Beckett, Henry Miller ou mesmo Fernando Arrabal, sao submetidos a uma transfigura9ao critico-revolucionaria - passam a compor, na cultura de massa brasileira, a estrutura do mau-gosto e do Kitsch.
o
grotesco parece ser, ate 0 momento, a categoria estetica mais apropriada para a apreensao desse ethos escatol6gico da cuItura de massa nacional. Realmente, 0 fabuloso, 0 aberrante, 0 macabro, 0 demente - entim, tudo que a primeira vista se localiza numa ordem inacessivel it "normalidade" humana - encaixam-se na estrutura do grotesco. Para Woltgang Kayser, 0 grotesco s6 se experimenta na percep~ao da obra. Seu senti do seria, assim, relativo: uma mascara
indigena pode parecer-nos grotesca,. mas ter u~a torma tamiliar dentro da ordem raclOnal dos sllvicolas. Entretanto, segundo Kayser, e perfeitamente concebivel que se considere como grotesco "aquilo que nq organiz~ao da obra nao se justifica como tal". Em outros termos, 0 grotesco e uma aberra~ao de estrutura ou de contexto. Uma figura de Jerilnimo Bosch ou de Breughel costuma ser analisada pela critica como "grotesca". 0 conceito pode ser estendido It esfera da cultura de massa: 0 miseravel, 0 estropiado, sao grotescos em face da sofistica~ao da sociedade de con sumo, especial mente quando sao apresentados como espetaculo. A "estranheza" que caracteriza 0 grotesco coloca-o perto do cilmico ou do caricatural, mas tambem do Kitsch. Em resumo, 0 grotesco e 0 mundo distanciado, dai a sua afina9ao com 0 estranho e 0 ex6tico. Atirma Kayser que ele aparece sempre onde falta ao homem uma orienta9ao segura com rela9ao It vida, sendo portanto a manifesta9ao de uma angustia. Seria este 0 caso da cultura d~ massa brasileira? Nao e 0 que nos parece. AqUl, 0 grotesco e posto a servi~o de urn sistema que pretende ser exatamente a compensa~ao para a angustia do individuo dos grandes agrupamentos urbanos. Cada organiza~ao das rela~oes de produ~ao engendra uma atmostera pSicossocial pr6pria, que se destina em geral a perpetuar 0 seu tipo especifico de rela~oes humanas. A cultura de massa - trisamos: essencialmente politica - e hoje 0 grande medium da atmosfera capitalista. No caso brasileiro, ela e tambem 0 espelho que retIete 0 id e os demilnios das nossas estruturas. E' 0 espelho em que a sociedade se olha e se' oferece como espetaculo.
39 38
II. A Revista
o
CONCEITO CLASSICO DE REV ISTA (jORNALISMO
peri6dico) e de extensao da imprensa diaria, com os objetivos de com en tar e opi nar sobre assuntos variados ou dar uma visao rna is aprofundada dos ten;as de natureza humana. Historicamente, as revistas remontam, na Europa enos Estados Unidos, ao seculo XVIII. No Brasil, 0 fenomeno e recente, deste seculo praticamentc. Assim , ao contrArio da imprensa diaria, as revistas (com exce,ao das folhas de caricaturas da segunda metade do seculo XIX) nao estao na tradi,ao das lutas Iiberais, do Abolicionismo, das gran des campanhas civicas. A revista brasileira, porem, ja nasce u com as caracter!sticas aproximadas da revista mod erna: foi sempre definida pela ilustrac;ao. Ate cerca de 1945, as revistas (Cena Muda, Paralodos, Cinearle, Vida Domeslica, 0 Malho, Carela, Revisla da Semana, etc.) primavam pela ilustrac;ao, mas estruturalmente distinguiam-se poueo dos jornais. Os rep6rteres eram meros notieiaris tas ou artic~listas .. As fotografias eram estaticas, a pagina,ao rud.lm entar - geralmente feita pelo pr6prio secretAno da revista. Foi a revista 0 Cruzeiro a grande lanc;adora, no Brasil, da reportagem illlStrada, dinamica.
40
De 1944 a 1950, surgiram em 0 Cruzeiro algumas duplas (rep6r!er e fot 6grafo que trabalham sempre juntos) que deram nova fi sionomia it reportagem de revista. 1nieialmcnte, Jean Ma nwn .c David Nasser - sem dllvida nenhuma , os plOn cIros no genero. Depois, Jose Leal e Jose Mcdeiros, Jorge Ferreira e Roberto Maia. De 1950 a 1959, o Cruzeiro conheeeu a sua epoca Aurea (nesse periodo, 0 apogeu foi de 1952 a 1956) ,. quando chegou a atingir urna tiragem de 750 n1l1 cxel:'pia res - maior do que a de qualquer ~utro 6rgao de imprensa em toda a America Lahna. Nessa epoea 0 Cruzeiro oeupava 0 primeiro lu gar entre os co~correntes: 0 Mundo Iluslrado, Revislo do Semana e Manchele (que surgira em 1952). A televisao apenas engatinh ava. As revistas especializadas eram poucas e de qualidade so friv~ 1. A posic;ao dc Iidcranc;a absoluta de 0 Cruzeiro se baseava nas reportagc ns exclusivas, de cunho scnsacionalista. E num pais de dimensoes continentais, scm maiores Iimitac;oes de censura, 0 campo cra vasto e variado para 0 Cruzeiro. Seus rep6rteres e fot6grafos, que constituiam uma especie de elite profissio nal na cpoca, eram verdadeiros cavaleiros andantes em busca do Santo Graal da Sensac;ao : iam buscar 0 assunto na fonte, em qualquer ermo do Brasil ou ~ o mundo. Alguns atuavam como rep6rter e foto grafo . ao mesmo tempo (Joao Martin s, Luciano Carneiro, Luis Carlos Barreto). Para um publico ainda nao sa tur ado pelos vciculos de massa, ler 0 Cruzeiro era rcdcscobrir semanalmente 0 mundo, e sempre de modo aventuroso ou sensacional: indios hostis, discos voadores, escandalos de politicos ou de idolos p~ pulare~, excursoes proibidas na Argentina perol1lsta, cnmes misteriosos, etc. A s imples informac;ao documentaria (saunas finland esas, pescad ores de esponjas no Japiio, etc.) era capaz de empolgar 41
o publico, E 0 mesmo ocorria com rela,ao a assuntos menores, como os velhinllOS da Colombo (que se transf?rmou em march a carnavalesca), as estatuas do RIO, a escola para caes de ra,a, etc,
1) Alta gem.
Ha centenas de revistas e publica,6es especia lizadas no BraSil, mas em termos de circltla ~50 de massa e de Suporte publicitario apenas alg umas sao importantes: Manche/e, 0
b) Informaeao e analise de notleias - VeJ'a V' 't f ' , Isao, ) R,evJs as emlninas ou dedicadas a problemas d
Pais & Fillw:
Quertda, etc. " d) Revistas de co nh ' t as gerais - Enciclopedia eClmen Bloch, Conhecer e tacta urna Iinha de fasciculos Cflltll-
ralistas.
E~bora a~ caracteristicas econ6micas da industr!a de revl,stas na Europa enos Estados Unidos nao se aphquem integral mente ao Brasil (notadamente a de tiragens elevadas), as tendencias se assemelham:
42
E
Bloch
sao majoritarias em tiraa tendencia de cada urna destas empresas au-
e
3) Orande vulnerabllidade - A f6rmula de uma revista esta sempre diretamente Hgada a fenomenos sociais e econOmicos de dural;ao imprevisiveJ. Ultrapassando 0 fenOmeno, esgota':se a f6rmula, que deixa de ser apaiada pela arganizal;ao capitalista do mercado publicitario. Pade acontecer que 0 sistema publicitario (as agencias, as anunciantes) continue sustentando uma revista de f6rmula superada, especialmente quando nao existe outra no genera, au em razaa de seu apuro gratico. Mas, como regra geral, pode-se afirmar que 0 rapido obsoletismo da f6rmula torn a a revista grandemente vulneravel e dependente. Segundo a economista frances Henri Mercillan, nos Estados Unidos, "entre 1950 e 1957, au seja, na epoca do crescimento da televisao, t 10 publi-
C
CMlIdia, Des/ile, Ele Ela
Duas grandes editoras -
2) AcessibDidade do mercado - Ao contrario da imprensa diaria, urna revista de sucesso ainda pode surgir com pequenos capitais e gran des ideias. Exemplo disto e 0 Pasquim, semanario que, em apenas alguns meses, pOde competir em tiragem com revistas antigas no mercado editorial brasileiro. Sem os recursos graficos das revistas modern as (cor, born papel, paginal;ao multiforme, etc.), os editores de 0 Pasquim dispunham apenas de uma f6rmula oportuna: uma ''Combinal;ao de liberdade de linguagem com inteligencia e humor. Mas o exito junto aos leitores nao implica necessariamente na tradul;ao do fenOmeno em termos publicitarios. Para uma revista ser incluida na programal;ao regular das agencias, ela tern de dar, entre . outras garantias, prow vas s6lidas de sua integral;ao, no sistema, na Ordem. Playboy e urn exemplo estrangeiro. Com a grande ideia do nu personalizado (0 leitor ficava sabendo tudo sabre a playmate da mes : profissao, idade, gostos, etc.) e urn capital inicial de sete mil d6lares, levantado junto a amigos, Hugh Hefner pOde lanear Playboy, que hoje ultrapassa as cinco milh6es de exemplares. Mas durante as tres primeiros anos, apesar do sucesso de banca dessa revista, a Publici dade norte-americana recusouse a tamar conhecimento dela.
Caracteristicas Atuais
famlha -
-
mentar 0 numero de pubticac;6es (principaimente as que independem da publicidade, como as fotonovelas e os fasclculos), nao s6 para fazer crescer 0 publico leitor global, mas, em certos casos, tambem para dar vazao a capacidade ociosa de modernas maquinas graficas.
A partir de 1960, Com 0 desenvolvimento das agencias noticiosas e 0 aprimoramento da nolfcia, ~o se,rvi,o fotogr.ifico e do segundo caderno dos, J~rnals, com a multiplica,ao das revistas especlahzadas, com 0 grande boom da televisao, em suma, com 0 bombardeio do publico pelos veiculos ,de massa, 0 jornalismo de revista mudou, ~ revlsta Manchete - boa impressao, fotograflas, t!abalhadas, ideologia publicitaria definida (oltmlsmo e desenvolvimento) - afirmou-se como, 0, veiculo que reuniria, no BraSil, as 'caractensltcas modernas da revista,
aJ In!orma~ao. geral e entretenimento _ Cruzeiro, Realldade, Falos & Fotos.
concentra~Ao
Editores e Editora Abril -
J
43
cacoes. peri6~icas desapareceram"; As revistas mais vul"eravels senal!' as de pequena tiragem: "Nos EUA
dentre 21 revistas que tiravam menas de urn milha~ de exem~lares em 1930, 13 naD mais existiam em 1960"
No Br~s1i, a televisao ja obriga as revistas a certo~ r~m.aneJamentos em suas f6rmulas, mas aind a naD cons~
t
Ihlt
uma ameac;a seria.
.
InDuenci.s ~onjuntur.ls -
0 comportament~ do de revistas tern varja~oes sazonais (nos primeIC05 meses do ana, anuncia-se menos e tam bern se vendem me~os exemp.lares) ou puramente conjunturais, segundo a l":lportancl3 dos acontecimentos. 0 assassinat~ do. Pres.ld~nte John Kennedy, por exemplo, fez as 4)
me~cado
revlsta~ brasllelras (e do mundo inteiro) aumentarem
e!,D mUlto as snas tiragens, que volta ram ao habitua l tao logo se esgotou 0 acontecimento. No Brasil de modo ge~ral, as grandes festividades (Carnav al, fest'ivais da can~ao, etc.) fazem aumentar ligeiramente a venda de revIstas.
Delini~ao
do Veiculo
A maior ~arte do jornalismo peri6dico esta estreihgado II publicidade (revist as de luxo) o.u. as camad as do publico de baixo poder a uiSlltV? .(foton ovelas ) e muito pouco ao jornali imo trad~clOna l .- ~ntendido como sistem a de forma~ao e Irrlga, ao da opiniao. E' evidente que as revistas eleg·a ntes (especialmente as fem inin as) forne~e.m inform a,oes desejaveis sobre ass unlos especlflcos, mas na realidade elas funcionam mais COI~10 .depa~tamentos auxiliares do Consumo (os· anunclOs sao p.agos, ~m geral, por indllstrias de roupas . t, cosmetlcos, dlversoes• , elc) . do que C01110 um SIS ema fortemente caracle rizado por II . duto .. I , ,o:~gtna.' 9ue ser~a a informaroo, commvi1'10slas a opmlao pub~lca, A Ideia de catalogo sobrep oese um pouco a de noticia, tam~nte
Pref~r~n?? definir 0 veiculo como bom suporle publlcl larlO c . d a bom Iransmissor de l'nf orm aroes, 0
omumca or -
44
desde 0 dono da empres a ate os
profissionais que elaboram as materi as - c levado a valorizar sempre os angulos, digamos, publici /arios da infotm a,ao, Da mesma forma que 0 anuncio, 0 jornalismo peri6dico lan,a mao do crotismo, do sensac ional, para aumen tar a venda de exemp lares e tornar suas pagina s atraentes para as agencias ou outros investidores publicitarios, Do mesmo modo que a publicidade, as revistas exploram, cada vez mais, os impuls os aquisitivos do publico, 0 profissional deste veiculo configura-se, assim, como uma especie de Leopold Bloom (0 personagem joyceano do Ulisses) desejoso de influenciar, Na verdade, ja 0 dissemos, mais do que qualquer outro veiculo impresso, a revista est a diretamente vinculada a estrutu ra capital istica do mercado, E 0 interesse do editor e que ela se venda, assim como um sabone te ou uma roupa, Por isso, mais do que destina da a irrigar a opiniao publica, a revista e feita para 0 entretenimento ou a evasao do consumidor. E a eva sao exige que 0 rep6rter ou 0 redato r escreva sempre coisas brilhantes e leves. Isto nem sempre e compativel com a forma,ao ideol6gica ou cultural do prolissional de impren sa classico, que aprend eu a ver no jornaIista 0 polemico, lutand o por uma verdad e (nem que fosse a simples verdad e do dono do jornal) , E' certo que, mesmo no jornalismo diario, essa concep ,ao do veiculo como tribune aggrandie (nos termos de Benjamin Consta nt) ja deixou de existir. Mas 0 jornalislTlo de evasao exager ou 0 desuso do principio, interpr etando -o inteiramente de acordo com todas as exigencias comerciais do sistema, Assim, 0 estilo de um bom profissional de revista poderi a ser definido como a tecnica da isenfoo e do encantamento. E' urn estilo que fica a meio caminho entre 0 discurso denotativo e a Iiteratura, combinando, as vezes, os do is sistemas, Por
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exemplo, Life costumava eriar uma atmosfera Iit~r~ria (a~enciando estere6tipos da descri~ao Iiterana classlca) ao abordar temas mais diretamente Jigados ao entretenimento. Do mesmo modo a Realidade lan~a mao, com freqUencia, da est;ut~ra do conto e~ s uas reportagens. Isto nao quer dlzer que as revlstas fa~am realmenle Iiteralura, mas que se Iraveslem das formas Iiterarias ja estereol!padas ou consagradas pelo usa, it maneira do KUsch. Roland Barthes distingue 0 escrilor (ecrivain) do .redalor ou escrevente (ecrivant). Para esle, a hnguagem e puro inslrumenlo do pensamenlo, um meio de transmilir realidades. Para o.escr.itor, ao conlriirio, a Iinguagem e um lugar dJaletlCO, onde as coisas se fazem e desfazem, onde imerge 0 escritor para desfazer a sua pr6pria subjetividade. Enquanto 0 discurso Jilerario. ~~ funda num certo indeterminismo (na posslblhdade de traduzir diferentes matizes do real), 0 jornalistiCo tem como base a simples e clara determina~ao dos sistemas denotalivos _ aqueles cujos signos tem correspondencia inequivoca com 0 real comum a todos. A ~h.ave p~ra o. entendimento dos pad roes editonals do lornahsmo de revista pode-se resumir a t.res termos: sensariio, sucesso e relaxamento. TalS padroes visam a atingir 0 leitor em seus t~mpos mortos com rela~ao ao trabalho, prop orclOnando-lhes horas de entretenimento evasivo Os jornais diarios nao escapam inteiramente a ~ssa c1assifica~ao - reservam um numero cad a vez maior de paginas a assuntos tradicionalmente especificos de revistas - em bora mantenham a sua fun~ao basica de informar e escrever sobre a Hist6ria humana de todos os dias. E' nas revistas que. a norma se atualiza em sua totalidade. Recapltulemos os pad roes : I) Sensa~o -
Faz com que apenas os angulos espela-
culares dos assuntos considerados dignos de interesse
46
sejam abordados. Os temas psicanaliticos, por exempto,
estao, IH\ alguns aoos, em grande voga nas revistas. 0 que se aborda, todav ia, naD sao as
rea is
fundamentos
da ant ropologia freudian a, mas as aspectos tidos como sensacionais, li gados a sexo. E' curiosa observar que 0 surgimento da Psicanalise como tema jornaifstico coincidiu com 0 recrudescimento do erofismo na publicidade
e com a
divulga~ao
da cham ada Revolw;;ao Sexual. Do
mesmo modo, para figurar com destaque nas paginas das revistas, urn pensador ou urn cientista devem Iigar-se a urn Angulo excepcional (sensacional) . Urn exemplo: Herbert Marcuse - que ha muito tempo era conhecido pelos estudiosos da Psicanalise como urn dos mais perspicazes analistas da significac;ao social do impufso da morte, aventado por Freud - s6 se tornou familiar aos lei to res de revistas do rnundo inteiro depois que foi citado por urn dos lfderes da rebeliao estudantil europeia. Este exemplo vale tanto para revistas Quanto para jornais. ·M as os tipos de sensac;ao que urn e outro valorizam sao diferentes. N os jornais, 0 sensacionalismo e quase sernpre datado (refere-se a urn fato coincidente
ou pr6ximo da dala de
elabora~lio
do jornal). Nas re-
vistas, e corn maior freqUencia intemporal. Por exemplo,
a
publica~lio
de carlas de amor de Mussoline
~
Iralada
de forma sensacional pelas revistas, mas completamente
desdenhada pelos jornais. 2) Sucesso -
Enlende-se como a boa
realiza~lio
de
uma personagem (urn individuo, urn grupo, uma instituic;ao, etc.) com relac;ao a urn optimum de prazer e satisfac;ao estabelecido pela Ordem social. Luxo, alta posic;ao social, feitos extraordina.rios, beleza fisica e outros enquadram-se no padrao. Nas revistas de lux~, este padrao se explica, em parte, pela estrutura economica do veiculo: os anuncios, carissimos, s6 podem ser pagos por empresas muito grandes Oll por aquelas cujo produto, de modo geral, destina-se as classes de alto poder aquisitivo. Desta forma, a mensagem da revista se condiciona aos gostos das classes a que se dirigem os anuncios ou seja, as classes mais abastadas da 50ciedade. Como personagem, 0 POVO (em seu conceito
politico: a
popula~lio
menos as elites) esM ausenle das
paginas das revistas de lux~, a nao ser: 1) quando representa ameac;a Ordem (crime, greve, inquieta~6es
sociais); 2)
a
~
vitima de calAslroles (desaslres
aereos, terremotos, secas inclementes) ; 3) destaca-se pelo excepcional ou pitoresco (urn artista primitivo que surge, os sambistas negros no Carnaval, etc.) . Por outro Jado, os membros das classes abastadas, os idolos de
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massa, os artistas de Slicesso, sao personagen s frcqiien · tes c naturais: sabemos sempre 0 que vestem, 0 que comem, 0 que dizem. 3) RelaX8mcnto - As revistas vi sa m ao entretenimento do lei tor e procuram se mpre, portanto, liberar-Ih c os sentidos, evitando "tormentos" intelectuais. Par isso, a logos/era (0 universo da revista, seu discurso , seus personagens) do jornalismo de luxe sempre exagerada mente otimista ou idealizada. A miseria e quase sempre focalizada sob 0 angulo do exotismo ou do foldore (a mi seria na India "misteriosa", a vida IIsim .. pies" e IIpanica" dos pescadores brasileiros, as dan~as negras, etc.) ou como elemento de contraste e associa<;:8.0, especiaimente na foto grafia de moda: ao lado de uma modelo que exibe a ultima cria~ao da Alta Costura para 0 verao, a presenl;a de uma crian~a negra que vende cocos serve como contraste (relac;ao sintagmatica) para 0 luxe da modelo e como associal;ao (relal;ao paradigmatica) para a ideia de verao e tropicalidade.
e
o
aspecto grafieo, presente em todos os instantes a qualqu er dos padr5es editoriais das revistas, desempenha papel importante na provoca.~ao do efeito de relaxamento. 0 arreba tament o da imagem fotogratica, a policromia, a pagina~ao bem cuidada, alienam 0 leitor do contetldo dos textos, transform an do 0 veiculo num objeto de pura conte mpla~a o, algo a ser folheado nas horas vagas ou durant e as viagens. Uma hist6ria exemplar: o ntlmero 6 da revista Realidade tinha na capa um rosto de mulher semicoberto por um veu, no qual se viam apenas um olho e uma lagrima. Foi um sucesso de vendagem. Mais tarde, entre as cartas de leitores recebidas pela revista, havia lima que dizia: "A lagrima do rosto da capa de setembro e tao perfeita que vi uma garotin ha tentando enxuga-Ia". A hist6ria e contad a pela pr6pria revista, sendo bastan te provavel que a carta tenha saido da imagina~ao de um de seus redatores, mas fornec e uma indica~ao valiosa quanto a lim criterio editorial e seu efeito. A foto foi escolhida para capa, apenas porque era bonita, passivel de boa impressao, relaxante. E toda uma
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reportagem pode ter sido escr!ta apenas para justificar a !otogra !ia. A conheclda frase de MeL un ha - "0 meio e a mensa gem" .-. encont ra aqui uma de suas e xplica~5es posSlvels.
As Constantes Tematicas Naturalmente, pode-se tentar levantar os assuntos mais freqUentes, que se inscre~em sem~re numa 6rbita propiciat6ria dos padroes men~lO nados. Em linhas gerais, as constantes temahc as sao as seguintes: 1) Artes e nteratura -
Enquadram-se aqui artistas e
escritores famosos. 0 intelectual em voga au aquele qu e acaba de receber urn premio importante ~ode ser assun-
to de reportagem. 0 tom
e sempre aned6bco:
conhece-se
a vida do personagem, os acidentes de ~~a. carreira, sua maneira de trabathar, as .fatos superflclal.~ de su,~ obra e tenta-se sobretudo tocahz~r o. seu _lado co'!'um , alga que 0 identifique aos demals cldadao~, os leltores. Mas a distancia entre 0 intetectual e 0 leltor sempre acentuada na logosfera da re;rista. Mesmo en:t seus momentos mais "comuns" 0 intelectuat ou 0 arttsta sempre descrito como tab~ sua ati,:i~ade _criadora esta livre dos condicionamentos ou das II1Junt;oes e goza. de uma singularidade mitica. Assim como urn. deus. e ohmpiano a tempo todo, 0 artista, visto peto Jornahs~o peri6dico "cria" sem parar: frases, jogos de esp!nt~, expresso~s faciais, sao assimilados ao ato. ~e .cnac;ao. 0 lei tor recebe sua imagem e palavra demlurglcas, e~?l duradas por urn fundo de cotidianidade. (c.as~, familia, amigos, etc.), como uma chance para a II1ttmldade com o Olimpo do espirito. A cultura e per~etuada como festa e celebra~ao, com seus santos e her6ls.
e
e
2) Natureza, paisagem e aventuras - Reporta~ens so~r.e lugares remotos, povos desconhecidos, epopel~s !11anhmas alpinismo etc. estao sempre na pauta edltort~1 das revi;tas principal mente por propiciarem fotograh~s. a co res g~andiosa5. A imagem feita da nat~:,eza ~.taslie!ra e quase sempre a de urn "pals a descobnr au e~ ViaS de construl;a.o". A paisa gem virgem ~evelada a maneira do descobridor, como se a sua simples penet~a C;ao peto reporter e a conseqUente cobertura fotograitca
e
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marcassem automaticamente urn fata de grande impor-
I
tAncia para 0 Estado e para a nac;ao. 0 tamanh o do Brasil e a potenciatidade das riqueza s sempre sligeridos, atraves' das fotograf ias e textos, como dados excelsos e incontestes. Demonstra-se 0 pais como urn manancial inesgotAvel de recursos. Enquanto 0 pitoresco na paisagem europei a e com freqUencia 0 acidentado - a pro-
mO/i;ao burguesa da montanha, a associac;ao do naturismo puritanismo ja fcram objeto de uma desmitologizac;ao
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de Roland Barthes - , 0 pitoresco brasileiro sao as Arvores e as aguas. A geograf ia nacional, que conhecida atraves de uma viagem real pade-se revelar bastante in6spita e miseraveJ, e urn espetaculo colarida nas pa.gin as das revistas. 0 natural converte-se em monumental. Na atitude de desbravamento continu o, reafirma-se o milo do bandeirante, a que se associaram - inconscientemente, talvez - a construc;ao de Brasilia e as metas desenvotvimentistas posterio res a 1954.
3) Personalldades e nobreza - Os nomes lamosos pel. posic;ao social ou por urn estreJato qualquer (no cinema, na canc;ao, na televisao, etc.) sao seI1}pre atrac;oes para publico e editores de revistas . Revelam-se os amores felizes ou atormen tados deste ou daquele ator, as 'aventur as do playboy que consegue ser notfcia no exterior, a carreira brilhante de urn industrial, a vida confortavel de uma milionaria. Os individuos que ostentam lac;o aristocr atico ou pertencem a familia ilustre sao notlcia certa, a qualque r pretexto. A monarquia acabou-se ha muito tempo, mas 0 sangue azul e urn venerando coagulo social. Isto ocorre, alias, em todos os paises que manti~m remanescencias aristocraticas. Na Franc;a, por exemplo, a familia do Conde Paris ainda alimenta as colunas de jornais e revistas com casamentos, nascimentos, recepc;5es, etc. Mais do que a televisao, a revista ainda e a grande narrado ra de contos de fadas dos tempos modern os. De certo modo, cad a leitor cre rcconhecer-se nos retratos maraviln.osos trac;ados p~r esses veiculos e, comprazendo-se em sua proje~ 50, libera-s c, por instantes, das penas e frllstrac;ues. 4) Ciencia - A ciencia e uma vedete assidua nas paglnas das revistas, mas sempre em sell aspecto de descoberta. Interessam geralmente as ciencias exatas, desde que se traduza m num achado au numa revelac; ao. Esta orientac;ao editorial prende-se, aparentemente, ao principio jornalistico da novidade (nolicia e 0 novo, aquilo que rompe a normalidade cotidiana). Para 0 jornaJi smo, irnporta ~enos a cientificidade do fenomeno do que a
ac;o privilegiado nas 5) Esporte . ~. 0 lut~bol te; e:s~rte prolissionalizado revistas brasllelras. E el~ T Pdo na categoria dos por excelencia, melhor c aS~1 Icaos veem na profissiograndes espetaculos. Os socI6:~gde5virtuamento do sennalizaC;ao dos esporte s um c!r s atIeticas que visavam tido original das comperlC;oe i't de emulac;ao cotradicionalmente a despe.rJar. 0 eS~e~i~os ou de aperfeimunitario ~ .exaltar os I ea:,sro~~ssiona1izado _ visto c;oamento- hSICo do homem. tacuto de destreza, de o esporte converte-se ~um espe to 0 entendimento do puro artificia. No .Brasll, .e~tre~anne~se simples esquema futeb01 nao se delxa ~pnslOn:ato nacional fascinante e socio16gico. Trata-s e e urn 'me ao mesmo tempo complexo, que divert~ m.~s. ~x~n vivido como epopeia, a nac;ao. 0 futebol ~asl elf rocurar os subsidios e nesta estrutur a classlca deve-se P s her6is e vitam;. para a tipologia de s.eus perso~:;:~~ a jogador es de A lingua gem das revlstas, no. E nas paginas cofutebot, e fundamental mente 'I~ptca~ se' entendem atraves loridas, as classes se recon~l lam da clareza dos fatos esportlVOS.
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F
I d com desperte a possibilidade de mostra-Io, aZ~\~res Naqueverdade , por curiosidade e 0 mteresse dos el . - hist6rica de detras disto, existe uma hcerta c~~:P~:?xa onde estao ciencia, que a ve como cave d:niverso . Este seria uno, contidos todos os segredo s tdOla I cujas chaves seriam uma caixa de Pandor a con ro ~~destinados _ os 5a~ aoS poucos. e~contradas PO\ p da predestinac;ao recal bios, as clentl~ta~. . 0 acen 0 0 esforc;o solitario do sobre 0 valor m.dtvtdual, so?~e destaca-se de pre fepesquisador. AS5Im, n~5 :~VI5 a~ando operada por urn rencia a descoberta clenhhc a qd sua excepcionalida56 homem. Seu cer~br~, ~~~e:;e a~o discurso rnitico ~o de inscrevem-se entao act or exemplo, nao jo;nalismo. 0 transpla nte de cor:oc;a~~sp revistas (e noS teria durado tanto com.o a~sun tribuldo nao apenas jornais) se 0 seu mento oss:: uipe cirurgica. Reaa urn cirurgiao, mas a to~a ~m d~ Christian Barnard lizada a proeza do transp an t~' .0 e 'realizar a sua viateve de abando nar 0 ta~or.a no urn cavaleiro mitico da gem picaresca peto mun 0 deomo s comemo rac;oes que 0 salvac;ao humana, com to a~ ~ ue rovoca: os 1ausistema fabri~a .p~ra as ang:s~las iexu~iS, 0 reconhecireis das inshtuH;oes, os pr mlOS mento coletivo.
=
A Verdade da Imagem Nas ~evistas, a velha norma de objetividade 'or~.alfs!tca encont!ou, gra~as it ilustra ,ao fotoira Ica, uma cau~ao forte Desde 4 d e mar,o de ' . d t d 1880 -:- a a. a pnmeir a reprodu,.1o de uma f _ :ografIa em JornaI, no Daily Graphic de No~a t?rque - as ~ecnIca s de reprod u,ao da ima g em em-se. aperfel~oado continllamente. Os ed't de revlstas do seculo XX compreenderam Ico:;~ qUI: a explora,.1o da fotografia era um dos mais ~a ~~~os me.ios d.e incorpora,.1o da Revolu,.1o a r. Ica ao jornah smo modern o. Por outro lado, Imagem ofere cIa as revistas um campo trabalh ado pelos jornais diarios . Desta for~:o para 0 moder.n? jornalismo de evas.1o, inform a: p.asso u a slgmflcar, principalmente mos/rar Re M' S/ vIstas como Paris-Match, Look'Lif~ anJ ern, ' chele e out ras, b aselam 0 seu Sllcesso na exce_. 1encla da fotografia . Mas, alem da Revolu~.1o Gratica , outras razoes ~oncol~reram para a valoriza~.1o da fotografia no Jorna Ismo: r
de alingir as
d
t) Necesstdade interessar a urn publico am I g an es rnassas - Para a revi~!a tev~ de contornar a linguaie~ :rJic~~r~ ~geneo, ' . a com 0 auxlllO da lmagem _ de decifra a
de diferentes niveis cuJt~r~i:a~ f~CIl par~ os leitores
ser simplesmente vistas, ao jn~es ~~ al~d:\~vJstas podem
~~ ~~I~C~~~,::, em revistas Pa
segundo
pl~no
pr~c~~~o~~~rafta
do jornalismo de ideias
acelltult
Cl.
tend~nci a
da!=\
. ~uramente descritiv8s (sem quaisquer opiniOes) A Sua imparcialidade . sua r~v:~ ~ tenta, provar ao lei tor a da representacao I
~ f~~~:~~o d~~ :.~~~~! ~~ e~~nde~sa~iio
do. lexlos 3) po De WItt Wallace ' g em fevereiro de 1922'lOSfI lUIU . urn tJpo de texto que iria
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constituir 0 grande fen6meno editorial do seculo XX. o digesto, que fora no passado urn forma literaria especializada (utilizada, em geral, para textos legais), reencon trou-se na cu!tura de massa: 0 que se dizia em mil palavras poderia ser dito em dez. As revistas trocaram os textos extensos por urna f6rmula destin ada apenas a agradar 0 leitor, dando-Ihe uma sombra bern delineada do tema. Mais do que nunca, a cultura de massa do seculo XX pre para a linguagem para ser yen· dida, com 0 mesmo cuidado da fabrica.;ao da mercadoria. 0 discurso comercial tern de se investir das formas privilegiadas pelo seculo: a rapidez, a facilidade, a brevi dade. A Ret6rica, como utiliza~ao eficaz do discurso, nao desapareceu - transformou-se. E a fotografia jornalistica e parte dessa nova Ret6rica. Aparentemente objetiva, ela tambem se apresenta como urn digesto, uma sintese (0 proverbio chin~s "uma imagem vale dez mil palavras" cos1uma ser citado pelos editoreg), e obriga 0 texto a segui-Ia de perto.
Mas assim como 0 texto pode perder a objetivida de quando e poslo a servi~o de opinioes parlicu lares, preferencias pessoa is ou ainda submetido a censur as (geran do 0 fen(lmeno dos pseudo fatos) , tambem a fotogra fia pode revelar apenas 0 ponto de vista do autor. AIem disso, a area do fotografAvel e freqUentemente limitada pela do censuravel. E a pratica profissional cria um arremedo de c6digo a cujas regras 0 foUr grafo ou 0 editor obedecem instintivamente. Por exemplo: a foto de um homem que se matou, pulando do Plio de A,ucar , dificilmente seria publicada numa revista. Mas a foto do homem TUJ ins/ante em que pulava, sim (valorizaftio do movimen/o e do drama ); um homem sendo decapitado por outro deixa de ser chocante demais para a sua publica~lio na revista , se 0 degolado e, por exemplo, um guerreiro capturado durante uma batalha no longinquo Iemen (dis/{incia do fato, ameafa virtual inexisten/e para 0 leilor). Ha, na verdad e, uma rede de significa~oes jornalisticas preexistentes ao ato de fotografar. A ja mencio nada ideia de digesto, de sintese, e im,53
. dor) , a I'magem publicadaa editor, redator, pagma tao obJ'etiva como procurar fazer crer 10 t' nao e . ideologia do sistema lorna IS ICO. reOutr~ aspecto a se cons I.derar e que '" numa bolos" d para que os slm I'd Portagem de atua I a e, t d'dos pelo . ta p ossam ser en en It .a teda imagem de revIs o. leitor e muitas vezes necessano que es e J. t nha tornado conhecimento do ass unto Pt~e~~s~~ medio de outros veiculos de mas~a . eir~ o· . I ue dao a noticla em pnm revista joga . d te mpo entre 0 pnmelr com a dlferen~ade t de publicacao da revista. . do fato e a a a , r h 0 lei tor ja conhece as . da hist6ria resta Ii revIsta tecer uma geral.s. 'ano de fundo em que sob rese aned6tico do fato ou enA
periosa nessa rede. Para a abertura de uma reportagem, por exemplo, nao basta a foto pura e simples do fa to. E' p~eciso que, na medida do possivel, a foto seja sintetica, reunindo numa mesma imagem todas as nuances da ·hist6ria a ser contada, de maneira que 0 lei tor possa tomar conhecimento do assunto de uma s6 vez. A fotografia de revista investe-se, assim, da mesma fun~ao do lead (abertura da materia) no texto jornalfstico tradicional, que e a de resumir a hist6ria a'ntes de passar aos detalhes.
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~:~~'AJ~~~~grafiaqde
As vezes, mesmo num assunto de atualidade, a fotografia pode ser montada com elementos simb6licos, de modo a fornec~r uma sintese ou, se for 0 caso, uma reconstitui~ao do fa to nuclear da hist6ria. Exemplo: uma crian~a foi violentada e morta numa cidadezinha do Estado do Rio. A reportagem do crime foi publicada numa revista com a seguinte foto de abertura: em primeiro plano, jogada no chao, uma boneca semidespe_ da~ada; ao fundo, urn vulto esbatido contra a luz do crepUsculo. Fique bern claro que nao existe nenhum c6digo simb6lico organizado pelos fot6grafos ou editores de revistas. A construftio da imagem resulta da sensibilidade do fot6grafo ou do editor que planejou a materia. Os elementos da fotografia sao, segundo Roland Barthes, "indutores comuns de associa~ao de ideias (biblioteca = intelectual) ou, de urn modo mais obscuro, simbolos verdadeiros (a porta da camara de gas de Caryl Chessman recorda a porta fU'nebre das mitologias antigas)". 0 editor podc, alcm disso, carregar a foto de suas significa~oes pessoais atraves do cOrte (que estabelece 0 angulo desejado na pagina~ao) ou das legendas _ recurso do jornalista para reduzir a ambigliida_ de da imagem, fixando urn dentre os varios significados possiveis. E' 6bvio que, trabalhada desse modo pelo grupo comunicador (fot6grafo,
~~mo
ta~be?Jo' aa~~:~
prov~velmente
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~~ma og~~~~ ~~n;ano
tao aprofundar PSiCOSS~CiOI~1!c::::~~!e j~ t~~v~dOS foto simb6lica, que reune a pr6pria jusno tempo do le~tor, apar~ce_ cO.mo revista. tificativa editonal da eXIstencla da . o ue acontece, finalmente, it verda~e socI.al ~a q f' ando esta passa pelo cnvo edltonal fotogra la qu . I t O prin'stas? Desaparece sImp esmen e. d , b' t f togra as revI. cipio de realidade do fato ou do 0 Je O? em fado e su bs tI't U1°d 0 por outro que se defme • d fun~ao das necessidades industriais da revIsta e convencer e vender.
J
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III. A Televisiio
esta nas maos de grupos particulares e empresas privadas. Em todos os paises onde a televisao e control ada por lunda,oes ou pelo Governo, e razoavel 0 nivel de qualidade e de responsabilidade do comunicador te1evisual. No Brasil, assim como em toda a America Latina, e baixissimo 0 nivel de teve.
A Natureza do Veiculo A D1TA ERA DA TELEVISAO E, RELATIVAMENTE, nova. Embora os principios h~cnicos de base sobre. os quais repousa a transmissao televisual ja eshvessem em experimenta,ao entre 1908 e 1914 nos Estados Unidos, no decorrer de pesquisas sobre a amplilica,ao eletronica, somente na dec?da de vinte chegou-se ao tubo catodico, principal pe,a do aparelho de teve. Apos varias experi<~ncias por sociedades eletr6nicas, tiveram .,. IOICIO, em 1939, as transmissoes regulares entre Nova Iorque e Chicago - mas quase nao havia aparelhos particulares. A guerra impos urn hiato as. experiencias. A ascensao vertiginosa do novo velculo deu-se apos 1945. No Brasil, a despeito de algumas experiencias pioneiras de laboratorio (R?q~ete Pi~to chegou a interessar-se pela ~ransmlssao da Imagem), a teve so loi mesmo Imp!a-ntada em setembro de 1950, com a inaugura,ao do Canal 3 (Tv-Tupi), por Assis Chateau?~iand: Nesse mesmo ano, nos Estados Unidos, Ja havla cerca de cel11 esta,oes servin do a doze milhOes . de aparelhos. Existen: hoje 44 canais em lunclOnamento, em todo 0 territorio brasileiro e . perto de 4 mil hoes de aparelhos receptores. Aqul, como em toda a America Latina (com exee,ao do Chile e ressalvados os canais cedidos para experieneias com teve edueativa), a televisao
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A televisao tern grandes especilicidades como v~i culo se conlrontada, por exemplo, com a radlOdifuiao. Na cria,ao de estados psiquicos, a teve seria dionisiaca, por entregar 0 espectador (telespectador?) a si proprio, pondo-o em cont~to com 0 mundo concreto das imagens. No radIO, para ser transmitida, a mensagem tern como substrato necessario a voz humana, que por sua vez e obrigada a recorrer a media,ao dos coneeitos. Em outros termos, para 0 receptor da mensagem de radio, 0 processo de comunica,ao transcorre mais ou menos como se 0 locutor lesse alguma coisa para ele. Ness~ sentido, 0 radio aproxima-se do livro. Mas, cUTlosamente, 0 "livro n do radio e 0 mesmo dos gregos. Na Greeia de S6crates - ou me SolO na Idade Media _ 0 texto escrito nao tinha UI11 lim em si l11esmo. Era 11m mero suporte, 11m guia visual ou mnemonico, para a orienta,ao do comllnicador ou do orad or . o Renascimento redeliniu 0 livro em termos individualistas, rna is proprios a ideologi~ do ~ro gresso: 0 receptor da mcnsagem (0 leltor), ISOlado em sua casa ou em seu quarto com 0 texto independente do autor, entrega-se a urn exercicio de imagina,ao e de abstra,ao, que resultava altamente criador. 57
o
I
radio veio restaurar, em bases culturais infinitamente inferiores, a concep9ao grega do Iivro: este (0 texto) e apenas um meio para 0 locutor. E' evidente que 0 locutor radioiOnico, obrigado a ficar distante de seu publico, perde a for9a expressiva, 0 car ism a, caracteristico do orador grego. Para compensar essa perda, ele recorre aos recurs os idiossincrAticos: a boa emposta9ao da voz, as pausas, enfim, as caracteristicas personalissimas de narra9ao. E, do mesmo modo que no Iivro, 0 ouvinte de radio tem de se entregar a um certo exercicio de imagina9ao para visualizar a mensagem transmitida. Na televisao, ao contrario, 0 receptor tem a imagem - concretamente, 0 locutor - diante de si. o aparelho de teve e 0 outro, que impoe um monologo contro/dvel (ja que se pode, a qualquer instante, mudar de canalou desligar 0 aparelho). A imagem ja se impoe construida ao receptor, deixando pouco a imagina9ao. Considere-se, por exemplo, uma partida de futebol transmitida pelo radio: para 0 torcedor, Ii em09ao dos lances dos jogadores no estadio junta-se a em09ao da pr6pria transmissao - a do locutor. Para compensi!!. a ausencia da imagem, 0 locutor esportivo foi. .obrigado a criar um verdadeiro espetaculo verbal, em que as palavras parecem f1uir com a velocidade da bola ou com 0 impeto dos atletas. Distante do torcedor, mas dito pelo locutor, 0 jogador e sentido mais ou menos como os her6is do chamado realismo socialisla, de paixoes facilmentc identificavcis. Sells defeitos e qualidades sao gritados pelo locutor. Ha torcedores de lutebol que, em pleno estAdio, mantem os radios colados ao ouvido, embora conhe9am todos os jogadores em campo. E' 6bvio que os atrai 0 espetaculo verbal da transmissao. Mas 0 lato de 0 espectador se deparar, no caso cia televisao, com a imagem construida, nao sig58
nifica que a sua aten9ao estej.a automaticam~~te estruturada pel a imagem. MUlto pe~o contrano, a televisao tende a dispersar a aten9ao do. espectador ao inves de estrutura-Ia. Tanto assl.m_ que .nos bons programas noticioso~ de televl~ao a grande preocupa9ao do comumcador _e eVltar. a fugacidade (a tendencia Ii nao-r.eten9ao) das mform a90es . A continuidade das Imagens de televisao, analogas de certo m~do ao fluxo da consciencia humana, arrebata vIsualmente 0 espectador, 0 que leva a pensar que, na verdade, a~ pessoas veem leve, antes de verem 0 que esla
na leve. Voltando ao radio, poderiamos (na terminologia de Jakobson) chamar a fun9ao do locutor de ~x pressiva: ao lado da fun9ao puramente d~notatlva (a simples descri9ao dos lances da partida), ele se compromete emocionalmente com a mensa gem (expressQo) . Com a televisao, muda 0 pan?rama. A idiossincrasia e 0 compromisso expresslvo do locutor perdem 0 sentido diante das imagens concretas que desfilam aos olhos do receptor .. Este nao tem mais de imaginar 0 clima do estAdlo e .0 impeto dos jogadores, porque tudo isto e perfeltamente visivel no video. A fun9ao do locutor 10 simplesmente denotativa, referencial, as vezes tao redundante que as imagens chegam a correr silenciosas. Com a televisao, 0 locutor ganha em indicarQO , mas perde em e~pres~ao. _0 rec~ptor perde, cspecialmente, em Imagma9ao, _ pOlS a imagem e uma realidade trabalhada - nao necessariamente objetiva, mas concreta - que Ihe. e dada para consumo, sem maiores apelos ao mtelecto. Isto nao quer dizcr quc 0 radio ~e!a mais sugestivo que a televisao. Ao contrano, por sen;m plenas de significados, as imagens s~ge~em m~lto mais que 0 simples f1uxo verbal, atmgmdo. ~Ire tamente a parte do psiquismo menos vIglada
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pclo intelecto. Diante da teve, que se impoe como urn simulacro de realidade, 0 receptor se abandona, descuidado. Este estado de espirito ten de R Rumentar na medida em que a mensagem mais se adaptc its especificidades do vefculo. Se 0 locutor de teve tenta, por exemplo, se impor idiossincraticamente ao receptor (ao inves de assumir urn tom natural, vagamente familiar, pr6prio do veiculo), podera criar barreiras na aceita9ao da mensagem. Na iconosfera (universo das imagens), a sensa~ao tende a predominar sobre a consciencia,. fazendo apelo a todos os sentidos, mas enfraquecendo-os. Nasceria dai uma tendencia a passividade, que certos psicanalistas veem como condutora do adulto a urn estagio "oral" semelhante ao do bebe alimentado por sua mae. Tal possibilidade e contestada por pesquisadores como a Dra. Himmel welt, autora do trabalho mais completo sobre a televisao e a cria9ao. Himmelweit substituiu a perspectiva dos efeitos pela das lun~oes c procurou descobrir nao 0 que a televisao lazia a crian~a, mas 0 que esta fazia com a televisao, como selecionava os canais, etc. Nao ha provas concludentes sobre uma passividade do telespectador em grau maior que a de urn leitor de Iivro, por exemplo. 0 que acontece com os vefculos audiovisuais (e af estao juntos 0 radio e a televisao) e que favorecem, mais do que os vefculos escritos, os processos de projefiio (0 receptor desloca as suas pulsoes para os personagens do vfdeo), identificafiio (0 receptor torna-se inconscientemente identico a urn personagem no qual ve qualidades que gostaria ou julga que Ihe perten<;am) c empatia (conhecimento que 0 receptor tern do comunicz,':>r; colocando-se mentalmente em seu lugar). Jean Cazeneuve ad mite, com Cohen-Seat, que "todo espetaculo pode suscitar fenomenos de
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1
proje~ao e id~ntifica9ao. 0 equilibrio do espectador, cujo ego e momentaneamente apagado pelo fenomeno, e restaurado pelo contato com a reaIidade". Ora, a teve, numa reportagem, por exemplo, coloria 0 receptor frente a uma . mens age,:" que s~ria, em ultima analise, um ,?bJ~to, re~h dade. Mas, pergunta-se Cazeneuve,_ sen a preclso saber se as tccnicas de difusao n~o. a~em tanto sobre 0 objeto qua-nto sobre 0 sUJelto . Real mente, a teve (deixando de lado 0 radio) , apesar de nos trazer uma imagem c~ncreta, nao fornece uma reprodu9ao fiel da. re_ahd~de. Urna reportagem de teve, com transm~ssao dlreta, e 0 resultado de varios pontos de vIsta: 1) do reolizador, que costrola e seleciona as .imagens num monitor; 2) do produ/or, que podera efetuar ~or tes arbitrarios; 3) do cameraman, que seleclOna os iingulos de filmagem, finalmente de todos aqueles capazes de intervir no processo da transmissao. Por outro lado, alternando sempre os closes (apenas 0 rosto de urn persona~em no vid~o, por exemplo) com cenas re.d~zlda_s (~ vista geral de uma multidao), a televlsao nao ?a ao espectador a Iiberdade de escolher 0 essenCl~1 ou 0 acidental, ou seja, aquilo que ele deseJa ver em grandes ou pequenos pianos. Dessa f~r ma 0 vefculo impoe ao receptor a sua manelra . especialfssima de ver 0 real. Tambcm os cfcitos de montagem e de. d~amah za9ao, que contribuem para tornar rna,s mteres-' sante a mensagem, ajudam por outro lado a deformar a rea Ii dade comunicada. Urn exemplo: No Rio de Janeiro, ja morreu praticamen ~e o. velho carnaval de rua, onde 0 individuo se d,verha sem esquemas, nem injun90es turisticas, mas todo ano pode-se ver nas ruas uns poucos rcma~esc e ntes £los velhos tempos. Na cobertura tla teve, pOre~l, tem-se uma impressao de multida.o e de amma~ao que, na realidade, nao existem. ~' que 0 camera-
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man seleciona as imagens mais atraentes,
rep6rter dramatiza 0 que se passa Irente a seus olhos, e as eleitos de continuidade operados atrayeS dos monitores ajudam a criar 0 resto da ilusao. Sao constantes as ilusiies de objetividade labricadas pela televisao. Isto implica numa ar. madilha para 0 receptor: certo de delrontar-se com 0 real, este pode deixar-se influenciar ainda mais pela mensa gem, entregando-se sem redeas aos processos de identilica~ao e proje~ao. Nesse ponto, a teve converte-se num veiculo socialmente perigoso, pois tende a conlormar 0 individuo a sua pseudo-objetividade (0 que nao ocorre, por cxemplo, cam 0 cinema, cujo munda imaginaria c sempre denunciada pela presen~a dos atores, dos truques, das elipses narrativas, etc.) que nO' casa dO' Brasil e bastante mediacre e conservadara, como veremas.
A
Forma~ao
0
da Mensagem
De um mado geral, a mensagem da televisaa assim coma a dO' radio - visa a uma universalidade (ati'ngir a todo e qualquer receptor indistintamente) que, mal compreendida, pode levar a veiculo a uma rela~ao lalsa com a grupo social. A teve e levada a tratar como homogeneos lenomen as caracteristicos de apenas alguns setores da sociedade. A busca de um suposto denominador comum, que renda 0 maximo de aceita~ao par parte do publico, preside it elabora~ao da mensagem. 0 exito de um programa e alerido pelo indice de audiencia: quanto maior a publico, maior
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sucesso.
Essa necessidadc de padronizar a conteudo do veiculo segundo lOIn indice optimuin de aprova~ao do publico condiciona necessariamente a lorma~ao da mensagem. Isto e de mans travel na
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Teoria da Inlorma~ao: quanta menor e a taxa matematica de inlorma~ao de uma mensa gem (e maior, portanto, a redundancia), m?ior_a sua ~a pacidade de comunica~~o. Con:umca~-"o aqu. e empregada em seu senhdo tecmco: n?o se trata de um ideal de ordem humana au soc.al, mas da recep~ao e decodilica~ao da mensagem por um individuo qualquer. Quanta mais os signos da mensagem (as elementos culturais de um. programa de televisao, par exemplo) lorem lam.loar.es ao publiCO, por ja constarem. de _seu repert6no, maior sera 0 grau de comumca~ao. o que aconteceria se um comunicador (a teve, por exemplo) tentasse transmitir uma mensagem a um publico amplo e heterogeneo (co~posto_ par dilerentes classes sociais, niveis de onstru~ao_ e faixas etarias) sem atentar, na sua lorma~ao, para 0 nivel comum de .entendin:e.nto? Certame.nte, a mensagem s6 sen a decod.hcada au ac~.ta pela parte do publico que conhecess~. 0 c6d.go do comllnicador, Oil seja, que parhc.passe da mesma estrutura cultural. Suponhamos que a televisao pretendesse, a titulo de servi~o publico, esclarecer 0 P?vO sobre. os perigos da lalta de higiene domeshca e de 10m: peza urbana para a saude nacio?al: Se a teve utilizasse argumentos puramente tecmCOS (de ordem medico-sanitarios, sociol6gicos, etc.), a mensagem seria provavelmente entendida por uma boa parcela da popula~ao cult~, a detentora do c6digo segundo 0 qual se orga~.zo~ a ~en~agem . Mas outros setores da popula~ao hcanam .mpermeaveis iI campanha. o comunicador poderia, en tao, elaborar uma nova mensagem em term os mais acessiveis . . A n~va mensagem, embara mais afetiva em. camumc~ ~aa, seria certamente ~~is po~r; e.m onlorma~aa par amitir dadO's cienhhcos (d.hce.s, mas necessarias a carreta aprecia~aa dO' problema) desco-
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nheci.dos p ela popula~ao. Mas liguremos uma tercelfa hlp6tese: a segunda mensagem nao atinglU a p opula~ao inteira. o cOl1lunicado: .pode~ia c~iar, agora, um slogan (alto com~ l-!lglene e Saude) , cujos termos fossem ~cesslvel6 ate aos analfabetos. Esse slogan sll1teltza a mensagem origi'nal, mas a esvazia de sua for~a informativa. Ja viram 0 que acontece quando se joga uma pedra num lago? Formams~ circulos concentricos, cada vez maiores Ii med~da ;m q~e se espalham. No processo de comuntca~ao, da-se ~x?tamente 0 movimento inverso: a mensagem oflglllal e um grande circulo que tem de se reduzir para se espalhar. Na tele~isao com~ a norma geral e atingir 0 maior public~ pos~lvel, as mensagens sao empobrecidas ou reduzldas ao. suposto denominador comum. Os va' Iore~ de cfla~~o da teve sao mais platonicos (no scnltdo do cUldado com a subversao dos costumes), d? que aristollilicos (a preocupa~ao com 0 eq.utllbflo dos el,ementos da mensagem e sua perfelta forma 16glca). No Brasil, 0 empobrecimento ou a banaliza~ao ?a men,sagem televisual decorre, na verdade, da IIlcapacldade do comunicador (desde a dire~ao das esta~oes ate os 'produtores de progra mas) de entender a verda de ira natureza do veiculo que control a e de elaborar mensagens especificas, Urn . exemplo: urn dos canais cariocas achando que pr.esta grande servi~o Ii educa~a~ musical transm~te c_oncertos dominicais de musica erudita: A reahza~ao do programa e algo de extremamente dispersivo: quando a camara concentra-se na orquestra, 0 plano se reduz, e dificilmente pO,de 0 telespectador distinguir com a clareza os n~usl~os e seus instrllmentos. Se a Camara desvla-s~ pa~a 0 publico, 0 espectador passa a ter 11m cspetaculo paralelo: a das pessoas que dormem, conversam all simplesmente escutam 0 con(14
ccrto. A impressao final do telespectador e de que a televisao nao e veiculo pr6prio Ii transmissao musical. Nao 0 e, efetivamente, da forma como e feita, que nao corresponde Ii especificidade de Iinguagem do veiculo. Na ·televisao frances a, por exemplo, ha urn program a de transmissao musical que utiliza 0 ensaio da orquestra, dando ao telespectador a sensa~ao de escutar a musica em sua elabora9 ao , nO artesanato da execu~ao. Esta ja e uma boa tentativa de aproxima~ao da Iinguagem televisual, porque a imagem de teve, comportando pIanOS mais longos que 0 filme cinematografico, favorece admiravelmente as exposi90es de tecnicas, 0 escrutinio dos detalhes. A imagem televisual e bern aproveitada quando complementa e favorece 0 que diz 0 locutor, ou 0 apresentador, ou a musica da orquestra. Talvez melhor do que qualquer outro, a televisao seja 0 veiculo adequado para a apresenta9ao estrutural de uma obra de arte, indicando nao s6 0 produto dado e acabado, mas tambem as fases de sua conStru~ao. E' preciso deixar bern claro que nao falamos aqui de cria9ao de obra de arte pel a televisao, mas de comunica~ao da obra, Como elementos especificos da Iinguagem televisual podemos anotar: t) a possibilidade de acentuacao dos detalhes em opo·sic;ao aDs conjuntos pomposOS; 2) a sutileza, em oposic;ao ao glamour, por exemplo; 3) as explorac;oes psicol6gicas individuais (para as quais os personagens das nDvelas fornecem urn exemplo tosca).
Tudo isso se da num "espa~o" que, segundo Jules Oritti, compreende 0 triAngulo apanhado pelas dimara s e 0 pequeno circulo familiar em torno do video. Enquanto 0 espa~o cinematografico prescinde do publico, ja que se concentr.a na tela, onde 0 filme se desenrola como urn todo
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integrado, 0 espa90 televisual exige urn "interlocutor", a fim de que a mensagem se mantenha num nlvel de intimidade, de familiaridade, ou de confidencia. Seria provavelmente imposslvel impor, atraves da televisao, urn mito de beleza como de Greta Garbo. Por que? Porque 0 "interlocutor", 0 chapa, 0 publico do veiculo nao acei. ' tana uma mascara de beleza · perturbadora uma inc6gnita, quase tragica, denlro de sua cas~. Na televisao, 0 que causa efeito e 0 roslo amigo, que transmita em090es de facH entendimento e de franca cordialidade: nas mulheres, uma expressao "natural" assim como a filha ou a tia do dono-da-casa (Gl6ria Menezes, Hebe Camargo, etc.); nos homens, urn certo dinamismo (BIota jUnior, Flavio Cavalcanti) ou a masculinidade do "vizinho" (Tarcfsio Meira). Em outros termos, na teve importa mais a folhetinesca vivacidade fisionomica do que a regularidade plAstica. Mas a estetica - ou, para quem preferir, a poet ica televisual - parece apoiar-se melhor na Iransmissiio direla: a avalancha de enlatados ou de programas em video-tape tern urn peso apenas quantitativo. JA nos referimos antes a imposi9ao do lIngulo do comunicador ao publico, que cria, mesmo na transmissao direta, uma Husao de objetividade. Para Umberto Eco, a a9ao do comunicador de teve na transmissao direta e uma mimesis (imita9ao de comportamento, no sentido aris.totelico) de experiencias. Em outras palavras, ao mterpretar os fatos, at raves da sele9ao e composi9ao de imagens, 0 realizador de teve reproduz - consciente ou inconscientemente - as suas experiencias pessoais, a maneira de urn artista que transfigura, mi obra de arte, 0 seu mundo e a sua vivencia. Nao se trata da pura cria9ao ar-' tistica, mas da possil;ilidade de cria9ao. Existiria ai, para Eco, estetica em potencial, dando mesmo margem a urn esb090 de "fenomenologia da im66
provisa9 ao " a partir da atividade do realizador de teve. Ele ve na montagem de certos filmes modernos - como A Aventura, de Antonioni a destrui9ao da intriga da narrativa tradicional atraves da incorpora9ao de elementos da linguagem televisual (a ausencia de clfmax, a indetermina9 ao das a~oes, 0 emprego dos tempos mortos, etc.). Para n6s, em 200I-Uma Odisseia no Espafo, Stanley Kubrick demonstrou tambem uma enorme sensibilidade para essa abertura da narra~ao cinematogrllfica. As cenas que mostram, em pleno espa~o c6smico, plataforma e espa~onave em deslocamento, dao uma impresslio de grandiosidade, mas jll nao se trata da mesma no~ao de Cecil B. De Mille. Kubrick nao construiu uma a~ao dramatica introdut6ria ao grandioso, uma a~ao sustentada pela precipita~ao de gestos, de imagens ou de paixoes dos persona gens. 0 grandioso surge, para 0 espectador, como a constata~ao. ~o triunfo da tecnica e do homem (atraves da visao detalhada da viagem espacial nas regioes mitologicamente insondaveis). 0 espetaculo da viagem se traduz em imagens lentas, como a sugerir uma identifica~ao com 0 tempo real, do qual se aproxima 0 tempo televisual nas transmissoes diretas. U rna certa sugestao de indetermina~ao nas a~oes iniciais de 2001 foi justamente 0 que nos pareceu de mais positivo no filme em materia de Iinguagem. Depois que 0 computador Hall "enlouquece" e que a intriga se apossa da narrativa, 0 filme perde a informa~ao do inlcio. Recua do feliz aproveitamento da brecha estetica televisual (tao bern acentuada pela harmoniosa e liberadora composi~ao de Strauss) para a tensao da velha narrativa romance ada.
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o
Publico
E' evidente que, se 0 sucesso de uma mensagem se me de pela maior ou menor audiencia, os cri- ' terios do comunicador tendem a ser puramente quantitativos. Dessa or i enta~ao nascem, nos Estados Vnidos, duas correntes: I) Uberallshls quantitativos - Defeodern 0 que se podena classlflcar como uma especie de behaviourismo do gosto. Para eJes, 0 comunicador de televisao deve dar ao publico 0 que este deseja. 2) Llberallstas qualltatlvos - Sao de opioillo que se de~e oferecer a~ pt'lblico 0 que este seieciona, ap6s
cUidadosas expen~ncias.
De modo geral, dar ao publico 0 que ele deseja e um chavao empregado pelos produtores de televisao no mundo inteiTO, acentuadamente no Brasi l. Os desejos do publico sao, assim, aferidos quantitativamente pelo [nstituto Brasileiro de Opiniao Publica e Estatistica (!BOPE). Nao e nossa inten~ao aqui discorrer sociologicamente sobre 0 publico brasileiro de televisao (apesar da grande utilidade que teria um estudo des sa ordem) nem discutir as amostragens do !BOPE (nao deixa de ser impressionante observar que nenhuma esta~ao de televisao se tenha dado ao trabalho de submeter os questionarios do !BOPE a testes de s i gn ifica~ao), e sim fornecer alguns dados de conjunto sobre a s itua~ao carioca. . A unidade basica do publico de televisao e a familia. Em fun~ao dela, sao elaborados os programas. No Rio de Janeiro, ha cerca de dois miIhoes de telespectadores, colados diariamente a 600 mil aparelhos. Cerca de 70 por cento dessas pessoas sao pobres ou muito pobres. 0 que a tele~isao Ihes oferece? Segundo uma pesquisa reahzada pelo Jorna/ do Brasil durante sete dias - .de ~ ~ a 24 de mar~o de 1969 - os ape/os malS uhhzados pel a teve carioca eram a vio/encia,
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de um lado, e os valores tradicionais relativos a infancia, de outro. A pesquisa ~efinia como ape/0 "0 elemento presente na umdade de pro.grama~ao, capaz de atrair 0 telespectador ,:"edlO,. e explorado, de maneira mais ou menos mtenclO-. nal, segundo varios graus de intensidade e importAncia" . No tempo total de transmissao, os ape los aos valores tradicionais de inUncia e familia ocupavam 47,73%. Seguiam-se vio/encia (43,7791:), ostenta~ao e ascensao socia/ (30,12%), fantasIas (26,20%), erotismo (3,90%), onda jovem .,. (8,60%), humor (33,31%), politica (14,58%), cultura e tecnica ( 17,17 % ), grotesco-chocante (5,250/0). A percentagem do apelo ao "grotescochocante" resultou insignificante porque os organizadores da pesquisa restringiram c~rtamente o conceito. Para n6s, como veremos adlante, um tipo especial de grotesco atinge 0 status de ~ate goria estetica na televisao brasileira, contammando os programas de humQr, as novel as e mesmo programas tid os como de "nivel razoavel". Ha da parte dos produtores de teve, 0 eterno de;ejo de atender as solicita~oes do publico. Se descobrem, por exemplo, que 0 trivial domestico agrada aos telespectadores de n~velas, logo constroem cenarios em torno da cozmha ou da copa. Tal personagem deveria morrer no fim da hist6ria , de acordo com 0 script mas contra . a vontade do publico? Simples, muda-se 0 SCript e se assegura a vida do her6i. Essa liga~ao do comunicador com 0 publico poderia ser vista como beneiica. Afinal de contas, tudo indica que 0 publico do futuro (os futur610gos estao sempre na ordem do. di~) sera seletivo do ponto de vista da comumca~ao. Nas exposi~iies tecnol6gicas, 0 jornal do futuro ja ~ apresentado como um mito de aparelho de teve
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I
e .maquina ~erogratica, gra~as ao qual 0 consu~TIIdo.r seleclOna as informa~iies desejadas e as .mpnme na hora, em casa.
Seri~ a atual influencia do publico sobre 0 comumcador a pre-hist6ria dessa decantada autonomia seletiva dos consumidores de informa~iies e.lazer? Nao ha grandes motivos para se acred.tar msto, porque a atual rela~ao do produtor de teve c,?m 0 publico e apenas deformadora da .~.ensagem . Sem falar dos coeficientes de parciahdade das respostas as sondagens, a televisao _ mant~n~o-se na estreita dependencia dos desejos do p~bhco_ - converte-se num organismo difusor de d.~tor~oes, estere6tipos e preconceitos socia is. No RIO, transmitia-se uma novela em que havia um caso de amor entre um negro e uma branca. o romance, ins6lito nas telenovelas, acionou os preconceitos raciais de alguns setores do publico, e come~aram a chegar a esta~ao de teve as cartas de protesto. Foi tipica a solu~ao dos produtores: alteraram 0 enredo para que uma atriz negra, contratada as pressas, substituisse a branca na paixao do personagem negro.
Di~ u":, dire tor comercial de televisao: "Quando a hrama do .BOPE acabar, talvez possamos fazer alguma coisa". A culpa e lan~ada, dessa forma sO.bre. as estatisticas, que passam com rapidez d~ cnteno absoluto para alibi conveniente. Numa novela de produ~ao muito cara, devido ao numero elev~do de atores, os produtores introduziram no rote.ro uma epidemia que matava a maior parte dos personagens, e assim se resolveu 0 problema. Desta vez, 0 publico nao se havia manifestado mas 0 h?bito tambem faz 0 produtor de televisa~ no Brasil. Em outras circunstancias, essa rela~ao entre 0 produtor de program as e 0 publico poderia dar margem a experiencias culturais de comunica~ao
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lorte com a existencia. Teriamos UlU tipo de espetaculo em que os consumidores (0 publico) seriam tambem criadores at raves de sua a~ao de retorno (feedback) sobre 0 comunicador. As circunstancias desejaveis seriam aquelas em que o comunicador losse capacitado para adaptar-se as especificidades da Iinguagem do veiculo televisual e, do ponto de v.ista de uma antropologia cultural, preparado para corrigir ou selecionar os estere6tipos. Um comunicador desse calibre seria, mesmo na area pura do espetaculo, um bom formador de publico, na medida em que contribuisse para reestruturar os valores que lundamentam os estere6tipos. Vale ressaltar, porem, que a televisao, ao lado de sua a~ao conservadora e pseudomoralizantc, pode tambem agu~ar certas contradi~iies sociais. Ha um exemplo bem recente nos Estados Unidos. Apos os motins raciais de 1967 em Watts, uma comissao !ormada pelo entao Presidente Lyndon Johnson para estudar as causas dos conflitos terminou concluindo que a televisao era culpada de osten tar a opulencia em que vive a maioria branca norte-americana, tornando-se assim responsAvel pel a exaspera~ao das minorias negras que habitam os guetos das grandes cidades. 0 relat6rio, feito por brancos, nao condenou a opulencia, mas a sua ostenta~ao. 0 ocorrido nos Estados U nidos demonstra que, com a teve, nem sempre se da fenomeno que os soci610gos franceses dos velculos de mass a chamam de declassemenl, ou seja, 0 sentimento comum a todos os telespectadores de pertencerem a mesma cIa sse - ja que os programas se dirigem a todos indistintamente, 0 aparelho se encontra tanto na casa do rico como do pobre. Na verdade, porem, por tras da igualdade i1us6ria, · estA a realidade discriminadora. A antena de televisao no barraco de um favelado e a antena
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nUma residcncia de luxo nao sao apenas us indices de um mesmo rito de consumo, mas tambem de um_a C?ntradi,ao em processo de agu,amento. A teve nao transform a a real. Reflita-se sabre a casa das direitas civis narte-americanas: naa hauv~ _nenhuma mudan,a de atitude par parte da telev.lsaa cam rela,aa a camunidade negra, que c.?ntmuau. esquecida. Apenas ... e eis aqui a questaa: as ilderes passaram a ser /ocalizados com m~lOr /r.eqiiencia. Candutares de hard as furiasas e Impaclente~, as Ifderes negras tipificam, para a nar.te-ameflcana branca, a mita da Apacalipse. Facahzanda-as, a televisaa, cama num espetacu la, pravaca a harror e a infalivel atra,aa.
o
antes tida como bela pode come,ar a fazer caretas, 0 pesadela p.ode tamar 0 lugar do sonho. Uma mascara negra, um monstro g6tico, obras de profunda inspira,ao artistica, padem situar-se na categoria da grotesco. As vezes, ele nos ajuda a desvelar uma realidade mitificada: e 0 caso, por exempla, do grotesco utilizado por muitas cartunistas modern as. A pr6pria an/ropofagia /ropicalista de Oswald de Andrade po.de ser tida camo uma visaa grotesco-caricatural da realidade nacianal. Mas a grotesco dos programas de teve brasileiras se configura como uma disfun,ao social e artistica, de tipo especialissima, que poderiamos chamar de grotesco escatolOgico. Aqui, a ethos c de puro mau-gosto. Por que? Parque 0 valor cstetico de critica e distanciamenta e anulado por uma mascara construida com falsa organicidade contextual. 0 gratesco (em todos os seus significantes: 0 feita, 0 portador da aberra,ao, a deformado, a marginal) e apresentado como signo do excepcional, como um fenomeno desligado da estrutura de nossa sociedade - e visto como 0 signo do outro. A inten,ao do comunicador e sempre colocar-se diante de alga que estA entre n6s, mas que ao mesmo tempo e ex6tico, logo sensacional. A recapitula,ao das caracteristicas de alguns das programas - passados ou presentes - e de seus animadores ajudarA a esclarecer a questiia. Par exemplo:
fmagimirio Brasileiro
Resta saber em que categaria estetica _ nautras termas, a acarda estrutural das pragramas a sua d.?minan~i~ afetiva,. a ethos - se ap6ia a'televis.aa braSIle~ra? Acreditamas achar a resposta num tIP? especIal ~e grotesco. Cad a epaca e cada melD. de comunIca,ao artistica valorizam uma det~rmmada categoria estetica (0 tr
e~tad.o. "segu~do"
de consciencia,
essenCi~l~
mente CrttICO. SefIa uma reflexao sabre a nasc'd d I a_ e uma compara,aa entre as coisas coma saa em prafundidade e tais como nos recem em superficie".
I. Silvio Santos, em Rainha por um Dia, promovia 0 desfile de miseraveis, que contavam suas pen as. Cabia ao audit6rio escolher a hist6ria mais triste. A rna is desgra,ada, a mais infeliz, era eleita "Rainha por um dian.
'd VI a, "tais apa-
'
o gratesco C 11m olhar acusadar que penetra as estruturas ate um ponto em que descobre a sua feaIdade, a sua aspereza. A essa altura, 0 real 72
2. Jacinto Figueiras Junior, que apresentou no Ria e em Sao Paulo 0 program a 0 HOlTU!m do Sapato Branco, levou a televisao prostitutas, la-
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droes c homossexuais, chegando a realizar uma "mesa-redonda de mendigos". 3. Dercy Gonfalves - explora tambem a miseria, os temas de baixo espiritismo, os curandeiros, as irmas xif6pagas, as aberra~oes e as deformidades fisicas.
explorava 0 tema da infelicidade humana: mulheres que nao conseguem casar-se eram expostas aos telespectadores, que se compraziam com as diversas fases do romance. Todas as incidencias e virtualidades dos jogos sentimentais eram enfocadas como tipicas. Havia o estere6tipo romiintico do amor sob as estrelas (Amor no Baleao), 0 estere6tipo do rompimento e da recupera~ao (S.O.S. Amor), da paixao instantiinea (Amor a Primeira Vista) e outros. Havia tambem, para dar maior verossimilhan~a it mimesis social, urn "representante da lei": UIII leao-de-chAcara encarregado de zelar pela ordem e pelo respeito as donzelas. 0 climax - e apoteose - ocorria no dia do casamento, com vestido de noiva, champanha e as benesses das casas de comercio. 4. Raul Longras -
5. Flavio Cavalcanti - Aparentemente, 0 programa destoa da regra geral, mas a decifra~ao dos mitos por ele veiculados nos revelam a sua verdadeira natureza. Para tanto, valemo-nos do metodo de leitura do mito proposto por Roland Barthes.
o
objetivo do programa VII! Ins/an/e, Maestro (: passar em julgamento a musica popular. Para isso, apresenta-se urn corpo de jurados compostos de tipos: urn e compositor conhecido, outro entende de musica, outro e mordaz e espirituoso, outro c cronista de musica popular, etc. Em resumo, 0 corpo de jurados nos fornece uma forma (um significante), cujo eoneeito (significado) e crime de eriafao artis/ka. 0 que os produtores
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do programa desejam nos significar (consciente ou inconscientemente)? Em outras palavras, qual a significafao do programa? Parece-nos esta: Todos os produtos artisticos, sejam eles puro Kitsch ou obras pertencentes Ii cham ada ar/e de propos/a, sao passlveis de julgamento por representantes do born-sensa social. Antes de sustentarmos essa significa~ao, expJicitern as a terminologia empregada.
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I) Forma - A forma do mito 0 seu suporte material, urn significante roubado de outro sistema. Assim, do ·
cstatuto juridico nacional, retirou~se 0 significante corpo de jurados. que encontra a sua racionalidade no C6digo
Penal. No cotidiano brasiteiro, 0 corpo de jurados (0 tribunal do juri) dispoe de urna hist6ria pr6pria e de valores particulares: 0 drama de consciencia dos mernbros, a validade ou naD da instituil;ao, 0 conhecimento do Direitu, enfim tuda 0 que entra como componente necessaria na descril;ao do juri e que nos da 0 seu sentido. 0 que acontece quando urn sistema fortemente mitico como a produCao de program as de televisao se apropria desse sentido (que tambcm 0 significante) a para dar-Ihe uma forma? A prim-eira conseqUencia esvaziamento de sua hist6ria e a sua deformacao. Despi do de suas relacoes com 0 C6digo Penal e com a eriminalidade, em outros termos, fora da hist6ria juridica do pais, 0 significante corpo de jurados passa a ~er uma forma vazia, pronta para ser usada num outro sistema. De que modo? Atraves de urn novo significado, ou seja, de urn conceito.
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2) Conceito - No mito, 0 conceito implica no retorno da hist6ria, dos vaiores perdidos, mas agora sob lentes inteiramente novas. Assim, em corpo de jurados, que se apresenta oeo como lima casca de noz, injeta-se lima nova situacao, onde a "crime" passa a ser a transgressao a certos canones de criacao, e as jurados convertem-se num born punhado de representantes do bomsenso. 0 que os legitima? Antes de mais nada, a decisao arbitraria do produtor do prograrna, mas tam bern lima certa condicao social que os apregoa como cuitos e experientes, ergo, capazes de julgar. Desta maneira, 0 conceito mitico pecado ou crime de criafao artistica. Se a grupo fosse constituldo apenas de especialistas em musica (music610gos, maestros, professores, etc.).
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os espectadores teriam urn julgamen.tu puramente tec nico, e a Jeitura do mito teria de ser co nduzida de out ro modo. Mas, ao constituir urn "corpo de jurados", 0 programa liga 0 seu conceito it forma. E a inten ~ao final torna-se clara: trata-se de absolver e premiar 0 11 COI1denar e punir. 3) Significa~iio - E' 0 terceiro termu do sistema miticu e, ern ultima analise, 0 pr6prio mito, que resulta da associa~ao entre 0 coneeito e a forma. Paralela ao mito, ha sempre uma intenlYao, as vezes rnasea rada sob as aparencias. No caso do programa, 0 mito nos diz () seguinte: 0 publico e 0 juiz do _artista e de sua obta, ,e esse corpo de jurados, representante do publico, pade julgar 0 artista. Na verdade, a saciedade dos chamados hom ens honestos e industriosos sempre se arvorou a controlar au jul"gar 0 produtor da obra de arte, atraves do mereado au da eensura. Assim como 0 1011(':0, 0 artista sempre foi vigiado de perto pela sodeda<.t e industrial. Mas essa vi giJancia nunea se materializull num a instituit;ao diretamente representativa do publico - foi, antes, confiada it autaridade constituida nas func;ocs de censor au a grupas de elite que se feehavam nllm jargao teenica.
A aceita~ao do program a de Flavio Cavalcanti _ para quem preferir, a leitura popular do mito _ . deve-se exatamente a abertura desse "direito de julgar a obra de arten. Nao se trata, ja afirmamos, da arte classificada como elevada, mas daquela habitualmente consumida pelo publico ao qual se destin a 0 programa (a can~ao popular) . No plano do consumo, a cultura e tambem fortemente ideologizada. A identifica~ao do publico com 0 program a e propiciada exatamente pelo mito do corpo de jurados. No Brasil, a qualquer momento, todo e qualquer cidadao pod era ser chamado a integrar 0 verdadeiro tribunal do juri, institui~ao aberta, como se sabe, it participa~ao leiga. Da mesma forma, os telespectadores sentem-se mais ou men os capazes de integrar 0 tribunal da televisao, porque seus criterios de julgamento sao tambem leigos: um jurado e compositor, outro e cronista, outro e ator, outro se
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lembra das escalas musicais aprendidas na juventude, mas nenhum tem pad roes criticos acad~mi cos, que dependam de uma forma~ao escolar. Como no tribunal'do juri, a fun~ao de cada um deles e, mais do que dar uma aprecia~ao estetica, chegar a uma resposta para 0 quesito Cu/pado au lnocente? 0 reu e a can~ao ou seu au toe. Mas 0 que seria 0 crime, a transgressao, no programa em questao? Em geral, tudo aquilo que rompe com canones preestabelecidos por uma Ordem. Atraves de uma linguagem tautol6gica (0 bom e bom, 0 mau e maul, chega-se a uma especie de jus ti~a maniqueista, que s6 deixa uma alternativa para 0 produto artistico: absolvi~lio ou condena~lio. Exemplos de absolvi~lio: os compositores consagrados do pass ado, as composic;oes ja assimiladas, 0 bom-gosto moralista. Exemplos de condena~lio: a vanguard a (Caetano Veloso era tido como aceitAvel antes de mudar a imagem bem-comportada) , os lapsos morais, os erros de gramaticas, as canc;oes caipiras. Mas 0 condendve/, apesar dos termos simplistas em que e posto, nem sempre fica muito claro para 0 publico (e a televislio , ja dissemos antes, impoe uma redu~ao simplificadora dos elementos de sua mensa gem) . Para fazer passar a mensagem, 0 mito se carrega de form as ret6ricas fundadas em estere6tipos ja conhecidos por todo 0 publico. A aprese nta~lio de uma dup/a caipira, por exemplo, e urn recurso ret6rico do programa. Com seus signos claros de ruralidade paulista (chapeu de palha, camisa xadrez, viola, etc.), 0 cantor caipira e a pr6pria redundiincia ret6rica para a ideia que se quer transmitir de supera~lio, passadismo e · mau-gosto. Ao v~-Io, 0 cidadao de cultura de classe media e de ralzes urban as se compraz em pretensa superioridade.
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Por que? Porque 0 outro Ihe c imposto como grotesco. 0 estranho e Teratos, 0 monstro, do qual se deve obrigatoriamente rir e tripudiar. Aqui, 0 mito se disfar,a para agir: em seu mecanismo dualista de julgamento, 0 grotesco e 0 novo (a vanguarda, por exemplo) identificam-sc na mesma categoria do teratol6gico, do condenavel. E' na Ordem que 0 mito se aloja, mas no grotesco que se evidencia. E 0 animador do programa, as vezes, resume tudo numa exprcssiio de desconfian,a: "Estranho ... i" 6. 0 Chacrinha - Abelardo Barbosa, a Chacrinha, apontado por si mesmo e pelos jornais como "fenomeno de comunica,ao de massa", nao foge a regra geral de manipula,ao do grotesco. Mas, aqui, ja nao Iidamos com a mesma grande disfun,ao dos outros program as. E' preciso dizer, antes de mais nada, que a estrutura aparente (tomamos 0 termo emprestado ao Iingiiista Noam Chomsky, para designar aqui apenas os fatos de superffcie do programa) de um programa do Chacrinha na~ diferc' muito de qualqller olltro program a de auditorio. Como comunicador, 0 Chacrinha nao c bem 0 ingenuo ou 0 primitivo que se pensa. Os participa~tes de seu programa - calouros, cantores, convldados, etc. - sao selecionados de acordo com s~us criterios pessoais, formados ao longo de mUltos anos como profissional do radio e da televisao, sempre na sintonia das preferencias do publico a que se destin a a sua mensagem. Do program a do Chacrinha, assim como de outros ani~adores, fazem parte, par exemplo, compulsOflamente: 1) canto res de estiJo e . repert6.rio ultrapassados, de pessima qualidade; 2) calouros que, ,Par certas caracteristi,as fisicas (velhice, aus~ncl.a de dentes, debilidade mental) , provocam hllafldade au simpatia do publico. HIi, portanto, tambem no Chacrinha uma estrl1tura~ao tipol6-
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gica anterior It realiza,ao do programa. Ele sabe o que agrada ao seu publico. A diferen,a entre 0 Chacrinha e os outros animad ores esta menos na sua intencionalidade de c017lunicador (especial mente depois que ele tomou conhecimento desse termo e de algumas de suas implica,oes) do que em algumas singular idades - malgre lui-meme - de sua Iinguagem audiovisual. A compreensao desses aspectos podera aumentar a capac ida de informativa da mensagem do Chacrinha. Senao, vejamos: 1)
Irrea1iza~Ao
do traJe -
A rou pa do Chacrinha e
pura non-stnse: minissaia corn bin ada com botinhas it
Luis XV, babados, chapeu de pirala e assim por dian Ie. Ternos 3qui urna fusao, naD necessariamente harmonica, de sistemas vestimentares diversos. Ele usa minissaia,
traje exclusivo de outro sexo, sem se travestir; usa botinhas e babados de estilo Ifaristocratico", sem pre~ tender interpretar urn aristocrata j idem para 0 chapeu de pirala. 0 resultado final nao nos dA urn palha,o de lipo c1Assico. E cada urn dos significantes arrancados de sistemas diferentes se neutraliza no novo conjunto. Em LingUistica, esse fenomeno se chama mesmo neu~ tralizarao - 0 signo resultante e 0 arquifonema. Por exemplo: em atemao, 0 Idl normalmente uma octusiva linguodental sonora, mas no fim da palavra, tor· na-se surda: It!. Assim, Rad pronuncia-se da mesma forma que Rat. Diz-se, en tao, que houve neutraliza~ao
e
do fonema /d/ e conslitui,ao do arquifonema tralizado, 0 traje do Chacrinha
e,
IV. Ncu-
para n6s, engra~ado,
mas lambem irreal (falo de non-sense). Na folografia de modas, as poses jocosas e irreais das manequins irrealizam a mulher (0 significante) para ressaltar a
roupa (produlo a ser vendido). Com
e
0
Chacrinha, dA-se
o contrario: a roupa irrealizada para destacar 0 ani· mador (figura a ser vista). A neutraliza~ao dos varios significantes vestimentares tern apenas urn significado:
o Chacrinha. 2) Reeursos relorieos -
Alem de seu palavreado forte-
mente marcado pelo non-sense (embora os sells referentes passam ser perfeitamente claros para ete, nao o sao para 0 publico), 0 Chacrinha lanc;a mao de sign i-
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ficantes mimicas que, de algum modo, duplicam, stibstiw tuem ou anunciam 0 seu discurso, fixando a &ten~ao geral. Assim, ao colocar 0 dedo no canto da boca, ele dA ao publico urn Indice de sua fala (que se vai seguir) . Ao deslocar 0 dedo, para frente e para tras, no mow menta em que fala, ele constr6i, it maneira dos monges trapistas, urn significante paralelo, cujo significado e: 0 Chacrinha estA lalando. 3) Esses gestos podem investir¥se, as vezes, de fun~ao poetica: quando, por exemplo, ele tra~a circulos no ar com a ponta do dedo, acompanhados de uma divaga~ao (/froda, roda ... "), esta provavelmente, e consciente· mente, se referindo ao pr6prio ato de transmissao de seu programa - radar, em giria de teve, significa c%car no ar. Referir-se aos elementos de constitui~ao ou es¥ truturaclio da mensa gem e 0 que Jakobson design a como fun!;ao poetica da comunica~ao. Por outro lado, no plano da linguagem articulada, as seus ditos jocosos quase sempre obedecem a uma rima e as vezes se assemelham a versos de poetas consagrados pel a cham ada cultura elevada. Uma compara~ao: a) Chacrinha: "Co¥ mo vai, vai bem?/ Veio a pel Ou veio de trem/ ; b) Ascenro Ferreira: "Ohi, seu Ferramenta/ Voce cai ou se arrebenta/ ". 4) Marcas expresslv8s - Trata¥se aqui da utiliza~ao habilidosa de suas caracteristicas ffsicas (empurrar os ou¥ tros com a barriga, sorrir tonga e maliciosamente, etc.).
Afastada a estrutura9ao tipol6gica de mau-gosto a que ja nos referimos, 0 Chacrinha nos oferece um grotesco com fun9ao social. Suas incursoes pelo irreal, sua constru9ao de um pequeno mundo exagerado em gestos e trejeitos, sua provoca9ao do risivel pela irrisao, devolvem ao espectador brasileiro a figura, hA muito perdida, do palha90. Chacrinha e a prime ira boa adapta9ao da cultura oral ao medium eletronico. E (se quisermos coloca-Io num contexto maior), por que nao evocar a figura do louco? Chacrinha, na verdade, se aproxima da descri9ao c1assica dos loucos que divertiam as cortes orienta is e que foram introduzidos como bobos da corte no Ocidente pel os Cruzados. A eles, se permitia tocar nos tabus,
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atingir as pequenas verdades pelo cinismo, porque eram uma media9ao conveniente para a desinibi9ao Iiberadora das classes hip6critas. S6 depois do Renascimento (num processo que chegaria ao apice no seculo XIX), com a reestrutura9ao racional de seu espa90, e que 0 homem da sociedade industrial resolveu encerrar os loucos em asilos. Ate meados do seculo XVII, eles divertiam e eram ate exaltados intelectualmente. o clown, 0 palha90, e 0 louco profissional. S6 ele pode sorrir sonora mente ante 0 escandalo da existencia e levar-nos a reconhecer a nossa condi9ao tragicomica. A mimica do palha90 e a estiIiza9ao do nosso ridiculo cotidiano - nossos habito~ repetidos, nossos estere6tipos. Para fazer rir da realidade, ele, inconscientemente, se distancia dela, apontando-a, no mesmo movimento revelador do grotesco. o Chacrinha e 0 bobo da corte do consumo. Ele nao nos impinge uma falsa verdade: seu programa nao se disfar9a como educador ou artistico. Ele nos faz ver (repetimos: apesar dele pr6prio) 0 ridfculo de nossa seriedade como "sociedade de con sumo" . .. e 111 vai bacalhau na car a de quem nao tem dinheiro para compra-Io, mas consome televisao! 0 Chacrinha e, em suma, o palha90 adaptado a circuiticidade eletronica. o bacharel quer fazer discurso em seu programa? La vai 0 dedo desmoralizador na boca do chato!
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