1
2
3
A BÍBLIA SOB ESCRUTÍNIO
EMERSON ALVES BORGES
4
5
SUMÁRIO
Prólogo.......................................................................................7 01 - O Grande Questionamento................................................9 02 - As Origens.........................................................................16 03 - As Influências...................................................................23 04 - O Universo.......................................................................26 05 - A Bíblia............................................................................31 06 - O Relato da Criação..........................................................41 07 - Mitos e Lendas.................................................................47 08 - A Evolução.......................................................................56 09 - O Dilúvio..........................................................................70 10 - O Êxodo............................................................................77 11 - Os Patriarcas....................................................................84 12 - O Caso Davi.....................................................................89 13 - O Machismo.....................................................................93 14 - Deixai vir a mim as Criancinhas......................................98 15 - Injustiça, Crueldade e Violência......................................107 16 - A Escravidão..................................................................114 17 - As Incoerências...............................................................121 18 - As Contradições..............................................................130 19 - Jeová v/s Jesus................................................................139 20 - Os Evangelhos................................................................144 21 - A Construção do Mito Jesus............................................153 22 - Um Jesus Desconhecido..................................................163
6
23 - Jesus e as Profecias.........................................................173 24 - Um Jesus Irado...............................................................181 25 - Os Apóstolos...................................................................189 26 - Morte e Ressurreição.......................................................195 27 - Falsificadores.................................................................204 28 - As Profecias....................................................................219 29 - O Fim do Mundo............................................................231 30 - Os Sinais do Fim.............................................................236 31 - O Século Catorze.............................................................243 32 - O Crescimento Populacional...........................................250 33 - Raízes Mitológicas.........................................................255 34 - Os Dragões......................................................................264 35 - Sansão v/s Hércules........................................................273 36 - O Politeísmo no Antigo Israel.........................................277 37 - Um Deus Provador.........................................................288 38 - Um Deus Narcisista.......................................................295 39 - A Teoria do Supermercado...............................................304 40 - Conclusão.......................................................................315 Epílogo..................................................................................319
7
8
9
01 - O GRANDE QUESTIONAMENTO A vida do ser humano é curta e passageira, cheia de imprevistos e mudanças que podem levá-lo do êxtase ao desespero, uma caminhada cheia de obstáculos rumo a morte. Sem a menor chance de fugir dessa verdade cruel, o ser humano tenta de todas as formas encontrar uma explicação que possa amenizar esta triste sina. Do intelecto humano já surgiu de tudo, desde imortalidade da alma a reencarnação, de vida eterna no céu ao tormento eterno no inferno de fogo ou talvez uma chance de purificação num purgatório ou limbo, sem falar num paraíso junto a Alá ou um estado de elevação espiritual chamado nirvana, tudo isto baseado numa sensação chamada por muitos de fé, palavra essa que denota firme convicção em algo a despeito de qualquer tipo de prova ou critério objetivo de verificação, portanto algo sem evidência ou comprovação clara. Desde os tempos remotos o ser humano tenta desvendar este mistério. Os antigos povos sumérios e acadianos já tinham suas crenças sobre vida após a morte e algum tipo de adoração a antepassados falecidos. Os mortos eram enviados para um mundo subterrâneo do qual não havia retorno. Os vivos reverenciavam os mortos, pois acreditavam que assim garantiriam o bom andamento das coisas no mundo dos vivos. Não existia concepção de julgamento pós-morte entre os mesopotâmicos. Acreditava-se que o “espírito” dos mortos atravessava um rio até o “sombrio” mundo dos mortos, onde permaneceria pela eternidade (Jeremy Black and Anthony Green. Gods, Demons, and Symbols of Ancient Mesopotamia, Fifth University of Texas Press Printing, 2003).
10 Os maias, astecas e incas chegavam a fazer sacrifícios humanos, arrancando o coração da vítima ainda por pulsar e bebendo seu sangue diante do Deus Sol, numa tentativa de prolongar sua vida e acalmar sua divindade. Nas festividades da colheita os astecas davam as vítimas de sacrifícios taças de chocolate para que as almas chegassem mais rápido ao céu de uma forma que agradasse as divindades, pois o chocolate era considerado o alimento dos Deuses. As vítimas sacrificiais deveriam ser perfeitas e havia grande honra em conhecerem e serem escolhidas pelo imperador, tornando-se, depois da morte, espíritos com caráter divino que passariam a oficiar junto aos sacerdotes (Guy Annequim, Religião e Ciência entre os Maias, A Civilização dos Maias. Rio de Janeiro, Otto Pierre Editores, 1977). No antigo Egito o processo de mumificação era uma tentativa de vencer a morte. Quando o corpo morria sua alma ia para o Reino dos Mortos. Enquanto a alma residia nos Campos de Aaru, o Deus Osíris exigia pagamento pela proteção que ele propiciava. Acreditava-se que colocando bastante riqueza junto ao morto, ele teria mais facilidade em sua outra vida. Obter a recompensa no outro mundo era uma verdadeira provação, exigindo um coração livre de pecados e a capacidade de recitar encantamentos, senhas e fórmulas do Livro dos Mortos. No Salão das Duas Verdades, o coração do falecido era pesado contra uma pena da verdade e justiça, retirada de um ornamento na cabeça da deusa Maet. Se o coração fosse mais leve que a pena, a alma poderia continuar, mas, se fosse mais pesado, a alma era devorada pelo demônio Ammit (Rosalie David, Religião e Magia no Antigo Egito. Difel, 2011. ISBN 9788574321165). No poema épico Odisseia, Homero refere-se aos mortos como “espectros consumidos”. Uma ultravida de eterna bemaventurança existiria nos Campos Elísios, mas estaria reservada
11 para os descendentes mortais de Zeus. Em seu Mito de Er, Platão descreve almas sendo julgadas imediatamente após a morte e sendo enviadas ou para o céu como recompensa ou para o submundo como punição. Depois que seus respectivos julgamentos tivessem sido devidamente gozados ou sofridos, as almas reencarnariam. O Deus grego Hades é conhecido na mitologia grega como rei do submundo, um lugar gélido entre o local de tormento e o local de descanso, onde a maior parte das almas residiam após a morte. Os romanos tinham um sistema de crenças similares quanto à vida após a morte, com Hades sendo denominado Plutão. O príncipe troiano Enéas, que fundou a nação que se tornaria Roma, visitou o submundo de acordo com o poema épico Eneida (Junito de Souza Brandão, A vida após a morte na Grécia Antiga. “Mitologia Grega", Vol. II. Petrópolis, Vozes, 2004). Povos tribais na Melanésia, na Polinésia, na Nova Guiné, na Índia, na Ásia, na África e nas Américas do Sul e do Norte, acreditam que os espíritos dos mortos são capazes de infligir todo tipo de danos aos vivos, sendo os parentes próximos considerados como os mais letais (James George Frazer. The Belief in Immortality and the Worship of the Dead. Londres, Macmillan, 1913). Todas estas crenças refletem a inconformidade do ser humano diante da morte. Muitas pessoas não satisfeitas com a esperança do além túmulo desenvolveram crenças relacionadas com poções mágicas, águas milagrosas ou árvores da vida que supostamente poderiam prolongar a vida eternamente. Os alquimistas chineses criaram vários elixires contendo cinábrio, enxofre, arsênico e mercúrio. Joseph Needham fez uma lista de imperadores que morreram provavelmente por ingerirem esses elixires. Na mitologia grega a Ambrosia, o manjar dos deuses do Olimpo era tão poderoso que se um mortal o comesse,
12 ganharia a imortalidade. Segundo os alquimistas europeus, um elixir poderia ser sintetizado por meio da Pedra Filosofal prolongando a vida somente até que um acidente os matasse. Johann Conrad Dippel teria elaborado um óleo animal, chamado de Óleo de Dippel, que alguns acreditavam ser o elixir da longa vida. Uma destacada lenda urbana diz que o cientista Isaac Newton criou e bebeu essa poção, mas em vez de proporcionarlhe a vida eterna, proporcionou-lhe a morte. O clássico mito sumério “A Epopéia de Gilgamés”, uma das mais antigas obras literárias conhecidas narra a incessante busca do herói por uma fonte milagrosa que curava e tornava a pessoa imortal. Pausànias, geógrafo e historiador grego do 2º século d.C., misturando lenda e realidade, falava de uma fonte que chamava de Calatos, situando-a próximo a Náuplia, no Peloponeso, na qual Hera se banhava para parecer sempre jovem e bela a Zeus, seu marido. Alexandre, o Grande, teria procurado pela fonte da juventude (ou pelo rio da imortalidade) durante sua campanha na Índia. Uma das razões pelas quais Fernando e Isabel, os Reis Católicos da Espanha, patrocinaram as viagens de Cristóvão Colombo era encontrar a fonte da juventude. O explorador espanhol Juan Ponce de León (1460-1521) tinha mais de 50 anos quando empreendeu a procura da fonte da juventude e do rio da imortalidade (Gonzalo Fernández de Oviedo, Historia General y Natural de las Indias, Livro 16, Capítulo XI). Obviamente, todos estes esforços se mostraram inúteis e acabaram em desilusão. Alguns escritos religiosos da antiga Caldeia afirmam que próximo de Eridu havia um jardim com uma misteriosa árvore sagrada plantada por divindades, cujas raízes eram profundas e os ramos atingiam o céu. Era protegido por espíritos guardiões onde nenhum homem poderia entrar. Na antiga literatura babilônica há frequentes referências à árvore da vida. Representações da árvore são frequentes em baixos-relevos e selos de alabastro. Seus frutos
13 supostamente conferiam vida eterna aos que comessem deles. Os antigos egípcios, também possuíam lendas similares sendo que numa delas se apresentava a crença de que, depois do Faraó morrer, havia uma árvore da vida da qual teria de comer para se sustentar no domínio do seu pai, Rá. Na mitologia grega acreditava-se que nos Jardins das Hesperides, localizado numa ilha do oceano existiam as maçãs de ouro. Eram muito famosos na antiguidade, pois era lá que fluíam as fontes de néctar pelo divã de Zeus, ali a terra exibia as mais raras bênçãos dos deuses. Os persas possuíam uma tradição duma árvore da vida, a haoma, cuja resina conferia a imortalidade. A tradição chinesa menciona sete árvores maravilhosas. Uma delas, que é de jade, conferia a imortalidade pelo seu fruto. A mitologia escandinava fala de uma árvore sagrada chamada Yggdrasill, sob uma de suas raízes emanava uma fonte em que residia todo o conhecimento e toda a sabedoria. A mitologia nórdica fala de uma Deusa chamada Iduna que guardava numa caixa as maçãs da imortalidade, que os Deuses partilhavam a fim de renovar a juventude. Segundo a bíblia, a árvore da vida era uma das duas árvores especiais que Deus colocou no centro do jardim chamado Éden. O primeiro casal humano foi impedido de alcançar esta árvore após terem desobedecido ao mandamento divino. Foram assim expulsos desse jardim ou paraíso original. Como forma de impedir que alguém voltasse a entrar no jardim e consequentemente comesse dos frutos da árvore da vida, Deus colocou criaturas sobrehumanas chamadas querubins, que possuíam uma espada de fogo que girava continuamente. (Count Eugene Goblet d'Alviella, Symbols: Their Migration and Universality. Dover Publications, 2000. ISBN 978-0486414379). Estes exemplos nos mostram que o ser humano desde seus primórdios, busca desesperadamente achar um sentido para a vida, um objetivo para sua existência. De onde viemos? O que
14 fazemos aqui? Para onde vamos? Porque a vida é tão atribulada? O que significa a morte? Esses e muitos outros questionamentos têm angustiado a humanidade. Quando a morte lhe parecia iminente o pintor francês Paul Gauguin pintou um quadro descrito como “derradeira expressão da força artística”. O livro “Paul Gauguin 1848-1903: O Sofisticado Primitivo” (em inglês) diz: “O espectro da atividade humana abrangido pelo quadro cobre todo o curso da vida, do nascimento à morte... Ele interpretava a vida como um grande mistério.” Gauguin chamou esse quadro de “De onde viemos? O que somos? Para onde vamos? (D’où venons-nous? Que sommes-nous? Où allons-nous?). O quadro de Gauguin levantou perguntas sobre o sentido da vida. Alguns preferem não pensar muito sobre tais assuntos, acham que devemos viver a vida da melhor maneira possível, sem muita preocupação com este tipo de questão, pois refletir sobre isso não levará a nada e acabaremos frustrados e se insistirmos neste tipo de questionamento ficaremos deprimidos. Mas o intelecto humano não se contenta em apenas aceitar as coisas como são, afinal é isso que nos separa dos demais animais, que simplesmente vivem suas vidas sem questionar o sentido dela. Os animais irracionais não questionam sua origem, o objetivo de estarem aqui e para onde vão, suas preocupações se resumem em conseguir alimento, fugir dos predadores e perpetuar a espécie através do acasalamento, aliás, nem podemos dizer que essas coisas são uma preocupação, mas sim um instinto natural que comanda suas vidas. Já o ser humano é um animal racional, que acumula conhecimento através das eras, tem a capacidade de se auto avaliar e aprender de seus erros. Porém é imprevisível nos seus atos, pode num momento fazer coisas terríveis e em outro demonstrar o mais sublime amor. Tanto é assim que não nos conformamos em ser um animal mais evoluído, não, precisamos ser algo mais, é necessário haver
15 um propósito para nossa existência, temos de fazer parte de algo maior, afinal somos segundo a bíblia a imagem de Deus, criados a sua semelhança, filhos de um ser superior que se preocupa conosco, que está interessado em nossas decisões, que se importa com nossas ações. Desta forma nos sentimos importantes, queridos e amados, quem não gosta de si sentir assim? Esta crença num ser transcendental massageia nosso ego, eleva nossa autoestima. “Se não existisse Deus, então seria necessário inventá-lo” já dizia Voltaire (Si Dieu n'existait pas il faudrait l'inventer. Collection complette des oeuvres de Voltaire. Volume 22, página 406). Esta frase define bem a necessidade do ser humano de crer em algo superior. E realmente a humanidade desde o começo de sua história tem de alguma forma criado algum tipo de deidade, recorrendo a está nos momentos de dificuldade. Há traços de religiosidade nas mais antigas formas de expressão, desde desenhos rupestres encontrados em cavernas datados do período Paleolítico às formas de escrita mais primitivas como as cuneiformes e os hieróglifos egípcios.
16
m grande parte das civilizações antigas observamos diversas deidades invocadas para muitos e variados propósitos como abençoar as plantações, ajudá-los em suas guerras, protegê-los de doenças, terem êxito em seus projetos, entre outros assuntos cotidianos. Os babilônicos adoravam Marduc, Ishtar, Tiamat, Tamuz, Ea, Anu, Adad entre outros. Os antigos egípcios adoravam vários Deuses como a tríade Ísis, Osíris e Hórus, o Deus Sol Amom-Rá e até mesmo o rio Nilo, pois graças as suas enchentes estendia-se um vale fértil que dava precioso alimento para aquela nação. Os maias, incas e astecas adoravam o Sol, a Lua, as estrelas e os trovões, por que eram coisas e fenômenos que não entendiam. Aquele estrondoso barulho de um trovão era incompreensível para aqueles primitivos humanos. Parecia-lhes que um Deus falava com eles, um ser superior emitindo sua imponente voz e coincidentemente após sua fala a chuva trazia vida e alimento, tão essenciais para a sua sobrevivência. Entretanto, a medida que as civilizações evoluíam, seus Deuses tinham que evoluir também, para satisfazer um intelecto de pessoas um pouco mais cultas. Passou-se a entender melhor certos fenômenos naturais e as pessoas não se contentavam mais com Deuses simples e rudimentares. Tornou-se necessário criar Deuses mais complexos, mais interessantes para satisfazer um ser humano mais analítico, mais questionador, assim surgiram os Deuses Greco-romanos, mais pessoais, parecidos conosco, tendo angústias e conflitos. Alguns passaram a interagir conosco, vivendo entre nós, tendo filhos que se tornaram poderosos, filhos de Deuses com humanos, eram fortes, uma força descomunal, como Hércules da mitologia grega ou os Nefilins descritos na
17 bíblia. Surgiram Deuses para satisfazer cada faceta do ser humano, por exemplo, na mitologia grega o amor era personificado por Afrodite, a guerra por Ares, a sabedoria por Atena, a caça e a vida selvagem por Ártemis, a morte por Hades. Havia um panteão de Deuses tendo como pai Zeus e mãe Hera, viviam no monte Olimpo, um lugar muito acima de nós e ali articulações e conspirações aconteciam entre eles, tornando-os muito parecidos conosco (Sarah Iles Johnston [Editor], Religions of the Ancient World: A Guide. Belknap Press of Harvard University Press, 2004. ISBN 978-0674015173). Paralelamente com este movimento surge entre os povos semitas nômades que viviam na Mesopotâmia entre os vales férteis do rio Tigre e Eufrates, uma nova tendência na religiosidade das pessoas. Surgia a noção de um Deus único, pessoal e perfeito, diferente da cultura helenística. Ele não tinha angústias ou conflitos pessoais, estava bem acima de nós, não apenas na questão de poder, mas também na personalidade, não tinha fraquezas como o ser humano ou os Deuses Greco-romanos. Toda culpa pelo sofrimento humano passa a recair sobre nós mesmos. Surge o conceito de que pecamos contra este único Deus todo poderoso e criador de todas as coisas. Teríamos virado as costas para ele, o rejeitamos, e visto que “não conseguimos” tomar decisões corretas sem a ajuda dele, passamos a sofrer as consequências desse ato de rebeldia. Movimentos migratórios a procura de novas pastagens levaram certos semitas à região próxima do rio Jordão, região conhecida na época por Canaã. Ali segundo a bíblia, Abraão, patriarca de uma grande e próspera tribo, erigiu um altar e sacrificou um animal para demonstrar a este Deus único que tinha consciência de sua condição pecaminosa e ansiava uma reconciliação. Algum tempo depois tentou sacrificar seu próprio filho segundo ele a pedido de Deus, que no momento do sacrifício
18 intercedeu aceitando um animal no lugar. Este acontecimento viria a influenciar todo um modo de pensar, primeiramente dos descendentes de Abraão que viriam a ser os hebreus (que significa andarilho ou “aquele que atravessa para o outro lado”) ou israelitas, devido ao nome de um neto de Abraão chamado Jacó, também conhecido como Israel. Segundo Abraão, Deus lhe prometeu que entre seus descendentes surgiria um enviado dele, que morreria a fim de redimir a humanidade. Esta promessa influenciou fortemente a linhagem de Abraão, que através dos tempos se tornou uma grande nação. Toda essa crença moldou o Judaísmo, a religião de uma das doze tribos de Israel, a tribo de Judá. Milênios depois surgiu um pregador entre os judeus e se auto proclamou o Messias que significa ungido ou escolhido. Este personagem influenciou fortemente a religiosidade das pessoas de sua nação. Não pretendia criar uma nova religião, antes tentava reformar um sistema religioso que considerava corrompido. Dava atenção aos pobres e menos favorecidos, condenando os líderes religiosos judaicos que na sua concepção eram hipócritas. Depois de um curto período de pregação, este homem foi preso, torturado e morto às mãos da autoridade romana que na época subjugava toda aquela região. Este triste desfecho causou um grande frenesi entre seus seguidores, que de uma maneira impressionante divulgaram a mensagem de que seu líder havia sido ressuscitado dentre os mortos. Surgiu assim uma forte tendência religiosa que de uma maneira sutil e progressiva foi tomando o lugar da adoração politeísta de origem grega. Esta mensagem de um Deus preocupado e interessado numa reconciliação, chegando a ponto de enviar um representante para interceder por nós, ou como muitas religiões afirmam, Ele próprio vindo e intercedendo por nós, mostrou-se muito atraente em comparação com os Deuses
19 soberbos e egoístas que se divertiam com o ser humano. Aos poucos esta nova religiosidade foi tomando conta de todo o Império Romano, crescendo de tal forma que em apenas três séculos tornou-se a religião oficial de Roma. Seu poder tornou-se tal que seus líderes religiosos tiravam e colocavam imperadores a seu bel prazer. Diante de tanto poder, seus clérigos ficaram corruptos, veja só que ironia, a mesma corrupção que seu fundador séculos antes combatia. Depois de quase um milênio de abusos como venda de indulgencias, inquisições e cruzadas, explorando o povo e derramando muito sangue inocente, surgiram alguns reformadores que começaram a questionar certos abusos. Homens como João Calvino, Martim Lutero, John Wycliffe e Jan Huss começaram um movimento de reforma que causou muitas divisões. Aparecem assim novas religiões, tentando encontrar aquela original mensagem, porém sem muito sucesso. Entretanto esta crença tornou-se a base da fé de bilhões de pessoas (Willard G. Oxtoby and Amir Hussain, World Religions: Western Traditions. Oxford University Press, 3ª edição, USA, 2010. ISBN 978-0195427172). Qualquer pessoa que more na Europa ou nas Américas conhece muita bem esta história que resumidamente acabo de contar, porque de uma forma ou de outra a esmagadora maioria de tal população teve sua religiosidade influenciada pelo cristianismo. A figura de Jesus Cristo é amplamente conhecida e reverenciada de diversas formas. Só para se ter uma ideia, os cristãos como são conhecidos os seguidores de Cristo estão subdivididos em vários ramos ou vertentes diferentes. Segundo alguns dados recentes, calcula-se que dos sete bilhões de seres humanos existentes hoje em nosso planeta, dois bilhões professam ser cristãos, destes, um bilhão são adeptos do catolicismo, os restantes estão divididos entre protestantes, anglicanos, ortodoxos, de fronteira, pentecostais,
20 neopentecostais, entre outras. Cada um tem sua própria maneira de interpretar e viver os ensinos de Jesus. Dentro dessas principais divisões existem milhares de subdivisões ou pequenas religiões que diferem em alguns pontos ou dogmas, transformando o cristianismo numa grande árvore cheia de galhos, cada qual defendendo ferrenhamente sua maneira de pensar, infelizmente alguns de forma fanática e intolerante. Em outra região de nosso planeta encontramos mais de um bilhão de outros seres humanos que professam uma fé diferente da fé cristã. Tudo começou quando um jovem árabe ficou revoltado com o poder exercido em Meca, um influente centro de adoração no oriente médio, onde existe a Caaba, que segundo a tradição islâmica foi originalmente construída por Adão, seguindo um protótipo celestial e depois do dilúvio reconstruída por Abraão e Ismael, seu filho com uma serva egípcia chamada Agar. Trata-se de um edifício em forma de cubo onde se reverencia um meteorito negro. Incomodado e descontente com os ensinos da religião árabe, como o politeísmo e animismo, a imoralidade nas assembleias, as bebedeiras, jogatinas e danças, o sepultamento em vida de bebês do sexo feminino indesejados, entre outras coisas, este jovem que tinha o costume de ir a uma caverna meditar, afirmou que numa destas ocasiões recebeu um chamado de Deus para ser profeta. Segundo a tradição mulçumana, um anjo chamado Gabriel lhe revelou a vontade divina. Depois de treze anos de perseguição por parte dos líderes religiosos árabes, ele transferiu seu centro de atividades de Meca para Medina ao norte. Esta emigração tornou-se um marco importante na história islâmica, sendo esta data o ponto de partida no seu calendário. Com o tempo Maomé como já era conhecido obteve domínio sobre Medina, tanto religioso como político. Daí em diante Maomé reunificou as tribos árabes, nascendo assim outra
21 doutrina religiosa ensinando a submissão a Alá, um Deus único e todo poderoso que escolheu Maomé como seu principal profeta, e o conjunto de seus escritos, o Alcorão, como seu livro sagrado. Parecido com a fé cristã em alguns de seus ensinos, como de um Deus único, um livro sagrado e incentivo a uma vida devota a Deus, tal crença conquistou bilhões de adeptos, influenciando a vida e a religiosidade destas pessoas (Karen Armstrong, A History of God. Ballatine Books, 1993. ISBN 0-345-38456-3). Este breve resumo da origem da religiosidade humana, desde os tempos primitivos passando pelas religiões greco-romana, cristã e islâmica nos leva a seguinte conclusão: a angústia e a ansiedade do ser humano devido a coisas que ele não consegue entender o induz a tentar achar na religião uma resposta que conforte sua inquietude. À medida que o ser humano evolui, a religião se torna também mais evoluída para suprir esta sociedade mais questionadora. Conforme notamos na história das religiões, o surgimento de novas tendências não raro acontece devido ao descontentamento de certas pessoas ou classes com o poder religioso então estabelecido. Podemos ver um exemplo disso em Sidarta Gautama, ou Buda, como é popularmente conhecido. Insatisfeito com o sistema de castas do hinduísmo, religião predominante na Índia, Buda cria uma nova maneira de entender o sofrimento humano, disseminando esse ensino por onde passava, atraindo a si muitos discípulos. Da mesma forma Jesus criticou duramente os líderes religiosos judaicos, Maomé revoltou-se com certas práticas da religião árabe, Martim Lutero e João Calvino protestaram contra o poder exercido pelo catolicismo. Portanto toda religião existente hoje se origina da insatisfação para com outra, que da mesma maneira surgiu do protesto para com outra e assim sucessivamente até chegarmos às religiões mais primitivas como o animismo e as religiões tribais, formas
22 bem simples de adoração, que por fim tem suas origens no próprio ser humano, nos seus processos de raciocínio, suas necessidades, seus temores e neuroses. Toda e qualquer religião origina-se do ser humano, é desenvolvida e estabelecida pelo ser humano e reformada ou mudada devido à evolução do próprio ser humano. Qualquer afirmação de que existe uma orientação ou uma intervenção divina no surgimento de determinada religião, nada mais é do que uma tentativa do próprio ser humano de dar uma confirmação ou uma auto afirmação para sua fé. Visto que todas as manifestações religiosas são na realidade fruto da própria mente humana, nenhuma pessoa ou religião pode afirmar possuir a “verdade” sobre assuntos relacionados com a fé.
23
religiosidade é uma área muito pessoal e particular de cada um e sofre a influência de vários fatores que podem determinar o rumo religioso que uma pessoa tomará. De certa forma somos influenciados pela religião predominante em nosso meio ou no lugar que nascemos. As pessoas que nascem e vivem nas Américas tem forte inclinação a serem cristãs, isto porque os países que colonizaram as Américas eram de cultura cristã. A América Latina por ter sido colonizada por Portugal e Espanha, países com forte influência católica, teve impregnada em sua cultura a religiosidade católica. Podemos notar isso pela privilegiada localização de suas igrejas sempre no ponto inicial de fundação das cidades. Ao se fundar uma cidade a primeira coisa a se construir era uma igreja. A própria Igreja Católica enviava missionários aos países colonizados para catequizar o povo nativo. Os jesuítas tiveram um papel de destaque nestas missões. Portanto não é de admirar que países como Brasil e México tenham fortemente arraigados em sua cultura a religiosidade católica. Trata-se de uma tradição de séculos que vem sendo passada de pai para filho através de gerações. Por isso existem mais católicos na América Latina do que em qualquer outro lugar do mundo. Já na China, por exemplo, país que não foi colonizado por uma nação cristã, a realidade religiosa e totalmente diferente. Metade da população chinesa que chega a mais de um bilhão de pessoas, não professa fé alguma, isto porque a China vive um regime Comunista desde 1949, que desestimula a população ter uma religião. A outra metade da população segue crenças
24 populares chinesas que fazem parte deste país a milênios como o Budismo, Confucionismo e o Taoísmo. Nos países árabes a realidade religiosa é islâmica, uma cultura e tradição completamente diferente tanto da China como das Américas. No mundo árabe, noventa por cento da população vive a fé mulçumana. Tanto na China como nos países árabes os cristãos são uma minoria quase insignificante, assim como também nas Américas os mulçumanos e os budistas são a minoria (Pew Research Forum on Religion & Public Life e The Association of Religion Data Archives). Esta realidade existe porque as pessoas em geral não gostam de ser diferentes da maioria, querem ser aceitos no meio em que vivem, por isso em geral seguem a religião que seus pais e avós seguiam, ou que a maioria em sua comunidade segue. A possibilidade de uma pessoa que nasceu e vive nas Américas ser cristã é muito grande, porém um chinês dificilmente se tornaria um cristão, pois no mundo oriental a cultura cristã e mínima, quase insignificante. A chance de um chinês se tornar cristão é a mesma de um brasileiro se tornar budista, existe essa possibilidade, mas é muito remota, como também é remota a possibilidade de uma pessoa nascida no mundo árabe se tornar um cristão. A grande verdade e que a maioria das pessoas escolhe sua religião pelo lugar que nasce ou que vive. Não podemos desconsiderar também certos fatores pessoais que podem fazer com que alguns desenvolvam sua religiosidade ou até mesmo mudem sua inclinação religiosa. Talvez a morte de um ente querido, um acidente pessoal, um revês financeiro, uma desilusão amorosa, uma doença, são algumas situações que podem levar uma pessoa a buscar conforto e amparo em alguma religião, talvez sendo mais assíduo em sua própria religião de origem ou mudando de religião. O inverso também acontece,
25 pessoas antes religiosas perdem sua fé devido a certas mudanças drásticas em suas vidas. Todas estas variantes exemplificam bem a complexidade do ser humano. Nós temos características ímpares, temos um universo próprio e peculiar, que pode ser moldado por diversas circunstâncias como criação familiar, o ambiente em que vivemos, traumas sofridos, conflitos, tendências e influências, que de uma forma ou de outra contribuem para a construção de uma personalidade. Portanto fica difícil determinar de forma individual qual rumo uma pessoa tomará na sua busca por respostas as suas angústias e questionamentos. Infelizmente muitos seguem o caminho do fanatismo religioso, que tanto mal tem causado em nossa sociedade. O ser humano mais perigoso é aquele que não admite a possibilidade de estar errado. Muitas religiões tentam impor suas crenças sobre outras pessoas, fazendo uma verdadeira lavagem cerebral. Esta forma agressiva de conversão tem tido grande aceitação nas classes mais pobres e menos instruídas. Tal população recebe bem a mensagem de que foi escolhida por Deus e que vai ser abençoada tanto nesta vida como na vida após a morte. Para quem não consegue ver uma perspectiva de realização em sua vida, encontra na mensagem de certas religiões uma maneira de se sentirem importantes, queridos, participantes de algo maior, isso faz bem para sua autoestima. Por outro lado, tais religiões na maioria das vezes causam um estado de inércia intelectual, inibindo qualquer tentativa pessoal de evoluir como ser humano, transformando seus adeptos em marionetes nas mãos de certos líderes religiosos que manipulam as massas construindo para si grandes impérios as custas da inocência e ingenuidade de seus rebanhos. Este tipo de fanatismo normalmente vem acompanhado de intolerância e preconceito, levando a atitudes ignorantes e até mesmo violentas.
26
asta analisarmos com um pouco mais de profundidade a grandiosidade do universo, para percebermos como são pequenas nossas divergências sejam elas culturais, econômicas, raciais, religiosas, políticas e filosóficas. Vivemos num minúsculo planeta situado no sistema solar que por sua vez faz parte da galáxia Via-Láctea. Nós, insignificantes seres humanos, estamos como que presos neste planeta, pois se nos afastarmos apenas alguns quilômetros em direção ao espaço morreremos por falta de uma atmosfera que nos permita respirar. Com muita determinação, gastando bilhões de dólares, usando os mais renomados cientistas, após muitas tentativas, unindo todo o conhecimento tecnológico acumulado por anos de estudo, conseguimos ir à Lua, um satélite natural que gira em torno de nosso planeta. Calcula-se que daqui algumas décadas conseguiremos fazer uma viagem tripulada a Marte, o planeta mais próximo do nosso, pode-se dizer “aqui do lado”. Mas para isso, usando toda nossa ciência, levaremos segundo alguns cálculos otimistas, dois anos para ir e dois anos para voltar, isto se não acontecer nenhum imprevisto, porque já enviaram algumas pequenas naves sem tripulação e o resultado não foi o esperado. Agora pense, todo esse esforço para chegarmos em nosso vizinho, o planeta Marte. Só que depois de Marte a uma sucessão de planetas como Júpiter, Saturno, Netuno, e após estes saímos de nosso sistema solar entrando em um novo sistema, tendo no centro uma estrela e vários planetas girando em sua volta. Calcula-se que apenas em nossa galáxia exista cem bilhões de estrelas semelhantes ao nosso Sol, a maioria com vários planetas
27 girando em torno de tais. Para termos uma ideia basta olharmos para o céu numa noite estrelada. Se o homem conseguisse viajar a velocidade da luz, aproximadamente trezentos mil quilômetros por segundo, algo impossível com a atual tecnologia humana, vemos isto acontecer apenas em filmes, na vida real creio que a humanidade levará milhões de anos para chegar a este conhecimento, mas suponhamos que num futuro distante o ser humano consiga viajar a velocidade da luz, que tal façanha se torne possível, sabe quanto tempo levaríamos para atravessar a nossa galáxia, a Via Láctea? Levaríamos cem mil anos! Isto mesmo, apenas para atravessar a nossa galáxia. Agora você faz ideia quantas galáxias existem? Calcula-se que existam mais de cem bilhões de galáxias no universo e aproximadamente cem bilhões de estrelas em cada galáxia. Astrônomos estimam que cerca de ¾ dessas estrelas possuem planetas ao seu redor, isto nos leva a dez sextilhões de planetas no universo, o número um seguido de vinte e dois zeros. Existem mais planetas do que os grãos de areia de todas as praias do mundo. É totalmente contrário as leis da probabilidade afirmar que somos a única espécie inteligente do universo, seria no mínimo um desperdício muito grande de espaço. Consegue perceber nossa insignificância diante da imensidão de nosso universo? (Carl Sagan, Pálido Ponto Azul. Companhia das Letras, 1994. ISBN 0-679-43841-6). Nosso planeta assemelha-se a uma grande espaçonave que vaga a esmo pelo universo infinito, tendo nele o necessário para nossa sobrevivência. Não conseguimos nem mesmo ir a Marte, quanto mais sairmos de nosso sistema solar ou de nossa galáxia. Parecemos uma pequena formiguinha que não consegue chegar à fazenda vizinha, quanto mais a outro país ou continente (Carl Sagan, Cosmos. Editora Francisco Alves, 1980. ISBN 0-37550832-5).
28 Realmente nossa pequenez e fragilidade são claramente expostas quando ocorre um fenômeno natural em nosso planeta, como um furacão, um terremoto, um maremoto ou a erupção de um vulcão. Todos esses nos fazem parecer pequeninos insetos incapazes de fazer algo em favor da sobrevivência Portanto quem confinado dentro deste pequeno planeta pode afirmar que não existe vida em outros planetas? Não conseguimos nem sair daqui! Quem pode garantir que em outros sistemas ou galáxias não existam civilizações talvez bem mais evoluídas que a nossa e simplesmente tais seres preferem não se intrometer em nossos insignificantes assuntos, ou talvez sejam primitivos demais e assim nem fazem ideia de que existimos. Já pensou que situação peculiar? Eles não conseguem sair de lá e nós não conseguimos sair daqui! Todas estas possibilidades existem e ninguém preso a este pequeno planeta pode provar o contrário, estamos impotentes, viajando por este vasto universo, sem o menor controle de nossa direção, não sabemos nem mesmo para onde estamos indo. Diante de tudo isso, qualquer fanatismo, intolerância, preconceito ou divergência torna-se insignificante. Basta olharmos para o nosso processo de envelhecimento para termos uma atitude mais modesta e humilde. Ficamos inquietos e incomodados com a brevidade e futilidade da vida. A maioria das pessoas preza a vida, porém não se conforma com a morte, o fim abrupto e sem escape que todos mais cedo ou mais tarde se confrontam. É desolador observar a decadência física do ser humano, observar pessoas precisando da ajuda de outras para fazerem tarefas que na sua juventude seriam banais, ver o corpo definhar sem que nada possa ser feito para interromper esse cruel processo. Esta é uma realidade que todos vão enfrentar, a duração da vida do ser humano é como um breve instante diante dos bilhões
29 de anos do universo, por isso precisamos parar com a ideia de que somos o centro do universo, que tudo gira em torno de nós e que todo esse vasto cosmos foi criado em nossa função. Todo esse pensamento egocêntrico criado por nosso intelecto tem contribuído para que o ser humano fique cada vez mais arrogante e prepotente, e nossa sociedade cada vez mais individualista e possessiva. É fundamental que o ser humano entenda sua pequenez e tire de seu coração toda essa arrogância e prepotência que tanto mal tem causado a seu semelhante. É claro que precisamos de amor próprio e autoestima, ter um objetivo nesta nossa curta e passageira vida, entretanto, estes nunca devem se basear numa mentira ou ilusão, também nunca devem nos levar a pensar que somos melhores que os outros, que somos os donos da verdade, que nossa religião, raça, etnia ou posição social nos coloca num nível superior aos demais humanos. Já observou que a grande maioria das guerras e atrocidades cometidas pelos seres humanos foram motivadas por sentimentos religiosos? Judeus contra palestinos islâmicos em Israel, católicos contra protestantes na Irlanda, mulçumanos contra hindus na Caxemira, croatas (cristãos católicos) contra sérvios (cristãos ortodoxos), ambos exterminando bósnios (muçulmanos) na antiga Iugoslávia (guerra dos Bálcãs), afegãos e iraquianos xiitas contra jihadistas sunitas no mundo árabe, católicos contra mulçumanos nas cruzadas, os tribunais da inquisição católica, entre outros (Christopher Hitchens, God Is Not Great: The Case Against Religion. Atlantic Books, 2007. ISBN 978-1843545866). Mais recentemente, depois dos atentados de 11 de Setembro, que tanto espanto causou a humanidade, percebemos ainda mais claramente como o sentimento religioso pode levar o ser humano a fazer coisas terríveis. Diante de todas as consequências deste ataque, como a guerra ao terror iniciada pelos Estados Unidos
30 contra alguns países do mundo islâmico, como o Iraque e o Afeganistão, ficamos cada vez mais perplexos com os resultados funestos que o sentimento religioso provoca em nossa sociedade. É claro que tais atitudes radicais foram cometidas por extremistas religiosos. Obviamente não estamos dizendo aqui que todos os religiosos estão no mesmo patamar de fanatismo e intolerância, existem religiosos que jamais cometeriam atos dessa natureza, mas o ponto em questão é que a religião contribui para que pessoas desenvolvam tais sentimentos. Sim, as religiões em geral tem tido um papel fundamental na disseminação de sentimentos como intolerância, preconceito e egocentrismo, que tantos males tem causado a humanidade. Tais religiões usam alguns livros chamados de “sagrados” para propagar seus conceitos que estimulam tais sentimentos nocivos. A bíblia e o alcorão são alguns dos muitos livros que atribuem sua autoria a alguma deidade e reivindicam para si o papel de guia espiritual da humanidade. A partir de agora, vamos analisar de uma maneira mais profunda um destes livros, a bíblia.
31
05 - A BÍBLIA Um livro que tem contribuído bastante para o desenvolvimento de um raciocínio egocêntrico, intolerante, preconceituoso e extremista é a bíblia. Em especial no mundo cristão este livro tem exercido uma influência enorme nas pessoas, guiando seu modo de pensar e agir de uma maneira impressionante. É engraçado como a maioria das pessoas segue um livro que nem sabem ao certo de onde vem, como foi escrito e traduzido e de que forma chegou até nós. Se perguntarmos a maioria dos religiosos eles simplesmente dirão que tal livro foi inspirado por Deus e pela graça divina chegou até nós. Entretanto, estes têm pouco conhecimento sobre a bíblia, e o pouco que sabem lhes foi passado por outras pessoas que também pouco sabem e assim sucessivamente até chegarmos a algum líder de uma determinada religião que tem um pensamento totalmente influenciado por alguma doutrina ou tradição. No geral tais líderes moldaram seu modo de pensar e não admitem a possibilidade de estarem errados, passando esta mentalidade para os demais, não raro através de uma estrutura muito bem organizada, criando nas pessoas uma sensação de segurança através de uma comunidade unida em determinada doutrina. Pessoas que no geral vivem sem muita perspectiva e esperança, que tem problemas e não conseguem conviver com eles, tem obstáculos e não conseguem superá-los, encontram na religião e em sua particular interpretação da bíblia um porto seguro para seus questionamentos, uma bengala emocional para suas angústias. Infelizmente, tais ensinos não passam de mera ilusão, uma fantasia criada para apaziguar as dúvidas existenciais e as incertezas da vida.
32 Apesar da bíblia conter algumas partes interessantes do ponto de vista histórico e alguns ensinos proveitosos para certos aspectos de nossa vida, no geral trata-se de um livro cheio de contradições e incoerências, escrito por homens, contendo ideias e pensamentos puramente humanos. Para descobrir isto, basta fazermos uma análise profunda, deixando de lado fanatismos religiosos e extremismos fundamentalistas, para entendermos a natureza humana dos escritos bíblicos. Com certeza é muito difícil fazer uma análise imparcial e racional de um livro que vende milhões de cópias a cada ano e que tanto influência as pessoas. Entretanto se faz necessário uma análise objetiva, visto que bilhões de pessoas tem baseado sua vida, muitos até perdendo sua vida em nome desse livro. Segundo a tradição judaica, a bíblia começou a ser escrita por Moisés a 3500 anos atrás. Depois de milagrosamente ter libertado seu povo do jugo egípcio, Moisés acampa junto com uma multidão no sopé do monte Sinai. Ali ele deixa seu povo e sobe o monte onde conversa com Deus e recebe as tábuas da lei, os famosos 10 mandamentos. Depois disso ele passa a liderar seu povo por uma peregrinação pelo deserto que por causa da falta de fé deles durou 40 anos. Durante estes longos anos Moisés teria escrito os primeiros 5 livros da bíblia. Os judeus passaram a chamar estes livros de torá ou livro da lei tornando-se a base da fé e tradição daquela nação. Em adição a estes 5 livros foram incluídos outros livros históricos dos judeus, contando as epopeias de reis, juízes, profetas e sacerdotes. Além disso, cânticos, orações e poemas foram catalogados durante séculos, sem contar muitos profetas que registraram suas predições, bênçãos e maldições. Portanto podemos dizer que a maior parte da bíblia, o chamado Velho Testamento nada mais é do que um livro da cultura judaica, assim como também os gregos, os romanos, os egípcios, os chineses entre outros tem sua cultura
33 registrada em livros que na sua grande maioria estão repletos de mitos e lendas, contadas de geração após geração, e que em determinado momento foram colocados por escrito. Apesar dos judeus se auto proclamarem o povo escolhido do Deus mais poderoso de todos os Deuses, todas as outras nações também se consideram um povo especial, protegido por uma determinada deidade que consideram a mais poderosa. Este tipo de pensamento era comum entre os povos antigos e os judeus não eram diferentes, eles se consideravam especiais, escolhidos por Deus e baseavam este pensamento nas suas vitórias sobre outras nações. Quando perdiam as batalhas ou eram subjugados por outros povos eles providencialmente culpavam a si mesmos, dizendo que sua derrota se devia a sua infidelidade ou falta de fé em seu Deus. Esta forma de encarar as coisas era bastante prática, pois explicava qualquer tipo de desfecho que ocorria em sua história, e sua deidade nunca era rebaixada ou humilhada. Quando parte da nação era destruída, seus profetas habilmente colocavam a culpa em seu próprio povo. Faziam isto às vezes antes das batalhas, observando a inferioridade numérica ou certa desorganização em seu exército, talvez notando um semblante desanimado em seus combatentes ou algum outro indício que os fazia prever o desfecho de determinada situação. Este tipo de mentalidade me lembra a de alguns religiosos atuais que adaptam qualquer situação da vida a sua crença religiosa. Se a pessoa é fiel à igreja e tem prosperado ou tudo corre bem, eles atribuem isso às bênçãos de Deus. Se acontecer algum problema, Deus está provando a fé da pessoa. Por outro lado, se a pessoa sai da igreja ou não é fiel, e prospera, é o diabo que a está ajudando. Se acontecer algum problema é porque a pessoa abandonou a igreja e Deus não a está abençoando mais. Observe que se passam milênios, mais a mentalidade das pessoas continua a mesma.
34 Mas voltando a questão das histórias judaicas, estas eram contadas e recontadas, aumentadas, exageradas e no final quando eram registradas já estavam totalmente deturpadas e nada mais eram do que mitos e lendas. Tirando a crendice religiosa de lado, quem pode em sã consciência dizer que tem certeza da data exata em que determinado livro bíblico foi escrito? Ou quem foi seu escritor? São livros escritos há milênios, em épocas remotas, tempos tão antigos que a própria escrita em si estava em seus primórdios. Antes da invenção do alfabeto, a escrita consistia em simples pictogramas ou sinais silábicos, onde cada símbolo representava uma sílaba. Como a língua usa centenas de sílabas, isto significava a memorização de centenas de sinais. Os primeiros pictogramas eram esboços simples de objetos familiares. Com o tempo estes evoluíram de acordo com os instrumentos e superfícies de escritas que no fim ficaram bem diferentes dos desenhos originais. Este processo ocorreu com todas as línguas antigas. Estes símbolos evoluíram para os primeiros esboços de letras. Realmente o desenvolvimento da escrita de simples desenhos ao alfabeto complexo que existe nas línguas modernas demonstra que seria uma ingenuidade muito grande acreditar que a bíblia que temos hoje contêm exatamente as mesmas palavras e ideias de quando foram originalmente escritas. Mesmo que tivéssemos os originais em mãos, mesmo assim seria impossível traduzi-los de maneira exata, pois são línguas mortas que se perderam com o tempo. Mesmo os maiores eruditos em sistemas cuneiformes e hieróglifos, hebraico clássico e sinais pictóricos, jamais poderiam afirmar que conseguem traduzir com absoluta precisão estas formas antigas de escrita. Mesmo que tivéssemos os originais, pois a realidade é que não temos, não chegamos nem perto de ter algum escrito original do antigo testamento. O melhor que temos são cópias de cópias que foram sendo feitas através de séculos, e não temos nenhuma
35 noção do que aconteceu durante este processo. Como vimos à própria língua foi mudando com o tempo, foi evoluindo. O hebraico clássico, por exemplo, era escrito sem os caracteres que correspondem as nossas vogais, as pessoas na época completavam os sons vocálicos com a mente. Posso ilustrar com algumas palavras no português que hoje todos conhecem mesmo sendo abreviadas. Se você observar as letras Ltda, saberá que significa limitada, palavra muito usada no comércio. Se observar Dr, saberá que significa doutor. Mas agora imagine uma pessoa que achar uma inscrição destas uns 3000 anos no futuro. Será que ele conseguiria entender quais as letras que se usa hoje para completar a abreviação DR ou Ltda? É impossível saber ao certo quais os sons vocálicos que os judeus usavam lá no passado, assim o hebraico clássico é uma língua impronunciável, portanto indecifrável. Outro desafio é saber ao certo a época da escrita ou o provável escritor de determinado livro bíblico. Fica difícil saber se determinado dito profético foi realmente falado antes ou depois do fato consumado, ou se determinada história foi verdadeira ou se foi depois de muitos séculos mistificada, acrescentada de exageros para se torna um épico. Durante todo este processo de cópias e recopias seguido por um longo período de traduções (Hebraico clássico para o Aramaico, depois para o Grego, depois para o Latim e finalmente para as línguas modernas) aconteceram muitos erros tanto intencionais (o escriba muda ou acrescenta algo para apoiar seu conceito teológico) como não intencionais (o escriba pula uma linha ou deixa a pena escorregar ou borrar). Além disso, temos hoje numa mesma língua várias versões da bíblia que diferem e discordam entre si. Só na língua portuguesa a inúmeras versões da bíblia como a Bíblia de Jerusalém, Matos Soares, João Ferreira de Almeida (que já foi revista e corrigida várias vezes),
36 Figueiredo, Ave Maria, Tradução do Novo Mundo, Bíblia na Linguagem de Hoje entre outras. Este mesmo panorama encontra-se em muitos outros idiomas, como o inglês (Rheims-Douay, King James Version, Young, English Revised, Emphasised Bible, American Standart, An American translation, New English Bible, Today English Version, New Jerusalém Bible), espanhol (Valera, Moderna, Nácar-Colunga, Evaristo Martin Nieto, Serafin de Ausejo, Cantera-Iglesias, Nueva Bíblia Espanhola), alemão (Luther, Zürcher, Elberfelder, Menge, Bibel in heutigem Deustch, Einheitsübersetzung), francês (Darby, Crampon, Jerusalém, TOB Ecumenical Bible, Osty, Segond Revised, Français Courant) e italiano (Diodati, Riveduta, Nardoni, Garofalo, Concordata, Parola Del Signore). O que vou citar das versões em língua portuguesa servirá de base para exemplificar as diferenças e discordâncias que existem em todas as línguas citadas. A versão Matos Soares e Ave Maria contêm 73 livros que são considerados inspirados por Deus. Já a Tradução do Novo Mundo, João Ferreira de Almeida, Bíblia de Jerusalém, Figueiredo e a Bíblia na Linguagem de Hoje, contêm 66 livros, os demais livros são considerados por tais, livros apócrifos, ou como eles dizem, não inspirados por Deus. Cada lado apoia seu ponto de vista citando manuscritos antigos que conforme você deve estar imaginando, alguns contêm tais livros e outros não. A João Ferreira de Almeida, a Bíblia de Jerusalém e a Tradução do Novo Mundo usam de alguma forma o tetragrama hebraico que os judeus usavam como nome de Deus (YHVH), e visto que o hebraico clássico não usava caracteres que correspondem as vogais que usamos hoje no português, eles tentaram incluir algumas vogais por sua própria conta, assim você encontra em uma Jehovah, outra Javé, ainda outra Yahweh. Alguns vertem alguma forma deste nome em alguns versículos,
37 outros preferem colocar em outros versículos diferentes e existem versões que vertem em mais de 7000 lugares, praticamente por toda a bíblia, diferente de outras que não vertem em lugar nenhum como a Figueiredo, Ave Maria, Bíblia na Linguagem de Hoje e a Matos Soares, que preferem não entrar nesta confusão e simplesmente colocam o título SENHOR com letras maiúsculas, um tipo de polêmica que não chega a lugar nenhum, porque na realidade ninguém sabe realmente como os judeus chamavam seu Deus, e para mim, pessoalmente, este tipo de assunto não tem a mínima importância, porque afinal, pelo que sei, as pessoas religiosas consideram seu próprio Deus grande demais para ser englobado ou resumido em um simples nome, seja este qual for, mas polêmicas religiosas a parte, voltemos as diferenças e discordâncias das versões da bíblia. Algumas traduções colocam certos versículos, enquanto outras consideram tais trechos espúrios, acréscimos de algum copista para apoiar determinada doutrina, ou introduzir algum ponto de vista pessoal. Assim para que não haja diferença de versículo de uma para outra (aquela numeração para facilitar a localização dos trechos) eles colocam pequenos traços no lugar de trechos não desejados, tentando manter uma certa uniformidade que na realidade não existe, pois apesar de seus esforços, a certos trechos em que não houve um acordo e você corre o risco de ler numa bíblia o Salmo 37 e na outra ser o 38, ou ler um trecho numa bíblia considerado inspirado por Deus e na outra bíblia você se deparar neste mesmo trecho com um constrangedor traço, ou mesmo ler um livro inteiro que algumas bíblias consideram a mais pura palavra de Deus e em outras este mesmo livro nem existir. Existem também relatos que encontramos em algumas versões enquanto que em outras simplesmente desapareceram. Veja por exemplo o clássico caso de 1ª João 5:7, 8. Em algumas traduções
38 da bíblia, como a Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, você lê da seguinte forma: “Porque são três os que dão testemunho: o espírito, e a água, e o sangue, e os três estão de acordo”. No geral, as traduções que vertem dessa maneira são feitas por pessoas que não acreditam na doutrina da trindade. Mas em outras versões feitas por pessoas que acreditam na trindade, como a João Ferreira de Almeida Corrigida e Revisada Fiel, você lê assim: “Porque três são os que testificam no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um” E três são os que testificam na terra: o Espírito, e a água e o sangue; e estes três concordam num”. Não é muito difícil entender porque os trinitaristas vertem da segunda maneira, enquanto os antitrinitaristas preferem verter da primeira forma. A expressão “o Pai, a Palavra e o Espírito Santo são um” apoia a doutrina da trindade, por isso os antitrinitaristas abominam este trecho dizendo que se trata de um acréscimo ao texto original. Ambos os lados desta questão citam manuscritos antigos para apoiar sua tradução. Mas o problema é que existem manuscritos antigos e respeitáveis que vertem tanto de uma forma como de outra. Existem vários casos assim e cada tradutor escolhe aqueles manuscritos que melhor se encaixam com seus conceitos. Outro fato interessante diz respeito à escolha de palavras que cada tradutor resolve colocar em sua versão da bíblia. Visto que grande parte da bíblia foi escrita originalmente em hebraico clássico, uma língua morta, a única solução é traduzir a bíblia de outras traduções em línguas um pouco mais modernas, como o grego e o latim e mesmo assim a uma dificuldade extrema em traduzir textos de tais línguas, pois existem expressões que simplesmente são impossíveis de traduzir de maneira exata, além de palavras que não tem um correspondente nas línguas atuais. Assim cada tradutor resolve colocar determinada palavra que para ele exprime melhor o que ele acha que o escritor bíblico quis
39 expressar. Por causa disso, você lê determinado trecho bíblico em uma versão e chega a uma conclusão, já em outra você lê o mesmo trecho e chega a outra conclusão completamente diferente, porque a maneira como o tradutor resolveu traduzir, a escolha de palavras e expressões, influencia muito a maneira de entendermos o texto. Na verdade as línguas diferem não só na gramática e na etimologia, mas também no modo em que as ideias são construídas numa sentença. Pessoas que falam línguas diferentes pensam de formas diferentes. Portanto, a forma de traduzir um texto bíblico de línguas antigas para idiomas modernos depende muito do ponto de vista do tradutor. É por isso que hoje vemos tantas religiões completamente diferentes nos seus ensinos, que afirmam basear sua doutrina na bíblia. Tal paradoxo acontece não só pelas diferenças de tradução, como também por causa das diferenças de interpretação. O objetivo de mostrar alguns destes fatos é demonstrar que para uma pessoa razoável, torna-se extremamente difícil acreditar que as histórias narradas na bíblia são plenamente confiáveis e a mais precisa descrição dos fatos históricos. Levando em conta que os povos antigos tinham o costume de criar lendas e mitos envolvendo a história de seus antepassados, com o objetivo de aumentar a autoestima de seu povo, colocando-os como especiais e sua deidade como a mais forte, e analisando que a maioria destas histórias eram passadas de pai para filho, de geração após geração, e que quando chegaram a ser registradas, já estavam muito distantes do fato propriamente dito, e levando em consideração toda a trajetória que descrevi desde as línguas passadas até hoje, é realmente impossível acreditar que tais histórias ocorreram exatamente como são narradas nas bíblias que temos atualmente. É claro que não estamos dizendo que estas narrativas foram totalmente inventadas, é óbvio que elas surgiram de acontecimentos reais, o ponto em questão é que quando foram
40 registradas já se tratavam de lendas, estavam cheias de descrições fantasiosas como é comum em uma transmissão oral, envolvendo várias gerações, e mesmo já registradas, não temos como saber o que aconteceu depois de milênios de cópias e traduções. Tais cópias eram feitas à mão, pois como sabemos não existiam máquinas fotocopiadoras, computadores ou internet. Portanto decifrar o passado é como montar um quebra cabeças onde faltam inúmeras peças, envolve um trabalho exaustivo de comparações entre todos os registros antigos dos diversos povos, análise dos achados arqueológicos mais relevantes, tentar saber quem esteve envolvido, quais suas origens, suas intenções, seus motivos, as reações da época, um longo trabalho de dedução e filtragem, tentando deixar de lado os mitos e lendas, as epopeias e as fantasias, tentando nos apegar ao que realmente aconteceu, deixando para trás fanatismos religiosos, extremismos, radicalismos, fundamentalismos e preconceitos que ofuscam nosso melhor entendimento da história. Certamente não temos a pretensão de sermos os donos da verdade, dizer que temos à verdade absoluta, que sabemos exatamente como tudo aconteceu em todos os detalhes, não, longe disso, procuramos melhorar nosso entendimento, chegar um pouco mais perto da verdade, pois sabermos exatamente todos os detalhes do que realmente aconteceu nestas narrativas do passado longínquo seria possível somente se tivéssemos condições de estar lá, vivendo na época, junto com as pessoas, observando os acontecimentos pessoalmente. Mas como sabemos, isto é impossível. Assim, a partir de agora vamos analisar algumas narrativas encontradas na bíblia de um ponto de vista puramente histórico, tentando chegar um pouco mais perto do que realmente aconteceu (salvo alguma indicação, todas as citações bíblicas encontradas neste livro são da Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, revisão de 1986).
41
06 - O RELATO DA CRIAÇÃO Os primeiros registros antigos surgiram á 5500 anos atrás. Acha isso muito tempo? Para nós meros humanos, que temos uma perspectiva de vida em torno de 80 anos pode parecer muito, entretanto o intervalo de tempo que nos separa destes primeiros escritores, com seus rústicos e simples textos representa muito pouco em comparação com o imenso período anterior a isso chamado de pré-história. Conforme vários achados paleontológicos comprovam, os primeiros pré-humanos conhecidos viveram nas savanas e florestas tropicais da África à cerca de 7 milhões de anos. O “homo hábilis”, hominídeo que vivia a cerca de 3 milhões de anos sobrevivia da caça e da coleta de alimentos e tinha uma postura vertical que trazia a vantagem de libertar as mãos para a manipulação. Esta associação dos movimentos das mãos com os olhos estimulava o cérebro. Ao longo de milênios estes foram aperfeiçoando algumas aptidões enquanto aumentavam as dimensões do cérebro. À aproximadamente 500.000 mil anos o “homo erectus”, um hominídeo dotado de cérebro mais volumoso, aprendeu a dominar o fogo e sabia fazer roupas e abrigos que lhe permitiu sair da África e colonizar regiões mais frias. A nossa própria sub espécie o “homo sapiens”, surgiu a apenas 100 mil anos, com as capacidades intelectuais básicas de que hoje gozamos. Tudo isso ocorreu durante o período glaciário. A 15 mil anos, o clima começou a melhorar e o gelo começou a derreter. A Terra transformou-se, a vida vegetal e animal começou a se estender por áreas antes desoladas. A 10 mil anos esses seres humanos colonizaram quase todas as partes habitáveis do planeta. As
42 comunidades humanas começaram novos modelos de sobrevivência, nascendo assim pequenas aldeias de agricultores no Oriente Médio, ao norte da China, no México e Peru. Estas novas formas de viver baseadas na agricultura substituíram a caça e a mera coleta de alimentos como sustento da vida humana. Foi uma transformação fundamental de consequências radicais e irreversíveis. Começa o desenvolvimento das cidades e a invenção da escrita, nascendo o que chamamos de história (Marina de Andrade Marconi e Zelia Maria Neves Presotto, Antropologia: Uma Introdução - 7ª Ed. Editora Atlas, 2011. ISBN 978-8522452170). Este ser humano mais questionador não se conformava em ser apenas um animal mais desenvolvido, em simplesmente ter um ciclo de vida como os demais animais e no final morrer. A morte não poderia ser o fim de tudo como aparentava ser. Com o tempo esta inconformidade com o fim abrupto da vida levou o ser humano a outro importante momento, ele começa a questionar o sentido da vida. Experiências tais como sonhos, visões, alucinações e o estado inerte de cadáveres levaram alguns povos primitivos a concluir que o corpo é habitado por uma alma. Visto que eram frequentes os sonhos com entes queridos falecidos, presumia-se que uma alma continuava a viver após a morte, deixando o corpo para morar em árvores, rochas, rios, etc. Por fim os mortos e os objetos nos quais se dizia que as almas habitavam vieram a ser adorados como Deuses. Outras tribos começaram a concluir que existia uma força impessoal ou poder sobrenatural que dava vida a todas as coisas. Tal crença provocou sentimentos de reverência e temor no homem, uma reação emocional diante do desconhecido. Ainda outros clãs tentaram controlar sua própria vida por imitar o que viam acontecer na natureza. Por exemplo, pensava-se que poderiam provocar chuva por borrifar água no solo junto com trovejantes batidas de tambor, ou que
43 poderiam causar dano a seu inimigo por espetar alfinetes num boneco. Isto levou ao uso de ritos, feitiços e objetos mágicos em muitos aspectos de sua vida. Quando estes não funcionavam como se esperava, o homem passou então a tentar aplacar os poderes sobrenaturais e a suplicar a ajuda deles em vez de tentar controlá-los. Algumas comunidades primitivas chegaram até mesmo a criar um tipo de neurose ligada a figura do pai. Os filhos homens que tanto admiravam como odiavam o pai que dominava o clã, rebelavam-se e matavam o pai. Para adquirir o poder do pai, estes bebiam seu sangue. Mais tarde, por causa do remorso, eles inventavam ritos e cerimônias para reparar sua ação. Com o tempo a figura do pai virou uma deidade. Estas várias formas de crenças e ritos foram sendo compartilhados entre os diversos povos primitivos, começando assim a surgir lendas e mitos sobre os Deuses e suas relações com os humanos (Mircea Eliade, História das Crenças e das Ideias Religiosas Volume 1 - Da Idade da Pedra aos Mistérios de Elêusis. Editora Jorge Zahar, 2010. ISBN 978-8537801123). Alguns humanos começam a se considerar especiais, criados por um ser superior que os fizeram a sua imagem e semelhança, designando-os para cuidar da terra e subjugar todos os demais animais. A sua vida agora passa a ter um objetivo e a morte transforma-se apenas em uma passagem para um nível de vida superior, semelhante a dos Deuses. Surgiram diversas formas de manifestações de fé em diversos tipos de deidades. Estas manifestações vão se tornando mais complexas, seus rituais mais elaborados, orações como uma forma de comunicação e líderes para interceder entre os Deuses e os homens. Observamos assim os primeiros passos do que chamamos hoje de religião. Junto com esta religiosidade, começa a se desenvolver algumas lendas sobre um começo perfeito, onde as pessoas viviam felizes em um lugar maravilhoso, onde havia uma relação harmoniosa entre os seres humanos e suas deidades.
44 Grande parte das civilizações antigas possui algum tipo de lenda nesse sentido. Com os judeus não foi diferente, o relato sobre o início do mundo registrado na bíblia foi uma espécie de condensação de várias lendas contadas e recontadas através de inúmeras gerações. Portanto, analisando de maneira razoável, não podemos considerar o relato bíblico de Gênesis sobre a criação como história verídica. Este registro mais se parece com um conto de fadas, como Branca de Neve e os Sete Anões, Chapeuzinho Vermelho, Papai Noel, Cinderela, Alice no País das Maravilhas e muitas outras historinhas que contamos as crianças para fazê-las dormir. Devo admitir que se trata de um conto bem elaborado, que inclui um lindo jardim, animais como leões e tigres mansos como um gatinho, uma cobra falante, uma misteriosa árvore com frutos proibidos e ainda outra árvore com frutos que podem dar vida eterna. Temos aí todos os ingredientes de uma fábula maravilhosa. Contudo, bilhões de pessoas creem realmente que tal mito é verdadeiro. Esta credulidade que as pessoas tem na bíblia me deixa espantado, até mesmo perplexo devido ao fato de que todas as ciências, como a astronomia, geologia, biologia, paleontologia, antropologia, arqueologia, história, linguística e filosofia mostram claramente de maneira inequívoca as incoerências e erros científicos encontrados na bíblia. Veja por exemplo o caso da astronomia. No livro bíblico de Josué 10:12, o escritor deste texto relata Josué no meio de uma guerra clamando a Deus que fizesse o Sol ficar imóvel, para que pudesse terminar sua batalha durante o período de claridade, facilitando assim a identificação e exterminação de seus inimigos. Na continuação do relato no versículo 13, Deus responde o clamor de Josué fazendo o Sol ficar imóvel ou parado. Qualquer criança de 5º série do ensino fundamental sabe que não é o Sol que gira em torno da Terra, mas justamente o contrário, a Terra é que gira em torno do Sol. Portanto se a bíblia fosse um livro
45 inspirado por Deus, quer dizer, se os escritores fossem orientados por Deus, como poderiam ter escrito um absurdo desses? Fica claro que o autor deste texto bíblico ainda acreditava que a Terra era o centro do Universo, que o Sol girava ao redor da Terra e que para atender o pedido de Josué, Deus parou o Sol. Outro relato bíblico totalmente incoerente com os fatos comprovados pela astronomia encontra-se em Gênesis 1:3, onde há o relato do 1º dia criativo, dia este que Deus cria a luz. Já no 4º dia criativo, Deus cria os luzeiros, ou seja, o Sol, a Lua e as estrelas conforme observamos nos versículos 14-19. Esta afirmação é totalmente ridícula, pois como poderia a luz surgir antes do Sol e das estrelas? Mas uma vez nota-se que o erro descrito, a criação do Sol depois da luz, provêm da falsa ideia existente na época de que o Universo começou com a Terra. Na frase inicial da bíblia registrada em Gênesis 1:1 que diz “no princípio Deus criou os céus e a terra”, o escritor ao mencionar os céus, não incluiu a criação do Sol e das estrelas, que são claramente criados segundo o escritor no 4º dia (Gênesis 1:1419). Portanto estes “céus” que ele menciona não tinha galáxias, era vazio, ele referia-se apenas ao vácuo ou espaço que existia. Fica evidente que o escritor deste texto acreditava piamente que a terra tinha sido criada primeiro, depois viriam o Sol e as estrelas, ou seja, o Universo em si. Naturalmente seria esperar demais do escritor bíblico entender a ordem correta da criação, pois ele desconhecia as atuais leis da física e as descobertas da astronomia. Entretanto o escritor atribui aquelas palavras ao próprio Deus. Visto que elas exprimem um fato falso, de duas uma, ou Deus se enganou no relato que fez da sua obra ou o escritor expressou suas próprias ideias limitadas. Qual das duas opções você acha mais coerente? E como podemos concordar que o planeta foi produzido em 6 dias quando a geologia mostra nitidamente que a terra começou
46 a se formar a 5 bilhões de anos e lentamente foi tomando a forma atual através de 4 longos períodos ou eras chamados de primário (450 a 170 milhões de anos), secundário (170 a 60 milhões de anos), terciário (60 a 1 milhão de anos) e quaternário (1 milhão de anos até nossos dias). Como concordar que Deus criou diretamente todas as espécies hoje existentes quando a biologia descobriu que as espécies se originam de um tronco único, por isso possuem estruturas tão fundamentalmente semelhantes, e durante milhões de anos os animais primitivos se transformaram e se modificaram adaptando-se as condições ambientais até atingirem as complexas formas de vida da atualidade. Como concordar que o ser humano foi criado há 6000 anos através de um ato milagroso de Deus, quando a antropologia e a paleontologia já provaram com achados fósseis que o ser humano evoluiu de espécies mais primitivas como o hominídeo “homo hábilis” que a 7 milhões de anos já andava pelas savanas africanas. Como dizer que o ser humano foi criado há 6000 anos quando a arqueologia já demonstrou a existência de instrumentos e utensílios humanos desde a pré-história, fabricados pelos antepassados do homem atual, além de pinturas rupestres, marcas indiscutíveis de que o homem pré-histórico já andava pela terra a dezenas de milhares de anos. Como acreditar no relato bíblico da confusão de línguas feita por Deus, quando a linguística já determinou que as línguas atuais são um desenvolvimento de línguas mais antigas, que por sua vez surgiram de remotas tentativas e experimentações humanas que começaram com sons rústicos e desenhos simples, até chegarmos depois de um longo processo às línguas complexas e letras elaboradas que conhecemos hoje. Diante de tudo isso a única conclusão razoável que posso chegar é que o relato da criação registrado na bíblia não resiste a uma análise séria do ponto de vista científico.
47
m mito é uma narrativa de caráter simbólico procurando explicar a realidade. Na cultura das civilizações antigas encontramos relatos que procuram explicar os fenômenos naturais e as origens do mundo e do homem por meio de Deuses e semideuses juntamente com seus heróis. Muitas destas civilizações organizaram tais relatos formando uma mitologia como, por exemplo, a mitologia grega e a romana. À medida que um mito vai sendo repassado oralmente de geração em geração ele sofre alterações ganhando contornos épicos se transformando em uma lenda. De caráter fantástico e fictício, as lendas combinam fatos reais e históricos com fatos irreais e fantasiosos que são meramente produto da imaginação humana. Como toda civilização antiga, os Hebreus também desenvolveram seus mitos e lendas sobre a origem do mundo e do homem, estes se encontram no primeiro livro da bíblia chamado de Gênesis e como toda mitologia lendária este relato está cheio de contradições e incoerências, exageros e fantasias. Vamos analisar alguns exemplos que comprovam este fato. Em Gênesis 2:17 Deus alerta a Adão que se comece de um tal fruto da árvore do conhecimento do que é bom e do que é mau, ele morreria imediatamente, pois o texto diz: “porque no dia em que dela comeres, positivamente morreras”. Entretanto o próprio relato bíblico diz que Adão morreu com 930 anos (Gênesis 5:5). Como podemos ver Adão não morreu no dia em que comeu do fruto proibido. Alguns religiosos tentam justificar esta clara incoerência criando uma explicação mirabolante numa tentativa desesperada de defender sua fé. Dizem que ele morreria em sentido espiritual, quer dizer, do ponto de vista de Deus, ao
48 comerem do fruto, imediatamente estariam mortos. Ainda outros criaram uma explicação mais espetacular, dizendo que este dia descrito no texto teria a duração de 1000 anos. Visto que Adão morreu com 930 anos, estaria dentro deste suposto dia. Chegam até mesmo a citar uma passagem em 2ª Pedro 3:8 onde o escritor bíblico tentando explicar a grande demora do fim do mundo, faz uma analogia a eternidade de Deus, dizendo que para Deus 1 dia e igual a 1000 anos. Entretanto, fica claro que o escritor faz uma simples comparação para destacar a eternidade de Deus. Ele poderia usar 10.000 anos, 100.000 anos, 1 milhão de anos, 1 bilhão de anos, etc. A intenção não era justificar a incoerência de Gênesis. Quem tenta fazer isso são os atuais líderes religiosos fanáticos, que usando este trecho dão uma costurada no assunto, aplicando este texto em Gênesis, tentando de alguma forma remendar o erro. O interessante é que a bíblia fala também de um dia durando 1 ano (Números 14:34, Ezequiel 4:6), só que neste caso eles não podem aplicar a Gênesis, porque continuaria a incoerência. Fica evidente o grande esforço dos religiosos em tentar explicar as contradições da bíblia aplicando outras passagens que nada tem a ver com o assunto, escritas mais de um milênio depois. Em Gênesis 1:24-26 relata-se que os animais foram criados primeiro, depois foi criado o homem. Já em Gênesis 2:19 diz claramente que o homem foi criado primeiro, depois Deus foi criando os animais e trazendo ao homem para que desse nome a eles. Afinal, Deus criou primeiro os animais ou o homem? Em Gênesis 3:14 a serpente recebeu uma espécie de maldição onde a partir daquele momento teria de “andar sobre seu ventre”, ou seja, rastejar. Tal expressão indica que a serpente tinha pernas antes de seduzir Eva e que depois as perdeu. Segundo os religiosos a serpente simplesmente foi usada por um ser espiritual iníquo que através dela seduziu Eva. Portanto, Deus joga uma
49 maldição sobre um animal irracional que era inocente. Segundo o relato bíblico, todas as serpentes rastejam por causa desta maldição dada por Deus. Em Gênesis 3:16 Deus proclama suas maldições ao casal devido a sua desobediência. Diz à mulher que aumentaria grandemente suas dores de parto. Este termo indica que, mesmo se ela não comece do fruto, sentiria dores de parto, pois o texto diz claramente que ele aumentaria suas dores de parto, portanto algum tipo de dor ela sentiria, mas se pecasse, esta dor aumentaria. Só que este tipo de ameaça não fez o menor sentido para Eva, porque segundo a bíblia ela nunca tinha dado a luz e nunca tinha sequer visto alguém dar a luz, por isso ela não deve ter entendido a maldição de Deus, nem tão pouco soube diferenciar as dores que ela sentiria sem pecar, com as dores que ela sentiria pecando, afinal segundo a bíblia ela só deu a luz depois da maldição de Deus. Em Gênesis 3:17 Deus pune o homem dizendo que amaldiçoaria o solo, só que a terra nunca se tornou estéril, ou maldita, nunca deixou de produzir com abundância. Depois Deus diz que ele comeria a vegetação do campo com o suor de seu rosto. Será que se o homem não pecasse, Deus iria continuar a plantar as coisas para ele, e o homem se limitaria apenas a comer? Não seria esta uma vida sedentária e monótona? O homem é que peca e Deus amaldiçoa a terra? O que o planeta tem a ver com isso? E já que a terra foi amaldiçoada porque a bíblia diz em Gênesis 8:22 que nunca iria cessar a sementeira e a colheita? Porque diz a bíblia que Deus faz o sol levantar sobre bons e ruins e faz chover sobre justos e injustos (Mateus 5:45)? O Salmo 104:14 diz que Deus “faz brotar capim para os animais e vegetação para o homem, e que o alimento sai da terra”. Jó 40:20 diz que “os próprios montes produzem seus produtos”. São estas descrições condizentes com uma terra maldita? Veja
50 Deuteronômio 8:7-9: “pois o senhor teu Deus te introduzirá numa terra boa, uma terra de vale de torrentes de água, de fonte e de água de profundeza surgindo no vale plano e na região montanhosa, uma terra de trigo e de cevada, de videiras e figos, de romãs, uma terra de azeitonas e de mel, uma terra em que não comerás pão com escassez, em que não carecerás de nada” (Veja também Neemias 9:25). Esta é uma descrição da terra de Canaã, uma pequena região entre várias existentes na terra. Regiões tão maravilhosas como esta existem aos milhares em nosso planeta. Será que este panorama condiz com a terra amaldiçoada de Gênesis 3:17? Em Gênesis 3:22 Deus diz: “eis que o homem se tem tornado como um de nós, sabendo o que é bom e o que é mau”. Neste texto, Deus diz claramente que a serpente estava certa, porque em Gênesis 3:15 ela diz que se Adão e Eva comessem do fruto proibido, seriam como Deus, sabendo o que é bom e o que é mau. Portanto Deus da razão a serpente, reconhecendo que ela falou a verdade. O capítulo 4 de Gênesis é ainda mais incoerente. Os dois filhos de Adão levavam uma vida solitária, não possuíam amigos e nem a quem vender seus produtos, porque segundo o relato, só havia 4 pessoas em todo planeta, Adão, Eva, e seus dois filhos, Caim e Abel. Quando os filhos de Adão resolvem ofertar seus produtos a Deus, ele aceita os produtos pecuários de Abel, mas rejeita os produtos agrícolas de Caim (o relato não explica o motivo dessa preferência de Deus pela oferta de Abel). Por isso Caim mata seu irmão. Diante de tudo isso Deus resolve colocar um sinal em Caim para que ninguém o mate (Gênesis 4:15). Agora pense bem, quem mataria Caim? Seus pais? Não havia mais ninguém na terra. Mesmo que os pais de Caim resolvessem matar seu filho será que haveria a possibilidade deles confundirem seu filho com outra pessoa? No caso com quem? Para que, por favor, me expliquem,
51 colocar um sinal em Caim? Um religioso tentou me explicar dizendo que este sinal era para que as gerações futuras não tentassem matar Caim. Mas a questão continua, porque gerações futuras iriam querer matar Caim? Eles nasceriam muito tempo depois deste acontecimento, portanto não poderiam ver o assassinato nem conviver com os envolvidos para poderem nutrir algum sentimento relativo a tal ato, nem mesmo havia algum descendente da vítima Abel, para poder transmitir esse ódio para as gerações futuras. Os pais, Adão e Eva, com certeza gostariam de esquecer esta tragédia ocorrida com seus filhos e dificilmente iriam querer contar esta fatídica história para seus outros filhos, e mesmo que o fizessem, seus outros filhos não teriam como guardar rancor de algo que eles não presenciaram, tomar as dores de uma pessoa que eles nem mesmo conheceram. Mas as peripécias de Caim não param por aí. Misteriosamente, não sei como nem de onde, o escritor bíblico arranja uma bendita mulher para Caim (Gênesis 4:17). Não satisfeito ele relata que Caim constrói uma cidade, não sei para quem morar, contrariando o que Deus disse que aconteceria, porque segundo o relato, Deus o condena a se tornar um fugitivo e errante sobre a terra (Gênesis 4:12). Depois Caim observa o nascimento do filho Enoque e de mais 4 gerações de sua linhagem até surgir um tal de Lameque que resolve compor um poema se gabando de matar um homem, comparando-se com Caim (Gênesis 4:23, 24). Parece que até esse momento Caim ainda está vivo e se tornou uma lenda, admirado por todos. Somente agora depois de toda esta epopeia, Adão e Eva resolvem ter outro filho para substituir Abel, lembra, aquele que foi morto por Caim (Gênesis 4:25). Em Gênesis 6:4 o relato bíblico deixa bem claro que antes do dilúvio existiam homens gigantes na terra, chamados Nefilins. Porém, depois da grande inundação eles desapareceram da terra, morreram todos afogados nas águas do dilúvio. Só que a mesma
52 bíblia diz em Números 13:33 que séculos depois do dilúvio os Nefilins ainda existiam. Em Gênesis 11:1, 6-9 encontra-se o famoso relato da Torre de Babel. Segundo diz ali todos os seres humanos falavam a mesma língua, usavam as mesmas palavras, até que Deus se enfurece com a tentativa dos homens de construir uma imensa torre e confunde a língua deles criando assim vários idiomas diferentes. Entretanto, a bíblia fala em Gênesis 10:5 que antes deste acontecimento, havia diversas nações, cada uma com sua própria língua diferente. Dá para entender? Em Gênesis 15:13, Deus faz uma promessa a Abraão, diz que seus descendentes seriam residentes forasteiros numa terra que não era a deles, que serviriam a outro povo e seriam atribulados por 400 anos. Depois disso seriam libertos. No versículo 16, Deus complementa esta predição dizendo que tudo isso aconteceria dentro de 4 gerações, quando finalmente os descendentes de Abraão voltariam para Canaã, a terra que Abraão vivia. Pois bem, em Êxodo 12:40, 41 o escritor bíblico relata que esta profecia se cumpriu na saída dos israelitas do Egito, afirmando que os israelitas, descendentes de Abraão haviam morado no Egito os preditos 430 anos. Note que um texto fala de 400 anos e o outro fala de 430 anos. Mas esta é a menor das contradições. Segundo o relato bíblico, os israelitas não ficaram 400 ou 430 anos no Egito e sim 200 anos. Alguns religiosos desenvolveram uma explicação mirabolante, dizendo que o dito período em que o descendente de Abraão começou a ser atribulado por outra nação, numa terra estrangeira, começou quando houve uma briga de adolescentes, citando o relato de Gênesis 21:8, 9 onde Ismael, irmão mais velho de Isaque, começa a fazer caçoada de seu irmão. A partir daí criaram toda uma explicação, dizendo que o filho mais velho de Abraão tinha sangue egípcio, porque sua mãe era uma escrava egípcia, e que naquele momento ele representava os
53 egípcios, que começaram a atribular o descendente legítimo de Abraão filho de sua mulher Sara. Diante deste raciocínio passam a contar os 400 anos a partir deste momento. Só que Êxodo 12:40 diz que os israelitas moraram no Egito por 430 anos. A briguinha de adolescentes entre Ismael e Isaque aconteceu em Canaã, e Isaque não serviu a Ismael como a profecia indicava. Pelo contrário, Ismael depois disso foi expulso por Abraão junto com sua mãe. Outro fato interessante nisto tudo é que quando Jacó, neto de Abraão, muito tempo depois, mudou-se para o Egito, o relato de Gênesis 46:27 diz que ele trouxe consigo 70 pessoas, estes compunham toda sua família. Já em Êxodo 12:37-41, apenas 200 anos depois, os descendentes de Jacó que saíram do Egito totalizaram 600.000 varões, isto mesmo, 600.000 homens, fora mulheres e crianças. Se formos incluir todos, o número chegaria à astronômica cifra de 3 milhões de pessoas. Imagine uma família de 70 pessoas se transformar em apenas 200 anos numa nação de 3 milhões de pessoas. Como posso dar crédito a um relato desses? Creio que nem mesmo uma praga de ratos conseguiria se multiplicar desta maneira. Outro ponto interessante é que segundo Gênesis 15:16, durante estes ditos 400 anos, passariam apenas 4 gerações. Como se pode acreditar numa coisa dessas? Isso só poderia acontecer se cada um dos descendentes de Abraão começasse a ter filhos depois dos 100 anos. Porém, segundo o relato bíblico, só Abraão chegou perto disso, outro fato difícil de acreditar, um senhor de quase 100 anos ter filhos. Mas suponhamos que a virilidade e a capacidade procriativa deste senhor fossem fenomenais, mesmo assim, os demais descendentes de Abraão como, por exemplo, sua linhagem através de Isaque, Jacó, Levi, Coate, Anrão e Moisés tiveram filhos bem mais cedo em suas vidas, e conforme você mesmo pôde contar houve 6 gerações, e não 4 como foi predito.
54 E o escritor bíblico ainda quer nos fazer acreditar que em 6 gerações, 2 pessoas se transformaram em 3 milhões. Numa das famosas pragas que Deus mandou no Egito, Ele mata todos os animais dos egípcios com uma forte pestilência. Nenhum dos animais sobreviveu a esta devastadora praga conforme registrado em Êxodo 9:3-6. O interessante é que no relato de Êxodo 9:19-21, 25, Deus manda uma outra praga no Egito, desta vez tal praga veio na forma de uma devastadora chuva de granizo que mata todos os animais dos Egípcios. Mas os animais não tinham morrido na praga anterior, aquela da pestilência? O que você acha dessas histórias? Consegue achar algum sentido nisso? Diversas religiões modernas acham, inclusive procuram encontrar uma explicação, tentando dar sentido a elas. Dizem que o relato não é escrito de forma cronológica, fazem uma releitura costurando pedaços do relato aqui e ali, pegando textos que estão no fim e colocando no começo, aplicando relatos de forma simbólica, fazendo a maior celeuma num esforço inútil de dar algum sentido a sua fé. Mas o fato é que qualquer pessoa que ler a narrativa bíblica sem fanatismo religioso, com a mente aberta, de forma racional, chegará à conclusão óbvia de que se trata de uma fábula, pois nas páginas da bíblia encontramos um mundo mágico que contêm cobras e mulas falantes (Gênesis 3:1-5; Números 22:28-30), dedos flutuantes escrevendo na parede (Daniel 5:5), comida caindo do céu (Números 11:7), cajados virando serpentes (Êxodo 7:10-12), muralhas desmoronando com o toque de trombetas (Josué 6:20-21), água virando sangue (Êxodo 7:20, 21), pessoas voltando dos mortos (João 11:38-44; 1 Reis 17:17-24; 2 Reis 4:32-37; 13:20, 21; Mateus 28:5-7; Lucas 7:11-17; 8:40-56; Atos 9:36-42 e 20:7-12), o sol parando por horas (Josué 10:12-14), bruxas lendo o futuro (1ª Samuel 28:7-19), carruagens de fogo
55 cruzando o céu (2ª Reis 2:11-14), anjos dormindo com humanas (Gênesis 6:1-4), pessoas que passam dias no estômago de uma baleia (Jonas 1:17), virgens dando à luz (Mateus 1:18-21) e incontáveis aparições de anjos e demônios (Gênesis 19:15, 16; Daniel 6:22; Atos 12:6-11; Mateus 8:28-32; Revelação 12:7-12). Fascinante, sem dúvida uma literatura fantástica. Mas obviamente uma ficção, nada mais que isso.
56
utra evidência muito forte que demonstra a não inspiração divina da bíblia é a Teoria da Evolução. Nas páginas da bíblia encontramos explicações claras de que Deus criou todos os seres vivos segundo a sua espécie. O livro bíblico de Gênesis 1:20-25 relata: “E Deus passou a criar os grandes monstros marinhos e toda alma vivente que se move, que as águas produziram em enxames segundo as suas espécies, e toda criatura voadora alada segundo a sua espécie... Produza a terra almas viventes segundo as suas espécies, animal doméstico, e animal movente, e animal selvático da terra, segundo a sua espécie. E assim se deu. E Deus passou a fazer o animal selvático da terra segundo a sua espécie, e o animal doméstico segundo a sua espécie, e todo animal movente do solo segundo a sua espécie”. Fica claramente entendido que Deus criou todos os animais segundo sua espécie, portanto, a bíblia afirma categoricamente que não houve a evolução da espécies conforme descreveu o naturalista britânico Charles Darwin no seu célebre livro “A Origem das Espécies” publicado em 1859. Como é de conhecimento geral, esta teoria culminou no que é agora considerado o paradigma central para a explicação de diversos fenômenos na biologia tornando-se a explicação científica dominante para a diversidade de espécies na natureza (Charles Darwin, A Origem Das Espécies, Coleção Obra-Prima de Cada Autor. Editora Martin Claret, 2007. ISBN 8572325840). A teoria científica da evolução explica como as formas de vida desenvolveram diversidade ao longo das gerações. Uma coisa que se deve entender imediatamente é que ela não alega explicar o desenvolvimento do universo ou o surgimento da vida. Ela
57 explica como novas formas de vida surgiram de formas de vida mais antigas. Mesmo que a vida na terra tenha se iniciado por algum tipo de intervenção divina ou alienígena, isto não afetaria a evidência da evolução, que é aceita por pessoas que acreditam em um ou mais Deuses, bem como por quem não acredita em nenhum. Também é importante entender o que é uma teoria cientifica. Fora do meio cientifico as pessoas frequentemente usam a palavra teoria para se referir a um palpite, ou a qualquer opinião pessoal não provada. Não é isso o que a palavra teoria significa na ciência. Na ciência, uma teoria se refere especificamente a uma explicação bem concreta sobre uma grande quantidade de fatos bem concretos e firmemente estabelecidos. Assim, sempre que encontramos declarações do tipo “evolução é só uma teoria, não um fato”, isso nos diz que quem fez tal declaração não está usando o termo adequadamente. Em ciência, a teoria não é enaltecida pelos fatos, antes, os fatos é que são explicados pela teoria. Por causa de seu poder de explicar as coisas, as teorias são a meta suprema e a plena conquista da natureza da ciência. Para começar com alguns fatos bem conhecidos, nós sabemos que as características físicas dos pais são herdadas pela geração seguinte e através do artifício de criação seletiva, muitas características podem ser aumentadas em gerações posteriores. Isso pode ser conseguido muito facilmente acasalando os indivíduos que exibem mais fortemente aquela característica e repetindo este processo através de sucessivas gerações. Crie apenas cavalos que tem ótimo desempenho em competições e seus filhotes também serão premiados. Crie apenas cachorros agressivos, e seus filhotes serão agressivos. Muitos que alegre e facilmente dirão entender esse tipo de seleção artificial são os mesmos que rotulam evolução como “impossível” ou “um conto de fadas”. Contudo, a seleção natural, um dos principais
58 mecanismos que guiam a evolução não requer nenhuma suspensão mágica ou violação das leis da física. Ela simplesmente diz que as características também surgem e oportunidades reprodutivas também são limitadas por outros fatores que não a influência humana. Se um criador de cachorros selecionar apenas os cachorros mais velozes para sua criação, e se na selva, somente as gazelas mais rápidas escaparam dos predadores e sobreviveram para reproduzir, então ambos, a natureza e o criador de cachorros estão favorecendo certos indivíduos para produzirem filhotes e passar sua informação genética para a geração seguinte. Antes de falar mais sobre seleção natural, gostaria de mencionar outro termo comumente incompreendido: “Mutação”. Muitos pensam que quando biologistas falam sobre mutação, eles estão se referindo apenas a malformações dramáticas como animais com membros ou cabeças a mais. Ou cenários forçados como cães produzindo gatos, ou até se transformando em gatos. Isto tudo é fruto de desinformação. “Mutação” é simplesmente a mudança na variação genética dentro de uma população, originada por inserção, exclusão ou recombinação de sequência do DNA. Mas mutação não é a única causa de variação, porque não é só a sequência do DNA que é importante para a Evolução. Estudos de epigenética, por exemplo, mostram que os genes podem ser ligados ou desligados, e que essa ativação ou inibição pode ser herdada e se expressar em gerações futuras. A maioria das variações são neutras e não tem qualquer impacto na sobrevivência do organismo, acumulando-se naturalmente em gerações sucessivas, o que se chama de deriva genética, cujos efeitos são melhor percebidos em pequenas populações (Richard Dawkins, O Gene Egoísta. Companhia das Letras, 2007. ISBN 978-8535911299). Mas variação na cor, por exemplo, pode ter um impacto maior. Considere um inseto de coloração pouco parecida com a casca
59 das arvores onde habita. Se a variação genética fizer alguns de seus filhotes menos evidentes para os predadores, eles terão mais chances de sobreviver e de se reproduzir. E com o passar do tempo, os insetos com esta variação de cor podem se tornar mais abundantes dentro da população. Se a variação fizer alguns dos outros filhotes mais evidentes para os predadores, então talvez eles não sobrevivam para se reproduzir, e essa variação pode desaparecer ou ser suprimida pela seleção natural. Muitos que não entendem a evolução tentam descrevê-la como “puro acaso”. Mas não foi por acaso que camuflagem, cascos, pétalas, antenas, barbatanas, asas, olhos e raízes evoluíram no mundo natural. Todas estas características físicas tiveram funções especificas na contribuição para o sucesso reprodutivo de diferentes organismos. E fica óbvio que se os organismos que exibem essas características se reproduzirem, eles perpetuarão sua informação genética, incluindo a informação responsável pela característica para a próxima geração. Mas não é verdade que toda característica de um organismo tem que ser vantajosa. Por exemplo, características que não trazem nenhuma vantagem ainda podem ser favorecidas se estiverem associadas à outra que traz. Quando se trata de características vantajosas, não existe um “tamanho único”. Tamanho pode ser uma grande vantagem para um leão-marinho que quer dominar seus rivais, mas seria uma considerável desvantagem para um macaco-aranha, que está adaptado para movimentar-se agilmente pelas árvores. De novo, não é por acaso que o leão-marinho evoluiu para ser enorme e o macaco-aranha evoluiu para ser esbelto e ter membros tão esguios. Esses atributos físicos os ajudam nos seus respectivos ambientes e meios de vida para sobreviver e competir para se reproduzirem. Pessoas que dizem que evolução é sobre um impossível e improvável golpe de sorte cega, frequentemente gostam de alegar
60 que a probabilidade de formas de vida evoluir é a mesma de se ganhar o prêmio máximo de um caça-níquel centenas de vezes seguidas. Mas acasos milagrosos não tem nada a ver com evolução. Se formos usar a mesma analogia da máquina caçaníquel, então a evolução mantém presos quase todos os símbolos e só aceita os que combinam cada vez que se puxa a alavanca. Começando com uma palavra nós só precisamos mudar uma letra para transformá-la numa nova palavra. Mudando uma letra dessa nova palavra resultam novas palavras adicionais. E se nós prosseguirmos com esse processo, produziremos palavras totalmente diferentes da original. Uma mudança dramática obtida através de pequenas mudanças por vez. É isso que acontece na Evolução, exceto que na evolução, incontáveis minúsculas mudanças se acumulam ao longo de milhões de anos. O problema para a maioria das pessoas entenderem o processo da evolução é que eles não conseguem pensar em termos de milhões de anos, para muitos é difícil conceber tal espaço de tempo devido à curta duração de nossas vidas (Richard Dawkins, O Relojoeiro Cego, A Teoria da Evolução Contra o Desígnio Divino. Companhia das Letras, 2001. ISBN 8535901612). Se membros de uma dada espécie se isolam geograficamente, cada grupo acaba por ter que responder a um ambiente muito diferente e a enfrentar diferentes predadores e se adaptar a formas diferentes de obter comida. Assim, a variação genética não mais estará sendo compartilhada por toda a população, mas apenas entre os membros de cada grupo vivendo em determinado ambiente. Desta forma, a deriva genética e a seleção natural podem fazer com que surjam duas espécies distintas que passando um certo período de tempo não são mais tão próximas a ponto de ser possível se reproduzir entre si. A teoria da evolução não diz que “organismos de uma espécie de repente passam a produzir organismos de outra espécie”. Cães
61 não produzem gatos e organismos individuais não mudam de espécie. Um macaco não se torna um ser humano, há um malentendido comum sobre como a evolução nos liga aos macacos que é revelado pela clássica pergunta que a maioria faz “Se os humanos evoluíram dos macacos, por que ainda existem macacos?” Em primeiro lugar os humanos não evoluíram dos macacos que vemos hoje. Humanos e macacos modernos compartilham um ancestral comum, semelhante a um macaco, mas diferente de ambos. Em segundo lugar, quando uma forma de vida evolui de outra isso não quer dizer que a forma de vida original tem que deixar de existir. Considere por exemplo à espécie A tão bem adaptada ao seu meio ambiente que muda muito pouco de uma geração para outra, então, parte dessa população se espalha para um novo meio ambiente em que se mostra pessimamente adaptada. Diferentes pressões de sobrevivência agora levam as gerações dessa população a mudarem dramaticamente enquanto as mudanças na primeira população são quase imperceptíveis. Após muitas gerações a população 1 ainda existe mais ou menos na sua forma original enquanto que a população 2 está agora muito diferente devido a uma adaptação em um ambiente mais hostil. A população 1 não precisa ser extinta, nem mudar da mesma maneira. Por exemplo, os brasileiros descendem dos portugueses, mas nem por isso os portugueses deixaram de existir ou se transformaram em brasileiros. A teoria da evolução não requer a existência de um animal com a cabeça de crocodilo e o corpo de pato, mesmo quando há evidências de que um animal evoluiu diretamente de outro isso não significa que a transição de todas as formas tem que parecer como pedaços de ambos os animais colados juntos. A evolução não trabalha combinando diferentes espécies aleatoriamente. Cientistas evolucionistas nunca caçaram o “crocopato” ou o
62 “rinopolvo”. A teoria da evolução nos diz uma coisa bem diferente. A natureza não recompensa apenas combinações aleatórias de características, mesmo animais altamente especializados têm sido levados à extinção. A natureza só recompensa aquilo que é capaz de se reproduzir com eficiência. O “crocopato”, inventado para ridicularizar a evolução tornou-se, em vez disso, num símbolo de mau argumento contra a Evolução. Algumas pessoas dizem que a aceitação dessa teoria implica ou leva inevitavelmente ao desejo por um controle étnico de seres humanos, porém, reconhecer um aspecto da natureza não significa que você tem qualquer desejo de adaptá-lo a uma política social e cometer graves violações aos direitos humanos. Evolução não é um apoio à eugenia. Assim como aceitar o fato de que a fêmea de inúmeras espécies mata e come os machos após o acasalamento não é um endosso ao canibalismo. É apenas a aceitação da realidade. Se alguém menciona que a teoria da Evolução diz alguma dessas inverdades então ele simplesmente não a entende ou está deturpando-a deliberadamente e tentando criar confusão sobre o que é ciência na esperança de que isso dê mais apoio a sua causa. De qualquer forma, tentativas de fazer a evolução se parecer com um conto de fadas sendo por desinformação ou desonestidade, continuarão sendo desmascaradas. O conto de fadas é a alegação de que a evolução tem alguma coisa a ver com cães gerando gatos, animais se transformando de uma hora para outra em uma diferente espécie ou surgirem por puro acaso. Se você conversar com qualquer um que conheça e aceite a evolução descobrirá que estas ideias são tão ridículas para eles como são para os antievolucionistas. Evolução é tanto o fato como a teoria. É o fato cientificamente estabelecido de que a vida evolui e continua evoluindo e a teoria da evolução explica como isso se dá. Existem muitas razões que
63 tornam importante o entendimento da evolução, não apenas porque ela é essencial para a compreensão da biologia. Nós convivemos com vírus que rapidamente desenvolvem resistência aos nossos sistemas de defesa. Falhar em entender esse processo significa falhar em entender uma das ameaças mais mortais que enfrentamos. Pela curiosidade e cuidadosa dedicação ao trabalho de gerações de cientistas nós agora entendemos com mais detalhes do que em qualquer outro momento da história respostas para as maiores perguntas sobre a vida nesse planeta. Essas são as peças chaves da herança cientifica que vale a pena passar para as novas gerações que certamente irão aperfeiçoar o nosso entendimento sobre a vida (Edward O. Wilson, The Diversity of Life. Harvard Univ. Press, 2ª Edição 1992. ISBN 978-0674212985). Milhares de achados fósseis tem sido descobertos nos últimos anos confirmando a teoria da Evolução. Visto ser um assunto bem extenso vou me concentrar apenas em alguns achados relacionados com a espécie humana e sua evolução. Em 19 de julho de 2001 um grupo de paleontólogos da França e do Chade divulgou a descoberta de um fóssil que teria pertencido ao primeiro antepassado humano já conhecido o Sahelanthropus tchadensis ou homem de Toumai. Esse fóssil foi encontrado no Chade, na África Central. Hoje a comunidade científica aceita razoavelmente bem que este é o fóssil do hominídeo mais antigo já encontrado, com 7 milhões de anos. Trata-se de uma indicação de que o bipedismo humano surgiu não na savana como se acreditava, mas na floresta tropical das imediações do Chade, hoje desértica (Alain Beauvilain. "Toumaï, l'aventure huamine". Paris, La Table Ronde, 2003). Em outubro de 2009, a revista científica Science publicou um estudo iniciado em 1992 onde 47 investigadores de dez países publicaram em onze artigos os resultados das análises de fósseis
64 do hominídeo Ardipithecus ramidus (Ardi) com 4,4 milhões de anos. Ardi era uma criatura das florestas, com cérebro pequeno, braços longos e pernas curtas. O pélvis e os pés mostram uma forma primitiva de caminhar ereto, porém, o Ardipithecus também era capaz de subir em árvores com seus longos e grandes dedos que lhe permitiam agarrar, assim como os macacos. O estágio australopitecídeo, iniciado há uns 3 milhões de anos, inclui achados fósseis que podem ser reunidos em dois grupos: os pequenos australopitecos e os grandes australopitecos ou parantropos. Os pequenos australopitecos eram bípedes, mediam cerca de 1,20m e pesavam entre 25 e 50 quilos, com capacidade craniana média de 500 cm3. Seus primeiros fósseis foram encontrados na garganta de Olduvai, Tanzânia, na África, junto a seixos grosseiramente trabalhados à mão. A postura vertical trazia a vantagem de libertar as mãos para a manipulação e a associação dos movimentos das mãos com os olhos estimulava o cérebro. Assim, o bipedismo constituiu uma base para as habilidades culturais. Aos australopitecos pequenos sucederam-se os australopitecos grandes ou parantropos, do tamanho do homem moderno, porém com o cérebro de 600 cm3. Foram encontrados em Olduvai e no Saara, na África e em Java, na Indonésia. Entre os principais achados fósseis deste período estão DIK-1 (Selam) descoberto em 2000 na Etiópia por Zeresenay Alemseged e o AL 288-1 (Lucy) descoberto em 1974 na Etiópia por Donald Johanson (Zeresenay Alemseged, Mother of man, 3.2 million years ago. BBC Science & Nature, 2006; Um esqueleto hominídeo juvenil de Dikika, na Etiópia. Nature 443 pág. 296301). Depois dos australopitecos, os fósseis encontrados foram classificados como pertencentes ao estágio pitecantropóide. Os primeiros pitecantropos ou "homo erectus" datam de aproximadamente 500.000 anos e foram descobertos em Java
65 (Indonésia), Pequim (China), Heidelberg (Alemanha), Tenerife (Marrocos), Olduvai (Tanzânia) e na Hungria. Viveram na segunda fase interglaciária e seu cérebro possuía capacidade craniana média de 1 000 cm3. Os pitecantropos conheciam o fogo, fato que lhes permitia habitar em cavernas e prolongar o período das atividades, antes limitado pelo cair da noite. Nas cavernas onde moravam, inclusive em lugares muito frios como na Europa, foram encontradas boas quantidades de carvão acumuladas, indicando que várias gerações deles acendiam fogueiras. Eram carnívoros, andarilhos e praticavam a caça de rastreio. Proporcionando luz para habitar as cavernas, calor para enfrentar climas mais frios e um método para preservar a carne, o fogo representou uma grande revolução na cultura dos hominídeos. E com sua ajuda, provavelmente iniciaram a migração pelo planeta, visto que os hominídeos do estágio pitecantropóide só não foram encontrados na América e na Austrália. Os Neanderthais viveram entre 100 000 e 40 000 anos atrás e possuíam uma capacidade cerebral próxima à do homem moderno. Eles poderiam ser descritos como possuidores de uma caixa craniana moderna e uma face próxima à dos pitecantropos. Talhavam a pedra com perfeição e praticavam ritos funerários enterrando seus mortos. Descobriu-se que um esqueleto dessa espécie, desenterrado em Shanidar, fora recoberto com oito espécies diversas de flores. Ora, isso demonstra a existência de ritos conscientes, além de uma vida social organizada tal qual a das tribos primitivas de homo sapiens-sapiens. Os esqueletos sucessivos aos Neanderthais são denominados de Cro-Magnon ou Homo sapiens-sapiens. Foram encontrados numa localidade da França que lhes deu o nome, a cerca de 35 000 anos, no Paleolítico superior. O uso de instrumentos de caça provavelmente ativou o desenvolvimento do cérebro e a redução
66 das mandíbulas e dos dentes até então usados como ataque e defesa. O homem de Cro-Magnon é o nosso antepassado direto. Vestido como um homem atual, ele seria indistinguível nas ruas das cidades. Possuía estatura elevada e capacidade craniana de 1500 cm3 em média. Desenvolveu a linguagem articulada, fazia instrumentos especializados para a caça e a pesca e criou a arte rupestre e a escultura. A complexidade do cérebro humano, no entanto, levou estes primeiros homens a perceber que era possível interferir na produção tanto das plantas quanto dos animais de que tanto precisavam para se alimentar. A experiência de geração após geração acabou por levar o homem a descobrir a agricultura e a domesticação dos animais. Foi um passo decisivo para a transformação das sociedades primitivas. Como vimos até agora os registros fósseis são uma prova consistente de que nosso planeta já abrigou espécies diferentes das que existem hoje. Esses registros são uma forte evidência da evolução porque nos fornecem indícios de parentesco entre estes e os seres viventes atuais ao observarmos, em muitos casos, uma modificação contínua evidente das espécies. A adaptação, capacidade do ser vivo em se ajustar ao ambiente é outra evidência, uma vez que, por seleção natural, indivíduos portadores de determinadas características vantajosas, como a coloração parecida com a de seu substrato, possuem mais chances de sobreviver e transmitir a seus descendentes tais características. Assim, ao longo das gerações, determinadas características vão se modificando, tornando-se cada vez mais eficientes. Como exemplos de adaptação por meio da seleção natural temos a camuflagem e o mimetismo. As analogias e homologias também podem ser consideradas como provas da evolução baseadas em aspectos morfológicos e funcionais, uma vez que o estudo comparativo da anatomia dos organismos mostra a existência de um padrão fundamental
67 similar na estrutura dos sistemas de órgãos. A ciência tem encontrado cada vez mais evidências de que as espécies se originaram de um tronco único, por isso possuem estruturas tão fundamentalmente semelhantes. As estruturas análogas desempenham a mesma função, mas possuem origens diferenciadas, como as asas de insetos e asas de aves. Estas, apesar de exercerem papéis semelhantes, não são derivadas das mesmas estruturas presentes em um ancestral comum exclusivo entre essas duas espécies. Assim, a adaptação evolutiva a modos de vida semelhantes leva organismos pouco aparentados a desenvolverem formas semelhantes, fenômeno este chamado de evolução convergente. A homologia se refere a estruturas corporais ou órgãos que possuem origem embrionária semelhante, podendo desempenhar mesma função (nadadeira de uma baleia e nadadeira de um golfinho) ou funções diferentes, como as asas de um morcego e os braços de um humano, nadadeiras peitorais de um golfinho e as asas de uma ave. Essa adaptação a modos de vida distintos é denominada evolução divergente. Os órgãos vestigiais são estruturas pouco desenvolvidas e sem função expressiva no organismo, como o apêndice vermiforme e o cóccix indicando que estes órgãos foram importantes em nossos ancestrais remotos e por deixarem de ser vantajosos ao longo da evolução, regrediram durante tal processo. Estes órgãos podem também estar presente em determinadas espécies e ausentes em outras, mesmo ambas existindo em um mesmo período. A evidência molecular nos mostra a semelhança na estrutura molecular de diversos organismos sendo que, quanto maior as semelhanças entre as sequências das bases nitrogenadas dos ácidos nucléicos ou quanto maior a semelhança entre as proteínas destas espécies, maior o parentesco e, portanto, a proximidade evolutiva entre as espécies.
68 É digno de nota que as recentes pesquisas genéticas tem demonstrado que o código genético do ser humano e muito semelhante ao do chimpanzé, 98,7% do código genético do homem é igual ao do chimpanzé e a semelhança com os outros primatas chega a 98,3%. Assim, a Teoria da Evolução reúne uma série de evidências e provas que a faz ser irrefutável até o presente momento. Portanto, se a bíblia fosse realmente inspirada por Deus com certeza teria um relato mais coerente com as recentes descobertas científicas sobre a evolução das espécies. O relato bíblico sobre a criação é totalmente incoerente com as inúmeras evidências apresentadas pela ciência. Para um ser humano racional diante de tantas evidências acreditar que a vida na terra começou com dois pelados e uma cobra falante enrolada numa famigerada árvore do conhecimento, tendo uma outra árvore, esta da vida eterna, que após a desobediência deste primeiro casal foi guardada por dois anjos tendo uma espada flamejante no meio para que o casal não pudesse comer de seus frutos e viver para sempre, e que todos os animais apareceram como que por mágica através de um místico ato criativo, tudo isso acontecendo a alguns milhares de anos, realmente fica muito difícil. Porém, analisar tal relato como um mito criado por homens primitivos que tentavam diante de suas limitações explicar a origem do mundo e dos seres vivos e que tais mitos foram transmitidos oralmente durante gerações ganhando contornos épicos e finalmente depois que o homem desenvolveu a escrita registrou estes mitos, parece ser mais lógico. A descoberta de escritos contemporâneos à bíblia ou anteriores retratando mitos bem semelhantes aos narrados na bíblia apoiam essa hipótese mais racional e menos mística do relato da criação registrado em Gênesis. O Enuma Elish, o mito de criação babilônico descoberto por Austen Henry Layard em 1849 nas ruínas da Biblioteca de Assurbanipal em Nínive (Iraque)
69 e publicado por George Smith em 1876 tendo sua composição remontada a Idade do Bronze, nos tempos de Hamurabi ou talvez no início da Era Cassita (cerca de 18 a 16 séculos a.C.) descreve um Deus lutando contra o caos para estabelecer a ordem e a criação começando na luz e acabando no homem. Um outro exemplo interessante é a Epopeia de Gilgamés, uma das primeiras obras conhecidas da literatura mundial com seu registro mais completo vindo de uma tábua de argila escrita em língua acadiana do século VIII a.C. tendo sido, no entanto encontradas tábuas com excertos que datam do século XX a.C. O texto descreve uma grande inundação mandada por Deus para exterminar toda vida na terra escolhendo um homem para sobreviver dando-lhe instruções sobre como construir um grande barco e salvar um casal de cada animal. Não acha tal relato muito semelhante à história do dilúvio encontrada na bíblia? Esta narrativa bíblica também tem todas as características de um mito conforme veremos a seguir.
70
relato bíblico do dilúvio dos dias de Noé traz questões de difícil solução. Em primeiro lugar destaco o fato de a bíblia afirmar que o dilúvio foi global. Já parou para pensar na quantidade de água necessária para inundar a terra inteira, cobrindo até mesmo os mais altos montes? De onde teria vindo esta quantidade incalculável de água? E onde estaria esta agora? Segundo Gênesis 7:20, o nível das águas chegou a quase 7 metros (15 côvados x 45,72cm) acima dos picos mais altos. Considerando que o Everest tem cerca de 8.844 metros, as águas chegaram a 8.851 metros. É muita água! Muitos religiosos costumam vir com a justificativa de que na época do dilúvio não existiam montes altos como o Everest, que tais montes foram formados como consequência do dilúvio. Porém, as evidências geológicas demonstram claramente que a cordilheira do Himalaia foi formada pela colisão das placas tectônicas, no caso a colisão das placas Indo-australiana e da Eurásia, choque este que começou a ocorrer no período cretáceo superior a cerca de 70 milhões de anos, portanto milhões de anos antes do suposto dilúvio que segundo o relato bíblico ocorreu a apenas 5 mil anos. Outra questão que surgi tem a ver com a pressão das águas. Para cada 10 metros que um mergulhador desce no mar, a pressão (em atmosferas) sofre um acréscimo de uma unidade. Se ele descer a 20m, estará sob uma pressão de 3 atm (1 atm da pressão ao nível do mar, mais 2 atm porque ele desceu 20m). Com 8.851m, a pressão no que seria originalmente o nível do mar sofreria um acréscimo de mais de 880 atm! Sob essa pressão nenhuma pintura rupestre ou fóssil resistiria, seriam todos esmiuçados.
71 Outro detalhe curioso tem a ver com o lugar onde esta quantidade estratosférica de água estava armazenada antes do dilúvio. Segundo a bíblia havia águas acima da expansão ou do firmamento (céu) separadas no segundo dia criativo, ou seja, as nuvens estariam debaixo d’água. Muitos religiosos usam tal relato bíblico para defender a ideia das fontes do paraíso, que existia um enorme manancial de água acima da expansão, surgem diversas explicações mirabolantes e anticientíficas sobre como a água fora mantida suspensa até o dilúvio e sobre os processos que resultaram na sua queda. Mas tudo isso não passa de especulação sem sentido de religiosos tentando dar sentido a sua fé, pois tais ideias são absurdas. Mesmo porque, não há vapor d’água a determinada altura. E mesmo que houvesse, o frio transformaria a água em granizo. Então, as pessoas e animais não morreriam afogados, mas de traumatismo craniano dado o tamanho das pedras de gelo. Pense na imensa quantidade de espécies de animais que existem, segundo os mais recentes estudos este número pode chegar a mais de um milhão. Portanto onde Noé colocou esta quantidade imensa de animais? Segundo a bíblia, a arca tinha modestos 300 côvados de comprimento, 50 côvados de largura e 30 côvados de altura. Calculando em metragem moderna seriam 133 metros de comprimento, 22 metros de largura e 13 metros de altura. Tal metragem seria a metade do tamanho de um transatlântico moderno. De fato seria impossível colocar tamanha quantidade de animais dentro desta arca. Além disso, imagine a quantidade de alimento necessário para que todos estes animais sobrevivessem durante todo o tempo que ficassem dentro da arca. Segundo o relato bíblico eles ficaram mais de um ano dentro da arca (Compare Gênesis 7:11 com Gênesis 8:13, 14). Deveria haver um lugar para a comida, não só dos animais, mas para a família de Noé também, afinal se eles
72 matassem um carneiro, estariam descumprindo as ordens de Deus. Outro detalhe importante é que havia animais carnívoros. Como impedir que os leões atacassem as zebras? Como impedir que as raposas comessem os coelhos? E os gaviões, águias e abutres (estes últimos só se alimentam de carniça)? Para os herbívoros seria mais fácil? Bem, faz ideia do quanto os elefantes comem por dia? Neste caso, eles teriam que construir mais umas 10 arcas para levar alimento suficiente para que todos estes animais sobrevivessem durante um ano. E depois que esta enorme quantidade de animais saiu de dentro da arca, onde encontraram alimento? Segundo o relato bíblico a terra estava toda devastada devido a esta inundação catastrófica. Depois de um ano de inundação não haveria vegetação sobre a terra, entretanto, Noé envia uma pomba para ver se havia qualquer terra seca. Porém ela volta sem achar nenhuma. Então, apenas sete dias depois ela sai novamente e retorna com uma folha de oliveira. Mas como uma oliveira pôde sobreviver à catastrófica inundação? Mesmo que acontecesse de qualquer semente sobreviver, certamente ela não germinaria e produziria folhas num período de sete dias (Gênesis 8:8-11). Pense também na grandiosa quantidade de ecossistemas que funcionam de maneira harmoniosa. Basta acompanhar alguns programas da National Geographic ou do Discovery Channel, para nos maravilharmos com tais lugares, cada qual tendo seu próprio equilíbrio. Às vezes ficamos indignados com a ação do homem que infelizmente tem destruído a frágil estrutura de tais lugares, alguns sofrendo danos irreversíveis. Agora pense nos danos catastróficos que um dilúvio das proporções do relatado na bíblia causaria a todos estes ecossistemas. Além disso, existem animais que só vivem em determinados ecossistemas. Por exemplo, o canguru só existe na Austrália, o urso polar apenas no Polo Norte, o urso panda apenas na China,
73 o lêmure só em Madagascar, o mico-leão-dourado só no Brasil. Como tais animais saíram de lugares longínquos, alguns precisando atravessar até mesmo oceanos inteiros para chegarem ao oriente médio, lugar que segundo a bíblia a arca foi construída? Como puderam o urso panda, o canguru, o urso polar, o lêmure e o mico-leão-dourado deslocarem dezenas de milhares de quilômetros até chegarem a arca? Isto exigiria uma gigantesca migração que levaria séculos, e com certeza durante este colossal deslocamento, várias gerações destes animais morreriam pelo caminho, enquanto as novas gerações continuariam esta heroica jornada até chegarem ao seu destino. Se isto realmente tivesse acontecido, os paleontólogos achariam os fósseis destes animais, indicando sua impressionante peregrinação. Seria uma das mais fabulosas descobertas da paleontologia, grandes clãs de animais se deslocando através de séculos, saindo da China, Austrália, Polo Norte, Américas, todos em direção a salvadora arca de Noé. Pena que nenhum cientista jamais achou algo parecido, pelo contrário, como sabemos os cangurus sempre viveram na Austrália e nunca saíram de lá, o urso panda sempre viveu na China e por lá sempre ficou, o urso polar nunca deixou o Polo Norte, o lêmure nunca deixou Madagascar e o mico-leão-dourado nunca deixou o Brasil. Ainda existem as questões morais de tal ato destruidor. Deus resolve devastar toda a terra, incluindo os animais por causa da maldade do homem, agora surge a pergunta: O que os animais tinham a ver com isso? E as crianças que foram mortas sem dó nem piedade por causa das ações dos adultos, o que estas pobres crianças tinham a ver com isso? Neste ataque de ira Deus exterminou bebês recém-nascidos, mas o que estes bebês tinham a ver com a suposta maldade de seus pais? Morreram porque simplesmente tiveram o infortúnio de nascer na época errada? Se elas tivessem a oportunidade de crescer talvez tivessem escolhido um proceder diferente de seus pais. Mas infelizmente o Deus
74 bíblico não lhes deu esta oportunidade, foram impiedosamente massacrados. O pior de toda essa prosopopeia é que o próprio Deus bíblico reconheceu que toda essa matança não serviu para nada, pois tudo continuou do mesmo jeito, tanto é assim que ele mesmo prometeu não mais trazer uma destruição desta forma. Observe, isso foi falado antes do dito dilúvio: "Por conseguinte, Jeová viu que a maldade do homem era abundante na terra e que toda inclinação dos pensamentos do seu coração era só má, todo o tempo. E Jeová deplorou ter feito os homens na terra e sentiuse magoado no coração. De modo que Jeová disse: Vou obliterar da superfície do solo os homens que criei, desde o homem até o animal doméstico, até o animal movente e até a criatura voadora dos céus, porque deveras deploro tê-los feito" (Gênesis 6:5). Agora compare com o que ele disse depois do dilúvio: "E Jeová começou a sentir um cheiro repousante, e Jeová disse então no seu coração: Nunca mais invocarei o mal sobre o solo por causa do homem, porque a inclinação do coração do homem é má desde a sua mocidade; e nunca mais golpearei toda coisa vivente assim como tenho feito" (Gênesis 8:21). O próprio Deus reconheceu que aquela ação não serviu para nada e prometeu nunca mais agir daquela forma. Diante de todos estes fatos como podemos acreditar na epopeia lendária do dilúvio bíblico? Existem versões mais razoáveis para explicar este evento. William Ryan e Walter Pitman, geólogos da Universidade de Colúmbia teorizam que no fim da última era glacial o mar Mediterrâneo se encheu de tal forma que suas águas atravessaram o Estreito de Bósforo invadindo a região onde se encontra o Mar Negro, causando uma grande inundação. Utilizando ondas sonoras e dispositivos para analisar as profundezas do Mar Negro (os mesmos equipamentos usados para descobrir os destroços do Titanic), eles encontraram evidências claras da existência de um antigo lago de água doce
75 rodeado por um vale fértil. Além disso, foram achados indícios de habitação humana neste lugar (W.B. Ryan and W.C. Pitman, Noah's Flood: The new scientific discoveries about the event that changed history. Simon & Schuster, 2000. ISBN 9780684859200). Sofisticadas técnicas de datação confirmaram que há 7.600 anos atrás (5600 a.C.), o mar Mediterrâneo rompeu através do vale estreito de Bósforo derramando para dentro do lago com uma força monumental uma inimaginável quantidade de água salgada, inundando praias e rios. A borda do lago, que havia servido como um oásis, um jardim do éden para fazendas e aldeias em uma vasta região do semideserto, tornou-se um mar de morte. As pessoas fugiram, dispersando suas línguas, genes e memórias. Esta catástrofe natural com certeza ficou bem marcada na vida dos sobreviventes e estes certamente passaram esta história para as novas gerações que as recontaram. Esta transmissão oral provavelmente foi dando contornos épicos à história e com o passar dos séculos se tornou à lenda que hoje conhecemos como “o dilúvio” (Ian Wilson, Before the Flood: Understanding the Biblical Flood Story as Recalling a Real-Life Event. St. Martin's Griffin, 2004. ISBN 978-0312319717). Visto que um dos primeiros povos a habitar a Mesopotâmia originou-se desta região é provável que trouxeram as lembranças desta catástrofe natural, que com o tempo tornou-se uma lenda comum entre os povos sumérios, podendo ter sido a base para o famoso mito sumério-acadiano chamado de Epopeia de Gilgamês, um texto cuneiforme originário da biblioteca de Assurbanipal, que reinou na antiga Nínive. Trata-se de 12 tábuas de argila descobertas por arqueólogos em 1850, das quais a 11ª apresenta a história de um dilúvio (David R. Montgomery, The Rocks Don't Lie: A Geologist Investigates Noah's Flood, 2012. New York: WW Norton. ISBN 978-0393082395).
76 Existem outras teorias formuladas pelos cientistas como um devastador tsunami que ocorreu no período Neolítico devido ao deslizamento de uma grande parte do vulcão Etna na Sicília causando enormes ondas que varreram todo o Mediterrâneo ou uma enchente colossal que varreu toda a região do rio Eufrates na Mesopotâmia durante a Idade da Pedra. Tais teorias tem sido estudadas, mas ainda não existe evidência contundente de que tais catástrofes geológicas foram o acontecimento real que deu origem à lenda do dilúvio. Porém, uma coisa é certa, uma catástrofe local ocorrida no período Neolítico deu origem à lenda. É interessante notar que grande parte das civilizações antigas tiveram seus primórdios na Mesopotâmia, e quase todas têm uma lenda sobre uma grande inundação no passado onde humanos e animais foram poupados através de uma embarcação. Visto que os judeus também tiveram seu início nesta região, obviamente desenvolveram sua própria lenda sobre esta catástrofe natural, que se encontra na bíblia em Gênesis capítulos 6 a 8.
77
eja também a narrativa da libertação israelita do jugo egípcio. Moisés supostamente teria libertado de modo milagroso os israelitas depois de receber um chamado de Deus. Segundo o relato bíblico, Moisés, depois de uma recusa inicial do faraó egípcio, começa a prever pragas que atingem o Egito. Depois da décima praga, o faraó finalmente deixa os israelitas saírem, mas logo depois se arrepende e sai no encalço deles encurralando-os no Mar Vermelho. O que vem a seguir é uma história muito conhecida, que foi tema de vários filmes hollywoodianos. Quem não se lembra daquela famosa cena do mar sendo aberto pelo poder de Deus e seu povo passando pelo leito seco do mar com aqueles enormes paredões de água ladeando aquela grande nação que atravessa em segurança, enquanto o exército é destruído pelo próprio mar que volta a sua posição original durante a passagem dos soldados egípcios. Realmente uma história muito bonita, bem contada, mas, será que os fatos aconteceram mesmo daquela maneira? Tirando o sentimento religioso de lado, será que a razão apoia esta descrição dos eventos? Na verdade, não a uma prova sequer de que estes eventos aconteceram desta forma. O único livro que conta esta epopeia é a bíblia, que como já disse foi escrito numa época remota, onde a escrita estava apenas começando a se desenvolver, foi escrito numa língua hoje impronunciável, portanto indecifrável, que passou por um processo de várias cópias e recopias que durou milênios, e depois disso passou por um longo período de traduções para outros idiomas mais modernos (começou a ser escrito no hebraico clássico, passando pelo aramaico, daí totalmente traduzido para o grego, depois para o latim e assim por
78 diante até chegar às línguas modernas) e que nos dias atuais encontra-se traduzido numa mesma língua por várias versões que diferem e discordam entre si. A epopeia lendária que faz parte da cultura judaica, conforme descrita na bíblia, dificilmente corresponde à verdade histórica. É pouco provável que o próprio Moisés tenha sido o escritor desta narrativa que se encontra no livro bíblico de Êxodo. Não há registro arqueológico ou histórico da existência de Moisés ou dos fatos descritos no Êxodo. A libertação dos hebreus, escravizados por um faraó egípcio, foi incluída na Torá provavelmente no século VII a.C., por obra dos escribas do templo de Jerusalém, em uma reforma social e religiosa. Para combater o politeísmo e o culto de imagens, que crescia entre os judeus, os rabinos inventaram um novo código de leis e histórias de patriarcas heroicos que recebiam ensinamentos diretamente de Javé. Tais intenções acabaram batizadas de "ideologia deuteronômica", porque estão mais evidentes no livro de Deuteronômio. Analisando todos os elementos desta questão, fica óbvio que o suposto Moisés não tinha o ambiente propício, o material necessário e tão pouco as condições de ser o escritor desta lenda bíblica. Pergunte-se: como Moisés conseguiu materiais adequados para escrever tão extenso registro? Na época materiais de escrita eram raros, um luxo restrito a poucos escribas que viviam sobre a proteção de ricos governantes. Moisés ao contrário era um fugitivo, perambulando pelo deserto, atormentado pela fome, a sede, o ataque de tribos hostis, vivendo em tendas, sofrendo um calor escaldante de dia e um frio intenso à noite, liderando um povo rebelde, queixoso e constantemente insatisfeito. A própria escrita estava em seus primeiros estágios, por isso Moisés teria muita dificuldade de escrever relatos tão complexos.
79 Dos cinco livros que compõem o Pentateuco, Gênesis não menciona em momento algum o nome de Moisés. Êxodo, Levítico e Números se referem a Moisés na terceira pessoa, como em “o Senhor falou a Moisés”. Muitos religiosos dizem que ele preferia falar de si mesmo na terceira pessoa, mas esta atitude evidenciaria uma megalomania e produziria citações nada modestas como em Números 12:3 onde lemos: “E o homem Moisés era em muito o mais manso de todos os homens na superfície do solo”. Se tal declaração tivesse sido escrita pelo próprio Moisés, além de soar uma falsa modéstia (seria um absurdo alegar ser o mais manso de todos os homens na terra), seria risível devido a forma absolutamente sanguinária e autoritária que Moisés é descrito em quase todos os capítulos da Torá. Porém, Moisés deve ser absolvido destas acusações, pois é improvável que ele tenha escrito tais coisas. No livro de Deuteronômio o escritor faz certas contorções que dificilmente poderiam ter sido produzidas por Moisés. Nesse livro há uma introdução ao tema, depois uma introdução do próprio Moisés na primeira pessoa, depois um resumo da narrativa feita em outro estilo, depois outra fala de Moisés e um relato da morte, do enterro e da grandeza do próprio Moises. Obviamente, o relato do funeral não poderia ter sido escrito pelo próprio homem que foi enterrado. O escritor do Pentateuco escreveu o relato muitos anos após a morte de Moisés, pois após escrever sobre sua morte ele acrescenta que ninguém sabe “até hoje” onde está o sepulcro de Moisés. Além disso, o escritor fala que “desde então” não houve profeta comparável em Israel. Essas duas expressões não fazem sentido se não denotarem a passagem de um tempo considerável. De fato o autor parece vago quanto a todos os detalhes deste acontecimento, como seria de se esperar caso ele estivesse reconstruindo algo parcialmente esquecido. Existem também vários anacronismos onde o suposto
80 Moisés fala de coisas e acontecimentos que são apresentados como acontecendo depois de sua morte como a descrição da enorme esquife de ferro (sarcófago) do gigante rei Ogue de Basã. O escritor para provar que esse imenso sarcófago existe faz a interessante pergunta: “Eis que seu esquife era um esquife de ferro. Não se acha ele em Rabá dos filhos de Amom? Nove côvados é seu comprimento e quatro côvados a sua largura, segundo o côvado de homem” (Deuteronômio 3:11). A derrota de Ogue às mãos de Israel ocorreu perto do fim da peregrinação de 40 anos de Israel, pouco antes de acamparem nas planícies de Moabe (Deuteronômio 3:1-13). Pouco depois, Moisés segundo o relato bíblico veio a falecer. Como Moisés poderia dar detalhes de um posterior túmulo construído para Ogue, dando até as medidas dele, se ele já estava morto? Segundo o relato bíblico Rabá somente foi capturada séculos depois pelo general do rei Davi chamado Joabe (2ª Samuel 12:26). Na Torá (ou Pentateuco) são mencionadas cidades que nem existiam na época em que Moisés supostamente viveu, também se faz menção de dinheiro que só foi cunhado séculos após sua morte. Muitas das leis não eram compatíveis com viajantes do deserto como, por exemplo, leis sobre agricultura, sobre o sacrifício de bois, ovelhas e pombas, sobre tecelagem de roupas, sobre ornamentos de ouro e prata, sobre o cultivo da terra, sobre a colheita, sobre o debulhamento de grãos, sobre casas e templos, sobre cidades de refúgio e sobre muitos outros assuntos que não possuíam qualquer relação possível com poucos nômades famintos. Outra questão que surge diz respeito à própria narrativa em si. Se analisado mais de perto, vamos observar fortes traços de exageros, contradições e incoerências que são peculiares de mitos e lendas. O relato bíblico fala de um numero astronômico de 600.000 homens, acrescentando mulheres e crianças, chegamos a
81 uma multidão de mais de 3 milhões de pessoas no meio de um deserto inóspito. Faça um quadro mental desta imensa multidão vagueando pelo ermo do Sinai, tentando arranjar água suficiente dia após dia durante anos, além de comida para satisfazer milhões de pessoas. O relato bíblico tenta explicar esta cena surreal com águas torrenciais saindo das rochas, um tal de maná caindo do céu como flocos de neve que alimentava todos os dias 3 milhões de pessoas de maneira satisfatória, enxames de codornizes caindo do céu no meio do acampamento para a felicidade de todos proporcionando a tão desejada carne, roupas e sandálias que não se gastavam e nem ficavam danificadas, isto tudo segundo a bíblia por um período de quarenta anos. Encarando tudo isso como uma lenda, pode até fazer sentido, mas como história verídica fica difícil. O mais impressionante nisso tudo é o fato de que tal imigração maciça não deixou nenhum rastro pelos lugares onde passou, lugares esses devidamente citados no Êxodo, e que já foram identificados pelos arqueólogos. Esses lugares, na época em que supostamente o fato teria ocorrido (para os cronistas bíblicos, tal peregrinação ocorreu na época do Faraó Ramsés II que viveu no século XIII a.C.) eram completamente desabitados e não se encontrou lá qualquer sinal de presença humana antes do século VII a.C. Milhares de documentos egípcios decifrados em anos recentes não deixam dúvidas, jamais aconteceu qualquer êxodo em massa, como descrito na bíblia, nem qualquer movimento remotamente semelhante àquilo. Além disso, diversas descobertas arqueológicas sobre a sociedade e a cultura no Oriente Próximo revelam que as narrativas foram escritas nos séculos IX, VIII e VII antes de Cristo. Por exemplo, os sírios (ou arameus, habitantes de Harã) são mencionados com frequência na bíblia desde as épocas patriarcais, mas não existe nenhum texto deles até 1100 a.C. e só começaram a dominar as fronteiras
82 setentrionais de Israel depois do século IX. A bíblia descreve a origem do reino de Edom, como descendentes do irmão do patriarca Jacó, chamado Esaú, sendo uma nação plenamente estabelecida por volta do ano 1600 a.C., mas registros assírios mostram que Edom só apareceu como estado depois do surgimento da potência Assíria. Antes dessa época, não tinha reis nem um Estado propriamente dito e a evidência arqueológica mostra que o território estava escassamente povoado. A história de José se refere a comerciantes que andavam em camelos e que levavam goma arábica, bálsamo e mirra, um evento pouco provável para a época, mas muito comum nos séculos VIII a VII a.C., quando a hegemonia assíria possibilitou que este comércio florescesse. A Terra de Gósen recebeu este nome de um grupo árabe que só chegou a dominar o Delta do Nilo nos séculos VI e V a.C. Os resultados arqueológicos e os registros Assírios mostram que o Reino de Israel era o maior dos dois, mas segundo a bíblia, é o Reino de Judá que tem maior preeminência (Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman, The Bible Unearthed: Archaeology's New Vision of Ancient Israel and the Origin of Its Sacred Texts. Touchstone, Reprint edition, 2002. ISBN 978-0684869131). A escrita do livro que conhecemos hoje como a bíblia foi um processo complexo que envolveu várias gerações de escribas que através de séculos foram escrevendo e reescrevendo as histórias contadas pela transmissão oral adaptando-as as necessidades de cada época. Entretanto, foi somente durante o exílio dos judeus em Babilônia depois da destruição de Jerusalém em 586/587 a.C. que a bíblia como conhecemos hoje tomou forma. Os exilados haviam levado muitos rolos do arquivo real de Jerusalém para Babilônia e lá estudaram e editaram estes documentos. Visto que o templo em Jerusalém estava em ruínas se fez necessário elaborar um livro que preservasse a memória, a cultura e a
83 religiosidade dos judeus. Pensando numa futura volta para casa estes registros poderiam desempenhar um importante papel na restauração da vida nacional, fato que realmente se concretizou (Karen Armstrong, The Bible – The Biography, Atlantic Books, London, 2007. ISBN 978 2 84354 396 1). Portanto, se Moisés realmente existiu e liderou uma imigração, o grupo que ele conduziu provavelmente foi relativamente pequeno e sua épica travessia do Mar Vermelho e posterior peregrinação pelo deserto possivelmente foi transformada em uma epopeia lendária quando registrados séculos depois. As dez pragas provavelmente foram um eco de um desastre ecológico ocorrido no vale do Nilo quando tribos nômades de semitas estiveram por lá. Para uma nação que estava se formando e precisava de uma história para unificá-los, um simples relato sobre um pequeno grupo de pessoas que ao sair do Egito se refugiou nos canaviais que rodeavam os lagos entre Suez e a costa, desaparecendo do exército egípcio que estava em seu encalço, soaria assim um pouco simples demais, nada heroico nem tão pouco milagroso, não era um relato que exaltava seu Deus e elevava a autoestima do povo. Portanto por motivos óbvios, a história lendária acabou se sobrepondo ao que de fato aconteceu.
84
s patriarcas eram grandes líderes tribais que comandavam centenas de homens. Segundo a bíblia, alguns por suas qualidades, chamaram a atenção de Deus. O primeiro a ser mencionado na bíblia com destaque foi Abraão. Apesar de serem citados na bíblia como homens inteligentes e de nobres qualidades, os relatos de suas vidas mostram outra coisa. Por exemplo, em Gênesis 30:37-40 Jacó, um patriarca bíblico usou um meio um tanto diferente para tirar vantagem de seu sogro. Imagine só. Ele descascou varas de algumas árvores, dando-lhes um aspecto listrado e malhado. Colocou estes galhos nos bebedouros onde pensou ele que quando os animais olhassem para as faixas no cio, isto influenciaria a genética dos animais, fazendo que nascessem apenas animais malhados e listrados. Que pensamento interessante não acha? Animais olham para galhos listrados e seus filhotes nascem todos listrados. Esta descrição genética é ridícula e infantil. O pior é que Jacó realmente acreditava nisso e o Deus bíblico contribuiu para a divulgação de um conceito científico errado. Ingenuidade parece ser a marca registrada do patriarca Jacó. Segundo o relato bíblico de Gênesis 29:23 ele se casa com uma de suas primas com quem conviveu por 7 anos, mas na hora da noite de núpcias seu sogro entrega a outra filha, a mais velha, e por incrível que pareça Jacó passa a noite com ela sem notar nada. Ele simplesmente confundiu sua amada Raquel com Léia. Consegue acreditar nesta história? Nem se ele estivesse muito embriagado ou as irmãs fossem muito parecidas, como alguns religiosos tentam justificar, esta história teria sentido. E o relato de Gênesis 27:15-24 onde Jacó mente descaradamente para seu
85 pai Isaque, fazendo-se passar por seu irmão mais velho a fim de ganhar uma benção. Que exemplo de honestidade! E o mais interessante é que Deus observa tudo isso com naturalidade, sem nem mesmo repreender Jacó. Pelo contrário, ele continua abençoando Jacó, considerando-o um homem digno. O Deus descrito na bíblia parece brincar com os patriarcas, induzindo-os a fazer coisas terríveis. Por exemplo, em Gênesis 16:1-6 relata-se que devido a uma infertilidade de Sara, esposa de Abraão, este a pedido de Sara, teve relações sexuais com sua serva Agar para produzir um descendente. Quando Agar ficou grávida, começou a desprezar Sara que em revide começa a humilhar sua serva Agar. Pelo que parece esta briga se arrastou por anos, pois o relato de Gênesis 21:1-21 nos mostra que finalmente Sara tem um filho chamado Isaque, que segundo ela começa a ser humilhado pelo filho de Agar. Sara pede a Abraão que expulse Agar e seu filho e o mais impressionante é que Deus também fala a Abraão que os expulse. Diante disso Abraão expulsa Agar e seu filho que vagam pelo deserto até quase morrerem quando, segundo o relato, um anjo de Deus a ajuda. Não satisfeito em quase matar um dos filhos de Abraão, o Deus da bíblia resolve pedir que ele mate seu outro filho com as próprias mãos em sacrifício. Quando Abraão está para matá-lo, mais uma vez um anjo de Deus intercede segurando a mão dele. Que situação Abraão deve ter passado! Segundo o Deus da bíblia estes eram testes de fé onde os patriarcas deveriam mostrar confiança nele. Porém, em outros momentos a confiança de Abraão em Deus não foi tão grande assim, Gênesis 12:10-13 relata uma ocasião em que Abraão passa uma temporada no Egito, ali orienta sua esposa Sara a mentir, dizendo aos egípcios que era sua irmã e que não era casada com ele, tudo isso por medo de ser morto por um dos egípcios, que talvez pudesse se engraçar com sua esposa e tentar
86 matá-lo para tomá-la por esposa. O pior é que devido a esta mentira o faraó entendeu que podia casar-se com ela, pois achava que ela realmente fosse irmã de Abraão. Assim, faraó tomou Sara por sua esposa. Diante de toda essa confusão causada por uma mentira que Abraão disse, devido ao medo e falta de confiança em seu Deus, o Deus da bíblia resolve mandar pragas no coitado do faraó que não tinha nada a ver com isso, que foi ludibriado pelo medroso Abraão (Gênesis 12:14-19). Um sobrinho de Abraão chamado Ló também demonstrou qualidades questionáveis, embora o Deus da bíblia o considerasse um homem digno e justo. Segundo o relato bíblico, Deus resolve enviar dois anjos materializados as cidades de Sodoma e Gomorra. Ló insiste para que estes homens fiquem em sua casa. Naquela noite uma turba de sodomitas cerca a casa de Ló exigindo que ele traga os homens para fora, para terem relações sexuais com eles. Sabe o que o “digno e justo” Ló resolve fazer para tentar controlar a situação? Ele covardemente oferece suas duas filhas virgens para os taradões de Sodoma. Imagine-se sendo a filha deste homem? Como você se sentiria? Que tal um pai como este? (Gênesis 19:1-11). Parece que esta atitude desrespeitosa de Ló para com suas filhas abalou muito a moral delas, pois segundo o relato, algum tempo depois elas protagonizaram uma das maiores libertinagens da bíblia. Fugindo da destruição de Sodoma e Gomorra, elas juntamente com seu pai foram parar numa região montanhosa, ali dentro de uma caverna elas embriagaram o seu pai e tiveram relações sexuais com ele, isto mesmo, um clássico caso de incesto (Gênesis 19:30-38). Um outro caso envolvendo Judá, um filho de Jacó, destaca como era a moral destes castos servos do Deus bíblico. Em Gênesis 38:7-26 encontra-se a história de Judá e sua nora Tamar. Ela era casada com o filho de Judá chamado Er, mas segundo o relato ele se mostrou mal aos olhos de Deus e por isso Deus o
87 matou. Era costume naquela época o casamento de cunhado, se um homem morresse sem deixar um herdeiro, o irmão mais novo deveria se deitar com a viúva para providenciar o herdeiro. No caso o irmão mais novo de Er era Onã, só que ele se negou a cumprir sua obrigação, e por isso Deus também o matou. Judá disse a Tamar que esperasse o terceiro irmão na linhagem, seu filho Selá, pois ele ainda não tinha idade suficiente para se casar com ela. Mas o tempo passou e Judá não deu seu filho Selá em casamento a Tamar. Agora veja só o desfecho desta história. Tamar se disfarçou de uma prostituta do templo e quando Judá passava por ali resolveu ter relações com ela. Como pagamento pelos favores sexuais, ele deu a ela alguns objetos pessoais. Quando Judá soube que Tamar havia engravidado, logo presumiu que ela tinha tido relações com outro homem. A esta altura o santo e casto Judá ficou todo ofendido com sua nora dizendo que ela era uma prostituta e que deveria ser queimada. Quando ela estava para ser queimada mostrou os objetos pessoais de Judá e só então ele percebeu que era o pai da criança. Se existe alguma palavra para descrever a atitude de Judá qual seria? Falta de caráter? Hipocrisia? Como você qualificaria um homem que não cumpre sua palavra, dá um de moralista, puritano, defensor da boa moral e dos costumes, pretenso queimador de prostitutas, mas que ocultamente procura as mesmas para ter relações sexuais. O Deus bíblico não o repreendeu, pelo contrário, o enalteceu, apesar de ter matado os dois filhos dele por muito menos. Falando sobre como a bíblia descreve Deus, observe o relato de Êxodo 32:9-14. Numa conversa de Deus com Moisés, o ser supremo descrito na bíblia perde a paciência com seu povo, se descontrola, ameaçando destruí-los de uma vez para sempre. Moisés tenta acalmar Deus, raciocinando com ele que seria uma burrice tirar seu povo do Egito para matá-los no deserto. Moisés lembra a Deus que este fez uma promessa aos antepassados de
88 seu povo e que não poderia quebrá-la, porque isto significaria um completo fracasso em seu propósito. Diante de todas estas argumentações de Moisés, Deus se arrepende de seu proceder e como diz o relato “deplora o mal que falou que ia fazer”. O Deus que você acredita é esse mesmo Deus que a bíblia descreve? Veja mais algumas “qualidades” do Deus bíblico. Ele escolhe um povo, desprezando os demais, leva esse dito povo escolhido para uma tal de terra da promessa. Só que esta terra não estava vazia, simplesmente esperando para ser ocupada, era uma terra com diversos povos que ali moravam por séculos. O que o “bondoso” Deus bíblico fez diante desse impasse? Manda seu dito povo escolhido invadir, massacrar, pilhar, tomar a força terras alheias, matando todos os seus ditos inimigos, incluindo mulheres e crianças (Josué 6:20, 21; 8:21-27; 10:26-40; 11:10-14). Para tentar justificar toda essa carnificina, Deus destaca a natureza imoral, perversa e cruel destes povos. Porém, o próprio povo escolhido de Deus, segundo o relato bíblico, se tornou pior do que estas nações, mesmo vendo tantas demonstrações do poder de Deus e sendo tratados de forma tão especial (Oséias 6:8-10; Oséias 4:2, 13, 14; Jeremias 19:4, 5). Já os coitados dos cananeus, nunca tiveram uma chance. Imagine se eles tivessem todo este tratamento especial que supostamente o povo de Deus teve, talvez não tivessem desprezado tanto o Deus da bíblia. Acha justo um Deus dar tanta chance e oportunidade para um povo e desprezar os outros totalmente? O que você acharia de um pai que tratasse seus filhos dessa forma?
89
caso de Davi mostra claramente que o Deus bíblico não age de forma tão parcial e injusta apenas com nações, mas também com pessoas. Segundo a bíblia, Deus escolhe Davi para ser rei, devido as suas qualidades excelentes. Porém, no auge do seu reinado, o “santo Davi” deseja a mulher de um de seus soldados, manda trazê-la ao seu palácio e usa sua autoridade de rei para cometer adultério. Quando a mulher fica grávida ele inventa um plano para encobrir seu erro. Manda trazer de volta o coitado do soldado traído para que tivesse relações com sua esposa, ele recusa por estar numa época de guerra e considerar errado ter relações com sua esposa enquanto luta por seu “bondoso rei”. Diante de tudo isso, Davi demonstrando um caráter desprezível, manda o leal soldado de volta a guerra com instruções de que ficasse na linha de frente da batalha. Conforme você pode imaginar, o soldado morreu e Davi “misericordiosamente” casa-se com sua esposa. Como o Deus bíblico reagiu diante disso tudo? Ele só lembra de punir Davi um ano depois, quando a criança já havia nascido. E o que o clemente Deus resolve fazer? Acredite se quiser, Deus condena o inocente filho de Davi a morte, indo contra sua própria lei registrada em Deuteronômio 24:16: “os pais não devem ser mortos por causa dos filhos o os filhos não devem ser mortos por causa dos pais, cada um deve ser morto pelo seu próprio erro” (veja também 2ª Crônicas 25:4; Jeremias 31:29, 30). A própria lei de Deus previa que se um casal fosse pego em adultério deveria ser apedrejado (Deuteronômio 22:22), mas o “justo” Deus da bíblia não aplica suas leis de maneira igual para todos, a dois pesos e duas medidas. Se fosse um coitado de um camponês, com certeza seria apedrejado sem dó nem piedade, mas como era o rei,
90 ele resolveu matar a criança (que agonizou por sete dias até morrer), que nada tinha a ver com a história, um inocente (2ª Samuel 12:13-18). Não acha isso muito parecido com o que acontece hoje, quando a lei alcança apenas os pobres e humildes, as classes menos privilegiadas, enquanto os poderosos, ricos e influentes sempre acabam se safando? O tempo passa, mas a história continua a mesma, entretanto, este tipo de coisa não é de admirar, visto que a bíblia tem sido o guia de moral e conduta de grande parte da sociedade. Mas as peripécias de Davi não param por aí. Numa outra ocasião Davi resolve fazer uma contagem do povo, indo contra a vontade de Deus. Desta vez Deus resolve puni-lo, dando a ele três opções, sete anos de fome na terra, três anos fugindo dos adversários, três dias de peste na terra. Adivinha qual foi à escolha do “altruísta” Davi? Você acha que ele como um homem de nobre caráter escolheu pagar pelo seu próprio erro sozinho, fugindo dos seus inimigos por três meses? Não! O “corajoso” Davi preferiu três dias de peste no país. Sabe quantas pessoas Deus matou por causa do erro de Davi? 70.000 pessoas morreram da peste mandada por Deus. Agora adivinha se Davi pegou esta peste? Mais um exemplo da grande “justiça” do Deus da bíblia (2ªSamuel 24:1-15). Veja mais este exemplo. Certa vez Davi fica com vontade de levar a arca do pacto para Jerusalém. Ele mobiliza muitas pessoas, manda colocar a arca numa carroça, e lá vai ele com a tal arca que ele inventou levar para Jerusalém. Em determinado lugar do caminho o gado assustou, houve um solavanco e a arca começou a cair. Um dos que transportava a arca a pedido de Davi era Uzá. Ele vendo aquilo resolveu segurar a arca. Sabe o que aconteceu? O “amoroso” e “justo” Deus da bíblia fulminou o coitado do Uzá, matando-o imediatamente. Agora você acha que aconteceu alguma coisa com quem começou toda essa história? Mais uma
91 vez Davi sai ileso e ainda fica bravo com Deus por ter matado Uzá. Enquanto Deus e Davi se desentenderam, o coitado do Uzá pagou o pato (2ª Samuel 6:1-8). Estes relatos envolvendo Davi mostram que quando o Deus bíblico resolve favorecer determinada pessoa, não importa o que ela faça nem o caráter que demonstra, se ele for com a cara da pessoa sempre a favorecerá. Por outro lado, quando ele resolve não favorecer alguém chega até a induzir a pessoa a fazer algo que a fará sofrer mais. Veja o clássico exemplo do faraó do Egito na época que segundo a bíblia Moisés libertou os israelitas. Neste relato, Moisés é incumbido de avisar ao faraó que se não libertasse os israelitas sofreria as consequências, no caso as pragas que Deus enviaria sobre o Egito. Porém, o próprio Deus diz a Moisés: “E Jeová prosseguiu, dizendo a Moisés: Depois de teres ido e voltado ao Egito, vê que realmente realizes diante de Faraó todos os milagres que pus na tua mão. Quanto a mim, deixarei o coração dele ficar obstinado” (Êxodo 4:21). E segundo o relato faraó realmente não teve escolha: “Mas Jeová deixou o coração de Faraó ficar obstinado e ele não os escutou, assim como Jeová havia declarado a Moisés” (Êxodo 9:12). Você consegue achar sentido nisso? Veja bem, Moisés foi pedir ao faraó para deixar os israelitas saírem do Egito, mas Deus endurece o coração do faraó. Porque Deus faria isso? Porque violar o livre arbítrio de faraó? Se Deus iria endurecer o coração de faraó, que sentido haveria em Moisés pedir para faraó libertar o povo? Deus não iria induzir faraó a negar o pedido? Tal reação de faraó manipulada por Deus não iria manter os israelitas em escravidão por mais tempo? Os israelitas não sofreriam mais como também os egípcios diante de tal negação arquitetada por Deus? Deus matou todos os primogênitos do Egito e infligiu pragas terríveis devido a esta reação que o próprio Deus induziu o faraó a ter. Usar o faraó como marionetes para desencadear toda
92 essa matança e sofrimento não foi desnecessário e injusto? Consegue entender isso de forma lógica? Mesmo que faraó quisesse libertar o povo ele não conseguiria fazer isso. Estava predeterminado a endurecer seu coração, não tinha escolha, mesmo que quisesse fazer algo bom não conseguiria.
93
utro fator que me deixa espantado nas páginas da bíblia é o extremo machismo ali descrito. As mulheres são rebaixadas de tal forma que fica difícil entender o grande número delas nas religiões que seguem a bíblia. O machismo bíblico já começa logo no primeiro livro da bíblia, Gênesis. Ali a mulher é descrita como sendo criada de uma costela de Adão. Isto mesmo, a mulher e retratada como um pedaço do homem, um mero complemento, uma serviçal ajudadora (Gênesis 2:18-24). Como se isso não bastasse à mulher é apontada como a culpada pelo pecado original (Gênesis 3:1-5). Pior ainda, o escritor bíblico de 1ª Timóteo 2:14 disse que a mulher foi totalmente enganada, uma forma educada de chamála de tola. Além disso, esta declaração coloca em Eva uma motivação egoísta em comer do fruto proibido, porque segundo o relato, a serpente disse que se ela comesse, seria igual a Deus, sabendo o que é bom e o que é mau. Ela acreditou nisso e por ambição desejou ser igual a Deus. Já Adão é colocado como vítima na história, foi seduzido pela mulher, sabia que se comesse do fruto não seria igual a Deus, pois não foi enganado pela serpente, mas por amor a sua querida mulher, medo de perdê-la, seguiu Eva nesta rebelião contra Deus. É digno de nota que nenhuma mulher é considerada escritora da bíblia, função atribuída somente aos homens. A esposa de Abraão, o patriarca bíblico, é exaltada por chamar seu marido de senhor, colocando-o como seu dono, seu proprietário. Ela chega a ponto de oferecer sua serva para coabitar com seu marido. Este tipo de comportamento é constantemente mostrado na bíblia como exemplo de mulher devota a Deus (1ª Pedro 3:5, 6).
94 A poligamia era comum, por exemplo, Jacó teve quatro mulheres, Davi teve oito, e Salomão pasmem, teve setecentas mulheres. A irmã de Moisés, Miriã, juntou-se a seu irmão Arão, num questionamento contra Moisés. Sabe qual foi à reação do Deus da bíblia? Atacou Miriã de lepra, já Arão não teve nada, ela ficou como sendo a rebelde. Veja que o Deus criado pelos escritores da bíblia refletia o machismo dos homens da época (Números 12:1-15). A bíblia está cheia de relatos em que mulheres são tratadas como meros objetos, tendo menos valor do que um animal. A forma com que os homens lidam com as mulheres em diversos relatos bíblicos demonstra bem como eles as encaravam. Não só homens considerados ruins pela bíblia agiam de forma machista, homens considerados fiéis a Deus e exemplos para nós também agiam assim. Veja algumas situações registradas na bíblia para comprovar isso. Certo homem levita, que servia no templo de Deus, portanto um servo fiel e dedicado, voltando para casa com sua concubina, uma espécie de amante oficial, passa a noite na casa de um homem idoso, que tinha uma filha, na cidade de Gibeá. Homens dessa cidade cercam a casa, exigindo ter relações sexuais com o levita visitante. Sabe o que o dono da casa fez? Observe o que o relato bíblico de Juízes 19:23, 24 diz: “Em vista disso, o dono da casa saiu a ter com eles e disse-lhes: Não, meus irmãos, por favor, não cometais nenhum mal, visto que este homem entrou na minha casa. Não cometais esta ignominiosa insensatez. Eis a minha filha virgem e a concubina dele. Por favor, deixai-me trazê-las para fora, e violentai-as e fazei com elas o que for bom aos vossos olhos. Mas não deveis fazer a este homem tal coisa ignominiosa, insensata”. Dá para acreditar? Como você descreveria um pai assim? Para que os taradões de Gibeá não pegassem o levita, o dono da casa
95 oferece sua própria filha e a amante do levita. Será que o levita ficou indignado com o dono da casa por ele ter oferecido sua amante aos taradões? Veja qual foi sua reação: “Portanto, o homem agarrou a sua concubina e levou-a para fora a eles; e eles começaram a ter relações com ela e continuaram a abusar dela a noite inteira, até à manhã...” (Juízes 19:25). O levita covardemente entrega sua amante para que os homens de Gibeá abusem dela a noite inteira. Sabe qual foi o resultado? Depois que o levita tirou o dele da reta entregando sua concubina nas mãos deles, estes abusaram dela a noite toda, até que ela morreu. Pela manhã, ela é encontrada morta na soleira da porta. Sabe como o levita demonstrou seu pesar? O levita leva o cadáver para casa, recorta-o em 12 pedaços e envia estes a todo o território de Israel (Juízes 19:29). Como você definiria este relato bíblico? Imagine-se num tribunal observando um julgamento. O réu é um estuprador grotesco que violentou uma moça virgem. O réu confessa que realmente a estuprou diante de todos no tribunal. Não mostra o mínimo arrependimento nem pesar pelo crime que cometeu. A moça não para de chorar, está assustada, traumatizada. O juiz chama o pai da moça e o estuprador e executa a lei. Determina que o estuprador pague ao pai da moça cinquenta moedas de prata e se case com a moça que ele violentou, não podendo jamais se divorciar dela. O pai da moça pega as cinquenta moedas de prata e entrega sua filha ao estuprador. A moça em estado de choque sai com seu novo marido sem jamais poder se separar dele. Como você descreveria este julgamento? Acha que foi feito justiça? Se fosse sua filha você ficaria satisfeito com a decisão tomada? Pois é exatamente isso que a “lei de Deus” diz que deve ser feito. Pelo menos a lei que está registrada na bíblia no livro de Deuteronômio: “Se um homem se encontrar com uma moça sem compromisso de casamento e a violentar, e eles forem descobertos, ele pagará ao
96 pai da moça cinqüenta peças de prata. Terá que se casar com a moça, pois a violentou. Jamais poderá divorciar-se dela” (Deuteronômio 22: 28,29). Considere agora outra situação. Uma jovem noiva voltando da escola a noite é abordada por um homem com uma arma na mão. Seu olhar é frio e seu semblante horripilante. Ela a princípio pensa que é um assalto e vai logo lhe entregando seu dinheiro mas o homem com uma voz ameaçadora a manda tirar a roupa e se deitar senão ele a matará. A rua está deserta e não a casas por perto, ela pensa em gritar mais naquele local ninguém vai escutar, além disso, o homem está armado e a ameaçou de morte se ela gritar e não fizer o que ele manda. Ela entra em estado de choque e não consegue esboçar nenhuma reação, sua voz não sai e seus músculos estão petrificados. O homem então resolve ele mesmo arrancar a roupa da moça e jogá-la no chão. A moça aterrorizada não consegue reagir. Com a arma apontada para a cabeça da moça ele a estupra de forma impiedosa. Logo depois ele desaparece na escuridão da noite. Sabe como um caso deste seria julgado segundo a suposta lei que Deus deu registrada na bíblia? Observe: “Caso haja uma virgem, noiva dum homem, e um homem realmente a achou na cidade e se deitou com ela, então tendes de levar ambos para fora ao portão daquela cidade e tendes de matá-los a pedradas, e eles têm de morrer, a moça, por não ter gritado na cidade, e o homem, por ter humilhado a esposa de seu próximo. Assim tens de eliminar o mal do teu meio” (Deuteronômio 22: 23,24). Agora se tal moça tivesse a “sorte” de ser estuprada na zona rural, segundo a “lei de Deus” seu fim seria diferente: “Se, porém, foi no campo que o homem achou a moça que era noiva, e o homem a agarrou e se deitou com ela, então só o homem que se deitou com ela tem de morrer e não deves fazer nada à moça. A moça não tem pecado que mereça a morte, pois, assim como um
97 homem se levanta contra seu próximo e deveras o assassina, sim, uma alma, assim é neste caso. Porque foi no campo que a achou. A moça que era noiva gritou, mas não houve quem a socorresse” (Deuteronômio 22: 25-27). O escritor do livro bíblico de Eclesiastes descobriu o seguinte sobre as mulheres: “Eu descobri que a mulher é coisa mais amarga que a morte, porque ela é um laço, e seu coração é uma rede, e suas mãos, cadeias. Aquele que é agradável a Deus lhe escapa, mas o pecador será preso por ela” (Eclesiastes 7:26). Não me surpreende que os escritores do Novo Testamento tenham descrito o homem como “o cabeça” da mulher (1ª Coríntios 11:3), a mulher como sendo fraca (1ª Pedro 3:7) e tola (1ª Timóteo 2:14). Portanto deve ficar calada (1ª Timóteo 2:11, 12) e quando orar que faça isso com uma constrangedora cobertura na cabeça (1ª Coríntios 11:4 -6). Devido a relatos maldosos como estes, as mulheres sofreram por milênios maus tratos as mãos dos homens, sendo renegadas a simples serviçais e procriadoras. Visto que a bíblia é um reflexo da sociedade antiga e medieval, fortemente machista, encontramos em suas páginas todo tipo de preconceito e menosprezo as mulheres. Apesar dos avanços que as mulheres tiveram nos últimos tempos, ainda observamos na sociedade traços e resquícios do machismo encontrado na bíblia. É uma pena que muitas mulheres ainda se submetem a este tipo de tratamento.
98
egundo o relato bíblico do evangelho de Marcos, numa certa ocasião aconteceu o seguinte: “As pessoas começaram então a trazer-lhe criancinhas, para que as tocasse; mas os discípulos as censuraram. Vendo isso, Jesus ficou indignado e disse-lhes: Deixai vir a mim as criancinhas; não tenteis impedi-las, pois o reino de Deus pertence a tais... E tomou as criancinhas nos seus braços e começou a abençoá-las, impondo-lhes as suas mãos” (Marcos 13-14, 16). Uma passagem simpática dando a entender que Jesus tinha uma grande consideração e interesse nas crianças. Inclusive muitos religiosos gostam muito de usar este texto para ponderar sobre a necessidade de cuidarmos das crianças com muito amor e carinho dando atenção e mostrando interesse por elas. Entretanto existem outros relatos bíblicos que mostram uma versão bem diferente. Na realidade por toda bíblia encontramos uma crueldade enorme com crianças. Suas páginas estão cheias de assassinato e extermínio em massa tanto de adultos como de crianças. Observe alguns relatos e note o grande amor do Deus bíblico pelas criancinhas. “Assim, toda a carne que se movia sobre a terra expirou, dentre as criaturas voadoras, e dentre os animais domésticos, e dentre os animais selváticos, e dentre os enxames [de criaturas] que pululavam na terra, bem como toda a humanidade. Morreu tudo em que o fôlego da força da vida estava ativo nas suas narinas, a saber, todos os que estavam em solo seco. Assim
99 extinguiu toda coisa existente que havia na superfície do solo, desde o homem até o animal, até o animal movente e até a criatura voadora dos céus, e eles foram obliterados da terra; e sobreviviam somente Noé e os com ele na arca” (Gênesis 7:2123). Este é o famoso relato do dilúvio dos dias de Noé. Segundo a bíblia, devido a maldade do homem, Deus se arrependeu de ter criado a humanidade destruindo tudo que vive. Neste ataque de ira ele extermina homens, mulheres e obviamente crianças, de bebês recém-nascidos até os animais, todos os seres viventes. Agora eu pergunto: O que estas crianças tinham a ver com a suposta maldade de seus pais? Morreram porque simplesmente tiveram a infelicidade de nascer na época errada? Se elas tivessem a chance de crescer talvez tivessem escolhido um proceder diferente de seus pais. Mas infelizmente o Deus bíblico não lhes deu esta oportunidade, foram dizimados sem dó nem piedade. Numa outra ocasião o Deus bíblico decide destruir duas cidades, Sodoma e Gomorra. Ao saber das intenções de Deus o patriarca Abraão tenta convencê-lo a não causar este massacre terrível. Em Gênesis 18:23-32 encontramos o relato onde Abraão raciocina com Deus tentando fazê-lo desistir desta destruição em massa. Abraão pergunta a Deus: “Arrasarás realmente o justo junto com o iníquo? Suponhamos que haja cinqüenta homens justos no meio da cidade. Arrasa-los-ás então e não perdoarás ao lugar por causa dos cinqüenta justos que há nele? É inconcebível a teu respeito que atues desta maneira para entregar à morte o justo junto com o iníquo, de modo que se dê com o justo o que se dá com o iníquo! É inconcebível a teu respeito. Não fará o Juiz de toda a terra o que é direito? Jeová disse então: Se eu achar em Sodoma cinqüenta homens justos no meio da cidade, hei de perdoar ao lugar inteiro por causa deles”.
100 Note que as palavras de Abraão denotam um senso de justiça. Como poderia Deus destruir uma cidade inteira, incluindo crianças, por causa da maldade da maioria? Pelas palavras de Abraão observamos que ele estava ciente de que havia justos nesta cidade. Na continuação do relato fica claro que ele intercedia pelo seu sobrinho Ló e sua família, mas fica óbvio que ele também se referia as crianças da cidade. Mesmo que todos os adultos fossem realmente merecedores da destruição seus filhos logicamente não tinham nada a ver com as atitudes de seus pais, eram inocentes. Deus promete a Abraão que se existisse cinquenta justos ele não destruiria o lugar. Na continuação do relato Deus chega a prometer: “Por fim disse: “Por favor, não se acenda a ira de Jeová, mas fale eu só mais esta vez: Suponhamos que se achem ali dez.” Ele, por sua vez, disse: “Não a arruinarei por causa dos dez. (Gênesis 18:32). Deus prometeu que se houvesse 10 justos na cidade ele não a destruiria. Porém, mesmo diante das argumentações de Abraão o Deus bíblico mata todo mundo (homens, mulheres e crianças) em Sodoma e Gomorra fazendo “chover enxofre e fogo”. Bem, quase todo mundo, ele poupa Ló e sua família. Agora as inúmeras crianças da cidade foram aniquiladas. Em outro relato Deus decide livrar seu povo escolhido da escravidão no Egito. Ele escolhe Moisés e lhe dá a seguinte orientação: “E tens de dizer a Faraó. Assim disse Jeová: Israel é meu filho, meu primogênito. E eu te digo: Manda embora meu filho, para que me sirva. Mas, caso te negues a mandá-lo embora, eis que mato teu filho, teu primogênito” (Êxodo 4:22-23). As orientações foram claras, Deus ameaça matar o filho primogênito do faraó. Mais uma vez a pergunta que não quer se calar: O que tinha a ver o filho primogênito de faraó com essa
101 história? Mas a história não para por aí. Moisés segue as orientações de Deus comparecendo diante de faraó com as devidas ameaças. Depois da recusa do faraó, Deus envia várias pragas contra o Egito e na última delas Deus cumpri sua ameaça: “E Moisés prosseguiu, dizendo: Assim disse Jeová: Por volta da meia-noite sairei pelo meio do Egito, e terá de morrer todo primogênito na terra do Egito, desde o primogênito de Faraó que está sentado no seu trono, até o primogênito da serva que está junto ao moinho manual e todo primogênito de animal. E certamente virá a haver um grande clamor em toda a terra do Egito, tal como ainda nunca ocorreu, e tal como nunca mais ocorrerá” (Êxodo 11:4-6). Não satisfeito em matar apenas um inocente Deus resolve matar todos os primogênitos do Egito, até mesmo dos animais, ou seja, um assassinato em massa de inocentes. Numa outra ocasião, sob as ordens de Deus, o exército de Moisés derrota os midianitas. Eles matam todos os homens, mas levam presos as mulheres e crianças. Quando Moisés vê os prisioneiros, ele diz furiosamente: “Preservastes viva a toda a fêmea? ...matai a todo o macho dentre os pequeninos e matai a toda a mulher que tiver tido relações com um homem por se deitar com um macho" (Números 15,17). Mais uma vez Deus manda matar as crianças, só que neste caso só as do sexo masculino e as mulheres que tiveram relações sexuais. Assim, quem não teve a sorte de nascer menina ou ser virgem foi massacrado. As criancinhas do povo de Síon também não tiveram nenhuma chance: “E naquele tempo específico fomos capturar todas as suas cidades e devotar cada cidade à destruição, homens e mulheres,
102 e criancinhas. Não deixamos sobreviventes” (Deuteronômio 2:34). Será que as criancinhas de Basã tiveram um fim diferente? Veja: “No entanto, devotamo-las à destruição, assim como fizéramos a Síon, rei de Hésbon, ao devotarmos cada cidade à destruição, homens, mulheres e criancinhas” (Deuteronômio 3:6). Quando o Deus da bíblia ficava aborrecido com alguma coisa ele ficava totalmente descontrolado, nem mesmo a inocente criança de peito escapava: “Pois, na minha ira acendeu-se um fogo, e ele arderá até o Seol, o lugar mais baixo, consumirá a terra e a sua produção, e incendiará os alicerces dos montes. Aumentarei calamidades sobre eles; Gastarei neles as minhas flechas. Ficarão exaustos de fome e consumidos pela febre ardente, e pela destruição amarga. E enviarei sobre eles os dentes de animais. Com peçonha de répteis do pó. Portas afora a espada os privará, e portas adentro, o horror, tanto do jovem como da virgem, da criança de peito junto com o homem grisalho” (Deuteronômio 32:22-25). Quando Deus ordenou que Saul matasse todos os amalequitas ele fez questão de enumerar todos que deviam ser exterminados. Na sua lista negra estavam homens, mulheres, crianças, bois, ovelhas, camelos, e jumentos. Mas o que todas estas pessoas, incluindo as crianças, fizeram para merecer tal destino cruel? Nada! Absolutamente nada! Por incrível que pareça eles foram dizimados por algo que seus ancestrais fizeram a séculos atrás: “Assim disse Jeová dos exércitos: Tenho de ajustar contas pelo que Amaleque fez a Israel quando se opôs a ele no caminho enquanto subia do Egito. Agora vai, e tens de golpear Amaleque e devotá-lo à destruição, junto com tudo o que ele tem, e não deves ter compaixão dele, e tens de entregá-los à morte, tanto o
103 homem como a mulher, tanto a criança como o bebê, tanto o touro como o ovídeo, tanto o camelo como o jumento” (1ª Samuel 15:2-3). Se você morasse na cidade de Nobe nos tempos do rei Saul de Israel e tivesse filhos veja o que lhes aconteceria (tudo ordenado por Deus): “Até mesmo a Nobe, a cidade dos sacerdotes, ele golpeou com o fio da espada, tanto homem como mulher, tanto criança como bebê, bem como touro, e jumento, e ovídeo, com o fio da espada” (1ª Samuel 22:19). Um dos casos mais clássicos de morte de uma criança inocente tem a ver com o 2º rei de Israel, o rei Davi. Depois de cometer adultério com a esposa de um de seus soldados e por fim mandar matá-lo para poder se casar com ela e encobrir seu adultério, pois ela estava grávida dele, Deus depois de um ano resolve puni-lo. Sabe como? Você já deve estar desconfiando: “A isto Natã disse a Davi: Jeová, por sua vez, deixa passar o teu pecado. Não morrerás. Não obstante, visto que inquestionavelmente trataste a Jeová com desrespeito por meio desta coisa, então o próprio filho, que te acaba de nascer, positivamente morrerá” (2ª Samuel 12:13-14). As crianças as vezes cometem alguma peraltice e todo pai amorosamente corrige o filho dando instrução e orientação. As vezes se faz necessário até mesmo um castigo como não sair do quarto ou não brincar com os amigos. Agora os profetas do Deus bíblico davam um tipo de castigo diferente quando se confrontavam com alguma travessura: “E dali passou a subir a Betel. Quando subia pelo caminho, havia uns pequenos rapazes que saíram da cidade e começaram a fazer troça dele, e que lhe diziam: Sobe, careca! Sobe, careca! Finalmente, ele se virou para trás e os viu, e invocou sobre eles o mal em nome de Jeová. Saíram então da floresta duas
104 ursas e dilaceraram quarenta e dois meninos deles” (2ª Reis 2:23-24). Vejam que ironia, os quarenta e dois jovens chamaram de careca um profeta que era careca, falaram apenas o óbvio. Agora se Deus queria dar uma lição, poderia ter feito o cabelo deles cair e o cabelo do profeta crescer, dessa forma, sem crueldade alguma eles aprenderiam uma lição. Porém, que lição a morte lhes deu? Nenhuma! O matar crianças inocentes era considerado pelos israelitas como algo a ser elogiado. Nos seus cânticos de louvor ao Deus da bíblia eles constantemente elogiavam a Deus por causar tais carnificinas aos filhos das pessoas de outras nações: “Tu os constituirás em fornalha ardente no tempo fixado para a tua atenção. Jeová, na sua ira, os engolirá, e o fogo os devorará. Destruirás seus frutos da própria terra e sua descendência dentre os filhos dos homens” (Salmos 21:9-10) “Tornem-se os seus filhos meninos órfãos de pai e seja viúva a sua esposa. E que seus filhos, sem falta, andem errantes; e eles terão de mendigar, e dos seus lugares desolados terão de buscar alimento. Seja a sua posteridade para o decepamento. Seja extinto o nome deles na geração seguinte” (Salmos 109:9-10, 13). “Aquele que golpeou os primogênitos do Egito, tanto ao homem como ao animal” (Salmos 135:8). “Àquele que golpeou o Egito nos seus primogênitos, pois a sua benevolência é por tempo indefinido” (Salmos 136:10). “Feliz será aquele que segurar e deveras espatifar tuas crianças contra o rochedo” (Salmos 137:9). Independente de que nação fosse a criança, se ela estivesse no caminho do Deus bíblico seria despedaçada. O profeta Isaias foi inspirado por Deus a decretar esta condenação contra os bebês que tiveram o azar de nascer em Babilônia:
105 “Todo aquele que for achado será traspassado, e todo aquele que for apanhado na varredura cairá à espada; e as próprias crianças deles serão despedaçadas diante dos seus olhos. Suas casas serão rapinadas e suas próprias mulheres serão violentadas” (Isaias 13:15-16). Se uma criança por coincidência nascesse em Samaria na época do profeta Oséias teria um destino funesto: “Samaria será tida por culpada, pois agiu rebeldemente contra o seu Deus. Cairão à espada. Suas próprias crianças serão despedaçadas e as próprias mulheres grávidas deles serão estripadas” (Oséias 13:16). Quando o Deus bíblico resolvia corrigir uma pessoa sua forma preferida era matando suas crianças: “Em vão golpeei os vossos filhos. Não aceitaram a disciplina” (Jeremias 2:30). O profeta Jeremias quando ficava furioso como Deus, descontava toda sua raiva em crianças, jovens, maridos, esposas e velhos, um descontrole total, sobrava para todo mundo: “E fiquei cheio do furor de Jeová. Estou fatigado de o conter. Derrama-o sobre a criança na rua e, ao mesmo tempo, sobre o grupo íntimo dos jovens; porque eles também serão apanhados, o homem junto com sua esposa, o velho junto com aquele que está cheio de dias” (Jeremias 6:11-12). De vez em quando Deus em toda sua cólera fazia os pais comerem seus filhos: “E vou fazê-los comer a carne de seus filhos e a carne de suas filhas; e comerão cada um, a carne de seu próximo, por causa do cerco e por causa do aperto com que os assediarão os seus inimigos e os que procuram a sua alma” (Jeremias 19:9). “As próprias mãos de mulheres compassivas cozinharam seus próprios filhos. Tornaram-se qual pão para alguém durante o desmoronamento da filha do meu povo. Jeová levou a cabo seu
106 furor. Derramou a sua ira ardente. E ele acende um fogo em Sião, que consome os alicerces dela” (Lamentações 4:10-11). “Portanto, os próprios pais comerão os filhos no teu meio, e os próprios filhos comerão seus pais, e eu vou executar em ti atos de julgamento e espalhar tudo o que restar de ti a todo vento” (Ezequiel 5:10). Diante de tais passagens meu único sentimento é de repulsa. Crianças sendo despedaçadas, espatifadas, dilaceradas, decepadas, pais cozinhando e comendo seus próprios filhos, o furor de Deus sendo derramado sobre crianças, filhos sendo golpeados para disciplinar os pais. Diante de tudo isso só posso dar um conselho aos pais, se vocês realmente amam seus filhos não os deixem perto do Deus bíblico.
107
bíblia não deveria ser lida para crianças. Suas páginas estão repletas de crueldade de todo o tipo. Ela prega o genocídio, o racismo, execuções terríveis de adúlteros e homossexuais, o assassinato de seus próprios filhos, apoio à escravidão, maus tratos aos animais, passagens sangrentas e muitas outras coisas perversas que violam os direitos humanos. Em muitos casos a violência é ordenada pelos autores. E de todos os problemas éticos da Bíblia é o cristianismo que aponta a maior das injustiças ao amaldiçoar toda a humanidade pelos atos de rebeldia de dois indivíduos. É um princípio básico de justiça que o inocente não seja punido pelos erros do culpado. Nenhum ser racional preocupado com a justiça pune um inocente pelos crimes (reais ou imaginários) de outra pessoa. O Deus bíblico continuamente quebra este princípio e vez após vez pune um inocente pelos pecados de outros. De fato isso é tão presente que toda a religião judaico-cristã está baseada na ideia de expiação dos pecados pelo sangue dos inocentes. Um exemplo clássico disso encontra-se registrado em 2ª Reis capítulo 5. Em resumo o relato conta a história da cura de um general sírio chamado Naamã pelo profeta Eliseu. Naamã tinha lepra e Eliseu o orientou a se banhar no rio Jordão sete vezes para se curar. Ele faz isso e milagrosamente é curado. O interessante vem agora, Naamã ficou muito grato e ofereceu uma recompensa que foi prontamente recusada por Eliseu. Porém, o servo de Eliseu chamado Geazi viu uma oportunidade de ganhar aquela recompensa. Ele voltou a Naamã dizendo que Eliseu resolveu aceitar a recompensa e que ele a levaria para seu amo. Entretanto,
108 Geazi passou a mão na recompensa levando-a para sua casa. Quando Geazi foi questionado por Eliseu ele negou tudo. O profeta Eliseu sob a orientação do Deus bíblico desmascara o plano de Geazi e o condena por tal ato de ganância. Agora veja qual foi a sentença dada ao gatuno: “De modo que a lepra de Naamã se apegará a ti e à tua descendência por tempo indefinido. Saiu imediatamente de diante dele, leproso tão branco como a neve” (2ª Reis 5:27). Tudo bem que Geazi pagasse pelo seu ato de desonestidade, mas, o que os descendentes de Geazi tinham a ver com isso? Os filhos de Geazi que não tinham nada a ver com essa história pegaram lepra por causa do erro de seu pai, consegue ver justiça nisso? Outro relato que retrata bem essa questão de inocentes pagarem pelo erro de outra pessoa está registrado em Josué capítulo 7. Neste relato Josué depois de conquistar a cidade de Jericó ataca a cidade de Ai. Porém, inexplicavelmente eles sofrem uma derrota e Josué sem saber o porquê dessa derrota indaga a Deus que lhe responde dizendo que na conquista anterior na cidade de Jericó alguém desobedeceu a ordem dada de não pegar nada da cidade destruída. Josué então começa a interrogar todas as famílias e Acã resolve confessar que durante a destruição pegou um manto, duzentos siclos de prata e um lingote de ouro, escondendo-os em sua tenda. Mais uma vez veja qual foi a “justa” punição por tal ato de ganância da parte de Acã: “Josué, e todo o Israel com ele, tomou então Acã, filho de Zerá, e a prata, e o manto oficial, e o lingote de ouro, e seus filhos, e suas filhas, e seu touro, e seu jumento, e seu rebanho, e sua tenda, e tudo o que era seu, e os levaram para cima à baixada de Acor. Josué disse então: Por que nos trouxeste o banimento? Neste dia Jeová te banirá. Nisso todo o Israel foi matá-lo a pedradas; depois queimaram-nos em fogo. Assim os mataram a pedradas” (Josué 7: 24, 25). Mais uma vez a pergunta que não quer se calar, o que
109 os filhos, as filhas, o touro, o jumento e o rebanho tinham a ver com essa história? Vemos aqui mais um claro exemplo de inocentes pagarem pelo erro de outra pessoa. Qualquer leitor pode encontrar com facilidade trechos na bíblia que mostram Deus como um ser vingativo e cruel. Por exemplo, observe o relato sobre a matança dos primogênitos no Egito, incluindo até animais: “E sucedeu, à meia-noite, que Jeová golpeou todo primogênito na terra do Egito, desde o primogênito de Faraó sentado no seu trono, até o primogênito do cativo que se achava na masmorra, e todo primogênito de animal” (Êxodo 12:29). O que estas crianças que foram mortas tinham a ver com os erros cometidos pelos seus pais? Um dos famosos dez mandamentos diz claramente “não matarás” (Êxodo 20:13). Porém, logo em seguida começam as ordens para matar: “Quem golpear um homem de modo que realmente morra, sem falta deve ser morto... E quem raptar um homem e quem realmente o vender, ou em cuja mão for achado, sem falta deve ser morto. E quem invocar o mal sobre seu pai e sua mãe, sem falta deve ser morto... se o touro anteriormente escornava (ferir com os chifres) e se tiver advertido o seu dono, mas este não o tiver mantido sob guarda, e ele matou um homem ou uma mulher, o touro deve ser apedrejado e também o seu dono deve ser morto. E caso homens briguem entre si, e eles realmente firam uma mulher grávida e deveras saiam os filhos dela... se acontecer um acidente fatal, então terás de dar alma por alma, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, pancada por pancada... Não deves preservar viva a feiticeira. Todo aquele que se deitar com um animal positivamente deve ser morto. Quem oferecer sacrifícios a quaisquer deuses, e não somente a Jeová, deve ser devotado à destruição” (Êxodo Capítulo 21).
110 As ordens de Deus para que se puna com a morte alguém que tenha desrespeitado algum mandamento da lei estão por todo o velho testamento. O adultério, por exemplo, também era punido com a morte: “Ora, o homem que comete adultério com a esposa de outro homem é um que comete adultério com a esposa de seu próximo. Sem falta deve ser morto, tanto o adúltero como a adúltera” (Levítico 20:10). Entretanto, o próprio Deus ao julgar Davi não seguiu sua própria lei: “Então disse Natã a Davi: Tu mesmo és o homem! Assim disse Jeová, o Deus de Israel: Eu mesmo te ungi rei sobre Israel e eu mesmo te livrei da mão de Saul. E eu estava disposto a dar-te a casa do teu senhor e as esposas do teu senhor no teu regaço, e a dar-te a casa de Israel e de Judá. Por que desprezaste a palavra de Jeová, fazendo o que é mau aos seus olhos? A Urias, o hitita, golpeaste com a espada e tomaste-lhe a esposa para ser tua esposa, e a ele mataste pela espada dos filhos de Amom. Davi disse então a Natã: Pequei contra Jeová. A isto Natã disse a Davi: Jeová, por sua vez, deixa passar o teu pecado. Não morrerás. Não obstante, visto que inquestionavelmente trataste a Jeová com desrespeito por meio desta coisa, então o próprio filho, que te acaba de nascer, positivamente morrerá” (2ª Samuel 12:7-14). Além de ir contra sua própria lei sobre o adultério o Deus da bíblia vai contra outra lei que ele mesmo deu: “Os pais não devem ser mortos por causa dos filhos e os filhos não devem ser mortos por causa dos pais. Cada um deve ser morto pelo seu próprio pecado” (Deuteronômio 24:16). “A alma que pecar — ela é que morrerá. O próprio filho não levará nenhuma [culpa] pelo erro do pai e o próprio pai não levará nenhuma [culpa] pelo erro do filho. A própria justiça do justo virá a estar sobre ele mesmo, e a própria iniqüidade do iníquo virá a estar sobre ele mesmo” (Ezequiel 18:20). Se o Deus da bíblia fosse coerente com sua
111 própria lei ele deveria apedrejar Davi junto com Bate-Seba. Mas conforme vimos o Deus da bíblia é parcial, com ele a dois pesos e duas medidas, se fosse um pobre camponês seria apedrejado, mas como foi o rei, então ele passou por cima de sua própria lei. É esse o Deus que você acredita? É esse o seu padrão de justiça? Por outro lado, esse mesmo Deus descrito na bíblia mata pessoas por motivos mais banais: “Enquanto os filhos de Israel continuavam no ermo, acharam certa vez um homem apanhando gravetos no dia de sábado... Então, Jeová disse a Moisés: O homem, sem falta, deve ser morto, toda a assembléia atirando nele pedras, fora do acampamento. Concordemente, a assembléia inteira levou-o para fora do acampamento e atirou nele pedras, de modo que morreu, assim como Jeová mandara a Moisés” (Números 15:32-36). Como você considera um Deus que perdoa uma pessoa que comete adultério com uma mulher e depois mata o marido dela para esconder seu erro, mas por outro lado, manda apedrejar uma pessoa que apanha gravetos num sábado? Consegue ver justiça nisso? Segundo a bíblia, em várias ocasiões Deus ordenou a destruição de certos povos. Veja como era a ordem de Deus: “Agora vai, e tens de golpear Amaleque e devotá-lo à destruição, junto com tudo o que ele tem, e não deves ter compaixão dele, e tens de entregá-los à morte, tanto o homem como a mulher, tanto a criança como o bebê, tanto o touro como o ovídeo, tanto o camelo como o jumento” (1ª Samuel 15:3). O que você acha desta ordem de Deus? Conseguiria mandar matar crianças e bebês? E o que tinha os animais a ver com isso? Este tipo de atitude era comum ao Deus da bíblia: “Samaria será tida por culpada, pois agiu rebeldemente contra o seu Deus. Cairão à espada. Suas próprias crianças serão despedaçadas e as próprias mulheres grávidas deles serão estripadas” (Oséias 13:16). A ordem foi exatamente essa que você acaba de ler,
112 despedaçar as crianças e estripar (tirar as tripas [os intestinos]) as mulheres grávidas. Mais uma vez o Deus da bíblia vai contra sua própria lei: “E caso homens briguem entre si, e eles realmente firam uma mulher grávida e deveras saiam os filhos dela, mas não haja acidente fatal, sem falta se lhe deve impor uma indenização segundo o que o dono da mulher lhe impuser; e ele tem de dá-la por intermédio dos magistrados. Mas se acontecer um acidente fatal, então terás de dar alma por alma” (Êxodo 21:22, 23). Segundo a lei, se alguém ferisse uma mulher grávida, mas não matasse o bebê teria de pagar uma indenização. Mas se este acidente provocasse um aborto, então esta pessoa teria de ser morta. Por outro lado, as mulheres de Samaria por não terem tido a sorte de nascerem em Judá e por seus homens não terem escolhido o Deus da bíblia como seu Deus, veriam seus filhos serem despedaçados e teriam seus intestinos arrancados, inclusive as grávidas. É nesse Deus “amoroso” e “misericordioso” que você acredita? Em outras ocasiões, o Deus da bíblia ao ordenar a destruição de certa nação fazia a seguinte exigência: “E agora, matai a todo o macho dentre os pequeninos e matai a toda a mulher que tiver tido relações com um homem por se deitar com um macho. E preservai vivas para vós a todas as pequeninas dentre as mulheres, que não tiverem conhecido o ato de se deitar com um macho” (Números 31: 17,18). Agora observe este relato: “E esta é a coisa que deveis fazer: Todo macho e toda mulher que já teve a experiência de se deitar com um macho deveis devotar à destruição. No entanto, acharam dentre os habitantes de JabesGileade quatrocentas moças, virgens, que nunca tiveram relações com algum homem, deitando-se com um macho. Trouxeram-nas, pois, ao acampamento em Silo, que se acha na terra de Canaã” (Juízes 21:11, 12). Eu fico imaginando qual era o critério que os soldados usavam para discernir quais eram as
113 mulheres virgens e quais eram as que já tinham perdido a virgindade. E você, acha que esse é um bom critério para decidir quem deve viver e quem deve morrer? Este é um bom parâmetro para determinar o caráter de uma pessoa? Veja outro exemplo: “Todo aquele que for achado será traspassado, e todo aquele que for apanhado na varredura cairá à espada; e as próprias crianças deles serão despedaçadas diante dos seus olhos. Suas casas serão rapinadas e suas próprias mulheres serão violentadas.” (Isaías 13:15, 16). Crianças despedaçadas e mulheres violentadas porque não tiveram a sorte de nascer na nação do Deus bíblico. É possível ler uma passagem como esta sem ficar chocado com tal atitude repulsiva? Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso consideraria tais relatos repulsivos, até mesmo revoltantes. A maioria das pessoas, porém, nunca leram tais relatos na bíblia e se lessem estes numa folha separada da bíblia, jamais iriam associar tais narrativas à bíblia. A grande verdade é que as pessoas dizem acreditar na bíblia e respeitá-la, sem nunca terem feito uma leitura meticulosa e cabal dela. Entretanto, não podemos deixar de mencionar que, infelizmente, existem pessoas que conhecem tais relatos e usam estes e outros versículos da bíblia para justificar mutilação física, xenofobia, homofobia, machismo, racismo, guerra, perseguição política e religiosa.
114
milênios este mal tem assolado a humanidade. Desde os povos primitivos que cruelmente escravizavam as nações que subjugavam, em todas as civilizações a escravidão era uma prática comum. Entre 1490 e 1900 estima-se que mais de 11 milhões de africanos foram arrastados como animais em navios negreiros para trabalharem nas Américas. A escravidão deixou o seu rastro de dor e preconceito. É inegável o esforço de alguns setores da sociedade para acabar com os resquícios de preconceito e intolerância que se infiltraram no inconsciente coletivo da humanidade construído durante milênios de escravidão. Homens como Nelson Mandela e Martin Luther King tiveram um importante papel na luta contra a segregação racial. O objetivo deste capítulo não é discutir quem incentivou a libertação dos escravos, pois todos sabem que várias pessoas de diversas religiões foram contrárias à escravidão e lutaram contra tal prática incluindo cristãos, islâmicos, hindus, judeus entre outros. O fato é que quando os cristãos lutaram contra a escravidão eles estavam desconsiderando seu livro sagrado, a bíblia. Foi muito difícil eliminar a escravidão do mundo cristão tanto na Europa quanto nas Américas porque não existe nenhuma passagem bíblica que condene esta prática. Os que lutaram contra a escravidão tiveram como maiores opositores os cristãos que em sua maioria apoiavam a escravidão. Os cristãos da atualidade não são mais escravocratas devido a influência de outras correntes de pensamento como o Iluminismo. Se os cristãos forem honestos e sinceros diante das passagens bíblicas que irei mostrar, eles terão de admitir que a bíblia aprova a escravidão pois não existe nenhum trecho nela que condene tal prática. Se a bíblia fosse
115 realmente a palavra inspirada de Deus e partindo do pressuposto que Deus é amoroso, bondoso e misericordioso com certeza ela condenaria de forma explícita a escravidão. Mas infelizmente isso não acontece, muito pelo contrário, ela é vista como algo normal, corriqueiro. A primeira menção de escravidão na bíblia ocorre logo após o suposto dilúvio. Numa passagem que procura explicar o motivo de certos povos serem escravos de outros, a bíblia passar a dizer que um filho de Noé chamado Cã “descobriu a nudez de seu pai”. Alguns linguistas hebraicos afirmam que esta expressão “descobrir a nudez” pode indicar algum tipo de perversão sexual. Seja qual for o caso (Cã ter visto Noé pelado ou ter feito alguma perversão sexual contra seu pai) Noé inventa a escravidão como um castigo por seu filho ter cometido tal ato. “Então, Noé principiou como lavrador e passou a plantar um vinhedo. E começou a beber do vinho e ficou embriagado, e deste modo se descobriu no meio da sua tenda. Mais tarde, Cã, pai de Canaã, viu a nudez de seu pai e foi contá-lo aos seus dois irmãos lá fora. Sem e Jafé tomaram então uma capa e a puseram sobre ambos os seus ombros, e entraram andando de costas. Assim cobriram a nudez de seu pai, com as faces viradas, e não viram a nudez de seu pai. Por fim, Noé acordou do seu vinho e soube o que lhe havia feito seu filho mais moço. Ele disse então: Maldito seja Canaã, torne-se ele o escravo mais baixo de seus irmãos. E acrescentou: Bendito seja Jeová, Deus de Sem, e torne-se Canaã escravo dele. Conceda Deus amplo espaço a Jafé, e resida ele nas tendas de Sem, torne-se Canaã também escravo dele” (Gênesis 9:20-27). Notamos aqui mais um exemplo do “senso de justiça” hebraico, Cã faz algo errado mas Noé puniu a Canaã filho de Cã, não somente Canaã é punido mas de quebra toda a descendência de Canaã é amaldiçoada com a escravidão. Agora eu pergunto, o
116 que os descendentes de Canaã tinham a ver com isso? Onde está a lógica nisso? Na verdade essa passagem provavelmente foi escrita para justificar a invasão dos hebreus em Canaã e a posterior escravidão que impuseram aos cananeus. Uma desculpa histórica. O mais impressionante é que o Deus da bíblia assistiu a isso tudo sem esboçar nenhuma reação contrária a um absurdo desses, nem uma palavra de desaprovação, nada, simplesmente nada. Pelo visto ele aprovou tudo que aconteceu e considerou a escravidão como algo normal. Não satisfeito em apenas observar inerte a escravidão ele resolve criar leis para legitimar a escravidão. Nas Escrituras Hebraicas o Deus da bíblia resolve delinear uma série de regulamentos para a escravidão. São trechos extensos e cansativos, por isso irei resumir os pontos altos. “E caso um homem golpeie seu escravo ou sua escrava com um pau e o tal realmente morra sob a sua mão, sem falta deve ser vingado. No entanto, se demorar um dia ou dois não deve ser vingado, porque ele é seu dinheiro” (Êxodo 21:20,21). A orientação é clara, o dono deve bater com um pau a vontade, desde que não o mate na hora é claro, pois seria um prejuízo muito grande para o dono, como diz o final do texto “ele é seu dinheiro”. Mas contando que não o mate na hora pode dar pauladas a vontade, sem dó nem piedade. O dono do escravo só era punido se o escravo morresse no momento da agressão. “Se tiver sido um escravo ou uma escrava a quem o touro escornou, dará o preço de trinta siclos ao amo dele, e o touro será apedrejado” (Êxodo 21:32). O escravo era negociado como uma mercadoria, seu preço era estipulado por lei, 30 ciclos. Realmente um ótimo negócio, não tinha como o amo perder, se o escravo fosse escornado (chifrado) por um touro receberia o preço do escravo como indenização.
117 “Quanto a teu escravo ou tua escrava que se tornam teus dentre as nações que há em volta de vós, delas podeis comprar um escravo... E também dos filhos dos colonos que residem convosco como forasteiros podeis comprar deles e das suas famílias que estão convosco, que lhes nasceram na vossa terra; e eles têm de tornar-se vossa propriedade. E tendes de transmitilos como herança aos vossos filhos depois de vós, para [os] herdarem como propriedade por tempo indefinido” (Levítico 25:44-46). Ter escravos realmente era um bom negócio principalmente se o escravo fosse das nações vizinhas, neste caso, poderiam ser comprados como escravos e os filhos nascidos dos escravos automaticamente se tornavam propriedade do dono da terra, além disso, depois da morte do dono tais escravos eram passados para os filhos do dono, eram uma propriedade por tempo indefinido. Era realmente um bem de consumo, um ótimo investimento como gado, ovelha, casa, fazenda entre outros. Nas Escrituras gregas, o chamado novo mandamento, a situação continua a mesma, os escritores tratam a escravidão como normal, algo comum e banal. “Os servos domésticos estejam sujeitos aos [seus] donos com todo o temor [devido], não somente aos bons e razoáveis, mas também aos difíceis de agradar. Porque, se alguém, por causa da consciência para com Deus, agüenta coisas penosas e sofre injustamente, isto é algo agradável” (1ª Pedro 2:18, 19). Que passagem interessante! Os escravos tem de ser sujeitos aos donos, mesmo os difíceis de agradar, o escravo que aguenta coisas penosas e sofre injustamente nas mãos de um dono difícil de agradar (um tirano) satisfaz muito ao Deus da bíblia. “Os escravos estejam sujeitos aos seus donos em todas as coisas e lhes agradem bem, não contradizendo, não praticando furto, mas exibindo plenamente uma boa fidelidade, para que
118 adornem o ensino de nosso Salvador, Deus, em todas as coisas” (Tito 2:9, 10). Mais uma vez o escritor bíblico ressalta a necessidade dos escravos serem sujeitos aos seus donos, lhes agradando, não contradizendo, sendo fiel ao seu proprietário como um cão de guarda. “Tantos quantos forem escravos debaixo dum jugo estejam considerando os seus donos dignos de plena honra, para que nunca se fale de modo ultrajante do nome de Deus e do ensino. Além disso, os que tiverem donos crentes não os menosprezem, porque são irmãos. Ao contrário, sejam escravos com tanto mais prontidão, porque os que recebem o proveito do seu bom serviço são crentes e amados” (1ª Timóteo 6:1, 2). Se o dono fosse cristão aí o escravo tinha de ser mais servil ainda, mostrando mais prontidão. Veja bem, o cristão podia ter escravos, achava a coisa mais normal do mundo, se hoje fossemos seguir a bíblia poderíamos ter escravos a vontade. Consegue entender agora porque foi tão difícil acabar com a escravidão no mundo cristão? “Vós, escravos, em tudo sede obedientes aos que são os [vossos] amos em sentido carnal, não com atos apenas ostensivos, como para agradar a homens, mas com sinceridade de coração, com temor de Jeová” (Colossenses 3:22). Os escravos são admoestados a servir a seus senhores com total sinceridade e prazer e não somente para manter as aparências. Vejam só, além de sofrer todo tipo de humilhação por ser propriedade de outro, ser considerado uma mercadoria, um objeto de uso do seu amo, tinha de aguentar tudo isso com prazer e sinceridade de coração, tinha de gostar mesmo desta situação. Por incrível que pareça existe uma carta considerada pelos cristãos como inspirada por Deus em que o escritor, que se identifica como sendo o apóstolo Paulo, manda um escravo fujão
119 voltar para seu amo, um cristão chamado Filêmon, levando uma carta pessoal para ele. É provável que este escravo tinha graves problemas com seu dono e pelo que parece era considerado por ele inútil, pois na carta o suposto Paulo diz isso claramente: “exorto-te concernente a meu filho, para quem me tornei pai enquanto estava nas minhas cadeias, Onésimo, anteriormente inútil para ti, mas agora útil para ti e para mim” (Filêmon 10,11). A carta também dá a entender que Onésimo fez alguma injustiça com Filêmon, algo que envolveu dinheiro: “Além disso, se ele te fez alguma injustiça ou te deve algo, põe isso na minha conta” (Filêmon 18). Pelo visto Onésimo vivia uma situação insuportável com seu dono Filêmon e roubou algum dinheiro para fugir. De alguma forma não explicada ele foi parar em Roma a 1400 km da cidade de Colossos onde era escravo de Filêmon. Parece que o dinheiro acabou e Onésimo procurou um refúgio auxiliando o escritor da carta em Roma. Seria uma excelente oportunidade para o escritor que se diz inspirado por Deus denunciar esta prática abominável da escravidão que tantos males causa as pessoas como bem ilustrado neste acontecimento. Mas será que ele dedica pelo menos uma linha sequer desta carta para denunciar tal costume nefasto protestando contra o sistema escravocrata? Não! Muito pelo contrário, o escritor apoia o costume impiedoso da época mandando o escravo de volta para seu dono. O próprio Jesus usou a escravidão muitas vezes como exemplo e nunca disse ser errado escravizar os outros. Várias de suas parábolas são sobre escravos e seus amos, nelas Jesus exorta os escravos a serem obedientes, diligentes, fieis, discretos, bons e submissos (Mateus 24:45-51; Mateus 25:14-28; Lucas 19:13-27). Ele cita até mesmo acoites como algo corriqueiro e usual. “Então, aquele escravo, que entendeu a vontade de seu amo, mas não se aprontou, nem fez em harmonia com a sua vontade,
120 será espancado com muitos golpes. Mas aquele que não entendeu, e assim fez coisas que merecem golpes, será espancado com poucos. Deveras, de todo aquele a quem muito foi dado, muito se reclamará dele; e a quem encarregaram de muito, deste reclamarão mais do que o usual” (Lucas 12:47,48). Como foi mostrado claramente a bíblia prega a escravidão e estimula as pessoas a se conformarem com a situação de escravo, inclusive incentivando pessoas a terem escravos. O fato de alguns trechos bíblicos incentivarem os donos a tratarem seus escravos de forma bondosa não muda em nada o fato de que ela incentiva a escravatura em si, conceito este que contraria todo princípio de bondade e amor ao próximo que é atribuído a Deus. Você ter um ser humano servindo a você como um escravo, sendo uma mercadoria, um objeto para fins variados, assim como você tem um animal, este conceito em si é repulsivo anulando qualquer recomendação para tratá-los com bondade. Temos aí mais uma evidência de que a bíblia não é a palavra de Deus, antes, um livro escrito por homens que reflete as atitudes e pensamentos da época. No caso da escravidão, uma demagogia criada pelos detentores do poder para estimular uma situação de conformismo, preconceito e subserviência.
121
utra forte evidência da fragilidade dos textos bíblicos são as inúmeras incoerências encontradas em diversos relatos. Muitos religiosos afirmam que já leram a bíblia várias vezes e não encontraram nenhuma incoerência. Dizem que um livro inspirado por Deus não pode conter contradições. Realmente, se a bíblia fosse um livro inspirado por Deus não existiriam contradições pois ele não permitiria que informações conflitantes fossem colocadas em seu livro. Afinal, como poderia Deus inspirar homens a escrever informações erradas que poderiam confundir seus leitores? Porém, se fizermos uma pesquisa meticulosa da bíblia encontraremos diversas incoerências, conforme veremos a seguir. Gostaria de ressaltar que todos estes relatos são paralelos, ou seja, narram o mesmo evento. Quando Moisés subiu no monte para receber os dez mandamentos o relato de Êxodo 31:18 diz: “Ora, assim que acabou de falar com ele no monte Sinai, passou a dar a Moisés duas tábuas do Testemunho, tábuas de pedra, inscritas pelo dedo de Deus”. Porém, quando Moisés desceu do monte e viu que seu povo estava adorando um bezerro de ouro ele se enfureceu e jogou as tábuas escritas pelo próprio Deus no chão quebrando-as. Depois disso o povo se arrependeu e Deus resolveu perdoá-los. Passado toda esta confusão, Deus diz a Moisés que arrume outras pedras para que ele escreva novamente nelas as leis. Assim fez Moisés, e foi subir novamente o monte Sinai com as novas tábuas na mão para que Deus escrevesse nelas as leis, mas, surpreendentemente Deus apenas dita as leis para que Moisés as escreva. O relato diz: “E Jeová prosseguiu, dizendo a Moisés: “Escreve para ti estas palavras, porque é de acordo com estas
122 palavras que deveras concluo um pacto contigo e com Israel.” E ele continuou ali com Jeová quarenta dias e quarenta noites. Não comeu pão nem bebeu água. E ele (Moisés) passou a escrever nas tábuas as palavras do pacto, as Dez Palavras” (Êxodo 34:27, 28). Até aí tudo bem, Deus escreveu nas primeiras tábuas que se quebraram e Moisés escreveu as tábuas substitutas. Só que o livro bíblico de Deuteronômio relatando o mesmo episódio conta uma versão diferente. A primeira parte da história está igual, as primeiras tábuas foram escritas pelo dedo de Deus: “então Jeová me deu as duas tábuas de pedra inscritas pelo dedo de Deus; e nelas havia todas as palavras que Jeová vos falara no monte, do meio do fogo, no dia da congregação” (Deuteronômio 9:10). Porém, a segunda parte está diferente: “Naquele mesmo tempo me disse o Senhor: Alisa duas tábuas de pedra, como as primeiras, e sobe a mim ao monte, e faze uma arca de madeira. Nessas tábuas escreverei as palavras que estavam nas primeiras tábuas, que quebraste, e as porás na arca. Assim, fiz uma arca de madeira de acácia, alisei duas tábuas de pedra, como as primeiras, e subi ao monte com as duas tábuas nas mãos. Então o Senhor escreveu nas tábuas, conforme a primeira escritura, os dez mandamentos, que ele vos falara no monte, do meio do fogo, no dia da assembléia; e o Senhor as deu a mim” (Deuteronômio 10:1-4). Afinal quem escreveu as segundas tábuas. Em Êxodo foi Moisés, já em Deuteronômio foi o próprio Deus. Qual das duas versões você acha que foi a verdadeira? Uma certa ocasião, segundo a bíblia o grande Rei Davi faz um censo do povo. Existem dois relatos na bíblia deste acontecimento, um no livro de 2ª Samuel e o outro no livro de 1ª Crônicas. Entretanto tais relatos são contraditórios, conforme você verá. Vamos ver primeiro o relato de 2ª Samuel 24:1: “A ira de Jeová tornou a acender-se contra Israel, e ele incitou a Davi
123 contra eles, dizendo: Vai, levanta o censo de Israel e Judá”. Como você pode notar, o relato de 2ª Samuel afirma claramente que Jeová incitou Davi a fazer o censo, porque Ele estava irado contra o povo e queria castigá-los. Como castigo por ter feito este tal censo, Deus dá três opções a Davi: “Concordemente, Gade entrou até Davi e informou-o, e disse-lhe: Devem vir sobre ti sete anos de fome na tua terra, ou três meses em que foges diante dos teus adversários, perseguindo-te eles, ou a ocorrência de três dias de pestilência na tua terra? Agora sabe e vê o que devo responder Àquele que me envia” (2ª Samuel 24:13). Davi deveria escolher, sete anos de fome sobre o seu país, três meses fugindo dos seus inimigos ou três dias de doenças no país. O relato de 1ª Crônicas e bem diferente: “E Satanás passou a pôr-se de pé contra Israel e a instigar Davi a recensear Israel... Por conseguinte, Gade entrou até Davi e disse-lhe: Assim disse Jeová: ‘Faze a tua escolha: se há de haver três anos de fome; ou se por três meses há de haver um arrasamento diante dos teus adversários e para [te] alcançar a espada dos teus inimigos, ou se por três dias há de haver a espada de Jeová, sim, pestilência no país, o anjo de Jeová arruinando todo o território de Israel.’ E agora vê o que devo responder Àquele que me envia” (1ª Crônicas 21:1, 11-12). Agora foi o diabo que instigou Davi a fazer o tal censo, e o castigo mudou, são três anos de fome e não sete como registrado em 2ª Samuel. O que você acha que realmente aconteceu? Até mesmo na simples descrição de um objeto os escritores da bíblia se contradizem. O relato de 1ª Reis 7:26 diz que o tamanho do mar de fundição construído no templo de Salomão cabia a medida de dois mil Batos de água, equivalente a 44 mil litros. Já no relato paralelo de 2ªCrônicas 4:5 diz que nele cabia a medida de três mil Batos de água, equivalente a 66 mil litros.
124 Quantas baias ou estábulos para cavalos Salomão tinha? Bem segundo 1ª Reis 4:26 eram quarenta mil: “E Salomão veio a ter quarenta mil baias para cavalos, para os seus carros, e doze mil cavaleiros”. Porém, 2ª Crônicas 9:25 diz que eram quatro mil: “E Salomão veio a ter quatro mil baias para cavalos, e carros, e doze mil corcéis, e manteve-os aquartelados em cidades de carros e perto do rei em Jerusalém”. Como o rei Saul morreu? Pelo que diz 1ª Samuel 31:4 ele suicidou-se: “Saul disse então ao seu escudeiro: Puxa a tua espada e traspassa-me com ela, para que não venham estes incircuncisos e certamente me traspassem, e abusem de mim. E seu escudeiro não quis, porque estava com muito medo. Saul tomou, pois, a espada e lançou-se sobre ela”. Mas pelo relato de 2ª Samuel 1:9, 10 ele foi assassinado: “Então ele disse: Por favor, fica de pé sobre mim e entrega-me definitivamente à morte, pois se apoderou de mim a cãibra, porque toda a minha alma está ainda em mim. De modo que fiquei de pé sobre ele e o entreguei definitivamente à morte, porque eu sabia que não podia viver depois de ter caído. Tomei então o diadema que havia na sua cabeça e o bracelete que tinha no braço, a fim de trazê-los para cá ao meu senhor”. Quantos eram os chefes de oficiais de Salomão? Segundo o relato de 2ª Crônicas 8:10 eram duzentos e cinqüenta: “Estes eram os chefes dos prepostos que pertenciam ao Rei Salomão, duzentos e cinqüenta, os capatazes sobre o povo. Entretanto no livro de 1ª Reis 9:23 diz que eles eram quinhentos e cinquenta: “Estes eram os chefes dos prepostos que estavam sobre a obra de Salomão: quinhentos e cinqüenta, os capatazes sobre o povo que se empenhava na obra”. Quem foi o sucessor do rei Josias? Pelo que diz Jeremias 22:11 não foi outro senão Salum: “Pois assim disse Jeová concernente a Salum, filho de Josias, rei de Judá, que reina em lugar de
125 Josias, seu pai, que saiu deste lugar: Não mais retornará para ali”. Mas 2ª Crônicas 36:1 diz claramente que foi Jeoacaz: “O povo da terra tomou então a Jeoacaz, filho de Josias, e o fez rei em lugar de seu pai em Jerusalém”. Onde Arão morreu? Números 33:38 nos revela que foi no monte Hor: “E Arão tinha cento e vinte e três anos de idade ao morrer no monte Hor”. Porém, Deuteronômio 10:6 insiste em dizer que foi em Moserá: “E os filhos de Israel partiram de Beerote Bene-Jaacã para Moserá. Arão morreu ali e foi enterrado ali; e Eleazar, seu filho, começou a atuar como sacerdote em seu lugar”. O que aconteceu com os habitantes de Debir? Josué 10:38, 39 relata que a cidade foi totalmente destruída pelos exércitos de Josué não sobrando nenhum sobrevivente: “Finalmente, Josué voltou a Debir, e todo o Israel com ele, e começou a guerrear contra ela. E foi capturar a ela e a seu rei, e todas as suas cidades, e passaram a golpeá-los com o fio da espada e a devotar à destruição toda a alma que havia nela. Não deixou restar sobrevivente.” Calebe, amigo pessoal de Josué, algum tempo depois foi se estabelecer na região e segundo o relato do livro de Josué 15:15 a cidade e seus habitantes ainda estavam lá: “Então subiu dali até os habitantes de Debir”. Quantos filhos teve Jessé o pai do rei Davi? Pelo que lemos em 1ª Samuel 16:10, 11 Davi tinha sete irmãos, portanto ele era o oitavo filho de Jessé: “Assim, Jessé fez passar sete dos seus filhos diante de Samuel; todavia, Samuel disse a Jessé: Jeová não escolheu a estes. Por fim, Samuel disse a Jessé: São estes todos os rapazes? A isto ele disse: O mais moço foi deixado fora até agora, e eis que está pastoreando as ovelhas”. Mas, 1ª Crônicas 2: 13-15 não deixa dúvidas, Davi tinha seis irmãos e era o sétimo filho de Jessé: “Jessé, por sua vez, tornou-se pai do seu primogênito, Eliabe, e de Abinadabe, o segundo, e de Siméia, o
126 terceiro, de Netanel, o quarto, de Radai, o quinto, de Ozem, o sexto, de Davi, o sétimo”. Quantos cavaleiros do rei Hadadezer Davi capturou em batalha? 2ª Samuel 8:3, 4 confirma sem sombra de dúvida que foram mil e setecentos cavaleiros: “E Davi prosseguiu, golpeando a Hadadezer, filho de Reobe, rei de Zobá, quando ia para restabelecer seu controle junto ao rio Eufrates. E Davi chegou a capturar dele mil e setecentos cavaleiros e vinte mil homens a pé; e Davi passou a jarretar todos os cavalos dos carros, mas deixou sobrar cem cavalos de carros”. Já 1ª Crônicas 18:3, 4 afirma categoricamente que foram sete mil cavaleiros: “E Davi prosseguiu, golpeando Hadadezer, rei de Zobá, em Hamate, quando ia para estabelecer seu controle junto ao rio Eufrates. Além disso, Davi capturou dele mil carros, e sete mil cavaleiros, e vinte mil homens a pé. Davi jarretou então todos os cavalos dos carros, mas deixou remanescer cem cavalos de carros”. Na guerra contra os sírios, quantos condutores de cavalos o exército de Davi matou? 2ª Samuel 10:18 afirma que foram setecentos: “E os sírios puseram-se em fuga diante de Israel; e Davi chegou a matar dos sírios setecentos condutores de carros e quarenta mil cavaleiros, e a Sobaque, chefe do exército deles, ele golpeou de modo que morreu ali”. Porém, 1ª Crônicas 19:18 diz que foram sete mil: “Mas os sírios se puseram em fuga por causa de Israel; e Davi foi matar dos sírios sete mil condutores de carros e quarenta mil homens a pé, e entregou à morte o próprio Sofaque, chefe do exército”. Quando Davi resolveu fazer o censo de todo povo de Israel, quais foram os resultados? Pelo que diz 2ª Samuel 24:9 os números foram, 800.000 homens aptos para manejar a espada em Israel e 500.000 homens em Judá: “Joabe deu então ao rei o número do registro do povo; e Israel somou oitocentos mil homens valentes que puxavam da espada, e os homens de Judá
127 eram quinhentos mil homens”. O problema é que 1ª Crônicas 21:5 diz que eram 1.100.000 homens aptos para manejar a espada em Israel e 470.000 homens em Judá: “Joabe deu então a Davi o número do registro do povo; e todo o Israel somou um milhão e cem mil homens que puxavam da espada, e Judá, quatrocentos e setenta mil homens puxando da espada”. Quanto Davi pagou pela eira ou terreno de Ornã que também era chamado de Araúna? 2ª Samuel 24:24 diz com todas as letras que foram pagos 50 siclos de prata: “No entanto, o rei disse a Araúna: Não, mas sem falta a comprarei de ti por um preço; e não oferecerei sacrifícios queimados a Jeová, meu Deus, sem custo. Por conseguinte, Davi comprou a eira e o gado por cinqüenta siclos de prata”. Já o relato de 1ª Crônicas 21:25 mostra um Davi bem mais generoso pagando 600 siclos de ouro: “De modo que Davi deu a Ornã pelo lugar siclos de ouro no peso de seiscentos”. Quando Nabucodonosor rei de Babilônia conquistou a terra de Judá quantos homens que tinham acesso íntimo com o rei foram levados com ele? O relato de 2ª Reis 25:19 deixa claro que foram cinco: “e da cidade tomou um oficial da corte, que tivera o comando sobre os homens de guerra, e cinco homens dos que tiveram acesso ao rei, que se achavam na cidade; e o secretário do chefe do exército, aquele que recrutara o povo da terra, e sessenta homens do povo da terra, que se achavam na cidade”. Só que no livro de Jeremias 52:25 diz que foram exatamente sete homens: “e da cidade ele tomou um oficial da corte, que viera a ser o comissário sobre os homens de guerra, e sete homens dos que tinham acesso ao rei, que se achavam na cidade, e o secretário do chefe do exército, e aquele que recrutava o povo da terra, e sessenta homens do povo da terra, que se achavam no meio da cidade”.
128 Aonde morreu o rei Josias? Pelo relato de 2ª Reis 23:29, 30 Josias morreu no campo de batalha de Megido: “Nos seus dias subiu Faraó Neco, rei do Egito, contra o rei da Assíria junto ao rio Eufrates, e o Rei Josias passou a sair para enfrentá-lo; mas, assim que o viu, este o entregou à morte em Megido. Portanto, seus servos o transportaram morto num carro desde Megido e o trouxeram a Jerusalém, e enterraram-no no seu sepulcro”. Agora, pelo relato de 2ª Crônicas 35:23, 24 o rei Josias foi ferido em seu carro de batalha no campo de Megido, pediu que seus servos o colocassem num outro carro de guerra e neste ele retornou a Jerusalém para ali morrer: “E os atiradores foram atirar contra o Rei Josias, de modo que o rei disse aos seus servos: Tirai-me daqui, porque fui seriamente ferido. Portanto, seus servos tiraram-no do carro e fizeram-no andar no segundo carro de guerra que era dele, e levaram-no a Jerusalém. Assim morreu ele e foi enterrado no cemitério de seus antepassados; e todo o Judá e Jerusalém pranteavam por Josias”. Quantos filhos teve Mical, esposa do rei Davi? Pelo que diz o livro bíblico de 2ª Samuel 6:23 ela morreu sem ter filhos: “Assim, no que se refere a Mical, filha de Saul, ela não veio a ter nenhum filho até o dia da sua morte”. Mas segundo o relato de 2ª Samuel 21:8 ela teve cinco filhos: “Conseqüentemente, o rei tomou os dois filhos de Rispa, filha de Aiá, que ela dera à luz a Saul, Armoni e Mefibosete, e os cinco filhos de Mical, filha de Saul, que ela dera à luz a Adriel, filho de Barzilai, o meolatita”. Como foi a genealogia de Jesus? Segundo o evangelho de Mateus Jesus foi filho de José, que foi filho de Jacó (Mateus 1:16), o pai de Sealtiel foi Jeconias (Mateus 1:12), Abiúde era filho de Zorobabel (Mateus 1:13), Jorão era o pai de Ozias que era o pai de Jotão (Mateus 1:8-9), Josias era o pai de Jeconias (Mateus 1:11) e Zorobabel era filho de Sealtiel (Mateus 1:12). Porém, o evangelho de Lucas assegura categoricamente que Jesus
129 foi filho de José, que foi filho de Eli (Lucas 3:23), o pai de Sealtiel foi Néri (Lucas 3:27) e Resa foi filho de Zorobabel (Lucas 3:27). Entretanto, em Crônicas são citados os nomes de todos os filhos de Zorobabel, mas nem Resa e nem Abiúde estão entre eles (1ª Crônicas 3:19-20), Jeorão (Jorão?) era o pai de Acazias, do qual nasceu Jeoás, que gerou Amazias, que foi pai de Azarias que, finalmente, gerou Jotão (1ª Crônicas 3:11-12), Josias era o avô de Jeconias (1ª Crônicas 3:15-16), Zorobabel era filho de Fadaia e Sealtiel era tio dele (1ª Crônicas 3:17-19). Se a bíblia fosse realmente um livro inspirado por Deus como explicar tais discrepâncias? Se Deus orientava os escritores, como justificar tais diferenças em relatos paralelos, contando o mesmo evento? Se foram erros dos copistas ou tradutores nas inúmeras cópias e recopias e traduções para outras línguas, porque Deus permitiu que tais erros acontecessem? Porque não interferiu impedindo que tais erros corrompessem suas palavras? Estas contradições foram descobertas única e exclusivamente porque tais relatos foram narrados por dois escritores diferentes, são relatos paralelos descrevendo o mesmo evento. E todos os demais relatos bíblicos que não tem descrições paralelas? Relatos que foram narrados por apenas um escritor? Quem garante que nestes relatos também não existem erros? Fica difícil basear toda nossa confiança e esperança, moldar nossa vida num livro que contêm tantas incoerências e erros que podem ter acontecido tanto na escrita original quanto nas várias cópias e traduções feitas durante milênios.
130
xistem várias passagens do Novo Testamento em que os escritores fazem um grande esforço de aplicar certas passagens do Velho Testamento. Há várias citações de trechos encontrados nos Salmos, nos Profetas e na Lei Mosaica. O interessante é que nem mesmo assim existe uma coerência na bíblia, nem em passagens que os escritores do Novo Testamento podiam confirmar a citação, conferindo nas cópias disponíveis do Velho Testamento, nem estes relatos escapam das contradições. Veja por exemplo o caso de 1ª Coríntios 10:8 onde o escritor bíblico cita um acontecimento registrado em Números 25:9. O relato de Números conta uma ocasião em que os israelitas começaram a adorar um Deus cananeu, deixando o Deus bíblico muito irado. Na sua fúria ele mata 24.000 pessoas. O escritor de 1ª Coríntios menciona este mesmo acontecimento, entretanto ele relata que o número de mortos foi 23.000. Afinal, o número dos mortos por Deus foi 23.000 ou 24.000? Como pôde o escritor de 1ª Coríntios cometer um erro histórico tão infantil? Em Mateus 23:35 Jesus disse que Zacarias era filho de Baraquias. Mas em 2ª Crônicas 24:20-22 diz explicitamente que Zacarias era filho de Jeoiada. Afinal, quem era realmente o pai de Zacarias? Outro exemplo se encontra em Marcos 2:23-28. Neste texto Jesus é questionado pelos fariseus devido ao fato de que seus discípulos, ao atravessar um campo de trigo, arrancaram alguns grãos e os comeram num sábado. Jesus cita uma passagem do Velho Testamento em 1ª Samuel 21:1-6 onde Davi e alguns de seus homens, fugindo da perseguição implacável do rei Saul, refugiam-se em Nobe. Ali o sumo sacerdote dá a eles os pães da
131 preposição, que eram sagrados e só deviam ser comidos pelo sacerdote. Jesus cita essa passagem com o intuito de mostrar aos fariseus que em momentos de crise extrema, como no caso de Davi e seus homens que estavam famintos, em plena fuga, num momento de dificuldade, pode-se abrir algumas exceções na lei. Por isso Jesus encerra seu raciocínio com a frase: “o sábado foi feito para os homens, não os homens para o sábado”. Realmente uma grande citação, destacando que o ser humano é mais importante do que um ritual religioso. Até aí tudo bem, mas o detalhe é que o escritor bíblico de Marcos, ao citar um acontecimento que já se encontrava na bíblia, no livro de 1ª Samuel, cita o nome do sumo sacerdote errado, isso mesmo, no evangelho de Marcos, Jesus chama-o de Abiatar, mas no livro de Samuel o sumo sacerdote chama-se Aimeleque. E não se trata de uma simples confusão de nomes e nem mesmo podemos dizer que o sumo sacerdote da época tinha dois nomes, pois na realidade Abiatar era filho de Aimeleque, fato conhecido pelos judeus da época. A linhagem sacerdotal era coisa séria para os judeus, tinham-se registros de todos os sumo sacerdotes e o mais impressionante nesta história é que o relato de Samuel fazia parte dos livros sagrados dos judeus. O escritor de Marcos podia facilmente consultar o registro, além disso, as histórias envolvendo o famoso rei Davi eram muito conhecidas entre os judeus. Portanto, como pôde o escritor de Marcos cometer esse grave erro histórico? Como explicar uma gafe histórica tão ridícula como esta? Existem relatos no Novo Testamento em que diferentes escritores contam o mesmo fato, o interessante é que em muitos destes relatos existem contradições impressionantes. Por exemplo, o escritor de Marcos diz que Jesus foi morto no 1º dia dos Pães não fermentados, quer dizer, depois do começo da páscoa (Marcos 14:12). Já o escritor do livro de João afirma
132 categoricamente que Jesus morreu na preparação para a páscoa, quer dizer, antes do começo da páscoa (João 19:14). O relato de Lucas sobre o nascimento de Jesus diz que após seu nascimento, José e Maria regressaram a Nazaré um mês depois de terem ido a Belém e depois a Jerusalém, cumprindo os ritos da purificação (Lucas 2:21-39). Porém o livro de Mateus diz que, após o nascimento de Jesus, José e Maria fugiram para o Egito e ali ficaram até a morte de Herodes (Mateus 2:1-23). No livro de Gálatas, o escritor se identificando como o próprio apóstolo Paulo, diz que depois de sua conversão no caminho para Damasco, ele não foi a Jerusalém encontrar-se com aqueles que eram apóstolos antes dele, primeiro foi para a Arábia, depois voltou para Damasco, e só depois de três anos é que finalmente ele foi a Jerusalém (Gálatas 1:16-18). Entretanto, o livro de Atos dos apóstolos diz claramente que a primeira coisa que Paulo fez ao deixar Damasco foi ir a Jerusalém onde se encontrou com os apóstolos de Jesus (Atos 9:1-26). Em Mateus 8:5 diz que quando Jesus entrou em Cafarnaum, “veio a ele um oficial do exército, suplicando que Jesus curasse o servo dele”. Mas em Lucas 7:3 diz que este oficial do exército enviou anciãos dos judeus para lhe pedirem que curasse seu servo. Afinal, foi o oficial do exército que falou com Jesus, ou foram os anciãos dos judeus? No relato de Mateus 20:20, 21 lemos que se aproximou de Jesus a mãe dos filhos de Zebedeu, prestando-lhe homenagem e pedindo que seus filhos obtivessem a posição mais favorecida quando Jesus entrasse no seu reino. Já no relato de Marcos 10:3537 lemos que Tiago e João, os dois filhos de Zebedeu, aproximaram-se de Jesus pedindo uma posição mais favorecida quando Jesus entrasse no seu reino. Qual relato está correto? Foi à mãe dos filhos de Zebedeu ou foram os próprios filhos que interrogaram Jesus?
133 O livro de Lucas, ao descrever a transfiguração de Jesus, diz que este evento ocorreu oito dias depois de Jesus ter prometido aos seus discípulos que alguns deles não provariam a morte, até que primeiro vissem Jesus na glória de seu reino, o que ocorreu na dita transfiguração (Lucas 9:27, 28). Só que os relatos paralelos do mesmo evento dizem que a transfiguração ocorreu seis dias depois das palavras de Jesus (Mateus 17:1; Marcos 9:2). Em Mateus 20:29-34 relata-se a cura de dois cegos feita por Jesus quando estava saindo da cidade de Jericó. Porém, em Marcos 10:46-52 diz que na realidade era apenas um cego, o escritor inclusive revela seu nome, Bartimeu (filho de Timeu). Já em Lucas 18:35-43 fala que Jesus curou este cego chegando em Jericó. E agora? Eram dois cegos ou apenas um? Jesus fez esta cura saindo ou chegando na cidade de Jericó? Em Mateus 27:49, 50 diz claramente que um soldado pega uma lança e perfura Jesus enquanto ele ainda está vivo, depois disso ele clama a Deus e morre. Porém, no relato paralelo de João 19:33, 34 é dito que depois que os soldados confirmaram que Jesus estava morto, note bem, depois da morte de Jesus um soldado pega a lança e perfura Jesus. Afinal, Jesus foi perfurado enquanto estava vivo ou depois de morto? Marcos 15:38 diz que após Jesus dar seu último suspiro e morrer, a cortina do templo se rasga em duas, portanto, o relato deixa bem claro que a cortina do templo se rasgou depois de Jesus morrer. Mas no relato paralelo de Lucas 23:45, 46 a cortina do templo se rasga antes de Jesus morrer, enquanto ainda está vivo. A cortina do templo se rasgou antes ou depois de Jesus morrer? Qual relato está dizendo a verdade? Em Mateus 21:17-19 Jesus amaldiçoa uma figueira depois que ele sai do templo e ela seca imediatamente depois de amaldiçoada. Mas no relato de Marcos 11:14-15, 20 Jesus
134 amaldiçoa a figueira antes de ter entrado no templo e ela seca um dia depois de Jesus tê-la amaldiçoado. Mateus 8:2-4 diz que Jesus cura um leproso. Na continuação do relato no versículo 14 Jesus entra na casa de Pedro e cura sua sogra. Portanto, segundo este relato Jesus curou o leproso antes de visitar a casa de Pedro e curar sua sogra. Entretanto, o relato de Marcos 1:29 diz claramente que Jesus visita a casa de Pedro primeiro, cura sua sogra e depois de sair ele cura o leproso conforme mostra os versículos 40-42. Assim, segundo o relato de Marcos Jesus curou o leproso depois de visitar a casa de Pedro. Mateus 21:2-7 nos fala que Jesus mandou dois discípulos levarem uma jumenta e um jumentinho para ele. Já o relato de Marcos 11:2-7 diz que Jesus mandou os dois discípulos levarem apenas um jumentinho e assim eles fizeram. Agora eu lhe pergunto: os dois discípulos levaram uma jumenta e um jumentinho ou apenas um jumentinho? Será que o escritor do livro de Marcos tinha alguma coisa contra a coitada da jumenta a ponto de nem mesmo citá-la em seu relato? Atos 9:7 relata que quando Paulo estava a caminho de Damasco para perseguir os cristãos, teve uma visão e ficou cego. Durante esta visão os homens que iam com ele, segundo o relato, ouviram a voz que falava com Paulo, mas não viram ninguém. Entretanto, em Atos 22:9 diz claramente que neste mesmo acontecimento, os homens que estavam com Paulo não ouviram a voz daquele que falava com Paulo. E agora? Na conversão de Paulo, os que estavam com ele ouviram vozes ou não ouviram? Outro relato confuso na bíblia trata da morte de Judas. O relato de Mateus descreve o acontecimento desta forma: “Então Judas, que o traiu, vendo que tinha sido condenado, sentiu remorso e devolveu as trinta moedas de prata aos principais sacerdotes e anciãos, dizendo: Pequei quando traí sangue justo. Eles disseram: Que temos nós com isso? Isso é
135 contigo! De modo que ele lançou as moedas de prata dentro do templo e retirou-se, e, tendo saído, enforcou-se. Mas os principais sacerdotes tomaram as moedas de prata e disseram: Não é lícito deitá-las no tesouro sagrado, porque são o preço de sangue. Depois de se consultarem entre si, compraram com elas o campo do oleiro, para enterrar os estranhos. Aquele campo veio por isso a ser chamado de ‘Campo de Sangue’, até o dia de hoje. Cumpriu-se assim aquilo que fora falado por intermédio de Jeremias, o profeta, que disse: E tomaram as trinta moedas de prata, o preço do homem com que foi avaliado, daquele a quem alguns dos filhos de Israel puseram um preço, e deram-nas pelo campo do oleiro, segundo o que Jeová me tinha ordenado” (Mateus 27:3-10). Fica claro que segundo Mateus, Judas lança as moedas no templo e sai para se enforcar. Os sacerdotes de posse deste dinheiro resolvem comprar um campo com ele e chamá-lo de campo do oleiro. Depois o texto diz que o fato de Jesus ser traído por trinta moedas de prata cumpriu uma profecia de Jeremias, entretanto, Jeremias nunca falou isso, nem algo semelhante a isso. Pois bem, agora veja o relato dos Atos dos Apóstolos: “Homens, irmãos, era necessário que se cumprisse a escritura, que o espírito santo predissera pela boca de Davi a respeito de Judas, que se tornou guia dos que prenderam a Jesus, porque tinha sido contado entre nós e obtivera uma parte neste ministério. (Este mesmo homem comprou um campo com o salário da injustiça, e, jogando-se de cabeça para baixo, rebentou ruidosamente pelo meio e se derramaram todos os seus intestinos. Também todos os habitantes de Jerusalém ficaram sabendo disso, de modo que aquele campo foi chamado na língua deles Acéldama, isto é: Campo de Sangue) (Atos 1:16-19). Conforme pôde observar acima, o livro dos Atos dos Apóstolos traz uma versão totalmente diferente, Judas não lança
136 mais o dinheiro no templo, pelo contrário, ele mesmo compra o tal terreno com as trinta moedas de prata e joga-se de cabeça neste local. Como consequência de sua queda seus intestinos são expostos. Devido a esta tragédia o campo recebe o nome de Campo de Sangue. Agora, para aumentar ainda mais a confusão, arqueólogos encontraram em 1970 no deserto Egípcio de El Minya, um manuscrito encadernado em couro que foi copiado por volta do ano 300 depois de Cristo. Tal manuscrito circulou entre vendedores de antiguidades, até chegar à Europa e, depois, aos Estados Unidos, onde permaneceu no cofre de um banco de Long Island por 16 anos, até ser novamente comprado no ano 2000, pelo antiquário suíço Frieda Nussberger-Tchacos. Preocupado com sua possível deterioração, o antiquário entregou o manuscrito à fundação suíça Maecenas Foundation for Ancient Art em fevereiro de 2001, a fim de preservá-lo e traduzi-lo. Após a restauração do documento, o trabalho de análise e tradução foi confiado a uma equipe dirigida pelo professor Rudolf Kasser, aposentado pela Universidade de Genebra. O documento está mantido agora em um museu do Cairo. O evangelho já citado por Santo Irineu de Lyon, no século II descreve uma outra versão completamente diferente. Ao contrário das versões de Mateus e dos Atos dos Apóstolos, o texto em questão indica que Judas era um iniciado que traiu Jesus a pedido dele próprio para a redenção da humanidade. Segundo esse evangelho Judas teria "sido perdoado por Jesus e orientado a se retirar para fazer exercícios espirituais no deserto". Agora você decide quem esta falando a verdade (Elaine Pagels, Reading Judas: The Gospel of Judas and the Shaping of Christianity, 2007, Viking Press. ISBN 0-67003845-8). A própria bíblia diz que para um relato ser considerado verdadeiro, deve ser confirmado pela boca de duas ou três
137 testemunhas (Deuteronômio 19:15; Mateus 18:16; João 8:17; 2ªCoríntios 13:1; 1ªTimóteo 5:19; Hebreus 10:28). Obviamente tais testemunhos têm de ser coerentes, sem contradições ou divergências. Imagine você tentando investigar um acontecimento interrogando as testemunhas. Suponha que cada uma conte uma versão diferente, uma contradizendo a outra, a que conclusão você chegaria? Com certeza a versão que corresponde à verdade é só uma, ou pior, todos podem estar mentindo. Muitos tentam justificar tais contradições dizendo que os relatos se complementam, quer dizer, um dá detalhes que o outro não deu e assim juntando todos eles, passamos a ter um quadro mais nítido do que realmente aconteceu. Raciocínio interessante se os relatos realmente se complementassem, mais não é isso que observamos. Relatos para serem complementares não podem se contradizer. Uma coisa são relatos que se complementam e outra muito diferente são relatos que se contradizem. Por exemplo, suponhamos que um colega lhe relate um acontecimento. Ele lhe diz que viu um homem que desceu de uma moto as 9:00 horas da manhã, entrou numa joalheria e a assaltou apenas com uma faca. Daí chega outro colega e relata outros detalhes que complementam o relato do primeiro. Ele diz que o homem era alto e gordo, usava uma jaqueta de couro, sua moto era vermelha e a faca que ele usava era bem grande. Como vimos, um relato não contradisse o outro, ele apenas complementou dando mais detalhes que talvez o outro por distração ou por não ser tão observador não percebeu. Agora veja o mesmo exemplo, só que agora os dois relatos não vão se complementar, vão se contradizer. Um colega lhe diz que viu um homem alto e gordo usando uma jaqueta de couro descer de uma moto vermelha as 9:00 da manhã, entrar numa joalheria e a assaltar apenas com uma faca. Daí chega outro e relata que na realidade eram dois homens e eles eram magros e baixos, os dois
138 usavam blusas de lã e desceram de uma moto azul as 7:00 horas da noite, entraram na joalheria e a assaltaram com dois rifles. Observamos que nesse segundo exemplo os relatos não foram complementares, muito pelo contrário, eles foram contraditórios. Os relatos bíblicos apresentados aqui estão muito longe de serem complementares como afirmam certos religiosos. Na verdade esta é mais uma tentativa deles de dar algum sentido a sua fé. Eles não estão dispostos a enxergar a realidade. Eles precisam defender a bíblia a qualquer custo, mesmo que isso vá contra todas as evidências.
139
19 - JEOVÁ V/S JESUS A bíblia diz explicitamente que Deus não pode mudar seus conceitos (Tiago 1:17; Malaquias 3:6) pois isto seria uma maneira de rebaixar ou menosprezar o Deus que segundo a bíblia é perfeito, portanto jamais pode ter um conceito errado. Além disso, a bíblia destaca que existe apenas um só Deus verdadeiro, todo poderoso e criador de todas as coisas (Deuteronômio 6:4; Gálatas 3:20; Isaias 45:5). A bíblia como é tradicionalmente conhecida divide-se em duas partes, as Escrituras Hebraicas e as Escrituras Gregas, mas a maioria das pessoas chama estas duas partes de “Velho” e “Novo” Testamento. Apesar da maioria dos religiosos dizerem que a bíblia é um livro único, inspirado pelo mesmo Deus todo poderoso, se fizermos uma consideração mais pormenorizada notaremos que o Deus descrito no chamado Velho Testamento é muito diferente do Deus descrito no Novo Testamento. As diferenças são gritantes tanto nas atitudes como na maneira de pensar. São Deuses tão antagônicos que fica difícil considerá-los como sendo o mesmo Deus. De duas uma, ou trata-se de Deuses diferentes ou este dito Deus da bíblia mudou totalmente seus conceitos através dos tempos. Por exemplo, em Êxodo 21:24, 25 diz: “... olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, pancada por pancada”. Em Levítico 24:19, 20 o Deus da bíblia expressa um conceito similar: “E caso um homem cause defeito no seu colega, então, como ele fez, assim se lhe tem de fazer. Fratura por fratura, olho por olho, dente por dente; a mesma sorte de defeito que ele cause ao homem é que se lhe deve causar”. Este tipo de pensamento e expresso em vários
140 lugares no Antigo Testamento, sendo identificado como uma lei de Jeová (Javé), nome que é usado para se referir a Deus nas Escrituras Hebraicas. Entretanto, veja o que Jesus disse em Mateus 5:39: “... No entanto, eu vos digo: Não resistais àquele que é iníquo; mas, a quem te esbofetear a face direita, oferece-lhe também a outra”. Veja também o que diz Romanos 12:17: “Não retribuais a ninguém mal por mal. Provede coisas excelentes à vista de todos os homens”. Afinal, é olho por olho ou devemos oferecer a outra face? Assim como ele me fez eu devo fazer ou não devo retribuir a ninguém mal por mal? Veja outro exemplo no Salmo 139:21, 22: “Acaso não odeio os que te odeiam intensamente, ó Jeová? E não tenho aversão aos que se revoltam contra ti? Odeio-os com ódio consumado. Tornaram-se para mim verdadeiros inimigos”. Note também 2ª Crônicas 19:2, 3: “Jeú, filho de Hanani, o visionário, saiu então diante dele e disse ao Rei Jeosafá: “É ao iníquo que se deve dar ajuda e é aos que odeiam a Jeová que deves amar? E por isso há indignação contra ti da parte da pessoa de Jeová”. Fica bem claro que o Deus do Velho Testamento tem o conceito de ódio aos inimigos, ele chega a ficar indignado quando alguém não odeia os inimigos. Pois bem, veja agora o que Jesus disse em Mateus 5:44-48: “No entanto, eu vos digo: Continuai a amar os vossos inimigos e a orar pelos que vos perseguem; para que mostreis ser filhos de vosso Pai, que está nos céus, visto que ele faz o seu sol levantarse sobre iníquos e sobre bons, e faz chover sobre justos e sobre injustos. Pois, se amardes aos que vos amam, que recompensa tendes?... tendes de ser perfeitos, assim como o vosso Pai celestial é perfeito”. No relato paralelo de Lucas 6:27, 28 Jesus diz: “Continuai a amar os vossos inimigos, a fazer o bem aos que vos odeiam, a abençoar os que vos amaldiçoam, a orar pelos que
141 vos insultam”. E agora, tenho que odiar os inimigos ou amá-los? Tenho de orar pelos que me perseguem imitando um Deus que faz seu sol se levantar pelos iníquos ou tenho de ter aversão, ódio consumado? Agora veja mais um exemplo, Números 30:2: “Caso um homem faça um voto a Jeová ou faça um juramento para impor à sua alma um voto de abstinência, não deve violar a sua palavra. Deve fazer segundo tudo o que saiu da sua boca”. Algo semelhante se encontra em Deuteronômio 23:21: “Caso faças um voto a Jeová, teu Deus, não deves tardar em pagá-lo, porque Jeová, teu Deus, sem falta o exigirá de ti, e deveras se tornaria um pecado da tua parte”. Em Eclesiastes 5:4 lemos: “Sempre que fizeres um voto a Deus, não hesites em pagá-lo, pois não há agrado nos estúpidos. O que votares, paga”. Também lemos em Gênesis 21:24: “Respondeu Abraão: Eu jurarei”. Em Gênesis 22:16: “Por mim mesmo jurei, diz o Senhor...”. Em Gênesis 31:53: “E jurou Jacó pelo temor de seu pai Isaque”. Em Deuteronômio 10:20: “Ao Senhor teu Deus temerás, a ele servirás, e a ele te chegarás, e pelo seu nome jurarás”. Torna-se óbvio que o Deus do Velho Testamento se agrada de votos e juramentos e ameaça aquele que não pagar. Agora observe o que Jesus disse em Mateus 5:34-36: “No entanto, eu vos digo: Não jureis absolutamente, nem pelo céu, porque é o trono de Deus; nem pela terra, porque é o escabelo de seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei. Tampouco deves jurar pela tua cabeça, porque não podes tornar nem um só cabelo branco ou preto”. Note agora o que um discípulo de Jesus disse em Tiago 5:12: “Mas, sobretudo, meus irmãos, não jureis, nem pelo céu, nem pela terra, nem por qualquer outro voto...”. Novamente pergunto, devo fazer votos ou não? Devo fazer juramentos e cumpri-los ou absolutamente não devo fazê-los?
142 Em Deuteronômio 24:1 o Deus do Velho Testamento deu a seguinte ordem: “Caso um homem tome uma mulher e faça dela sua propriedade, como esposa, então tem de suceder que, se ela não achar favor aos seus olhos por ele ter encontrado alguma coisa indecente da parte dela, então tem de escrever-lhe um certificado de divórcio e pô-lo na mão dela, e tem de despedi-la de sua casa”. Agora note o que Jesus disse sobre o assunto em Mateus 5:32: “No entanto, eu vos digo que todo aquele que se divorciar de sua esposa, a não ser por causa de fornicação, expõe-na ao adultério, e quem se casar com uma mulher divorciada comete adultério”. E agora, se a mulher não me agradar devo dar-lhe o certificado de divórcio e arrumar outra ou se eu fizer isso cometo adultério? Em Deuteronômio 22:22 o Deus do Velho Testamento dá uma lei bem clara: “Caso um homem seja encontrado deitado com uma mulher que tenha dono, então ambos têm de morrer juntos, o homem que se deitou com a mulher e a mulher. Assim tens de eliminar o mal de Israel”. Um conceito parecido e expresso em Levítico 20:10: “Ora, o homem que comete adultério com a esposa de outro homem é um que comete adultério com a esposa de seu próximo. Sem falta deve ser morto, tanto o adúltero como a adúltera”. Agora veja como Jesus encarou o assunto em João 8:3-11: “Os escribas e os fariseus trouxeram então uma mulher apanhada em adultério, e, depois de a postarem no meio deles, disseram-lhe: Instrutor, esta mulher foi apanhada no ato de cometer adultério. Na Lei, Moisés prescreve que apedrejemos tal sorte de mulher. Realmente, o que dizes tu?... Quando persistiram em perguntar-lhe, endireitou-se e disse-lhes: Que aquele de vós que estiver sem pecado seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra. E, abaixando-se novamente, escrevia no chão. Mas, os que ouviram isso começaram a sair, um por um, principiando com os anciãos,
143 e ele foi deixado só, bem como a mulher que estivera no meio deles. Endireitando-se, Jesus disse-lhe: Mulher, onde estão eles? Não te condenou ninguém? Ela disse: Ninguém, senhor. Jesus disse: Tampouco eu te condeno. Vai embora; doravante não pratiques mais pecado”. O que devo fazer agora? Apedrejar os adúlteros ou dizer que quem não tiver pecado atire a primeira pedra? Muitos religiosos tentam de todas as formas achar explicações mirabolantes para justificar sua fé, entretanto, os fatos são muito simples e qualquer pessoa sincera e razoável perceberá que encarar a bíblia como um livro inspirado por Deus resulta em problemas insolúveis, contradições inexplicáveis e incoerências enormes. Por outro lado, encarar a bíblia como um livro escrito por homens sem orientação ou intervenção divina esclarece todos estes antagonismos, pois o ser humano através das eras tem evoluído e aprendido com seus erros e sempre demonstra uma variedade de conceitos e pensamentos divergentes que vão se lapidando com o tempo. Analisando desta forma, a bíblia se torna um interessante retrato da diversidade e singularidade do ser humano. Apesar de ser um tema delicado, visto que Jesus habita o imaginário de bilhões de pessoas como sendo à base de sua fé e esperança, não posso deixar de examinar de uma maneira mais ampla e minuciosa os relatos da vida deste personagem tão interessante e complexo. Porém, farei isto totalmente livre das amarras emocionais e crendices tradicionais que as religiões normalmente colocam em volta de Jesus.
144
esus Cristo com certeza é uma das figuras mais impressionantes de toda a bíblia. Tirando todo o lado místico que leva bilhões de pessoas a exercerem fé e terem esperança, a moldarem suas vidas pelos ensinos e conceitos de Jesus, deixando tudo isso de lado e nos concentrando no Jesus histórico, temos na realidade apenas quatro pequenos relatos de sua vida nas páginas da bíblia. Segundo muitos religiosos, três são similares em ponto de vista, porque adotam um enfoque parecido ao narrar a vida de Jesus na terra, estes são Mateus, Marcos e Lucas. Se você ler estes três primeiros evangelhos notará que não raro abrangem os mesmos incidentes e seus relatos em sua maioria são paralelos. Já o evangelho de João traz uma estrutura diferente e a maioria de seus relatos não se encontram nos demais evangelhos. Entretanto, não se pode deixar de mencionar que diversos outros evangelhos narrando a vida de Jesus foram escritos durante os primeiros três séculos de existência do cristianismo, sabemos disso por meio do evangelho de Lucas que no capítulo 1, versículo 1 diz: “Considerando que muitos empreenderam compilar uma declaração dos fatos que entre nós recebem pleno crédito”. O autor indica que muitos empreenderam compilar os relatos da vida de Jesus e que para escrever seu próprio relato, ele consultou “muitos” escritos precedentes. Se formos levar em conta as fontes cristãs posteriores dos séculos II e III temos inúmeros outros evangelhos produzidos por diversas comunidades cristãs existentes na época (como os Ebionitas, os Docetas e os Gnósticos), cada qual com sua própria interpretação teológica sobre Jesus e seus próprios escritos, muitos destes levando nomes de discípulos famosos de Jesus como o Evangelho
145 de Filipe (um discípulo de Jesus), de Maria Madalena, de Tiago (irmão de Jesus), de Judas, de Pedro, de Tomé, entre outros. Além disso, existem manuscritos antigos de outras cartas que não se encontram na bíblia como Terceira Coríntios e a Epístola de Barnabé, sem falar nos Atos de Paulo e de Pedro. Vários achados arqueológicos têm descoberto inúmeros escritos da época. O exemplo a seguir demonstra bem isso No inverno de 1945 no Egito Superior perto da cidade de Nag Hammadi um camponês árabe escavava em busca de solo fértil. Em vez disso, porém, fez surpreendente descoberta. Sua picareta bateu em algo duro, um jarro de argila. Dentro dele, encontrou 13 volumes encadernados em couro, que remontavam ao segundo século EC. Mas não foi senão em 1955 que esta descoberta arqueológica ganhou as manchetes e ainda cria comoção entre leitores da Bíblia, porque alguns afirmam que os volumes descobertos contêm os dizeres secretos de Jesus. Na realidade, 48 diferentes documentos religiosos foram encontrados naquela colina egípcia. Num desses volumes encontra-se um texto chamado de Evangelho segundo Tomé, que começa sua narrativa assim: “Estas são as palavras secretas que o Vivente Jesus proferiu, e Dídimo Judas Tomé escreveu”. Portanto, estes quatro evangelhos que se encontram na bíblia são apenas uma pequena amostra dos vários relatos que foram feitos durante os primeiros séculos do cristianismo (Elaine Pagels, Beyond Belief: The Secret Gospel of Thomas (2003), Vintage Books. ISBN 0-375-50156-8). Mas então porque apenas quatro relatos da vida de Jesus estão na bíblia? A maioria dos evangelhos escritos no 1º e 2º séculos desapareceu. Naquela época um “livro” era um amontoado de papiros avulsos enrolados em forma de pergaminho, portanto como você pode imaginar, perder ou extraviar estes pergaminhos era algo muito fácil de acontecer. Porém, alguns evangelhos foram copiados e recopiados à mão por membros da igreja. Tais
146 livros tinham de ser copiados um por vez, devagar e em seus mínimos detalhes, por isso eram inevitáveis erros, tanto acidentais (um escorregão de pena, uma linha pulada) como não acidentais (o copista altera uma palavra por achá-la mais bonita ou para apoiar determinada crença pessoal). Celso, filósofo romano do 2º século criticou asperamente os copistas cristãos pelos erros em suas cópias: “Alguns fiéis, como pessoas embriagadas que se agridem a si mesmas, manipularam o texto original dos evangelhos três ou quatro vezes, ou até mais, e o alteraram para poderem opor negações às criticas” (Orígenes, Contra Celso. Editora Paulus 2004, pág. 152). Irineu, cristão do 2º século que morava na Gália e era líder da congregação de Lião, escreveu contra Marcião, alegando que ele tinha feito o seguinte: “Mutilou as epístolas de Paulo, eliminando tudo o que o Apóstolo disse acerca do Deus que criou o mundo, no sentido de que Ele é o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, e ainda as passagens dos escritos proféticos citados pelo Apóstolo com vistas a nos ensinar aquilo que eles anunciaram antes da vinda do Senhor” (Contra as heresias, 1.27.2). Orígenes, um padre da igreja do 3º século, uma vez registrou uma queixa acerca das cópias dos evangelhos de que dispunha: “as diferenças entre os manuscritos se tornaram gritantes, ou pela negligencia de algum copista ou pela audácia perversa de outros; ou eles descuidam de verificar o que transcreveram ou no processo de verificação, acrescentam ou apagam textos como mais lhes agrade” (Commentary on Matthew 15:14 as quoted in Bruce M. Metzger, "Explicit References in the Works of Origen to Variant Readings in New Testament manuscripts," in Biblical and Patristic Studies in Memory of Robert Pierce Casey, ed. J Neville Birdsall and Robert W. Thomson. Freiburg: Herder, 1968, pág. 78, 79).
147 Dionísio, bispo de Corinto lamentou o fato de que falsos crentes modificaram escritos de sua autoria, como tinham feito com textos sacros: “Quando meus companheiros cristãos me convidaram a escrever cartas eu o fiz. Mas estes apóstolos do demônio as encheram de vícios, eliminando algumas coisas e acrescentando outras. Não é, pois, de admirar que alguns dentre eles tenham ousado adulterar a palavra do próprio Senhor” (Church History - Dionysius, Bishop of Corinth, and the Epistles which he wrote, vol. IV, Chapter 23, citado por Eusébio). Acusações deste tipo são muito frequentes entre os primeiros escritores cristãos e não havia como os autores impedirem que seus escritos fossem alterados. Isso explica porque muitos autores, por vezes, lançavam maldições sobre copistas que modificassem seus textos. Um exemplo clássico disso está no livro bíblico de Apocalipse 22:18-19: “Estou dando testemunho a todo aquele que ouvir as palavras da profecia deste rolo: Se alguém fizer um acréscimo a essas coisas, Deus lhe acrescentará as pragas que estão escritas neste rolo; e se alguém tirar qualquer coisa das palavras do rolo desta profecia, Deus lhe tirará o seu quinhão das árvores da vida e da cidade santa, coisas das quais se escreve neste rolo”. O receio de ter suas narrativas “editadas” era comum entre os autores do Novo Testamento. Essa ameaça descrita acima reflete bem o clima dos primeiros séculos do cristianismo, uma verdadeira baderna teológica, com um monte de seitas e comunidades defendendo ideias diferentes sobre Jesus. A seita dos Docetas (da palavra grega dokeo, que significa parecer), por exemplo, acreditava que Jesus não teve um corpo físico, apenas parecia um ser humano, mas na verdade era um ser divino. Ele seria um espírito e sua crucificação e morte não passou de ilusão de ótica. Viam uma distinção entre a lei dada por Moisés que não levaria a salvação e o evangelho de Jesus que
148 levaria. Consideravam que a lei judaica e o evangelho de Jesus não tinham nada em comum, sendo a lei para os judeus e o evangelho para os cristãos. Observavam uma grande diferença entre o Deus do Antigo Testamento, julgador, encolerizado e vingativo, do Deus de Jesus que era amoroso, misericordioso e trazia salvação, para eles eram Deuses diferentes. Já os Ebionitas (Adocionistas) eram judeus convertidos ao cristianismo que insistiam em preservar as leis estipuladas por Deus a Moisés e que Jesus seria o Messias enviado pelo Deus judeu para salvar o mundo. Entendiam que a fé em Jesus não significava uma ruptura com o judaísmo, mas a interpretação correta da religião revelada por Deus a Moisés no Monte Sinai. Acreditavam que Jesus não nasceu filho de Deus, não era divino, mas um ser humano de carne e osso que foi adotado quando adulto pelo Senhor, provavelmente por ocasião do batismo. Para eles Jesus era o Messias judeu enviado pelo Deus judeu ao povo judeu para cumprir a lei judaica, assim, quem quisesse seguir Jesus tinha que ser judeu ou se fosse gentio tinha que ser circuncidado e seguir todos os preceitos da lei. Os Gnósticos (Separacionistas) do grego “gnosis” ou conhecimento, sustentavam que o conhecimento e não a fé era o que salvava. A pessoa precisava saber como este mundo surgiu, quem você realmente é, de onde veio, quem o colocou aqui e como podemos voltar. Jesus era um ser divino que desceu do plano celestial para transmitir o conhecimento secreto da salvação aos espíritos presos aqui na terra. Acreditavam numa fusão dos dois conceitos anteriores, Jesus seria dois seres, um completamente humano (o homem Jesus), e outro completamente divino (o Cristo divino). Jesus seria um humano que tinha sido temporariamente habitado por um ser divino entre o momento de seu batismo até o instante de sua morte. Por isso teria dito antes de morrer “Deus meu, Deus meu, por que me abandonastes?”.
149 Todas estas comunidades cristãs tinham seus escritos apoiando seus conceitos e quando recebiam escritos que apoiavam outras ideias, eles ao copiá-los, sutilmente procuravam modificar alguma palavra ou expressão que pudesse apoiar o conceito de outra comunidade. A primeira tentativa de organizar esse caos das escrituras ocorreu mais de 100 anos após a morte de Jesus. O responsável foi um rico comerciante naval chamado Marcião. Ele nasceu na Turquia, foi para Roma, converteu-se ao cristianismo, virou um teólogo influente e resolveu montar sua própria seleção de textos sagrados. A bíblia de Marcião era bem diferente da que conhecemos hoje. Isso porque ele simpatizava com a seita dos Docetas. A bíblia editada por Marcião continha apenas uma forma do evangelho de Lucas e 10 cartas de Paulo (Bart D. Ehrman, Misquoting Jesus: The Story Behind Who Changed the Bible and Why. Harper San Francisco, 2005. ISBN 0-06-073817-0). A decisão sobre quais livros deveria fazer parte do cânone não foi tomada da noite para o dia. Quatrocentos anos após a morte de Cristo, no fim do século IV, não havia ninguém que afirmasse que o Novo Testamento consistia dos 27 livros que temos hoje. Na época de Serapião (um monge egípcio de grande erudição e muito inteligente que por certo período dirigiu a famosa Escola Catequética de Alexandria, considerado um santo e falecido por volta de 370 d.C.) surgiu um autor (anônimo por sinal) que tentou definir uma relação de livros que acreditava compor as Escrituras cristãs. Essa lista fragmentada é chamada de Cânone Muratório, em homenagem a L. A. Muratori, estudioso italiano do século XVIII que a descobriu na cidade de Milão. Neste catálogo a primeira parte da lista desapareceu. Após algumas palavras do fim de uma frase descrevendo um dos evangelhos, o autor continua falando de Lucas como "o terceiro livro do evangelho". Ele a seguir identifica João como "o quarto"
150 e prossegue. Portanto, se supõem que a lista começa com Mateus e Marcos, mas não há como afirmar isso categoricamente. O autor desconhecido identifica como canônicos 22 de nossos 27 livros, porém, Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pedro e 3 João não estão lá. Além disso, neste catálogo está incluído Sabedoria de Salomão e o Apocalipse de Pedro como livros canônicos. O Cânone Muratório indica que pelo menos um autor da época estava interessado em saber quais livros poderiam ser aceitos como canônicos e que em certos círculos já eram aceitos alguns livros que acabariam sendo considerados canônicos no futuro, apesar de que dois dos livros catalogados como canônicos foram depois excluídos da bíblia. Mas a questão continuou sendo discutida durante séculos. Sabemos disso em parte pelos manuscritos que temos do Novo Testamento. Assim que chegamos ao século VI e VII, os manuscritos passam a ter apenas os livros que hoje são considerados canônicos do Novo Testamento, mas isso não acontece em períodos anteriores. O Código Alexandrino, por exemplo, um famoso manuscrito do século V, inclui como parte do Novo Testamento os livros de 1 e 2 Clemente, supostamente escritos pelo homem que Pedro escolheu como bispo de Roma. E o Código Sinaítico, do século IV, inclui a Epístola de Barnabé e o Pastor de Hermas. O manuscrito chamado P.72 inclui um evangelho supostamente escrito por Tiago, o irmão de Jesus (A natividade de Maria) mais conhecido como protoevangelho de Tiago, 3ª Coríntios e uma homilia do pai da Igreja Melito sobre a Páscoa. Vários cristãos de diversas comunidades com vários conceitos diferentes escolheram suas próprias coleções de livros preferidos e passaram a encará-los como os verdadeiros livros inspirados por Deus. Até então, o cristianismo sobrevivia como a fé de uma minoria oprimida dentro do Império Romano. Porém, em 28 de outubro de 312 E.C., o seu destino começou a mudar graças a um
151 homem chamado Constantino. Em franca luta pelo poder, Constantino alegou ter tido uma visão de uma grande luz em forma de cruz e encarou isto como um sinal do Deus cristão. Constantino mandou fazer um estandarte para a batalha sobre a ponte do rio Mílvio na forma de cruz e pintou a mesma forma nos escudos dos soldados. Coincidência ou não, ele venceu esta batalha e algum tempo depois se tornou Imperador Romano. Daí em diante, a perseguição aos cristãos terminou e mais do que isto, o cristianismo passou a se tornar à religião da moda. Ele pretendia usar a força crescente da nova religião para fortalecer seu império. Depois de 12 anos consolidando seu poder, Constantino declarou-se cristão, fez pomposas doações a sua nova religião, construiu a basílica de Santa Sofia em Constantinopla e a basílica de São Pedro em Roma. Além disso, sentiu-se no direito de impor a unidade a seus súditos cristãos, colocando ordem na casa de Deus, nessa época ainda dividida sobre questões teológicas. Em 325 E.C., organizou um concilio em Nicéia, onde impôs um credo comum e uma lista de livros chamada de oficial, que segundo o concilio, “realmente” haviam sido inspirados por Deus. Com o apoio da maioria dos bispos presentes, Constantino unificou a igreja e o império sob seu controle. Eles escolheram os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João para representar a biografia oficial de Jesus, enquanto os demais evangelhos dos Docetas, dos Ebionitas, dos Gnósticos e de outras seitas foram excluídos e seus autores declarados hereges. A maioria destes textos se perdeu, afinal de contas, os escribas da igreja não estavam interessados em recopiálos para a posteridade e sem o apoio do todo poderoso Império Romano foram fadados ao esquecimento. Portanto, temos hoje apenas 4 evangelhos que contam a vida de Jesus por causa de um imperador que impôs um conceito teológico, descartando os demais, numa tentativa de unificar os
152 cristãos e seu império. Tudo não passou de uma questão de ideias que foram se sobrepujando as outras devido as circunstancias de cada momento histórico. É uma pena que o tempo e as circunstancias tenham desaparecido com muitos textos e relatos sobre a vida de Jesus, por outro lado e emocionante ver a arqueologia desenterrar alguns destes evangelhos tidos como perdidos, pois só poderemos chegar mais perto da verdadeira história de Jesus, comparando todos estes relatos, para termos um quadro mais amplo deste personagem tão intrigante, que apesar de estimular a fé de bilhões de pessoas, pouco se sabe de sua verdadeira história. Ao analisarmos o personagem Jesus temos de diferenciar o Jesus místico do Jesus histórico. O Jesus místico é o ser que habita o imaginário de mais de 2 bilhões de pessoas que depositam sua fé e sua esperança nesta entidade transcendental. Porém, ao analisarmos o Jesus histórico temos de nos desvencilhar de todas estas crenças e dogmas envoltos em superstições. Temos de investigar o assunto baseado em evidências racionais e não em crendice religiosa conforme veremos a seguir.
153
21 - A CONSTRUÇÃO DO MITO JESUS
As pessoas em geral, quando querem saber sobre a vida de Jesus, ficam de certa forma limitadas a usar os quatro evangelhos que estão na bíblia, no caso, Mateus, Marcos, Lucas e João. Contudo esses não são relatos de testemunhas imparciais, um registro histórico isento feito por pessoas neutras, antes, são relatos feitos por pessoas envolvidas com a causa cristã, pessoas que estão na realidade defendendo suas crenças e não fazendo um relato histórico desinteressado da causa, portanto, são relatos tendenciosos, uma verdadeira propaganda de sua fé. Além disso, são livros escritos décadas depois dos acontecimentos por escritores que apenas ouviram histórias sobre Jesus pela tradição oral, histórias que foram alteradas e até mesmo inventadas com o passar do tempo. Há muitas contradições nessas histórias e os próprios escritores dos Evangelhos fizeram muitas mudanças (Raphael Lataster, There was no Jesus, there is no God: A Scholarly Examination of the Scientific, Historical, and Philosophical Evidence & Arguments for Monotheism. CreateSpace Independent Publishing Platform, September, 2013. ISBN 978-1492234418) O próprio Jesus não escreveu uma só linha sobre sua vida e seus ensinos, tarefa assumida por seus discípulos. É pouco provável que os primeiros discípulos fossem alfabetizados tendo em vista que o índice de alfabetização no Império Romano por volta do primeiro século era baixíssimo. Calcula-se que nos grandes centros como Roma e Atenas o número de analfabetos nesta época era de mais de 90%, os demais 10% em sua maioria eram grosseiramente alfabetizados provenientes das classes mais abastadas que tinham tempo e dinheiro para receber uma
154 educação. Agora imagine na província da Galiléia, uma das mais distantes e pobres de todo o Império. Nesta região onde Jesus pregou, ser alfabetizado era um luxo de poucas pessoas, algo restrito a nobreza e ao alto clero. Portanto, nas comunidades cristãs do 1º século as taxas de alfabetização eram baixíssimas, pois os primeiros cristãos vinham em sua maioria das classes mais pobres e menos letradas. Os primeiros seguidores de Jesus não tinham a mínima condição de registrar a vida de seu mestre. Como eram judeus da Galiléia, os seguidores de Jesus, como o próprio Jesus, falavam a língua aramaica. Sendo do interior, é pouco provável que tinham algum conhecimento de grego, se tivessem, seria extremamente grosseiro já que eles passavam seu tempo com outros camponeses analfabetos falantes de aramaico trabalhando duramente para conseguir sobreviver. Assim, os discípulos de Jesus não poderiam ser os escritores dos evangelhos por que os evangelhos foram escritos em grego, obviamente por cristãos que tinham uma certa educação e eram capazes não só de falar mais de escrever em grego. Nesta época muitas pessoas que sabiam falar não sabiam escrever, pois estas habilidades eram muito distintas. Além de saber escrever, estes escritores eram capazes de construir narrativas extensas e complexas como os evangelhos, que apesar de não serem os livros mais refinados do Império Romano, são narrativas coerentes escritas por pessoas que sabiam construir uma história e atingir seus objetivos. A única maneira de copiar um livro era a mão, um processo demorado e detalhista, que não podia ser feito por pessoas simples e sem estudo, portanto, tinha que ser feito por escribas profissionais. Quem quer que fossem esses autores, eram cristãos de uma geração posterior, com dotes incomuns para a época. A própria bíblia confirma o fato de que os primeiros discípulos de Jesus eram incapazes de escrever os textos bíblicos, os
155 evangelhos deixam claro que a maioria dos seguidores de Jesus eram pessoas rústicas e simples, camponeses de classe baixa da Galiléia rural. Os apóstolos eram simples pescadores pouco instruídos (Mateus 4:18; Lucas 5:4-7), dois deles, Pedro e João são chamados claramente de indoutos e comuns, pessoas sem instrução como o próprio relato bíblico afirma: “Ora, quando observaram a franqueza de Pedro e João, e perceberam que eles eram homens indoutos e comuns, ficaram admirados” (Atos 4:13). Paulo indicou que a congregação de Corinto era formada em sua maioria por pessoas sem estudo, consideradas tolas e fracas pelos padrões humanos (1ª Coríntios 1:27). O máximo que podiam fazer era passar de maneira oral algumas coisas que viram Jesus dizer e fazer. Como diz o ditado “a cada ponto aumenta um conto”, essa transmissão oral foi com o tempo aumentando o que realmente aconteceu e acrescentando novos pormenores aos acontecimentos dando contornos épicos e lendários a história. Imagine uma transmissão oral de 40 anos, as testemunhas oculares estavam quase todas mortas. Circulava entre as comunidades cristãs da época um registro muito destorcido do que realmente aconteceu. Os primeiros escritos cristãos foram às cartas paulinas, estas foram escritas muito antes dos evangelhos uns 20 anos depois da morte de Jesus. O Apóstolo Paulo era aparentemente um homem mais instruído, segundo o relato bíblico ele foi ensinado por um líder fariseu de nome Gamaliel: “Eu sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas educado nesta cidade, aos pés de Gamaliel, instruído segundo o rigor da Lei ancestral, zeloso por Deus, assim como todos vós sois neste dia” (Atos 22:3). A existência de Gamaliel como respeitado e influente raban (título superior a rabino) é confirmado pela Míxena que diz a seu respeito: “Quando Raban Gamaliel, o velho, faleceu, cessou a glória da Tora, e pereceram a pureza e a santidade” (Sotah 9:15).
156 Portanto, se Paulo foi realmente instruído por Gamaliel teria condições de escrever sobre a vida de Jesus, mas ele se limitou a redigir apenas algumas cartas endereçadas a certas comunidades cristãs da época. Digno de nota é o fato de que Paulo nunca conheceu pessoalmente Jesus. Sua conversão ocorreu anos depois da morte de Jesus através (segundo ele) de uma visão (Atos 9:318). Assim, Paulo não era testemunha ocular dos acontecimentos que envolveram a vida de Jesus. Diversas cartas foram escritas entre as comunidades cristãs, sendo que várias delas se perderam com o tempo e não chegaram até nós como comprova o próprio relato bíblico: “E, quando esta carta tiver sido lida entre vós, providenciai para que seja também lida na congregação dos laodicenses, e para que leiais também a de Laodicéia” (Colossenses 4:16). As que sobreviveram e hoje fazem parte da bíblia concentram-se na construção da conduta e das normas de relacionamento entre os cristãos como também na elaboração dos dogmas e crenças cristãs supostamente baseados nos ensinos de Jesus. Entretanto, um relato biográfico sobre Jesus só começa a surgir uns 40 anos depois de sua morte. Provavelmente, alguma comunidade cristã sentiu a necessidade de colocar por escrito as histórias épicas e lendárias que circulavam oralmente entre eles. A um consenso geral entre os historiadores de que o evangelho de Marcos foi o primeiro a ser escrito, por volta de 70 a 75 EC, portanto uns 40 anos após a morte de Jesus. Como uma forma de homenagem eles colocaram o nome de Marcos como sendo o escritor, pois é pouco provável que o próprio Marcos (contemporâneo de Jesus) tenha escrito tal relato (Juan Ária, Jesus, esse grande desconhecido. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001). Aqui se faz necessário fazer uma ressalva, não podemos saber exatamente a data em que os evangelhos foram escritos, pois não temos nenhum original para fazermos uma datação precisa, o
157 melhor que temos são cópias de cópias que foram feitas durante séculos e hoje temos alguns fragmentos de manuscritos que datam de 180 a 200 EC (estes sim com comprovação através de testes de carbono 14 e radiométricos), estes são os mais antigos fragmentos que existem do novo testamento (com exceção de um fragmento pequeno datado por volta do ano 125 a 160 EC do evangelho de João chamado P 52). Portanto, da época de Cristo até o ano de 180 EC não podemos afirmar com certeza quando foram escritas certas cópias e muito menos os originais. A grande maioria dos historiadores modernos aponta como a data mais provável da escrita de Marcos entre 70 e 75 EC, de Mateus e Lucas entre 80 e 85 EC e de João após 90 EC (Merril Tenney, O Evangelho de Mateus e O Novo Testamento: sua origem e análise. São Paulo, Shedd, 2008). Porque a maioria dos historiadores apontam datas posteriores a 70 EC para a escrita dos evangelhos? Devido a alguns indícios. (1) Nas cartas de Paulo não existe nenhuma menção de qualquer evangelho, nem mesmo um indício de que havia algum evangelho circulando pelas comunidades cristãs da época. Se existisse tal evangelho na época seria muito estranho Paulo sequer fazer menção a tal. Baseado nisso é possível deduzir que os evangelhos foram escritos depois das cartas de Paulo. (2) Aparentemente, os escritores dos evangelhos estavam informados sobre certos acontecimentos históricos como a destruição de Jerusalém no ano 70 EC (Possivelmente Marcos, em 13:1 e quase certamente Lucas em 21:20-22). Isso implica que os evangelhos provavelmente foram escritos após o ano 70 EC. (3) Se analisarmos os evangelhos, parece que Mateus e Lucas usaram Marcos como fonte, pois, a esmagadora maioria do conteúdo do evangelho de Marcos se encontra em Mateus e Lucas (alguns relatos inclusive aumentados). Marcos é um evangelho menor e mais direto, enquanto Lucas e Mateus se alongam mais nos mesmos relatos e
158 incluem muitos outros. Até mesmo o ponto de vista teológico sobre Jesus é mais simples em Marcos e vai ganhando contornos épicos em Mateus e Lucas, indicando que foram escritos depois. Portanto se Marcos foi escrito após 70 EC, Lucas e Mateus foram escritos depois. (4) Os primeiros discípulos de Jesus provavelmente eram analfabetos e dificilmente conseguiriam escrever em sua língua, o aramaico, muito menos em grego, ainda mais em estilo sofisticado como encontramos nos manuscritos dos evangelhos em grego. O mais provável é que depois da destruição de Jerusalém pelos romanos, os cristãos viram a necessidade de colocar por escrito todas as histórias que circulavam pela tradição oral para que estas não se perdessem. Se lermos os quatro evangelhos com atenção e fizermos uma comparação notaremos uma gradual construção do mito Jesus, de um humilde pregador Galileu que se transforma através do tempo no próprio Deus encarnado. O Evangelho de Marcos é o menor e mais simples dos 4 evangelhos. Ele começa com o batismo de Jesus, deixando de relatar todos os acontecimentos sobre o nascimento milagroso e o infanticídio do qual ele foi salvo. Não há um esforço para adequá-lo as profecias do Velho Testamento, não existe uma ênfase na questão de que tudo que ele fazia era cumprimento de profecias (a única tentativa de adaptar uma profecia do Velho Testamento se encontra no início do evangelho numa combinação das palavras de Isaías 40:3 e Malaquias 3:1, entretanto, tais palavras se referem primariamente a João Batista), seus milagres não são tão complexos como os relatados no evangelho de João, por exemplo, onde Jesus chega a ressuscitar um homem que estava morto por quatro dias. Jesus não foi concebido pelo Espírito Santo, foi apenas um profeta escolhido e abençoado por Deus designado através do batismo quando Deus disse: “Este e o meu filho amado, a quem tenho aprovado (Marcos 1:10)”, e que
159 depois pregou o reino de Deus, realizou milagres e foi morto. Jesus não ensina muito sobre si mesmo, antes, fala principalmente sobre Deus, sobre o reino que se aproxima e sobre como as pessoas precisam se preparar para ele. Quando se refere a si mesmo como o filho do homem é sempre de forma oblíqua, ele nunca diz diretamente “Eu sou o Filho do Homem” e só afirma ser o Messias, o governante ungido do futuro reino quando é colocado sob juramento pelo sumo sacerdote (Marcos 14:61, 62). Embora Jesus seja reconhecido como filho de Deus (Marcos 1:11; 9:7; 15:39), esse não é seu título preferido e ele só o reconhece com relutância (Marcos 14:62). Ele nunca se refere a si mesmo como um ser divino que existia anteriormente, alguém que era em qualquer sentido igual a Deus, não, para o escritor de Marcos ele não é Deus e nem alega isso. Jesus é condenado, escarnecido, agredido e ridicularizado por todos, mas fica em silêncio até o fim, como que em choque, quando solta o grito infeliz (o lamento de um judeu sofredor escrito no Salmo) ecoando o Salmo 22: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste? (Marcos 15:34)”. Jesus está mergulhado em desespero e em angústia se sentindo absolutamente esquecido, morrendo em agonia sem saber por que tem que morrer. Os Evangelhos de Mateus e Lucas usaram cerca de 95% do material de Marcos, mas fizeram muitos acréscimos, Jesus é apresentado como uma pessoa serena, tranquila e totalmente no comando das situações. Em Lucas, Jesus não fica em silêncio enquanto segue para a morte, ele conversa com as mulheres que choram pelo que acontece profetizando a destruição que irão enfrentar. Enquanto é pregado na cruz faz uma prece pedindo que Deus os perdoasse, conversa com um dos homens crucificados com ele, em vez de no final dar um grito exprimindo uma sensação de absoluto abandono, Jesus diz a Deus: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” (Lucas 23:46). Diferente de Marcos,
160 em Mateus e Lucas Jesus foi concebido pela intervenção do Espírito Santo, assim era o filho de Deus desde a concepção e não apenas por ocasião do batismo. Mas os capítulos que tratam do nascimento, não mencionam que Jesus teve uma vida anterior no céu, mencionam apenas que ele foi concebido pelo Espírito Santo. Usando o evangelho de Marcos como fonte de informação, os evangelhos de Mateus e Lucas recontaram a história de Jesus, dando a ele mais status, ele deixou de ser um homem escolhido por Deus para se tornar o filho de Deus, criado diretamente pelo pai. Veja dois dos muitos exemplos de como a história original de Jesus contada em Marcos, foi recontada de forma exagerada. Marcos 5:1-3 relata que no país dos Gedarenos, Jesus cura 1 homem possuído. Porém, Mateus 8:28 repete o mesmo episódio, mas afirma que Jesus cura 2 homens possuídos. Marcos 10:46-47 relata que em Jericó Jesus cura 1 cego. Entretanto, Mateus 20:2931 repete o mesmo episódio, mas afirma que Jesus cura 2 cegos. Nos evangelhos de Mateus e Lucas há um grande esforço de fazer com que Jesus cumpra certas profecias do Velho Testamento, muitos detalhes de sua vida e morte supostamente eram cumprimento de profecias. O evangelho de João escrito uns 70 anos após a morte de Jesus não se preocupa com genealogias, também não diz que Jesus era o filho de Deus ou que foi concebido pelo Espírito Santo, não há referência ao nascimento de Jesus em Belém nem menção ao fato de sua mãe ser uma virgem, suas tentações no deserto não são citadas, ele não prega a vinda do reino e nunca conta uma parábola ou expulsa um demônio, não há registro da transfiguração e nem da instituição da ceia do Senhor (ele apenas lava os pés dos discípulos), Jesus não passa por nenhuma espécie de julgamento oficial perante o conselho judaico, não existe uma tentativa de encaixá-lo nas profecias do Velho Testamento como fizeram Mateus e Lucas, o último evangelho vai além. João
161 apresenta um Jesus místico, sobre-humano, a própria encarnação de Deus na terra, sua origem remonta a origem do universo (João 1:1-3). Os milagres tomam formas inimagináveis (Jesus ressuscita Lázaro, morto por 4 dias). Jesus não prega sobre o futuro reino de Deus, a ênfase é em sua própria identidade como se vê no constante “Eu Sou”. Ele é aquele que pode garantir a vida (Eu sou o pão da vida, João 6:35), é aquele que traz esclarecimento (Eu sou a luz do mundo, João 9:5), é o único caminho para Deus (Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida, ninguém vem ao pai a não ser por mim, João 14:6), é o meio de salvação (Quem crê no filho tem a vida eterna, João 3:16), é igual a Deus (Eu e o pai somos um, João 10:30, os judeus entenderam muito bem o que ele estava dizendo, pois imediatamente pegaram pedras para executá-lo por blasfêmia), toma para si o nome de Deus (antes que Abraão existisse, EU SOU, João 8:58, aqui ele não alega simplesmente que era mais antigo do que Abraão, considerado o pai dos judeus, ele alega mais do que isso, está fazendo uma referência a Êxodo 3:14 quando Moisés pergunta a Deus qual é seu nome, Deus responde: “EU SOU me mandou a vós”, novamente os judeus que escutaram não tiveram dificuldade de entender o significado, pois mais uma vez as pedras voaram). Comparado com a simplicidade dos outros 3, o evangelho de João tem uma teologia avançadíssima. O problema é que Atos 4:13, diz que João era um homem iletrado e comum, por isso estudiosos sustentam que João não escreveu o evangelho que leva o seu nome. Assim o evangelho de João só pode ser de autoria de um ou mais teólogos muito bem preparados. Neste evangelho Jesus tinha uma pré-existência no céu, João 1:14 diz: “De modo que a palavra se tornou carne e residiu entre nós”. No evangelho de João, Jesus deixa de ser o filho de Deus e passa a ser o próprio Deus e isto logo no início, João 1:1 relata: “No princípio era a
162 palavra, e a palavra estava com Deus e a palavra era Deus”. Neste evangelho Jesus também é o criador de tudo que existe, João 1:3 afirma: “Todas as coisas vieram a existência por intermédio dele”. Em João, Jesus é colocado no lugar mais alto que possa existir, ele é o próprio Deus encarnado (Bart D. Ehrman, Jesus, Interrupted: Revealing the Hidden Contradictions in the Bible (And Why We Don't Know About Them. HarperCollins, USA, 2009. ISBN 978-0-06-117394-3). Portanto, conforme os evangelhos demonstram, à medida que o tempo passou e o cristianismo foi prosperando, o status de Jesus acompanhou este progresso. Em Marcos ele era apenas um homem e profeta, algum tempo depois nos livros de Mateus e Lucas ele já é o filho de Deus concebido pelo espírito santo e finalmente em João ele é o próprio Deus, mas como também existia o Deus pai, ele passou a fazer parte da trindade. É possível que Jesus nunca tenha ensinado que foi concebido pelo espírito santo, ou que era Deus, porém, naquela época o imperador romano (como o Augusto César) era considerado como filho de Deus, como divino, devido a isso os cristãos viram a necessidade de elevar Jesus a uma posição semelhante. Assim, nesta simples leitura dos evangelhos notamos a progressiva construção do mito Jesus, que foi ganhando forma através do tempo. De um humilde pregador Galileu que atraiu alguns discípulos por meio do seu carisma e discurso envolvente, que realizou algumas aparentes curas e pseudomilagres divulgando uma mensagem apocalíptica de salvação, ele se transforma através do tempo no próprio Deus encarnado.
163
Imagine que você more numa pequena cidade do interior da palestina durante o primeiro século. Suponha que na sua cidade um homem comece a fazer grandes milagres. Ele passa a curar toda sorte de moléstias, pessoas são curadas de suas enfermidades apenas por tocar em suas vestes, surdos passam a ouvir, cegos passam a ver, coxos começam a andar, mãos atrofiadas são recuperadas e até mesmo os mortos são ressuscitados. Ele anda sobre as águas, transforma água em vinho, acalma tempestades, expulsa demônios, alimentas milhares de pessoas com apenas alguns pães e peixes. Ele faz palestras cativantes e tocantes que atraem multidões apenas para ouvi-lo e seus ensinamentos são considerados superiores a tudo o que foi ensinado. Depois de três anos fazendo obras magníficas ele vai para uma grande cidade e causa o maior frenesi num dos maiores templos religiosos do mundo durante uma festividade que atrai milhões de fiéis. Ele é preso e julgado pelos líderes religiosos e entregue as autoridades locais para ser executado. Ao ser morto um eclipse de três horas acontece e um grande terremoto faz com que a cortina do templo se rasgue ao meio e os túmulos se abrem fazendo com que homens santos ressuscitem saindo dos túmulos e aparecendo a todos. Depois de tudo isso um grande número de seus seguidores começam a divulgar uma história de que este homem foi ressuscitado por Deus no terceiro dia e que ascendeu ao céu. Diante de tudo isso, como você acha que as pessoas reagiriam? Será que tal assombroso evento passaria despercebido? O boca a boca com certeza seria muito forte. Será que durante todos estes anos em que este homem estava vivo nenhum historiador, estudioso de religião, cientista, poeta ou filósofo teve sequer a
164 curiosidade de viajar até ele para ver de perto todas estas obras fabulosas? E se estas obras fossem realmente verdadeiras não escreveriam sobre elas? Apesar de na época não existir os meios de comunicação em massa que existem hoje, como televisão, rádio, internet, telefone, certamente notícias como essas se fossem verdadeiras, teriam se espalhado por todo o mundo mediterrânico, não acha? Seria razoável encontrarmos alguma menção sobre este impressionante homem em algum escrito da época, alguma inscrição em local público, alguma carta particular, algum documento oficial, entre outros, não é mesmo? Portanto surge a pergunta, Jesus viveu no 1º século (com a morte por volta de 30 d.C.), será que as fontes Gregas e Romanas da época têm muita coisa a dizer sobre ele? Por incrível que pareça não existe nada! Absolutamente nada! Ele nunca é citado, examinado, debatido, questionado, atacado ou criticado em nenhuma das fontes Gregas ou Romanas do período. Não existe nenhuma menção sobre seu nascimento, sua vida, ensinamentos, julgamento e morte. Seu nome não é mencionado em nenhuma das principais fontes da época. Os escritos que sobreviveram de uns 40 observadores independentes durante os primeiros 80 anos após a morte e ressurreição de Jesus, praticamente não confirmam nada. Estes autores eram respeitados, viajados, sabiam se expressar, observavam e analisavam os fatos, nada lhes passava despercebido, ainda mais algo impressionante que ocorreu durante vários anos. Eram filósofos, poetas, moralistas e historiadores daquela época e registraram os grandes acontecimentos. Entretanto, existe um incômodo silêncio histórico sobre a pessoa de Jesus durante o primeiro século. Grandes escritores do primeiro século como Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.), um dos mais famosos autores romanos sobre ética, filosofia e moral e um cientista que registrou eclipses e terremotos, Plínio, o velho (23 d.C. – 79 d.C.), historiador natural
165 que escreveu 37 livros sobre eventos como terremotos, eclipses e tratamentos médicos, Quintiliano (39 d.C. – 96 d.C.), escritor de “Instituio Oratio”, 12 livros sobre moral e virtude, Epitectus (55 d.C. – 135 d.C.), ex-escravo que se tornou renomado moralista e filósofo e escreveu sobre a “irmandade dos homens” e a importância de se ajudarem os pobres e oprimidos, Marcial (38 d.C. – 103 d.C.), escritor de poemas épicos sobre as loucuras humanas e de várias personalidades do império romano, Juvenal (55 d.C. – 127 d.C.), um dos maiores poetas satíricos de Roma, escritor de injustiças e tragédias no governo romano, Plutarco (46 d.C. – 119 d.C.), escritor grego que viajou de Roma a Alexandria, escritor de “Moralia”, sobre moral e ética, entre outros, não fizeram uma menção sequer sobre Jesus. Somente 82 anos após a morte de Jesus no longínquo ano de 112 d.C., encontramos a primeira menção de Jesus em uma fonte Greco-romana. Plínio, o jovem (61 d.C. – 113 d.C.) que foi procônsul da Bitínia (atual Turquia), escrevendo uma carta ao imperador Trajano, em 112 d.C., pergunta o que fazer com um grupo de pessoas denominados cristãos que se reúnem regularmente antes da aurora, em dias determinados, para cantar louvores a Cristo como se ele fosse um Deus. Uns oitenta anos depois da morte de Jesus, alguém estava adorando a um Cristo (messias [ungido, escolhido], em hebraico)! Entretanto, nada se diz sobre se este Cristo era Jesus, o mestre milagreiro que foi crucificado e ressuscitou na Judéia ou se era um Cristo mitológico das religiões pagãs de mistério. O próprio Jesus teria dito que haveria muitos falsos Cristos, portanto a afirmação de Plínio não é muito conclusiva a respeito de Jesus de Nazaré. Tácito (56 d.C. – 120 d.C.), famoso historiador romano, 85 anos após a morte de Jesus em seu famoso “Anais” (Annuals), livro 15, capítulo 44, escrito por volta de 115 d.C., contém a primeira referência a Cristo como um homem executado na
166 Judéia por Pôncio Pilatos. Tácito mencionando o incêndio provocado por Nero em Roma em 64 d.C. cita que o imperador atribuiu o incêndio "aos cristãos". Ele explica que os cristãos eram chamados assim por causa de "Christus" que sofreu a pena de morte no reinado de Tibério, por ordem do procurador Pôncio Pilatos. Os estudiosos apontam várias razões para se suspeitar de que este trecho não seja de Tácito nem de registros romanos, e sim uma inserção posterior na obra de Tácito. Em primeiro lugar, a referência a Pilatos como procurador seria apropriada na época de Tácito, mas, na época de Pilatos, o título correto era prefeito. Segundo, se Tácito escreveu este trecho no início do segundo século, por que os Pais da Igreja, como Tertuliano, Clemente, Orígenes e até Eusébio, que tanto procuraram por provas da historicidade de Jesus, não o citam? Tácito só passa a ser citado por escritores cristãos a partir do século 15. Suetônio (69 d.C. – 122 d.C.) 90 anos após a morte de Jesus, no ano 120 d.C. em sua obra “A vida dos Imperadores”, conta a história de 11 imperadores. Quando fala sobre o imperador Cláudio (41 d.C. – 54 d.C.), ele diz que Cláudio expulsou de Roma os judeus porque viviam causando tumultos sob a influência de Cresto. Quem é Cresto? Não há menção a Jesus. Seria este Cresto um agitador judeu, um dos muitos falsos messias, ou um Cristo mítico? Este trecho também não prova nada sobre a historicidade de um Jesus de Nazaré. Diante do exposto acima, fica claro que, nas fontes Grecoromanas, num período de 80 após a morte de Jesus não existe nenhuma menção sequer sobre ele e depois disso encontramos apenas três curtas referências que não são conclusivas e deixam dúvidas, não podendo ser considerado um registro histórico confiável. Certamente, depois de fatos de tal magnitude, conforme narrados na bíblia que temos hoje, 80 anos sem nenhuma referência é um período longo o bastante para levantar
167 suspeitas. Além do mais, depois destes 80 anos de total obscuridade, é insuficiente citar três relatos duvidosos, tão curtos e tão pouco informativos para provar que existiu um messias judeu milagreiro chamado Jesus da cidade de Nazaré, que seria Deus em forma humana, foi crucificado e ressuscitou no terceiro dia. Até mesmo os próprios conterrâneos de Jesus, os judeus, nada falaram sobre ele. Filo de Alexandria (15 a.C. – 50 d.C.) era um teólogo-filósofo judeu que falava grego. Ele conhecia bem Jerusalém porque sua família morava lá. Escreveu muita coisa sobre história e religião judaica do ponto de vista grego e ensinou alguns conceitos que também aparecem no evangelho de João e nas epístolas de Paulo. Por exemplo, ele fala em seus escritos que Deus e sua Palavra (Logos) são um só, que a Palavra é o filho primogênito de Deus, que Deus criou o mundo através de sua palavra e unifica todas as coisas através de sua Palavra, que a Palavra é fonte de vida eterna e habita em nós e entre nós, que todo julgamento cabe à Palavra e que a Palavra é imutável. Filo também ensinou sobre Deus ser um espírito, sobre virgens que dão à luz, judeus que pecam e irão para o inferno, pagãos que aceitam a Deus e irão para o céu e um Deus que é amor e perdoa. Entretanto, Filo, um judeu que viveu na vizinha Alexandria e que teria sido contemporâneo a Jesus, nunca menciona alguém com este nome nem nenhum milagreiro que teria sido crucificado e depois ressuscitou em Jerusalém, sem falar em eclipses, terremotos e santos judeus saindo dos túmulos e andando pela cidade. Por que? O completo silêncio de Filo é ensurdecedor. Justus de Tiberíades foi um grande escritor judeu do primeiro século. Seus escritos foram perdidos, mas Photius, patriarca de Constantinopla (878-886 d.C.), escreveu “Bibleotheca”, onde ele comenta a obra de Justus. Photius diz que do advento de Cristo, das coisas que lhe aconteceram ou dos milagres que ele realizou,
168 não há absolutamente nenhuma menção nos escritos de Justus. Justus vivia em Tiberíades, na Galiléia (João 6:23) e seus escritos são anteriores às Antiguidades de Flávio Josefo, datados por volta de 90 d.C., portanto é provável que ele tenha vivido durante ou imediatamente após a suposta época de Jesus, mas é notável que não tenha mencionado nada sobre ele. Flávio Josefo (37 d.C. – 103 d.C.) era um fariseu que nasceu em Jerusalém, vivia em Roma e escreveu História dos judeus (79 d.C.) e Antiguidades dos judeus (93 d.C.). Apologistas cristãos consideram o testemunho de Josefo sobre Jesus a única evidência garantida da historicidade de Jesus. O testemunho citado se encontra em Antiguidades dos judeus. Ao contrário dos apologistas, entretanto, muitos estudiosos, inclusive os autores da Encyclopedia Britannica, consideram o trecho uma inserção posterior feita por copistas cristãos. Em Antiguidades, Josefo escreveu uma história do povo judeu desde os tempos de Adão e Eva até seus dias onde menciona Jesus. Neste livro ele não fala muito sobre Jesus, mas se refere a ele duas vezes. Em uma ele simplesmente identifica um homem chamado Tiago como "o irmão de Jesus, que é chamado de Messias" (Antiguidades, 20, 9, 1). Na outra que é um pouco mais extensa existem problemas e dúvidas quanto a sua exatidão. Nela Josefo parece confessar ser um cristão, mas sabemos que ele não era por meio de sua autobiografia, entre outros trabalhos. Josefo era um fariseu. Só um cristão diria que Jesus era o Cristo. Josefo teria tido que renunciar às suas crenças para dizer isto, e segundo suas obras ele morreu ainda um fariseu. Josefo costumava escrever capítulos e mais capítulos sobre gente insignificante e eventos obscuros. Como é possível que ele tenha despachado Jesus, uma pessoa tão importante, com apenas algumas frases? Os parágrafos antes e depois deste trecho descrevem como os romanos reprimiram violentamente as sucessivas rebeliões judaicas. O parágrafo
169 anterior começa com “por aquela época, mais uma triste calamidade desorientou os judeus”. Será que “triste calamidade” se refere à vinda do “realizador de mil coisas milagrosas” ou aos romanos matando judeus? Esta suposta referência a Jesus não tem nada a ver com o parágrafo anterior. Parece mais uma inclusão posterior, fora de contexto. Finalmente, e o que é ainda mais convincente, se Josefo realmente tivesse feito esta referência a Jesus, os Pais da Igreja pelos 200 anos seguintes certamente o teriam usado para se defender das acusações de que Jesus seria apenas mais um mito. Contudo, Justino, Irineu, Tertuliano, Clemente de Alexandria e Orígenes nunca citam este trecho. Sabemos que Orígenes leu Josefo porque ele deixou textos criticando-o por atribuir a destruição de Jerusalém à morte de Tiago. Aliás, Orígenes declara expressamente que Josefo nunca reconheceu Jesus como o Messias (Contra Celso I, 47). Não somente a referência de Josefo a Jesus parece fraudulenta como outras menções a fatos históricos em seus livros contradizem e omitem histórias do Novo Testamento. Por exemplo, a Bíblia diz que João Batista foi morto por volta de 30 d.C., no início da vida pública de Jesus. Josefo, contudo, diz que Herodes matou João durante sua guerra contra o rei Aertus da Arábia, em 34 – 37 d.C. Josefo não menciona a celebração de Pentecostes em Jerusalém, quando, supostamente judeus devotos de todas as nações se reuniram e receberam o Espírito Santo, sendo capazes de entender os apóstolos cada qual em sua própria língua, onde Pedro, um pescador judeu, se tornou o líder da nova igreja, onde um colega fariseu de Josefo, Saulo de Tarso, se tornou o apóstolo Paulo e onde a nova igreja passou por um crescimento explosivo na Palestina, Alexandria, Grécia e Roma, onde morava Josefo. O suposto martírio de Pedro e Paulo em Roma, por volta de 60 d.C., também não é mencionado por Josefo. Os apologistas cristãos, que depositam tanta confiança na veracidade do testemunho de
170 Josefo sobre Jesus, parecem não se importar com suas omissões posteriores. Segundo os historiadores, os textos de Josefo não foram copiados pelos judeus durante a Idade Média, pois ele era considerado um traidor da causa judaica na guerra contra Roma em 70 d.C., onde Jerusalém foi destruída. Portando, foram os cristãos que copiaram seus textos. A Encyclopedia Britannica afirma que os cristãos distorceram os fatos ao enxertar o trecho sobre Jesus. Quando Josefo fala sobre Jesus, parece que um escriba cristão (tentando dar embasamento histórico para Jesus) fez alguns acréscimos para esclarecer quem Jesus realmente era. Mesmo com esta inserção Josefo não conta o que Jesus disse ou fez e quais foram as circunstancias que o levaram a morte (Antiguidades, 18, 3, 3). Eusébio (265-339 d.C.), reconhecido como o Pai da história da Igreja e nomeado supervisor da doutrina pelo imperador Constantino, escreve em seu Preparação do evangelho (ainda hoje publicado por editoras cristãs como a Baker House) que às vezes é necessário mentir para beneficiar àqueles que requerem tal tratamento. Assim, Eusébio, um dos cristãos que mais influenciou a história da Igreja, aprovou a fraude como meio de promover o cristianismo. A probabilidade de o cristianismo de Constantino ser uma fraude está diretamente relacionada à desesperada necessidade de encontrar evidências a favor da historicidade de Jesus. Sem o suposto testemunho de Josefo, não a nada, absolutamente nada sobre Jesus nos primeiros 100 anos após sua morte. A literatura rabínica seria logicamente o outro lugar para se pesquisar a historicidade de Jesus de Nazaré. O Novo Testamento alega que Jesus é o cumprimento da profecia judaica sobre o messias, crucificado no dia da Páscoa. Naquele dia, supostamente houve um terremoto em Jerusalém, a cortina de seu templo se rasgou de alto a baixo, houve um eclipse do sol, santos judeus ressuscitaram e andaram pela cidade. Três dias depois, Jesus
171 ressuscitou e depois subiu aos céus diante de todos. Algum tempo depois, no dia de Pentecostes, os judeus de várias nações se reuniram e viram o Espírito Santo descer na forma de línguas de fogo, a igreja cristã se expandiu de forma explosiva entre judeus e pagãos, com sinais e milagres acontecendo por toda a parte. Em 70 d.C., Jerusalém foi cercada pelos romanos, que destruíram Israel como nação e dispersaram os judeus. Ainda que os rabinos não aceitassem Jesus como o Messias, o impacto dos acontecimentos à volta de Jesus logicamente teria sido registrado nos comentários ao Talmud (os midrash). A história e a tradição oral dos judeus registradas nos midrash foram atualizadas e receberam sua forma final pelo rabino Jehudah ha-Qadosh por volta de 220 d.C. Em seu livro “O Jesus que os judeus nunca conheceram”, Frank Zindler diz que não há uma única fonte rabínica da época que fale da vida de um falso messias do primeiro século, dos acontecimentos envolvendo a crucificação e ressurreição de Jesus ou de qualquer pessoa que lembre o Jesus do cristianismo. Não há locais históricos na Terra Santa que confirmem a historicidade de Jesus de Nazaré. Monges, padres e guias turísticos que levam peregrinos cristãos aos locais dos acontecimentos descritos na Bíblia dificilmente podem ser considerados pessoas isentas. Ainda citando Zindler, “não há confirmação não tendenciosa desses locais”. Nazaré não é mencionada nem uma vez no Antigo Testamento. O Talmud cita 63 cidades da Galiléia, mas não Nazaré. Josefo menciona 45 cidades ou vilarejos da Galiléia, mas nem uma vez cita Nazaré. Lucas 4:28-30 diz que Nazaré tinha uma sinagoga e que a borda da colina sobre a qual ela tinha sido construída era alta o suficiente para que Jesus morresse se o tivessem realmente jogado lá de cima. Contudo, a Nazaré de nossos dias ocupa o fundo de um vale e a parte de baixo de uma colina. Portanto, não há “topo de colina”. Orígenes (182-254 d.C.), que viveu em Cesaréia, a
172 umas 30 milhas da atual Nazaré, também não fala em Nazaré. A primeira referência à cidade surge em Eusébio, no século 4. O melhor que podemos imaginar é que Nazaré só surgiu depois do segundo século. Esta falta de evidência histórica parece ser a explicação para o fato de não haver nenhuma menção a Nazaré em nenhum registro de origem não cristã. Ou seja, Nazaré não existia no primeiro século. Igualmente, as provas da existência de outras cidades significativas citadas no Novo Testamento como Cafarnaum (mencionada 16 vezes no N.T.) e Betânia, ou o Calvário se analisadas diante das evidências históricas e arqueológicas se mostram, assim como no caso de Nazaré, igualmente fracas e até mesmo desmentem as Escrituras. Mentes críticas e objetivas se destacam por procurar confirmação imparcial dos supostos fatos. Quando a única evidência disponível de um acontecimento ou de seus resultados é não apenas questionável e suspeita, mas também aquilo que os divulgadores do acontecimento querem que você acredite, convém desconfiar. O fato é que os escritores judeus não-cristãos, gregos e romanos das décadas que se seguiram à suposta crucificação e ressurreição de Jesus nada dizem sobre alguém chamado Jesus de Nazaré. Portanto, se realmente existiu um pregador judeu chamado Jesus (yeshua) da cidade de Nazaré, ele não era uma pessoa significativa em sua época. Muito pelo contrário, ele foi praticamente um completo desconhecido. (Robert McNair Price, Deconstructing Jesus. Prometheus Books, 2000. ISBN 1-57392-758-9).
173
s profetas de Israel não eram adivinhos com bolas de cristal olhando para o futuro distante (Jesus iria aparecer apenas quinhentos anos depois). Eles estavam levando a palavra de Deus a pessoas que viviam em sua própria época. O escritor do evangelho de Mateus sempre tentava harmonizar acontecimentos da vida de Jesus com profecias do Velho Testamento. Muitas destas tentativas de encaixá-lo nas profecias são forçadas, fora do contexto e até mesmo distorcidas. Note alguns exemplos: “Tudo isso aconteceu realmente para que se cumprisse o que fora falado por Jeová por intermédio do seu profeta, dizendo: Eis que a virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e dar-lhe-ão o nome de Emanuel, que quer dizer, traduzido: Conosco Está Deus” (Mateus 1:22, 23). Nestes versículos o escritor cita a declaração encontrada em Isaías 7:14, a qual fala do nascimento dum filho cujo nome seria Emanuel: “Portanto, o próprio Jeová vos dará um sinal: Eis que a própria donzela ficará realmente grávida e dará à luz um filho, e ela há de chamá-lo pelo nome de Emanuel” (Isaías 7:14). Segundo o escritor de Mateus, esta profecia cumpriu-se em Jesus. Você não precisa ser teólogo para perceber que o escritor aplicou a profecia duma forma enganosa. O contexto deixa claro que a profecia não se referia a algo que demoraria mais de 700 anos para ocorrer. Aquela profecia foi proferida numa altura em que Jerusalém estava em apuros. Duas nações (Síria e Israel) estavam ameaçando atacar a cidade de Jerusalém. Quem reinava sobre Jerusalém era Acaz e Deus garantiu-lhe através do profeta Isaías que nada aconteceria a Jerusalém e ao seu povo (Isaías 7:1-17). Como prova de que a declaração de Deus era fidedigna, aconteceria o sinal encontrado
174 em Isaías 7:14: “nasceria o rapaz, Emanuel”. O profeta Isaías ainda garante: “Pois antes que o rapaz saiba rejeitar o mau e escolher o bom, o solo dos dois reis de que tens um pavor mórbido ficará completamente abandonado” (Isaías 7:16). Além disso, Isaías especifica até mesmo dentro de quanto tempo esta profecia se cumpriria: “Porque a cabeça da Síria é Damasco, e o cabeça de Damasco é Rezim; e em apenas sessenta e cinco anos Efraim será desbaratado para não ser povo” (Isaías 7:8). Portanto, fica bem claro que a profecia se cumpriu na época do profeta Isaías durante a guerra entre estas nações. Agora fica a pergunta que não quer se calar: Que relação tem Jesus com o Emanuel? Estima-se que Jesus teria surgido mais de 700 anos após a declaração de que o menino nasceria. Será que a profecia demoraria tanto tempo para se cumprir? É obvio que não, pois a profecia foi dirigida a pessoas que estavam em apuros face ao ataque eminente e diz claramente que dentro de 65 anos o tal Emanuel já teria nascido e a situação estaria resolvida. Deus garantiu que nada aconteceria a Jerusalém naquela época e a prova seria o nascimento de Emanuel. Naturalmente, se esse menino fosse nascer 700 anos mais tarde haveria motivos para o rei Acaz e o povo se preocuparem. O relato de Mateus diz que após Jesus ter nascido houve a necessidade de seus pais se deslocarem ao Egito, pois o rei Herodes pretendia acabar com ele. Após o falecimento do rei, Jesus teria voltado com os seus pais para a sua terra natal. Para o escritor de Mateus, ter Jesus saído do Egito para a sua terra natal era o cumprimento a uma profecia. Essa profecia encontra-se no livro de Oséias 11:1 onde diz: “Do Egito chamei meu filho”. Para o escritor de Mateus, esta foi uma profecia que se cumpriu em Jesus quando voltou do Egito para casa. Essa alegação é uma clara tentativa de forçar um cumprimento de profecia totalmente fora do contexto. Basta ver o contexto da declaração na profecia
175 em Oséias 11:1 que diz: “Quando Israel era rapaz, então o amei, e do Egito chamei o meu filho”. Neste versículo está claramente explícito que o filho que foi chamado do Egito não é uma pessoa individual, mas sim uma nação, a nação de Israel. A maioria dos estudantes da bíblia sabe que segundo o relato bíblico o povo de Israel já esteve em escravidão na terra do Egito e Deus os tirou de lá com o seu poder. Não é preciso ser teólogo para notar facilmente que Oséias 11:1 refere-se a essa retirada do povo de Israel da terra do Egito. Novamente, notamos aqui uma escolha aleatória de declarações por parte do escritor de Mateus. Ele simplesmente limita-se a escolher um trecho da declaração e ignora o resto dela. É obvio que no contexto em que está, o que o escritor diz ser profecia sobre Jesus refere-se claramente à nação de Israel, por isso ele nem se atreve a tentar interpretar o resto das declarações limitando-se apenas a citar um trecho do texto: “Do Egito chamei o meu filho”. No relato de Mateus sobre a matança de crianças protagonizada por Herodes na tentativa de eliminar o menino Jesus o escritor afirma que essa matança já havia sido profetizada. Em Mateus 2:17, 18, ele cita a dita “profecia cumprida”. A profecia refere-se ao choro de uma mulher, a Raquel (Raquel foi uma das esposas de Jacó, o “pai de Israel”. Então podemos dizer que ela foi uma das mães de Israel) que chorava por seus filhos. Essa profecia encontra-se registrada no livro de Jeremias 31:15: “Assim disse Jeová: ‘Ouve-se uma voz em Ramá, lamentação e choro amargo; Raquel chorando por seus filhos. Negou-se a ser consolada por causa dos seus filhos, porque eles já não existem.’” Novamente, não é preciso ser teólogo para descobrir que o escritor de Mateus foi enganoso. Analisando o contexto no qual a citação está inserida, nota-se facilmente que a mulher (a Raquel) simbolizava a nação de Israel. Ela choraria exatamente por causa do exílio do povo nas nações inimigas. A terra de Israel
176 ficaria desalojada, isto é, sem filhos, e daí o motivo do choro. Em Jeremias 31:16, 17, Deus consola a nação de Israel garantindo que “os filhos de Israel” retornariam da terra do inimigo: “Assim disse Jeová: ‘Retém a tua voz do choro e teus olhos das lágrimas, pois há uma recompensa pela tua atividade’, é a pronunciação de Jeová, ‘e certamente retornarão da terra do inimigo’. ‘E existe esperança para o teu futuro’, é a pronunciação de Jeová, ‘e os filhos certamente retornarão ao seu próprio território’”. Esta naturalmente era uma profecia e não é preciso inspiração para compreender que ela não se referia à morte de criancinhas. Supondo que Jeremias 31:15 se referisse mesmo ao choro das mães pela morte dos seus filhos protagonizada por Herodes, teríamos na profecia declarações irreconciliáveis com o cumprimento. Em Jeremias 31:17 Deus garantiu que os “filhos da Raquel” voltariam para a sua terra. Como é que isso se cumpriu nos meninos mortos por Herodes? Naturalmente essa parte não teve cumprimento no caso dos meninos mortos! Então, estamos perante uma prática habitual do escritor de Mateus, a manipulação das escrituras. O escritor limita-se apenas a selecionar trechos e deduzir o seu cumprimento. Digno de nota é o fato de que este suposto infanticídio não foi relatado por nenhum historiador da época, sendo o relato de Mateus o único a citá-lo. Você não acha estranho nenhum historiador se dar ao trabalho de sequer citar uma tragédia desta proporção? Para o escritor de Mateus “tudo havia sido profetizado”. Em Mateus 2:19-23, o escritor conta que Jesus e seus pais quando voltaram do Egito foram morar na terra de Nazaré para que se cumprisse uma profecia. Segundo ele, essa profecia dizia que Jesus seria chamado de Nazareno. É interessante notar que Nazareno é uma simples designação de indivíduos oriundos ou residentes de Nazaré e não tem nenhuma interpretação significativa. Visto que Jesus cresceu lá, seria normal que as
177 pessoas se referissem a ele como o Nazareno. Porém, para o escritor de Mateus isso já havia sido profetizado. Mas onde é que ele achou essa profecia? Essa profecia não está presente no Velho Testamento. Não se sabe que profeta ele citou. Será que ele citou dum trecho que se perdeu ao longo do tempo? Mas afinal, Deus não preservou a sua escritura durante a história da humanidade? Se o escritor não fez a sua citação da bíblia, então ele usou fontes pessoais, fontes que carecem de provas de autenticidade. Por favor, procure e me mostre onde está registrada esta profecia nas Escrituras Hebraicas? O escritor de Mateus diz que a traição de Cristo por trinta moedas (Mateus 26:15; 27:3) estava relacionada com uma profecia escrita por Jeremias. Mas na verdade foi Zacarias quem fez esta suposta "profecia" (Zacarias 11:12-13), além disso, os fatos ali narrados se referem ao próprio profeta Zacarias, portanto, não é uma revelação sobre algo que viesse a ocorrer no futuro. Veja que absurdo, além de trocar o profeta ainda aplica um acontecimento que nada tem a ver com Jesus. Mesmo quando o evangelho não cita explicitamente determinada profecia, os próprios cristãos se encarregam de adaptá-la ao messias. Um caso clássico desta tentativa se encontra no livro bíblico de Isaías. Este livro foi objeto de estudo e análise durante muito tempo pelos principais especialistas das escrituras hebraicas e estes se deram conta de que os capítulos 40 a 55 do livro não poderiam ter sido escritos pelo mesmo autor responsável pelos primeiros 39 capítulos. Os primeiros capítulos descrevem uma situação na qual a Assíria estava prestes a atacar Judá, ou seja, foram escritos no século VIII a.C. Os capítulos 40 a 55 descrevem uma situação em que o reino do sul tinha sido destruído e seu povo levado para o exílio, ou seja, meados do século VI a.C. Talvez porque os dois livros têm temas proféticos semelhantes, alguém posteriormente os somou em um único rolo,
178 acrescentando ainda os capítulos 56 a 66 de um profeta ainda mais recente, um terceiro Isaías que escreveu em um terceiro contexto. Depois do capítulo 40, o livro de Isaías fala de Babilônia como a potência dominante e dos israelitas como cativos ali. Portanto, a última parte do livro só pode ter sido escrita por alguém que viveu no sexto século a.C. durante ou depois do exílio babilônico. No século 12 d.C. a autoria do livro de Isaías foi questionada pelo comentarista judeu Abraham Ibn Ezra. “Em seu comentário sobre Isaías”, diz a Encyclopedia Judaica, “[Abraham Ibn Ezra] declara que a segunda metade a partir do capítulo 40 foi obra de um profeta que viveu durante o Exílio Babilônico e o início do período de Retorno a Sião”. Durante os séculos 18 e 19, os conceitos de Abraham Ibn Ezra foram adotados por vários eruditos, entre eles Johann Christoph Doederlein, teólogo alemão que publicou sua obra exegética sobre Isaías em 1775, e uma segunda edição em 1789. O New Century Bible Commentary observa: “Todos, menos os eruditos mais conservadores, aceitam agora a hipótese de Doederlein... de que as profecias nos capítulos 40 a 66 do livro de Isaías não são as palavras do profeta Isaías do oitavo século, mas se originaram de uma época posterior.” O segundo Isaías como a maioria dos profetas judeus, vê o sofrimento do povo como uma punição pelos seus pecados contra Deus. Como diz Isaías 40:1, 2: “Consolai, consolai meu povo”, diz o vosso Deus. Falai ao coração de Jerusalém e clamai para ela que foi cumprido seu serviço militar, que o erro dela foi saldado. Pois ela recebeu da mão de Jeová o pleno montante por todos os seus pecados”. Um ensino fundamental do segundo Isaías é que Judá tinha pagado por seus pecados e Deus iria aplacar sua ira e perdoar seu povo, reconduzindo-o a terra prometida e começando um novo relacionamento com eles. Em várias passagens notáveis do livro de Isaías Deus fala de Israel
179 como “seu servo” escolhido que tinha sido mandado para o exílio mas agora seria devolvido como mostra Isaías 41: 8-10: “Mas tu, ó Israel, és meu servo, tu, ó Jacó, a quem escolhi, a descendência de Abraão, meu amigo; tu, a quem agarrei desde as extremidades da terra, e tu, a quem convoquei mesmo das suas partes remotas. E, assim, eu te disse: ‘Tu és meu servo; eu te escolhi e não te rejeitei”. Para compreender o segundo Isaías é importante reconhecer que aquele que foi chamado de “meu servo” é explicitamente o povo de Israel, evidentemente aqueles levados para o exílio. Digo isso por que algumas passagens do segundo Isaías foram vistas pelos primeiros cristãos como se referindo ao messias, que se acreditava ter sofrido pelos outros, dando a redenção. Realmente é difícil para cristãos familiarizados com o Novo Testamento ler passagens como Isaías 52:13 a 53:8 sem pensar em Jesus: “Eis que meu servo agirá com perspicácia. Ele estará num alto posto, e certamente será elevado e muitíssimo exaltado... Ele foi desprezado e evitado pelos homens, homem para ter dores e para conhecer doença. E era como se ocultasse de nós a face. Foi desprezado e não o tivemos em conta. Verdadeiramente, foram as nossas doenças que ele mesmo carregou; e quanto às nossas dores, ele as levou. Mas nós mesmos o considerávamos afligido, golpeado por Deus e atribulado. Mas ele estava sendo traspassado pela nossa transgressão; estava sendo esmigalhado pelos nossos erros. O castigo intencionado para a nossa paz estava sobre ele, e por causa das suas feridas tem havido cura para nós. Todos nós temos andado errantes quais ovelhas... e o próprio Jeová fez que o erro de todos nós atingisse aquele. Viu-se apertado e deixou-se atribular; contudo, não abria a sua boca. Foi trazido qual ovídeo ao abate; e como a ovelha fica muda diante dos seus tosquiadores, tampouco ele abria a sua boca”. O contexto deixa claro que o segundo Isaías se referia à nação Judaica quando ele
180 usou o termo “meu servo”. Em seu contexto original, Isaías 53 estava insistindo na ideia de que o sofrimento dos exilados na babilônia tinha “pagado” os pecados da nação e que agora o povo seria perdoado e retornaria a sua terra onde teria um relacionamento restaurado com Deus. Porém, os cristãos passaram a ver o “servo sofredor” não como o povo judeu exilado, mas como um indivíduo, o futuro messias. Embora nenhum dos autores do Novo Testamento cite explicitamente Isaías 53 para mostrar que o próprio Jesus era o “servo sofredor” que “foi transpassado por causa de nossas transgressões”, a ideia foi passada pelos primitivos cristãos. Entretanto, não há nada na passagem que sugira que o autor está falando sobre o futuro messias. A palavra messias nunca aparece nesta passagem, na realidade não aparece em lugar nenhum do livro de Isaías. É dito que os sofrimentos deste “servo” estão no passado e não no futuro. A luz destes pontos é fácil ver por que, antes do cristianismo, nenhum interprete judeu considerou que esta passagem se referia ao futuro messias. O antigo judaísmo (bem antes do cristianismo) nunca teve uma ideia de que o messias iria sofrer pelos outros, por isso que a enorme maioria dos judeus rejeitou a ideia de que Jesus pudesse ser o messias. Antes, o messias devia ser uma figura de grandeza e poder, alguém como o poderoso Davi, que governaria o povo de Deus libertando-os da dominação estrangeira. O ponto central da questão sobre as profecias do Velho Testamento que a maioria dos cristãos não consegue ver está no fato de que, os antigos profetas hebreus estavam falando para um tempo e local específicos se referindo a situações que afligiam o povo naquela época. Tentar aplicar determinados trechos a acontecimentos tão longínquos como 500 anos no futuro e muito complicado. Analisando desta forma, qualquer pessoa que sofreu muito como mártir pode ter sua vida relacionada com tais profecias.
181
uando analisamos os quatro evangelhos que se encontram na bíblia podemos observar um grande esforço dos escritores em mostrar um Jesus bondoso, calmo e compassivo. Entretanto em alguns trechos observamos que os escritores deixam escapar alguns momentos em que Jesus se mostra nervoso, rude e até mesmo irado. Veja um exemplo em João 2: 1-4: “Ora, no terceiro dia realizou-se uma festa de casamento em Caná da Galiléia, e a mãe de Jesus estava lá. Jesus e seus discípulos foram também convidados para a festa de casamento. Quando o vinho estava escasseando, a mãe de Jesus disse-lhe: Eles não têm vinho. Mas Jesus disse-lhe: Que tenho eu que ver contigo, mulher? Minha hora não chegou ainda”. O que você achou deste relato? Notou a resposta que Jesus deu a sua mãe? Considera esta expressão como vindo de uma pessoa branda, calma e compassiva? Como você pode ver no relato bíblico, Jesus e seus apóstolos foram convidados para uma festa de casamento na cidade de Caná. Sua mãe Maria também estava presente. A certa altura da festa acabou o vinho e Maria relatou isto a Jesus. Obviamente ela não estava apenas lhe informando do fato, mas estava sugerindo que fizesse algo. Jesus vira-se para ela e numa reação grosseira e desrespeitosa diz: “que tenho eu que ver contigo, mulher?” Você teria coragem de responder sua mãe desse jeito? Acha que este tipo de reação condiz com uma pessoa calma e compassiva? Será que Maria era uma mulher que merecia uma resposta como esta? Em Mateus 15:22-28 encontramos outra passagem interessante: “E eis que uma mulher fenícia, daquelas regiões, saiu e gritou alto, dizendo: Tem misericórdia de mim, Senhor,
182 Filho de Davi. Minha filha está muito endemoninhada. Mas ele não lhe respondeu nenhuma palavra. De modo que seus discípulos se aproximaram e começaram a solicitar-lhe: Mandaa embora; porque persiste em clamar atrás de nós. Em resposta, ele disse: Não fui enviado a ninguém senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. Chegando a mulher, começou a prestar-lhe homenagem, dizendo: Senhor, ajuda-me! Em resposta, ele disse: Não é direito tirar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos. Ela disse: Sim, Senhor; mas, realmente, os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa dos seus amos. Jesus disse-lhe então, em resposta: Ó mulher, grande é a tua fé; aconteça-te conforme desejas. E a filha dela ficou curada daquela hora em diante”. Desta vez, Jesus numa de suas viagens passa por duas cidades, Tiro e Sídon, fora da região dos judeus. Esta mulher fenícia implora para que Jesus cure sua filha endemoninhada. Imagine o desespero desta mulher, diante da situação de sua filha. Em profunda aflição ela implora a Jesus: “tem misericórdia de mim”. Observou a resposta de Jesus? Primeiro ele a ignorou, “mas ele não lhe respondeu nenhuma palavra”, depois que os discípulos solicitaram que ele fizesse algo, Jesus respondeu friamente “não fui enviado a ninguém senão as ovelhas perdidas da casa de Israel”, demonstrando um preconceito comum entre os judeus na época, que se achavam especiais, escolhidos por Deus, desprezando completamente as demais nações. Mas a mulher não desistiu, “Chegando a mulher, começou a prestar-lhe homenagem, dizendo: Senhor, ajuda-me!”, veja só, mesmo diante de tanta frieza e preconceito a mulher humildemente presta uma homenagem a Jesus e suplica-lhe mais uma vez que a ajudasse. Será que agora Jesus finalmente vai se sensibilizar e curar a filha da mulher? Veja a resposta de Jesus: “Não e direito tirar o pão dos filhos e lançá-los aos cachorrinhos”. Jesus mais
183 uma vez se recusa a ajudá-la, e pior, compara a mulher a um cachorro. Os judeus em geral, consideravam os não judeus como sendo um animal cerimonialmente impuro, um cão. Pelo visto, Jesus partilhava deste mesmo ponto de vista. Porém, o mais interessante vem agora, apesar de ter sido ignorada, depois desprezada por não ter nascido judia, e finalmente comparada a um cachorro, a mulher ainda consegue disser: “Sim senhor, mas, realmente, os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa de seus amos”. Que humildade desta mulher! Depois de tanto se esquivar, Jesus finalmente reconhece a fé da mulher e cura sua filha. Como você reagiria nesta situação? O que você achou da reação de Jesus? A reação dele demonstrou compaixão e sensibilidade? Ou foi uma reação fria e preconceituosa? Numa outra ocasião, registrada em Marcos 9:14-24, aconteceu o seguinte: “Ao chegarem então perto dos outros discípulos, notaram uma grande multidão em volta deles e escribas discutindo com eles. Mas, assim que toda a multidão o avistou, ficaram atônitos, e, correndo para ele, começaram a cumprimentá-lo. E ele lhes perguntou: O que estais discutindo com eles? E um da multidão respondeu-lhe: Instrutor, eu te trouxe meu filho, porque tem um espírito sem fala e onde quer que o apanhe, lança-o ao chão, e ele espuma e range os dentes, e perde a sua força. E eu disse aos teus discípulos que o expulsassem, mas eles não foram capazes. Em resposta, ele lhes disse: Ó geração sem fé, até quando terei de continuar convosco? Até quando terei de suportar-vos? Trazei-lo. De modo que lho trouxeram. Mas à vista dele, o espírito lançou [o menino] imediatamente em convulsões, e depois de ele cair ao chão, rolava por ali espumando. E perguntou ao pai dele: Há quanto tempo lhe acontece isso? Ele disse: Desde a infância; e repetidas vezes o lança tanto no fogo como na água para o destruir. Mas, se puderes fazer algo, tem pena de nós e ajuda-nos. Jesus disse-
184 lhe: Se puderes! Ora, todas as coisas podem suceder aos que tem fé. Clamando imediatamente, o pai do menino dizia: Tenho fé! Ajuda-me onde necessito de fé!” Segundo o relato, ao descer do monte onde ocorreu à transfiguração, Jesus depara com uma multidão em torno de seus discípulos e com um homem desesperado no meio deles. O filho do homem está possuído por um demônio. Ele explica que seus discípulos tentaram expulsar o demônio de seu filho, mas não conseguiram. Notou qual foi à reação de Jesus depois de constatar o fracasso de seus discípulos? Ele visivelmente nervoso diz: “Ó geração sem fé, até quando terei de continuar convosco? Até quando terei de suportar-vos?” Depois disso, ele pede que lhe tragam o menino que imediatamente entra em convulsão diante de Jesus. O homem explica a situação a Jesus e depois implora: “Se puderes, tem pena de nós e ajuda-nos”. Jesus responde de forma irada: “Se puderes? Ora, todas as coisas podem suceder aos que tem fé”. O homem fica ainda mais desesperado e suplica: “Tenho fé! Ajuda-me onde necessito de fé”. Jesus então expulsa o demônio. Consegue ver neste relato um Jesus brando, calmo e compassivo? No tempo de Jesus, o imposto anual do templo era de duas dracmas (Mateus 17:24). Uma vez que judeus de terras muito espalhadas vinham a Jerusalém para celebrar a Páscoa, e pagavam este imposto nessa ocasião, talvez fossem necessários os serviços dos cambistas, para trocar moedas estrangeiras em dinheiro aceitável como pagamento do imposto do templo, se não também para a compra dos animais sacrificiais e de outros itens. De acordo com a Míxena (Shekalim 1:3), no dia 15 de adar, ou cerca de um mês antes da Páscoa, os cambistas montavam seus negócios nas províncias. Mas no dia 25 de adar, quando os judeus e prosélitos de muitas outras terras começavam a chegar a Jerusalém, os cambistas se estabeleciam na área do templo.
185 Em certa ocasião, Jesus ao chegar no templo fica tomado pela ira e toma uma atitude estranha: “Aproximara-se então a páscoa dos judeus, e Jesus subiu para Jerusalém. E ele achou no templo os que vendiam gado, e ovelhas, e pombas, e os corretores de dinheiro nos seus assentos. Assim, depois de fazer um chicote de cordas, expulsou do templo a todos com as ovelhas e o gado, e derramou as moedas dos cambistas e derrubou as suas mesas. E ele disse aos que vendiam as pombas: Tirai estas coisas daqui! Parai de fazer da casa de meu Pai uma casa de comércio!” (João 2:13-16). As pessoas ali presentes ficaram sem entender a ação descontrolada de Jesus. Alguns anos depois, Jesus entrou no templo e novamente derrubou as mesas dos cambistas, condenando-os: “Chegaram então a Jerusalém. Ali entrou no templo e principiou a lançar fora os que vendiam e compravam no templo, e derrubou as mesas dos cambistas e as bancas dos que vendiam pombas; e não deixou ninguém carregar qualquer utensílio através do templo, mas ensinava e dizia: Não está escrito: Minha casa será chamada casa de oração para todas as nações? Mas vós fizestes dela um covil de salteadores” (Marcos 11:15-17). Jesus justifica sua agressão aos cambistas dizendo que na verdade, eles eram salteadores, ou seja, ladrões que extorquiam os judeus cobrando preços exorbitantes em suas taxas. Neste sentido, é digno de nota que a Míxena fala de uma época em que o preço de dois pombos chegou a ser de um denar de ouro (25 Denares de prata). Isto induziu Simeão, filho de Gamaliel, a declarar: “Santo Templo! Não suportarei ver passar a noite sem custarem apenas um denar [de prata]”. Nesse mesmo dia, o preço foi drasticamente reduzido (Keritot 1:7 da tradução para o inglês por H. Danby). Notou que o valor na época em que Simeão protestou contra o preço cobrado no templo (25 Denares de prata) era bem maior do que quando Jesus agrediu os cambistas (2
186 Dracmas de prata)? Observou também que a maneira de protestar foi diferente (Simeão fez uma reclamação verbal; Jesus fez um chicote de cordas para ameaçar e agredir os cambistas derrubou suas mesas e os expulsou do templo)? Viu também que o resultado do protesto pacífico de Simeão foi diferente do protesto agressivo de Jesus (No caso de Simeão, no mesmo dia o preço foi drasticamente reduzido; já no caso de Jesus eles continuaram a cobrar os mesmos preços)? Qual dos dois você acha que agiu da maneira correta (mostrando autodomínio, calma e razoabilidade), produzindo assim os melhores resultados? Existem outros relatos que apresentam um Jesus nervoso, irritado, com raiva, mas algumas versões da bíblia, numa tentativa de maquiar estes sentimentos de Jesus, traduziram a palavra grega para irritação, ira, raiva, por indignação, uma palavra que soa mais “leve”. Na realidade, são palavras que significam a mesma coisa, porém, indignação causa um impacto menor. Por exemplo, em Marcos 3:5 Jesus olha com raiva para as pessoas na sinagoga que esperam para ver se ele ia curar um homem com a mão seca: “E, depois de olhar para eles, ao redor, com indignação (irritação, ira, raiva), estando profundamente contristado com a insensibilidade dos seus corações, disse ao homem: Estende a tua mão. E ele a estendeu, e sua mão foi restabelecida”. Em Marcos 10:13-14 Jesus se irrita porque seus discípulos não estavam permitindo que as pessoas trouxessem seus filhos para que ele as abençoasse: “As pessoas começaram então a trazerlhe criancinhas, para que as tocasse; mas os discípulos as censuraram. Vendo isso, Jesus ficou indignado (irritado, irado, com raiva) e disse-lhes: Deixai vir a mim as criancinhas; não tenteis impedi-las, pois o reino de Deus pertence a tais”. Diante de todos estes relatos, muitas pessoas podem dizer: “Qual o problema de Jesus uma vez ou outra ter ficado irritado, irado, nervoso, descontrolado, ter sido grosseiro, rude e
187 agressivo? A grande maioria de seus relatos não mostram um Jesus compassivo, bondoso, calmo, controlado, sempre dizendo palavras de amor e misericórdia, contando ilustrações e parábolas que sempre tinham uma grande lição a nos ensinar? Sim, com certeza a grande maioria dos relatos de Jesus transmitem uma mensagem positiva e não negativa e não a problema algum em Jesus vez por outra se descontrolar. A grande questão não é esta, o que quero destacar é a maneira equivocada que alguns religiosos tentam mostrar Jesus, uma pessoa perfeita, que jamais se descontrola, se irrita ou fica nervoso, que nunca se mostra irado, rude ou agressivo. Como vocês puderam ver, não é bem isso que os evangelhos mostram, Jesus demonstrava sentimentos como qualquer humano. Em muitos momentos eram sentimentos nobres e altruístas, porém, as vezes, eram sentimentos negativos. Um bom exemplo disso está registrado no relato de Marcos 14:32-42, onde descreve os momentos que antecederam a prisão de Jesus: “Chegaram assim ao lugar de nome Getsêmani, e ele disse aos seus discípulos: Sentai-vos aqui enquanto eu oro. E tomou a Pedro, e a Tiago, e a João, e principiou a ficar atônito e muito aflito. E ele lhes disse: Minha alma está profundamente contristada, até à morte. Ficai aqui e mantende-vos vigilantes. E, avançando um pouco, passou a prostrar-se no chão e começou a orar que, se fosse possível, a hora se afastasse dele. E prosseguiu a dizer: Aba, Pai, todas as coisas te são possíveis; remove de mim este copo. Contudo, não o que eu quero, mas o que tu queres. E veio e os achou dormindo, e disse a Pedro: Simão, estás dormindo? Não tiveste força para te manteres vigilante por uma hora? Homens, mantende-vos vigilantes e orai, a fim de que não entreis em tentação. O espírito, naturalmente, está ansioso, mas a carne é fraca. E ele se afastou novamente e orou, dizendo a mesma palavra. E veio novamente e os achou dormindo, pois estavam com os olhos pesados, e por isso não sabiam o que lhe
188 responder. E veio pela terceira vez e disse-lhes: Numa ocasião destas, vós estais dormindo e descansando! Basta! Chegou a hora! Eis que o Filho do homem está sendo traído às mãos de pecadores. Levantai-vos, vamos embora. Eis que se tem aproximado aquele que me trai”. Consegue imaginar a angústia e o desespero de Jesus? Notou que ele está com muito medo, e pede a Deus que afaste dele aquele destino, que afaste dele aquele copo ou cálice, quer dizer, aquela morte que o aguarda? O relato paralelo deste evento registrado em Lucas nos dá um detalhe interessante que demonstra bem a agonia em que Jesus se encontrava: “Mas, ficando em agonia, continuava a orar mais seriamente; e seu suor tornou-se como gotas de sangue caindo ao chão (Lucas 22:44)”. Os relatos não deixam dúvidas, Jesus estava desesperado, com muito medo, querendo fugir de sua sina. Muitas religiões ensinam que Jesus era o próprio Deus todo poderoso encarnado, mas se isto é verdade porque ele ficou tão desesperado assim? Para quem afinal ele orava com tanto fervor? Quem o ressuscitou dos mortos, como diz a bíblia? Ou será que todos estes acontecimentos foram uma encenação teatral feita por Deus? Então, se assim for, Deus realmente é um excelente ator e todos nós fomos enganados! É assim que você pensa? Ou você acha que a doutrina da santíssima trindade esclarece satisfatoriamente esta questão? Independente de qual seja seu conceito, uma coisa é certa, debates teológicos como este (sobre a essência ou natureza de Jesus), tem se arrastado por milênios, milhões de pessoas mataram e morreram e continuam se matando ou se hostilizando por causa de questões semelhantes a esta. Mas também pudera! Se os próprios Deuses bíblicos se mostram irados, descontrolados, rudes e agressivos, quanto mais seus seguidores. Os próprios apóstolos e os primeiros discípulos de Jesus deram um grande exemplo nesta área conforme você verá a seguir.
189
egundo os evangelhos, Jesus passou uma noite inteira orando a Deus pedindo sabedoria para escolher aqueles que seriam seus seguidores mais íntimos, os chamados apóstolos (Lucas 6:12-16). Naturalmente, esta era uma decisão muito importante, por que estes homens iriam ser ensinados a continuar o trabalho que Jesus realizava. Teriam a missão de propagar seus ensinos fazendo discípulos até a parte mais distante da terra (Mateus 28:19-20; Atos 1:8). Obviamente Jesus procurou escolher pessoas que tivessem certas qualidades essenciais para liderar esta obra tão importante, como humildade, mansidão, brandura, autodomínio e modéstia, qualidades que os ajudariam no relacionamento entre eles e na obra de fazer novos discípulos. Dentre centenas de discípulos, Jesus escolheu doze, que segundo sua avaliação evidenciavam mais as qualidades necessárias. Entretanto, parece que Jesus não foi muito feliz em sua escolha. Os evangelhos mostram os apóstolos de Jesus por um ângulo não muito favorável. Desde o começo eles começaram a discutir quem seria o maior entre eles, mostrando ambição, orgulho e egoísmo. As discussões eram tantas que chamaram a atenção de Jesus: “E entraram em Cafarnaum. Então, quando ele estava dentro da casa, fez-lhes a pergunta: Sobre que estáveis disputando na estrada? Eles ficaram calados, pois, na estrada tinham disputado entre si quem era maior” (Marcos 9:33-34). O interesse deles por destaque era tão grande, que eles chegaram a perguntar a Jesus sobre isto: “Naquela hora, aproximaram-se de Jesus os discípulos e disseram: Quem é realmente o maior no reino dos céus?” (Mateus 18:1). Esta
190 obsessão por destaque e posição pelo visto não saia de suas cabeças: “Chegaram então a raciocinar quem dentre eles seria o maior deles” (Lucas 9:46). Estas frequentes discussões não raro descambavam para desentendimentos acalorados: “No entanto, levantou-se também uma disputa acalorada entre eles sobre qual deles parecia ser o maior” (Lucas 22:24). Alguns entre eles chegavam a usar certos artifícios para tentar conseguir uma posição maior que a dos demais, dois deles chegaram a usar sua própria mãe: “Aproximou-se dele então a mãe dos filhos de Zebedeu com os seus filhos, prestando homenagem e pedindo-lhe algo. Ele lhe disse: O que queres? Disse-lhe ela: Manda que estes dois filhos meus se assentem, no teu reino, um à tua direita e outro à tua esquerda” (Mateus 20:20-21). Imagine a confusão quando os outros apóstolos souberam disso: “Quando os outros dez ficaram sabendo disso, indignaram-se com os dois irmãos” (Mateus 20:24). Estas constantes discussões movidas por orgulho, ambição e egoísmo devem ter entristecido muito a Jesus. O famoso apóstolo Pedro é outro exemplo clássico de como os apóstolos decepcionavam constantemente a Jesus. Embora fosse um dos primeiros discípulos de Jesus e estar sempre em evidência entre os apóstolos, Pedro foi um dos seguidores que mais decepcionou Jesus. Frequentemente ele era repreendido, corrigido ou censurado. Numa certa ocasião, Jesus explicou aos discípulos que ele teria de ir a Jerusalém, sofrer nas mãos dos líderes religiosos judeus, ser morto e ressuscitado no terceiro dia. Pedro ao ouvir isto resolve censurar Jesus: “Daquele tempo em diante, Jesus Cristo principiou a mostrar aos seus discípulos que ele tinha de ir a Jerusalém e sofrer muitas coisas da parte dos anciãos, e dos principais sacerdotes, e dos escribas, e [que tinha] de ser morto e de ser levantado no terceiro dia. Em vista disso, Pedro, tomando-o à parte, principiou a censurá-lo, dizendo: Sê
191 benigno contigo mesmo, Senhor; não terás absolutamente tal [destino]. Mas ele, voltando-lhe as costas, disse a Pedro: Para trás de mim, Satanás! Tu és para mim pedra de tropeço, porque não tens os pensamentos de Deus, mas os de homens” (Mateus 16:21-23). Pedro tenta censurar Jesus, mas e repreendido imediatamente, sendo chamado de demônio e de pedra de tropeço. Pedro revelou uma prepotência e sentimento de superioridade sobre os outros 11 apóstolos ao declarar que, embora estes pudessem tropeçar com relação a Jesus, ele nunca o faria, estando disposto a ir para a prisão ou mesmo a morrer com Jesus. É verdade que todos os outros fizeram a mesma afirmação, mas Pedro a fez primeiro e de maneira mais intensa. Jesus predisse então que Pedro negaria três vezes seu Senhor: “Jesus disse-lhes então: Esta noite, todos vós tropeçareis em conexão comigo, pois está escrito: ‘Golpearei o pastor, e as ovelhas do rebanho ficarão espalhadas.’ Mas, depois de eu ter sido levantado, irei adiante de vós para a Galiléia. Mas Pedro, em resposta, disse-lhe: Ainda que todos os outros tropecem em conexão contigo, eu nunca tropeçarei! Jesus disse-lhe: Deveras, eu te digo: Esta noite, antes de cantar o galo, repudiar-me-ás três vezes. Pedro disse-lhe: Mesmo que eu tenha de morrer contigo, de modo algum te repudiarei. Todos os outros discípulos disseram também a mesma coisa” (Mateus 26:31-35). No jardim de Getsêmani, na última noite de vida de Jesus, Pedro, junto com Tiago e João, teve o privilégio de acompanhar Jesus ao lugar onde este se entregou a uma fervorosa oração. Pedro, assim como os outros apóstolos, passou a dormir. Foi sem dúvida porque Pedro expressou tão intensamente sua determinação de apegar-se a Jesus que foi a ele que Jesus se dirigiu especificamente ao dizer: “Não pudestes vigiar comigo
192 nem mesmo por uma hora?” (Mateus 26:36-45; Lucas 22:39-46). Mas a pior decepção ainda estava por vir. Depois que Jesus foi preso, todos os apóstolos o abandonaram, inclusive o antes todo confiante Pedro. Porém, depois de algum tempo Pedro resolve seguir a turba que prendeu Jesus “de uma boa distância” (Mateus 26:57-58). Ajudado por outro discípulo, que o acompanhou até a residência do sumo sacerdote, Pedro entrou diretamente no pátio (João 18:15, 16). Não ficou discretamente quieto num canto escuro, mas foi aquecer-se junto ao fogo. A luz do fogo possibilitou que outros o reconhecessem como um companheiro de Jesus, e seu sotaque Galileu aumentou as suspeitas deles. Quando foi acusado, Pedro negou três vezes que sequer conhecesse Jesus, passando finalmente a praguejar na veemência da sua negação “Mas ele principiou a praguejar e a jurar: ‘Não conheço este homem de quem falais’”. Em alguma parte da cidade, um galo cantou pela segunda vez, e Jesus “voltou-se e olhou para Pedro” (Mateus 26:69-75; Marcos 14:66-72; Lucas 22:54-62; João 18:17, 18). Que decepção! O antes todo confiante e soberbo Pedro nega descaradamente Jesus, olhando nos seus olhos! Depois da morte e ressurreição de Jesus, Pedro encontrou-se com ele no Mar da Galiléia. Ali segundo a bíblia Jesus o perdoa e lhe dá a responsabilidade de cuidar de seus discípulos. Mesmo assim, Pedro não perde a oportunidade de irritar a Jesus. Depois de Jesus predizer como seria a morte dele, Pedro curioso e intrometido nos assunto dos outros, pergunta como seria a morte do apóstolo João, neste momento Jesus perde a paciência e lhe responde de maneira ríspida: “Jesus disse-lhe: Se for a minha vontade que ele permaneça até eu vir, de que preocupação é isso para ti? Continua tu a seguir-me” (João 21:22). Pedro não irritou e decepcionou apenas a Jesus. O apóstolo Paulo certa vez repreendeu fortemente Pedro (Cefas) “face a face
193 na frente de todos”, chamando-o de “fingido” porque Pedro se envergonhara de comer e associar com cristãos gentios, por causa da presença de certos cristãos judeus que vieram da parte de Tiago. O relato bíblico diz: “No entanto, quando Cefas (Pedro) veio a Antioquia, resisti-lhe face a face, porque se tornara condenado. Pois, antes da chegada de certos homens da parte de Tiago, ele costumava comer com pessoas das nações; mas, ao chegarem, passou a retirar-se e a separar-se, temendo os da classe circuncisa. Também os demais judeus juntaram-se a ele neste fingimento, de modo que até mesmo Barnabé se deixou levar por eles no seu fingimento. Quando vi, porém, que não estavam andando direito segundo a verdade das boas novas, eu disse a Cefas na frente de todos eles: Se tu, embora sejas judeu, vives como as nações e não como os judeus, como é que compeles as pessoas das nações a viver segundo as práticas judaicas?” (Gálatas 2:11-14). Brigas e desentendimentos eram comuns entre os primitivos cristãos. Evódia e Síntique, ambas experientes cristãs da cidade de Filipos tiveram uma forte discussão e não falavam mais uma com a outra. O problema entre elas ficou tão feio que o escritor da carta aos Filipenses viu a necessidade de citar diretamente as duas, aconselhando que resolvessem suas diferenças: “Exorto Evódia e exorto Síntique a serem da mesma mentalidade no Senhor. Sim, solicito-te também, genuíno companheiro de jugo, que persistas em auxiliar estas [mulheres]...” (Filipenses 4: 2-3). Em outra ocasião, surgiu um problema também entre o apóstolo Paulo e seu companheiro de viagem, Barnabé. Quando estavam para partir em sua segunda viagem missionária, Barnabé queria levar com eles seu primo Marcos. Contudo Paulo não queria que Marcos fosse junto, visto que Marcos os deixara e voltara para casa durante a primeira viagem missionária deles (Atos 13:13). A Bíblia diz: “Em vista disso, houve um forte
194 acesso de ira, de modo que se separaram um do outro” (Atos 15:37-40). Pelo visto não foi apenas uma pequena altercação, mas como diz a bíblia “um forte acesso de ira” aconteceu entre eles. Como vimos, brandura, autodomínio, mansidão e modéstia não eram as qualidades mais destacadas dos primeiros seguidores de Jesus.
195
s relatos envolvendo a morte e a ressurreição de Jesus são fundamentais para a teologia cristã, pois segundo o escritor de 1ª Coríntios 15:14 “...se Cristo não foi levantado, a nossa pregação certamente é vã e a nossa fé é vã”. O escritor alegando ser o apóstolo Paulo defende a ressurreição alegando que “...Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; e que ele foi enterrado, sim, que foi ressuscitado no terceiro dia, segundo as Escrituras; e que ele apareceu a Cefas, depois aos doze. Depois disso apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, a maioria dos quais permanece até o presente, mas alguns já adormeceram [na morte]. Depois disso apareceu a Tiago, [e] então a todos os apóstolos; mas, por último de todos, apareceu também a mim” (1ª Coríntios 15:3-8). Paulo afirma a veracidade da ressurreição de Jesus por citar várias pessoas que viram o Jesus ressuscitado como Cefas (Pedro), os doze (apóstolos), mais de quinhentos irmãos (que ele não cita os nomes), Tiago (talvez o irmão de Jesus) e finalmente a ele mesmo (talvez se referindo a suposta “visão” que ele teve descrita em Atos 9:3-9 e comentada por ele em Gálatas 1:12). Muitos cristãos alegam que dificilmente a ressurreição poderia ser uma mentira, pois várias pessoas foram testemunhas oculares disso e estavam dispostos a morrer por sua crença. Porém, hoje existem diversos casos em que várias pessoas (inclusive coletivamente) alegam terem visto Óvnis e seres extraterrestres. Tais pessoas afirmam com toda a convicção e penso que mesmo sendo perseguidos e chamados de loucos por isso não deixam de reafirmar suas crenças. Em alguns casos são pessoas simples e humildes que não teriam condições intelectuais de inventarem
196 tais histórias, e são casos atuais em que a maioria das pessoas ainda estão vivas e podem ser contatadas pessoalmente. Entretanto, a grande maioria das pessoas não acredita em Óvnis. Já os relatos bíblicos são registros de milênios atrás onde não temos como saber ao certo como tais registros foram feitos, por quem foram feitos ou o que pode ter acontecido no processo de cópias e recopias e também de tradução para outras línguas. Apesar de não ter provas ou evidências claras de que existem seres extraterrestres (eu particularmente nunca vi um) acho mais fácil de acreditar (para quem precisa acreditar em algo) do que o relato da ressurreição de Jesus que se encontra muito distante na corrente do tempo. Não podemos negar que hoje não existe nenhuma testemunha ocular de tal evento, na realidade, todos já morreram a quase dois mil anos, e o que temos são textos que são cópias de cópias de supostos registros feitos por tais “testemunhas oculares”. Conforme já mostrado neste livro, a fortes evidências de que os primeiros apóstolos e discípulos de Jesus não teriam condições de escrever tais relatos, pois eram analfabetos. Os primeiros registros da vida de Jesus sugiram mais de 40 anos depois de sua morte e se baseavam na tradição oral que circulava a décadas entre as primeiras comunidades cristãs. Se nos próprios relatos da vida de Jesus observamos a construção do seu mito, de um simples pregador apocalíptico judeu para o próprio Deus encarnado, imagine numa transmissão oral de décadas. Além disso, nos próprios relatos encontrados na bíblia (existem inúmeros relatos da vida de Jesus que não foram incluídos na bíblia por Constantino durante o Concílio de Nicéia que trazem relatos alternativos com visões diferentes sobre Jesus) encontramos várias contradições e discrepâncias sobre os acontecimentos que envolveram a morte e a ressurreição de Jesus.
197 Vamos começar nossa análise pelos relatos da ressurreição de Jesus. O relato de Marcos diz o seguinte: “Ora, passado o sábado, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé, compraram aromas para irem ungi-lo. E, no primeiro dia da semana, foram ao sepulcro muito cedo, ao levantar do sol. E diziam umas às outras: Quem nos revolverá a pedra da porta do sepulcro? Mas, levantando os olhos, notaram que a pedra, que era muito grande, já estava revolvida; e entrando no sepulcro, viram um moço sentado à direita, vestido de alvo manto; e ficaram atemorizadas. Ele, porém, lhes disse: Não vos atemorizeis; buscais a Jesus, o nazareno, que foi crucificado; ele ressurgiu; não está aqui; eis o lugar onde o puseram” (Marcos, 16: 1-5). Está bem claro, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé foram ao sepulcro ao levantar do sol, e ao entrarem no sepulcro encontraram um moço sentado que lhes disse que Jesus não estava mais ali, certo? Errado. Segundo o evangelho de João a história foi outra, note: “No primeiro dia da semana Maria Madalena foi ao sepulcro de madrugada, sendo ainda escuro, e viu que a pedra fora removida do sepulcro. Correu, pois, e foi ter com Simão Pedro, e o outro discípulo, a quem Jesus amava, e disse-lhes: Tiraram do sepulcro o Senhor, e não sabemos onde o puseram. Saíram então Pedro e o outro discípulo e foram ao sepulcro. Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo correu mais ligeiro do que Pedro, e chegou primeiro ao sepulcro; e, abaixando-se viu os panos de linho ali deixados, todavia não entrou. Chegou, pois, Simão Pedro, que o seguia, e entrou no sepulcro e viu os panos de linho ali deixados, e que o lenço, que estivera sobre a cabeça de Jesus, não estava com os panos, mas enrolado num lugar à parte. Então entrou também o outro discípulo, que chegara primeiro ao sepulcro, e viu e creu. Porque ainda não entendiam a escritura, que era necessário que ele ressurgisse dentre os mortos.
198 Tornaram, pois, os discípulos para casa. Maria, porém, estava em pé, diante do sepulcro, a chorar. Enquanto chorava, abaixouse a olhar para dentro do sepulcro, e viu dois anjos vestidos de branco sentados onde jazera o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés. E perguntaram-lhe eles: Mulher, por que choras? Respondeu-lhes: Porque tiraram o meu Senhor, e não sei onde o puseram. Ao dizer isso, voltou-se para trás, e viu a Jesus ali em pé, mas não sabia que era Jesus. Perguntou-lhe Jesus: Mulher, por que choras? A quem procuras? Ela, julgando que fosse o jardineiro, respondeu-lhe: Senhor, se tu o levaste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei. Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, virandose, disse-lhe em hebraico: Raboni! - que quer dizer, Mestre” (João, 20: 1-16). Pois bem, segundo o evangelho de João, Maria Madalena vai sozinha ao sepulcro ainda escuro, não vê Jesus e entra em desespero, sai correndo para avisar Pedro e outro discípulo que não é identificado por nome, sabe-se apenas que ele é mais veloz que Pedro, por isso chega primeiro ao túmulo, mas fica com medo de entrar. Pedro chega pouco depois e logo vai entrando no túmulo vendo que está vazio. O outro discípulo entra depois e crê na ressurreição. Eles voltam para casa, mas Maria Madalena fica diante do túmulo chorando quando ela vê dois anjos vestidos de branco e logo depois vê Jesus, mas não o reconhece de imediato. Bem, agora sim, versão final não é mesmo? Não. Segundo o evangelho de Lucas a história não é bem assim. Veja: “Mas já no primeiro dia da semana, bem de madrugada, foram elas ao sepulcro, levando as especiarias que tinham preparado. E acharam a pedra revolvida do sepulcro. Entrando, porém, não acharam o corpo do Senhor Jesus. E, estando elas perplexas a esse respeito, eis que lhes apareceram dois varões em vestes resplandecentes; e ficando elas atemorizadas e abaixando o rosto para o chão, eles lhes disseram: Por que
199 buscais entre os mortos aquele que vive? Ele não está aqui, mas ressurgiu. Lembrai-vos de como vos falou, estando ainda na Galiléia, dizendo: Importa que o Filho do homem seja entregue nas mãos de homens pecadores, e seja crucificado, e ao terceiro dia ressurja. Lembraram-se, então, das suas palavras; e, voltando do sepulcro, anunciaram todas estas coisas aos onze e a todos os demais. E eram Maria Madalena, e Joana, e Maria, mãe de Tiago; também as outras que estavam com elas relataram estas coisas aos apóstolos. E pareceram-lhes como um delírio as palavras das mulheres e não lhes deram crédito. (Lucas, 24: 110). Bom, então foram no sepulcro Maria Madalena, Joana e Maria mãe de Tiago como também outras que o relato não identifica. Ao chegarem lá encontram dois varões que lhes dizem que Jesus foi ressuscitado conforme Ele mesmo tinha predito e não se encontra mais ali. Este grande grupo de mulheres dirigese até os apóstolos para contar-lhes a novidade. Porém, eles não acreditam nelas, pensam que estão delirando. Em qual relato você prefere acreditar? Por exemplo, quem foi ao sepulcro? Maria Madalena sozinha e não entra no sepulcro (João, 20: 1), ou ela, Maria mãe de Tiago e Salomé e todas entram (Marcos, 16: 1), ou no lugar de Salomé estava Joana e havia também outras que não são citadas por nome? (Lucas, 24: 10). Seja quem for que tenha chegado ao sepulcro, isto aconteceu ao levantar o sol? (Marcos, 16: 1) ou de madrugada, sendo ainda escuro? (João, 20: 1). Quantos anjos ela (ou elas) encontra? Um (Marcos, 16: 5), ou dois? (Lucas, 24: 4). Elas foram informadas da ressurreição ao chegar ao sepulcro (Marcos, 16: 6), ou só depois que vieram Pedro e outro discípulo? (João, 20: 1-14). Jesus não estava mais no local (Lucas, 24: 6), ou estava lá? (João, 20: 14). Os discípulos creram na ressurreição ao ver os lençóis sem o corpo no sepulcro (João, 20: 6-8a) ou receberam as informações
200 das mulheres e ainda não creram? (Lucas, 24: 10, 11). Fique à vontade para escolher a versão que mais lhe agrada. Outro exemplo de contradição se encontra nos relatos que descrevem as pessoas zombando de Jesus enquanto ele agoniza na estaca de tortura. O evangelho de Mateus narra desta forma: “Dois salteadores foram então com ele pregados em estacas, um à sua direita e outro à sua esquerda. Os que passavam começaram assim a falar dele de modo ultrajante, sacudindo a cabeça e dizendo: Ó tu, pretenso derrubador do templo e construtor dele em três dias, salva-te a ti mesmo! Se tu és filho de Deus, desce da estaca de tortura! Do mesmo modo também os principais sacerdotes, junto com os escribas e os anciãos, começaram a divertir-se às custas dele e a dizer: A outros ele salvou; a si mesmo não pode salvar! Ele é Rei de Israel; desça agora da estaca de tortura, e nós acreditaremos nele. Depositou a sua confiança em Deus; que Ele o socorra agora, se Ele o quiser, pois este disse: ‘Sou Filho de Deus.’ Do mesmo modo, até os salteadores, que com ele estavam pregados em estacas, começaram a vituperá-lo” (Mateus 27:38-44). Está muito claro não é mesmo? Dois ladrões foram também condenados à morte e estavam lá agonizando ao lado de Jesus. Todos que assistiam aquela cena começaram a zombar de Jesus, inclusive os dois ladrões que estavam sendo executados. Segundo o relato os dois começaram a vituperá-lo. O evangelho de Marcos traz um relato semelhante (Marcos 15:27-32). Mas o relato no evangelho de Lucas contradiz totalmente os outros relatos: “Mas, dois outros homens, malfeitores, também estavam sendo levados para serem executados com ele. E quando chegaram ao lugar chamado Caveira, pregaram-no numa estaca, e assim também os malfeitores, um à sua direita e outro à sua esquerda... Mas os governantes escarneciam, dizendo: A outros ele salvou; salve-se a si mesmo, se este é o Cristo de Deus, o
201 Escolhido. Até mesmo os soldados se divertiam às custas dele, chegando-se perto e oferecendo-lhe vinho acre, e dizendo: Se tu és o rei dos judeus, salva-te. Mas, um dos malfeitores pendurados começou a dizer-lhe de modo ultrajante: Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós. Em resposta, o outro o censurou e disse: Não temes absolutamente a Deus, agora que estás no mesmo juízo? E nós, deveras, com justiça, pois estamos recebendo plenamente o que merecemos pelas coisas que fizemos; mas este [homem] não fez nada fora de ordem. E ele prosseguiu a dizer: Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu reino. E ele lhe disse: Deveras, eu te digo hoje: Estarás comigo no Paraíso” (Lucas 23:32-43). O escritor do evangelho de Lucas resolveu desmentir os outros dois relatos deixando claro que apenas um dos ladrões zombou de Jesus. E disse mais, segundo ele o outro ladrão censurou aquele que zombava defendendo Jesus de maneira enfática e depois ainda pediu que Jesus se lembrasse dele. Se este ladrão teve este ato tão nobre, demonstrando arrependimento pela maneira em que viveu sua vida e uma fé tão grande em Jesus, porque os outros dois relatos nada dizem a esse respeito, e pior, denigrem a imagem deste ladrão arrependido, dizendo que ele simplesmente se juntou ao outro ladrão zombando e vituperando Jesus. Em qual das duas versões devo acreditar? Já o evangelho de João resolve não entrar nesta polêmica, ele faz menção dos ladrões, mas segundo o relato eles nem zombam e nem defendem Jesus, entram mudos e morrem calados: “...e ali o pregaram numa estaca, e, junto com ele, mais dois [homens], um deste lado e um daquele, mas Jesus no meio... Os soldados vieram, portanto, e quebraram as pernas do primeiro [homem] e as do outro [homem] que com ele tinham sido pregados em estacas. Mas, ao chegarem a Jesus, vendo que já estava morto, não lhe quebraram as pernas” (João 19:18-33).
202 Veja outra questão de difícil solução. A que hora Jesus foi morto? O evangelho considerado o mais antigo dos quatro que estão na bíblia afirma: "Era a terceira hora, e pregaram-no numa estaca" (Marcos 15:25). Já aquele que se acredita ter sido o último evangelho escrito dos quatro, dá a seguinte informação: “E era a preparação da páscoa, cerca da sexta hora; e disse aos judeus: Eis aqui vosso rei. Eles porém clamaram...para a estaca com ele!” (João 19:14-15). Enquanto um evangelho diz que ele foi morto à terceira hora, equivalente às nove da manhã no nosso sistema, o outro diz que à sexta hora, três horas depois, isto é, ao meio-dia Pilatos ainda estava apresentando Jesus ao seu povo, que pedia a sua morte. Quem terá dito a verdade? Vamos analisar agora a questão do galo, isto mesmo, a questão de quantas vezes o galo cantou. Mateus informou que, após Pedro negar a Jesus por três vezes, “... imediatamente cantou o galo. Então Pedro se lembrou da palavra que Jesus lhe dissera: Antes que o galo cante, tu me negarás três vezes” (Mateus, 26: 74, 75). Marcos disse que, após Pedro negar a Jesus pela segunda vez, o galo cantou. E ao afirmar Pedro pela terceira vez que não conhecia Jesus, “... cantou o galo pela segunda vez. Então Pedro se lembrou da palavra que Jesus lhe dissera: Antes que duas vezes cante o galo, tu me negarás três vezes” (Marcos, 14: 68, 72). Afinal, o galo cantou uma vez depois de Pedro negar a Cristo três vezes ou duas vezes, uma após a segunda negação e outra após a terceira negação? Para complicar ainda mais a situação, o relato de João descreve uma terceira versão: “Ora, Simão Pedro estava parado e se aquecia. Disseram-lhe então: Não és tu também um dos seus discípulos? Ele o negou e disse: Não sou. Um dos escravos do sumo sacerdote, sendo parente do homem cuja orelha Pedro cortara, disse: Não te vi no jardim com ele? No entanto, Pedro negou-o novamente; e, imediatamente, cantou um galo” (João 18:25-27). Agora, Pedro nega a Jesus
203 apenas duas vezes, para depois o galo cantar uma vez. Quem está dizendo a verdade? Vejamos mais um exemplo. Quais foram às últimas palavras de Jesus? Os evangelistas discordam também nesse pormenor. Mateus diz: “Cerca da hora nona, bradou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lamá sabactani; isto é, Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? Alguns dos que ali estavam, ouvindo isso, diziam: Ele chama por Elias. E logo correu um deles, tomou uma esponja, ensopou-a em vinagre e, pondo-a numa cana, davalhe de beber. Os outros, porém, disseram: Deixa, vejamos se Elias vem salvá-lo. De novo bradou Jesus com grande voz, e entregou o espírito” (Mateus, 27:46-50). Já Lucas afirma: “Jesus, clamando com grande voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, havendo dito isso, expirou” (Lucas, 23: 46). Porém João relata: “Então Jesus, depois de ter tomado o vinagre, disse: está consumado. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito” (João, 19: 30). O relato de Mateus não informa com muita ênfase. “Eli, Eli, lama sabactani” não teriam sido necessariamente suas últimas palavras. “De novo bradou Jesus com grande voz” parece dizer que ele repetiu as palavras anteriores; mas até poderíamos admitir que bradar de novo poderia ser proferindo outras palavras. Todavia, Lucas e João apresentam especificamente suas palavras, mas não são as mesmas: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” são suas palavras finais segundo Lucas. Para João foram: “está consumado”. Agora você pode escolher a versão que mais lhe agrada, mas a questão continua, qual versão é a verdadeira? Talvez nenhuma corresponda à verdade.
204
27 - FALSIFICADORES uma grande diferença entre conhecer algo e conhecer profundamente. Por exemplo, uma coisa é saber olhar as horas em um relógio e outra muito diferente seria conseguir desmontar o relógio peça por peça e conseguir montá-lo novamente, este sim poderia afirmar que conhece o relógio profundamente. Infelizmente, a grande maioria dos cristãos se enquadra na pessoa que apenas sabe olhar as horas no relógio, estando muito longe daquele que consegue desmontá-lo e montá-lo novamente. A maioria dos cristãos segue o que lhes é ensinado por seus líderes religiosos que não raro seguem a tradição de sua religião sem pesquisar com profundidade a história da religião e da bíblia. Raríssimas pessoas conhecem, por exemplo, o histórico de falsificações dos escritos cristãos nos primórdios da história do cristianismo. Para a surpresa de muitos cristãos, os livros que hoje compõem a bíblia são apenas uma pequena amostra de todos os escritos que circulavam entre as comunidades cristãs nos primeiros quatrocentos anos do cristianismo. A grande maioria de tais livros levava nomes de pessoas que conviveram com Jesus e tiveram um papel de destaque na história do cristianismo como Pedro, Paulo, Tiago, Tomé, Felipe, Judas, Maria Madalena entre outros. Muitos evangelhos, epístolas, atos e apocalipses vinham assinados por grandes nomes da história cristã. Porém, a grande maioria de tais livros foram considerados fraudulentos, escritos por cristãos desconhecidos que por serem carentes de influência ou prestígio escreviam em nome de alguém que veio antes deles e era influente, assim poderiam defender práticas ou conceitos religiosos de seu interesse com maior aceitação dos leitores.
205 As técnicas de falsificação incluem imitar o vocabulário, estilo literário, tamanho da sentença, formas específicas de aplicação da gramática, utilização de fragmentos de sentenças, uso de particípios, entre outras particularidades da escrita do autor. Além disso, utilizam declarações, comentários ou observações muito usadas pelo autor fazendo o texto ficar muito similar a um escrito original dele. Todos têm um estilo de redação próprio e a princípio todo estilo pode ser imitado. Entretanto, não existe uma falsificação perfeita, mesmo os melhores falsificadores da atualidade cometem erros e deixam alguma pista, sempre a algum detalhe que passa despercebido. Quando tratamos dos escritos cristãos a tarefa de detectar fraudes fica mais fácil porque os primeiros cristãos não dominavam plenamente todas as técnicas de falsificação usadas nos dias de hoje. Diversos estudiosos tem através dos tempos demonstrado as evidências de logro na autoria de vários livros da bíblia. Na história da erudição moderna o primeiro grande trabalho contestando a autoria de um livro bíblico foi feito pelo estudioso alemão Friedrich Schleiermacher em 1807. Ele foi um dos mais importantes teólogos cristão do século XIX, influenciou diversos teólogos do século XX e até hoje há acadêmicos especializados em estudar suas obras e os seus ensinamentos. Numa carta enviada a um pastor em 1807, Friedrich demonstrou que 1ª Timóteo não fora escrita por Paulo como diz a tradição cristã. Outros estudiosos posteriores a Friedrich apresentaram argumentos de que outras cartas paulinas também eram fraudulentas como 2ª Timóteo e Tito. Hoje, mais de duzentos anos depois da primeira obra de Friedrich há um amplo consenso acadêmico de que das treze cartas cuja autoria e atribuída a Paulo apenas sete sejam realmente de autoria dele (Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1 Tessalonicenses e Filêmon) devido à coerência de estilo e
206 teologia, tendo todas as características de ser escrito pela mesma pessoa. As demais seis cartas (1 e 2 Timóteo, Tito, 2 Tessalonicenses, Efésios e Colossenses) contêm incoerências e características muito diferentes apesar de um visível esforço de tentar parecer com os escritos de Paulo, como já disse antes, sempre a algum detalhe que passa despercebido. Vamos analisar todas as seis cartas consideradas pelos estudiosos como fraudulentas e observarmos as evidências apontadas pelos acadêmicos. Uma carta que parece improvável ter sido escrita por Paulo é 2ª Tessalonicenses. A primeira carta de Paulo aos Tessalonicenses é a que mais destaca o ponto de vista de que o fim era iminente e chegaria enquanto muitos daquela geração estariam vivos. O objetivo da carta era justamente reforçar tal crença porque alguns cristãos em Tessalônica haviam ficado perturbados com a morte de colegas crentes. Paulo lhes ensinou que o fim dos tempos era iminente e que logo eles entrariam no Reino dos Céus quando Jesus retornasse, entretanto, membros da igreja morreram antes que isso acontecesse. Tal situação estava causando incerteza e dúvida entre os Tessalonicenses, será que seus irmãos falecidos teriam perdido sua recompensa celestial? Na sua carta Paulo lhes assegura que os mortos também seriam levados ao Reino. Ele explica que os que morreram fieis em Cristo ressuscitariam primeiro, depois os que ainda estavam na terra seriam arrebatados juntamente com eles (1ª Tessalonicenses 4:14-17). Inclusive Paulo esperava ser um daqueles que ainda estariam vivos quando isso acontecesse. Ele destaca que tal acontecimento seria súbito e inesperado como “um ladrão a noite” e quando as pessoas pensassem que estava tudo bem dizendo “paz e segurança” então lhes sobreviria “instantaneamente a repentina destruição”. Os Tessalonicenses deveriam estar alertas e preparados, pois assim como as dores de parto de uma mulher
207 grávida indicam que está próximo o nascimento do bebê mas não mostra o momento exato, assim seria o fim dos tempos, estava muito próximo mas ninguém saberia o exato momento (1ª Tessalonicenses 5:2-3). A segunda carta aos Tessalonicenses diz justamente o contrário, o autor de segunda Tessalonicenses, alegando ser Paulo diz que o fim na verdade não se dará imediatamente, certas coisas precisam acontecer primeiro. Segundo o escritor, primeiro haverá a apostasia e haverá algum tipo de levante e rebelião política ou religiosa onde surgirá uma espécie de anticristo (o homem que é contra a lei) que tomará seu assento no Templo de Deus e se declarará Deus. Só então, depois de tudo isso, o Senhor virá e destruirá a todos (2ª Tessalonicenses 2:3-8). Portanto, os tessalonicenses poderiam ficar tranquilos de que ainda não estavam no período final dos últimos dias quando Jesus reapareceria, eles entenderiam pelos sinais descritos na carta a proximidade da chegada de Jesus. Compare o momento do surgimento de Jesus em 2ª Tessalonicenses onde ainda demorará um pouco sendo precedido por acontecimentos impressionantes e claramente identificáveis com o totalmente diferente relato de 1ª Tessalonicenses aonde o fim chegará como um ladrão noturno que aparece quando as pessoas menos esperam e como as dores de parto que instantânea e repentinamente tomam conta da mulher grávida indicando que o nascimento do bebê é iminente. Há uma disparidade fundamental entre os ensinamentos de 1ª e 2ª Tessalonicenses, são duas visões totalmente diferentes e antagônicas, mesmo assim, o autor de 2ª Tessalonicenses indica que já ensinou “essas coisas” (que tinha de haver uma sequência de acontecimentos antes do fim) a seus convertidos quando esteve com eles: “Não vos lembrais de que, enquanto eu estava ainda convosco, costumava dizer-vos estas coisas?” (2ª Tessalonicenses 2:5). Mas, em 1ª Tessalonicenses Paulo ensina algo totalmente diferente, dizendo que o fim chegaria a qualquer
208 momento, instantaneamente, muito diferente de 2ª Tessalonicenses, onde o suposto Paulo dá a entender que nunca ensinou tal coisa, dizendo que tem de haver uma sequência de acontecimentos impressionantes e claramente identificáveis (como a apostasia e uma rebelião onde surgiria o homem que é contra a lei) antes do fim (Edgar Krenz, “Thessalonians, First and Second Epistles to the”, Anchor Bible Dictionary – Nova York: Doubleday, 1992 – 6:515-523). No final de 2ª Tessalonicenses, o autor insiste que é Paulo e oferece uma espécie de prova: “[Aqui está] o meu cumprimento, o de Paulo, pela minha própria mão, que é sinal em cada carta; é assim que eu escrevo” (2ª Tessalonicenses 3:17). O autor quer dar a entender que um secretário redigiu a carta e que ele escreveu este trecho com sua própria mão, o leitor da carta poderia ver a mudança de caligrafia e reconhecer a de Paulo, prática que ele afirma ser constante em suas cartas, autenticando como sendo dele esta carta em oposição a uma suposta carta falsificada mencionada em 2ª Tessalonicenses 2:2: “que não sejais depressa demovidos de vossa razão, nem fiqueis provocados, quer por uma expressão inspirada, quer por intermédio duma mensagem verbal, quer por uma carta, como se fosse da nossa parte, no sentido de que o dia de Jeová está aqui”. Nota-se uma possível tentativa do falsificador de convencer seus leitores de que realmente era Paulo. Entretanto, fica clara a intenção do autor de enganar os leitores, pois, esta prática não era costume de Paulo como afirma o autor, nenhuma das cartas de Paulo termina assim. Talvez o falsificador esteja se referindo a 1ª Tessalonicenses quando orienta seus leitores a não serem desviados por uma “carta falsa” (“quer por uma carta, como se fosse de nossa parte”) que sustenta, em nome de Paulo, que o fim está logo ali (“no sentido de que o dia de Jeová está aqui”). Ou seja, alguém vivendo depois da época de Paulo queria eliminar dos leitores a mensagem
209 que o próprio Paulo transmitira em 1ª Tessalonicenses sobre o fim iminente visto que o fim não aconteceu e todos os demais daquela geração já haviam morrido. Assim, alguém depois da época de Paulo decidiu que tinha de interferir em uma situação em que as pessoas esperavam ansiosamente um fim iminente com tanta expectativa que estavam negligenciando as obrigações do cotidiano (2ª Tessalonicenses 3:6-12). Vamos analisar agora a carta aos Efésios. Embora superficialmente tal carta pareça soar como um escrito de Paulo, se cavarmos um pouco mais fundo surgirão grandes incoerências. Efésios é uma carta escrita aos gentios (Efésios 3:2) para lembrálos de que embora um dia tivessem sido alienados de Deus e de seu povo escolhido (no caso os judeus), eles foram reconciliados tornando-se justos perante Deus, pois a barreira que separava judeus e gentios (a lei judaica) tinha sido derrubada pela morte de Jesus Cristo dando a eles a possibilidade de viver em harmonia entre si debaixo da graça de Deus. A partir do capítulo 4 o autor se volta para questões éticas e comportamentais que eles deveriam seguir como discípulos de Cristo. Entre as diversas razões para pensarmos que efésios não foi escrito pelo Apóstolo Paulo podemos destacar as contradições com as ideais encontradas em outras cartas de Paulo. Por exemplo, em Efésios como nas cartas autênticas de Paulo é ensinado que os crentes foram apartados de Deus por causa do pecado, mas que foram feitos justos perante Deus exclusivamente por meio de sua graça, não como resultado de obras. Mas aqui, estranhamente, Paulo se inclui como alguém que antes de chegar a Cristo foi desviado pelos desejos de nossa carne, satisfazendo a vontade da carne e seus impulsos: “Sim, todos nós nos comportávamos outrora entre eles em harmonia com os desejos de nossa carne, fazendo as coisas da vontade da carne e dos pensamentos, e éramos por natureza filhos do furor, assim como os demais” - Efésios 2:3.
210 Isso não se parece com o Paulo das outras cartas onde ele diz ter sido irrepreensível quanto a justiça que há na lei: “com respeito ao zelo, perseguindo a congregação; com respeito à justiça que é por meio de lei, um que se mostrou inculpe” - Filipenses 3:6 (J. Christiaan Beker, “Paul the Apostle: The Triumph of God in Life and Thought” – Filadélfia, Fortress, 1980). Outra forte evidência de que Efésios não foi escrito por Paulo é o estilo de redação. Paulo normalmente escreve com frases curtas e incisivas, mas as sentenças em Efésios são longas e complexas. Em grego, a declaração de abertura (Efésios 1:3-14) compõem uma única sentença com doze versículos, porém, este não é o modo como Paulo escrevia. Nas 100 sentenças de Efésios cerca de 9 tem mais de cinquenta palavras de extensão. Compare isso com as cartas do próprio Paulo. Filipenses, por exemplo, tem 102 sentenças, com apenas 1 com mais de cinquenta palavras. Gálatas têm 181 sentenças, mas com apenas 1 com mais de cinquenta palavras. O livro também tem um número incomum de palavras que não ocorre nos escritos de Paulo, são 166 no total, bem acima da média, em Filipenses que tem mais ou menos o mesmo tamanho de Efésios encontramos apenas 83 palavras que não ocorrem nos outros escritos de Paulo (Victor Paul Furnish, “Efhesians, Epistle to”, Anchor Bible Dictionary – Nova York, Doubleday, 1992 – 2:535-542). Além disso, este autor indica que os crentes já foram salvos pela graça de Deus, o verbo “salvar” nas cartas consideradas autenticas de Paulo sempre é usado para se referir ao futuro, não é algo que as pessoas já tenham, antes algo que irão ter quando Jesus retornar nas nuvens. Paulo fala em suas cartas que os cristãos batizados tinham morrido para os poderes deste mundo, tinham “morrido” com Cristo, mas não tinham sido elevados com Cristo, isso ocorreria no fim dos tempos por ocasião do segundo advento. Ele era extremamente insistente neste tema de que a ressurreição física dos crentes ocorreria no futuro, não
211 algo que já houvesse ocorrido. Paulo dedica o capítulo quinze de 1ª Coríntios inteiramente para mostrar que os cristãos ainda não tinham sido erguidos com Cristo. Entretanto, em Efésios ele afirma algo que contradiz totalmente isso: “vivificou-nos junto com o Cristo, mesmo quando estávamos mortos nas falhas — por benignidade imerecida é que fostes salvos — e ele nos levantou junto e nos assentou junto nos lugares celestiais, em união com Cristo Jesus” (Efésios 2:5-6). Segundo o autor os crentes já experimentavam uma ressurreição espiritual e desfrutavam de uma existência celestial naquela época. Ao que parece, esse livro foi escrito por um cristão posterior querendo lidar com algumas questões em sua época e alegou ser Paulo para dar autoridade a sua palavra (J. Christiaan Beker, “Heirs of Paul: Paul’s Legacy in the New Testament and in the Church Today” – Mineápolis, Fortress, 1991). Com respeito à carta de Colossenses, as razões para crer que o livro não foi escrito por Paulo são em grande parte as mesmas de Efésios. Colossenses tem tantas palavras e frases também encontradas em Efésios que alguns estudiosos acreditam que quem falsificou Efésios usou Colossenses como uma das fontes para ver o modo como Paulo escrevia, mal sabia ele que sua fonte também era uma falsificação (Victor Paul Furnish, “Efhesians, Epistle to”, Anchor Bible Dictionary – Nova York, Doubleday, 1992 – 1:1090-1096). Em geral, o estilo de redação é muito diferente das outras cartas de Paulo. O mais convincente estudo do estilo de redação de Colossenses foi feito pelo acadêmico alemão Walter Bujard. Ele analisou os tipos de traços estilísticos da epístola como infinitivos, particípios, tipo e frequência das conjunções, sequências de genitivos, orações subordinadas entre outros (Walter Bujard, Stilanalytsche Untersuchungen zum Kolosserbrief: Als Beitrag zur Methodik Von Sprachvergleichen – Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1973). Ele comparou
212 Colossenses com cartas de Paulo de tamanho similar como Gálatas, Filipenses e 1ª Tessalonicenses. A diferenças entre essa carta e os escritos de Paulo são enormes e convincentes. Por exemplo, a regularidade com que a carta aos Colossenses usa conjunções adversativas como “embora” (são 8 vezes) é muito menor do que em outras cartas de Paulo (em Gálata são 84 vezes, em Filipenses são 52 vezes, em 1ª Tessalonicenses são 29 vezes). O uso de conjunções casuais como “porque” (são 9 vezes em Colossenses) é muito menor do que em outras cartas de Paulo (em Gálatas são 45 vezes, em Filipenses são 20 vezes, em 1ª Tessalonicenses são 31 vezes). O uso de uma conjunção como “por exemplo”, “que” e “como” para introduzir uma declaração (são 3 vezes em Colossenses) é muito menor do que em outras cartas de Paulo (em Gálatas são 20 vezes, em Filipenses são 19 vezes, em 1ª Tessalonicenses são 11 vezes). No estudo de Bujard a lista é enorme analisando diversas informações, com muitas exposições sempre indicando a mesma direção, a carta aos Colossenses não foi escrita por Paulo. O conteúdo também está em contradição com o que Paulo expressava em suas cartas autênticas, mas é coerente com Efésios. Portanto, temos aqui mais um caso de um seguidor posterior que estava preocupado em abordar uma situação em sua própria época e o fez assumindo o nome de Paulo. Agora vamos concentrar nosso estudo nas chamadas epístolas pastorais, 1 e 2 Timóteo e Tito. Todas as evidências indicam que estas três cartas foram escritas pela mesma pessoa e essa pessoa provavelmente não foi Paulo. Todas as três tem conexões verbais e semelhanças demais indicando um mesmo autor. Veja por exemplo como começam 1ª e 2ª Timóteo: “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, sob o mandado de Deus, nosso Salvador, e de Cristo Jesus, nossa esperança, a Timóteo, filho genuíno na fé: Haja benignidade imerecida, misericórdia,
213 paz da parte de Deus, [o] Pai, e de Cristo Jesus, nosso Senhor” (1ª Timóteo 1: 1-2). “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, pela vontade de Deus, segundo a promessa da vida que está em união com Cristo Jesus, a Timóteo, filho amado: Haja benignidade imerecida, misericórdia, paz da parte de Deus, [o] Pai, e de Cristo Jesus, nosso Senhor” (2ª Timóteo 2: 1-2). Como podemos observar, são praticamente iguais e nenhuma das cartas consideradas realmente escritas por Paulo começa assim, além disso, há uma quantidade enorme de concordâncias verbais similares. Palavras e frases nestas cartas (como “a promessa de vida”, “com uma consciência pura”, “de um coração puro”, “apóstolo, mensageiro e mestre”) não são encontradas em nenhuma das outras cartas atribuídas a Paulo, apenas nestas. Quem escreveu estas cartas tinha seus termos preferidos que não eram usados por Paulo em suas cartas. O estudioso britânico A.N. Harrison escreveu um estudo das epístolas pastorais apresentando estatísticas sobre a utilização de palavras nestes textos demonstrando que o estilo de redação é muito diferente das outras epístolas paulinas. Há 848 palavras diferentes usadas nas epistolas pastorais, delas, 306 não aparecem em nenhuma das outras epístolas paulinas do novo testamento, além disso, 200 destas 306 palavras são muito usadas por autores cristãos do 2º século, sugerindo que este autor usava um vocabulário mais comum de uma época posterior a de Paulo, portanto, viveu após o tempo de Paulo (A.N Harrison, “The Problem of the Pastoral Epistles” – Oxford University Press, 1921). Algumas vezes o autor usa as mesmas palavras de Paulo, mas com significados diferentes. Por exemplo, o termo fé era muito importante para Paulo, nas cartas aos Romanos e aos Gálatas a palavra fé se refere à confiança na salvação por meio da morte de Cristo, portanto, uma relação com outro, no caso, confiança em Cristo. Já nas
214 pastorais, o termo fé significa o conjunto de ensinamentos que compõem a religião cristã conforme podemos ver em Tito 1:1314: “Este testemunho é verdadeiro. Por esta mesma causa persiste em repreendê-los com severidade, para que sejam sãos na fé, não prestando atenção a fábulas judaicas e a mandamentos de homens que se desviam da verdade”. Algumas ideias e conceitos nas epístolas pastorais parecem contradizer o que encontramos nas epístolas de Paulo. Em 1ª Coríntios 7, Paulo afirma que as pessoas solteiras deveriam tentar permanecer assim, como ele, pois o fim está próximo e elas deveriam se dedicar a divulgar essa notícia, sem as distrações e os afazeres do casamento. Já nas pastorais a questão de se casar não é mais um empecilho para os cristãos, inclusive, os líderes da igreja deveriam ser maridos de uma só esposa e ter filhos disciplinados. Observamos nas cartas paulinas diversas argumentações de que as “obras da lei” não levam a salvação, antes, o que salva é a fé na morte e ressurreição de Jesus. Quando Paulo fala de “obras” ele claramente se refere às coisas que a lei judaica exige como ser circuncidado, guardar o sábado, não comer alimentos considerados impuros pela lei, etc. Porém, nas pastorais o autor se refere a “obras” como sendo atos de bondade para com o próximo. A situação histórica mostrada nas pastorais se torna mais uma evidência de que Paulo não é seu autor. Nas demais cartas de Paulo fica evidente que para ele o fim era iminente. Paulo chamou Jesus de as primícias dos que morrem numa clara metáfora agrícola, pois os agricultores celebravam o primeiro dia de colheita (as primícias) com uma festa à noite, colhendo o restante no dia seguinte, logo após a festa e não cinquenta anos depois ou dois mil anos depois. Portando, para Paulo, muito em breve os mortos seriam erguidos, tanto é assim que ele tem a expectativa de estar vivo quando Jesus retornar, note sua expressão:
215 “Pois, se a nossa fé é que Jesus morreu e foi levantado de novo, então, também, Deus trará com ele os que adormeceram [na morte] por intermédio de Jesus. Pois, nós vos dizemos pela palavra de Jeová o seguinte: que nós, os viventes, que sobrevivermos até a presença do Senhor, de modo algum precederemos os que adormeceram [na morte]; porque o próprio Senhor descerá do céu com uma chamada dominante, com voz de arcanjo e com a trombeta de Deus, e os que estão mortos em união com Cristo se levantarão primeiro. Depois nós, os viventes, que sobrevivermos, seremos juntamente com eles arrebatados em nuvens, para encontrar o Senhor no ar; e assim estaremos sempre com [o] Senhor” (1ª Tessalonicenses 4:14-17). Observamos Paulo dizendo que Deus havia revelado a ele que os que sobrevivessem até a volta de Cristo, grupo este que ele se incluía (observe o uso do pronome “nós”) seriam arrebatados em nuvens. Fica evidente que ele tinha plena convicção de que o retorno de Jesus ocorreria dentro do tempo de vida de alguns de seus contemporâneos. Lendo as cartas de Paulo notamos que seu ponto de vista é de que durante o curto período entre a ressurreição de Cristo e o fim dos tempos o espírito dado à igreja e a cada indivíduo daria a orientação necessária para o bom funcionamento das congregações. Por ocasião do batismo a pessoa recebia o espírito santo que lhe dava um dom espiritual, como por exemplo o dom de ensinar, de profetizar, de curar, de falar em línguas, de interpretar essas línguas, etc. Todos estes dons deveriam ajudar a comunidade cristã a funcionar em unidade. Nenhum destes dons era menor ou insignificante, todos tinham importância, todos na igreja tinham um dom, assim, todos eram iguais, escravos e senhores, homens e mulheres, ricos e pobres, judeus e gentios. Por isso, Paulo podia dizer: “Não há nem judeu nem grego, não há nem escravo nem homem livre, não há nem macho nem fêmea; pois todos vós sois um só em união
216 com Cristo Jesus” (Gálatas 3:28). Quando surgia problemas nas congregações que Paulo ajudou a formar ele escrevia para lidar com eles diretamente, descrevendo seu problemas de forma individual. Basta ler as duas cartas de Paulo aos coríntios para ver que a comunidade ali era uma confusão, havia divisões e brigas internas, alguns membros processando outros, sérias discordâncias em relação a grandes questões éticas e comportamentais, como se era correto comer carne que tivesse sido sacrificada a ídolos pagãos. Alguns negavam que fosse haver uma ressurreição futura, outros se entregavam a imoralidade chegando ao ponto de visitar prostitutas e se gabar disso na congregação, inclusive é relatado o caso de um homem que tinha relações sexuais com a própria madrasta. Paulo cuida desses problemas diretamente em suas cartas exortando-os a usar seus dons espirituais para resolver os problemas. Ele não escreve aos líderes da congregação, antes sua carta fala diretamente a todos os membros da igreja. Não havia bispos ou diáconos, antes um grupo de indivíduos, cada um com um dom do espírito nesse breve tempo antes do fim tão próximo. Agora nas pastorais não há indivíduos dotados pelo espírito trabalhando juntos para formar uma comunidade. Ali existe uma hierarquia, uma estrutura organizada com líderes como Timóteo e Tito, além de bispos e diáconos, uma situação completamente diferente da época de Paulo. Se você espera que Jesus volte logo não há necessidade de um sistema hierarquizado de organização e liderança. Porque observamos esta drástica mudança? O tempo passou e Jesus não retornou tão rapidamente como se esperava, a situação mudou, surgiu a necessidade de organização e liderança para manter a ordem, mestres se fizeram imperativos para salvaguardar o ensino especificando como as pessoas deveriam se relacionar socialmente, senhores e escravos, maridos e mulheres, pais e filhos. Num sistema hierárquico não há igualdade, há comando.
217 Nas epístolas pastorais encontramos este ambiente (Jerome D. Quinn, “Timothy and Titus, Epistles to”, Anchor Bible Dictionary – Nova York, Doubleday, 1992 – 6:560-571). Portanto, todos os indícios apontam para uma falsificação em 1ª e 2ª Timóteo e Tito. Provavelmente o autor estava enfrentando novos problemas numa época posterior com uma nova realidade. O verdadeiro Paulo viveu uma outra realidade, por isso abordou as questões de uma maneira diferente da abordagem do posterior falsificador. Entretanto, se fazer passar pelo Apóstolo Paulo lhe daria um certo prestígio e autoridade, fazendo com que suas orientações fossem escutadas e seguidas. Algumas referências pessoais no final de 2ª Timóteo como pedir para Timóteo trazer sua capa e também os rolos que ele deixou podem fazer parte de uma técnica de falsificação que procura fazer a carta soar informal, reduzindo as suspeitas de que seja falsa. É verdade que muitos escritores modernos, em especial poetas e romancistas conseguem escrever diversos livros em estilos diferentes. Porém, Paulo não era um poeta nem um romancista profissional, ele escrevia cartas pessoais com objetivos teológicos (defender e divulgar sua fé como também orientar seus irmãos). Os cristãos consideram tais cartas como sendo inspiradas por Deus, que os homens eram movidos pelo espírito santo de Deus, sendo apenas instrumentos para Deus escrever a bíblia (como um secretário que escreve uma carta ditada pelo chefe), portanto, deveriam evidenciar não só um mesmo estilo de escrita (visto que todas as 13 cartas são atribuídas a Paulo) como também os mesmos conceitos teológicos (visto que supostamente são inspiradas por Deus). Entretanto, as evidências mostram que nas cartas de Paulo há ideias e estilos totalmente diferentes. Se você é um pai amoroso e quer escrever algumas cartas para seu filho transmitindo informações importantíssimas para sua sobrevivência, com certeza escreveria num estilo fácil de se
218 entender e coerente, você não iria ficar mudando seu estilo para confundir seu filho (como o poeta Fernando Pessoa, por exemplo, que nos seus poemas heterônimos escreveu em diversos estilos assinando diversos nomes diferentes para mostrar sua habilidade como poeta) ou iria ficar mudando seus conceitos, numa carta falando uma coisa e na outra dizendo algo totalmente diferente, isso só iria desorientar o filho. Portanto, não há como tentar justificar tais diferenças de estilo e conceito. O cenário mais provável é de que outro escritor com ideias diferentes vivendo num contexto histórico diferente numa situação nova usou o nome de Paulo para dar prestígio e autoridade as suas orientações. Estes exemplos acima são apenas uma pequena amostra das muitas falsificações existentes nos primórdios do cristianismo. A quantidade de livros que os autores alegam ser personagens famosos do cristianismo, enganando seus leitores é muito grande (Bart D. Ehrman, Forged: Writing in the Name of God - Why the Bible's Authors Are Not Who We Think They Are. HarperCollins, USA, 2011. ISBN 978-0-06-201261-6). Diante de tais fatos surgem os seguintes questionamentos: Se a bíblia é um livro inspirado por Deus como explicar tais falsificações? Como Deus poderia permitir que escritores enganassem desta forma os cristãos? Como pode a “Palavra de Deus” ser baseada numa mentira? Uma das facetas mais comentadas da bíblia como sendo totalmente livre de enganações e falsificações são suas profecias. As pessoas em geral acreditam que todas as previsões feitas pela bíblia se cumpriram plenamente. Inclusive muitos costumam citar o cumprimento fiel de todas as profecias bíblicas como sendo uma prova de sua autoria divina. Mas conforme veremos a seguir, nem mesmo suas tão faladas profecias escapam das falsidades e enganos.
219
28 - AS PROFECIAS bíblia, assim como outros livros fundamentais de outras crenças religiosas, como o Alcorão no Islamismo e os Vedas no hinduísmo, contém profecias. Frequentemente vemos pessoas citarem tais profecias como uma incontestável prova de que a bíblia é de origem divina. É oportuno, portanto, colocar a seguinte questão: podem ser consideradas legítimas as profecias contidas na Bíblia? Primeiramente, creio que para uma profecia ser julgada legítima, é necessário que ela cumpra as seguintes condições: (1) Descreva um evento posterior à sua escrita; (2) Seja impossível 'prever' o evento futuro por meios naturais; (3) O fato tenha realmente ocorrido de forma se não exata, pelo menos essencialmente semelhante à descrita pela profecia; (4) Existam provas irrefutáveis de que o escrito profético não foi adulterado ou modificado através dos tempos. Assim, para considerarmos uma profecia como válida, ela precisa satisfazer todos os requisitos acima. Entretanto, observamos que geralmente as profecias bíblicas relatam coisas que podem acontecer a qualquer momento sem estarem vinculadas a uma data específica. Levando-se em conta a dificuldade de sabermos quem realmente escreveu determinada passagem e principalmente quando escreveu, como já expus no começo deste livro, além do fato de que muita coisa que foi escrita sofreu alteração e modificação através de vários processos de cópias e recopias e de várias traduções para outras línguas, fica difícil determinar com precisão a originalidade e legitimidade das profecias bíblicas. A primeira parte da bíblia, chamada de Velho Testamento foi escrito em Hebraico clássico, um idioma que hoje
220 é impronunciável, portanto indecifrável. Mesmo que tivéssemos os originais em nossas mãos, ninguém conseguiria traduzir para as línguas atuais. Mesmo que tivéssemos, porque na verdade estamos longe de ter algum escrito original da bíblia. Nem mesmo do chamado Novo Testamento escrito em Grego temos algum original, quanto mais das Escrituras Hebraicas. Portanto, o que temos hoje são cópias de cópias que foram sendo feitas durante milênios e que depois foram traduzidas para outras línguas, primeiro do Hebraico para o Grego, depois do Grego para o Latim, depois do Latim para as línguas modernas (Inglês, Francês, Alemão, Português, Espanhol, entre outras). Assim, seria uma ingenuidade muito grande achar que a bíblia que temos hoje contêm a mesma mensagem dos longínquos originais que se perderam com o tempo. Tais incertezas também recaem sobre o tempo da escrita bem como seu escritor. Ninguém pode afirmar com certeza quem escreveu determinada profecia e quando ela foi proferida. Além disso, a profecia é feita numa linguagem altamente complexa e simbólica, o que deixa uma grande margem para o leitor adaptar e moldar muitos acontecimentos de acordo com sua conveniência. Com estes fatos em mente, não temos como afirmar que as ditas “profecias bíblicas” são genuínas. Entretanto, as bíblias de hoje mesmo sofrendo diversas adaptações e modificações convenientes através das eras, ainda assim apresentam relatos de profecias que não se cumpriram. Vamos observar alguns exemplos, começando com uma profecia sobre a linhagem da Davi. “Concluí, dizeis vós, uma aliança com o meu eleito; Ligueime por juramento a Davi, meu servo. Conservarei sua linhagem para sempre, manterei teu trono em todas as gerações..." (Salmos 89:4-5).
221 "Jurei uma vez por todas pela minha santidade; A Davi não faltarei jamais. Sua posteridade permanecerá eternamente, e seu trono, como o Sol, subsistirá diante de mim" (Salmos 89:36-37). Nos trechos acima Deus promete que a descendência de Davi será perpétua. Seu trono durará para sempre, como o Sol. Entretanto, depois de Zedequias não houve rei Davidiano por 450 anos. A linhagem real foi finalmente restaurada com Aristóbulo, da dinastia Hasmoneana, mas ela também acabou. De acordo com uma profecia do Novo Testamento, Jesus receberia o trono de Davi e reinaria para sempre (Lucas 1:32-33), mas mesmo assim, analisando esta profecia pelo lado místico e esotérico (muitos religiosos afirmam que Jesus sempre reinou sobre seus discípulos, ou que Jesus já começou ou ainda vai reinar a terra dos céus, ou que este reino é celestial, seja lá qual for à maneira como o cidadão entende esta profecia) o fato é que a linhagem real foi interrompida por 450 anos e a profecia fracassou. Deus havia prometido a Davi no Salmo acima que sua linhagem real e seu trono seriam mantidos em todas as gerações. Vamos analisar agora uma profecia calamitosa lançada sobre a cidade de Damasco. "Oráculo contra Damasco. Damasco vai ser suprimida do número das cidades, e será reduzida a ruínas abandonadas para sempre. Suas cidades serão abandonadas aos rebanhos, que virão repousar sem que ninguém os enxote" (Isaías-17:1). Esta passagem nos oferece mais uma oportunidade excepcional de avaliarmos a validade das declarações bíblicas. Após a Bíblia impugnar este destino terrível a Damasco, o que ocorreu? Segundo os textos sagrados, ela se tornaria um montão de ruínas. Porém, apesar da maldição bíblica, Damasco (uma das cidades mais antigas do mundo) existe hoje em dia. Ela tem sido continuamente habitada desde sua fundação. Ainda não se transformou em ruínas abandonadas para sempre.
222 Observe agora uma profecia sinistra sobre a cidade de Jerusalém e sobre a terra de Judá. "Farei de Jerusalém um amontoado de pedras, Um covil de chacais; E das cidades de Judá um deserto, onde ninguém mais habitará" (Jeremias 9:10). Observamos aqui uma profecia bem explícita. Jerusalém e as cidades de Judá se tornariam um monte de pedras, uma morada de chacais, desoladas, onde ninguém mais habitaria. Será que Jerusalém e as cidades de Judá ficaram para sempre sem habitantes? Apesar de Jerusalém ter sido destruída por duas vezes (por Babilônia em 587 AEC, e por Roma em 70 EC), ela sempre voltou a ser habitada e continua a ser até os dias de hoje. Note agora uma profecia lançando uma maldição nos judeus que fugissem para o Egito tentando escapar do exército babilônico. “Assim disse Jeová dos exércitos, o Deus de Israel: ‘Se vós mesmos positivamente fixardes as vossas faces para entrar no Egito e realmente entrardes para residir ali como forasteiros, então terá de dar-se que a própria espada de que tendes medo vos alcançará na terra do Egito, e a própria fome de que tendes receio vos seguirá de perto ao Egito; e lá é que morrereis. E acontecerá que todos os homens que fixaram as suas faces para entrar no Egito para residir ali como forasteiros serão os que morrerão pela espada, pela fome e pela pestilência; e não virão a ter nem sobrevivente nem fugitivo, por causa da calamidade que trago sobre eles” (Jeremias 42:15-17). Depois da destruição total de Jerusalém pelos babilônicos, o restante da população de Judá fugiu para o Egito como refúgio, evidentemente juntando-se a outros judeus que já estavam naquela terra. Segundo a profecia acima, todos os judeus que fizessem isto morreriam pela espada, pela fome ou pela peste. Outras duas profecias bíblicas relacionadas a esta afirmaram
223 categoricamente que o Deus de Israel iria trazer Nabucodonosor, rei de babilônia para golpear a terra do Egito, queimando os templos e matando a todos pela espada, um total extermínio (Jeremias 43:8-13). Se Nabucodonosor tivesse realmente invadido o Egito e destruído todo aquele país, conforme foi profetizado na bíblia (Jeremias 46: 13-26), os judeus que fugiram para aquele país em busca de refúgio com certeza seriam destruídos como predito, mas o problema é que não existe nenhuma evidencia histórica de que Nabucodonosor invadiu o Egito após ter conquistado Jerusalém. Nenhum historiador disse isso, pelo contrário, Heródoto, um dos mais renomados historiadores da época visitou o Egito pessoalmente apenas cem anos depois da dita devastação total do Egito pelos babilônicos e o que será que ele registrou? Será que ele fez alguma menção ao tão recente extermínio que a bíblia afirma ter acontecido? Não! Porque será que um tão renomado historiador não fez sequer uma menção a tal tragédia? Simplesmente por que ela não existiu! Nunca foi achada nenhuma prova arqueológica de tal devastação, nada, simplesmente nada. Se você tem dúvidas, pode pesquisar a vontade em enciclopédias, conversar com historiadores, averiguar em sites na Internet, faça um teste, tenha absoluta certeza de que você não encontrará nada. A única menção que se faz a uma campanha militar babilônica contra o Egito nesta época encontra-se em um texto babilônico datado do 37º ano de Nabucodonosor que corresponde ao ano de 568AEC, isto é 20 anos depois da devastação de Jerusalém, e tal texto relata uma ação militar que não resultou na devastação do Egito. Pense bem, o Egito sempre foi uma pedra no sapato dos babilônicos. Tentaram de todas as maneiras impedir a ascensão do Império Babilônico, fizeram alianças com diversos países na tentativa de barrar o avanço deles, inclusive fizeram uma aliança
224 com os próprios judeus, aliança esta que dificultou a conquista de Nabucodonosor. Todas as grandes conquistas que Babilônia teve, inclusive as menores, todos os países que eles devastaram, por menores que sejam, foram registrados fartamente. É por isso que hoje há muitos textos babilônicos descrevendo suas conquistas. Pode-se notar isto pela imensa quantidade de registros da destruição de Jerusalém, que era considerado um país menor. Agora você não acha que se os babilônicos tivessem mesmo devastado completamente o Egito, assim como fizeram com Jerusalém, eles não teriam feito vários registros, até mais do que da destruição de Jerusalém, se gabando e se vangloriando deste impressionante extermínio do seu maior rival? Agora por outro lado, existem muitas provas de que os judeus se estabeleceram no Egito tendo paz e prosperidade. Eles habitaram em várias cidades como Tafnes, pelo que parece uma cidade-fortaleza na região do delta, Migdol e Nofe, considerada ser Mênfis, uma antiga capital do Baixo Egito. Até mesmo o idioma hebraico foi difundido por estes refugiados judeus no Egito. Eles se adaptaram tão bem no Egito que alguns séculos depois a cidade egípcia de Alexandria se tornou um grande centro cultural judeu. Realmente um panorama bem diferente da horripilante profecia bíblica. Vamos analisar agora uma profecia feita ao patriarca Abraão, considerado na bíblia um amigo de Deus. “E Jeová disse a Abrão, depois de Ló se ter separado dele: ‘Levanta os teus olhos, por favor, e olha desde o lugar onde estás, para o norte, e para o sul, e para o leste, e para o oeste, porque a ti e a teu descendente vou dar toda a terra para a qual estás olhando, até um tempo indefinido... Levanta-te, percorre o país no seu comprimento e na sua largura, porque vou dá-lo a ti” (Gênesis 13:14-17). Nesta profecia Deus promete dar a Abraão a terra de Canaã. Porém, esta profecia nunca se cumpriu, pois Abraão sempre foi
225 um residente forasteiro nesta terra, morando em tendas e constantemente mudava de lugar. Veja que a própria bíblia confessa que a profecia ou promessa que Deus fez a Abraão não se cumpriu. "Foi na fé que todos (nossos pais) morreram. Embora sem atingir o que lhes tinha sido prometido, viram-no e o saudaram de longe, confessando que eram só estrangeiros e peregrinos sobre a terra” (Hebreus 11:13). Lemos a seguir profecias acerca da queda da cidade de Tiro. O rei Nabucodonosor de Babilônia segundo a profecia viria com um exército, destruiria as muralhas e as torres, pisaria todas as ruas com as patas de seus cavalos, iria demolir as casas e matar todo o povo. A cidade nunca seria reconstruída, pessoas a iriam procurar mais ninguém nunca mais a acharia. Tiro teria, portanto, um fim terrível. “Pois assim disse o Soberano Senhor Jeová: Eis que trago contra Tiro a Nabucodonosor, rei de Babilônia, desde o norte, um rei de reis, com cavalos, e carros de guerra... e dirigirá o impacto da sua máquina de assalto contra as tuas muralhas e demolirá as tuas torres, com as suas espadas... tremerão as tuas muralhas, quando ele entrar pelos teus portões, como nos casos de se entrar numa cidade aberta por brechas. Pisará todas as tuas ruas com os cascos dos seus cavalos. À espada é que matará teu povo, e tuas próprias colunas de força cairão por terra. E eles hão de despojar-te dos teus recursos e saquear as tuas mercadorias, e derrubar as tuas muralhas, e eles demolirão as tuas casas desejáveis... Vou fazer de ti a lustrosa superfície escalvada dum rochedo. Enxugadouro de redes de arrasto é o que te tornarás. Nunca mais serás reconstruída; porque eu, Jeová, é que falei, é a pronunciação do Soberano Senhor Jeová... Pois assim disse o Soberano Senhor Jeová: Quando eu fizer de ti uma cidade devastada, igual às cidades que realmente não são
226 habitadas, quando [eu] fizer subir sobre ti a água de profundeza e tiveres sido coberta por vastas águas... para que não sejas habitada... Terrores repentinos é o que farei de ti, e não existirás; e serás procurada, mas não serás mais achada por tempo indefinido, é a pronunciação do Soberano Senhor Jeová” (Ezequiel 26:7-21). Apesar da profecia, Babilônia falhou em capturar e destruir Tiro. Nabucodonosor bem que tentou, ele a cercou e tentou invadi-la por treze anos, entretanto, não obteve sucesso. A Bíblia admite que o esforço falhou, pois Deus, para recompensar o empenho de Nabucodonosor em tentar destruir Tiro, resolve lhe dar o Egito. Podemos ler em Ezequiel 29:19-20: "Eis o que diz o Senhor Jeová: Irei dar o Egito a Nabucodonosor, rei de Babilônia; ele pilhará suas riquezas; fará dele a sua presa, e repartirá os seus despojos; tal será o salário de seu exército. Por preço do trabalho feito contra Tiro, eu lhe dou o Egito, pois é para mim que trabalharam – oráculo do senhor Jeová". Note que o Egito sofreria e seria despojado de suas riquezas para recompensar o rei Nabucodonosor por este ter se esforçado em destruir Tiro. Na realidade, conforme vimos anteriormente, nem essa nova promessa de conquista (do Egito) foi concretizada. Bem diferente do que disse a profecia bíblica, Tiro foi conquistada realmente por Alexandre O Grande 240 anos depois e não por Nabucodonosor. Novamente, contrariando a profecia, Tiro foi reconstruída e o Novo Testamento até a menciona (veja Lucas 10:13; Marcos 7:24, 31). Hoje em dia, Tiro (Sur) tem mais de 10.000 habitantes. Vamos observar agora mais algumas profecias agourentas contra o Egito, até parece que os escritores bíblicos não se conformavam com a opulência e a prosperidade desta nação. “E a terra do Egito terá de tornar-se um baldio desolado e um lugar devastado; e terão de saber que eu sou Jeová, pela razão
227 de que ele disse: A mim me pertence o rio Nilo e eu mesmo [o] fiz. Por isso, eis que sou contra ti e contra os teus canais do Nilo, e vou fazer da terra do Egito lugares devastados, secura, baldio desolado... Não passará por ela pé de homem terreno, nem passará por ela pé de animal doméstico, e não será habitada por quarenta anos. E eu vou fazer da terra do Egito um baldio desolado...; e eu vou espalhar os egípcios entre as nações e dispersá-los entre as terras. Tornar-se-á mais humilde do que os [outros] reinos e não mais se erguerá sobre as [outras] nações, e vou fazê-los tão poucos para que não tenham as [outras] nações em sujeição” (Ezequiel 29:9-12,15). “Assim disse o Soberano Senhor Jeová: Vou também fazer cessar a massa de gente do Egito pela mão de Nabucodonosor, rei de Babilônia. Ele e seu povo com ele, os tiranos das nações, estão sendo trazidos para arruinar a terra. E eles terão de desembainhar as suas espadas contra o Egito e encher a terra de mortos. E eu vou fazer dos canais do Nilo solo seco e vou vender a terra na mão de homens maus, e vou fazer que a terra e sua plenitude sejam desoladas pela mão de estranhos...Assim disse o Soberano Senhor Jeová: Vou também destruir os ídolos sórdidos e fazer cessar em Nofe os deuses que nada valem, e não mais se mostrará haver maioral (príncipe) procedente da terra do Egito; e hei de pôr medo na terra do Egito... E vou espalhar os egípcios entre as nações e dispersá-los entre as terras; e terão de saber que eu sou Jeová” (Ezequiel 30: 4,5,11-13,22-26). Se todas estas profecias funestas sobre o Egito se cumprissem realmente, seu futuro seria terrível. O Egito não seria habitado por um período de quarenta anos e se tornaria um lugar desolado e devastado. Os egípcios seriam espalhados ou dispersados pela terra e jamais subjugariam outras nações. Até mesmo os canais do Nilo secariam e seus ídolos seriam destruídos, tudo isso seria feito pela mão de Nabucodonosor. Agora vamos aos fatos. Nada
228 disto ocorreu, Nabucodonosor nunca conseguiu devastar o Egito, os canais do Nilo jamais secaram, os ídolos do Egito continuam existindo até hoje como as pirâmides, a grande esfinge e diversas outras imagens que foram preservadas e continuam sendo cultuadas até hoje. O Egito nunca ficou totalmente desabitado, a história mostra que o Egito tem sido continuamente habitado desde os dias da profecia. Contrariando a profecia de que o Egito jamais subjugaria outras nações, em 1820 o Egito conquistou e dominou o Sudão, e desde a década de 60 têm sido uma potência econômica e militar naquela região. Além disso, os egípcios ainda vivem no Egito (a República Árabe do Egito) e jamais em sua história foram dispersos ou espalhados. A profecia afirmou que não existiriam mais maiorais ou príncipes no Egito, entretanto, príncipes continuaram a governar o Egito muito tempo depois da morte de Nabucodonosor. Vamos ver agora mais uma profecia, para não fugir do costumeiro uma profecia apavorante de desolação, desta vez sobre a terra de Edom, uma nação considerada irmã dos israelitas, imagine se não fosse. “Pois a minha espada certamente ficará encharcada nos céus. Eis que descerá sobre Edom e sobre o povo que em justiça devotei à destruição. Jeová tem uma espada; terá de ficar cheia de sangue; terá de ficar untada de gordura, do sangue de carneirinhos e de cabritos... Porque Jeová tem um sacrifício em Bozra e um grande abate na terra de Edom... e sua terra terá de ser encharcada com sangue e o próprio pó deles ficará untado de gordura. Porque Jeová tem um dia de vingança, um ano de retribuições pela causa jurídica relativa a Sião. E as torrentes dela terão de transformar-se em piche e seu pó em enxofre; e sua terra terá de tornar-se como piche ardente. Não se apagará nem de noite nem de dia; sua fumaça continuará a ascender por tempo
229 indefinido. De geração em geração será abrasada; nunca jamais passará alguém por ela” (Isaias 34:5-11). Segundo a profecia, a espada de Deus desceria sobre Edom fazendo sua terra se encharcar de sangue e o pó ficar untado da gordura. Mas isso era só o começo, os rios se transformariam em piche e seu pó em enxofre. Diante deste cenário infernal uma fumaça sairia desta terra por tempos indefinidos, por todas as gerações tal região seria abrasada e nunca mais alguém passaria por tal lugar. Os Edomitas foram um grupo tribal de língua Semítica habitantes do Deserto de Negev e do vale de Arabá, que hoje corresponde ao sul do Mar Morto nas vizinhanças do rio Jordão. Apesar do rei babilônico Nabonido ter conquistado estas terras por volta do sexto século antes de Cristo, os rios desta região jamais se transformaram em piche ardente e tampouco sua terra em enxofre. Os edomitas e posteriormente os nabateus continuaram a viver nesta região por mais de quinhentos anos. A profecia biblica diz claramente que esta região seria abrasada para sempre e que ninguém jamais passaria por ela novamente. Porém, isto nunca aconteceu, a região até hoje é habitada e muitas pessoas passam por ela. Existem vários outros exemplos de profecias biblicas que não se cumpriram, creio que um livro inteiro seria necessário para abordar todos os casos, mas visto que gostaria de citar outros assuntos também interessantes vou parar por aqui. Os casos mostrados acima, apesar de serem apenas uma pequena amostra demonstram bem a idéia que quero passar, a fragilidade das profecias biblicas. Muitos religiosos tentam explicar estas e outras profecias não cumpridas através de interpretações particulares, tentando dar a elas um sentido simbólico, aplicando-as convenientemente a certas instituições ou organizações atuais ou fazendo analogias a
230 outros eventos. Tais formas particulares de interpretação são muito superficiais e qualquer pessoa pode adaptar as mesmas profecias em qualquer época. Um clássico exemplo disso encontra-se nas profecias bíblicas sobre o fim do mundo, profecias estas que analisaremos a partir de agora.
231
29 - O FIM DO MUNDO bíblia contêm inúmeras referências ao fim do mundo, ou fim dos tempos, ou fim do sistema dependendo da tradução. Independentemente da forma como determinado tradutor resolveu escrever, esta expressão geralmente causa nas pessoas pavor, pois automaticamente vêm em suas mentes imagens de destruição em massa. Dependendo da crença da pessoa tais imagens são especialmente horripilantes, como fogo queimando pessoas vivas, enormes pedras caindo do céu esmagando a todos, fendas gigantes sendo abertas no chão engolindo multidões, terremotos avassaladores, erupções vulcânicas, furacões, ondas enormes inundando cidades inteiras e por aí vai. Durante milênios o imaginário das pessoas tem criado cenas terríveis e muitos viveram e ainda hoje vivem em constante expectativa, esperando tal fim cataclísmico. Existem seitas extremistas que chegam até mesmo a apontar datas baseadas em cálculos tirados dentro da bíblia, cálculos que dependendo da interpretação levam a diversas datas diferentes. Tal estudo é chamado de escatologia, do grego antigo εσχατος (último), mais o sufixo logia (estudo), portanto tal palavra significa literalmente estudo do último, ou estudo do fim. É uma parte da teologia e filosofia que trata dos últimos eventos na história do mundo ou do destino final do gênero humano. Este tipo de estudo e cálculo gerando teorias especulativas remonta a dois mil anos atrás, começando no Judaísmo do primeiro século na pessoa do rabino Akibah Ben Joseph (50 - 132 E.C) e passando pelo Catolicismo medieval a Reforma e finalmente, o Protestantismo anglo-americano do século 19 (Le Roy Edwin Froom, The Prophetic Faith of Our Fathers, Review and Herald Publishing Association, Washington, d.c. 1950). O primeiro
232 estudioso cristão a fazer especulações proféticas sobre o fim do mundo, neste caso já relacionado com a vinda do messias (Jesus Cristo), servindo-se dos mesmos métodos de cálculo dos rabinos do primeiro século, foi Joachim de Flora, no ano de 1195 E.C. (Charles Maitland, A Escola de Interpretação Profética dos Apóstolos, em inglês, Londres, 1849), págs. 37, 38). Não seria o único, do início do século 12 ao início do século 19 cerca de 35 autores continuariam a especular e propor datas para o cumprimento das profecias bíblicas. Durante o século 19 e início do século 20 houve a maior concentração de previsões já vistas, apenas em 100 anos mais de 30 autores fizeram previsões apontando datas para o fim do mundo. Até os dias de hoje alguns ainda arriscam previsões, mas obviamente, todas estas datas baseadas em profecias bíblicas se mostraram um fiasco, seus autores acabaram desiludidos e as pessoas que acreditaram em tais homens por fim entenderam que foram enganados. Por incrível que pareça, ainda hoje existem pessoas que acreditam no famigerado fim do mundo predito na bíblia, e no futuro com certeza existirão pessoas que estarão na expectativa deste fim. Enquanto houver a crença de que a bíblia é a palavra de Deus, um livro inspirado por Deus, sempre existirão pessoas que tentarão procurar em suas páginas uma data ou uma época para o fim do mundo. Isto porque suas páginas estão repletas de referências a um fim iminente. Os escritores bíblicos tinham em mente que tal fim viria em sua época, tinham total convicção disto. Veja alguns exemplos. “Pois, nós vos dizemos pela palavra de Jeová o seguinte: que nós, os viventes, que sobrevivermos até a presença do Senhor, de modo algum precederemos os que adormeceram [na morte]; porque o próprio Senhor descerá... e os que estão mortos em união com Cristo se levantarão primeiro. Depois nós, os viventes, que sobrevivermos, seremos juntamente com eles arrebatados em
233 nuvens, para encontrar o Senhor no ar; e assim estaremos sempre com [o] Senhor” (1ªTessalonicenses 4:15-17). Note que o escritor bíblico disse que Deus havia revelado a ele que os que sobrevivessem até a volta de Cristo, grupo este que ele se incluía (observe o uso do pronome “nós”) seriam arrebatados em nuvens. Fica evidente que ele tinha plena convicção de que o retorno de Jesus ocorreria dentro do tempo de vida de alguns de seus contemporâneos. “Mas tem-se aproximado o fim de todas as coisas. Sede ajuizados, portanto, e sede vigilantes, visando as orações” (1ª Pedro 4:7). “Outrossim, digo o seguinte, irmãos: o tempo que resta é reduzido. Doravante, os que tiverem esposas sejam como se não as tivessem, e também os que choram sejam como os que não choram, e os que se alegram, como os que não se alegram, e os que compram, como os que não possuem, os que fazem uso do mundo, como os que não o usam plenamente; porque está mudando a cena deste mundo” (1ªCoríntios 7: 29-31). “Pois, ainda por um pouquinho, e aquele que vem chegará e não demorará” (Hebreus 10:37). Mais algumas declarações mostrando o que pensavam os primitivos cristãos. Para eles o retorno de Jesus era iminente. O escritor até mesmo sugeriu na Epístola aos Coríntios que não se fizesse planos para o futuro. A leitura dessas passagens torna perfeitamente compreensível o fato de que os primeiros cristãos acreditavam que o fim dos tempos estava próximo (esse fato é admitido inclusive pelos historiadores cristãos). Felizmente para nós, eles estavam equivocados. “Mas foi com sangue precioso, como o de um cordeiro sem mácula nem mancha, sim, o de Cristo. Deveras, ele era conhecido de antemão, antes da fundação do mundo, mas foi manifestado no fim dos tempos por causa de vós” (1ª Pedro 1:20).
234 “Senão teria de sofrer muitas vezes, desde a fundação do mundo. Mas agora ele se manifestou uma vez para sempre, na terminação dos sistemas de coisas, para remover o pecado por intermédio do sacrifício de si mesmo” (Hebreus 9:26). Nestes dois exemplos acima os escritores bíblicos falando sobre a morte de Jesus deixam bem claro que isto ocorreu no “fim dos tempos” ou na “terminação do sistema de coisas”. Fica evidente que os cristãos do primeiro século tinham absoluta certeza de que estavam muito próximos do fim. “Criancinhas, é a última hora, e, assim como ouvistes que vem o anticristo, já está havendo agora muitos anticristos; sendo que deste fato obtemos o conhecimento de que é a última hora” (1ª João 2:18). Parece que o escritor deste trecho bíblico estava ainda mais convicto do que os demais, ele chega a dizer que eles estavam na “última hora” por duas vezes, dando até mesmo provas disso, vários anticristos já tinham aparecido. “Aquele que dá testemunho dessas coisas diz: Sim; venho depressa” (Revelação 22:20). Segundo este escritor bíblico, o próprio Jesus lhe confidenciou em uma visão que Ele voltaria depressa. Visto que já se passaram 2000 anos e até agora nada, só nos resta duas opções, ou Jesus mudou de ideia e resolveu esperar mais um pouco (no caso 2000 anos) ou este escritor bíblico pensou ter tido uma visão, mas na realidade tudo não passou de um delírio de sua parte. Portanto, fica bem claro que os primeiros cristãos não eram diferentes de todos os demais através das épocas, que tinham absoluta certeza de que estavam pertíssimos do fim e que até hoje acreditam piamente nisso e creio eu que daqui a 2000 anos ainda estarão plenamente convictos. Alguns religiosos costumam citar certos acontecimentos como sendo o cumprimento dos ditos sinais que Jesus deixou para
235 indicar que estaria perto o fim. O interessante é que em todas as épocas durante os últimos 2000 anos os cristãos citaram os mesmos sinais como sendo provas incontestáveis de que o fim do mundo estava próximo. Como vimos acima, um escritor bíblico do primeiro século cita o aparecimento de anticristos pelo mundo em sua época, como sendo um destes sinais. Porém, existem muitos outros “sinais” do tempo do fim registrados na bíblia, que podem ser aplicados e relacionados a qualquer período da história, conforme veremos a seguir.
236
guns escritores bíblicos relatam certos acontecimentos que, segundo eles, Jesus teria apontado como sinais de uma futura volta dele. Tais relatos se encontram nos evangelhos de Mateus capítulo 24, Marcos capítulo 13 e Lucas capítulo 21. Ao ler estes capítulos na bíblia encontrará descrições de guerras, fome, doenças, terremotos, falsos cristos, falsos profetas, aumento da criminalidade, falta de amor entre outras. Desde a época dos primeiros discípulos de Cristo, já havia a expectativa entre eles de que o fim estava próximo. Percebemos nos escritos da bíblia de que eles estavam convictos de que os ditos sinais estavam todos ocorrendo em seus dias. Expressões tais como “está próximo o fim de todas as coisas”, “o tempo que resta e reduzido”, “ainda mais um pouquinho e Jesus virá”, “estamos no tempo do fim”, “é a última hora”, “venho depressa”, destacam bem o clima que existia entre os primeiros cristãos. Porém, eles morreram desiludidos e outra geração de discípulos veio com a mesma expectativa, e depois outra e mais outra até chegarmos aos dias de hoje. Porque isto ocorreu? Em parte isto se deve ao fato de que os ditos “sinais” podem ser observados em qualquer época. A humanidade sempre esteve envolvida em guerras, sempre teve milhões de pessoas famintas ou grandes epidemias. Desde de que mundo é mundo terremotos, maremotos e furações acontecem frequentemente. O crime, a falta de amor e o surgimento de falsos cristos e falsos profetas tem sido uma constante há milênios. Além do fato dos ditos “sinais” serem facilmente adaptáveis em qualquer época, não podemos deixar de mencionar que à vontade das pessoas de estarem realmente neste tempo do fim, prestes a ver uma grande
237 transformação no mundo e por tabela em suas próprias vidas, tem feito com que as pessoas enxerguem sinais onde elas querem enxergar sinais. Enquanto existir pessoas acreditando na bíblia como sendo a palavra de Deus, sempre haverá expectativa quanto a um fim do mundo apoiado em sinais que sempre existiram, existem e existirão. Na cabeça das pessoas sempre haverá “sinais” para justificar suas crenças. Muitos afirmam que todos estes ditos “sinais” aumentaram de intensidade e acontecem todos de uma só vez em nossos tempos. Entretanto, as pessoas em geral não percebem que na realidade não foram os sinais que aumentaram de intensidade, mas a população é que aumentou de tamanho. Quanto maior a população, maior a quantidade de pessoas que morrerão em terremotos, por exemplo. Imagine a cidade do México há 500 anos atrás. Quantas pessoas você acha que habitavam aquela região? Hoje com certeza são mais de 20 milhões de pessoas, mas há 500 anos atrás as Américas tinham acabado de serem descobertas, o máximo que existia nesta região eram pequenas aldeias de índios, não existia a grande aglomeração de pessoas morando em grandes prédios como existe hoje. Se acontecesse um terremoto nesta região naquela época, por mais devastador que fosse, quantas pessoas você acha que morreriam? Com certeza muito menos que às 20.000 mortas, 30.000 feridas e 100.000 desalojadas no dia 19 de setembro de 1985, quando um terremoto de 8.1 na escala Richter atingiu a cidade do México. Além disso, quem poderia registrar um terremoto naquela época? A sismologia é um ramo da ciência bem recente. Foi só no princípio da década de 1850 que o primeiro verdadeiro sismólogo, como o chamaríamos, apareceu em cena. Foi um irlandês, Robert Mallet (Peter Verney, Manual dos Terremotos (em inglês). Nova Iorque e Londres, 1979, pág. 47). Depois dele
238 veio John Milne, chamado de “pai da sismologia”. Em 1880 ele inventou o primeiro sismógrafo propriamente dito, e desde o fim do século dezenove tem sido possível um registro razoavelmente preciso dos terremotos (Verney, págs. 53, 54; B. Booth & F. Fitch, Choque Terrestre (em inglês). Londres, 1979, pág. 89). Consequentemente, os sismólogo podem apresentar uma lista completa dos grandes terremotos que ocorreram na terra de 1903 em diante. Com o melhoramento adicional do sismógrafo um crescente número de países tem adotado seu uso. Mas foi só no fim da década de 1950 que esta rede de observações atingiu uma escala global. Desde então, tem sido possível registrar e medir todos os terremotos, pequenos e grandes, por todo o mundo. Porém, não é tarefa fácil comparar a lista completa dos grandes terremotos registrados no século 20 por sismólogos modernos com a dos séculos passados. A razão disto é que a informação disponível referente há séculos anteriores é comparativamente escassa e incompleta. As fontes históricas tornam-se mais e mais esparsas quanto mais recuamos no tempo. Outro fator que limita consideravelmente nosso conhecimento dos terremotos antigos é que a maioria deles ocorreu fora da Europa, que é a fonte de quase toda a nossa informação para a maior parte da história desde o primeiro século até a “Era dos Descobrimentos” no século quinze. A Enciclopédia Americana informa-nos que cerca de 80 por cento da energia sísmica do mundo é liberada num cinturão que contorna o Oceano Pacífico. A Europa é o cenário onde ocorrem os terremotos que representam apenas quinze por cento da energia sísmica do mundo. A Europa Ocidental pode ser considerada uma zona quase estável em comparação com a história dos terremotos nos Andes ou em qualquer outra parte do Círculo de Fogo (o cinturão do Oceano Pacífico).
239 O material das fontes históricas para os séculos passados é, com poucas exceções, limitado à Europa e à área do Mediterrâneo. O que sabemos, por exemplo, sobre a atividade dos terremotos na América do Norte, Central e do Sul antes de Colombo? Os registros anteriores à Era Cristã, e anteriores ao ano de 1700, são praticamente restritos às ocorrências da Europa Meridional, China e Japão (Relatório do Décimo Oitavo Encontro da Associação Britânica para o Progresso da Ciência, Portsmouth: 31 de agosto a 7 de setembro de 1911, Londres 1912, pág. 649 em inglês). No próprio século 20, a maioria dos terremotos mais destrutivos ocorreu em áreas fora da Europa, em regiões onde não há registros históricos de ocorrências passadas disponíveis para que se possam fazer comparações. Diante de todo este quadro, é impossível saber se os terremotos realmente aumentaram de intensidade como afirmam certos religiosos. Podem ter causado um maior número de mortos devido obviamente ao aumento populacional, agora dizer que aumentaram sua frequência e intensidade é no mínimo desonesto. Só mesmo na cabeça de fanáticos religiosos que tentam desesperadamente dar um sentido a sua fé. Outra grande ilusão é afirmar que guerras, fomes e doenças aumentaram sua intensidade devido ao aumento do número de pessoas afetadas. O que a grande maioria dos religiosos de plantão se esquece ou pelo menos finge esquecer é o fato de que o número de pessoas afetadas aumentou por que a população aumentou, é natural que quanto maior a população do mundo maior as pessoas afetadas. Não é necessário ser nenhum vidente para prever isto. Um estudo honesto e legítimo tem que avaliar a porcentagem da população afetada. Por exemplo, numa aldeia de 1.000 habitantes, se 600 deles estivessem morrendo de fome, descreveríamos a aldeia como estando gravemente afetada pela fome. Isso significaria que seis
240 dentre cada dez pessoas (60%) estavam morrendo de fome. Mas numa cidade de 100.000 habitantes, mesmo que 10.000 pessoas estivessem morrendo de fome, esse número, embora muito maior do que os 600 já mencionados significaria que apenas uma dentre cada dez pessoas (10%) estava morrendo de fome. A cidade grande teria, em média, uma incidência de fome muito menor do que a aldeia. A cidade seria, desse ponto de vista, o melhor lugar para se viver. É isto o que encontramos ao considerar o cenário mundial. A população mundial aumentou muito, principalmente durante o século 20 e, portanto, seja qual for à circunstância devastadora que se considere, é bem razoável que um maior número de pessoas seja afetado hoje do que em séculos passados. Numa época em que os voos de aviões comerciais eram raros, limitados a poucos por dia, cinco quedas num ano indicavam corretamente um baixo nível de segurança, justificando a conclusão de que voar é um meio perigoso de se viajar. Mas hoje, quando milhares de voos são realizados cada dia em apenas um único país, como os EUA, até mesmo um número cinco vezes maior de quedas de aviões num ano não mudaria o fato de que a viagem de avião é um dos meios de transporte mais seguros em nossos tempos modernos. O mesmo princípio aplica-se apropriadamente quando avaliamos o efeito mundial dos aspectos já mencionados referentes à guerra, fome e pestilência, bem como ao número de pessoas afetadas por terremotos. Ignorar esse fator, deliberadamente ou apenas devido a pensamento superficial, é distorcer a realidade e deturpar a verdade. Outro argumento comumente usado para tentar aplicar o dito “sinal” em nossa época é de que se trata de um sinal composto, quer dizer, envolve vários aspectos que ocorrendo todos de uma só vez indica a proximidade do fim. Entretanto, tal argumento
241 mais uma vez mostra-se falho. Qualquer pessoa que faça uma pesquisa honesta e rigorosa do assunto descobrirá logo que é praticamente impossível encontrar uma geração durante os últimos 2.000 anos que não tenha observado as várias particularidades combinadas do suposto “sinal composto”! E realmente isto não nos deveria surpreender, uma vez que a maior parte dos flagelos mencionados por Jesus está inter-relacionada e, por este motivo, é normal que ocorram simultaneamente. Isto é particularmente verdadeiro no que se refere às guerras, fomes e pestilências. Esta “trindade do mal” estava ainda mais fortemente associada no passado do que nos dias de hoje, quando comunicações e cuidados médicos melhores têm reduzido grandemente o papel da fome e das epidemias em épocas de guerra (E. Parmalee Prentice, A Fome e a História. Caldwell, Idaho, 1951, em inglês). Em períodos de guerra, fome e pestilência, é também muito comum que aumentem o crime e a violência. A história está repleta de exemplos do efeito desmoralizante destas pragas na mente e no comportamento das pessoas. A história das fomes, por exemplo, é também uma história de desmoralização, violência, banditismo, assassinato e canibalismo, uma história dos períodos em que a anarquia aumenta e o amor esfria. Exatamente o mesmo tipo de deterioração ocorre durante as pestilências. Épocas de peste são sempre aquelas em que o lado animalesco e diabólico da natureza humana assume o controle. Esta correlação entre períodos de guerras, fomes, pestes, ou outros desastres e um aumento do crime foi também confirmada por descobertas da criminologia moderna. Observa-se que o desenvolvimento histórico da violência e dos roubos coincide com acontecimentos históricos particulares, como anos de fome, pestilências e guerras. O provérbio “uma desgraça nunca vem só” é evidentemente verdadeiro, guerras, fomes, pestes e crime estão
242 todos correlacionados e geralmente aparecem juntos. Sua aparência “composta” é, portanto, muito natural e compreensível, não é alguma novidade da nossa época. Pelo contrário, esta síndrome das calamidades tem sido parte da história do homem ao longo de todos os séculos, e tem sido experimentada por todas as gerações desde a época de Cristo. O século catorze é um bom exemplo disso conforme veremos.
243
século catorze nos dá um quadro bem claro de que em qualquer época, todas as calamidades descritas na bíblia aconteceram de uma só vez e de forma até mais intensa do que hoje. Para que você entenda bem a questão vamos mentalmente fazer uma visita ao século catorze. A história mostra que o mundo medieval era um mundo de guerra constante. Durante o século catorze uma série de guerras longas e sangrentas foram travadas em diferentes partes do mundo. Em 1337 a Europa Ocidental presenciou o início da guerra mais longa da história, a chamada Guerra dos Cem Anos entre a Inglaterra e a França, uma guerra que na verdade se estendeu por 116 anos e que destruiu a unidade medieval. Outras guerras e infindáveis conflitos civis assolaram a Europa, como por exemplo, as guerras entre os principados da Alemanha e as guerras entre as cidades comerciais e os principados da Itália. A Europa Oriental e praticamente todo o continente asiático estavam dominados pelos cruéis mongóis, que tinham conquistado aquelas regiões no decorrer do século anterior (R. Grousset, O Conquistador do Mundo, em inglês, 1967). Durante a maior parte desses dois séculos a história militar e política da humanidade foi dominada pelos mongóis ou por seus vassalos os tártaros, que conquistaram ou devastaram todas as principais regiões do mundo conhecido, com exceção da Europa Ocidental (J. A. Boyle, O Império Mundial Mongol 1206-1370, em inglês, 1977). Durante o século catorze este vasto império desmoronou-se gradualmente. Sangrentas guerras civis persistiram durante décadas tanto nas partes ocidentais como nas
244 orientais do grande Império Mongol (E. D. Phillips, Os Mongóis, em inglês, 1969). Na China os dominadores estrangeiros foram finalmente derrotados em 1360, depois de uma longa guerra civil que custou evidentemente milhões de vidas. No mesmo século o Império Turco apareceu no cenário, tendo conquistado primeiro a Ásia Menor e depois a maior parte da Península Balcânica. Daí, por volta de 1370, apareceu no cenário um dos mais desumanos conquistadores mundiais que a história conheceu. Ele foi Tamerlão (ou, Timur Lenk), o terrível “Hitler” do século catorze. Após fazer de Samarcanda, no Turquestão Ocidental, o centro de seu império em 1370, ele partiu dali para conquistar o resto da Ásia. Os países do Corásmio, Afeganistão, Beluquistão, Mongolestão, Rússia, Sibéria Ocidental, Pérsia, Iraque, Índia, Síria e Anatólia foram todos conquistados durante as três décadas seguintes, numa onda de triunfos inacreditavelmente cruéis e sangrentos que custaram milhões de vidas. Da mesma maneira que Gêngis Khan no século anterior, Tamerlão assassinava sem misericórdia populações inteiras (homens, mulheres e crianças) em qualquer cidade ou região que lhe resistia. Todo o país do Corásmio com sua capital Urgentsj, na Ásia Central, foi assim completamente riscado do mapa. Muitas cidades populosas, entre elas Tíflis, a capital da Geórgia, Ispaã na Pérsia, Bagdá no Iraque, e Damasco na Síria, foram devastadas e saqueadas e suas populações aniquiladas. Estima-se que durante as conquistas na Índia em 1398, um milhão de pessoas morreram em questão de poucas semanas. Tamerlão finalmente morreu em sua campanha contra a China em 1405, tendo já conquistado quase toda a Ásia desde a Europa a oeste até a fronteira chinesa a leste (Herbert Melzig, Timur, Verhänghis eines Erdteils, Zurique & Nova Iorque, 1940). O aspecto da
245 guerra em todas as partes do mundo conhecido com certeza não estava ausente no século catorze. Também no século catorze, teve início uma mudança no clima, provocando tempo frio durante alguns anos, com tempestades, chuvas, inundações e depois secas e destruição das colheitas. As consequências foram várias fomes muito severas. Aparentemente a pior destas foi à fome universal de 1315-1317, uma fome que atingiu todas as terras dos Pireneus às planícies da Rússia e da Escócia à Itália. As consequências foram muito severas. Os pobres comiam praticamente tudo, cães, gatos, os excrementos das pombas, e até suas próprias crianças. Relatos da Letônia e da Estônia enfatizam que mães famintas comeram seus filhos, e que homens famintos muitas vezes morriam nas sepulturas enquanto escavavam corpos para comer. Cronistas mostram que condições similares prevaleciam em outros países. Na Irlanda a agonia arrastou-se até 1318 e mostrou-se especialmente severa, pois as pessoas desenterravam corpos nos cemitérios das igrejas e usavam-nos como alimento, e os pais até comiam seus filhos. Nos países eslavos, como a Polônia e a Silésia, a fome ainda era comum em 1319, e relatos dizem que os pais matavam seus filhos e os filhos matavam os pais, e os corpos de criminosos executados eram avidamente arrebatados da forca (Henry S. Lucas, A Grande Fome Européia de 1315, 1316 e 1317. Publicado pela Academia Medieval da América, 1930, em inglês). Junto com a fome veio a peste que eliminou um grande número de pessoas. Seguiram-se outras grandes fomes nas décadas de 1330 e 1340. A Itália, por exemplo, foi varrida pela fome absoluta e um grande número de seus habitantes morreu. Por todo o resto do século fomes sucessivas afetaram os países da Europa e outras partes do mundo e, nesse período, prevaleceu a carência universal. Existe toda a evidência de que o século catorze foi
246 muito mais afetado pelas fomes e pela má nutrição do que o século vinte. Como se tudo isso não bastasse, surgiu a peste negra exterminando 1/3 da população da Europa, ou seja, 75 milhões de pessoas. Esta praga ultrapassou em todos os sentidos a Gripe Espanhola do século 20. Além disso, ela visitou novamente a Europa (e muitas outras partes do mundo) várias vezes antes do fim daquele século (John Kelly, A Grande Mortandade, Uma História Íntima da Peste Negra. Bertrand Brasil, 2011. ISBN 9788528614763). Outras pestilências que assolaram a humanidade no mesmo período foram à disenteria e o antraz. Várias grandes epidemias do mal conhecido como Doença de Huntington difundiram-se perto do fim do século. Embora não seja notavelmente contagiosa ou necessariamente mortal, a lepra alcançou suas maiores proporções na Europa durante as décadas que antecederam a Peste Negra. As pragas do século catorze tiveram um impacto na raça humana muitas vezes mais desastroso do que as epidemias de nossa época, e muitos historiadores apontam para 1348, o ano inicial da Peste Negra, como um dos pontos de virada mais importantes da história. Muitos historiadores defendem que o ano de 1348 assinalou o ponto mais próximo de uma interrupção definitiva na continuidade da história, como jamais havia ocorrido. Acha que acabou por ai? Nos tempos antigos era comum a crença de que os terremotos, da mesma forma que os fenômenos celestes tais como eclipses, meteoros, e especialmente cometas, eram presságios de grandes calamidades, especialmente de guerras, fomes e pestilências (Marcelo Gleiser, O Fim da Terra e do Céu; O Apocalipse na Ciência e na Religião. Editora Cia. das Letras, 2001. ISBN 8535901523). Por isso, esses portentos sinistros normalmente causavam grande medo. Tucídides,
247 Diodoro Sículo, Lívio e muitos outros escritores antigos afirmaram que os terremotos eram presságios de pestilência, e o filósofo romano Sêneca, um contemporâneo dos apóstolos, afirmou explicitamente que “depois de grandes terremotos é normal ocorrer uma pestilência”. Não admira, pois, que os grandes terremotos que antecederam e acompanharam a peste negra do século catorze tenham sido interpretados como presságios da praga por cronistas contemporâneos. Na China os anos que antecederam o início da praga foram marcados por uma série de grandes desastres como secas, inundações, enxames de gafanhotos, fomes e terremotos. Em 1334 houve uma seca em Houdouang e Honan, seguida por enxames de gafanhotos, fome e pestilência. Um terremoto nas montanhas de Ki-Ming-Chan formou um lago com mais de seiscentos quilômetros de circunferência. Em Tche acredita-se que os mortos ascenderam a mais de cinco milhões. Terremotos e cheias continuaram de 1337 a 1345, os gafanhotos nunca tinham sido tão destrutivos, houve um ‘trovão subterrâneo’ em Cantão. A Europa também parece ter sido atingida por uma série de calamidades pouco comum, incluindo terremotos destrutivos, nos anos anteriores e durante a praga, acompanhados por portentos assustadores no céu e na terra. Ano após ano ocorreram sinais no céu, na terra, no ar, todos indicando, segundo pensavam os homens, algum vindouro acontecimento terrível. Em 1337 um grande cometa apareceu nos céus, sua longa cauda semeou o medo nas mentes das massas ignorantes. Em 1348 veio um terremoto de uma violência tão assustadora que muitos homens pensaram tratar-se de um presságio do fim do mundo. As devastações dele espalharam-se amplamente. Chipre, Grécia e Itália foram terrivelmente atingidas e o tremor sísmico estendeu-se ao longo dos vales alpinos. A Europa foi sacudida do sul da Itália à Bósnia e da Hungria à Alsácia. Os
248 terremotos destruíram muitas cidades e aldeias, incluindo a cidade de Villach em Caríntia, na Áustria. O terremoto fez desmoronar trinta e seis cidades ou castelos na Hungria, Estíria, Caríntia, Bavária e Suábia. O chão se abriu em vários lugares. Pensou-se que as exalações de mau cheiro que este terremoto produziu eram a causa da peste negra que se espalhou por todo o mundo, durou três anos, e que segundo os cálculos, matou um terço da raça humana. Em 18 de outubro de 1356 às dez horas da noite, a cidade de Basiléia e outras cidades e aldeias num raio de vinte e oito quilômetros foram destruídas por um terremoto terrível, cujos abalos posteriores continuaram por mais de um ano. Oitenta castelos, juntamente com cidades e aldeias dependentes deles, ficaram arruinados. O século catorze foi atingido por um número anormalmente grande de terremotos destrutivos. O catálogo de Milne, embora muito incompleto para este período e praticamente limitado a ocorrências na Europa Meridional, China e Japão, alista 143 terremotos destrutivos para o século catorze (Charles Morris, Contos Históricos, O Romance da Realidade. Lippincott, 1893, em inglês). É claro que geralmente faltam informações sobre o número de mortos, mas não há razão para pensar que os grandes terremotos eram menos comuns ou menos destrutivos para a vida humana no século catorze do que são hoje. Conforme já foi demonstrado, grandes calamidades como guerra, fome e pestilência normalmente causam um aumento considerável do crime e da imoralidade. Como não poderia ser diferente, o crime violento foi um aspecto importante na segunda metade do século catorze. O banditismo atingiu proporções enormes, contribuindo para o declínio contínuo da população mundial no fim do século 14. O crime e o assassinato se generalizaram. Pessoas que normalmente levavam uma vida decente e respeitável viram-se obrigadas a cometer irregularidades de conduta que fizeram deles
249 criminosos. Ladrões e vagabundos parecem ter infestado as regiões rurais da Inglaterra, e eram culpados de todos os tipos de violência. O crime tornou-se bem frequente na Irlanda. Roubo com tentativa de estupro era comum, de fato todo tipo de artigos que podiam ser usados como alimentos eram roubados, de fato todas as coisas de valor eram prontamente tomadas. A pirataria, ou assalto em alto mar, que infestou séculos anteriores e era muitas vezes organizada e acompanhada por muitas mortes, aumentou também durante o século catorze. Evidentemente aquela época teve seu quinhão de crime crescente e o consequente medo criado, assim como outros períodos, incluindo o nosso. Materialismo, pessimismo, angústia e medo do fim do mundo caracterizaram mais o século catorze do que nossa época (Carl O. Jonsson, Sign of the Last Days When. Commentary Press, Setembro, 1987. ISBN 978-0914675099). Os problemas de hoje são basicamente uma repetição do passado. Se houvesse na época os meios de comunicação que existem hoje, como jornais, revistas, televisão, rádio e internet, com certeza não faltariam notícias ruins. Será que podemos dizer que as calamidades experimentadas pelo homem moderno são piores do que aquelas experimentadas pelo homem medieval? Para qualquer pessoa que tenha um mínimo de conhecimento histórico a resposta é claramente não. Apesar de vivermos uma época com graves problemas é reconfortante saber que a espécie humana já passou por situações piores. O século catorze, conforme vimos acima, foi muito mais devastador do que os dias de hoje.
250
32 - O CRESCIMENTO POPULACIONAL Outro fator que demonstra de forma inegável a maior exposição que as pessoas da Idade Média tinham a guerras, fome, doenças e violência têm a ver com o crescimento populacional. Todos sabem que as pessoas no passado tinham mais filhos que hoje devido a vários fatores, como a inexistência de métodos anticonceptivos como a pílula, camisinha, injeções, adesivos, DIU, esterilização entre outros. Havia também uma mentalidade diferente da de hoje. Ter uma família pequena era considerado um fracasso para o casal, a mulher que tinha poucos filhos era menosprezada, pois prevalecia o conceito de que a mulher tinha como único objetivo em sua existência a procriação. As famílias antigamente tinham muitos filhos, era fácil encontrar famílias com 10, 12, 15 filhos. Uma família que tinha 5 filhos era considerada pequena. Porém, hoje a situação mudou. Na china, por exemplo, é proibido ter mais que um filho, o governo adotou esta medida para tentar parar o aumento populacional em seu país que já ultrapassou os astronômicos 1 bilhão de habitantes. Tal medida tem surtido efeito, pois nos últimos anos tem se observado uma diminuição drástica no aumento populacional. Países como o Brasil e o México também têm observado uma grande diminuição em seu aumento populacional. A Europa e América do Norte já por décadas têm visto diminuir muito seu aumento populacional, tanto que em tais regiões os idosos têm se tornado maioria. Todas as pesquisas populacionais apontam para um declínio no número de jovens, principalmente em países do primeiro mundo e dos chamados emergentes.
251 Isto tem provocado um problema, por que com a população envelhecida, tem faltado mão de obra jovem para sustentar a economia. Com isso o seguro social de tais países tem tido dificuldade de pagar os aposentados. Quanto menos jovens trabalhando com carteira assinada, menor o valor arrecadado pela previdência social. E visto que a expectativa de vida dos idosos tem aumentado cada vez mais graças aos avanços da medicina moderna, tem surgido um grande problema para os seguros sociais destes países, o famoso déficit na previdência, tão falado nos últimos anos. O que tudo isso nos ensina? Que o aumento populacional no mundo tem diminuído devido ao surgimento de métodos anticonceptivos, a uma mudança na mentalidade das pessoas e aos esforços dos governos em diminuir o aumento populacional. Notou que não mencionamos aqui guerras, fome, epidemias e violência como fatores relevantes na diminuição do aumento populacional? Sabe porquê? Por que os que morrem por estes motivos em comparação com o crescimento da população mundial representam uma parcela pequena. Se fossemos deixar que apenas os mortos em guerras, pela fome, epidemias e violência se tornassem os únicos fatores de diminuição do aumento populacional veríamos uma verdadeira explosão demográfica. Isto por que os que morrem por estes motivos são bem menos do que os que nascem. É por isso que os governos têm tentado diminuir o número dos que nascem, e com muito esforço, como mostramos, eles tem conseguido diminuir este número, mas, mesmo assim a população do mundo continua a aumentar. Somando os mortos por guerras, fome, doenças, violência e por velhice mesmo, mais o grande esforço para diminuir os que nascem, eles conseguiram apenas diminuir o aumento populacional.
252 Então será que na Idade Média, onde não existia pílula, camisinha, injeções, adesivos, DIU e esterilizações, onde nenhum governo fazia o menor esforço de diminuir o aumento populacional e as famílias tinham muitos filhos, será que a população aumentava num ritmo alucinante? É isso que a história nos mostra? Não! Muito pelo contrário, a humanidade levou milênios para atingir 1 bilhão de habitantes. Isto aconteceu em 1850. Depois disso, em 1930 dobrou para 2 bilhões e em 1975 para 4 bilhões. Estima-se que em 2030 atingiremos 8 bilhões. Agora eu te pergunto, porque a humanidade levou mais de 6000 anos para atingir 1 bilhão de pessoas e em apenas 80 anos dobrou para 2 bilhões? E depois em apenas mais 45 anos dobrou para 4 bilhões? E em apenas mais 55 anos chegará a 8 bilhões de pessoas? Porque nos últimos 200 anos a humanidade tem crescido exponencialmente, uma verdadeira explosão demográfica, enquanto que de 4000 anos antes de Cristo até o aparecimento de Cristo a população mundial se manteve estável, em alguns lugares até mesmo diminuiu? E porquê da época de Cristo (250 milhões de habitantes no mundo) até o século 17 (500 milhões de habitantes no mundo), num período de 1600 anos ela dobrou apenas uma vez? A resposta a esta pergunta é muito clara, a razão do crescimento populacional muito lento em épocas passadas é precisamente devido ao fato de a humanidade ter sofrido muito mais guerras, fome e pestilências naquele tempo do que hoje. Todos os atuais peritos em população (demógrafos) concordam com este fato (World population prospects, the.Esa.un.org, 2004, revision population database). Estes fatores causaram uma mortalidade tão alta que o aumento populacional foi eficazmente restringido. Com frequência a grande mortalidade resultou até num decréscimo da população, através da pestilência, por
253 exemplo. Antes dos tempos modernos, epidemias, guerras e fome reduziam regularmente qualquer aumento populacional. Em conclusão, pode-se dizer que atingimos um desenvolvimento que é único para a humanidade. Por milhares de anos a fome, a doença e a guerra anularam efetivamente todas as tendências para um crescimento acelerado da população, mas depois do desenvolvimento técnico e medicinal o equilíbrio anterior entre as forças construtivas e destrutivas da vida foi alterado, resultando na explosão populacional. Assim as guerras, e especialmente a fome e as pestilências devastadoras desempenharam um papel decisivo em restringir a população da terra no passado (The World at Six Billion, Un.org). Porém hoje, avanços médicos e tecnológicos combinaram-se para deter as devastações das pestilências, para aumentar o suprimento de alimento e melhorar os meios de transportá-lo. O resultado foi um decréscimo acentuado da mortalidade, e isto é particularmente verdadeiro no que se refere à mortalidade infantil (Population Growth over Human History, Globalchange.umich.edu). Portanto, os fatos mostram que os ditos “sinais” do fim foram mais evidentes e acentuados no passado do que hoje. Mas então porque esta sensação de que estamos vivendo a pior era de todos os tempos? Nunca antes na história veicularam-se tantas notícias. E os meios noticiosos (televisão, rádio, jornais, revistas e internet) têm dado cada vez mais destaque as más notícias. Todos os dias, a mente das pessoas é inundada com uma dose concentrada das mais recentes misérias e males de diferentes partes do mundo. Um homem cai na banheira e morre no Japão, dentro de poucas horas o mundo inteiro está sabendo. Uma mulher escorrega numa casca de banana bate a cabeça no chão e morre no Cazaquistão e no mesmo dia todo mundo está sabendo. Com certeza isto não acontecia na Idade Média, se alguém morria ou deixava de morrer
254 na China, as pessoas na África jamais ficavam sabendo. As pessoas na Europa não tinham a mínima ideia das desgraças que aconteciam na Indonésia. Mas hoje a história é bem diferente. Porque a mídia divulga tanta notícia ruim? Em geral isto acontece por que tais notícias são as que mais dão audiência. As pessoas em geral parecem nutrir um gosto mórbido por notícias calamitosas. Depois de absorver essa verdadeira enxurrada de más notícias criteriosamente escolhidas de todas as partes do mundo, a pessoa sentada confortavelmente em seu sofá passa a ver o mundo de uma maneira deturpada. Ela passa a achar que no mundo só existem coisas ruins. Mas nós sabemos que não é bem assim, existem coisas boas e coisas ruins, como sempre existiram durante toda a história da humanidade. Agora o que nem sempre existiu foram os meios de comunicação em massa interligando o mundo com uma avalanche de informações e notícias. Portanto a informação multiplica a extensão de qualquer ocorrência deplorável por dez. Sem dúvida isto explica, pelo menos em parte, o sentimento de muitos de que o mundo é hoje pior do que nunca antes. Mas, como vimos, as evidências provam o contrário. Apesar da histeria de muitos religiosos em afirmar que os “sinais” do fim têm afetado a vida das pessoas com mais intensidade em nossos dias, os fatos mostram que tal convicção e baseada única e exclusivamente em fanatismo religioso. Guerra, fome, doença, e violência sempre existiram na história da humanidade e felizmente nos dias de hoje não tem afetado tão intensamente uma porcentagem tão grande da população como no passado (Beyond Economic Growth An Introduction to Sustainable Development. Second Edition. Chapter III: World Population Growth, Worldbank.org, 2004).
255
33 rande parte das histórias bíblicas como a criação do homem através do barro, o dilúvio, o sol parar no céu, a torre de babel, a gravidez de uma virgem, o salvador, o inferno, o céu, batalhas dos anjos de Deus contra os do diabo dentre outras tiveram influência das culturas que dominaram e colonizaram os hebreus em sua peregrinação pela terra palestina como os sumérios, acadianos, assírios, babilônicos, egípcios, persas, gregos e romanos. Os arqueólogos descobriram diversas provas de que a bíblia é uma colcha de retalhos influenciada fortemente por mitos alheios como o Enuma Elish (babilônico), o Livro dos Mortos (egípcio), o código de Ur-Nammu (sumério), o código de Hamurabi (babilônico), a Epopéia de Gilgamesh (acadiano), a Batalha dos Titãs gregos e a origem do Hades (inferno), o culto persa depois assimilado pelos romanos ao Deus Sol Invictus (nascimento, morte e adoração do Deus sol entre as doze constelações do zodíaco) entre outros. Acha o relato da criação em Gênesis retratando um começo perfeito onde Deus criou todas as coisas em seis dias começando pela luz e terminando na criação do homem feito de barro (pó do solo) e por causa de um incidente toda aquela harmonia acabou, como sendo original? Pois bem, o Enuma Elish, mito de criação babilônico descoberto por Austen Henry Layard em 1849 (em forma fragmentada) nas ruínas da Biblioteca de Assurbanipal em Nínive (Mossul, Iraque) e publicado por George Smith em 1876 tendo sua composição remontada a Idade do Bronze, nos tempos de Hamurabi ou talvez o início da Era Cassita (cerca de 18 a 16 séculos a.C.), como podem observar, escrito antes da bíblia, já retratava uma lenda semelhante à descrita no Gênesis. O Enuma
256 Elish tem cerca de mil linhas escritas em babilônico antigo sobre sete tábuas de argila, cada uma com cerca de 115 a 170 linhas de texto. São várias as similaridades entre a história da criação no Enuma Elish e a história da criação no Livro do Gênesis. A temática dos dois segue a mesma linha, a luta entre o Caos e a Ordem. No Enuma Elish, um deus tem que lutar contra o Caos para estabelecer a Ordem. No Gênesis, a divindade transforma o Caos em Ordem. Esta temática é muito antiga e comum aos povos do Oriente Médio. O Gênesis descreve seis dias de criação, seguido de um dia de descanso, enquanto que o Enuma Elish descreve a criação de seis deuses e um dia de descanso. Em ambos a criação é feita pela mesma ordem, começando na Luz e acabando no Homem. A deusa Tiamat do Enuma Elish é comparável ao abismo (água de profundeza, mar profundo) no Gênesis 1:2, sendo que a palavra hebraica para abismo (Tehom) tem a mesma raiz etimológica que Tiamat. Acha o relato do dilúvio descrito na bíblia original? Bem, na Epopeia de Gilgamés um antigo poema épico da Mesopotâmia, uma das primeiras obras conhecidas da literatura mundial com seu registro mais completo vindo de uma tábua de argila escrita em língua Acadiana do século VIII a.C. tendo sido, no entanto encontradas tábuas com excertos que datam do século XX a.C., já retratava uma grande inundação mandada por Deus (ou Deuses) para exterminar toda vida na terra escolhendo um homem para sobreviver dando-lhe instruções sobre como construir um grande barco e salvar um casal de cada animal. Notaram que tal relato foi comprovadamente escrito antes da bíblia? Acha a lei Mosaica (Torá) registrada na bíblia original? Na realidade a Lei Mosaica não apresenta nenhum elemento novo, sendo muitos de seus elementos adaptações e transcrições encontradas em documentos (códigos legislativos e morais) mais antigos como aqueles utilizados pelos egípcios (enxertos do Livro
257 Egípcio dos Mortos), hindus (Código de Manu), babilônicos e outras civilizações do Crescente Fértil (Código de Hamurabi). Observe algumas comparações entre a Lei Mosaica e o Código de Hamurabi, um conjunto de leis escritas, sendo um dos exemplos mais bem preservados desse tipo de texto oriundo da Mesopotâmia. Acredita-se que foi escrito pelo rei Hamurabi, aproximadamente em 1700 a.C. Foi encontrado por uma expedição francesa em 1901 na região da antiga Mesopotâmia correspondente à cidade de Susa, atual Irã. É um monumento monolítico talhado em rocha de diorito, sobre o qual se dispõem 46 colunas de escrita cuneiforme acádica, com 282 leis em 3600 linhas. A peça tem 2,25 m de altura, 1,50 metro de circunferência na parte superior e 1,90 na base (em exposição no Museu do Louvre). Por exemplo, na Lei mosaica lemos: “Fratura por fratura, olho por olho, dente por dente; como ele tiver desfigurado a algum homem, assim se lhe fará” (Levítico 24:20). No Código de Hamurabi lemos “Se um cidadão destruiu o olho de um (outro) cidadão, destruirão o seu olho” (Artigo 196); “Se quebrou o osso de um cidadão, quebrarão o seu osso” (Artigo 197); “Se um cidadão arrancou um dente de um cidadão igual a ele, arrancarão o seu dente”. Lei Mosaica: “E caso homens cheguem a altercar, e um golpeie outro com uma pedra ou com uma enxada e ele não morra, mas caia de cama, se ele se levantar e deveras andar em volta, portas afora, com algo em que se apóie, então aquele que o golpeou terá de ficar livre de punição; somente dará compensação pelo tempo de trabalho que o outro perder, até que o faça completamente são” (Êxodo 21:18, 19). Código de Hamurabi: “Se um cidadão, em uma briga bateu em um (outro) cidadão e lhe infligiu um ferimento, esse cidadão deverá jurar ‘não bati nele deliberadamente’, e pagará o médico” (Art. 206).
258 Lei Mosaica: “Se homens brigarem, e ferirem mulher grávida, e forem causa de que aborte, porém sem maior dano, aquele que feriu será obrigado a indenizar segundo o que lhe exigir o marido da mulher; e pagará como os juízes lhe determinarem. Mas se houver dano grave, então darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, golpe por golpe” (Êxodo 21:22-25). Código de Hamurabi: “Se um cidadão bateu na filha de um cidadão e a fez expelir o (fruto) de seu seio, pesará 10 siclos de prata [cerca de 80 gramas] pelo (fruto) de seu seio (Art. 209); Se essa mulher morrer, matarão a sua filha” [filha do agressor] (Artigo 210)”. Lei Mosaica: “Se um homem adulterar com a mulher de seu próximo, será morto o adúltero e a adúltera” (Levítico 20:10). No caso a morte era por apedrejamento e não havia a possibilidade de perdão. Código de Hamurabi: Se a esposa de um cidadão foi surpreendida dormindo com outro homem, eles os amarrarão e os lançarão n’água. Se o esposo deixar viver sua esposa, o rei, também, deixará viver seu servo (Artigo 129). Aqui a morte dos adúlteros é por afogamento, mas, diferentemente da lei mosaica, havia a possibilidade de perdão para os adúlteros. Pela lei mosaica, a mulher suspeita de adultério deveria ser levada ao Santuário para pronunciar um juramento diante de Deus de que não havia cometido adultério (Números 5:11-31). Código de Hamurabi: “Se o marido acusou sua esposa, (mas) um outro homem, ela pronunciará o juramento de Deus e voltará para sua casa” (Artigo 131). Lei Mosaica: “Se algum homem no campo achar moça desposada, e a forçar, e se deitar com ela, então morrerá só o homem que se deitou com ela” (Deuteronômio 22:25). Código de Hamurabi: “Se um cidadão amarrou a esposa de um (outro) cidadão, que (ainda) não conheceu um homem e mora na casa
259 seu pai, dormiu em seu seio, e o surpreenderam, esse cidadão será morto, mas essa mulher será libertada” (Art. 130). Pelo Código Mosaico, se alguém acusasse falsamente uma pessoa, deveria se fazer com ela o que a mesma pretendia que se fizesse com o acusado (Deuteronômio 19:16-21). Código de Hamurabi: “Se um cidadão acusou um (outro) cidadão e lançou sobre ele (suspeita de) morte, mas não pode comprovar, o seu acusador será morto” (Art. 01). Lei Mosaica: “Se achar alguém que, tendo roubado um dentre os seus irmãos, dos filhos de Israel, o trata como escravo ou o vende, esse ladrão morrerá. Assim eliminarás o mal do meio de ti” (Deuteronômio 24:7). Código de Hamurabi: “Se um cidadão roubou o filho menor de um (outro) cidadão, ele será morto” (Art. 14). Lei Mosaica: “O homem que se deitar com a mulher de seu pai terá descoberto a nudez de seu pai; ambos serão mortos; o seu sangue cairá sobre eles” (Levítico 20:11). Código de Hamurabi: “Se um cidadão, depois (da morte) de seu pai, dormiu no seio de sua mãe, queimarão a ambos” (Art. 157). Lei Mosaica: “Quem ferir seu pai ou sua mãe será morto” (Êxodo 21:15). Código de Hamurabi: “Se um filho bateu em seu pai, cortarão a sua mão” (Art. 195). Nota-se que, em relação ao Código de Hamurabi, a Lei Mosaica era mais severa, pois punia o filho agressor com a morte. Obviamente, não estamos afirmando que a lei Mosaica é uma cópia direta do código de Hamurabi. Provavelmente tanto algumas leis do código de Hamurabi quanto algumas leis da lei Mosaica derivam de leis, costumes e normas sociais mais antigas. Mas o código de Hamurabi foi um dos primeiros a escreve-las e muitas leis da Torá provavelmente foram influenciadas diretamente por ele e por outros códigos da antiga Mesopotâmia.
260 Outro código semelhante à Lei Mosaica que foi formulado antes da bíblia é o Código de Ur-Nammu que surgiu na Suméria por volta de 2040 a.C. Descrevendo costumes antigos transformados em leis e enfatizando penas pecuniárias para diversos delitos é considerado um dos mais antigos códigos de leis que se tem notícia. Foi encontrado nas ruínas de templos da época do rei Ur-Nammu, na região da Mesopotâmia (onde fica atualmente o Iraque). Foi descoberto somente em 1952, pelo assiriólogo e professor da Universidade da Pensilvânia, Samuel Noah Kromer. Nesse Código elaborado no mais remoto dos tempos da civilização humana é possível identificar em seu conteúdo dispositivos diversos que adotavam o princípio da reparabilidade dos atualmente chamados danos morais Acha a história de Jesus original? Veja o exemplo da gravidez milagrosa. A origem de Jesus segundo a bíblia ocorreu de forma sobrenatural. Maria, que era virgem, achou-se grávida pelo Espírito Santo. Pois bem, o semideus grego Perseu nasceu quando o Deus Zeus visitou a virgem Dânae na forma de um banho de ouro e a engravidou. Hermes nasceu da virgem Maia que também foi fecundada pelo pai dos Deuses Zeus. A virgem Nana pegou uma romã da arvore banhada pelo sangue do assassino Agdistis, colocou-a em seu seio e deu a luz ao Deus Attis. A filha virgem de um Deus mongol acordou certa noite e se viu banhada por uma luz grandiosa, que fez com que ela desse a luz a Gêngis Khan. Krishna nasceu sem uma união sexual por meio da "transmissão mental" ióguica da mente de Vasudeva no ventre da virgem Devaki. Reia Sílvia, uma sacerdotisa virgem, consagrada à Deusa Vesta engravidou do Deus Marte e desta união foram gerados os irmãos Rômulo e Remo. Na noite que Sidarta Gautama (Buda) foi concebido, a rainha Maya sonhou que um elefante branco com seis presas brancas entrou em seu lado direito. Coatlicue, a serpente, pegou uma pequena bola de plumas do céu
261 e a escondeu em seu seio e assim nasceu o Deus asteca Huitzilopochtli. Não podemos deixar de citar o Deus egípcio Hórus, que milhares de anos antes de Jesus, teve um nascimento milagroso. Um antigo relevo egípcio retrata essa concepção mostrando sua mãe Ísis na forma de um falcão, pairando sobre o pênis ereto de um Osíris prostrado e morto, portanto, Ísis foi fecundada pelo espírito de Osíris, pois ele já estava morto, habitando o mundo dos mortos. Uma Estela datada de 1400 a.C. (hoje guardada no Museu do Louvre), contém um hino que descreve esta concepção milagrosa (Thomas Allen [Tom Harpur], The Pagan Christ: Recovering the Lost Light. Toronto, 2004. ISBN 0-88762-145-7). E outros detalhes da vida de Jesus, acha que são originais? Pois bem, o Deus Mitra pertence às mitologias persa, indiana e grecoromana. É descrito como o Deus do equilíbrio e da ordem do cosmo. Por volta do século V a.C. passou a integrar o panteão do Zoroastrismo Persa, a princípio como senhor dos elementos e depois sob a forma definitiva do Deus solar. Representava também o bem e a libertação da matéria. Chamavam-no de "Sol Vencedor". Existem referências a Mitra de 1400 a.C., como Deus dos Hurritas, no norte da Mesopotâmia. Agora observe alguns detalhes interessantes de sua mitologia. Mitra era o intermediário entre Ormuzd (Deus-Pai) e o homem, seu nascimento é comemorado em 25 de dezembro, nasceu de forma milagrosa sem envolvimento sexual, pastores vieram adorá-lo com presentes como ouro e incenso, viria livrar o mundo do seu irmão maligno Ariman, era considerado um professor e um grande mestre viajante, era identificado com o leão e o cordeiro, seu dia sagrado era domingo (Sunday ou “Dia do Sol”), centenas de anos antes de Cristo tinha sua festa no período que se tornou mais tarde a Páscoa cristã, teve doze companheiros ou discípulos, executava
262 milagres, foi enterrado em um túmulo e após três dias levantou, sua ressurreição era comemorada cada ano. O Deus grego Dionísio (do século 2 a.C.) que foi incorporado pelos romanos como Baco, era considerado o Deus dos ciclos vitais, das festas e do vinho. Segundo a mitologia grega Dionísio nasceu da virgem Sémele que foi fecundada por Zeus, quando criança quiseram matá-lo, fez milagres como a transformação da água em vinho e a multiplicação dos peixes, após sua morte, ressuscitou, era chamado de "Filho pródigo" de Zeus. Hércules, meio irmão de Dionísio, igualmente nasceu de uma virgem, no caso Alcmena, que foi fecundada por Zeus, seu nascimento é comemorado em 25 de dezembro, foi impiedosamente tentado pelas forças do mal (Hera, a ciumenta esposa de Zeus), a causadora de sua morte (sua esposa) se arrepende e se mata enforcada, estão presentes no momento de sua morte sua mãe e seu discípulo mais amado (Hylas), sua morte é acompanhada por um terremoto e um eclipse do Sol, após sua morte, ressuscitou, ascendendo aos céus (Murdock, DM [as Acharya S] 1999, The Christ Conspiracy: The Greatest Story Ever Sold. Kempton, Illinois: Adventures Unlimited Press. ISBN 0-932813-74-7). Sidarta Gautama, popularmente conhecido como Buda, viveu por volta de 500 anos antes de Cristo. Segundo o Buddhacarita (sua biografia completa mais antiga) um poema épico escrito pelo poeta Asvaghosa que data do começo do século II a.C., sua missão de salvador do mundo foi profetizada quando ele ainda era um bebê, por volta dos 30 anos iniciou sua vida espiritual, foi impiedosamente tentado pelas forças do mal enquanto jejuava, caminhou sobre as águas (Anguttara Nikaya), ensinava por meio de parábolas, inclusive uma sobre um "filho pródigo", a partir de um pão alimentou 500 discípulos e ainda sobrou (Jataka),
263 transfigurou-se em frente aos discípulos com luz saindo de seu corpo, após sua morte, ressuscitou (apenas na tradição chinesa). Krishna, uma figura central do Hinduísmo que remonta a 3000 a.C. nasceu de uma virgem chamada Devaki (Divina), uma estrela avisou a sua chegada, é considerado o oitavo avatar de Vishnu, portanto, é a segunda pessoa da trindade hindu formada por Brahma (o criador) Vishnu (o conservador) e Shiva (o destruidor), foi perseguido por um tirano que requisitou o massacre de milhares de crianças, fez vários milagres, em algumas tradições morreu em uma árvore e após sua morte, ressuscitou (Murdock, DM [as Acharya S] 2004. Suns of God: Krishna, Buddha and Christ Unveiled. Kempton, Illinois: Adventures Unlimited Press. ISBN 1-931882-31-2). O que você acha? Seria mera coincidência? As semelhanças são tão grandes que até mesmo Justino, o Mártir, famoso teólogo cristão do segundo século, um dos primeiros historiadores e defensores do cristianismo, decapitado como mártir em 165 d.C. reconheceu em seus escritos: “Quando nós dizemos que Jesus Cristo nosso mestre foi produzido sem união sexual, morreu e ressuscitou ascendendo aos céus, nós não propomos nada de muito diferente do que aqueles que propõem e acreditam nos filhos de Júpiter” (The First Apology, Chapter XXI - Analogies to the history of Christ). As evidências mostram que a história de Jesus não tem nada de original e foi influenciada por diversas lendas e mitos dos povos que conviveram com os judeus. Vamos analisar a seguir mais um exemplo revelador da influência mitológica na escrita da bíblia.
264
34 - OS DRAGÕES comum na mitologia de diversos povos e civilizações a descrição de grandes animais, semelhantes a répteis (como imensos lagartos e serpentes), às vezes com asas, poderes mágicos e hálito de fogo. Em cada cultura os dragões assumem no folclore funções e simbologias diferentes, podendo ser fonte sobrenatural de sabedoria e força ou simplesmente uma fera destruidora. Em geral, acredita-se que a origem dos mitos sobre dragões possam ter surgido de observações dos povos antigos de fósseis de dinossauros ou outras grandes criaturas como baleias, crocodilos ou rinocerontes, tomados por eles como ossos de dragões. Por serem descritos como grandes criaturas é comum aparecerem como adversários mitológicos de heróis lendários ou deuses em grandes épicos que eram contados pelos povos antigos. É comum também serem responsáveis por diversas tarefas míticas, como a sustentação do mundo ou o controle de fenômenos climáticos. Em qualquer forma, e em qualquer papel mítico, no entanto, os dragões estão presentes em milhares de culturas ao redor do mundo. As mais antigas representações mitológicas de criaturas consideradas como dragões são datadas de aproximadamente 40.000 anos atrás, em pinturas rupestres de aborígines préhistóricos na Austrália. Tais dragões provavelmente eram reverenciados como deuses, responsáveis pela criação do mundo e eram vistos de forma positiva pelo povo. Na antiga Mesopotâmia havia uma associação de dragões com o mal e o caos. Os dragões dos mitos sumérios frequentemente cometiam grandes crimes, e por isso acabavam punidos pelos Deuses, como Zu, um Deus-dragão sumeriano das tempestades, que em certa ocasião teria roubado as pedras onde estavam
265 escritas as leis do universo, e por tal crime acabou sendo morto pelo deus-sol Ninurta. No Enuma Elish, épico babilônico que conta à criação do mundo, também há uma forte presença de dragões, sobretudo na figura de Tiamat. No mito, Tiamat, apontada por diversos autores como uma personificação do oceano e seu parceiro mitológico Apsu, considerado como uma personificação das águas doces sob a terra, unem-se e dão à luz os diversos Deuses mesopotâmicos. Apsu, no entanto, não conseguia descansar na presença de seus rebentos, e decide destruí-los, mas é morto por Ea, um de seus filhos. Para vingarse, Tiamat cria um exército de monstros, dentre os quais 11 que são considerados dragões, e prepara um ataque contra os jovens Deuses. Liderados pelo mais jovem entre eles, Marduk, que mais tarde se tornaria o principal deus do panteão babilônico, os Deuses vencem a batalha e se consolidam como senhores do universo. Do corpo morto de Tiamat são criados o céu e a terra, enquanto do sangue do principal general do seu exército, Kingu, é criada a humanidade. Visto que a cultura judaica foi fortemente influenciada pela cultura dos povos mesopotâmicos, encontramos várias passagens no velho testamento que retratam dragões. No livro bíblico de Jó é descrito um animal monstruoso chamado leviatã que tem características muito semelhantes a um dragão, veja como tal fera é descrita: “Lampejos procedem da sua boca, sim, faíscas de fogo escapam. Das suas narinas sai fumaça, igual a uma fornalha acesa com juncos. A própria alma dele incendeia carvões, e até mesmo uma chama sai da sua boca” (Jó 41:19-21). Os religiosos tentam de todas as formas desvencilhar este animal de um dragão fazendo todo um malabarismo interpretativo que fica até engraçado vê-los tentar de todas as formas relacionálo a um crocodilo ou algum tipo de criatura aquática de grande
266 porte. Obviamente eles não querem relacionar tal animal descrito neste texto com um dragão devido ao contexto mitológico e fantasioso que envolve esta fera vindo de povos considerados pagãos. Suas mentes não conseguem assimilar que um escritor bíblico que supostamente foi movido pelo espírito santo ao escrever, descreva com tantos detalhes um animal que na verdade somente existiu na imaginação do ser humano. Até parece uma descrição de um livro de contos de fada com todos os seus ingredientes fantasiosos como “faíscas de fogo escapando de sua boca”, “fumaça saindo de suas narinas”, “chamas saindo de sua boca incendiando até mesmo carvões”. Seria realmente “forçar a barra” dizer que se trata de um crocodilo, afinal, você já viu um crocodilo deixar escapar faíscas de fogo pela sua boca? Você já viu algum crocodilo expelir fumaça pelas suas narinas? Você já viu algum crocodilo cuspir fogo pela boca incendiando até mesmo carvões? De duas uma, ou os crocodilos antigos eram muito diferentes dos de hoje e tinham este dom incandescente ou temos neste texto uma perfeita descrição de um dragão. Observe como outras versões da bíblia descrevem esta criatura e veja se o problema está na escolha errada de palavras devido a uma má tradução: “De sua goela saem chamas, escapam centelhas ardentes. De suas ventas sai uma fumaça, como de uma marmita que ferve entre chamas. Seu hálito queima como brasa, a chama jorra de sua goela” (Versão Católica). “Da sua boca saem tochas; faíscas de fogo saltam dela. Das suas narinas procede fumaça, como de uma panela fervente, ou de uma grande caldeira. O seu hálito faz incender os carvões; e da sua boca sai chama” (Almeida corrigida e revisada fiel). “A sua boca lança chamas, e dela saltam faíscas de fogo. O seu nariz solta fumaça, como a de galhos que queimam debaixo
267 de uma panela. O seu sopro acende o fogo, e da sua boca saem chamas” (Bíblia na Linguagem de Hoje). Parece que não melhorou muito. Falar que as descrições acima não são de um dragão, mas sim de um crocodilo, é não querer ver a realidade. Inclusive outras traduções da bíblia não tem pudor algum em traduzir dragão em diversos textos, observe trechos da Bíblia de Jerusalém: “Acaso sou o Mar ou o Dragão, para que me cerques com guardas?” (Jó 7:12). “Poderás caminhar sobre o leão e a víbora, pisarás o leãozinho e o Dragão” (Salmos 91:13). Desperta, desperta! Mune-te de força, ó braço de Iahweh! Desperta como nos dias antigos, nas gerações de outrora. Por acaso não és tu aquele que despedaçou Raab, que trespassou o Dragão? (Isaías 51:9). Em Isaías 27:1 o escritor bíblico entendeu claramente a descrição de Jó 41:19-21 como sendo um tipo de Dragão, pois ele relaciona o Leviatã como sendo uma espécie de Dragão: Naquele dia o SENHOR castigará com a sua dura espada, grande e forte, o leviatã, serpente veloz, e o leviatã, a serpente tortuosa, e matará o Dragão, que está no mar (João Ferreira de Almeida, Corrigida e Revisada, Fiel). Porém, algumas traduções “resolveram” verter a palavra Dragão por “monstro marinho” (mesmo reconhecendo numa nota ao pé da página que a Septuaginta Grega (LXX) verte “Leviatã” por “Dragão”) numa tentativa de disfarçar este texto embaraçador: “Naquele dia, Jeová, com a sua espada dura, e grande, e forte, voltará sua atenção para [o] leviatã, a serpente deslizadora, sim, para [o] leviatã, a serpente sinuosa, e certamente matará o monstro marinho que há no mar” (Tradução do Novo Mundo).
268 Em todos os textos que a Septuaginta Grega (LXX) tem a palavra Dragão (do grego drákon, δράκων) a Tradução do Novo Mundo verte “monstros marinhos”, como em Isaías 51:9 onde há uma nota dizendo que também na Vulgata Latina de Jerônimo está escrito Dragão (Draconem): “Desperta, desperta, reveste-te de força, ó braço de Jeová! Desperta como nos dias de outrora, como durante as gerações de tempos há muito passados. Não és tu aquele que despedaçou Raabe, que traspassou o monstro marinho?” Portanto, o escritor de Isaias coloca o Deus Judeu Iahweh (Jeová) golpeando e derrotando o dragão, fazendo uma alusão a Tiamat, o Deus dragão da mitologia babilônica que igualmente foi derrotado como diz o texto “como nos dias de outrora, como durante as gerações de tempos há muito passados”. De acordo com o Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, no Antigo Testamento, dragões tipificavam os inimigos do povo de Deus, como em Ezequiel 29:3 (referindo-se ao Faraó do Egito). Ao fazer isso, associa-se a ideia das mitologias de povos próximos, para dar maior entendimento aos israelitas. Muitos cristãos afirmam que o leviatã (dragão) era uma maneira dos escritores bíblicos personalizarem o mal ou descreverem ações malignas, retratando os inimigos do povo de Deus. Realmente existem algumas passagens bíblicas em que o dragão e claramente identificado como simbolizando governantes inimigos dos judeus como, por exemplo, em Ezequiel 29:3: “Fala, e dize: Assim diz o Senhor DEUS: Eis-me contra ti, ó Faraó, rei do Egito, grande dragão, que pousas no meio dos teus rios, e que dizes: O meu rio é meu, e eu o fiz para mim”. Fica claro que o escritor está comparando o faraó do Egito a um grande dragão. Também em Jeremias 51:34 o escritor compara Nabucodonosor, rei de Babilônia a um dragão:
269 “Devorou-me, consumiu-me, Nabucodonosor, o rei da Babilônia, ele me deixou como um prato vazio, engoliu-me como um Dragão, encheu o seu ventre de minhas melhores partes, ele me expulsou”. Portanto, nestes trechos específicos os dragões tipificavam os inimigos do povo de Deus, mas não devemos nos esquecer que o uso deste termo “dragão” como muitos outros é uma associação a ideias da mitologia de povos pagãos próximos, portanto, uma clara influência pagã. Além disso, o relato de Jó capítulo 41 não está fazendo nenhuma comparação do leviatã com reis ou nações pagãs como Nabucodonosor (Babilônia) e Faraó (Egito). Se observarmos o contexto, Jó estava sendo disciplinado por Deus que usa descrições de suas criações como o planeta terra, o mar, a neve, o vento, a nuvem de um temporal, o gelo, relâmpagos, o leão, a cabra montesa, a zebra, o touro selvagem, o avestruz, a cegonha, o cavalo, o falcão, a águia, o beemote (que muitos acreditam ser o hipopótamo) e finalmente o leviatã (que muitos acreditam ser o crocodilo). Todos os animais e as coisas descritas por Deus para disciplinar Jó são reais, exemplos da criação de Deus. Neste relato, Deus não está fazendo uma comparação com reis ou nações pagãs, muito menos personalizando o mal ou descrevendo ações malignas. Temos uma clara descrição de um animal criado por Deus, portanto, real, usado como exemplo das grandes criações de Deus. É exatamente por isso que a maioria dos religiosos tenta relacionar o Leviatã descrito em Jó com o crocodilo. Na versão da bíblia Matos Soares existe um relato muito interessante envolvendo um dragão. Está registrado em Daniel capítulo 14 onde o Rei Ciro exige que Daniel adore um ídolo do deus Bel. Por aspergir cinzas no pavimento do templo e assim descobrir pegadas, Daniel prova que o alimento supostamente consumido pelo ídolo na realidade é consumido pelos sacerdotes
270 pagãos e suas famílias. Os sacerdotes são mortos e Daniel destroça o ídolo. Então, o rei requer de Daniel adorar um dragão vivo. Daniel destrói o dragão, mas é lançado na cova dos leões pela população enfurecida. Durante os sete dias do seu confinamento, um anjo pega Habacuque pelos cabelos e leva tanto a ele como uma tigela de caldo da Judéia a Babilônia, a fim de prover Daniel de alimento. Habacuque é então devolvido à Judéia, Daniel é solto da cova, e seus oponentes são lançados nela e devorados. Nos versículos 22-26 é descrito como Daniel matou o famigerado dragão. Veja que relato interessante: “Lá havia também um grande dragão, que os babilônios veneravam. O rei disse a Daniel: Pretenderás também dizer que aquele é de bronze? Vive, come, bebe. Tu não podes negar que seja um deus vivo. Adora-o então. Eu adoro, replicou Daniel, unicamente o Senhor meu Deus, porque ele é um Deus vivo. Ó rei, dá-me licença para fazê-lo, e, sem espada nem bastão, matarei o dragão. Eu ta concedo, disse o rei. Então Daniel tomou breu, gordura e pêlos, cozinhou tudo junto, e com isso fez umas bolas e meteu-as na boca do dragão, que estourou e morreu. Daniel exclamou: Eis aí o que adoráveis!” Visto que os cristãos vieram dos judeus, assimilaram muitas coisas de sua cultura. Não é de admirar que seus escritos retratem o maior inimigo de Deus, o diabo, como um dragão conforme descrito no Apocalipse. “E viu-se outro sinal no céu, e eis um grande dragão cor de fogo, com sete cabeças e dez chifres, e nas suas cabeças sete diademas; e a sua cauda arrasta um terço das estrelas do céu, e as lançou para baixo à terra. E o dragão ficou parado diante da mulher, que estava para dar à luz, para que, quando desse à luz, pudesse devorar-lhe o filho” (Apocalipse 12:3,4) “E irrompeu uma guerra no céu: Miguel e os seus anjos batalhavam com o dragão, e o dragão e os seus anjos
271 batalhavam, mas ele não prevaleceu, nem se achou mais lugar para eles no céu. Assim foi lançado para baixo o grande dragão, a serpente original, o chamado Diabo e Satanás, que está desencaminhando toda a terra habitada; ele foi lançado para baixo, à terra, e os seus anjos foram lançados para baixo junto com ele” (Apocalipse 12:7-9). Os dragões nas histórias da cristandade acabaram por adotar esta imagem de maldade e crueldade, sendo representações do mal e da destruição. O caso do mais célebre dragão cristão é aquele que foi morto por São Jorge, que se banqueteava com jovens virgens até ser derrotado pelo cavaleiro. Esta história também acabou dando origem a outro clássico tema de histórias de fantasia, o nobre cavaleiro que enfrenta um vil dragão para salvar uma princesa. Na cultura moderna, Dragões aparecem em várias histórias do gênero fantasia, desde “O Hobbit” de J.R.R. Tolkien com o dragão Smaug, nas “Crônicas de Nárnia” de C.S. Lewis e J. K. Rowling em diversos livros de seu bruxo mundialmente célebre “Harry Potter”. Na série literária de fantasia “As Crônicas de Gelo e Fogo” de George R. R. Martin, os dragões estão extintos a muitos séculos e eram sinônimo de poder, símbolo de uma das Casas mais tradicionais e poderosas da trama, quando no final do primeiro livro ressurgem. Mas, como vimos, a origem de tais lendas e mitos envolvendo dragões remontam a povos antigos e a bíblia assimilou tais mitologias, sendo influenciada pela cultura suméria e babilônica. Apesar dos esforços de retirar tais referências da bíblia tentando esconder suas influências mitológicas pagãs, não há como negar o fato de que a bíblia nas suas línguas originais está repleta de citações a dragões evidenciando ser um livro cheio de mitos e lendas, que usa metáforas e descrições de um animal fantasioso criado pela mente humana como se fosse real.
272 Alguns religiosos usam a velha desculpa da maioria dos cristãos ao se deparar com trechos da bíblia que mostram claramente sua origem puramente humana. Dizem que a bíblia é um livro espiritual e que deve ser entendida espiritualmente. Sinceramente, acho este raciocínio uma desonestidade intelectual, uma forma de fugir das evidências. Com esta suposta “mente espiritual”, usando sua fértil imaginação, podem ver o que quiser ou não querer ver.
273
m personagem bíblico que ilustra muito bem o conteúdo lendário da bíblia foi Sansão. Toda a epopeia de Sansão encontrase registrada nos capítulos 13 a 16 do livro bíblico de Juízes. Juízes 14:1-3 relata que Sansão apaixonou-se por uma mulher que não era de sua nação. Ele fica noivo desta mulher, desobedecendo a uma clara lei dada à nação de Israel registrada em Deuteronômio 7:3 que diz: “e não deves formar com elas nenhuma aliança matrimonial, não deves dar tua filha ao seu filho e não deves tomar sua filha para teu filho”. Portanto, Sansão violou a lei dada por Deus. Porém, segundo diz Juízes 13:24, 25: “Deus o abençoava, o espírito de Deus o impelia”. O relato continua contando que Sansão mata um leão com as próprias mãos, rasgando-o em duas partes. Algum tempo depois ele volta ali e vê um enxame de abelhas sobre a carcaça do leão, produzindo mel. Ele come um pouco do mel e baseado neste cenário resolve fazer um enigma durante um banquete onde estavam trinta padrinhos de seu casamento. Sua noiva a pedido de seus padrinhos consegue arrancar a resposta de Sansão. Ele se enfurece, rouba trinta homens tirando-lhes as vestimentas para pagar sua dívida, pois ele prometeu vestimentas a quem decifrasse o enigma. A partir daí é que a história fica boa. Sansão começa uma guerra contra os filisteus, o povo de sua noiva. Para começar ele pega trezentas raposas, amarra suas caudas, põem uma tocha em cada uma das caudas amarradas e solta essas raposas com fogo nas caudas pelos campos de cereais dos Filisteus. Depois com os ossos da cabeça de um jumento ele mata 1000 homens. No fim da batalha ele reclama que tem sede, Deus responde seu clamor abrindo uma fenda no vale onde sai água, saciando sua sede.
274 Noutra ocasião ele dorme com uma prostituta (isso mesmo). A meia noite ele levanta, arranca os portões da cidade com as mãos, põem nos ombros e finca no alto do monte Hebron. Os filisteus amedrontados escolhem uma bela mulher chamada Dalila para seduzir Sansão e descobrir o segredo de sua extraordinária força. Depois de muita insistência por parte de Dalila, ele revela que seu poder por incrível que pareça está nos seus longos cabelos. Depois da descoberta ela o coloca para dormir e corta seu mágico cabelo, deixando-o fraco e indefeso diante dos filisteus. Assim ele e capturado e humilhado diante de seus inimigos. Depois de algum tempo ele e levado ao templo do Deus filisteu para servir de atração para uma grande plateia. Contudo eles não percebem que o dito cabelo de Sansão havia crescido um pouco e ele vê a oportunidade de se vingar. Pedindo que o leve para as duas colunas que apoiavam todo o lugar ele usa sua força pela última vez derrubando-as, matando assim todos os que estavam presentes dentro do templo, inclusive ele. O que você acha disso tudo? Parece-lhe uma história verídica ou uma epopeia lendária, semelhante à lenda grega sobre Hércules? Se acreditarmos em toda essa comédia como sendo história real temos de acreditar também em Hércules, no Minotauro, nas aventuras descritas no poema “A Ilíada” do grego Homero, enfim em toda a mitologia grega. Porque temos de acreditar no relato de Sansão como sendo verdadeiro e considerar Hércules como lenda? Só porque o relato de Sansão faz parte da cultura judaica e está na bíblia? Porque temos de encarar a cultura judaica como verdadeira e a cultura grega como lenda? Afinal são os gregos inferiores aos judeus? Não foram os gregos que dominaram os judeus por séculos, inclusive impondo sua cultura, sua filosofia e sua língua? Não foi da Grécia antiga que surgiram os grandes filósofos como Aristóteles, Sócrates e Platão, homens
275 notáveis que revolucionaram todas as ciências e lançaram a base da democracia? Não que eu queira desmerecer os judeus, longe disso, só não posso colocá-los acima das demais nações, como se eles fossem especiais, escolhidos por Deus e que toda sua história é verdadeira, enquanto toda a história das outras nações é falsa. Isto seria uma grande ingenuidade porque todas as nações primitivas pensavam desta forma e se consideravam superiores aos demais. Qualquer pessoa razoável sabe distinguir que todos os povos primitivos tiveram seus pontos positivos e negativos, suas lendas e mitos desenvolvidos de alguma história real não tão fantasiosa. Cada qual contribuiu de alguma forma para o desenvolvimento da humanidade. Ninguém foi superior ou inferior, cada um teve seu próprio mérito. Da mesma forma, meu objetivo ao comparar mitos de civilizações antigas com mitos da bíblia não é desmerecer os mitos. O mito foi a maneira que os homens primitivos procuravam explicar a realidade e suas origens (muitas vezes de forma poética ou simbólica) dentro de suas limitações, segundo o conhecimento que tinham na época. O mito sempre serviu como amparo para aquilo que o homem desconhecia. O estudo dos mitos é fundamental para entendermos a mentalidade das civilizações antigas. O problema é que a maioria dos religiosos (principalmente os da vertente judaico-cristã) consideram os relatos mitológicos da bíblia como sendo totalmente literais, os fundamentalistas judaico-cristãos insistem que os mitos dos judeus são reais e mais importantes do que os mitos gregos, persas, egípcios, assírios, babilônicos, etc. Consideram seus mitos como a mais pura verdade histórica e os mitos das outras nações como fábulas. Minha motivação ao fazer estas comparações dos mitos judaicos com os demais mitos de outras civilizações (em especial nações que eram vizinhas dos judeus) é pura e
276 simplesmente mostrar suas semelhanças e demonstrar que houve influências mútuas e que nenhum é melhor ou mais importante ou mais real que o outro. A bíblia não é um livro inspirado por Deus que contêm a verdade final sobre nossas origens, seus mitos não são melhores ou piores que os de outras nações. Ambos são tentativas de homens primitivos de explicar suas origens e sua realidade segundo as limitações de sua época.
277
36 - O POLITEÍSMO NO ANTIGO ISRAEL
té o ano de 586 a.C. quando começou o exílio dos israelitas em Babilônia o politeísmo fazia parte da cultura de Israel. Foi apenas após o exílio que a adoração única e exclusiva de Yahweh (Javé ou Jeová) tornou-se estabelecida e possivelmente só mais tarde no tempo dos Macabeus (2º século a.C.) que o monoteísmo se tornou universal entre os judeus. O Deus bíblico do Antigo Testamento provavelmente foi uma fusão de vários Deuses pagãos. A personalidade e os atributos de Yahweh foram influenciados por outras antigas divindades do Oriente como o Pai celestial El, o jovem guerreiro Baal e a senhora Asherah. Especialistas que estudam os textos bíblicos, leem antigas inscrições encontradas nos arredores de Israel e escavam sítios arqueológicos estão reconhecendo a influência conjunta de diversos Deuses pagãos antigos no retrato de Yahweh traçado pela Bíblia que parece ter múltiplas personalidades. Elementos comuns à cultura das antigas civilizações do Oriente Médio, principalmente da região onde hoje ficam o estado de Israel, os territórios palestinos, o Líbano e a Síria, contribuíram para as ideias que os antigos israelitas tinham sobre os seres divinos (Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman, The Bible Unearthed: Archaeology's New Vision of Ancient Israel and the Origin of Its Sacred Texts. Simon & Schuster, 2002, pág. 241-242). Há bons indícios de que o Deus do Velho Testamento é uma fusão entre um Deus idoso e paternal (El), um jovem Deus guerreiro (Baal) e a Deusa do sexo feminino (Asherah). Existe uma base cultural comum entre o antigo povo de Israel e seus vizinhos e adversários, os cananeus, moradores da terra de Canaã, como era chamada a região entre o rio Jordão e o mar
278 Mediterrâneo em tempos antigos. A Bíblia retrata os israelitas como um povo quase totalmente distinto dos cananeus, mas os dados arqueológicos revelam profundas semelhanças de língua, costumes e cultura material. A língua de Canaã, por exemplo, era só um dialeto um pouco diferente do hebraico bíblico. Os cananeus não deixaram para trás uma herança literária tão rica quanto a Bíblia, no entanto, poucos quilômetros ao norte de Canaã, na atual Síria, ficava a cidade-Estado de Ugarit, cuja língua e cultura eram praticamente idênticas às de seus primos do sul. Ugarit foi destruída por invasores bárbaros em 1200 a.C., mas os arqueólogos recuperaram numerosas inscrições da cidade, nas quais dá para entrever uma mitologia que apresenta semelhanças impressionantes com as narrativas da Bíblia (Mark S. Smith, The Origins of Biblical Monotheism: Israel's Polytheistic Background and the Ugaritic Texts. Oxford University Press, USA, November 6, 2003. ISBN 978-0195167689). Uma das figuras mais proeminentes nesses textos é El, nome que quer dizer simplesmente “Deus” nas antigas línguas da região, mas que também se refere a uma divindade específica, o patriarca, ou chefe de família dos Deuses. O El de Ugarit tem paralelos muito específicos com a figura de Deus durante o período patriarcal, retratado no livro do Gênesis e personificado pelos ancestrais dos israelitas, Abraão, Isaac e Jacó. Nesses textos da Bíblia há, por exemplo, referências a El Shadday (literalmente “El da Montanha”, embora a expressão normalmente seja traduzida como “Deus Todo-Poderoso”), El Elyon (“Deus Altíssimo”) e El Olam (“Deus Eterno”). O curioso é que, na mitologia ugarítica, El também é imaginado vivendo no alto de uma montanha e visto como um ancião sábio de vida eterna. Tal como os patriarcas bíblicos, El é uma espécie de nômade, vivendo numa versão divina da tenda dos beduínos e mais importante ainda, El tem uma relação especial com os chefes dos clãs e tal
279 como Abraão, Isaac e Jacó, ele os protege e lhes promete uma descendência numerosa. Ora, a maior parte do livro do Gênesis é o relato da amizade de Deus com os patriarcas israelitas, guiando suas migrações e fazendo a promessa solene de transformar a descendência deles num povo “mais numeroso que as estrelas do céu”. Segundo o professor Frank Moore Cross, professor de Hebraico e outras Línguas Orientais, emérito da Universidade de Harvard, notável por seu trabalho na interpretação dos Manuscritos do Mar Morto, Yahweh (YHWH) era um título dado pelos primeiros israelitas à suprema divindade El, durante o período da Idade do Bronze (aproximadamente 1200 a.C.). Posteriormente, o contrário aconteceu, tornando-se a palavra El um título e Yahweh o nome próprio da suprema divindade israelita, talvez num ímpeto nacionalista daquele povo em querer se perceber diferente dos outros povos que habitavam a Palestina (Frank Moore Cross, Canaanite Myth and Hebrew Epic: Essays in the History of the Religion of Israel. Harvard University Press, 1997. ISBN 978-0674091764). Outra hipótese muito estudada é a chamada “Hipótese Quenita-Midianita”, proposta pelo teólogo holandês Cornelius Petrus Tiele em 1872, em que Yahweh originalmente era uma divindade originária de perto da região do Sinai, de Parã e Edom. A bíblia retrata que Moisés tinha conexões com os povos desta região, os Quenitas, por meio de seu sogro Jetro, que era Quenita: “E Moisés tornou-se pastor do rebanho de Jetro, sacerdote de Midiã, de quem era genro” (Êxodo 3:1). “E os filhos do queneu, de quem Moisés era genro” (Juízes 1:16). Independentemente se um Moisés histórico existiu, esta história preserva uma tradição que os israelitas tinham em conexão com estes povos de vida nômade (Quenitas/Midianitas) que viviam na região desértica ao sul de Israel. Provavelmente a
280 história da origem de Moisés é uma construção literária de tribos nômades como os primeiros israelitas e os cananeus adoradores da divindade El, para retratar a incorporação ao Deus do deserto Yahweh. A medida que houve uma miscigenação entre os povos, um acabou identificando sua divindade protetora com a outra, e com o tempo Yahweh foi incorporando aspectos da divindade El, numa espécie de sincretismo religioso (Donald B. Redford, Egypt, Canaan, and Israel in Ancient Times. Princeton University Press, 1992. ISBN 978-0691036069). Outros textos bíblicos corroboram com a tradição de que a habitação ou residência original de Yahweh (Jeová) era nesta região desértica próxima ao Sinai: “E ele passou a dizer: “Jeová — de Sinai ele veio, e raiou sobre eles desde Seir, reluziu desde a região montanhosa de Parã, e com ele havia santas miríades, à sua direita, guerreiros pertencentes a eles” (Deuteronômio 33:02) “Jeová, quando saíste de Seir, quando marchaste desde o campo de Edom, tremeu a terra... Montes fluíram de diante da face de Jeová, este Sinai, de diante da face de Jeová, Deus de Israel” (Juízes 5:4-5). “O próprio Deus passou a chegar de Temã, sim, um Santo desde o monte Parã. Sua dignidade cobriu [os] céus; e do seu louvor encheu-se a terra” (Habacuque 3:3). Uma evidência extra bíblica que concorda com esta visão de que Yahweh (YHWH) originalmente é associado com os povos de vida nômade que habitavam regiões desérticas próximas ao Sinai foi encontrada no Templo de Amon em Soleb, Núbia, erigido pelo faraó Amenófis III (1391-1353 a.C.). Em uma parede do templo, o Faraó egípcio faz menção a um grupo de pessoas retratadas como “Shasu”, que no idioma egípcio significa “nômades/beduínos”. Dentre vários grupos de Shasu, encontramse os “Shasu de YHW” (Michael C. Astour, Yahweh in Egyptian
281 Topographic Lists. In Festschrift Elmar Edel, M. Gorg & E. Pusch, Bamberg, 1979 / Anson F. Rainey, Shasu or Habiru. Who Were the Early Israelites? Biblical Archeology Review 34:6, Nov-Dez / Dermot Anthony Nestor, Cognitive Perspectives on Israelite Identity. Continuum International Publishing Group, 2010 p.185). [Nota – As argumentações das páginas 271 e 272 são de autoria de Gustavo Padovan extraídas do link: http://extestemunhasdejeova.net/forum/viewtopic.php?f=11&t= 14440#p286892] Quando Yahweh entra em cena na bíblia com seu “nome oficial” durante o êxodo bíblico, a impressão que se tem é que ele já absorveu boa parte das características de um outro Deus cananeu chamado Baal (literalmente “senhor”, “mestre” e em certos contextos, até “marido”), um guerreiro jovem e impetuoso que acabou assumindo na mitologia de Ugarit e da Fenícia (atual Líbano) o papel de comando que era de El. Indícios dessa nova “personalidade” de Deus surgem no fato de que, pela primeira vez na narrativa bíblica, Yahweh é visto como um guerreiro, destruindo os “carros de guerra e cavaleiros” do Faraó e mais tarde, guiando as tribos de Israel à vitória durante a conquista da terra de Canaã. Tal como Baal, Yahweh é descrito como “cavalgando as nuvens” e “trovejando”. E mais importante ainda, uma série de textos bíblicos falam de Deus impondo sua vontade contra os mares impetuosos (como no caso do Mar Vermelho) ou derrotando monstros marinhos (Isaías 51:9; Êxodo 14:15-31). Há aí uma série de semelhanças com a mitologia Cananéia sobre Baal, o qual derrotou em combate o Deus-monstro marinho Yam (o nome quer dizer simplesmente “mar” em hebraico) ou “o Rio” personificado. Na mitologia do Oriente Próximo, as águas marinhas eram vistas como símbolos do caos primitivo, e por isso tinham de ser derrotadas e domadas pelos Deuses. Yahweh também é associado à chuva e à fertilidade da terra pelos antigos
282 autores bíblicos, atributos que aparecem entre as funções de Baal (John Day, Yahweh and the Gods and Goddesses of Canaan [Library Hebrew Bible/Old Testament Studies]. Bloomsbury T&T Clark; 1 edition, December 1, 2002. ISBN 9780826468307). Asherah possivelmente era uma Deusa e consorte de Yahweh no Antigo Israel e não um simples atributo deste. Há referências à adoração de vários Deuses pelos reis israelitas. É relatado na bíblia que Salomão construiu vários templos para muitos Deuses e Josias destruiu as estátuas de Asherah que foram erguidas por seu avô Manassés. (1º Reis 11:1-8; 2º Reis 21:1-9) Várias descobertas arqueológicas nos ajudam nesta reflexão, destacando as de Khirbet el-Qom em 1967 e a de Kuntillet Adjrud em 1976, que traz a inscrição “abençoo-te em Yahweh de Teman e sua Asherah” mostrando claramente que a Deusa Asherah era encarada na época como uma companheira ou esposa de Yahweh. Um dos mais antigos artefatos arqueológicos de Israel datado de 1000 a.C., um púlpito politeísta de Tanach escavado em 1968 pelo arqueólogo americano Paul Lapp, apresenta representações da Deusa Asherah e Yahweh, mostrando a natureza politeísta da antiga cultura israelita. (Othmar Kell and Christoph Uehlinger, Gods, goddesses, and images of God in ancient Israel. Fortress Press, 1998, págs. 228-239 / Meindert Djikstra, I Have Blessed you by YHWH of Samaria and his Asherah: Texts With Religious Elements from the Soil Archive of Ancient Israel, in Bob Becking, Only One God? Monotheism in Ancient Israel and the Veneration of the Goddess Asherah. Sheffield Academic Press, 2001, págs. 32-34). O livro bíblico dos Provérbios, bem como alguns outras fontes israelitas, apresenta a figura da Sabedoria personificada, uma espécie de “auxiliar” ou “primeira criatura” de Deus que o teria auxiliado na obra da criação do mundo. Segundo o texto dos Provérbios, Deus “se deleita” com a Sabedoria e a usa para
283 inspirar atos sábios nos seres humanos (Provérbios 8:22-31). Para muitos pesquisadores a figura da Sabedoria incorpora aspectos da antiga Asherah na maneira como os antigos israelitas viam Deus. Embora o próprio Deus não seja descrito como feminino, haveria uma complementaridade entre ele e sua principal auxiliar. Portanto, assim como os antigos gregos, os israelitas tinham um panteão de Deuses em sua adoração como Yahweh, Baal e Asherah, conforme comprovado por evidências arqueológicas. A proibição da Deusa Asherah, Baal e outros, é fruto de um dado momento histórico de elaboração e ascensão do monoteísmo. A identidade judaica, após a drástica experiência do exílio babilônico e na tentativa de reorganização da nação, passa a se basear num só Deus. A centralidade em Yahweh se torna um fator importante da nova identidade nacional em formação, que foi moldada pelos movimentos reformadores de Esdras e Neemias. A idolatria passa a ser a causa da ruína de Israel. Vemos este reflexo no conflito que os textos bíblicos demonstram em relação a Asherah e a outros Deuses e Deusas, bem como, em relação principalmente às mulheres estrangeiras. A elaboração e instituição do monoteísmo não aconteceu de forma democrática e pacífica. A partir de um contexto politeísta, a centralidade em Yahweh é um processo violento, proibindo e demonizando o diferente como uma ameaça. Um processo nítido de intolerância religiosa e destruição da cultura anterior. A supressão do culto e da imagem da Deusa Asherah traz consequências profundas, afetando em especial as mulheres, que tinham na Deusa uma possibilidade de representação do feminino no sagrado. Assim, a religião judaica vai se constituindo em torno de um único Deus masculino, sustentando historicamente uma sociedade patriarcal (William G. Dever, Did God Have a Wife? Archaeology and Folk Religion in Ancient Israel. Wm. B. Eerdmans Publishing Co. July 23, 2008. ISBN 978-0802863942).
284 Um relato bíblico que demonstra bem esta questão do politeísmo no Antigo Israel encontra-se no livro de 1ª Samuel capítulo 15. Nesta passagem o profeta Samuel ordena que Saul, o primeiro Rei de Israel destrua a nação de Amaleque, que segundo o profeta havia agido mau para com os israelitas no passado. A orientação é destruir tudo sem dó nem piedade, incluindo mulheres e bebês, até mesmo os animais. Só que Saul resolveu ter compaixão e não matou o Rei Aguague e o melhor do rebanho amalequita. Quando Samuel ficou sabendo disso ficou furioso com o Rei Saul que tentava de todas as formas explicar os motivos que o levaram a agir daquela forma. Mas o profeta Samuel não quis dar ouvidos as explicações do Rei Saul, ele disse que Jeová (Yahweh) havia rejeitado Saul. Desesperado o Rei Saul agarra a aba da túnica do profeta e implora usando a seguinte expressão: “Pequei. Agora, por favor, honra-me diante dos anciãos do meu povo e diante de Israel, e volta comigo, e eu certamente me prostrarei diante de Jeová, teu Deus” (1ª Samuel 15:30). Observou a última expressão usada pelo Rei Saul, “teu Deus”? O texto mostra claramente que Jeová (Yahweh) era o Deus de Samuel, mas Saul prestava reverência a outro Deus além de Jeová. Samuel não era da mesma tribo de Saul, pelo visto cada tribo tinha um Deus considerado o principal e provavelmente Jeová não era o Deus principal da tribo de Saul. Se Jeová fosse o Deus principal de Saul ele usaria a expressão “nosso Deus”. Mas não foi esta expressão que Saul usou, o texto é bem claro, ele disse “teu Deus”. O fato de Saul ter dito “teu Deus” era porque Samuel era um profeta de Jeová. Havia profetas de vários Deuses no Antigo Israel, profetas de Jeová, profetas de Baal, profetas de Asherah, etc. Cada um era consultado para determinado assunto. Presumese que Jeová era associado à guerra, portanto, esta divindade era consultada para este tipo de assunto. Em certa ocasião, o Rei
285 Acazias de Israel pediu consulta ao Deus Baal-Zebube, para saber se ele se recuperaria de seu acidente. Provavelmente, BaalZebube era uma divindade ligada à cura: “Certo dia, Acazias caiu da sacada do seu quarto no palácio de Samaria e ficou muito ferido. Então enviou mensageiros para consultar Baal-Zebube, deus de Ecrom, para saber se ele se recuperaria” (2 Reis 1:2, Nova Versão Internacional). Se Saul estivesse interessado em saber algo relacionado com sua saúde ou de sua família possivelmente teria consultado um profeta de Baal-Zebube. É sabido que Saul tinha um filho chamado Esbaal, cujo nome significa Homem de Baal: “Ner gerou Quis, que gerou Saul. Saul gerou Jônatas, Malquisua, Abinadabe e Esbaal” (1 Crônicas 8:33, Nova Versão Internacional). [Nota – O parágrafo acima é de autoria de Gustavo Padovan extraído do link: http://extestemunhasdejeova.net/forum/viewtopic.php?f=11&t= 14925#p294442] Obviamente, depois do exilio babilônico, os escribas que reescreveram a história de Israel fizeram questão de colocar os profetas dos outros Deuses que não fossem de Jeová (Yahweh) como sendo falsos e os que os seguiam como sendo pessoas desviadas da verdadeira fé. Sempre quando havia alguma disputa entre os profetas para determinar quem era o verdadeiro e mais poderoso Deus, os escribas passaram a colocar os profetas de Jeová (Yahweh) com sendo sempre os vitoriosos, dando assim suporte a adoração monoteísta que eles queriam justificar e perpetuar. Apesar dos reformadores do período pós exilio reescreverem a história de Israel tentando retirar todos os traços de politeísmo de seus escritos sagrados, observamos em algumas passagens expressões que indicam a cultura politeísta do antigo Israel. Observe alguns versos na bíblia que mostram Yahweh (Jeová) como um entre vários outros Deuses existentes.
286 “Quem entre os deuses é semelhante a ti, ó Jeová?”. Entre os deuses, Hebraico: ba·’e·lím, plural de ’El (Êxodo 15:11). “Não há nenhum igual a ti entre os deuses, ó Jeová, nem há quaisquer trabalhos iguais aos teus”. Entre os deuses, Hebraico: va·’elo·hím; Grego: the·oís (Salmos 86:8). “Agora sei deveras que Jeová é maior do que todos os [demais] deuses”. Os [demais] deuses, Hebraico: ha·’elo·hím; Grego: tous the·oús (Êxodo 18:11). “Pois, Jeová, vosso Deus, é o Deus dos deuses”. Ou “Deus de deuses”, Hebraico: ’Elo·héh ha·’elo·hím; Grego: The·ós ton the·ón (Deuteronômio 10:17). “O Deus dos deuses, Iahweh, o Deus dos deuses, Iahweh, bem o sabe, e Israel deve sabê-lo: se houve de nossa parte rebelião ou infidelidade para com Iahweh, que ele deixe de nos salvar neste dia”. Ou “Deus de Deuses”, Hebraico: ’El ’Elo·hím Yehwáh (Josué 22:22, Bíblia de Jerusalém). “Fala Iahweh, o Deus dos deuses, convocando a terra, do nascente ao poente”. Ou “Deus de deuses”, Hebraico: ’El ’Elo·hím (Salmos 50:1, Bíblia de Jerusalém). Expressões como “Entre os deuses”, “Os demais deuses” e “Deus de deuses” são claras em demonstrar a cultura politeísta no antigo Israel. O melhor termo para enquadrarmos a antiga religião israelita seria a monolatria, que significa o reconhecimento da existência de outros Deuses, mas prestação de adoração consistente e exclusiva à apenas um Deus. Porém, até mesmo esta classificação pode ser contestada, haja vista que a história israelita que sobreviveu até nós foi contada pelos judeus séculos depois dos acontecimentos. Para os sacerdotes do Judaísmo do 2º Templo (após a queda da Babilônia) seria um vexame mencionar que outros Deuses eram adorados conjuntamente com Jeová, portanto eles reescreveram a história, apontando que a adoração de outros
287 Deuses foi uma exceção, um desvio. Porém a arqueologia está provando cada vez mais que aquilo que a bíblia conta como exceção na verdade era a regra, o politeísmo era a principal religião deles (Mark S. Smith, The Early History of God: Yahweh and the Other Deities in Ancient Israel [Biblical Resource Series]. Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 2 edition, August 3, 2002. ISBN 978-0802839725). [Nota – O parágrafo acima é de autoria de Gustavo Padovan extraído do link: http://extestemunhasdejeova.net/forum/viewtopic.php?f=11&t= 14767&st=0&sk=t&sd=a&start=10#p291998]
288
37 egundo o escritor do livro bíblico de Tiago, Deus não prova ninguém e nem ele pode ser provado: “Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus. Pois Deus não pode ser tentado pelo mal, e Ele a ninguém tenta” (Tiago 1:13). Porém, esta afirmação contradiz várias passagens da bíblia onde Deus prova a fé das pessoas de diversas maneiras causando em muitas delas um sofrimento terrível apenas para testá-las ou para defender seus conceitos. Muitas vezes Deus chega até mesmo a interferir no livre arbítrio da pessoa causando um grande sofrimento a todos os envolvidos naquela situação simplesmente para vangloriar seu nome, como no relato envolvendo o faraó do Egito onde Deus endurece o coração do faraó para que ele fique obstinado e não liberte os israelitas causando indescritíveis sofrimentos não só aos egípcios como também aos israelitas conforme relatado em Êxodo 9:12: “Mas Jeová deixou o coração de Faraó ficar obstinado e ele não os escutou, assim como Javé havia declarado a Moisés”. Assim fica a pergunta, qual o sentido de tudo isso? Porque esta obsessão de se autoglorificar em cima do sofrimento humano? Em outras ocasiões Deus parece brincar com as pessoas como no relato em que ele diz a Abraão que sacrifique seu único filho, quando o próprio Deus disse que sua descendência seria uma grande nação e depois de velho com muito custo finalmente conseguir ter um descendente conforme diz Gênesis 22:1: “Depois dessas coisas, provou Deus a Abraão, dizendo-lhe: Abraão! E este respondeu: Eis-me aqui. Então disse Deus: toma o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai à terra
289 de Moriá, e oferece-o ali em holocausto”. Segundo a própria bíblia Deus “desde o princípio conta o final e desde outrora as coisas que não se fizeram” (Isaías 46:10). Portanto, Deus já sabia qual seria a reação de Abraão diante deste teste de fé, assim, qual seria o objetivo de tal provação? Deus submeteu Abraão a tal situação terrível apenas para ver o que ele já sabia? Outro caso clássico de provação da parte de Deus encontra-se no livro bíblico de Jó. Neste relato Deus está numa reunião no céu com seus anjos e Satanás também está presente. Numa conversa descontraída Deus resolve se gabar de seu servo humano Jó dizendo “Fixaste teu coração no meu servo Jó, que não há ninguém igual a ele na terra, homem inculpe e reto, temendo a Deus e desviando-se do mal?” (Jó 1:8). Satanás responde “Acaso é por nada que Jó teme a Deus? Não puseste tu mesmo uma sebe em volta dele, e em volta da sua casa, e em volta de tudo o que ele tem? Abençoaste o trabalho das suas mãos, e o próprio gado dele se tem espalhado pela terra. Mas, ao invés disso, estende tua mão, por favor, e toca em tudo o que ele tem, [e vê] se não te amaldiçoará na tua própria face” (Jó 1:9-11). Para resolver este debate Deus permite que Satanás tire tudo que Jó tem, um fogo vindo do céu queima todas as suas ovelhas, todos os seus bois e camelos foram roubados, seus servos são mortos e até mesmo os filhos e filhas são cruelmente destruídos por uma tempestade que destrói sua casa. Como Deus previra Jó não amaldiçoa e nem culpa Deus por tal desgraça: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei para lá. O próprio Jeová deu e o próprio Jeová tirou. Continue a ser abençoado o nome de Jeová” (Jó 1:21). A narrativa volta para o céu onde Deus novamente está em reunião com seus anjos e Satanás passou a entrar no meio deles e Deus mais uma vez se gaba de seu servo Jó quando e retrucado por Satanás “Pele por pele, e tudo o que o homem tem dará pela sua alma. Ao invés disso, estende agora tua mão, por favor, e
290 toca-lhe até o osso e a carne, [e vê] se não te amaldiçoará na tua própria face” (Jó 2:4, 5). Deus então permite que Satanás faça isso desde que não o mate, obviamente se o matasse não seria possível ver sua reação. Jó passa a ser ferido com chagas malignas desde a planta do pé até o alto da cabeça (Jó 2:7). Ele senta em um monte de cinzas e esfrega suas feridas com um caco de cerâmica. Diante daquela situação aterrorizante sua esposa lhe diz para amaldiçoar a Deus e morrer (Jó 2:9). Mas uma vez Jó não amaldiçoa a Deus, antes diz “Devemos aceitar apenas o que é bom da parte do [verdadeiro] Deus e não aceitar também o que é mau?” (Jó 2:10). Três amigos de Jó chamados Elifaz, Bildade e Zofar ao verem esta situação lastimável choram com ele, compartilham sua dor e se sentam com ele sem dizer uma palavra por sete dias e sete noites. Depois disso começa o ciclo de diálogos poéticos que são elaborados em uma série de declarações e réplicas entre seus três amigos. Jó fala e um dos amigos contesta, Jó reage e o segundo replica, Jó responde novamente e então o terceiro retruca. Por três vezes essa sequência acontece. Depois disso surge um quarto personagem, um jovem chamado Eliú que estava ouvindo a conversa e ficou insatisfeito com a tese apresentada pelos outros três. Porém, sua tese não difere muito da tese dos outros três amigos de Jó, mas, antes que Jó possa objetar, Deus surge de uma forma poderosa e diz que Jó não tem o direito de questionar as ações daquele que criou o mundo. Jó se arrepende de ter desejado compreender a causa de seu sofrimento e se humilha diante do Todo-poderoso, terminando assim os diálogos poéticos. Em síntese a seção poética começa com Jó amaldiçoando o dia em que nasceu e desejando ter nascido morto (Jó 3:1, 2, 11, 12, 16). Elifaz responde primeiro dando o tom para o que todos os amigos dirão. Em sua opinião Jó só recebeu o que estava reservado para ele, Deus jamais pune um inocente, apenas o
291 culpado (Jó 4:1, 2, 7-9). Bildade exalta a justiça de Deus e incentiva Jó a se arrepender (Jó 8:1-7). Zofar declara que os protestos de inocência de Jó são completamente equivocados e insultam a Deus, se Jó está sofrendo é por que merece (Jó 11:16). Todos os três amigos de Jó partilham o conceito tradicional bíblico de que o sofrimento é uma punição pelos pecados. Jó considera a acusação injusta pois não fez nada para merecer este sofrimento terrível, portanto, ele insiste em sua inocência, se ele não agir desta forma estará enganado a si mesmo, as pessoas em sua volta e principalmente a Deus. Ele não pode se arrepender de pecados imaginários que nunca cometeu fingindo que seu sofrimento é merecido quando na verdade não fez nada de errado (Jó 6:24, 25, 28-30). Em imagens nítidas e poderosas, Jó insiste que mesmo sendo inocente, Deus se lançou contra ele atacando seu corpo como um guerreiro selvagem (Jó 16:12-14, 16, 17). Jó sente constantemente a presença aterrorizante de Deus, da qual não consegue escapar nem mesmo durante a noite. Ele apela a Deus que alivie seu tormento deixando-o em paz apenas o tempo suficiente para que engula sua saliva (Jó 7:13-16, 19). Por outro lado, os iníquos prosperam, e Deus nunca os faz temer (Jó 21:79, 12, 13). No final dos diálogos Jó faz o desafio e exige uma audiência divina (Jó 31:35-37). Nesta altura, Eliú aparece do nada entrando na discussão repreendendo Jó em termos duros e exaltando a bondade de Deus em punir os iníquos e recompensar os justos (Jó 35:1-16). Jó não tem tempo de replicar a afirmação de Eliú. Deus aparece poderoso, para esmagar Jó com sua presença e subjugá-lo na terra. Ele não aparece com uma voz branda vinda do céu ou em um sonho reconfortante. Ele aparece no meio de um redemoinho violento e ameaçador. Em sua cólera Deus reprova Jó por pensar que ele, um mero mortal, pode questionar aquele que criou tudo que existe. Deus é o Todopoderoso, incontestável e para provar isso ele faz a Jó uma série
292 de perguntas impossíveis de responder (Jó 38:12, 16-18, 22, 23, 33-35; 39:26, 27: 40:6-9). Diante de toda essa discussão a questão de porque os inocentes sofrem teve algumas respostas. Segundo o diálogo celestial Deus testa as pessoas para ver se elas podem manter sua devoção mesmo sofrendo injustamente dor e infelicidade. Para os amigos de Jó o sofrimento é uma punição pelos pecados. O próprio Jó não consegue descobrir uma razão para o sofrimento dos inocentes. Deus surge no final das discussões e recusa-se a dar uma explicação. No final parece que o escritor do livro de Jó chega à conclusão de que o sofrimento do inocente não tem resposta. Jó simplesmente queria uma audiência divina para declarar sua inocência a Deus, mas ele não teve a oportunidade de se defender diante de Deus. Como Jó poderia se dar conta de que era culpado, como poderia se arrepender de alguma transgressão se o próprio relato diz que ele era inteiramente inocente: “Em tudo isso Jó não pecou, nem atribuiu a Deus algo impróprio (Jó 1:22)”, “Em tudo isso não pecou Jó com os seus lábios” (Jó 2:10). Arrepender-se de ter pensado que poderia apresentar uma defesa perante Deus me parece algo vindo de um ser autoritário e tirano, pois, o princípio básico da justiça é de que todos têm o direito de se defender e todos devem ser considerados inocentes até que se prove o contrário. E a questão de que Deus tem mais coisas com que se preocupar do que com a vidinha infeliz de Jó não tem fundamento, pois todas as questões dos discursos de Jó não são sobre Deus estar ausente de sua vida, muito pelo contrário, são dele estar presente demais em sua vida, punindo-o de forma extrema por coisas que ele não fez. Não podemos deixar passar o fato de que Deus em sua aparição em forma de redemoinho não dá uma resposta ao apelo apaixonado e desesperado de Jó para compreender por que ele,
293 um homem inocente, está sofrendo de forma tão horrenda. A única resposta é que ele é o Todo-poderoso e não pode ser questionado por meros mortais, que a própria busca de uma resposta, a busca da verdade, o impulso de compreender é uma afronta a um Deus que não pode ser perguntado, as razões não devem ser buscadas, devemos permanecer na ignorância e na escuridão, a busca pela razão e pelo conhecimento é uma ofensa contra o Deus bíblico. A resposta ao sofrimento é que não há resposta e não devemos procurar por uma. O problema de Jó foi esperar que Deus pudesse lidar de forma racional com o assunto, dando a ele uma explicação razoável para o estado de coisas, mas Deus se recusou a fazê-lo, afinal, ele é Deus, por que teria que responder alguém? Deus pode machucar, atormentar e matar quando quiser e não ser responsabilizado? Será que o fato de ele ser Todo-poderoso lhe dá o direito de atormentar algumas almas inocentes e assassinar crianças? O seu poder lhe dá esse direito? Se não podemos julgar os atos cruéis de Deus por parâmetros humanos (lembrem-se, Jó era inocente!) aonde isso nos leva? Segundo a bíblia os humanos não são feitos a imagem e semelhança de Deus? Os parâmetros humanos não são dados por Deus? Você conseguiria agir desta forma com seus filhos? Agindo assim você não seria um tirano? Como você se sentiria sendo julgado num tribunal por um juiz assim? Não foi ele quem nos deu a inteligência para analisarmos algo e chegarmos a uma conclusão através da lógica e da racionalidade? Não devemos ser como ele no modo de tratamos os outros? Será que é assim que devemos tratar os outros? Se não entendermos Deus segundo os parâmetros humanos (que ele mesmo nos deu), então como podemos compreendê-lo, já que somos humanos? E Deus não o atormentou simplesmente tirando dele seus bens conquistados. Ele matou os filhos de Jó simplesmente para provar sua tese, vencer sua aposta. Você teria coragem de fazer isso?
294 Muitos religiosos ainda tentam justificar a questão com a ideia de que assim que Jó passou no teste, Deus o recompensou com mais filhos, mas, e quanto aos filhos mortos de Jó? Por que todos eles foram assassinados? Para que Deus pudesse provar sua tese? Isso significa que Deus está disposto a matar meus filhos ou os seus filhos simplesmente para ver como reagiremos? Somos tão importante assim para Deus estar disposto a destruir vidas inocentes apenas para ver nossa reação? Lembrando que Deus é descrito na bíblia como onisciente, então ele já sabe qual será nossa reação, por isso a questão continua, qual é o sentido disso? Jó perdeu sete filhos e três filhas e como recompensa por sua fidelidade Deus dá a ele mais sete filhos e três filhas. Será que a dor da morte de um filho pode ser eliminada com o nascimento de outro? Será que os filhos são descartáveis e substituíveis como uma roupa velha ou um smartphone quebrado? Você consegue amar e louvar um Deus que tortura e mata as pessoas apenas para ver como irão reagir, para ver se não irão culpá-lo? É este tipo de Deus que você venera, considerando seu exemplo perfeito de justiça?
295
a mitologia grega Narciso era um belo rapaz filho do Deus do rio Céfiso e da ninfa Liríope. Era um herói do território de Téspias famoso pela sua beleza e orgulho. A beleza de Narciso era tão incomparável que ele pensava que era semelhante a um Deus, comparável à beleza de Dionísio e Apolo. Por ocasião do seu nascimento, seus pais consultaram o oráculo Tirésias para saber qual seria o destino do menino. A resposta foi de que ele teria uma vida longa se nunca visse a própria face. Muitas moças e ninfas apaixonaram-se por Narciso quando ele chegou à idade adulta. Porém, o belo jovem não se interessava por nenhuma delas. A ninfa Eco, uma das mais apaixonadas, não se conformou com a indiferença de Narciso e afastou-se amargurada para um lugar deserto, onde definhou até que somente restaram dela os gemidos. As moças desprezadas pediram aos deuses para vingálas. A Deusa Nêmesis apiedou-se delas e induziu Narciso, depois de uma caçada num dia muito quente, a debruçar-se numa fonte para beber água. Descuidando-se de tudo o mais, ele permaneceu imóvel na contemplação ininterrupta de sua face refletida, olhando-se na água e se embelezando até definhar e morrer. As ninfas construíram-lhe uma pira, mas quando foram buscar o corpo encontraram apenas uma flor no seu lugar, o narciso. Para os gregos, Narciso simbolizava a vaidade, frivolidade e a insensibilidade, visto que ele era emocionalmente entorpecido às solicitações daqueles que se apaixonaram pela sua beleza. O narcisismo tem o seu nome derivado de Narciso e ambos derivam da palavra Grega narke, "entorpecido" de onde também vem a palavra narcótico, descreve a característica de personalidade da paixão por si mesmo. Freud acreditava que algum nível de
296 narcisismo constitui uma parte de todos os humanos desde o nascimento. Em psicologia e psiquiatria, o narcisismo excessivo é o que dificulta o indivíduo ter uma vida satisfatória, é reconhecido como um estado patológico e recebe o nome de Transtorno de personalidade narcisista. Indivíduos com o transtorno julgam-se grandiosos e possuem necessidade de admiração e aprovação de outras pessoas em excesso. Os termos "narcisismo" e "narcisista" são frequentemente utilizados como pejorativos, denotando vaidade ou egoísmo. A pessoa que lê a bíblia de forma sincera e racional sem fanatismos religiosos não pode deixar de notar um transtorno de personalidade narcisista no Deus descrito ali. As páginas da bíblia estão repletas de passagens descrevendo Deus como vaidoso e egoísta, um ser que tem uma necessidade obsessiva de ser adorado, venerado, glorificado, enaltecido e santificado, que deseja de todas as formas que as pessoas sejam dependentes e submissas a ele. Em muitos casos o Deus bíblico parece uma criança egocêntrica brincando com os seres humanos, demonstrando uma enorme carência e imaturidade. Um ser verdadeiramente criador de todo o universo obviamente deve possuir uma consciência muito mais evoluída que a nossa, porém, o Deus descrito na bíblia mais parece um ser humano narcisista do que uma entidade transcendental evoluída. Uma leitura franca da bíblia não deixa dúvidas sobre isso, observe: “Pois Jeová, teu Deus, é um fogo consumidor, um Deus que exige devoção exclusiva” (Deuteronômio 4:24). “Jeová é um Deus que exige devoção exclusiva e que toma vingança; Jeová toma vingança e está disposto ao furor” (Naum 1:2). “E em ira e em furor vou executar vingança sobre as nações que não obedeceram” (Miquéias 5:15).
297 “A ira ardente de Jeová não recuará até que ele tenha executado e até que tenha realizado as idéias de seu coração” (Jeremias 30:24). “Por esta causa pranteará a terra e certamente se escurecerão os céus acima. É porque eu falei, eu cogitei e não senti lástima, nem recuarei disso” (Jeremias 4:28). “E eu hei de magnificar-me, e santificar-me, e dar-me a conhecer aos olhos de muitas nações; e terão de saber que eu sou Jeová” (Ezequiel 38:23). “E não deveis profanar meu santo nome, e eu tenho de ser santificado no meio dos filhos de Israel” (Levítico 22:32). “Jeová dos exércitos — é a Ele que deveis tratar como santo e Ele deve ser o objeto de vosso medo, e Ele é quem vos deve fazer estremecer” (Isaías 8:13). “Tu, tu és atemorizante, e quem pode ficar de pé diante de ti por causa da força da tua ira?” (Salmos 76:7). “Deve-se ter espanto reverente ante Deus entre o grupo íntimo dos santos; Ele é grandioso e atemorizante sobre todos em volta dele” (Salmos 89:7). “Cedei, e sabei que eu sou Deus. Vou ser exaltado entre as nações, Vou ser exaltado na terra” (Salmos 46:10). “Sê deveras exaltado acima dos céus, ó Deus; Seja a tua glória acima de toda a terra” (Salmos 57:5). “E bendito seja seu glorioso nome por tempo indefinido, E sua glória encha a terra inteira” (Salmos 72:19). “E, por outro lado, assim como vivo, toda a terra se encherá da glória de Jeová” (Números 14:21). “Pois a terra se encherá do conhecimento da glória de Jeová assim como as próprias águas cobrem [o] mar” (Habacuque 2:14). “Sê deveras exaltado acima dos céus, ó Deus; E seja a tua glória acima de toda a terra” (Salmos 108:5).
298 “Ó Jeová, nosso Senhor, quão majestoso é o teu nome em toda a terra; Tu, cuja dignidade é narrada acima dos céus!” (Salmos 8:1). “Louvem eles o nome de Jeová, Pois só o seu nome é inalcançavelmente elevado. Sua dignidade está acima da terra e do céu” (Salmos 148:13). “Tuas, ó Jeová, são a grandeza, e a potência, e a beleza, e a excelência, e a dignidade; pois [teu] é tudo nos céus e na terra. Teu é o reino, ó Javé, que te ergues como cabeça sobre todos” (1ª Crônicas 29:11). “Jeová é grande e para ser louvado muito, e sua grandeza é inescrutável” (Salmos 145:3). “Elogiem eles o teu nome. Grande e atemorizante, santo ele é” (Salmos 99:3). “E agora, ó nosso Deus, o Deus grande, poderoso e atemorizante, guardando o pacto e a benevolência, não deixes parecer pouco diante de ti toda a dificuldade que achou a nós” (Neemias 9:32). “Pois, Jeová, vosso Deus, é o Deus dos deuses e o Senhor dos senhores, o Deus grande, poderoso e atemorizante” (Deuteronômio 10:17). Um ser plenamente evoluído não necessita de adoração ou veneração, ele é completo em si mesmo tornando obsoleto a reverencia e glorificação. Ele não fica buscando autoglorificação ou reconhecimento. Quem gosta de ser exaltado e precisa de enaltecimento é o ser menos evoluído, estacionário e retrógrado. Da mesma forma, uma consciência que procura de todas as formas subordinar as demais consciências num processo de dependência não demonstra ser plenamente desenvolvida. Um ser evoluído deseja que as demais consciências também evoluam e cheguem ao seu nível de evolução sendo autossuficiente, ele não impõe limites ao esclarecimento estabelecendo uma relação de
299 domínio sobre os demais, não há uma relação de subserviência, devoção ou adoração, muito pelo contrário, ele demonstra uma fraternidade altruísta doando toda sua sabedoria em benefício das demais consciências para que também atinjam a plenitude evolutiva. Ao lermos o novo testamento notamos que o personagem Jesus estava acima da média da sociedade judaica da época sendo capaz de enxergar e denunciar a corrupção da religião local. A maneira como ele tratou as mulheres numa sociedade extremamente machista e sua interpretação de alguns pontos da lei como, por exemplo, a lei do sábado, amar os inimigos, tratar os outros como gostaria de ser tratado, se mostrou um avanço. Contudo, em outros pontos ele deixou muito a desejar. Por exemplo, em momento algum ele condena a escravidão, prática tão comum em seus dias, antes, faz várias ilustrações e parábolas onde há escravos, descrevendo tal prática repugnante como algo normal, corriqueiro e comum. Quanto sofrimento seria evitado nestes últimos dois mil anos se Jesus tivesse condenado veementemente a escravidão. Em vários momentos Jesus mostrou um narcisismo evidente ao se autoproclamar “a luz do mundo (João 8:12)”, “o pão vivo que desce do céu (João 6:51)”, “o caminho, a verdade e a vida (João 14:16)”, “a verdadeira videira (João 15:1)”, “o pastor excelente (João 10:11)”, ao dizer enfaticamente “quem não é comigo é contra mim (Mateus 11:30)”, “quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim (Mateus 10:37)”, “não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada (Mateus 10:34)”, “Quem se chegar a mim e não odiar seu pai, e mãe, e esposa, e filhos, e irmãos, e irmãs, sim, e até mesmo a sua própria alma, não pode ser meu discípulo (Lucas 14:26)”.
300 Não muito diferente dos fariseus, saduceus, essênios e zelotes, facções religiosas judaicas extremistas e radicais desenvolvidas num caldeirão em ebulição que se tornou a Judéia na época do domínio romano, Jesus demonstrava um fanatismo religioso apocalíptico. No início de seu ministério era seguidor de João Batista, conhecido pregador que tinha um estilo de vida inusitado, ele trajava roupas feitas de pelo de camelo e um cinto de couro ao redor dos lombos, vivia no deserto e se alimentava de gafanhotos e mel silvestre (Mateus 3:4; Marcos 1:6). Sua mensagem era apocalíptica: “Naqueles dias veio João Batista pregar no ermo da Judéia, dizendo: Arrependei-vos, pois o reino dos céus se tem aproximado” (Mateus 3:1, 2). Como seguidor de João Batista, a mensagem de Jesus era exatamente a mesma: “Daquele tempo em diante, Jesus principiou a pregar e a dizer: “Arrependei-vos, pois o reino dos céus se tem aproximado” (Mateus 4:17). Jesus falava constantemente de uma destruição iminente: “Quando o Filho do homem chegar na sua glória, e com ele todos os anjos, então se assentará no seu trono glorioso. E diante dele serão ajuntadas todas as nações, e ele separará uns dos outros assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. E porá as ovelhas à sua direita, mas os cabritos à sua esquerda... Então dirá, por sua vez, aos à sua esquerda: Afastai-vos de mim, vós os que tendes sido amaldiçoados, para o fogo eterno, preparado para o Diabo e seus anjos” (Mateus 25:31-41). Para Jesus era necessário tomar medidas extremas para escapar da destruição apocalíptica: “Se, pois, a tua mão ou o teu pé te faz tropeçar, corta-o e lança-o para longe de ti; é melhor para ti entrares na vida aleijado ou coxo, do que seres lançado com duas mãos ou dois pés no fogo eterno” (Mateus 18:8). “E se o teu olho te fizer tropeçar, lança-o fora; melhor te é entrares com um olho no reino de Deus, do que seres com os dois olhos lançado na Geena, onde o seu gusano não morre e o fogo não se
301 extingue” (Marcos 9:47,48). Jesus usa aqui a técnica de intimidação, ameaçando seus ouvintes com uma destruição horrível se não seguirem seus ensinos. Em alguns momentos pregava o amor enquanto em outros pregava o terror. Observe esta parábola com o objetivo evidente de aterrorizar seus ouvintes: “Mas, certo homem era rico e costumava cobrir-se de púrpura e de linho, regalando-se de dia a dia com magnificência. Mas, certo mendigo, de nome Lázaro, costumava ser colocado junto ao seu portão, [estando] cheio de úlceras e desejoso de saciar-se com as coisas que caíam da mesa do rico... Ora, no decorrer do tempo, morreu o mendigo e foi carregado pelos anjos para [a posição junto ao] seio de Abraão. Também o rico morreu e foi enterrado. E no Hades, ele ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu Abraão de longe, e Lázaro com ele [na posição junto] ao seio. Por isso chamou e disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim e manda que Lázaro mergulhe a ponta do seu dedo em água e refresque a minha língua, porque eu estou em angústia neste fogo intenso. Mas Abraão disse: ‘Filho, lembra-te de que recebeste plenamente as tuas boas coisas no curso da tua vida, mas Lázaro, correspondentemente, as coisas prejudiciais. Agora, porém, ele está tendo consolo aqui, mas tu estás em angústia. E, além de todas essas coisas, estabeleceu-se um grande precipício entre nós e vós, de modo que os que querem passar daqui para vós não o podem, nem podem pessoas passar de lá para nós. Ele disse então: Neste caso, peçote, pai, que o envies à casa de meu pai, pois eu tenho cinco irmãos, a fim de que lhes dê um testemunho cabal, para que não cheguem a entrar neste lugar de tormento. (Lucas 16:19-28). Na parábola acima, Jesus faz uma analogia a um lugar de tormentos e angustia onde existe um fogo intenso e eterno. Para muitos religiosos, Jesus faz referência ao inferno, um lugar de agonia onde as almas que não forem fiéis a ele serão enviadas
302 para sofrerem eternamente. Observamos na cultura da maioria das civilizações antigas um conceito de inferno como lugar de aflição e angustia. Para alguns religiosos Jesus fazia apenas uma alusão à morte eterna, destruição definitiva e irreversível, como algo que queima no fogo. Entretanto, se Jesus realmente pensava assim e não acreditava em tal lugar, dificilmente usaria uma parábola descrevendo um lugar semelhante a um inferno como vimos acima. Jesus fez uso constante de termos intimidadores e aterrorizantes como lugar de tormentos, angústias, fogo intenso, fogo eterno que não se extingue. Portanto, seja qual foi o conceito que Jesus tinha ao se referir a tal lugar não podemos deixar de observar uma técnica de intimidação e coerção mental, algo inimaginável vindo de uma consciência realmente evoluída. Os escritores bíblicos pelo visto assimilaram bem esta técnica de intimidação, pois há observamos em seus escritos: “...com os seus anjos poderosos, em fogo chamejante, ao trazer vingança sobre os que não conhecem a Deus e os que não obedecem às boas novas acerca de nosso Senhor Jesus.” (2ª Tessalonicenses 1:7,8). “Mas, pela mesma palavra, os céus e a terra que agora existem estão sendo guardados para o fogo e estão sendo reservados para o dia do julgamento e da destruição dos homens ímpios” (2ª Pedro 3:7). “Pois, como fogo, o próprio Jeová, de fato, encetará a controvérsia, sim, com a sua espada, contra toda a carne; e os mortos de Javé tornar-se-ão certamente muitos” (Isaías 66:16). “E os mortos por Jeová certamente virão a estar naquele dia de uma extremidade da terra até à outra extremidade da terra. Não serão lamentados, nem serão recolhidos ou enterrados. Tornar-se-ão como estrume sobre a superfície do solo” (Jeremias 25:33).
303 “Pois, na minha ira acendeu-se um fogo, e ele arderá até o Seol, o lugar mais baixo”, e consumirá a terra e a sua produção, e incendiará os alicerces dos montes” (Deuteronômio 32:22). “E este mostrará ser o flagelo com que Jeová flagelará todos os povos que realmente prestarem serviço militar contra Jerusalém: Haverá apodrecimento da carne enquanto a pessoa estiver de pé; e os próprios olhos da pessoa apodrecerão nas suas órbitas e a própria língua apodrecerá na boca da pessoa” (Zacarias 14:12). Isto é apenas uma pequena amostra do tom ameaçador e intimidador dos escritores bíblicos que se dizem inspirados por Deus. Note que expressões como fogo, apodrecimento da carne, dos olhos, da língua, mortos espalhados por toda a terra servindo como estrume são comuns. Um ser realmente superior e evoluído jamais tentaria aterrorizar as pessoas desta forma. Isto é próprio de consciências menos evoluídas que tentam de todas as formas subjugar os outros através do terror. Na sua tentativa retrógrada de induzir os demais a submissão utilizam de maneira intensa a intimidação mental baseada no pavor.
304
pesar de tudo o que foi considerado nesse livro, surge à pergunta: Por que a bíblia é um livro tão bem sucedido, tão influente e consagrado entre as pessoas? Por que tal livro tornouse um best-seller, um fenômeno mundial, o livro mais vendido de toda a história? Isto se dá em partes pelo conhecimento superficial que a maioria das pessoas tem dele. Mas na verdade, o grande motivo de todo esse sucesso se deve a maneira em que ele foi escrito. A bíblia foi escrita de uma forma que qualquer pessoa pode achar algo que lhe agrade ou que confirme seu ponto de vista. É um tipo de livro que foi escrito por atacado. Como assim? Bem imagine um grande supermercado onde você entra com um carrinho olha todos aqueles produtos e pega aquilo que lhe interessa. A bíblia é mais ou menos assim. Qualquer que seja seu ponto de vista sobre as coisas, com certeza você achará algo na bíblia que lhe agrade. Existe uma gama de opções tão grande quando se trata da bíblia que fica praticamente impossível não achar algo que possa se identificar com você. Independentemente de como você enxerga Deus, o mundo, as pessoas, seus valores e tudo mais em sua volta, com certeza encontrará algo que lhe satisfará. Apesar de encontrar também muita coisa que não vai lhe agradar, você se apegará àquilo que lhe chamar a atenção. A maneira abrangente e a linguagem simbólica em que ela foi escrita aceita qualquer interpretação e permite ao leitor moldar as partes que não lhe convém. Observe alguns exemplos.
305 Os filhos devem pagar pelos pecados dos pais? Bem, o texto bíblico de Ezequiel 18:20 é bem taxativo em afirmar que não: “O próprio filho não levará nenhuma [culpa] pelo erro do pai e o próprio pai não levará nenhuma [culpa] pelo erro do filho. A própria justiça do justo virá a estar sobre ele mesmo, e a própria iniquidade do iníquo virá a estar sobre ele mesmo”. Deuteronômio 24:16 confirma: “Os pais não devem ser mortos por causa dos filhos e os filhos não devem ser mortos por causa dos pais. Cada um deve ser morto pelo seu próprio pecado”. 2ª Reis 14:6 também diz: “E não entregou à morte os filhos dos golpeadores, segundo o que está escrito no livro da lei de Moisés, que Jeová ordenou, dizendo: Os pais não devem ser mortos por causa dos filhos e os próprios filhos não devem ser mortos por causa dos pais; mas cada um deve ser morto pelo seu próprio pecado”. Jeremias 31:29, 30 apoia este conceito: “Naqueles dias não se dirá mais: ‘Os pais foram os que comeram a uva verde, mas foram os dentes dos filhos que ficaram embotados.’ Mas cada um morrerá pelo seu próprio erro. Qualquer homem que comer uva verde, os seus é que serão os dentes que ficarão embotados”. Por outro lado, Isaías 14:21 diz claramente que sim: “Preparai a matança para os filhos por causa da maldade de seus pais, para que não se levantem e possuam a terra” (João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada). Êxodo 20:5 também diz: “porque eu, Jeová, teu Deus, sou um Deus que exige devoção exclusiva, trazendo punição pelo erro dos pais sobre os filhos, sobre a terceira geração e sobre a quarta geração”. Êxodo 34:7 confirma: “...trazendo punição pelo erro dos pais sobre os filhos e sobre os netos, sobre a terceira geração e sobre a quarta geração”. Deuteronômio 5:9 também fala: “porque eu, Jeová, teu Deus, sou um Deus que exige devoção exclusiva, trazendo punição pelo erro dos pais sobre os filhos, e sobre a terceira
306 geração e sobre a quarta geração”. O próprio Deus bíblico quando julgou o pecado do rei Davi deu a seguinte sentença registrada em 2ª Samuel 12:13, 14: “Davi disse então a Natã: Pequei contra Jeová. A isto Natã disse a Davi: Jeová, por sua vez, deixa passar o teu pecado. Não morrerás. Não obstante, visto que inquestionavelmente trataste a Jeová com desrespeito por meio desta coisa, então o próprio filho, que te acaba de nascer, positivamente morrerá”. Deus muda de ideia ou se arrepende do que faz? Segundo Malaquias 3:6 não: “Pois eu sou Jeová; não mudei”. Números 23:19 também diz: “Deus não é homem para que minta, nem filho de homem para que se arrependa (Nova Versão Internacional)”. 1ª Samuel 15:29 confirma: “Aquele que é a Glória de Israel não mente nem se arrepende, pois não é homem para se arrepender (Nova Versão Internacional)”. Ezequiel 24:14 fala algo parecido: “Eu, o SENHOR, o disse: será assim, e eu o farei; não tornarei atrás, não pouparei, nem me arrependerei” (João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada). Entretanto, Êxodo 32:14 diz que Deus volta atrás e se arrepende: “Então se arrependeu o SENHOR do mal que dissera que havia de fazer ao seu povo” (João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada). Gênesis 6:6, 7 também diz: “Então o Senhor arrependeu-se de ter feito o homem sobre a terra, e isso cortou-lhe o coração... Arrependo-me de havê-los feito” (Nova Versão Internacional). Jonas 3:10 confirma: “...e Deus se arrependeu do mal que tinha dito que lhes faria, e não o fez” (João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada). 1ª Samuel 15:35 apoia este conceito: “E o SENHOR Deus se arrependeu de ter colocado Saul como rei de Israel” (Nova Tradução na Linguagem de Hoje). Devemos santificar os sábados? Segundo Êxodo 20:8 sim: “Lembrando o dia de sábado para o manteres sagrado”. Êxodo
307 31:15 também diz: “Quem fizer alguma obra no dia de sábado será positivamente morto”. Números 15:32-35 fala: “...acharam certa vez um homem apanhando gravetos no dia de sábado... Então, Jeová disse a Moisés: “O homem, sem falta, deve ser morto... a assembleia inteira levou-o para fora do acampamento e atirou nele pedras, de modo que morreu, assim como Jeová mandara a Moisés”. Por outro lado, Jesus realizou muitas coisas no sábado e vivia se desentendendo com os escribas e fariseus justamente por isso. Seus discípulos numa certa ocasião passando por uma plantação pegaram espigas esfregaram nas mãos e comeram os grãos. Os fariseus começaram a questionar isso: “Eis que teus discípulos estão fazendo o que não é lícito fazer no sábado” (Mateus 12:2). Porém Jesus cita um caso do passado para justificar a atitude dos seus discípulos. Depois ele conclui: “No entanto, se tivésseis entendido o que significa: ‘Misericórdia quero, e não sacrifício’, não teríeis condenado os inocentes. Porque Senhor do sábado é o que é o Filho do homem” (Mateus 12:7,8). Jesus fez curas no sábado: “Jesus disse-lhe: “Levanta-te, apanha a tua maca e anda.” Com isso, o homem ficou imediatamente são, e ele apanhou a sua maca e começou a andar. Ora, aquele dia era sábado” (João 5:8-9). Além disso, ele disse: “Assim, por esta razão, os judeus perseguiam a Jesus, porque fazia estas coisas durante o sábado. Mas ele lhes respondeu: Meu Pai tem estado trabalhando até agora e eu estou trabalhando” (João 5:16-17). Assim, quem quiser guardar o sábado pode se basear na Lei mosaica, e quem não quiser guardar o sábado pode citar as palavras de Jesus. Devemos fazer imagens esculpidas? Segundo Êxodo 25:18 sim: “E tens de fazer dois querubins de ouro. Deves fazê-los [como] obra batida ao martelo, em ambas as extremidades da tampa”. Números 21:8 relata: “Jeová disse então a Moisés:
308 “Faze para ti uma cobra ardente e coloca-a numa haste de sinal. E terá de acontecer que, quando alguém for mordido, então deve olhar para ela e assim terá de ficar vivo”. 1ª Reis 7:28-29 também fala: “E nos painéis laterais que estavam entre as barras de junção havia leões, touros e querubins”. Porém, Êxodo 20:4 diz que não: “Não deves fazer para ti imagem esculpida”. Levítico 26:1 relata: “...e não deveis erigir para vós uma imagem esculpida ou uma coluna sagrada”. Deuteronômio 27:15 também diz: “Maldito o homem que fizer uma imagem esculpida ou uma estátua fundida, uma coisa detestável para Jeová”. Para quem quer usar imagens, basta se apegar aos três primeiros textos, quem não quiser usar imagens basta se apegar aos três últimos. Seremos declarados justos (salvos) por quem? Você pode escolher. Segundo Romanos 8:33 é somente por Deus: “...É Deus quem [os] declara justos”. Efésios 2:8-9 também diz algo similar: “Por esta benignidade imerecida é que fostes salvos por intermédio da fé; e isto não se deve a vós, é dádiva de Deus. Não, não se deve a obras, a fim de que nenhum homem tenha base para jactância”. Agora, segundo Romanos 3:20-28 é somente pela fé: “Portanto, por obras de lei, nenhuma carne será declarada justa diante dele... Pois todos pecaram e não atingem a glória de Deus, e é como dádiva gratuita que estão sendo declarados justos pela benignidade imerecida... Pois nós consideramos que o homem é declarado justo pela fé, à parte das obras da lei”. Gálatas 2:16 diz algo parecido: “bem sabendo que o homem é declarado justo, não devido a obras da lei, mas apenas por intermédio da fé para com Cristo Jesus, sim, nós temos depositado a nossa fé em Cristo Jesus, para sermos declarados justos devido à fé para com Cristo e não devido a obras da lei, porque nenhuma carne será declarada justa devido a obras da lei”.
309 Já segundo Romanos 2:6 é somente pelas obras: “E ele dará a cada um segundo as suas obras”. O livro bíblico de Jó 34:11 apoia esta ideia: Pois [é segundo] a atuação do homem terreno que ele o recompensará, e segundo a vereda do homem que o fará vir sobre ele”. O Salmo 62:12 também diz: “...Porque tu mesmo retribuis a cada um segundo o seu trabalho”. Provérbios 24:12 diz algo parecido: “...e [não] pagará de volta ao homem terreno segundo a sua atuação?”. Porém, Tiago 2:24 diz que é pela fé e pelas nossas obras: “Vedes que o homem há de ser declarado justo por obras e não apenas pela fé... Deveras, assim como o corpo sem espírito está morto, assim também a fé sem obras está morta”. Se nenhuma destas opções anteriores lhe agradar você pode optar pelo que diz Ezequiel 7:3: “...e vou julgar-te segundo os teus caminhos”. Ezequiel 7:27 fala algo parecido: “Agirei para com eles segundo o seu caminho e os julgarei com os seus julgamentos”. Ezequiel 18:30 confirma: “Portanto, eu vos julgarei, a cada um segundo os seus caminhos, ó casa de Israel”. Deus é bom? Segundo Salmos 25:8 sim: “Bom e reto é Jeová”. Zacarias 9:17 exclama: “Pois, quão [grande] é a sua bondade”. O Salmo 31:19 confirma: “Quão abundante é a tua bondade”. O próprio Jesus disse em Marcos 10:18: “Ninguém é bom, exceto um só, Deus”. Porém, Isaías 45:7 diz que Deus é ruim: “Eu formo a luz, e crio as trevas, eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas essas coisas” (João Ferreira de Almeida Corrigida e Revisada, Fiel). Lamentações 3:38 relata: “Acaso, não procede do Altíssimo tanto o mal como o bem?” (João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada). Jeremias 18:11 também diz: “Assim diz o SENHOR: Eis que estou forjando mal contra vós, e projeto um plano contra vós” (João Ferreira de Almeida Corrigida e Revisada, Fiel)). Ezequiel 20:25 apoia esta ideia: “Por isso
310 também lhes dei estatutos que não eram bons, juízos pelos quais não haviam de viver” (João Ferreira de Almeida Corrigida e Revisada, Fiel). Jeremias 13:14 relata: “E vou espatifá-los um contra o outro, tanto os pais como os filhos, ao mesmo tempo, é a pronunciação de Jeová. Não terei compaixão, nem terei dó, nem terei misericórdia, de modo a não arruiná-los”. 1ª Samuel 15:3 fala: “Agora vai, e tens de golpear Amaleque e devotá-lo à destruição, junto com tudo o que ele tem, e não deves ter compaixão dele, e tens de entregá-los à morte, tanto o homem como a mulher, tanto a criança como o bebê, tanto o touro como o ovídeo, tanto o camelo como o jumento”. Deus tenta ou põem a prova às pessoas? Gênesis 22:1 diz que sim: “Então, depois dessas coisas, sucedeu que o [verdadeiro] Deus pôs Abraão à prova. Consequentemente, disse-lhe: Abraão! A que ele disse: Eis-me aqui! E prosseguiu, dizendo: Toma, por favor, teu filho, teu único filho a quem tanto amas, Isaque, e faze uma viagem à terra de Moriá e oferece-o ali como oferta queimada num dos montes que te designarei”. Contudo, Tiago 1:13 diz que não: “Quando posto à prova, ninguém diga: Estou sendo provado por Deus. Pois, por coisas más, Deus não pode ser provado, nem prova ele a alguém”. É vantagem ser sábio? Segundo Provérbios 4:7 sim: “Sabedoria é a coisa principal. Adquire sabedoria; e com tudo o que adquirires, adquire compreensão”. Eclesiastes 7:11, 12 confirma: “A sabedoria junto com uma herança é boa e vantajosa para os que vêem o sol. Pois a sabedoria é para proteção, [assim como] o dinheiro é para proteção; mas a vantagem do conhecimento é que a própria sabedoria preserva vivos os que a possuem”. Mas Eclesiastes 1:18 diz que não: “Porque na abundância de sabedoria há abundância de vexame, de modo que aquele que incrementa o conhecimento incrementa a dor”. Eclesiastes 12:12
311 confirma: “No que se refere a qualquer coisa além delas, filho meu, sê avisado: De se fazer muitos livros não há fim, e muita devoção [a eles] é fadiga para a carne”. 1ª Coríntios 1:19 também fala: “Porque está escrito: Farei perecer a sabedoria dos sábios e repelirei a inteligência dos intelectuais”. Deus pode ser visto? Segundo Gênesis 32:30 sim: “Jacó chamou àquele lugar Peniel, pois disse: Vi a Deus face a face e, todavia, minha vida foi poupada” (Nova Versão Internacional). Êxodo 33:11 relata: “E Jeová falava a Moisés face a face, assim como um homem fala a seu próximo”. Êxodo 24:9-11 também diz: “Moisés, Arão, Nadabe, Abiú e setenta autoridades de Israel subiram e viram o Deus de Israel... eles viram a Deus, e depois comeram e beberam”(Nova Versão Internacional). Amós 9:1 declara: “Vi o Senhor junto ao altar, e ele disse: Bata no topo das colunas para que tremam os umbrais” (Nova Versão Internacional). Entretanto, João 1:18 diz que não: “Nenhum homem jamais viu a Deus”. 1ª João 4:12 confirma: “Ninguém jamais viu a Deus”. Êxodo 33:20 também diz: “E acrescentou: Não podes ver a minha face, porque homem algum pode ver-me e continuar vivo”. 1ª Timóteo 6:16 fala: “o único que tem imortalidade, que mora em luz inacessível, a quem nenhum dos homens tem visto nem pode ver”. Devemos responder ao estúpido? Provérbios 26:5 diz que sim: “Responde ao estúpido segundo a sua tolice, para que não se torne alguém sábio aos seus próprios olhos”. Por outro lado, Provérbios 26:4 diz que não: “Não respondas ao estúpido segundo a sua tolice, para que tu mesmo não te tornes igual a ele”. É recomendável casar? Provérbios 18:22 diz que sim: “Achou alguém uma [boa] esposa? Achou uma coisa boa e obtém boa vontade da parte de Jeová”.
312 Porém, 1ª Coríntios 7:1 diz que não: “Agora, quanto às coisas sobre as quais escrevestes, é bom que o homem não toque em mulher”. 1ª Coríntios 7:8 confirma: “Digo, porém, aos não casados e às viúvas, que é bom que permaneçam assim como eu [solteiro]”. Nossas boas obras devem ser vistas? Segundo Mateus 5:16 sim: “Do mesmo modo, deixai brilhar a vossa luz perante os homens, para que vejam as vossas obras excelentes e deem glória ao vosso Pai, que está nos céus”. Mas Mateus 6:3, 4 diz que não: “Mas tu, quando fizeres dádivas de misericórdia, não deixes a tua esquerda saber o que a tua direita está fazendo, para que as tuas dádivas de misericórdia fiquem em secreto; então o teu Pai, que está olhando em secreto, te pagará de volta”. Jesus era um pacificador? Pelo o que ele disse em João 14:27 sim: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz”. Atos 10:36 relata: “Ele enviou a palavra aos filhos de Israel, para declarar-lhes as boas novas de paz por intermédio de Jesus Cristo: Este é Senhor de todos [os demais]”. Lucas 2:14 também diz: “Glória a Deus nas maiores alturas, e na terra paz entre homens de boa vontade”. Porém, segundo o que ele disse em Lucas 22:36 não: “...e quem não tiver espada, venda a sua roupa exterior e compre uma”. Mateus 10:34 também diz: “Não penseis que vim estabelecer paz na terra; vim estabelecer, não a paz, mas a espada”. Deus é contra agressões físicas? Pelo que diz 1ª Timóteo 3:23 sim: “O superintendente, portanto, deve ser irrepreensível... não espancador, mas razoável”. Contudo, pelo que diz Provérbios 20:30 não: “Os golpes e os ferimentos eliminam o mal; os açoites limpam as profundezas do ser” (Nova Versão Internacional).
313 Quem vai julgar o mundo? Segundo João 5:22 é Jesus: “Porque o Pai não julga a ninguém, mas tem confiado todo o julgamento ao Filho”. 2ª Coríntios 5:10 também diz: “Pois todos nós temos de ser manifestados perante a cadeira de juiz do Cristo, para que cada um receba o seu prêmio pelas coisas feitas por intermédio do corpo, segundo as coisas que praticou, quer boas, quer ruins”. Contudo, João 8:15 afirma que Jesus não julga ninguém: “Vós julgais segundo a carne; eu não julgo a nenhum homem”. João 12:47 também diz: “Mas, se alguém ouvir as minhas declarações e não as guardar, eu não o julgo; pois não vim julgar o mundo”. Se você não estiver satisfeito com nenhumas das opções anteriores não se preocupe, 1ª Coríntios 6:2 nos dá outra opção: “Ou não sabeis que os santos julgarão o mundo?” Devemos tomar bebidas alcoólicas? Pelo o que diz Efésios 5:18 não: “Também, não fiqueis embriagados de vinho, em que há devassidão, mas ficai cheios de espírito”. Isaías 5:11 relata: “Ai dos que se levantam de manhã cedo somente à procura de bebida inebriante, que ficam até tarde no crepúsculo vespertino, de modo que o próprio vinho os inflama”. Provérbios 20:1 também diz: “O vinho é zombador, a bebida inebriante é turbulenta”. Provérbios 23:31, 32 declara: “Não olhes para o vinho quando apresenta uma cor vermelha, quando está cintilando no copo, [quando] escorre suavemente. No seu fim morde igual a uma serpente e segrega veneno igual a uma víbora”. Entretanto, segundo o que diz Provérbios 31:6, 7 podemos beber: “Dai bebida inebriante àquele que está para perecer e vinho aos amargurados de alma. Beba-se e esqueça-se a pobreza, e não haja mais lembrança da própria desgraça”. O Salmo 104:15 confirma este ponto de vista: “E vinho que alegra o coração do homem mortal, para fazer a face brilhar com óleo”.
314 Eclesiastes 9:7 também diz: “Vai, come o teu alimento com alegria e bebe o teu vinho com um bom coração”. Eclesiastes 10:19 afirma: “O pão é para o riso dos trabalhadores, e o próprio vinho alegra a vida”. Quando Jesus estava em uma festa de casamento e acabou o vinho, veja o que ele fez: “Jesus e seus discípulos foram também convidados para a festa de casamento. Quando o vinho estava escasseando, a mãe de Jesus disse-lhe: Eles não têm vinho. Acontece que havia ali seis talhas de pedra, para água... Jesus disse-lhes: Enchei com água as talhas... Ora, quando o diretor da festa provou a água que tinha sido transformada em vinho, chamou o noivo e disse-lhe: Todo outro homem apresenta primeiro o vinho excelente, e, quando as pessoas ficam inebriadas, o inferior. Tu reservaste o vinho excelente até agora” (João 2:2-10). Note o conselho que o apóstolo Paulo deu para Timóteo: “Não bebas mais água, mas usa de um pouco de vinho por causa do teu estômago e dos teus freqüentes casos de doença” (1ª Timóteo 5:23). Creio que estes exemplos ilustram bem o ponto em questão, seja qual for seu ponto de vista, com certeza encontrará algo na bíblia que vai se harmonizar com ele. Normalmente, as passagens bíblicas mais desagradáveis ou difíceis de aceitar são habilmente interpretadas de uma maneira mais suave ou consideradas simbólicas. No final, nos concentramos naquilo que nos agrada, como num supermercado, e deixamos para trás aquilo que não nos interessa.
315
iante de todas as evidências que mostrei neste livro acredito firmemente que a bíblia é um livro puramente humano, escrito por homens, copiado por homens, traduzido por homens, modificado por homens, interpretado por homens, adaptado por homens, manipulado por homens, enfim, um livro que transmite ideias totalmente humanas. Como a grande maioria das pessoas que acredita na bíblia gosta de pescar alguns trechos bíblicos que mais lhe agrada (o famoso cristão self-service) e aplicá-los de forma a apoiar seu ponto de vista, então tomarei a liberdade de fazer o mesmo. Eclesiastes 8:9 diz: "Tudo isto eu tenho visto, e houve um empenho do meu coração em todo o trabalho que se tem feito debaixo do sol, [durante] o tempo em que homem tem dominado homem para seu prejuízo". Apesar de ser uma frase criada pela mentalidade humana, ela exprime bem o papel da bíblia na história. A bíblia foi usada pelos detentores do poder para dominar e subjugar a grande maioria da população que sempre foi usada como massa de manobra. A nobreza e o clero durante milênios usaram esse suposto livro “sagrado” para manter as pessoas sob controle, conformadas com sua situação de servos submissos e leais a seus senhores. Com certeza tal mentalidade causou um grande prejuízo a essas pessoas e tem causado grande prejuízo até os dias de hoje. Desde as cruzadas passando pela inquisição e pela maioria das guerras, o genocídio de milhões de nativos americanos pelos conquistadores europeus, o holocausto provocado pelo nazismo, a dominação do ocidente no mundo árabe provocando o terrorismo islâmico, o constante massacre entre judeus e palestinos, católicos e protestantes, a intolerância religiosa e o
316 fundamentalismo extremista, milênios de escravidão, machismo, homofobia, xenofobia, caça as “bruxas”, perseguição, exploração, mutilação, apedrejamento e enforcamento são alguns dos prejuízos desta dominação do homem usando a religião baseada ideologicamente em seu livro sagrado. A pergunta feita pelo escritor do livro bíblico de Isaías se adapta bem a tudo isso que foi mostrado: "Por vossa própria causa, deixai o homem terreno, cujo fôlego está nas suas narinas, pois em que base deve ele mesmo ser tomado em consideração?” (Isaías 2:22). A resposta é muito clara, base nenhuma. Levar em consideração homens que usam de certo carisma e discurso envolvente aproveitando da boa fé, humildade e ingenuidade das pessoas para dominá-las e manipulá-las através de falsas promessas e esperanças baseadas em ilusões e fantasias vindos de um suposto “livro sagrado” escrito a partir da Idade do Bronze, de origem e autoria desconhecida, repleta de mitos e lendas, incoerências e contradições, antagonismo e discrepâncias, valores de moral e conduta totalmente absurdos e desequilibrados, realmente é algo que foge a razão. Sei que é difícil para muitos tentar abrir os olhos devido às amarras psicológicas que muitos líderes religiosos colocam em suas mentes. É também verdade que muitos simplesmente não querem enxergar o óbvio, pois de alguma forma ainda precisam de uma muleta emocional para enfrentar os problemas da vida. Eles não conseguem viver sem o pseudoconforto que a bíblia ilusoriamente oferece. É como naquele filme Matrix, a realidade é dura, muitas vezes cruel, e muitas pessoas preferem viver na ilusão. É uma pena que muitos não conseguem se desvencilhar destes obstáculos à evolução humana. Creio que apenas a busca do conhecimento baseado na razão e em evidências pode nos tirar desta era de superstições e crendices.
317 As pessoas não precisam da crendice religiosa baseada na bíblia para poderem demonstrar bondade e altruísmo, para poderem fazer boas ações e ajudar o próximo. Na realidade, quando tiramos tais ilusões de nossa vida passamos a fazer boas coisas espontaneamente, por que realmente queremos fazer isso, chegamos a esta conclusão de forma racional, pois percebemos através de nossas próprias experiências de vida que esta é a melhor maneira de se viver, passamos a fazer isso sem a necessidade de sermos coagidos pelas ameaças bíblicas ou iludidos por suas falsas esperanças. Certa vez escutei esta frase: "Se as pessoas são boas só por temerem o castigo e almejarem uma recompensa, então realmente somos um grupo muito desprezível". Concordo com ela e também com o que disse Renato Russo em uma de suas maravilhosas músicas: "É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã". Quem sabe um dia a humanidade consiga amar sem ser ameaçada ou iludida por esperanças vãs de um livro escrito por homens que retrata um Deus descontrolado que Moisés precisa acalmar (Êxodo 32:9-14), um Deus que destrói criancinhas sem dó nem piedade (Oséias 13:16; 1ª Samuel 15:3; Deuteronômio 2:34; Deuteronômio 3:6), um Deus que apoia a escravidão (Êxodo 21:20, 21; Êxodo 21:32; Levítico 25:44-46; 1ª Pedro 2:18, 19; Tito 2:9, 10; 1ª Timóteo 6:1, 2; Colossenses 3:22; Lucas 12:47, 48), um Deus que descrimina as mulheres (Deuteronômio 22: 23, 24; 1ª Coríntios 11:3; 1ª Pedro 3:7; 1ª Timóteo 2:14, 1ª Timóteo 2:11, 12; 1ª Coríntios 11:4 -6; Juízes 19: 23,24, Deuteronômio 22:28,29), um Deus injusto que mata os filhos pelos erros dos pais indo contra sua própria lei (Deuteronômio 24: 16; 2ª Crônicas 25:4; Jeremias 31:29, 30; 2ª Samuel 12:13, 14), um Deus cruel e violento (Deuteronômio 24: 16, 2ª Crônicas 25:4; Jeremias 31:29, 30, 2ª Samuel 12:13, 14), um Deus parcial que mostra favoritismo com certas pessoas e nações (2ª Samuel 12:13,
318 14; 2ªSamuel 24:1-15; 2ªSamuel 6:1-8; Oséias 6:8-10; Oséias 4:2, 13, 14; Jeremias 19:4, 5), um Deus provador (Gênesis 22:1; livro de Jó), um Deus narcisista (Deuteronômio 4:24; Ezequiel 38:23; Levítico 22:32; Salmos 46:10; Salmos 57:5), um Deus que se diz amoroso mas que se impõem pelo temor (Mateus 25:31-41; Mateus 18:8; Marcos 9:47,48; Lucas 16:19-28; 2ª Tessalonicenses 1:7,8; 2ª Pedro 3:7; Isaías 66:16; Jeremias 25:33; Deuteronômio 32:22; Zacarias 14:12). Quem sabe um dia.
319
ser humano está disposto a ver aquilo que ele quer ver. Compreendo que diante de tantos problemas existentes no mundo as pessoas sintam necessidade de uma bengala emocional para dar apoio as suas angústias e inquietações. Entendo que por sermos seres racionais precisamos de respostas para nossos questionamentos existenciais. Contudo, esta busca não deve ser baseada em ilusões. Justamente por sermos seres racionais não podemos viver de fantasias, mesmo que estas talvez sejam mais agradáveis do que a realidade. Nossa busca deve ser pela verdade, por mais dura que ela seja. Enquanto a humanidade não sair desse transe coletivo baseado na crendice e no misticismo jamais conseguiremos introduzir uma era da razão, baseada em evidências e não em superstições. Não está sendo fácil, mas a ciência está conseguindo derrubar mitos que por séculos impediram a evolução da raça humana. Sou otimista e considero que da mesma maneira que Nicolau Copérnico provou que a terra não é o centro do universo, Charles Darwin demonstrou a origem das espécies, Sigmund Freud explicou nossas neuroses e psicoses e Albert Einstein revolucionou a física com sua teoria da relatividade, muitos brilhantes cientistas tem conseguido consideráveis avanços acabando com lendas e tradições sem qualquer raciocínio lógico. Acredito que com o avanço da educação e da cultura a humanidade não vai ser mais tão facilmente enganada por utopias.
320