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Os 500 Anos de Brasil são os inspirado res de Viag em inc om pleta. A experiên cia brasileira (1500-2000), coletânea de ensaios produzidosque, por iluminando mestres da nossa historiografia mo me ntos do passado, lançam luz sobre o presente. Seu coordenador, o histo ria dor Carlos Guilherme Mota, autor de impo rtantes trabalhos individua is, foi o responsável por duas marcantes obras coletivas, Brasil em perspectiva (1968) e 1822: dimensões (1972). Neste primei ro volume, V i age m i nco mpl eta. Forma ção: histórias, ao qual se seguirá Via g em i ncompl e ta. A grande t r a n s a ç ã o , os temas tratados vão da pré-história da América tro pical à passagem da m onar quia para a república. A Editora SENAC São Paulo e o SESC São Paulo, ao apre sentar estas reflexões, estão certos de contribuir para os debates sobre os fun damentos de nossa cidadania e identi dade cultural. ISBN 85-7359-110-2
Co-edição:
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V I A G E M INCOMPLETA Carlos Guilherme Mota
F o r m a ç ã o : htetórias Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Viagem incompleta. A experiência brasileira (1500-2000). Formação: histórias / Carlos Guilherme Mota (organi zador). - São Paulo : Editora SENAC São Paulo, 2000. Vários autores. Bibliografia. "«^JSBN 85-7359-110-2 1. Brasil - Civilização 2. Brasil - H istória - 1500-2000 3. Cultura - B rasil 4. Raças - B rasil I. Mota, Carlos Gui
lherme, 1941. 99-5473
CDD-981 índices para catálogo sistemático:
1. 2. 3. 4.
Brasil : Civilização Brasil : Cultura : Civilização : História Brasil: Formação histórica Brasil : História: 1500-2000
A EXPERIÊNCIA
BRASILEIRA
981 981 981 981
Go-edição:
senac
DD
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SÃO PAULO
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A D M I N I S T R A Ç Ã O R E G I O N A L D O SENAC N O E S T A D O D E S Ã O P A U L O
Presidente do Conselho Regional: Abram Szajman Diretor do Departamento Regional: Luiz Francisco de Assis Salgado Superintendente de Operações: Darcio Sayad Maia EDITORA SE NA C SÃO PAULO Conselho Editorial: Luiz Francisco de Assis Salgado Clairton Martins Décio Zanirato Júnior Darcio Sayad Maia A. P. Quartim de Moraes
Sumário Nota do Editor, i Nota do Co-Editor, 9 Introdução
Editor: A. P. Quartim de Moraes (
[email protected])
Coordenação de Prospecção Editorial: Isabel M. M. Alexandre (
[email protected]) Coordenação de Produção Editorial: Antônio Rob erto Bertelli (
[email protected])
Carlos Guilherme Mota, 11 Incursões à pré-história da América tropical
Az i zNac i bAb ' S aber, 29 Preparação de Texto: Luiza Elena Luchini Luiz Carlos Cardoso Revisão de Texto: Ivone P. B. Groenitz Izilda de O. Pereira J. Monteiro Márcio Delia Maristela S. daRosa Nóbrega Pesquisa Iconográfico: Emporium Brasilis Memória e Produção Cultural Edição de Imagens e Legendas: Carlos Guilherme Mota e Vladimir Sacchetta Reproduções Fotográficas e Laboratório: Rangel Estúdio Capa: João Baptista da Costa Aguiar Editoração Eletrônica: Antônio Carlos De Ângelo Impressão e Acabamento: Hamburg Donnelley Gráfica Editora Gerência Comercial: Marcus Vinicius B. Alves (
[email protected]) Vendas: José Carlos de Souza Jr. (
[email protected]) Administração: Márcio Tibiriçá (
[email protected] )
A gênese do Brasil
Jorge Couto, 45 Uma Nova Lusitânia
Evaldo Cabral de Mello, 71
"Ge nte da terra brazil iense da nasçã o". Pensando o B r asi l : a construção de um povo
Stuart B. Schwartz, 103 Peças de um m osaico (ou apontamentos para o e studo da emergência da identidade nacional brasileira)
István Jancsó e João Paulo G. Pimenta, 127 Por que o Brasil
oi d iferente?
0 contexto da independência
Kenneth Maxwe ll, 177 Idéias de B r asi l : formação e problemas (1817-1850)
Carlos Guilherme Mota, 197 Todos os direitos desta edição reservados à Editora SENAC São Paulo Rua Teixeira da Silva, 531 - CE P 04002-032 Caixa Postal 3595 - CEP 01060-970 - São Paulo - SP Tels. (11) 884-8122 / 884-6575 / 889-9294 Fax(11)887-2136 E-mail:
[email protected] Home page: http://www.sp.senac.br
"Nos acha mos e m cam po a tratar da liberdade" : a resistência negra no Brasil oitocentista
João José Reis, 241 Olhares e strangeiros sobre o Brasil do século XIX
Karen Macknow Lisboa, 265
© Carlos Guilherme Mota, 1999 http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a
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O Brasil no espelho do Paragua i Francisco Alambert, 301
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U m B r a s i l m e s t iç o : r aç a e c u l tu r a n a p a s s a g e m d a m o n a r q u i a ò r e p ú b l i c a Roberto Ventura, 329 Sobre os autores, 3 6 i
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Nota do Editor \ J r a n d e virtude dos aniversários "redondos" de eventos históricos é que eles convidam à reflexão sobre o período entre os dois pontos-limite. É como se um olhar abrangente partisse de u m a posição privilegiada, n u m úni co lance distinguindo melhor alguns aspectos sem deixar de abarcar com segurança o conjunto. Estes 5 00 A nos de B rasil são inspiradores também porque encontram a inteligência do país em plenas condições para um balanço da trajetória. Por acreditar nisso, a Editora SEN AC São P aulo já lançou três livros sobre o tema e prepara-se para outros mais, como este que se apresenta em dois volume s. A biografia d a heroína brasileira Anita Garibaldi, escrita p o r Paulo M arkun, foi o primeiro deles, seguida por Outros 500, uma análise da "alma brasileira" pelo psicanalista Roberto G ambini em d iálogo com a jornalista Lucy Dias, e por Introdução ao Brasil - um banquete no trópico, coletâ ne a de resenhas de livros fundamentais do país, organizada por Lourenço Dantas Mota. Este Viagem incompleta. Formação: histórias, a que se seguirá Via gem incompleta. A grande transação, vale também como Introdução ao Brasil conduzida com competência por mestres d a historiografia brasileira, aqui coordenados pelo saber de Carlos Guilherme Mota, em um trabalho que é prova da maturidade alcançada pelos estudos históricos em nosso país. A viagem é incompleta pelos motivos que o organizador d o livro expõe adiante. M as tem a admirável completude de uma série de estudos que hon
ram seu grande tema: o B rasil.
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Nota do Co-Editor x V reflexão sobre nossa formação histórica, mais que uma tarefa, é uma condição permanente de todos aqueles que, para qualificar sua ação cotidiana, necessitam entender as raízes de nossas mazelas e virtudes. Os 500 anos de Brasil e, mais precisamente, os 180 anos desde a fundação de um Estado B rasileiro, na verdade, construíram a organização social, política e cultural com que lidamos a toda hora. A compreensão das condições atuais de nossa existência como sistema social será sempre um processo inacabado, já que não se trata de um olhar objetivo sobre um passado encerrado, mas o recurso a modelo s de interpre tação que nascem das necessidades e formulações do presente. Assim, o olhar histórico é, antes de tudo, um olhar para o presente e para a necessi dade de se buscarem explicações para os fatos que conduzem ou condicionam nossas ações. O SE SC - Serviço Social do Comércio, cuja missão é oferecer opor tunidades de desenvolvimento pessoal e comunitário por meio do lazer sociocultural a seu público específico e à população em geral, cumpre dois objetivos ao assumir a co-edição desta publicação. Em primeiro lugar, pro põe-se contribuir para o debate das grandes questões que estão na origem da formação da nacionalidade brasileira, cuja reflexão s e constitui em funda mento para a cidadania. Em segundo lugar, propõe-se contribuir para o aper feiçoamen to do s modelo s institucionais de ação cultural, na busca de uma pedagogia que estabeleça parâmetros para uma educação social e perma nente, num processo contínuo dedeencontro da sociedade e, portanto, com a sua capacidade criação, seus costumesconsigo sociais, mesma po líticos e eco nôm icos, suas crenças e sua inserção no contexto internacional globa lizado. Este primeiro volume apresenta uma visão renovada da história, novas idéias de Brasil, segundo o organizador Carlos Guilherme M ota, num enfoque interdisciplinar, que serão de grande valia para a reflexão sobre a constitui ção de uma cidadania e identidade cultural, relacionadas com nossa própria formação social. Danilo S antos de Miranda Diretor Regional do SESC em São Paulo http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a
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Introdução
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Carlos Guilherme Mota
0 d e s p o t i s m o d e c e r t o p a í s q u e c o n h e ç o é a ç u c a r a d o e m o l e ; m a s p o r isso m e s m o p e r i g o s o , po r t i r a r t o d o n e r v o a o s e s p í r i t o s , e a b a s t a r d a r os c o r a ções. José Bonifácio
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I -Ldéias de Brasil, eis a temática geral da obra que o leitor tem sob seus olhos. Trata-se, aqui, de indagar, ao longo dos estudos e ensaios elaborados por especialistas convidados, dos sentidos da história do processo civilizador no B rasil. Procurando escapar dos mod ismos da pós-modernidade periféri ca e do con vencionalismo, perquirem-se nestas páginas alguns significados de nossa formação e existência enquanto povo. D e nossos modos de pensar e fazer história, enfim. Daí, o tom do minante dos escritos, em que os autores, de orientações intelectuais distintas, reconstroem processos e aspectos m e nos óbvios do passado, ao mesmo tempo que discutem com as historiografias clássica e contemporânea, exercitando a indagação interdisciplinar. Idéias d e "Brasil", vasto campo interdisciplinar, com o "C hina", "Espanha", "Amazo nas". Ou - quão dessemelhante - com o a triste "Bahia". A obra, planejada em dois volu mes, abarca cinco séculos daquilo que se poderia denominar "experiência brasileira". Um longo processo, inacabado como tudo em história, porém particularmente incom pleto, se constatarmos que - quase tudo, conforme perspectiva - ainda resta por na Terramuito brasilis, sobretudo no que se arefere aos direitos e deveres da fazer cidada nia. Terra sobre a qual, num distante ano de 1986, um de seus poetas-cantores, A ntônio Carlos Jobim, ao comentar o encerramento de um longo cic lo histórico-cultural iniciado co m a Semana de 22 , concluiu: "No Brasil, o futu ro já era". Os dois volum es, independentes, obedecem a um plano geral. O primeiro volu me, sob o título geral de "Formação: histórias", trata da gênese e consolidação de idéias de Brasil, desde os pródromos, primeiras viagens e projetos de um a "N ova Lusitânia" nos trópicos, até a articulação
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de uma ordem colonial escravista, alcançando, já no século X IX , o período da descolonização e a formação de um "Brasil mestiço". Longo processo pontilhado por insurreições, independência política e conflitos agu dos, du rante o qual se consolidou, na segunda metade do século, nos quadros do neocolonialismo, uma sociedade por assim dizer nacional. Uma sociedade em que se misturavam valores da velha ordem estamental-escravista co m os novos valores da sociedade de classes em ergente, que as obras emblemáticas de G ilberto Freire e C aio Prado Júnior traduziriam exemplarmente. Os estudos e ensaios aqui incluídos procuram desvendar essas idéias de Brasil, orientadas no sentido da busca de um novo padrão social, de urbanização e de inserção na ordem internacional, bem como de uma mo derna organização institucional, po lítica e cultural. O segundo volume é dedicado praticamente ao "longo" século XX, sob o título geral "A grande transação". Ne le, sã o tratadas as experiências de implantação de idéias republicanas e de conceitos contemporâneos de cultura e de E stado, com ênfase nas novas interpretações históricas, socio ló gicas, literárias sobre "nossas identidades". Desde o "Brasil mestiço" dos intelectuais da Primeira República até os impasses da esquerda nas últimas quatro décadas, passando pelos projetos da ditadura civil-militar que nos avassalou no período de 1964 a 1984, deixando seqüelas estruturais e imensa dívida social, o leitor encontra nestas páginas elementos para uma visão re novada da história - ou melhor, histórias - dos embates, das produções intelectuais, imp asses e resultados do que se poderia denominar pensamento brasileiro, na teoria e na prática.
II "Onde o Brasil?", perguntava num verso conhecido o poeta Carlos Drummond de Andrade. O s estudos aqui reunidos foram elaborados no apagar de luzes do sé culo XX. Século de descobertas e inovações, mas também de retrocessos e desencontros culturais, políticos, religiosos e econômicos, que se encerra numa profunda crise mundial de valores. E stes textos carregam o m al-estar de nosso tempo, o travo de nossa mal-ajambrada e improvável civilização que, à falta de melhor qualificação, se imagina "tropical". E pensando nas tarefas que nos aguardam na elaboração de nossa cidadania nacional e inter nacional no século XXI, trazem eles indagações agônicas, dúvidas antigas.
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Como nos inserimos, quase sempre sem sucesso, no mundo contemporâ neo? Na entrada de um novo século (e de um novo milênio, fato não despiciendo para historiadores), qual o m otivo d essa sensação de estranha inatualidade cultural e política que atravessa nossa cultura? Sobre quais ba ses materiais e éticas construímos nossas auto-imagens coletivas e nossas utopias? Em suma, de que história/histórias/estórias está-se falando? Numa visão atualizada, retoma-se aqui a experiência de Brasil em pers pectiva, obra coletiva de 1968, que, hoje, com mais de vinte reedições, marcou várias gerações de historiadores, jornalistas, diplomatas, pesquisa dores, estudantes e leitores em geral, por oferecer abordagens inovadoras da história do Brasil. Ag ora, o ob jetivo se amplia. Até porque a historiografia brasileira se atualizou bastante, com obras tão estimulantes como as de José Murilo de Carvalho, Evaldo C abral de M ello, João José Reis, Fernando A. N ovais e tantos outros. Nos anos 70, a reedição ampliada de Os donos do poder, do jurista e historiador Raym undo Faoro, a continuação e aprofundamento crí ticoconsagrados das obras deque Florestan e de Anintelectuais tônio C ândido - três autores já veriamFernandes suas biografias intensificadas e politizadas no último quartel do século X X - , entre muitos outros, sugerem uma revitalização e ampliação notável dos estudos históricos entre nós, em busca da especificidade de nossa formação. Com efeito, a pesquisa histórica adquiriu novos conteúdos, incorpo rando as experiências e descobertas de historiadores mais maduros, como M anuel Correia de Andrade, Francisco I glésias, Luís H enrique Dias Tavares, Ernani Silva B runo, Maria Yedda Linhares, José Honório R odrigues. Demais, a partir dos anos 50, tornaram-se fundamentais em nossa historiografia as produções de Stanley e Bárbara Stein, Charles R. Boxer, Richard M orse, Warren Joseph L ove, Mauro, R ichardJoaquim Graham,Barradas John Wirth, Thomas Skidmore, LeslieDean, Bethell, Frédéric de Carvalho, para mencionarmos alguns intelectuais e pesquisadores de expre s s ã o . Impo ssível deixar de registrar o papel crítico e solidário que desem pe nharam na resistência à última ditadura.
MI N esta via gem transecular, procurou-se evitar persistente visã o linear e supostamente evolutiv a da chamada história do Brasil. N ão se retrocederá
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Introduçõo
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aqui, portanto, à discussão de " u m " Descobrimento, apenas. A história do Brasil propriamente, n a perspectiva d o organizador, somente s e afirmaria no período d a independência, quando se esboça u m a historiografia "brasileira", delineando-se então, com maior nitidez, os embates em busca de u m projeto para a futura nação. N o período em que se processou a colonização portu
c i o " , de "fim d a história",\"fim d a s ideologias". Com efeito, a queda d o Muro de Berlim , as novas experiências d a China, a desagregação da União Sovié tica, a unificação européia, as novas tecnologias revolucionando as comuni cações e o renascimento de religiões fundamentalistas abalaram os alicerces das interpretações históricas que definiam e aprisionavam os sentidos mais
guesa, estudos. diversas Midéias detrabalhamos, B rasil são procuradas revisitadas pelos autores destes as não vale grifar,oucom a equivocada "Histó ria do Brasil Colonial", que aliás não existe. N essa perspectiva, o B rasil passaria a existir somente após 1817-1831, mais ou m enos, numa conflituosa, lenta, complicada estruturação política, social, ideológica, econômica que ainda está por se esclarecer. Indicativa dessa situação é a coexistência d e costumes, valores, economias, instituições e normas que se referem, na atualidade, a "dois Brasis", ou muitos mais, sugerindo as dificuldades de c onvivência ainda hoje - com o percebeu Marx para outra época e contexto - de "estamentos pretéritos com classes futu r a s " nessa região de pesada herança colonial. No caso de nosso país, de remanescentes oligarquias imperiais e d a Primeira República, relacionandose com novas frações de classe já orientadas no sentido da construção de uma moderna sociedade capitalista, de contrato (ou, em menor escala, de uma ordem socialista e m esmo anarcossindicalista). Os desencontros de for maçõ es de temporalidades tão distintas tornaram-se dramáticos, provocan do a sensação de desmobilização, de derrapagem permanente, de eterno recome ço. De inatualidade. N uma região do planeta em que vários passados irresolvidos ainda se fazem presentes, a atuação d e filhos d e remanescências coloniais, inquisitoriais, filipinas, joanina s, imperiais, patriarcais e outras sugere o quanto resta ainda a se percorrer nesta Viagem incompleta. Em verdade, neste "longo ama nhecer" - a expressão é de Celso Furtado - da democracia contemporânea, muitas veze s o historiador vê-se obrigado a se transmudar em arqueólogo cultural, tantas são as cam adas histórico-culturais socavadas nesse b loco, opaco e compacto, a que chamamos, para simplificar, de "sociedade brasi leira". O mom ento atual, de crise internacional e nacional, torna-se particular mente propício para tais reflexões. C rise que se esclarece n a confluência de duas ordens de acontecimentos, obviamente não dissociada s. A primeira, a dos acontecimentos que sinalizariam o colapso de uma série de mecan ismos explicativos da História Contemporânea, dando a sensação de "fim de ci-
radicais da vida social, política, econ ômica e cultural contemporânea, obri gando os pesquisadores a dar maior atenção aos estudos de história para formular um conceito m ais eficiente e efetivo de democracia. Ne sse quadro, a hegem onia norte-americana e a globalização obrigam-nos a outra conside ração histórico-historiográfica, inclusive para se "re-situar" a trajetória do Brasil nessa nova er a histórica, em q u e se revisita a própria idéia de América Latina. Hipóteses de criação de centros de estudos avançados e de pesqui sas históricas voltam a preocupar governantes responsáveis e lideranças uni versitárias, a exem plo do que ocorreu em outros países em conjunturas de crise. A segunda ordem de acontecime ntos se refere à produção intelectual em (e frentes sobre) nosso país. Com que, efeito, é surpreendente o florescimento de novas historiográficas desde a última ditadura, vêm revelando inquietude discreta porém m alcontida em páginas e páginas de teses, estu d o s , ensaios, documentários, C D-RO M s e artigos. Portanto, no mesmo passo em que a globalização impõe novos hábitos, atitudes e paradigmas para se pensar o presente co mo história e aprofundar-se a crítica d a cultura, agudizase a consciência d a necessidade de reconstrução histórico-cultural de nossas experiências coletivas e identidades. De nossos modos de viver e fazer a história. E i s , portanto, nestes dois volumes, a resposta ao desafio que nos foi proposto pelos editores. A o incorporarmos muitas das novas contribuições dessa historiografia que se consolida co m todas as inquietações e impasses de nosso presente nesta obra, que enfeixa e me scla interpretações clássicas e inéditas sobre as ambíguas identidades do Brasil após 500 anos de história luso-brasileira e 180 anos de busca de vida independente, pensamos ter construído mais um a ponte para o futuro. O Brasil - ou o conjunto de experiências coletivas a que generosa e espaçosamente denominamos "Brasil" - chega ao século XXI ostentando uma série de indicadores sociais, econômicos e sobretudo culturais - in cluam-se aqui a saúde, a educação e a habitação - q u e n ã o permitem entendêlo com o país moderno. N ão se trata apenas de lugar-comum dizer-se, com o
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Carlos Guilherme Mota
nos anos 40-60, que o peso do passado colonial ainda está presente nos impedimen tos e resistências aos esforços para se constituir a nova socieda de civil democrática. N esta terra, as estruturas político-administrativas, o s quadros mentais e culturais aprimorados nos períod os imperial e republicano parecem reforçar o peso conservador e e specífico dessa história, mais que oferecer elemno entos paraestamos o arranque em direção P or que, de fato, Brasil, em dívida com àa contemporaneidade. História C ontemporânea, como nos dizem reiteradamente os vigilantes professores Eric Hobsbawm, A lain Touraine, Ignacy S achs, Stanley S tein, entre outros. Tentar desvendar e traduzir em linguagem renovada os m ecanismos que geram as múltiplas ambigüidades que confundem e m nosso país os espa ços público e privado, medir a assustadora distância entre o atraso e a m odernidade (em várias dimensões, desde o s direitos mínimos de cidadania até educação superior, acesso às novas tecno logias, formas de participação social em em presas urbanas e rurais, em sindicatos, na justiça do trabalho, etc ), não pode prescindir da discussão renovada sobre nosso passado coletivo. Sem tais discussõe s e análises torna-se ínvia a construção do futuro. Dilacerados entre formas agudas de provincianismo retrógrado e de cosmopolitismo elitista acendrado, nossa "vocação" latino-americanista, tam bém não por acaso, demora a se afirmar. Sair desse impasse, nutrido por um déficit histórico estrutural, e procurar responder às demandas de nosso tem p o , eis a tarefa a que se propõem os pesquisadores, professores, diploma t as, juristas e historiadores que comparecem nesta publicação. Tais estudiosos, esc olhidos dentre gerações, teorias e instituições dis tintas, possuem experiência reconhecida, o que permite esperar-se de seus trabalhos algum efeito duradouro nos estudos históricos entre nós. A já lon gínqua experiência do Brasil e m perspectiva, livro coletiv o da "génération qui monte" - com o Frédéric Mauro registrou na revista Annales, de Braudel -João publicado em 1968 por Paul prefaciadoalcançarmos pelo saudosooprofessor Cruz Costa, permite suporMonteil não sere impossível objetivo nesta nova e desafiadora empreitada. Qual seja a de auxiliar na renovação dos estudos históricos e na compreensão de nosso complexo país.
IV N o primeiro volume, Formação: histórias, examinam-se algumas idéias mais remotas de B rasil até a consolidação de uma sociedade por assim dizer nacional, "mestiça", já na passagem da monarquia à república.
Introdução
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Abre o volum e estudo inquietante do professor Aziz Ab'S aber. Procu ra ele estimular a reflexão do leitor sobre movimentos ancestrais de gentes no espaço no qual viria a se formar o conjunto a que hoje denomina-se "socie
dade brasileira". Ou seja, tenta-se por meio do referido estudo rastrear as vicissitudes de grupos que, ao longo de milênios, se deslocaram para este gentio, isto é,pelos subcontinente, dando origem ao chamado aos europeus habitantese que, aqui, futuro espaço "brasileiro", foram "descobertos" logo expostos à pedagogia da sujeição. Enfrentando a complexidade do tema, relativizam-se aqui, radicalmen te , as questões de espaço/tempo e de formação étnica das sociedades plu rais dessas partes do planeta, sugerindo-se a abertura de uma abordagem propriamente geo-histórica e civilizacional, em busca de insuspeitada e polê mica história, numa três longue durée. Até porque a geografia humana é, certamente, a mais ancestral das disciplinas históricas. N estes estud os, entretanto, não nos detivemos no tema das "origens". Preferiu-se adotar a noção de "gênese", na senda dos historiadores Jorge
Cseouto, István Jancsó e de outros. Comlogo o ponto de partida comum , sugeriuaos autores acompanharem desde idéias, hipóteses e projetos de Brasil, termo a um só tempo vago e concreto, qual "novo objeto" para a velha História das Men talidades e das representações mentais... "Brasil", palavra com dim ensão geográfica, histórica, social, pinturesca e mitológica, tornou-se com efeito tema d e representações mentais fortíssimas, incorporando sons, core s e valores a um só tem po carregados e animadores de um imaginário específico, relacionado a modos de ser, pensar, agir. Espe cífico e, por assim dizer, fabricado, adensado e razoavelmente auto-referido a partir do primeiro quartel do século XIX . N os quadros do neocolonialism o - onde se torna impossíve l distinguir "causas" de "efeitos", visto que o colonialismo é um sistema - delinearam-se formas próprias de pensamen to , que, com flutuações de época, polarizam e incandescem de tempos em tempos a sensibilidade de intérpretes, ideólogos, "explicadores do Brasil" em busca de "nossas" raízes, de "nosso caráter", e assim por diante. C omo se constata, a história estava no lugar, embora muitos persona gens teimassem em viver fora d e foco, temerosos do haitianismo que poderia incendiar a lavoura e as almas c om as fagulhas da revolução de T oussaintLouverture. V elha história, essa. Numa visão que a licença poética permite, o Haiti poderia ter sido aqui, região colonial e neocolonial em que a grande lavoura e suas elites continuavam a requerer braços de escravos ne gros, não
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C a r lo s G u i lh e r m e M o t o
Introdução
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sem resistência e levantes. Tema que hoje persiste, nessas ambigüidades e tensões mal-resolvidas ("brancos quase negros, mulatos quase brancos"), nas questões da propriedade, das relações de trabalho e da utópica socieda de capitalista, de "contrato" (entre aspas), frouxamente equacionadas. "Brasil", representação mental que, e m contrapartida, atiçaria a vigilân
outra das intenções destes cap ítulos. Em 1970, preocupado com a "situação colonial" de no ssos p ovos, advertia ele: "nesse emaranhado de raízes está o cerne das resistências que hoje [portugueses e brasileiros] temos de vencer se não queremos apenas sobreviver como museus de resolutas eras mas sim afirmarmo-nos pela capacidade de construir um mundo em perpétua mu
cia e animaria a mordacidade dos cr íticos da cultura contemporânea e das ideologias nacionais, desde Lima Barreto a Dante Moreira Leite, autor do provocativo Caráter nacional brasileiro. História de uma ideologia. "Onde o Brasil?". Idéias de "Brasil" deitam suas raízes no universo medieval anglo-saxôn ico, ganhando diminuto espaço em T ordesilhas, tam bém no M onte Brasil dos A çores, adquirindo então concretude no "fino brasil" de Duarte Pacheco Pereira, autor do Esmeraldo de Situ Orbis, persona gem renascentista e provável achador (se é que houve um) das terras da Am érica do Sul em 149 8. Companheiro de viagem de Cabral em 1500, sua biografia ganhou nova dimensão e sentido com a tese do professor Joaquim Barradas de Carvalho, que viveu exilado entre nós nos anos 60. Tese publicada
dança...". No arco do tempo, percorre-se neste primeiro volume desde as pri meiras experiências da Nova Lusitânia, revisitada superiormente por Evaldo Cabral de Me llo, até a constituição, já no fim do sécu lo XI X , de um "Brasil mestiço", so b a lente da crítica de Roberto Ventura. No percurso de quatro séculos, examinam-se os diversos conceitos de "povo", de colonização e descolonização, resistência negra, de identidade, na interpretação dos escri tos críticos de Stuart B. Schwartz, István Jancsó e João Paulo Pimenta, de Kenneth M axwell, C arlos Guilherme Mota, João José Reis, Karen M. L is boa, Francisco Alambert. C omo se sabe, idéias de Brasil afirmam-se já no século X VQ , no período
em 1983 Braudel, pela Fundação Calouste Gulbenkian apresentado por Fernand da École des Hautes Études,eme livro prefaciado por Pierre Chaunu, da Sorbonne, sob o título À Ia recherche de Ia specificité de Ia renaissance portugaise, merece ser revisitada no dealbar deste novo séc ulo. Interessa notar, ainda, que a inserção do N ovo M undo na geopolítica e economia da Modernidade provocaria elaborações notáveis, como teste munham as obras de religiosos e colonizadores da Nova Lusitânia. Visões do Paraíso foram alimentadas a cada passo, num intenso processo de m oti vaçõe s que S érgio Buarque de Holanda inventariou em obra clássica. Fran ceses, como o protestante calvinista Jean de Léry, e holandeses, dentre os quais incluem-se o príncipe de Nassau e o pintor Frans Post, também ajuda
em que asegme colônia sob o domínio (1580-1640), quando ntosportuguesa das elites esteve que habitavam estas habsburgo partes passam a refletir sobre os significados de suas próprias experiências e modos de povoar o continente. Dir-se-ia que o Brasil começa a se descobrir Brasil. A corte portuguesa, ocupada com os problemas de sua sobrevivência na Europa, descurou de sua ação co lonial durante a União I bérica, permitindo a emer gência de outros interesses e visões no N ovo M undo. Note-se que a idéia de Brasil do governante holandês, o príncipe Maurício de Nassau, ampliava surpreendentemente a discussão sobre o que seria o Brasil, inaugurando possibilidades outras para a definição de uma sociedade nova no mundo tropical.
riam a delinear do novo mundo, ao lado de modernos cientistas da natureza e outroso perfil observadores. Essa idéia de B rasil, mais elaborada e localizada no e spaço, atormenta ria no século X VI I o poeta Gregório de M atos Guerra na Bahia, quando lançou o ver so contundente: "Que me quer o Brasil que me persegue?". N este verso-pergunta que ainda ressoa no ar talvez resida o fulcro de nosso projeto coletivo, e a razão que move os autores destes estudos e ensaios. E studar a história mas também procurar entender as "maneiras pe las quais os homens percepcionavam a história vivida", como propôs Vitorino M agalhães G odinho, o principal estudioso da expansão portuguesa, constitui
século, mais notáveis seriame sentido a ação ao e oBtrabalho escritoNaquele do padre Antônio V ieira, que entretanto dariam projeção rasil nos quadros da Modernidade. Difíc il imaginar a produção, posteriormente, de uma obra como a do jesuíta toscano A ntonil, autor de Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas (1711), em que descreve com rigor a estrutura e funcionamento da açucarocracia, indicando sua natureza, signifi cado e dime nsão internacional. Esse s homens pensadores e de ação, ao lado do professor Luís dos Santos Vilhena, autor de Recopilação de notícias soteropolitanas e brasãicas, escrita no fim do século XVIII em Salvador, homem ilustrado para quem não era "das menores desgraças o viver em
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C a rlo s G u ilh e rm e M o ta
colônias", desenharam uma idéia geral de Brasil mais nítida e, ao mesmo tempo, intensamente problemática. A pós diversos conflitos, inconfidências e conspiraçõe s que marcaram o sécu lo X VI II, além do impacto da ação antijesuítica severa do marquês de Pombal n a colônia, alcança-se o século X IX com um a idéia mais abrangente e universal do que pudesse vir a s er essa entidade abstrata denominada "Bra sil". N as linhas d a Ilustração européia, dos planos reacionários da Restaura ção ou dos projetos dos liberais anglo-saxônicos, o Brasil - e a "South Am erica"- passa a t er seu lugar histórico bem localizado no sistema mundial de dependências. D e fato, a grande insurreição nordestina de 1817 - a cha mada "Re volução Pernambucana" de 6 de março - daria o toque de desper ta r para um a série de movimentos sociais de porte que sinalizaram o processo de descolonização a que se assistiu na primeira metade do século XIX, cul minando com a Re volução Praieira (1848), ponto de inflexão no século X IX brasileiro. As lutas pela independência, a despeito do caráter regional ou mesm o local da maior parte delas, inscreveram-se em significado m ovimen tos e vagas revolu cionárias internacionais, todas possuindo forte social, econô mico e político, expresso na defesa da liberdade de comércio, na limitação do poder absoluto dos reis, na abertura de frentes e formas inovadoras de infor mação e instrução, e a ssim por diante. A identidade nacional passaria, desde então, a ser tema constante nas pautas revolucionárias, aqui como alhures. A "formação das almas", para utilizarmos a expressão do historiador José Murilo de C arvalho, requereu a costura m etódica d o conceito de nacionalidade, num figurino que pressupu nha a sucessão de e lites educadas que dele se alimentavam, ao mesm o tem p o q u e o reproduziriam indefinidamente. N uma história estrutural prefigurada, com pequenos ajustes às novas necessidades, contextos e modas, dele se utilizaram às vezes como utopia, embora mais freqüentemente como ideo logia.
v N essa história ocorreram entretanto algumas pou cas rupturas. A prin cipal delas foi a d a Independência, não por acaso denominada "Revolução" pelo historiador C aio Prado Júnior. A o longo do processo de descolonização, desde a insurreição de 1817 até a proclamação da república em 1889, plasmaram-se algumas matrizes
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de pensamento que definiriam a s pautas pelas quais se regeriam a vida polí tica, econômico-administrativa e a organização da sociedade pós-colonial. Idéias de Brasil adquiriram nova dimensão histórica, cultural, geográfica, so cial e política com o santista José Bonifácio, estadista da independência, homem da Ilustração e fundador d a política externa brasileira. Com ele, mas também com oponentes a seu projeto de nação, como Cipriano Barata e o padre Di ogo A ntônio Feijó (ex-deputados às cortes de Lisboa ), ou o jorna lista Evaristo da Veiga, um dos líderes do 7 de abril de 1831, "nossa identi dade" coletiva se delineava. Identidade a s e r alcançada, imaginava Bonifácio, por meio de uma ação po lítica mais abrangente e cosmo polita: Como o Brasil começava a civilizar-se no século XIX, deve chamar e acolher todos os estrangeiros que lhe podem servir de mestres no ramo da instrução, e economia pública: deve nã o querer ser original, ma s imitador por ora, apropriando-se das outras nações o que convém melhor à sua situação política, e física.1
O leitor notará q u e , nessa riquíssima viagem histórica, cultural, política e social a que por vezes denominamos "nossa formação", processo mais marcado p o r continuidades, do que po r rupturas significativas, processo dra maticamente inacabado, privilegiaram-se certos momentos, contextos e situ ações. Até porque a tal idéia deformação repontou em diferentes períodos e fases do longo processo de ocupação e usos sociais do espaço que se foi definindo, tanto d o ponto d e vista geopolítico como lingüístico-cultural, como "Brasil". Tal foi o caso do Primeiro Reinado (1822-1831), do Período Regencial (183 1-1840) ou da República No va (1930-1937). C onhecem-se melhor, hoje em di a, as múltiplas características, os variados modos de pen sar e as contraditórias diretivas histórico-culturais desses diferentes "Brasis" que se foram tornando "Brasil". Sinalizações e diretivas por vezes até anta gônicas que, em casos raros, transformaram-se em teorias do Brasil, ali mentando as linhas de força de um ("para dizer assim", na expressão andradina) pensamento brasileiro. Pensamento, ou formas de pensam ento específicas que um analista agudo como M ichel Debrun - autor de Concili ação e outras estratégias - chegaria até a sistematizar em "arquétipos". Todavia, o conjunto dessas teorias, articuladas numa possível história, presJosé Bonifácio de Andrada e Silva, Projetos para o Brasil, organização de Míriam Dolhnikoff (São Paulo: Companhia das Letras, 1998), p. 173.
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supõe um rastreamento rigoroso, o mapeamento das escolas, tendências, individualidades, que ainda está po r fazer, cobrindo desde o campo político econômico ao educacional e filosófico. Uma História do Pensamento Brasi leiro, portanto, seria o convite a uma outra viagem, me nos incompleta. Ao longo do percurso, alguns temas e problemas repontam e persis tem.
Quem era "povo" nessas partes do Novo Mundo, "a gente da terra braziliense da nasção"? Com o se forma a nação, encaixada no aparelho de Estado complexo e pesado, transplantado e remodelado durante o período colonial? Qual o significado da descolonização a que se assiste na passagem do século XVIII ao XIX? Como se construiu esse "Brasil mestiço", com suas ideologias culturais e realidades étnicas? Co mo se cristalizaram as de cantadas "heranças coloniais", que seriam objeto d e críticas, histórias e atua lizações por parte dos "redescobridores" do Brasil dos anos 30 (Freire, Buarque, C aio, Bonfim, M ário, Milliet, R ubens Borba, Câmara Cascudo) e dos econom istas, cientistas políticos, sociólo gos e historiadores dos anos 50 (Furtado, Cândido, Faoro, Sodré, José Honório, Florestan, Bastide)? O quadro se torna rico e Superior comple xodequando lembramos do papel sempenhado pe lomais Instituto Estudosnos B rasileiros (Iseb) e por de re vistas como Anhembi (de Paulo Duarte) e Revista Brasiliense (de Caio Prado Júnior) e, depois, pela Revista Civilização Brasileira (de Ênio Silveira e Moacir Félix) e Tempo Brasileiro (de Eduardo Portela). É de notar, entretanto, que, no século X X , os educadores-fundadores da Escola N ova centralizariam no s anos 30 uma notável rede de intérpretes do Brasil, com figuras estelares como A nísio Teixeira, o sociólo go Fernando de Azevedo (um dos criadores da Universidade de São Paulo), o geógrafo Delgad o de C arvalho (cujos atlas e mapas desenhariam em no sso imaginário o lugar do "espaço brasileiro" no mundo), o sociólogo Gilberto Freire (que inventaria um povo mestiço para a nova nação), o compositor e musicólogo Heitor Villa-L obos (que uniria a dimensão erudita à produção popular, dis seminando um a certa visão de Brasil po r meio d os corais e cantos orfeônicos), o urbanista Lúcio C osta, responsável por um novo c onceito de cidade, além de Rodrigo M elo Franco de Andrade, na definição de um conceito nacional de patrimônio histórico. Nesse grupo, ao qual se associava Mário de Andrade, inscreve-se a figura ímpar de Carlos Drummond de Andrr.de, homem de ação e poesia. Fora dessa constelação, na esquerda, muitos intelectuais se afirmariam, como Astrojildo Pereira, Otávio Brandão e Mário Pedrosa. Na direita, as idéias fortes de O liveira Viana marcariam o debate na primeira
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metade do século XX, provocando até mesmo a crítica de Gilberto Freire e José Honório Rodrigues. Tal conjunto de intelectuais, de quadrantes diversos, fixaria em definiti vo a idéia de Brasil contemporâneo. Nesse contexto, afirmou-se a noção de "Cultura Brasileira", ou seja, de uma ide ologia qu e , com o passar do tempo, se consolidaria longa duração. com o a viga mestra de todo um sistema político-cultural de Neste mesmo passo, recorde-se que, ainda nos anos 50 uma "terceira via" já era procurada. Com a aceleração do processo histórico mundial - da qual o Congresso de B andung em 1955 foi apenas um sinal -, idéias e pro jetos inovadores de Brasil se desenvolveram e expandiram. Em busca de uma política externa independente de W ashington, setores da intelligentsia brasileira começariam a se descobrir terceiro-mundistas. A essa altura, uma curiosa mitologia dos "dois Brasis", a de Jacques Lam bert, também se difundiria no s meios acadêmicos e políticos, inauguran do a visão dualista na História do Brasil, empobrecendo a interpretação euclidiana: o país "atrasado", pensavam Lambert e os dualistas, retardava a "integração" do Brasil "moderno" na contemporaneidade. Sem maiores con siderações de ordem histórica ou civilizacional, capitalistas e neocapitalistas coordenaram então esforços para romper com o atraso a partir de um espe rado take offáo capitalismo no B rasil: para isso, o economista norte-ameri cano Walt Whitman Rostow circulava em vô os rasantes pela América Latina ensinando as fórmulas da redenção a empresários e militares bisonhos. Ne s se contexto, a CEPAL e as idéias de Raul Prebisch eram sinônimos de modernidade. Transitava-se então, na expressão do professor Antônio Cândido, da consciên cia am ena de atraso para a consciência de "país subdesenvolvido". A os se gmento s radicalizados das elites urbanas progressistas apresentavase então a alternativa clássica que a História costuma apresentar aos p ovos: reforma ou revolução. A o lado das Ligas C amponesas, das lutas da pequena burguesia urbana por reformas de base, de um a educação democrática e da implantação da cultura do subdesenvolvim ento, encontrou-se uma fórmula curiosa, quase uma contrapartida do realismo mágic o da literatura latinoamericana daquela época. Com efeito, os ideólogos do reformismo desenvolvimentista, somando seus esforços às lideranças intelectuais de esquerda, preocupadas com a "superação do subd esenvolvimento" a qualquer preço, fabricaram nos anos 60 as discutidas, e em geral bem aceitas, teorias da
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dependência. Um a outra idéia de Brasil despontava, assim, nos horizontes da esquerda, nos "quadros do capitalismo associado e dependente". O pro blema, entretanto, como escreveria Florestan Fernandes em 1981 é que "não enfrentamos com o e enquanto tal a questão da descolonização"... Se algumas dessas visõ es de B rasil desapareceram, outras porém pros peraram, transformando-se em projetos e políticas públicas, fundamentando três possibilidades históricas então esboça das. A primeira, a de implantação de uma ordem republicana reformista-desenvolvimentista e "modernizadora" (no sentido dos anos 50- 60), integrada ao novo capitalismo ocidental; a se gunda, de uma república socialista-sindicalista mobilizadora, condutora de um projeto amplo de reformas de base, com destacada participação do país no plano internacional por meio de uma política externa independente; e, finalmente, a terceira, uma hipotética república socialista de base popular operário-camponesa, com adesão e apoio de setores da pequena burguesia progressista radicalizada. O golpe civil-militar de 1964, com as teorias da contra-revolução pre ventiva, viria realinhar o Brasil no s quadros da Guerra Fria, revelando a na tureza e o sentido profundos desta história, condicionada por um modelo histórico-social de cunho fortemente autoritário, com implicaçõe s políticoculturais de longa duração. Explicitava-se, de ssa forma, o modelo autocrático-burguês, principal personagem de no ssa história, desvendado nos anos 70 pelo professor Florestan Fernandes em sua obra clássica A revolução burguesa no Brasil, de inquietante atualidade.
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Finalmente, cinco séculos de História podem representar muito, consi derada a História das civilizaçõe s am ericanas, sobretudo no que diz respeito à exper iência particular afro-luso-brasileira. E xperiência de uma cultura já miscigenad a na P enínsula Ibérica, que viria a predominar nessas partes do globo , gerando interpretações inéditas, muito difundidas e discutív eis sobre a "adaptabilidade" dos portugueses nos trópicos, e que marcariam fundamen te o pensamento no Brasil no século XX . Cinco séculos que permitem, na longue durée, indagar do sentido ou sentidos das Histórias plurais de nossas formações histórico-ideológicas, apon tando para uma revisão profunda de nossa historiografia. S eja na vertente dos encontros e desencontros de civiliz açõe s autóctones e forâneas, seja na reafirmação de uma história "dos de baixo", um outro horizonte se apresen ta. Pois, na feitura dessa outra História, em contraposição à história dos brancos de frei Vicente do Salvador até Varnhagen e Pedro Calmon, come çam a surgir as sagas anônimas dos "índios", dos escravos negros e dos negros livres, dos pés descalços, das mulheres, dos idosos, das crianças, dos excluídos em geral. E, para além de todos, essa categoria imensa e silen ciosa, nada obstante muito real: a dos sem-história. Para terminar, quero me referir à atualidade de incontáveis formulações que indicam a existência de consciências críticas e muito agudas ao longo de toda nossa História. Ainda reboam no ar palavras como as de frei Joaquim do Am or Divino, o Caneca, publicadas no Tiphys Pernambucano a 15 de janeiro de 1 824, poucos m eses antes de sua prisão e fuzilamento:
vi Para concluir, convém evitar o tom finalista, pois, a despeito de certas determinações dos processos de articulação dos sistemas coloniais da His tória M oderna, as possibilidades históricas de cada época se inscreviam e se inscrevem inescapavelmente nas estruturas de amplos conjuntos de variáveis e sistemas de valores. De civilizações enfim, para utilizarmos o velho c oncei to , cujos códi gos m ais profundos cumpre aos historiadores ir desvendando. Grande desafio, este, a que m uitos leitores e estudiosos, amantes da pesqui sa inspirados pelo velho Lucien Febvre, por Johan Huizinga e outros mestres ainda se obstinam em cultivar, sob o rótulo generoso, amarelecido pelo tem po, de História das Mentalidades.
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E quando teremos constituição feita pela Nação? Nunca, nunca, nunca. E que Império então vem a ser o Brasil? Império projetado, e não Império constituído, e por isso nunca império. E um império tal em que ordem deve ser colocado entre as potências? Será uma potência de primeira ordem? Será de segunda? Nem de uma, nem de outra ordem. Será potência nullius diocoeseos, porque até hoje é incógnita a ordem das
potências projetadas.
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Incursões à pré-h istó ria da Am érica tropical
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No decorrer do século, que corresponde ao fim do milênio, algumas reflexões sobre atributos essenciais do homem despertaram grande interesse cultural entre jove ns pesquisadores v oltados para as ciências humanas. Franz Boa s, na década de 2 0, alertava para a letalidade dos contatos étnicos entre grupos de culturas primárias, diante de representantes agressivos de socie dades mais com plexas. U m fato, certamente fundamental, para o entendi mento de acontecimentos tristes e dramáticos da história do N ovo M undo. A Fernand Braudel ficamos deven do o postulado de que "a história é a his tória de todas as histórias". Uma propositura que ampliou e desdobrou as possibilidades temáticas da pesquisa historiográfica no Brasil. Mas uma terceira meditação e reconhecimento ficamos devendo a Roger Bastide - em um de seus mom entos de grande clarividência intelectual quando teceu considerações comparativas entre os atributos das sociedades animais e as sociedades humanas. Tendo como ponto de partida o inigualável texto de M areei M auss, referente à "Sociologie des Animaux", Bastide che gou à conclusão d e que "o homem é o único ser vivo da face da Terra que é capaz de retraçar a trajetória da espécie, envolvendo todos os tempos e todos os espaços". Para tanto, alguns homens privilegiados contaram com a sucessão das escritas; e, por fim, com a invenção do alfabeto: documentos básicos que forjaram a historiografia. Mas a história da humanidade e da
cultura nasceu há dezenas ou centenas de milhares de anos antes da história formal. Vale dizer, muito antes que as relações de trocas de excedentes e antes mesmo do advento do mundo urbano das cidades-estados e vastos impérios. Essas meditações nos obrigam a ampliar os procedimentos necessários para retraçar a história do ser humano, nos mais diferentes espaços ecológ icos e conjunturas temporais. Razão pela qual a riqueza dos informes frag mentários — derivados dos estudos pré-históricos somados aos conhecimentos conseguidos na proto-história e nos esforços das etnociências - deve mere-
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cer um lugar especial na reconstrução dos even tos e conquistas culturais do homem. Não tem sido fácil divulgar para todos os homens a crônica e as etapas dos conhecimentos acumulados sobre su a própria espécie. Aprimorar e persistir - na tarefa de socializar informes esse nciais - é a grande tarefa do processo educacional. E a pré-história humana não pode ser excluída d essa recuperação de trajetórias, em qualquer tentativa intelectual responsável. Pablo Martinez Del Rio, nos anos 40, sentenciou que os homens que povoaram as Américas eram alóctones, mas que as culturas por eles elabo radas foram absolutamente autóctones. Quando se fixou, ao longo do sécu lo , a idéia não superada de que a humanidade se dividia em três estoques raciais básicos - o caucásico, o negróide e o mongolóide -, não mais pôde haver dúvida sobre a procedência asiática dos mais rem otos grupos huma no s q ue chegaram à Am érica. O s paleoíndios mais arcaicos eram mongolóides do Leste A siático. M uito mais tarde os caucásicos, colonizadores, vieram da Finisterra portuguesa da Europa, enquanto pobres grupos negróides escra vizados - sujeitos a uma tenebrosa migração forçada e desumana - vieram de além-Atlântico (África). De tal forma que, na história populacional do Brasil, participaram todos o s estoques raciais do m undo. N isso tudo, porém, o mais longo período de tempo e a mais com plexa trajetória de homens fica para os grupos ameríndios, de raízes mongolóid es. Um a história que possui maior profundidade de tem po quando estendida para a época ou época s da passagem dos asiáticos para as Américas. Para entender as possíve is rotas e tempos da passagem - caminhadas dos primeiros humanos para o Novo Mundo -, os pré-historiadores foram obrigados a alternar fatos e hipóteses, fiscalizados por uma imaginação ló gi c a . Esse é o caso da vigorosa pressuposição da região de Beringhe, como possível área de aces so dos caçadores da Eurásia e do Leste E uropeu para o continente americano. Os grupos humanos coletores-caçadores nômades e seminômades que perambularam por diferentes espaços ec ológi cos da Ásia dependiam quase exclusiva mente dos atributos da biota regional ou sub-regiona l. Da territoria lidade oeste-leste da Eurásia e da Ásia Oriental - para o norte e para o sul -, os grupos humanos dependentes da fauna, da flora e dos rios e riozinhos foram obrigados a se adaptar gradualmente a diversos sistemas ecológ icos, de modo quase passivo e muito sofrido. Durante os períodos glaciais do pleistoceno o nível do mar recuava dezenas e dezenas de metros, enquanto as massas de gelo estocadas nos
I nc ursões ò pré-história da A méric a tropic al
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pólos e altas montanhas ampliavam-se no espaço, cobrindo setores de ma res subpolares; descendo de cordilheiras superglaciadas e estreitando espa ços intermontanos. A região de B eringhe tornou-se uma larga e m aciça ponte de gelo (glacial landbridge) que escondia os estreitos e mares adjacentes. A s adaptações obrigatórias, sofridas por grupos de caçadores coleto res pré-históricos da Ásia d o Le ste, somente pode m ser interpretadas como parte de uma arcaica história de longuíssima duração. Uma e spécie de préhistória longa (parafraseando Braudel) intercalada por rupturas radicais. Lentos deslocamentos e longas vivências em latitudes diferentes, fugindo sempre das encostas e cimeiras de cordilheiras, sujeitas a glaciações rigorosas nos períodos muito frios do pleistoceno. Uma preferência marcante por uma vivência em terras baixas e corredores de fauna. Tanto na Europa quanto na Ásia alguns grupos humanos ficaram encur ralados entre altas montanhas glaciadas e planuras nórdicas, recobertas por glaciações ditas continentais. Utilizando os interespaços existentes entre glaciários provenientes das montanhas e aqueles oriundos da expansão dos mantos de g elo das regiões polares, muitos grupos migraram para áreas mais quentes. M as é quase certo que pequenos agrupamentos de homens perma neceram nos espaços colinosos, acantonaram-se em raras grutas e lapas, aprendendo intuitivamente a se defender do frio, através do uso de couros e peles de animais. Aliás e sses estavam tão desorientados quanto os humanos, no entremeio dos espaços glaciados em expansão. E foi assim, através de adaptações sofridas, que alguns pequenos grupos acabaram passando da Ásia para as terras hoje correspondentes ao Ala sca e ao Canadá, sem saber que estavam transpondo continentes. N a cultura primária e intuitiva do homo sapiens, a única lógica geográfica comanditária e orientadora residia nas disponibilidades de recursos naturais, suficientes para a sua alimentação. Nas regiões mais gélidas desaparecia a possibilidade de se realizarem coletas da biodiversidade vegetal. Mas, em compensação, cresciam até ao exagero as possibilidades de se desenvolverem atividades de caçadores. Isso não implica dizer que na transposição do paleoespaço de Beringhe todos os homens seguiram sempre atrás da caça para leste. É possível que manadas outras, provenientes do L este da Eurásia, seguiam para Oeste, inconscientes de seu destino. M as que, em alguns mom entos críticos da história climática quaternária do planeta, pequenos grupos de homen s - exímio s caçadores, ao desenvolve r suas rústicas e rotineiras atividades de sobr eviv ênc ia- atra vessaram os largos espaços congelados ou em processo de congelamento
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(Beringhe). M as é possível que tenha havido condições para migrações oeste-leste, de faunas e de homens, nessas duas ou mais épocas de paleoe spaços glaciados. Componentes da fauna pleistocênica da Eurásia não teriam pas sado para o continente americano se não existissem essas presumidas pon tes de gelo. E, não fosse m as manadas faunísticas em m igração pelas terras da Eurásia, caçadores adaptadosA aos jamaisdoteriam baixas uma fonte tão rica os para sua alimentação. lém climas do quegaélidos existência frio e do gelo ofertava um excelen te ambiente de conservação das carnes obtidas nas caçadas mais rendosas. Nesse sentido, pode-se pensar até mais longe, ou seja, que animais mortos pela fadiga, ou pelo atropelo, ou por outros animais, eram ofertas naturais complementares para os silentes habitantes das terras do frio. Embar cações, nem falar, porque inexistiambiotas vegetais regionais próximas para qualquer fornecimento de madeiras. A trajetória dos hom ens pré-históricos, após a transposição do espa ço Beringhe - perambulando pelas diferentes regiões do oeste americano -, deve ter sido muito com plexa, através de montanhas e depressões intermontanas de três alinhamentos cordilheiranos; forte glaciação de altitude; limita çã o de espaços costeiros; nível do mar mais baixo, dominado por águas frias. Tudo complicando as projeções dos homens para o Sul, em busca de outros recursos naturais, por meio de impensadas descobertas. Há que considerar ainda q u e , além das montanhas ocidentais da Am é rica do Norte, na faixa atual de fronteiras do Canadá e Estados Unidos, ocorriam fortes atividades de pulsação das línguas das geleiras norte-orientais. Aquelas mesmas que, ao fim do último período glacial, haveriam de construir os cen ários dos grandes lagos regiona is. Trajetórias entrelaçadas. Conflitos intertribais arcaicos. Lutas pela conquista de espaços ecológicos mais favoráv eis. Parece ter acontecido de tudo um po uco na trajetória que conduziu os grupos pré-históricos para o sudoeste dos Estados Unidos, e depois ao M éxico, à A mérica Central, e, finalmente, à Colômbia e ao vasto continente tropical sul-americano, climaticamente desarranjado pelas impli caçõe s das glaciaçõ es quaternárias. Descendo por entre montanhas geladas e altiplanos ressequidos, os primeiros homens que saíram da s regiões glaciadas do noroeste americano através de adaptações sucessiva s - atingiram a Am érica Central, em um ou mais tempos. Eram pequenos grupos de caçadores-coletores, predominan temente nômades e muito belicosos, eventualmente sedentarizáveis em gru t as, lapas ou beira de pequenos lagos. Não se sabe nada de quando teriam
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inventado ou recriado a importante arte de fazer fogo. Ou desde quando adquiriram o hábito cultural do sepultamento. Entretanto, muito cedo desco briram o valor d as cavernas como lugar de moradia. A noite, instintivamente, os am edrontava. G rutas e lapas atenuavam periculosidades, numa proteção relativa, durante as horas de sono. Fato particularmente verdadeiro em rela çã o aos homens que se acantonaram nas raras e disputadas cavernas de distritos cársticos brasileiros (São Raimundo Nonato, arredores de Lagoa Santa, sudoeste de Goiás). Ao atingir o sudoeste dos Estados Unidos e o México - tomados ape nas como referência - encontraram "ilhas" de umidade no entremeio de ter ras ressequidas, porém sucessivamente mais cálidas, na direção do Sul. E somente a partir do M éxic o tiveram a oportunidade de encontrar e se apro veitar dos recursos naturais biodiversos, de sucessivos redutos florestais, até chegar ao território atual da C olômbia e Venezuela; e, mais tarde, por vários flancos, atingir espaços intertropicais das terras brasileiras. Cumpre notar, porém, que na época dessa miúda e extensa trajetória, as florestas estavam em recuo e climas mais se cos tendiam a penetrar por imensas e alongadas depressões interplanálticas do grande planalto brasileiro. E, também, nas margens de uma Am azônia contraída e biogeograficamente fragmentada. A diferenciação de línguas e culturas - derivadas de condicionantes ecológicas regionais - parece ter se iniciado, ou amadurecido, durante as fases de sedentarização relativa de alguns grupos, dotados de uma certa fixidez locacion al, em esca la sub-regional. Fato que provavelmente aconte ce u ao sabor dos processos de (re)tropicalização do e spaço total, os quais alcançaram o seu máximo por ocasião do atimum climático, entre 6.000 e 5.500 anos A.P.* Um momento em que o nível do mar que tinha estado a -100 metros, no pleistoceno terminal, elevou-se até 3 metros acima de seu nível de hoje. à idade das glac iações quaternárias, para e feitos N o que de cotejo comdiz os respeito sítios pré-históricos de datações obtidas pela técnica C14, existem apenas duas a três correlações possíveis. Nos últimos anos, o pe ríodo glacial do pleistoceno superior - conhecido genericamente por WürmWisconsin sofreu um detalhamento maior que conduziu os especialistas a subdividirem o aludido período em quatro estádios: Würm IV (de 22.000 a 13.000 anos A .P.), Würm III (de 40.000 a 26.000 A .P.), Würm II (de 62.000 * Antes do presente.
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a 46.000 A.P.), Würm I (85.000 a 70.000 A.P.) - em termos médios e aproximados, segundo diversos autores. Todos os subperíodos de Würm sendo separados por interestádios cálidos - em geral de ma is curta duração do que os tempos glaciados - designados respectivamente por Pardorf, Gottweig e Brorup Amersfort. D e 2.200.000 até 120.000 A.P. - abaixo do interglaciário Mendel, Gunz e Eemein Bibed. - ocorreram quatro macroperíodos glaciais: Riss, Nesse conjunto todo de interestádios ou intergracionários, o homo sapiens moderno passou a existir desde Eemein, ou seja, no máximo desde 100.000 a 80.000 anos A.P. Ninguém sabe ao certo em que estádio ou interestádio os primeiros grupos de homo sapiens passaram do nordeste eurasiático para as Américas. No entanto, conhecendo-se os intervalos de tempo do período glaciário de Würm-Wisconsin superior, assim como a idade relativa máxim a de homo sapiens e sua possível diferenciação na ca tegoria macroestoque racial, pode-se chegar à conclusão de que o período principal das transposições foi Würm TV (de 22.000 a 13.000 anos A.P.). Teria sido assim no paleoespaço de Beringhe, co mo também na extremidade sul, para a passagem A ustrália e N ova Z elândia, através de arcos insulares exondados. Estavam n esse pé as tendências para a aceitação científica da época de passagem e chegada de grupos mongolóides para a América do Norte e o continente australiano, quando surgiu um informe complicador, relacionado às datações de alguns componentes do jazigo pré-histórico de São Raimundo Nonato (Piauí), por Niede Guidon e sua equipe. O conhecim ento sobre as profundidades de tempo do período quater nário - época essenc ial para a história evolutiva da espécie humana - é im prescindível para qualquer discussão séria sobre a chegada do homo sapiens das Américas. É certo que, no momento em que se processaram grandes migrações de pequenos grupos humanos ao longo da fachada pacífica da Ásia e Oc eania, já se haviam diferenciado os três macroestoques raciais da face da Terra: negróides da África; caucasóides da Europa; e os m ongolóides da Ásia, durante e entre os estádios glaciares do pleistoceno superior ( WürmWisconsin). N a realidade grupos humanos mongo lóides caminharam para o sul-sudeste e para o norte-nordeste, a partir de uma indefinida área de difu são migratória. O homo sapiens atingiu a A ustrália e a N ova Zelândia atra vés de espaços emersos criados pela emendação das ilhas dos chamados arcos insulares regionais. Doutra banda, por caminhos e ambientes muito
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mais difíceis, grupos humanos de caçadores atingiram o extremo nordeste da Ásia, cruzando uma larga e maciça ponte de gelo, que ali existiu durante milhares de anos (Würm IV ). M uito antes, grupos humanos arcaicos já havi am estado na Austrália, ali chegando pela eventual coalescênc ia dos "arcos insulares" regionais, no mom ento em que o nível dos mares desceu a pouco mais de uma centena de metros. No nordeste da Ásia, onde caçadores não teriam chanc e de navegar de um continente para outro, o rebaixamento do nível do mar - em Würm IV - possibilitou outro quadro de trânsito préhistórico, porém, no caso, com a gradual formação de uma gigantesca ponte de gelo (glacial landbridgé). E m busca d e u m a precisão relativa para se atingir um a idéia mais lógica sobre o tempo principal - ou os possív eis tempos - das migrações humanas oeste-leste, da Eurásia Oriental para a América do Norte, existe a necessi dade de conhecer melhor os quatro estádios glaciais do período WürmWisconsin superior. O homo sapiens, que existe no mínimo há 80.000 anos antes do presente, teria passado para o A lasca apenas em Würm IV, ou em outros subperíodos "würmianos". Há q ue considerar sempre que "pontes de gelo" na região de Beringhe existiram em outros estádios de Würm - e, provavelmente, em Riss. Nosso problema, porém, fica restrito ao tempo pré-histórico do homo sapiens, que abrange sobretudo Würm IV , Würm III e Würm II . A té hoje, porém, a tendência entre diversos cientistas reside em co nsi derar a "passagem" ou a "chegada" do homem pré-histórico nas A méricas como sendo, grosso modo, em Würm IV. Ou seja, de 22.000 até 13.000 A.P.
Um importante fato complicador, que pode introduzir modificações ra dicais nesse raciocínio, está ligado às datações e pesquisas de Niede Guidon, no sul do Piauí. Inesperadamente, surgiram datações sobre a presença de homens pré-históricos n a região de São R aimundo Nonato, que fazem recuar bastante a época das primeiras migrações de grupos humanos para as Am é ricas. Por meio de pesquisas arqueológicas pré-históricas - muito bem conduzidas pelo grupo de Niede e sua equipe, composta de brasileiros e franceses -, descobriram-se alguns sinais da presença humana mais antiga na região, que remontariam a 43.0 00 anos A.P. Trata-se de um espaço de tem po duas veze s maior, ou pouco m ais, do que as datações feitas em jazigos da América do Norte e porção ocidental da América do Sul. Fato que não autoriza ninguém a pensar em nenhuma autoctonia, pois os mongolóides com
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certeza vieram d a Ásia. Já ficou explicado que passando por flutuantes m an tos de gelo , na condição de caçadores nô mades, não teria sido fácil deixar sinais marcantes de sua arcaica diáspora. Em São Raimundo Nonato foram detectados registros concretos da presença humana através de ossadas de aproximadamente 1 0.000 anos A .P. Entretanto, abaixoque dos fizeram achados remontar mais diretos, foramdos detectados "cinzeiros" blocos de pedras a idade sítios habitados pore humanos para 43.0 00 anos A .P. Ou, com maior grau de certeza, para 25.00 0 anos A.P. Para quem não saiba, "cinzeiros" na linguagem dos arqueólogos são cinzas de ancestrais fogueiras, para arcaicos churrasqueamentos de produ tos da caça, em grupos de caçadores-coletores. De forma que, descenden tes de remotos caçadores, os pequenos grupos humanos chegados à América Tropical passaram a exercer atividades híbridas de coletores, caçadores e eventualmente pescadores. No estado atual da s pesquisas, os diversos achados de S ão R aimundo Nonato representam o encontro de sítios de sedentarização, por vagas e em vagas de peque nosentorno. grupos humanos encontraram sua mora dia natural cavernas e seu Os sinais que de fogueiras, representadas pelos "cinzeiros" basais, existentes no chão das lapas de São Raimundo, constituem evidências concretas de que os seus habitantes mais antigos já sabiam fazer e manejar o fogo. Se os blocos de pedras, encontrados nas proximidades dos "cinzeiros", forem alóctones em relação às paredes, tetos e emboques das lapas, seria mais verossímil no cenário dos velhos abrigos naturais dos mais antigos povoadores da região. As datações podem oca sionar controvérsias mas o significado ar queológico permanece com muita lógica. Um a das questões em aberto da pré-história dos grupos humanos mais antigos aqui chegados reside na inexistência de registros de uma ancestral caminhada pela faixa costeira do Brasil atlântico. As datações mais antigas têm sido encontradas em sítios de notável continentalidade, com pletamente à margem dos litorais. Somente entre 6.000 e 3.000 anos A.P. existe garan tia total que alguns grupos ocuparam preferencialmente setores d a costa em áreas dotadas de lagunas, restingas, estuários ou lagamares, ou e m m argens de baías oriundas de ingressões marinhas, relacionadas com o otimum cli mático (de 6.500 a 5.500 anos A.P). De sses fatos decorreram algumas indagações que, em sua maioria, fi caram sem respostas. Freqüentemente se pergunta "por que inexistem docu-
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mentos d a presença ameríndia n o litoral brasileiro, mais antiga d o que a épo ca dos sambaquis?". Um questionamento que às vezes se desdobra em sutis afirmações: "não existem registros concretos da presença de homens préhistóricos na região costeira porque os únicos registros arqueológicos de vem estar abaixo das atuais águas costeiras!". Uma afirmação que tem apenas o valor de um lembrete, mas que n a realidade revela um certo conformism o com as questões enigmáticas. Em termos de interdisciplinaridade tem grande importância para a préhistória brasileira saber q u e , entre 23.000 e 13.000 anos A. P, o nível do mar recuou pela plataforma continental adentro, até menos de 100 ou 110 metros, em relação ao nível de hoje. Tudo indica que o recuo foi lento a princípio e bastante rápido - g eologicamente falando - entre 15.000 e 12.000 anos A .P A o ensejo dessa tão importante regressão - de tipo glácio-eustático -, as praias preexistentes recuaram por dezenas de quilômetros, ou mais, ao longo da rampa exondada da plataforma continental. O mar desceu e as correntes marítimas frias subiram até níveis de latitude mais baixos. Nesse contexto a secura d a faixa costeira tornou-se marcante devido à atomização d a umidade forçada pela presença de uma vigorosa corrente das águas frias (páleoMalvinas/Falkland). Além da semi-aridez da retroterra, as massas de areias dispostas em largas rampas pela regressão marinha em processo criavam um ambiente hostil e temporariamente n ã o ecumênico, d o q u e resultava u m a gran de impossibilidade de ocupação por parte de grupos humanos, tradicional e ancestralmente vinculados à caça e à coleta. Um fato paradoxal, já que os mares em recuo, sob o impacto da corrente fria em avanço sul-norte, aumen tavam substancialmente a riqueza e a diversidade da biota aquática salobra. Entretanto, atomizava a umidade provinda d o Atlântico, determinando semiaridez costeira e faixas semi-áridas em com partimentos de relevo interiores. Tudo, ou quase tudo, aconteceu, ao inverso, quando o mar tornou a subir no holoc eno, até chegar ao nível aproximadamente de 3 metros acima de seu nível atual. A transgressão responsável por tais processos dependeu da liberação de águas que estavam retidas nas geleiras dos pólos e altas montanhas. Existem razões para se pensar que o processo transgressivo ini cial foi relativamente lento, atingindo o s eu máximo de altura durante o otimum climático, quando a retomada da tropicalidade foi mais radical. A maior parte das restingas e lagun as d a costa brasileira teve s u a origem ou definição, dependentes de pequenos recuos e avanços dos mares tropicais, em uma fase flutuante posterior ao máx imo alcançado n o aludido otimum.
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O litoral sul de S ão Paulo, designado corretamente de região lagunarestuarina de C ananéia-Iguape, é o setor da costa brasileira que melhor do cumenta o feixe alternado de restingas elaborado ao sabor dos pequenos avanços e recuos do nível geral terminal dos ocean os. A massa fantástica de areias geradas durante a regressão pré-flandiana (ou, entre nós, pré-
Os "corredores" de terras baixas (lowlands), sujeitos à ampliação da semi-aridez, correspondiam ao e ixo maior das depressões interplanálticas existentes entre chapadas descontínuas, ou entre serranias e chapadões inte riores. Em muitas áreas, tal como hoje no Nordeste S eco, ocorriam tratos de chão pedregosos e lajedos rasos, dispostos em mosaico, no domínio ampliado
cananeense) o capital de sedimentos para gerar os sucessivosfoi terraços de básico construção marinha, (re)aproveitados encarceradores de lagunas piscosas. Foi nesse momento, e em tais circunstâncias fisiográficas e ecológi c a s , que antigos grupos de caçadores-coletores encontraram condições para viver mais próxim os do mar, transformando-se e m pescadores-caçadores e criando uma nov a cultura d e marcante vinculação ecológic a. Vale dizer que assim se constituiu o grupo humano responsável pela construção dos sambaquis: os chamados "homens dos sambaquis". Sobre eles ex istem numerosas informações em nossa rica bibliografia pré-histórica. N o que tange aos vastíssimos esp aços da hinterlândia brasileira, os arqueó logos e pré-historiadores - através de duras pesqui sas de campo conseguiram recuperar parte dos segredos d e jazigo s fragmentários. E, as s i m , desvendar complexos de culturas regionais dos ameríndios que se fixa ra m em div ersos sítio s e áreas de influência pretéritas. Na verdade, o retorno da tropicalidade após 12.000 anos A.P. ocasionou mudanças ecológicas marcantes, traduzidas pela coalescência dos redutos florestais. A o que se somaram o aumento progressivo e irregular do nível do mar; a decomposi ção de rochas e argilização; a formação de solos aluviais argilosos em sedi mentos transportados po r rios triturados po r massas de argilas em suspensão. Durante a máxima acentuação da semi-aridez na América Tropical acontecida entre 15.000 e 12.700 anos A.P. -, os grupos humanos mongolóides da Ásia até a América do Norte e Central entraram pelo território brasileiro adentro utilizando o s am plos corredores e depressões colino sas, então existentes. Era uma escolha preferencial, relacionada com a presença de formações abertas em compartimento de relevo extremamente favoráveis a deslocamentos extensivos e progressivos. Era uma época em que os pe quenos grupos humanos dependiam da caça nas caatingas arbóreas e tre chos de cerrados existentes nos rebordos de chapadas e chapadões. Ou, ainda, de atividades de c oleta e caça nas florestas biodiversas dos redutos de flora eventualmente ocorrentes. Não ex istiam aproximações freqüentes em relação à beira-rio, porque a maior parte da drenagem era ainda intermi tente sazonária, por im enso s tratos do território.
das caatingas. Tem-se a impressão de que os pequenos grupos de caçado res-coletores preferiam obrigatoriamente os corredores de formações aber tas, mas vasculhavam com freqüência os rebordos úmidos de chapadas e serras, e grotas florestadas d e m ananciais, para complementação de alimen t o s . N o conjunto dessas tarefas para busca de sítios ecológ icos - para so brevivência -, acabaram por descobrir e utilizar subáreas espaçadas de cavernas, grutas e lapas. A crescidos de abrigos em lajedos, onde ocorriam desvãos de blocos rochosos residuais superpostos. O fato de muitas lapas e cavernas estarem localizadas nos sopés de chapadas de calcários e arenitos tornava possível o encontro de dois ou três ecossistemas dotados de recur sos naturais diferentes: caatingas e agrestes, cerrados e eventuais redutos florestais. Um fato que significava um a diversificação d e ofertas da natureza rústica, a pa r com o importante acontecimento relacionado com a presença de moradias naturais, propiciadoras de sedentarização. É importante assinalar que (à exceção d o caso anôm alo e controverso de São R aimundo Nonato) a ocupação das escassas cavernas processou-se entre 20.000 e 9.000 anos A.P. A s pesquisas arqueológicas na pilha de se dimentos antropogênicos do chão das lapas e cavernas revelam diferentes vagas de ocupação que se estenderam por milhares de anos a partir das descobertas iniciais. Tudo induz à crença de que grupos humanos de culturas pré-históricas diferentes - b em caracterizadas pelos arqu eólogos brasileiros - utilizaram la pas e cavernas até aproximadamente a grande diáspora dos povos de língu as guaranis ou até as mudanças climáticas e ec ológic as processadas no território pela (re)tropicalização plena, que fez emendar florestas na fachada atlântica e na Amazônia; reduzir cerrados a os chapadões e altiplanos d o Brasil C entral; e retrair caatingas para o contex to do atual Nordeste S eco. O aparecimento de sedimentos aluviais argilosos nas planícies de inundação, assim como a perenização da drenagem, durante os últimos milênios do holoceno, favoreceu uma preferência por sítios beiradeiros, descoberta da cerâmica, e um impor tante acréscimo de ofertas da natureza pela piscosidade dos rios que ficaram em franca e extensiva perenização, ressalvado o caso do N ordeste Seco.
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O s povo s de língua tupi-guarani que vasculharam e fizeram migrações sucessiva s e progressivas por m ilhões de qu ilômetros quadrados do territó rio tropical e subtropical da A mérica do Sul caracterizam-se por forte adaptabilidade aos d omínios de florestas, ao uso dos rios, incluindo moradias e tabas construídas em pontos de diques m arginais e sítios de baixos terraços. Desalojando, finalmente, os homens dos sambaquis fixados em beira de restingas, adaptados a viver d a pesca e co leta de "frutos do m a r " . Expulsan do e sobrepondo-se belicosamente aos viventes dos sistemas lagunares estuarinos, os tupis incorporaram pela primeira vez, n a pré-história brasilei ra , toda a faixa litorânea frontal do país, tendo p o r preferência barras de rios e riachos encostadas em morrotes ou maciços costeiros florestados. E che garam até a Amazônia. Foi nesse contexto de ocupação, bastante generalizada dos povos de língua tupi-guarani, que os colonizadores caucasóides, procedentes da Eu ropa Ocidental, entraram em contato com os povos indígenas de origem mongolóide. Um contato que redundou em vasta, complicada e desumana q u e p o r alguns séculos o país tenha vivido u m a plena protoletalidade. indaresultou história. DoA que uma trágica eliminação étnica, a p a r com uma mis cigenação gradual - envolvendo índios e negros, forjadores de um povo diversificado e m aravilhoso, permanentemente pressionado p ela insensibili dade do invasor, alheio às desigualdades sociais e aos atributos eternos da ciência e d a cultura. Dom inados por latifundiários, comandados p o r elites insensíveis e uma tecnoburocracia incompetente e pouco criativa. P o r u m capitalismo hipócrita e uma nefasta pseudoglobalização.
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A gênese d o Brasil -
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longo de milênios, os ameríndios, primitivos habitantes do terri tório que, posteriormente, viria a ser designado por Brasil, ocuparam pro gressivamente o vasto espaço sul-americano, desenvolveram um mod elo de aproveitamento do ecossistema, construíram uma civilização original e com bateram ferozmente pela conquista dos nichos ecológicos mais favoráveis. A partir dos contatos estabelecidos pelos homens da esquadra de Cabral com a terra e a gente brasílicas, em abril de 1500, divulgaram-se em Portu gal e, subseqüentemente, em outros Estados europeus, notícias sobre o "adiamento", na região ocidental do Atlântico Sul, de uma terra firme habita da por gentes desconh ecidas, daí resultando, na feliz expressão do historia dor Capistrano de Abreu, o "descobrimento soc iológico do Brasil". O surto de expansão quatrocentista e quinhentista lusitano contribuiu decisivamente para o estabelecimento de ligações marítimas e comerciais entre todos os continentes, bem com o para o surgimento de profundas muta ções de natureza cultural, designadamente nos campos da geografia, botâni ca e zoologia, avultando, entre os mais relevantes, a modificação da concepção européia do mundo. A arribada dos portugueses provocou, assim, aos mais diversos níveis, profundas repercussões na Am érica do Sul. Ilha ou terra firme? Eis a primeira interrogação que o "adiamento" colocou aos homens da esquadra de Cabral, seguindo-se, de imediato, as questões suscitadas pelo encontro de gentes tão diferentes das então conhe cidas. A forma de integrar a possessão sul-americana no con texto do Império Português levou à adoção dos sistemas de arrendamento e, posteriormente, de "capitanias de mar e terra", inserindo-se no contexto das opções estraté gicas globais definidas pela corte de Lisboa nas três primeiras décadas de Quinhentos. A s significativas alterações geopolíticas e econôm icas, ocorridas entre 1529 e 1548, induziram o governo d e d. João III a desencadear o processo
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A g ê n e s e do Brasil
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de colonização do Brasil, tendo, ao longo desse período, experimentado sucessivamente três mo delos institucionais distintos que levaram à elevação da Terra do Brasil à dignidade de Província de Santa Cruz. A tenaz luta travada pelos portugueses para garantir a soberania sobre a fachada leste do continente sul-americano influenciou a formulação do pro
A 14 desse mês, a armada passou ao largo do arquipélago das Canárias e a 22 alcançou as ilhas de Cabo Verde, tendo o capitão-mor optado por não se deter nessas ilhas para efetuar a aguada prevista nas instruções. Entre os dias 29 e 30, a esquadra encontrar-se-ia a 5 o N, iniciando a penetração na zona das calmarias equatoriais - que levou dez dias a trans
jeto - consubstanciado na fórmula de Ilha Brasil - de construir uma Am éri ca Portuguesa do Amazonas ao Prata. Os visíveis progressos alcançados em finais de Quinhentos nos domí nios do controle do litoral, do aumento demográfico, do crescimento dos espaços urbanos, da ampliação da área cultivada, do incremento das ativi dades econômicas e da expansão do catolicismo levaram muitos a conside rar a promissora província sul-americana um a Nova Lusitânia ou um Outro
por -, tendo a corrente oequatorial sul afastado a sua rota cerca de noventa milhas para oeste. A I 1/4 a norte do equador, a frota encontrou vento escasso, iniciando, então, de acordo com as recomendações de Vasco da Gama, a volta pelo largo em busca do alísio de sudeste, rumando muito provavelmente para sudoeste, devido ao regime de ventos que ocorre na região. Ultrapassada a linha equinocial, por volta de 10 de abril, a rota terá sido corrigida para sul-sudoeste, passando a frota a cerca de 210 milhas a ocidente do arquipélago de Fernando de Noronha. Por volta do dia 18, a armada encontrar-se-ia na altura da baía de Tod os os S antos (13° S ), área em que o vento se aproxima bastante de leste, favorecendo a busca de terra, pelo que a esquadra terá passado a navegar a
Portugal.
Tendo o Brasil resultado de um processo de construção empreendido pelos portugueses em cooperação ou conflito com outros grupos étnicos, ou seja, ameríndios e africanos, destacam-se os aspectos relacionados com os civilizacionais euro-afro-americanos — da lingüística à zoologia eintercâmbios da gastronomia às epidemias - que deram origem a u m a criação profunda mente original e distinta de cada uma das suas comp onentes.
1.
Ilha ou terra firm e?
A 9 de março de 1500 zarpou de Lisboa a segunda armada da índia, constituída por 13 velas (n ove naus, três caravelas e uma naveta de m antimentos) capitaneadas por Pedro Álvares Cabral, Sancho de Tovar (que co mandava a na u El-Rei, estando investido no cargo de sota-capitão, ou seja, lugar-tenente, tendo por missão substituir o capitão-mor em caso de impedi mento deste), Simão d e Miranda de Azevedo, Aires Gom es da Silva, Nicolau Coelho, N uno Leitão da Cunha, Vasco de Ataíde, Bartolomeu Dias, D iogo Dias, G aspar de Lemos, Luís Pires, Simão de Pina e Pero de A taíde. A esquadra transportava entre 1.200 e 1.500 homens, incluindo a tripu lação, a gente de guerra, o feitor, os agentes comerciais e escrivães, o cosmógrafo mestre João, um vigário e oito sacerdotes seculares, oito reli giosos franciscanos, os intérpretes, os indianos que tinham sido levados para Lisboa por Vasco da Gama e alguns degredados.
um rumo próximo do sempre sobre aescrivão costa. cabralino, Na terça-feira, 2 1,sudoeste, segundofechando o testemunho d o célebre os m embros da tripulação encontraram alguns sina is de terra: "muita quanti dade d'ervas compridas a q u e os marcantes chamam botelho e a ssim outras, a que também chamam rabo d'asno". Apesar de, nessa latitude (cerca de 17° S), dispor de vento favorável - que sopra francamente de leste - para atingir mais rapidamente o seu objetivo prioritário que era o de alcançar a monçã o do Índ ico, o capitão-mor alterou deliberadamente o rumo para oes te em b usca de terra. A 22 de abril toparam, pela manhã, "com aves, a que chamam furabuchos [... ] e, a horas de véspera [entre as 15 horas e o sol-posto]" tiveram "vista de terra, isto é, primeiramente d'um grande monte, mui alto e redondo , e d'outras serras mais baixa s a sul dele e de terra chã com grandes arvore d o s , ao qual monte alto o capitão pôs nome o Monte Pascoal e à terra a Terra de Vera Cruz". Após esse adiamento, a armada fundeou a cerca de 6 léguas (19 mi lhas) da costa. No dia imediato (quinta-feira, 23 de abril), os navios mais ligeiros (caravelas), seguidos pelos de maior tonelagem (naus), procedendo cautelosamente a operações de sondagem, ancoraram a cerca de meia légua (milha e m eia) da foz d o posteriormente denom inado rio do Frade. Foi, en t ão, decidido enviar um batei a terra, comandado por N icolau C oelho, para entabular relações com os indígenas que se encontravam na praia.
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O s primeiros contatos entre os tripulantes da pequena embarcação e o grupo de 18 a 20 ameríndios foram d ificultados pelo barulho ensurdecedor provocado pela rebentação que impediu tentativas mais prolongadas de en tendimento. Contudo, ainda houve oportunidade para trocar um barrete ver melho, uma carapuça de linho e um sombreiro preto por "um sombreiro de
O s ameríndios não permitiram que o degredado ficasse entre eles, compelindo-o a regressar à armada. Na tarde do mesmo dia, uma parte da tripu lação foi folgar e pescar no ilhéu, distante da praia, onde os nativos só tinham possibilidades de chegar a nado ou em canoa. Essa decisão foi tomada por Cabral como medida d e segurança para evitar quaisquer hipóteses de ata
penas d'aves, com com[...] umae copazinha de penas e pardas, como depridas, papagaio um ramal pequena [colar] grande de vermelhas continhas brancas, miúdas [...]". Na noite de quinta para sexta-feira, uma forte ventania de "sudeste, com ch uvaceiros, que fez caçar [afastar do local onde estavam fundeadas] as naus, especialmente a capitania", levou a que os capitães e os pilotos decidissem aproar a norte, ao amanhecer, em busca de um ancoradouro abrigado, onde p udessem verificar o estado de abastecimento da frota em água e lenha, com o objetivo de dispensar a aguada na costa da África. Dep ois de percorrerem cerca de 10 léguas (quase 32 m ilhas), os pilo tos ultrapassaram a barra do Buranhém, encontraram "um arrecife [a Coroa
ques de surpresa de que, por exemplo, os tripulantes das expedições de Dias e G ama tinham sido alvo na costa africana. N o dom ingo, dia de P ascoela, o capitão-mor mandou armar, no ilhéu da Coroa V ermelha, um altar destinado à celebração da missa. A primeira cerimônia cristã no B rasil, à qual assistiram a tripulação e cerca de duzentos tupiniquins que se encontravam na praia fronteiriça, foi presidida por frei Henrique de Coimbra, guardião dos franciscanos, que, num improvisado púlpito, também se encarregou da pregação, dissertando sobre o significado da quadra pascal e do descobrimento daquela terra. No mesmo dia, o comandante reuniu em conselho na nau-capitânia todos os capitães da esquadra que concordaram com a sua proposta no sentido de mandar ao rei o navio auxiliar com a "nova do achamento" da Terra de V era Cruz e, também, com a missão de a explorar mais detalha damente na viagem de regresso. Foi ainda deliberado que se não tomasse nenhum indígena para o enviar ao reino, optando-se apenas por deixar dois degredados com a missão de aprender a língua e recolher informações. T er minada a reunião, o capitão-mor foi efetuar um reconhecimento das margens do rio Mutari, autorizando a tripulação a folgar, circunstância que foi apro veitada por Diogo Dias para organizar um baile, ao som de gaita, no qual participaram portugueses e ameríndios. N os dias imediatos procedeu-se à transferência da carga da naveta de mantimentos para as outras 11 embarcações, à conclusão do aprovisionamento de água e lenha, à construção de um a grande cruz, à prossecução das tentativas para obter mais informações sobre os habitantes da terra e à cria ção de um clima de cordialidade com os tupiniquins, alguns dos quais foram convidados a tomar refeições e a pernoitar nas naus. O cosmógrafo, bem como os pilotos das naus do capitão-mor e do sota-capitão, respectivamente, A fonso Lopes e Pero Escobar, aproveitaram a perman ência em terra para armar na praia o grande astrolábio de pau mais confiável do que os pequ enos astrolábios de latão utilizados a bordo com o objetivo d e tomar a altura do sol ao meio-dia, comparar os cá lculos das léguas percorridas e estimar a distância a que se encontravam do cabo
Vermelha] com um porto dentro, muito bom e mu ito seguro [a baía Cabrália], com uma mui larga entrada", onde lançaram as âncoras, tendo as naus fun deado a cerca de uma légua do recife, por terem atingido o local pouco antes do pôr-do-sol. Afonso Lopes, piloto do capitão-mor, sondou o porto, ten do , no decurso dessa operação, capturado dois mancebos índios que se encontravam num a almadia, conduzindo-os à nau-capitânia com o objetivo de os interrogar. N o sábado, 25 de abril, as embarcações de maior tonelagem penetra ram na baía, aí fundeando. Concluídas as tarefas de marinharia, reuniram-se todos os comandantes na nau de Cabral, sendo N icolau Coelho e Bartolomeu Dias incum bidos pelo capitão-mor de devolver à liberdade, com presentes, os dois n ativos aprisionados na véspera e de desembarcar o degredado Afonso Ribeiro, que tinha por missão obter informações m ais detalhadas sobre os autóctones. N a praia encontravam-se perto de duzentos homens armados com ar cos e flechas, tendo-os deposto a pedido dos seus companheiros que se encontravam nos batéis. A partir de então começaram progressivamente a estabelecer-se relações cordiais entre os marinheiros lusos e os tupiniquins traduzidas em trocas de objetos (carapuças, manilhas e guizos por arcos, flechas e adornos de penas) e na colaboração prestada pelos indígenas nas operações de abastecimento de água e lenha.
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da Boa Esperança. A medição da latitude da baía Cabrália (que está atual mente fixada em 1 6 ° 2 1 ' S), efetuada a 27 de abril por aqueles três técnicos, deu o resultado de 17° S, tendo, por conseguinte, um a margem de erro infe rior a 40' por excesso. Na carta que enviou a d. Manuel I, mestre João Faras, além de reco
foz do rio M utari, que não é visível do mar, onde a implantaram, seguindo-se a celebração da segunda missa na Terra de Vera Cruz. C oncluídas as ceri mônias litúrgicas, o comandante da ex pedição ordenou a partida para Lis boa da naveta de mantimentos, comandada por Gaspar de Lem os, enviando ao rei papagaios, arcos, flechas e outros objetos fornecidos pelos tupiniquins,
mendações de natureza náutica, procede à primeira descrição e a um esboço de representação da Cruz, ou seja, da constelação austral. O cosm ógrafo e físico régio acrescenta, ainda, uma passagem em que informa o monarca dé que, para conhecer a localização da nova terra, bastaria consultar o mapamúndi que se encontrava em Lisboa, na posse de Pero Vaz da Cunha, o Bisagudo, onde a mesma estava desenhada. No entanto, ressalva que se tratava de uma carta antiga, não indicando se a terra era ou não habitada. Essa referência a uma hipotética representação cartográfica da Terra do Brasil, anterior a abril de 1500, tem suscitado acesa polêmica devido às implica ções decorrentes da sua interpretação apontarem ou não para a existência de precursores de Cabral naquela região brasílica.
bem o as missivas sobrecom o "achamento da dos terracapitães, nova". do feitor, do cosmógrafo e do escrivão No sábado, 2 de maio, a esquadra cabralina zarpou do ancoradouro brasílico, deixando, todavia, em terra, dois grumetes que tinham desertado nas vésperas da partida e igual núm ero de degredados, "os quais começa ram a chorar, e foram animados pelos naturais do país que mostravam ter piedade deles". A naveta de mantimentos, comandada por Gaspar de Lemos, efetuou, na viagem de retorno a Lisboa, um reconhecimento d o litoral brasílico com preendido entre Porto Seguro e o cabo de S ão Jorge - identificado com o atual cabo de Santo A gostinho - numa extensão superior a 150 léguas, o que
N ão são concordantes as opiniões dos autores dos três relatos sobre o descobrimento d o B rasil relativamente à natureza da terra achada. Pero V az de C aminha considera-a uma ilha, uma vez que no encerramento da Carta a d. M anuel data-a de "Porto Seguro, da vossa ilha da Vera Cruz, hoje, sextafeira, primeiro dia de maio de 1500". O bacharel mestre João, por seu turno, refere que "[...] quase entendemos por acenos que esta era ilha, e que eram quatro, e que de outra ilha vêm aqui almadias [...]", endereçando a sua missiva de "Vera Cruz no primeiro de maio de 500" . O autor da vulgarmente designada Relação do piloto anônimo aborda a questão de forma mais dubitativa, indicando que a terra era "grande, po rém não pudemos saber se era ilha ou terra firme", adiantando, contudo, que
permitiu obter a confirmação de que se tratava de um continente. O traçado geral da faixa costeira explorada, uma legenda alusiva ao descobrimento, os topônimos correspondentes às estremas atingidas, sendo que a do norte se encontra assinalada com uma bandeira das Quinas, foram, na seqüên cia da expedição cabralina, inseridos no padrão cartográfico real.
se inclinava para a "última opinião p elo seu tamanho". Esta última testemu ficou, todavia, circunscrita ao litoral reconhecido até à baía Cabrália, tendo tido oportunidade, no prosseguimento da derrota rumo ao cabo da Boa Esperança, de avistar mais uma parcela da orla marítima, o que lhe permitiu adquirir um a visão m ais próxima da realidade. A 1Q de maio, sexta-feira, o capitão-mor procedeu à escolha do sítio onde deveria ser erguida a grande cruz construída em madeira da terra, de forma a, de acordo com o escrivão cabralino, "melhor ser vista". Foi então organizada um a procissão que transportou a cruz, em que foram pregadas as armas e a divisa reais, até ao local selecionado, situado nas proximidades da
nha não
2.
Terra de Santa Cruz, Terra dos Papagaios e Novo Mundo D.
Manuel I recebeu, provavelmente no decorrer de julho de 1500,
Gaspar d e Le mos, tomando conhecimento d os sucessos protagonizados pela segunda armada da índia até 1Q de maio inclusive, bem como da existência no poente de uma grandiosa terra firme a ustral que o monarca denominou de Terra de Santa Cruz. N a previsão de que a nova descoberta pudesse susci ta r a eclosão de d isputas com C astela acerca da esfera de influência em que o n ovo do mínio se situava, o rei decidiu manter segredo sobre o assunto até obter informações sobre os respectivos limites. N o início de 1501, ultrapassados diversos constrangimentos políticos e d iplomáticos, o rei de P ortugal tomou decisões conducentes a integrar fun cionalmente os domínios do N ovo M undo no contexto do Império.
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A primeira consistiu em da r instruções a João da N ova, capitão-mor da terceira armada da índia, para tornar refresco na Terra de Santa Cruz. Com efeito, a frota z arpou do T ejo n a primeira quinzena de março, iniciou a apro ximação ao litoral brasílico por alturas do cabo de Santo Agostinho e efe tuou a aguada na costa pernambucana.
A o receber as notícias sobre a descoberta da grande terra firme austral - cujas estremas setentrional e meridional eram desconhecidas -, d. M anuel apercebeu-se qu e, para além de ter vencido os reis católicos na corrida pela chegada ao Oriente (149 9), acabava de abrir uma nova frente de competi ção com C astela, dessa vez no hemisfério ocidental.
A segunda - e mais confiou importante - foi a Coelho, de armar uma flotilhadededeter três caravelas, cujo comando a Gonçalo com a missão minar os limites da terra firme descoberta p or Cabral. É muito provável que entre os objetivos cometidos à expedição de 1501-1502 se encontrasse o de efetuar um levantamento das potencialidades econômicas da Terra de Santa Cruz, fato indiciado p ela participação de dois d estacados florentinos que se encontravam intimamente associados a empreendimentos marítimos e comerciais nas "índias de C astela". Os navios de Gonçalo Coelho zarparam de Lisboa entre 10 e 14 de maio de 15 01, dirigindo-se a Bezeguiche (Senegal) para tomar refresco. No final do mês encontraram ancoradas nesse porto duas naus da armada de Cabral q u e regressavam da índia, tendo-se efetuado importantes conciliábulos entre alguns membros de ambas as tripulações que permitiram a V espúcio chegar à conclusão de que a Terra de Santa C ruz pertencia ao mesm o con tinente que ele havia visitado no decurso da expedição de O jeda, situandos e , todavia, n a região meridional. Apesar de todas essas movimentações, não transpiraram notícias so bre a descoberta efetuada pela esquadra de Cabral nas paragens ocidentais, o que revela a existência de um calendário político para a sua divulgação. O argumento de que a inexistência d e informações sobre o assunto se deveria à pouca importância atribuída por d . M anuel I ao adiamento do Brasil é inva lidado pela tomada das d ecisões já referidas que apontam no sentido contrá rio ao dessa hipótese. Na noite de 23 para 24 d e junho de 1501 chegou ao Tejo a nau Anun ciada, pertencente à sociedade constituída entre d. Álvaro de Bragança e mercadores italianos, comandada por Nuno L eitão da Cunha, primeira uni dade da segunda armada da índia a regressar do Oriente. A partir de 26 desse m ê s , a s missivas d e italianos residentes em Portugal e Castela (Affaitadi, Cretico, M archioni, Pisani e Trevisano) vão aludir constantemente ao d esco brimento da Terra dos Papagaios - designação que lhe foi atribuída por esses diplomatas e mercadores -, pondo em relevo o encontro de uma terra desconhecida, a existência d e populaçõ es caracterizadas pela nudez e a abun dância e variedade de papagaios.
Os m onarcas castelhanos - alertados pelos rumores que circulavam sobre o achamento, por navios lusos, de terras no poente que poderiam estar situadas no seu hem isfério de influência - deram instruções ao seu re presentante em Portugal para q u e insistisse junto do "d ileto filho" n o sentido de lhes dar conta dos resultados obtidos pela segunda armada da índia. O soberano lusitano, pressionado pelo embaixador d os sogros, enviou-lhes uma missiva (28 de agosto de 1501), redigida em linguagem muito cautelosa e ambígua, em q u e atribui a descoberta feita p or Cabral a um "m ilagre divino", sublinhando que a mesma er a muito conveniente e necessária para a navega ção da índia. O mite, todavia, os dados sobre a posição geográfica da Terra de Vera Cruz, bem como os resultados das medições de latitude efetuadas em Porto Seguro, e não faz a mínima referência ao envio da expedição de Co elho que havia partido de Lisboa em m aio. O selo de secretismo com que o Venturoso rodeou os resultados náu ticos da expedição de C abral encontra-se bem patente numa missiva, datada de 10 de agosto desse ano, em qu e Ângelo T revisano, secretário do embai xador veneziano Dom enico Pisani junto de Isabel e Fernando, informava o analista Malap iero que não tinha sido p ossíve l obter uma carta de marear da referida viagem, "porque o rei impôs a pena de morte a quem a mandar para fora". No início de agosto de 1501, a flotilha comandada por Gonçalo Coe lho atingiu a costa brasílica no Rio Grande do Norte, por volta dos 5 o S, iniciando aí o reconh ecimento da orla marítima que se estendeu até ligeira mente ao sul de C ananéia (25° 0 3 ' S), numa extensão superior a 370 léguas. N o decurso da viagem foram descobertos e batizados importantes acidentes geográficos, designadamente o cabo de São Roque (16 de agosto), o cabo de Santa Cruz (posteriormente designado de Santo A gostinho), o rio de São Francisco (4 de outubro), a baía de Todos os Santos (1 Q de novembro), a serra de São Tom e (21 de dezembro), cabo Frio, a baía (Angra) dos Reis (6 de janeiro), o porto de São Vicente (22 de janeiro) e a Cananéia (29 de fevereiro). No início de março de 1502, a flotilha afastou-se do litoral a partir aproximadamente dos 26° S, seguiu o rumo sudeste e efetuou uma
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profunda incursão em águas austrais até cerca de 50°, enfrentando violentas tempestades, frio intenso e ilhas de gelo. Regressou a Lisboa entre 22 de julho e 7 de setembro desse ano. Uma das conseqüências da viagem de 1501-1502 consistiu em refor çar a noção de continentalidade da terra firmeo cidental que já ganhara con sistência na corte manuelina no decurso de 1501, com o mostra o fato de, em 18 de outubro desse ano, P edro Pasqualigo, embaixador de V eneza, atestar que os homens da expedição de Gaspar Corte-Real, acabados de regressar da Terra N ova (Canadá), acreditavam na continuidade da "quarta parte" do mundo d esde a região glacial até a Terra dos P apagaios. O s resultados das explorações lusitanas nas paragens ocidentais - do extremo setentrional (Terra Nova) à região austral (Cananéia) - foram incor porados, como acontecia com os territórios pertencentes ao Velho Mundo, nas cartas padrão regias. Da valiosa p rodução cartográfica de 1502 somen te se conserva o planisfério português anônimo, o famoso "Cantino". No entanto, o traçado da costa brasílica desde Cananéia - local por onde pas sava, ou ao seja, sul, ofoimeridiano de de T ordesilhas - encontra-se deslocado ori ente, falsificado modo a impedir a revelação de que para as terras situadas a partir daquele local pertenciam à coroa de C astela. Esse tipo de alteração intencional introduzida n as cartas-portulano por motivos políticos manteve-se até 1515-1516, época em que João Dias de Sólis, um piloto português a serviço de Fernando, o Católico, conduziu uma expedição castelhana às terras austrais. Após o regresso a Lisboa, Américo Vespúcio redigiu uma relação su mária da viagem de 1501-15 02 que enviou a Lourenço di Pierfrancesco de' M ediei. Este primeiro documento impresso sobre o Brasil foi publicado em italiano na cidade de Paris, provavelmente em 1503, com numerosas altera ções introduzidas sem o conhecim ento do autor, tendo, pouco d epois, saído dos prelos a versão latina intitulada Mundus Novus (Veneza, 1504). A ex pressão divulgou -se rapidamente, passando a ser mu ito utilizada para no mear o continente austral recentemente descoberto pela armada de Cabral. Contud o, ela já era empregada nos círculos portugueses desde 1501, con forme comprova a seguinte passagem de uma carta remetida, em julho desse a n o , por Marchioni para Florença: "Este rei [d. Manuel] descobriu nesta [viagem de 1500] um novo mundo, mas é perigoso navegar no âmbito des ses mares". A carta-portulano de Fano, datada de 8 de junho de 1504, contém, na representação cartográfica do N ovo M undo austral, a seguinte inscrição em
dialeto geno vês: Terá de Gonsalvo Coigo vocatur Santa Croxe, ou seja, Santa Cruz, designação atribuída ao Brasil pelo cartografo Vesconte de M aiollo em homenagem ao navegador que comandara a expedição de reconhecimento de 1501-1502. Terra de G onçalo C oelho que se chama
3. Terra do Brasil Em data anterior a 3 de outubro de 1502, d. M anuel I arrendou a Terra de Santa Cruz a uma associação de mercadores. O contrato, de acordo com as informações fornecidas por Pedro R ondine lli, tinha uma duração prevista de três anos. C oncedia o m onopólio da exploração do território à sociedade encabeçada por Fernão de Loronha e vedava a importação do Oriente da variedade asiática do pau-brasil. Decorrido algum tempo sobre o arrendamento do Brasil, d. M anuel I procedeu à primeira doação efetuada pela monarquia portuguesa em territó rio americano. rei concedeu , em janeiro de 15 04,dea Loronha, capitania da Ilha de São Com João efeito, (atualoFernando de Noronha) a Fernão pelo prazo de duas vidas, c om a obrigação do beneficiário a povoar e apro veitar econom icamente. A s contrapartidas consistiam n o pagamento anual do quarto e do dízimo dos rendimentos obtidos, excetuando as matériasprimas tintureiras, drogas e especiarias, que ficavam r eservadas para a coroa. A afirmação de que "é achada esta terra não navegada pelos navios de Vossa A lteza e, por vosso m andado e licença, os dos vosso s naturais" signi fica que, à data da redação do Esmeraldo de Situ Orbis, da autoria de Duarte Pacheco Pereira (1505), a exploração geográfica e comercial do Brasil estava confiada à sociedade d e mercadores chefiada por Fernão de Loronha, pelo pertencentes que a mesmaaos nãorespectivos era freqüentada por embarcações regias, mas s im pelas arrendatários. Em 1513, Jorge Lopes Bixorda - grande armador que em 1509 co mandara pessoalm ente uma nau de sua propriedade que partiu para a índia integrada na armada do marechal d. Fernando C outinho - detinha o exclu si vo do com ércio da árvore tintureira po r prazo e em condições desconhecidos. A experiência proporcionada pela realização da viagem de 1501-1502 revelou que o aprovisionamento de pau-brasil efetuado no decurso da per manência d os navios nos ancoradouros tornava a operação muito demoradae, por conseguinte, p ouco lucrativa. Daí que se tenha chegado à cono íuslb O^ J /F "A U>
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de que a solução m ais rentável consistiria em edificar uma feitoria, cuja guarnição deveria obter a colaboração dos indígenas para o abate e preparação das árvores no período em que se aguardava a chegada das naus, de modo que estas, logo que arribassem, pu dessem ser rapidamente carregadas. A 10 de junho de 1503 zarpou de Lisboa a segunda armada de G onçalo Coelho, constituída por seis navios, que tinha como um dos objetivos prioritários o de construir uma feitoria na terra do pau-brasil. Depois de re frescar nas ilhas de C abo V erde, rumou, por razões náuticas, para sudeste, dirigindo-se, em seguida, para sul-sudoeste. A 10 de agosto a expedição encontrou a ilha de São João, que rebatizou de S ão Louren ço, tendo a naucapitânia naufragado, nesse mesmo dia, nos seus baixios. Devido a essa ocor rência, a esquadra dispersou-se, daí resultando que uma das unidades descobriu, em outubro, a ilha da Ascensão, posteriormente rebatizada de Trindade (20° 30' S). A pós terem aguardado inutilmente na baía de Todos os San tos - local de encontro fixado pelo regimento régio para o reagrupamento das armadas - a chegada do capitão-mor, os navios de Vespúcio e de outro comandante cuja identidade se descon hece rumaram para sul a fim de cumprir uma das cláusulas do contrato de arrendamento: fundar um estabelecimento lusitano no Novo Mundo. Durante cinco meses edificaram a feitoria-fortaleza numa ilha nas imediações d o cabo Frio, deixando o feitor João de Braga com uma guarnição de 24 hom ens, 12 peças de artilharia, armas, mun ições e m antimentos para seis me ses, tendo regressado a Portugal a 18 de junho de 1504. A Lettera dirigida a Pedro Soderini, concluída em Lisboa a 4 de se tembro de 1504, em que Américo Vespúcio descreve as viagens que efe tuou, designadamente a de 1503-1504, foi, após ter sido modificada e ampliada por um compilador, impressa em Florença em 1505 ou 1506. O cosmógrafo alemão M artim W aldseemuller traduziu-a para o latim, sob o
N o início da segunda década de Quinhentos, surgiu, pela primeira vez, numa carta de Afonso de Albuquerque a d. Manuel I e no globo de Marini (1512), o termo Brasil (tradução de ibirapitanga, ou seja, "árvore verme lha" ou "pau cor de brasa") para identificar a terra austral, designação que gradualmente suplantou a denominação oficial de Terra de Santa Cruz e a s italianas de Terra dos Papagaios ou de Gonçalo Coelho. A substituição do símbolo da paixão e redenção cristãs por um "pau que tinge panos" seria duramente criticada, na segunda metade do século X V I, por João de B arros e por Pero de Magalhães de Gândavo, atribuindo-a a obra do demônio. O s navegadores p ortugueses exploraram, até 1514, o trecho do litoral compreendido entre Cananéia e o rio de Santa Maria (Prata). Aliás, o cabo de Santa Maria (Punta dei Este, Uruguai), situado na entrada do estuário daquele rio (34° 59 ' S ), já aparece referenciado no Livro de marinharia, de João de Lisboa, concluído por volta de 1514, que atribui àquele acidente geográfico a latitude de 35°. Esta obra inclui ainda a primeira menção conhe cida de Cruzeiro do Sul, bem como o respectivo regimento para a determi nação de latitudes, provavelmente também da autoria daquele reputado piloto. Lisboa procedeu, na primeira vintena de Quinhentos, a medições de latitude de norte a sul do litoral da Terra de Santa Cruz, conforme demons tram, por um lado, a tábua incluída na sua obra que apresenta os primeiros topônimos e "alturas da costa do Brasil" para a região costeira sul-americana compreendida entre os 25 e 35° e, por outro, o fato de nas imediações da baía do Maranhão (2 o 1/3 S ) surgir cartografado no atlas H omem -Re inéis um rio denominado "Joham de lixboa". Por volta de 1516, foram impressas, pela primeira vez, no Regimento da declinação do sol, tábuas de latitudes das regiões situadas ao sul do equador, abrangendo a "terra do Brasil, da banda do sul" a costa compreen dida entre o "rio do arrecife" (2 o S) e o "cabo de Santa Maria" (35° S). A
título Quatuor Navigationes e publicou-a na sua Cosmographiae Intro dução (Saint-Dié, L orena, 1507), onde apareceu pela primeira vez o neologismo América, por ele criado. Foi a partir do ltinerarium Portugallensium (Milão, 1508) - versão latina da coletânea de relações de viagens portuguesas e castelhanas, organi zada por Fracanzano da Montalboddo, intitulada Paesi Novamente Retrovati (Vicenza, 1507), na qual figuravam os textos vespucianos - que Thomas More tomou conhecimento do episódio referente à fundação da primeira feitoria portuguesa no N ovo M undo, fato que integrou na trama da sua céle bre obra, Utopia (Louvain, 1516).
divulgação desses dados até então ciosamente conservados em sigilo - de pois de os castelhanos terem chegado ao rio da Prata - revela uma mudança de estratégia da coroa portuguesa. Desvendado o segredo de que o reino vizinho tinha direito a uma parcela das terras austrais, d. M anuel apressou-se a mandar publicá-los de forma a poder invocar, nas inevitáveis n egociações que se seguiriam sobre a definição dos respectivos limites, os direitos de Portugal aos territórios situados entre Cananéia e o rio da Prata, baseados na prioridade do descobrimento. Os elementos fornecidos pelo Guia náutico de Évora foram incorpora dos na Suma de geographia (Sevilh a, 1519), da autoria de Martin Fernández
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de Enciso, que ao descrever o litoral brasílico situado entre o cabo de Santo A gostinho e o cabo de Santa Maria fornece as latitudes corretas, mas ao tratar da costa ao norte do primeiro topôn imo é "incrivelmente errôneo", arbitrando ao rio Maranon (Am azonas) a latitude de 7 o 30' S. Nu ma primeira fase (1500 -1530 ), o relacionamento entre portugueses e indígenas limitou-se à prática do escamb o, à criação de feitorias, à fixação de um es casso número de "lançados" no Brasil, e às pouc o frutuosas tenta tivas de missionação empreendidas por franciscanos.
4. Província de Santa Cruz A partir de finais da década de 20 de Quinhentos, d. João III (15211557) decidiu iniciar a colonização do Brasil, tendo adotado, ao longo do período compreendido entre 153 0 e 1548, três modelos diferentes para ga rantir o sucesso da empresa, pretendendo responder à tenaz resistência oposta por vários grupos tribais ameríndios à fixação de portugueses no seu territó rio e às alterações verificadas n as vertentes geop olítica e econôm ica mun diais. Através do primeiro modelo - de exclusividade regia (1530-1533) -, a coroa procurou assegurar com os seus próprios recursos tão ambiciosa tarefa. N o entanto, em p ouco tempo, concluiu que tal empresa exigia avultados recursos financeiros e dem ográficos de que não dispunha, devido ao seu empenhamento em outras zonas geográficas do globo então consideradas prioritárias. O governo régio optou, a partir de 1534, por recorrer a particulares para quem transferiu na quase totalidade a iniciativa da colonização. Este exclusividade particularpretendidos segundo insuficiente modelo - depara (1534-1548) - revelou-se, à despro contudo, atingir os objetivos devido porção existente entre as elevadas exigências materiais e humanas que a sua concretização implicava e as disponibilidades dos donatários (capitães-governadores) e também aos abusos a que dava ocasião a total ausência de fiscalização regia. N o fim de 1548, d. João III resolveu experimentar uma terceira solu ção - o sistema misto - que articulava um forte empenhamento militar, eco nômico e judicial da coroa com a manutenção das capitanias-donatárias, embora expropriando os seus titulares de mu itas das competências inicial-
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mente concedidas. Adotou, po r conseguinte, um m odelo misto que m antinha as capitanias-donatárias, embora reduzindo substancialmente as suas atri buições iniciais, articulava-as com o funcionamento de órgãos da administra ção regia estabelecidos na Província de Santa Cruz e, em vários domínios (militar, judicial e fiscal), submetia-as à inspeção de representantes direta mente n omeados pelo rei instalados no próprio território. Esta solução, que conjugava recursos régios e particulares, consolidava a presença lusitana no Brasil, defendendo-a, simultaneamente, de ataques internos e externos tendo permitido alcançar progressos significativos na ocupação da terra brasílica, resistir vitoriosamente às investidas francesas, fomentar o crescimento eco nômico e aperfeiçoar o funcionamento das instituições. Os progressos verificados a partir da criação do governo geral foram tão significativos que um dos donatários, o humanista João de B arros, escre v e u , em 1552, na Primeira década da Ásia: "E por honra de tão grande terra chamemos-lhe Província". Uma das conseqüências do avanço do processo colonizador residiu, contudo, na introdução de profundas m odificações no quadro das relações entre tupis e portugueses, o qual garantira, até então, a manutenção da auto nomia dos grupos tribais. A paulatina fixação dos europeus, com caráter permanente, em diversos pontos da costa brasílica pôs em causa o equilíbrio existente, provocando dois tipos de reações distintas por parte das comuni dades aborígines: aceitação pacífica ou resistência armada. Pode-se afirmar que as características geográficas de várias regiões, com especial incidência no sudeste, dificultaram significativamente a penetra ção portuguesa no sertão, condicionando a forma de ocupação do território brasílico nos séculos XV I e XV II. O isolamento do litoral, devido às dificuldades em transpor as barreiras topográficas, constitui um importante elemento para a interpretação do pro cess o quinhentista de colonização do B rasil. A estreita faixa costeira, sepa rada do planalto por linhas de escarpas abruptas com alturas superiores a 800 metros, localizadas a curta distância das terras baixas, representou um sério obstáculo para as ligações entre os sítios portuários da costa e os compartimentos do planalto de clima tropical de altitude. Essa situação era agravada pela existência de um reduzido número de vales importantes entre os rios Doce (ao norte) e Jacuí (ao sul). A lém d os condicionalismos de ordem geográfica, fatores de natureza socioeconôm ica e geop olítica encontram-se na origem da "colonização pon-
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tual", ou seja, a ocupação apenas dos pontos estratégicos da orla costeira. Dispondo Portugal de reduzidos recursos demográficos no século XVI, o governo régio optou por concentrá-los na costa, já que, em primeiro lugar, urgia enfrentar a ameaça francesa, ocu pando tod as as baías e embo caduras de rios suscetíveis de permitir a ancoragem de navios gauleses e, em segu n do lugar, as condições ideais para a cultura da cana sacarina e o fabrico d e açúcar - essen ciais para viabilizar a empresa colonizadora - se conjugarem nas proximidades da faixa marítima. O "modelo insular" de fixação no território brasílico foi sagazmente apreendido por frei Vicente do Salvador que escreveu, em 1625, contenta rem-se os portugueses em arranhar a costa como os caranguejos, nela não penetrando d ecididamente com o o tinham feito os espanhóis. A estratégia lusitana de consolidação e ampliação da América portu guesa assentou, do ponto de v ista geopolítico, num tripé: na escolha da Bahia - região central na época quinhentista - para sede do governo geral, funcio nando, segundo as palavras de um franciscano seiscentista, como o "cora ção no meio do corpo, donde todas se socorressem e fossem governadas"; na fundação de São Paulo, base estabelecida no planalto de Piratininga que constituía uma cun ha para a penetração na região platina, e, finalmente, na criação de São Sebastião do Janeiro, cidade que assegurava o domínio efetivo da baía da Guanabara, essencial, por um lado, para manter a ligação entre as capitanias do Norte e do Sul e, por outro, através do sertão, com São Paulo, reforçando, desse modo, a segurança de ambas as povoações. Em meados de Quinhentos, a fase da economia de escambo foi supe rada, consolidando-se a economia de produção em que a cultura da cana e o fabrico do açúcar - complem entados por roças de mantimentos e criação de gado - assu miram um papel primord ial. A opçã o pela agricultura de ex portação, única que permitia integrar o Brasil na economia-m undo, originou uma estrutura fundiária caracterizada pela grande propriedade e pelo recur so intensivo a mão-de-obra escrava, primeiramente formada por indígenas que foram sen do, a partir de meados do século XV I, gradualmente substituí dos por cativos africanos, daí resultando a criação de um eixo triangular: Metrópole-Brasil-África. Esse tipo de estrutura econômica gerou uma formação social dominada por um restrito número de membros (os senhores de engenho) em que a massa da popu lação era constituída por escravos, verificando-se a existên cia de um setor intermédio pouco numeroso (lavradores, mercadores e
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artesãos). Apesar dessa configuração, a sociedade colonial possuía um apre ciável grau de mobilidade.
5. "Ilha Brasil" A coroa de P ortugal nunca desistiu de ampliar os limites meridionais da América portuguesa até, pelo menos, a margem norte do rio da Prata. D. João III incumbiu, em novembro-dezembro de 1553, o seu representante na corte de Carlos V de efetuar diligências junto d o sobrinho e genro - o prín cipe herdeiro de C astela (futuro Filipe II) - no sentido de impedir a saída de uma exp edição espanho la, que se aprestava para partir de Sevilha com des tino ao rio da Prata, uma vez que aquela região sul-americana "é da minha conquista e cai debaixo da minha demarcação". A recepção do mito ameríndio da "Ilha Brasil" - que encontra claro acolhimento na cartografia lusa a partir de meados de Q uinhentos - insere-se na estratégia portuguesa de desenvo lver a teoria de que a Província S anta Cruz seria uma ilha "rodeada pelo oceano e por dois grandes rios [o de A mazo nas e o Prata], unidos por um lago". Tratava-se de utilizar um argumento de natureza geográfica - u ma vez que o Brasil constituiria uma entidade territorial distinta, separada da Améri ca Espan hola por "fronteiras n aturais", ou seja, pelas duas principais bacias hidrográficas sul-americanas com unicantes através de um grande lago cen tral, a "lagoa Eupan a", localizado no interior - que justificaria a inclusão de uma hipótese não prevista no articulado do Tratado de Tordesilhas. Essa solução surgia com o a única fórmula suscetível de conferir legitimidade às ambições lusitanas de estender as fronteiras da A mérica portuguesa tão desmesuradam ente para oteve sul da linha divisória. Essa concepção importantes repercussões nas cartas-portulano, verificando-se q ue aquela visão fabulosa da geografia sul-americana se di fundiu lentamen te na Europa a partir de protótipos portugueses da segunda metade de Quinhen tos - em que o mapa de Bartolomeu Velho (1561) assu miu uma função paradigmática -, logrando alcançar grande aceitação nas escolas cartográficas flamengas, francesas e italianas, sobretudo no século XVII. As pretensões portuguesas de ampliar significativamente a extensão da Província de Santa Cruz estão bem patentes, mesmo no período d a Monar-
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quia Dual (1580-1640), numa obra de cariz náutico da autoria de Luís Teixeira, elaborada por vo lta de 1586, que incluía a foz do rio da Prata n o hemisfério português, bem com o numa impo rtante descrição do Brasil que, em 1587, defendia que os limites da demarcação da coroa de Portugal na América do Sul se estendiam à ponta do Marco, bem ao sul do estuário platino. Simão de Vasconcelos, um jesuíta seiscentista português, sintetizou admiravelmente, no seguinte trecho, o projeto luso de construção de um grande Brasil: Estes dois rios, o das Amazonas e o da Prata, princípio e fim desta costa, são dois portentos da natureza... São como duas chaves de prata, ou de ouro, que fecham a terra do Brasil. Ou sã o como duas colunas de líquido cristal q u e a demarcam entre nós e C astela, não só por parte do marítimo, mas também do terreno.
Ainda em finais do século XVDI afirmava Alexandre Rodrigues Ferreira, um incansável pesquisador da fauna e da flora amazôn icas, que "pelo Brasil entendo aquela parte da América, compreendida entre os rios Amazonas e da Prata", o que revela as marcas indeléveis que este projeto plasmou no imaginário luso-b rasileiro.
6. Um outro Portugal? No final de Quinhentos, o jesuíta Fernão Cardim, que viveu a maior parte da sua vida no B rasil, afirmava, na obra Tratados da terra e gente do Brasil (1585), que "este Brasil é já outro Portugal". No entanto, tratava-se de uma componente do império português que possuía características bem vincadas e que - apesar da prevalência, sobretudo nas áreas urbanas, de elementos d a matriz cultural, lingüística e religiosa lusitana - não po deria, desde o início do processo de colonização, ser automaticamente associada ao padrão metropolitano. Com efeito, a miscigenação, o escambo, a atividade missionária e o engenho d esempenharam , desde os primórdios da construção do Brasil, um papel fundamental no processo de aculturação entre índios, portugueses e africanos. Um dos elementos fundamentais do contato interétnico foi a mulher indígena, representante das funções dom ésticas e principal força produtora
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no sustento do grupo tribal. Ela constituiu, através da gradual e crescente ligação com o europeu , um instrumento para a desorganização social e con seqüente transferência da propriedade dos meios de produção das socieda des nativas para a emergente sociedade colonial. Além desse aspecto fundamental, os laços matrimoniais entre portugueses e mulheres índias con tribuíram para que os primeiros adotassem muitos hábitos tupis (na alimenta ç ã o , no mobiliário doméstico, nas formas de sociabilidade, etc) , provocando, assim, informalmente, a aculturação dos colonos. Os mestiços desempenharam um papel decisivo como agentes de aculturação, sintetizando, num a primeira fase, os elementos das culturas eu ropéia e ameríndia, transmitindo-os a grup os tribais que nunca tinham entrado em contato com os portugueses. A partir da segunda metade de Quinhentos, o processo d e aculturação foi enriquecido com o elemento africano, iniciando-se, então, a gradual simbiose entre as componentes euro-afro-americana que viria a moldar biológica e culturalmente a formação d a sociedade brasi leira. A língua tupi constituiu um veículo privilegiado de contato entre euro peus e indígenas, estendendo-se a áreas de outras formações lingüísticas ameríndias. Funcionou, na prática, como uma verdadeira língua geral, de signação que, contudo , somente começou a ser utilizada na segunda m etade do século XVII. Até então era referida por "língua do Brasil", "língua da terra" e, sobretudo, "língua brasílica". Os primeiros jesuítas ded icaram particular atenção à língua tupi, estudando-a e elaborando, ainda em Quinhentos, algumas obras sobre o tema. O primeiro Vocabulário na língua brasílica foi composto pelo padre Leo nardo do Vale (c. 1538-1591) que viveu quase 40 anos entre os índios da Bahia, Porto Seguro e São Paulo, tendo sido, no início da década de 1570, nomeado lente de Língua Brasílica no Colégio da Bahia. Elaborou ainda uma Doutrina geral na língua dodosBrasil bemdocomo sermões e avisos para a educação e instrução índios(1574), na Língua Brasil. O padre José de Anchieta redigiu a primeira Arte de grammatica da lingoa mais usada na costa do Brasil, que circulou manuscrita largo tem p o , tendo merecido honras de impressão em Coimbra, em 1595, na oficina de An tônio de Mariz. Esta obra, de cariz fortemente com paratista, designa damente com o latim, "representa uma nova estratégia de abordagem da s línguas exóticas que entram no colóquio universalizante do m undo descober t o " . Com pôs, ainda, um Dialogo da doctrina christãa, um Confessionário brasílico, sermões, poe sias, cantigas e outras obras em língua tupi.
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Dos contatos luso-ameríndios resultaram, n omeadamente, contributos lingüísticos que se traduziram pela incorporação na língua portuguesa de vocábulos de origem tupi-guarani, sobretudo ligados a espéc ies botânicas, como abacaxi, aipim, amendoim (da raiz tupi mindoim, menduí ou outras variantes, influenciadas pelo vocábulo amêndoa), ananás (do guarani naná), araçá, caju, capim , cipó, jenipapo, mandioca, mangaba, maracujá e piaçaba, ou zoológicas, como arara, cutia, jararaca, jibóia, maracanã, paca, piranha, sagüim, surucucu, tamanduá, tatu, toim, tucano e urubu, além de outros rela cionados com a gastronomia, como beiju, carimã, mingau, pipoca ou tapioca. Verificou-se a rápida adoção pelos índ ios da tecnologia européia nos mais variados domínios, da caça e pesca à construção de habitações e à guerra. Saliente-se que a introdução de utensílios metálicos aumentou o rendimento das atividades indígen as: na agricultura, através da utilização de machados no abate de árvores, de enxadas no cultivo da terra e de facas para cortar as ramas da mandioca; na pesca, m ediante o uso do anzol de metal - o pindaré ("anzol diferente") - e de pontas de ferro nos arpões; e, ainda, na confecção de alimentos, pela introdução da chapa de ferro perfurada no ralador, em substituição das pedras aguçadas, dentes ou es pinhos. O con hecimento do cão - utilizado pelos índios para perseguir os ani mais e forçá-los a abandonar os esconderijos — associado ao uso de armas de fogo facilitaram o esforço de caça. A utilização de armas européias, incluin do as de fogo, aumentou a eficácia das expedições e alterou os padrões guerreiros, mas o incremento do clima de conflito provocou uma mudança nas estruturas dos assentamentos indígenas, generalizando-se a construção de paliçadas. A lguns autores suspeitam que a utilização de barro nas cons truções indígenas se deve também à influência lusitana. Tend o-se revestido o processo d e aculturação em terras brasílicas de um caracter recíproco, também os p ortugueses assimilaram produtos, obje tos, estilos de vida e, até, táticas guerreiras aborígines, como a das embos cadas. Um dos hábitos ameríndios que mais arraigadamente se entranharam nos costumes dos colonos foi o do consumo de tabaco, largamente utilizado nas sociedades indígenas com finalidades mágico-religiosas e m edicinais, mas que era também fumado e mascado conforme o comprova a descoberta arqueológica de cachimbos. E ssa prática divulgou-se de tal forma que o pri meiro bispo do Brasil condenou publicamente o donatário do Espírito Santo,
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Vasco Fernandes Coutinho, por praticar o rito gentílico de "beber fumo" como os plebeus. No decênio de 1580, um jesuíta censurava grande parte dos portugueses que viviam n o Brasil por "beberem este fumo, e o têm por vício, ou por preguiça, e imitando os índios gastam nisso dias e noites". O hábito de fumar terá sido introduzido em Portugal por Luís de Góis, um dos ecompanheiros de Martim Afonso de Sousa na fundação de SãoO Vicente que v eio, posteriormente, a ingressar na Companhia de Jesus. embaixador gaulês N icot conheceu o tabaco em P ortugal, remeteu amostras a Catarina de M édicis com recomendações sobre as suas virtualidades me dicinais, tendo-se d ivulgado, inicialmente, na França com a designação de "erva da rainha" e, depois, em homenagem àquele diplomata, passado a chamar-se "nicotina". As mulheres portuguesas preparavam diversas especialidades culinári as com base nos derivados da mandioca, como os beijus, bolos semelhantes a filhos, feitos com farinha e condimentados com leite de coco, açúcar e bordados de canela e, a partir da tapioca (fécu la alimen tícia da mandioca), a "tapioca-molhada" ou "tapioca-de-coco". om a carimã (farinha aquecida faziam "muito bom pão, e bolosCamassados com leite e seca gemafina) de ovos" e outras "mil invenções" que eram sobremaneira apreciadas. Segund o Gabriel Soares de Sousa, um senhor de engenho do Recônca vo B aiano, que concluiu e m 1587 a redação da sua obra Notícia do Brasil, as mulheres portuguesas confeccionavam com amendoim "todas as coisas doces, que fazem das amêndoas, e cortados os fazem de açúcar de mistura como os confeitos. E também os curam em peças delgadas e compridas, de que fazem pinhoadas". Várias frutas, além de consumidas frescas, eram tam bém utilizadas para fazer conservas (ananás) e marmeladas (ibá, camuci e araçá) que, já em 1561, eram enviadas para Portugal para tratar os enfer mos. O s cruzamentos étnicos de portugueses com ameríndias e negras, bem como entre as diversas variantes possíveis, contribuíram para criar uma so ciedade fortemente miscigenada, do ponto de vista biológico, na qual os intercâmbios lingüísticos, religiosos, técnicos, botânicos e zo ológicos gera ram uma cultura portadora de uma profunda originalidade.
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V-^u riosam ente, a mod alidade inicial que o sentimento nativista assu me nas crônicas do primeiro século de colonização (1532-1630) não con siste, como ocorrerá adiante, na afirmação da originalidade da nova terra, mas ao contrário no orgulho pela lusitanidade que já caracterizaria a vida cotidiana nos principais núcleos de povoamen to. Gândavo , por exemplo, já descrevia o Brasil como um a "nova L usitânia"; o padre Cardim afiançava: "Este Brasil é já outro P ortugal". O fenômeno torna-se compreensível quando se tem em mente a pers picaz observação de Stuart B . Schw artz segundo a qual, "em termos sociais ou religiosos, o Brasil foi criado para reproduzir P ortugal, não para transformálo ou transcendê-lo", asserção, aliás, igualmente v álida para os estabeleci mentos criados no hemisfério pelas demais nações européias, com exceção da No va Inglaterra, vale dizer, de Massachusetts, onde a rigorosa motivação religiosa dos colonos insuflou o projeto de um a nova S ion, de uma sociedade paralela destinada a realizar, desse lado do A tlântico, as aspirações religio sas e políticas da Reforma, frustradas p elo anglicanismo, o que, nesse caso, emprestava ao adjetivo o significado de uma ruptura, ausente das outras designações. Dessa ambição de prolongar o Velho Mundo no Novo, a prá tica de apor-se às áreas conquistadas os nomes das regiões ou dos países donde eram originários os seus fundadores: Nova Espanha, Nova Galícia, Nov a Granada, Nov a Extremadura, Nova França, Nova Holanda. A par de manifestação afetiva, tais denominações exprim iam de forma abreviada u m mesmo program a colonial. A o designar de No va Lu sitânia a capitania que lhe doara d. João III, da boca meridional do canal de Santa C ruz à foz do São Francisco, o donatário Duarte Coelho não se apartou da praxe. O chamado foral que concedeu à vila de Olinda e suas cartas a el-rei são invariavelmente datadas d' "esta N ova Lusitânia", jamais de Pernambuco. C ontudo, Nova L usitânia tampouco vingou. Ao menos desde os anos sessenta do século XVI, empregava-se o
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topônimo tupi, originalmente utilizado apenas para designar o ponto do lito ral, na terra firme fronteira à ilha de Itamaracá, onde se situara a feitoria de Cristóvão Jaques, topônimo posteriormente adotado para o ancoradouro da foz do Capibaribe-Beberibe. Falecido o primeiro donatário, a correspon dência oficial consagrou o costume, embora a viúva, d. Brites de Albuquerque, à memória teimasse, provavelmente porjáfidelidade do marido, referir-se à N ova L usitânia, termo que viria a adquiriremtravo literá na "Prosopopéia" rio e erudito. Procurou-se também conciliar as denominações em "P ernambuco da N ova L usitânia"; e o autor da relação do naufrágio alude mesm o à "capi tania de P ernambuco, das partes do B rasil d a nova Lusitânia". Só excepcio nalmente Nova Lusitânia foi empregado para designar toda a América portuguesa, com o fez Brito Freire, no século subseqüente, na sua história da guerra holandesa. Na E uropa, adotou-se naturalmente o uso que se imp usera na terra. A correspondência dos cônsules ven ezianos em L isboa mencio na a "terra di Pernambuci"; e o relato da expedição de James Lancaster fala sempre de "Fernambuck", e do pau-brasil, como de "pau de Pernambuco", costume que seguirão os holandeses, que chamaram a madeira "Pernambuco hout". A designação de pernambucanos para os moradores e os naturais da capitania não se fez, portanto, esperar. Assim, já os denomina frei Vicente do Salvador, o qual, contudo, ainda intitula seus conterrâneos os baianos de "os da Bahia". A preterição sofrida pelo nome de N ova L usitânia fora a mesma que já vitimara o de Santa C ruz, inicialmente conferido à América portuguesa, subs tituição muito criticada então por João de Barros e por Pedro de Mariz. Gândavo insistiu no emprego d a primitiva designação, pois a de Brasil fora dada pelo "vulgo m al considerado", soando m ais agradavelmente a ou vidos cristãos o nome de um lenho em que se realizara o mistério da Redenção e
não o dea mudança uma madeira quedos servia apenasdas paragrandezas tinturaria.doTambém protestou contra o autor Diálogos por Brasil, talvez cautela de cristão-novo. O fato é que a escolha de Nova Lusitânia denota, no primeiro donatário, certo gosto das hum anidades, sabido que o emprego de Lusitânia constituiu novidade dos fins do séc ulo X V trazida pelo renas cimento dos estud os clássicos, que haviam identificado o s portugueses aos lusitanos sublevados outrora contra a dominação romana. Quando se inicia va a colonização do Brasil, Lusitânia e lusitanijà eram vocábu los que cir culavam nas obras de autores portugueses e estrangeiros, o que poderia reforçar uma das explicações aventadas para o nome de O linda. Rejeitando
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a versão, que considerava ridícula, s egundo a qual ele teria nascido da excla mação de um criado de Duarte Coelho extasiado diante da beleza do sítio em q u e se ergueria a vila, Varnhagen sugeriu que ele adviria d e "alguma casa, quinta ou burgo" cara a Duarte Coelho, ou de uma das personagens femini nas do Amadis de Gaula, novela de cavalaria então na moda. Em conse qüência, o mesm o gosto literário que o levou a batizar su a capitania d e Nova Lusitânia pode tê-lo induzido a designar a urbe fundada no ângulo do mar e do B eberibe com o nome de uma heroína de romance. Destarte, ficaria afas tada a objeção levantada por Sérgio B uarque de Holanda, segundo a qual, caracterizando-se O linda no Amadis pela qualidade de "mesurada", isto é, de comedida, resultaria incompatível com as inclinações de povoadores rús ticos. Que Duarte Coelho não o fora, já percebera havia muito o historiador Pedro de A zeved o, que chamara a atenção para sua inclinação a empregar expressões latinas na correspondência com el-rei. A substituição de N ova Lu sitânia por Pernambuco simboliza no plano da toponímia a mutação que viria a sofrer o programa colonial do primeiro donatário. Nas entrelinhas das suas cartas dá para perceber que sua resis tência às pressões da coroa visando à busca de m etais preciosos e sua opo sição ao corte de pau-brasil, atividades eminentemente d ispersivas do esforço colonizador, por conseguinte, comprometedoras da estabilidade da capita nia, resultavam d o seu projeto de criação de uma colônia baseada na produ ção de açúcar por número reduzido de engen hos, que concentrariam a etapa fabril e que moeriam a cana de uma classe média de agricultores, encarrega dos do cultivo d a cana. Tratar-se-ia, portanto, menos de uma Nova Lusitânia do que de uma Nova Madeira. Nos anos imediatamente anteriores à sua chegada à terra, Duarte Coelho servira como capitão-mor de armadas no Atlântico, ocasião em que terá podido conhecer o sistema agroindustrial da M adeira, que foi verdadeiramente o mo delo da sua experiência brasileira, inclusive sob o aspecto de certa diversidade d a produção exportável, que ali foi o vinho e entre nós o algodão, de maneira a evitar as distorções da monocultura da cana, de cujos inconvenientes ele teve plena consciência, como se vê d o seu elog io da lavoura de subsistência. Embora tenha solicita do licença regia para importar escravos da Guiné, no seu espírito a Nova Lusitânia deveria ser a chasse gardée não dos detentores do equipamento fabril mas de um a classe de m édios e pequ enos produtores que se valendo subsidiariamente da mão-de-obra servil, com o ocorria na M adeira, repre sentaria a espinha dorsal d a colônia. Donde informar certa feita haver agido
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contra os "donos dos engenhos [que] queriam esfolar o povo", isto é, os lavradores que lhes forneciam a matéria-prima e os víveres.1 Desde finais do século XV, vigia n a M adeira um sistema misto em que o açúcar desempenhava o papel hegemônico, mas não exclusivo, graças à presença d a vinha e da cultura tritícola, que haviam originalmente predomi nado na ilha. Como assinalaram Virgínia Rau e Jorge Borges de Macedo, devido às condiçõe s eco lógicas e à disponibilidade limitada de terras aráveis, forjara-se ali uma paisagem agrária bem diversa da que o açúcar virá a criar nos espaço s continentais do B rasil. A topografia acidentada d a Madei ra favorecia a irrigação por meio das levadas, cuja técnica seus peritos trou xeram inclusive para nós; ela também causou o parcelamento intenso dos "poios", isto é, dos terrenos agricultados. Essas condições , com o também a própria tradição da agroindústria açucareira do Mediterrâneo, induziram a separação entre o cultivo da cana e o fabrico do açúcar, o engenho localizando-se à distância da matéria-prima indispensável às suas moendas. Destarte, via d e regra os proprietários de fábricas não possuíam canaviais. O regime da terra caracterizou-se, portanto, pela m édia e p equena proprie dade. A um número restrito de fábricas, correspondia um número amplo de lavradores de cana, que não se podiam evidentemente dar ao luxo de recor re r maciçamente ao trabalho escravo. Embora os engenh os madeirenses o utilizassem subsidiariamente, es se tipo de mão-de-obra concentrava-se no me io urbano, indício de uma escra vatura de feitio m editerrâneo, doméstico e artesanal, desvinculada d o cam po, a exemplo d o que acontecia n o Portugal metropolitano, onde os africanos adensavam-se tã o somente em I^isboa e cidades principais, exceção d a grande propriedade alentejana, sendo também empregados na exploração do sal. Na Madeira dos primeiros decênios do século XVI, apenas 16% dos pro dutores de açúcar são donos de escravos. A grande maioria deles (89%) não possui mais de cinco e os que detêm maior número não dispõem de mais de 14. O valor da mão-de-obra limita-se a 5% do investimento açucareiro. Se ao longo de Quinhentos, a presença africana aumentou, isto se deveu à 1
Cartas d e Duarte Coelho a el-rei, ed. J. A. Gonsalves de Mello e Cleonir Xavier de Albuquerque (Recife: 1967), pp. 46-7. A leitura paleográfica deste trecho acrescenta: "amtes vou comtra o povo que com tra os donos dos enjenhos mas ha negra cobiça d o mundo he tanta que turba o juizo aos homens para não comsederem no que é razão e justiça" (pp. 48-9). É evidente, porém, que, à luz do sentido do período, o escriba donatarial escreveu por inadvertência "contra o povo " em lugar de "com o povo".
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proximidade da costa africana e ao papel desempenhado pela ilha no devassamento d essa região. Como acentuou Alberto Vieira, a M adeira não conheceu a simbiose entre o açúcar e o escravo que se verificou nas Canárias e sobretudo no Brasil e no C aribe. Certa tonalidade democrática manifestase na presença de fidalgos, comerciantes, artesãos e funcionários da coroa entre os lavradores de cana. A o passo que a etapa produtiva tinha assim um a feição eminentemente lusitana, a comercialização achava-se sob o controle de florentinos, genoveses e flamengos, os quais, porém, terminarão por sedentarizar-se em proprietários de engenhos . A descrição feita por Duarte Coelho da estrutura social da sua donatária poderia ter sido copiada da que existia na M adeira, mediante a simp les substituição da referência aos algodoais pela alusão à vinha e ao trigo: Entre todos os moradores e povoadores, uns fazem engenhos de açúcar porque são poderosos para isso, outros canaviais, outros algodoais, outros, mantimentos, que é a principal e mais necessária coisa para a terra, outros usam de pescar, que também é muito necessário para a terra, outros usam de navios que andam buscando mantimen tos e tratando outros por terra conforme ao regimento que tenho posto, oleiros outros esão m estres de engenhos, mestres de açúcares, carpinteiros, ferreiros, oficiais de 2 formas e sinos para os açúcares e outros oficiais.
Essa Nova Madeira do projeto donatarial não sobreviverá ao derra deiro quartel do século XVI, vale dizer, ao boom açucareiro iniciado nos anos setenta mercê do avanço d a fronteira agrícola pela mata pernambucana. Quando Duarte Coelho faleceu (16 54), sua capitania er a apenas a "ilha", no sentido freiriano da expressã o, compreendida entre Igaraçu ao norte, e vár zea do Capibaribe ao sul; nela, situavam-se as cinco fábricas de açúcar exis tentes. A expansão territorial não foi obra do primeiro donatário, mas dos seus filhos e do seu cunhado, Jerônimo de A lbuquerque, que a pretexto da hostilidade do gentio encetaram, a partir dos anos sessenta, a conquista da área litorânea entre os m ontes G uararapes e a região de Porto C alvo. M ais tarde, ocupou-se a terra firme de Itamaracá, fronteira à ilha homônima, penetrando-se pelos vales do Araripe, Itapirema e Catuama mas, sobretudo, pela várzea do Goiana. Deu -se início à colonização da Paraíba, fundou-se a vila de Natal (1 599) e avançou-se pela metade meridional de A lagoas. AbriuAlberto Vieira, "Escravos com e sem açúcar na Madeira", em Atas do Seminário Internacional, Funchal, 1996. pp. 93, 102.
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se assim à iniciativa dos colon os toda a franja marítima do Rio Grande do Norte ao São Francisco. Ao constituir-se em Brasil holandês, essa região era predominantemente latitudinal, de vez que no rumo oeste a ocupação não ultrapassara os setenta quilômetros. N a ribeira do Capibaribe, Mussurepe era o extremo dos canaviais, embora a fronteira de roçados e de currais se prolongasse até a altura de Lagoa do C arro ou Lim oeiro, onde a cartografia holandesa registrará os derradeiros topônimos. Fora sobretudo pela várzea do C apibaribe que se adentrara essa modesta ocupação e onde se verificara maior proporcionalidade entre a área de produção açucareira e a de subsis tência. N a várzea do Pirapama, a penetração ainda não alcançara o ponto médio da bacia fluvial. Na d o Sirinhaém, os canaviais cessavam na confluên cia com o C amaragibe, vale dizer, a cerca de 10 km da vila. No rio Formoso e em Una, a ocupação agarrava-se ainda mais ao litoral. O solo e a topografia do sul pernambucano prestavam-se à cultura extensiva da cana bem melhor que os do núcleo histórico duartino. Os geógrafos costumam distinguir a mata norte e a m ata sul, separadas grosso modo pelo paralelo do Recife. D o ponto de vista geológ ico, elas se diferen ciam graças ao fato de que, enquanto a mata norte engloba, junto ao terraço litorâneo, uma subzona d e tabuleiros sedimentares e, a poente, outra subzona cristalina, esta última estrutura é a que domina na superfície da mata sul. Do ponto de vista climático, embora ambas as zonas sofram a diminuição d os totais pluviométricos no sentido leste-oeste, ela se faz sentir mais fortemente n a mata norte do qu e n a mata sul. Daí q u e a mata norte e a mata sul também sejam designadas como mata seca e mata úmida, embora a utilização simul tânea d o critério estrutural introduza n a mata norte a distinção entre a subzona sedimentar a leste, e a cristalina, a oeste. A cultura da cana teve de adaptarse a estas con dições. Enquanto na mata norte os canaviais ficaram circuns critos às várzeas quaternárias recortadas pelos tab uleiros, às várzeas f luviais e às en costas suaves, fugindo das chãs e dos tabuleiros interflúvios, n a mata sul eles podiam caminhar desimpedidamente pela superfície de "meias laran j a s " , poupando apenas, para fornecimento de lenha aos engenhos, os cimos das colinas, onde se refugiaram os restos da mata atlântica. Se me detenho no caso pernambucano, não é apenas pór conhecê-lo de perto, mas também porque ele permite observar, mais nitidamente do que na Bahia ou no Rio, a liquidação d o modelo m adeirense pela continentalização, que tornava disponíveis terras mais planturosas, viabilizando o recurso maci ço à mão-de-obra servil, indígena e africana, e encorajando a monocultura.
C omo pressentiu Gilberto Freire, a experiência barbadiana de meados de Seiscentos, que se situa n o extremo oposto d a madeirense, ajuda a compreen der, graças a essa polarização, a mudança por que passou a Nova Lusitânia, do falecimento de Duarte Coelho ao final de Quinhentos. O Pernambuco pós-duartino foi em vários sentidos a prefiguração de B arbados; e se o d o mínio da grande lavoura não atingiu entre nós o ponto a q u e chegou naquela ilha do Caribe, foi sobretudo graças ao contrapeso oferecido pela continentalidade brasileira, isto é, pela oferta de terras, e pela presença de popu lação nativa, condições ambas inexistentes e m Barbados. Aí, n os dois primeiros decênios, os colonos ingleses experimentaram sucessivamente, sob o regime de engajamento (indentured service), com o fum o, o algodão e o anil, todos vitimados no curto prazo pela instabilidade do mercado internacional. Em meados do século XV II, com a insurreição pernambucana contra o domínio holandês, o açúcar deu-lhe finalmente a oportunidade de que necessitava, substituindo rapidamente o trabalho engajado pelo africano e prom ovendo uma concentração acelerada da propriedade da terra. Entre n ó s , com o na M adeira, o engenho de açúcar constituiu inicialmente a prolongação da loja, do comércio e da vida urbana. As primeiras fábricas foram edificadas nos arredores de Olinda, como o engenho do Salvador do M undo, levantado po r Duarte C oelho, e o de Nossa Senhora d a Ajuda, ergui d o p o r seu cunhado. A quem inicialmente afoitou-se a construí-los a distância, podia ocorrer o que ocorreu a D iogo F ernandes, cujo engenho de Camaragibe foi destruído pela indiada hostil. P or outro lado, a Olinda ante bellum concen trou as funções urbanas do comércio de importação e exportação e de sede das autoridades civis e eclesiásticas, o que já não se verificará a partir do domínio neerlandês. O engenho er a sobretudo a fábrica, isto é, o equipamento manufatureiro, de ver que as atividades agrícolas estavam terceirizadas, pre valecendo um grau importante de integração d as etapas comercial e industrial, o que eqüivale a dizer que a propriedade do engenho correspondia freqüen temente ao comerciante olind ense, características bem distintas d a s q u e domi narão no Pernambuco post bellum. A s casas-grandes que pintou Franz Post eram, segundo Robert C. Smith, "uma transcrição quase literal do tipo mais comum das casas rurais da mãe-pátria", marcado "desde o Minho e Trás-osM ontes e p or toda a Beira Alta e a Beira B aixa" pelas mesm as características: "os mesmos esteios no andar térreo usado para depósito, as varandas abertas e as escadas externas, quer no centro quer num dos ângulos da fachada, e os mesmos telhados d e quatro águas e cumeeira d o Pernambuco d o século X V Q " .
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Tipo de habitação que persistiu já entrado o século X IX , embora passasse a ser construído co m material nobre e se tornasse m elhor acomodado às exi gências de conforto de um grupo social que entrementes abandonara a vida urbana pela rural. E ste primitivismo ante bellum tinha sua razão de ser inclusi ve no fato de que a existência cotidiana do grande proprietário rural ainda
Essa nomenclatura tornou-se insuficiente ao se acelerarem a tendência ao arrendamento e a transmissão por venda ou herança da propriedade açucareira; e, sobretudo, durante o período holandês, d evido à renovação substancial dos quadros açucarocráticos. (Daí te r sido as autoridades batavas a adotar a prática, em seu s relatórios, de designar os engenho s segund o o s
distâncias que preva encontrava-se à vila, pois mercê da mod éstia lecia antes da copresa ntinentalização, ela transcorria entred aas d upla residência d a vila e do campo. N os paisagistas n assoviano s, já se pode visualizar o decantado "triân gulo rural", isto é, o m odelo de organização espacial do engenho de açúcar (casa-grande, fábrica e capela), transportado, armas e bagagen s, da M adei ra para o B rasil, sem criação nossa, no m áximo adaptações às circunstâncias mais anchas da ecologia da mata. Embora esses edifícios desconhecessem originalmente uma disposição rígida entre si, a iconografia holan desa já indi ca as linhas de força do seu assentamento em termos da ocupação dos n íveis do terreno: a instalação da fábrica na proximidade do curso d'água de que
n a M adeira, o termo "engenho" ain oragos o topônimo indígena.) Como da não ou se havia generalizado para o conjunto da unidade produtiva, mas aludia apenas às instalações fabris, que só muito posteriormente serão distinguidas pela denominação de moita. Em lugar da expressão "engenho", usava-se a voz "terras" ("terras de Pero Dias da Fonseca") ou "fazenda" ("fazenda d e Vicente Correia"). Enquanto a primeira parece indicar a propri edade fundiária que extrapola a utilização açucareira, servindo à criação de gado o u ao cultivo d e subsistência, "fazenda" referia-se à parte agrícola do conjunto açucareiro, como ainda ocorrerá no século XLX . Som ente a partir de finais de Quinhentos, insinuam-se o s dois outros critérios que substituirão vinte, trinta anos depois, o costume de usar o nome
depende para a força motriz para outros ; a construção da casa-gran de na parte mais elevada do eterreno, via deusos regra, na meia encosta, em d e corrência da necessidade prática de controle das atividades e d o imperativo simbólico de expressão de dom ínio; e a ereção da capela ao mesm o nível da casa-grande ou mais acima, conotando a predominância do Sagrado. Só muito depois, esse ordenamento assumiu moldes mais estáveis sob a forma de um pátio retangular, disposição que Geraldo Gomes, único estudioso a ocupar-se competentemente do assunto, sugeriu que pode ter resultado do exem plo das co lônias açucareiras do C aribe, divulgado entre nós por publi cações como O fazendeiro do Brasil e do Manu al do agricultor brasilei ro , editados em fins de S etecentos e em m eados da centúria seguinte.
do proprietário. o nome de doaçúcar, orago, prática cujo êxito dependia da prática de s e dotarOdeprimeiro capela o éengenho que então distava de ser geral: "engenho d e São Brás". O segundo critério é o topônimo indígena: Araripe, do nome do rio em cuja margem a fábrica se ergueu. Escusado assinalar que am bos critérios podiam ser usados para a mesma propriedade: A gostinho de Holanda preferia designar seu engenho por Santo Ago stinho, ao passo que seu feitor já o invoca p elo topônimo indígena, Subipema. M as nos documentos oficiais, a designação segundo o nome do proprietário re sistiu por mais tempo, m esmo se na vida real ela e ra progressivamente aban donada. Quando Diogo de Campos Moreno redigiu a primeira versão do "Livro que dá razão do Estado do Brasil", os engenhos da Paraíba,
N a os esteira da continentalização, sesmarias sãoasgenerosamente co n cedidas, partidos de cana se fundamaspelas várzeas, fábricas de açúcar se levantam à beira dos cursos d'água, as casas-grandes n a eminência próxi ma, m as a toponímia d os engen hos resiste a aderir aos nom es da terra. Em Pernambuco ou na Bahia, seguiu-se ao longo de Quinhentos o costume madeirense de designar o engenho pelo nom e do seu proprietário: "engenho de Pero Cardigo". Quando se possui mais de um engenho, a distinção é cronológica: "engenho v elho de Fernão Soares", "engenho novo de Fernão Soares". Quando, no passar do tempo, o nome do dono for abandonado, a propriedade passará a chamar-se apenas d e engenho Velho o u engenho Novo .
Pernambuco Bahia foram sistematicamente pelos nomes dos do n o s , critério etambém adotado por José Israellistados da Costa na sua relação de 1 6 2 3 . Recurso com preensível em v ista de que essas listas foram elaboradas com base em documentos de natureza fiscal, em que o relevante era o nom e do contribuinte. O m esmo pode ser dito acerca do "livro das urcas", docu mento alfandegário. Num texto oficial de meados de S eiscentos, já expulsos os holandeses, os engenhos ainda eram majoritariamente relacionados se gundo os proprietários. A ambição de fundar uma Nova Lusitânia, mesmo quando esta desig nação já fora descartada, resistiu quanto pôde, e muitas veze s sutilmente,
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aos efeitos d a continentalização. N o começo do século XV II, o companhei ro de La Ravardière, preso com ele em Olinda após a liquidação da presen ça francesa no Maranhão, observava que "os descendentes dos primeiros conquistadores não diferem em nada, em costum es e hábitos, dos de Portu gal". Bast a percorrer as páginas da visitação inquisitorial, vinte e tantos anos antes, para topar cominclusive, o teor eminentemente que aindaafricana tinha o cotidia nos en no colonial, devido, à segregaçãoreinol d a escravatura genhos, uma das razões da sua presença rala, quase imperceptível, na documentação do S anto Ofício. A vila pertence aos reinóis e a seus descen dentes, cujo serviço doméstico está freqüentemente a cargo de índias e mamelucas, sem falar em que certas atividades subalternas eram monopoli zadas po r imigrantes portugueses do sexo mascu lino antes de serem relegadas no século XV II aos escravos ou à população mestiça mais livre de ambos os sexos. Então, O linda ainda nã o possuía mercado de africanos, os quais eram vendidos no porto do Rec ife. O preto que se atrevesse a aparecer n a vila por iniciativa própria corria o risco de ser delatado e recambiado para o meio rural. O autor dos Diálogos das grandezas simplesmente ignorou a existên cia de escravidão ao descrever a estrutura social da capitania, praticamente nos mesmos termos em que o fizera Duarte Coelho setenta anos antes. E, contudo, na altura em que ele escrevia completava-se, como demonstrou Stuart Schwartz, o p rocesso de adoção do trabalho africano nos engenh os, incentivado pelo avanço da fronteira agrícola e p elos preços do açúcar. O Brasil estava deixando de ser a Nova Lusitânia para transformar-se na Nova Guiné, de que falava Brandônio, preocupação que ele partilhava, entre muitos, com o próprio governador-geral d. Diogo de Meneses. Este opinava que o gentio da terra devia proporcionar a principal mão-de-obra, de modo a evitar "tanto negro de Guiné", causa do endividamento crescente dos colonos. Mas se a longo prazo a ocupação de novos espaços condenara o projeto duartino, o crescimento da riqueza c olonial dela decorrente permi tiu que, no curto, a colônia pudesse entreter a ficção de ser o prolongamento americano de Portugal. Um ex emplo, entre muitos, da persistência dos mo delos de vida urbana dizia respeito à con dição feminina. Já Gilberto Freire havia percebido que "nos primeiros tempos de colonização [...] a mulher gozou de uma liberdade maior de ação". E, com efeito, a leitura da docu mentação inquisitorial passa a impressão de certa autonomia feminina, que virá a ser reprimida pela ruralização da vida colonial e pela conseqüente reclusão das mulheres dos grupos privilegiados, inclusive as restrições cria-
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das para o seu deslocamento, que se fazia naqueles andores de pau-dejangada a que se referiu Brandônio, e, sobretudo, em redes. O autor dos Diálogos faz, aliás, o elogio da rede como m eio de transporte sobre a cadeirinha, com o em P ortugal, e sobre o palanquim, como na índia. Veja-se também o caso dos artesãos. Sua quase totalidade compunhase de reinóis, indivíduos de origem rural, rebentos de lavradores pobres ou remediados para quem a atividade mesteiral representava u m a promoção so cial. Fenômeno específico da nova terra? Nada d isso, pois a instabilidade e a improvisação tam bém caracterizavam os quadros corporativos no reino. Por tugal desconheceu uma tradição gremial sólida e suas corporações de ofício datavam apenas de um século, su a regulamentação só se processando ao lon go de Quinhentos e de Seiscentos. A organização dos mesteres resumia-se à concentração urbana segundo as principais especialidades e à incorporação de confrarias religiosas que funcionavam como entidades de benemerência, estas últimas transplantadas para o Brasil. Não prevaleceu assim a rigidez institucional d e outros países da Europa, inclusive no tocante ao grau de treina mento e de conhecimento da arte que se exigia do oficial que a praticava, campeando a tolerância n a aplicação das regras. É no cotidiano mesteiral que se pode melhor entrever a vigência do modelo de relações cidade-campo importado do reino, que resistirá inutilmente à continentalização. Os artesãos residem em Olinda, atendendo indiferentemente a clientela urbana e a rural, como se vê no caso do pedreiro Pero da Silva, cujas andanças em período relativamente breve podem ser reconstituídas. Além d as obras feitas no telha do olindense de João Nu nes, ei-lo trabalhando em P aratibe, no Cabo e em Jaboatão. Outros artífices independentes e nomádicos, m oradores na vila, sur gem de empreitada pelos engenhos, gozando, relativamente à grande proprie dade, de uma independência maior do que virá a ocorrer, embora já se façam notar os primeiros efeitos da expansão territorial n a tensão entre a liberdade da empreitada e a absorção da mão-de-obra mesteiral pelo engenho sob a forma de salário. Ademais dos artesãos que se assoldadam por empreitada ou por curtos períodos, já são freqüentes os que se estabelecem mais duradoura mente, sobretudo carpinteiros, dos quais se necessitava de inverno a verão, inclusive na entressafra, quando se efetuava o "apontamento", isto é, a manu tenção do equ ipamento fabril. Esses carpinas são particularmente numerosos na população mesteiral de Pernambuco de finais de Quinhentos, que vive uma fase de acentuado crescimento econômico. Deles necessitavam os engenhos para levantar a
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casa-grande e o s dem ais edifícios; para a feitura das moendas, dos carros de boi e das embarcações; para a confecção das caixas de açúcar; e enfim para a renovação e reparação periódica de todo esse equipamento. Um século depois, eles ou já estarão substituídos pela mão-de-obra servil ou então definitivamente integrados ao salariado dos engenho s. N o Pernambuco de
Caberia ainda deter-se em outros aspectos do feitio lusitano da exis tência, a que se referiam com indisfarçada satisfação os cronistas do século XVI. Pode-se, inclusive, reconstituir o projeto colonial da Nova Lusitânia através da paisagem que os colonos procuraram implantar entre nós median te a aclimatação de espécies vegetais do reino. De Pernambuco, o já men
su a
finais de Quinhentos, o ofício especializada. A nata composta de "carpinteiros de possui engenho", hierarquia também chamados "mestres de era fa zer engenho", que num caso excepcionalmente bem-sucedido, ascendeu à condição de senhor; no outro extremo, a de "carpinteiro de carro", muito demandado num sistema de produção em que o transporte d a matéria-prima no interior do engenho e do açúcar encaixado para os trapiches estava a cargo dos carros de boi. O oleiro é outro ofício muito procurado no meio rural, embora não requeresse a assiduidade do carpina, tanto assim que no tempo de A ntonil ainda se debatia a necessidade da sua presença contínua no engenho. Mesmo quando não assalariava o artesão, o senhor de engenho de Quinhentos tinha todo interesse em tê-lo à m ã o e em evitar os inconvenientes da concorrência, para o que já se lhe começava a conferir o status de mora dor, com a possibilidade de trabalhar para terceiros quando não fosse ne cessário. É assim q u e a documentação inquisitorial identifica com o moradores de engenho até mesmo um imaginário, um marceneiro, um sapateiro, um ferreiro e um seleiro, este últim o antepassado distante do mestre José Am aro, do Fogo morto, de José Lins do R ego. M as não havia que se fiar nesses artistas de beira de estrada, que se tornavam muitas vezes tão impontuais e inconfiáveis quanto os da vila. Que o dissesse o senhor do engenho do M eio, homem arreliado de seu, o qual tendo entregue a um deles o conserto de uma caldeira, só conseguiu tê-la de volta após invectivá-lo com expre ssões des respeitosas a Deus e à Virgem Maria, que lhe custariam um processo pelo Santo O fício. Para as demais tarefas, a demanda do engenho era esporádi c a; e de tais artesãos, os engenhos da várzea do Capibaribe ou de Igaraçu dispunham n a vila. A coisa só m udava de figura n as fábricas sitas em fregue sias apartadas, que ainda não avizinhavam povoaçõe s su ficientemente im portantes para atraí-los. Ne ssa dificuldade bem com o na do pagamento de salário estarão a longo prazo os incentivos ao treinamento de escravos. Este, por enquanto, ainda não se pratica, pois os mesteres são monopolizados pelos filhos do reino e pelos naturais da terra.
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cionado companheiro La Ravardière dirá:n "o queo faz mais agradáveis é que agora de se encontra comumente o país que as lhecoisas era exótico no passado. Pois que a curiosidade dos portugueses, querendo todas as coisas na medida do seu gosto [... ] levou-os a transferir para ali muitas plan tas estrangeiras, tanto da Europa quanto da África". Fundamental foi a este respeito o papel dos jesuítas. As casas da Companhia de Jesus possuíam invariavelmente suas "cercas", isto é, pomares e h ortas, aonde era um prazer merendar ao ar livre como n o colégio de O linda, "o melhor e o mais alegre que vi no Brasil", segundo o padre Cardim, nada ficando a dever aos de Portugal, com su a horta "muito grande, e dentro nela um jardim fechado com muitas ervas cheirosas e duas ruas de pilares de tijolo com parreiras e uma fruta que chamam maracujá", um grande romeiral de que colhem carros de romãs, figueiras de Portugal e outras frutas da terra. E tantos melões que não há [como] esgotá-los, com muitos pepinos e outras boas comodidades. Também tem um poço, fonte e tanque, ainda que não é necessário para as laranjeiras, porque o céu as rega.3
Olinda, como Salvador ou o Rio, estava cingida por um cinturão de hortas em que se cultivava toda sorte de vegetais da metrópole, inclusive diversas variedades de frutas de espinho. Ao invadir a capitania, os holande ses encontrarão "em todos os lugares [...] grandes e belos pomares e hortas, nos quais há de tudo", o que na pena de uma batavo não é pequeno e logio. Até m esmo os moradores de Natal, "pobremente acomodados nas vivendas das casas", eram abastados de legu mes de Portugal. Já houve, aliás, quem observasse a semelhança entre o horto do colégio de Olinda e a cerca ideal imaginada pelo autor dos Diálogos, o qual, leitor dos c lássicos, lembrava-se decerto do velho tópico do jardim de delícias, herdeiro do locus amenus. Esse devaneio estético-utilitário será realizado anos depois pelo conde de Nassau no seu palácio de Friburgo. 3
Fernão Cardim, Tratados d a terra e gente d o Brasil (3 . ed. São P aulo: Nacional, 1978), p . 197.
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Já se insinuavam, p orém, aqui e ali, as diferenças. E nquanto, no jardim dos jesuítas, só se admitira o maracujá, no de Brandôn io já existiam a goiabeira, o tamarineiro e o ananás, vegeta is nativos particularmente estimad os pelo sabor. E também se haviam adaptado vegetais africanos e asiáticos, graças a os jesuítas que transplantaram inc lusive o coqueiro, o qual inicial mente s ó existia nas hortas e quintais, donde se disseminou p ela franja cos teira, cujos terraços marítimos haviam sido o hábitat do cajueiro. Dev ido à escassez de documen tação, mal se vislumbra a verdadeira mutação da pai sagem ao impor-se o coqueiro do O riente ao cajueiro nativo, tão vinculado à alimentação e à cultura indígenas. Há muito os cajueirais fazem figura de parente pobre, tendo-se resignado a ceder a linha de frente aos cenográficos coqueirais, que se tornaram um símbolo local, o biombo que oferecia ao viajante que vinha por mar a primeira visão da terra. Os naveg antes do pri meiro século, como Pero Lopes de Sousa, enxergavam apenas uma terra nonotonamente baixa, bem arborizada de bosques de cajueiros e dos manguezais d a foz dos rios, e cortada, num ou noutro ponto, pela retaguarda das falésias que rematavam os tabuleiros. No litoral da índia, o coqu eiro era a base imemorial de um com plexo econôm ico e ecológico, sendo utilizado como material de construção civil e até de construção naval, como nas M aldivas. Da casca, a população fazia cuias de beber; na alimentação, consumiam-se-lhe a água e o miolo e fabricava-se o "copra", o azeite para os alimentos e para a iluminação. Dele também se tiravam aguardente, vinagre e açúcar. Por fim, o ó leo tinha valor medicinal com o laxativo e no comba te ao reumatismo. No período ante bellum, quase todos esses usos, que não provoca riam surpresa no futuro brasileiro, pareciam insólitos às primeiras gerações de colono s portugueses, tanto assim q u e só m uito tempo decorrido da aclima tação do coqueiro começaram a contemplá-lo com olhos utilitários. Ainda ao tempo de frei Vicente do Salvador, a única utilização do coco consistia em co mer sua polpa e beber sua água, u so, na realidade, essencial, em áreas praieiras afastadas de água potável, a não ser a da chuva. Markgraf, ao referir às vantagens que se tiravam do co co na Am érica hispânica e nas Fili pinas, praticamente o s me smo s que G arcia da Orta descrevera para a índia, menciona quanto ao B rasil apenas a água, "doce, fria e clara", seu leite, "com o qual se cozinha arroz para iguaria", e as cuias feitas d a casca. Esses primei ros coqueirais vieram, com o tantas outras espécies vegetais e animais, atra vés de Cabo Verde. N o caso de P ernambuco, é até possível datar os primeiros
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transplantes. Quando Nassau ajardinou seu palácio de Friburgo, mandou trazer em carros de boi, d e três ou quatro milhas de distância, setecentos p é s , muitos do s quais septuagenários ou octogenários, o que significa q u e as árvores datavam das décadas de 1560 e 1570. Àquela altura, Gândavo ainda não menciona o coqueiro m as nos anos oitenta ele surge nos pomares dos da Olinda. Companhia de depois, Jesus em Salvador, Ilhéus, Porto Seguro, mas colégios não no de Pouco Gabriel Soares pretenderia que o coqueiro se adaptara tão facilmente que, entre nós, produzia ao cabo de cinco ou seis anos, ao passo que na índia seria necessário esperar vinte. Con tudo, tanto ele quanto Am brósio Fernandes Brandão e frei Vicente ma nifestaram a queixa de que os colono s do Brasil não sabiam aproveitá-lo. O autor dos Diálogos das grandezas é, aliás, mais explícito, lamentan do que não se fizesse o vinho de coco, nem se lhe utilizasse o azeite e nem sequer a palha. O coqueiro tinha de enfrentar os hábitos da terra, que privi legiavam seus próprios vegetais, e só poderia triunfar depois de provar suas vantagens, um p rocesso lento que im plicava vencer as inércias do cotidiano a Am érica portuguesa foi material. P orornamental. isso, a primeira coqueiro ndispunha-se meramente Com função esse fim,doBrandônio a plantá-lo no seu jardim ideal, aconselha ndo liricamente ao interlocutor: porque não suceda invejardes os alamos e choupos de nosso Portugal, com que se ornam grandemente semelhantes pomares e jardins, vos quero dar em seu lugar cres cidos e alevantados coqueiros, que não menos zunido fazem com suas folhas açoita das do vento. 4
M as foi N assau quem tirou todo o partido decorativo da árvore. Sendo a ilha de Antônio Vaz , na descrição de Barléus, uma "planície safara, despida de arvoredos e arbustos que, por estar desaproveitada, cobria-se de mato", o conde resolveu sombrear seu palácio com avenidas de coqueiros, ofere cendo um espaço de lazer aos habitantes. Essas alamedas, que frei Calado comparou às famosas de Aranjuez, tinham o papel de delimitar o espaço externo e interno, circunscrevendo, de um lado, a área onde se ergueu o edifício e o próprio jardim, e, de outro, as áreas internas em que este último se repartia: a área de recreação, a de serviço, os pomares, a de criação de animais domésticos e o s grandes viveiros. Ambrósio Fernandes Brandão, Diálogos das grandezas do Brasil, ed. por J. A. Gonsalves de Mello (2. ed. Recife: Imprensa Universitária, 1966), p. 146.
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No fim da vida, Nassau recordava suas experiências de jardinagem, gabando-se de haver plantado, no decurso de sua vida no Brasil, na Alem a nha e nos Países B aixos, "m ais de 40.000 árvores de toda espécie, sem falar numa quantidade inumerável das mais comuns". Entre nós, plantara principalmente coqueiros, d e 6 0 e 7 0 p é s d e altura e da espessura d e u m tonei, com as folhas e os frutos, cerca de 2.000 ao todo, sem que um só tenha morrido, para admiração de todo o mundo e de todos os habitantes, que não haviam jamais visto replantar uma árvore, principalmente desta espécie e tamanho. 5
Barléus falou de setecentos coqu eiros nas aléias de Friburgo, mas frei Calado, que passeou por elas, mencionou nada menos de dois mil, cifra idêntica à d e Nassau, de qu em provavelmente a ouviu. O provável é que esta última correspondesse ao total de coqueiros plantados pelo conde em todo o R ecife e não apenas em Friburgo. Nassau aboletara-se inicialmente numa enorme casa de construção portuguesa, existente na atual praça Dezess ete. A í, antes, portanto, da conclusão de Friburgo, ele criara um horto, o en tão chamado "terreiro dos coqu eiros", atual praça da Independência, no espaço entre sua residência e o Forte Ernesto (C onvento de S anto An tônio). Planta do o horto, Nassau abandonara a casa, vindo habitar nele. Esse primeiro jardim nassoviano situava-se, po r conseguinte, no interior do chamado groot kwartier, que excluía a área ao norte do Forte Ernesto, onde veio a ser construído Friburgo. Uma gravura de Mauriciópolis permite distinguir esses coqueiros, mais altos e densos, espiando de trás d as edificações que margeiam o rio, dos coq ueiros do jardim do palácio. O utra gravura, esta da B oa V ista, mostra claramente os dois hortos: o coqueiral mais denso sob a legenda "Mauritiopolis" e o coqueiral menor de Friburgo. N os primeiros decênios de sua aclimatação em Pernambuco, o coquei ro ainda er a be m raro, limitando-se aos núcleos de população e servindo de decoração a uma que outra casa-grande de engenho. Uma gravura anterior ao incêndio de Olinda registra os coqueiros d o horto dos jesuítas, ao passo que a fachada marítima carece deles, vendo-se apenas terras baixas, areiais, vegetação rasteira e cajueiros, como ao tempo de Pero Lopes de Sousa. Uma gravura d a vila da C onceição (ilha de Itamaracá) representa coqueiros 5
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"Mémoire", transcrito por J. A. Gonsalves de M ello, de Tempo d o s lamengos Rio de Janeiro: José Olympio, 1947), pp. 313-6.
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nas elevações mas não nas terras baixas de um e outro lado do canal de Santa Cruz. N a Paraíba, existia um pequen o coqueiral ao lado do forte da margem norte do rio. Em 1630, quando da invasão holandesa, os famosos coqueirais das praias olindenses ainda não existiam. M archando pela praia de Pau A marelo, Richshoffer divisava a vila sobre as colinas , o que não seria possível caso eles já aí estivessem. Só n o burgo ele e a soldadesca puderam ser providos de co cos. Por outro lado, quando das marchas pelo interior, os soldados se dessedentavam com laranjas, limões e roletes de cana. O bos que, referido por Baers, situado ao norte de O linda, era provavelmente uma mata d e cajueiros, pois sendo "denso e intrincado" não poderia corresponder a um coqueiral. A substituição maciça do cajueiro pelo coqueiro ao longo do nosso litoral, que comportou um a verdadeira revolução ecológica, foi, por conseguinte, fenômen o de longo prazo, posterior ao período holandês. N esse s núcleos urbanos de Quinhentos, o estilo da existência material vigente no reino resiste tã o brava quanto inutilmente ao impacto da continentalização e da ruralização. A começar pelos hábitos alimentares. O s grupos privilegiados mantêm-se fiéis à tríade can ônica d o trigo, do vinho e d o azeite. N os anos sessenta, ainda com anterioridade ao boom açucareiro, P ernambuco já e ra bem abastecido dos gêneros do reino. E em começos do século X VII , Pyrard de Lavai observou que o Brasil importava toda espécie de víveres não só de Portugal com o das ilhas, o que atribuía à produção insuficiente da colônia, sem levar em conta a inércia dos hábitos alimentares dos habitantes. Frei Vicente verá "as casas dos ricos (ainda que seja à custa alheia, pois muitos devem quanto têm) providas de todo o necessário", inclusive da fari nha de trigo trazida de Portugal ou de São Paulo. Ao tempo da invasão holandesa, a situação não m udara, com o se conclui da carga das embarca ções portuguesas apresadas pelos inim igos, rotineiramente carregadas da queles artigos. O provável é que a aceitação dos produtos alternativos da terra pela gente de prol só se tenha generalizado a partir da guerra ho lande sa , que afetou o suprimento de gêneros reinóis e reduziu o nível de renda da açucarocracia, e da ruralização dos modos de vida, que o conflito previsivelmente apressou. Destarte, nesse primeiro sécu lo, o uso da farinha de mandioca não foi tão universal quanto se pretendeu. Informa An chieta que o pão de trigo era consum ido sobretudo em P ernambuco e na Bahia. Trinta anos depois, refe rem os Diálogos das grandezas que "alguns e não poucos usam também de p ã o , que mandam amassar e cozer em suas casas, feito de farinha que com -
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pram do R eino ou mandam buscar às casas das padeiras, porque há muitas que vivem desse ofício", c omo se verificava no reino, onde a profissão era especialidade feminina. Só quando as estreitezas da guerra complicaram o abastecimento, os luso-brasileiros transformaram o pão de trigo numa igua ria refinada, fazendo dele "tanta questão que o cobrem de açúcar", segundo M oreau. Pela gente de prol, a mandioca e ra preferencialmente ingerida sob a forma de beijus, estimados por mais saborosos e de digestão mais fácil. O beiju, aliás, já é invenção da arte culinária d as colonas, utilizando a matériaprima d a terra à maneira de com o se fazia em Portugal com a farinha d e trigo n a confecção de filhos mouriscas. M esmo quem , como era o caso dos jesuí tas, havia adotado a farinha de mandioca, não dispensava os outros gêneros da metrópole, como o vinh o e o azeite, além do vinagre, das azeitonas, dos queijos e de outras coisas de comer. O vinho, sobretudo da Madeira e das Canárias, mais resistentes ao transporte e ao calor, fazia parte do passado mesm o dos reinóis modestos. A despeito d a quantidade de vinhas cultivadas na terra ("nunca vi em Portugal tantas uvas juntas, com o vi nestas vinhas", confessava Cardim) e de em São Paulo fabricarem a bebida, o Brasil era sempre abastecido pelo produto do reino. Do A lgarve, chegavam, adem ais do vinho de A lvor, passas e figos. Importava-se até mesm o queijo de ovelha, embora no Rio G rande do Norte se fizessem queijos e requeijões à maneira de Lisboa. Do ponto de vista da adaptação alimentar, é provável que a A m é rica espanhola se tenha antecipado à portuguesa. Naquela, co mo observou Braudel, devido à crise de meados do século X V I, os "criollos" convertiamse progressivamente ao milho, à mandioca e a outros alimentos indígenas, enquanto os m azombos brasileiros, graças à prosperidade açucareira, conti nuariam ainda dependentes do aprovisionamento de víveres metropolitanos. A despeito do clima, a grande maioria dos colonos apegava-se às mo das do reino. Anchieta notou que os colon os vestiam-se "de todas as sedas, veludos, damascos, rases e mais panos finos como em Portugal, e nisto se tratam com fausto, máxim e as mulheres, que vestem muitas sedas e jóias e creio que levam nisto vantagem, por não serem tão nobres, às de Portugal", isso evidentemente nos domingos e dias de festa, pois no reino como no Brasil o vestuário dos dias de semana é chão. Devido ao clima, a seda era o tecido mais bu scado, inclusive por gente modesta. Brandônio assegurava ter ouvido "a homens mui experimentados na corte de M adri, que se não traja melhor nela do que se trajam no B rasil os senhores de engenho, suas mulhe res e filhas, e outros homen s afazendados e mercadores". Quando C ardim
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foi pregar na matriz de Olinda, os mordomos da confraria do Santíssimo Sacramento, "todos vestidos de veludo e damasco de várias cores, me acom panharam até o púlpito, e n ão é m uito achar-se esta polícia em Pernambuco, pois é Olinda d a N ova Lusitânia". O fenômeno evidentemente é a conhecida manifestação de novo-riquismo. As exceções eram o Rio de Janeiro e São Vicente, devido à falta d e navios. Daí q u e os habitantes de P iratininga trajas sem arcaicamente "de burel e pelotos pardos e azuis, de pertinas compridas" e freqüentassem a missa dom inical em "roupões ou bernéus de cacheira sem capa", segundo Anch ieta. A diferença em relação ao reino consistia em que, devido à temperança do clima, a roupa de verão servia para o inverno, sem necessidade de ser guardada. Quanto aos religiosos, estavam adstritos obv i amente à obrigação de se vestirem com o em Portugal. No interior das resi dências, o consumo conspícuo tomava a forma de serviços de prata e de camas ornadas de damasco, com franjas de ouro e colchas da índia. Quanto às práticas médicas, o s colon os ainda davam preferência, no começo do século XVII, aos purgativos importados do reino e a médicos, barbeiros e cirurgiões. Brandônio criticava, aliás, os povoadores por não haverem ainda se aproveitado das raízes e ervas da terra, "havendo por melhores as que vêm de Portugal já corruptas, porque custam dinheiro". Co mo ali, as parturientes guardavam-se do ar , embora não guardassem tan to tempo o leito. Contudo, já se recorria a "diferentes estilos" de tratamento das enfermidades e já avançava a assimilação de vegetais nativos, como a batata e os pinh ões m uito utilizados nas purgas. Adem ais, generalizava-se a aplicação nas feridas do azeite da copaúba, de quem os cronistas diziam maravilhas. Já se havia também descoberto as virtudes da água da Paraíba no tratamento das eólicas e da dor de pedra, razão pela qual a gente acaudalada de Pernambuco m andava buscá-la, só querendo servir-se dela. Os primeiros cronistas já se gabavam, aliás, de que o Brasil já convertia Portugal a vários dos seus costu mes, co mo o bálsamo da cabriúva, e a bata ta e os pinhõe s com o purgativo, o ananás em conserva, mu ito apropriado à dor de pedra, embora não fizesse tanto efeito quanto o ananás verde, a mar melada de ibás, camueis e araçás, excelentes contra as câimbras. Mas não eram apenas as ervas e frutas brasileiras que começavam a ser utilizadas na metrópole. O jacarandá já estava sendo empregado na fabricação de leitos e em outros fins. E havia grande estima pelos sagüins, bugios e papagaios, embora fossem poucos entre os primeiros os que sobreviviam à mudança de clima.
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Somente em finais de Quinhentos e começos de Seiscentos é que co meçaram a se afirmar as modalidades do sentimento local que já não se contentavam em frisar o casticismo da Am érica portuguesa. A ssim, o tema, a que se tornará crescentemente sensível a colônia, d a fundação de "um gran de império" no B rasil, o qual, previa Gabriel Soares, "se fará tão soberano que seja um dos Estados do mundo". Do Pará a São Vicente, exultava Brandônio, são "quase setecentas léguas: terra bastantíssima para se poder situar nela grandes reinos e impérios". A arquicitada lamentação de frei V icente do Salvador sobre a tendência dos colonos a comportarem-se com o caran guejos não tem outra inspiração. Em termos da dicotomia freiriana, ela já é uma clara opção p elo continente contra a ilha, sobretudo porque o continen te é a promessa de minas, e a ilha, o trabalho rotineiro da lavoura. O tem a do "grande reino" surge inclusive em autores do reino, como Luís Mendes de Vasconcelos, em conexão com o argumento do apoio mútuo que, em caso de necessidade, devem prestar-se metrópole e colônia. Nesse sentido, nos sos primeiros cronistas foram também nosso s primeiros ufanistas. Esse so nhado grande impér io já n ã o é mais apenas o prolongamento ultramarino do reino, mas já conta com evidentes superioridades sobre a metrópole, ao menos desde a crônica de Gabriel Soares. É certo que Gândavo já escreve ra que os bolo s de aipim excediam no sabor ao pão do reino e que o ananás era tão delicioso que não conh ecia em Portugal fruta que lhe fizesse vanta gem; e que o s peixes, embora cá e lá fossem da mesma casta, tinham muito melhor sabor. A exceção era o peixe-boi, que, tendo o mesmo gosto da carne de vaca (ou, segundo G ândavo, de lombo de porco ou veado), provo caria a calorosa querela teológica a que se referiu o autor dos Diálogos das grandezas, a qual concluiu tratar-se verdadeiramente de um pescad o, tendo em vista que seu hábitat eram as águas, não saindo a pastar fora delas, o oposto da capivara, que, vivendo nos rios, pastava na terra, sendo con side rada, portanto, carne e não peixe. M as é Gabriel Soares, radicado na terra, que a compara e a seus pro dutos de maneira sistematicamente favorável. A ssim, certo rio da Bahia era "tão formoso com o o do G uadiana, mas tem muito mais fundo". Os b ovinos são muito mais fecundos, pois as novilhas já recebem o touro, ao cabo do primeiro a n o , e já parem n o segundo. O s eqüinos m ultiplicam-se vertiginosa mente, a ponto de seus preços haverem caído seis v ezes em relação ao que custavam no começo. As éguas baianas eram "tão formosas [...] como as melhores de Espanha". A carne de porco era tão sadia que fazia na terra as
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vezes da galinha n a alimentação dos enfermos n o reino, podendo se r ingerida ao longo do ano, embora o toucinho não fosse tão gordo, exceto em São V icente e no R io de Janeiro. A s galinhas baianas "eram maiores e mais gor d a s " que as portuguesas. A lavoura d e mantimentos, tão rica e variada quan to a da Espanha, entend a-se, da península ibérica, tinha ademais sobre esta a vantagem de custar menos trabalho. A farinha de mandioca só perdia em qualidade e sabor para o trigo de boa esp écie, d e vez que o "trigo do mar", o milho, o centeio e a cevada eram inferiores à mandioca. Mesm o admitindo a superioridade d o bom trigo, Gabriel Soares ressalvava que a farinha de mandioca era "mais sadia e proveitosa [...] por ser de melhor digestão", como haviam podido constatar os primeiros governadores-gerais, que "não comiam no B rasil pão de trigo, por se não acharem bem com e le, e assim o fazem outras muitas pessoas". Ao contrário da Madeira ou do Velho Mundo, a cana-de-açúcar não exigia irrigação ou estéreo, plantando-se até mesmo n os altos. Sendo ainda de seis m eses, acamavam, crescendo "tão compridas como lanças". O viço dos canaviais das várzeas era tal que o sumo das suas canas só coalhava quando misturado ao de canas velhas. Enquanto na Madeira a planta só dava duas safras, havia canaviais na B ahia que davam h avia trinta anos, as terras baixas não cansando jamais e as altas produzindo quatro, cinco vezes e até mais. A s figueiras não criavam bicho com o em P ortugal nem as ataca vam as formigas. A água de laranjeira tinha "mais suave cheiro que a de Portugal". A s limas e as cidreiras eram maiores e mais saborosas que as do reino. Os pepinos se davam melhor do que em Lisboa, sem necessidade de rega nem de estéreo, e as abóboras e as couves, do que em Alvalade. As favas podiam ultrapassar as de Évora em tamanho; e certo gênero delas "tem melhor sabor que as de Portugal". Até mesmo os nabos e rábanos, quintessência dos legum es metropolitanos, "davam-se melhor n o Brasil que no Minho", para não mencionar o manjericão, "mais alto e forte que em Portugal". A beleza, o sabor e o cheiro do ananás levavam de ven cida todas as outras frutas da Espanha. É sabido que os Diálogos das grandezas foram construídos com base na oposição entre os interlocutores, Alviano e Brandônio, que exprimem duas atitudes distintas. Na realidade, por trás dela, surge a dicotomia da terra e do homem, que exprime o antagonismo do reinol recém-chegado e do colono estabelecido na terra; ao passo que Alviano atribui à natureza brasileira os males da colonização, Brandônio os imputa aos povoadores.
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Na sua condição de cristão-novo, Ambrósio Fernandes Brandão podia to mar u m a distância crítica vis-à-vis d os demais reinóis. Tendo afirmado A lviano ter o Brasil na conta da terra "mais ruim do mundo", pois se os colon os se empregam no cu ltivo da cana e no fabrico do açúcar, isto se deve a que não a acham "capaz de mais benefício", replica-lhe Brandônio tratar-se de "erro crasso", de vez que, ao contrário, "a terra é disposta para se haver de fazer nela todas as agriculturas do mundo", sendo fértil de tudo, não vendo "ne nhuma província ou reino dos que h á n a Europa, Ásia ou África que seja tão abundante". O defeito não é da terra mas da "culpa, negligência e pouca indústria de seus moradores", da "pouca curiosidade e menos indústria dos que a habitam". Ele mesmo, Brandônio, plantara e colhera trigo, constatando que ele se dava muito bem nas campinas mas não nas várzeas. Nã o experi mentara nem centeio nem cevada m a s o milho europeu se dá melhor e em mais quantidade do que se dá em P ortugal; mas não se usa dele, porque a gente da terra se contenta somente com aquilo q u e o s passados deixaram em us o, s e m quererem anadir outras novidades de novo, ainda qu e entendam claramente que se lhes háserem de conseguir do uso delas muitaco mutilidade, que se vêm a 6 mostrar nisto todos padrastos lhes ser de madre assaz benigna. ele maneira d o Brasil,
Bran dônio inventaria, aliás, as potencialidades inexploradas da terra, a começar pelo "m uito algodão que aqui se colhe" e de que se poderia fazer toda sorte de tecidos, seguindo o exem plo da índia. Em vez de se aproveita rem da lã das ovelhas, mesmo que fosse apenas para "enchimento de col chões", os colon os preferem comprar a que vem do reino muito cara, o que também pode ser afirmado a respeito do queijo feito do leite do mesmo animal. Em lugar d e se cultivar hortaliças, importam-se de Portugal. Alviano mesmo admitira q u e , "com tantas sortes de vinhos [indígenas], bem se pude ram escusar os que se trazem Canárias e ilhaazeite da M adeira"; Brandônio aventara ia de se das escusar o próprio do reino,e ademais de a conveniênc "outras muitas coisas". Os muares criavam-se facilmente no Brasil, tanto as sim que "de alguns asnos cavalares que se mandaram vir do R eino se produ ziram maravilhosos machos e mulas", mas sua utilização deixou de ser praticada por pura inércia. A longo prazo, porém, Brandônio mostrara-se
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Ambrósio Fernandes B randão, op. cit., p p . 142 e ss.
otimista, julgando q u e semelhante falta de iniciativa seria remediada pe lo cres cimento demográfico, de vez que "os que ficarem sem ocupação, de força hão de buscar alguma de novo de que lancem m ã o " , com o que já não have ria "necessidade de c oisa nenhuma das que trazem de P ortugal, e quando a houvesse, fora de poucas". Do ideal, apenas insinuado, de autarquia colonial, frei Vicente do Sal vador fará todo um programa nativista. A o passo que G abriel Soares, por exem plo, assinalara a superioridade do produto reinol cultivado no Brasil sobre seu similar metropolitano, o autor da História do Brasil vai além, afirmando a superioridade do produto nativo sobre o português, como na descrição das madeiras utilíssimas desconh ecidas do outro lado do A tlânti c o . Para o nosso franciscano, o B rasil tinha o melhor dos dois m undos, pois não somente possuía uma flora mais rica como também assimilava a alheia em c ondições mais vantajosas que as do próprio lugar de origem, embora, ao contrário de B randônio, que propusera o plano de cultivar no B rasil as drogas da índia para destruir o comércio holandês das especiarias, a exem plo do que fizera d. M anuel com os venezianos, o cronista franciscano prefe rirá a solução q ue, tirando partido da brevidade e segurança da navegação com o reino, fizesse do Brasil o entreposto desses produtos. À maneira dos antecessores, frei V icente não se priva das comparações, e até aduz vanta gens, como as das favas e feijões, que não criavam bicho nem tinham a casca tão dura como no reino; as da mandioca e do aipim, que, ao contrário do trigo, não consumiam as sementes na planta nem se recolhiam em celeiros, onde eram vítimas do gorgulho. O s camarões, não os h avia apenas no mar, com o em Portugal, mas também nos rios. Destarte, "é o Brasil mais abasta do de m antimentos que quantas terras há no mundo, porque nele se dão o s mantimentos de todas as outras", ademais dos próprios. Como seus antecessores, o cronista acentua não existirem no B rasil piolhos e perceveas pulgas embora mesmo do umbicho-de-pé. nativista enragé comonão elesendo ousasse negar atantas, nocividade e onem incômodo Frei V icente incorre mesm o em grave ofensa às suscetibilidades reinóis quando assinala ser a língua geral mais rica de vocábu los que a língua portuguesa, citando o exemplo do vocabulário do parentesco, que, sabemos, graças à antropolog ia, ser geralmente mais discriminador nas socieda des primitivas do que nas históricas. Uma réplica, talvez, ao argumento muito usado de que o tupi descon hecia o F, o L e o R, carência fonética interpretada no sentido de que os indígenas eram destituídos de Fé, de Lei e de Rei.
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Escusa do assinalar que a conotação autárquica desses tópicos acarre tava potencialmente a contestação do monopólio colonial. Foi frei Vicente que concluiu a redação da sua história sob o impacto da ocup ação holand e sa de Salvador (162 4-16 25) , quem formulou o primeiro programa nativista para o Brasil. Preso à sua cultura eclesiástica, ele coloca em termos das Escrituras a questão de se é preferível a autarcia ou seu contrário. Ora, elas fornecem uma resposta equívoca, pois se o salmista louva Sião por ter suas portas abertas a todos, louva também Jerusalém por ter tudo dentro de si. O Brasil gozava de ambas vantagens, mas não há dúvida para que lado se inclina a argumentação do frade: pois primeiramente pode sustentar-se com seus portos fechados sem socorro de outras terras. Senão pergunto eu : de Portugal vem farinha d e trigo? a da terra basta. Vinho? de açúcar se faz mui suave e, para quem o quer ijo, com o deixar ferver dois dias embebeda como de uvas. Azeite? faz-se de cocos de palmeiras. Pano? faz-se de algodão com menos trabalho do que lá se faz o de linho e de lã, porque debaixo do algodoeiro o pode a fiandeira estar colhendo e iando, nem faltam tintas com que se tinja. Sal? cá se faz artificial e natural, como agora dissemos. Ferro? muitas minas há dele, e em S ã o Vicente está um engenho onde se lavra finíssimo. Especiaria? há muitas espécies de pimenta e gengibre. Amêndoas? também se escusam com a castanha de caju, et si c d e ceterís. Se me disserem que não pode sustentar-se a terra q ue não tem pão de trigo e vinho de uvas para as missas, concedo, pois este divino sacramento é nosso verdadeiro sustento; mas para isto basta o que se dá no mesmo Brasil em São Vicente e campo de São P aulo. E com isto está que tem os portos abertos e grandes barras e baías, por onde cada dia lh e entram navios carregados d e trigo, vinho e outras ricas mercadorias, que deixam a troco d as da terra.7
Destarte, a história d e frei Vicente já fere algumas teclas nativistas, uma delas o tratamento dispensado no reino à colônia. Após constatar que "com não haver hoje cem a nos [...] que se com eçou a povoar, já se hão despovoa do alguns lugares e, sendo a terra tão grande e fértil [...] nem por isso vai em aumento, antes em diminuição", ele acusa os monarcas portugueses de faze rem pouco ca so do B rasil, a ponto de não lhe usarem o nom e, preferindo se intitularem reis da Guiné " p o r u m a caravelinha q u e l á vai e v e m " . A condena ção abrange indiferentemente os A vis lusitanos e os Habsburgo castelhanos, que só cuidam da América para receber seus rendimentos, exceção de d. 7
Frei Vicente do Salvador, História d o Brasil (4 . ed. São Paulo: M elhoramentos, 1954), p . 71 .
João III, único a sabê-la verdadeiramente estimar. Os serviços prestados no Brasil não eram recompensados, p ois "raramente se pagam", com o indicava o com portamento da coroa para com o primeiro donatário de Pernambuco, para com Pero Coelho de Sousa e para com certo pró-homem baiano, que hospedara e banqueteara o almirante Diogo Valdez e seu séquito durante oito mes es, sem que se lhe fizesse qualquer mercê. O s comerciantes reinóis eram acusados de só virem "a destruir a terra, levando dela em três ou qua tro anos que cá estavam quanto podiam", ao passo que "os moradores eram os que a conservavam e acrescentavam com seu trabalho e haviam conq uis tado à custa do seu sangue". Daí que frei V icente reserve avaramente seus elogios aos governadores-gerais que protegiam os colonos da usura mer cantil, ou quem, co mo d. Francisco de Sousa, tornara-se querido e respeita d o , "porque, tratando os mais [governadores] do que hão-de levar e guardar, ele só tratava do que havia de dar e gastar". Nem mesmo os povoadores escapam à crítica: "por mais arraigados que na terra estejam e mais ricos que sejam, tudo pretendem levar a Portugal [...] e isto não têm só os que de lá vieram mas ainda os que cá nasceram, que uns e outros usam da terra não como senhores como usufrutuários", já esgrimido por (Estemas Brandônio. já lamentara, aliás, que os argumento lucros do Brasil fossem todos para os reinóis, que m onopolizavam o com ércio, "porque os naturais da ter ra se ocupam no granjeamento dos seus engenhos e no benefício de suas lavouras, sem quererem tratar de mercancias, posto que alguns o fazem". N este século d e Quinhentos, já vigia também entre os colon os a crença no papel messiân ico a ser desempenhad o pelo B rasil nos destinos de Portu gal. B randônio refere haver previsto um astrólogo d a corte de d. Manuel que a terra que vinha recém-descoberta por Cabral haveria de tornar-se "uma opulenta província, refugio e abrigo da gente portuguesa". Frei Vicente pre tenderá q u e , já ao tempo da fundação de Salvador e ao long o do reinado de III, cogitou -se, para a eventualidade de invasão estrangeira d o reino, d. daJoão possibilidade de passarem-se el-rei e seus vassalos à América, que pro porcionaria a base ideal para a reconquista da mãe-pátria, d evido à sua po sição estratégica, superior à dos Açores, demasiado próximos, e da índia, demasiado distante. Devido a seu reduzido território, as ilhas podiam ser facilmente conquistadas, como se vira durante a tentativa independentista do prior do C rato, que, a despeito do apoio naval francês e inglês, n ão pudera resistir às armas de Filipe II. Quanto à índia, embora contando com uma extensão continental, tinha o ônus da navegação demorada e perigosa. O
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Brasil é que possuía todos os requisitos. Sua navegação era fácil, segura e rápida, de modo que "com muita facilidade podem [os portugueses] cá vir e tornar quando quiserem ou ficar-se de morada". Suas dimensões permitiriam abrigar toda a população do reino, com o que o tema do Brasil refúgio entroncava-se com o da construção do "grande império". O que frei Vicente não podia prever é que, decorrido pou co mais de um d ecênio da redação da
fartura ela era especialmente acolhedora. Tanto assim que os colonos se mostravam m ais largos que os hab itantes do reino no comer e no vestir, além de mais generosos nas doações pias. De Pernambuco, frisava Gabriel Soa res de Sousa, haviam voltado ricos a Portugal muitos qu e ali haviam aportado sem eira nem beira nem ramo de figueira. É conhecida a estória narrada por frei Vicente a respeito de certo homem de Leiria, punido pelo seu bispo com
sua obra, a na restauração internacionalmente Portugal, recolocaria ordem do portuguesa, dia a velha isolando idéia do reinado de d. João III. P ois a verdade é que o projeto de transmigração d a família real para o B rasil, final mente realizado no século X IX , teve sua pré-história no reinado de d. João IV e depois na regência da sua viúva, d. Luísa de Gusmão. Quando da sua segunda missão a Paris (1646-1649 ), o marquês de Niza foi instruído a negociar o casamento d o herdeiro d o trono, o príncipe d. Teodósio, co m a prima de Luís XIV, a Grande M ademoiselle. M as a reação francesa foi negativa, mesmo quando d. João IV propôs abdicar em favor d o filho, em cuja menoridade a regência seria exercida pelo almejado sogro, o duque d e Orléans, ao passo que o monarca ficaria com o domínio dos Açores e do estado do
a sentença irônica de que "vá degredado por três anos para o Brasil, donde tornará rico e honrado". O indivíduo em questão fora mandado para o R io Grande do Norte, onde, a despeito de ser "a pior [terra] do Brasil", granjeou co m a mulher dois mil ou três mil cruzados, tornando-se compadres do capitão-mor, em cuja companhia retornaram ao reino, e, signo da promoção social do casal, "comendo todos a uma mesa, passeando ele ombro com ombro com o capitão, assentando-se a mulher no mesmo estrado que a fidalga, como eu as vi em Pernambuco, onde foram tomar navio para se embarcarem". O "brasileiro" das novelas de C amilo Castelo B ranco é a der radeira encarnação do mito da terra da árvore das patacas. N inguém mais autorizado para formular o tópico do que G aspar Dias
Maranhão e Grão-Pará, ser real constituídos em reino autônomo. Do segundo projeto de retirada da fama ília para o B rasil no decurso da guerra da res tauração, sabe-se por uma carta do padre A ntônio Vieira que a nomeaç ão de Francisco de Brito Freire para o governo de P ernambuco (1661-1663 ) resul tará da preocupação d a rainha regente de "prevenir a seus filhos [inclusive d. Afonso X I , n a menoridade] uma retirada segura, no ca so em q ue algum suces so adverso [isto é, a reconquista de Portugal pela Espanha], que então muito se temia, necessitasse deste último remédio". Vieira, que então se encontrava missionando no Maranhão, recebeu a ordem de seguir para Pernambuco, o que só não fez devido à revolta dos colonos paraenses, que o retiveram em Belém . A inda segundo o jesuíta, d. João IV recomendara o projeto n um papel
Ferreira, lisboeta que chegara pobre a Pernambuco e aí se tornara homem rico e honrado, senhor de dois engenhos, conselheiro do conde de Nassau e protegido do vice-rei da Bahia, conde d e M ontalvão. No seu parecer sobre a compra do Nordeste aos holandeses, Gaspar escrevia:
real su a gaveta secreta, encontrado após seu falecimento rubricado de su àa assi mão com três graças A idéia só "em foi definitivamente descartada cruzes". natura do tratado de aliança luso-britânico de 1661, pelo qual Carlos II pro meteu apoiar militarmente Portugal. Esse papel messiânico do Brasil er a visto igualmente em termos de pro moção econômica e social da população do reino. O tópico já se encontra em Gândavo, cujo tratado destinava-se a propagandear "a fertilidade e abun dância" d a nova terra junto às "muitas pessoas que nestes R einos vivem com pobreza e não duvidem escolhê-la para seu remédio", pois graças a sua
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Eu o [Brasil] chamo o jardim do Reino e a albergaria dos seus súditos. Outrora deliberou-se em P ortugal, como consta de sua história, elevar o Brasil a Reino, indo para lá o R ei, tão grande é a capacidade daquele país. Portugal não tem outra região mais fértil, mais próxima nem m ais freqüentada, nem também o s seus vassalos melhor e mais seguro refúgio do que o B rasil. O português a quem acontece decair de fortuna, é para lá que se dirige. 8
A inda outro tema já presente nes ses p rimeiros textos da história bra sileira é o da superioridade da ação do E stado sobre a atividade privada. Para Diogo de C ampos M oreno, "tudo o que neste Estado [do Brasil] não for de Sua Majestade crescerá devagar e durará muito pouco", contras tando o florescimento das capitanias que "o braço real tomou mais à sua conta" com o atraso a que estariam relegadas as terras donatariais. O cro8
"Papéis concernentes a Gaspar Dias Ferreira", em Revista do Instituto Histórico, Arqueológico e Geográphico da Paraíba, vol. 32, p. 78, 1887.
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nista invocava o exemplo da Bahia, do Rio de Janeiro, da Paraíba e do Rio Grande do Norte, "todas hoje de Sua Majestade, nas quais porque o são aumentam-se cada dia as povoações e crescem as fazendas". Mesmo a exceção conspícua que era a prosperidade de Pernambuco, ele a explica va pelo au xílio que lhe dispensara a coroa sob a forma de "capitais, presí dios e fortificações". A falta de ação donatarial estaria ligada à incapacidade
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dos seus agentes, de vez que nestasque, capitanias "nunca regias, se encontra pessoa ) respeitável no governo", ao passo nas capitanias as autorida des tinham todo interesse em promover o crescimento local, na expectativa de promoção no serviço público. Daí que Campos Moreno advogasse a estatização das capitanias donatariais. Na realidade, ele silencia ou não percebe algo essencial, ou seja, que o superávit obtido no rendimento dos dízimos do açúcar, que constituíam a fonte de recursos com que a coroa financiava suas despesas de gestão e defesa da América portuguesa, era exclusivamente gerado pela capitania donatarial de P ernambuco, pois, de s contada essa contribuição, as contas do Estado do Brasil apenas se equili brariam. M algrado a riqueza da principal capitania regia, a Bahia, a receita
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"Gente d a terra braziliense da nasção". Pensando o Brasil: a construção de um povo
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-L /e s d e os primórdios de sua existência, o Brasil tem sido tanto uma idéia quanto um lugar. Significou coisas diferentes para pessoas diferentes e o próprio termo tem sido redefinido e reinterpretado para refletir as diferen ças e discrepâncias entre pessoas de variadas extrações e posições sociais. O B rasil, enquanto idéia, foi freqüentemente mais um projeto do que uma realidade, às vezes geográfica, às vezes nacional ou até social. A definição do "verdadeiro Brasil", em oposição ao Brasil do momento, se tornou um método de estratégia argumentativa e discursiva, assim com o uma projeção alguma medida, de quem eram os "verdadeiros" brasileiros. De alguma forma, sempre houve uma variedade de B rasis que se disputavam, projetos diferentes para o que o B rasil deveria ser ou representar. Essas concepções diferentes dependiam, em especial, das divisões sociais, das identidades e das expectativas da população colo nial. An tes que pudessem existir os brasileiros, um povo que se via enquanto comunidade política, essas diferentes concepçõe s de Brasil tiveram de ser reconciliadas de alguma forma, embora a realização desse objetivo numa sociedade multirracial e escravista tenha sido um processo extremamente complexo. Neste breve estudo examinarei as dificuldades de se criar um conceito de povo dentro das malhas de uma sociedade escravista, e tentarei
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para o futuro. Essa d efinição dependia, em
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sugerir que o próprio conce ito de p ovo passou por diversas transformações históricas n o início da história moderna do Brasil. Para os historiadores, a habilidade em recapturar os co nceitos varian tes de Brasil sempre tem sido limitada pelo fato de que aquilo que conh ece mo s a respeito da mentalidade dos habitantes do Brasil colonial freqüentemente tem sido extraído dos escritos de um pequeno contingente da elite alfabetiza da, quase sempre homens, a grande maioria deles educados em Portugal, onde, inclusive, publicam seus trabalhos, quando não o fazem em outros * Tradução de Adriana Lopez.
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países da Europa. Devido à ausência de uma universidade ou mesmo da imprensa na colônia, esses autores publicavam seus trabalhos na metrópole e para um púb lico metropolitano, sob o olhar vigilante da Igreja e do E stado. Assim, seus escritos não podem ser considerados como representativos do desenvolvimento de uma consciência d e s u a própria classe e muito menos da massa dos habitantes iletrados da colônia, especialmente aqueles de origem africana, indígena ou mestiça. Essas pe ssoas eram menos apegadas a Portu gal do que os letrados e os clérigos, quase que exclusivamente brancos da classe superior, mas a reevocação de suas idéias apresenta dificuldades, já que eles encontraram poucos m eios para expressá-las, especialmente n o que diz respeito a formas que possam s er recapturadas pelos historiadores, a não ser, é claro, no caso de estudarmos suas açõe s, e não suas palavras.1 Se as diferenciações entre a elite e o "povo" são tratadas enquanto pertencentes à classe ou à cultura, elas não obstante enriquecem e com plicam a questão do que o Brasil significava para seus habitantes, na medida em que procuravam definir tanto o território como a própria relação que mantinham com este. A questão da definição do território e de seus habitantes surgiu durante o século XVI, ao adotar-se o nome de Brasil para a nova conquista. A designação original, e pia, com a qual Cabral batizara o n ovo litoral, Terra de Santa Cruz, disputou a primazia durante um breve período com o termo descritivo de "terra dos papagaios" e com a designação dada pelos mari nheiros, a "terra dos lençóis", em reconhecimento aos longos trechos de praias de areia que, do convés dos nav ios, pareciam a distância como len çóis. A etimologia do termo Brasil também pode ser questionada, dado o precedente medieval da mitológica ilha Brasyl e da associação do nome à brasa e, portanto, sua relação com a madeira tintorial vermelha (pau-brasil). Tamp ouco podem os afirmar se a madeira recebeu o nome devido à terra ou se a terra adotou o nome da madeira. 2 ordem econômica tambémentos desempenharam pa pel naConsiderações designação dosdehabitantes da terra. Docum do sé culo X Vum I algu mas vez es se referem aos habitantes indígenas com o "os brasis", ou "gente brasília" e, ocasionalmente n o século X VI I, o termo "brasileiro" era a eles 1
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" Gente do terra braz iliense da nasç ã o" . Pensando o Brasil: a c onstruç ã o de um pov o
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Já discuti esse problema em detalhe em Stuart B. Schwartz, "The Formation of a Colonial Identity in Brazil", em N. Canny & A. Pagden (orgs.), Colonial ldentity in the Atlantic World, 1500-1800 (Princeton: Princeton University Press, 1989), pp. 15-50. A questão da adoção do nome B rasil e sua preferência sobre o de Terra de Santa Cruz é discutida por Pero de Magalhães Gândavo, História da província Santa Cruz a que vulgarmente chama mos Brasil (Lisboa: Biblioteca Nacional, 1576).
aplicado, mas as referências ao status econômico e jurídico desses eram muito m ais populares. A ssim, os termos "negro da terra" e "índios" eram utilizados com mais freqüência do que qualquer outro para designar os indí genas enquanto verdadeiros habitantes da terra. Uma v ez que o nom e da terra se consolidou devido ao uso contínuo, a questão que surgia, aqui como no caso de outras novas "descobertas", não era como a terra e seus habitantes nativos deveriam ser chamados, m as o que deveria significar o u representar. No caso do Brasil, o significado foi, em grande m edida, prático e raramente ed ênico. 3 A s expectativas de encontrar riquezas em forma d e metais preciosos, manifestadas nas primeiras crônicas, como nos Diálogos das grandezas do Brasil (1618), e da possível vinculação do estabelecimento do governo geral na colônia em 1549 com a descoberta das minas de Potosí pelos espanhóis (1545), logo foram ultrapassadas por outras realidades econ ômicas. Tome de S ousa, o primeiro governador-geral do B rasil, havia manifestado expectativas de que o B rasil pudesse tornar-se " um outro Peru". De fato, no início do século X VI I, realizou-se uma tentativa para alcançar esse objetivo. Em 1608, p or insistência d o ex-governador Fran cisco de Sousa, as capitanias do Sul foram desmembradas visando a forma ção de uma colônia distinta. Francisco de Sousa havia de fato tentado convencer a coroa de que minas semelhantes às peruanas poderiam ser estabelecidas n o B rasil, utilizando, inclusive, "carneiros de carga" (llamas) para transportar a prata extraída. M as a sua visã o do B rasil enquanto u m Peru não era compartilhada por todos. O governador-geral na B ahia, Dio go de M eneses , contrariado pela diminuição de autoridade que o desmem bramento do Sul representava, escreveu à coroa: "crea-me V. M g. que as verdadeiras minas do Brasil são açúcar e pau-brasil de que V . M g. tem tanto proveito sem lhe custar de sua fazenda um só vintém".4 As declarações de Meneses colocam em relevo uma realidade. Apesar de comentários ocasionais que davam a entender que a proximidade entre o Brasil e o Peru prometia acesso à riqueza dos metais e apesar dos recorren tes rumores e expectativas, no final do século X V I, o açúcar dava à colônia
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Sérgio Buarque de Holanda, Visão do paraíso (Rio de Janeiro: José Olympio, 1959), deixa claro que ao contrário do Peru, que gerou fantasias utópicas de riqueza, as primeiras avaliações a respeito do B rasil estavam relativamente livres dessas definições. Francisco Adolfo de Varnhagen, História geral do Brasil (São Paulo: Melhoramentos, 1952), v o l . II, p. 146.
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um traço característico, e as exigências desse cultivo haviam estabelecido u m a base econô mica e social diferente para a colônia. A importação de afri canos em massa, do s quais a produção de açúcar dependia, eventualmente moldou a composição e a estrutura da sociedade, e o volume do comércio de açúcar deu ao Brasil a sua raison d'être. O açúcar também transformou o Brasil n a principal fonte de riqueza do Im pério português. Em 1624, quan do a notícia da conquista de Salvador pelos holandeses chegou a Lisboa, o governador de Portugal, o conde de Basto, escreveu ao rei em Madri a respeito da s implicações calamitosas q u e adviriam da poss ível perda d o Brasil: [...] porque o Brazil leva todo este reino trás de si, as rendas reais, porque sem Brazil, não há Angola, nem cabo Verde, nem o pau que dali se traz, nem alfândegas, nem consulado, nem portos secos, nem situação em que se paguem os tribunais, e minis tros e seus salários, nem meio de que possam viver, e dar vida a outros, a nobreza, as religiões, misericórdias e hospitais, qu e tinham nas alfândegas situados os seus juros e suas tenças. E assim foi este golpe o mais universal que podia padecer o rei, o público e os particulares [...]5 Esse reconhecimento do Brasil enquanto base econômica do sistema imperial português e seu caráter essencial, enquanto fonte de riqueza, data do início do século XVII e persiste até o final daquele século, quando o comércio de açúcar se torna menos lucrativo. Foi, é claro, uma visão que ressuscitou quando da descoberta do ouro. Ao chegarmos ao século XVIII, quando a riquezad a colônia brasileira havia se tornado a pedra-de-toque do império português, frei A ntônio do Rosário escreveu que o B rasil se tornara a "verdadeira índia e M ina de P ortugal", porque a "índia já não he índia". 6 Na Europa de então, uma vez que o Brasil havia adquirido seu status enquanto lugar de riqueza, real ou potencial, também com eçou a servir de lugar de fuga ou sede alternativa de império para os monarcas europeus de grandes amb ições ou esperanças limitadas. Parece nítido que durante a luta pela sucessão ao trono de Portugal, que se seguiu à morte de d. Sebastião, em 1578, d. Antônio, o Prior do Crato, chega a considerar a idéia de se estabelecer como rei no Brasil e esperava utilizar a colônia como base de suas futuras pretensões. A s cortes d a Europa que lhe ofereceram ajuda - o u, 5 6
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ACA, cx. 117, ff. 293-293v. Frei Antônio do Rosário, Frutas do Brasil numa nova e ascética monarquia consagrada à Santíssima Senhora do Rosário (Lisboa: Oficina de A ntônio Pedrozo Garlam, 1702), citado em Sérgio Buarque de Holanda, Visão do paraíso, cit., p. 79.
mais precisam ente, que queriam interferir n a aquisição do Império português pretendida po r Filipe II - também consideravam o Brasil com o u m a presa de valor. A po ssibilidade am bicionada pela França de ter uma base no Brasil quase certamente motivou o au xílio concedido por Catarina de Médicis a d. Antônio na década de 1580. Em Madri, rumores de que os holandeses estabeleceriam um descendente de d.de Antônio justificar invasão dea Pernambuco persistiram até a década 1620. Apara sugestão de sea transferir corte de L isboa para o B rasil, surgida durante o século X VI II, era reiterada ocasionalmente por membros da corte e conselheiros políticos. A chegada da corte em 1 808 foi, portanto, não apenas u m expediente imediatista, m as a realização de um projeto acalentado desde longa data e uma atitude que reconhecia o que o Brasil havia pa ssado a significar para a corte portugue sa . 7 M esm o em m eio a tais considerações po líticas, a questão do caráter dos habitantes do Brasil começa a emergir. Não bastava ser o soberano de u m a terra opulenta, a verdadeira grandeza exigia igualmente u m grande povo, e nesse aspecto o Brasil era considerado deficiente. No início do século XVIII, d. Luís da Cunha, conselheiro de d. João V , tentou superar o precon ceito contra os habitantes da colônia, mas até a sua defesa revelava o des peito com que eram tratados os nativos do B rasil: [...] pois nã o sabe como possa vir à cabeça de hum homem, qu e conserva toda a sua razão, propor que hum Rey de Portugal trocasse a sua residência da Europa pela América, cujos povos, sem falar da diferença do s climas, apenas tem os sentimentos de homens; ao qu e respondo, que as cidades do Brasil não são povoadas desta mizeravel gente, mas de muitos e bons portugueses qu e delia se servem, como em Lisboa nos servimos de negros [...]8 Ess e problema, o da terra sem um pov o digno de sua riqueza, prevale cdaqueles e u , durante século XVIII, na concepção de Brasil que povoava a mente que ogovernavam a colônia.
Apesar do reconhecimento do potencial econômico do Brasil, este era visto pela maioria dos portugueses como um lugar de exílio e perigo; um lugar para enriquecer o u progredir n a carreira, mas um lugar a ser evitado a qualquer custo. O irmão jesuíta Inácio B randão escreveu para seus irmãos 7
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As sugestões feitas por d. Luís da Cunha no sentido de se transferir a corte de Portugal para o Brasil estão em Visconde de Carnaxide, D. João V e o Brasil (Lisboa: Serviços Culturais da Câmara Municipal, 1952), pp. 53-5. "Instruções inéditas" de d. Luís da Cunha a Marco Antônio de Azevedo (Lisboa, 1929), p. 217.
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de ordem em P ortugal, "he certo que quem conhece Portugal e esperementa o B rasil com fundamentos pode dizer que deceu do ceu ao inferno e se Deu s destas terras o levar a com tas, me parece será inferno perpetuo [...]".' Fun cionários régios ficavam frustrados e exasperados pela a usência de respeito às leis por parte de seus habitantes. Dom ingos Álvares T eles Brandão escre veu de M inas Gerais, em 1736, que: [...] se possível for pondo em cada pau huma forca e em cada légua hum ministro porque so assim se sugeitarão de todo e se não obedientes porque de outra forma não he possível porque canalha semelhante não ha no mundo tod o, sendo a maior galhar dia dos donos das fazendas proteger ladrões e matadores de que utilizão em seu serviço, quizas porque elles forão e são da mesm a molde [...]10
O marquês de Lavradio notou que os ministros reais vinham ao B rasil com a única esperança de concluir o m andato para retornar e "gozar o d es canso de suas pátrias". Lavradio é, talvez, um caso que merece destaque. Nenhu m outro funcionário da coroa na colônia foi mais eficaz e men os apai xonado do que ele. L avradio achava a colônia quente, suja,escrita rude eem povoada por um excesso de negros. Num a carta ao conde de Prado, 1 768, comentava: "Este país o achei com pouco m ais adiantamento que aquele que lhe estabeleceu Pedro Álvares Cabral quando fez a descoberta desta con quista". Os habitantes da colônia e o meio físico desafiavam as concepções européias. Que tipo de comun idade podia existir onde tantos de seus habi tantes eram culturalmente diferentes, pagãos e escravos? N os cá lculos colo niais, e para os funcionários coloniais, o Brasil tinha u m a população mas não tinha um "povo". Inicialmente, nenhuma instituição representativa ou corte era permitida n a colônia, e o B rasil, por sua vez, não env iava representantes 11
às cortes quetradições eram convocadas Portugal. deDevido a uma variedade de mo tivos, as medieva isem portuguesas representação dos artesãos no governo m unicipal (o juiz do povo e a casa d e 24) nunca foram plenamen te instituídas na colônia. Mes mo dep ois da Restauração, em 1640, quando d. João IV autorizou a representação popular na Câmara da Ba hia, esta não 9
ANTT, Cartório dos Jesuítas, maço 70, n. 119. ANTT, Manuscritos do Brasil, 10, f. 12 lv. 1 ' Para um excelente estudo recente, ver Pedro Cardim, Cortes e cultura política no Portugal do antigo regime (Lisboa, 1998). 10
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funcionou muito bem nem chegou a durar muito tempo. R epresentantes do povo foram proibidos de presenciar algumas discussões dos vereadores e foram por eles acusados de provocar a agitação popular durante os protes tos da "Maneta", em 17 11. Em 1713, a posição d e juiz do pov o foi extinta e "ficava a Cidade Capital d o Estado d o Brasil igual amais humilde villa delle".12 O conceito de "povo" enqu anto terceiro estado na sociedade de ordens e na base de toda sociedade não chegou a se estabelecer na colônia. As referên cias mais antigas falam de "pessoas de menor condição", "moradores" e "povoadores", mas a idéia de um "povo", orgânica e constitucionalmente vinculado ao corpo da política e ao rei estava, em larga medida, ausente. 13 Esse era o problema central; as pessoas que poderiam ser chamadas de população indígena o u nativa d a colônia, aqu ele que poderia se r chamado de o povo brasileiro er a formado, essencialmente, pelas pessoas de origem m is ta , e não se confiava muito nelas nem na sua capacidade. Em 1602, quando membros da Ordem de São Bento propuseram admitir nov iços pertencentes à "gente da terra braziliense d e nasção", a iniciativa foi sumariamente rejeitada.14 O que interessa neste episódio é, em primeiro lugar, a desconfiança dos beneditinos nas habilidades dessa "gente", mas também o fato de que essas pessoas de origem m ista eram definidas pelo lugar e m q u e haviam nascido, no caso, o Brasil, e que esse lugar estava sendo utilizado como critério para defi nir sua etnicidade.15 Este é o primeiro momento, tanto quanto me é dado a entender, em que se considera o fato de se te r nascido no Brasil como elem en to que define a identidade e como elemento precursor d a nacionalidade. No próprio Brasil, desenvolveram-se percepções alternadas. O surgi mento d o nativismo na colônia tem sido detectado por vários autores.16 O s membros pertencentes à nobreza da terra se consideravam leais vassalos e 12
Toda a questão da representação dos artesãos no Brasil ainda merece investigação. Ver Maria
Helena Flexor, Oficiais do Salvador PMS,and1974); Bernstein, Portuguese Tribune(Salvador: The Lord Mayormecânicos ofLisbon.naT he cidade ofthe People his 24Harry Guilds (Nova York: University Press of America, 1989). 13 Ver a discussão em Evaldo Cabral de Mello, Rubro veio. O imaginário da Restauração pernambucana (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986), pp. 158-9; Stuart B. Schwartz, Segredos internos (São Paulo: Companhia das Letras, 1988), pp. 209-23. 14 "Leis acresentadas da Junta do Pombeiro" (20 agosto 1603), MSSB, pasta 28. 15 Aqui, falo em etnicidade em vez de nacionalidade, porque no século XVII, o termo "nação" ainda era utilizado enquanto denominador de um certo grupo, tal como a "nação cristão no vo" ou "de nação Angola". 16 Evaldo Cabral de Mello, Rubro veio. O imaginário da Restauração pernambucana, cit.; Stuart B. Schwartz, "The Formation of a Colonial Identity in Brazil", em N. Canny & A. Padgen (orgs.), Colonial Identity in the Atlantic World, 1500-1800, cit., pp. 15-50.
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também pensavam constituir a verdadeira população. M as o Brasil sempre teve significados diferentes em momentos diferentes para pessoas diferentes. Isto é um a maneira de dizer q u e as divisões sociais e culturais que caracteri zaram a sociedade brasileira tinham influência profunda em co mo o s brasilei ros se percebiam e como eles começaram a pensar a respeito de seu país
te , uma colônia independente (162 1-17 77) com seu governador e seu bispo reportando diretamente a Lisboa, em vez de Salvador. Em meados do sécu lo XVIII, sob Francisco Xavier Mendonça Furtado, o meio-irmão do mar quês de Pom bal, se tornou um vice-reinado virtualmente separado; isolado, distante do resto do Brasil e mais próximo de Lisboa d e navio do que do Rio
dentroque do ocontexto E ssadedivisão social das formas de percepção faz com métodocolonial. tradicional abordagem desse tópico, o exame dos escritos de um grupo limitado de intelectuais, seja um processo falho. L iga dos às elites colon iais brancas e vinculados po r laços fam iliares e de interesse a Portugal, esses intelectuais eram os menos aptos a desenvolver uma noção da diferença. E sses sentimentos provavelmente se alastraram m ais rapida mente entre os mestiços, os mamelucos e os pardos, que se sentiam pouco ligados a Portugal e os quais, no final do período colonial, constituíam cerca de 4 0 % da população da colônia. Infelizmente, dado que esse segmento da popula ção era, em grande parte, analfabeto, é difícil recapturar a percepção que tinham de si mesm os e do B rasil que viviam.
de Janeiro. Ali, a população era rarefeita, o número de europeus fora de Belém ou São Luís muito pequeno, e a maioria de seus habitantes era de pessoas indígenas ou cabo clas, de origem mista. As capitanias do Sul também haviam sido tratadas como uma região separada e, embora as tentativas formais de se criar um governo à parte, do Rio de Janeiro para o sul, tivessem fracassado (1573-1578,1608-1612), os governadores residentes na Bahia tinham pouco controle sobre o Sul. São Paulo permaneceu uma área rústica até bem avançado o século X VI II. A té essa época, tal como o estado do Maranhão, a população de origem euro péia era pequena, havia pou cos escravos africanos, grande quantidade de índios e uma grande proporção de pessoas de origem mista, mamelucos e
É preciso considerar, também, a dimensão desse ppor rocesso. O Brasil não era, em realidade, apenas um, masgeográfica era constituído uma série de colônias. Os ingleses tinham razão quando falavam, nos séculos XV II e XVIII, dos "Brasis", pois havia de fato mais de uma colônia. Na costa entre Pernambuco e Rio de Janeiro, onde haviam sido criadas colônias de exportação, o estabelecimento de colono s europeus era intenso, as institui ções reais e o governo local estavam presentes, e uma imensa massa de população servil importada constituía a principal força de trabalho. Nessas áreas, os m odelos culturais e os estilos europeus predominavam. Em m ea dos do século XVII, essas áreas pretendiam ser uma réplica da Europa. Co nventos se estabeleceram, corpos de administradores, eclesiásticos e ju diciais, operavam regularmente, e uma grande porcentagem das elites locais ainda er a nascida na Europa o u estava estreitamente vinculada, po r interesse e experiência, a Portugal. A promoção desses vínculos fazia parte da política colonial portuguesa, que visava limitar o poder do governador-geral e dos vice-reis, incentivava a correspondência entre cada capitania e a metrópole, proibia o estabelecimento de um a universidade na colônia e geralmente agia para coibir o desenvolvimento da unidade colonial. N o interior e nas periferias da colônia, a com posição da sociedade e a estrutura de governo eram diferentes, ou, pelo menos, a cronologia separava essas regiões do resto do Brasil. O estado do M aranhão era, essencialmen-
mestiços. Embora nasa duas regiõesdestes a adoção da cultura e damão-de-obra língua dos índios fosse comum, exploração enquanto fonte de era intensa, apesar do fato de que nessas fronteiras a presença de missioná rios se dava numa escala que já havia desaparecido nas zonas de exportação. Essa s periferias desenvolveram uma reputação de obstinada independência e eram chamadas, às vezes, de as "L a Rochelle" do Brasil. A organização social variava, então, conforme a época e o lugar, assim com o variava o núm ero relativo de europeus, africanos e pessoa s indígenas de origens diversas. Isso tinha um efeito particular na posição social das pessoas de origem m ista. A mudança n o status do s mestiços e dos mam elucos ocorreu devido à mudança n o relacionamento entre portugueses e índios, e devido às transformações ocorridas dentro da própria sociedade do colonial. Na medida em que a ameaça dos índios diminuiu, a importância papel desempenhado pelos m estiços, enquanto mediadores e tradutores, também diminuiu nas áreas mais povoa das das capitanias do litoral. N estas, o status dos mestiços declinou. Nos lugares onde uma economia vibrante, baseada no açúcar, na mineração e no cultivo do algodão se desenvolveu, e onde o fluxo constante de imigrantes europeus, a grande corrente de imigrantes for çados africanos, e o eventual desenvolvimento de instituições européias civis e religiosas, assim com o a reprodução de hierarquias sociais baseadas em padrões europeus se consolidou, o papel desempenhado pelos mes tiços tendia
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a permanecer cada vez m ais reduzido. Na medida em que continuavam a ser reconhecidos co mo diferentes dos escravos africanos ou dos negros, havia, não obstante, uma tendência a outorgar um status comum a todas as pesso as de origem mista. Além disso, os m estiços passaram a ser, cada vez mais, separados e diferenciados da sociedade branca. Essa mudança constituiu um segundo estágio no processo de integração dos mestiços à sociedade colonial. O p rocesso de mudança torna-se evidente a partir das avaliações feitas sobre o caráter destes. E mbora seja fácil detectar comentários negativos a respeito dos índios durante o século XVI, esse tipo de atitude não era co mum quando se tratava dos mest iços. Essa situação começou a mudar. Nas regulamentações emitidas pelo Mosteiro de São Bento na Bahia, a Ordem decidiu "que não se tome e recebão para Religiosos pessoa que tenha raça de mestiço nem outros que não forem de gente nobre ou de que se espera poder resultar sua entrada em proveito". 17 No século XVIII, esse tipo de avaliação negativa se tornou comum. Um funcionário colonial escreveu no Ceará, 1724, que mamelucos são a pior castamais de gente todo às o Brasil".em de "os transição na avaliação se tornou nítidodegraças O processo ações do Senado da Câmara de Natal, no Rio Grande do Norte, em 1723. A câmara tentou proibir os m estiços de ocuparem o cargo de vereador, tal como haviam feito no passado, porque "o número de brancos aumentou, tornando esse serviço, da parte de gente pouco confiável, desnecessário, posto que a experiência tem mostrado que eles são menos capazes d evido à inferioridade de suas pessoas e a sua natural inclinação à perturbação e sublevação da república".18 O precon ceito contra as pessoas de origem mista se tornou cada vez mais agudo durante o século X VI II. Quando se sugeriu à Câmara de Salvador que se formassem com panhias de índios, cabras e ne gros no sertão, de coibir oocontrabando, a câmara deu que pessoascom dessea finalidade tipo "abandonariam com boio em troca de umrespon barril de aguardente". Quem quer que tenha sugerido uma idéia desse tipo "no conhece a calidade d essa gente em quem por natureza se unio a inconstância e o interesse".19
Em M inas G erais, Pernambuco e outras partes do Brasil, as pessoas de origem m ista, e até as pessoas brancas casadas com elas, eram excluídas do governo m unicipal, das irmandades leigas, do clero, de certos comércios e profissões. A leve suspeita de antecedentes dessa natureza era suficiente para garantir a desqualificação. A eleição de um certo homem para a Câma ra de Cachoeira, na Bahia, foi contestada em 1748 porque "ele era um ho mem cuja qualidade de sangue ainda er a desconhecida", e isso a despeito do fato de que tinha diploma universitário.20 Freqüentemente, a força primária por trás dessas medidas era dirigida contra os m ulatos, mais do que contra os mestiços, mas ao entrar o século XVIII, todas as pessoas de cor eram cada vez mais identificadas com o iguais, em termos de suas características negativas. O conde de Sabugosa, governador de Minas Gerais, reclamava, em 1720, dos crimes cometidos constantemente pelos "bastardos (mesti ç o s ) , carijós (índios), m ulatos e negros", dessa forma transformando todas essas categorias em p essoas igualmente repreensíveis.21 No início do século XVIII, o caráter da população brasileira havia se tornado nítido. U m terço da população era formado por escravos, a m aior parte dos qu ais haviam nascido na África. E stes não eram considerados en quanto parte da república, de qualquer maneira, mas eram vistos co mo uma força de trabalho necessária, inimigos internos e uma am eaça em p otencial. Talvez 40% da população, as pessoas comuns, fosse formada por pessoas de origem mista, a quem se depreciava e das quais se desconfiava, e até por aqueles brancos que não tinham acesso ao status de elite e caíam na catego ria dos mecânicos. Estes últimos eram considerados brancos apenas por padrões ditos brasileiros. Lavradio escreveu em 1768, "foi-me grandíssimo trabalho o descobrir algum branco, isto é, que verdadeiramente o fosse, por que os [que] lá chamam branco, passam entre nós com muito favor por mulatos". 22 Embora já por essa época tivessem começado a emergir um discurso e um sentimento nativista entre as elites coloniais, a nobreza da 20
21 22 17
Mosteiro de São Bento (Salvador), "Leis acresentadas da Junta do Pombeiro" (1602), pasta 28. AHU, Rio Grande do Norte, papel avulso, caixa 3 (24 março 1724). 19 ACMS, Correspondência, 124.7, f. 90v.
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A C C , 1-1-36, ff. 82-3 ("Licenciado Antônio Pereira Porto por ser indigno de semelhante emprego porque [...] he um homem cuya qualidade de sangre ainda se não sabia por não haver conhecimento delle, e alem desto he de exercício mecânico porque vive de curar feridas"). APB, Ordens regias 27, n. 27 (24 fev. 1730). Marquês de Lavradio, Cartas da Bahia, 1768-1769 (Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1972), p. 34 , citado em Maria Beatriz Nizza da Silva (org.), O Império luso-brasileiro, 1750-1822 (Lis boa: Estamp a, 1986), p. 224; J. Serrão e A . H. Oliveira Marques (orgs.) v. viii, Nova história da expansão portuguesa (Lisboa: Estampa, 1986), 3 volumes publicados até a presente data.
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terra, a vasta maioria da população era considerada por essa elite e pelo regime colonial como desmerecedora de seu status enquanto povo da colô nia. No início do século XVIII, o Brasil havia-se tomado a jóia d a coroa do império português, fato reconhecido pela criação do título de "Príncipe do Brasil" dado ao herdeiro do trono. Havia motivos de sobra que obrigavam a coroa a se preocupar com sua colônia. Sua riqueza, a distância "d a cabeça e do coração da monarquia", e a "pouca sujeição e obediência" de seus habi tantes eram todos motivos de preocupação, mas além disso havia uma pro funda desconfiança para com a maioria d a população. 23 J á e r a suficientemente ruim q u e um grande contingente de escravos mi nasse a estabilidade da colônia, m as o número crescente de pesso as de an tecedentes mistos também ocupava a atenção dos administradores coloniais. M enciono aqui apenas um único incidente, que merece mais atenção do que aqui lhe podemo s dedicar, mas representativo da reação nervosa do gover no colonial face à instabilidade potencial d a população brasileira. Em 1733, o conde de S abugosa, governador da Bahia, relatou à coroa que, em Alagoas, u m estranho jovem que se autodenominava "o Sereníssimo Príncipe do B rasil", havia causado tumulto no interior. M uitas pessoas ha viam aderido à sua causa:
[...] que muitos o Reconhecião e veneravão pelo império e soberania com que se
tratava passando a sua barbaridade e locura ao excesso de fazerem com elle grossas despezas, não só por aquella rezão, senão também pelas mercês qu e fez a muitos o titulo de Condes e M arquezes [...]24
Po r trás desse jovem aventureiro havia um padre de intenções duvido s a s , um certo Eusébio Dias Lassos, conhecido como o homem que havia reduzido os índios orizes à autoridade colonial, mas que também ganhara fama indisputável de arruaceiro.25
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Consulta de Conselho Ultramarino (1716 ), citado em José Antônio Gonsalves de Mello, "Nob res e mascates na Câmara do Recife, 1713-1738", em Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, n. 53, p. 141. Conde de Sabugosa ao rei (Bahia, 5 d e julho de 1733), APB, ordens regias 29,141. [José Freire de Montarroio Mascarenhas], Os Orizes conquistados ou noticia da conversam do s indomnitos Orizes Procazes (Lisboa, 1716). Diziam que Dias L assos havia outorgado uma falsa patente de coronel da Capitania de Sergipe a seu tio Manuel Curvelho.
Havia já notícia de que esse "Príncipe do Brasil" criara distúrbios simi lares na Paraíba, e o governo estava ficando p reocupado com iss o: com tais quimeras e demonstrações que consiguio da barbaridade e cegueira de muytos moradores delia ser reconhecido e servido, e tratado com tal grande discomodo de suas pessoas e prejuizo da sua fazenda ambisiosos das honras e mercês com que lhes prometia Remunerar aquelle obséquio a seu tempo [...]26
Inicialmente, o governo se sentiu mais chocado do que ameaçado pelo incidente. Mas, quando se tornou aparente que um número significativo de pessoas poderosas e bem relacionadas o haviam apoiado, uma preocupação política com eçou a se delinear. A coroa desejava descobrir se o jovem aven tureiro e ra português, de onde ele era, se havia estado em algum "reino estran geiro", e quem o havia convencido a ir para o B rasil. E m outubro de 1733, a preocupação com o incidente era tamanha que o conde de Sabugosa havia escrito para os governadores do Rio de Janeiro, São P aulo e M inas Gerais, alertando-os da possível chegada desse príncipe, e que o governador de Pernambuco havia tomado providências para prendê-lo. A partir desse ponto, o "Príncipe do Brasil" passou para a história, mas o que ele representou para aqueles que o seguiram e que alternativa para o Brasil ele projetava eram motivo de preocupação para as autoridades da época e provocam nosso interesse no presente. Quando ele passou pela região de Garanhuns, no sul de Pernambuco, ampliou seu elenco de seguido r e s , entre os quais havia "muitos negros, mulatos, mamalucos, e outros vadios criminozos e os índios das Aldeaas do Palmar". Era este um movimento no sertão do sul de P ernambuco que havia unido os ricos e poderosos, cria do conde s e m arqueses, assim com o a "plebe", em clara oposição à sobera nia do rei de Portugal. Conhecemos pouco a respeito do programa, mas a criação de alternativas políticas e sociais, especialmente do tipo que poderi am unir classes nitidamente op ostas, era considerada um perigo verdadeiro. O conde d e Sab ugosa havia ordenado: "o siga ate com effeito o prender em outra qualquer parte porque convém m uito ao sossego deste estado que seja
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Conde de Sabugosa ao ouvidor de Alagoas, João Gomes Ayala (Bahia, 10 de agosto de 1734), A P B , Ordens regias 153, ff. 11-2. O governador de Pernambuco, Duarte S odré Pereira, emitiu a ordem de prisão em A lagoas de "um peralvilho que dava a entender ser príncipe"; AUC , coleção Conde de Arcos, códice 3 2, ff. 47 8v-479. Agradeço a Evaldo C abral de Mello por esta referência.
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rigorosamente castigado o atrevimento deste aventureiro e de todos os que barbara e imprudentemente o seguem [,..]". 27 O caso do "Príncipe do Brasil" revela uma crescente desconfiança a respeito da gente comum na cabeça dos administradores coloniais. Vemos com o negros, mulatos, mamelucos e vadios haviam se tornado termos equi valentes para falara dereputação uma população problemática. O s habitantes do Brasil haviam adquirido de viverem sob liberdade descontrolada, com excessiva mobilidade, qualidades potenciais para causar problemas, além de demonstrarem relutância no serviço ao rei.28 Tentativas para controlar essa população tiveram escasso sucesso. Por exemplo, nas décadas de 1750 e 1760 o esforço dos governos para obrigar os ciganos, vadios e outros ele mentos instáveis das populações do sertão a fixar residência não obteve o resultado esperado.29 O s administradores coloniais tampouco podiam c on ta r co m a população para prestar o serviço militar voluntariamente. O rei se queixava, em 1726: "é incrível a repugnância que tem o s filhos d o Brasil a ocupação e exercício de soldados, sem nenhua outra cousa mais q ue adeverem 30
quartada a grande liberdade com que . Reclamações foram feitas durante todo o século pelosvivem" governadores, que viamsemelhantes os habitan 31 tes do Brasil como crianças desobedientes e irresponsáveis. O que talvez causasse mais irritação às autoridades metropolitanas era a insubordinação das pessoas de con dição mais baixa. Vários observadores notaram essa atitude, mas a visão mais enfática a esse respeito talvez tenha sido a do inglês Thomas Lindely, conforme atestou em 1805: É chocante ver quãopoucasubordinação à hierarquia é conhecida neste país: a França, no auge de sua revolução e estado de cidadania jamais chegou a esse ponto, nesse aspecto. Aqui pode-se ver o criado branco conversando com seu senhor de igual para igual e, de forma amigável, discutir suas ordens, e tergiversar no cumprimento delas,
se forem contrárias à sua opinião - o qu e é bem aceito pelo senhor, que freqüentemente consente. O sistema não fica nisso; mas essa atitude se estende aos m ulatos e até aos negros [...]32
Pou co se esperava dessa popu lação tão insubordinada, e essa descon fiança se refletia na transformação do terceiro estado, que de "povo" passa a ser "plebe" no discurso da época. Se durante o século X VI , a representação do "povo" era freqüentemente positiva e a posição política do terceiro esta do era codificada por m eio de sua participação nas cortes e reconhecida em expressões tais como a "câmara e povo", no século XVIII o termo "plebe" come çou a aparecer cada vez mais enquanto d escrição pejorativa da popu lação brasileira. Em bora o termo "plebeu" tivesse raízes clás sicas, raramente havia sido utilizado no século X V I. A utores como Fernão Lopes preferiam falar do "comum povo livre e não sujeito" ou, quando se tratava dos m ais miseráveis, da "arraia-miúda". No século XVIII, entretanto, o termo "plebe" começou a ser utilizado com mais freqüência, geralmente de forma pejorati va.33 O conceito de "plebe", com as conotações negativas que tinha para os portugueses e brasileiros das classes superiores, foi exacerbado no contexto colonial, on de a m aioria da população era não apenas pobre, mas formada por negros, mulatos e mes tiços. Es ses eram, precisamente, os termos utiliza dos pelo governador da Bahia para descrever as cond ições que ele tentava controlar em 1765, ao limitar os festejos de rua da Irmandade do Espírito Santo. Durante os preparativos para a festa do Espírito Santo, os membros da irmandade costumavam sair às ruas fantasiados, cantando e pedindo d i nheiro sob a direção de um "imperador".34 O governador tentou limitar as atividades da irmandade aos dom ingos e dias santos "por não andarem tanta
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Conde de S abugosa ao rei (Bahia, 2 de outubro de 1733), A P B , ordens regias 29 , n. 148 .0 jovem foi preso e enviado a Portugal. O padre Dias Lassos escapou. 28 Sobre a questão de se considerar a vadiagem equivalente aos mulatos e outras pessoas de cor em Minas Gerais, ver Laura de Mello e Souza, O s desclassificados do ouro, cit. 29 Sobre "sítios volantes", ver o rei ao conde de Azambuja (junho de 1766), BNRJ, 33,25,32. Sobre os ciganos, ver APB , Ordens regias 59, ff. 122-123; Cartas do S enado 132 (5 de julho de 1755). 30 O rei a Vasco Fernandes César de Meneses (18 de março de 1726), A P B , Ordens regias 30, n. 37. 3 ' Governador da Bahia Manuel da Cunha Meneses a Martinho de Melo e Castro (16 de outubro de 1775) em ABNRJ, 32 (1910), 319. Cf. governador da Bahia ao Conselho Ultramarino (25 de setembro de 1761), IHGB, Arquivo 1.1.19.
33 34
Thomas Lindley, Narrative of a Voyage to Brazil (Lisboa: J. Johnson, 1805), pp. 68-69. O viajante francês Froger fez uma observação semelhante em 1698, quando afirmou que "a gente comum é insolente ao extremo"; cf. A Relation ofa Voyage Made in the Years 1 6 9 5 , 1696,1697 on the coasts of África (Londres: M. Gillyflower, 1698). Comparem-se esses comentários com aqueles de 1798, citados por Affonso Ruy: "As filhas do país têm um timbre tal que a filha do homem mais pobre, do mais abjecto, a mais desamparada mulatinha forra, com mais facilidade irão para o patíbulo de que servir ainda um a Duquesa, se na terra houvesse". Ver Affonso R uy, A primeira revolução social brasileira, 1798 (Salvador, 1951), p. 43. O autor deseja agradecer à m edievalista Rita Gomes pelas suas sugestões a este respeito. Officio do governo interino para o conde de Oeiras (1765), AB NR J, 32 (1910), 97. Isto também pode ser visto em IHGB, Arquivo 1.1.19, ff. 169v-174.
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gente com o vadia a semana inteira". Mas o governo estava mais preocupado com o fato de que apenas um quarto da população da cidade era branca, e que a "mais baixa plebe da Bahia é composta por mulatos insolentes e ne gros brutos" que, sob os efeitos do vinho e sob a direção de seu "Impera dor", causavam desordens contínuas. E le lembrou ao ministro colonial em Lisboa que "a plebe é formada pelos hom ens brancos criados no temor e no respeito às leis e à cristandade", mas na Bahia esse não era o caso. Aqui vemos claramente a maneira com o a raça havia exacerbado as d istinções de classe. Essa interseção entre raça e posição social pode ser vista com mais nitidez ainda nos trabalhos de um dos autores mais curiosos do século X VI II. O frade carmelita Domingos de Loreto Couto enviou, em 1757, ao então conde de O eiras (posteriormente marquês de Pom bal), o manuscrito de um trabalho extraordinário chamado Desagrados do Brasil e glórias de Pernambuco?5 Esse trabalho de "nacionalismo crioulo" é essen cialmente uma defesa do caráter, das virtudes e contribuições dos pernambucanos, enquanto súditos leais da coroa. Embora o autor compartilhasse dos pre conceitos e das pressuposições raciais de sua classe, o que chama a atenção é o fato de que Loreto Couto elogia não apenas os membros da elite colonial mas também índios, negros, pardos e até mulheres. Na discussão a respeito da "plebe", vemos como as concepções clás sicas sobre a gente comu m são alteradas devido à situação colonial. Toman do com o referência Platão, Cipião e Catão, Loreto Couto percebe as pessoas comuns como o "corpo" da república, enquanto a nobreza é sua alma, e adverte que a plebe era, por natureza, imóvel, m as capaz de ser mobilizada pelos ventos, assim com o num rebanho de ovelhas, na carneirada, o animal sozinho não obedece a nenhuma delas, mas juntas, seguem o pastor. Depois, ele se debruça sobre o problema colon ial: Não é fácil determinar nestas Províncias quaes sejão os homens da P lebe; porque todo aquelle que he branco na cor, entende estar fora da esfera vulgar. Na sua opinião o mesmo he ser alvo, que ser nobre, nem porque exercitam officios mecânicos perdem esta presumpção [...] O vulgo da cor parda, com o immoderado desejo das honras de que o priva não tanto o accidente, como a substancia, mal se accomoda com as 35
" G e n t e da te rra bra zilie ns e d a n a s ç ã o " . Pe ns a ndo o Brasil: a co ns tru ção d e u m po v o
StuartB.Schworb
Domingos Loreto Couto, Desagravos do Brasil e glórias de Pernambuco, José Antônio Gonsalves de Mello, ed. (Recife: Fundação de Cultura Cidade do R ecife, 1981). Ver também José A ntônio Gonsalves de Mello, Estudos pernambucanos: crítica e problemas de algumas ontes da história de Pernambuco (Recife: Fundarpe, Diretoria de Assuntos Culturais, 1986), pp. 195-224.
diferenças. O da cor preta tanto que se vê com a liberdade, cuida que nada mais lhe falta para ser como os b rancos.36
Embora Loreto Couto reconheça que os pardos e os pretos poderiam realizar contribuições positivas ao corpo social da colônia, sua visão da gen te comum é uma daquelas em que as divisões de raça e, por implicação, de escravidão comp licam a definição do que constituiria o vulgo ou a plebe. E sse tipo de percepção encontra expressão em termos muito mais ne gativos no final do século, conforme atestam as afirmações de Luís dos S an tos Vilhena em suas Notícias soteropolitanas (1798).37 Português de nascimento, m as vivendo há muito na colônia, sua visão de Brasil combina um certo orgulho e expectativa de grandeza, levando em consideração o potencial geográfico do país, e de desespero e frustração com sua situação social. Apesar da infertilidade de boa parte dos solos, o potencial para se sustentar uma grande população era imenso. Santos argumenta: se Portugal com a falta de população que todos lhe conhecem, inclui em si três setecentos mil e tantos habitantes; rasil descoberto aqueles obstácu lmilhões, o s , olhando propo rcionalmente, ficaria como Bquarenta milhões sem de habitantes tão po voado como Portugal se acha com os que de presente tem. 38
Aqu i estava um país de terras extensas, rios grandiosos, "imensas ma e riquezas m inerais, o potencial para estabelecer "um poderoso e rico império" e, segundo S antos Vilhena, "uma colônia que possa competir com as melhores que se conheçam em qualquer parte do mundo". Como era, então, se perguntava Santos Vilhena, que "um país extensíssimo, fecundo por natureza, e riquíssimo, é habitado por colonos, poucos em número, a maior parte pobres, e muitos deles famintos?". Faltava ao Brasil um "povo", e a explicação para esse estado de coisas era a escravidão e seus efeitos. Excetuando os senhores de engenh o, alguns poucos comerciantes e lavrado res, o resto da população era "ignorante e semibárbara". Era "uma congretas"
36 37
38
Loreto Couto, Desagravos..., cit., pp. 226-227. Utilizei a edição de Braz do Amaral, A Bahia no século XVIII, 3 vols. (Salvador: Itapuã, 1969). Sobre Santos Vilhena ver, também, Leopoldo Jobim, Ideologia e colonialismo (Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1985); Carlos Guilherme Mota, Atitudes de inovação no Brasil, 17891801 (Lisboa: Livros Horizonte, 1967). /^\~ &Q^ Santos Vilhena, "Carta 24", em A Bahia..., cit., p. 910. /^ ** £
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S tu a rtB . S ch wa rtz
A sociedade política compõem -se de proprietários, e dos que não o são; aqueles são infinitamente m enos em núm ero, do que estes; o que é sabido. Pretende o proprietário comprar pelo menor preço possível, o único do não proprietário, ou jornaleiro, como é seu trabalho; êle porém se esforça pelo vender pelo mais que pode, e neste litígio sucumbe de ordinário o contendor mais débil, apesar de maior em núm ero.39
N o Brasil, as grandes extensões de terra subutilizadas, os morgados, e arranjos similares haviam criado uma população sem terra e coibiam o surgimento de famílias co m base econôm ica sólida, o que inibia o crescimen to da população. "É axioma inegável, que sem homens não há sociedade, e sem meios de subsistência não pode haver homens [...]" Mas, enquanto na Europa o trabalhador se dispunha a trabalhar em troca de seu sustento, em "as nossas colônias do Brasil", isso não acontecia, e até a distribuição de terras não resolveria o problema en quanto existisse a escravidão. Só a elimi nação, de uma vez por todas, dos escravos da população convenceria a gente comum do erro de acreditarem que "cavar e lavar é só da repartição daqueles miseráveis [escravos]". Santos Vilhena se opunha à escravidão não pelo que tinha feito com os escravos, mas por causa do que havia feito com o "povo", e ele expressava pouca simpatia por aqueles descendentes de escravos que hav iam se juntad o às fileiras da população livre. Co mo o utros de sua classe, ele detestava os mulatos e crioulos qu e se recusavam a respei tar o s brancos, e os mu latos ricos que desejavam ser fidalgos.40 Santos Vilhena, no seu papel de brilhante colonialista, imaginava um Brasil de grandes potencialidades, ao qual o legado da escravidão havia privado de um po vo e lhe legara uma plebe. Como então o Brasil finalmente chegou a ter um "povo"? A pergunta ainda merece ser estudada, mas parece ter sido uma questão de autocriação e autodefinição, em grande m edida. As lições e o vocabulário da Ilustração e 39
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gação de pobres", que havia se convencido de que a agricultura era "traba lho de negr os" e que se negava a cultivar a terra ou praticar outros ofícios. Na formulação clássica, Santos Vilhena acreditava que a solução para o problema estava na terra. "Quem gera o cidadão é a propriedade." Muito antes do que Marx, ele escreveu:
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" G e nte da te rra bra zilie ns e da na s ção " . Pe ns a ndo o Brasil: a co ns tru ção de u m po v o
Santos Vilhena, A Bahia, cit., p. 919. Ver também Carlos Guilherme Mota, op. cit. Santos Vilhena, A Bahia, cit., vol. 1, pp. 46, 53.
da Revolução Francesa não desapareceram entre alguns setores da popula ção colonial. Vários membr os da sociedade colonial começaram a reivindi car o lugar de "filhos da terra" e a constituir o "povo " do Brasil, mas agora sob a influência da Revolução Francesa, com u m novo significado inclus ive Nesse aspecto, os autos da devassa do fracassado movimento de 1794 no Rio de Janeiro são instrutivos. Tomemos por exemplo o depoimento do j o
vem carioca Mariano José P ereira, um bacharel de Coim bra que alegava ter sido preso exclusivamente devido à animosidade de um certo frei R aimundo "porquan to este era inimigo dos brasileiros; de sorte que constava haver dito ao atual vice-rei deste estado que se não receasse dos franceses, mais sim dos filhos do Brasil [...]". 4! Os jovens que participaram desse movimento começav am a se considerar brasileiros e a conceber um Brasil de outro tipo. A s discussões de Silva Alvareng a e outros ampliaram o foco das atenções a respeito da forma repub licana de governo e a rejeição dos ditames da Igreja e do Estado, para o bem do povo. O artesão Inácio do Amaral havia dito: "que matar aos reis não era pecado, pois que eles recebiam o poder dos povos e que o rei que era tirano devia padecer na forca assim como outro 42 qualquer na malfeitor, príncipes,e oatropelavam que desejavam era[...]". pôr as carapuas cabeça e ,porque depoisenquanto de reis, flagelavam o povo Essas idéias produziram um esquema utópico que, no ano de 2440, resulta ria na formação de duas grandes repúblicas americanas, uma no Norte e outra no S ul, nas quais os direitos dos homens seriam respeitados. Isso eram sonhos, diziam os procuradores reais, que se baseavam na "quimérica igual dade dos homens", e representavam "o ódio da nobreza do estado monacal".43 Alguns dos envolvidos também foram capazes de pensar um Brasil sem escravos. Manuel José Novais de Almeida havia escrito pedindo que libertassem seus escravos n o Brasil, "e servi-vos com gente forra e livre, terei menos inimigos; porque entre cristãos, não parece bem aos olhos da boa
filosofia, que haja cristãos cativos". M a s , enquanto os conspiradores do Rio de Janeiro pertenciam, na sua maioria, às elites coloniais, quatro anos depois, na Bahia, uma conspiração 41
42 43
Autos da devassa -prisão dos letrados do Rio de Janeiro, 1794 (Niterói: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1994), p . 1 5 7 . Outros depoimentos revelaram que a animosidade de frei Raimundo se baseava em sua crença de que os brasileiros eram ultramontanos e apoiavam a autoridade do Papa sobre a da coroa; ibid., pp. 160-1. Ibid., p. 53. Ibid, pp. 117-9, 183. Auto de perguntas feitas ao preso Jacinto José da Silva.
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S t u a r t B. S c h w a r t z
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de artesãos e escravos, brancos, pardos e negros também formulou idéias semelhantes. Também eles podiam imaginar um Brasil diferente; um no qual a escravidão seria abolida, os portos abertos, as distinções de cor eliminadas, e a igualdade de hierarquia e de oportunidade estabelecida. C omo afirmava um de seus pasquins: "Animai-vos Povo bahinense que está para chegar o tempo feliz da nossa Liberdade: o tempo em que todos seremos irmãos; o
Bibliogra fia selecion ada
tempodo emPoque seremos iguais". Para Essaseles, declarações forambrasileiros feitas em nome vo Btodos ahinense Republicano. e para muitos do início do século X IX , não havia dúvida de que o Brasil tinha um povo. O papel que este desempenharia na formação da nova nação e co mo superaria o fardo da escravidão e das definições raciais são questões que ainda mere cem ser determinadas.
Gonsalves Recife: Fundação de Cultura C idade do Recife,Salvador: 1981. PM S, 1974. FLEXOR, Maria (ed.). Helena. Oficiais mecânicos na cidade do Salvador. GODINHO, Vitorino Magalhães. A estrutura na antiga sociedade portuguesa. Lisboa: A rcádia, 1971. Hnx , Cristopher. "Os pobres e o povo na Inglaterra do século XVI I", em KRANTZ, F. (Ed.).
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Couro, Dom ingos de Loreto. Desagravos do Brasil e glórias de Pernambuco. José Antônio
44
Abreviaturas AC A - Arquivo da Casa de Alba (Madri) AC C - Arquivo da Câmara de Cachoeira (Bahia) AC MS - Arquivo da Câmara Municipal de Salvador AH U - Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa) AN RJ - Arquivo Nacional (Rio de Janeiro) AN TT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa) AP B - A rquivo Público do Estado da Bahia AU C - Arquivo da Universidade de Coimbra BN RJ - Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro IHG B - In stituto Histórico e Geográfico B rasileiro MS SB - Mosteiro de São Bento (Salvador)
44
A outra história: ideologia e protesto popularnos séculosXVIIa XIX.Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1990. MELLO, Evaldo C abral de. Rubro veio. O imaginário da restauração pernambucana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. MOTA, Carlos Guilherme. Atitudes de inovação no Brasil, 1789-1801. Lisboa: Livros Horizonte, 1967. SCHWARTZ, Stuart B. "Th e Formation of a Colonial Identity in Brazil", em CANNY, Nicholas & PAGDEN, Anthony. Colonial Identity in the Atlantic World 1500-1800. Princeton: Princeton
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Itapuã, 1969.
Os relatos clássicos estão em Affonso Ruy, A primeira revolução social brasileira, 1798, cit.; Katia M. de Queirós Mattoso, Presença francesa no movimento democrático baiano de 1798 (Salvador: Itapuã, 1969); Luís Henrique Dias Tavares, História da sedição intentada na Bahia em 1798: a conspiração dos alfaiates (São Paulo: P ioneira, 1975); e, mais recentemente, István Jancsó, Na Bahia, contra o império: história do ensaio de sedição de 1798 (São Paulo/Bahia: Hucitec/EDUFBA, 1996).
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Peças d e u m mosaico (o u apontamentos para o estudo
da em ergência da identidade nacional brasileira) István Jancsó João Paulo G. Pimenta
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-E/m novembro de 1822, o Correio Braziliense publicou dois mani festos de deputados de províncias brasileiras às Cortes Gerais Extraordiná rias e Constituintes da N ação Portuguesa, tornando públicas as razões que os levaram a abandonar L isboa de mo do irregular1 e buscar refugio na Ingla terra. Am bos foram redigidos em Falmouth; um datado de 20 de outubro, o outro de 22 do mesmo mês de 1822. O primeiro trazia as assinaturas de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva e José Ricardo da Costa Aguiar e Andrada, representantes da Província de São Paulo; o ou tro, asLino de Cipriano Barata de Agostinho José Coutinho,José deputados pelaAlmeida, Bahia, eFrancisco de Antônio Manuel Gomes da Silvae Bueno e Diogo Antônio Feijó, eleitos por São Paulo. Nos dois casos os subscritores ofereciam ao público os motivos que os levaram a dar por en cerrada sua participação na elaboração da Constituição que daria forma ao novo pacto político destinado, na perspectiva original do vintismo, a reger os destinos da nação portuguesa.2
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2
Os sete embarcaram sem a devida autorização das cortes, e desprovidos dos necessários passapor tes, o que não ocorreu sem bons m otivos. A 2 de outubro, Antônio C arlos solicitou autorização para que lhe fosse permitido retirar-se de Portugal, mas não obteve resposta, assim como outros já o haviam feito antes. Em 6 de outubro divulgava-se em Lisboa a fuga dos sete deputados para Falmouth, utilizando-se de um barco inglês. No dia 12 do mesmo mês, a Intendência Geral de Polícia informou que nenhum deles havia solicitado passaporte (cf. M árcia R. Berbel, A nação como artefato: deputados do Brasil nas Cortes portuguesas, 1821-1822 (São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 1999), p. 193. Sobre o vintismo, ver Valentim Alexandre, Os sentidos do Império: questão nacional e questão colonial na crise do Antigo Regime português (Porto: Afrontamento, 1993) e Fernando P. Santos, Geografia e economia da Revolução de 1820 (Lisboa: Europa-América, 1980). Sobre a participação dos deputados brasileiros, ver M árcia R. B erbel, op. cit.; F. Tomaz, "Brasileiros nas Cortes Constituintes de 1821-1822", em Carlos G. Mota (org.), 1822: dimensões (São Paulo: Perspectiva, 1972).
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Is tv ó n Ja ncs ó e Jo ão Pa u lo G . Pim e n ta
Pe ça s de u m m o s a ico (o u a po nta m e nto s pa ra o e s tu do da e m e rgência da ide ntida de na do na l bra s ile ira )
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Ainda q u e diferentes em extensão e detalhado de seu arrazoado, o teor das expos ições tem m uitos pontos em com um, dentre os quais o de atribuir aos eleitos por Portugal a responsabilidade p elo rompimento da unidade da nação portuguesa. Antônio C arlos e Costa A guiar são enfáticos quanto a ter se empenhado "quanto neles esteve por arredar a nação portuguesa" do rumo que lhes parecia ser da desonra, lamentando que, ao final e ao cabo,
termo pátria, servindo-se, quando se referem ao corpo político formado por seus representados, como a sua Província, expressão ajustada ao novo contexto vivido pelo império em fase acelerada de dissolução e, portanto, dotada de m aior atualidade política. É grande a tentação de atribuir a aparente dissonância dos conceitos em esp ecial naqu ilo que toca à identificação da nação à qual se sentiam to
" o mau destino de Portugal que vencessem os facciosos", os mes quisesse mos deputados portugueses que apontavam como os responsáveis pela de sunião. Cipriano Barata e seus companheiros das províncias da Bahia e de São P aulo também cuidavam de esclarecer que "desde que tomaram assen to no Con gresso de Portugal [fizeram-no para lutar] pelos interesses de sua Pátria, do Brasil e d a Na ção em geral", mas como seus esforços malograram e chegaram a ser tomados por "atentados contra a mesma Nação", decidi ram, "para prevenir qualquer suspeita alheia de verdade que possa ocasionar sua inesperada retirada de Lisboa", declarar "à Nação Portuguesa, e ao mundo inteiro, os motivo s que os obrigaram a assim obrar".4 Em meio à emocionada ex posição d o que era descrito como inevitável
a portuguesa - à distância que separava esses dos pertencentes como sendoamericano, homens do cenário político onde desde o começo de outubro estavam em curso os preparativos para a coroação de d. Pedro como mo narca do im pério brasileiro, dando forma ao rompimento p olítico com o rei no europeu.6 M as log o se percebe que se trata de algo mais entranhado, já que no próprio epicentro americano da ruptura política a mesma dissonância perpassa as expressõe s de identidade política coletiva. O Revérbero Cons titucional Fluminense publica, em seu número de 24 de setembro, uma carta cujo autor vê na iniciativa d a convocação de uma C onstituinte no B rasil "o único modo de salvar a N ação de um e outro hemisfério", reconhecendo nesta iniciativa o "único modo de vincular a Nação em laços mais estáveis e
desastre político, os as dois s contêm dentreassinada as quais ganham relevância detexto pátria, país evárias nação.idéias-chave, Na "Declaração" por Cipriano Barata, pátria é o lugar de origem, o da comunidade que os elegeu para representá-la nas cortes. É a ela que fariam, quando para aí regressassem, "expo sição circunstanciada [...] dos diferentes acontecimen tos [hav idos] durante o tempo de sua missão", e a ela caberia julgar o "me recimento de sua conduta".5 Para eles, pátria não se confunde com país. Este é inequivocam ente o B rasil ao qual os eleitos por Portugal querem im por u m a "Constituição onde se encontram tantos artigos humilhantes e injurios o s " . A nação, por seu turno, desloca -se para outra esfera, já que pátria e país não encontram equivalência na abrangência q u e lhe corresponda. B ahia
duradouros". A nação à qual ele refere é a portuguesa, os queque na América aclamam o imperador são se "portugueses do Brasil", 8 emesmo nem todos pensem da mesma forma. Os redatores do Revérbero anunciam que, dada a proclamação da independência, suspendiam a publicação do periódico já que o país "é nação, e N ação livre",9 com o que têm por encer rada sua missão. A mesm a fórmula é usada pelo Correio Braziliense, para o qual as cortes de Portugal estimularam os cidadãos do outro lado do Atlân tico, "apesar dos desejos de união daqueles povo s, a declararem a sua total independência, e con stituírem-se em na ção separada de Portugal".10 A análise atenta da documentação revela que a instauração do E stado brasileiro se d á em meio à coexistência, no interior d o que fora anteriormente
3
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e São Pauloé asãoportuguesa. suas pátrias, Brasil épercepção o seu país, mas a nação à qual pertencem Essao mesma perpassa o documento dos dois representantes de São Paulo, ainda que estes não recorram ao 6
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"Protesto dos deputados de São Paulo, abaixo assignados", em Correio Braziliense ou Armazém Literário (CB), vol. XXIX, n. 174, nov. 1822. "Declaração de alguns deputados do Brasil, nas Cortes de Portugal, que de Lisboa se passaram à Inglaterra", em Correio Braziliense, vol. XXIX, n. 174, nov. 1822. lbid.
Iara L. C. Souza, Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo (São Paulo: Ed. da Unesp, 1999), pp. 256 e ss. 7 "Carta d o desembargador Bernardo José d a Gama de 19 jun. 1822", em Revérbero Constitucional Fluminense (RCF) n. 18, 24 set. 1822. 8 "Descrição dos festejos no R io de Janeiro por conta da aclamação de D . Pedro I", em Correio do Rio de Janeiro (CRJ), n. 157, 19 out. 1822. 9 Correio do Rio de Janeiro, n. 153, 15 out. 1822. 10 Correio Braziliense, vol. XXIX, n. 175, dez. 1822.
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Is tv án Ja ncs ó e Jo ão Pa u lo G . P im e nto
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a América portuguesa, de múltiplas identidades políticas, 11 cada qual ex pressando trajetórias coletiva s q ue, reconhecend o-se particulares, balizam alternativas de seu futuro. Essas identidades políticas coletivas sintetizavam, cada qual à sua maneira, o passado, o presente e o futuro das com unidades humanas em cujo interior eram engendradas, cujas organicidades expressa vam e cu jos futuros projetavam. Ne sse sen tido, cada qual referia-se a algu
vontade de emancipação política com o equivalente d a constituição d o Esta do nacional brasileiro,14 assim como o é o reconhecimento de que o nexo entre a emergência desse Estado com a d a nação em cujo nom e ele foi insti tuído é uma das q uestões m ais controversas da nossa historiografia.15
' Os conceitos aqui utilizados têm muito a ver com os utilizados por José Carlos C hiaramonte em "Formas de identidad política en ei Rio de Ia Plata luego de 1810", em Boletín dei Instituto de Historia Argentina y Americana " D r . Emilio Ravignani", 3 a série, n. 1, Buenos Aires, 1989, e retomados em outros de seus estudos referidos a seguir. 12 Ernest Renan, iQué es una nación? (Madri: CEC, 1982), p. 38 (conferência pronunciada na Sorbonne em 1882). 13 A ênfase na multiplicidade de possibilidades inscritas na transição da colônia para o império deve-se a C aio Prado Jr., para quem "o final da cena, ou antes, o primeiro grande acontecimento de conjunto que vamos presenciar será, não há dúvida, a independência política da colônia. Mas este final não existe antes dela, nem está 'imanente' no passado; ele será apenas a resultante de um concurso ocasional de forças que estão longe, todas elas, de tenderem, cada qual só por si , para aquele fim", {Formação do Brasil contemporâneo: colônia (São Paulo: Brasiliense, 1942).
valiosos têm dado continuidade ao debate, já desdobrando questões postas, já buscando novos enfoques. Apenas para pontuar algumas de maior impacto, cabe lembrar as obras de limar Rohloff de M attos, O tempo saquarema. A formação do Estado imperial (São Paulo: Hucitec, 1987); de José Murilo de Carvalho, A construção da ordem. A elite política imperial (Rio de Janeiro/Brasília: Campus/Ed. da U n B , 1980) e Teatro d e sombras. A política imperial ( S ã o Paulo/ Rio de Janeiro: Vértice/Iuperj, 1988); de Roderick J. Barman, Brazil: The Forging ofa Nation (1798-1852) (Stanford: Stanford Univ. Press, 1988); de W ilma Peres Costa, "A economia mercantil escravista nacional e o processo de construção do Estado do Brasil (1808-1850)", em Tamás Szmrecsányi & José Roberto do Amaral Lapa (orgs.), História econômica da Indepen dência e do Império (São Paulo: Hucitec, 1996), pp. 147-59. / u Nos anos que se seguiram à independência, e durante todo o século XIX, uma construção historiográfica foi adquirindo consistência. Seu objetivo: conferir ao Estado imperial que se consolidava em meio a resistências um a base de sustentação no constituído de tradições e de um a visão organizada do que seria o seu passado. R esultou disso atribuir-se ao rompimento do Brasil com Portugal um sentido de "fundação" tanto do Estado como também da nação brasileiros. Nessa tarefa, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, criado em 1838, e, em seu rastro, a obra de Francisco Adolfo de Varnhagen, contribuíram de maneira decisiva para a longevidade dessa visão de história. Sobre essas questões, ver Arno W ehling (coord.), Origens do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: idéias filosóficas e sociais e estruturas d e poder n o Segundo Reinado (Rio de Janeiro: IHGB, 1989); e Lilia M . Schwarcz, O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930 (São Paulo: Cia. das Letras, 1993). 5 > } Essa questão tem dois divisores de águas. O primeiro centra-se na idéia d e crise do Antigo Regime e, em seu interior, do Antigo Sistema Colonial. O segundo organiza-se em torno do que se pode chamar de arqueologia da nação. Relativamente à primeira questão, deve-se a Fernando A. Novais a percepção e a demonstração da importância interpretativa do conceito de crise, com seu fundamental Portugal e Brasil n a crise do Antigo Sistema Colonial, 1777-1808 (São Paulo: Hucitec, 1979), obra que permanece no centro do debate. Este tem como protagonistas histo riadores do porte de Valentim Alexandre (cf. O s sentidos do Império: questão nacional e questão colonial na crise do Antigo Regime português, cit.), que rejeita a análise de N ovais (e de toda a linhagem que remonta a Caio Prado Jr.) com base em ampla pesquisa documental, mas numa análise relativa à história então em curso na América tem pontos frágeis que desequilibram a
Posteriormente, Sérgio B uarque de Holanda, "A herança colonial - sua desagregação", em Histó ria geral da civilização brasileira, tomo II, O Brasil monárquico (São Paulo: Difel, 1960), aboliu definitivamente a dicotomia "brasileiros" versus "portugueses" como fundamento do processo de emancipação. Esboço tentativo de uma síntese dessas proposições está em Maria Odila da Silva Dias, "A interiorização da metrópole (1808-1853)", em Carlos G. Mota (org.), 1 8 2 2 : dimensões, cit., p p . 160-84. Ainda que numa perspectiva diferente, Raymundo Faoro, com seu Os donos d o poder: formação d o patronato político brasileiro (Porto A legre: G lobo, 1958), e Emília Viotti da Costa, com "Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil", em Carlos G. Mota (org.), Brasil em perspectiva (São Paulo: Difel, 1968), p p . 64-125, enriqueceram a percepção da complexidade do processo em pauta. O enquadramento macro-histórico da questão recebeu impulso renovado com Fernando A. Novais, "As dimensões da independência", em Carlos Guilherme Mota (org.), 1 8 2 2 : dimensões, cit., pp. 15-26. Mais recentemente, estudos
arquitetura obra, caso capítulo do final do século XVIII, e dodaconceito de particular crise que doadota (cf. dedicado I. Jancsó,às"O"I nconfidências" fim do Império", em Jornal de Resenhas, n. 12, 8 mar. 1996). No Brasil, João Luís Ribeiro Fragoso e Manolo Florentino têmse destacado na crítica às propo sições de N ovais e, para além dele, da tradição historiográfica na qual este se situa. Isso está nitidamente explicitado em Homens de grossa ventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro, 1790-1830 (Rio de Janeiro: Arquivo Na cional, 1992), de Fragoso, e perpassa menos enfaticamente O arcaísmo como projeto. Mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil no Rio de Janeiro (Rio de Janeiro: Diadorim, 1993), dele em co-autoria com Florentino. Os estudos desses historiadores, enriquecidos com a publicação de E m costas negras. U m a história do tráfico atlântico de escravos entre África e R i o de Janeiro, séculos XVIII e XIX (São Paulo: Cia. das Letras, 1997), de Florentino, representam um avanço importante no conhecimento do período mas, paradoxalmente, a verticalização do
ma realidade edos a algum projeto de tipo nacional. sentimentos Se atentarmos as manifestações contemporâneos expressando de para pertencimento a uma nação, veremos que o resultado de uma hipotética consulta realizada dentro das fronteiras do nascente império brasileiro no s termos sugeridos por Renan - para quem a nação é um plebiscito diário 12 - leva forçosamente à reabertura da discussão de q uestões de fundo no tocante à formação d a nação brasileira. Afirmar que a formação d o Estado brasileiro foi um p rocesso de gran de complexidade não apresenta nenhuma novidade, e a historiografia recen te tem revelado razoável consenso quanto a evitar o equívoco de reduzi-lo à ruptura unilateral do pacto p olítico que integrava as partes da A mérica n o 13
império português. Hoje é assente que não se deve tomar a declaração da 1
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São agudas as divergências de interpretação quanto à interface dessas duas dimensõ es da realidade: Estado e nação. Os estudos têm privilegiado a formação do Estado, 16 reconhecido como brasileiro e, a partir daí (em
conhecimento da complexidade da formação social e dos mecanismos econômicos que lhes correspondem acaba por corroborar as teses que são objeto de sua crítica. Quanto à arqueologia da nação, questão que ganha densidade no interior do debate historiográfico, desenha-se uma tendência que visa a romper com a idéia de já ter existido, nos séculos que antecederam a emancipação política, uma identidade "brasileira" ou mesmo uma "consciência nacional" dos colonos. Profundamente enraizado tanto na memória coletiva quanto na historiografia que lhe serve d e paradigma erudito, esse mito assume formas diversas. Uma de suas vertentes é aquela que se serve da idéia de nativismo, de longa tradição e nenhuma precisão conceituai, conforme revelado por estudos recentes como os de Rogério Forastieri da Silva, Colônia e nativismo: a história como "biografia da nação" (São Paulo: Hucitec, 1997); de Demétrio Magnoli, O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil, 1808-1912 (São Paulo: Edunesp, 1997); além de João Paulo G. Pimenta, Estado e nação na crise dos impérios ibéricos no Prata, 1808-1828 (São Pa ulo, USP, 1998), dissert. mestrado, que analisa a questão em comparação com as historiografias argentina e uruguaia, onde merecem indiscutível destaque os estudos de José Carlos Chiaramonte, "El mito d e los orígenes en Ia historiografia latinoamericana", em Cuadernos dei Instituto Ravignani, n. 2, Buenos Aires, s.d.; e de Carlos Real de Azúa, Los orígenes de Ia nacionalidad uruguaya (Montevidéu: Arca, 1991). Mas é preciso lembrar que nativismo tem quase tantos significados quantos são os historiadores que d ele lançam m ã o , pelo que não se deve confundir o uso que dele faz Evaldo C abral de Mello, autor que dele lança m ão como instrumento de expressão de uma especificidade histórica pernambucana; cf. Olinda restaurada (Rio de Janeiro/São Paulo: Forense-Universitária/Edusp, 1975); Afronda dos mazombos. Nobres contra mascates. Pernambuco 1666-1715 (São Paulo: C ia. das Letras, 1995), com o que dele faz, entre outros, Francisco Iglésias, para quem o mesmo nativismo pernambucano seria um esboço de uma "consciência nacional brasileira", cf. Trajetória política do Brasil, 1500-1964 (São Paulo: Cia. das Letras, 1993). A dificuldade em lidar com a intersecção de fenômenos com abrangências distintas (dentre os quais os de caráter nacional e regional numa perspectiva teleológica) perpas sa obras de historiadores de inegável importância, caso de A. J. Russel-W ood, que, em texto recente, vê, nos ajustes de relações entre centros e periferias ocorridas no século XVIII dentro do império português, a formação de um "senso de brasilidade" que teria obrigado a metrópole a "considerar o Brasil sob uma perspectiva mais brasileira do que portuguesa"; cf "Centros e periferias no mundo luso-brasileiro, 1500-1808", em Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 36 , 1998, p p . 187-249. Numa outra vertente, estão estudos visando a desvendar as dimensões e os limites - d e identidades políticas coletivas engendradas em condições coloniais, tais como o Brasil, s.d.); de Atitudes de oinovação de Carlos G. Mota, Horizonte, Na Bahia, contra ensaio de (Lisboa: sedição de 1798 (São István Jancsó, Império:nohistória do1789-1801 Paulo: Hucitec, 1996); ou de Luciano de A. Figueiredo, Revoltas, fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e M inas Gerais, 1640-1761 (São Paulo: USP, 1996), tese de doutorado. 16 Estudos recentes sobre os mecanismos de funcionamento do aparato estatal imperial, em especial na esfera americana, têm revelado dimensões até então pouco conhecidas: Graça S algado (coord.), Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial (Rio de Janeiro: N ova Fronteira, 1990); Maria Fernanda B. Bicalho, A cidade e o Império: o Rio de Janeiro na dinâmica colonial portuguesa. Séculos XVII e XVIII (São Paulo, FFLCH-USP, 1997), tese de doutorado; Maria de Fátima S. Gouvêa, "Redes de poder na América Portuguesa: o caso dos homens bons do Rio de Janeiro, 1790-1822", em Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 36, 1998, pp. 297-330.
geral por inferência), admitido com o nacional. C omo a inferência tem eficá cia investigativa sabidamente reduzida, vale a pena dedicar mais atenção ao outro termo dessa equação - a nação - para, a partir daí, avançar no enten dimento da complexa relação entre ambos. Mas convém, antes de fazê-lo, apontar para duas preliminares. Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que não é obra do acaso a tradicional preferência dos estudiosos pelo Estado e os fatos a ele imediata mente conexo s. S em dúvida parece mais fácil lidar com variáveis nitidamente objetivadas (com o o são, por exemplo, as normas que configuram o E stado, incluindo-se aí, em situações-limite, o s projetos de sua radical subversão), do que fazê-lo com d imensões da realidade confinadas (desdenhosamente) ao universo da subjetividade, do sentimento e da emoção (em algum grau partilhadas pelo próprio historiador), 17 casos da idéia de nação ou de identi dade nacional. E ludir essa questão, entretanto, não resolve o problema pos to pela evidente objetivação dessas expressões da subjetividade mediante práticas políticas com poderosa interferência na definição dos ob jetivos que os homens se propõem a alcançar, pelo que é preciso reconhecê-las como variáveis importantes d a inteligibilidade dos fenôm enos d e ordem política.18 Em segundo lugar, deve-se ter clara consciência da extraordinária provisoriedade das formas e significados que caracterizam as situações de crise, pois é dessa ordem o período d a emergência dos novos Estados nacio nais latino-americanos, o que se estende tanto à noção de Estado quanto à de nação.19 Para os homens que viveram a dissolução d o império português O avanço que já se faz notar nesse profícuo campo de estudos poderá contribuir para um posicionamento cada vez mais correto dos interesses políticos, econômicos e sociais dos colonos dentro do conjunto do império. 17 Para ilustrar o intrincado dessa questão, vale a pena recorrer à análise/testemunho de Lucien Febvre, no recém-editado Honra e pátria (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998). 18 A esse respeito, ve r Pierre Vilar, "Reflexiones sobre lo s fundamentos de Ias estructuras nacionales", em Hidalgos, amotinados y guerrilleros. Pueblo y poderes en Ia historia de Espaha (Barcelona: Crítica, 1982), pp. 279-306; José Ramón R ecalde, La construcción de Ia s naciones (Madri: Siglo XX I, 1982); Eraest Gellner, Nações e nacionalismo (Lisboa: Gradiva, 1983); Benedict Anderson, Nação e consciência nacional (São Paulo: Ática, 1989); Eric J. Hobsbawm, Nações e nacionalismos desde 1780: programa, mito, realidade (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990); Anthony Smith, Las teorias dei nacionalismo (Barcelona: Península, 1976). 19 Fernando A. Novais, "Condições da privacidade na colônia", e István Jancsó, "A sedução da liberdade: cotidiano e contestação política no final do século XVII", ambos em História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa (São Paulo: Cia. das Letras, 1997). Ver também uma abordagem da questão para as primeiras décadas do século XIX em conjunto com a América espanhola, João Paulo G. Pimenta, Estado e nação na crise dos
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47910924 MOTA CarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com América, a percepção da crise não se deu de modo uniforme, com o que América (por exemplo, um baiense) de todos que não fossem portugueses das diferentes percepções resultaram múltiplos projetos políticos, cada qual (holandeses, franceses, espanhóis). A segunda, simultânea com a anterior, é expondo, com maior ou menor nitidez, o esboço da comunidade humana a q u e lhe permitia distinguir-se, ao baiense, de outros portugueses (por exem cujo futuro projetavam. Vem daí que aos projetos de futuro contrapostos p l o , do reinol, d o paulista).20 Finalmente, uma terceira diferença é a que dis corresponderam outras tantas definições de Estado, cidadania, condições tingue, entre os portugueses, aqueles que são americanos dos que não de inclusão e exclusão, padrões de lealdade e critérios de adesão, cada qual partilham essa condição. descrevendo elementos pacto forma, tido como adequado transformar Essa con comitância de formas de expressar a diversidade er a perfeita comunidades em nação*do Dessa nunca se devepara esquecer que a mente compatível com os padrões do Antigo R egime português, ainda que a provisoriedade característica do período traduziu-se na coexistência não organização política do absolutismo em colônia resultasse em práticas, es apenas de idéias relativas ao Estado, mas também à nação e às correspon truturas operacionais e tramitações que, com sua implementação, se distindentes identidades políticas coletivas, eventualmente reveladoras de tendên guiam dos modelos metropolitanos, tal qual o senhor de engenho de Antonil cias à harmonização entre si ou , quando não, expressando irredutibilidades não se confundia com os fidalgos do reino. 21 Como a questão está agora portadoras de alto potencial de c onf lito ./ centrada na dimensão p olítica (uma dentre outras) desse processo de emer A conquista e colonização da Am érica em cada um de seus quadrantes gência de identidades coletivas, 22 convém verificar de que m aneira os pro desdobrou-se, em algum momento, numa viragem: aquela mediante a qual o blemas da vida vivida encontravam os meios de seu ordenamento e, a partir conquistador/colonizador tornou-se colono. I sso se deu, no caso da A méri daí, de sua representação. ca portuguesa, quando este se percebe não somente c omo agente da expan É evidente que todos os caminhos do universo colonial centravam-se são dos domínios do rei de Portugal (e pordaesta via, da cristandade), mas em L isboa, correndo em paralelo na conformidade d os trâmites do ordena também, e ao mesmo tempo, como agente reiteração ampliada de uma mento formal d o Estado. I sso era válido tanto para o todo do império luso formação societária particular informadora dos objetivos de sua ação, já quanto para cada uma das suas dependências americanas. Mas quanto a agora desdobramento de uma trajetória coletiva instituidora de sua legitimi estas, também há especificidades. N a Am érica portuguesa, à incorporação dade e ancestralidade. Essa foi a matriz da s novas identidades coletivas emer de no vos territórios ao controle efetivo da coroa (a jurisdição, com o regra gentes no universo colonial, sempre conformadas pela confrontação d e cada geral, preexistindo à ocupação efetiva), e ao conseqüente m anejo econôm i qual com outras de similar conteúdo, já que não se deve esquecer que as co e político destes, correspondia o fortalecimento de centros de conver identidades coletivas são sempre reflexas. gência com feição d e pólos articuladores d os múltiplos espaços sociais criados A ssim é que os colon os de São P aulo reconheceram-se como paulistas, - sempre um a grande cidade, conform e o padrão estrutural proposto pory m a s , por aqueles outros dos domínios do rei de Espanha com quem se de Braudel. 23 A leitura dos autores contemporâneos é altamente elucidativa a frontavam, eram percebidos, antes de tudo, com o portugueses, e era assim esse respeito. No que se refere a Salvador, percebe-se desde os tempos de
quebaiense se sabiam diante dos óis. Portanto, ou significava serespanh português, ainda quesersepaulista, tratasse pernambucano de uma forma diferenciada d e sê-lo. O que interessa ressaltar, aqui, é a concomitante emer gência d e três diferenças. A primeira é aquela q u e distinguia u m português da
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impérios ibéricos no Prata, 1808-1828, cit. A questão da provisoriedade com o característica das colonizações portuguesa e espanhola já tinha sido anteriormente destacada por S érgio Buarque de Holanda em seu clássico Raízes do Brasil (Rio de Janeiro: José Olympio, 1936).
23
A esse respeito, ver F. A. Novais, "Condições de privacidade na colônia", cit., pp. 23 e ss. J. A. Andreoni (André João Antonil), Cultura e opulência do Brasil (São Paulo: Nacional, 1967). A esse respeito, para o u niverso platino, com grande importância para as condições coloniais do período, ver J. C. Chiaramonte, "Formas de identidad política en ei Rio de Ia Plata luego de 1810", cit. Fernand Braudel, Civilização material, economia e capitalismo, séculos XV-XVII: o jogo das trocas (São Paulo: Martins Fontes, 1995).
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Gregório de M atos24 e Antonil 25 , passando por Rocha Pita,26 por Caldas,27 em parte po r José da Silva Lisboa 28 ou por Vilhena,29 que cada qual destaca va a existência, convergindo para esta cidade, de rotas que integravam espa ços hierarquicamente ordenados (o Recôncavo e suas cidades, os diversos sertões e suas vilas), distintos mas complementares, pontos nodais de uma trama que con figurava a Capitania d a Bahia, uma dentre outras com as quais
agia, mas com as quais não se confundia. Essa construção de territórios (e da sua conseqüente representação), dotados de tessituras sociais próprias pressup ondo precisa territorialidade, estabeleceu marcos das identidades coletivas no universo luso-americano, tanto definindo (recorrendo à expressão de Anderson) as rotas de peregrinação, quanto os confrontantes nos quais essas identidades se espelhavam. Essa trama, em permanente expansão, denota a complexidade crescente do sistema e do seu manejo político, o que se expressa em disputas entre gover nadores, rotas de contrabando interno, prioridades contrastantes na aloca ção de recursos escassos, seja de moeda para pagamentos devidos, de farinha da qual endemicamente se carecia, ou de soldados para fazer face a proble in
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mas que os requeriam, e muitas outras manifestações de estranhamento. E é d e notar que o suces so de cada situação particular (regional) dos q uais se nutria o projeto colonizador luso em seu conjunto estabelecia, no tocante às identidades coletivas tendencialmente politizadas, as condições para a emer gência de sua múltipla negatividade. Pen se-se, por exemplo, na reação dos paulistas despojados do que tinham por seu bom direito com o advento do controle político sobre a região das M inas Gerais com o conde de A ssumar,31
tornada com o correr do tempo referência de uma ancestralidade contrapos ta à portuguesa e, no limite, negadora daquela. É esse o significado do sen timento de familiares de Inácio da Silva A lvarenga, conspirador nas M inas em 1789, ao proclamarem q ue sua família era, "por antigüidade do s paulistas", das primeiras da terra, ao que corresponderiam vantagens quando "esse continente viess e a ser governado por nacionais, sem sujeição à Europa".32 Lendo atentamente os Autos da devassa da Inconfidência Mineira, o que encontramos? O s envolvidos são "filhos de Minas", "naturais de M i n a s " . A terra era o "País de Minas", percebido com o "continente" ou com o capitania. O s "filhos de M inas" viam-se, também, é preciso lembrar, como "filhos da América". Das cerca de 7 4 ocorrências da palavra "Am érica" n os Autos, em pouco menos da metade dos casos esta designava o todo da Am érica portuguesa. Mas em outros momen tos, "América" referia-se à C a pitania de M inas, sendo possível notar esse seu u so pelo contexto do discur so em q u e a s frases estão inseridas.33 Eis as identidades políticas coletivas: a mineira (expressão do específico regional),34 a americana (expressão da re lação de alteridade com os m etropolitanos, os europeus) e, evidentemente, a portuguesa.35 32
24 23
Ver Alfredo Bosi, A dialética da colonização (São Paulo: Cia. das Letras, 1992). J. A. Andreoni, op. cit. 26 Sebastião da Rocha Pita, História da América portuguesa (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/ Edusp, 1976). 27 J. A. Caldas, Notícia geral de toda esta Capitania da Bahia desde o seu descobrimento até o presente ano de 1769 (Salvador: Tip. Beneditina, 1951), edição fac-similar. 28 José da Silva Lisboa, "Carta a Domingos Vandelli (18 out. 1781)", em Anais da Biblioteca Nacional, vol. 42, Rio de Janeiro, 1958. 29 Luís dos S antos Vilhena, Notícias soteropolitanas e brasílicas, 2 vols. (Salvador: Imprensa O fici al do Estado, 1922). 30 Uma crítica às proposições de Anderson em relação à América está em J. C. Chiaramonte, "El mito de los orígenes en Ia historiografia latinoamericana", em Cuadernos dei Instituto Ravignani, n. 2, Buenos Aires, UBA, s.d. 3 ' Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1 7 2 0 , edição de Laura de Mello e Souza (Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1994).
33 34 35
Autos da devassa da Inconfidência Mineira (ADIM), vol. I, p. 124. Obviamente a expressão "nacionais" designa, aí, apenas naturalidade. Para a importância dos cuidados no trato do voca bulário político para evitarem-se anacronismos, ver, além de Chiaramonte, P ierre Vilar, Hidalgos, amotinados y guerrilleros. Pueblo y poderes en Ia historia de Espana, cit., e Sylvianne RémiGiraud & Pierre Retat (dir.), Les mots de Ia nation (Lion: PUL, 1996). Para a inconfidência mineira: Kenneth Maxwell, A devassa da devassa. A inconfidência mineira: Brasil e Portugal, 1750-1808 (2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978); Francisco C. Falcon, "O imaginário republicano do século XVI II e Tiradentes", em Seminário Tiradentes Hoje: imaginário e política na república brasileira (Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1994), pp. 25-76, onde ademais encontra-se também Maria L úcia Montes, "1789: a idéia republicana e o imaginário das Luzes", ibid., pp. 101-38. As identidades políticas coletivas Os dados quantificações estão em Gerais noefinal do Século XVIII, de Roberta Giannubilo Stumpf, inédito.na Capitania de Minas É conveniente lembrar que em documentação da época "mineiro" significa estritamente o envolvido na atividade mineradora. As considerações têm-se centrado no colono, mas nunca se deve esquecer que este coexistia com o colonizador. Em março de 1763, vereadores da Câmara de Vila Rica solicitaram ao trono que "filhos de Po rtugal" (era o seu caso) tivessem preferência sobre os "naturais da terra" no acesso aos cargos. A seu favor, traziam com o argumento serem eles e seus iguais os verdadeiros artífices da grandeza e prosperidade dos domínios do monarca, aqueles que os têm povoado, e "comer ciado todas as fazendas do R io de Janeiro para as Minas, penetrando as entradas da terra para a extração do ouro para o Real Quinto e [o] bem comum, estabelecendo fazendas, ideando enge nhos de minerar, e ocupando imensas e copiosas fábricas na agricultura e lavoura do ouro. [São d e Portugal], enfim, os arrematadores dos muitos contratos [...] nestas Minas, e não os naturais
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MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com Para designar o todo da A mérica portuguesa, o termo47910924 que se segue, em que, para os colon os, o ordenamento estamental da sociedade erigia-se com o número de ocorrências, é Brasil. Mas atenção: naturais da terra inquiridos, fundamento d a boa ordem baseada n a natural e necessária desigualdade en excluíd os os que integravam o aparato administrativo metropolitano, não uti tre os hom ens. O corre, e isto é de absoluta relevância, que a generalização lizam o vocábulo Brasil para designar a territorialidade subjacente à identida do escravismo resultava na erosão do sistema estamental, posto que o de política coletiva que querem designar. Nada de brasileiros? 6 nenhuma escravismo inviabilizava a participação do portador desta condição n a com identidade política coletiva ultrapassando o regional. Na verdade, isso não é plexa tessitura de liberdades desiguais cuja trama tinha por pressuposto o de surpreender. A forçae coesiva d o conjunto luso-americano exercício de algum direito. A s sociedades escravistas coloniais repousavam ^ velmente a Metrópole, o continente do Brasil representava, era paraindiscuti os colo sobre a exclusão de um segmen to fundamental - os escravos - das relações niais, pouco mais que uma abstração, enquanto para a M etrópole se tratava 37 que em seu interior eram pactadas, e que definiam a sua feição. 39 Mas essas ^ de algo muito concreto, a unidade cujo manejo impunha esta percepção. É relações pactadas se efetivavam na concomitante prática de outras relações por isso que é correto afirmar que a "apreensão de conjunto das partes a que muito concretas, já agora envolvend o a totalidade dos m embros dessas so 'genericamente' se chamou de Brasil" estava " no interior d a burocracia es ta 38 ciedades - inclusive os escravos - e que eram vitais para a sua existência: as ta l portuguesa". relações de trabalho. Nã o é difícil perceber que os homens de então se viam O reconhecimento da diversidade das identidades coletivas no univer diante de uma fratura entre a realidade objetiva da vida social e a sua repre so colonial a partir do desdobramento d as trajetórias da s formações societárias sentação. Essa fratura de grande poder dissolvente do paradigma original envolvidas somente pode ajudar na compreensão da politização dessas iden (peninsular) das sociabilidades é poderosamente ilustrada pela indignação tidades se consideradas as características básicas dessas sociedades, e de de Vilhena diante do pouco apreço dos naturais da Bahia pelo respeito às suas estratégias particulares de reiteração. E isso implica reconhecer no condiçõe s distintivas típicas da sociedade do A ntigo R egime, quer se trate ^scravismo uma das variáveis ordenadoras do sistema, tanto no que lhe é de escravos, 40 quer dos poderosos da terra,41 ainda que estes fossem extre geral, quanto no respeitante a cada um de seus desdobramentos particulares. mamente z elosos na ostentação das exterioridades de sua condição, confor Ainda que passando ao largo dos múltiplos problemas que merecem me o registro mordaz de Silva Lisboa. 42 E é evidente que tudo isso tem atenção, mas para pontuar a importância do escravismo, deve-se lembrar poderoso impacto sobre a configuração das identidades coletivas e, mais ainda, sobre suas con dições de politização n um contexto no qual a clivagem racial como linha d e demarcação da s exterioridades que permitiam distinguir dela". E não deixavam de lembrar que durante o tempo em que se "compôs a câmara de filhos de homens livres de escravos tendia à diluição. O caráter cumulativo do resulta Portugal, mineiros e sujeitos estabelecidos na terra" os interesses do real erário foram criteriosamente observados, o que deixou de ocorrer quando outros, escudados tão-somente "na do das mú ltiplas m odalidades de obtenção da alforria resultou no aumento naturalidade da terra", passaram a empolgar as posições disputadas. Eis o colonizador, aquele que do número de hom ens livres com origem africana, fossem negros ou pardos, "tem dilatado este Império de Vossa Magestade", confrontado com o colono que não apenas
36
disputava primazias com base em direitos advindos de uma ancestralidade específica con traposta àdegenérica mas quecomuns, atribuía acom estaoutros uma qualidade tal que lheAautorizava todos os Portugalportuguesa, [como] homens mais opróbros". carta estáverno"aArquivo Histórico Ultramarino (cx. 81, doe. 16) e foi localizada por Roberta G. Stumpf, a quem os autores agradecem. É de notar, ainda, que essa coexistência de colono e colonizador enquanto expressões de referências conflitantes, o mais freqüentemente é encontrá-la no m esmo persona gem que oscila entre um e outro. Ou de "brasilienses" ou "brasilianos" que poderiam eventualmente ser tomados por eq uivalentes. De resto Tomás Antônio Gonzaga é o único a utilizar a expressão "povos do Brasil", cf. R. G. Stumpf, op. cit.
37
Ibid.
38
Afonso M. dos Santos, No rascunho da nação: inconfidência no Rio de Janeiro (Rio de Janeiro: Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, 1992), p. 141.
39
40 41 42
O escravismo subvertia o modelo, no qual não cabia boa parcela dos homens livres que tinham nesta condição a origem de sua linhagem. Ver, para tanto, Florestan Fernandes, Circuito fecha do : quatro ensaios sobre o "poder institucional" (São Paulo: Hucitec, 1976). Quanto a essa questão, é de notar que os estudos de S tuart Schwartz e João José Reis sugerem a hipótese de que as aspirações de padrão estamental (busca da diferenciação formal das condições individuais) tinham largo curso entre a população escrava, configurando poderoso instrumento de acomoda ção de tensões; cf. J. J. Reis (org .), Escravidão e invenção da liberdade. Estudos sobre o negro no Brasil (São Paulo: Brasiliense, 1988). L. dos S. Vilhena, op. cit., vol. 1, p. 108. Ibid., p. 136. J. da S. Lisboa, op . cit.
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Istvón Jancsó e João Paulo G. Pimenta
P e ça s d e u m m o s a i c o ( o u a p o n t a m e n t o s p a r a o e s t u d o d a e m e r g ê n c i a d a i d e n t i d a d e n a c i o n a l b r a s i l e i r a )
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o que tendia a reforçar o apego da elite (ou dos aspirantes a pertencer a ela) à identidade portuguesa, condição da necessária "pureza de sangue" para quem almejasse galgar a escada social do Antigo Regime. 43 De resto, apolitização dessas identidades coletivas que então em ergem e definem seus contornos se dá num contexto no qual a crescente complexi dade d a vida econôm ica instaura novas abrangências que ex igem atenção. A primeira destas é a da Am érica portuguesa, vale dizer, deste continente do Brasil como era chamado, esboçando novas conexões na esteira das rotas das mercadorias, das quais o fluxo conectava m ercados regionais crescen temente dinâmicos,44 a diversidade gerando a possibilidade de integração. A segunda abrangência a ser considerada é aquela d o locus de realização das mercadorias coloniais: o mercado europeu ou, tornando o processo ainda mais com plexo, o mercado africano (tanto de escravos quanto de produtos
43
Mas essa diluição da concomitância de predicado racial e estatuto jurídico de seu portador tinha
como contrapartida fazer com homens de baixa condição econômica partilhavam e escravos q u e ,livres acabassem por se amalgamar numque conjunto nas grandes cidades principalmente, padrões de sociabilidade semelhantes, fossem esses de caráter religioso, econômico, de parentes c o , construindo redes de lealdade que poderiam transbordar para a esfera política. D. Fernando José de Portugal percebia o potencial explosivo desse fenômeno ao informar a corte de que pouco havia a temer quanto às simpatias de membros d a elite baiana por idéias subversivas, já que a sua lealdade ao trono decorria, entre o utros fatores, do risco de uma insurreição de escravos que tinham por inimigos os seus senhores, dando forma ao temor de que, sob formas m utantes, seria constitutivo d a s relações raciais, sociais e políticas do período subseqüente. A carta d e d . Fernando está em Inácio Accioli de C. e Silva, Memórias históricas e políticas da Província da Bahia (Salvador: Imprensa Oficial do E stado, 1931), vol. III, p . 1 3 4 . Sobre essas relações horizontais na esfera dos estratos inferiores das sociedades coloniais, ver, de Laura de Mello e S ouza, Desclas sificados do ouro (Rio de Janeiro: Graal, 1982), e também Norma e conflito: aspectos d a história de Minas no século XVIII (Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 1999), sobre coartação, especifica mente, pp. 151-74; L eila Mezan Algranti, O feitor ausente. Estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro (Petrópolis: Vozes, 1988); Mary C. Karasch, Slave Life in Rio de Janeiro, 1808-1850 (Princeton: Princeton Univ. Press, 1987); Maria Inês Cortes de Oliveira, O liberto: o seu mundo e os outros, 1790-1890 (Salvador/Brasília: Corrupio/CNPq, 1988); Kátia de Q. Mattoso, Ser escravo no Brasil (São Paulo: Brasiliense, 1982). 44 Para o estudo desse fenômeno na área de influência do Rio de Janeiro, ver Alcir Lenharo, As tropas da moderação: o abastecimento da Corte na formação política do Brasil, 1808-1842 (2 . ed. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1992); Cecília Helena de Salles Oliveira, A astúcia liberal. Relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro, 1820-1824 (Bragança Paulista: Edusf/ícone, 1999); J. L. R. Fragoso, Homens de grossa aventura: acumu lação e hierarquia n a praça mercantil do Rio de Janeiro, 1790-1830 (Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992); e do mesmo autor e M. Florentino, O arcaísmo como projeto: m ercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil n o R i o de Janeiro C.1790-C.1840 (Rio de Janeiro: Diadorim, 1993).
americanos). E ao fazê-lo, não há como ignorar que esses m ercados atra vessavam uma conjuntura de profundas transformações, m esmo porque, rio final do século XVIII, a desordem revolucionária penetrava em todos os seus poros. E também não há como deixar de reconhecer que é dessas trans formações que a s negatividades inscritas nas identidades coletivas derivadas do sucess o do empreendimento colonizador se alimentavam. Esse foi, e nem poderia deixar de ser dessa maneira, u m processo errático, inscrito nas men tes e nas práticas dos homens que em seu interior se defrontavam na busca de alternativas para uma situação que não lh es parecia conveniente preservar o u , então, que percebiam como ameaçada e forcejavam em manter. Esta afirmação, que beira a obviedade, remete a outra, já menos evidente: a crise não aparece à consciência dos hom ens como m odelo em via de esgotamen t o , mas como percepção da perda de operacionalidade das formas consa gradas de reiteração da vida social. Em outras palavras, é na generalização d a busca d e alternativas que a crise se m anifesta. 46 N uma situação de crise, a urgência de sua superação desdobra-se no reordenamento das referências, já que os homens buscam, para além da reiteração das condições sociais de existência, a instauração de formas pre visíveis de vida social. Todo projeto de mudança supõe, ao fim e ao cabo, a instauração da ordem no lugar do que é percebido como desordem. E todo projeto de uma nova ordem implica o esboço mais ou menos preciso da comunidade que partilhará, e de como deverá fazê-lo, a trajetória comu m que levará à nova, aquela "boa ordem que para este fim se tem pensado", 47 nos termos de um dos pasquins remanescentes dentre os afixados na Bahia em 12 de agosto de 1798. Para os seus autores, o contorno da comunidade que partilhará dessa no va ordem é definido com clareza. Trata-se do "Povo Baiense", 48 para o qual "está para chegar o tempo feliz da [...] Liberdade".49 Essa futura nova ordem, instauradora da "liberdade, igualdade e fraterni dade",50 impõe, n o presente, que se faça uma revolução "nesta cidade e seu 45
LuísF. de Alencastro,Lecommercedesvivants: traited'esclaveset "paxlusitana"dansVAtlantique Sud, Paris, 1985, tese de doutorado. 46 1 . Jancsó, Na Bahia contra o Império. História do ensaio de sedição de 1798 (São Paulo: Hucitec, 1996), p. 203. 47 Cf. K. de Q. Mattoso, Presençafrancesa n o movimento democrático baiano de 1 7 9 8 (Salvador: Itapuã, 1969), p. 152. 48 Md., p. 150. 49 Ibid., p. 148. 50 lbid., p. 157.
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Is tv án Jo ncs ó e J o ã o P a u l o G . P i m e n t a '
Pe ça s de u m m o s a ico (o u a po nta m e nto s pa ra o e s tu do da e m e rgênc ia da ide ntida de na cio na l bra s ile ira )
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47910924MOTA52CarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com termo",51 para que finde "para sempre o pé ssimo jug o ruinável da Europa". ao cabo, das diversas identidades políticas coletivas, inclusive as de tipo E tudo isso se fará para que "qualquer comissário, mercador, mascates, la nacional. vradores de mandioca, fabricantes de açúcar, tabacos, hajam de ter o direito " N a Bahia do final do século XV III coexistiam diferentes projetos de sobre as suas fazendas".53 futuro, assim como várias identidades políticas coletivas. Para d. Fernando N os termos dos pasquins o povo é o baiense, pelo que é inútil procurar José de Portugal, governador d a capitania e integrante d a elite política refor o brasileiro. Este é o povo que configura a comunidade imaginada, a nação mista cujo expoente maior era o conde de Linhares, a nação era una e pensável, opondo-se ou aliando-se a outras nações de acordo com os seus indivisível[na^e^ttema diversidade de suas partes; a nação portuguesa. A ten interesses. E ainda q u e os pasquins nã o mencionem expressamente a extinção dendo a solicitação da Secretaria de Estado (o ano é de 1798) para que do exclu sivo colonial como objetivo central do "povo baiense republicano", opinasse sobre a conveniência d e se modificarem normas referentes ao trans esse d eixar de fazê-lo vem de que era por demais evidente que a supressão porte de escravos, reconhecidamente exigindo reformas, d. Fernando é dos víncu los coloniais, centro do projeto político da revolução mediante a taxativo quanto à conveniênc ia de alterá-las, mesm o porque, para além da qual tornar-se-ia possível adotar "a total Liberdade Nacional", 54 dá cabal "Nação portuguesa que procurou remediar estes males, outras Nações como conta da questão, bastando, portanto, esclarecer de público que "aqui virão a Grã-Bretanha têm também dado providência para [...] evitar" 56 a conde 55 todos os estrangeiros tendo porto aberto". Afinal, sendo o exclusivo meca nável e irracional desumanidade das condições deste transporte. A nação é a nismo (um dentre outros) da dominação metropolitana, nos termos do A nti portuguesa, mas a referência é o E stado, conforme se pode ver pelo termo go Regime e do sistema colonial, que em seu interior o capitalismo mercantil de comparação, ond e a G rã-Bretanha é tomada por nação. 51 Isso não deve engendrou, suprimida a condição de sua vigência (a da dominação metropo surpreender, na medida em que essa concepção está em estrita conformida litana), suprime-se ipsofacto seu instrumento (o exc lusivo). de com o que pensa, entre outros, o próprio d. Rodrigo de S ousa Coutinho, Tu do isso o bviamente não é linear ou transparente, afinal a nova ordem para quem "o português nascido nas quatro partes do mundo" o é porque desejada estava sendo esboçada com base em interesses individuais e cole participa de um Estado "cujo sacrossanto princípio da unidade [é] a Monar-\r tivos muito reais, palpáveis e sobretudo díspares, além d e (retornando ao quia [...] a que tem a fortuna de pertencer". 58 Para esses hom ens a única > terreno da obviedade), dada a natureza da crise, conflitantes entre si. A ur identidade nacional era aquela que remetia ao Estado e, por essa via, à mo gência na instauração da ordem encerra grande potencial gerador de confli narquia, pelo que portugueses eram os fiéis vassalos dos Braganças. Não tos, mas estes, ainda q u e envolvam indivíduos ou grupos sociais que tenham que passassem ao largo da diversidade, afinal viam com clareza a nação por base os m esmos interesses objetivos, podem resultar em projetos referi dos a temporalidades diversas, o que tem inegável importância operativa. Indivíduos e grupos com os m esmos interesses objetivos podem ver na res 56 Arquivo Nacional-Fundo Marquês de Aguiar, of. n. 121, de 4 jul. 1800, no qual "responde-se tauração da ordem perdida o u , pelo contrário, na destruição final das sobre-
vivências daquela, o melhor caminho para a superação da desordem. O ra, a temporalidade diversa a referir os projetos (passado ou futuro) não suprime a contemporaneidade das práticas, dos interesses, dos conflitos e, ao fim e
51
52 53 54 55
Ibid., p. Ibid., p. Ibid., p. Ibid., p.
lbidem.
151. 155. 152. 155.
largamente a carta regia de 22 ago. 1799 que trata do regimento das Arquiações (de 1684) da obrigação de tocarem as embarcações destinadas ao comércio da escravatura nas ilhas de São Thomé e Príncipe, e sobre capelão", f. 2. 57 Compare-se esta idéia de nação com outra vigente no século anterior. Para frei Simão de Vasconcelos, S J, "a nação portuguesa se tem diversa da castelhana, esta da biscainha, a biscainha da francesa, da holandesa, etc . porque tem diversas línguas umas das outras; e tanto mais diversas são as nações, quanto são mais diversas as línguas. Diversas regiões são as de Roma, e da S icília; contudo porque os homens delas falam um a só língua, é uma só nação. Diverso príncipe é o dos romanos, que é o Papa, e o dos sicilianos, que é o r e i de Espanha: contudo essa diversidade nã o faz diversa a nação R omana, e S iciliana"; cf. fr. Simão de Vasconcelos, Crônica da Companhia de Jesus (Petrópolis/Brasília: Vozes/INL, vol. 1, 1977), pp.110 e ss. (I a edição de 1663). 58 "Memória sobre o melhoramento dos domínios da América", em M. C. de Mendonça, O intendente Câmara (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1933), p. 270.
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I stv ón Janc só e Joã o Paulo G . P i m e n t a
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constituindo "um só todo com posto de partes tão diferentes".59 Apenas que a cultura política do absolutismo ilustrado recusava o reconhecimento da politização dessa d iversidade, tida po r incompatível com o racional manejo político do império, cujas partes "jamais poderão ser [...] felizes" a não ser "na reunião de um só todo" 60 amalgamado p ela monarquia, mas à qual era
nova ordem na qual os "homens pardos e pretos [...] todos serão iguais"64 não politizou apenas a questão social mas também a questão racial, com o que o discurso se radicalizou, apontando para uma contradição inerente à cultura política à qual se referia, e cuja base repousava sobre a igualdade jurídica dos cidadãos e no respeito integral ao direito de propriedade. Sendo
p or exigência da s da na esferae do preciso reformar Luzes. A assimilação dessasimperial poder, sempre atendendo à lógica preservação do sistema de seus fundamentos so ciais e políticos, passa por desdobramentos que acele ra m o rompimento dos limites definidos de antemão, o que, na prática, erode a legitimidade do poder absoluto do soberano,61 cuja cabeça rolou na Fran ç a , e todos o sabiam. Dess e mod o, é no espaço da colônia, local da máxima opressão, que são criadas as condições para que sejam ultrapassados os limites que para a metrópole eram su a própria salvaguarda: som ente n a colô n ia poder-se-ia vislumbrar a alternativa da ruptura política, 62 o que, de resto, não é uma particularidade do A ntigo R egime português.63 Convém lembrar que a maior radicalidade social da violência revolucionária francesa deu -se em S ão Dom ingos, situação colonial e periférica, do que os contemporâneos bem sabiam e bem temiam. O que ocorreu na Bahia de 1 798, ao contrário das outras situações de contestação política na América portuguesa, é que o projeto que lhe era subjacente não tocou somente na condição (a dominação política), ou no instrumento (o exclusivo ), da integração subordinada da s colônias no impé rio luso. Dessa feita, ao contrário do que se deu nas M inas Gerais (17 89), a sedição avançou sobre a sua decorrência: o escravismo. Não porque sua abolição fizesse parte do projeto revolucionário explicitado no s pasquins, mas porque o ingresso na sociedade política de homens egressos dessa con dição, fossem livres ou escravos, ultrapassou os limites do que poderia ser assimilado pelas classes dominantes no interior da s formações sociais resul tantes da colonização portuguesa na Am érica. A exigência programática de
osoldagem escrav o dos propriedade, suadiversos simp les estratos existência criavaosum impa sse interessesados contra inimigos do para povo.a Este era o baiense, mas para que viesse a constituir-se em nação seria pre ciso q u e , mediante u m pacto político instituísse o Estado q u e lhe desse forma. É por isso que a idéia de nação presente nos pasquins apenas aparentemente segue o modelo ilustrado de d. Fernando (nação = Estado), afastando-se deste radicalmente pois se fundamenta na vontade dos po vos e não n o papel coesivo do trono. O nacional dos autores dos panfletos sediciosos distin gue-se daquele da ilustração quanto ao fundamento que lhe é subjacente, e o caminho de sua instauração é a revolução, condição necessária do novo pacto político instituidor d o Estado e da nação. Vem daí q ue é inútil procurar
59 60 61 62 63
Ibidem. Ibidem. Débora Pupo, Cultura política e identidades coletivas na Bahia de 1798, São Paulo, 1998, inédito. F. A. Novais, Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial, cit., cap. 3. Essas manifestações de crise em áreas periféricas de E stados absolutistas do final do século XV III estão apontadas em I. Jancsó, Na Bahia contra o Império, cit., pp. 163 e ss.
um a
algumaq uideologia nacionalista entre ossu asediciosos baianos de 1798. A nova e propugnavam nã o buscava ordem legitimidade em direitos históricos ou em ancestral trajetória comum, típicos dos nacionalismos europeus emer gentes no século XV III. O confronto delineado em 1798 n a Bahia colocava frente a frente a m onarquia absoluta e uma comu nidade que afirmava ter configuração específica; o povo baiense instituidor potencial de um novo Estado que viria a ser nacional mediante um pacto de cidadãos, aqueles "baianos [que quando] longe de si lançarem mil desp óticos tiranos, felizes e soberanos nas suas terras serão".65 O inimigo do povo não tinha uma confi guração nacional, a opressão não era percebida como a de uma nação es trangeira. Não era assim que a dominação era reconhecida, pois a privação da liberdade d o povo baiense não advinha da sujeição à nação portuguesa,mas a o trono. Este era reconhecido com o o supressor da liberdade por via do Estado que lhe servia de suporte e com o qual se identificava. Nunca devemos esquecer que o universo mental dos que, na Bahia de então, pro puseram o rompimento com o trono era o dos homens do século XVIII, fortemente marcado pela condição colonial. E no que diz respeito à questão 64 65
K. de Q. Mattoso, op. cit., p. 157. Anais do Arquivo Público da Bahia (AAPB) (Salvador, Imprensa Oficial da Bahia, 1959), vol. 3 5 , p. 223.
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nacional, é bom lembrar que, mesmo no centro revolucionado do Antigo Reg ime europeu, o nacional mal começava a assumir nítido contorno políti c o , e men os ainda traduzir-se em ideo logia política. E se L ucien Febvre tem razão ao afirmar que a nação é " u m a realidade psicológica profunda [...] que modela rigorosamente todos os indivíduos no interior do seu quadro [...],
funda e cujos desdobramentos eram imprevisíveis. Que tudo isso se tenha dado mediante a combinação de elementos de permanência e mudança é quase redundante em se tratando de acontecimentos que não estavam inscri tos na ló gica da trajetória precedente do império,68 mas a os quais era impe rativo, n a situação advinda, conferir u m a inteligibilidade q u e acomodasse não
detentora 66 de um patrimônio cultural do qual participam todos o s seus mem bros", o que se percebe nessa B ahia de final do século não se aproxima da sua proposição. A q ue comunidade politicamente instituída os baianos ex pressavam seu pertencimento? Tem os aí pelo men os duas variantes, agora contrapostas. Por um lado, estão os qu e se têm por portugueses, no estrito sentido de fiéis vassalos de sua majestade. Por outro, estão os que se têm p o r baienses, eventualmente republicanos, conforme já se viu. E m am bos os casos se trata dos que têm por pátria a Bahia, uma pátria que ainda não engendrou u m patriotismo político a ela referido, e em cujo interior identida des políticas distintas coexistiam e se confrontavam n a gestação histórica de alternativas de futuro cujas formas apenas se esb oçavam .
apenasque as experiências políticas já acumuladas, mas também o s projetos de futuro delas derivavam. N o plano da vida política convém , antes de tudo, chamar a atenção para a alteração na configuração da sociedade que a ela tinha acesso, pro cesso magnificado no Rio de Janeiro, mas com repercussões nos grandes centros de convergência dos dom ínios luso-americanos, aqueles que consti tuíam os po ntos nodais da estrutura imperial. A instalação do aparelho cen tral de poder incrustou n a América u m a elite política cujos mem bros, em sua maioria, eram adventícios nesse quadrante e sentiam-se vivendo sob o signo d a provisoriedade, constrangidos a isso por obra das circunstâncias d a gran de política européia. Não eram colonizadores ou delegado s da coroa, eram
A instalação da corte bragantina no R da io de Janeiro produziu enorm e impacto sobre a percepção que os homens época tinham da adequação do Estado português ao novo equilíbrio entre as suas diferentes partes. O Correio Braziliense, atento a essa situação, alertou para o problema ao ponderar que
exilados que emcontinuidade do mínios de das seu ações rei, cabendo-lhes, paradoxalmente, assegurarainda a perfeita de governo nas novas condi ções. N ão é n ecessário insistir no fato de que a realidade prevaleceu sobre as intenções, imprimindo-lhes sua marca, com o que a ilusão da perfeita continuidade traduziu-se numa série de acomodações cuja história é a da crise do An tigo R egime português. O qu e é de destacar é que na nova situa ção am pliou-se grandemente o número de personagens que formavam a so ciedade po lítica 69 n a Am érica portuguesa, se confrontado o quadro emergente do 1808 com aquele prevalecente anteriormente a essa data.
um M onarca, que possui tão extensos domínios, como é o Soberano de Portugal, não deve fazer distinção entre província, e província de seus Estados, resida a corte ond e residir. A Beira, o Algarve, o Brasil, a índia devem todos ser considerados como partes integrantes do Império, devem evitar-se as odiosas diferenças de nome, de Capitanias e Províncias, e ainda mais se devem evitar as perniciosas conseqüências que desses errados nomes se seguem. 67
N ão s e tratava, entretanto, e autor e leitores sabiam disso, de questões de forma ou precedência, por maior relevância que essas dimensões da vida política assumissem na época. Tornou-se patente, insistindo em saber sabi d o , que as partes da América, liberadas dos constrangimentos d o exc lusivo colonial, viviam o encerramento de u m a modalidade multissecular d e depen dência, protagonistas de um a ruptura histórica que reconheciam com o pro66 67
L. Febvre, op. cit., p. 230. Correio Braziliense, vol. IV, n. 23, abr. 1810; J. P. G. P imenta, op. cit., 2 a parte, cap. 2.
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O estudo de Maria de Lourdes Viana Lyra, A utopia do poderoso império. Portugal e Brasil: bastidores d a política, 1798-1822, traça o nexo histórico da peculiar lógica da instalação da sede da monarquia no Brasil. Ainda q u e a arqueologia dessa alternativa afinal prevalecente seja suges
tiva, não há como deixar de reconhecer que ela derivou da imposição de circunstâncias que tornaram-na a única alternativa tida então por exeqüível para a sobrevivência da dinastia, o que eqüivalia dizer, da soberania do estado português. Para o simultâneo processo em curso na Am érica espanhola, ver François-Xavier Guerra, "A nação na América espanhola: a questão das origens", publicado originalmente em La Pensée Politique, n. 3, número temático "La Nation" (Paris: Gallimard/Le Seuil, 1995), traduzido para o português pelo professor d r. Marco Morei. 69 O conceito de "sociedade política" aqui adotado remete a Antônio Gramsci, Maquiavel, a política e o Estado moderno, com o que afastamo-nos da idéia de "elite política" tal qual utilizada por J. M. de Carvalho, o p . cit., especialmente p p . 16,48, e por K . de Q . Mattoso, Bahia, século XIX. Uma Província no Império (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992), especialmente o c a p . XVI.
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com o instrumento de pressão política objetivando a revisão de medidas es pecíficas (no caso em pauta: o Tratado com a Inglaterra) ou, no limite, do ordenamento político da sociedade, isto é, a tão temida revolução. T rata-se de idéias constantes dos autos, e seu curso em meio a conversações contem plando assuntos de interesse dos en volvidos (para Veiga, privilégios relativa
E m primeiro lugar, a sociedade política foi grandemente alargada com a instalação d a corte e da nata da administração imperial (e sua clientela), pes soas que desconheciam na maior parte os padrões de sociabilidade vigentes
na América, e viam no domínio dos ritos p eninsulares (sociais, econômicos, culturais ou políticos) instrumento de afirmação de sua diferenciação (quan da
do não deJaneiro sua superioridade) relaçãopara aos dotar da terra. A instalação corte a cidade no R io ,de em m eio aosem esforços das característi cas compatíveis com a sua nova condição, isto é, dar-lhe feição européia, dava suporte à ilusão dos reinóis de que os padrões de sociabilidade assimi lados em Portugal poderiam ter plena vigência n a s partes do B rasil. M as não eram somente as gentes da corte os novos atores políticos que buscavam fazer valer seus interesses, conforme revela um a devassa que teve lugar em 1810 no Rio de Janeiro.70 E ssa devassa é uma peça rara. As autoridades foram levadas a abri-la por temor de preparação de um a ação subversiva, no limite revolucionária. Detiveram como suspeitos a Francisco Xavier de Noronha T orrezão, oficial da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramari n o s , e Manuel Luís da Veiga, hom em de cabedias radicado em Pernambuco, ambos peninsulares, mantendo-os presos por algo como cinco meses. Com o correr dos interrogatórios abandonou-se a busca de eventuais nexos da suposta trama subversiva, pois revelou-se impossível esclarecer a quem era justo atribuir intenções de teor sedicioso, aquelas mesmas cuja notícia deflagrou o pro cesso. A o final, as autoridades acabaram por admitir a hipó tese de que tudo não passava de condenáveis excessos verbais, o que, de resto, bastava para justificar tanto a sua ação quanto o constrangimento a o qual foram submetidos os en volvidos. Ainda que o projeto subversivo seja por tudo inverossímil, a curiosa concordância dos envolvidos quanto a ter sido proferidas expressões indicativas de desapreço ao poder acaba por revelar, se não a existência de alguma trama revolucionária em curso, o fato de que a eventualidade de desordens políticas envolvendo a plebe urbana era cogitada, avaliada e tida 70
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Devassa de 1810 - A uto de perguntas feitas a Manuel Luís da Veiga e a Francisco Xavier de Noronha Torrezão, oficial da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultra marinos. Arquivo Nacional (AN), Coleção Devassas, caixa 2.754. Este documento foi analisado por Andréa Slemian, "Uma análise da sociabilidade política no Império português: uma Devassa em 1810 no Rio de Janeiro", paper apresentado no XIV Encontro Regional de História - Sujeito na História: práticas e representações, São Paulo, PUC, 1998.
para Torrezão, mente ao do s produtos de sua manufatura; acesso a cargos de mercado maior importância na administração), é revelador de uma variante de cultura política que se espraiava pela corte, corpo doutrinário informe e tendente a fissuras e à diversificação, versão ampliada do q u e já estava em curso durante o fim do período colonial. 71 Com tudo isso, essa Devassa de 1810 expõe, sob a feição de uma aparente comédia de erros, os meandros da relação entre cultura política e interes ses práticos no interior da sociedade política na América. Percebe-se, poucos anos tendo se passado desde o inquérito promovido pelo Senado da Câmara da cidade de Salvador por solicitação do conde da Ponte, em 1807, quando um punhado de letrados debruçou-se sobre o estado vigente e as perspectivas de futuro da economia da Bahia,72 que os termos do debate se alteraram radicalmente no Brasil. Naquele quadrante, as normas do pacto colonial eram apontadas como o grande obstáculo para a expansão das atividades econômicas, com o que pleiteava-se a sua revisão, cond ição da liberação dos proprietários para fa zer o melhor uso de seus capitais. Com a supressão do exclusivo abriu-se uma nova conjuntura impondo outros parâmetros para o debate político, que passou desde então a incorporar ingredientes que antes eram tipicamen te peninsulares. M anuel Luís da Veiga surge como um homem dos novos tempos - o empreendedor moderno - pondo em prática o que Rodrigues de Brito e seus companh eiros na Bahia desejavam. E le propõe-se a implantar uma fá brica de cordas valendo-se de técnica desconhecida nos domínios lusos, ainda que já praticada na índia inglesa. Move-lhe, à parte o natural desejo de lucro, o conhecim ento d os mercados, tanto daquele comprador (tem conta tos nas praças de Salvador, Ilhéus e R io de Janeiro, além da de Pernambuco,
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' Ver I. Jancsó, "A sedução da liberdade", cit. Os pareceres elaborados por João Rodrigues de Brito, Manuel Ferreira da Câmara, José Diogo Ferrão Castelo Branco e Joaquim Inácio de Cerqueira Bulcão foram editados por F. M. de G. Calmon, A economia brasileira no alvorecer do século XIX (Salvador: Progresso, 1923), 1* edição publicada em Lisboa, 1821.
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onde pretendia instalar a empresa), quanto do mercado fornecedor de maté ria-prima (a fibra d e coc o), abundante no litoral. Tem con sciência d a impor tância do empreendimento, cuja escala não era irrelevante. A companhia à cuja testa está (e que reúne sócios ingleses) dispunha de fundos da ordem de 120 contos de réis (o valor de um bom engenho de açúcar em operação orçado, então, por volta de 80 contos de réis), 73 e Veiga estimava em 400 contos de réis o valor da matéria-prima a ser beneficiada. Dotado de m eios materiais para o empreendimento, o qu e veio buscar no R io de Janeiro? A resposta é clara: obter privilégios extensivos ao império, 74 e não apenas à Capitania de Pernambuco como lhe ha via sido concedido. Quem obstaculizava suas pretensões? A Junta de Comércio. A quem supunha estar por trás de suas dificuldades? José da Silva Lisboa 75 e, por esta via, o livre comércio que, n a forma com o estava regulamentado, transformava os produtos ingle ses em adversários formidáveis das manufaturas nacionais. A devassa expõe, portanto, o deslocamento, comparativamente ao período pré-joanino, de um dos eixos do debate político. Este não se pola riza mais entre defensores do exclusivo e os do livre comércio, centrandos e , agora, no confronto entre partidários do livre comércio e os do protecionismo agora nos termos da nova ordem, 76 revelando a urgência na redefinição do papel do E stado no tocante à vida econôm ica, ou mais clara73
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É este o valor estimado do engenho constante do inventário dos bens de João de Saldanha da Gama Melo Torres Guedes de B rito, o conde da Ponte, riquíssimo senhor de escravos e de terras falecido em maio de 1809 ("Cópia do inventário do conde da Ponte", em Anais do Arquivo da Bahia (Salvador: Imprensa Oficial do Estado, 1945), p. 41-75. Já João José Reis estima valor semelhante para a média do total de riqueza de um senhor de engenho de S alvador entre 1800 e 1 8 5 0 : 82 contos e 980 mil-réis (A morte é uma festa. Ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX (São Paulo: Cia. das Letras, 1991), p. 38. A esse respeito ver Nícia V . Luz, A luta pela industrialização no Brasil (2 . ed. São Paulo: AlfaOmega, 1975), p. 21. A economia política sociedade Sobre José (São da Silva ver Antônio /Hucitec, Penalves 1996). Rocha,Quanto Dep. História-USP à polêmica entrenaVeiga e José escravista Paulo:Lisboa, da Silva Lisboa, esta insere-se numa mais am pla q u e , então, envolvia figura do porte de Hipólito José da Costa, e foi analisada por Slemian, op. cit.; J. P. G. Pimenta, "A prática da contestação no Correio Braziliense"', e I. Jancsó, "A percepção da mudança", todos papers apresentados no XIV Encontro Regional de História - Sujeito na história: práticas e representações, São Paulo, P U C , 1998. Partindo das análises de Antônio Penalves Rocha, A economia política na sociedade escravista, cit, da historiografia contemplando o significado de José da Silva Lisboa, não é descabida a hipótese de que a devassa e documentação conexa informam sobre um momento do confronto entre os interesses d a grande lavoura e o s da emergente burguesia manufatureira na A mérica, com o que estamos diante do confronto de um "industrialista" típico da época, caso de Veiga, colidin do com José da Silva Lisboa, o defensor do livre comércio à outrance.
mente, apontando para alguns dos impasses criados pela abertura dos por tos e a concomitante supremacia inglesa. M as o episódio mostra também q u e esse E stado chamado a redefinir seu papel continua operando mediante o s ritos tradicionais do A ntigo Regim e, e é conforme as prescrições deste que se organizam os contatos entre Veiga e Torrezão - o empreendedor capitalista e o funcionário graduado, ambos bus cando a satisfação de interesses particulares junto a ele. P ouco importa, de momento, lembrar que se trata, nos dois casos, de projetos radicados em temporalidades distintas, com Torrezão enredado num diálogo do presente com o passado, e Veiga, num do presente com o futuro. O q u e é notável é que os do is projetos fundem-se em práticas de idêntica natureza quando adentram a esfera do E stado e, diante d a recusa, expressam a insatisfação recorrendo a expressões que remetem a u m a cultura p olítica q u e , no limite, é incompatível com o s fundamentos e a natureza absolutistas desse m esmo E stado. Ao fim e ao cabo, as desventuras de V eiga e T orrezão iluminam a própria crise do A n tigo Regime português, crise já instaurada como a s u a natureza. Sobre a s elites das partes americanas do imp ério, por seu turno, o im pacto da instalação da corte na América foi tão profundo - se bem com o sinal invertido - quanto aquele que afetava os recém-chega dos. Diante do sentimento de perda dos peninsulares, a nova situação despertou grandes e positivas ex pectativas entre as elites das diversas partes do Brasil, o que se traduziu, de imediato, na adesão dessas, em sua maioria, às iniciativas que conferiam visibilidade à liquidação d a condição colonial. Para muito além da cessão de moradias e outras facilitações para a instalação dos recém-cheg a dos (fenômeno fundamentalmente centrado no Rio de Janeiro), a adesão entusiasmada à nova ordem deu-se por toda parte, caso da Bahia onde a ação do conde dos Arcos valeu-se desse estado de ânimo, do que resultou ter recebido o apoio às suas iniciativas adm inistrativas de pessoas com larga tradição de crítica ao absolutismo luso. Havia a percepção, entre as elites locais, de que na nov a situação am pliar-se-ia a sua participação na gestão da coisa pública com a maior proximidade do centro do poder, o que, no p lano das identidades coletivas, traduziu-se no reforço de sua adesão aportugue s a, engendrando um surto daquilo que François-Xavier G uerra designa, ana lisando o processo então em curso n a Am érica espanhola, com o patriotismo imperial. 77 Essas expectativas, entretanto, esbarraram na alteração substanF. X. Guerra, op . cit.
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variantes anteriormente apontadas tenham se mantido, seus significados tor do tradicional equilíbrio entre as partes do continente do47910924 Bra sil, fenôm eCarlosGuilherme MOTA OrgViagem a-slidepdf.com no carregado de grande potencial de c onflito. naram-se passíveis de alteração substantiva. A partir de então a anterior identidade \uso-americana poderia tornar-se brasileira e como tal se O tradicional equilíbrio político entre as capitanias o u , mais exatamen autonomizar, somando-se ao elenco de identidades políticas que já então te , entre os grandes centros de convergência do espaço luso-americano, 78 coex istiam - a portugue sa e as outras ancoradas em trajetórias instauradas cada qual ligado a Lisboa, onde se realizava a unidade do todo por eles pela colonização, cada qual expressando uma possibilidade de projeto de formado, foi bruscamente substituído por outro que instaurava uma hierar
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que quia entre que, espaços sociais anteriormente relacionavam-se horizontalmente, alteração subordinando as outras regiões ao R io de Janeiro, tinha ime
diato sentido prático.79 Em meio a esse jogo de "perde e ganha" envo lvendo regiões e setores das elites, a elevação do Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e A lgarve, a que "o vulgo con siderou de insignificante formalidade"80 , como lembrou mais tarde Silvestre Pinheiro Ferreira, inovou na definição dos referenciais políticos. A condição americana, que n o período anterior ex pressava apenas u m predicado genérico que distinguia portugueses da Bahia ou de S ão Paulo dos d e Portugal, encontrou no recém-criado R eino do Bra sil a referência palpável da sua politização. O nov o reino transformara, ainda 81
conglomerado de capitanias que no plano simbólico, pela apenas subordinação ao poder de um mumesmo príncipe numa entidade p atadas olítica dotada de precisa territorialidade e de um centro de gravidade que, além de sê-lo do n ovo reino, era-o também de todo o império. Portanto, mesm o que no tocante à trajetória das identidades políticas no universo americano as 78
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Esses centros de convergência poderiam articular mais de um a capitania dado seu peso mercantil, cultural ou político. As capitanias de S ergipe e Paraíba, por exemplo, eram de tal forma ligadas às da Bahia e Pernam buco, respectivamente, que estas - em especial suas capitais - constituíamse em centros de convergência para aquelas... Uma tentativa de síntese panorâmica desses processos no interior do império português a partir de outros referenciais teóricos (a relação centro-periferia) foi recentemente empreendida por Russel-W ood, "Centros e periferias no mundo luso-brasileiro, e1500-1808", ver também Paulo Pedro Perides, organização político-administrativa o processo cit.; de regionalização do território colonial "A brasileiro", em Revista do Departamento de G eografia (São Paulo: FFLCH-USP, 1995), vol. 9, p.77-91. A resistência de províncias que relutavam em enviar ao novo centro recursos financeiros, em especial os provenientes de tarifas de exportação, é apontada por W ilma Peres Costa, op . cit., p. 156.
Silvestre Pinheiro Ferreira, "Memórias e cartas biográphicas, carta XXII", em Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro (ABN) , 1877-1878, vol. 3, p. 184. 8 ' Em termos práticos as implicações da mudança foram irrelevantes, a ponto de Oliveira Lima não dedicar uma única linha a questões dessa ordem no capítulo de seu D . João VI no Brasil (3 . ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996), circunscrevendo a importância da elevação do Brasil à condição de Reino Unido ao universo da alta diplomacia.
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nação incompatível, no limite,tornava-se com aquelas que asseoutras encerravam. partir daí, a nação brasileira pensável referida ao Estado —A o Re ino do Brasil - que definia seus contornos como uma comunidade politi camente im aginável, retornando novamente ao s termos d e Benedict A nderson. Tudo is so, entretanto, não se deu de modo linear e uniforme. A altera ção na direção das tradicionais rotas de peregrinação no interior do império português se fez sentir d e modo d esigual n a vida dos homens que dele faziam parte. Desd e o s primórdios da colonização, as práticas administrativas, os fluxos de comunicação, as referências de vassalagem que informavam as relações entre colônias e metrópole tinham em Lisboa o ponto natural de sua convergência. A inda que isso se desse mediante a trama de outras "redes" que interligavam as regiões colon iais entre si, er a esse o m ovimento predomi nante que organizava o conjunto e lhe conferia inteligibilidade. E ra po r dirigi rem-se para a mesma metrópole que as múltiplas administrações africanas, asiáticas e americanas identificavam-se como partes de um m esmo conjunto. Da mesma forma, todos os súditos do monarca português, onde quer que residissem, prestavam lealdade a u m mesmo monarca, o que identificava-os com o portugueses, ou seja, integrantes de uma mesma nação, palavra car regada de significados esp ecíficos, conforme já se viu, quando integrada no vocabulário político do Antigo R egime. N a nova situação criada com a ins talação da corte no R io de Janeiro esse quadro foi radicalmente subvertido, não som ente porque o centro do poder tenha-se transferido para a Am érica,
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Trata-se da variante brasileira do processo que para a região platina foi descrito com profundida de por T. Halperin-Donghi, op . cit., e por J. C. Ch iaramonte, "Formas de identidad política en ei Rio de ia Plata luego de 1810", cit., e J. P. G. Pimenta, Estado e nação na crise dos impérios ibéricos no Prata, 1808-1828, cit., numa perspectiva envolvendo América hispânica e portu guesa (estes dois mais diretamente centrados na compreensão da conformação das identidades políticas coletivas). Todos eles revelam que os processos em curso têm pontos em comum já que a crise geral que afetava o s impérios ibéricos tinha a mesma m atriz. Mas revelam também, cada qual à sua maneira, que os processos têm marcada especificidade derivada d as condições particu lares que eram diferentes nos dois casos.
http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a 15 6 I s tv ó n J a n c s ó e J o ã o P a u l o G . P i m e n t o Pe ça s de u m m o s a ico (o u a po nta m e nto s pa ra o e s tu do da e m e r g ê n c i a d a ide ntida de na do na l bra s ile ira )
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mas porque o próprio conceito de metrópole foi esvaziado de qualquer sen maquinações de a alguns indivíduos",86 expondo, portanto, problemas que di 47910924MOTACarlosGuilherme OrgViagem -slidepdf.com tido com o colapso do antigo sistema colonial. Os reinais de antes (com ziam respeito à nação. Essa visão d os acontecimentos estava em flagrante toda a conotação hierárquica envolvida neste recurso classificatório qu e sé oposição com a interpretação oficial veiculada pela Gazeta do Rio de Ja sabia repousar sobre formas de subordinação muito precisas) não eram mais neiro, segundo a qual o movim ento em curso era pontual desvio de norma, metropolitanos, eram desde então apenas europeus, com o qu e se suprimia apenas uma "m ancha" nas "páginas da História Portuguesa, tão distinta pelos o con teúdo hierarquizante da diferenciação entre portugueses de um ou de testemunhos de amor, e respeito, que os vas salos desta nação consagram ao outro lado do A tlântico.83
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Foi nessa direção que a alteração do estatuto do Brasil, agora reino equiparado ao de Portugal, veio da r forma a uma nova diferenciação interna à identidade portuguesa, reduzindo a eficácia da velha fórmula usada pelo governador Caetano P into de M iranda M ontenegro ao tentar apaziguar os ânimos exaltados no Recife pré-revolucionário em 1817. Conclamando "os nascidos em Portugal" e "os nascidos no Brasil" à harmonia com o argumen to de serem, os da cidade, "todos portugueses, todos vassalos do mesmo soberano, todos concidadãos do mesmo reino unido",84 o governador mos trava, ainda que repudiando-a, a existência de uma n ova linha de corte (a palavra-chave n este caso é "concidadão") em torno do qual se organizava a polarização d a política local.
87 seu S oberano", de um "desacato à lealdade Portuguesa" no qual "não teve parte a maioridade de seu s habitantes". Mas a nitidez na apreensão do significado dos eventos revelada por Hipólito José da C osta, em L ondres, era mais difícil de ser alcançada pelos envolv idos pe la vertigem revolucionária desatada n o Nordeste brasileiro. P ara estes, a ancestral identidade p ortuguesa tendia a colidir com a pernambucana, revelando o crescente desconforto de uma concomitância de cuja vigência demonstravam enorme dificuldade em se desvencilhar, no que nada há de surpreendente. Senão, vejamos. Numa proclamação de apoio ao Governo Patriótico que se assenhoreou do poder no Recife, o bispado local definiu o perfil dos
O antigo nexo estava em acelerado processo de erosão, e o movimen to revolucionário de Pernambuco de 1817, que instaurou por breve tempo um governo republicano no Nordeste do Brasil, conferiu inquestionável visi bilidade à instabilidade dos novos tem pos. 85 Isso foi de pronto reconhecido pela argúcia do Correio Brazüiense, que apontou para o fato de ser "a comoç ão no Brasil [...] motivada por um descontentamento geral, e não por
que reivindicar legitimamente condição de pernambucanos. A os seuspoderiam olhos , estes eram as "fiéis ovelhas Paernambucanas do Governo E spiri tual deste Bispado", pertencentes "à espécie branca [que] é toda européia, ou descendente dos europeus", destacando em especial serem estes últimos "brasileiros [qu e] têm mu ito amor, aferro e respeito aos seu s progenitores".88 A ênfase na circunscrição da linhagem legitimadora dos agentes da ruptura política, ancorada numa linha de continuidade radicalmente excludente e m termos raciais (o que eqüivalia a dizer sociais), mostra qual era o cerne da dificuldade. Sem dizê-lo, os prelados revelavam ser inerente ao abrir m ã o da identidade portuguesa o grave risco da indiferenciação da elite branca com os h omens negros e pardos que compunham a maior parcela dos habitantes
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Convém lembrar que o acesso a títulos, dignidades e honrarias tornou-se amplamente acessível ao s portugueses d o Brasil. Armitage nos informa que "achando-se as finanças em estado de apuro, recorreu [D. João] a uma profusa distribuição de títulos honoríficos" de modo que "durante o período da sua administração concedeu maior número de insígnias, do que haviam conjuntamente concedido todos os Monarcas da casa de Bragança seus predecessores". Conclui o cronista que com isso, "não podia deixar de ser grande o entusiasmo suscitado por esta distribuição de honras, entre um povo que ainda reverenciava as suas antigas instituições" (João Armitage, História do Brasil (São Paulo: Martins, 1972), p. 9). Por outro lado, o recurso cada vez mais freqüente ao conceito de império no vocabulário político dessa época revela a necessidade de uma fórmula que expressasse a nova configuração do E stado bragantino cuja sede do poder deixava d e ser equiva lente à condição d e metrópole, subordinadora de um vasto leque de colônias díspares na Am érica. Cf. Francisco M. Tavares, História da revolução de Pernambuco de 1817 (Recife: Governo do Estado, 1969), pp. 112 e ss. (a I a edição é de 1840). Ver C. G. Mota, Nordeste 1817: estruturas e argumentos (São Paulo: Perspectiva, 1972).
do país,comandam o que traziabrancos, em si a etemida umaveio situação qual o que depoisnaa ocor"pretos brancosperspectiva pretos",89 de
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Correio Brazüiense, vol. XIX, n. 1 1 0 , jul. 1817; J. P. G. Pimenta, op. cit., pp.152 e ss. Gazeta do Rio de Janeiro, n. 39, de 14 maio 1817; J. P. G. Pimenta, op. cit. Documentos históricos (DH), Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional/Divisão de Obras Raras e Publicações, vol. 101, p. 9. Apud C. G. Mota, Nordeste 1817: estruturas e argumentos, cit., p. 148. Sobre a questão do escravismo, pp. 142-62.
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dades políticas coletivas de tipo nacional a elas referidas. Pelo fato de o Era este o alcance da questão subjacente aos cuidadosos termos 47910924 MOTAda CarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com movimento de 1817 ter sido contido nos limites de uma ação de recorte proclamação quando insistia na imperativa necessidade da união d os bran partidário e, co mo tal, aberto à adesão de todos que aceitassem, individual c o s , e na urgência da superação da "fatal indisposição entre europeus e bra ou coletivamente, seu programa, viesse de onde viesse (em termos espa sileiros",90 expondo um dos limites que tolhiam a clara identificação dos ciais) essa adesão, 93 a revolução não chegou a liberar as forças que poderi atributos que deveriam abrir as portas da inclusão de seu portador na "co am transformar a tendência centrífuga latente nas diversas partes do sistema munidade política imaginada", na nação (ainda que virtual no caso do 1817 imperial na Am érica (neste caso, em P ernambuco e sua área de influência) nã omatriz pernambucano), agora mais cuja pensada nosestá termos do Antigoburguesa. R egime por em alternativa política de tipo nacional, alternativa sempre referida a u m ter tuguês, mas nos de outra origem na revolução Eé ritório (real ou virtual) e a um conjunto de norm as, valores, instituições e bom lembrar que essa dificuldade não pode ser debitada à prudência de símbolos (de vigência efetiva o u virtual) que lhe confeririam visibilidade. prelados, já q u e o discurso d o próprio governo revolucionário vinha pautado pelo m esmo diapasão. Apelando aos "habitantes de Pernambuco", para que É preciso ter em mente que nas primeiras décadas do século XIX o se unissem à causa da "Pátria [que é] nossa mãe comum", os homens do conceito de nação, ainda que carregado de enorme fluidez, espalhava-se governo dirigiram-se a eles com o argumento de serem todos "seus filhos rapidamente pelo universo atlântico, deslocando-se para o centro dos ideários [...] descendentes dos valorosos lusos, pois portugueses, sois americanos, políticos. 94 Ainda que comportando grandes variações de conteúdo, essa 91 sois brasileiros, sois pernambucanos". idéia sempre contemplava duas variáveis definidoras da comunidade cuja natureza pretendia expressar: uma herança (memória e história) e um territó O confronto dos dizeres da Gazeta do R io de Janeiro com os termos rio, ambos comuns aos m embros da nação. N o discurso da R evolução de dos proclamas do bispado e do governo revolucionário revela uma clara 1817 constata-se uma enorme ambigüidade quanto a esses pontos. Os re volucionários n ão recorrem à valorização de um passado que lhes é es pecí concordância quanto à natureza da trajetória coletiva comum que ambos assumiam como sua, independentemente do partido que tenham tomado fico (e como tal distintivo de outros) ao justificar suas ações, o que torna durante os conflitos. Nos dois casos os protagonistas dos eventos de 1817 perfeitamente com preensível a ausência quase absoluta do termo nação do reconheciam-se como galhos de um mesmo tronco, não se diferenciando seu vocabulário político. O s rebeldes, com o já ocorrera em 1798 na Bahia, quanto a isso a não ser na medida em que um galho diferia de outro. A falam cm povo (fonte e sustentáculo do poder nos termos da nova ordem), distinção deslocou-se para outro patamar, aquele da natureza dos pactos em pátria (nos termos que já se viu ser os dos deputados que escreveram o s social e político que fundamentavam a unidade da nação portuguesa reco manifestos de Falmouth), tudo isso fundindo-se em patriota, fórmula que nhecida com o comum a todos. Enquanto os revolucionários eram m ovidos expressava a "perfeita igualdade de cada [um] a respeito dos outros", 95 e pela perspectiva de nova ordem social e política que emergiria (pela via da que acabou tornando-se, para o bem e para o mal, a marca distintiva de seu revolução) da vontade popular, os defensores do status quo mobilizaram-se discurso. Por outro lado, o recurso à idéia de nação reforça-se co mo parte em d efesa dos pactos que se m aterializavam na monarquia absoluta.
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92 O s três s deemvida da ela República Pernambucana - "revestida soberania pelomese P ovo, quem só reside"foram curtos para quedao Estado emergente da revolução assumisse uma conformação estável e dota da do necessário conjunto de referências que pudessem autonomizar identi-
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Documentos históricos, vol. Cl, p. 9. Ibid.,p. 15 92 "Decreto do Governo Provisório da República de Pernambuco regulamentando a Constituição", em Documentos históricos, vol. CIV, p. 16.
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Os revolucionários aceitavam a adesão tanto de indivíduos quanto de organizações coletivas (corporações militares, ordens religiosas, câmaras municipais), fossem da Capitania d e Pernambuco, fossem de outras capitanias do Nordeste. Com isso, a abrangência espacial do movimento chegou a atingir praticamente toda a região desde a Bahia até o Ceará. Cf. C. G. Mota, Nordeste 1817: estruturas e argumentos, cit. Jacques Godechot, La Grande Nation. Vexpansion révolutionnaire de Ia France dons le monde de 1 7 8 9 a 1799 (2 . ed. Paris: A ubier, 1983); Pierre Vilar, op. cit.; e F. X. Guerra, Modernidade independências. Ensayos sobre Ias revoluciones hispânicas (México: FCE, 1993). Documenos históricos, vol. Cl, p. 34.
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I s tv ó n J a n c só e J o ã o P a u l o 6 . P i m e n t a
P e ç a s d e u m m o s a i co ( o u a p o n t a m e n t o s p a r a o e s t u d o d a e m e r g ê n d a d a i d e n t i d a d e n a d o n a l b r a s i l e ir a )
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da fala do poder, sempre carregada de referências ao passado, 47910924 MOTACarlosGuilherme Viagemaslidepdf.com meioOrg ao torvelinho que este se deu conta de que a diversidade constitutiva do com seu uso revelando, entrementes, que este poder vacilava diante das império, e deste na A mérica, até então um dos fundamentos de seu poder, imposições do novo tempo. tornara-se, com a vitória dos liberais no reino europeu, condição da sua E sses com ponentes da cultura política que se adensava no continente impotência. D e fato, na nova situação advinda, as Cortes Constituintes em americano -pátria (fosse ela Pernambuco, Paraíba ou qualquer outra), povo Lisboa assumiram o papel de centro de poder e de articulação política do (como fonte e agente do pacto político) e, finalmente, nação (entendida como império, e foram assim reconhecidas. depositária de umadiferentes herança comum a ser preservada) -, ainda na queAmérica, alimen tando alternativas para o Antigo R egime português radicalmente contrapostas em 1817, nã o eram, entretanto, antagônicos nem excludentes, ainda que a sua síntese não se tivesse completado no 1817 nordestino. Pelo contrário, esses conceitos já despontavam como portado res parciais, cada qual à sua maneira, dos elementos constitutivos de uma terceira alternativa para o enfrentamento de uma crise cuja superação cres cia em urgência. É sabido que foi na porção européia do império que irromperam em revolução as tensões geradas pelas contradições acumuladas em seu interior, desencadeando uma sucessão de eventos que destroçaram seu formato
O q ue ocorreu na Bah ia é exemplar quanto a esse ponto, não somente porque, pouco antes (em 1817), esta província desempenhara importante papel estratégico n a liquidação do movimento revolucionário pernambucano, mas porque, no seu caso, tratava-se, juntamente com o conjunto articulado em torno da corte (Rio de Janeiro, São Paulo e M inas G erais), da mais rica das partes do Reino do Brasil. Assim que chegou a notícia da nova ordem instaurada em Lisboa, a adesão da Bahia à revolução liberal foi, ainda que carregada de tensões, quase imediata e, vista a distância, aparentemente consensual,97 o que resul tou em fundados temores dos ministros, vacilantes quanto aos rumos a seguir diante dos a contecimentos. Silvestre P inheiro Ferreira, que desde antes já
longamente maturado. revolução de 1820, iniciada no P orto rapi damente espalhada peloAimpério, temliberal m erecido renovado interesse dos ehisto riadore s; interesse traduzido em estudos pontuais contemplando a diversidade de seus desdobramentos nos dois hemisférios e revelando o turbilhão de forças centrífugas que então foi ativado no espaço a mericano.96 Os contemporâneos reconheceram imediatamente a intensidade das mudanças em curso e, quanto ao núcleo central do poder imperial, foi em
vira com grande preocupação o potencial disruptivo da diversidade englo bada no novo Reino Unido, chegou a vaticinar que "decidiu-se a sorte do Brasil: quebrou-se o nexo que unia suas províncias ao centro comum: e com a dissolução do Brasil se consumou a dissolução d a M onarquia [...]. A B ahia acaba de desligar-se da obediência de Sua Magestade com o pretexto de aderir ao sistema das Cortes de Lisboa", com o que, acrescentou o ministro de d. João VI, "provavelmente a esta hora tem feito outro tanto Pará, M aranhão e Pernambuco", send o de esperar que "as outras províncias segui-las-hão de perto".98
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Para seu impacto na Província do Rio de Janeiro, Cecília Helena de S. Oliveira, op . cit., e Lúcia Maria B. P ereira das N eves, Corcundas, constitucionais e pés de chumbo: a cultura política da 1820-1822 independência, Paulo:Dias FFLCH-USP, teses de doutorado. a Bahia, questão é trabalhada por Luís(São H enrique Tavares, A 1992), d o Brasil n Para a Bahia (2 . ed.a independência Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982), e por Thomas W isiak, Tendências políticas na Bahia na crise do Império português (inédito); para o caso de Pernambuco, Marcus J. M. de Carvalho, "Cavalcantis e Cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 18171824", em Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 36, 1998, pp. 331-65, além dos trabalhos de Dênis de Antônio de Mendonça Bernardes, como por exemplo, "O processo de independên cia, a formação do Estado nacional e a questão regional no Brasil - o caso do Nordeste (18081824), trabalho apresentado no VII Congresso da AHILA, Florença, 1985; para o Pará, Geraldo Mártires Coelho, Anarquistas, demagogos e dissidentes. A imprensa liberal no Pará de 1822 (Belém: Cejup, 1993); para São Paulo, Carlos H. Oberacker Jr., O m ovimento autonomista no Brasil. A província de São Paulo de 1819 a 1823 (Lisboa: Cosmos, 1977).
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A fragilidade desse consenso é expressa na R esolução do conselho militar de 10 fev. 1821: "os comandantes e oficiais das tropas de linha da guarnição da cidade da Bahia em presença do governador e capitão-geral conde de Palma, quiseram de comum acordo impedir efusão de sangue, que infelizmente podia resultar em motins, originados do receio do povo de que sejam frustrados os desejos que tem manifestado de aderir aos votos de seus irmãos de Portugal, a quem desejam estar perpetuamente unidos, e participar com eles dos benefícios da constituição liberal que ora se faz em L isboa, resolveram o seguinte (...) Que o dia de hoje seja de reconciliação geral entre os habitantes desta província, que por qualquer diferença de opinião política estejam discordes até agora" (apud Affonso Ruy, História política e administrativa da cidade do Salva do r (Salvador. Tip. Beneditina, 1949), p. 371). Anais da Biblioteca Nacional (ABN), vol. 3, 1877-1878, carta IV, p. 260.
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Is tv án Ja ncs ó e Jo ão Pa u lo G. P i m e n t a
Pe ça s de u m m o s a ico (o u a po nta m e nto s pa ra o e s tu do da e m e rgência da ide ntida de no do na l bra s ile ira )
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47910924 Viagem a-slidepdf.com Os fatos confirmaram esses temores. As diversas províncias do MOTA reinoCarlosGuilherme para conformarem a nova ordem, disputando no plano as elites da Bahia ra m Org americano tornaram-se cenários de intensa atividade política abertamente mental a hegem onia com as outras que remontavam a diversa tradição: a do contraposta às regras até então vigentes, com grupos, partidos, classes, or reformismo ilustrado. dens, corporações e personalidades (com suas clientelas), antes contidos na N ão se pode perder de vista, sob risco de passar ao largo das propor esfera d a política local, disputando pos ições que lhes permitissem influir no ções dessa dimensão da conflagração política em curso tendo por cenário desenho da nova ordem que viria a emergir com a re-fundação, exaltada principal (mas não exc lusivo) o universo das classes dominantes, que essas
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como regeneração, do Estado português 99com o qual se identificavam com renovado entusiasmo na nova conjuntura. E sse processo, que vinha carre gado de a ntagonismos de vários tipos, traduziu-se em acentuada aceleração dos ritmos da vida política, aceleração magnificada com a decretação da liberdade de imprensa pelas cortes. 100 Essa medida, pela acolhida que teve, pulverizou o contorno até então imposto à sociedade política, alargando-a tanto no tocante aos interesses objetivos que em seu interior se confronta vam, quanto ao que se refere às culturas políticas e forma ções de tipo parti dário que os expressavam . A complexidade do quadro político baiano emergente da adesão da província às Cortes Co nstituintes revela que um quarto de século de expe
elites baianas viam-se diante de uma situação totalmente nova, com o espaço da coisa pública alargada em tal escala e profundidade, que o temor da perda do controle do processo político e da conseqüente desordem social levou-as a lançar mão do s mecanism os políticos que lhes eram familiares, e em cuja eficácia confiavam . A constituição da primeira Junta de G overno, formalizando a ad esão da Ba hia à nova ordem liberal, refletiu es se reflexo conservador, com cada um do s grupos funcionais (cuja natureza era corpo rativa) detentores de reconhecido p oder indicando seu representante.102 Essa opção por um critério arcaizante para a sua composição obstava que os recortes políticos de tipo partidário viessem a servir de base para a representatividade da Junta. E com essa opção uma longa tradição oposi
riência política acumulada n o enfrentamento d a crise do An tigo Regim e por tuguês, até então represada, estava profundamente enraizada na m ente dos homens qu e aí viviam. E ssa experiência, eventualmente de conteúdo revolu cionário,101 e que foi até então contida fora dos limites do espaço público quando derivava de práticas contrapostas ao absolutismo, pa ssou a consti tuir-se, p or obra da revolução liberal, num d os instrumentais ao qual recorre-
cionista, de cujos portadores o traço comu m er a bem mais político-ideológico do que sociológico (fato novo emergindo naqueles momentos de desmantelamento da velha ordem), viu-se afastada dos centros de decisão, o que prov ocou reações v iolentas. Passando ao largo de matizes importan tes em se tratando de um quadro de extrema fluidez po lítica, e ignorando a rapidez com q ue alianças eram feitas e desfeitas no acelerado aprendizado do fazer política num contexto no qual as velhas normas haviam perdido vigência e as novas ainda não haviam sido estabelecidas, pode-se apontar para a emergência de três vertentes básicas quanto à futura forma de org ani zação do Estado no âmbito da província.
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Caio Prado Jr. já notava que nas províncias do Nordeste a revolução teve um impacto diverso com relação às do Centro-Sul, a começar devido às diferentes formas com que essas regiões perceberam a presença da corte no Brasil desde 1808 ("O tamoio e a política dos Andradas na independência do Brasil", em Evolução política do Brasil e outros estudos (10. ed. São Paulo: Brasiliense, 1977), p. 180). Tratando-se do caso da Bahia, Luís H. D. Tavares lembrou das
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cartas do então governador das armasindependentistas coronel Luís Inácio Madeira de Melo, em que se fazem referências a grupos constitucionais, e independentistas republicanos dispu tando o controle da província ( o p . cit., p. 27). Outra testemunha da época, Francisco de S ierra y Mariscai, identificou três "partidos": "Europeu", "Democrata" e "Aristocrata", cada qual apontando para diferentes projetos de organização política q u e iam desde a subordinação incon dicional ao governo português até a ruptura com plena autonomia provincial ("Idéias gerais sobre a revolução no Brasil", cmABN, vol. 43, 1920, parte 1, cap. 6). Decreto de 4 jul. 1821. Para uma análise de seus desdobramentos em Portugal, ver José Tengarrínha, Da liberdade mitificada à liberdade subvertida. Uma exploração no interior da repressão à imprensa periódica de 1820 a 1828 (Lisboa: Colibri, 1993), pp. 40-52. Ver I. Jancsó, Na Bahia, contra o império, cit., especialmente cap. V, "Teoria e prática da contestação na colônia".
O procedimento para a constituição da Junta Provisional seguiu o modelo já antes adotado na América espanhola no período que se abriu em 1810, de aclamação por cabildo abierto. Proclamando lealdade ao soberano e dizendo agir em seu nome para evitar "o derramamento de sangue de seus fiéis vassalos", foram propostos, pelo clero, o deão José Fernandes da Silva Freire; pela milícia, os tenentes-coronéis Francisco de Paula O liveira e Francisco José Pereira; pelo comércio, Francisco A ntônio Filgueiras e José Antônio R odrigues Viana; pela agricultura, Paulo José de M elo de Azevedo e Brito; e pela cidade, o desembargador Luís Manuel de Moura Cabral. Para secretários foram aclamados o desembargador José Caetano de Paiva e o bacharel José Lino dos Santos Coutinho, assim como o foi o tenente-coronel Manuel Pedro de Freitas Guimarães para o Governo de Armas. Ata da Câmara Municipal de Salvador de 10 fev. 1821, apud Inácio A. de C. e Silva, op. cit., p. 272.
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I stv ón Janc só e Joã o Paulo G. Pimenta
P e ç a s d e u m m o s a i c o ( o u a p o n t a m e n t o s p a r a o estudo da emergê nc ia da identidade nac ional brasileira)
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A primeira delas, herdeira da tradição republicana q ue 47910924 emergiu em 1798 numOrg cenário formado por efêmeros clubs, boticas, residências particulares, MOTA CarlosGuilherme Viagem a-slidepdf.com e permeou a solidariedade de baianos aos presos políticos que, após a der r lojas maçônicas, adros de igrejas, praças e ruas, onde se urdiam alianças rota da revolução pernambucana, aí amargavam o cativeiro,103 orientava-se esboçando convergências de maior abrangência política tendo em vista as pela ruptura total com Portugal, independentemente da ordem política ali eleições que vieram a polarizar o debate político e, a seguir, para fazer face à radicalização política em contexto de confrontação armada quando da guer prevalecente, se absolutista ou constitucional.104 A segunda vertente, desdo ra da independência na Bahia. brada em variantes marcadas por referenciais ideológicos conflitantes, via na
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adesão ao sistema constitucional o caminho para a afirmação da autonom ia da província, corpo político dotado de feição própria a ser integrado no império português em igualdade de condições como todas as suas outras partes, fossem européias ou americanas.105 A terceira vertente, enfim, via na restauração d a combalida unidade do imp ério, agora pela via constitucional, o caminho para o enfrentamento das dificuldades geradas pela crescente preponderância estrangeira, am eaçando tanto interesses mercantis ancora dos na velha ordem, assim como fazê-lo quanto às condições de reiteração ampliada da ordem social escravista que esta havia engendrado e dá qual se alimentava. 106 Tudo isso, já se vê, vinha explodindo em iniciativas isoladas, Sabe-se que esses presos receberam liberdade no dia da adesão da Bahia à revolução portuguesa e que entre eles encontrava-se o paulista Antônio Carlos de Andrada. Este recebia visitas e até mudas de roupa de João Ladislau de Figueiredo e Melo, um dos responsáveis pelo início do levante baiano e colega de Cipriano Barata, que também prestava solidariedade aos presos e comandava reuniões que precederam o dia 10 de fevereiro de 1821 (Evaristo Ladislau e Silva, Recordações biográficas do coronel João Ladislau de Figueiredo e Mello (Salvador: Tip. Cam illo de Lellis Masson & C , 1866), especialmente p. 13 ; e Inácio A. de C. e Silva, op . cit., p . 267). Não são poucas as referências acerca das intenções do marechal Felisberto Gomes Caldeira Brant e seu subordinado major Hermógenes de A guilar Pantoja na resistência à adesão da Bahia à revolução do Porto. Para Pereira Rebouças, testemunha do movimento, este último era "homem aferradamente inimigo de Portugal e de Portugueses" ("Recordações patrióticas. 1821-22", em Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, n. 48, 1923, p. 456). Para o periódico baiano Idade d'Ouro do Brasil, o marechal Brant "deu repetidas mos tras de que não queria comunicação com Portugal" (n. 17, 19 fev. 1821). Expressavam essa tendência, entre outros, indivíduos também oriundos daquela tradição emer gente em 1798, mas que naqueles anos de 1820 inclinavam-se a apoiar uma proposta monarquista constitucional. É o caso do s já referidos Cipriano Barata e João Ladislau e Melo, ambos afastados da organização do governo provisional. Dada a sua trajetória radical, Barata chegou a ser identificado, ainda em 1 8 2 1 , como um sans-culotte por Francisco de Sierra y Mariscai (op. cit.) e Ladislau, em carta de 17 jan. 1 82 2 , defendia-se d os rótulos de "francês" e "pedreiro livre" que se lhe atribuíram nas cortes de Lisboa (João Ladislau de Figueiredo e Melo, Carta ao ilustríssimo e excelentíssimo S r. Vicente Antônio da Silva Corrêa [assinada na Bahia, em 17 jan. 1822] (Salvador: Tip. da Viúva Serva e Carvalho, 1822). Condições tanto m ais ameaçadas na medida em que crescia a pressão inglesa contra a manuten ção do tráfico. L. F. de Alencastro, op. cit., cap. VIII.
Esse quadro movediço gerou um vocabulário político com ingredientes nov os, refletindo a terminologia em vog a entre os liberais europeus, para os quais não havia contradição entre nação, povo e pátria. Para os vintistas portugueses, a sua revolução , ao derrotar o despo tismo, abria as portas para o reencontro da nação consigo m esma, e o debate político na América fazia eco às suas palavras. Mas neste hemisfério os significados eram nuançadamente diferentes, assim como o era a natureza do reencontro de seus pre sumidos herdeiros com o passado. Com tudo isso, na Bahia a diversidade política, entretanto, subsistia, alimentando o antagonismo entre trajetórias coletivas contrapostas - e das identidades políticas coletivas que as sintetizavam - , cada qual encerrando projetos de na Estado de independentistas, nação que se contrapunham umas alijou-os a outras. daIsso é luta perceptível a ção edos cuja precipitação política efetiva, m as o é também em m eio à adesão ao vintismo e à identida de nacional portuguesa que este representava, na fala dos que estavam em penhados em da r forma ao projeto constitucional. É isso que está presente nas manifestações dos deputados que a pro víncia elegeu para representá-la nas Cortes Constituintes de Lisboa. 107 A bancada eleita contava com personalidades de considerável peso intelectual e era portadora de múltiplas referências políticas. Dela faziam parte repre sentantes da melhor tradição agrária baiana com experiência nas coisas do Estado na esfera local, caso de Ferrão Castelo Branco e Pedro Rodrigues
Seguindo-se as instruções do decreto de 18 abr. 1 8 2 1 , as eleições provinciais no Brasil ocorre ram ao longo d o segundo semestre daquele a n o . Os deputados (na proporção de um para cada 30 mil moradores) eram escolhidos por via indireta: compromissários escolhidos em suas fregue sias indicavam o s eleitores paroquiais que elegeriam os eleitores de ato, ou seja, aqueles a quem caberia a escolha dos deputados representantes da província. Mesmo assim, tratou-se de uma experiência ímpar na América portuguesa, na medida em que foi o seu primeiro processo eleitoral supra-municipal (Thomas W isiak, A nação partida ao meio: tendências políticas na Bahia na crise do Império português, inédito; Márcia R. Berbel, A nação como artefato: deputados do Brasil nas Cortes portuguesas, 1821-1822, cit.).
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Is tv ó n Ja ncs ó e Jo ão Po u lo 6 . Pim e n ta
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Bandeira; liberais de feição cosmopolita com profundo conhecimento do [que] sãoViagem outros tantos reinos que não têm ligação uns c om o s outros, não 47910924 MOTACarlos Guilherme Org a-slidepdf.com cenário político europeu, como Domingos Borges de Barros; depositários conhe cem n ecessidades gerais, cada uma [governando-se] por leis particu da tradição revolucionária antiabsolutista que remonta a 1798 e reafirmada lares de m unicipalidade".112 em 1817, casos de Agostinho Gomes e Cipriano Barata. Ao lado destes Es ses deputados, e os mais que representavam províncias americanas, estavam Luís Paulino de O liveira Pinto da França, militar devotad o à casa de eram em geral designados com o brasileiros em Lisboa, fosse pela imprensa Bragança com destacado papel na vitória das forças legalistas sobre os re local ou por seus pares europeus nas cortes, e assim se reconheciam, mas volucionários pernambucanos de 1817, o padre de Sousa, membro proeminente do clero local, e José Lino CMarcos outinho,Antônio jovem político de discurso radicalizante, cujo prestígio já se notou com sua indicação para secretário da Junta Provisional de G overno que deu uma primeira forma à nova ordem política em fevereiro de 1821.108 Tinham em comum sólida for mação intelectual, o fato de serem naturais da província e de contarem com a confiança de segm entos importantes do eleitorado. Refletindo o sentimento dos que os elegeram, sabiam ter por tarefa "fazer uma Con stituição para a nação portuguesa, esta que se acha espalha d a mais que outra alguma em todo o universo",109 levando às cortes a vonta de dos po vos de um a das partes de um Brasil entendido, nos termos de Lu ís
essa identidade atribuída e assumida não os vinculava ao R eino do B rasil, indicando tão-somente terem sido eleitos no além-mar. Mais do que tudo, eles sabiam-se representantes de suas províncias de origem, suas pátrias conforme já se mostrou anteriormente. Mas sua percepção quanto a esse ponto sofreu m utações com o correr do tempo. C onforme os trabalhos das cortes confrontassem em termos práticos as especiflcidades americana e européia n a busca de claras definições constitucionais (com a evidente refe rência aos concomitantes sucessos políticos no além-mar), o localismo de origem cedia lugar à ampliação de horizontes, o que tendeu a conferir maior concreção à idéia de Brasil. Os deputados baianos (e não somente estes) deram-se conta de que os ob jetivos que tinham por seus impunham o esta
Paulino, como "verdadeiramente uma continuação de Portugal". M as o que era isso de Brasil para esses homens? A leitura de suas falas durante os trabalhos d a Con stituinte permite afirmar q u e viam no Brasil uma construção política recente, um a criação q u e , nas palavras de Lino Coutinho, "liberalmente foi concebido pelo imortal D. João VI",111 sem tradição parti cularmente valorizada a diferenciá-la n o interior do E stado português. T rata va-se de uma entidade po lítica emergente que ainda não era depositária de adesão emocional, de algum tipo de patriotismo a ele referido. Na verdade, o Brasil era tido por um conjunto disperso, um agregado de "Províncias
belecimen to de alianças com representantes de outras províncias am erica n a s , mais próximos de si que os europeus. Isso se deu por etapas. Quando de sua chegada a Lisboa, os baianos anteviam na reorganização do Estado português um a oportunidade para a liquidação da supremacia política do S udeste no espaço político americano, entendendo por isso "nivelar a antiga Corte do R io de Janeiro com todas as mais províncias do Brasil",113 revelando o desconforto de uma elite ciosa de sua riqueza e poder diante de uma subordinação que jamais foi aceita de bom grado desde a transferência da sede dos vice-reis em 1763. As cres centes dificuldades na harmonização dos interesses representados pelas de legações européias e americanas, entretanto, tenderam a deslocar o eixo dos
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Para elementos biográficos dos representantes baianos, ver Thomas W isiak, op . cit.; I. Jancsó, Na Bahia, contra o Império, cit.; Caio Prado Jr., Evolução política do Brasil e outros estudos, cit. Sobre Agostinho Gomes, ver Luís Henrique D. Tavares, História da sedição intentada na Bahia em 1798 . A "conspiração dos alfaiates" (São Paulo: Pioneira, 1975); sobre Cipriano Barata, Luís Henrique D . Tavares, Cipriano Barata de Almeida, em Revista do Instituto Históri co e Geográfico Brasileiro, vol. 347, Rio de Janeiro, 1985; e Marco Morei, Cipriano Barata. O panfletário da independência (São Paulo: Brasiliense, 1986); sobre Luís Paulino da França, ver Antônio d'01iveira P. da França, Cartas baianas, 1821-1824. Subsídios para o estudo dos problemas da opção na independência brasileira (São Paulo/Rio de Janeiro: Nacional/Ed.da Uerj, 1980). Palavras de Domingos Borges de Barros na sessão de 25 jul. 1822; cf. T. W isiak, op. cit. Em sessão de 1 « jul. 1822; cf. T. W isiak, op. cit. Em sessão de 3 j u l . 1822.
posicionamentos da bancada, sem suprimir a s diferenças políticas entre seus membros, d a perspec tiva provincial para outro patamar: o br asileiro. Esse deslocamento acelerou-se com a chegada da bancada de São Paulo. O s paulistas vinham m unidos de uma proposta política cujos termos contemplavam o geral desejo de união d a nação portuguesa (sentimento par tilhado por todos), subordinando entretanto essa união ao respeito à 1, 2 113
Palavras de Lino Coutinho na sessão de 6 mar. 1822, cf. Berbel, op. cit., p. 131. Palavras de Lino Coutinho na sessão de 29 dez. 1821.
http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a Peças d e u m mo s a ic o (o u a p o n ta me n to s p a ra o 168
Is tván J a n c s ó e J o õo P a u lo G. P ime n ta
estudo d a em ergência da identidade nacional brasileira)
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O escravismo não chegou a tornar-se objeto de deliberação substanti das condições reais de existência das elites americanas. 47910924 MOTAACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com va das cortes, mas o documento dos paulistas deslocou-o para a centro da leitura das "Lembranças e apontamentos do Governo Provisório para os proposta de organização do Estado português que traziam, já que funda 114 senhores deputados da Província de São Paulo" revela com perfeita niti mentava o p rincípio da diversidade que este Estado deveria abrigar. Não se dez que seu s autores reconheciam no escravismo o núcleo forte das diferen tratava, segun do os autores do d ocumento, de buscar a reorganização polí ças entre americanos e peninsulares, e tinham nesta a questão em relação à tica de partes iguais (as várias províncias representadas), mas sim de buscar qual não havia o que transigir em Lisboa. De fato, caberia aos deputados
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paulistas 115 evitar que "a diversidade de costumes [...] e das circunstâncias es tatísticas" fosse ignorada quando das definições constitucionais respeitantes à igualdade dos direitos civis e políticos; eufemismo desfeito com meridiana precisão com a afirmação d e que esta "diversidade de circunstâncias" advinha de ser "composta [a população] no Brasil de classes de diversas cores, e pessoas umas livres e outras escravas".116 Que essa circunstância colidisse com os princípios em nome dos quais a regenedora revolução da nação portuguesa se fazia, aflorou pela via da crítica retórica aos excessos das práticas escravistas, sem tornar-se impedimento para a reivindicação de pa ridade nos órgãos decisórios que regeriam os destinos da nação,117 em evi dente contradição com o princípio de cidadania em nome do qual as cortes
a unidade entre duas formações sociais distintas na sua base, com o que estabeleciam o poderoso nexo que conferia unidade ao Reino do Brasil, diferenciando-o nos seus fundamentos sociais se confrontado com o Reino de P ortugal. Não estava, entretanto, no simples trato do escravismo a inovação que veio de São P aulo. Também na Bahia, como de resto por toda a Am érica, o debate político e ra inevitavelmente permeado p o r esta variável fundamental da realidade, tanto n o q u e significava e m si mesma (relações escravistas), quanto no que remetia para a dela derivada diversidade racial da população. Antes mesm o da adesão d a província à nova ordem, em fins de 1820 o comandante d a guarnição d a capitania, marechal Felisberto C aldeira Brant Pontes, temen
agiam. O argumento esgrimido para sustentar a legitimidade da reivindicação era familiar a todos: o risco da ruptura da ordem social. De fato, a Junta de São Paulo eliminava qualquer hipótese de alteração no status quo escravista ao localizar n a eventualidade de uma precipitada extensão de atributos civis aos "m iseráveis escravos" a perspectiva de virem estes a reclamar "direitos com tumultos e insurreições, que podem trazer cenas de sangue e de horro res".118
do as indecisões corte do R mudanças io de Janeiro, que favor aí se tomassem ativas poissugeriu "qualquer concedidoinici antes n o rumo de necessárias da revolução será recebido com entusiasmo, e todos os bons se deitarão nos braços de Sua M ajestade, mas depois d a revolução tudo parece necessidade, e sabe Deus que caráter desenvolverá ela em um país de tantos negros e mulatos!". 119 Com o avançar dos acontecimentos, em março de 1821 a Junta de Governo qualificou " a escravidão doméstica d o s naturais d a África" como "cancro",120 e o Idade d'Ouro do Brasil sinalizava nela reconhecer previsível fator de discórdia ou, no limite, de ameaça à boa ordem, argüindo professa rem alguns n a província a idéia d e que "a raça africana torna perigosa a Cons tituição", ainda que relativizando a importância política do problema ao remetê-lo à pauta d a s definições normativas, o que certamente se faria já que, perguntou-se o articulista, "os Deputados das Cortes são porventura nécios para n ã o terem em vista providên cias que tal artigo exige?". 121
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' V er Edgard de Cerqueira Falcão (org.), Obras científicas, políticas e sociais d e José Bonifácio de Andrada e Silva (Santos, 1963), vol. II, pp. 93-102. 1. 5 Ibid., p. 96 1. 6 Ibid., p. 98 1. 7 Estimativas demográficas para o ano de 1819 apontam que não obstante a população total do Brasil (em torno de 3.596.132, excetuando-se índios) ser superior à de Portugal (em torno de 3.026.450 para o ano de 1 8 2 1 , excetuando-se as ilhas atlânticas), aquele possuía a alta porcen tagem de 3 0 % (ou seja, 1.107.389) de escravos. Os dados para o Brasil são fornecidos por Maria Luiza Marcílio, "A população do Brasil colonial", em Leslie Bethell (org.), História d a Améri ca Latina, "América Latina colonial" (São Paulo/Brasília: Edusp/Funag, 1999), vol. II, p. 338; os de Portugal por Rui Cascão, "Demografia e sociedade", em José Mattoso (dir.), História de Portugal, "O liberalismo, 1807-1890", (Lisboa: Estampa, s.d.), vol. V, p. 425. 118 Cf. Edgard de Cerqueira Falcão (org.), o p . cit., p. 98 A esse respeito é útil a leitura de Antônio P. Rocha, op. cit.
da
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" Carta de Felisberto Caldeira Brant ao conde de Palmela (2 1 dez. 1820), apud Hendrik Kraay, A política rac ial nas forças armadas, 1823-1838, comunicação apresentada no IV Congresso de História da Bahia, Salvador, 27 set. a 1° out. 1999. 120 O termo encontra-se na "Reclamação da Junta da Bahia aos Habitantes da Província", em Inácio A . de C. e Silva, op. cit., pp. 284-5. 12 > Número 4 7 de 2 3 m a r . 1 8 2 1 . Para melhor visão dessa questão, v e r , d e João José Reis, "O jogo duro do Dois de Julho: o 'Partido N egro' na independência da Bahia", em J. J. Reis e Eduardo Silva
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http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a Is tv ó n Jancs ó e Jo ão Pa u lo 6 . P im e nta Pe ça s de u m m o s a ico (o u a po nta m e n to s pa ra o e s tu do da e m e rgência da ide ntida de na do n a l bra s ile ira)
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A novidade que veio n a bagagem da bancada paulista foi a clara expo festoOrg neste Congresso, e vem a ser, que sempre tive horror à escravidão, MOTACarlosGuilherme Viagem a-slidepdf.com de que a forma de organização do Estado português47910924 deveria subordi apesar de ser Brasileiro". 124 nar-se diretamente às condições de reiteração do sistema escravista na Os b aianos tinham atada à sua imagem a condição escravocrata, e sa América o u , mais claramente, que a forma d e organização d o Estado deveria biam perfeitamente disso. 12 5 Mas na construção de sua auto-imagem (de refletir, na prática, as exigências dessa reiteração. A percepção dessa di liberais) isso era subsumido como conseqü ência d e "circunstância" derivada mensão do problema alterou a prioridade que a bancada baiana atribuía às relações de sua província com o centro articulador do espaço p olítico brasi leiro (o Rio de Janeiro), e cuja supremacia, quando de sua chegada a Lisboa, 124 Sessão de 17 abr. 1822. desejara suprimir. Coube ao próprio Lino Coutinho, que em dezembro do 125 Sabiam-no perfeitamente porque assim eram vistos, como de resto todos os portugueses da ano anterior forcejava pela supressão da função centralizadora da sede da América e, numa escala mais ampla, os portugueses em geral, por aqueles que, portadores de outra identidade de tipo nacional, construíam-na pelo reflexo diferenciado da que tinham por corte, proclamar, sete meses mais tarde, que " o Brasil é um reino bem com o sua naquela que atribuíam aos portugueses. A análise do periodismo da região da Banda Oriental Portugal; ele é indivisível, e desgraçados daqueles que tentarem contra a sua do Uruguai, à época integrada como Província Cisplatina ao Reino do Brasil, é poderosamente categoria e grandeza, desmembrando suas províncias para [aniquilá-lo]", 122 ilustrativa desse jogo de espelhos; cf. o Pacífico Oriental de Montevideo (POM), periódico de Montevidéu que veio à luz em dezembro de 1821 com a tarefa principal de defender as vanta revelando admitir que o reino am ericano era dotado de um centro de gravi gens proporcionadas pela proteção oferecida pelo império português (liberdade política e segu dade próprio. É evidente que o correr dos acontecimentos políticos no alémrança na atividade com ercial que encontrava-se debilitada na região desde 1810: a desejada boa ordem) em nenhum momento equipara os "orientais" a "portugueses americanos" ou "brasilei mar, do que mantinham-se informados, 123 alimentava poderosamente a sua r o s " (estes sim, sinônimos), tampouco inclui-os na "pátria" ou "nação portuguesa", que são crescente antagonização com os representantes do reino peninsular, levan sempre referidas a terceiros (os habitantes do B rasil, os habitantes de suas províncias). Assim, do-os a reforçar alianças com todos que, independentemente de sua origem, é significativo que ao tratar da questão da escravidão africana, o Pacífico exponha esta diferen ciação adquirindo contornos de incompatibilidade e de ameaça ao sucesso da incorporação da viam na união da s províncias americanas a alternativa q ue se d everia priorizar. Cisplatina com o Brasil. Em um comentário sobre os inconvenientes "que nos resultam de Vem daí que, com crescente intensidade, a paridade das representa perpetuar o vergonhoso tráfico de nossos irmãos os africanos", o editor lembra o exemplo ções do Brasil e de Portugal nos organismos diretivos do Estado passou a "sangrento" de Santo Domingo (Haiti) como demonstração dos perigos de se adotar tal tipo de mão-de-obra, associada com governos "despóticos" e "arbitrários" contrários às idéias de subordinar todos os outros objetivos dos deputados da Bahia, malgrado a "liberdade" (traduzidos do POM, n. 16, 5 abr. 1822, e n. 25,7 j u n . 1822; esta análise encontradesproporção entre o núm ero de cidadãos do reino am ericano que nas C or se em João Paulo G. Pimenta, Estado e nação na crise dos impérios ibéricos no Prata, cit.). Os receios do Pacífico tinham fundamento. Pesquisas recentes mostram que entre os anos 1810 e tes C onstituintes se faziam representar, em flagrante c ontradição com os prin 1 8 2 3 , a população de Montevidéu contou com um contingente de escravos africanos que cípios liberais que referiam a feitura da constituição. Ainda q ue isso não fosse beirava a cifra de 30 % que, ainda que correspondesse à média do Brasil (cf. nota 117), é a mais dito, os deputados baianos estavam enredados pelo caráter escravista da alta de toda a história da cidade (Ernesto M. Campagna Caballero, A população de Montevidéu, sua demografia histórica urbana, 1726-1852, São Paulo, Departamento de História/USP, elite que representavam, e sabiam que esta condição projetava sua sombra 1 9 8 7 , tese de doutorado). As críticas orientais à escravidão africana no Brasil testemunham, "às sobre a identidade da comunidade imaginada à qual pertenciam, fato gera avessas", esta situação, posto que colocavam sua extinção como garantia da ordem social. Por dor de desconforto para alguns, dentre os quais Lino Coutinho, constrangido último, vale destacar que o representante escolhido pela Cisplatina para atuar junto às Cortes da Nação Portuguesa foi Lucas José Obes, advogado que pouco tempo depois se encarregaria da a proclamar, quando das sessões das cortes dedicadas ao debate da exten defesa de duas escravas responsáveis pela morte de sua proprietária, uma rica senhora são dos direitos de cidadania aos libertos, ser "preciso que eu faça um manimontevideana. N esta ocasião, Obes redigiu a defesa em forma de um verdadeiro manifesto pela
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(orgs.), Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista (São Paulo: Cia. das Letras, 1989). Sessão de 3 j u l . 1822. A esse respeito, ver M. Berbel, op . cit., pp. 174 e ss. É o que atestam as "Instruções" do governo baiano datadas de março de 1822 recebidas pelos deputados, publicadas em L uís H . D. Tavares, A independência do Brasil na Bahia, cit., pp.74-5.
abolição do tráfico (o episódio foi trazido à tona por Anibal Bardos Pinto, "Historias privadas de Ia esclavitud: un proceso criminal en tiempo de Ia Cisplatina", em José Pedro Barrán/Gerardo Caetano/Teresa Porzecanski (orgs.), Historias de Ia vida privada en ei Uruguay. Entre Ia honra y ei desorden, 1780-1870 (Montevidéu: Taurus, 1996), pp. 172-95. Assim, os mesmos setores da sociedade oriental que apoiavam a incorporação da região ao Brasil como "P rovíncia Cisplatina" estavam entre os mais ardorosos defensores do fim da escravidão africana no Prata, colocada não apenas com o fator limitador da incorporação, mas principalmente como diferen cial a forjar identidades p olíticas distintas e incompatíveis entre si, dentro do império português (João Paulo G. Pimenta, op. cit., pp. 245-6).
172 Pe ça s de u m m o s a ico (o u a po nta m e nto s pa ra o e s tu do da e m e r g ê n c i a d a ide ntida de na do na l bra s ile ira ) http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a Is tv én Jo ncs ó e Jo õ o Pa u lo G . Pim e nta
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identidade política de seus autores e, por extensão, das audiências às quais do que era aceito como inevitável ordem das coisas. Soam quase patéticas 47910924de MOTA CarlosGuilherme Org Viagema -slidepdf.com eram dirigidas, documentam sentimentos de frustração e perda que, de res alguns casos individuais, repú to , perpassam muitas das manifestações políticas da época. Da leitura de dio às distinções raciais a qualificar homens livres. Cipriano Barata, tido por radical sanscolote126 (sic), oferece o elenco da diversidade cromática da jornais, panfletos, proclamações oficiais ou cartas privadas desenha-se um sociedade americana formada p or "mulatos [...], cabras, e crioulos; os índios, quadro de amarga perplexidade diante do fracasso das cortes na sua tarefa mam elucos, e m estiços", afirmando reconhecer em tod os, indistintamente, de consolidar a união da nação portuguesa. N o extremo norte, O Paraense, "gente todas nossas [que] são portugueses e cidadãos muito honrados e usando argumentos que já se viu serem os do Revérbero Constitucional valorosos". Na su a opinião, caberia à Constituição reconhecê-los como iguais, Fluminense ou do Correio do Rio de Janeiro, proclamava, coincidente fossem eles "filhos de portugueses, ou de brasileiros, ainda q u e ilegítimos, de mente no dia 7 de setembro de 1822, que "no meio me smo d o Labirinto de qualquer cor ou qualidade, nascidos no reino do Brasil; e mesmo todos os opiniões de Províncias inteiras e Povos, ainda não apareceu uma que enca crioulos e libertos". 127 E eis que do discurso libertário emerge, n o que tange minhasse a quebrar a indivisibilidade da união da M onarquia, entre os dois às identidades políticas coletivas, a profundidade do enraizamento, na mente Reinos Irmãos",129 perseverando na defesa de uma possibilidade q ue já es de Barata e malgrado sua intenção expressa, da diferença entre os originári tava perdida. os da África e os que ele tem por brasileiros. Seu colega de bancada, Luís N ão era simples para as elites luso-americanas despirem-se de algo tão Paulino Pinto da França, senhor d e engenho e de muitos escravos com quem, profundamente arraigado como a identidade portuguesa, expressão sintética por motivo de áspera divergência e para escândalo e escárnio da assem de sua diferença e superioridade diante dos muitos para quem essa condição bléia,12 8 Barata chegou a atracar-se fisicamente, também man ifestou-se na estava fora do alcance. Saberem-se portugueses constituía o cerne da me ocasião. E le não estava "pelo que disse um ilustre Deputado, que n ão sabe mória que esclarecia a natureza das relações que mantinham com o restante fazer distinção de cores; eu sei fazer essas d istinções; o que não se i fazer é do corpo social nas suas pátrias particulares, aquela massa de gente de distinção do merecimento quando ele está no branco, no negro ou no par outras origens co m a qual, sobre a qual, ou contra a qual caberia organizar o d o " . Poder-se-iam multiplicar os exemplos, e todos eles revelariam a novo corpo político. Com a independência do Brasil viam-se, de repente, onipresença do escravism o com o variável a determinar o horizonte m ental diante de uma tarefa cuja complexidade foi enunciada com desalentada pre desses h omens, igualando-os quanto a esse ponto, para além das diferenças cisão de metalurgista por José Bonifácio de Andrada e Silva: de visão de futuro e da cultura política que professassem. Tod os, sem exce ç ã o , eludiram esta questão, desqualificando o problema do escravismo com o É da maior necessidade ir acabando tanta heterogeneidade física e civil; cuidemos pois variável política a ser contemplada pelas cortes, fazendo-o mediante o artifí desde já em combinar sabiamente tantos elementos discordes e contrários, e em amalgamar tantos metais diversos, para que saia um Todo homogêneo e compacto, cio de tê-lo presente pelo seu contrário: a questão da cidadania. E com o que se não esfarele ao pequeno toque de qualquer nova convulsão política. 130 escravismo subsumido pelo seu inverso, pôde fluir com plena desenvoltura a retórica liberal dos representantes das elites baianas e das de todas as outras partes do Reino do Brasil. Por fim, não se deve esquecer q u e os manifestos de Falmouth, além do 129 O Paraense, n. 32, 7 set. 1822, publicado por Geraldo M ártires Coelho, Anarquistas, demago que revelam sobre o significado de pátria, país e nação na construção da
5/10/2018 as manifestações, porventura sinceras em
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Segundo Francisco de Sierra y Menescal, op . cit., p. 57. Sessão de 13 ago. 1822. Manuel Emílio Gomes de Carvalho, Os deputados brasileiros nas Cortes de Lisboa (Brasília: Senado Federal, 1979), p. 181.
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gos e dissidentes. A imprensa liberal no Pará de 1822, cit, pp. 311-4. "Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a escravatura", em E. de Cerqueira Falcão (org.), Obras científicas, políticas e sociais de José Bonifácio de Andrada e Silva, cit., vol. II, p. 126, onde, ademais, a escravidão é tratada novamente por "cancro" (grifos originais). Para uma abordagem atualizada do pensamento político do A ndrada, ver o estudo introdutório em M iriam Dolhnikoff (org.), José Bonifácio de Andrada e Silva. Projetos para o Brasil (São Paulo: Cia. das Letras, 1998).
P e ç a s d e u m m o s a i c o ( o u a p o n t a m e n t o s p a r a o e s t u d o d a e m e r g ê n c i a d a i d e n t id a d e n a c i o n a l b r a s i l e ir a ) I s t vá n J a n c s ó e J o ã o P a u l o G . P i m e n t a http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a
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O s termos enunciados pelo A ndrada revelam que este, e sua geração, Bibliografia selecionada 47910924MOTA com o mesmo paradoxo que paralisara os revolucionários deCarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial, 1500-1800.4. ed. Rio de Janeiro: Briguiet, 1817, e antes disso já se anunciara no 1798 baiano: a impossível eq uivalên 1954. cia entre corpo social e nação em contexto escravista. Acresce que, rompi (org.). Histó HOLANDA, Sérgio Buarque de. "A dissolução da herança colonial", em da a "indivisibilidade da união da Monarquia", alteraram-se os significados ria geral da civilização brasileira. S ão Paulo: Difel, 1985. de pátria e país, conceitos distintos mas reciprocamente referidos. . Raízes do Brasil. 24. ed. Rio d e Janeiro: José Olympio, 1992. Quanto a pátrias, o texto d'O Paraense é claro: estas são as provín LIMA, M. de Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Toopbooks, 1996. cias, locais de reiteração de trajetórias particulares engendradoras dos "Po MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro veio—o imaginário da restauração pernambucana. R io de Janeiro: Toopbooks, 1997. vos" e de suas identidades coletivas. O plural do periodista tanto remete a E SOUZA, Laura de (org.). Cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: MELLO um linguajar ancien regime, quanto demarca a multiplicidade dos âm bitos Cia. das Letras, 1997. reais, concretos, da difícil "amalgamação" das diferenças, tanto aquelas às MOTA, Carlos Guilherme. Idéia de revolução no Brasil, 1789-1801.3. ed. São Paulo: Cortez, quais se referia José Bonifácio, quanto das que distinguiam o Pará de 1989. Pernambuco ou Minas Gerais da Cisplatina, e fazia os maranhenses sabe& NOVAE, Fernando. A independência política do Brasil. Sã o Paulo: Hucitec, 1998. rem-se diferentes dos baianos. O Brasil, por seu turno, é o país, enorme NOVAIS, Fernando Antônio. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial, 1777-1808. mosaico de diferenças, cujas peças mal se acomodavam no império emer 6. ed São Paulo: Hucitec, 1966. gente do rompimento com Portugal, a partir de então "pátria mãe" e não PRADO JR., Ca io . Formação do Brasil contemporâneo. 5. ed. São Paulo: B rasiliense, 1957. mais "reino irmão", mudança de significado que estabeleceu a precisa alteridade na qual pôde se refletir a identidade nacional brasileira. E nesse quadro de contradições, algumas diretamente derivadas da crise que tudo penetrava, outras resultantes das respostas que os homens produziam para a sua superação, não parece ser irrelevante destacar que a identidade nacional brasileira em ergiu para expressar a adesão a uma nação que deliberadamente rejeitava identificar-se com todo o corpo social do país, e dotou-se para tanto de um E stado para manter sob controle o inimigo interno.131
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Segundo Bonifácio, na mesma "Representação" (op. cit.,\ol. II, p. 156-7), "multiplicando cada vez mais o número de nossos inimigos domésticos, desses vis escravos, que nada têm que perder, antes tudo que esperar de alguma revolução como a de S. Domingos". Sobre o antiescravismo do Andrada, ver, de Antônio Penalves Rocha, "Idéias antiescravistas na sociedade escravista brasileira dos princípios do século XIX", paper apresentado no X Congresso Internacional sobre a Ilustração, Dublin, 1999.
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Por que o Brasil foi diferente? 0 contexto da independência
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Kenneth Maxwell
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-L ^1 a última metade do século X X , publicaram-se, surpreendentemente, poucos trabalhos acadêmicos a respeito da independência do B rasil. M enos atenção ainda tem sido devotada ao estudo sobre o impacto que a desco lonização do vasto império português na América do Sul teve sobre a pró pria metrópole. Historiadores portugueses ainda por vezes escrevem como se o B rasil nunca tivesse sido uma colônia de Portugal, e historiadores brasileiros freqüentemente ignoram a importante dimensão transatlântica dos conflitos políticos internos e das limitações econômicas do B rasil. A história do perío do que transcorre das Guerras Napo leônicas - quando, no fim de 1807, a invasão de Portugal pelo general Junot obriga a corte portuguesa a buscar refugio no B rasil - até 1825 , quando Portugal e as grandes potências euro péias reconhecem a independência do B rasil se ressente da falta de um es boço interpretativo, ainda que rudimentar. Apesar disso, os eventos que se desenrolaram nos dois lados do Atlântico estavam intimamente vinculados e não podem ser explicados sem se compreender o que os conectava. De fato, entre 1 81 5e l8 2 1, Portugal e Brasil faziam parte formal e institucional de um "R eino Unido". A interpretação dos problemas políticos e econ ômi cos do Brasil e de Portugal foi extensa, e assim continuou até pelo menos meados do século XIX. M eu objetivo é, de forma preliminar, dar uma nova visão do movimento de independência do Brasil no contexto com parativo atlântico. Em primeiro lugar, examinarei alguns problemas teóricos e práticos a respeito do estudo da independência do Brasil; em segundo lugar, o processo de "descoloni zação"; em terceiro, delinearei alguns aspectos-chave do contexto interna cional no qual se desenrolou a independência. Para finalizar, analisarei a h istória * Tradução de Adriana Lopez.
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social e econômica da independência do Brasil, vista a partir das grandes nantes para a investigação histórica; desta vez, não estamo s especulando a 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com continuidades entre os períodos colonial e nacional reivindicados pela atual respeito das conexões entre percepções, idéias e ações, mas assistindo à literatura que diz respeito ao Brasil, e das grandes descontinuidades que di transformação dessa s idéias em estratagemas institucionais e sociais, e e m zem respeito a Portugal. marcos constitucionais. Temos a tendência de pressupor que todas essas mudanças ocorrem para o melhor. Mencion o isto apenas para indicar o quanto nossa visão so
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i Iniciaremos o estudo do estabelecimento de novas nações a partir de velhos impérios com uma certa expectativa e algumas pressuposições. P reli minarmente, estamos pensando na emancipação política do status de colô nia; também se pressupõe que ocorreu uma certa democratização da política interna ou, ao meno s, a sua liberalização; desta forma, esperamos ver a der rota do despotismo e a emergência de algum tipo de fórmula institucional que expresse a vontade popular, essencial para garantir a legitimidade de qual quer Estado novo . A legitimidade, entretanto, não depende apenas de fato res internos: o reconhecimento do no vo status de nação pelas outras nações
bre a independência e a descolonizaçã o po de ser subjetiva. Raramente, por exemplo, consideramos um movimento de independência como uma "coisa ruim", como uma regressão, um triunfo do "despotismo" sobre a "liberda de", da "escravidão" sobre a "liberdade", de um regime "imposto" sobre um regime "representativo", da oligarquia sobre a democracia, da reação sobre o liberalismo. A pesar disso, no caso da independência do Brasil, todas essas acusações po dem ser imputadas ao novo regime, assim com o de fato foram feitas na época. ^ O Brasil, evidentemente, não estava só ao enfrentar esse dilema. Se "" considerarmos que as na ções independentes da A mérica Latina emergiram após três séculos de dominação ibérica, a persistência da herança colonial se
a reconciliação (ou pelo menos éuma essencial; assim comodoo pé,edido eventualmente, aceitação formal de separação), que geralmente significa a assinatura de um tratado internacional com a ex-metrópole. Questões geopolíticas surgem, portanto, como inevitáveis, assim como questões que envo lvem a política das grandes potências. A co nstelação das forças exter nas, a disposição d estas em intervir ou não, conforme a situação, talvez seja mais importante nesse m omento do que em qualquer outra época da história de uma nação. A nova nação também deve cumprir com o brigações no plano internacional: contrair empréstimos, realizar e financiar transações comer ciais; organizar a vida econômica e financeira; eventua lmente pagar indeniza ções ou assumir o compromisso de quitar débitos coloniais.
tornou uma questão premente. O Brasil tinha, por exemplo, no momento de sua independência de Portugal, 322 anos de existência; e, vale notar, no ano 2000 sua experiência enquanto nação independente da dominação formal européia ainda será mais curta do que o período em que esteve sob dom ina ção colonial. A pesar disso, a "persistência colonial" das nações da A mérica \ Latina era diferente daquela herdada pelos Estados pós-coloniais que emer giram dos impérios europeus na Ásia e na África a partir de meados do século X X . O impacto provocado pela Espanha e Portugal nas Américas v havia sido m uito mais profundo e, portanto, mais permanente do que foi o impacto dos europeus que se impuseram, temporariamente, sobre outras sociedades m ais antigas do Oriente Méd io até a China, onde as populações,
Da mesma forma do que em outros momentos na vida da história de um a nação, decisões fundamentais de natureza fundadora se fazem necessá rias no momento da independência. Essas decisões podem envolver ques tões profundas que dizem respeito a vários aspectos da vida nacional: a organização das esferas social e econôm ica, questões institucionais a respei to das estruturas constitucionais, questõ es de o rganização, com o criar ban cos e com o impor tarifas ou negociar tratados comerciais e com o criar uma moeda factível. É claro que a natureza explícita da multiplicidade de proble mas e decisõ es a serem tomadas transforma tais mom entos em temas fasci-
as religiões, as estruturas sociais e os padrões de comportamento nunca fo ram desenraizados ou destruídos da maneira catastrófica com o foram nas antigas civilizações da Am érica pré-colombiana. Depois da Segunda Guerra M undial, particularmente onde não ha via uma grande população de c olonos brancos para complicar a transição, africanos e asiáticos alcançaram a inde pendência formal negociando a retirada ou tomando em armas e expulsando um punhado de soldados, capatazes e administradores brancos. Na Améri-y ca Latina foram precisamente os soldados, capatazes e adm inistradores eu ropeus que expulsaram o s representantes das coroas de Espanha e P ortugal
http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a Por que o B ra s il f o i dif e re nte ? 0 contexto do i n d e p e n d ê n c i a K e nne th M a x we ll 182
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p i o , situavam a emergên cia do B rasil enquanto nação independente dentro e a uma só vez usurparam a soberania de uma grande massa de população 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com do contexto da passagem do capitalismo mercantil para o capitalismo indus indígena e de escravos africanos. A Am érica Latina não pode s er compreen trial na Europa, e as conseqüentes mudanças que essa passagem ocasionou dida em sua totalidade se enxergada apenas pela ótica do contexto das na no sistema eco nôm ico internacional. A pesar disso, os interesses britânicos ções do 'Terceiro Mundo" que passaram a existir a partir do colapso dos em P ortugal e no Brasil não eram, de fato, monolíticos; dois lobbies ou gru impérios coloniais francês, britânico e holandês entre 1945 e 1965. Nesse pos de interesses distintos mantinham relações econôm icas com Portugal no sentido, o Brasil era, de fato, um "Novo Mundo nos trópicos", como disse
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uma vez Gilberto Freire, uma sociedade de colonos que se implantou no No vo M undo e onde a população - fosse ela européia, africana ou nativa tornou-se de tal maneira miscigenada q ue não pôde ser outra vez segregada facilmente. A profundidade extraordinária d o impacto d a colonização espa nhola e portuguesa no hemisfério ocidental foi de tal ordem que o processo Yde construção nacional se tornou um assunto intrinsecamente incestuo so.
li
século que antecede a independência do B rasil: os com erciantes importado res de vinho s e o s exportadores de produtos têxteis de lã tinham forte inte resse em manter o velho regime de tarifas que os favoreciam e tendiam a privilegiar seus direitos extraterritoriais em Portugal, q ue beneficiavam seus empreendimentos desde meados do século XV II. Por outro lado, em franca expansão, os agressivos manufatureiros de tecidos de algodão de Lancashire, que se desenvolveram a partir do final do século XV III, tinham interesse no livre comércio. Até 1818, esse grupo recebia do Nordeste do Brasil uma grande porcentagem da m atéria-prima utilizada em suas manufaturas. E les não tinham nenhum interesse em perpetuar a dominação política e econômi ca de Portugal sobre o B rasil.
N a década de 1820, com efeito, o B rasil negociava seu relacionamento com o mundo externo dentro das pesadas limitações impostas pela história, pela geografia e por su a experiência colonial. A té recentemente, a interpreta ção desse período crítico tem sido fortemente influenciada pela teoria da dependência. Mas a teoria da dependência tende a homogeneizar a expe riência da América Latina nu m mod elo explicativo mundial. Sob forte influ ência dos movim entos de descolonização da África e da Ásia do século XX , essa abordagem freqüentemente tem negado autonom ia às forças sociais e econômicas em jogo nas chamadas regiões "periféricas". Acima de tudo, desincentivava a investigação do processo, as causas e a dinâmica da mu dança. Tal quadro criou uma enorme empecilho no caso da Am érica Latina colonial, cujo controle havia sido desde o com eço dos tem pos modernos um
É importante, portanto, não sobrevalorizar o poder das forças pura mente econôm icas ou estimar em demasia a inevitabilidade dessas mudanças mais amplas. O s interesses da indústria têxtil de algodã o na G rã Bretanha e seus apologistas certamente acreditavam q u e suas vantagens relativas permi tiriam q u e seus produtos rompessem a s barreiras tarifárias mercantilistas dos países ibéricos, mas também pressionaram para que essas barreiras fossem removidas por meio da intervenção governamental. A abertura dos portos \do Brasil, em 1808, foi a primeira ação adotada pela recém-chegada corte portuguesa, depois da fuga de Lisboa. Embora essa ação tivesse como base motivações ideológicas, foi essencialmente pragmática e se tornou inevitável a partir do m omento e m que a França m ostrou determinação em incorporar
componente essencial na construção de uma ordem de dominação mundial européia. A teoria da dependência sublimava qualquer investigação a respei to de como a preeminência européia havia sido alcançada e limitava a s expli cações sobre as grandes mudanças de sistemas (o fim do feudalismo, o surgimento do capitalismo e assim po r diante) à dinâmica interna das so cie dades européias. Estudiosos brasileiros estavam, é claro, bastante enamorados dessa construção teórica e desempenharam um papel importante em su a evolução. Tanto a professora Em flia V iotti da Costa como Fernando Novais, po r exem-
os portos de P ortugal ao bloqueio continental contra a Grã Bretanha. N o que diz respeito aos interesses dos comerciantes britânicos no B rasil, m uitos competidores europeus, entre os quais os próprios franceses, ficaram tem porariamente fora da jogada. Em tais circunstâncias favoráveis, o s comer ciantes britânicos rapidamente saturaramo s mercados consumidores d o Brasil, onde a maioria da população era formada por escravos e não por consum i dores livres. Do is ano s depois da abertura dos portos, não é de surpreender que os britânicos reivindicassem privilégios especiais. O Tratado A nglo-Brasileiro
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de 1810 impunha, no Brasil, tarifas mais altas aos portugueses do que aos ^Ironicamente, a resistência aos argumentos antiescravistas no Brasil foi 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com provavelmente mais fraca durante o período da independência do que em próprios britânicos, uma imposição que discriminava a "mãe pátria" e repre-. qualquer outro momento, antes ou depois. No Sul do país, especialmente sentava um severo golpe às já frágeis chan ces de reconciliar Portugal com o em São P aulo, u m a região crítica em termos de oposição política organizada Brasil e seu novo status enquanto sede da monarquia. É irônico notar que a contra Lisbo a na década de 182 0, a produção de café em larga escala só se primeira e a segunda edição da Riqueza das nações, de Adam Smith, \ desenvolveu depois que a independência foi alcançada. Na década de 182 1publicadas no Brasil, apareceram em 1811 e 1812 no Rio de Janeiro e na
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Bahia, respectivamente, como que para recordar aos britânicos (e para relembrar aos brasileiros, com certeza) que as potências h egemô nicas nem sempre praticam aquilo que apregoam. De fato, assim como em meados do século X VI I, Portugal e, mais tarde, o B rasil, se viram obrigados a equilibrar a necessidade de autonomia e a necessidade de apoio político e militar, es pecialmente no que diz respeito ao relacionamento com a Grã Bretanha, a potência naval e econô mica dominante, e assim sacrificar suas perspectivas econômicas, sucumbindo a u m relacionamento neocolonial com a maior p o tência industrial da época. O preço pelo reconhecimen to da independência em 1825 foi esse. < A pressão comercial britânica foi também algumas vezes contraprodu cente no que concerne aos interesses políticos de mais longo alcance, na medida em que estes se cho cavam d e frente com interesses fortemente con solidados no B rasil. Es se foi o caso da questão do tráfico de escravos. A pe sar dos compromissos assumidos em tratados firmados entre o Brasil e a G rã Bretanha para abolir o tráfico, datados de 1810, a influência dos propri etários de terras e os interesses dos traficantes no Bra sil eram suficientem en te fortes para resistir, na primeira metade do século X IX , durante mais de quarenta anos, à diplomacia da Armada britânica. Aqui, mais uma vez, o peso da economia britânica se opunha freqüentemente aos propósitos das iniciativas p olíticas, diplomáticas efilantrópicasda Grã B retanha. Sidney M inz a revolução tem argumentado quedo industrial na Inglaterra, e nosnas estados do nordeste da América Norte ajudou a reavivar o escravismo Améri c a s , ao criar um vasto mercado consumidor urbano para produtos tais com o o café e o açúcar, e ao criar, ao mesmo tempo, uma enorme demanda de suprimentos de algodão cru para abastecer os teares da velha e da nova Inglaterra. E não eram apenas os com erciantes do R io de Janeiro e da B ahia que financiavam o tráfico ilegal de escravos ou o com ércio legal de algodão, café e açúcar, que dependiam do trabalho escravo. Foram também os co merciantes de Nova York, Londres e Liverpool.
3 0 , as exportações de café totalizavam apenas 19 % do total exportado pelo Brasil, ma s nas duas décadas seguintes, essa participação chegou a 6 3 % do total. A expansão do mercado consumidor de café na Europa e na Am érica do Norte teve como conseqüência uma retomada intensiva do tráfico de escravos para o R io de Janeiro e a expansão do trabalho escravo no Vale do Paraíba e em São Paulo. Nathaniel Leff argumenta que o motivo principal das baixas taxas de crescimento econômico do Brasil durante o século XIX era o setor agrícola, onde as baixas rendas e a demanda inelástica, intrínse cas ao trabalho escravo, restringiam o ritmo do crescimento no resto da economia. Isso foi, precisamente, o que José Bonifácio de Andrada e Silva havia antevisto, quando advertia seus contemporâneos, logo no início da
independência nacional, sobre osdaefeitos negativos longo agrária prazo que o fracasso em lidar com a questão escravidão e da de reforma traria para o futuro do Brasil, o que o levou a fazer um apelo corajoso, mas em v ã o , aos brasileiros em seu manifesto a favor da abolição d a escravidão e de suas propostas de reforma agrária em 1822: "A experiência e a razão de monstram què a riqueza reina onde há liberdade e justiça e não onde há cativos e corrupção", argumentava José Bonifácio, completando: "Se este mal persiste, não cresceremos". 1
III O quadro político e institucional d a independência do Brasil não é me nos conturbado e contraditório do que foi a transição econôm ica, e a ambi güidade da passagem do B rasil de colônia para nação independente é melhor exemplificada na enigmática pessoa de d. Pedro e dos abortados planos de 1
José Bonifácio de Andrada e Silva. Obras científicas, políticas e sociais. 3 vols., coligidos e reproduzidos por Edgard de Cerqueira Falcão (Santos, 1965), pp. 115-58.
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reforma propostos por José Bon ifácio. D . Pedro era, a uma só vez, o herói O s grandes aliados europeus de Portugal - tanto a Grã Bretanha com o que temporário que.CarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com 5/10/2018 havia emancipado o B rasil de Portugal e o governante47910924 MOTA os memb ros da Santa Aliança - tinham idéias claras a esse respeito, confor no prazo de uma década voltou para Portugal para lutar n a guerra civil contra me G eorge C anning, o secretário de Assu ntos E strangeiros britânico escre seu irmão, assegurando assim que sua filha se tornasse a rainha de Portugal. veu sucintamente em 1823: \> Ele era um rei demasiado "liberal" para os padrões da Santa Aliança na Europa, mas muito " despótico" para muitos brasileiros, sobretudo para os A única questão é s e o Brasil, independente d e Portugal, será u m a monarquia ou uma republicanos de Pernambuco que se insurgiram em duas ocasiões para república [...]. A preservação d a monarquia numa parte d a América é objetivo de vital importância para o Velho Mundo.3X repudiá-lo. Seu papel, conforme o perfil traçado pela historiografia portu guesa, é o de um defensor d o "constitucionalismo", uma imagem totalmente incomp atível co m aqu ela traçada pela historiografia brasileira, onde ele foi o Desde o estabelecimento da corte portuguesa no Rio de Janeiro em governante que rejeitou a constituição e demitiu José Bonifácio e seus ir 1 8 0 8 , o governo d e Londres sempre havia, de fato, feito uma clara distinção x mãos, líderes da pequena minoria de brasileiros que queriam reformas fun entre as circunstâncias do Brasil e aquelas da América espanhola. C anning damentais. enfatiza o contraste entre essas situações, quando escreve para Sir C harles É vital reconhecer, portanto, que no 7 de setembro de 1822, nas mar Stuarteml825: gens do Ipiranga, nos arredores de São P aulo, quando Dom Pedro, herdeiro do trono português, gritou "Independência ou morte", estava exagerando. A Não podemos deixar de lembrar que a diferença entre a relação de Portugal com o Brasil e aquela d a Espanha co m suas Américas nada mais é d o q u e esta - que todas as questão, em setembro de 1822, não era certamente a "morte" e, apenas colônias espanholas progrediram apesar da mãe pátria, mas que o Brasil tem sido indiretamente, a "independência". O B rasil havia sido independente, para elevado ao reino irmão, ao invés de dependência colonial, pelos atos Xtodas as intenções e propósitos, desde 1808; desde 16 de dezembro de políticos do estatuto soberanodecomum d e Portugal e Brasil. Até o momento da emigração da 18 15 o B rasil fazia parte de um reino unido, em pé de igualdade com Portu Família Real para o Brasil, o Brasil era estritamente uma colônia, como o eram o gal. O que estava em jog o no início da década de 1820 era mais uma ques México, ou o Peru ou Buenos A ires. A partir daquele momento, primeiro começou tão de monarquia, estabilidade, continuidade e integridade territorial do que uma série de relaxamentos e, depois, a concessão de privilégios, que gradualmente exaltaram a condição do Brasil e quase inverteram suas relações com Portugal para xde revolução colonial. transformar, durante a residência d e S u a Mais Fiel Majestade no Brasil, a m ã e pátria Evitar a revolução no Brasil era, também, uma grande preocupação na numa Dependência de fato.4 Europa. Henry C hamberlain, o ministro britânico no R io de Janeiro em 1 824, preocupava-se constantemente que as agitações sob a superfície, no B rasil, A questão importante a respeito do Brasil é, portanto, que ele se tornou V mais evidentes nas ruas e na Asse mbléia C onstituinte no Rio, poderiam econômica e politicamente independente entre 1808 e 1820, enquanto de sempenhava o papel de centro do Império Luso-B rasileiro. Tornou-se "in acender [...] uma chama [...] que não será possível controlar, e que pode acabar, a destruição do governo imperial e a divisão do país numa variedade de talvez, comestados pequenos republicanos independentes, deploráveis em si e causadores da miséria de seus vizinhos, tal como temos testemunhado nas colônias da América espanhola em nossa vizinhança.2
dependente" apenasdadepois do fracasso da experiência de África "centroe imperial", ao em qual1822 os súditos monarquia portuguesa na Europa, Ásia voltavam o olhar em busca de liderança. Essa circunstância pouco c o mum ex plica por que em 1820 foi Portugal que declarou sua "independên cia" do Brasil, e só depois, em 1822, o B rasil declarou sua "independência" j
2
Charles K. W ebster (org.). Britain a n d t h e Independence ofLatin America, 1812-1830: Select Documents from th e Foreign Office Archives, 2 vols. (Londres/Nova York: Oxford University Press, 1938), vol. I, pp. 240-1.
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3 4
Ibid., p. 236. Ibid., pp. 265-6
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de Portugal. O "Manifesto da Nação Portuguesa aos soberanos e povos da Am érica portuguesa. O sistema d a monarquia centralizada havia estabeleci Europa", que foi promulgado pelos rebeldes do Porto em 1820, soava como 5/10/2018 47910924MOTACarlosGuilherme a-slidepdf.com do Org uma Viagem forte presença institucional desde 1808; e esse fator foi crítico para muitas outras declarações de independência dos estados coloniais e continha determinar o sucesso de d. Pedro na proteção de seu novo império aos muitas das mesm as queixas; a única diferença era que esse manifesto fora desafios im postos pelos republicanos. Portanto, a resposta à s perguntas aci promulgado por rebeldes de um a cidade na Europa, e não por rebeldes de ma formuladas é, provavelmente, "não". Em outras palavras, a base so cial^ algum porto colonial da América. O manifesto do P orto declarava: predisposta a enfrentar mudanças radicais era mais forte em Portugal, na O s portugueses começam a perder as esperanças para com o único recurso e meio de salvação qu e lhes foi deixado em meio à ruína qu e quase consumiu su a querida
terra natal. A idéia do status de colônia ao qual Portugal te m sido c o m efeito reduzido, aflige profundamente todos aqueles cidadãos que ainda conservam o sentimento de dignidade nacional. A justiça é administrada a partir do Brasil para os povos leais da Europa, o que implica numa distância de duzentas léguas e excessivo custo e demora [...]5
IV Mas se a revolução "anticolonial" ocorreu no Porto e não no Rio de Janeiro, as perguntas interessantes, n a perspectiva do Brasil, são as seguin t e s : o desejo de independência no Brasil era suficientemente forte para q u e o desenlace resultasse na independência se as Cortes não tivessem obrigado o rei a voltar para a Europa; o sentimento antimonarquista no Brasil era sufi cientemente forte para provocar um movim ento republicano, como os que haviam ocorrido na América do N orte e em boa parte da Am érica espanho la , e que haviam rejeitado tanto a monarquia com o a dom inação européia? Essas perguntas não são apenas teóricas - é preciso recordar que o republicanismo havia sido a principal corrente ideológica entre os conspiradores de Minas Gerais em 1788-89, dos alfaiates baianos em 1789, e em 1817 em P ernambuco, assim como durante a década de 1820. O problema, tratando-se do caso do Brasil, é que todos esses movimentos republicanos foram, ou ao menos poderiam ser, interpretados como revoltas regionais ^contra a autoridade centralizada e uma ameaça à integridade territorial da
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décadadadecontinuidade 1820, do que Brasil, o motivo disso queP ortugal o movimento favor eranomais fortee no Brasil do que éem que, ema 1 8 0 8 , havia perdido não só a monarquia, com o também se sujeitara a inva sões, à guerra e a um protetorado britânico de fato. Enquanto isso, no Brasil, as ameaças à ordem social depois de 1790 ficaram estreitamente associadas ao republicanismo, e tenderam a produzir uma m aior coalizão dentro da elite, especialmente entre a dos proprietários de terras. Aqui, o medo do contágio da revolta de escravos do Haiti estava sempre presente nas mentes, e a "liberdade", se também chegasse a implicar em "igualdade", certamente levantaria problemas fundamentais numa socie dade hierarquizada em termos raciais e sociais. uma vinda vez, o de Brasil ambigüidades, já que uma das rea ções àMais ameaça baixoapresenta foi a de se propor a eliminação do trabalho escravo e a substituição deste por trabalhadores livres. Mas no Brasil, a despeito da eclos ão de um a série de revoltas de escravos na B ahia durante esse período, o temor de uma revolução social não foi argumento suficiente para obrigar os pod erosos a desafiar seus interesses materiais mais imedia tos e a embarcar no caminho da reforma do sistema de produção baseado no trabalho escravo. Até os britânicos, que apesar d e muito falarem, n ão aboliram o trabalho escravo em suas próprias colônias até meados da década de 1830 , reconhe ciam, em particular, a força dos interesses dos proprietários de escravos. Henry C hamberlain assim disse a George C anning: Não há dez pessoas em todo o Império qu e considerem o tráfico um crime, ou que o enxerguem sob qualquer outro ponto de vista a não ser aquele do lucro ou do prejuízo, um a mera especulação mercantil qu e deve ter prosseguimento enquanto for vantajosa.6
Souvera,ns aux
- **" *'— * • * » » Kennerh Maxwell
6
Charles K. Webster, op. cit ., vol. I, p. 233.
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O p r ó p r io J o s é B o n if á c io d e s c r e v e u a s itu a ç ã o ta l c o m o a v iu , c o m e s c r a v o s , ta l c o m o J o s é B o n if á c io , o f a z ia m n ã o p o r c a u s a d a h u m a n id a d e g r a n d e r e a lis m o , a o e n v ia d o b r itâ n ic o H e n r y C h a m b e r la in47910924 e m a b r il MOTA d e 1 8 2Carlos 3: d o s Org e s c rViagem a v o s , m aas -pslidepdf.com o r q u e d e s e ja v a m e lim in a r o s n e g r o s . 5/10/2018 Guilherme O s id e ó lo g o s d o " liv r e c o m é r c io " n o B r a s il ta m b é m a d o ta r a m e s s a Estamos totalmente convencidos da inadequação do tráfico de escravos [...] m as devo postura essencialmente racista. José da Silva Lisboa, que havia clamado pela frisar candidamente que a abolição não pode ser imediata, e eu explicarei as duas a b e r tu r a d o s p o r to s a o p r ín c ip e r e g e n te e m 1 8 0 8 , a r g u m e n ta v a , e m 1 8 1 8 , principais considerações q u e no s levam a essa determinação. U m a é d e ordem econô q u e o p r o g r e s s o d e S ã o Pa u lo s e d e v ia " à e x tr a o r d in á r ia p r e p o n d e r â n c ia [ lá] mica, a outra de ordem política. d a r a ç a b r a n c a " . O R io G r a n d e d o Su l, o c e le iro d o B r a s il, h a v ia s id o , ig u a l A primeira se baseia na absoluta necessidade de tomarmos medidas para garantir um m e n te , c o lo n iz a d o " p e la r a ç a p o r tu g u e s a , e n ã o p e la p o p u la ç ã o d a E tió p ia " . aumento da população branca antes d a abolição, para q u e a s lavouras do país possam T o m a n d o c o m o e x e m p lo a Ilh a d a Ma d e ir a , e le g a r a n tia q u e " a e x p e r iê n c ia continuar produzindo, caso contrário, com o fim do suprimento de negros, a lavoura diminuirá, causando grandes transtornos [...] esperamos adotar medidas para atrair te m m o s tr a d o q u e u m a v e z q u e s e e s ta n c a o s u p r im e n to d e a f r ic a n o s, a r a ç a imigrantes europeus para cá sem perda de tempo. Assim que estes começarem a não diminui e declina, mas se torna melhor e mais branca [...]" Ele desejava produzir esse efeito, a necessidade do fornecimento de braços africanos diminuirá v e r o c â n c e r d a e s c r a v id ã o e lim in a d o d e s d e o r io d a Pr a ta a té o A m a z o n a s . gradativamente, e eu espero q u e e m alguns poucos anos se coloque um ponto inal no " A m e lh o r á r e a d a A m é r ic a s e r á p o v o a d a p o r r e b e n to s d a Á f r ic a o u d a tráfico para sempre [...] E u r o p a ? " , q u e s tio n a v a . P a r a e v ita r " o h o r r ív e l e s p e tá c u lo d a c atá s tr o fe q u e A segunda consideração d iz respeito à conveniência política, n a medida e m q u e afeta r e d u z iu a r a in h a d a s A n tilh a s a u m a Ma d a g a s c a r " , o B r a s il d e v e e v ita r s e a popularidade e, talvez até, a estabilidade do governo. Poderíamos enfrentar a crise to r n a r u m a " N e g r o lâ n d ia " . 8 e a oposição daqueles que se dedicam ao tráfico, mas não podemos, s e m u m grau de risco que nenhum homem em sã consciência possa pensar em correr, tentar no mo A q u e s tã o d a e s c r a v id ã o le v a n ta v a a s s im p r o b le m a s f u n d a m e n ta is s o mento presente propor uma medida que iria indispor a totalidade da população do b r e q u a l s e r ia o c a m in h o d e s e já v e l p a r a o d e s e n v o lv im e n to d o B r a s il, p r o interior [...] A quase totalidade de nossa agricultura é feita por negros e escravos. Os blem as que eram fundam entais para se estabelecer o tipo de sociedade, Estado, brancos, infelizmente, pouco trabalho fazem, e se os proprietários rurais tivessem sistema legal e governo que o Brasil, enquanto estado independente, iria ado seu suprimento de trabalhadores repentinamente cortado, deixo q ue vossa mercê faça ta r . E r a u m a q u e s tã o q u e d iv id ia o s h o m e n s " e s c la r e c id o s " . A q u e le s q u e julgamento do efeito que isso teria sobre essa classe de gente desinformada e pouco e r a m o s m a is a r d o r o s o s d e f e n s o r e s d o laissezfaire, q u a n d o is s o s ig n if ic av a ilustrada. S e a abolição viesse para eles antes q ue estivessem preparados, todo o país entraria em convulsão, de uma ponta até a outra, e não há como calcular as conse a r e m o ç ã o d a s f u n ç õ e s r e g u la d o r a s d o E s ta d o , q u a s e s e m p r e e r a m a q u e le s qüências para o governo ou para o próprio país. q u e e s ta v a m m a is c o m p r o m e tid o s c o m o tr á f ic o d e e s c r a v o s e a e s c ra v id ã o . Sabemos q u e , enquanto isso persistir e o estado de escravidão tiver continuidade no Aqueles que apoiavam a interferência do governo, particularmente no tocan país, a verdadeira e sólida indústria nã o pode se enraizar, a prosperidade vigorosa nã o te a o c o n tr o le d e p r e ç o s e à g a r a n tia d o a b a s te c im e n to d e p r o d u to s d e s u b pode existir, e nossa população não será significativa e, portanto, estamos tão pro s is tê n c ia p a r a a p o p u la ç ã o , e r a m ta m b é m o s q u e m a is s e o p u n h a m a o tr áf ic o fundamente convencidos destas verdades que, se possível fosse, aboliríamos a am d e e s c r a v o s e à e s c r a v id ã o . U n s v ia m a p o p u la ç ã o e s c r a v a c o m o o in im ig o bos. 7 interno e, tal como José da Silva Lisboa e José Bonifácio, acreditavam que o Brasil não se desenvolveria sem a criação de uma força de trabalho livre e da E s ta s o b je ç õ e s à e s c r a v id ã o , c o n tu d o , n ã o e r a m ta n to o r e s u lta d o d e e u r o p e iz a ç ã o o u d o b r a n q u e a m e n to d a p o p u la ç ã o . O u tr o s c o n s id e r a v a m a s e n tim e n to s d e o r d e m " h u m a n itá r ia " o u " f ila n tr ó p ic o s " , m a s u m a r e s p o s ta e s c r a v id ã o c o m o e s s e n c ia l à p r o s p e r id a d e d o B r a s il. A q u e le s q u e a ta c a v a m a o s p r o b le m a s p o s to s p o r u m a s o c ie d a d e e m q u e a s p r in c ip a is lid e r a n ç a s o laissezfaire q u a n d o e s te e x ig ia a r e m o ç ã o d a q u ilo q u e c o n s id e r a v a m c o n in te le c tu a is a c r e d ita v a m q u e o e q u ilíb r io r a cia l d a p o p u la ç ã o e r a p e r ig o s a tr o le s g o v e r n a m e n ta is a ju iz a d o s , e r a m o s m a is f a v o r á v e is a o liv re c o m é r c io m e n te in s tá v e l. A q u e le s p o u c o s q u e p r e g a v a m a e v e n tu a l e m a n c ip a ç ã o d o s 7
Ibid., pp. 222-3.
8
José da Silva Lisboa, Memória d o s benefícios políticos d o governo d e el-rey nosso senhor d . João V I. Rio de Janeiro, na impressão regia, 1818.
Kenneth Maxwell 192 http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a
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internacional, porque o livre comércio prometia estimular a imigração de eu 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com ropeus e oferecia a possibilidade de uma aliança com a Grã Bretanha contra o tráfico de escravos. Intelectuais, traficantes e patriotas brasileiros, em suma, longe de con cordarem a respeito deste tema central, estavam am argamente divididos quan do se tratava de abolir ou não a escravidão. Podiam abraçar o liberalismo,
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mas seuaos zelomercados, "revolucionário" ficava estritamente elimitado a um dedesejo de acesso à proteção da propriedade a garantias que as dívidas seriam pagas. Nesse quadro, o centralismo, a monarquia e a conti nuidade eram fundamentais. Os "patriotas" do Brasil eram realistas e não podiam ir além da sua base de apoio social. Aqueles que assim fizeram, como José B onifácio, foram logo descartados. A escravidão e o capitalismo industrial provaram ser compatíveis, de fato, nos quadros do sistema atlânti co do século XIX - o capitalismo industrial vicejou graças ao algodão e ao café produzidos por escravos tanto quanto o capitalismo comercial havia vicejado com o açúcar produzido por escravos. Nesse contexto, José Bonifácio de Andrada e S ilva, o "patriarca" do movimento da independên cia, e um dos mais ardorosos defensores de mudanças estruturais - inclusive da abolição da escravidão e do tráfico de escravos - foi uma dupla vítima. Não foi apenas o próprio sistema econômico, tanto o interno quanto o de dimensão atlântica, que criou condições hostis às suas propostas; ele tam bém foi vítima das políticas adotadas pela Grã Bretanha, cuja excessiva pressão ajudou a minar a única administração que tinha um verdadeiro compro misso com o fim da escravidão e do tráfico de escravos. De fato, em conversas secretas mantidas com Henry Chamberlain, em abril de 1823, José Bonifácio alertou os britânicos a não pressionarem d emais ou andarem rápido demais:
TRAÇO DE UMA DAS MUITAS CVILIZAÇÕESQUE ANTECEDERAM A PRESENÇAEUROPÉ.A NA AMÉRICA TROPI-
CAL. PINTURA RUPESTRE. SÃO RA MUNDO NONATO, PlAUÍ. (Caus C. MeyerAyba)
Você sabe o quanto eu, sinceramente, detesto o tráfico de escravos, o quanto acredito ser ao país,As o quanto a sua total cessação, ser ele feitoprejudicial imediatamente. pessoasdesejo não estão preparadas paraembora isso, eisso aténão quep ossa seja feito, colocaria em risco a existência do governo, se tentarmos fazê-lo repentinamen te. A própria abolição é uma das principais medidas que desejo apresentar à Assem bléia sem falta, mas isso deve ser bem administrado e não podemos ter pressa [...] Com relação às Colônias ou à Costa da África, nada queremo s lá ou em qualquer outra parte. O Brasil é suficientemente grande e produtivo para nós, e estamos satisfeitos com o que a P rovidência nos deu. Desejaria que seus navios de patrulha tomassem todos os navios negreiros que encon trassem no mar. Não quero mais vê-los, eles são a gangrena de nossa prosperidade. A
P I NT UR A R UP ES TR E. P AR QUE NAC I ONAL S ER R A DA
C AP I VAR A. SÃ O RA I M U N D O N O N A T O , P I A U Í . (Fundação
Museu do Homem Americano - FUMDHAM)
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ESTALEIRO DA
DUARTE PACHECO PEREIR A,
RIBEIRA DAS NAUS.
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OÍOrg R ANDE CAPITÃOaGENE 47910924MOTACarlosGuilherme Viagem -slidepdf.com RAL DA ARMADADE CALE- \ cvr. VICEREÍEGOUERNADOR. 30MALAÜARNAJNDIA. J £LLOJ5EU5 RELEUANTEf; tf RUI
(Iconographia)
A>BRAZAO DEARMAS EME: r
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^^^^^^ de
" O FINO BRASIL" DUARTE PACHECO PEREIRA (1 4 8 0 - 1 5 3 3 ) , NOBRE PORTUGUÊS, NAVEGADOR E AUTOR DE ESMERALDO DE SLTU ORBIS (ESCRITO DE 1505 A 1508) , ESPECIALISTA EM
Q U E S T Õ E S DE G E O G R A F I A E C O S M O G R A F I A . ( I c o n o g r a p h i a )
O H I S T O R I A D O R P O R T U G U Ê S J O A Q U I M B A R R A D A S DE
PORTO DE LISBOA E AFROTA DAS ÍNDIAS. TALHO-DOCE
CARVALHO L EVANTOU, NOS ANOS SETENTA DO SÉCULO XX,
POR LAFITAU. PARIS, 1733.
A HIP ÓTESE DE DUART E PACHECO SER O VERDADEIRO
(Biblioteca Mário de Andrade,
"DESCOBRIDOR" DO BRASIL JÁEM 1498, DOIS ANOS ANTES
São Paulo)
DA EXPEDIÇÃO DE PEDR O ÁLVARES CABR AL. (Arquivo C G. Mota)
I
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COSTUMES DOS ÍNDIOS. GRAVURA DO LIVRO UNE FÊTE BRÉS1L1ENNE CÉLÉBRÉE À ROUEN EN
H O L A N D E S E S E Í N D IO S A L I A D OS . P O RM E N O R D A P RA N CHA " P A R A H Y BA E RI O G R A N D E " , D E F RA N S
POST. G. BARLEUS, 1647. (Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro)
1550. (Iconographia)
"Estou chegando eu, vossa comida." Hans Staden
H A N S S T A D E N . I L U S T RA Ç ÃO D O LIVRO DUAS VIAGENS AO BRASIL, D E S U A A U T O RI A . M A RBU RG ,
5 5 7 . (Biblioteca Nacional, Rio de
Janeiro)
O ÍNDIO CAÇADOR. TAPEÇARIA GoBELIN, C. 1692. (MASP, São Paulo)
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RO D RI G O D E S O U S A CO U T I N H O ,
47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com
CO N D E D E L I N H A RE S . LITOGRAFIA DEC A G G I N I , 1843. (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro)
PAULISTA E MENDIGO BRASILEIRO. LITOGRAFIA AQUARELADA. JAMES HENDERSON, 1821. (Col. Pedro Corrêa do Lago)
M A R Q U Ê S DE P O M BA L . G RA V U RA D E L E M A Í T RE . J E A N F E RD I N A N D D E N I S , 1846. Biblioteca Mário de
I
CEG O GUIADO POR UM PRETO. AQUARELA SOBRE PAPEL. MIGUEL
Andrade, São Paulo)
I
DUTRA C 18 45 . (MASP, São Paulo)
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" M o s t r e - s e a o Brasil q u e n ã o o q u e r e m o s a v a s s a l a r c o m o o s a n t i g o s d é s p o t a s ; p o r é m c o n t r a o s facciosos
"0 Brasil agora é feito para a d e moc ra c i a , ou para o despotis r e b e l d e s , m o s t r e s e q u e a i n d a t e m o s u m c ã o d e f i l a , o u l e ã o t a l q u e , s e o s o l t a r m o s , h á d e t r a z ê l o s a m o Org e m q u e r e r da a r- l hslidepdf.com e u m a monarquia constitucio - e r r e iViagem 5/10/2018 47910924MOTACarlosGuilherme obedecer à s Cortes, a o R e i e à s autoridades constituídas no Brasil." n a l . O n d e e s t á u m a aristocracia rica e i n s t r u í d a ? O n d e Borges Carneiro,
22 d e
maio de 1822
está u m c o r p o d e m a g i s t r a t u ra h o n r a d o e i n d e p e n d e n te ? E q u e p o d e u m c l e r o i m o r a l
e ignorante,
sem
crédito e s e m r i q u e z a ? Q u e r e s t a p o i s ? " José Bonifácio, Avulsos, em P r o j e t o s p o r á o B r a s i l CI P RI A N O BA RA T A DE ALMEIDA, REVOLUCIONÁRIO BAIANO E \
DEPUTADO Às CORTES DE LISBOA, CIRURGIÃO FORMADO PELA V UNVERSIDADE DE COIMBRA ( Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro)
J O S É BO N I F Á CI O PO R D E BR E T (Biblioteca Mário de Andrade, São Paulo)
SESSÃO DO CONSELHO DE 2 DE SETEMBRO DE 1 8 2 2 . N E S S A RE U N I Ã O - COM _ SA
" S E S S Ã O DAS CO RT E S DE L I S B O A " , DE O S CA R P E RE I RA DA S I L V A . A N T ÔN I O CA RL O S
PARTICIPAÇÃO DA PRINCE
L E O P O L D I N A , J O S É BO N I F Á CI O , J O S É CL E M E N T E P E RE I RA , M A RT I M F RA N CI S CO , G O N Ç A L V E S L E D O ,
CA E T A N O M I RA N D A M O N T E N E G RO , M A N U E L A N T ÔN I O F A RI N H A E L U Í S P E RE I RA N Ó BRE G A - SÃO
DISCURSA À DIREITA VERGUEIRO CONVERSA COM F E I J Ó . ATRÁS, C PRIANO BARATA
TOMADAS AS PRIMEIRAS MEDIDAS PARA A PROCLAMAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA. ÓLEO DE G E O RG I N A DE
(Museu Paulista, São Paulo)
ALBUQUERQUE (Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro)
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47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com "E Evaristo apoderou-se da revolução
no mesmo dia em que ela triunfou [ 7 d e a b r i l d e 1 8 3 1 ] , f ru s t r a n d o o s p r o pósitos dos que a queriam levar às últi mas conseqüências." Otávio Tarqüí nio de Sousa,
E v or i s t o d a V e i g a
EVARISTO DA VEÍGA. LITOGRAFIA DE SlSSON C 1 85 9. ( Biblioteca Mário de
PERNAMBUCO, C 18 40 . LITOGRAFIA KlDDER, 1 86 6. (Biblioteca Nacional, Rio de Janei
Andrade, São Paulo)
" D e 1 8 5 2 a t é ho je [ 1 8 5 5 ] , a r r e fe c i m e n t o d a s p a i x õ e s , q u i e t aç á o n o p r e sente, ansiedade do futuro, período de transação." Justiniano José da Rocha,
Açõo, reação
e
transação
JUSTINIANO JOSÉ DA ROCHA, PROFESSOR E JORNALISTA. LITOGRAFIA DE M A R I N LAVIGNE (Biblioteca Nacional, Rio de
FESTA DOS COROADOS (DETALHE). LITOGRAFIA. SPIX & MAR T I US , 1823-1831.
Janeiro)
(Biblioteca Mário de Andrade, São Paulo)
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"Não seria justo que nos dessem tão bem a liberdade?" 0 escravo crioulo Francisco
NEGRO COM FACÃO. LITOGRAFIA DE G E O RG E H. L Ô W E N S T E R N , C. 1827. (Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro)
VISTA DE S A L V A D O R, BA H I A . L I T O G RA F I A . J E A N F E RD I N A N D D E N I S , 18 38 . (Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro)
&S»
" M i n h a a s c e n d ê n c ia p o r l in h a m a t e r n a p r o cede de negros haussás, escravos africanos tra zid os d o Sud ão e afamados na história das sublevações baianas contra os escra vistas." Carlos Marighella, Por que resisti à prisão
" N E G R O S QUE VÃO LEVAR A ÇOITES".
I
L I T O GRA F I A D E L U D W I G & B R I G G S .
M A RI A RI T A M A RI G H E L L A ,
(Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro)
DESCENDENTE DE HAUSSÁS (I con ogra phia )
mmmm
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' ' P Á T R I A " . Ó L E O DE PEDRO
BRUNO. (Museu da República. Rio de Janeiro)
CHICO DI ABO atravessando com uma lança o monstro mais bárbaro 6 hediondo, que tem visto o mundo—o execrando Francisco Solano Lopcz, destruidor de sua própria pátria!...
SEMANA ILUSTRADA, N 4 8 5 , 2 7 MAR. 1 87 0. (Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro)
SERTANEJAS DO ARRAIAL DE CANUDOS PRESAS PELO EXÉ R C I T O, dconographia
Por que o Brasi foi diferente? 0 contexto da independência
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" N ã o h o u v e r u p t u ra d o r e g i m e c o l o n i a l,
população que queremos é branca, e espero ver chegar logo da Europa os pobres, os desditosos, os industriosos; aqui eles terão fartura, com um clima bom; aqui eles serão 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgfelizes; Viagem -slidepdf.com elesasão os colonos que queremos. 9
que sobreviveu com o absolutismo do
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caica, com a relativa imobilidade ad m i n i s t r a t i v a , com a a l i e n a ç ã o da s elites, com a fragilidade da conjuntura e a estabilidade da estrutura, imutável e incapaz de atender às necessidades
Para alimentar esse sistema atlântico e para manter a organização eco nômica da produção, entretanto, uma coisa era evidente: o Brasil não preci-\ sava de Portugal. Os ressentimentos e as dificuldades financeiras e econômicas que levaram à convocação das Cortes em Lisboa, em 1820, e à formulação da constituição liberal, surgiram, em grande p arte, devido à perda dos privi légios e monopólios de Po rtugal no comércio colonial; e, uma vez reunidos os constituintes, as medidas das Cortes logo refletiram esses imperativos. As Cortes não só obrigaram d. João VI a retornar para Lisboa, como ainda se puseram a legislar para colocar um fim aos pod eres que ele havia cedido a seu filho m ais velho, d. Pedro, que havia sido deixado no Rio na condição de regente. Os brasileiros viram que as medidas das Cortes de Lisboa, com apoio total dos odiados comerciantes e imigrantes portugueses no Brasil, eram uma tentativa de "recolonização" que faria o tempo voltar atrás nos treze anos em que o Rio havia sido a sede do governo. Co m esses aconteci mentos como pano de fundo, d. Pedro desafiou as instruções das Cortes para que retornasse à Euro pa. Primeiro aceitou o título de "Defensor P erpé tuo do Brasil" dado pelo C onselho Mun icipal do Rio de Janeiro no início de 1822 e, depois, em 7 de setembro de 1822, emitiu sua declaração de "ind e pendência" nas cercanias de São Paulo. A emancipação política do Brasil é, portanto, um longo e cumulativo processo, que manteve sua continuidade ao longo do caminho; 1808, 1816, 1822 e até 1831 são todos momentos importantes na afirmação dessa gra dual separação e na definição da nacionalidade. O caminho teve mom entos árduos, com certeza. O reconh ecimento internacional só veio em 1825, de pois de longas neg ociações e da promessa de que o Brasil pagaria a Portugal uma grande indenização. A guerra eclodiu com renovado vigor no Sul, na fronteira d a Band a Oriental, e só chegou ao fim uma década depois, com o
nacionais. O período colonial e sua so b r e v iv ê n c i a d e t e r m i n a m t o d o o s u b d e senvolvimento posterior." José Honório Rodrigues, 1970
JOSÉ H O N Ó RI O RO D RÍ G U E S T OM A P O S S E N A A CA D E M I A BRA S I L E I RA D E L E T R A S , 1969. À D I RE I T A , F RA N C I S CO IG L É S I A S . (Arqui
C. G. Mota)
194
9
Kenneth Maxwell
Charles K. W ebster, op. cit., vol. I, pp. 222-3.
P o r q u e o Brasil fo i dif erente? 0 c ontexto da i n d e p e n d ê n c i a
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Bibliogra fia selecion ad a estabelecimento, sob o auspício britânico, do Estado-tampão independente d o que aquela do Uruguai, delineando no S ul uma f ronteira m enos ambiciosa ANNINO , Antônio, LETVA, LUÍS Castro & GUERRA, François-Xavier. De los impérios a Ias naciones: 5/10/2018 47910924MOTACarlosGuilherme Org Viagem a-slidepdf.com que havia sido pleiteada durante a colônia ou o reino unido. A Bahia e o Iberoamérica. Zaragoza: IberCaja, 1994. extremo norte aderiram depois de bastante atividade militar, em terra e no ARQUIVOS DIPLOMÁTICOS DA INDEPENDÊNCIA, 5 vols. Rio de Janeiro, 1922. BETHENOOURT, Francisco & CHAUDHURI, Kirti (orgs.). História da expansão portuguesa, 5 vols. mar. Pernambuco tentou se emancipar mais uma vez em 1824 . Do ponto de ( V o l . 4, Do Brasüpara África, 1808-1930). Lisboa: Círculo de Leitores, 1997-1999. vista adm inistrativo, o país n ã o foi "nacionalizado" a té o fim d o curto reinado
C A R D O S O , José Luis. O pensamento econômico em Portugal nos finais do século XVIII, 1780-
1808. Lisboa: Estampa, 1989.
d. Pedro, E foique, as casamen de em (um 1831. apenas na décadaera de sobrinho, 1840 quepor ações do duque de Ca xias ho mem ironicamente, t o , do rico empresário que denunciou a conspiração de M inas às autorida des reais em 1789) colocaram um ponto final nas revoltas separatistas regionais. N essas circunstâncias, não é de surpreender que qualquer tentativa de alterar a organização econô mica d o trabalho tenha falhado. O mo delo alter nativo para o desenvolvimento do Brasil, no qual os imigrantes europeus e o s trabalhadores livres substituiriam os escra vos, n ão cheg ou a se realizar e, com o conseqü ência, o tráfico de escravos perdurou até a metade do século e a escravidão até a década de 18 80/E também não é de surpreender que
Economy since 1800. Cambridge: Harvard University/David Rockefeller Center for Latin Am erican Studies, 1 9 9 8 , p p . 19-54. CounNHO, Dom Rodrigo de Souza. Textos políticos, econô micos efinanceiros, 2 vols. O r g . de Andrée Mansuy Diniz Silva. Lisboa: Banco de Portugal, 1993. F R A G O S O , João Luís Ribeiro. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro, 1790-1830. Rio de Janeiro: C ivilização Brasileira, 1998. L E F F , Nathaniel H. Underdevelopment anddevelopment in Brazil, 2 vols. Londres/Boston: Alle n & U n w in ,1 9 8 2 . MACAULAY, Neill. Dom Pedro: the Struggle or Liberty in Brazil and Portugal, 1798-1834. Durham: D uke University Press, 1986.
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Idéias de Brasil: formação e problemas (1817-1850)
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47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com
Carlos Guilherme Mota
D e v e o B r a s i l o lh a r p a r a t r á s , p a r a e n c h e r o v a z i o , qu e t e m d e s d e o p o n t o de que
s a i u , a té o p o n t o a t u a l d e o u t r a s n a ç õ e s , p re e n c h e n d o a s ér i e
intermédia com brevidade, m as com prudência. José Bonif á c io
E m c a d a p a í s p e r m a n e c e u m a m a t r iz d a H i s t ó r ia , e e ss a m a t r iz d o m i n a n t e c o n s c i ê n c ia c o l e t i v a d e c a d a s o c i e d a d e .
marca
k
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AAarc Ferro
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I N. primeira metade do século XI X, plasmam-se novas idéias de Brasil no mundo luso-afro-brasileiro, na Europa, nas Américas do Norte e do S ul. Sem un idade constitucional ou cultural consolidada, sem ter resolvi do , ou sequer equacionado, alguns de seus problemas básicos, posto que não era uma nação, o Brasil emerge em 1822-1823 com o entidade política no cenário internacional. Sufocado pelo clima político-ideológico da R estauração antibonapartista, mas já no compasso das revoluções liberais que varreriam o mund o a partir de 1820, o processo de descolonização no B rasil ganha alento até 1848, na maré montante da revolução ocidental, com foco na república dos Estados Unidos e em algumas capitais européias. Desenredando-se das malhas da Santa Aliança, tem início, naqueles anos decisivos, a longa caminhada do novo e malformado país-continente na busca, marcada po r avanços e recuos, de uma identidade propriamente nacional.1 Carregando um passado de três séculos de escravidão e pesada tradi ção clerical de base jesuítica, os desafios da co ntemporaneidade se impu nham às suas lideranças, primeiro ilustradas, dentre elas José Bonifácio e irmãos, e depois revolucionárias liberais, como E varisto da Veiga e Bernardo Pereira de Vasconcelos. Idéias de "Brazil" se adensaram naquele período decisivo compreendi do aproximadam ente entre 1817 e 1850, quando se consolidaram estruturas de dominação da sociedade estamental-escravista e se adaptaram teorias sociais e culturais que embasariam o n ascente modelo autocrático-burguês. 1
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Ca r lo s Gu ilh e r me M o ta
Para a discussão do conceito de nação e nacionalismo, ver E ric J. Hobsbawm, Nações e naciona lismo desde 1780. Programa, mito e realidade (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990), espe- «i cialmente o capítulo "A nação como novidade: da revolução ao liberalismo".
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M odelo que definiria o padrão civilizatório consolidado ao longo do proces Naq uele contexto preciso, tinha início a História d o Brasil. A puram-se, so de formação econômico-social e político-cultural que marcaria os dois 47910924 MOTA CarlosGuilhermeentão, OrgViagem -slidepdf.com algumasamatrizes e formas de pensamento, modos de ser e tipos de séculos seguintes.2 comportamento social e po lítico que passariam a se r progressivamente iden Delinearam-se então, mais nitidamente, formas de sociabilidade, de tificados com o "nacionais". O u seja, d e produções "naturais" e identificadoras sensibilidade e dominação, de auto-explicação histórico-geográfico-cultural, da nação emergente, com seu s modo s de pensar, estilos de comportamento, assim como ideo logias e modos de pensar q u e caracterizariam o perfil d essa apropriação e usos d o espaço qu e tipificariam o sistema social específico que se implantou naqueles anos decisivos de formação do Brasil contempo entidade político-institucional abstrata denominada "B rasil". Naçã o à qual deveria corresponder, à semelhança d e outros Estados nacionais, uma "soci râneo. edade" mais ou menos homogênea, a sociedade "brasileira". No processo, A vaga revolucionária liberal de 1 820 é o pano de fundo da Indepen pontilhado de conflitos, insurreições, golpes e acomodações, forjou-se a " n a dência política de 182 2-18 23, que se desdobraria, completando-se, no bo jo cionalidade" co mo categoria histórica e, não meno s importante, como ideo de outra vaga revolucionária internacional, também liberal e nacional, a da s logia p olítica e cultural. revoluções de 1830. Com efeito, o 7 de abril de 1831, quando Pedro I é A denominada Revolução d a Independência foi o ponto de partida para forçado a abdicar, torna-se uma data revolucionária nessa periodização, a o a construção de um sistema ideológ ico consistente, tendo como pilar a idéia assinalar também um a m udança d e mentalidade. Da consciência amarga, in de nação, alimentada pela elaboração contínua de um a História nacional e, dividual, do "viver em colônias", descrito n a Bahia pelo professor Luís dos portanto, de u m a historiografia que a cu ltivasse. Historiografia q u e se defini Santos Vilhena em 1 8 0 1 , o autor de Recopilação de notícias soteropolitanas ria e se adensaria n a vertente que vem de Abreu e Lima, C onstâncio, Olivei e brasüicas, ao sentimento coletivo de "viver em nação independente", após 1 8 2 2 , e sobretudo após 1831, passou-se nessas partes da América do Sul ra Lima, política Capistrano, Caio ePrado Júnior em suas obras Formaçã o do (sobretudo Brasil contemporâneo), até Evolução do Brasil por experiência histórica de grande profundidade, suas reverberações che o manual História do Brasil, de Otávio Tarqüínio de Sousa em co-autoria gando aos nossos dias. com Sérgio Buarque de Holanda, alcançando o estudo de Nelson Werneck De fato, as manifestações envolviam coletividades maiores, com atua Sodré, As razões da Independência. E se desdobrando, mais recentemen ção da imprensa e surgimento de partidos ou facções. Quando o movimento te , na obra de José Honório Rodrigues, Revolução e contra-revolução da 3 liberal-nacional d e 1831 eclodiu no R io de Janeiro, mobilizaram-se cerca de Independência. 600 cidadãos armados em 30 de março. A data da insurreição da tropa 2 (comandada pelos irmãos Lima e S ilva) e d a manifestação popular n o Cam Para uma compreensão desse processo, ver, de Florestan Fernandes, A revolução burguesa no Brasil (Rio de Janeiro: Zahar, 1975) e Circuito fechado (São Paulo: Hucitec, 1976), especial po de Santana contra o monarca fora marcada para o dia 6 de abril e, na mente o capítulo 1, "A sociedade escravista n o Brasil". Ver também de Barbara e Stanley J. Stein, véspera da abdicação, "entre meio-dia e três horas da tarde tinham afluído Colonial Heritage in Latin America (Nova York: Oxford University Press, 1970), especialmen ao Campo de Santana cerca de duas mil pessoas. Às cinco esse número te o capítulo V (edição brasileira, pela Paz e Terra). Sobre essas "outras" idéias de Brasil, o historiador João José Reis vem oferecendo interpretações inovadoras desde 1982, sobretudo a dobrara".4 partir de seu estudo Rebelião escrava no Brasil. Ver também a importante coletânea, J. J. Reis Na quela encruzilhada histórica, emergiram com vigor as temáticas da (org.), Escravidão e invenção da liberdade. Estudos sobre o negro no Brasil (São Paulo: Brasiliense/CNPq, 1988). independência/dependência, das formas de inserção do Brasil no sistema 3 A meu ver, a obra que representa a culminância dessa linhagem, sintetizando a referida teoria da internacional, do mode lo político ideal, da construção da sociedade civil História do Brasil que tem origem na Independência, é de Manuel de Oliveira Lima, Formação particularmente no tocante à questão dos escravo s, dos índios, do contrato histórica da nacionalidade brasileira (Rio de Janeiro: Leitura, 1944), com prefácios de G ilberto Freire, M. Martinenche e José Veríssimo. Em José Honório Rodrigues, Independência: revolu ção e contra-revolução (Rio de Janeiro: Francisco A lves, 1975), 5 vols., o leitor poderá encon trar uma vasta gama d e informações. V e r , do mesmo autor, na coletânea Ensaios livres, publicada postumamente por Leda Boechat Rodrigues (São Paulo: Imaginário, 1 9 9 1 , prefácio de Carlos G. Mota), o estudo "O parlamentarismo no Brasil e seu retorno".
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Ver a descrição desses acontecimentos em Otávio Tarqüínio de Sousa, Evaristo da Veiga (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1988), pp. 94-5 (Coleção História dos Fundadores do Império do Brasil).
Idéio s de B ra s il: f o rm a ç ã o e p r ob l em a s ( 1 8 1 7 - 1 8 5 0 )
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de trabalho e da propriedade - , do sistema educacional e, enfim, da identi
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o esforço dos liberais [...] do dia 7 de abril de 1831 começou a nossa existência
dade cultural. A lguns p rincípios que deveriam reger a sociedade nacional a nacional; o B rasil será dos Brasileiros, e livre [...] os homens sejam colocados dentro doViagem quadro dasadoutrinas; sejam exemplos da regra e não a regra deles mesmo s; é então 5/10/2018 47910924 MOTA CarlosGuilhermeOrg -slidepdf.com se r construída surgiam explícitos nas mentes das principais lideranças refor que seremos livres e dignos de rivalizar com os nossos conterrâneos e prim ogênitos mistas ou revolucionárias, a começar p elo monarquista-constitucional José da liberdade americana- os cidadãos dos Estados Unidos. 7 Bon ifácio, crítico do escravismo: A sociedade civil tem por base primeira a justiça, e por fim principal a felicidade dos homens. Mas que justiça tem um homem para roubar a liberdade de outro homem, e o que é pior, dos filhos deste homem, e dos filhos destes filhos?5
Entretanto, naquela conjuntura, o q ue se con solidou foi um certo tipo de imaginário e de consciência propriamente nacional - bem com o uma de terminada idéia de Brasil - marcadamente conservadores, que o próprio patriarca já c riticava: " O despotismo de certo país que conheço é açucarado e m ole; mas por isso m esmo perigoso, por tirar todo nervo aos espíritos, e abastardar corações".6 A revolução e a contra-revolução da Independência, se consideradas em seu resultado geral, confluíram num processo reformista, de acomoda as com províncias elitesprocesso de variada os estamentos senhoriais eção as entre classes erciais,e num queextração, desembocaria na Conciliação de meados do sécu lo, garantidora da inviável "paz" do Segundo Império e da ordem escravista. Se José Bonifácio julgava que, "sem muito sangue, a de mocracia brasileira que se possa estabelecer, nunca se estabelecerá sen ão quando passar à aristocracia republicana, ou governos dos sábios e honra d o s " , seu antagonista o jornalista Evaristo d a Veiga, outra figura dominante no cenário político e cultural da primeira metade do sé culo X IX , definiria o ponto "ideal" desse p rocesso: Nada de jacobinismo de qualquer cor q u e seja. Nada de excessos. A linha está traçada - é a da Constituição. Tornar prática a Constituição que existe sobre o papel deve ser 5
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"A propriedade foi sancionada para o bem de todos", advertia mais adiante o deputado José Bonifácio d e Andrada e Silva, em sua "Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a escravatura", em Projetos para o Brasil, organização de Miriam Dolhnikoff ( S ã o Paulo: Companhia das L etras, 1998), p. 60. Sobre a questão social, ver a síntese de seu pensamento em nosso estudo, incluído em Lourenço Dantas Mota (org.), Introdução ao Brasil. Um banquete no trópico (São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 1999). Ver também as sínteses dos pensamentos de Nabuco, Euclides, Capistrano, Freire, Buarque, Caio, Faoro, Antô nio Cândido, José Honório e Florestan, citados no presente capítulo. Ibid., p. 250, "Avulsos".
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Em meio a intensa internacionalização, conflitos, negociações, aquare las e sonde etos, tratados descritivos e traçados urbanísticos, além dedesenha en saios, faturas pagamentos, exílios e sensibilidades desencontradas, ram-se variadas idéias de Brasil, que iriam caracterizar as formas de pensa mento do que comumen te, nos embates políticos sobretudo, se denominava "nação". C om a descolonização e a Independência, o Brasil integrava-se no con certo das nações. A s três vagas revolucionárias européias de 1820, de 1830 ("o sol de julho") e d e 1848 ("a primavera d os povos") mudariam a fisionomia do mundo. N a vaga liberal de 182 0, a primeira sublevação eclodiu na Ale manha, sobretudo nos meios universitários, teve caráter constitucionalista e foi prontamente reprimida por M etternich. N a Espanha, m ilitares de C ádiz, organizados para combater os de colonos revolucionários América espa nhola, sublevam-se em janeiro 1820 sob o comando dodatenente-coronel R iego, obrigando o rei Fernando VI I a restabelecer a Constituição de 1812. Em N ápoles, em julho de 1820, os "carbonários", sob o comando de Pepe, obrigaram o rei Ferdinando I a submeter-se a uma C onstituição; em 182 1, no P iemonte, o m ovimento carbonário impõe u m a constituição, log o reprimi dos todos pelas forças austríacas, restabelecendo-se o poder absoluto. Na França, em fevereiro de 1820, o duque de Berry, sobrinho do rei, é assassi nado, e o movimento da "Charbonnerie" se estende a Saumur, Belfort, Thouars e Colmar. Também na Rússia, com a morte do czar Alexandre I, houve tentativa fracassada de se implantar um regime constitucional (insur reiçãoA decabrista, 1825). do Ancien Regime, representada por Metternich Europa absolutista e o czar, atemorizada com e sses m ovimentos liberais, aos quais se somam as José Bonifácio, "Todo governo em revolução só faz descontentes", em Projetos para o Brasil, cit., pp. 208-209. As citações de Evaristo acham-se na Aurora Fluminense, n. 276, de 9 de dezembro de 1 8 2 9 ; n. 470, de 11 de abril de 1 8 3 1 ; n. 477, de 27 de abril de 1831, respectivamen te . Ver Otávio Tarqüínio de S ousa, capítulos III, IV e V , em Evaristo da Veiga, cit. Como se sabe, de 1823 a 1841 ocorreram várias deportações.
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revoltas nacionais na Grécia e nas co lônias ibéricas na Am érica, crê assistir a
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quim N abuco, Rui B arbosa e o senador Sousa Dantas, os dois últimos co um "comp lô jacobino", com foco em P aris.8 nhecidos como "os nossos ingleses". 5/10/2018 47910924 MOTACarlosGuilhermeOrg Viagem a-slidepdf.com Ne sses embates entre revolução e restauração, o Brasil nasce alinhado Em conclusão, entende-se por que "esse processo histórico-social que com os m ovimentos contemporâneos. A problemática de "nossa identida vinculou o destino da nação emergente ao neocolonialismo provocou co nse d e " , de "nossa nacionalidade" encontra sua raiz nessa determinada conjuntu qüências de enorme monta para a estruturação e a evolução do capitalismo ra histórica internacional e num contexto sociocultural específico. Não dentro do país", segundo Florestan Fernandes. A essa "estrutura neocolonial procuramos aqui "enunciar uma verdade histórica válida para todos e que de predizíveis e inevitáveis conseqüências sociais", segundo expressão de seria tão absurda quanto imaginária", como adverte Marc Ferro. Quando Stanley e Barbara Stein, corresponderia um conjunto de formulações que muito, esboça-se um esforço para reconstruir algumas das determinações poderiam ser enfeixadas sob o rótulo de pensam ento "liberal". Nos quadro s desse passado tal como foi vivido e percebido por essa sociedade que co desse novo colon ialismo criado pelo imperialismo, essa ideologia por assim meçava a se pensar "brasileira". Não por acaso o mais fecundo historiador dizer liberal cumpriria papel imp ortante ao abrandar as relações de dom ina brasileiro do século XX , Caio Prado Júnior, denominou esse período decisi ção do Ancien Regime geradas no período colonial. O liberalismo, nessa vo como sendo de "Revolução da Independência", conceituação dialetizada perspectiva, não seria uma idéia fora do lugar; ao contrário, consolidou-se e aprofundada por outro importante estudioso do período, José Honório como eficiente "disfarce para ocultar a metamorfose dos laços de dependên Ro drigues, que definiu essa fase crucial de nossa história como de revolução cia, para racionalizar a persistência da escravidão e d as formas correlatas de e também de contra-revolução. dominação patrimonialista".9 Numa visão de conjunto, importa notar que, nessa sociedade em que Reside aí o nó histórico em que se enreda nossa ambígua contempose reforçou o senhoriato escravista e se entranhou a ideologia cultural do raneidade, ou melhor, a dessa formação histórico-cultural abarcada pela idéia de "Brasil". Idéia fundadora ligada à de nacionalidade que remanesce no escravismo, criaram-se mecanismos e mores que definiriam e encaminha riam no plano propriamen te político a longa história de conflitos, sobretudo discurso historiográfico-cultural n ascente, e persiste em temáticas e visões os do Período Regencial (1831-1840), com desdobramentos, conciliações ora exóticas e pitorescas, ora rebrotando em análises que consideram tal e reformas qu e se prolongariam por todo o século, com a vitória permanente formação "tardia" e desatualizada, ora alimentando projetos político-econô da contra-revolução preventiva e fortalecimento do Estado. micos em que "n ossa cultura" surge como notavelmente promissora, e assim No plano ideológico, a formação dessa idéia de Brasil teve desdobra por diante. Naq uele contexto, enraízam-se os discursos reformista ilustrado, depois liberal, em seguida liberal-nacional, que irão desembocar na " Que s mentos mais complexos, com a vitória do pensamento conservador. Os es tão nacional" a partir da segunda metade do século XIX, já com registro tudos clássicos do historiador Jacques Go dechot permitem comp reender que, jacobin o no último quartel do século. Discurso que se realimenta de tempos no plano ideológ ico, o resultado foi, nessa perspectiva, o enraizamento his em tempos, perpassando os quase dois séculos de nossa independência po tórico-social da doutrina e da ação conservadora da contra-revolução fran lítica. Tal nó aperta quan do se constata que a idéia de "Brasil co ntempo râ cesa ao longo do século XIX - ou, quando menos, de suas vertentes n e o " (ou, na interpretação de Florestan Fernandes, a "Idade Moderna do Brasil") cristalizara-se já encravada no sistema mundial de dep endências da época, com uma elite que se educara no fino trato com os interesses euro peus aqui implantados. No ápice desse processo, já na segunda metade do século, afirmar-se-iam algumas das melhores cabeças do país, desde Joa8
Cf. J.-B. Duroselle, UEurope de 1815 à nos jours (Paris: PUF, 1964), pp. 96-7. Ver também René Rémond, O século XIX (1815-1914) (São Paulo: Cultrix, 1976), pp. 34-6; Sérgio Corrêa da Costa, Pedro I e Metternich (Rio de Janeiro: Editora A Noite, 1952).
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ideológicas mais brandas, de Siéyès a Chateaubriand e Madame de Staôl, ou, quando mais "avançadas", de B enjamin Constant. Daí entender-se por que um liberal como E varisto - defensor da liberdade constitucional, do sis tema representativo e da liberdade de imprensa - proclama va no seu jornal
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Florestan Fernandes, Sociedade de classes e subdesenvolvimento (Rio de Janeiro: Zahar, 196 8), Stanley e Barbara Stein, A herança colonial da América Latina (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970), p. 114. pp. 10-4;
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Aurora Fluminense: "Faça-se tudo quanto é preciso, mas evite-se a revolu
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nova era nos estudos históricos, por sintetizar todo o século X IX . A pesar de
ção".
seu tempero comtiano ("o mais robusto pensador do século"), a teoria da A força dessa ideologia mobilizadora da improvável47910924 "paz do Segu ndo MOTA CarlosGuilhermeHistória OrgViagem a-slidepdf.com do Brasil - com sua correspondente periodização - condensada Império" foi suavizada, além das boas maneiras do imperador-sábio P edro nessa síntese antológica constitui a matriz d a qual partiriam os estudos po ste n, pela ideologia regressista de liberais como Bernardo de Vasconcelos ("Fui riores de Caio, M anuel Bonfim, José Honório Rodrigues, Florestan e mesmo liberal"), que seria combatida depois pela melhor tradição historiográfíca por Raymundo Faoro (para citarmos alguns clássico s do pensamento radical no assim dizer radical, de Capistrano de Abreu a Florestan Fernandes. Linha Brasil): "Som os o ún ico caso histórico de uma nacionalidade feita por uma gens de pensamento assemelhadas às que em Cuba desaguariam nas posi teoria política [...]".10 ções de José Marti e, no Peru, em José Carlos Mariátegui, ou ainda, nos Em síntese, uma consistente idéia de Brasil se consolidara por volta projetos dos teóricos e educadores da Revolução Mexicana de 1910. E dos anos 1840-50. A partir de fora, porém com viva elaboração interna, essa temática torna-se atual nesta passagem de século, de vez que aquela plasmou-se, desde 1831 até 1850, uma certa ideologia do "caráter nacio visão conservadora, travestida em teoria da História, sob no va linguagem, n a l " brasileiro. E também de um certo modo de se contar nossa história, pois volta a enternecer a nova historiografia p ós-moderna, esquecida talvez das nesse mom ento despontaram historiadores como Solano C onstando e Abreu duras recomendações político-sociais que o pitoresco Bragança escreveu e Lima, em cujos compêndios se fabricava, se instituía e se estabilizava, com para sua sucessora, a princesa Isabel, esposa do conde francês D'Eu, o sinais diferentes, uma outra visão "nacional" da História do B rasil, menos vencedor da guerra contra o Paraguai. conservadora, europeizante e colonialista que a d e M artius ou Varnhagen.11 Tal idéia conservadora de Brasil, fundadora do quadro político-ideolóO país tomava forma sob a preeminência inglesa. Inserido naquele con gico que seria dominante entre 1824 e 1889, instalou-se no Instituto Históri texto econômico-cultural, a obra de John Armitage, não por acaso inglês, numa visão atualizada e crítica, indicava em 1836 o nascimento d e uma na co e Geográfico Brasileiro, abrigou-se nas teorias de Varnhagen e alimentou o substrato ideológico d a contra-revolução vencedora. Fixava-se, nessa ver ç ã o , tendo por balizas cronológicas 1808 e 1831. Como escrevia ele na tente e desse modo, o conceito de nação. No plano político-institucional, à introdução de seu livro: " É possível que a história contemporânea possa, em contra-revolução vencedora correspondeu a metodologia da conciliação a alguns caso s, ser escrita com mais acerto por um estrangeiro". partir de meados do século XIX, somente alterada com o movimento Cu rioso tal comentário, quando se observa q u e aquela p o r muitos con republicanista. A lterada, mas n ão apagada completamente, pois na história siderada a primeira história "nacional" tenha sido escrita justamente p o r ele, das formas de pensamento, de tudo fica um pouco; em áreas de passado colonial, fica muito. 1 ° Lia-se, nas principais cidades do B rasil. N o Rio de Janeiro, sede da monarquia tropical, em 1 821, Com a guerra contra o P araguai, a retomada do m ovimento republi o Diário do Rio de Janeiro anunciava venda de livros em oito lojas. Havia intensa atividade de leiloeiros (em geral, ingleses), o principal dos quais era Jorge Dodsworth, correspondente comer canista, a abolição da escravatura, a Proclamação da R epública e a repres cial de Hipólito José da Co sta, com escritório na rua da Alfândega, que anunciava a chegada de são a Canudos encerra-se uma certa visão de Brasil: assiste-se ao tournant números do Correio Braziliense em navios que vinham de Liverpool. Após 1822 e a Constituin te , o número de leitores aumentou. Em 1 8 2 3 , Evaristo vendia em sua loja de livros, por exemplo, decisivo, com a descoberta de um outro Brasil pelo republicanista radical o Cours de politique constitutionelle, em 8 volumes, de Constant, e várias obras de Bentham. Euclides da Cunha (1866-1909). Os sertões, obra publicada em 1902, ao Evaristo (pseudônimo arcádico, de poeta aliás medíocre: Alcino) era leitor, além de Constant e revelar indiretamente as mazelas da república, também procedia a o julga Bentham, d e Ricardo, S a y , Sismondi, F o y , Blackstone. Em 1 8 2 7 , e l e vendia obras de S a y , Sismondi, Ganilh, Broussais, Racine e Voltaire, e livros sobre o s Estados Unidos e sobre o México. Para uma mento da monarquia e do legado colonial, abrindo um novo período de crí visão mais ampla do tema, ver Mansa Lajolo e Regina Zilberman, A formação da leitura no tica para a construção da nova História das Mentalidades no Brasil. Em Brasil (São Paulo: Ática, 1996). 1 nossa perspectiva, entretanto, o estudo insuplantado de E uclides, "Da In de ' O estudo mais recente e crítico sobre essa visão é o de Karen M . Lisboa, A Nova Atlântida d e Spix e Martius: natureza e civilização na Viagem pelo Brasil (1817-1820) (São Paulo: Hucitec/ pendência à Repú blica (esboço político)", publicado em 1900 e incluído em Fapesp, 1997). Uma nova edição de À m argem da História, prefaciada por Miguel Reale, foi seu livro À margem da História, pode ser considerado o sinalizador de uma publicada pela Livraria Martins Fontes em 1999 (Coleção Temas Brasileiros).
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um inglês; e o m étodo de se escrever "nossa" história, definido por um ale
A Inglaterra exercia assim um dup lo papel: era inovadora no tocante a
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m ã o , von M artius, em seu imperativo e categórico "Como se deve escrever relações de produção (contra o tráfico e o regime escravista) mas, ao mes d o Brasil". 12 47910924MOTACarlosGuilherme Viagem a-slidepdf.com moOrg tempo, funcionava como peça-chave desse braço diplomático da con
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Nessa altura, também no mundo jurídico, dando novo contorno ao Estado e normas à sociedad e nacional, come çavam a avultar as figuras de Cairu, de Antônio Carlos de Andrada, José Clemente Pereira, Alves Bran c o , Carneiro de Campos e, sobretudo, de Bernardo Pereira de Vasconce l o s , o principal autor do C ódigo C riminal de 18 30. 13
II A nova imagem d e Brasil toma vulto e se adensa na confluência d e dois processos d istintos. O primeiro, de internacionalização abrupta do mundo luso-brasileiro, ocorrido a partir de 1807-1808, quando se deu a famosa inversão colonial. A metrópole portuguesa, invadida p o r tropas de Napoleão Bonaparte, assistira à transmigração d a família real, da corte portuguesa e de numeroso contingente de altos e médios funcionários para o R io de Janeiro, escoltados pela armada inglesa. Foi um impacto tremendo, estancando-se o lento processo de emancipação que se delineara desde o ú ltimo quartel do sécu lo anterior. A tutela da Inglaterra, potência em fase de acelerada revolução indus trial, de afirmação na política européia e mundial e de construção de seu império informal garantiria, não somente a preeminência de seus interesses ao longo do período da formação nacional como, após 1815,ejáno con texto da R estauração, a monitoração e auditoria da vigilante e conservadora Santa Aliança nos negócios brasileiros.14
tra-revolução européia. T ais ambigüidades estarão na base da formação de uma certa linhagem d e intelectuais prestigiosos e anglicizados, a u m só tempo antiescravistas e conservadores, dentre eles Machado e Nabuco, com re verberações na obra de Gilberto Freire. "Nabuquismo", aliás, seria um designativo desse tipo de comportamento ideológico e político-cultural, uma certa maneira esteticizada de olhar o mundo social brasileiro, a partir da varanda. A ssim co locado entre dois fogos, o B rasil, onde já vinham se m anifes tando sentimentos e propostas de autonomização desde o século anterior, mudou abruptamente de status, se internacionalizando e ocupando lugar de destaque no A tlântico Sul. A pesar das controvérsias sobre o ritmo do pro cess o de em ancipação em curso, sobretudo no tocante à abolição da escra vatura, a chegada dos B raganças e sua corte trouxe novo s elemen tos para a discussão dos projetos de emancipação. A presença de viajantes, comer ciantes, cientistas (ou naturalistas, na expressão d a época), espiões, aventu reiros e artistas estrangeiros - com freqüência exercendo combinadamente mais de um desses p apéis - d á conta dessa internacionalização que agrava o teor pré-revolucionário de vida e acelera os acontecimentos que abrem a fase brilhante de fundação d a História propriamente nacional. N o transcorrer desse pro cesso de internacionalização é que se adensa o sentido e se define o momentum de nossa fundação. Entretanto, nesta caracterização de uma identidade propriamente nacional, quando se forjam as matrizes de pensamento referidas por Marc Ferro, torna-se imperioso não se confundirem as diferentes temporalidades, tempo do mito e tempo da história, "notadamente quando se trata do problema das origens". 15
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John Armitage, História do Brasil (São Paulo/Belo Horizonte: Itatiaia/Edusp, 1981). Com nota de Eugênio Egas, em que discute a autoria da obra, da tradução, e comenta a vida de Arm itage. O conhecido texto de Carl Friedrich Phillip von Martius foi publicado na RHIGB, Rio de Janeiro, janeiro de 1845, n. 24. 13 Cf. Pedro Dutra, Literatura jurídica no Império (Rio de Janeiro: Topbooks, 1992), prefácio de Miguel R eale; ver especialmente capítulo V, "Dos cursos jurídicos ao Código C omercial, 18271850". 14 Para a compreensão do período, ver Immanuel W allerstein, The modem world-system III. The secondera ofgreat expansion ofthe capitalistworld-economy, 1730-1840s (Nova York: Academic Press, 1989). E também Alan Manchester, British Pre-eminence in Brazil (Nova York: Octagon
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Books, 1964); tradução em português, José Almada, A Aliança inglesa. Subsídios para seu estudo, 2 volumes (Lisboa: Imprensa Nacional, 1947); Carlos Guilherme Mota (org.) 1822: Dimensões (São P aulo: Perspectiva, 1972), em especial os estudos de Jacques Godechot sobre a revolução do Ocidente; de Frédéric Mauro, sobre a conjuntura atlântica e a Independência; de Fernando Tomaz sobre os brasileiros nas Cortes Constituintes de Lisboa; de Emília Viotti da Costa sobre José Bonifácio; de Maria Odila S. Dias sobre a interiorização da metrópole; e de Carlos Guilherme Mota sobre os europeus no B rasil às vésperas da Independência. 15 Marc Ferro, A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação (São Paulo: Ibrasa, 1983), pp. 13, 290 e 292.
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O segundo processo, menos conjuntural, é o de descolonização em
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A descolonização, processo no qual se afirmaram novas lideranças que se enredara o Império português, processo aprofundado a partir da in nativistas, ocorreria entretanto no sentido da integração do com plexo luso5/10/2018 surreição nordestina de 1817. Nessa perspectiva, a chamada 47910924Revolução MOTACarlosGuilherme OrgViagem a-slidepdf.com brasileiro ao novo sistema mundial de dep endências: ensaiou-se primeira Pernambucana d e 6 d e março constitui, diversamente d o peso q u e comumente mente o equilíbrio paritário sob a fórmula de R eino Unido de Portugal, com se atribui às conjurações do século anterior, o ponto de não-retorno e de o Brasil e o Algarve (1815), logo abalado pelos eventos de 1817 na exaceleração do processo de descolonização que conduziu à Independência e colônia e na metrópole e já engolfado n a crise mundial que conduziu à vaga à abdicação de Pedro I em 1831, quando se consolidou o Estado nacional. Revolução de 1820. desse período, e seus rebatimentos no mundo luso-bra N esse pro cesso, com o s desdobramentos no período regencial, forjaram-se Da turbulência 16 a s matrizes histórico-institucionais e culturais do Brasil contemporâneo. sileiro, nos d á conta u m viajante-comerciante como o francês L. F. Tollenare, Examinado na longa duração, tal processo já se vislumbrava na crise que aqui esteve naqueles anos, descrevendo esse contexto específico com abrangente do antigo sistema colonial, iniciada na última quadra do século riqueza de detalhes. Suas apreensões conservadoras, banhadas na ideologia anterior. Crise perceptível, como se sabe, em vários níveis e dimensões, e da Restauração, aumentavam quando vislumbrava o perigo de uma eclos ão que atingiu o m undo luso-brasileiro quando n ele ainda tentavam suas elites revolucionária de vulto no B rasil ("mais um pouco e teríamos visto aqui os ilustradas superar o descompasso histórico detectado anteriormente pelo sans-culottes"). A o ressaltar a acirrada competição por mercado nos por marquês de Pombal, atraso nunca recuperado. Não por acaso trechos da tos brasileiros, travada entre comerciantes franceses e inglese s, deixava ele obra do abade Raynal (1713-1796), a Histoire philosoph ique et politique entrever por que estes ú ltimos quase sempre levavam vantagem ao oferecer des établissements et du commerce des européens dons les deux Indes, produtos industrializados e serviços a preço menor, pontas de lança q u e eram publicados em 1770, eram sabidos de cor em M inas Gerais por inconfiden d a Revolução Industrial. Comoeuropéias se nota, vivia-se, também no diais Brasil,e "zonas o dealbar t e s . O abade Raynal indicava a desproporção nas relações entre metrópole de uma disputa de potências por mercados mun de e colônia, em favor desta, apontando caminhos para que "os portugueses influência" em partilhas que iriam se estender até as primeiras décadas do que moram no Brasil ousem libertar-se de sua tirania": século XX . Em 1817, o sistema luso-brasileiro trepida nos dois lados do A tlântico. Talvez os próprios preconceitos do s quais estão imbuídos, por uma educação viciosa Com efeito, o levante nacionalista de G omes Freire de Andrade em Portugal e monástica, sejam muito antigos em seus espíritos para serem arrancados. A luz naquele ano, bem com o a grande insurreição do Nordeste brasileiro, suge parece estar reservada às gerações seguintes. Pode-se apressar esta revolução deter rem a profundidade da crise que antecede e anuncia a revolução liberal de minando os grandes proprietários a educar seus filhos na Europa, reformando e 1820 em Portugal e a independência nacional do B rasil em 1 8 2 2 . Indícios de aperfeiçoando a instituição pública em Portugal [...] É possível acostumar os jovens a estimar su a razão ou a desprezá-la, fazer us o dela ou negligenciá-la [...] A história encontros em L ondres de G omes Freire e do líder brasileiro Dom ingos José dessa colônia nã o será mais sua sátira.17 M artins (além do venezuelano M iranda, ex-combatente n a Revo lução Fran 16
A primeira análise crítica desse processo foi efetuada por Caio Prado Júnior, em 1933, em seu clássico Evolução política do Brasil e outros estudos. 17 O livro nono, denominado O estabelecimento dos portugueses no Brasil, foi publicado em português, no Rio de Janeiro, Arquivo Nacional/UnB, 1998. V e r p p . 144-155. A s vicissitudes e a crise do sistema colonial foram analisadas por Charles R. B oxer em Relações raciais no império colonial português 1415-1825 (Porto: Afrontamento, 1988) (1. ed., em 1963, pela Oxford University Press) e O império marítimo português (1415-1825) (Lisboa: Edições 70, s.d.) (o original, em inglês, é de 1969); Fernando A. Novais, "O Brasil nos quadros do antigo sistema colonial", em C. G. Mota (org.), Brasil em Perspectiva (São Paulo: Difel, 1968), e Portugal e
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s ã o eloqüentes o bastante para cesa) sinalizar asquearticulações naquela conjuntura pré-revolucionária. Articulações terão aliásatlânticas desdobramentos significativos, pois alguns revolucionários derrotados e feitos prisioneiros em
Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808) (2. ed., São Paulo: Hucitec, 1983). Para o estudo de algumas raízes históricas do nativismo, veja-se Evaldo Cabral de Mello, Rubro veio: o imaginário da revolução pernambucana (2 . ed. revista e aumentada. Rio de Janeiro: Topboòks, 1997), sobretudo os capítulos "Inventário da memória" e "A cultura histórica do nativismo".
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1817, gente co m ótim o currículo e proveniente de diferentes regiões da ex-
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colônia, três anos depois sairão diretamente do cárcere baiano (o célebre cimento acelera a viragem mental que já se vinha p rocessando: transita-se 47910924 CarlosGuilherme Orgno Viagem -slidepdf.com de onde acompanhavam os acontecimentos do mundo eMOTA estuda então, B rasil,ade formas de consciência nativista, difusas e vincadas por localismos, para uma consciência mais ampla, de país independente.19 Ou vam) já eleitos deputados para representar o Brasil nas Cortes Constituintes para um novo "amálgama", para usarmos um termo-chave, caro ao mineraem Lisboa. O "Ateneu", remanescência de 1817, terá sido o primeiro em logista José Bonifácio. brião de uma esco la de pensamento propriamente nacional de altíssima qua
5/10/2018"Ateneu",
lidade, os revolucionários presos ochegado a discutir conceitotendo de classe soriai,T)ara analisarem momento vivido. 18até mesmo o A os deputados brasileiros^as C ortes Liberais Constituintes de Lisboa terá sido d e 'extrema valia a passagem pela " escola" revolucionária de 1817, completada, após a derroiajiias aulas informais no cárcere d^ Salvador. Foi uma experiência pré-nacionfcl. Ao reunir, presos, âlgtrnsrepresentantes de províncias distintas, propiciou-lhes o primeiro desafio de uma po ssível un i dade, e o sentido inédito de ruptura. Do mesmo modo, não poderão ser compreendidas as trajetórias de personagens que avultarão na história do Império, como Antônio Carlos ou Muniz Tavares, sem a análise daquele ponto d e partida. No decorrer da Revolução de 1820, no calor dos debates das Cortes Constituintes em Lisboa - momento decisivo na definição de nossa vaga "nacionalidade" e demarcação de diferenças - , vários de nossos deputados sairiam fugidos, sob vaias e até pedradas, sendo obrigados a se exilar, rechaçados ao defender os interesses d a ex-colônia. A í se localiza a primeira ruptura séria, em q ue se explicitaram as con tradições efetivas entre metrópo le e colônia, mascaradas pela solução de compromisso d o Reino Un ido. Esse episódio se insere no rastilho internacional do "despertar das na cionalidades", nos dois lados do Atlântico. Na Constituinte portuguesa se discutiam a representação, a cidadania, o fim do sistema colon ial, esclarecendo-se a ambígua consciência nacional nascente, quando se constatou,
"pátria", "patriota", independência passam a ter um"Nação", valor, para além de sim bólico,Constituição, prático, nunca antes experimentado 20 nestas partes. Naq uele contexto, possuía um significado muito específico, aliás percebido por M azzini, o defensor da unidade italiana, ao definir essa "hora do advento das nações", entidades imaginárias em que se "amalgamav a m " valores, símbolos, sensibilidades, usos e costum es próprios, que com poriam o que se denominava civilização. Nos principais centros urbanos brasileiros, aprofundava-se a sensação de abertura para o mundo, de transformação histórica. Afinal, estávamos compaginad os, alinhados com a G récia, a Itália e a Bé lgica, num m omento em qu e também a Polônia, a Hungria e a Irlanda buscavam afirmar-se en-
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que, definitivamente, não éramos portugueses. 18
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Tal discussão aparece em "Um episódio da história da Revolução de 1817 na Província de Pernambuco, passado entre os prezos d'Estado na cadea da Bahia", que analisamos em "Novos usos de velhas palavras: a noção de classe", no capítulo "As formas de pensamento revolucioná rias", em Nordeste 1 8 1 7 . Estruturas e argumentos (São Paulo: Perspectiva, 1972). Ver também de István Jancsó, Na Bahia, contra o Império. História do ensaio de sedição de 1798 (São Paulo: Hucitec/Edufba, 1996); e Carlos Guilherme Mota, Atitudes d e inovação n o Brasil (Lisboa: Horizonte, 1970), prefácio de Vitorino Magalhães Godinho.
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Vários estudos vêm aprofundando o conhecimento desse período. A lém dos livros clássicos de Fernando Piteira Santos, Geografia e economia da Revolução de 1820 (Lisboa: Europa/América,1961); de José Honório Rodrigues, A Assembléia Constituinte de 1823 (Petrópolis: Vozes, 1974); de Vicente Barretto, A ideologia liberal no processo da Independência do Brasil, 17891824 (Brasília: Câmara dos Deputados, 1973); de José Murilo de Carvalho, A construção da ordem (Rio de Janeiro: Campus, 1980); de Manuel Correia de Andrade (org.), Confederação do Equador (Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Massangana, 1988); e de A. Russell-W ood (ed.), From Colony to Nation. Essays on the Independence of Brazil (Baltimore: J. Hopkins Univ. Press, 1973); citem-se, dentre outros, Fernando A. No vais e Carlos Guilherme Mota, A indepen dência política do Brasil (São Paulo: Hucitec, 1996); José Honório Rodrigues, Independência: revolução e contra-revolução, vol. 4, sobre "A liderança nacional" (Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1975-1976); Maria de Lourdes Viana Lyra, A utopia d o poderoso império (Rio da pátria. Imaginação geográfica de Janeiro:externa Sette Letras, 1994);1808-1912 Demétrio (São Magnoli, e política do Brasil Paulo:O corpo Moderna/Unesp, 1997); Márcia Regina Berbel, A nação como artefato. Deputados do Brasil nas Cortes portuguesas, 1821-22 (São Paulo: Hucitec, 1999); Cecília Helena d e Salles Oliveira, A astúcia liberal, relações d e mercados e projetos políticos no Rio de Janeiro , 1820-18 24 (Bragança Paulista: Edusp/ícone Editora, 1999); Iara L. C. Souza, Pátria coroada. O Brasil como corpo político autônomo, 1780-1831 (São Paulo: Unesp, 1999); e Richard Granam, Clientelismo e política no Brasil do século XIX (Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1997). Ver, a propósito, a importante análise de Roderick J. Barman, Brazil. The Forging ofa Nation 1798-1852 (Stanford: Stanford University Press, 1988), em que examina as "matrizes da nação" e a formal configuração da N ação-Estado. A curva do processo é estudada passo a passo, desde a crise do sistema colonial até meados do século.
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quanto nações. Demais, as rotas comerciais mantinham contatos, fora do
As proclamações do governo provisório [de Pernambuco] não contêm senão repeti
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ções do estilo de 1793 a respeito do "monstro infernal da realeza". Os chefes do mundo luso-brasileiro, com portos como Barcelona, Baltimore, Bordeaux, tumulto são todos hom ens desprezíveis, verdadeiros anarquistas; o mais conhecido 47910924MOTACarlosGuilhermeOrg Viagem a-slidepdf.com M arselha, Liverpool. deles é Martinez [Dom ingos José Martins], falido fraudulento. E le não tem o talento A noção revolucionária de "pátria" soava com timbre mais radical e nem a reputação necessária para desempenhar o papel de um chefe de governo.21 persistente nas ex-colônias, o patriotismo passava a se nutrir da pesquisa, reflexão e da reconstrução do passado cultural, histórico e lingüístico. Daí O desafio mais complexo, do ponto de vista metodológico, reside to
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não surpreender que os libertadores - expressão que adquiriu significado próprio, a partir sobretudo da ação de B olívar, na América espanhola fossem, em larga medida, intelectuais de sólida formação, como José Bonifácio, Cipriano Barata ou Frei Caneca ou, na América do Norte, os foundingfathers Benjamin Franklin, Thomas Jefferson e A dams se alinhas sem co m a intelectualidade m ais culta d e seu tempo. A época é de reconstru ção histórica, de pesquisa: o próprio Patriarca é unrestuoídso de Camões, cultor d a língua nacional e tradutor (inclusive de escritos de Humboldt). Nes se contexto é que se "descobre" a própria Carta de Pero Vaz de Caminha (1817), em que se dá conta do achamento de Cabral em 1500: busca-se e define-se uma "origem" para xB rasiLNasi&jirna "história". Àqu ela altura, n u m contexto de mndaçjovirações d a elite colonial acre ditam na possibilidade TJêsêTpoder acertar o passo da nascente História do Brasil com a História das Nações. Em contrapartida, se adquiria a certeza de que o mundo acompanhava a s transformações operadas no Brasil e n a Amé rica do Sul, e vice-versa. Frei Caneca, em seu pequeno jornal Tifis Pernambucano, acompanhava os acontecimentos do M éxico e do Peru. Na Inglaterra, o Correio BrazMense, de Hipólito José da Costa, examinava passo a passo a vida brasileira, e d a França e dos Estados Unidos chegavam repercussões das ações emancipadoras. Como estudou Jacques Godechot, em Paris, noticiavam os acontecimentos do Brasil o Journal des Débats, o Journal du Commerce, dentre outros, e, na província, o Journal de Toulouse, que publicou durante quatro meses notícias do Brasil em quase todos os seus números. Já na edição de l fl de junho de 1817, domingo, o órgão parisiense dos "ultras", La Quotidienne, a primeira página inteira é dedicada ao B rasil: enxergou na insurreição, "com m uita propriedade, a se qüência americana d a revolução que havia transformado a Europa, e portan to colocava franceses e brasileiros em guarda contra seus progressos". A 5 de junho, compara-se 1817 a 1793, o momento em que a Revolução Fran cesa se aprofundou:
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davia na definição de matrizes de pensamento. Como detectar uma nova forma de pensamento, uma reflexão ou um texto que revele não a "influên c i a " estrangeira imediata, mas uma certa continuidade de tradições mentais consolidadas? O u detectar aquelas formas que não são portuguesas, o que é mais difícil, visto q u e muitas formas d e pensamento revolucionárias no Brasil também ocorreram durante a Revolução de 1820. Nesse ângulo, notam-se em vários autores formulações que parecem genuínas e inovadoras, inclusive em lideranças como Vergueiro, Feijó e José Bonifácio, em que pese o fato de ter, este último, permanecido p reso à ideologia da Ilustração.22 Ap esar de muitas importações de idéias e teorias, havia algo original nas falas e teorizações d os "nacionais", em que se vislumbram vertentes de pensamento que se afirmariam ao longo d a nascente " História do Brasil", ou seja, de uma nova maneira de abordar o mundo. Um conjunto de grandes críticos e grandes personagens surgiram naquele momento, expressão da nova configuração social mais urbana e d a nova mentalidade reformista, que sofrerá avanços e "regressos" nos anos 30 e 40. Sabem os historiadores que nem tudo, no mundo das palavras, das representações visuais, das ações pod e ser reduzido a determinações socio lógicas de classe social. Naquele período, como em qualquer outro, não houve m ovimentos "puros" de classe, ou "puras" linguagens de classe, ad verte o historiador James Epstein, acompanhando a posição de Eric Hobsbawm. Vale notar q u e M arx, também historiador, dispensava particular
atenção a esses períodos de transição em que, apesar da aceleração dos acontecimentos, "coexistiram e se combinaram historicamente estamentos pretéritos e classes futuras". Ao analisar o período que nos interessa, numa 2
' Jacques Godechot, "A independência d o Brasil e a revolução do Ocidente", em Carlos Guilherme Mota (org.), 1822: Dimensões, cit., pp. 33-4. 22 As trajetórias desses personagens, de Cipriano Barata, Lino Coutinho e outros estão sendo analisadas em nosso livro Idéia de Brasil. Sociedade, educação, cultura e mentalidades (18171850) (em preparo).
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ria ganha novo impulso nesses primeiros momentos do neocolonialismo. O
Inglaterra também convulsionada, o professor Epstein indica como as no tempo co mo que encurta, tornando-se noção m ais precisa e palpável, com o ções de E stado, cidadania, revolução, república, internacionalismo, história, aprimoramento técnicas náuticas e das informações, depois com o va 5/10/2018 e t c . eram utilizadas, revelando nessa abordagem u m a "outra" 47910924 MOTA Carlos Guilherme OrgViagemadas -slidepdf.com Inglaterra. Ficapor. Sobressaem-se nesse panorama os eficientes, meticulosos almirantes se sabendo, por exemp lo, que setores do mundo do trabalho inglês, em eb u ingleses da South American Station, em conexão direta com os principais lição desde o início da Revolução Industrial, acompanhavam a América políticos do parlamento inglês, chegando a constituir uma "escola" de exc e meridional em seu mov imento de libertação com d iscursos, vivas e brindes lente formação, com métod os, normas, ritos, projetos, tendo produzido do cumentação fundamental para o conhecimento do Atlântico e do Pacífico em tavernas e portos... Com efeito, e m 1822 , havia na Inglaterra mais aten ção ao que acontecia nessas partes do Atlântico Sul, onde se articulava o 25 naquele período. império "informal", do que o leitor seria levado a imaginar. Afinal, idéias de Ao contrário da noção de tempo, a de espaço se expande, adquirindo Brasil fervilhavam não somente no gabinete-biblioteca de Robert Southey, o 23 outras dimen sões nas mentes das pessoa s. A geog rafia torna-se mais preci grande historiador e expert nesta terra, em que aliás nunca aportou. s a , mais científica, nessa ép oca em que o gov erno central queria conhecer, N essa perspectiva, a história da expansão européia adquire novo sen mapear, controlar o nov o território americano. A s denominad as Corvgrafias, tido à luz da história d a s mentalidades. O capitalismo comercial vive n o Atlân em particular, inauguram uma tradição de estudos geo-históricos, que se afir tico redefinições significativas, encontrando -se nessas plagas antenas teóricas mam co m A ires do Casal e Daniel Pedro Müller, indo desembocar no fim do nativas, receptoras do Liberalismo. Um d os agentes mais visív eis e citados século e se prolongando no século XX, em interpretações como as de Sílvio foi José Maria Lisboa, o futuro visconde de Cairu, que também escreveu Romero, Euclides, Gilberto Freire, Manuel Diegues Júnior. Linhagem da qual uma história do período: ele, dentre outros intelectuais, comerciantes, ho o citado Caio Prado Júnior, Manuel Correia de Andrade e Aziz Ab'Saber fazem parte, atualizadora d e u m a compreen são de B rasil que deita suas raízes mens de Estado amoldariam, a seu modo, as novas idéias ao lugar. "como Mas a "civilização ocidental não se espraiou", notava Florestan Fernandes, no período da Independência. Do m esmo mod o, não estaria indissociada do as águas de um rio que transborda". Ao saltar de seu leito, ela "se corrom projeto que José Bon ifácio elaborou para a Constituinte de 182 3 a criação p e u , se transformou e p o r vezes se enriqueceu, convertendo-se numa varian do Serviço de Proteção ao índio (1910) pelo coronel Cândido Rondon. Na 24 te do que d everia ser à luz dos modelos originais". perspectiva da História das Mentalidades, e, portanto, da longa duração, refaz-se assim o diálog o plurissecular entre o presente e o passado, a Histó ria e a Historiografia, a G eografia e a História.
III
Naqueles anos de aceleração histórica, se intensificou a dinâmica da vida cotidiana, adquirindo nova dimensão a desprezada "história dos costu mes".
A cidade passa a contar: ao sul do equador, não só a nova capital do Império pulsa e chama a atenção do mundo, como os antigos centros, Salva dor e Recife, ganham nova respiração. A história do meio am biente se am plia com u m a plêiade d e naturalistas europeus ligados a m useus e centros de pesquisa, e a tradição da geo-histó 23 24
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Cf. estudo de James A. Epstein, Radical Expression. Political Language, Ritual, and Symbol in England, 1790-1850 (Oxford: Oxford University Press, 1994). Florestan Fernandes, Sociedade de classes e subdesenvolvimento, cit., p. 14.
C a rl o s G u i lh e r m e M o t a
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Sobre a potência hegemônica nos mares, a Inglaterra, uma série de estudos tomam b oa parte de nossa atenção. Há livros mais antigos, como os de Robert Southey, Th e British Admirais (Londres,1833-48) e de Esther Meynell, Letters ofthe English Seamen, 1587-1808 (Londres, 1910). E um a série de estudos mais recentes, inclusive relativos à citada South American S tation, como o de Antony Preston, T h e History ofthe Royal Navy (1983), Peter Kemp, History ofRoyal Navy (Nova York, 1969), Geoffrey Green, The Royal Navy and Anglo-Jewry 1740-1820 (Londres, 1989), W illiam W ard, The Royal Navy and the Slavers (Nova York, 1969), Raymond Howell, The Royal Navy and the Slave Trade (Londres, 1987), Christopher Lloyd, The Navy and the Slave Trade (Londres, 1968), Michael A. Lewis, The Navy in Transition 1814-1864 (Londres, 1965), Brian Lavery, Nelson's Navy (1989), Geoffrey M arcus, T he Age of Nelson 1793-1815 e The Royal Navy (Nova York, 1971). Para uma reflexão mais atual sobre produção literária e imperialismo, ver o excelente livro de Mary Louise Pratt, Imperial Eyes, de 1992, de Stanford, publicado em português em 1999.
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"Redescobrem-se" temas relacionados com o peso da natureza nesse
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modo de adquirir, possuir e transmitir a propriedade. Não há pois interesses, e
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privilégios de indivíduos e de classes [...J novo imaginário. Imaginário em trans-formação, já agora "brasileiro". B oa a nação 5/10/2018parcela das lideranças que fizeram a independência e arquitetaram 47910924MOTA CarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com Em verdade, o pacto consensual B rasil-Portugal já vinha se rompendo, tinha formação ligada às ciências naturais e aplicadas, conheceram outras e a questão social atenazava a consciência das elites nativas esclarecidas. terras e centros de pesquisa. M as não foi somente nesse segmento que ocor Quando José Bonifácio retornara ao Brasil, a terra já entrara no "perigoso reram atitudes de inovação. O novo imaginário se alimenta do impacto da rodamoinho que ameaça levar o P aís ao vórtice d a Revolução", como temia transferência da corte e do prolongado ch oque cultural provocado por cen tenas de reinóis que jamais haviam pisado em território americano. Ao "des o comerciante inglês John Luccok, em suas Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil.21 cobrir" o Novo Mundo sem fronteiras, deslocaram posições de mando, C omo se enfatizou, o movimento de 1817 fora a primeira e mais radical provocaram desconfortos, reacenderam antagonism os, "politizaram" o de revolução anticolonialista no mundo luso-afro-brasileiro. Liderada p or seto bate. res da burguesia comercial nativa, porém internacionalizada, do clero e da A natureza, a temperatura, os sabores, os cheiros mostravam-se dife administração, essas novas elites dirigentes emergiam n a cena política tendo rentes, agrestes, adocicados. Outros, enfim. Descobria-se que a decantada como expoentes o radical Frei Caneca e o inquieto irmão de José B onifácio, "adaptação aos trópicos" não se daria assim tão facilmente. Com a escravi o ad vogado A ntônio C arlos. A revolução trouxe um forte sentido de ruptura d ã o , aprofundara-se o "teor violento da vida", para usarmos a expre ssão de e fundação republicanista, verdadeira antecâmara do m ovimento de Inde Johan Huizinga. Sem passado nem futuro, distante da Europa desarranjada pendência de 2 2, abrindo o ciclo de movim entos liberais-constitucionais e pelas revoluções e por Napoleão, esses reinóis vivem num mundo colonial nacionais. Movimentos que teriam desdobramentos e seqüência em Recife convulsionado e atravessado pela insegurança. Mundo precário, tenso, dra mático, cheio de moléstias desconhecidas, marcado p or violências ancestrais em 1821-22, depois na Confederação do Equador (1824), na expulsão de Pedro I em 1831 e na Revolução Praieira (1848). Sempre evocada, a Revo que a fuga d a corte apenas agudizava. Alé m d a vergonha nacional configurada lução de 1817, republicanista, movimento em que se colocou a questão da pela fuga dos Braganças - vergonha que transborda dramaticamente em di emanc ipação dos escravos, perm aneceria referencial e paradigmática n o pro versas memórias e cartas dramáticas -, impôs-se outra, a da tutela inglesa, cesso mais amplo de formação do Estado nacional. Processo marcado por pouco edificante em termos d e brio nacional do "pod eroso império". movimentos insurrecionais que ocupariam toda a primeira metade do século N os trópicos, bem consideradas as coisas, h á muito tempo b oa parcela XIX , desde a s revoltas escravas de 1826 e, a mais notável, dos M ales (Bahia, d a elite ilustrada e liberal já não e ra portuguesa. Tal fato fora sentido na pele a Sabinada (Bahia, 1837-38), a Cabanagem (Pará, 1835-4 0), a 1835), pelo próprio José Bonifácio, uma das personalidades mais prestigiosas do Balaiada (Maranhão, 1838-41), até a Liberal (São Paulo-Minas, 1842), a mundo português, ao não ser convidado a vir participar do ministério de R evolução Farroupilha (Rio G rande do Sul, 1835-45) e a Revolução Praiei João VI no Brasil, pelo simples argumento, nunca explicitado, de que era ra (1848). Interessa aqui frisar q u e , direta ou indiretamente, muitas lideran "brasileiro". Com o ele terá notado - de acordo com seu principal biógrafo, ças ou ideólogos do Império participaram ou tiveram ancestrais com um pé Otávio Tarquínio de S ousa - q u e , a o retornar tardiamente ao Brasil em 1819, em 1817, a exemplo de Abreu e Lima (o autor de O socialismo, 1855), de seus hábitos, valores e sotaque lusitanos ("sou português castiço") logo te José de Alencar, da família Andrada e Silva. Na revolução nordestina de riam de se adaptar aos modos e modas da ex-colônia tropical. Sua recon versão à terra natal se processou muito rapidamente, e com raiva, de tal forma que chegaria a escrever com ironia extremada: 26
O Brasil é uma terra de igualdade. Igualdade no exercício do s direitos, igualdade nas pretensões legais, igualdade perante a justiça, igualdade no s impostos, igualdade no
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C a rlos G u ilh e rm e M o ta
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Cf. Projetos para o Brasil, cit., p. 189. Cf. "Prefácio", Notas sobre o Rio d e Janeiro e partes meridionais do Brasil (2. ed., São Paulo: Martins, 1951).
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1817 prefiguram-se também as dificuldades que o Brasil viria a ter, poucos
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duramente antiescravista bastante avançada (vale sublinhar), porém reagente
às vanguardas mais liberais e republicanistas daquele tempo: anos depois, em relação à metrópole portuguesa após a Revolução de 1820, liberal e ao mes mo tempo recolonizadora. 5/10/2018 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com Se já agora pudesse tomar a liberdade de lhe enviar por escrito idéias que me têm Aq ui, entretanto, revela-se o busílis. Quando com eça essa História, a ocorrido sobre novas leis regulativas da escravatura inimiga política e amoral mais História do Brasil? N uma abordagem m ais ampla, a historiografia mais re cruel que tem essa Nova China, se com o tempo e jeito não se procurar curar esse cente vem cultivando a interpretação do processo de desco lonização desde cancro, adeus um dia do Brasil. suas origens na Inconfidência Mineira (1789, ou talvez mesmo na Inconfi dência de Cu rvelo, em 177 7), até a expulsão do imperador Pedro I (183 1), Criticando a "Nova China", a "Nova Guiné do Rio de Janeiro", Bonifácio quando o país já dera passos decisivos na consolidação de uma custosa propõe "que se rem ovam os obstáculos à indústria, que a razão e a ciência emancipação p olítica. Prefere-se todavia uma outra perspectiva, acomp a ganhem pés diariamente". E que não se impeçam "os vôos espontâneos da nhando a formação dessa ideo logia - vale dizer, de projetos - centrada na atividade particular".28 construção da nação independente após a grande insurreição nordestina. Co mo se sabe, o P atriarca, em seu amplo projeto civilizatório, defen Ideologia nacional nascente que deixa para trás o desenho da "Nova deu em diversas ocasiões a educação física e científica, o ensino da agricul Lusitânia", depois os sonhos nativistas-localistas dos inconfidentes e, em se tura ("deve ser ambulatório") e a ginástica. M ais ainda, a instrução para as guida, as utopias do "p oderoso império", sonhado, entre outros, pelo con de "diversas classes da nação [...] na razão inversa desde a nobreza até a ple de Linhares, d. Rodrigo de Sousa Coutinho. be". Tudo p orém dentro de certos limites, "para evitar revoluções". P ois as Império sonhado também pelo próprio José Bonifácio que, em 1813, fronteiras de sua ideologia eram, com o a de muitos de seus contemporâneos, 29 seis anos antes de voltar ao Brasil, manifestava ao conde de Fu nchal, Do as do reformismo ilustrado. mingos Antônio, irmão do conde de Linhares (seu protetor até falecer em 1812), e que seria indicado para substituí-lo no ministério joanino, não dese jar morrer como mero desembargador, mas ter no Brasil um "governilho" IV pequeno e bem organizado para cuidar: Quando, n essa óptica, o B rasil se descobre B rasil? Vale refletir a pro Já estou velho e mal-acostumado para ser sabujo e galopim de ante-salas; mas se me pósito da imagem aparentemente "estabilizada" e harmoniosa de "nossa" quisessem dar algum governilho subalterno, folgarei muito ir morrer na pátria e viver História, criada a partir de relatos e projetos, d e literatura panfletária e v ia o resto de meus dias debaixo do meu naturalSenhor [D. João VI], pois sou português gens, depois con solidada em grandes interpretações e, em seguida, nas sim castiço. Poderia nele, se me dessem e me deixassem de mãos livres, ir plantar as artes plificações para manuais de História do Brasil. e agricultura européia; pôr em administração regular os bosques; criar pescarias e salgações e experimentar o meu projeto de civilizar a cristãos e índios. Peço um O s modos p elos quais se consolidaram essas idéias de "Brasil" na pri detesto o ser desembargador Um pequeno de presente eosdecampos governilho; futuro. vizinhos país que meporque convinha Catarina, ajuntando-se-lhe de era Santa Curitiba, para novos estabelecimentos de manteigas, queijos, trigos e farinhas.
Revela-se, nessa permanência da velha idéia de Brasil como "Nova Lusitânia", a combinação de uma ponta de utopismo arcaico com a visão moderna e ilustrada dos males do mundo colonial. Pensamento brumoso, mas não revolucionário, que amargurava alguns expoentes do reformismo ilustrado no mu ndo luso-brasileiro, tendo co mo resultado uma teoria social
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meira metade do configurado século X IX , difusas impregnadas de valores do sis tema ideológico naqueleporém período decisivo, ser e não ser no nascente imaginário social nacional (desde a poesia, o ensaio histórico e po-
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"Carta ao conde de Funchal", 1813, em Projetos para o Brasil, cit., pp. 163-72. A passagem da ideologia reformista ilustrada para a liberal pode ser acompanhada em persona gens como o advogado Aragão e Vasconcelos, ou o revolucionário Muniz T avares; cf. Carlos Guilherme Mota, "As formas de pensamento reformistas", em Nordeste 1817, cit.
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lítico e a literatura em geral, até a m úsica, o teatro), permanecem tema es
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coletiva(s), e impõe ou informa negociações. Negociações como as que se
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sencial para o historiador das mentalidades. processaram nas cortes de L isboa e que terminaram com a ruptura, como se Aprofundemos a questão, perguntando: quando os Brasis se tornam constatou nas intervenções do prestigioso deputado português Borges C ar 5/10/2018 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com Brasil! Se n os estudos geo-h istóricos, nos trabalhos sobre fronteiras e m a neiro, em 22 de maio de 1822: pas a sinalização é clara, quase consensual e aparentemente neutra, no plano das formas de pensamento nem tudo é pacífico. Na curva do processo, Mostre-se ao Brasil que o não queremos avassalar como os antigos déspotas; porém contra os facciosos rebeldes, mostre-se que ainda temos um cão de fila, ou leão tal observa-se com o a identidade coletiva foi se desenhando, tomando forma e adquirindo sentido em oposição à metrópole, nessa lentíssima, e logo de pois acelerada, dialética da colonização. P rimeiro, observa-se que a repres são à Inconfidência M ineira, demorada, altamente burocratizada e ritualizada, deu-se contra os brancos insurretos ou suspeitos, send o punido com a mor te o mais modesto deles, o quase-branco Tiradentes. Já na repressão aos "pardos alfaiates" baianos, o poder metropolitano contra-revolucionário foi exercido de modo rápido, brutal e exemplar, orientada pelo mesmo ilustrado Rodrigo de Sousa Coutinho: foram prontamente liquidados quatro modestos artesãos e muito mais gente perseguida. Em Pernambuco, velha e sofisticada praça internacional onde o milieu cultural, econômico e político adensava idéias de revolução, a conspiração dos Suassunas (1801) foi abafada em face da importância social insurreições de 1817 e- prestígio ramificadas pordos todoenovolvidos, Nordestetendo - e naseqüência Repúblicanas de 1 8 2 4 , desdobrando-se pelos anos 30 e 40. Ao longo desse processo, se destacariam agentes de um a vanguarda já nacional-radical, co mo os c onhe cidos revolucionários pernambucanos Antônio P edro de Figueiredo (o mu lato "Cousin Fusco", tradutor da História da filosofia, de Victor Cousin, e ra editor d a revista O Progresso) e A breu e Lima (o "general das massas"), dentre muitos outros. A datação do início do processo de independência pode não ser níti d a , dependendo d a vertente historiográfica adotada. Toda periodização pres supõe entretanto uma teoria geral d a História. N o caso da História do Brasil em formação, ou mais propriamente, no processo de definição de sua pró pria existência (visto que antes do P rimeiro R einado tal história e ra um nãos e r ) , a periodização de uma história que se autodenomine nacional só pode ter início em 1817, quando se inicia a ruptura. A revolução foi regional, e duramente esmagada, é verdade; mas deu o sinal para uma série de outras mobilizações regionais - aliás aguardadas - e entrou nas argumentações pró e contra independência, tanto n a história concreta d as lutas sociais quanto na historiografia. Historiografia que, como se sabe, constitui outro plano não menos importante das lutas sociais, pois mob iliza e desmobiliza m emória(s)
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q u e , se o soltarmos, há-de trazê-los a obedecer 30 às Cortes, ao Rei e às autoridades
constituídas no Brasil por aquelas e por este.
Mas o 7 de abril de 1831 constitui acontecimento decisivo e nítido: f~ sublinha o fim do p rocesso de ruptura e se consolida a independência políti ca nacional. A perda do poder pelo representante da Casa de Bragança nascido em Portugal e a ascensão de seu filho, já brasileiro e controlado por / regente s que participaram das cortes de Lisboa - imperador que será tam bém exilado m eio século dep ois -, sugere que as forças nacionais, apesar de suas diferenças e antagonismos, já possuíam con sistência para manter o E s tado e a sociedade dentro de regras por elas criadas. A ex-colônia - primeiro, parte aos do Reino e, após 1822, nação precariamente independente - define poucosUnido sua fisionomia do s a partir conflitos com interesses monopolistas da ex-metrópole, depois nos em bates com grupos que, no Brasil, representam o setor mais arcaico do Ancien Regime (nomeadamente, os n egreiros, que vencerão José Bonifácio, provo cando seu ex ílio em B ordeaux), em seguida nas dificuldades para sua inser ção no cenário internacional (monitorado pela Inglaterra) e, finalmente, na harmonização, sempre precária, das disparidades internas. Nessa perspecti v a , 1831 representa o ponto de inflexão: marginalizado o poder central, a construção da nova ordem não pode deixar de traduzir a participação das diferentes regiões e interesses em jogo. A partir dos confrontos e nego cia ções devai projetos entresua suasidentidade liderançaspropriamente ilustradas, liberais e conservadoras, o Brasil conso lidar nacional. Ab andonado finalmente o paradigma d as Ordenações Filipinas em 1830, a nação em ergente precisará acionar u m novo sistema jurídico-político, aliás já esboçado na intolerada Constituinte de 1823 e definido, de cima para 30
Diário das Cortes, t. 6, p. 2 2 1 ; citado por Zília Osório de Castro, em Cultura e política. Manuel Borges Carneiro e o Vintismo (Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, Centro de História da Cultura da Universidade N ova de Lisboa, 1990).
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baixo, com a outorga da Constituição de 1824, e depois no A to A dicional
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esses redescobridores do Brasil das primeiras décadas do século XX bus
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caram, para a feitura de suas obras, tornadas "clássicas", a informação prin de 1834 . Para colocá -lo em prática, seria necessário eliminar ou neutralizar cipal naquele período decisivo. Ou seja, buscando "nossas raízes", "nossa as dissidências, exilando Ledo e sua facção, depois José Bonifácio e seu 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com formação", reelaboravam, com o registro do novo temp o, a problemática da grupo, prender prolongadamente Cipriano B arata e muitos outros, reprimir "nacionalidade". manifestações separatistas (como a avançada e republicanista Confedera ção do Equador, 1 824, pró-americana) e apaziguar os interesses envo lvidos na região do Prata. Coroando o processo , e não men os importante, tornouse imperioso agenciar u m custoso reconhecimento diplomático internacional, V articulado por José Bon ifácio e mal administrado pelos sucessores, sobretu do em face da manutenção do regime escravista, abominado pelo Andrada. O r a , o s e x t r e m o s s e t o c a m , e e s t e s , t o c a n d o - s e , f e c h a v a m o c í r c u lo d e n t r o Da Constituinte de 1823, de caráter muito avançado para o tempo, e d o qual se passavam os terríveis combates das citações, provarás, razões por essa razão abortada, à consolidaçã o d o reinado, as forças progressistas, p rincipais e f in a is , e todos esses trejeitos judiciais que se chamava o exiladas ou anuladas paulatinamente, acabaram por ser chamadas de vo lta. p r ocesso. O contexto social, político e m esmo cultural, porém, já se alterara substan cialmente, no sentido de se criarem condições para uma visão de mundo Manuel Antônio de A lmeida mais urbana e internacionalizada. Lideranças das camadas médias urbanas já M e m ó r io s d e u m s o f g e n t o d e m i l k i o s , 1 8 5 2 atuam no cenário, educadas nesse universo de sobrados e mucambos que dariam o tom à vida nacional no século X IX e parte do X X . Em meados d o século X IX , uma certa imagem do "tipo brasileiro" já Visto o Brasil em conjunto na primeira metade do Dezenove, chama a estava consolidada, como se constata em obras como A moreninha (1844), atenção do observador a disparidade entre o colorido, vivacidade e a quali de Joaquim Manuel de Macedo, ou nas Memórias de um sargento de mi dade das informações da grande maioria de viajantes, naturalistas e artistas lícias (1852 ), de M anuel Antônio de Almeida. M uitos estrangeiros, novos que aportaram à ex-colônia, o que se comprova nos registros, desenhos, viajantes como os norte-americanos missionários protestantes Kidder e memórias que deixaram, e a opacidade das narrativas já dos meados do Fletcher, autores de Brazil and the Brazilians (1857), também fixariam os século XI X , que traduziam a mediocrização d a vida comum. Com efeito, nos traços da sociedade que se formava nestas partes da América do Sul. anos 20 e 30 daquela centúria difundia-se pelas elites a sensaçã o de partici Antes, porém, já em 1836, Gonçalves de Magalhães escrevera seu parem de um momento fundador e de descobertas. Não só as crônicas de famoso Discurso sobre a história da literatura brasileira, indicando uma viajantes e panfletos, o periodismo, mas o próprio Pedro I, exilado, revelaria maneira de se pensar, no Brasil, o Brasil. É fato consabido que nada mais algum brilho em suas viagens, recepçõ es e desfiles em Londres e Paris, cui definitivo h á d o q u e a produção literária para sublinhar u m a identidade, quanto dando, defensor do constitucionalismo, de organizar a reação a seu irmão mais em se tratando de uma reflexão histórica sobre essa literatura. Vale relembrar que, naquele m esmo ano de 1836, um olhar externo também assi absolutista Miguel, garantindo-se um lugar liberal no panteão português. Não terá sido por acaso que, exatamente um século depois, após a nalava a construção de uma identidade brasileira, pois, com o vim os, surgia Semana de 2 2, a crise de 29 e a R evolução de 1930, quando a nacionalida em L ondres a famosa History of Brazil, d o já citado amigo de Evaristo da de é revista, um grupo-geração de intelectuais brilhantes, netos dessas elites Veiga, John A rmitage. A quele texto, considerado a primeira obra que dava oligarquizadas ao longo do século X IX , irão procurar novas interpretações conta do B rasil contemporâneo, não por acaso fora escrita p o r u m inglês: tão do B rasil, remapeando, reeditando, traduzindo, revirando bibliotecas euro grande era a proximidade entre os do is que se acreditou, durante muito tem péias em busca de originais e do riquíssimo material deixado por aqueles p o , ter sido ela elaborada pelo próprio Evaristo, ou seja, marcada por um personagens que certificaram o nascimento de uma nação. Não por acaso olhar nacional...
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N a primeira metade do século X IX , o movimen to geral das idéias vin
Como nã o estudamos a história só com o único fito de conhecer o
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passado, mas sim
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culava-se à formação dos n ovos E stados-nação e da expansão imperialista. com o fim de tirar úteis lições para o presente, assim no estudo do que chamamos modelos não nos devemos limitar à sua reprodução imitativa.32 No plano do saber institucionalizado, firmam-se os estudos históricos e 5/10/2018 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com lingüísticos, depois a sociologia, a biologia e a antropologia. As re voluções Liderados por Gonça lves de M agalhães, participavam desse grupo de burguesas de 182 0,18 30 e 1848, mais os impulsos do capitalismo industrial Paris Francisco de Sales Torres Homem, Manuel de Araújo Porto-Alegre, nascente, m obilizaram contingentes de pesquisadores, artistas e escritores, João Manuel Pereira da Silva, com o projeto de articular " n o plano da arte o homens de negócios, indicando o sentido geral da construção da contem33 poraneidade. que fora a Independência n a vida política e social". Tal grupo integrava-se nas correntes do romantismo e do nacionalismo d a época, milhando n a lite A tônica, dada pelo romantismo, não abandonaria a problemática da ratura, na política e cultivando os estudos históricos. N a França mantinha independência, antes reforçava-a, com os temas do nativismo agora revesti contatos diretos e indiretos com Ferdinand Dénis, e com um a "colônia" de dos e adensados por forte sentimento patriótico. Cria-se, como analisou gente franco-brasileira, ex-estudantes, p olíticos, negociantes, livreiros. N o An tônio C ândido, "uma literatura independente, diversa, não apenas uma Brasil, com Januário da Cunha Barbosa, o ex-diretor do famoso Reverbero literatura, de vez que, aparecendo o classicismo como manifestação do Constitucional Fluminense (1821-22), o mais combatente da independên passado colonial, o nacionalismo literário e a busca de modelos novos, nem cia, e do Diário Fluminense (1830-31). E suas relações se estendiam a clássicos n e m portugueses, davam um sentimento de libertação relativamen Portugal, de vez q ue, desse grupo, Porto-Alegre tivera contato com o portu te à mãe-pátria". Observando-se o perfil dos formadores da nacionalidade, guês A lmeida G arrett em 1832, introduzindo suas idéias a M agalhães, che nota-se, ainda nas palavras do autor da Formação da literatura brasileira, gado no ano seguinte a Paris, o que talvez explique a rápida e entusiasmada a passagem do "tipo-ideal do intelectual esclarecedor, reformista ilustrado e universalizante para o do intelectual particularista alinhado n a tarefa patrióti adesão deste ao romantismo. Es se grupo, por sua vez, seguia com admiração a atividade jornalística ca na construção nacional".31 Até o ex-liberal Bernardo Pereira de Vascon de Evaristo da Veiga que, com suas maneiras pequeno-burguesas, lutava celos chegaria a dizer ter-se tornado "bárbaro" a partir dos estudos na pela expressão de um país livre, empostando a voz das camadas médias Universidade de C oimbra, vendo-se obrigado a esquecer o que lá aprendeu urbanas emergentes. Desse modo, na busca do nacional idealizado, elabo para pensar o Brasil... rava-se uma nova linguagem, no diapasão do tempo, embora - diga-se - um N esse p rocesso, o patriarca da independência, José Bonifácio, o velho tanto inspirados por Chateaubriand, Madame de Staêl e Garrett... Pois, como árcade A mérico E lísio, aprisionado nos quadros mentais do classicismo, fi concluía Magalhães em seu célebre Discurso, "mais vale um vôo arrojado caria marginalizado das novas tendências dominantes de seu tempo. Ele e deste gênio, que a marcha reflectida e regular da servil imitação". 34 seus admiradores viam -se obrigados a ceder passo ao movimento de jovens que, com foco em Paris entre 1833 e 1836, estimulados pela liberdade de expressão pregada por seu inimigo E varisto d a Veiga e adeptos, adquiriram consciência da necessidade d e promoção de uma literatura autônoma. L ide rados por Gon çalves de M agalhães, e a despeito de serem muito marcados pela "M adama" de S taêl e outros, adotavam tese s que repudiavam a imita ç ã o , como se verifica nas conclusões do famoso Discurso sobre a história da literatura do Brasil (1836): 32 33 31
Antônio Cândido, Formação da literatura brasileira (São Paulo: Martins, 1964), vol. II, p. 11.
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Gonçalves de Magalhães, Discurso sobre a história da literatura do Brasil (Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1994), p. 50. Antônio Cândido, Formação da literatura brasileira, cit., p. 12. Gonçalves de Magalhães, Discurso sobre a história da literatura do Brasil, cit., p. 51 .
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da declaração da maioridade de Pedro II. Ao localizá-los no contexto da
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época, não se deve ainda perder de vista o fato de estarem já em funciona mento, havia dez anos, as faculdades de Direito de São Paulo e de Olinda. M as a expressão m ais forte e sistemática dessa consciência h istórica e 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com Formavam-se as novas elites nacionais, dando-se novo impulso à intensa identidade nacional formulava-se na produção historiográfica. Como e atividade jornalística já existente, n a qual se destacavam figuras com o Evaristo quando nasce tal identidade? Aqui n os deparamos com a questão central em d a Veiga e Bernardo Pereira de V asconcelos, lideranças que tanto aborrece nosso excurso: d escrever e narrar, escrever diários, memórias, ficção e, por ram Pedro I, chegando a apeá-lo do poder. outro lado, produzir histórias não é a mesma coisa. O ambiente conturbado do país pode ser apreendido em observações Nessa perspectiva, a consciência de nação somente se consolidaria do livro de Solano Con stâncio, em que men ciona desde "attentados contra plenamente quando se conseguiu elaborar u m a história própria. "Brazil", tema diversas pesso as, e até contra mulheres solteiras e casadas", até "expedicçõ es de História das M entalidades, aparece sob variadas formas, apresentandonocturnas das quais o próprio imperador participou mascarado e com dois se de modo variado no quadro geral das representações mentais do perío valentões", numa delas levando a pior, pois "quando as luzes se apagaram d o . Em inúmeras obras de autores estrangeiros surpreende-se a existênciaele recebeo uma forte contusão na testa". Nada obstante, para além d essas o u , quando men os, esboç os - de formulação e interpretação histórica sobre "petites histoires", a História do Brasil de Francisco Solano Constâncio o que vinha a ser o "Brasil", para além d os registros, d a ficção, de anuários e surpreende por sua qualidade de interpretação e argumentação consistente. cronologias. Os ingleses, dentre os quais o referido Armitage talvez seja o Difícil entender-se como sua obra, nos estudos historiográficos, ficou à mais importante, deixaram textos históricos de maior valor por revelarem a sombra durante tantos anos. Solano Constâncio, médico, foi membro das compreensão de História enquanto processo, inaugurando uma nova fase Sociedades de Medicina e de História Natural de Edimburgo, Lineana de de conhecimentos sobre o Brasil. Nova York e Paris e, ainda, autor do Dicionário crítico e etimológico da Todavia, uma consciência propriamente nacional, brasileira, somen língua portuguesa. Sua obra em dois volumes, com quase 500 páginas, te pode ser captada na historiografia que se define no fim dos anos 30 e apareceu em 1839 editada em Paris pela Livraria Portugueza d e J . P Aillaud.35 início dos anos 40. É ela que nos interessa nesse passo, permitindo fixar A obra apresenta, na introdução, um diagnóstico do Brasil em 1831, novos marcos n a História d a Historiografia n o Brasil, obrigando-nos em con com cerca de 60 páginas, abrangendo desde aspectos geográficos até infor seqüência a repensar a história das ideologias e mentalidades no B rasil do mações sobre clima, fósseis, reino mineral, população, escravidão, longe século XIX . vidade, doença s, etc. O resto é História. N o primeiro volume, trata desde o N essa perspectiva, dois livros tornam-se desde logo fundam entais. A descobrimento até a expulsão "completa" dos holandeses do Brasil, em 1654. nosso ver, revelam perspectiva mais avançada e estimulante que os de O tomo II abarca da morte de d. João IV e regência da rainha d. Luísa às Varnhagen, dentre outros: a História do Brasil, de Francisco Solano primeiras expedições para descobrir mina (1674-75) até a abdicação de Constâncio, e o conhecido Compêndio da história do Brasil, escrito pelo 1 8 3 1 . Seguindo de perto os acontecimentos, apresentando relato ano por a n o dentro d e uma linha "analytica e chronológica" rigorosa, Solano Constâncio general José Inácio de A breu e Lima, o "general das massas". Têm-se, n eles, dois marcos que indicam a abertura de um novo período na história do u m a interpretação q u e revela p or inteiro su a teoria d a independência. organiza autoconhecimento, ou melhor, d a definição de uma identidade histórica pro C onstâncio julga que o limite natural d a presente história deveria ser a priamente nacional. Tais livros aparecem num contexto em que a vida do separação definitiva do Brasil (já com s, note-se), quando foi reconhecida país atravessava fase de grandes convulsões. Vale notar que Constâncio e Abreu e L ima são contemporâneos de Feijó, do C ousin Fusco, do barão de Caxias. 35 Es ses dois historiadores são também contemporâneos da fundação do No Q uai Voltaire, na 1 1, tendo sido impressa pela famosa Typographie de Casimir, situada n a rue de Ia Vieille-Monnaie, n° 12. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838) e viveram no clima político
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http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a
sua independência pela Coroa de Portugal, começan do-se então " u m a nova
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sil e se interpretar a História destas partes n a perspectiva d a descolonização,
articulando uma nova periodização em que se enfatiza o processo de inde pendência e a expulsão do imperador, contrapondo-se à visão bragantina e 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com Mas pareceo-nos acertado reservar para remate a Revolução que obrigou o Imperador reacionária de Varnhagen. D . Pedro a descer de um throno onde, tão pouco tempo havia, o tinha levado o voto Já Abreu e L ima é m ais citado, embora não haja estudo aprofundado geral dos Brasileiros, e do qual aagora descia sem que hum só indivíduo compadecesse que o situe no con texto da historiografia nascente. R etomando várias teses de sua sorte.36 de seu famoso Bosquejo histórico, político e literário do Brasil, publicado em 1835, ele termina seu Compêndio de história do Brasil em 1841, qua A pós comentar a atuação de Pedro, conclui: tro meses d epois da coroação de Pedro II, quando ainda continuava a guer ra civil n o R i o Grande d o Sul.38 E perguntava o "General das M assas": "Quaes Não tinha talento para meditar e coordenar hum plano, nem perseverança para o serão os futuros do B rasil?".39 seguir com firme resolução. Déspota por inclinação e hábito, criado entre míseros Havia, de fato, muita expectativa no ar quanto aos destinos d a nação, e escravos, tyrannicos senhores, e vis cortezãos, o primeiro impulso de D. Pedro foi sempre a violência, e quando não p odia vencer a resistência, então recorria à astúcia Abreu e L ima demarca e periodiza a nova etapa:
épocha": 5/10/2018
[...] Essa contínua instabilidade, quando Brasil carecia de hum bom systema de admi nistração adotado com madurez e seguido com constância, não podia deixar de ter funestos resultados. 37
Uma nov a era começou no 18 de julho de 1841, assim como d ez annos antes tinha marcado a Providência um deccenio para o nosso purgatório. Se o m au fado nos não persegue mais, como até aqui, podem [os novos tempos se] annunciar como muito lisongeiros debaixo do reinado do S EGUND O P EDRO. 40
Solano menciona a perseguição de d. Pedro a jornalistas e à liberdade in extremis a José Bonifácio ("De de expressão, e o fato tercopo recorrido Vossa M agestade nem de hum d'água aceitarei", teria dito o Patriarca). Historiando o insuces so na guerra contra Bu enos Aires, critica o desprezo do imperador pela "opinião publica" e o confronto com o ministro d a Fazen d a , o marquês de Barbacena, que, rejeitado, queria derrubar Pedro do tro n o . Denuncia, ainda, q u e Caldeira Brant inseria e m jornais republicanos artigos violentos contra o sistema monárquico, "recomendando as instituições da Federação Americana com o mod elo que se devia imitar". Não somente tal interpretação, como também o tipo de narrativa de Solano, deve ter sido muito impactante e convincente, pois pode ser reen contrada, com poucas alterações - e aqui reside a importância da crítica e
Embora controverso, po is revela uma certa simpatia por Pedro I e es peranças em Pedro II (a quem o livro é dedicado), A breu e Lima, lutador da independência e ex-revolucionário internacional (combatera sob o comando de Bolívar), produziu interpretação em geral progressista d a História.41 Seu Compêndio, nem sempre bem escrito, revela-se positivo sobretu do quando descreve movimentos de insurreição como os de 1817 e 1824, ou fala do fuzilamento de frei Joaquim C aneca, "homem ameno d e variada cultura". Ele enfatiza o papel e a probidade de José B onifácio, preocupado em fixar e controlar as atitudes do Príncipe R egente, analisando a atuação diplomático-militar d o Brasil no Rio d a Prata. Ao criticar a atuação desastra-
reconstrução já historiográficas - , em outros que se lhedeseguem, repontando, em meados do século XX,historiadores nas interpretações Otávio Tarquínio de Sousa. Trata-se, a nosso ver, do início de um a tradição historio gráfica que merece referência e atenção. Uma maneira inovadora de entender-se o Bra-
3s
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Francisco Solano Constâncio, História do Brasil, cit., p. 414. Ibid., p. 415.
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Ver o estudo introdutório de Barbosa Lima Sobrinho a O socialismo (2 . ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979). José Inácio de Abreu e Lima, Compêndio de história do Brasil (Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1943), p. 304. 40 Ibidem. 4 ' Sobre o autor, ver José Honório Rodrigues, "José Inácio de Abreu e Lima", em História e historiadores do Brasil (São Paulo: Fulgor, 1965) e Teoria da História do Brasil (5 . ed. Rio de Janeiro: Nacional, 1978), cap. 5, "A periodização na História do Brasil". 39
Id é ia s d e Brasil: f o rm a ç ã o e p r o b le m a s ( 1 8 1 7 - 1 8 5 0 )
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da de Cochrane e Grenfeld no Maranhão, menciona inclusive o trágico epi
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Os estudos e as pesquisas historiográficas vêm recuand o no tempo no
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sódio em que morreram sufocados 254 insurretos no porão de um navio, sentido e no esforço d e se rastrearem os fragmentos de textos e relatos qu e acontecimento que bastaria para pôr abaixo a interpretação oficial de uma permitam compreender a passagem da crônica e do memorialismo à inter 47910924MOTACarlosGuilherme OrgViagem a-slidepdf.com história harmoniosa e incruenta. pretação histórica compen diada e "estabilizada". Tal passagem, a no sso ver, O volum e em foco é uma edição abreviada, formato pequeno , dos dois constitui importante indicador na long a trajetória de colônia a n ação. grossos volum es originais, com notas e docum entos e sete estampas "muito A construção de uma identidade nacional se dá formulando-se um a finas". Trata-se, como os editores informam na abertura, de uma "edição história própria, inventando-se um passado, um povo, uma interpretação mais adequada para os COLLEGIOS e para toda a Mocidade Brasileira que pelo volum oso não intimidasse os joven s leitores". Um a edição que faci litasse a "profícua instrucção que a Mocidade deve colher sobre a Historia pátria, abreviando um po uco a leitura, tornando o livro mais m anual"... Apesar de tratar-se de interpretação cheia de altos e baixos, desigual, elaborada por um h ome m de ação, ela entretanto se sustenta num a perspec tiva nitidamente nacional. Por certo Abreu e Lima, general, sempre revelou uma visão hierárquica em suas atitudes, e por isso mesmo apreciava com certa complacência - quando não admiração - a atuação de almirantes e comandantes em suas relações com subordinados. Nesse mom ento em qu e a idéia de Brasil-nação se afirma em cad a embate, ele oferece informações
dos conflitos, lutas e ajustamentos. Sobretudo em relação à antiqüíssima História de Portugal, cuja identidade se reitera e reconstrói a cada embate, dissolvendo e harm onizando as contradições internas, e incorporando as di ferenças ou sedições externas. Nesse sentido, a permanência de dois mo narcas da família dos B raganças à frente do E stado independente amorteceu o caráter revolucionário d a descolonização. Deu -se, a partir do conflito colônia-metrópole, um a intensa e prolongada "negociação " de sentidos, de in terpretações, para se acertar uma visão histórica "equilibrada" do passado com o pre sente. Visão que, no caso vertente, não poderia ser só de lutas, de vez que os Braganças continuavam no poder, pois, como se sabe, houve até perigo de um retorno de Pedro I, fantasma político do qual falava Abreu e
por isso mesmo importantes, do inclusive no nacional. tocante à Construía, Província Cisplatina, fronteira mais problemática território a seu modo,a uma certa idéia desse todo nacional. Do contraste entre esses autores com Varnhagen ou Pereira da Silva, dois outros marcos da denominada historiografia nacional, constata-se que uma historiografia propriamente nacional mais consistente e mais sofisticada antecedeu a visão "oficial" do Brasil, embora não tenha se transformado em dominante. Mas ela tem altitude se situada no contexto da época, seja em relação a congêneres em Portugal, como A lmeida Garrett, o autor do impor tante ensaio sobre revolução e contra-revolução em Portugal na balança da Europa (Lisboa, 1830), seja na França de Charles Fourier e de Horace Say (o autor da Histoire des relations commerciales entre Ia France et le Brésil, publicada em Paris em 1839). Ou seja, ainda, nos Estados Unidos, de W illiam Lloyd Garrison. Sua qu alidade nada desprezível, muito ao co ntrário, revela a existência de bolsões de produção e reflexão intelectual que devem ser reavaliados, para além da história convencional ou "oficial". No caso de Abreu e Lima, a dedicatória a Pedro II não invalida suas formulações m ais duras e indepen dentes ao longo do Compêndio, simpática em geral aos revolucionários. Já Varnhagen ficaria conhecido, e criticado, por seu aulicismo militante.
Lim outra parte, tal não políticos era tampouco de q uietação, comoa. dDe emon stravam o s história movimenobviamente tos e levantes e sociais do perío do regencial, que se prolongaram pelo Segundo R einado. A idéia contemporânea de Brasil se funda quando se consolida na historiografia uma idéia de nação. Nação que, na construção de seu ima ginário, teve seu "em brião" na colônia, depois uma origem precisa entre 1817 e 1824, uma guerra (em verdade duas: contra os portugueses de Avilez e Madeira, e a Cisplatina), um lugar de nascimento (no riacho do Ipiranga; depois, o "berço esplênd ido"), mais os traumas de nascimento, uma família com o avô liberal (d. João VI), um pai jovem e impulsivo (o príncipe d. Pedro), uma mãe austríaca e sábia ( d . Leopoldina), um inimigo conspirador
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na (d. Miguel, lembrandoo padrinho a velha estória irmãos Bonifácio,umo hinofamília com uma letra fantástica, velho edos sábio Joséinimigos), Patriarca, que em época de crise volta a ser chamado para cuidar do netomenino Pedro II . E, comp letando o quadro, Domitila, a marquesa d e Santos, além do amigo boêmio Chalaça. Claro que existem problemas, sobretudo com a tutela estrangeira (inglesa) e com a escravidão (de negros africanos), reforçando o paternalismo duro de Pedro e a "bondade" do avô Andrada... Imaginário q ue se sustenta com a continuidade bragantina, suavizada com o segundo Pedro, jovem, sábio e - sobretudo -j á brasileiro.
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http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a e por essa
O mito de um a história sem rupturas, marcada p o r supostas continuidad e s , vem daí. M as também uma certa maneira de pensar, uma postura, um
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história.
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razão os liberais avançados, os "anarquistas", foram alijados da126/193
modo de interpretar o mundo que envolve essa idéia essencialmente cultural Em resposta às insurreições e levantes, a ideologia d a contra-revolução 47910924 MOTACarlos Guilherme Org a-slidepdf.com evoca a palavra "Brazil", solta, inteligente e generosa, se considerada na logo seViagem instaurou, no esforço de abafar a utopia republicana. E ssas formas vertente que se desdobra de José Bonifácio a Machado de Assis e Gilberto de pensamento contra-revolucionárias regressivas marcariam indelevelmenFreire. O u rígida e aborrecida, se cultivada na perspectiva de M artius, de te a mentalidade nascente da "Democracia coroada". Varnhagen e dos ideó logos da contra-revolução, prenhes de certezas quan Nada obstante, surpreendem-se algumas formulações nas vozes de para do se posicionavam escrever sobre o Brasil, sabedores (supunham eles escritores e ex-participantes das revoluções de 1817, 1822, 1824 e 1831 e os áulicos do Segundo Reinado) do "véritable point de vue ou doit se que permitem detectar essa nova identidade nascente. T rata-se de uma elite placer tout historien du Brésil". liberal, reformista, raramente revolucionária, com vertente mais tipo classe média (retiro esta expressão de Caio P rado Júnior e Pau lo Mercadante), de leitores de Constant e Bentham, como era o citado Evaristo da Veiga. Ou, numa vertente m ais conservadora, a voz do senador Nicolau V ergueiro, exdeputado junto às cortes e figura importante na Regê ncia e nos anos 50. Parte VII Essa transição foi percebida pelo professor e jornalista Justiniano José da Rocha (1812-1862), cujas idéias podem ter o sentido de contraponto e [ . . .] e u v i c om p e s a r os m od e r a d os a o l e m e d a r e v olução. finalização do processo da independência. Carioca, Justiniano José da R o Teófilo Otôni cha estudou no Liceu Henri IV em Paris e se formou em direito em São Paulo. Deputado, fundou os jornais Atlante, Cronista e, de 1839 a 52, [...] 0 s e g un d o im p ér io f o i u m a p a r a d a . D i g a m o s m e l h o r: u m o s i t u a ç ã o Brasil, tendo escrito também uma biografia de Pedro I. M as ficaria fam oso d e e q u i l í b r io . pela autoria do definitivo documento-panfleto Ação, reação, transação** onde conclui: Euclides da Cunha
5/10/2018 que
O Brasil adquirira nova fisionomia. P or volta d e meados do século XIX , as pessoas sentiam mais em seu cotidiano o p eso do m undo exterior, as ambi güidades d a escravidão em contraste com os desafios das inovações que ema navam dos principais centros do capitalismo. As usinas, ao substituírem os velhos engenhos, davam novo tom à vida. O mundo dos sobrados e das cida d e s , do vapor, das pontes de aço e das ferrovias, dos bacharéis, engenheiros, médicos, escritores e publicistas abria outros horizontes mentais. Desd e 1808, e sobretudo entre 1817 e 1850, viveu-se a maior mudan ça da história do subcontinente, até então. Primeiro, a chegada da corte, depois as insurreições, instabilidades, Independência, revoluções, conflitos e levantes de escravos sob a Regência, demarcando a passagem para uma nova fase. Deixav a-se de viver em colôn ia, mas não se sabia o que era viver em nação independente, na ordem liberal e pesadamente unitária. N em em cidades cosmopolitas, com escravos. Mas, sobretudo, temia-se a república,
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O observador que desprevenido confrontar as épocas, verá que em tudo e por tudo os caramurus de 1831 a 1836, e os liberais de 1841 a 1851 desempenharam o mesmo papel, cometeram os m esmos erros, fizeram os mesmos benefícios [... ]
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O julgamento sobre os rumos que tomou a "revolução" do 7 de abril de 1831 foi feito por Teófilo
journée dupes.e Ratclifes, Otôni: "O 7 deavançadas, abril foi jurado uma verdadeira Projetado opor homens de idéias liberais muito sobre o sangue dosdes Canecas movimento tinha por fim o estabelecimento do governo do povo por si mesmo, na significação mais lata da palavra. Secretário do Clube dos Amigos Unidos, iniciado em outras reuniões secretas, que nos dois últimos anos espreitavam somente a ocasião de dar com segurança o grande golpe, eu vi com pesar os moderados ao leme da revolução [...]"; cf. Circular, p . 6 9 , citado por Otávio T. de Sousa em Evaristo da Veiga, cit., p. 99. Sobre a. journée, para Euclides da Cunha, "o conceito é falso [... ] O que houve foi o caso vulgar das revoluções triunfantes [... ] E stávamos como nos grandes dias da Convenção" ("Da Independência à República", em À margem da História, cit., pp. 158 e 162. 43 Rio de Janeiro, 1. ed. 1855; 2. ed. 1901.
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http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a O trabalho da reação monárquica foi completo; onde a democracia havia posto um
elemento seu, a reação colocou um elemento oposto [...] Sob o pregão do p rogresso
Bibliografiaselecionada
J
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A nação estava constituída. Liberais e conservadores assemelhavamse em sua visão de Brasil e, com o se percebe pe lo julgamento do jornalista, despontava também a dura crítica a. esse estado de coisas. O "progresso a
conservador" vencera, soldando asnacional. diferenças,O mas havia consciência se processo de desmobilização diagnóstico demolidordes de Justiniano José da R ocha encerrava um cic lo de reflexões sobre o Brasil. Justiniano sinalizava o fim de um período, como Euclides documentaria o fim de uma época, meio século depois. Ele, porém, não estava só. A seu lado, do "grupo de Paris", o contemporâneo Francisco de S ales Torres Ho mem (1812-1876), formado em medicina no Rio e direito em Paris. Sales Torres Homem , antiescravista, escrevera o Libelo do povo (sob o pseudô nimo de "Timandro"), publicação em que, também ele , radical, denunciava a volta do "despotismo imperial" e, com ele, o retorno dos "inimigos da Nacio nalidade". N o juízo do historiador mineiro Francisco Iglésias, "T imandro, com o Libelo do povo, é um dos momentos vivos do jacobinismo nativo, provocado pelos eventos de 1848".44 Con cluindo, a "estabilidade" do Segund o R einado e a consolidação de um Estado nacional dependente, nos quadros do neocolonialismo, mal es conderiam tumultos, conflitos, levantes e movimentos revolucionários, como a Cabanada, a Praieira, a Farroupilha, que seriam, cada um a seu tempo, aplastados pelos mecanismos políticos e culturais criados nessa longa histó ria de formação d o patronato político brasileiro, detentor da idéia desmobilizadora e sufocante de um Brasil "estável", unido, denso.
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N os achamos e m campo a tratar da 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com liberdade" : a resistência negra no Brasil oitocentista
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J_-/urante a maior parte do século XIX, a escravidão no Brasil expe rimentou uma vigorosa expansão, associada ao incremento da lavoura de exportação, o crescimento das cidades, a intensificação do tráfico de escra vos. N os primeiros anos do século, a economia açucareira já havia se recu perado de um longo período de estagnação, aproveitando um mercado internacional que se tornara menos com petitivo com a saída do Haiti, seu maior fornecedor até a revolução escrava que destruiu sua econo mia expor tadora juntamente com o regime escravista. O s engenhos brasileiros prospe raram até que, a partir da década de 1830 , tiveram que enfrentar o crescimento da produção açúcar cubano e daquele Tambémdoprosperaram os campos de extraído algodão da em beterraba. diversas regiões, no Norte. Minas Gerais, apesar da decadência da mineração, tornou-se um fenômeno de utilização maciça e diversificada da mão-de-obra escrava, não só na nascente lavoura cafeeira, mas sobretudo naquela dedicada ao abaste cimento interno, fazendas de ga do, pequenas fun dições, indústria têxtil, além do que restara da prospecção mineral. A escravidão ganhou também volum e nas charqueadas e plantações de chá e cereais sulistas, no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Foi entretanto nas lavouras de café onde o trabalho escravo mais vice jou durante o século X IX , após tentativas malsucedidas de utilização do tra balho de colonos
Produzido em várias regiões do B rasil, seu cultivo se concentrou noimigrantes. Vale do Paraíba a partir da década de 1830 e posterior mente ocupou largas áreas do oeste paulista, fazendo dessas reg iões o gran de celeiro do escravismo na segunda metade do sécu lo. Entretanto, a escravidão envolveu praticamente todas as atividades pro dutivas, e não apenas aquelas ligadas ao setor exportador. Já mencionamos
* Este trabalho faz parte de um projeto mais amplo apoiado pelo CNPq.
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" N o s a d i a m o s e m c a m p o a tra ta r da l i b e r d a d e " : a re s istência n e gra no Brasil oitocentista
http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a o caso de Minas Gerais, a respeito do qual devemos acrescentar que a re
gião chegou a ter a maior concentração regional de escravos não dedicados
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escravos, 123.590 apenas nos três últimos anos do tráfico legal (18 28-3 0). l 131/193 Dessa forma, em quarenta anos o Rio importou o equivalente a mais de um
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à agricultura exportadora. M as em diversas outras regiões tamb ém observa terço da população cativa no Brasil em 1818, que era de 1.930.000 pesso 47910924 MOTACarlosGuilherme Viagem a-slidepdf.com se a presença maciça de trabalhadores cativos nas lavouras de abastecimento a s , Org e, ainda, o equivalente a cerca de 17% de todos o s escravos importados interno, na p lantação d e cereais, da mandioca, de produtos hortifrutigranjeiros, para o B rasil enquanto durou o comércio negreiro. na pesca, na caça, na coleta de m adeiras, em pequenas indústrias. O tráfico se constituiu no mecanismo m ais usado para repor a mão-deRegistre-se, finalmente, a formação de grandes centros urbanos obra escrava ao longo da história do escravismo brasileiro. Com sua proibi escravistas, como Recife, Salvador e sobretudo o Rio de Janeiro. O Rio ção definitiva em 1850, a população escrava declinaria, apesar de ainda chegou a representar a maior cidade n o hemisfério em popu lação escrava, crescer, durante as duas décadas seguintes, nas regiões cafeeiras mais prós que se aproximou de 80 mil em meados do século. Nas cidades desenvol peras, através do tráfico interno, sobretudo no sentido norte-nordeste para o veu-se um sistema peculiar de trabalho escravo ao ganho, abrangendo so sudeste. Em seu conjunto, os escravos no Brasil eram 1.715.000 em 1864, bretudo os se rviços de transporte de cargas e pessoas (em cadeiras de arruar), 1.540.829 em 1874, 1.240.806 em 1884 e apenas 723.419 em 1887, às mas também o pequeno comércio ambulante, nos ofícios manuais e, é claro, vésperas da abolição. 2 o serviço d oméstico, um setor numeroso e ocupado principalmente por es O revigoramento da escravidão, e seu eventual declínio, não se deu de cravas. forma tranqüila, dependente sempre da visão e dos desígnios das tradicio A escravidão brasileira alcançaria seu ápice no século X IX , difundida nais classe s dom inantes brasileiras. Estas ganharam a independência d o país, com o estava em todo o território nacional, os diversos setores da economia, impuseram seu estilo na formação do Estado nacional, conciliaram discursos conformando praticamente todas as instituições sociais, inclusive a família. liberais e civilizatórios com a manutenção da escravidão. Mas não foi essa a Saliente-se também q ue a propriedade sobre escravos n ão se limitava a gran única visão de B rasil disponível na época. Além de não estar sempre unidas, des senhores de engenh o, fazendeiros e mineradores. Tanto no campo com o além dos desafios levantados por dissidências regionais amiúde com apelo na cidade era grande o número de pequ enos escravistas, donos d e um, dois, popular, de enfrentar periodicamente a contestação do povo livre do campo três escravos, trabalhadores na pequena lavoura, nos serviços de rua ou no e da cidade, sobretudo no conflagrado período regencial, as elites brasileiras de casa. P or todas essas características, os escravos marcaram em profun e os escravistas de um modo geral tiveram de enfrentar a resistência dos didade os co stumes, o imaginário, a cultura e até, através de uma intensa cativos em cada lugar em que a escravidão floresceu. Essa resistência sugere miscigenação, o próprio perfil étnico-racial de nossa população. Tendo sido que o projeto vencedor de um país escravocrata não foi desfrutado sem a o B rasil o último país do hem isfério a abolir a escravidão, em 1888, pode-se contestação d os principais perdedores. dizer que a história do século X IX brasileiro, que viu es se im enso território A s reb eliões representaram a mais direta e inequívoca forma de resis formar-se enquanto nação independente, se confunde com a história do apogeu tência escrava coletiva. M as nem toda revolta previa a destruição do regime e queda d o regime escravista. escravocrata ou mesm o a liberdade imediata dos escravos nela envolv idos. N esse sentido, os números da demografia são eloqüentes. F oi durante M uitas visavam apenas corrigir excesso s de tirania, diminuir até um limite o século X IX que o país mais recebeu escravos africanos, se contabilizados tolerável a opressão, reivindicando benefícios esp ecíficos - às vezes a re os quase três séculos de duração do tráfico de seres humanos. Como é conquista de gan hos perdidos - ou punindo feitores particularmente cruéis. sabido, apesar da proibição desse comércio em 1831, ele prosseguiu até Eram levantes q ue alvejavam reformar a escravidão, não destruí-la. Em 17 89, 1 8 5 0 . Nessa primeira metade do século, estima-se que entraram no país cerca de um m ilhão e meio de africanos, principalmente através do porto do 1 Manolo Florentino, Em costas negras (São Paulo: Companhia das Letras, 1997), pp. 50-1. Rio de Janeiro, sem d úvida o maior terminal do tráfico no Atlântico. S egun 2 Robert Conrad, The Destruction of Brazilian Slavery, 1850-1888 (Berkeley: Univers)t?3>Tr) V do uma estimativa recente, entre 1790 e 1830, ali desembarcaram 697.945 Califórnia Press, 1972), pp. 283-5. />
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" No s a ch a m o s e m ca m po a tra ta r da libe rda de " : a re s istência ne gra no B ra s il o it o ce ntis ta
http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a predominantemente
por exemplo, no engenho Santana de Ilhéus, Bahia, os escravos mataram o feitor e se adentraram nas matas com as ferramentas do engenho, até reapa
co m encionado.
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crioulos, com o fora o caso no engenho Santana há pou132/193
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Ad emais, em se tratando de escravos africanos, deve-se chamar a aten recerem algum tempo depois com uma proposta de paz em que pediam 47910924 MOTA Carlos Guilherme Org Viagem a-slidepdf.com ção para que alguns grupos étnicos se mostraram mais aguerridos do que melhores cond ições de trabalho, acesso a roças de subsistência, facilidades outros. Que a Bahia tivesse sido o palco de muitas revoltas escravas deve-se para comercializar os ex cedentes dessas roças, direito de escolher seus fei ao fato de que para lá convergiram nagôs e haussás em grande número, tores, licença para celebrar livremente suas festas, entre outras exigências. 3 africanos que vinham de experiências guerreiras recentes, entre as quais o partir As revoltas tornaram-se mais freqüentes exatamente a d o final do século X VI II, favorecidas p ela expansão das áreas dedicadas à agricultura envolvimento em conflitos ligados à expansão do Islã e guerras civis em ter ritório iorubá. Já para o Rio de Janeiro seguiram nesse período africanos comercial e a conseqüente intensificação do tráfico escravo, que fez crescer principalmente de origem banto, muitos deles bastante jovens e s em exp e a população cativa e em particular o seu contingente africano. Um a propor riência com a arte da guerra. O governo m etropolitano instalado no R io re ção alta de escravos na população e, entre estes, um maior número de afri conhecia essa situação e por isso exigiu, em 1814, que o governador da canos, e mais ainda, de africanos do mesmo grupo étnico, reforçava a capitania da B ahia melhor controlasse seus escravos, proibindo que se reu identidade coletiva e estimulava a consciência de força diante das camadas nissem para batuques e outros folguedos que lhes d essem ocasião d e cons livres nacionais. Onde os africanos natos constituíam a maioria dos escravos, pirar. Naquele ano o marquês de A guiar, ministro de d. João V I, escreveu ao e, além disso, encontravam dificuldade em constituir famílias (em decorrên liberal conde dos A rcos: cia da alta taxa de m asculinidade n os planteis), foi mais difícil para a classe senhorial controlar a senzala. As revoltas escravas n a Bahia n a primeira me [...] além de não ter havido [no Rio de Janeiro] até agora desordens, bem sabe V . Exa. tade do século XI X , em número superior a duas dezenas, foram promovidas 4 que há huma grande differença entre os Negros A ngolas e Benguellas nesta Capital, e por cativos de origem africana, especificamente haussás e n agôs. os [negros] dessa Cidade [Salvador], que são muito mais resolutos, intrépidos e M a s , se n a Bahia e outras regiões, ainda nu m período de tráfico aberto, capazes de qualquer empreza, particularmente os de Nação Aussá. 5 os escravos n ascidos na África parecem ter sido o principal agente de com bustão, os crioulos (n egros nascidos no B rasil) não eram exatamente passi N essa ép oca, já havia começad o o ciclo d e revoltas escravas baianas, v o s . Além de fugirem sistematicamente e formarem quilombos, eles se só encerrado vinte anos depois. E ssas primeiras revoltas foram realmente associaram, m ais do que os africanos, a movimentos concebidos por outros levadas a cabo sobretudo pelos "intrépidos" haussás, depois substituídos setores sociais, com o os motins antilusos na B ahia, em P ernambuco, Sergipe, pelos, ou unidos aos, não menos intrépidos nagôs, cuja campanha rebelde Rio de Janeiro, Maranhão, entre 1821 e 1831, ou as revoltas regionais do culminou com a revolta dos males em 1835. A mbos os grupos, especialmen período regencial na década de 1830. C om o declínio d a população escrava te o primeiro, contavam com numeroso contingente muçulmano. Tratarei africana depois d o fim do tráfico, os crioulos responderiam p ela formação de adiante sobre religião enquanto ideologia e linguagem d a revolta escrava. quilombos e a promoção de revoltas, especialmente nos últimos anos da escravidão. Mas, mesmo antes disso, há exemplos de levantes de planteis Além fator africano, cuja favorável importância aliás declinaria com oforman fim do tráfico, um do ambiente francamente escrava foi-se à rebeldia do ao longo do século XIX em torno dos movimentos pela independência, das revoltas regionais, da circulação de ideologias liberais e mais tarde abolicionistas. 3
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Stuart Schwartz, "Resistance and Accommodation in Eighteenth-Century Brazil", em Hispanic American Historical Review, 57: 1 (1979), pp. 69-81. Sobre a pacificação da população escrava em decorrência de uma maior presença das redes familiares, ver recente trabalho de Manolo Florentino e José Roberto Góes, A paz das senzalas (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997).
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Marquês de Aguiar ao conde dos Arcos, 22-3-1814, Arquivo Público do Estado d a Bahia (APEBa), Ordens regias, vol. 116, doe. 89.
" No s a ch a m o s e m ca m po a tra ta r da libe rda de " : a re s istência ne gra no B ra s il o it o ce ntis ta
http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a viados para recuperar A onda de tranformações políticas e ideológicas que varreu o mundo
atlântico, na chamada era das revoluções, influenciou a rebeldia negra nas
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a ilha e reintroduzir a escravidão. Já na Bahia escravo crata, em 1814, os escrav os falavam abertamente nas ruas sobre os s uces
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sos nas antilhas francesas. N as conjunturas revolucionárias de 1817 e 1824 A méricas, inclusive no B rasil. Os debates em torno do direito dos homens e no Nordeste, o Haiti esteve na ordem do dia. Na revolução pernambucana 47910924 MOTA Carlos Guilherme OrgViagem a-slidepdf.com das nações à liberdade, além de desmascarar a hipocrisia dos brancos, que de 1817, ao lado da corrente anticolonialista liderada pelos proprietários conciliavam esses princípios com a escravidão, revelaram aos cativos que os rebeldes, insinuaram-se tendên cias mais radicais constituídas por pretos e homens livres estavam divididos. A chamada Conspiração dos A lfaiates, em mulatos interessados numa revolução social inspirada na que ocorrera na 1798 na Bahia, embora tendo à frente homens pardos livres e libertos, prin cipalmente artesãos e soldados, contou com a participação de alguns escra colônia francesa. Em 1824, em Laranjeiras, Sergipe, num jantar "mata-caiado" - uma das denominações d os movimentos antilusos -, deram-se vos e incluiu em se u programa, de inspiração francesa, o fim da discriminação vivas ao "Rei do Haiti" e a "São Domingos, o Grande São Domingos".8 N o racial e da escra vidão.6 mesm o ano, durante a chamada Confederação do E quador, em P ernambuco, A revolução francesa também estimulou a rebeldia negra n o continente soldados do batalhão de pardos saquearam lojas de portugueses e distri americano por vias indiretas. A única revolução escrava bem-sucedida no buíram pasquins contendo versos haitianistas: Novo Mundo aconteceu em Saint Domingue, depois Haiti, no início da dé cada de 1790. Naquele momento em que a França se via ela própria dividi Qual eu Imito a Cristóvão d a por uma revolução, em sua colônia antilhana senhores mulatos e brancos Esse Imortal Haitiano racharam na luta pelo poder. O s escravos aproveitaram-se da situação e da Eia! Imitai ao seu povo retórica revolucionárias do dia para agir. A revolução haitiana destruiu uma Oh meu povo soberano! 9 das mais lucrativas colônias européias e criou um Estado negro nas A méri c a s , transformando-se num símbolo de resistência escrava em todo o hem is Por uma dessas ironias da história, quando foi assim saudado em 1824 fério, um lembrete de que er a possível vencer a classe senhorial.7 em Pernambuco, Henri-Christophe, o Cristóvão do verso, que em 18Í1 se O "haitianismo" se tornou a expressão q ue definiria a influência daquele proclamara rei Henri I do Haiti, já havia cometido suicídio, logo após te r sido movim ento sobre a ação política de negros e mulatos, escravos e livres nos derrubado, em 1820, por uma revolta de seu próprio povo soberano.10 M as quatro cantos do continente americano. O Brasil não ficou de fora. Em 1805, permanecia "imortal" na poesia popular pernambucana, que assim sugeria apenas um ano após a proclamação da independência haitiana por Jeanum projeto revolucionário para o Brasil, incluindo até, quem sabe, um m o Jacques Dessalines, seu retrato decorava medalhões pendurados dos pes narca negro. coços de milicianos negros no Rio de Janeiro, episódio que ganha maior Talvez mais do que as senzalas e barracos, entretanto, o Haiti penetrou, significado se lembrarmos que Dessaline s era também militar, o comandantecom o um pesadelo, as casas senhoriais, os palácios governamentais e mes em-ch efe das forças haitianas que derrotaram os exércitos de N apoleão enmo os clubs rebeldes brancos. N a conjuntura da descolonização no B rasil, 6
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Katia M. de Queirós Mattoso, A presença francesa no movimento democrático baiano de 1798 (Salvador: Itapoã, 1969); Luís Henrique D. Tavares, História da sedição intentada na Bahia em 1798 (São Paulo: Pioneira, 1975); acrescentar István Jancsó, Na Bahia contra o império (São Paulo/Salvador: Hucitec/EDUFBA, 1996); e Carlos Guilherme Mota, Atitudes de inovação no Brasil, 1789-1801 (Lisboa: Horizonte, s.d.). O estudo clássico sobre esta revolução é de C. L. R. James, The Black Jacobins (2. ed., Nova York: Vintage, 1963). Uma interessante interpretação recente, que enfatiza a tradição quilombista dos cativos haitianos para o desenlace do movimento, diminuindo a importância dos "ideais democrático-burgueses", é de Carolyn Fick, T he Making of Haiti (Knoxville: The University of Tennessee Press, 1990).
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Joã o José Reis
várias vozes ligadascaso à ordem advertiramentre sobreportugueses uma reprodução aqui do fe nômeno haitiano, as divergências e brasileiros se 8
Carlos Guilherme Mota, Nordeste 1817 (São Paulo: Perspectiva, 1972), pp. 117-20; Luiz Mott, Escravidão, homossexualidade e demonologia (São Paulo: ícone, 1988), pp. 11-8. Marcus Joaquim M. de Carvalho, "Hegemony and Rebellion in Pernambuco (Brazil), 18241835", teses de doutorado, University of Illinois Urbana-Champaign, 1989, pp. 66-7 e nota 86. 10 Robin Blackburn, The Overthrow of Colonial Slavery, 1776-1848 (Londres: Verso, 1988), p.
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" N os adiamos em c ampo a trator da liberdade" : a resistê nc ia negro no Brasil oitoc entista
http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a aprofundassem. E sse temor foi usado junto aos proprietários como moeda escravidão
de negociação pelo comandante das forças que combateram os revolucio
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colonial. A iniciativa política escrava podia ir longe, revelando134/193 que muitos cativos se fizeram atores ativos no cenário da descolonização.
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nários pernambucanos em 1817. Durante os tumultos da independência na Aproveitaram com o puderam a nova conjuntura aberta pela revolução cons Bahia, opinião semelhante tiveram u m cônsul e um almirante, ambos france titucional do Porto, que promoveu a reunião das cortes em Lisboa. Algun s 47910924 MOTA CarlosGuilherme OrgViagem a-slidepdf.com s e s , os q uais, talvez traumatizados com o que ocorrera em sua colônia, pro decidiram agir como verdadeiros cidadãos. Em 1822, um grupo de escravos vavelmente exageravam sobre o potencial revolucionário da situação. Mas crioulos de Cachoeira, no R ecôncavo baiano, centro da produ ção açucareira, não estavam sozinhos. A s notícias sobre os conflitos luso-brasileiros chega peticionou p ela liberdade aos d eputados da Bahia n as cortes, mas aparente das a Portugal através de cartas de sua irmã em Salvador, fez José G arcês, mente estes não encaminharam o documento para discussão.13 que não era francês, refletir: "Se faltasse a tropa, eram outros São D omin Outros escravos já achavam te r conseguido a liberdade das cortes e do g o s " . B em m ais tarde, em 1867, uma autoridade do M aranhão se lembrou rei de Portugal, antes até da própria colônia haver se desvencilhado da me do Haiti em meio ao medo de que os brancos fossem massacrados durante trópole. Aqu i o instrumento não seria o da petição, da cultura escrita dos uma revolta no município de Viana, onde escravos desceram do quilombo senhores, m as a tradição oral escrava, manifesta na forma de rumores. Em São Benedito para sublevar as senzalas das fazendas locais. Por sua data 1 8 2 1 , por exemp lo, correu entre os escravos de Itu o providencial boato de avançada, esse episódio mostra que o haitianismo representou um temor de que as cortes (ou o rei de P ortugal, havia dúvida) teriam proclamado o fim longa duração a sobressaitar a alma do escravism o brasileiro.11 d a escravidão, mas os senhores e as autoridades ituanas e vizinhas insistiam em mantê-la. O fenômeno repetiu-se em vários lugares. No Espírito Santo, N a conjuntura da descolonização p ortuguesa no Brasil, o próprio dis em maio de 1822, um escravo espalhara o aviso de que os escravos de curso anticolonial serviu de argumento à rebelião negra. Lemb remos que a Jacaraípe, Una, Tramerim, Queimado e P edra da Cruz se reun issem para propaganda patriótica insistia na imagem da escravidão para definir retoricamente os laços que ligavam o Brasil a Portugal: o B rasil seria "escravo" de ouvir do vigário a proclamação da liberdade, "e todos apareceram na oca sião da missa armados de armas de fogo, paus, etc" . N a Bahia, os escravos Portugal, as cortes portuguesas desejavam "escravizar" os brasileiros, a in acompanharam rumores que aparentemente não teriam n ascido nas senza dependência n os "libertaria" dos "grilhões" portugueses. E m 1822, por exem las. Segund o o comandante militar de Salvador em 1822, o português Inácio p l o , após falar em quebra de algemas e esmagamento d e grilhões, o ou vidor Luís M adeira de M elo, agitadores andavam de Itu, São Paulo, concluía: "Oh! Brasileiros, caros compatriotas! Nunca mais sereis escravos, nem vis colonos". Tempos depois, resolvida a indepen dência, ainda persistia na Bahia e alhures expressões como "facção lusa infundindo nos E scravos as idéas mais Luciferinas para se sublevarem, declarandolhes, que se achão libertos não só em virtude do systema Constitucional, como por escravizadora" para definir os seguidores de d. Pedro I. 12 Esse tipo de dis Decretos d'El Rei, que seus senhores têm sonegado; resultando de medida tão malva curso foi comum e m todo o Brasil. Os escravos ouviam a tudo com atenção da [...] acharem-se os Escravos de tal forma seduzidos, que, despresando a obediência, e muitos traduziram o falatório dos brancos em causa própria, sobretudo os inculcão no seu modo de proceder huma próxima sublevação. escravos crioulos, negros nascidos no Brasil, que se identificavam como bra sileiros e apostavam na possibilidade de se libertarem d a escravidão real, da mesm a forma que os patriotas diziam querer libertar o país da metafórica 11
C. G. Mota, Nordeste 1 8 1 7 , cit., p . 1 1 9 ; João J. Reis, "O jogo duro do D ois de Julho", em J. Reis e E. Silva, Negociação e conflito (São Paulo: Cia. das Letras, 1989), pp. 90-91, 94; Mundinha Araújo, Insurreição de escravos em Viana, 1867 (São Luís: Sioge, 1994), p. 50. 12 Sobre Itu, Magda Ricci, "Nas fronteiras da Independência", dissertação de mestrado, Cam pinas, Unicamp, 1993, pp. 222-226, 258; Francisco Carinhanha para Joaquim Azevedo, 27-3-1831, APEBa, Juizes de Paz. Caetité, maço 2.284.
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Sobre a Bah ia, J. J. Reis, "O jogo d uro", cit., p . 92. Em trabalho recente Iara Li s Carvalho Souza, Pátria coroada (São P aulo: Editora da Unesp, 1999), procurou mas não encontrou a petição dos crioulos de Cachoeira no Diário das Cortes, o que a fez concluir que "a bancada baiana nã o levou avante a petição, não se reconhecendo enquanto representante daqueles homens" (p. 129, nota 34).
" No s a d ia m o s e m ca m po o tra ta r da libe rda d e " : a re s is tê ncia ne gra no B ra s il o it o ce ntis ta
mente massacrados E acrescentava que a Bahia estava próxima a repetir " o horroroso qua http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a dro,
que apresenta a Ilha de São Domingos".
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por Luís A lves de L ima e Silva, futuro duque de Caxias,135/193 em 1844, na decisiva batalha de Porongos. O s sobreviventes negros foram,
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no entanto, contemplados pelo artigo 7 do Convênio de Ponte Verde, que Em toda parte, os conflitos entre os homen s livres, como foi o caso da celebrou a paz, assinado no ano seguinte entre os rebeldes e C axias: "está época da independência, favoreceram a rebeldia escrava. A desunião dos 47910924 MOTACarlos Guilherme OrgViagem a-slidepdf.com homen s livres, em tese, favoreceu grandemente a rebelião escrava porque garantida pelo governo imperial a liberdade dos escravos que tenham servi revelava aos cativos a debilidade política dos senhores, afrouxava sua vigi d o n a s fileiras republicanas ou nelas existiam". O s líderes farroupilhas haviam lância individual e coletiva, e diminuía sua capacidade de retaliação militar. exigido assim, para recompensar os bons serviços dos escravos-soldados. Em P ernambuco, os quilombolas instalados nas imediações de R ecife costu Bo ns serviços: este o m esmo princípio que orientava a concessão das cartas mavam aumentar suas fileiras e su a ousadia n o ritmo das ondas que agitavam de alforria privadas, e que não deve ser confundido com princípios aboli o universo dos hom ens livres. Escreve M arcus Carvalho: cionistas. Descon hecem -se, no entanto, quantos escravos teriam sido real mente beneficiados.17 Não é possível entender a existência de negros rebeldes atacando os arredores do O s escravos d o M aranhão participaram ativamente do movimento da Recife sem referência as divisões políticas das elites em 1817,1821-22,1824,1831; independência, que com o n a Bahia lá também foi cruento, e dos movimentos ou ainda à C abanada (1832-1835), que obrigou o governo provincial a concentrar todo antilusos que se seguiram. Posteriormente, durante a Balaiada (1838-1841), 15 o seu aparato repressivo no outro lado da província, na fronteira com A lagoas. os rebeldes liberais, ou bem-te-vis, e os escravos, estes liderados pelo liber to cearense C osme Ben to das C hagas, constituíram revoltas diferentes que N a Bahia, uma onda de revoltas escravas, iniciada no início do século convergiram apenas na fase final d o conflito. C omo o s farroupilhas, o s balaios XIX, recrudesceu após a independência paralelamente aos mata-marotos, não tinham um ideário abolicionista - embora existisse entre seus segmentos a as quarteladas, federalistas. freqüência mais hum ildes uma certa identidade racial -, mas C hagas, o líder dos escra rebelião escrava não passava de as umrebeliões perigo potencial, queCoom governo tem ia fosse atiçada por v o s , que se intitulava "tutor e imperador da liberdade", escreveu em 1840 inimigos políticos. E m 1831, uma vaga de medo varreu a província de que a que " a República é para n ã o haver a escravidão". Esse abolicionismo radical "classe escrava" estava em pé de guerra. Nessa ocasião, alguns homens levou m uitos rebeldes bem-te -vis a debandarem para o lado da legalidade, livres que conspiravam contra a corte foram acusad os de querer levantar "os facilitando o papel repressor do mesm o C axias que mais tarde sufocaria os 16 escravos do país", significando, m uito provavelmente, o s crioulos. Rebel farrapos e seus combatentes escravos. O próprio Chagas foi condenado à des federalistas, em duas outras ocasiões, 1832 e 1837, quando já quase morte e enforcado em setembro de 1842. 18 vencidos , chegaram perto de convocar a escravaria para sua causa em troca A guerra externa também podia enfraquecer o controle dos escravos, de alforria. Em nenhum dos casos os escravos responderam positivamente a com freqüência prom ovendo perigosas alianças entre estes e homens livres esse abolicionismo interesseiro e limitado, embora alguns tenham se bandeado pobres. Foi o caso do conflito com o P araguai. Os quilombos de M ato Grospara a Sabinada em 1838. Já os farroupilhas do Rio Grande do Sul alistaram escravos dos adversários os de osimpatizantes, depois deN egros, devidamente indenizados), q ue vieram a(eformar batalhão de L anceiros brutal17
14
15 16
Magda Ricci, "Nas fronteiras da Independência", cit., pp. 222-6, 258; APEBa, maço 2.860 (Proclamação de Madeira de Mello, 29-3-1822); sobre o Espírito Santo, Vilma Almada, Escravismo e transição (Rio de Janeiro: Graal, 1984), p. 166. Marcus Carvalho, Liberdade: rotinas e rupturas do escravismo (Recife: Editora Universitária UFPE, 1998), p. 182. Libelo acusatório, f. 50v, em APEBa, Revolução, maço 2.856.
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João Reis, Rebelião escrava, c ap. 2 (São Paulo: Brasiliense, 1986); Paulo César Souza, A Sabinada, c a p . 7 (São Paulo: Brasiliense, 1987); Mário Maestri, O escravo gaúcho (Porto Alegre: Ed. da Universidade, 1993), pp. 76-82; e Helga I. L. Piccolo, "A questão da escravidão na Revolução Farroupilha", em Anais da V Reunião da SBPH (São Paulo, 1986), pp. 225-30. Ver também, sobre a participação negra nos movimentos de homens livres, Lana Lage Lima, Rebeldia e abolicionismo (Rio de Janeiro: Achiamé, 1981), pp. 71-5. 18 Maria Januária V. Santos, A Balaiada e a insurreição de escravos no Maranhão (São Paulo: Ática, 1983), pp. 96-102; Mathias A ssunção, "Quilombos maranhenses", em J. Reis e F. Gomes (orgs.), Liberdade por um fio (São Paulo: Companhia das Letras, 1996), pp. 433-65.
" N o s a c h a m o s em c a m p o a tra ta r da libe rda de " : a re s is tência ne gra n o B ra s il o ito ce ntis ta
A conspiração s o , província vizinha ao teatro da guerra, engrossaram suas fileiras não ape http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a nas com escravos fugidos, mas com d esertores do exército e homens livres
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de Campinas foi descoberta e a revolta terminou por 136/193 não acontecer, mas esse depoimento demonstra que os escravos acompa
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nhavam, discutiam e agiam estimulados p elo noticiário sobre as coisas que em fuga do recrutamento. Só depois da guerra as autoridades puderam lhes diziam respeito. Não se pod e dizer que fossem p oliticamente ingênuos deslanchar a repressão contra quilombolas e desertores. Nu m outro extremo 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com por interpretarem "erroneamente" o que se discutia no mundo dos brancos, do B rasil, o Maranhão, a guerra também repercutiu nos quilombos locais, pois o importante é que interpretavam de acordo com seus interesses. N essa que teriam experimentado "incremento excessivo, não só de escravos, com o leitura, se os africanos haviam deixado de ser capturados e transportados da de criminosos e desertores", segundo os vereadores da vila de Turiaçu, es crevendo em julho de 1867. A o mesm o tempo, autoridades, comerciantes e lavradores da região alegavam q ue o recrutamento de guardas nacionais para o P araguai diminuíra a capacidade de comb ate aos quilombos, além de co locar os senhores à mercê de seus escravos. 19 Entre as mudanças políticas do século, foi da maior importância para a agitação escrava a longa trajetória abolicionista, desde as leis que haviam proibido o tráfico, até as que reformaram a escravidão, e por fim as campa nhas da última década do regime, o abolicionismo como propriamente movim ento so cial. O s escravos participaram ativamente, e às vezes surpreen dentemente, da desorganização e extinção do escravismo brasileiro. Suas estratégias de liberdade constantemente se chocavam com a visão gradualista do abolicionismo oficial, porque eles faziam suas próprias leituras, amiúde radicais, de cada conjuntura desfavorável à sobrevivência do sistema. Exem plos não faltam. A lei de 1831 proibindo o tráfico transatlântico de cativos foi interpretada como emancipadora por escravos da vila de Itapemirim, no Espírito Santo. A mesma lei também entrou na complexa malha de motiva ções dos escravos que conspiraram contra seus senhores no município cafeeiro de Campinas, São Paulo, em 1832. Em seu depoimento, o escravo crioulo Francisco disse que no dom ingo, indo de recolhida para o Sítio encontrando-se na sahida da villa, com Joaquim Ferreiro escravo do capitam Joaquim Teixeira, entrando com elle em conversa, elle Reo "ora Tio [...] os negros já não para o Brazil, não seria justo quedicera nos dessem tão Joaquim bem a liberdade?" ao que lhe vem respondera o Joa quim, que alguma coisa disso há de acontecer.
19
Luiza R. C. Volpato, Cativos do sertão (São Paulo/Cuiabá: Marco Zero/Universidade Federal de Mato Grosso, 1993), pp. 186-97; Mundinha Araújo, Insurreição de escravos, cit., pp. 79, 84-5, 135-8, por exemplo.
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África com o escravos, eles cuja presença no Brasil era decisiva para a re produção do escravismo, nada mais lógico - e mais "justo" - do que imagi nar que ess e sistema de trabalho e mod o de vida desaparecessem por aqui. Visto por um outro ângulo, se os negros passavam a ser livres na África, deveriam também sê-lo no B rasil. Vinte anos depois, de novo no Espírito Santo, agora em São Mateus, os escravos insistiam na m esma tecla. C orreu o boato entre eles de que "a novíssima Lei de Repressão ao Tráfico os há libertado da escravidão que eles, supondo lhes ser ocultada pelos sen hores, procuram obter [a liberda de] por meios violentos e criminosos", escreveu o presidente da província. Tratava-se de u m a reação à lei de 1850, que abolia definitivamente o comér cio transatlântico de africanos. Vilma Almada interpretou esse e outros epi sódios posteriores, em particular a Lei do Ventre Livre em 1871, como resultado de uma leitura libertária feita pelos escravos da retórica e do noti ciário abolicionistas. O m esmo aconteceria em C ampos, R io de Janeiro: os escravos se inquietaram porque interpretaram as discussões em torno da quela lei como sinal de abolição definitiva da escravidão. O fenômeno, a propósito, se repetiu em outras áreas escravistas das Américas. Em 1823, os escravos da colônia inglesa d e Demerara (parte da atual Guiana) tam bém traduziram com o abolicionistas leis metropolitanas que visavam tão-somente reformar a escravidão, e, por acreditarem que os senhores e o govern o co lonial se recusavam a adotá-las, encetaram uma revolta de grande propor ção em número de participantes.20 No Brasil, a lei de 1871 promoveu o desassossego entre os escravos, embora não em termos de revolta coletiva. T ratava-se do primeiro instru-
Vilma Almada, Escravismo e transição, cit., pp. 167-74; Lana Lage Lima, Rebeldia negra e abolicionismo, cit., p. 9 3 . Depoimento de Francisco, apud Suely R. Reis de Queiroz, Escravidão negra em São Paulo (Rio de Janeiro: José Olympio, 1977), p. 220; sobre Demerara, Emilia Viotti da Costa, Coroas de glória, lágrimas de sangue (São Paulo: Companhia das Letras, 1998).
" No s o diám o s e m ca m po a tra ta r da libe rda de " : a re s is tência ne gra no B ra s il oito ce ntis ta
va evitar pânico e incentivo adicional à rebeldia. Foram comuns os levantes 137/193 pequenos, envolvendo apenas algumas dezenas de escravos, que assassina
mento legal que estabelecia abertamente certos direitos dos escravo s diante http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a dos senhores, com o por exemplo a posse de pecúlio e a alforria por valores
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vam feitores e senhores, e log o depois se entregavam pacificamente ao dele arbitrados em juízo. Pela primeira vez o Estado se intrometia em profundida gado local. M as houve também revoltas q u e , embora logo sufocadas, tiveram de nas relações escravistas, e os escrav os souberam 47910924 aproveitar MOTA a novaCarlos situa Guilherme OrgViagema-slidepdf.com tanto o objetivo de punir essa gente com o o d e reivindicar a liberdade. Em ção acionando-o com bastante freqüência em seu favor. São inúmeros os 1 8 8 2 , os escravos da fazenda Castelo, em Campinas, se rebelaram aos gri estudos que o s mostram leva ndo seus senhores ao tribunal para garantir es tos de "M ata branco" e "V iva a liberdade" - e realmente mataram toda a ses direitos através do instrumento legal da ação de liberdade. A lei, n a feliz expressão do historiador Sidney C halhoub, "politizou o cotidiano" das rela ções entre senhores e escravos.21 Animados co m a nova situação, muitos escravos de origem africana, importados após 1 831, moveriam a ções contra seus senhores por se encontrarem ilegalmente escravizados, já que todos aqueles trazidos para o país de contrabando eram considerados livres. Embora a resistência legal dos escravo s tivesse o teor de batalhas indi viduais, o fenômeno não teria se generalizado sem alguma elaboração coleti va , através d e canais informais, da circulação de boca em boca d e informações sobre novas possibilidades de ruptura com o domínio senhorial. Nesse es forço contaram os cativos com a solidariedade de homens livres, entre eles dedicados advogados abolicionistas como o negro baiano Luís G ama, pro
23 família de uma desejada administrador da fazenda, inclusive crianças, sem no entanto alcançarem liberdade. É importante observar, no entanto, que o tema d a abolição nas revoltas escravas não teve de esperar o momento de maior agitação abolicionista para emergir. S e agora nem todo levante visava a liberdade definitiva, em épocas anteriores nem to do levante v isava apenas punir feitores, reformar aspectos da escravidão, libertar somente os poucos escravos nele envolvi dos ou fugir para formar quilombos. Em 1867, por exemplo, durante uma revolta em Viana, no M aranhão, os quilombolas do mocambo de São B ene dito ocuparam propriedades d a região co m um programa abolicionista. N um dos lances d o levante eles obrigaram o administrador de uma das fazendas
motor de dezenas de ações de liberdade em São Paulo, cujo andamento e resultados ele discutia na imprensa, castigando pub licamente, quando era o caso, juizes que emperravam suas demandas ou as julgavam desfavoravelmente. 22 M as os escravos nã o se detiveram na luta legal após 1871 . Durante a fase final d a escravidão aconteceram levantes e a formação de quilombos em várias partes do país, embora fossem na sua maioria movimentos localiza d o s , em geral restritos a uma ou duas propriedades e, nos meses anteriores ao 13 de maio, fugas em massa das fazendas de café, com ou sem o concur so de agentes abolicionistas. Há notícias de muitas conspirações e revoltas em São Paulo, pouco conhecidas na época porque, segundo a historiadora
conflagradas escrever uma ondepois declaravam: "nosesperamos achamos em m po a tratar daa Liberdade doscarta Cativos, a muito que porcaella 24 [...]". O s rebeldes de V iana já haviam perdido a paciência. Antes disso, vários movimentos escravos dos anos vinte e trinta, no próprio Maranhão e outras regiões do país, incluíram a liberdade em seus programas. A diferença é que, nos últimos a nos da escravidão, a população livre, anteriormente dividida em torno de outras questões - os conflitos lusobrasileiro, regionalistas, federalistas, republicanos - , agora estava dividida em torno da questão específica da escravidão. Ou seja, o discurso abolicionista ganhava terreno entre homens e mulheres livres. Com isso, cresceram as alianças entre os escravos e essa gente, inclusive membros da elite branca,
M aria Helena M achado, havia uma espécie de censura à imprensa que visa-
alianças que antes eram ocasionais ou envo lvendo interesses individuais res-
2
' Sidney Chalhoub, Visões da liberdade: um a história das últimas décadas da escravidão na Corte (São Paulo: Companhia das Letras, 1990). 22 Elciene Azevedo, Orfeu de Carapinha (Campinas: Editora da Unicamp/Cecult, 1999). Sobre ações de liberdade, ver, além do livro de Chalhoub acima, Keila Grinberg, Liberata, a lei da ambigüidade (Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994); e Eduardo Spiller Pena, "Liberdades em arbítrio", em Padê (1989), pp. 45-57.
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tritos, como foram as relações de quilombolas com taverneiros e lavradores, aos quais forneciam produtos p or eles cultivados ou roubados, além de mão-
23
24
Maria Helena Machado, O plano e o pânico (Rio de Janeiro/São Paulo, EDUFRJ/Edusp, 1994), p p . 73, 92-4. Sobre resistência escrava e seu impacto sobre as populações livres, inclusive o movimento abolicionista, ver, além deste livro, Ronaldo M . dos Santos, Resistência e superação
do escravismo na província de São Paulo (São Paulo: IPE/USP, 1980), especialmente cap. II e Célia Maria M. de A zevedo, Onda negra, medo branco (São Paulo: Paz e Terra, 1987). Apud Mundinha Araújo, Insurreição de escravos, cit., pp. 33-4.
" N o s a c h a m o s e m c a m p o a t r a t a r da liberdade " : a resistê nc ia negra no Brasil oitoc enrista
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Para os escravos, o ataque à escravidão nem sempre acompanhava o 138/193 calendário ou usava a linguagem da grande política secular. Com freqüência
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a melhor hora de atacar estava marcada no calendário da miúda política do cionista, o cam po político da atuação escrava se ampliaria, potencializando cotidiano ou da m isteriosa política do u niverso espiritual. Segundo esse re 47910924 CarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com o movim ento escravo, desenvolvend o novas estratégias, emboraMOTA nã o impri gistro do tempo, o senhor baixava a guarda nos períodos de festas, domin mindo um sentido absolutamente novo. gos e dias santos, o mesmo momento aproveitado pelos escravos para celebrar Isso nos leva a uma discussão importante sobre a resistência escrava seus deuses e deles adquirir força espiritual para mudar o mundo. Grande no Brasil, como de restosenas Américas.daComo vimosliberal, antes, os es cravos freqüentemente apropriaram ideologia tidarebeldes como pro priedade do hom em livre, e a transformaram em instrumento da liberdade escrava. O historiador norte-americano Eu gene G enovese chega a afirmar que, na era das revoluções b urguesas e das independências am ericanas, te riam praticamente desaparecido os africanismos ideo lógicos e culturais que no período anterior, ele acredita, haviam orientado a rebeldia negra, com o, por exemplo, a formação dos quilombos. Essa tese já foi refutada muitas vezes por historiadores de várias regiões e rebeliões nas A méricas, os qu ais concluíram que nem os quilomb os representaram um retorno a uma África perdida nem as id eologias africanas cederiam inteiramente lugar ao no vo
parte política escrava se celebrava num campo de poder localizado em algumda lugar entre o cotidiano e outro mundo. Por isso, muitas conspirações e revoltas escravas ocorreram exatamente nos períodos festivos, não só no Brasil, mas mundo afora. O presidente da Bahia explicou em 1831 que em sua província eram "freqüentes as sublevações de escravos, os quais princi palmente no tempo do Natal fazem algumas desordens em razão de estarem mais folgados do serviço pelos dias santos".27 N o contexto do folguedo es cravo se verificavam experiências culturais bastante distantes de qualquer ideário "liberal". Ali, identidade e solidariedade coletivas eram potencializadas através de símbolos e rituais que reafirmavam o s valores espirituais e étnicos do grupo. A li se produ zia um clima extraordinário de liberdade e de inversão
ideário em expansão. Brasil este último des pertou osdemocrático rebeldes deburguês olho e ouvido na retóricaSedonoliberalismo, ou inspirou negros (sobretudo crioulos) e mulatos sob a forma indireta e africanizada do "haitianismo", o m esmo não se p ode dizer da corrente central das rebeliões escravas baianas e outros movimentos levados a cabo pelos africanos. Na Bahia, m estres muçulmanos formaram a liderança do movimen to da revolta dos m ales em 1835 e, durante o levante, seus seguidores ocuparam as ruas usando vestimentas islâmicas e amuletos contendo passagens do A lcorão - e não trechos da Declaração dos Direitos do Homem -, sob cuja proteção acreditavam estar de corpo fechado contra as balas e espadas dos soldad os. A própria revolta foi marcada para acontecer no final d o mê s sagrado do
ritual do mundo que oseram escravos rebeldes perpetuar na vida cotidiana. As revoltas planejadas paraprocuraram os dias festivos, especialmente as noites festivas, não s ó porque seus líderes contavam com o relaxamento do controle senhorial, mas porque contavam com a disposição de escravos possuídos por um espírito de liberdade amiúde cultivado no cam po do d ivi n o . Enfim, os escravos não costumavam romper com o universo senhorial sem a ajuda de seus deuses. 28 M uitos dos líderes rebeldes africanos foram também sacerdotes de re ligiões africanas. N o interior do quilombo do Urubu baiano, esmagado em 1826 nas imediações de Salvador, funcionava uma casa de candomblé. M anuel C ongo, líder de uma revolta em Vassouras, em 1 838, era chamado
Ramadã ano, a festa do Lailat al-Qadr, a Noite da Glória, que coin cidia comdaquele a popular festa católica de Nos sa S enhora da Guia. Ou seja, o Islã africano também circulava n o mundo atlântico como uma ideologia de trans formação social.26
"pai" Manuel, talvez com alguma conotação religiosa. A conspiração de Cam pinas, em 1832, é um dos levantes escravos de que se tem conhecimen to em cuja devassa m ais se mencionam feitiços. Perguntado sobre o assunto, o escravo Felizardo disse que as "meizinhas era para amansar aos brancos
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Eugene Genovese, From Rebellion to Revolution (Nova York: Vintage, 1979). Entre seus muitos críticos, Michael Craton, Testing the Chains (Ithaca: Cornell University Press, 1982) e Carolyn Fick, The Making of H aiti, cit. João Reis, Rebelião escrava, cit., pp. 136-55.
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para as armas dos mesmos não ofenderem a elles pretos e se levantarem afoitamente com os mesm os brancos, mata-los, e ficarem elles pretos todos
27 28
APEBa, Correspondência do Presidente, vol. 679, f. 140. Em meu artigo "Quilombos e revoltas escravas no Brasil", em Revista U SP, 28 (1995-96), pp. 3 1 - 2 , listo diversos casos de revoltas acontecidas ou planejadas para acontecer em dias festivos.
" N o s a d i a m o s e m c a m p o a tra ta r d a l i b e r d a d e " : a resistência negra no Brasil oitocentista
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Santos católicos estiveram envolvidos em outras lutas escravas. Consta que Cosme Chagas era devoto de Nossa Senhora do Rosário, santa
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forros". As "meizinhas" eram poções em geral feitas de raízes e vendidas popularíssima entre os negros brasileiros, para cuja irmandade o liberto pelos escravos congos da região. Um dos cabeças dessa conspiração, en cearense recrutava seus combatentes. Ele m esmo escreveu , num português 47910924 MOTA CarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com carregado de distribuir as p oções protetoras, era o escravo de nação rebolo tortuoso: "Toudos que quiserem dotarem a Lei Consedo a irmandade do Diogo, ou "Pai Diogo", provavelmente significando, como no caso de Ma Rosário onde tenho o meu isercio [exército]". Adiante chamava seu movi nuel Congo, o que depois veio a ser pai-de-santo. Até Cosme Bento das mento de "partido sagrado dessa Irmandade".31 Em Vassouras, em 1847, Ch agas, comandante escravossua da liderança B alaiada,com era elem infamado mas consta q u e buscoudos sacralizar entosde d ofeiticeiro, catolicis mo popular. Ele fora visto "conduzido em uma cadeira nos braços dos ne gros dando vivas à liberdade da escravatura [...] em cuja procissão conduziam uma porção de imagen s e paramentos da Igreja". Metido numa revolta libe ral, como fora a Balaiada, Cosme e seus liderados faziam uma viagem cultu ral própria, que nada tinha do racionalism o liberal. 29 C omo sugere o caso de C osme, o papel da religião na revolta escrava não se limitou apenas a expressões de maior densidade africana. Os escravos cristianizados criaram n o Novo Mundo um a forma peculiar de catolicismo que às vezes o s ajudou na revolta. Em 1836 escravos baianos se juntaram à plebe livre católica n a destruição de um cemitério construído para fazer valer a proi bição dos enterros nas igrejas. Libertos e escravos associados a irmandades negras integraram ess e movimen to em defesa d o direito de ocuparem sepultu ras em espaço sagrado, medida essencial para q ue lograssem a boa morte que os levaria à liberdade no outro mundo. Outros escravos tocados pelo catoli cismo preferiram não esperar a liberdade encontrada na morte. Em 1849, os rebeldes de Queimado, no E spírito Santo, foram convencidos por seu líder, o escravo E lisiário, d e q u e u m missionário capuchinho iria persuadir seus senho res a alforriá-los no dia de São José. Os escravos vestiram suas melhores roupas e se dirigiram à igreja para ouvir do frade a boa nova , durante a missa festiva. E ra tudo engano. As circunstâncias não sã o muito claras, mas sugerem que só escravo s católicos e d evotos daquele santo, cuja igreja ajudaram pen o samente a construir, poderiam atribuir tal poder ao padre.30 29
30
Sobre a revolta de Manuel Congo, João Luiz Pinaud et alii, Insurreição negra e justiça (Rio de Janeiro: Expressão e Cultura/OAB, 198 7) e especialmente Flávio Gomes, Histórias de quilombolas, c a p . 2 (Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995). Sobre Campinas, Suely R. Reis de Queiroz, Escravidão negra, cit., pp. 216, 219. Sobre Bento das Chagas, ver Maria Januária V. Santos, A Balaiada, cit., pp. 88, 96-102, 111, 118-9, 132. Afonso Cláudio, Insurreição do Queimado (Vitória: Editora da Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1979), especialmente capítulos II e III.
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João José Reis
O que discutimos até aqui se baseia numa historiografia d a escravidão relativamente recente, que tem demonstrado ser possível entender os escra
escravos devotos de Santo Antônio teriam se envolvido numa conspiração com data marcada para o dia de um outro santo, São João. Robert Slenes suspeita da cumplicidade de Santo Antônio em uma vasta conspiração, no ano seguinte, da qual participariam escravos de origem banto espalhados por vários mun ícipios do Vale do Paraíba e sul de M inas Gerais.32 Santo A ntônio reapareceria em São Paulo na última década da escra vidão, quando os africanos, bantos e outros, já estavam reduzidos a minoria. Sua presença aqui sugere que ideologias religiosas, e até messiânicas, po diam servir aos objetivos abolicionistas dos escravos melhor às vezes do que ideologias seculares. Foi o que aconteceu em 1882 na fazenda Castelo, em Cam pinas, no episódio antes referido brevemente. Sufocada a rebelião des cobriu-se, tal como cinqüenta anos antes no mesm o município, uma comp le xa teia conspiratória envolvendo líderes que distribuíam "bebida preparada com raízes" para fechar o corpo. O s líderes, segundo o d epoimento de um escravo, "entretinhão continuadamente os escravos da fazenda em sessões de feitiçaria, nas quais abertamente pregavão a desobediência aos senhores, o roubo e o assassinato de feitores e proprietários agrícolas". A imagem de Santo A ntônio fazia parte do s rituais de curandeirismo d e u m t a l João Galdino Cam argo, não diretamente vinculado ao movimen to, mas popular entre os escravos da região. Esses rebeldes buscaram a liberdade através de uma linguagem r eligiosa sincrética, em avançado estado de crioulização, que com binava elementos do registro religioso africano, especialmente banto, àque les do popular dopaulista. espiritismo. A lgo muito próximo do que se catolicismo entende hoje com o ae mesmo umbanda Tínhamos lá uma umbanda 33 abolicionista.
31 32 33
Maria Januária V. Santos, A Balaiada, cit., p. 111. Robert Slenes, "'Malungu' Ngoma Vem", em Revista U S P , São Paulo, 12 (1991-92), pp. 64 e ss. Maria Helena Machado, O plano e o pânico, cap. 3, cit.
" N o s a c h o m o s e m c a m p o o t r a t o r d a l i b e r d a d e " : o r e s is t ê n c ia n e g r a n o B r a s il o i t o c en t i st o
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Bibliografiaselecionada
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ANDRADE, Marcos Ferreira d e . "Rebelião escrava na Comarca do Rio da s Mortes, Minas Gerais:
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e nas crenças religiosas". 34 Estas, como tivemos oportunidade de demons trar, foram muitas vezes usadas como instrumentos d a revolta social. O s escravos, obviamente, dispunham de poucos recursos políticos, mas não desconheciam o que se passava no mundo dos poderosos. Aproveita ram-se das divisões entre estes, selecionaram temas que lhes interessavam do ideário liberal e anticolonial, traduziram e emprestaram significa dos pr ó prios à s reformas operadas no escravismo brasileiro ao longo do século X D C . Alguns de seus líderes tiveram posturas abolicionistas muito antes de o abolicionismo ser adotado por largos setores livres da sociedade, e quando estes o fizeram o movimento escravo cresceu, não permitindo que a abolição se transformasse em um negó cio apenas de brancos.
GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quüombolas: mocambos e comunidades de senzalas no
N o B rasil da segunda metade do século X IX , os escravos identificaram rapidamente as brechas abertas pela legislação emancipacionista e fre qüentemente levaram seus senhores aos tribunais em defesa de direitos ga rantidos em lei. Fizeram política sim, mas co m um a linguagem própria, ou co m a linguagem do branco filtrada p or seus interesses, ou ainda combinan do elemen tos da cultura escrava com o discurso da elite liberal. Fizeram da religião africana ou do catolicismo popular instrumentos de interpretação e transformação do m undo, mas não deixaram de assimilar com o s m esmos objetivos muitos aspectos de ideologias seculares disponíveis nos diversos ambientes sociais em q u e circulavam. Não fosse a ação dos escravos rebeldes, a escravidão teria sido um
SANTOS, Maria Januária Vilela. A Balaiada e a insurreição de escravos no Maranhão. São Paulo,
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Ática, 1983.
horror maior do que foi, pois eles marcaram limites além dos quais seus opressores não seriam obedecidos. Embora fossem derrotados tantas ve z e s , os escravos se constituíram em força decisiva para a derrocada final do regime que os oprimia. Tivessem ele s se adequado aos desígnios senhoriais, o escravismo brasileiro talvez tivesse adentrado o século X X . 34
Fernando Henrique Cardoso, Capitalismo e escravidão (São Paulo: Difel, 1962), pp. 242-3.
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Olhares estrangeiros sobre
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o Brasil do século X IX
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J-Jrni 1808 abrem-se os portos da colônia portuguesa na América do
Sul e, conseqüentemente, ocorre a derrocada do antigo sistema colonial. Superado o exclusivismo português, inúmeros estrangeiros podem finalmen te visitar a desconhecida terra, tão promissora em riquezas n aturais. Sérgio Buarque de Holanda refere-se a um "novo descobrimento do Brasil" 1 em preitado por comerciantes, artistas, imigrantes, naturalistas, diplomatas, mer cenários, educadores vindos de diferentes regiões do Velho Mundo e dos Estados Unidos. Trata-se, pois, de um dos aspectos do processo de "internacionalização" pelo qual o Brasil estava passando, chegando a em 2 prestar, aos cosmopo principaislita". centros da os ex-colônia, especialmente um "caráter En tre estrangeiros, a presença os dosportuários, ingleses é a mais expressiva, em decorrência dos privilégios comerciais que desfruta vam no B rasil, desde o Tratado de 1810. Nã o é difícil compreen der que eles exerceram significativa influência tanto sobre a econom ia quanto sobre o cam po das idéias, estando, nesse mom ento, entre os primeiros a lançar publica ções sobre o Brasil no Velho Mun do. 3 Apesar do predomínio inglês, que se
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estende ao longo do século, outras nacionalidades voltaram seus interesses ao país e deixaram igualmente importantes registros de suas viagens ou esta
Sérgio Buarque de Holanda (org.), "A herança colonial: sua desagregação", em História geral da civilização brasileira (4. ed. São Paulo: Difel, 1976), vol. 1, tomo II, p.13. Carlos Guilherme Mota (org.), "Eu ropeus no Brasil à época da independência", em 1822: dimen sões (São Paulo: Perspectiva, p. 60. Pelo segundo artigo do Tratado1972), de 1810, os ingleses gozavam o d ireito de negociar, viajar, residir e estabelecer-se nas cidades, vilas, portos e lugares do país. Virgílio Noya Pinto, "Balanço das transformações econômicas no século XIX", em Carlos Guilherme Mota (org.), Brasil em pers pectiva (6. ed. São Paulo, Difel, 1975), p. 133. Sobre a predominância inglesa relacionada à literatura de viagem e à história sobre o Brasil, ver Ilka Boaventura Leite, Negros e viajantes estrangeiros em Minas Gerais. Século XIX, tese de doutorado apresentada ao D epartamento de Ciências Sociais da FFLCH-USP, São Paulo, mimeo., 1986, pp. 41-4; C. G. Mota (org.), "Euro peus no Brasil à época da independência", em 1822: dimensões, cit.; e também Carlos Oberacker, "Viajantes, naturalistas e artistas estrangeiros", em Sérgio B uarque de Holanda (org.), História geral da civilização brasileira, cit., vol. 1, tomo I I, cap. V, p. 120.
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mercenários, todos estudavam, com maior ou menor afinco, a fauna e a flora, 143/193 os recursos naturais; observavam a vida social, tanto rural como urbana;
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investigavam as relações de trabalho, de produção, a economia e as qu es e m aterial iconográfico, contribuindo para a produção de imagens sobre o tões escravistas e indígenas. E, dependendo dos objetivos da viagem, a ên 4 5/10/2018 país e para a sua inserção no con certo das nações européias. 47910924 MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com fase no s assuntos é d iferente. É evidente que o s naturalistas, particularmente, De um mo do geral, as viagens dos estrangeiros e a sua produção inte aprofundaram os temas da história natural: botânica, zoo logia, geografia, m ilectual devem ser compreendidas no contexto da expansão capitalista e neralogia, paleontologia, astronomia, meteorologia.6 neocolonialista do século XIX. Nesse período, observa-se a existência de A literatura de viagem sobre o Brasil no século XIX é muito extensa. dois grupos distintos representados por momen tos político-expansionistas Salvo eventualmente o M éxico, nenhum país exerceu tanta atração sobre os diferentes: Inglaterra, França e, em menor escala, R ússia e os EU A estariam europeus e norte-americanos com o o B rasil. Esse grande afluxo forasteiro interessados na "exploração imediata", com notórios interesses comerciais talvez se explique po r razões muito práticas: em relação ao restante da Amé manifestados po r uma burguesia em franco fortalecimento. Já a Alemanha, a rica Latina, viajar no B rasil era mais seguro devido à relativa estabilidade Áustria, a Suécia e a Itália - que estavam para se firmar como nações política e à presença de muitos estrangeiros; igualmente er a possível fazer-se unificadas - ainda não estariam participando osten sivam ente da corrida uma longa viagem, passando po r regiões m uito diversas, sem o transtorno de expansionista, ou seja, seu lugar no processo de internacionalização d o Bra cruzar fronteiras. A melhora dos m eios de transporte e de comun icação e a sil era mais periférico, em decorrência de seu próprio status no continente difusão de notícias acerca das riquezas e das possibilidades econômicas do europeu. Essa diferença reflete o perfil dos estrangeiros errantes no Brasil. país também m otivaram a vinda de muitos estrangeiros, além do apoio que Entre os alemães, por exemp lo, não se tem n otícia de tantos comerciantes, muitos naturalistas e exploradores receberam de d. Pedro II; por sua vez, 5 da natureza como ocorriao entre ingleses, o que nãosobretudo excluía, obviamente, razões menos práticas foram m otivo de interesse, como o estudo de explorar país, os o qual se manifestou, até meados odointeresse século, e a multiplicidade étnica que carateriza a nossa sociedade,7 servindo de rico nas grandes expedições científicas. A pesquisa científica e as "descobertas" "laboratório" para os estudos sobre as diferentes "raças" e "culturas". de novas esp écies e m atérias-primas não serviam meramente como contri Tomando por base alguns desses dep oimentos de estrangeiros, preten buição para a montagem de museus, a instalação de jardins botânicos e a demos, pois, perscrutar as imagens criadas sobre o Brasil, focalizando a ampliação de sociedades e academias científicas - ainda incipientes, se com questão em torno dos dois aspectos que o particularizam no contexto da parados com L ondres e Paris - mas também implicavam um significativo Am érica e da E uropa: primeiramente, o fato de ter sido a única monarquia, retorno econôm ico e prestígio político. desconsiderando-se o trágico episódio no M éxico, para mencionar o mais Em suma, nos escritos desses forasteiros estão sendo avaliadas as importante, num continente formado por numerosas repúblicas independenpotencialidades econô micas, sociais e naturais do país. Em jogo estão a con quista, a ampliação e a manutenção de novos mercados e a coleta de amos tras da natureza. Daí uma das razões da variedade temática que caracteriza a literatura de viagem. De comerciantes, aventureiros, diplomatas, artistas a 4
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Lembrando aqui Pedro Moacyr Campos, que analisa as "imagens" que nas primeiras décadas do século XIX a literatura européia criou sobre o Brasil. Campos investiga tanto a literatura de viagem, a fíccional - de autores que conheciam ou não o país - como a historiografia; cf. P edro Moacyr Campos, "Imagens do Brasil no Velho Mundo", em Sérgio Buarque de Holanda (org.), op . cit., vol. 1, tomo II, cap. II, pp. 40-63. Ilka Boaventura Leite, op. cit., pp. 84-6.
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t es, e, em segundo lugar, de ter mantido por mais tempo o escra vismo, num período em que predominava o trabalho livre. Para tanto, nas páginas que se
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A respeito das tipologias de viajantes e características do gênero literatura de viagem, ver (capítulos introdutórios) Elisabeth Mendes, Os viajantes no Brasil, 1808-1822, dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História da FFLCH-USP, São Paulo, mimeo., 1981; Ilka Boaventura Leite, op . cit.-, Míriam Moreira Leite (org.), A condição feminina no Rio de Janeiro, século XIX (São Paulo: Hucitec/Pró-memória/Edusp, 1981) (Estudos Históricos); Karen Macknow Lisboa, A nova Atlântida de Spix e Martius: natureza e civilização na Viagem pelo Brasil, 1817-1820 (São Paulo: Hucitec/Fapesp, 1997); Flora Sussekind, O Brasil não é longe daqui (São Paulo: Companhia das Letras, 1991). Alicia Tjarks, "Brazil: Travei and Description, 1800-1899. A Selected Bibliography", em Revis ta de Historia de América, México, n. 83 , jan.-jun. 1977, pp. 209-10.
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o próprio http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a
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fato de testemunharem as mudanças políticas, econômicas e so 144/193 ciais decorrentes da transferência da corte portuguesa, o fim do pacto colo
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seguem, veremos primeiramente como os estrangeiros registram o momento nial e do exclusivismo português serviu de ensejo para que dispensassem do "nascimento da nação" brasileira; em seguida, recuperaremos algumas mais atenção ao assunto. 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com facetas da imagem de d. Pedro II; por fim, examinaremos alguns aspectos A relação que se estab elece entre a chegada da família real, a monta dos complexos e controversos temas da escravidão, da miscigenação e do gem do Estado e a fundação da nação evidencia-se em alguns relatos: o projeto civilizador. francês Alcide Orbigny comenta em sua obra que a formação do Estado se Diante do enorme universo de escritores viajantes e da abrangência do deu com a mudança da família real, vindo a ser um império mais poderoso período aqui tratado, fomos obrigados a selecionar alguns autores, conside do que o reino europeu. 9 Para os bávaros Spix e Martius, a "selvageria rando no mínimo um relato de viagem por década. Vale ainda ressalvar que americana", ao menos na capital, fora removida pela "influência da civiliza estamos lidando com "imagens" que os autores criaram a respeito do B rasil, ção e cultura da velha e educada Europa".10 E ponderam que a presença da sem a preocupação de conferir a sua veracidade. E sse esforço ultrapassaria corte real no Brasil, a abertura dos portos e o comércio com nações de os limites propostos a este trabalho. outras partes do mundo exerceram incalculável influência, favorecendo o surgimento de um sentimento de patriotismo, algo ainda inédito.11 Já para o comerciante inglês Lu ccock, a abertura dos portos é consi O "nascimento da nação" derada o primeiro grande esforço para realizar a obra de unificação do terriO império do Novo Mundo entra no concerto dos Estados europeus - um mamute ressuscitado, cuja voz não carece ser medida em léguas quadradas. D . Pedro desposa a princesa da casa de Habsburgo, Leopoldina da Áustria: dois mundos heterogêneos celebram bodas - fantasia e diuturna realidade, Eldorado e A lemanha. Carl Seidler, Dez anos no Brasil, 1825-1835
Nas primeiras três décadas do século XIX, nota-se que os autores viajantes preocupavam-se com questões em torno da formação da nação, embora as teorias a esse respeito ainda fossem incipientes. 8 Provavelmente 8
q u e , no início do século , não havia ainda uma teoria sobre que seria a nação eVale os lembrar Estados-nações. O conceito nãoXIX é paralelo à própria formação dos oEstados-nações na Europa, e sim posterior, conforme Hobsbawm demonstra. Nesse período, há somente um peque no número de Estados-nações. E indagava-se quais das numerosas populações européias classificáveis como uma "nacionalidade" poderiam vir a ser um Estado e quais dos numerosos Estados estariam dotados de um caráter de "nação". A "escola histórica" dos economistas alemães, na década de 1820, conceitua uma idéia "liberal" de nação: a nação teria que ser de tamanho suficiente para formar uma unidade viável de desenvolvimento: "um território extenso e uma grande p opulação, dotados de múltiplos recursos [...] são exigências essenciais da naciona lidade", e como modelo serviam a Inglaterra e a França. Esse "princípio da nacionalidade" era aceito por grande parte dos pensadores sérios a respeito do assunto. Mas, na prática, ele servia
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apenas para países que tivessem um razoável território ou que estivessem em condições de expandir sua área, mantendo certa unidade nesse processo. De 1830 a 1880, Hobsbawm apura a existência de três critérios que permitiam a um povo ser classificado como nação, desde que tivesse suficiente dimensão territorial: primeiramente era necessária a associação histórica entre o povo e o Estado ou um Estado de passado recente e razoavelmente durável; em segundo lugar, a existência de uma elite cultural longamente estabelecida, "que possuísse um vernáculo adm inis trativo e literário escrito". E, em terceiro lugar, a provada capacidade para a conquista, o que ajudava na conscientização do povo de sua existência coletiva, bem como servia, a partir de meados do século, como prova darwiniana do sucesso evolucionista como espécies sociais. Ver Eric J. Hobsbawm, Nações e nacionalismo, desde 1780, trad. Maria Célia Paoli, Anna Maria Quirino (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990), pp. 36-50. 9 Alcide Orbigny, Viagem pitoresca através do Brasil, trad. David Jardim (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1976), p. 185 (grifos meus). 10 Considerando o contexto da expansão do capitalismo, é importante lembrar q u e , como herdeiros da Ilustração, a visão de mundo desses viajantes se apoia nos conceitos complementares de civilização e barbárie, cultura e selvageria, perfectibilidade e degeneração. A despeito de suas variantes (o conceito franco-inglês de civilização e o conceito alemão de cultura), a questão central é a imposição eurocêntrica de valores e crenças preconcebidos para se enxergar uma sociedade historicamente diferente, bem como justificar, acreditando na superioridade do euro peu, a expansão e domínio político, econômico e cultural. Para mais detalhes acerca dessa distinção, ver Norbert Elias, O processo civilizador, trad. Ruy Jungmann (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990). 11 J. B. von Spix & C. F. P. von Martius, Viagem pelo Brasil, trad. Lúcia Furquim Lanmeyer, rev. de Ramiz Galvão, B asílio de Magalhães e Ernst W inkler (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1981), vol. I, pp. 47-8, 53 (grifos meus).
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tório, mas não evocou nenhum sentimento especial. Ao seu ver, o momento que o idioma http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a decisivo para a. formação de um caráter e de sentimentos nacionais foi a
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inglês havia se propagado com maior intensidade graças ao aumento do comércio. A s influências dessa preponderância sobre as institui
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elevação do B rasil a reino unido. O "povo [...] pareceu sentir-se guindado à çõe s civis e a "marcha da civilização" ele prefere não analisar. C ivilização, categoria mais elevada na escala dos seres humanos", convicto de que o aliás, que progrediu em conseqüência das "inúmeras relações comerciais 5/10/2018 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com Brasil, "no futuro, ainda seria considerado co mo uma das nações do mun com as nações européias".15 Rugendas também acha que o marco inicial da d o , deixando de ser sacrificado aos interesses de outra nação". Fruto dessas história do B rasil e do R io de Janeiro, em particular, é 1808. D esde então, transformações foram o " sentimento de independência, uma consciência considera que não houve grandes "acontecimentos, vitórias ou derrotas san própria de sua importância e a resolução de manter sua nova dignidade". 12 grentas". Ho uve, sim, relevantes m udanças no "estado intelectual e material Para compreender a extensão e importância desse "sentimento nacio da antiga colônia". E con sidera que os acontecimentos causadores da sepa nal", comenta Luccock, era necessário lembrar de que anteriormente as pro ração do B rasil de Portugal "influíram m enos na situação interna" do país do víncias eram quase "completamente desligadas umas das outras" e que talvez que na "política geral". A emancipação, em que, segu ndo o autor, Portugal, o único traço que elas tinham em com um era a "semelhança da língua"; o fato na verdade, teria se desmembrado do Brasil, e não o Brasil de Portugal, é de receberem seus governadores da mesma corte e que se orientavam co vista não como uma modificação da situação do Brasil, e sim como a "con mercialmente para a mesma metrópole; e que entre as províncias havia m es servação e a legalização de uma ordem de coisas" que existia havia muitos mo interesses diferentes e rivalidades. Quando a corte chegou, diz ele, a anos. A inversão política, que ocorria naquele tempo, foi sintetizada com a ameaça de desintegração da colônia fora evitada pela grande "habilidade do seguinte observação: "Pode-se dizer com muita razão, que Portugal se governo", apoiado pela Inglaterra. Assim, a unidade do território seria mantida desmembrou do Brasil do que o B rasil de Portugal".16 e o poder centralizado na capital do nov o reino.13 Já para John Arm itage, um inglês extremamente arguto, não fora a vin Se para Luccock, na perspectiva de súdito britânico, a atuação dos da da fam ília real e abertura dos portos (Orbigny, Spix e M artius, Rugendas) ingleses é entendida como uma ajuda na formação da unidade territorial e da ou a elevação a reino unido (Luccock) que desperteram um "espírito que formação da nação, outros se queixam da preponderância inglesa, que se não havia ainda aparecido anteriormente", mas sim os desdobramentos da manifestava abertamente. Os interesses políticos e econômico s ingleses que Revolução do Porto, a convocação das cortes e o juramento da constitui motivaram a vinda da família real são notados por vários estrangeiros e, ç ã o . Finalmente, a independência assume relevância na história universal: era dependendo de sua nacionalidade e posição política, criticados. 14 ela o "acontecimento memorável ante as nações civilizadas, e nos anais da O pintor alemão Rugendas notou que as classes abastadas tinham a história do mundo transatlântico".17 obstinada mania de querer imitar os costumes ingleses. Percebeu também M aria Graham, que observou de perto a vida política do pa ís, analisou com cuidado a emancipação: "A questão da independência com eçava a ser publicamente agitada e desta derivaram várias questões". Deveria o B rasil 12 permanecer parte da monarquia portuguesa, co m jurisdição separada e su John Luccock, Notas sobre o Rio d e Janeiro e partes meridionais do Brasil, trad. Milton da Silva Rodrigues (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1975), p. 376 (grifos meus). prema? O u deveria voltar "à situação abjeta" e "degradante" de colônia? E l3 Ibidem. 14 se alcançada a independência, deveria ser um reino centralizado co m a capiA título de exemplo, ver Maximilian W ied Neuwied, Viagem ao Brasil (1820-21), trad. Edgar Sussekind de Mendonça e Flavio Poppe de Figueiredo (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1989), pp. 23-5. Poderia ser citada uma lista interminável de autores que fazem semelhantes observações. Ver, por exemplo: T. von Leithold & L . von Rango, O Rio de Janeiro visto por dois prussianos em 1 8 1 9 , trad. Joaquim de Sousa Leão Filho (São Paulo: Cia. Ed . Nacional, 1966), p. 1 4 1 ; P. H. Schumacher, Beschreibung meiner Reise von Hamburg nach Brasilien im Juni 1824 nebst Nachrichten über Brasilien bis zum Sommer 1825 und über die Auswanderer dahin (Braunschweig: Friedrich Vieweg, 1826), p . 6 7 ; Paul Harro Harring, Dolores, ei n Charaktergemalde aus Süd-Amerika (Basiléia: Chr. Krüsi, 1859), vol. II, livro 3, cap. 7, pp. 60-61.
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Johann Moritz Rugendas, Viagem pitoresca através do Brasil, trad. Sérgio Milliet (4. ed. Sã o Paulo: Martins, 1949), pp. 134, 136. 16 Ibid., pp . 132-3. 17 John Armitage, História do Brasil (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1981), pp . 38 , 63 .
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Rugendas, tal no Rio ou deveria haver várias províncias sem ligação, cada qual com seu http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a governo supremo, responsável perante o rei e as cortes de Lisboa? Essa
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ao sublinhar a inversão dos papéis da metrópole com a colônia, reforça a debilidade dos ex-colonizadores. 20
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Já num mom ento posterior à independência e às complicações em tor possibilidade er a defendida pelos republicanos e pelos que temiam a separa no da elaboração da C onstituição de 182 4, Ferdinand Denis, citando e con ç ã o . A s províncias separadas seriam mais facilmente 47910924 dom inadasMOTA por Carlos Portu Guilherme OrgViagema-slidepdf.com cordando com Saint-Hilaire,21 levanta vários problemas que obstacularizavam gal, já o "Brasil unido sobrepujaria qualquer força q ue Portugal pudesse enviar o pacto proposto à "nação" e critica a sua desconexão com a realidade contra e l e " , em ca so de luta entre ambos. Diante d os acontecimen tos, apura 18 social. P rimeiramente, faz referência à impopularidade de d. P edro I em de Granam, "o po vo" estaria "desconfiado de tudo". corrência do golpe que deu na Assembléia Constituinte (1824). Depois, Armitage também se refere à desconfiança do "povo", num momento questiona o conteúdo da proposta do monarca por não ter "adivinhado to posterior, diante da conduta política de d. Pedro I, figura que para muitos 19 das as necessidades de um povo, em que se encontram elementos os mais autores, de m odo geral, transpira certa ambigüidade. O monarca não sou heterogêneos". E conclui com Saint-Hilaire: "neste país, contudo, a socieda be ser "homem do seu po vo", por nunca "ter-se constituído verdadeiramen de não existia, e com dificuldade se podiam descobrir alguns elementos de te brasileiro". Tam bém nunca soube ele conciliar a opinião pública com o seu sociabilidade". Nesse sentido, advoga ele que a nova forma de governo de governo. Apesar de, na época da independência, ter ele expressado "senti veria ter sido "adaptada a este triste estado de coisas; deveria tender a unir mentos que deveriam lisonjear o espírito nascente de nacionalidade", suas os brasileiros e dar-lhes, de algum mo do, educação moral e política". Para atitudes com relação à política externa, ao tratado de independência, à inge isso, era necessário conhecer os habitantes, profundamente. D. Pedro, po rência nos negócios de Portugal, à instituição do gabinete secreto e ao prote rém, mal conhecia o R io, mal conhecia a cidade, cuja população oferecia um cionism o dos p ortugueses naturalizados geraram dúvidas no "povo" devido "amálgama estranho de americanos e portugueses, brancos e hom ens de cor, à lusofilia do m onarca em detrimento dos interesses dos brasileiros. A inda de homens livres, de alforriados e cativos". Apesar de defender as boas assim, no cômputo do processo, escusa ele os "erros do ex-imperador e de intenções do monarca, "estimulado por sentimentos generosos", e Carta seus ministros", pois o Brasil, durante os dez anos de sua administração, teria Constitucional estabelecer princípios justos, ela "nada tinha de brasileiro", e feito "certamente mais progressos em inteligência do que nos três séculos talvez conviesse tão bem ao M éxico com o ao B rasil, à França ou à Alema decorridos desde a sua descoberta até a proclamação da Constituição Por 22 nha. tuguesa em 1820". Nota-se que a colonização portuguesa explica o atraso do Brasil, argumento, pois, que é retomado por vários autores. Também 20
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Maria Graham, Diário de uma viagem pelo Brasil, trad. Américo Jacobina Lacombe (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1990), pp. 96-7. 19 Ver também Charles Ribeyrolles, Brasil pitoresco, trad. Gastão Penalva (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1980), vol. I, pp. 136-41; Daniel Parish Kidder, Reminiscências de via gens e permanência nas Províncias do Sul do Brasil, trad. Moacir N. Vasconcelos (Belo Hori zonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp , 1980), pp. 50 e ss . Carl Seidler, mercenário alemão que veio ao Brasil para integrar as tropas imperiais, não se cansa de explorar a imagem de Pedro I como déspota, um Napoleão transatlântico, porém sem os louros da vitória. É ele um dos personagens centrais do que o autor chamaria de uma "mogiganga tragi-heróica", em que são descritas as desventuras da Guerra Cisplatina e os acontecimentos- do império de 1825 a 1835; cf. Carl Seidler, Dez anos no Brasil, trad. Bertholdo Klinger (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1980).
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A s sagazes ob servações de Saint-Hilaire, retomadas por Den is, apon tam para um descompass o entre o sistema político e a realidade social. Aos
John Armitage, op. cit., p. 213 (grifos meus). Ver também Ribeyrolles, que reforça o papel modernizador do Brasil em oposição a Portugal, representante do atraso; cf. Charles Ribeyrolles, Brasil pitoresco, cit., vol. I, pp . 128-32; Charles Expilly, Le Brésil te l q u ' il est (Paris: Charlieu et Huiillery, 1863), pp. XVI-XVII; e Harro Harring, o p. cit., vol. II, p. 49. Para Stewart, o período colonial representaria um estado de "escuridão e ignorância" anterior ao da Idade Média; cf. C. S. Stewart, Brazil and Ia Plata: the Personal Reco rd ofa Cruise (Nova York: G. P. Putnam & Co. 1856), p. 87. 2 ' Cf. A uguste de Saint-Hilaire, "Resumo histórico das revoluções do Brasil desde a chegada do rei d. João VI à América até a abdicação do Imperador d. Pedro", em Viagem pelo Distrito dos Diamantes e litoral do Brasil, trad. Leonam de Azeredo Penna (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1974). 22 Ferdinand Denis, Brasil, trad. João Etienne Filho e Malta Lima (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1980), pp. 163-4. Igualmente, ver a crítica que faz o naturalista inglês Charles Bunbury à Carta Constitucional e ao governo, no período da regência; cf. Charles James Fox Bunbury, Viagem de u m naturalista inglês ao Rio de Janeiro e Minas Gerais, trad. Helena G. de Sousa (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1981), pp. 37-8.
J
O lh a re s e s tra nge iro s s o bre o B ra s il do s écu lo XI X
o "sinal d o poderio", pois, afinal, "já não havia mais aqui um a colônia mas 147/193 um Im pério", regozija-se, curiosamente, o repub licano, deixando entender er a
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que ao sul da linha do equador também os próprios preceitos políticos s o seus olhos, ao contrário dos outros viajantes aqui citados, a ausência de uma frem inversão.25 M artius, em seu tratado "Como se dev e escrever a história "sociedade" obstaculiza o desenvolvimen to de sentimentos de n acionalida 47910924MOTACarlosGuilherme Viagem a-slidepdf.com do Org Brasil", sublinha q u e a monarquia constitucional não somente é um a pro d e , unidade, patriotismo e de uma nação civilizada. E a vinda da família real teção ao perigo republicano mas também é o m elhor sistema num país onde colaborou para a decadência moral e não para o processo civilizador. No há "tão grande núm ero de escravos". 26 entanto, Saint-Hilaire adm ite que o país tenha progredido não por esforços empreendidos pelo governo, e sim por conta da liberdade das23relações co Durante a Regência, porém, a ameaça de desintegração da unidade merciais, compartilhando uma visão comum entre estrangeiros. A despeito territorial e as revoltas e guerras civis são palco frutífero para projeções dos preconceitos dos autores (a observação de que não havia "sociedade" e republicanas. Entre os autores viajantes há uma voz qu e distoa nesse coro conservador: é a do jornalista e pintor revolucionário teuto-dinamarquês Harro tampouco " sociabilidade"), o que é remarcável nas observações é a percep Harring. Sua postura antimonarquista e antieuropéia pleiteia pela fundação ção de um sistema político, de mod elo europeu, que não consegue da r conta da complexa realidade social do país, devido à "heterogeneidade" da popu da república do B rasil integrada aos "Estados Unidos da A mérica do Sul". lação. Ou seja, nas entrelinhas dessas observações, o autor pleiteia um siste Crente de que as forças republicanas no Brasil seriam incombatíveis, critica ma q ue esteja mais de acordo com as especificidades da sociedade brasileira. ele a monarquia constitucional, que, com armas, expulsou várias vezes os Resta saber qual seria. deputados da câmara e atirou nos representantes do povo, anunciando a Críticas à parte, o que prevalece unânime, ao longo do século, é o decadência e lançando-se em sua própria cova. M as isso não exclui que um apoio à monarquia. A rmitage achava que a m onarquia constitucional era o "espírito de nacionalidade brasileira, baseado em moralidade", côns cio do melhor instrumento para introduzir a " civilização", bem como propiciar os dubioso passado do europeu colonizador, que explorou inescrupulosamente a rica natureza e seu habitante autóctone, construindo u m Estado e uma Igre "aperfeiçoamentos sociais".24 A comparação com as repúblicas sul-ameri canas corrobora o argumento: Saint-Hilaire chama a atenção para o perigo ja moralmente decaídos, esteja se desenvolvendo no país. 27 do federalismo e a conseqüente decadência econômica e social devido à Essas passagens ajudam a ilustrar com o esse s autores articulam os acon desintegração territorial. Kidder, testemunha do período da regência, rela tecimentos da história política e econômica - a vinda da família real, a ruptu ciona a monarquia com a unidade do território, embora n ã o exclua a existên ra com o exclus ivismo português com a abertura dos portos e o aumento do cia de elementos de desordem, referindo-se às numerosas revoltas que comércio exterior, a elevação do Brasil a reino, a Revolução do Porto, o caracterizam o período. O reverendo norte-americano S tewart também con juramento da Con stituição, a independência e a monarquia - com a forma sidera que "o traço monarquista do governo" é a única razão pela qual se ção da nação e do E stado. Apesar de atribuírem aos eventos históricos im justifica que o Brasil seja uma exceção na América do Sul, dominada pela portância e significados nem sempre similares, esse s estrangeiros introduzem anarquia e derramamento de sangue, o que tem sido tão destrutivo para o conceitos àquele tempo inéditos para a criação de imagens sobre o Brasil: avanço da liberdade e da civilização. Ribeyrolles, retrospectivamente, refe re-se às guerras napoleônicas, considerando que a sorte do Brasil - em rela 25 ção às demais colônias na Am érica Latina - não era exatamente feliz, porém Saint-Hilaire, op . cit., p. 222; Kidder, op . cit., pp. 271-2; Stewart, op. cit., p. 110; Ribeyrolles, op . cit., vol. I, p. 126. "mais favorável". G raças à intervenção da Inglaterra e à presença d a metró 26 C. F. von Martius, "Como se deve escrever a história do Brasil" (1845), trad. W ilhelm Schüch, pole foi p ossível "guardar as jóias e as pessoas sagradas do reino". E esse em O Estado do direito entre os autóctones do Brasil (São Paulo: Edusp, 1982), pp . 104-7. Para 27 23 24
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Saint-Hilaire, op. cit., p. 217. Armitage, op. cit., pp. 227-8. Ver também Spix e Martius, op. cit., vol. III, p. 316.
Karen Madcnow Üsboa
mais detalhes sobre esse texto, ver infra. Em seu romance Dolores, Harring insere um breve ensaio intitulado "Fragmentos sobre o Brasil, considerações de um brasileiro". Com o ele não atribui nenhuma autoria, é de se supor qu e o texto seja dele mesmo e não de "um brasileiro"; cf. Harro Harring, op. cit., vol. II , pp. 50, 57.
Olhares estrangeiros sobre o Brasil do séc ulo X IX
formação de um sentimento de patriotismo, de nacionalismo, de um espírito De http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a brasileiro, de um caráter nacional, de unanimidade de sentimentos, de unida
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m odo geral, assume o imperador uma posição de exclusividade, de exceção, de destaque no contexto social e político do país. As passagens
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de territorial, de um sentimento de independência, de op inião pública, de que se seguem mostram um monarca que representa a civilidade, o conheci uma sociedade coesa. O processo de formação do Estado-nação era, pois, mento, a cultura, a ciência e a moralidade, despontando co mo contraponto à 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com interpretado com o um indicador do estág io na escalada dos seres humanos sociedade de um país que ainda estaria no início de sua marcha para o pro na evolução e no progresso social e na possibilidade de um "povo" e sua gresso e a civilização. nação poderem ingressar na história da humanidade, na história da civiliza D . Pedro II é tido com o monarca que condenou o tráfico negreiro, que ç ã o , apoiados também em datas e marcos fundadores. Evidencia-se tam era contra a escravidão, e de ser dotado de uma "filantropia esclarecida", bém que a monarquia constitucional - em oposição ao sistema republicano segundo a qual tentaria conciliar os direitos sagrados dos homens com os era vista, para a grande maioria, como uma força motriz para o processo direitos legais dos proprietários, tal qual defende E xpilly. O autor escusa a civilizador. sua falta de tomada de decisão quanto à emancipação dos escravos em vir tude da limitação de seus poderes conforme rezava a Constituição e não por falta de simpatia pela questão. 29 N o entanto, Expilly parece esquecer que o D. Pedro I I o u u m " Sau l em I sr ael " monarca dispunha do quarto poder, o poder moderador, que justamente ampliava o seu campo de atuação. 30 Além de ser um monarca por assim dizer humanitário, assume ele um papel de destaque no processo de moder M uito provavelmente o que contribui para se considerar a monarquia nização do império. Mais uma vez retoma-se a imagem do atraso português, constitucional co mo o m elhor sistema para governar o Brasil foi, após o pe de ser um "mau " colonizador - apesar de suas inegáveis conquistas - que ríodo da Regência, a ocupação do trono por d. Pedro II. deixou uma nefasta herança no país, que se traduz em "superstição", "pre Saint-Hilaire não foi testemunha ocular da abdicação de d. Pedro I conceitos mesquinhos", "opressão", "egoísmo", "imobilidade", ou, em uma (1831), o que não impediu que escrevesse palavras acerca do herdeiro do palavra, "ignorância". "O espírito estreito, indolente e vaidoso da metrópole trono: "Quanto ao Brasil, seus destinos repousam atualmente sobre a cabeça deixou m arcas nos costum es e nas instituições", e contra ele o B rasil teria de uma criança". Em suas apreciações, o naturalista francês fixa duas im a que lutar. M as entre os hom ens que dirigem a opinião pública, enfatiza o gens que se perpetuarão ao longo do século. Primeiramente, o fato de d. autor, há um que desponta. É d. Pedro II , que alimenta a vontade de se livrar Pedro II ser uma garantia para a unidade territorial diante das ameaças de dos entraves do passado e de caminhar com o século... 31 desintegração ocorridas na Regência: "É uma criança que ainda une as pro N a obra de Kidder e Fletcher, algumas páginas são dedicadas ao im víncias deste vasto império". Em segundo lugar, a feliz realidade de Pedro II , perador. A ele é conferida um a "combinação" em qu e a legitimidade sangüínea em nítida oposição ao seu pai, não ser europeu, e sim brasileiro. Com isso, a se une a um caráter que respeita a Constituição, os súditos, e que revela ordem estaria, por assim dizer, preservada, com o R ibeyrolles simplificaria interesse sincero p ela ciência e literatura. Ess a combin ação seria na "história anos m ais tarde. "O infante nasceu brasileiro. A pátria adotou-o. Foi procla mado, e as crises cessaram", referindo ao período turbulento de 1831 a das nações", assim enaltecem os autores, mu ito "rara". Stewart imprime ao imperador o papel de destaque e de fundador do império, referindo-se a el e 1840. A paz do reino estaria garantida graças a um "conselho de regência brasileira, uma administração brasileira, e porque um príncipe brasileiro" estava no poder.28 29 Expilly, op . cit., pp. 302, 319. Ver também S tewart, op . cit., pp. 110-2. Sobre a suposta limitação 28
Saint-Hilaire, op . cit., p. 2 2 1 ; Ribeyrolles, op . cit., vol. I, p. 143 (grifo no original). Ver também Stewart, op . cit., p. 8 8; George Gardner, Viagem ao interior do Brasil (1836-1841), trad. Milton Amado (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1975), p. 211.
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K a re n M a ckno w Lis bo a
com o sendo um "Saul em Israel" - "de ombros para cima sobressaía [ele] entre todos" - , qualifícando-o com o hom em de inteligência e caráter, dotado
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de atuação de Pedro II, considera Stewart que o poder do imperador era mais limitado qu e o poder do presidente dos EUA. Lilia Moritz Schwarcz, As barbas do imperador (São Paulo: C ompanhia das Letras, 1998), p . 324. Expilly, op. cit., pp. XVI, XVII.
O lh a re s e s tra nge iro s s o bre o B ra s il do s écu lo X IX
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o Brasil imediatamente após o 15 de novembro de 1889. Se antes a coloni desvelava todo o atraso do país, agora é o império que é visto co mo instituição "caduca", um edifício "mal construído", cujo desm o
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de conhecimentos literários e científicos e de um a exemplar conduta moral, o ronamento se deu naturalmente. Por isso mesm o, "a monarquia não foi der que não era a regra no império. Canstatt, cujo relato refere-se ao ano de rubada, ela desmoronou por assim dizer". O povo surge como massa 47910924MOTACarlosGuilherme OrgViagem a-slidepdf.com 1 8 7 1 , é outro autor que reforça a imagem de exclusividade do imperador coadjuvante, que, "agastado por longos anos de um governo paternal e anár Pedro II como sendo uma exceção na sociedade brasileira. "Em variedade quico", assistira passiva e ingenuamente à queda do regime.34 de conhecimentos científicos e profundo saber não pode ser comparado com nenhum brasileiro." So b o manto da superioridade aristocrática, P edro Também para Leclerc a brasilidade do monarca é o aspecto decisivo em s u a conduta. N o entanto, ela n ã o é m ais garantia d a unidade d o território II é monarca que honra a Constituição, que sabe proteger o seu pov o quan e da estabilidade da monarquia, com o queriam acreditar alguns viajantes, e do ameaçado (quando da Guerra do Paraguai), que, humilde e simples, é sim formadora de sua personalidade. "Mas antes de tudo era ele brasileiro econômico em relação aos seus gastos n a corte, evitando que ele e s u a famí na alma, brasileiro no caráter", diz Leclerc. O que significa que o meio bra lia sejam um peso para a nação. A lém disso , teria ele a vocação de harmoni sileiro teria definido mais o seu caráter do que o sangue dos Braganças, zar os partidos que se hostilizam reciprocamente no cenário da política Bourbons e Habsburgos: "afabilidade", "simplicidade nos trajes e maneiras, 32 brasileira. sua lentidão em tomar partido, sua instintiva desconfiança para co m a novi R ibeyrolles justapõe a figura d o imperador e o governo com a socieda dade", a "intermitente apatia e a mania de deixar tudo para o dia seguinte", a de escravocrata, fazendo uma tímida alusão às contradições que caracteri "indecisão de seu caráter, à qual se juntava a falta de precisão nas idéias", zavam o país: o estilo de govern o do imperador reforçaria o "espírito geral" seriam traços "tipicamente brasileiros" e que influenciaram o seu governo , do reino, cujos traços eram "a tolerância, a conciliação, a sociabilidade", apoiadas nos direitos civis defendidos na C onstituição brasileira. Conclui o sugere o autor. Embora reitere a imagem do monarca que com bateu a ame a força motriz para a pacificação e união aça da anarquia republicana e fosse autor q u e a liberdade er a o preceito máximo do indivíduo: "A alma é livre em do império após o sangrento e instável período da Regência, o d. Pedro II todas as suas confidencias, e o cidadão em todos os seus movimentos". No de Leclerc não preenche os quesitos de um monarca esclarecido, respeitador entanto, o viajante não esquece d os escravos, q ue justamente estariam pri da ordem constitucional, conciliador, inovador e m odernizador. Seria ele "con vados dessa liberdade e que não gozavam dos mesmos direitos por não ser servador", aves so a inova ções, centralizador e usurpador do poder, criando considerados cidad ãos. A trás dessa "paz aparente" ocultavam-se as "úlcedescontentamento entre as várias facções políticas, sendo responsável p elo ras da escravidão", razão do sofrimento das "almas elevadas", dos "tempe próprio ocaso. A desatenção para com as coisas militares e a hesitação quanto ramentos delicados", dos "corações altivos", adverte Ribeyro lles. Nova mente, ao processo da abolição e às tomadas de providência para proteger o setor porém, o imperador acaba sendo protegido pela sua sagrada aura da imuni produtivo foram os seus grandes erros, propiciando o fim do regime. 35 dade, pois o "crime" da escravidão não seria responsabilidade do m onarca e Este breve panorama permite notar que a imagem de Pedro II, que tampouco do governo, e sim seria uma "doença social", que teria que ser goza de um lugar privilegiado n o contexto social e político do país, é substi removida, ressalva o autor, apesar de ser republicano.33 tuída por uma outra em que o monarca representa traços do "caráter nacio Foi necessário cair a monarquia para que d. Pedro II fosse interpretado nal", tornando-se uma personalidade cujas características não se diferenciam sob o sinal da debilidade, assim sugere o jornalista francês Leclerc, que visita dos dema is brasileiros. Além d isso, opõem -se as imagens de um imperador 32
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Daniel Parish Kidder & James Cooley Fletcher, O Brasil e os brasileiros, trad. Elias Dolianti (São Paulo: Nacional, 1941), vol. I, pp. 269-72; Stewart, op. cit., pp. 77-8; Oscar Canstatt, Brasil, terra e gente (1871), trad. Eduardo de Lima Castro (Rio de Janeiro: Pongetti, 1954), pp. 294-7. Ribeyrolles, op. cit., vol. I, p. 148.
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como representante mor da civilidade, com o uma força motriz para conduzir
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Max L eclerc, Cartas do Brasil, trad. Sérgio Milliet (São Paulo: Nacional, 1942), pp. 131-3.
Ibid., pp . 134-41.
O l h a r e s e s t r a n g e i r o s s o b r e o B r a s i l d o s é c u l o X IX
sublinha a seriedade do tema e insurge-se contra muitos estrangeiros que se das informações de uma maneira irresponsável. A pesar da falta 150/193 de precisão nos relatos, a escravidão sempre é assunto e com umente repete-
http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a o processo civilizador, e do monarca decaído que não percebeu as transfor apropriam
maçõ es econô micas , sociais e políticas para se ajustar a elas e manter-se no
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poder. Obviamente, não é necessário dizer o quanto a visão de mundo e as se uma série de aspectos, forjando alguns mitos que se perpetuarão ao lon go ideologias que a delineiam, de cada um desses observadores, condicionaram 47910924 MOTACarlosGuilherme Viagem slidepdf.com dosOrg séculos XIX ae-XX. O mais significativo talvez seja o da docilidade, essas con struções tão contrastantes. amenidade e brandura d a nossa escravidão,37 embora fosse ela algo terrível, uma "úlcera no organismo político", uma "doença social", criada p or notóri
Escravidão, miscigenação e projeto civilizador Neste "mais democrático dos impérios", nesta "monarquia rodeada de instituições republicanas", nesta "república disfarçada em império", todos os homens brancos, n ã o , todos os hom ens livres, são iguais, social e politicamente. Todos são [...] "tão nobres quanto o rei, mas não tão ricos". [...] A sociedade só conhece duas divisões, homem livre ou escravo, ou como sinônimos, homem branco e homem negro. Richard Burton
A despeito das imagens quea ltos cultuaram II como um monarca que incorporou os mais valores ae figura virtudesdedaPedro cultura européia, sendo u m propulsor do pro cesso civilizador, e portanto uma grande "sorte" para um país em parte ainda tão bárbaro, ou as im agens degradantes, per maneciam ainda as espinhosas questões da escravidão e da miscigenação. Duas questões distintas, porém complementares, sendo que a escravidão será entendida como contra-senso à civilidade do império, ta l qual Ribeyrolles timidamente apontou, enquanto a miscigenaçã o pode ser um fator para pro mover ou atrasar o processo civilizador. Vejamos primeiro o caso da escravidão.36 Grande parte dos viajantes reconhecia a sua importância, porém se esquivava de falar dela profunda
os interesses econômicos e que se opõe à civilidade do império.38 A brandu ra servia de escudo para eventuais ataques à própria instituição. Ou então, com o sugere o diplomata inglês Richard Burton, para criticá-la quanto à sua frouxidão. S egundo o diplomata, a notória benevo lência dos senhores para com seus escravos provocaria ausência de respeito e temor dos últimos pe los primeiros, que se expressaria em comportamentos ainda mais bárba ros.39 Outro aspecto que relativiza uma eventual crueldade ou injustiça da instituição é a certeza de que a escravidão contribuiria para o processo civilizador dos negros. A África é interpretada com o o continente da barbárie e o s africanos transportados para o Brasil, ainda que em cond ição de cati v o s , teriam mais chances de superar o seu estado de decadência graças ao convívio com o branco, considerado moral e intelectualmente superior ao negro. 40 Já o norte-americano Thomas Ewbank, quando de sua estada no
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mente, argumentando que outros já o teriam feito. Gardner, por exemplo, 36
Evidentemente, o escravismo no Brasil, no período de 1808 a 1888, passou por várias transfor mações. Em 1826, com a convenção sobre a extinção do tráfico negreiro firmada entre o Brasil e a Inglaterra, inicia-se a controvertida questão do contrabando de cativos africanos, o que naturalmente muitos viajantes irão criticar. Finalmente, em 1850, cessa o tráfico, em conse qüência do aumento da pressão britânica sobre o Brasil, baseada no "Bill Aberdeen" (1845), autorizando a marinha inglesa a tratar os navios negreiros como navios piratas e submeter os envolvidos à justiça britânica. Em compensação, o m ercado interno cresce, de modo que regiões
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economicamente em decadência tornam-se fornecedoras de m ão-de-obra escrava para as lavou ras de café e os centros urbanos no sudeste. Igualmente deve-se mencionar o processo abolicionista e as formas d e protesto contra a instituição que se manifestam ao longo do século até a abolição. Kidder & Fletcher, op . cit, p. 1 5 5 ; Friedrich von Weech, Reise über England und Portugal nach Brasilien undden vereinigten Staaten des La Plata Stromes wahrendden Jahren 1 8 2 3 bis 1827, (Munique: Fr. X. Auer, 1831), vol. I, p. 80; Denis, op. cit., p. 151; Gardner, op. cit., pp. 24-5. Kidder & Fletcher, op. cit., p. 155 e Ribeyrolles, op. cit., vol. I, p. 148. Viagem Richard Francis Burton, do Rio de1976), Janeirop. a233. Morro Velho, trad. David Jardim Júnior (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, Spix & M artius, op. cit., vol. II, p. 160; W eech, op. cit., vol. I, p. 92; Denis, op. cit., p. 154; Seidler, op. cit., p. 250. Nas primeiras décadas do século XIX, os conceitos complementares de "perfectibilidade e degeneração" da I lustração ainda servem como chave interpretativa para as diferentes "raças" e "culturas ", cujo potencial de mudança dependeria mais do meio e da forma ção do que de padrões biológicos e, portanto, hereditários. Acreditava-se numa humanidade única (monogenismo), que caminharia para a civilização. Evidentemente, isso não excluía a idéia de que os europeus (a "raça branca") gozariam de uma superioridade intelectual e moral em relação às demais etnias. Em meados do século, são formuladas as teorias raciais em que as diferenças seriam determinadas biologicamente, abrindo o campo para o racismo científico. Observam-se três
Olhares estrangeiros sobre o Brasil do séc ulo XI X
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O que ainda reforçava a idéia da amenidade do sistema escravista er a a Brasil, em 1845-1846, questiona essa leitura otimista. Do pouco que pôde crença na mobilidade e integração social d o liberto. Para Denis, a possibili Ver, deduz que a situação do escravo é "horrorosa". http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a dade de o s negros livres compartilharem os mesm os direitos dos brancos era
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tão real que explicava o fato de serem men os dispostos a se revoltar do que Em q ue sentido a vida destas pobres criaturas [escravos em fazendas] é melhor aqui do que fora na África n ativa é coisa que não se pode conceber. A o assistir a um leilão em todas as outras partes da América meridional. Kidder e Fletcher lem MOTA CarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com de escravos, choca-se com a frieza do tratamento. Assim vi47910924 pela primeira vez em bram que a Constituição do período imperial não discrimina a cor como minha vida os ossos e os músculos de um ho mem, com tudo que lhe pertence, postos base para os direitos civis; "portanto, uma vez livres, os homens brancos ou à venda, e seu corpo, sua alma e seu espírito entregues a quem pagasse mais. [...] Do
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que eu vi, penso que seria m elhor para muitos terem sido sacrificados na m ocidade, tendo as peles convertidas em cola e os ossos em marfim neg ro, do que padecer pela vida o que padecem. 41
Um outro argumento para escusar a escravidão era, associada à brandura, a comparação com o trabalhador livre europeu. E sse não gozaria de melhores condições de vida que o cativo no Brasil. Weech afirma que em todas as culturas houve a prática de castigos e que, "em nossa civilizada Europa", o homem livre recebe tratamento pior que o escravo nas proprie dades e lares brasileiros.42 Essa comparação fazia sentido no contexto da revolução industrial, quando se forma uma classe de trabalhadores explora dos e vivendo em condições Ainda assim, o cotejo por desconsiderar a questão da marginalizadas. coisificação do escravo em relação aopeca senhor, de quem ele se torna propriedade particular, o que, aliás, Thomas Ewbank havia notado.
importantes vertentes: a escola etnológico-biológica, que, pautada no poligenismo, queria pro var — com base em diferenças físicas e, portanto, mentais — a inferioridade dos negros e índios em relação aos brancos. A escola histórica (representada por Gobineau) p reconizava que as raças superiores, ou seja, a branca, determinavam a história (arianismo). A terceira vertente era a do darwinismo social, segundo a qual, as raças "superiores", ao longo de um processo históricoevolutivo, teriam predominado sobre as raças inferiores, condenadas ao desaparecimento. Para mais detalhes sobre o pensamento racial na Ilustração, ver George W . Stocking, Victorian Anthropology (Nova Y ork: The Free Press, 1987). Sobre as principais teorias racistas no século XIX, ver Thomas Skidmore, Preto no branco, trad. Raul de Sá Barbosa (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976), pp. 65-70, e Lilia Moritz Schwarcz, O espetáculo das raças (São Paulo: Compa nhia das Letras, 1993), pp. 43-66. 4 ' Thomas Ewbank, A vida no Brasil o u diário de uma visita à terra do cacaueiro e d as palmeiras, trad. Jamil Almansur Haddad (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1976), pp. 214, 325. 42 W eech, op. cit., p. 101. Ver também Burton, op. cit., p. 233; Moritz Lamberg, Brasilien. Land undLeute in ethischer, politischer undvolkswirtschafilicher Beziehung un d Entwicklung (Leipzig: Hermann Zieger, 1899), p. 42.
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mulatos, se p ossuem energia e talento, podem erguer-se às mais altas posi ções sociais, das quais sua raça está excluída nos EUA". 43 À deriva de dar conta da complexidade de uma sociedade escravista, em que os mecanis mos de exclusão são inerentes ao sistema, dificultando a formação da cida dania, os autores recorrem à comparação com os EUA, para ajudar a construir o m ito da democracia racial, da igualdade de ch ances para "todos" os súdi t os, desde que sejam livres. O naturalista e diplomata suíço T schudi, que visita o Brasil de 1857 a 1 8 5 9 , utiliza-se do mesm o recurso para argumentar a favor da m obilidade social e concluir que, no B rasil, "os direitos humanos são mais respeitados do que nos EUA". A educadora alemã In a von B inzer considera o brasileiro mais bondo so do que o americano, lembrando-nos timidamente do "homem cordial", que Sérgio Buarque de Holanda descreverá sessenta anos mais tarde. "O desprezo de um lado e o sentimento de amargura do outro não são aqui tão grandes como entre os nossos irmãos do N orte", compara a autora. Os negros libertos gozam dos mesmos direitos dos brancos, tanto que há numerosos professores, artistas, médicos, deputados e at é ministros de "cor", generaliza a viajante.44 No entanto, sabe-se que o status legal do escravo liberto transpirava ambigüidade, mesmo após o embargo de 1865 - que não "pegou" -, sobretudo devido ao direito do senhor de revogar a alforria de seu cativo por motivo de ingratidão. Cidadão de fato livre somente se torna-
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Denis, o p. cit, p. 152; Kidder & Fletcher, op. cit., p. 145,147. De fato, a Constituição brasileira consagrava as garantias individuais, seguindo os preceitos da Declaração do s Direitos do Homem formulada na R evolução Francesa. No entanto, ela somente era válida para os cidadãos, ou seja, a população livre. Johann Jakob von Tschudi, Reisen durch Südamerika (Stuttgart: Brockhaus, 1971), vol. I, p. 1 2 3 ; Ina von Binzer, Leid und Freud einer Erzieherin in Brasilien. Alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil, ed . bilíngüe, trad. Alice Rossi e Luisita da Gama Siqueira (Frankfurt: Teo Ferrer de Maquita, 1994), pp. 159-60. Ver também Burton, op. cit., pp . 233-4; Harring, op. cit., vol. II, pp. 55-7; L amberg, op. cit., pp. 42-3.
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ou prejuízos de tal mistura racial, graças à qual teria se formado uma socie va o forro munido d e carta sem restrição alguma, o que não era a regra.45 A dade tão heterogênea. E quanto mais o debate sobre as teorias raciais, so educadora observa a questão da escravidão no interior de São Paulo, na http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a bretudo a partir de meados d o século, acalentava os fóruns científicos, m ais antevéspera da abolição. Se ela faz referência à suposta mobilidade de nossa polêmica se tornava a questão.
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sociedade escravista, também percebe que m uitos escravos quando libertos Pautados ainda em m áximas do pensamento racial d a Ilustração, Spix e vivem n a marginalidade, não tend o nenhuma estrutura ou mecanismo que os 5/10/2018 integre dignamente na sociedade. E ssa situação certamente 47910924 MOTA Carlos Guilherme Org slidepdf.com Martius, naViagem Viagema-pelo Brasil, defendem timidamente que a mistura das condizia com a raças é u m benefício para a constituição de uma sociedade civilizada em que grande maioria da popu lação e revelava nitidamente a "omissão" por parte o tripé burguesia, Igreja e Estado estaria se firmando. 48 Essa idéia Martius das classes dirigentes e do governo diante do processo abolicionista.46 N ão resta dúvida de que esses depoimentos contribuíram para a ima desenvolverá mais tarde em seu tratado Como se deve escrever a história do Brasil, dedicado ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHG B) e gem de uma sociedade que, embora escravista, não tinha preconceitos de que serviria de base metodológica para ulteriores estudos sobre a história do "raça". As palavras de Burton, na epígrafe desse tópico, expressam esse Brasil.49 M uito provavelmente n enhum viajante explorou de forma tã o metó fenômeno prenhe, evidentemente, de contradições e longe de revelar a com dica a miscigenação, entendendo-a como a "peculiaridade histórica do pov o plexidade social, justamente quando se leva em consideração que o negro ou e da nação" brasileira. O "gênio da história", "sabiamente", lançou mão da mestiço (quanto mais escuro), independentemente de seu status, era identi mescla das raças "para alcançar os mais sublimes fins", profetiza o autor. ficado no imaginário da população, de antemão, como escravo. Tanto o neg ro quanto o índio contribuíram para o "desenvolvimento d a naci Finalmente, a questão da mobilidade social e integração do homem de onalidade brasileira", embora os portugu eses, com o representantes da raça "cor" nos conduz ao segundo grande assunto que ocupava a mente desses branca, considerada intelectualmente superior às demais, formem o "mais forasteiros: o da miscigenação. Com certeza era esse um dos aspectos que poderoso e essencial motor". A eles cabe absorver "os pequenos confluenmais lhes chamava a atenção. Já Spix e M artius, em 1818, quando de passa gem por Salvador, observam q u e nem L ondres nem P aris apresentavam uma tes das raças índia e etiópica", defende o naturalista, atestando a sua inter pretação enganosa quanto aos dados demográficos. T endo viajado pelo país, variedade, uma mistura tão grande de "raças", "índoles" e "classes". Era não teria ele notado que, em várias regiões, a maioria da população não era com o se m irassem num "espelho mágico" e visse m passar "representantes 50 branca? Se por um lado M artius sublinha a importância dos autóctones e 47 de todas as épocas, de todos os continentes, de todos os gênios". A socie dos africanos na construção da nação - uma visão qu e transpira ainda o dade brasileira não som ente era um rico manancial para se estudar diferentes humanismo da Ilustração, em op osição às teorias racistas que vão tomando "raças" e "culturas", mas também para se indagar quais seriam os benefícios cada vez mais o es paço - , por outro vislumbra ele o desaparecimento desses
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Katia M . de Queirós Mattoso, Ser escravo no Brasil (São Paulo: Brasiliense, 1982), pp. 180 e ss. Ina von Binzer, op . cit., p. 246. Florestan Fernandes observa q u e , durante a fase de consolidação da ordem social competitiva em São Paulo, não se "formaram [... ] barreiras que visassem im pedir a ascensão do 'negro', nem se tomaram medidas para conjurar os riscos que a competição desse elemento racial pudesse acarretar para o 'branco'. Em síntese, não se esboçou nenhuma modali dade de resistência aberta, consciente e organizada, que colocasse negros, brancos e mulatos em posições antagônicas de luta. Por paradoxal que pareça, foi a omissão do branco - e não a ação - que redundou na perpetuação do status quo ante", ou seja, "os padrões de relações raciais elaborados sob a égide da escravidão e da dominação senhorial"; cf. Florestan Fernandes, A integração do negro na sociedade de classes. O legado da "raça branca" (São Paulo: Dominus/ Edusp, 1965), vol. I, p. 194. Spix & Martius, op. cit., vol. II, p. 152.
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Ibid., III, p. ver 316.Karen Macknow Lisboa, op. cit., pp. 178-84. A essevol. respeito,
Martius, op. cit., pp. 87-8. Vale ressaltar que Martius escreveu o tratado no auge do tráfico negreiro (década de 1840), quando a população de africanos aumentava consideravelmente. No Rio de Janeiro, no final da década, quase metade da população era escrava. Em Niterói, no ano de 1 8 3 3 , quatro quintos da população o eram. Em 1840, 59% da população de Campos era escrava. Segundo o censo de 1849, na província fluminense, em cada dez habitantes, quatro eram brancos. E o censo de 1870 revela que 20% da população do país, no mínimo, seria preta e 38% mulata; cf. Luiz Felipe de A lencastro, "Vida privada e ordem privada no Im pério", em Fernando Novais (org.), História da vida privada, cit., vol. 2, pp. 24-30, 83.
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grupos, apostando num paulatino branqueamento da sociedade. 51 Ou seja, blicana à monarquia e ao poder dos brancos. Tam bém o interesse dos euro na medida em que a miscigenação poderia propiciar o branqueamento da peus pelas "bonitas" e "am áveis" mulatas, que aceitam permanecer numa http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a população e, assim, a homogeneização social, é ela interpretada positiva "posição inferior" por consentir q u e esses hom ens não se casariam com elas,
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mente com o fator civilizatório e de formação nacional. segundo observa B urmeister, contribuía para "baixar a moralidade do povo J á u m a diferente interpretação encontramos n o republicano Ribey rolles. brasileiro, dando, assim, à raça d e cor um a expansão cada vez maior". Stewart 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com Para ele, até aí concordando com o princípio de Martius, a fusão das raças nota que a mistura se apresenta em todas as esferas da vida, "doméstica, seria um dos m eios para se atingir a civilização. Contudo, a seu ver, os bran social, civil, militar, no palácio imperial e diante dos altares d a Igreja", o que c o s , no B rasil, eram "débeis", devido ao calor e à ociosidade, e, portanto, ao nãoqual deixa e ser "revoltante", sobretudo por ele ser um visitante dos E UA contrário do que M artius advog a, não poderiam ser irradiadores da civiliza tal fazdquestão de mencionar. 'Terríveis" e "assustadores" m estiços for, ç ã o . Grande esperança residiria nos m estiços, polem iza R ibeyrolles, atribu mam a maioria da população, cujo desejo era de se tornar branca, conclui o indo-lhes central importância na formação da sociedade burguesa. Nesse missionário, apontando, despropositalmente, para o racismo que plasma as desenvolvim ento, nem os escravos nem o s índios teriam um papel decisivo. relações sociais. Por que querer ser branco se havia os mecanismos de as Embora os cativos, assim explica o autor, fossem a grande mão-de-obra censão e integração para a população de "cor", tal qual tantos estrangeiros nacional, não podiam eles dar conta da demanda de trabalho, devido a seu enxergavam? E, por fim, o fam oso naturalista Agassiz, representante da es número exíguo. E os índios, carentes de educação, estavam inaptos para cola etnoló gico-biológ ica, que não tardou em radicalizar os males da misci contribuir nesse pro cesso. O s me stiços, po is, híbridos quanto à cor, teriam genação , declarando que os mestiço s seriam um grupo degenerado. 53 um "espírito ativo" e "fortes mú sculos", constituindo a grande força de tra Em extensão à questão da miscigenação, voltaria a questão da nação. balho e produção. O s melhores profissionais seriam os mulatos, formando a Vimos que, para M artius, tanto brancos quanto negros e índios constituíram "verdadeira burguesia brasileira", defende o auto r,52 , opondo-se abertamen à mistura te a uma forte tendência do período (final da década de 1860) em que se racial asobretudo tarefa histórica na formação a base da nação, emprestando nacional, e que para Ribeyrolles os m estiços, os m ulatos, repre tentava, a qualquer preço, provar cientificamente a inferioridade dos m u sentam a "verdadeira burguesia". Trata-se de concepçõ es que os defensores latos. Queria-se demonstrar que os casamentos híbridos geravam descen das teorias racistas obviamente não adm itiriam. Esse é o caso do diplomata dentes degenerados e mais fracos, ou, no pior dos casos — por absurdo que suíço Tschudi, que, levando às últimas conseqüências as mesmas preocupa seja -, até estéreis. ções d e Denis e Saint-Hilaire quanto à heterogeneidade d a população, asse Nesse contexto, evidentemente não faltariam vozes desconfiadas da verou que a miscigenação torna-se um empecilho para pensar o império com o mistura racial. Gardner pondera que as raças mistas eram uma ameaça repunação. T schudi constata q u e a única ligação que existe entre os habitantes do império é a "forma de governo". A o contrário das nações européias, onde, 5 além dessa forma de ligação, a união se faz através da ascendência ou ori ' No meio político e intelectual brasileiro, a discussão do "branqueamento" da sociedade brasileira tomou enorme fôlego no período abolicionista, quando também o pensamento racista já fora gem com um e, portanto, de um caráter, em suas linhas gerais, comum , essas sistematizado em várias vertentes. Segundo Thomas Skidmore, a tese do branqueamento basea nações formam u m todo limitado pela sua ascendência, seu caráter, sua lín va-se na suposição da superioridade branca e no uso dos "eufemismos raças 'mais adiantadas' e gua, sua história, suas necessidades. N o B rasil, no entanto, observa-se uma 'menos adiantadas'". Acreditava-se que por meio da miscigenação o negro desapareceria e a população ficaria progressivamente mais clara. Os miscigenados não seriam produto da degeneascendência miscigenada, impossibilitando assim a formação de um "tipo
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ração, mas estariam aptos a produzir descendentes cada vez mais brancos. Isso se explicaria em parte pelo fato de o gene branco ser mais forte e em parte porque os parceiros brancos seriam mais procurados para procriação; cf. Thomas Skidmore, op. cit., p. 81. Vale notar que Martius não explica o fenômeno da mestiçagem e do decorrente branqueamento do ponto de vista biológico. Nesse sentido, suas idéias se pautam em conceitos filosóficos, em coerência com o "racismo da Ilustração" (Stocking). Ribeyrolles, op. cit., vol. I, pp. 93, 156.
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Gardner, op . cit., p. 26; Burmeister, op . cit, p. 7 1 ; e Stewart, op . cit, pp. 7 2 - 3 ; Louis & Elizabeth Agassiz, Viagem ao Brasil (1868) (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1983). Sobre a recepção da obra de Agassiz no meio brasileiro, ver Skidmore, op . cit., p. 67.
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nacional" e de um "caráter brasileiro". O naturalista conclui que nos pov os gu m esclarecimento entre a população, mas sim precisava-se d e reformadores, da Europa reina a no Brasil a (grifo no ori nacionalidade, individualidade a exemplo de um L utero ou Fenelon...56 http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a 154/193 ginal). Por fim, o autor tece observações para definir o "brasileiro". Sob esse N o olhar providencial e (re)formador dos viajantes não resta dúvida,
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termo não entende ele o total da população, mas somente a parte "mais porém, de que o grande problema para o progresso do país estava na mão inteligente", de origem preponderantemente branca. 5447910924 Pode-se MOTA repreendêde-obra escrava, deixando entrever a contradição da ideologia liberal, que CarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com l o , reconhece T schudi, de ser aleatório e injusto, mas acredita ele ter justifi projetava no país a constituição de uma sociedade burguesa inserida no cado a sua postura. A o descrever a vida intelectual, social e administrativa mund o capitalista e a prática da escravidão. O mito da brandura, do poten dos brasileiros, recusa-se a juntar o "indígenamulato" apático", pregui çoso", o "rude negro liberto", o "superficial aoso "caboclo d escendentes de 55 colonos civilizados, em sua maioria d e origem latina. Em suma, no olhar desses forasteiros, essa "sociedade multicolorida, heterogênea, bizarra", com o a adjetivou E xpilly, teria que passar por trans formações para evitar sua estagnação ou mesm o decadência para um estado de barbárie e desorganização social tanto quanto assegurar o seu cam inho para tornar-se uma nação civilizada. O maior debate, certamente, gira em torno da questão da miscigenação e a dúvida que esta suscita quanto à via bilidade de o B rasil se tornar uma sociedade "civilizada" nos moldes eu ro peus. A despeito dessa polêmica, ao longo do século, há uma certa
d a escravidão e d a possível ascensão social do liberto não era cial civilizador suficiente para sustentar a instituição. Num erosos autores se opõem à escra vidão por corromper moralmente a sociedade, afetando as relações huma nas (licenciosidade, libertinagem sexual, exploração humana) e a disposição ao trabalho. Autores como Tschudi e Burton reforçaram a idéia de que o escravismo era o caminho m ais certo para destruir economicam ente o país. O diplomata inglês, munido de um transparente racismo, acusa diretamente o negro, concluindo que a "importação" do negro ("cativo, proscrito, crimino so") da África p ode ter contribuído para a melhora da "raça", mas prejudi cou a "raça superior" que o adm itiu, no sentido m oral e físico, sobretudo indispondo -o ao trabalho e, acima de tudo, ao melhor de todos os trabalhos
unanimidade providências a ser tomadas,moralizar visando aas constituição instituições do E stado e doquanto sistemaàsmonárquico-constitucional: públicas (governo, administração, Igreja, etc.) e privadas (família, casamen to , etc), bem como o trabalho e as relações sociais de toda natureza; expan dir e melhorar o ensino bá sico e m édio, aumentar o com ércio, incrementar os me ios de transporte e comun icação, instalar indústrias e investir na produtivi dade agrícola. A lguns viajantes enfatizarão a necessidade de reformas morais e reli giosas . Kidder acreditava que a formação de uma "grandeza nacional" de pendia do combate ao vício, à ignorância, superstição e intolerância, cuja arma seria a "piedade" e o "poder do saber". O que mais precisava o Brasil
em um país jov eme,: em a agricultura. "Onde os negros trabalham, todo trabalho se torna servil, conseqüência, o povo carece do 'altivo camponês, orgulho do País'". Também a educadora Ina von Binzer desmascara a des moralização d o trabalho provocado pela escravidão. N o entanto, enfatiza ela que todo trabalho é realizado pelos negros, em contraste com a classe dos proprietários que, completamente dependente dos escravos, acostumouse ao ócio. 57 E xpilly, após observar por mais de dois anos a sociedade escravista na década de 1860 , reconhecia que a corrupção agia reciprocamente. A escra vidão oblitera o senso moral tanto dos opressores como dos oprimidos. E, em alguns casos, o vício do qual alguns escravos são acusados é resultado
era "evangelizadores Ewbankdoé país mais e,extremo ao da afirmar que de o catolicismo impedia o Já progresso em geral, Am é er a quepiedosos". rica do Sul. N ão bastariam " evangelizadores piedosos " para se alcançar al-
de inebriados poder absoluto exercitam, tendo esq uecido as senhores noções mais simplespelo de direito e justiça.queTambém encontramos visões mais lúcidas em Ribeyrolles. Nota ele que os negros escravos formavam a "mão-de-obra nacional", cuja produtividade, contudo, era limitada pela vio lência, suplício e opróbrio qu e caracterizavam a própria instituição. E mais:
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Saint-Hilaire, que esteve em nossas paragens entre 1816 e 1822, se refere ao B rasil como sendo um país onde "não havia brasileiros", ou seja, não havia "homogeneidade" entre os habitantes, ou algo que lhes imprimia alguma identidade; cf. op . cit., p. 213. Tschudi, op. cit., vol. I, pp. 119-20.
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Kidder, op. cit., pp. 271-2; Ewbank, op. cit., p. 19. Tschudi, op. cit., vol. I, p. 116; Burton, op. cit., p. 230; Binzer, op. cit., p. 157.
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impede mesmo a formação do "povo", pois a escravidão representa a "mor para a economia do país -, 61 a ênfase na vinda dos europeus - e não asiáti te da sociedade e das almas". O escravo não é integrado na sociedade por c o s , ou até, como explicita Ina von B inzer, d e preferência germ ânicos - reitera155/193 http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a meio da lei, do direito e da família, que são as bases para se edificar um a crença na vocação civilizatória do europeu nas ex-colônias, devolvend o-
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"povo", desmascarando a segregação que dominava as relações sociais. lhe o papel de fundador e formador da sociedade. É notório como alguns Desd e as primeiras décadas do sécu lo compartilhava-se a opinião de autores atribuirão aoslidepdf.com imigrante a incumbência pedagógica de moralizar essa 47910924MOTACarlosGuilherme OrgViagem aque a população era numericamente exígua, moralmente decaída e cultural sociedade tida com o tão corrupta e decaída, em todos os sentidos, com o se mente despreparada para enfrentar o desafio de explorar uma natureza tão pode acompanhar pelas palavras de Leclerc, sintetizando o que mu itos via 59
o término dorecrudesce, tráfico (1850) e o avanço de do solu abolicionionismo, pródiga. o problemaCom da mão-de-obra necessitando ções. O s mui tos males que perduram no Brasil há séculos somente seriam remediados com o emprego da mão-de-obra livre em larga escala e a dedicação à agri cultura, advertiria Burton, entre outros. E praticamente todos os autores es tavam de acordo que a grande salvação estaria na imigração européia. R ibeyrolles insistia na necessidade de aumentar a população e educá-la, preparando-a para o trabalho, o que poderia ser auxiliado por meio da imigra ção européia e de um projeto colonizador oficial, organizado pelo governo. Ina von B inzer afirma categoricamente que "a gente preta é um peso para o Brasil, formando a escravidão uma verdadeira chaga, ainda pior para os senhores do que para os escravos; e issodemais se nota [...] nascom vésperas ser extinta". Comparando as condições trabalho no Brasil os E UAde, deduz que a falta de moral aqui reinante impede que os ex-cativos sejam absorvidos no mercado. "O brasileiro [...] despreza o trabalho e o trabalha dor." Portanto, "como esperar que o escravo, criado em animalesca igno rância, mas dentro dessa ordem de idéias, seja capaz de adquirir outras por si [...]"?, pergunta-se a educadora. E con clui: "Tenho a impressão de que o Brasil logo de início irá sofrer horrivelmente com a abolição da escravatura, porque não se decidiram aqui pela imigração européia, nem ofereceram aos mais úteis imigrantes - os germânicos - condições bastante favoráveis".60 Com exceção de Ribeyrolles, que deposita a esperança nos mestiços para impulsionar o processo civilizador o- que embora tivesse notado que esses pouco queriam dedicar-se à agricultura, grande desvantagem er a uma
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Expilly, op. cit., pp. 289 e ss.; Ribeyrolles, op. cit., vol. I, p. 92 e vol. II, p. 91. Denis, op. cit., pp. 397-8; Spix & Martius, op. cit., vol. I, pp. 87,118 e vol. III, p. 316; Stewart, op . cit., p. 89. Burton, op. cit., p. 231; R ibeyrolles, op. cit., vol. I, pp. 154-6; Binzer, op. cit., pp. 244-5.
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jantes expressaram anteriormente. Leclerc ch ega no Brasil, como v imos, imediatamente após a queda da monarquia e, portanto, mais de um ano após a abolição. O jornalista avalia que os últimos anos do império teriam sido anárquicos e que os males da escravidão ainda atormentavam o país. O autor resume: O "com monwealth" brasileiro durante mais de um século baseou-se na escravidão; ao faltar esta encontrou-se sem alicerces [...] A sociedade brasileira trocou um sistema bárbaro e inumano pelo desconhecido; voltou ao estado inorgânico; é um protoplasma em que as células giram em bu sca de uma lei de agrupamento. 62
O autor nota que o escravismo foi um fator de coesão e organização da sociedade e do Estado durante o império. Contudo, teria ele impedido a constituição da família, base para a formação da sociedade moderna. Por tanto, com o fim d o sistema escravista, instaura-se um período de absoluta instabilidade, já q u e , no seu entender, não havia uma m alha social capaz de absorver os impactos de tamanha mudança. O B rasil de 1889 era um país em crise, adverte Leclerc. A herança do império foi a pior possível. A seu ver havia uma crise política, mas cujo desenlace se aproximaria, graças ao "bom senso do povo brasileiro", embora, como disse em outro lugar, as "massas" não obtiveram educação política de forma q u e o "espírito público" não se formou, lembrando-nos as observações de alguns estrangeiros sobre o B rasil do início dos O itocentos. A isso se acrescentaria uma "crise social", cuja resolução seria mais difícil de se prever e que somente seria superada quando a disciplina fosse restabelecida no exército, na adm inistração e n o povo; e, por fim, a "crise econômica" devido à abolição da escravidão, que somente poderia ser remediada com uma imigração "bem conduzida". C om 6
' Ribeyrolles, op. cit., vol. I, p. 93. Leclerc, op. cit., pp. 156-7.
62
Olhares estrangeiros sobre o Brasil do séc ulo XI X
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estas observações, o autor recupera a imagem de um Brasil caótico, em pensar o país como nação. Sentimentos nacionais, espírito público, patrio estado primevo, aguardando que uma nova ordem seja criada. Por isso.m estismo, sentimento de independ ência sustentariam os primeiros passos de uma 156/193 http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a mo pleiteia ele, com urgência, a vinda de imigrantes europeus, que devem nação conduzida por um monarca constitucional.
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fundar suas famílias para servir de "exemplo" e mostrar "o valor da família Mas apesar desses votos esperançosos, que procuravam equiparar o pura, liberta de contatos aviltantes e corruptos com o47910924 elemento MOTA servil". Era jovem reino às demais nações européias, restava o problema do escravismo, CarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com pois necessário reabilitar o trabalho livre e a dignidade humana. Associada à a maior herança do período colonial e que distanciava o Brasil das potências crise da mão-de-obra, estaria o problema do latifúndio. A concentração de européias. Em op osição a essa instituição, que corrompia econômica e mo grandes propriedades e a falta terra para ser distribuída aos imigrantes (salvo n o sulpor dopoucos país) seriam umadedas maiores mazelas, obstando o desenvo lvimento social e econôm ico do país ou, em outras palavras, difi cultando o projeto imigratório. 63 Em suma, a notória insistência para a vinda de colon os europeus não somente deveria solucionar o cas o da mão-de-obra, educando e disciplinan do o trabalhador, mas, em última instância, também seriam eles úteis para acelerar o branqueamento da sociedade. Pois abolir a escravidão não resol via o problema do grande contingente de mão-de-obra de origem escrava e tampouco a questão racial. A população continuaria negra e mestiça. E um caminho certo para branqueá-la seria por meio da introdução de famílias
ralmente a sociedade, é construída a imagem de d. Pedro II, um ícone da cultura e civilização européia, emprestando estabilidade ao império ao longo de sua permanência por mais de quarenta anos no poder. No entanto, ele não foi capaz de sanar a "doença social" do escravismo. Igualmente a heterogeneidade da população - outra herança do perío do colonial - , que se m anifestava na mistura entre negros, índios e brancos, imprimindo à sociedade brasileira um especial caráter, muito diferente do que ocorria na Europa e nos EUA, revela-se, no olhar dos nossos foras teiros, como um desafio para dar continuidade à formação de uma nação civilizada. Tratando-se justamente do século em que se procura provar cien tificamente a absurda idéia da inferioridade de seres humanos que não fos
po r européias. as preocupações reveladas forasteiros bém tiveramFinalmente, os seus interlocutores brasileiros, quer no esses parlamento, quertam nos movimentos e sociedades abolicionistas e imigrantistas, desvelando a angús tia de nossas elites quanto à cor que a sociedade brasileira ia tomando. 64 O Brasil imperial mostrou muitas caras aos viajantes estrangeiros. Lon ge de esgotar a multiplicidade de imagens que eles criaram a respeito de nossa sociedade, n osso governo, nossas instituições e nossa história, é notó rio que o Brasil de 1808 a 1889 desponta como grande terra prenhe de potenciais, mas que permanece num constante estado de formação, de ainda estar po r fazer, pelo p rocesso civilizador, um eu femismo para dominação de valores cunhados pelos europeus e transpostos ao Novo Mundo. Nossos
sem brancos q ue as teorias racistas se convertem em moeda corrente para explicareasem diferenças culturais, a questão da miscigenação assume es pecial importância. Dependendo da filiação ideológica do autor, ela torna-se um em pecilho para o progresso, acelerando a degeneração social. Por outra parte, essa discussão permitiu que muitos viajantes, como vim os, coloca s sem os fundamentos para a construção do mito da democracia racial, que os nossos intelectuais da década de 1930 - sobretudo Gilberto Freire - levarão adiante, configurando-lhe o papel de identidade nacional. N o cômputo da polêmica, porém, e em correspondência com as ansiedades das nossas eli t es, a tendência geral era querer branquear o país, o que, finalmente, não se reduzia ao problema da "cor", mas obviamente ao da negação de uma cultu
autores identificaram quesistema com a colonial vinda daefamília real iniciou-se o p rocesso de ruptura com o antigo foram colocadas as bases para se
ra
"Ibid., pp. 86-90, 157, 173. 64
Para uma interessante discussão a esse respeito, ver Célia Maria Marinho de Azevedo, Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites, século XIX (São Paulo: Paz e Terra, 1987); Thomas Skidmore, op. cit. ; e Roberto Ventura, Estilo tropical (São Paulo: Companhia das Letras, 1991).
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se encaixavadonVelho os modMelos, dizer, europeus. m edida emque quenão os imigrantes undopor vãoassim chegando, destinados,Naentretan to , somente a certas regiões, estatisticamente os dados demográficos vão mudando e, com o num passe de mágica, a sociedade vai se "branqueando". Mas sabe-se que a segregação entre os grupos étnicos se acirrou, desmen tindo o próprio mito da democracia racial; sabe-se que as diferenças econô micas entre as regiões do Brasil não foram superadas; sabe-se que as diferenças sociais entre as classes continuavam a produzir fossos intrans-
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poníveis, furtando de uma grande parte da população o direito da cidadania. Bibliogra fia selecion ad a Por fim, a despeito das amarras ideológicas dos nossos visitantes, que se http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a Obras d e viajantes traduziam em concepções racistas, classistas, eurocêntricas, colonizàdoras e
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na incapacidade de relativizar as diferenças do ponto de vista cultural, a lei tura de seus textos nos con duz a temas de no ssa longa duração.
ARMTTAGE, John. História do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1981. AGASSE, Louis & E lizabeth. Viagem ao Brasil (1868). Belo H orizonte/São Paulo: Itatiaia/ Edusp, 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com 1983. BINZER, Ina von. Leid und Freud einer Erzieherin in Brasilien. A legrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil. Ed. bilingüe, trad. Alice Rossi e L uisita da Gama Siqueira.
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O Brasil n o espelho d o Paraguai
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A revolução d e 6 4 c o m e ço u n a Guerra d o P a ra g u a i . Glauber Rocha
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A. relações entre o Brasil e seus vizinhos sul-americanos ao longo do século XIX e início do século XX marcaram-se por tensões, diferenças exaltadas e violências consumadas. N o campo geo político, as tensões se acirravam à medida que íamos definindo nossas fronteiras, tanto ao norte (com a disputa pelo controle dos rios amazônicos) quanto ao sul (com a questão platina e os conflitos intermitentes com o Uruguai, a Argentina e o Paraguai). N o campo ideológico, as diferenças traduziam-se numa guerra de idéias assentada na defesa brasileira de sua "civilização" imperial e escravista, vista em oposição às "outras" nações americanas, já então formalmente re publicanas e antiescravistas. Nosso liberalismo sonhava ser a diferença, a particularidade sign ifica tiva diante do modelo liberal-revolucionário europeu que nossos "bárbaros" vizinhos meramente copiariam. N o B rasil, conforme Roberto Schwarz es creveu em ensaio co nhecido: "impugnada a todo instante pela escravidão, a ideologia liberal, que era a das jovens nações emancipadas da América, descarrilhava".1 Nã o éramos apenas uma "idéia fora do lugar" diante do modelo liberal europeu, mas fundamentalmente diante de nossos vizinhos am erica nos. Dess e m odo, seria impo ssível pensar qualquer conjunto de identidade "americana". Se a imagem que um país constrói de si está relacionada à diferença que impõe em relação a imagens de outras nações, então o "outro" do B rasil foi toda a Am érica Latina. M as, dentro do m undo sul-americano, num deter minado momento do século XIX, nosso "oposto" foi o Paraguai, contra o qual fizemos uma guerra qu e era uma luta por territórios, por hegemonia, m as antes de tudo, uma guerra pela identidade afetada pela iminente derrocada de nosso império escravista e seu m odelo de " civilização". Roberto Schwarz, "A s idéias fora do lugar", em Ao vencedor as batatas (São Paulo: Duas Cidades, 1981), p. 15.
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F ranc is c o A Jom bert
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A Guerra do Paraguai representou n o campo da cultura (no sentido das sombra que se projeta nas obscuras relações entre o Brasil e o resto da ideologias, das representações e das identidades), o momento em que o Am érica Latina, ou, dito de outra forma, da idéia de Brasil construída em http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a mundo imperial-escravista enfrentou sua mais forte crise externa e interna. oposição aos outros estados de herança colonial que lhe são contemporâ
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Sobre a república guarani foram atirados exércitos, mas também idéias e neos. Sensibilidades que não se encontram entre historiadores e especialistas imagens que buscavam transferir ao outro as mazelas que nossa realidade perceberam isso co m imensa clareza na capacidade de propor problemas. 5/10/2018 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com nos impunha, o "m al-estar" de nossa "civilização", para falar com Freud. O A artista plástica Regina Silveira reconheceu e interpretou a questão em Paraguai, bárbaro, incivilizado, autoritário, atrasado aos olhos da cultura da duas obras. N a primeira, sob o crivo da ironia e da perplexidade questionadora, elaborou um a espécie de painel intitulado to be continued..., um a corte, serviria então para nos salvar de nossas próprias condições e definir a imagem civilizada que tanto buscávam os. No esp elho do Paraguai - usado montagem caótica onde figuras, mitos, emblemas e sinais característicos da com o metáfora da situação latino-americana - construiu-se um dos elemen história e da cultura de toda a Am érica Latina são apresentados na forma de tos de nossa "identidade nacional". um quebra-cabeça. Nã o há resposta à vista nem mesm o trilhas a seguir por Em seu livro Ordem e progresso, G ilberto Freire elaborou am pla pes entre o caos dos símbolos, apenas a constatação de uma impossibilidade quisa biográfica com p essoas nascidas entre 1850 e 19 00 .0 sociólogo des que a própria história, personagem e fundo da obra, nos lego u. Diante d ela, cobriu que para a formação desses homens e mulheres foi importante a a única pergunta, a pergunta essencial aliás, é a constatação da impossibili presença rotineira de brincadeiras infan tis inspiradas na G uerra d o Paraguai. dade que a própria artista sintetiza: " N a verdade, eu não sei o que é Am érica N essas brincadeiras, criava-se a idealização de soldados como heróis nacio Latina".3 nais.2 M ais do que nossa historiografia po ssa te r pensado (pois de fato nun Não vemos por onde puxar o fio da meada, mas sabemos, e a artista ca pensou), a Guerra do Paraguai entranha-se de maneira efetiva na também, por onde com eçar a desatar os nós. Num a obra de 19 94 intitulada composição ideológica nacional. A imagem das crianças e da infância atémse a ela, perpassa os anos, chega a todos que, num momento ou noutro, cantaram eu fui no Itororó... Quando lutávamos contra a "barbárie" paraguaia, uma das justificativas "civilizacionais" vinha da idéia d e q u e faría m os um bem ao inimigo, revelando-lhe justamente su a condição de civiliza ção em estado de infância, já qu e , para nossos ideólog os do Império, éramos então um povo "adulto". Mas vencida a guerra contra as "crianças" guaranis, passados muitos anos e m uitas mudanças políticas, sociais, econômicas, pa rece que a idéia do "Brasil criança", do "país do futuro", foi a que mais impregnou-se entre nós. A memória da guerra poderia não ser nomeada, mas co nvertia-se e m "cultura".
O paradoxo do santo, Regina Silveira nos apresenta um desses n ó s , justa mente o que principia na Guerra do Paraguai. Na obra, a artista contrapõe uma pequena figura de Santiago a cavalo - nada menos que o proclamado patrono da América espanho la - a uma sombra projetada na parede da escultura que B recheret, noss o escultor modernista por excelência, fez d o duque de Caxias. É desnecessário comentar o impasse que o paradoxo e o jogo da sombra e da projeção instalam entre presente, passado, história, memória e modernidade. O presente ensaio organiza-se em torno da seguinte questão: como um evento histórico pôde funcionar ao m esmo tempo para demarcar o futuro das relações tensas entre o B rasil e o resto da A mérica Latina e ainda servir
O s aconteceu motivo s e entre as conseqüências produziram a Guerra - a que 186 4 e 1870 qe ue a Guerra das Letras, do sdoDoParaguai cumen tos, das Interpretações que se lhe seguiram - condicionaram (mais do que as diferenças " lingüísticas", "culturais" ou relativas à colonização hispânica) a
com o base fantasmagórica n o processo de con stituição da idéia de "cultura brasileira"? Um a da s respostas possíveis seria qu e a busca da diferença diante da Am érica do Sul foi um dos caminhos pelos quais desenhou-se a imagem do Brasil como cultura "originar. Trata-se, portanto, de analisar as cons-
2
3
Cf. Gilberto Freire, Ordem e progresso (Rio de Janeiro: José Olympio, 1962). Cf. também Ricardo Salles, Memórias de guerra. Guerra do Paraguai e narrativa nacional, mimeo., 1997.
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"Regina Silveira devora e subverte arquitetura e história." Entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, "Caderno 2", 8 set. 1998, p. D12.
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truções e os artifícios ideológico s que estão no fundo d o debate cultural e sidade, exercício da honra, defesa da civilização contra a barbárie. Passou a político ocasionado pelo mais decisivo momento, ao lado da abolição da ser também um pa sseio da civilização, um ajuste de contas que reporia no http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a escravidão, do S egundo Reinado e suas conseqüên cias para a vida cultural lugar as coisas que a A mérica do Sul vinha confundindo. Tudo p oderia ser
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brasileira posterior. Serão abordados três momentos em que se apontam as muito simples, ainda q u e se demonstrasse, dependendo da ocasião, que tudo contradições desse processo: a obra de Machado de Assis, no momento em tinha um ar de solenidade civilizatória e obrigação cívica. Francisco S olano 5/10/2018 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com que comen ta ou encena questões ligadas à Guerra do Paraguai; o discurso Lóp ez representa a negatividade total, o antiexemplo do caminho "liberalmonárquico" a ser trilhado. Suas atitudes, ou aquilo que se imaginava serem crítico dos p ositivistas, na virada do século; e a análise crítica esboçada pelo jovem M onteiro Lobato.
suaspoder convicçõe s, deveriam funcionar com o cronista um espelho invertido. mentira no inventa ações políticas que nosso se esforça em Aridiculari zar para mostrá-las ainda mais ameaçadoras, ainda mais dignas de uma res posta em armas. É esse o presente que o ditador bárbaro de uma bárbara nação sem imperador oferece aos seus:
i O tema da Guerra do Paraguai na obra de Machado de A ssis ainda é um campo quase inexplorado. 4 Ele se entranha na obra do autor, em suas crônicas, poesias, contos e romances. Observar a maneira com que nosso maior escritor acompanhou e refletiu sobre as questões da guerra permitenos compreender a formação de um ideário cujos traços principais são, a princípio, a oposição radical entre a sonhada "civilização brasileira" e a cul tura paraguaia ou latino-americana. N esse sentido, M achado, assim como outros escritores de sua época (destacando-se o visconde de Taunay), fun ciona como uma espécie de ideólogo do império. Mas com o tudo se move ardilosamente na obra do escritor, podemos acompanhar também o início de uma reflexão crítica que apontará na saga bélica nacional os indícios das contradições que efetuaram a construção da idéia de B rasil que se erigiu nos anos posteriores. Em suas primeiras crônicas de juventude, contemporâneas ao conflito, tudo era otimismo e possibilidade de redenção. A guerra era desejo, nec es-
4
Cf. Brito Broca, "A Guerra do Paraguai", em Machado de Assis e a política (São Paulo/Brasília: Polis/INL, Fundação Pró-Memória, 1983); Raimundo Magalhães Jr., "Machado de Assis e a Guerra do Paraguai", em Machado de Assis desconhecido (Rio de Janeiro: Civilização B rasileira, 1955); Humberto Peregrino, A Guerra do Paraguai na obra de Machado dè Assis (João Pessoa: Departamento Cultural da Universidade Federal da Paraíba, 1969), Coleção Ensaios Contempo râneos, n. 3. Explorei mais detidamente esse tema em minha tese de doutoramento Civilização e barbárie, História e cultura: representações culturais e projeções da Guerra do Paraguai nas crises do Segundo Reinado e da Primeira República (São Paulo: FFLCH-USP, 1998), mimeo. Uma parte desse trabalho foi publicada em Maria Eduarda M. C. Marques (org.), A Guerra do Paraguai, 130 anos depois (Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995).
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O cavaleiro paraguaio convoca as multidões, prepara as m anifestações públicas, falalhes a linguagem da liberdade e do valor. Tudo se extasia, tudo aplaude; corre uma faísca elétrica por todos os peitos; uma centelha basta para inflamá-los. Ninguém mais hesita; todos vão depor no altar da pátria o óbolo do seu dever - o s homens o seu sangue, as mulheres a sua honra. 5
Ora, não é exatamente o mesmo que faz Machado no campo de cá? Suas crônicas não funcionam exatamente assim, convocando uma particular "multidão" restrita ao mundo da corte, da opinião que pesa e que, no final das contas, é qu em vai decidir a sorte da contenda? Sua linguagem irônica e indignada, apelativa aos valores pátrios, não quer funcionar como " centelha" para inflamar nossos ânimos guerreiros? Seu desejo não é exatamente poder um d ia dizer algo com o: contribuí com minha parte de escritor, "ninguém mais hesita"? Não seria tão absurdo ver López co mo o seu "O utro", como o Paraguai era o "Outro" do Brasil. Era melhor matá-lo logo, tão grande e ameaçadora era sua presença para que a identidade p udesse se ver livre. 6 Prontamente, a guerra, segundo M achado, deixa de ser uma temerida de para se tornar orgulho, desejo escondido no inconsciente nacional, na 5 6
Machado de Assis, Crônicas (1864-1867) (Rio de Janeiro: W. M. Jackson Editores, 1946), publicada em 24 out. 1864. "Depois de Aguirre, passa-se a López. Mata-se o dois de paus e arma-se a cartada ao rei de copas. É esse o pensamento de um epigrama publicado no último número da Semana Ilustrada: 'jogase agora no Prata,/Um jogo dos menos maus:/0 López é o rei de copas/O Aguirre é o rei de paus"', 24 jan. 1865, ibid., p. 299.
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alma de hom ens e mulheres, no "ventre das mães", que não pode ser repre Era o golp e final, dirigido certeiro no coração do problema brasileiro. sado: "Todos desejam a entrada das forças libertadoras" 7; "Todos os espíri Agora, os sú ditos da corte escravista podiam tomar para si a tarefa de liber http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a tos estão voltados para o sul. A guerra é o fato que trabalha em todas as tar os "escravos" paraguaios... N ossos escravocratas recebiam da pena po 163/193
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cabeças, que provoca todas as dedicações, que desperta todos os senti ética o m ais cobiçado presente: ganhavam o direito de ser os libertadores dos "escravos" dos outros ao mesmo tempo que podiam continuar a ser mentos nacionais".8 "Todos" juntos com "todos". O fruir a guerra deve ser 47910924 Guilherme OrgViagemem a-slidepdf.com escravizadores sua própria nação. O transe marcial, agora mais do que experimentado como êxtase coletivo , como glorificação dos maisMOTA altosCarlos ide antes, seria o curativo de um a ferida aberta. O bom sono estava salvo com ais civilizatórios. Suas agruras se consubstanciam nos símbolos da força e do saber - em fogo, em luz - para alcançarem a "Justiça", a "Liberdade". Por um momento a guerra torna-se a religião d a nação em comunhão e o escritor seu capelão. Para a expressão de tais sentimen tos, agora claramente extre mados, a lírica seria o lugar mais apropriado: [...] Então (nobre espetáculo, só próprio De almas livres!) então rompem-se os elos De homens a homens. Coração, família, Abafam-se, aniquilam-se: perdura Uma idéia, a da pátria [...] Basta isso? Ainda n ã o . Se o império é fogo,
essa guerra redentora. O teatro de guerra compô s o palco ideal para que Machado lançasse, ou resum isse, idéias centrais para a formação d o espírito bélico, o que no caso poderia não ser, como quer Faoro, uma apologia do exército como instituição salvadora nacional, mas certamente é uma defesa da guerra em nome de determinados ideais de "civilização". 10 O Paraguai, o mais estranho dos países dessa estranha América que rodeava ao longe o mundo da ru a do Ouvidor, tão bem retratado por Machado, deu-lhe o mote para exercer o papel de publicista do Império, ainda que esse personagem não lhe caísse bem. Seu "testemunho" distante dos casos e razões da guerra diz muito des se lugar onde repousava a "opinião pública" nacional - vale dizer, da corte -
Era justamente a batalha das "almas" que estava em processo, uma guerra contra a apatia, o desinteresse, a ind ecisão e a dúvida. Um a batalha pela idéia do Brasil diferente e superior ao resto da América. Os últimos versos funcionam como o tiro de misericórdia, m ortífero, contra qualquer
eainda de veestão também bastante (esse é ente) um assunto os estudpolítica iosos doe ide autor por dizer abordar mais firmem sobre aque formação o lógica do grande escritor. M as o cronista Machado de A ssis se encaminhou para a ficção, se fez contista ao mesmo tem po que a guerra chegava a seu fim. Em con tos com o "Um capitão de voluntários" ou "Uma noite", por exemp lo (assim com o no romance laia Garcia), a guerra funciona com o plano, fundo e situação im portantes no quadro pintado pela narrativa. Neles, o tema da Guerra do Paraguai assume novos timbres, que trazem sutis inflexões à abordagem, realinhando a reflexão para outros cam pos. Vejam os com o o tema se apresenta agora em um desses contos. "Um
resíduo de indecisão marcial:
capitão de voluntários" trata de um homem que resolve partir para a guerra
Também é luz: abrasa, mas aclara. Onde levar a flama da justiça, Deixa um raio de nova liberdade. Não lhe basta escrever uma vitória, Lá onde a tirania oprime um povo; Outra, tão grande, lhe desperta os brio s; Vença uma vez no campo , outra nas almas;
Quebre as duras algemas que roxeiam Pulsos de escravos. Faça-os homens.9 7 8 9
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24jan. 1865, ibid., p. 327. 21 fev. 1865, ibid., p. 327. "A cólera do Império", em Obra completa (Rio de Janeiro: José Aguilar, 1997), vol. III, p. 299. Já vinha de antes essa pulsão patriótica em versos, bem como essa representação do Brasil
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escravocrata como campeão da liberdade. Por ocasião da questão anglo-brasileira, Machado teria publicado um "Hino Patriótico", identificado por J. Galante de Sousa, que, em uma de suas estrofes inflamadas, diz: "Nação livre, é nossa glória/Rejeitar grilhão servilj/Pareça a nossa memória/Salva a honra do Brasil", ibid., pp. 298-9. Raymundo Faoro, Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio (São Paulo: Nacional, 1976).
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Magalhães Júnior notou que essa posição crítica, posta na boca de quando se descobre traído pela m ulher e pelo melhor a migo. Entretanto, "a 11 "X", esse julgamento qu ase iconoclástico diante das antes sagradas razões causa foi complexa", como se diz já no fim da narrativa, e que pode ser http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a do conflito, poderia explicar-se pelas razões e conseqüências da guerra que, tomado como metáfora das causas e das resoluções da própria guerra (e, anos depois de seu término, podiam ser melhor balanceadas, como a posi
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por extensão, das motivações que animaram o próprio escritor). No início, çã o d a Argentina que "enriquecera com os fornecimentos ao nosso exército um primeiro narrador, que log o se retirará, nos d á notícia de qu e a história a 5/10/2018seguir será um relato escrito por outro narrador, este também 47910924 MOTA CarlosGuilherme OrgViagem a-obtendo slidepdf.com e à nossa esquadra, as vantagens e nos deixando os ônus".14 um dos prota É uma explicação bastante convincente e, de certa forma, diz algo do gonistas da trama. Sim ão de Castro nos contará um episódio de sua vida. Um episódio que envolve amizade, amores ilícitos, traição, abandono, moral ambígua, guerra e morte. "X" era seu melhor amigo (só na última linha do texto ficamos s abendo seu nome: Em ílio). M ais velho, "X " vivia maritalmente com Maria, uma baiana que "fora educada no Rio Grande do Sul", "um modelo de graças finas", m ulher que "tinha em si o fogo e o gelo".12 A prin cípio, o narrador nos insere nas circunstâncias d as relações estreitas entre os três personagens, que logo formarão um trágico triângulo amoroso. Antes, porém, o tema da guerra é introduzido, proporcionando-nos tanto uma outra situação quanto uma posição diferenciada diante do evento. Nesse conto o tema da hesitação, da apresentação de diferentes atitudes e opiniões sobre o conflito b élico, a par do conflito amoroso, d á o tom particu
em sutilescrevia ceticismo tomou bélico nosso escritor anos posteriores àqueles que seuque evangelho em versosnos e crônicas. Entretanto, são ainda os temas íntimos e domésticos que surpreendem e dirigem os saltos narrati v o s , as mudanças de atitude. O narrador e M aria aproximam-se, e nvolvem se , separam-se. O marido descobre tudo. Não se revolta, não enfrenta nem o amigo traidor nem a mulher adúltera, não se sabe se por amizade e amor, p or bondade ou por vergonha. S eu castigo, para todos e para si, é ir à guerra -j us to ele, que acreditava ter sido melhor a aliança com L ópez... O esforço de guerra não é mais do que a máscara ideal para o destino das identidades em crise: "lá fora torno a ser o que sou, e, na campanha, serei o que devo ser".15 A ssim, "alguma coisa mais particular q ue o patriotismo", 16 como diz o
lar. Vemos M aria dedicada a recolher donativos para a guerra. A isso res ponde ceticamente "X", declarando que tais ações não são mais que "fantasias" passageiras. Do ceticismo à dúvida, vai se operando uma trans formação nas certezas quanto ao caráter civilizador do conflito - até mesmo quanto à posição que o país deveria assumir diante de seus supostos aliados. É o que se vê num diálogo surpreendente entre " X " e seu amigo, que sucede aquela impressão de ceticismo:
narradoranuma honrapassagem tilmente patriótica., cond uz a sorte do voluntariado e desmascara suO amálgama histórico entre uma guerra de sentido duvidoso e os dile mas morais e regras subsumidas da ordem social brasileira formam o fundo de um a tela pintada com cores de tragédia. "X" morre em combate. Maria morre em Curitiba, quando regressava dos anos que passou no Rio Grande do Sul à espera (ou não, pois nunca são claros seus motivos) do retorno do homem com quem viveu. Também morrera uma filha que tivera antes de conhecer " X " (não sabemos ao certo em que circunstância). O amigo fica só com seus "remorsos", até que, ao embarcar para a Europa, "logo depois da proclamação da república"17 (seria um monarquista?, chora-se também a
- [...] a Guerra do Paraguai, não digo que não seja como todas as guerras, mas palavra, não entusiasma. A princípio, sim, quando López tomou o "Marquês de Olinda", fiquei indignado; logo depois perdi a impressão, e agora, francamente, acho que tínha mos feito muito melhor se nos aliássemos ao López contra os argentinos. - Eu n ã o . Prefiro os argentinos. - Também gosto deles, mas, no interesse da nossa gente, era melhor ficar com López. - Não; olhe, eu estive quase a alistar-me com o voluntário da pátria. - Eu, nem qu e me fizessem coronel não me alistaria. 13
os modos morte império?), para outros relatos edohipocrisia, episódio terrível. na vidadoda corte, emdeixa seu teatro de bons compõe Tudo uma tragédia dissimulada, um a guerra n ã o declarada. A Guerra do Paraguai esta-
14 1
' "Um capitão de voluntários", em Obra completa (Relíquias de casa velha), cit, p. 694. l2 Ibid., pp. 690-1. "Ibid., pp. 688-9.
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Fr a n cis c o A la mb e r t
Raimundo Magalhães Jr., "Machado de Assis e a Guerra do Paraguai", cit., p. 55. "Um capitão de voluntários", cit., p. 693. Ibidem.
15 t6 iJ
Ibid., p. 685.
0 B r a s il n o e s p e lh o do P a r a g u a i
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va aqui. O teatro da guerra não era mais que uma exten são do teatro social. 11 A hipocrisia e a ilusão que o cronista e o poeta Machado de Assis viam no http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a Paraguai era a mesma que o contista via inteira nos jogos d a corte brasileira. Os ideólogos positivistas ligados à Igreja Positivista do Rio de Janeiro Ir ou não à guerra, escolher participar de um evento político nacional, é
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foram os mais duros críticos do envolvimento do Brasil na guerra e suas um tema que leva ao problema da decisão e seus motivos. Aqui, Machado conseqüências, travando verdadeiras batalhas pelos jornais para denunciar a 5/10/2018parece encenar a questão do deslocamen to do p olítico para 47910924 MOTA CarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com o privado, numa incúria do império, à qual opunham seu projeto republicano de inspiração resolução bem típica daquilo que Roberto Schwarz, pensando a obra do comtiana. De fato, e a rigor, a luta contra a herança da Guerra do Paraguai iniciou-se com eles, o que n os permite supor que a transposição do esquem a escritor ao mesmo tempo que das idéias e suaparece efetivação no Brasil, chamou d e "idéias foraodomovimento lugar". Afinal, M achado problepositivista para o B rasil produziu pelo menos u m aspecto novo: o universalismo matizar a ausência efetiva, entre nós, de uma relação substanciosa entre os dos positivistas pensava a América Latina como um todo. Nessa visada, acontecimentos de caráter nacional e o engajamento político dos "cidadãos" resolver a questão pendente da guerra era fundamental para a efetiva reto (vale dizer, aqueles pouco s a quem a cidadania era permitida). É como se mada de um projeto republicano de integração latino-americana. Os nos mostrasse que aqui não existe essa relação de substância, e as d ecisões positivistas foram apóstolos dessa união, na qual caberia o Brasil inteiro, ao políticas funcionam n o terreno privado como um fim em si mesmas. 18 contrário de propostas integracionistas oriundas do sécu lo X IX , com o a que A ssim, no primeiro momento, a partir do conflito com o Paraguai, Ma professou o escritor francês Charles Expilly ou o geógrafo anarquista Elisée chado contribuiu para criar imagens e estereótipos que vieram para ficar, que Reclus. 19 As sim, colocaram em jo go uma outra visão do ideal civilizacional, se incorporaram à ideologia brasileira. No segun do, encenou discretamente pautado em seus princípios universalizantes, mas também numa interpreta a crítica desse m esmo processo que ajudou a iniciar. Uma chave cujos d es ção negativa do papel da guerra n a constituição da nacionalidade brasileira. dobramentos poderiam ser iniciouências tam Com isso, talvez tenham ensaiado abrir - como disse Alfredo Bosi comen bém a crítica necessária paracontra-ideológicos. a compreensão do Dessa lugar eforma, das conseqü tando outro aspecto pouco co nhecido da militância positivista - "as trilhas da Guerra do P araguai na vida cultural brasileira. N ão era pou co. que sulcam o processo civilizatório". 20 S e a Belle Époque européia terminou com uma guerra, a nossa com e Em um artigo intitulado "Pela fraternidade sul-americana e especial çou com uma. N o que se seguiu, na construção de nossa "modernidade", a mente B razil-Argentina", Raimundo T eixeira Men des, vice-diretor d a Igreja guerra permaneceu como fantasmagoria. Por isso, a Guerra d o Paraguai e os Positivista do R io de Janeiro, comenta um incidente ocorrido em 25 de maio conflitos inerentes à sua interpretação se fizeram presentes sempre que tive de 1910, no qual "um grupo de moços exaltados" teria arrancado a bandeira mos que nos defrontar com os impasses da "modernidade", em todos os brasileira do "C afé Paulista", na cidade argentina de Rosário de Santa Fé. seus campos e sentidos. Como em Machado, as interpretações flutuaram entre essa possibilidade de reconhecimento do "país profundo" com seu 19 contrário, a idealização do Brasil como nação original - e por isso, tudo Duríssimo crítico da m onarquia e do escravismo brasileiro, Expilly sonhava com a constituição podia ser aceito, mesmo ,pela ou principalmente, diante do da Paraguai Am érica Latina, nos so oposto metaforizado imagem demonizada cujo futuro posterior a guerra reforçou.
18
Cf. John Gledson, Machado de Assis: ficção e história (Rio de Janeiro: P az e Terra, 1986). Ver do mesmo autor, "Introdução", em Machado de Assis, A Semana: crônicas (1892-1893) (São Paulo: Hucitec, 1996).
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Fra ncis co Ala m b e rt
de umadon Pova "civilização incluiria indígenas e africanos no sul da Aunindo, mérica adoprincí Sul a partir araguai (para elelatina" a maisque progressista das nações latino-americanas), as províncias argentinas, o s u l , o sudeste (até São Paulo) e o M ato Grosso, no Brasil, além do Uruguai. Cf. C. Expilly, L e Brésil, Buenos Aires, Montevideo et le Paraguay devant Ia civilization (Paris: E. Dentu, 1866). Já Reclus esboçou o projeto de uma federação na zona equatorial, unindo a região amazônica brasileira e andina. Cf. E. Reclus, "Le Brésil et Ia colonization, I et II", em Revue des Deux Mondes, Paris: tomo XXXIX, 15 jun. e 15 jul., 1862; "Les republiques de 1'Amérique du Sud - leurs guerres et leurs projets de civilization", em Revue des Deux Mondes, tomo LXV, 15 out. 1866. Alfredo B osi, "A arqueologia do Estado-Providência: sobre um enxerto de idéias de longa dura ç ã o " , em Dialética da colonização (São Paulo: Companhia das Letras, 1992), p. 304. pio,
20
0 Brasil no e s pe lh o do P a r a g u a i
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Procurando responder à guerra de fatos e contrafatos, cujo objetivo era Como resposta, um grupo de brasileiros atacou o consulado argentino no proclamar o silêncio pe los erros do império escravista em nome da unidade Rio Grande do Sul. Detectando o clima de violência e rivalidade entre os http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a d a pátria, que se alastrou pelo s éculo X D C , os positivistas afirmam agora: "O 166/193 dois países, o artigo positivista aproveita para atacar as "encenações milita verdadeiro culto dos antepassados prescreve a confissão de suas culpas e ristas". E conclui destacando o lugar chave da Guerra do Paraguai nesse
erros".24 clima, ressurgindo no presente como um trauma nã o resolvido: "o dia de hoje 5/10/2018 só poderá ser de regozijo para os brasileiros, como para 47910924 MOTACarlosGuilhermeOrg -slidepdf.com A Viagem "verdadeahistórica", e não mais a "verdade dos fatos" com o antes, a Humanidade, agora assume um sentido negativo. O passado não exposto da guerra contra quando ele [o Brasil] assimilar a cabal reparação do crime que a Guerra do 21
Paraguai constitui". tocavam as feridas abertas e retomavam as críticas de, Os positivistas por exemplo, C harles Expilly, com relação ao alto preço que pagaria o Brasil por te r mantido a escravidão. Em outro artigo, "Pela fraternidade universal", sutilmente provocando os "contemporâneos", diz:
o P araguaiesses assombra, e desestabiliza Fazia-se necessário combater efeitos.dirige O primeiro deles erao presente. a possibilidade sempre cres cente de conflitos com a Argentina. Por isso, p ublicam uma série de artigos com o título " A confraternização Brasil-Argentina". Nesses artigos é formu lada uma incisiva pergunta: "o que lucrou a Humanidade com a Guerra do Paraguai?". A resposta vem certeira:
[...] cumpre-nos, porém, neste solene momento, respeitosamente lembrar que - há meio século - a América, o Ocidente, a Humanidade, ansiosamente aguardam a inau guração da realização dessas esperanças regeneradoras, mediante a sincera repara ção dos maiores crimes e erros de nossos antepassados e contemporâneos, quando a par com a escravidão da raça africana - rematarão as atrocidades praticadas contra as ingênuas tribos selvagens, senhoras do continente colombiano, pelo monstruoso
[...] os prejuízos foram im ensos, sob todos os aspectos e especialmente sob o aspec to moral. É dessa guerra nefanda que data a recrudescência do espírito militante que tem perturbado até hoje a evolução pacífico-industrial do povo brasileiro e dos povos sul-americanos. Os quadros que tentam celebrá-la hão de despertar em nossos des cendentes o horror que hoje nos acusaria a contemplação de uma cena de antropofagia
aniquilamento da mais am ericana talvez das nações americanas [...]22
ou de um navio negreiro! [...] 25
Vale observar, aqui, além da referência à escravidão e da substituição do termo "negro", tão marcado pelo passado escravista, por um mais honro so "africano", e o em prego do termo "continente colombiano", usado repe tidas vezes no lugar de América Latina. Isso demonstra a ênfase na questão americana e na utopia da constituição de um campo comum de afinidades e interesses na Am érica do Su l. Tal preocupação se justificava na medida em que eles acreditavam que as rivalidades entre B rasil e Argentina poderiam redundar em outro conflito 23 derivado da questão da dívida paraguaia, que fazia rondar fantasmagoricamente a hipótese de anexação do Paraguai pelo Brasil ou pela Argentina, caso não houvesse indenização. Em "Paraguai-Argentina-Brasil", o s positivistas afirmam que dentre todas as guerras "fratricidas", a Guerra do P araguai teria um papel especial, uma vez que o pôs "quatro povos irmanados biológica e sociologicamente".
Tudo é dito em nome da moral e dos altos valores da humanidade: 'Tod a a guerra provém sempre do atraso moral e m ental dos beligerantes". Entretanto, as coisas mudam de figura quando se pensa em territórios e pro priedades: Porém as m esmas reflexões demonstram que o erro cometido pelo Brasil e Argentina, impondo arbitrariamente os limites que quiseram à nossa irmã a República d o Paraguai, mortalmente vencida, não comportaria, infelizmente, agora, reparação direta alguma. Com efeito, os supremos interesses da Humanidade não consentem que se pretenda anular o ato consumado há quase meio século, e nas desgraçadas condições em que o foi, para submeter as questões de limites ao arbitramento.26
24
Jornal do Comércio, 25 set. 1912, edição da manhã, seção "Ineditorial". Raimundo Teixeira Mendes, A confraternização Brasil-Argentina, a independência da nossa irmã a R e p . do Paraguai, e o cancelamento da sacrttega dívida resultante para esta, da guerra fratricida entre ela e o Brasil (Rio de Janeiro: S ede Central da Igreja Positivista d o Brasil, Jornal do Comércio, 1912), pp. 27-8. 26 Ibid.,p. 11 . 25
21 22
23
Publicado no Jornal do Comércio, 25 maio 1910. Jornal do Comércio, 19 ago. 1912, p. 4. "Ainda pela fraternidade universal", em Jornal do Comércio, 18 set. 1912.
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F ranc isc o A lambert
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Outro momento que suscita a retomada do debate sobre a guerra e sua Agora, "desde que não é p ossível ressuscitar os aborígines e restituirlhes os territórios usurpados", resta reocupar os territórios e as identidades herança é a proposta de construção de um monumento em homenagem a arruinadas através dos princípios civilizados ocidentais, ou seja, positivistas. Riachuelo: http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a A combalida imagem do Paraguai, desgastada pelos anos de abominação a
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[...] Foi com a escravidão que se elaborou o passado brasileiro. Ainda na própria que foi subm etida pelo esforço em justificar a guerra é colocada em novos execranda guerra, cuja glorificação d escabida ocasiona estas linhas, fez-se sentir a termos, ou, pelo menos, termos que remontam à caracterização que dela 5/10/2018 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com influência da nefanda instituição. Pois, como é sabido, foram libertados escravos para faziam autores como Expilly e Reclus: a "República do Paraguai é a mais servirem no exército. E quem se lembraria hoje de propor que se erigisse um monu americana das nações ocidentais [...] tão ibérica como a argentina ou a bra 30 mento à escravidão como fator importante na constituição do povo brasileiro? sileira".27 A s fontes nacionais nas quais se baseiam as idéias positivistas sobre a Como podemos ver, os positivistas faziam perguntas inconvenientes. situação da América são conhecidas. Numa outra coleção de artigos, Mas é certo também que tais perguntas eram muito melhores do que suas publicada em 1910, "Pela fraternidade universal, e especialmente sul-ameri respostas, no m ais das vezes meramente doutrinárias. S eus princípios, como cana", além de B enjamin C onstant, José B onifácio é recuperado como críti é sabido, eram as idéias de Com te, que via a grandeza futura da humanidade co de primeira hora da guerra. Com a autoridade do político imperial, o como resultante da fusão da "raça branca" com as "raças" italianas e ibéri discurso positivista conseguiu alcançar um tom ainda mais forte em suas crí c a s , britânicas e germânicas, negra, amarela, etc. Essa utopia integracionista ticas.28 Um novo cânone de personagens históricos vai se formando com a seria o "progresso" e o futuro da "civilização". M as, po r força d as condições cruzada positivista. Autores e depoimentos antes silenciados, como o do nacionais esboçadas anteriormente - a escravidão, o militarismo e a Guerra deputado e escritor Cristiano Otôni, 29 ou restritos aos críticos estrangeiros do P araguai, momento-chave onde todas as distorções nacionais se irmana passam a fazer parte da edificação de uma espécie de contra-história do ra m contra qualquer desejo de união americanista - , o A postolado, indepen conflito sul-americano. dente de sua doutrinação, acabou por revisar fortemente um a parte da história Vai ficando claro que a crítica positivista, nesse caso esp ecífico pelo q ue envolveu o fim da monarquia e o início d e u m a sociedade civil, machucada menos, desconcerta a memória da nação vitoriosa, indispõe-se com a saga de saída por uma guerra de sentido obscuro. Por tudo isso, os positivistas guerreira nacional, legitima os sentimentos negativos em relação ao conflito tiveram a capacidade de nos alertar para as dificuldades do caminho que o e, por conseguinte, a imagem da nação estável e justa forjada em oposição à passado nos legou para q ue chegássemos a qualquer estágio considerável de América Latina "bárbara" e retrógrada. Nesse processo, põe em questão "civilização" e "justiça". Um de seus artigos conclui-se assim, e m tom de até mesm o a glorificação do militarismo que se acoplou à república, do qual, pergunta inquietante: "a política sem ideais do Império fez com que fo sse o como se sabe, os próprios positivistas foram adeptos. Governo brasileiro o ú ltimo a abolir a escravidão africana; a mesma p olítica continuada pela República reserva ao Governo brasileiro a triste sorte d e ser o último a abandonar o regime militar. E a isso chama-se Pátria?".31 27 28
29
Ibid., p. 14.
Raimundo Teixeira Mendes, Pela fraternidade universal, e especialmente sul-americana: a propósito de mais uma comemoração da desgraçada guerra travada entre os quatro povos irmãos, brasileiro, argentino, uruguaio, de um lado e paraguaio, de outro (Rio de Janeiro: Typ. do Apostolado Positivista do Brasil, 1910), p. 3. "Passou, por certo, no tempo, que o nosso inimigo, uma ou duas vezes, em seguida a sérios reveses, esteve disposto a negociar a paz [...] E que a grande dificuldade era a pretensão de depôlo , a ele López, estipulada pelos aliados. [...] A campanha nos foi uma enorme calamidade, não compensada por glória militar equivalente, nem por aumento de segurança em nossa fronteira", citado em artigo publicado no Jornal do Comércio, 25 maio 1911.
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Fra ncisco Ala m b e rt
Seria necessáriaa uma abordagem teórica incisiva para que se pudesse explicar efetivamente situação d o positivism o brasileiro diante desse proje to americanista esboçad o. Para nossos fins e limites resta dizer que se pode encontrar, ainda antes de se iniciarem o s "famosos anos vinte", que substi30 31
Raimundo Teixeira Mendes, Pela fraternidade universal, cit., p. 4. Jornal do Comércio, 10 dez. 1906.
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turram o b inômio "civilização-barbárie" por "modernidade-brasilidade", fru Se a Primeira R epública durasse muito mais do q ue durou, o trauma tos desse ataque revisionista. Em 21 de março de 1916, mais ou menos na histórico estaria resolvido a partir de sua substituição pela "ideologia da cul mesma época em que os positivistas faziam sua pregação, era lançado na tura brasileira".33 Porém, as crises foram se sucedendo ao longo dos anos http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a Bahia um requerimento pedindo a abolição d o s festejos de Tuiuti e Riachuelo.32 vinte e início dos trinta, o q u e , vez por outra, fazia o temor da guerra voltar a
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Especialmente, era também esse o momento em que os Institutos H istóricos assombrar o mundo dos v ivos e o silêncio dos mortos. É como se os autores e a Revista do Brasil voltavam a se interessar pelo tema da Guerra do percebessem , questionando a herança da guerra, esse drama que acomete 5/10/2018 MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com Paraguai. Um d ocumento com o esse pod e nos mostrar47910924 como de fato a bata as "classes militares" e as opõe "às classes civis", bem como cria tensões lha sobre os sentidos da guerra penetrou o século e permaneceu presente, dentro dessas mesm as classes , e propusessem uma saída conciliadora para como uma sombra, durante a construção do sentido da "cultura brasileira". tentar esvaziar as contradições. Seja como for, a Guerra do Paraguai era O texto do requerimento, aqui reproduzido em parte, é o seguinte: ainda um pesadelo de difícil despertar, um trauma muito longe de ser equacionado no inconsciente da nação. Há mais de nove lustros que o Paraguai e o Brasil mantêm os mais amistosos desígnios nas suas relações internacionais. Relembrar, portanto, em meio de públicas solenidades os atos de guerra havidos entre os dois povos irmãos [...] ofende aos intuitos e destoa dos ditames de uma sã política racional orientada para a confraternização dos povos [...] E, considerando um nobilíssimo dever cívico render homenagens aos que no passado souberam amar e sentir a Pátria Brasileira, quer nos campos de batalha, quer nas outras esferas da atividade humana, pedimos designe o G overno da R epúbli ca um dia para que anualmente se prestem, em todos os recantos do País, públicos preitos de amor e gratidão aos que, na paz e na guerra, honraram o nome brasileiro. Para esse dia de culto cívico lembramos de defensiva janeiro, aniversário "capitulação da Campina do Taborda", glorioso epílogo oda26luta sustentadadadurante 24 anos, em prol da integridade do pátrio território, pelos guerreiros heróicos do indígena Felippe Camarão, do negro Henriques Dias e dos brancos André Vidal e Fernandes Vieira, representantes denodados das três raças constitutivas de nosso povo .
Os autores sabiam bem o que pretendiam, e propunham uma readequação do jog o da m emória histórica, substituindo o culto da guerra pela celebração do país das três raças irmanadas. Tal proposição visava reavaliar a história de uma tragédia nacional (que no caso nasceu de uma vitória), formulando um novo mito que fala à memória e substitui a lembrança do belicismo escravista pela ideologia d o caráter "cordial" brasileiro (que então se afirmava). Assim, seria possível "irmanar mais intimamente os membros das classes militares entre si", bem com o "estreitar ainda mais os laços de fraternidade que os prendem às classe s civis". Antônio Costa Ferreira et alii, Requerimento ao presidente da República (Venceslau Brás) pedindo a abolição dos festejos comemorativos pela vitória brasileira nas batalhas de Tuiuti e Riachuelo. São Félix, Bahia, 21 ja n. 1916. 2f., impresso com assinaturas autografadas. O docu mento encontra-se na seção de manuscritos da Biblioteca Nacional.
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II I Do mesmo modo como Machado de Assis percebera que depois da Guerra do Paraguai os relógios andavam m ais depressa - ou seja, a moder nização batia definitivamente às portas do Brasil — ,34 M onteiro L obato pare te r percebido ce as transformações tem po que a ordem do progresso sob a Primeira Guerra Mun o capitalismo impunha após o fim denooutro conflito, dial de 1914-1918. Talvez nenhum outro intelectual de sua época tenha dado tanta atenção ao tema da modernização e aos impactos do progresso capita lista na estrutura econômica, política e cultural brasileira quanto ele. 35 Por isso mesmo, o tema da Guerra do Paraguai não poderia deixar de aparecer em suas preocupações. Em 1921, mesmo ano em que aparecem a novela Os negros e a cole tânea de contos Cidades mortas, Lobato reúne vários escritos dispersos e
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Penso aqui à maneira crítica de Carlos Guilherme Mota, Ideologia da cultura brasileira (São Paulo: Ática, 1978). Gazeta de Notícias, 6 ago. 1893. Cf. Machado de Assis, A Semana: crônicas (1892-1893), cit., John Gledson (org.), p. 29. O papel específico de Lobato, com seus avanços e ambigüidades, na formação intelectual moder na brasileira tem sido objeto de m uitos estudos recentemente. Cf. Tadeu Chiarelli, Um jeca nos vernissages (São Paulo: Edusp, 1995); Vasda B. Landers, De Jeca a Macunaíma: Monteiro Lobato e o modernismo (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988); Carmen L. Azevedo, Mareia Camargos, Vladimir Sacchetta, Monteiro Lobato: furacão na Botocúndia (São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 1997).
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reflexões e os publica no volume intitulado A onda verde. Nele, encontra o exaltamento das virtudes guerreiras, revigoram, na vitória, a mentalidade mos surpreendentes abordagens do tema da Guerra do P araguai e sua rela bélica enfraquecida nos anos de p a z " , impondo a "todas as almas uma idéia çã o com a formação da sociedade brasileira. Trata-se de uma reflexão que, suprema de vingança".40 É à instituição estatal, pensada em oposição ao http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a embora contemporânea de trabalhos como os de Batista Pereira ou dos povo livre, que é creditada a montagem exclusiva desse circo de horrores: ideólogo s da guerra dos anos 20, se choca radicalmente com a maneira com
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que as heranças e conseqüências do conflito vinham sendo abordadas.36 [...] pois os povos não fizeram a guerra. Eles são vítimas da guerra, porque são 5/10/2018 Lobato soub e ver melhor do que qualquer outro de seus47910924 MOTACarlos GuilhermeOrgViagema-slidepdf.com contemporâneos os vítimas do monstro Estado. O monstro empolga-os e a partir da escola organiza a impasses nos quais o país transitava e sua íntima relação com um fato do mentira viva de que se alimenta e em que se rebolca. Mentira alemã de um lado, passado. O presente de Monteiro Lobato era o tempo da Primeira República e das conseqüências d a modernização estimulada pelo café nos ritmos d a vida nas franjas dos centros urbanos. Ele soube ver e aproximar desse quadro a grande tragédia européia de então: a Primeira Guerra Mundial. Como era uma máquina de pensar paralelos, exemp los e soluções, irá se pôr a refletir primeiramente sobre o papel da guerra no destino das civilizaçõ es. U m dos textos do livro apela a u m problema freudiano. Ele se pergunta: quem afinal é o "pai da guerra"?37 Para nosso liberal exaltadíssimo, o pai da guerra e ra o Estado, o "para sita" que sugava as forças de liberdade que emanavam do povo. A guerra era seu meio mais terrível de existência e perpetuação, pois se atem ao mun do na medida em que se constitui num infernal círculo vicioso onde tanto a vitória quanto a derrota não se diferenciam, po is não podem sanar as chagas criadas, mantendo "vivida a mentalidade guerreira".38 Trilhando esse cam i n h o , Lobato se aproxima d a famosa interpretação de Walter Benjamin quan to ao caráter estetizante da guerra,39 especialmente na forma que lhe deu o nazismo (que antes já havia promovido a estetização d a política), responsá vel por sua permanência e reprodução: "a apoteose d os heróis, a apresenta ção estética de todos os crimes, o embelezamento sistemático d a carniçaria,
mentira francesa de outro, mentira inglesa, mentira italiana, mentira em todos os idiomas, sob todas as formas.41
A Primeira Guerra Mundial deu o mote para que Lobato colocasse o Brasil no rol das línguas dos Estados que mentem. A Guerra do Paraguai, a Grande G uerra do século XIX sul-americano, era nossa mentira ainda pul sando num mundo de muitas mentiras bélicas, um m undo que se esforçava por sobreviver ao fim da era dos impérios. E a porta de entrada na nossa Grande G uerra foi o episódio de Uruguaiana. Uruguaiana foi tema de uma espécie de resenha incluída no livro. A idéia de pensar o episódio e sua importância para a sociedade brasileira foi de André Rebouças, que sugeridaépoca a Lobato de trechos de Almeida Prado na Revista àquela vinhapela senleitura do publicado por do Yandiário do Brasil, fundada e dirigida por Lobato desde 1916. 42 O ressurgimento do diário de Rebouças teve um peso decisivo no debate sobre as conseqüênci as da guerra nos projetos civilizadores brasileiros. Como um observador menos preso do que Taunay aos "m istérios" d a natureza, como alguém mais afinado com a maquinaria da modernidade (em sua acepção fundadora: a bélica), era muito m ais difícil para Rebouças enxergar a guerra como metá fora, idealizá-la como um espetáculo exclusivo de nobreza. A realidade lhe assolava as quimeras.
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(São Paulo: A Civilização contra barbárie Antônio BatistaPereira Pereira,resume Rossetti&Camara, de Batista ao império obra todos os argumentos favoráveis brasileiro no1928). momen to em que a discussão sobre os sentidos da Guerra d o Paraguai ganhou destaque nos anos 20, com a aproximação da crise da Primeira República. Monteiro Lobato, " O pai da guerra", em A onda verde e o presidente negro ( S ã o Paulo: Brasiliense, 1951), pp. 53-8. Ibid., p. 53. Cf. W alter Benjamin, "Teorias do fascismo alemão"; "A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica", em Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e histó ria da cultura. Obras escolhidas de Walter Benjamin (São Paulo: Brasiliense, 1986), vol. 1.
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Monteiro Lobato, "O pai da guerra", cit, p. 53. Ibid., p. 57.
Todo um estudo ainda está por ser feito, analisando a presença da Guerra do Paraguai na fase dos anos 20 da Revista do Brasil. Por ora, fica apenas indicada a particularidade do tema no ideário da revista, coisa que pode ser notada se arrolarmos, além da publicação do Diário de Rebouças, a publicação de textos como: Mário Bulhões Ramos, " O bailado sobre o cadáver d e Solano López", em Revista do Brasil, São Paulo, nov. 1923, ano 8, vol. 24, n. 95; ou, agora, pela editora da revista, dirigida por Lobato, Alfredo D'Escragnolle Taunay, Dias de guerra e de sertão (São Paulo: Edição da Revista do Brasil, 1920).
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O pesadelo de Rebouças fez Lobato acordar para as fantasmagorias como disse Marisa Lajolo, "as cidades moitas de Lobato não morreram de da guerra e sua presença e peso na constituição do Brasil moderno. morte natural".46 N a literatura adulta lobatiana ess e p rocesso de análise da Uruguaiana e a Guerra do Paraguai, vistas pelo olhar ambíguo e doloroso de decadência, simb olizada pelo colapso im posto à tradição e ao estilo de vida http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a R ebouças, levaram L obato a esboçar uma violenta e satírica reflexão sobre rural, baseia-se numa crítica ao progresso com preendido com o predador do
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história, memória, guerra e patriotismo, onde a idéia da estetização da guerra modelo social erigido em torno da sociedade agrícola e provinciana. Seus como fator de manipulação política e manutenção do estado de violência na contos querem encenar em seu movimento a passagem de um Brasil pré5/10/2018 47910924MOTACarlosGuilherme Org Viagem a-slidepdf.com sociedade, desenvolvida em "O pai da guerra", é retomada: capitalista para uma ordem capitalista acelerada e imp lacável, centrada no Foi de ontem a Guerra do Paraguai; seus veteranos ainda vivem por aí ao léu, às dezenas; no entanto, parece um fato de priscas eras - tão rapidamente o Brasil evoluiu daí para cá, aos pinotes. Uruguaiana está na história devidamente estilizada ao sabor do paladar patriótico. Tem isso a história de generoso: estiliza os fatos, descasca-os dos realismos dolorosos, desfigura-os num sentido estético. É o meio da humanidade poder ver-se com bons olhos [...] 43
mund oEm urbano-industrial. "Voluntários da pátria", entretanto, não são apenas essas as razões d o quadro desolador. Su a forma aproxima-o tanto da narrativa ficcional quan to da crônica ou da impressão de testemunho. A narrativa se inicia através de uma cena de compo sição pictórica, lembrando um quadro de A lmeida Júnior ou de outro de nossos retratistas daquele mundo destroçado, tão ao gosto naturalista de Lobato:
Nesse ponto, o texto e a fluência ensaística das idéias fazem o crítico de arte empedernido e mal-humorado se encontrar com um surpreendente crítico da história e das mentiras do E stado modernizador brasileiro - seja o Estado monárquico de antes, seja o republicano de sua época. Para fixar a imagemdadessa mentira, Lobato de aproxima-a cor azul, para ele tranqüi a maior ilusão natureza. A montanha longe p odedaevocar a estabilidade la do azul de safira, mas de perto é só "aspereza, precipício, perambeira, bossoroca, mata híspida tramada de cipós e arranha-gato. E não é azul". O crítico da história d eve proceder com a mesma aproximação destemida, ne gar o azul dos grandes homens e de seus feitos, buscando o "colorido da grisalha suja das coisas contemporâneas".44 E sse projeto de "descolorir" a história é consubstanciado num esboç o literário chama do "V oluntários da pátria".45 O início desse "conto" é marca do pelo que já foi descrito em m ais de uma oportunidade com o a "obsessão" de Lobato c om a idéia de "decadência", de suas "cidades mortas". M as, 43 44
43
Monteiro Lobato, "Uruguaiana", em A onda verde e o presidente negro, cit., pp. 95-6. "Cinco anos de guerra foram suficientes para desenvolver entre nós o germe do militarismo, o qual, senhoreando-se da situação, fez uma República para uso e gosto dos militares. Do ponto de vista humano, bem como do ponto de vista imperial, prosseguir na guerra foi um desastre. Uruguaiana deveria ter sido um ponto final. O fazê-la vírgula, deu com o Império em terra. Que grande ciência, na política, a ciência da pontuação! [...]", ibid., p. 99. Monteiro Lobato, "Veteranos do Paraguai", em A onda verd e e o presidente negro, cit., pp. 3540.
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Foi lá que vimos, uma tarde, sentado num mocho de três pernas, à porta dum casebre, esse velho cujo cadáver ali passa na rede com rumo ao cemitério. De bruços num porretão de cego, atentamente ouvia ler notícias da Grande Guerra a um menino descalço, de cócoras à soleira da porta.47
Nesse texto, a razão da decadência, simbolizada pelo velho cego, não está diretamente ligada às forças econôm icas e ao rolo com pressor do pro gresso, mas a um fato do passado que fantasmagoricamente reaparece no presente. A o ou vir o nom e "Curupaiti", pronunciado pelo ancião como mur múrio em resposta às histórias do desenrolar da Grande Guerra, o narrador percebe estar diante de um veterano soldado da Guerra do Paraguai, que vagava quase como mendigo, apenas "roendo a meia pataca do soldo". Seu nome era Pedro Alfaiate. Representante de um passado q ue já então havia se tornado história oficial, ele era a memória semiviva, a contra-história que ainda podia ser encontrada para ser consultada, co mo um livro: "um velho soldado é sempre um livro interessante, rico de incidentes, pitoresco e não raro heróico".48
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Fr a n cis co A la mb e r t
Marisa Lajolo, "Monteiro Lobato, o mal-amado do modernismo brasileiro", em Contos escolhi do s (São Paulo: Brasiliense, 1996), p. 9. Monteiro Lobato, "Veteranos do Paraguai", cit, p. 35. Ibid., p. 36.
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Em seu célebre ensaio sobre Nicolai L eskov, Walter Benjamin também duras penas construídos desde a ironia cínica d o primeiro Machado de A ssis. relacionou a perda de experiências narráveis e transm issíveis a os horrores Essa espécie de Jeca Tatu destroçado de Lobato era a contraprova da da Grande Guerra de 1914. Segundo Benjamin, o soldado que voltava das historiografia e da memória cívica nacional, o testemunho definitivo que os http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a batalhas constitui um dos tipos arcaicos fundadores do "reino narrativo". positivistas procuravam mas não podiam encontrar, pois seu olhar só via os
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M as a guerra da técnica, que imita da esfera da produção de ma ssas a capa documentos oficiais, os depoimentos solenes. A cantiga infantil do "Itororó", cidade industrial de matar, matou também no soldado 47910924 sobrevivente aqu elas celebrizada na memória d as crianças, como identificou Gilberto Freire, tam MOTACarlosGuilhermeOrgViagem a-slidepdf.com experiências narráveis cujo caráter exemplar era o fundamento de sua sabe bém é confrontada pela fala do velho cego , onde horror e tristeza se unem ao doria.49 O velho soldado narrador de Lobato pertence a essa categoria. tudo e ra "terrível" d o da heroísmo inútil. Na lembrança Alfaiate, e "triste", fazen Porém, sua experiência trágica de guerra antecede em décadas a experiência do co m que a façanha fundadora nacionalidade perdesse todo sentido. bélica da guerra total européia à qual Benjamin se refere como m arco. Tam N esse ponto, a h istória de P edro Alfaiate é interrompida e a narrativa bém nesse sentido a Guerra d a Tríplice Aliança antecipa as guerras do sécu toma outro rumo. O narrador imparcial cede lugar a outro que apresenta sua lo XX . defesa do "verdadeiro tipo do herói humilde, que o é sem saber". A ele Pedro A lfaiate tem m uito o que contar, mas tudo o que p ode narrar de contrapõe um outro personagem, de cuja identidade nada sabemos. Esse sua experiência subordina-se a uma tragédia que se inscreve mais na ordem novo soldado é o oposto daquele porque escondia-se na enfermaria durante do inenarrável que na categoria das experiências exemplares. Por isso, a os com bates, só sabia da guerra através da "janela do hospital". A covardia escassez de testemunhos, lendas e fábulas de homens comu ns sobre a Guer e o cinismo eram sua m arca, por isso "era incapaz de dar às suas narrativas ra do Paraguai não deve ser creditada apenas ao fato concreto de que a uma impressão belicosa". A anteposição entre o heroísmo do homem sim imensa maioria das tropas era formada por analfabetos, escravos, etc. O ples e desse outro, cuja facilidade em esconder-se dos conflitos pode signi fato de que um acon tecimento de tal magnitude na vida de milhares de pes ficar tratar-se de alguém com certa patente e favores, é evidente e bastaria soas tenha deixado pouquíssimas marcas n a memória coletiva é sintomático para encerrar a nota. Mas o herói e o desertor sobreviveram. O primeiro desse estado de empobrecimento e falta de sentido construtivo dessa expe destroçado, o segundo sem demonstrar qualquer crise de consciência por riência em nossa vida cotidiana desde então. seus atos "antipatrióticos". A "pátria", a "nação" pela qual lutou o voluntário verdadeiro abandonou-o na m iséria das cidades m ortas, também elas aban De fato, é o horror que cerca tudo. Passado e presente, ligados pela donadas, velhas e cegas aos olhos d o progresso que fazia história empilhando aproximação da guerra que encerrou o século XIX brasileiro e da que ini seus derrotados. ciava o século XX, a saber: a Grande Guerra européia e sua conseqüência n a Am érica, em especial no m undo do interior, em guerra contra o progresso O velho soldado que Lobato flagrou vagando pelas cidades mortas e a "modernidade" que engendrara ambos os con flitos. Por isso a aproxima seria a última esperança de negar a G uerra do P araguai com o ato de reden ção da técnica da batalha do passado e do presente é apresentada como ção que separaria a "civilização" brasileira da "barbárie" latino-americana continuidade e paralelo. A descrição das trincheiras do Paraguai feita p elo simbolizada p or Solano López. Seu destino mostrava que a "barbárie" esta veterano cego se aproxima assombrosamente das fam osas lutas de trinchei a va entre nós mesm Entretanto, desde então versãotornar-se-ia "heróica" do conflito ras d a Primeira G uerra M undial. seria contada pelo os. covarde sobrevivente. S ua figura responsá vel pela perpetuação do b elicismo no interior da república. A través de seu Deixar falar a memória do hom em simples era a estratégia lobatiana discurso, a guerra seria definitivamente içada a símbolo do orgulho pátrio, a para dinamitar os discursos da boa guerra e a força do heroísmo cívico a elemento d e definição da idéia de Brasil que se inscreveria no século X X . V imos que o debate sobre o significado da G uerra do Paraguai para a 49 W alter Benjamin, "O narrador - Considerações sobre a obra de Nicolai Leskov", em Magia e constituição do ideal do B rasil civilizado - a "Guerra d a s Letras" que antece técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas de Walter Benjamin, cit., vol. 1, p. 198. deu e ultrapassou a guerra do campo de batalha -, com suas contradições e
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ambigüidades, firma-se para além do momento em que nasce, sedimentandoBibliogra fia selecion ad a se com o um a referência constante para a reflexão sobre o "caráter" brasilei ALAMBERT, Francisco. Civilização e barbárie, histór ia e cultura: represen tações culturais e ro - e, por conseguinte, sua "cultura" própria - e sua relação com a América http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a projeções da Guerra do Paraguai nas crises do Segundo Reinado e da Primeira República. Latina, ao mesmo tempo que, mais ou menos explícito, perpassa diversos Sã o Pa u lo : FFLCH -U SP, 1998. Mim e o .
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ALBERDI, Juan B autista. "El império dei Brasil ante Ia democracia de América: colección de mom entos em que se tentou pensar o B rasil e suas possibilidades civilizadas artículos escritos durante Ia Guerra dei Paraguay contra Ia Triple Alianza." El Diário, edição e civilizadoras. Do binômio antitético "civilização-barbárie" passamos, com 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com especial, Assunção, 1919. a república e os projetos modernizadores, para outro binômio, agora anco
rado nas oposiçõe s "m oderno-passado", "progresso-atraso", sem que seus conteúdos tenham se modificado significativamente. Pois a violência, o cinis mo ético, o preconceito, se associam, fazem parte dos despojos de nossos "bens culturais", no sentido de Benjamin, 50 e, em larga medida, deram-nos o sentido de nosso caminho para a civilização, seja lá o que isso queira dizer entre nós. M onteiro Lobato via-se diante da ausência de acumulação de um legado crítico sobre as questões relativas à G uerra do Paraguai, na medida em que as formas de utilizá-la para justificar a formação da nação brasileira e de sua cultura, a forma dos interesses das classes dom inantes, foi ela também vencedora de todas as batalhas de que participou.
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Brasil, 1920.
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"Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são o que chamamos bens culturais [...] N unca houve um monu mento de cultura que não fosse também um monum ento de barbárie", cf. W alter Benjamin, "Sobre o conceito da história", em Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas de Walter Benjamin, cit., vol. 1, p. 225.
Um Brasil mestiço: raça e cultura na passagem da monarquia à república
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o s escritores, políticos e cientistas repensaram a identidade cultural e p olítica do Brasil em m eio às transformações que levaram à extinção da escravidão em 13 de maio de 1888 e à implantação do regime republicano em 15 de novembro de 1889. An te a liberdade prometida pela abolição e a igualdade oferecida pela nova Constituição - que transformava todos em cidadãos -, parecia imperativo colocar em discussão a organização do país. A adoção do trabalho assalariado, a queda da monarquia e os conflitos da nascente república trouxeram à tona dúvidas sobre o futuro do país, cujo atraso era atribuído à grande diversidade de sua população. Que lugar atribuir ao africano e a seus descendentes, ex-escravos recém-libertos? Como garantir a vitória da civilização sobre a barbárie em uma terra povoada por uma maioria de negros, índios e mestiços? De quê forma manter a unidade de uma nação marcada por diferenças raciais, culturais e regionais de toda espécie? Com o escolher os governantes pelo voto, se grande parte da população era analfabeta e inculta? Estas foram algumas das ques tões debatidas por intelectuais, vindos de famílias da elite rural e política ou das camadas médias urbanas, e formados pelas faculdades de direito e m e dicina ou pelas escolas de engenharia.1 O s letrados se mostravam divididos entre a valorização dos aspectos originais do povo brasileiro e a meta de se construir uma sociedade branca de molde europeu. Adotavam teorias sobre a inferioridade das raças nãobrancas e das culturas não-européias, ao mesmo tempo que buscavam as raízes da identidade brasileira em manifestações compósitas e mestiças. Observado por viajantes estrangeiros, analisado com ceticismo por cientis-
Abordei tal debate sobre raça e cultura em Estilo tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil (São Paulo: Companhia das Letras, 1991).
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tas europeus e norte-americanos, temido por boa parte das elites loca is, o poder público e os habitantes das grandes cidades seguiam ignorando o cruzamento de raças era tomado como pista para explicar a possível interior do país. 2 inviabilidade do B rasil como nação. http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-aM ais de 12 jornais enviaram repórteres e fotógrafos a Canudos na pri175/193 M uitos, como S ílvio Romero, Nina R odrigues e Euclides da Cunha, se meira cobertura ao viv o de uma guerra no B rasil, tornada possível graças à
voltaram para as formas sincréticas de literatura, religião e cultura, das quais instalação de linhas telegráficas, que ligavam Salvador à base de operações do Exército em Monte Santo. A campanha foi fotografada por Flávio de foram os primeiros intérpretes. Consideravam o Brasil como uma nação 5/10/2018 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com Barros e pelo espanhol Juan Gutiérrez, morto em ação. O Estado de S. multiétnica o u uma "sociedad e de raças cruzadas", n a expressão de Romero, caso e singular de uma miscigenação extremada. outroameaça lado, encara vam aúnico mestiçagem co mo desvantagem evolutivaPore uma à civili zação, por trazer riscos de degeneração ou esterilidade devido à fusão de raças díspares. A rebelião de Canudos, no início da república, foi percebida como a síntese dos perigos e ameaças representados por um Brasil mestiço, domi nado por fanatismos e superstições. A comunidade se formara no nordeste da Bahia em 1893, sob a liderança de Antônio C onselheiro, que se opunha às leis seculares do novo regime, como a separação entre a Igreja e o Estado e a introdução do casamento civil. Seus seguidores foram acusados de fazer parte de uma conspiração internacional com o objetivo d e restau
Paulo enviou, comode correspondente, o engenheiro escreveu um a série reportagens sobre as últimas Euclides semanas da d o Cunha, conflito.que Euclides denunciou a violência da campanha militar em Os sertões, publicado em 1902, cinco anos após o extermínio d a comunidade. Relatou, no livro, fatos sobre os quais silenciara antes nas reportagens, como a degola dos prisioneiros e o comércio de mulheres e crianças. Com u m enfoque mais amplo do que nos artigos d e jornal, explicou a guerra com o o resultado do choque entre dois processos de m estiçagem: o cruzamento de raças no lito ral, com o predomínio do mulato, e a formação no interior da raça e da cultura sertanejas. Outros escritores e cientistas, também interessados nos efeitos da
rar a monarquia, o que serviu d e justificativa ao massacre da comunidade. O governo republicano se atirou em uma longa e sangrenta guerra, que se estendeu por quase um ano, de novembro de 1896 a outubro do ano se guinte. Quatro expedições militares foram enviadas até a completa destrui çã o d a cidade, cuja população foi estimada entre 10 mil e 25 mil habitantes. O assunto mobilizou os escritores, como o cético Machado de As s i s , o republicano Euclides da Cunha e o monarquista Afon so A rinos, que publicaram artigos e crônicas sobre o conflito. Machado observou, em sua coluna na Gazeta de Notícias, do R io de Janeiro, que C anudos apre sentava uma feição de mistério, já que pouco se sabia sobre a doutrina de seu líder, capaz de mobilizar milhares de seguidores. Propunha que fosse enviado um repórter a Canudos, para fazer o retrato do Conselheiro e colher a verdade sobre a seita. Eu clides comparou, em artigo no Estado de S. Paulo, o conflito à revolta dos camponeses monarquistas e católi cos da região da Vendéia contra a Revo lução Francesa, ocorrida em 1793. Arinos, diretor de O Comércio de São Paulo, negava que o movimento tivesse uma orientação monárquica, como afirmavam o governo e grande parte da imprensa. O crescimento de Canudos mostraria porém que o
mestiçagem, de Antônio Con selheiro. crítico Sílvio R omero, que investigou a trataram contribuição dos povos e raças àO formação do folclore.e da literatura nacionais, conheceu o líder religioso n o interior de S ergipe n a dé cada de 1870 e registrou alguns poemas populares em sua homenagem. O médico R aimundo N ina Rodrigues, da Faculdade de Medicina da Bahia, fez um diagn óstico psiquiátrico do C onselheiro com base em artigos de jornal e nos relatórios da Igreja e do governo, tendo recebido, com o fim da guerra, o seu crânio, que submeteu a exame científico.
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A polêmica Alencar-Nabuco O negro, o escravo e o mestiço foram incorporados ao discurso literá rio e cultural a partir da década de 1860, quando passaram a ser abordados 2
Machado de Assis, "Crônica" (3 1 jan. 1897), em A semana (Rio de Janeiro: Jackson, 1944), vol. 3 ; Euclides da C unha, "A nossa Vendéia" (14 mar. 1897), em Canudos: diário de um a expedição (Rio de Janeiro: José Olympio, 1943); Afonso Arinos, "Campanha de Canudos (O epílogo da guerra)" (9 out. 1897), em Obra completa (Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969).
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A polêmica que Joaquim N abuco travou com José de Alencar em 1875 em poemas, romances e peças teatrais, nos debates parlamentares e em nas páginas de O Globo, do R io de Janeiro, mostra essa mudança cultural artigos n a imprensa. Tal interesse pelo afro-brasileiro surgiu no momento em que colocou o negro, o escravo e o mestiço no centro das atenções. O que se discutia o futuro da agricultura e a necessidade de substituir a mão http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a debate teve, co mo ponto de partida, a estréia da peça de Alencar, O jesuíta, de-obra escrava, cuja manutenção se tornara inviável após a proibição do
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para se encaminhar para as possíveis form ulações de um projeto de civiliza tráfico em 1850, resultado da pressão da Inglaterra. A Lei d o Ventre Livre ção nacional. O futuro líder abolicionista criticou, em Alencar, a contradição de 1 871, que concedeu liberdade aos descendentes de escravos, anunciava 5/10/2018 47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com entre a sua posição de deputado do império, favorável à manutenção da a derrocada de um sistema de trabalho há m uito arraigado. escravidão, e a sua visão literária d o cativeiro, marcada pelo tratamento sen tido como natural, benevolente e civilizador, passou a O cativeiro,como antescruel, timental dos escravo s. ser denunciado injusto e pouco rentável. A substituição do tra As críticas de Nabuco não são, porém, isentas de contradição. Apesar balho escravo pelo assalariado se deu associada à percepção de uma socie de lutar pela supressão do cativeiro, conceb ia a arte com o expressão ideali dade dividida entre senhores indefesos, de um lado, e escravos violentos, de zada da sociedade branca e cosmopolita, cujo domínio político e cultural outro. A escravidão passou a ser vista como problemática e se falava entre seria a pré-condição para a civilização moderna. Tomando a arte como o as elites de um "perigo negro", que poderia colocar em risco a civilização retrato da sociedade ideal fundada no trabalho livre e na harmonia entre as brasileira. O projeto de abolição dos escravos se ligava a um programa de raças, rejeitava o realismo de Alencar na tem atização da escravidão. apoio à imigração européia, que recebeu subvenção dos go vernos imperial e O cativeiro era, para Nabuco , uma "linha negra" que limitava e com provincial no final da década de 1880 . prometia não apenas o teatro do país, como sua própria civilização. O s vo O indígena, que tinha sido destacado por autores românticos, como tos de Alencar na Câmara dos Deputados mostrariam a fé profunda que Gonçalves Dias e José de Alencar, como símbolo de autonomia da ex-colô tinha nos destinos dessa instituição, ao se colocar contra a Lei do Ventre à metrópole, desapareceu com o personagem ficcional ou assunto nia frente Livre em 1871 , que combateu com argumentos de liberal ortodoxo, contrá poético no último terço do século X IX , só tendo sido retomado e revalorizado rio à intervenção d o Estad o no círculo fam iliar e na autoridade do patriarca a com o movimento m odernista na década de 1920. C omo observou A lfredo que, por direito de compra, pertencia o escravo. Bo si, o mito d o bom selvagem deixou de te r o que dizer: "Era um símbolo de N as Cartas de Erasmo (1865), Alencar julgou a escravidão um "fato outros tempos, forjado pela cultura da Independência, e que só poderia so 3 social necessário", que só poderia ser abolido com a evolução da sociedade breviver com o a ssunto de retórica escolar". brasileira, pois a emancipação prematura traria ameaças à agricultura e à Escravo s atormentados, que sofrem nas mãos de senhores impiedo sos estabilidade da monarquia.4 Alencar proibiu em 1869, com o ministro d a Jus e cruéis, enquanto recordam um a África idílica e articulam planos de vingan tiça, a venda de escravos em praça pública e extinguiu os leilões no m ercado ç a, surgem nos poemas de Castro Alves e Fagundes Varela. Romances como do Valongo, no Rio de Janeiro, que causavam má impressão aos viajantes A escrava Isaura (1875), de Bernardo Guimarães, a trilogia de Joaquim estrangeiros. Debret, Darwin, S pix e M artius registraram sua revolta co m Manuel de Macedo, As vítimas algozes (1869), ou O cortiço (1896), de tais leilões e com os castigos físicos sofridos pelos escravos no Brasil. A Aluísio Azevedo, oscilamsobre entreasafam imagem nobre doO negro e ad aafirmação de medida de Alencar teve um efeito apenas cosmético, pois as transações de sua influência maléfica ílias brancas. s efeitos escravidão, compra e venda de cativos se mantiveram, não sendo m ais feitas em m erca com a "perversão" dos costumes, foram um dos temas recorrentes no pen do aberto, de mod o a resguardar a imagem civilizada da capital do império. samento abolicionista e no s textos literários que trataram do cativeiro, con cebido com o "infecção" moral. 3
Alfredo Bosi, "Sob o signo de Cam", em Dialética da colonização (São Paulo: Companhia das Letras, 1992), p. 246.
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Roberto V entura
4
José de Alencar, "Cartas de Erasmo" (1865), em Obra completa (Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1959-60), vol. 1, p. 1.059.
Um Brasil mestiç o: roç a e c ultura na passagem da monarquia à repúblic o
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Nabuco ampliou a extensão do termo escravidão, que tomou como A s críticas de N abuco ao teatro de Alencar e a seus romances indianistas eixo de uma interpretação global da sociedad e brasileira, determinação so se relacionam à sua perspectiva cosmopolita. Os romances indianistas de cial básica, cuja influência maléfica se estenderia às diversas esferas sociais, Alencar, O guarani, Iracema e Ubirajara, seriam, para seu crítico, uma http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a 177/193 desde os cativos, agregados e moradores até a camada dos proprietários, "falsa literatura tupi", escrita a partir da imitação da s obras estrangeiras, como
as de Cooper e Chateaubriand, e do desconhecimento da realidade dos políticos e burocratas. O baixo nível de vida da população resultaria do "selvagens" brasileiros. O teatro de Alencar, com personagens escravos e monopólio da terra, gerado pela grande propriedade escravista, " um estado 5/10/2018 cenas de moralidade duvidosa, estaria inspirado pela "idéia 47910924 MOTA CarlosGuilherme Viagem -slidepdf.com de fundar a lite no Org E stado", que amon opolizava a terra, o capital e o trabalho. ratura tupi", necessitando para tanto "desacreditar a sociedade brasileira, a A epidemia do funcionalismo, "vocação de todos", seria outro d o s efeitos vida civilizada d o nosso país".5 do cativeiro, ao servir de asilo para as fortunas desbaratadas pela escrav i A posição de N abuco aponta para a exclusão do escravo e do indíge d ã o . De modo semelhante aos agregados e moradores, dependentes dos na da cena cultural por meio da abolição do cativeiro e da sua eliminação proprietários de terras, os funcionários públicos seriam "servos da gleba do com o tema literário. C omo observou Roberto Schwarz, o realismo de Alencar governo", condenados a "uma dependência da qual só para os fortes não inspirava a Nabuco aversão por não guardar as aparências, revelando as resulta a quebra do caráter". A escravidão impediria o influxo de novas idéi pectos da sociedade brasileira, como a escravidão e os indígenas, em desa as e a formação de opinião púb lica, ao corromper as instituições políticas: cordo com os padrões europeus: "Nabuco põe o dedo em fraquezas reais, "As senzalas não podem ter representantes, e a população assalariada e mas para escondê-las". 6 Nabuco relacionava a idéia de uma literatura na empobrecida não ousa tê-los". 7 cional, baseada na contribuição européia e na ação diferenciadora d o me io, Para Nabuco, a eclosão da campanha abolicionista em 1879 coincidiu à reforma das bases do trabalho e à construção da nação sob a hegemonia com a aparição de uma opinião pública autônoma e com o fortalecimento da dos grupos letrados. imprensa, importantes fatores para a democratização do país. Tal campanha se ligou ao mo vimento intelectual progressista que chamou de "novo libera lismo", cujas bandeiras eram o estím ulo à indústria e a o trabalho livre e a necessidade de reforma do sistema político com a introdução de eleições 0 abolicionismo diretas. Divulgavam -se idéias filosóficas e científicas, com o o naturalismo, o positivismo e o evolucionismo, que traziam a crença no progresso e na evo O deputado Joaquim Nabuco retomou a questão da escravidão em O lução, tornando possív el a crítica à ordem estab elecida. abolicionismo (1883), obra de propaganda política, em que realizou uma A longa crise do Segundo Reinado, que culminaria com a abolição e a das primeiras análises socio lógicas do país. A tribuindo o atraso brasileiro à república, teve início com a demissão do gabinete liberal de Zacarias de manutenção do cativeiro, pregava a abolição imediata, sem indenização aos Góis em 1868. D. Pedro II dissolveu a Câmara e convocou eleições, de senhores de escravos, como forma de dar início a uma revolução social e obter uma m aioria parlamentar conservadora e formar outro gabine modo a econômica. Para ele, a escravidão teria corrompido a nação, ao gerar uma te de mesma filiação partidária. O pai de Joaquim N abuco, o senador Nabuco estrutura em que a terra se concentrava nas mlocais ãos d ose grandes de Araújo criticou, em um famoso discurso, o poder autoritário da coroa, prietários,arcaica, as eleições eram controladas pelos chefes o sistemapro de acusada de submeter a sociedade a uma espécie de cativeiro político. 8 A produção oferecia p oucos empregos fora da burocracia estatal. revolta dos liberais levou à formação do Partido Liberal Radical em 1869 e 5 6
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Afrânio Coutinho (org.), A polêmica Alencar-Nabuco (Rio de Janeiro: Tempo B rasileiro, 1978), 84, 113-4, 209. Roberto Schwarz, Ao vencedor, as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro (São Paulo: Duas Cidades, 1977), pp. 31-2.
pp.
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Joaquim Nabuco, O abolicionismo (1883) (Petrópolis: Vozes, 1977), pp. 66 e ss. » Cf. J. Nabuco, U m estadista do Império (1897-9) (Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1975), p. 663.
Um B ra s il m e s tiço : raça e cu ltu ra na pa s s a ge m da m o na rqu ia ò re pública
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Essa restrição do âmbito do movimento foi formulada por Joaquim Na buco por meio do m odelo jurídico da delegação, que revela muito de sua ainda que omisso quanto à questão do cativeiro. formação como bacharel em direito pela Faculdade do Recife. Os abolicio De modo a induzir o trono à extinção do cativeiro, a propaganda http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a nistas representariam, em suas palavras, o "advogado gratuito de duas c las abolicionista se dirigiu às camadas urbanas, com a missão de formar uma ses sociais que, de outra forma, não teriam meios de reivindicar os seus d o Partido Republicano e m 1 8 7 0 , incompatibilizado co m a ordem monárquica,
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opinião púb lica, capaz de atuar politicamente para pressioná-la. C rescia o direitos": os escravos e os ingênu os. S eus participantes se nom eavam " dele número de jornais diários e se ampliava o círculo de leitores com a politização 5/10/2018 47910924MOTACarlosGuilherme Orgou Viagem a-slidepdf.com gados" "advogados" da causa da abolição perante a massa escrava. trazida pelos movimentos republicano e abolicionista e com o processo de O movimento abolicionista n ã o atingiu as reformas sociais pretendidas, urbanização resultante de capitais a proibição tráfico. sendo desarticulado quando ameaçou transbordar dos quadros de pensa Surgiram a ssim as basesdadeliberação uma opinião públicaapós burguesa, em quedocidadãos mento dominantes. Essa ameaça se insinuou na proposta de Nabuco e livres expressavam suas idéias de m odo independente da vontade do monar Reb ouças de vincular o projeto de eman cipação à questão da posse da ter c a . A partir do "mandato da raça negra", o movim ento assumiu a represen ra , co m a criação de u m imp osto territorial antilatifundiário e a realização de tação da sociedade total e estabeleceu um programa político qu e, ao incluir reforma agrária, capaz de instituir a pequena propriedade e de fixar o exa reforma agrária e a ampliação d o vo to, ultrapassava a própria eman cipa 9 escravo à terra. Na buco assum iu essa vinculação nos discursos de sua cam ção. panha parlamento em 1884, ao afirmar q u e a "emancipação d os escravos" ao O movim ento abolicionista se estendeu até 1888, liderado po r Joaquim deveria vir junto co m a "democratização do solo": "Uma é o complemento Nabuco, Tavares Bastos e José do Patrocínio, e organizado pela Sociedade da outra. Acabar com a escravidão não n os basta; é preciso destruir a obra Brasileira contra a Escravidão. O abolicionismo apresentava modelo de ex d a escravidão" - o latifúndio. clusão, q ue barrava a participação do escravo da agitação e da propaganda Segundo Nabuco, o movimento teria se dispersado após a abolição, pela reforma das bases do trabalho. Com o afirmou N abuco em O abolicio 10 pois parte de suas fileiras se aliara à grande propriedade contra a extensão nismo: "Não é aos escravos que falamos, é aos livres". Segundo as suas das reformas soc iais. Afirmou, em discursos parlamentares de 1888 e 1889, lideranças, o m ovimento deveria se restringir ao âmbito das elites e das clas que a a gitação republicana era uma reação dos proprietários contra a lei de ses m édias urbanas, na busca d e uma solução pacífica, deliberada no interior 13 de m aio, um a "desforra do escravismo", abrigada à sombra d a república. da comunidade de cidadãos, de modo a não trazer transtornos à ordem Semelhante origem comprometeria, de forma irremediável, o novo regime social. co m a classe proprietária, levando-o a u m a orientação antipopular: "A mim, O s abolicionistas reprovaram assim os grupos d issidentes que levaram me sobra consciência de que estou com o povo defendendo a monarquia, a questão às senzalas, promovendo fugas e levantes, como o reunido em porque não há, na república, lugar para os analfabetos, para os p equenos, torno de An tônio Bento e do jornal Redenção, em São P aulo. André Rebouças para os pobres". 11 defendia que a propaganda não deveria se dirigir às "vítimas" do cativeiro, o A visão de Joaquim Nabuco sobre a república se relaciona à sua in que poderia suscitar ódios e vingan ças, mas aos seu s "algozes", n a esperan transigente defesa da monarquia parlamentar. Sua interpretação mostra, po ça de obter, pelo remorso e arrependimento, a reparação das injustiças. O r é m , a ambigüidade e a omissão do movimento republicano em relação ao abolicionism o colo cava em pauta tanto a libertação dos escravo s, quanto a redenção da consciência dos senhores. 1 9 10
Paula Beiguelman, "Joaquim Nabuco: teoria e práxis", em Joaquim Nabuco, Política (São Paulo: Ática, 1982), pp. 31 e ss. J. Nabuco, O abolicionismo, cit., pp. 71-5.
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' J. Nabuco, "Discurso num meeting popular na Praça de S. José do R iba-Mar" (5 nov. 1884), em Conferências e discursos abolicionistas (São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1949), pp. 285-6; "Agitação republicana no Exército" (5 nov. 1888), "Apresentação do Ministério Ouro Preto" (11 jun. 1889), em Discursos parlamentares (São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1949), pp. 341, 373.
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veis ao negro na transição entre o mundo servil e a sua nova existência de cativeiro. Muito embora abolicionismo e republicanismo tenham se desen cidadão. A abolição contribuiu portanto para a marginalização do afro-bravolvido, a partir de 1870, como tendências paralelas, não se pode identificar sileiro, ao barrar sua participação na esfera política e na nova ordem econô ambos os movimentos, sendo bastante divergentes suas bases de sustenta http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a 179/193 mica, o que foi comentado por Florestan Fernandes: ç ã o . O Partido Republicano nunca se mostrou partidário da abolição, na expectativa de conquistar a adesão ou a simpatia dos escravocratas descon
O liberto viu-se convertido, sumária e abruptamente, em senhor de si mesmo, tornan tentes. do-se responsável por sua pessoa e por seus dependentes, embora não dispusesse de 47910924 MOTA Carlos Guilherme Org Viagem a-slidepdf.com A lei abolicionista de 1871 e a de 1885, que concedia liberdade aos meios materiais e morais para realizar essa proeza nos quadros de uma economia escravos com mais de sessenta anos, deixaram os senhores de escravos 12 bastante apreensivos quanto às garantias oferecidas pela coroa à manuten competitiva. ção de seu "patrimônio". Sua indignação foi bem expressa pelo barão de Lo nge de ser uma conquista merecida, a liberdade se transformou em Santa-Pia, personagem do Memorial de Aires, de M achado de A ssis, que, ameaça para o negro entregue à própria sorte. N a peça de Alencar, O de ante os rumores da abolição, concedeu alforria aos seus escravos, por não mônio familiar (1858), o senhor Eduardo concede a alforria ao moleque admitir que o governo interviesse em seus bens... Com isso, raciocinava o Pedro, como quem o amaldiçoa: barão, os escravos agradecidos talvez continuassem a trabalhar em suas pro priedades após a emancipação. Toma: é a tua carta de liberdade, ela será a tua punição de hoje em diante, porque as A questão da escravidão e da abolição colocou o trono em um difícil tuas faltas recairão unicamente sobre ti; porque a moral e a lei te pedirão uma conta equilíbrio entre duas facções, que o obrigava a absorver o programa severa de tuas ações. Livre, sentirás a necessidade do trabalho honesto e apreciarás os nobres sentimentos que hoje não compreendes.13 emancipador, de modo lento e gradual, para reformar as bases do trabalho, sem trair os compromissos com os senhores de escravos. A extinção do A liberdade é concedida com a dupla função de punir o moleque intri cativeiro foi incluída n o s programas dos partidos oficiais do império somen te gante, expulso do acon chego patriarcal, e de livrar a família de um motivo a partir de 1884, quando se deu a conversão do P artido Liberal. O Partido permanente de confusões e desgostos. Conservador só admitiu a abolição em 1888, quando esta se tornou inevitá A consciência abolicionista se baseou na crítica ao escravismo em ter vel, aprovando a L ei Áurea no parlamento. mos éticos e econômicos. A elevação dos preços dos escravos, com a proi A abolição não foi causa da república, como insinuou Nabuco. Mas a bição do tráfico, gerou a crença, partilhada por Nabuco, nos malefícios realização da emancipação sem indenização aos proprietários de escravos econô micos do cativeiro, concebido co mo prejuízo a partir da premissa da rompeu o equilíbrio mantido pela coroa entre os partidários e os adversários maior rentabilidade do trabalho assalariado. Eticamente, o abolicionismo da medida. M esmo não tendo sido determinante para a proclamação da irrompeu a partir da negação da representação do escravo como coisa e da república, a revolta dos senhores de escravos criou um ambiente propício ao percepção de sua condição de homem. A aquisição da cidadania deveria levante militar. A esperança de obter indenização foi frustrada por Rui Bar transformar o escravo em pessoa, dotada de liberdade e habilitada a contra bosa, ministro da Fazenda d o primeiro governo republicano, que determinou tar-se no mercado. a queima dos registros públicos de escravos. Em compensação, foram O escravo foi excluído do movimento abolicionista, cujos líderes s e pro adotadas medidas que beneficiaram os setores m ais prósperos, sobretudo a clamavam representantes dos interesses da massa de cativos, até que os secafeicultura paulista, pela concessão de subsídios à imigração qué assegura ram suprimento de mão-de-obra barata. Quase 150 mil imigrantes chegaram ao país entre 1887 e 1888 e o seu 12 Florestan Fernandes, A integração do negro na sociedade de classes (São Paulo: Ática, 1978), fluxo aumentou com a república. Os poderes pú blicos aplicaram recursos p . 15. 13 oficiais no estímulo à imigração, sem que foss em criadas condições favoráJ. de Alencar, "O demônio familiar" (1858), em Obra completa, cit., vol. 4, pp. 135-6.
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nhores, corroídos p elo remorso e arrependimento, encaminhassem a resolu Romero definiu a cultura brasileira como mestiça, cujo caráter especí ção da questão. O bacharel letrado, com sua consciência jurídica, se propôs a fico dependeria da integração de elem entos díspares. A literatura e a arte substituir o senhor n a tutela d o s escravos, libertos e ingênuos. A concessão do nacionais teriam sido criadas pela fusão das raças e pela incorporação a um a http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a estatuto de cidadão ao ex-escravo, realizado pela C onstituição de 1891, levou expressão civilizada da s "faculdades de imaginação e sentimento dos selva à tentativa de se estabelecerem limites à su a participação na esfera política. gens do continente americano e africano". O folclore brasileiro teria sido
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Literatura e poesia popular Bacharel em direito pela Faculdade do R ecife, professor de filosofia no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, Sílvio Romero foi o autor da primeira história sistemática da literatura brasileira e de estudos inovadores sobre a poesia popular. Foi o maior divulgador do que cham ou de "bando de idéias novas", representadas pelo naturalismo e evo lucionism o, capazes de forne cer critérios científicos para a análise da literatura e da cultura a partir do destaque dos fatores raciais e da influência do m eio. O escravo e o liberto, até então vistos como "máquina econômica", deveriam ser transformados em "objeto de ciência". Rome ero atribuíaàa idealização ausência de romântica estud os afro-brasileiros, o negro o mestiço, do indígena e vo à ltados questãopara da escravidão. Denunciou, nos Estudos sobre a poesia popular no B rasil (188 8), tal desinteresse pela cultura afro-brasileira e abordou o papel das raças e da mestiçagem na criação do folclore. Fazia ainda um apelo à aboli ção dos escravo s, "desafortunados que n os ajudaram a ter fortuna", "cativos que nos auxiliaram na conquista da liberdade". Tal destaque da presença africana se prolongou na História da literatura brasileira (1888), em que aplicou às manifestações eruditas os mesmos critérios raciais dos estudos sobre a poes ia popular. Com bateu o romantismo e fez propaganda d o abolicionismo, ainda que a cargoA daquestão fosse favoráveldaà família, emancipação e espontânea, livre iniciativa do indivíduo, do mulenta nicípio e da província... foi reto mada no prólogo de s ua história literária, escrito nos dias 18 e 19 de m aio de 1 8 8 8 , durante as comemorações da Lei Áurea: "No momento em que traço estas linhas troa por toda a parte o ruído das festas da abolição". Na sua opinião, teria vingado o programa de abolição gradual, apesar do ato do governo imperial que apenas teria apressado, em três ou quatro anos, a com pleta erradicação do cativeiro.
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criado graças à atuação do mestiço, o "agente transformador por excelên fatores: o português, o negro, o índio, o meio físico e a influência estrangeira. Tomou a literatura como expressão da raça e do povo, e relacionou o seu surgimento à ação do mestiço: "No dia em que o primeiro mestiço can tou a primeira quadrinha popular nos eito s do s engenhos, nesse dia come çou de originar-se a literatura brasileira".14 Atribuía a formação da literatura brasileira a esse víncu lo entre a mestiçagem e a poesia popular. Tendo como origem o canto dos mestiços no trabalho, a literatura teria se afirmado, a partir do poeta Gregório de Matos, no século XVII, pela crescente autono mia frente às culturas portuguesa, africana e indígena. A perspectiva anti-romântica e pró-abolicionista de Romero se rela cionava ao seu projeto de investigação da contribuição cultural das raças. B aseou-se em um a hierarquia étnica, em que o negro era tido como superior ao indígena e o branco, como mais evoluído do que ambos. Adotando o ponto de vista arianista, estabeleceu d istinções no interior da raça branca, que dividia em diversos ramos: enquanto os germanos, eslavo s e saxões ca minhariam para o progresso, outros grupos, como os celtas e latinos, mo s trariam sinais de decadência. Os portugueses são considerados povo inferior, resultante do cruzamento entre ibéricos e latinos, que apresentariam a im possibilidade orgânica de produzir por si. Como povo de origem latina, os portugueses estariam incapacitados para a civilização, ainda que de modo menos acentuado do que os negros e indígenas. Os colonizadores teriam trazido assim para o B rasil os ma les crônicos das raças atrasadas, desprovi das do impulso inventivo dos germanos e saxões. Explicou, a partir dessa concepção etnográfica, a dependência cultural com o imp ulso psic ológic o ou tendência de caráter, resultante da mistura de raças inferiores: "O servilismo do negro, a preguiça d o índio e o gênio auto ritário e tacanho do português produziram uma nação informe, sem qualida-
47910924MOTACarlosGuilherme Org Viagem -slidepdf.com cia", tipo novo , a formado a partir de cinco
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Sílvio Romero, História da literatura brasileira (1888) (Rio de Janeiro: Garnier, 1902), vol. 1, xiii, 4; vol. 2, p. 216.
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des fecundas e originais".15 A formação do povo a partir de três raças sem Seu enfoqu e histórico, com base n as etnias e em seu cruzamento, é próximo originalidade teria resultado na tendência à imitação do estrangeiro. Tal ao que Romero adotaria no estudo da literatura e das tradições populares. 17 mimetismo traria prejuízos à produção intelectual, como a "falta de seriação Sílvio Rom ero registrou, nos Estudos sobre a poesia popular no Bra http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a nas idéias" e a "ausência de uma genética", o que faria com que os autores e sil, as quadras que ouviu n o interior de Sergipe sobre A ntônio C onselheiro, 181/193 escolas não procedessem uns dos outros, por terem sempre que mudar de o futuro líder de Canudos, que alguns identificavam com Santo Antônio,
orientação a partir do influxo externo. outros com o próprio Jesus Cristo: MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com Sua teoria da mestiçagem e d o branqueamento partia d e47910924 u m a combina ção de pressupostos racistas (existência de diferenças étnicas inatas) e Do céu veio uma luz Que Jesus Cristo mandou. evolucionistas (lei da concorrência vital e da sobrevivência do mais apto). Santo Antônio Aparecido Valorizou a miscigenação como fator de adaptação das raças e culturas ao Dos castigos nos livrou! meio local, precondição para a vitória do colonizador europeu nos trópicos, e acreditava que o elemento branco seria vitorioso na "luta entre raças" de Romero er a promotor público em E stância, em S ergipe, quando o C on vido à sua superioridade evolutiva. Previa assim o total branqueamento da selheiro passou pela cidade em 1874. Com cabelos grandes e longas bar população brasileira em três ou quatro séc ulos. b a s , coberto por uma túnica de algodão azul, rezava terços e ladainhas e Aproximava-se, a esse respeito, do monarquista Francisco Adolfo de fazia pregações, em que proibia o uso de chalés, pentes e botinas, e reco Varnhagen, defensor da escravidão, que se mostrara favorável, na História mendava não se comer carnes e doces às sextas-feiras e aos sábados. Em geral do Brasil (1855), à miscigenação com o forma de integrar os índios e sua peregrinação p elo interior do Nordeste, fazia-se acompanhar por um negros à população branca. Para Varnhagen, a inferioridade das culturas grupo de fiéis, que se mostravam dispostos a pegar em armas, caso fosse africanas legitimava o tráfico de escravos para a América, onde estes, sub 18 metidos à influência benéfica da civilização, melhorariam " de sorte".16 Mas o preciso, para defendê-lo. historiador abraçava, ao contrário de Romero, o projeto de uma civilização cristã, em que o trono assumia um papel central como princípio tutelar da A etnologia afro-brasileira nação. Ambos tiveram, como antecedente, o ensaio do naturalista alemão Carl Friedrich von M artius, um dos autores de Reise in Brasilien (Viagem Enquanto R omero se vo ltava para a contribuição dos povos e raças à pelo Brasil) (1823-31), que lançou a tese da fusão de raças como princípio formação do folclore e da literatura, Nina Rodrigues procurou delimitar um formador da civilização brasileira. objeto, o negro ou o afro-brasileiro, de modo a estudar sua presença no M artius estabeleceu as bases da historiografia naturalista d e base racial Brasil. M édico e etn ólogo, autor de obras como Os africanos no Brasil no ensaio que apresentou em 1845 ao Instituto Histórico e G eográfico Bra (1932) e As coletividades anormais (1939), realizou os primeiros estudos sileiro: "Como se deve escrever a história do Brasil". O naturalista formulou de etnologia afro-brasileira, investigando, de forma pioneira, os grupos, lín um programa para os historiadores do Brasil, que deveriam adotar uma ori guas e culturas negras e os fenôm enos de sincretismo entre os cultos vind os entação etnográfica e abordar a ação dos fatores raciais em suas diversas da África e a religião católica. manifestações: línguas, m itologias, costumes, conh ecimentos e superstições.
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Sílvio Romero, Estudos sobre a poesia popular no Brasil (Rio de Janeiro: Laemmert, 1888), 355. Francisco Adolfo de Varnhagen, História geral do Brasil (1855) (São Paulo: Melhoramentos, 1978), vol. 1, pp. 224-5. p.
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Carl Friedrich Philipp von Martius, "Como se deve escrever a história do Brasil" (1845), em O estado do direito entre os autóctones do Brasil (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1982). 18 Sílvio Romero, Estudos sobre a poesia popular do Brasil, cit., pp. 21-2.
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Foi ainda o responsável pela criação da medicina legal no país, tendo "homens da lei ". Para os juristas, abolida a escravidão e proclamada a repú sido professor da disciplina na Faculdade de M edicina da Bahia de 1891 a blica, era preciso criar um cód igo em princípio igualitário que unificasse o 1906. Partiu dos métodos da frenologia e da antropometria, dese nvolvidos país. Já os m édicos julgavam que só se poderia pensar num projeto nacional por André Retzius, Cesare Lombroso e Paul Broca, que determinavam a http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a mediante o reconhecimento das diferenças e o estabelecimento de uma ori capacidade humana a partir do tamanho e da proporção do cérebro dos entação científica capaz de assegurar a execução das leis e o progresso do
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diferentes povos. A loucura, a criminalidade e a degeneração poderiam ser país.19 previstas e entendidas a partir dos cruzamentos raciais, que produziam um a 5/10/2018 47910924MOTACarlosGuilhermeOrg Viagem a-slidepdf.com Para Rodrigues, o s não-brancos ameaçariam a civilização por serem população fraca e doente. Para Nina Rodrigues, o interesse pela raça negra, que dominava o país incapazes dos de ingressar, sujeito, napsíquica ordem liberal-republicana. O atraso evolutivo negros e acomo degeneração dos mestiços colocavam em em razão d a campanha abolicionista, não deveria impedir a ciência de abor perigo as classes superiores, ameaçadas pela maré crescente da "negritude", dar, de forma "imparcial", a questão étnica. Proclamava, apesar da "viva por adotarem os costumes, as superstições e os cultos de origem africana: simpatia" que o negro brasileiro lhe inspirava, a "evidência científica" da sua "A civilização ariana está representada no Brasil por uma fraca minoria da inferioridade - evidência que, em sua opinião, nada teria em comu m com a raça branca a quem ficou o encargo de defendê-la".20 revoltante exploração realizada pelos escravistas. A concepçã o liberal de justiça, apoiada na universalidade das idéias, Seu enfoque mostra a compatibilidade entre a consciência abolicionista entraria em contradição com a realidade do país, marcada pela heteroe as con cepçõ es racistas e escravocratas. A defesa da abolição não implica geneidade étnica. A existência de raças não-brancas desmentiria princípios va o abandono da teoria das desigualdades étnicas q ue havia justificado o fundamentais ao liberalismo, como o livre-arbítrio e a capacidade de cativeiro, mas trazia, ao contrário, o reforço dessas concep ções. Aproxima discernimento, tornando problemática a implantação de um sistema político va-se a ssim do historiador Varnhagen, favorável à escravidão, que situava os africanos nos limites da noção de humanidade, em razão dos cultos fetichisbaseado em evolutivos eleições periódicas. Acreditando quediferenciados cada raça sedeencontrava em estádios distintos, propôs critérios cidadania tas e da ausência de mono teísmo. e a divisão da legislação penal em vários códigos, adaptados às condições Tais concep ções n egativas se mantiveram após a abolição, quando as climáticas e raciais de cada uma das regiões d o país. populações não-brancas, formadas de negros, índios e mestiços, foram to Defendia que a raça fosse considerada com o atenuante da responsabi madas como obstáculos à implantação da democracia representativa e à lidade penal, de modo a se poder lidar com a "criminalidade étnica", resul universalização d o s princípios liberais. M uitos intelectuais, sobretudo o s eg res tante da coexistência, em uma mesma sociedade, de povos ou raças em sos das faculdades de direito e de medicina, procuravam desfazer as ilusões etapas evolutivas d istintas. O negro, que ainda não havia ultrapassado o e s de igualdade política contidas na primeira Con stituição republicana, que trans tádio infantil da humanidade, tenderia não só à loucura e à paranóia, como formara formalmente todos em cidadãos. C éticos com as promessas de igual também ao crime dev ido à sobrevivência psíquica de caracteres retrógra dade trazidas pela abolição e pela república, os escritores, políticos e cientistas d o s . O mestiço também apresentaria alto grau de criminalidade em razão da se perguntavam sobre as causas das diferenças entre os hom ens. Nina R odrigues se destacou, com seu enfoque méd ico e etnológico, na degeneração resultante cruzamento raças díspares. Propôs assim que odo negro, o índio edoe m estiço tivessem responsabilida crítica aos p ressupostos liberais do regime republicano. P ropôs, em As ra de penal reduzida e direitos de cidadania limitados, de m odo semelhante ao ças humanas e a responsabilidade penal no Brasil, de 1894, uma total reformulação da legislação penal segundo as concep ções d os criminalistas 9 italianos e dos legistas franceses. Assumia um novo papel, o de "médico Mariza Corrêa, As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil político", "misto de m édico com cientista social", que partia para a disputa (Bragança Paulista: Ed. Univ. São Francisco, 1999). 0 Raimundo Nina Rodrigues, As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil (1894) (São de espaços políticos até então reservados aos bacharéis de direito e aos Paulo: Nacional, 1938), p. 219.
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louco e à criança, sob a tutela do E stado ou da família. C aberia ao negro e justificaria apenas nos casos, como Canudos e Palmares, de ameaça à or ao indígena uma responsabilidade atenuada ou nula, enquanto o mestiço te dem soc ial, mostrando-se contrário às tentativas de condenação dos cultos ria sua responsabilidade definida segundo o estrato a que pertencesse. En afro-brasileiros pelo clero ou à sua repressão pela polícia. quanto os mestiços "superiores" seriam tidos como plenamente responsáveis, http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a A partir de informações recebidas em Salvador, Rodrigues fez um os mes tiços "comuns" teriam s ua responsabilidade reduzida. Já os mestiços diagnóstico de Antônio C onselheiro como vítima d e um delírio de persegui
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"degenerados" deveriam ser considerados total ou parcialmente isentos, na ção ou de uma psicose progressiva, que o transformara d e enviado divino no mesm a situação jurídica do negro e do índ io. próprio filho de a De-slidepdf.com us. Sua loucura deveria ser interpretada em termos étni 5/10/2018 47910924MOTACarlosGuilherme OrgViagem Tal programa de expulsão das populações não-brancas do contrato cos e sociológicos como o reflexo do meio em que viveu. O Conselheiro social restabeleceria, se tivesse sido seguido, a situação jurídica de exclusão teria achado, na população mestiça à sua volta, condições favoráveis à pro da cidadania que o índio, o escravo e, em parte, o liberto apresentavam à pagação de seu delírio, que ganhou, com o advento da república, as propor época da colônia e do imp ério. Embora não tenha vingado sua proposta de ções de um a epidemia coletiva. Viu o no vo regime como obra dos maçons e restrição dos direitos civis e políticos da população brasileira- exceção feita de outros inimigos da religião e se rebelou contra atos de cobrança de im aos indígenas, mantidos sob tutela estatal -, a elite da Primeira Repúb lica postos. Com sua pregação religiosa, fez vibrar no jagunço, resultante da segregou, de fato, grande parte dos eleitores com a política dos governad o fusão de raças e culturas desiguais, "a nota étnica dos instintos guerreiros, res inaugurada pelo presidente Campos Sales (1898-1902). As elites civis atávicos, mal extintos", herdados de seus ancestrais indígenas, o que exp li de São Paulo e Minas Gerais passaram a se revezar no poder graças ao caria a surpreendente resistência armada que a população de C anudos o fe controle e à manipulação das eleiçõ es, cujos resultados eram previamente receu às expe dições militares enviadas contra a comunidade. decididos em acordos de gabinete. Nina R odrigues opunha o litoral, reduto da civilização e dos grupos bran ao sertão, dominado por uma população mestiça, infantil e inculta. Por sua inferioridade evolutiva, a domesticação do índio e a submissão do negro seriam incapazes de transformá-los em homens civilizados. O castigo e a vio lência poderiam contê-los, m as não os fariam adquirir consciência d o direito e do dever. Os mestiços seriam igualmente incapazes de compreender a passa gem da monarquia à república, forma política tida como superior, em que o representante concreto do poder é substituído por uma abstração: a lei. Escrevendo em outubro de 1897 sobre a Guerra de Canudos, já em seus momen tos finais, emitiu o seguinte juízo sobre os seguidores do C onse lheiro: "Serão monarquistas com o são fetichistas, m enos por ignorância, do que por um desenvolvimento intelectual, ético e religioso, insuficiente ou in cos,
a intervenção armada Canudos, já que completo". Julgava necessária su a população não sesersubmetia à s leis republicanas, assimem como fora inevitá ve l a extinção do quilombo de P almares no século X V II, que teria represen tado "a maior das ameaças ao futuro povo brasileiro". 21 M as a repressão se 21
Raimundo Nina Ribeiro, "A loucura epidêmica de Canudos" (1897), em As coletividades anor mais (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1939), p. 140; Os africanos no Brasil (São Paulo: Nacional, 1932), p. 121.
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Os sertões revisitados Euclides da Cunha retomou, em Os sertões, o enfoque médico e etnológico de N ina R odrigues, ao relatar a Guerra de Canu dos, que presen ciou co mo repórter de O Estado de S. Paulo. Julgava que o líder da comu nidade sofria de psicose progressiva ou de delírio sistematizado, resumindo, nas fases de sua existência, os aspectos de mal social gravíssimo. Como elemento passivo e ativo da agitação que tomou o interior da Bahia, o Con selheiro teria sido capaz de sintetizar a s superstições da s populações sertane j a s , que reviveram as tendências impulsivas da s raças inferiores, conden sadas no seuEuclides "misticismo feroz e extravagante". seguia, como N ina Rodrigues, teorias raciais baseadas na crença na inferioridade dos não-brancos, que davam ares de ciência ao preconceito de cor. Explicou a guerra como o resultado do choque entre os curibocas do sertão, formados de brancos e índios, e os mestiços do litoral, tidos como neurastênicos e desequilibrados pela mistura entre brancos e negros. Valori zou o mestiço do sertão, que apresentaria vantagem sobre o m ulato do lito ral, devido ao isolamento histórico e à ausência de comp onentes africanos,
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litoral. C hamou o sertanejo de "rocha viva" da nacionalidade, base sobre a que tornavam mais estável sua evolução racial e cultural. "O sertanejo é, qual se poderia criar o brasileiro do futuro. antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços Discutiu ainda a fundação da república por meio de um g olpe m ilitar e neurastênicos d o litoral." os problemas que tal origem trouxera ao novo regime. Atuara antes, nos 184/193 http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a Elevou, em Os sertões, o hom em do sertão, vítima das forças republi últimos an os da monarquia, como militante republicano, tendo sido expulso canas, à altura dos grandes heróis dos poemas épicos e dos romances de
da Escola Militar em 1888 por ato de insubordinação, ligado a plano de cavalaria. Retratou-o como vaqueiro envolto em gibão de couro, de modo rebelião para aaderrubada da coroa. Fizera ainda propaganda política no 5/10/2018 MOTACarlosGuilherme OrgViagem -slidepdf.com semelhante a um titã grego ou a um guerreiro antigo coberto47910924 por armadura. jornal A Província de S. Paulo, que deu origem ao atual O Estado de S. a Paulo, atacando o imperador e a família real e pregando a revolução. Imaginou o sertanejo como o resultado da confluência entrepelos bravura do s bandeirantes paulistas, que penetraram rios Tindí ietê gena e a ousadia Criticava agora, em Os sertões, quer o militarismo dos primeiros go e São Francisco rumo ao interior, expandindo o território da colônia portu vernos dos marechais Deodoro da Fonseca (188 9-1891) e Floriano Peixo guesa nos séculos XVII e XVIII. O curiboca do sertão é tomado como o to (1891-1 894), quer o liberalismo artificial de um a Constituição que as elites resultado da união entre os desbravadores vindos de S ão Pau lo e os indíge civis desrespeitavam por m eio de fraudes eleitorais. A deria assim à denúncia nas oriundos do continente am ericano. da política dos governadores e à pregação pela revisão constitucional do Difundiu, junto com o m ito do sertanejo, uma outra representação aná Júlio de Mesquita e do grupo reunido, a partir de 1901, deputado e jornalista loga, o mito do bandeirante, depois retomado por Afonso d'Escragnolle em torno d o jornal O Estado de S . Paulo e da dissidência do Partido Repu Taunay, em História geral das bandeiras paulistas (1924-50), por Olivei blicano Paulista. ra Viana, em Populações meridionais do Brasil (1920 ), e por Alfredo E llis A Guerra de Canudos prolongo u, para E uclides, a "desordem" criada Júnior, em Raça de gigantes (1926). Do cruzamento entre brancos e índios pelo m arechal Floriano, para combater outra "desordem", a R evolta da A r teria resultado, segundo Ellis Júnior, uma da "sub-raça superior", caráter mada, em que a Marinha e o Exército se enfrentaram de 1893 a 1894 na hegemonia de S ão cujo Paulo. guerreiro e individualista lançou as bases capital da república. Canudos teria resultado da instabilidade dos primeiros Euclides discutiu as origens do hom em am ericano, a formação racial do anos de u m a república, decretada de improviso e introduzida como "herança sertanejo e os m alefícios da mestiçagem . C onstruiu uma teoria fatalista do inesperada" ou "civilização de empréstimo", que copiava os códig os euro Brasil, cuja história seria movida pelo choque entre etnias e culturas destina peus. Em trecho de Os sertões, que não foi incluído na versão final do livro, das ao desaparecimento. Recorreu às concepções do sociólogo austríaco observou que o novo regime fora incapaz de romper com o passado: "A Ludwig Gu mplowicz, que considerava a história guiada p elo conflito entre R epública poderia ser a regeneração. Nã o o foi [...] a velha sociedade não raças, com o esmagam ento inevitável dos fracos pelos fortes. Alarmado com teve energia para transformar a revolta feliz numa revolução fecunda".23 o avanço da cultura estrangeira, lançou um brado de alerta em Os sertões: Euclides ironizou, nas páginas finais de Os sertões, Nina Rodrigues "Estamos condenados à civilização. Ou progredimos, ou desaparecemos". 22 com o o representante da ciência encarregada de dar a "última palavra" so Com base em teorias sobre uma suposta origem autóctone do homem bre Canudos pelo exam e do crânio do Co nselheiro, enviado a o etnólogo em d o homem d o sertão se r autên americano, criounou msoa lo,imagem grandiosa comogarantidas Salvador. Rodrigues mantinha, na Faculdade de Medicina da Bahia, uma tico, enraizado com cultura própria e evolução autônoma coleção de cabeças de bandidos e criminosos memoráveis, submetidas a pelo isolamento g eográfico. A o afirmar o caráter específico d a miscigenação estudos antropom étricos. Sobre o C onselheiro, observou que apresentava o sertaneja, expandiu a idéia de nação e valorizou o país interior em vez do crânio "normal" de um m estiço, sem traços de anomalia ou degeneração, em 22
Euclides da Cunha, Os sertões: campanha de Canudos (1902) (São Paulo: Ática, 1998), pp. 71, 1 0 5 , 131-2.
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E. da Cunha, manuscrito de Os sertões, cf. Leopoldo Bernucci, A imitação dos sentidos: prólo g o s , contemporâneos e epígonos de Euclides da Cunha (São Paulo: Edusp, 1995), p. 128.
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que se a ssociavam os caracteres antropológicos de diferentes raças. Tal con imigrantes no trabalho produtivo. Não exprimiram, portanto, apenas interes clusão confirmaria o diagnóstico anterior de que a rebelião de Canudos teria ses colonialistas e imperialistas, já que se articulavam aos grupos nacionais resultado do contágio psíquico de um a população fetichista p o r u m delirante identificados à modernidade ocidental, que os adotaram junto com os m ode crônico.24 http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a los liberais de Estado. O médico Afrânio Peixo to retirou o cérebro de Euclides d a Cunha após O liberalismo foi fundamental na articulação de um discurso empenha
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sua morte em agosto de 1909. O cérebro ficou conservado em formol no do na construção da nação e da cidadania, que se articulou com a prática Museu Nacional do Rio de Janeiro até 1983, quando foi47910924 enterradoMOTA em CarlosGuilherme escravista após aa-independência e com os m odelos racistas a partir da abo 5/10/2018 OrgViagem slidepdf.com Cantagalo, sua cidade natal, no Rio de Janeiro. O antropólogo Roquettelição e da república. Formou-se, no período monárquico, um liberalismo Pinto observou que se tratava de um órgão notável pela riqueza e complexi oligárquico, po r meio d o qual a classe economicamente dom inante assumiu o dade das circunvoluções, sobretudo na zona que governa as faculdades de seu papel de grupo dirigente, apresentando-se com o parlamentar face à co expressão. 25 O crânio do messias e o cérebro do escritor despertaram o roa e como antidemocrata perante a vasta população escrava ou pobre. interesse dos legistas e antropólogos da época, em busca dos traços físicos Recorria-se ao liberalismo para legitimar o cativeiro e defender o direito dos e anatômicos do crime ou do estilo. traficantes e dos senhores rurais de submeter o escravo mediante coação jurídica e de negoc iá-lo com o mercadoria, o que só foi limitado sob pressão internacional. Politicamente, os brancos eram considerados iguais enquanto cidadãos livres, estando asseguradas a livre competição e a liberdade pes 0 sincretismo de raças e culturas soal entre eles. C om a eclosão da campanha abolicionista e do mov imento republica A teoria d as desigualdades raciais se difundiu no Brasil nas três últimas n o , ganhou força, ao lado do d iscurso liberal, um m odelo racial, com o obje tivo de restringir os pressupostos igualitários das revoluções burguesas e de décadas do século XIX, junto com oscientífico ideários foi naturalistas, positivistas evolucionistas. O chamado racismo adotado por escritores,e limitar a participação do s não-brancos na esfera política. O dogma racial da políticos e cientistas e teve uma acolhida entusiasta nos órgãos de imprensa e desigualdade foi introduzido co mo princípio de naturalização de diferenças nos estabelecimentos de ensino e pesquisa, como a Faculdade de Direito do em um a sociedade formalmente liberal. Enquanto os modelos liberais regula R ecife, as faculdades de med icina de Salvador e do R io de Janeiro, o Insti mentavam as esferas públicas, constando das leis e das medidas de âmbito tuto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Museu N acional, o Museu P araense 26 geral, a visão racial, formulada pelos intelectuais e divulgada pela imprensa e Emílio Goeldi e o Museu Paulista. pelas instituições acadêm icas e científicas, se fez p resente nas relações pes O racismo se ligava ao s interesses de uma elite letrada em se diferenciar soais e nas vivência s cotidianas, justificando hierarquias sociais e políticas da massa popular, cujas formas de cultura e religião eram depreciadas com o com b ase em critérios biológicos. 27 atrasadas ou degeneradas. As concepções racistas se tornaram parte da A s teorias racistas foram redefinidas e adaptadas às condições locais, identidade da classe senhorial e dos grupos dirigentes em uma sociedade dando origem a modelos de pensamento, como a valorização d a miscigena hierarquizada e estamental, com grande participação de escravo s, libertos e ção e a ideologia do branqueamento, enquanto tentativas de eliminar a con tradição entre a realidade étnica, o racismo científico e o liberalismo progressista. Aceitando a premissa básica do racismo - a superioridade da 24 R. N. Rodrigues, "A loucura das multidões", em As coletividades anormais, cit., pp. 131-133. 25 26
Edgard Roquette-Pinto, "Relações do cérebro com a inteligência", em Revista de Educação Pública (Rio de Janeiro), vol. 7, 25-32: 1-5, 1949-50. Para uma abordagem das instituições científicas que privilegiaram o modelo racial, cf. Lilia Moritz Schwarcz, O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930 (São Paulo: Companhia das Letras, 1993).
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Sobre esse enviesamento oligárquico e racial do liberalismo, cf. A. Bosi, "A escravidão entre dois liberalismos", em Dialética da colonização, cit.; L. M. Schwarcz, O espetáculo das raças, cit.
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raça branca -, Sílvio R omero e Euclides da Cunha valorizaram a miscigena A valorização da mestiçagem e a ideologia do branqueamento foram ção com o mecan ismo de assimilação dos grupos inferiores, de modo a esca contribuições originais que atenuaram, ainda que parcialmente, o racismo par à armadilha determinista d e autores europeus e norte-americanos, c om o científico então dominante. Enquanto Nina Rodrigues tomava a miscigena http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a Bu ckle, Gobineau e Agassiz, que condenavam o B rasil ao atraso e à barbárie. ção como sinônimo de atraso e degeneração, Romero propôs o "branquea A té 1910 apenas intelectuais isolados, com o o crítico literário Araripe mento" como saída para reabilitar a s raças consideradas inferiores, integradas
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Júnior e o historiador Manuel B onfim, autor de A América Latina (1905), e extintas pela m istura progressiva. Pôde pensar, com iss o, uma "solução" Araripe atribuía o racismo d a ciência européia aoCarlosGuilherme 47910924 MOTA Org Viagem a-slidepdf.com para o dilema racial que escapava às previsões pessimistas sobre o futuro da expansionismo das nações dominantes, que tomavam a condenação das ra civilização B rasil, sem porém,para os fundamentos d o racismo. ças não-brancas e da miscigenação como idéia "fundada para autorizar a Surgia,noportanto, um acontestar, saída brasileira fundir para a questão étnica: expansã o e justificar a expropriação dos povos sem esquadras". Bonfim tam extinguir as raças tidas como inferiores. A miscigenação, afirmavam seus bém criticava o pretenso caráter científico do racismo, que cham ava d e "soideólogos, produziria u m a população cada vez mais "clara", pois os brancos, fisma abjeto do egoísm o humano" e "etnologia privativa d a s grandes nações enquanto grupo superior, predominariam n a mistura. Sílvio R omero acredi salteadoras", cujo principal objetivo era justificar a dominação de países e tava que o branqueamento levaria de três a quatro séculos para se com ple grupos sociais: "A ciência alegada pelos filósofos do massacre é a ciência tar, já que as leis evo lutivas tornavam "inevitável" a vitória do branco. O adaptada à exploração".28 antropólogo João B atista de Lacerda, diretor do M useu Nacional do Rio de Apesar das críticas de A raripe e B onfim, o racismo científico se tornou Janeiro, era ainda mais "otimista", pois achava que a tríplice desaparição do moeda corrente no debate cultural e político b rasileiro no último terço do negro, do índio e do mestiço necessitaria de apenas um século. Os censos século XIX. A proclamada inferioridade dos não-brancos e a previsão de demográficos do Brasil no século XX, cuja população se tornou cada vez esterilidade d os m estiços feita por alguns naturalistas levantavam dúvidas mais m estiça, acabaram por desmentir tais previsões de pureza racial. sobre o porvir do país e colocavam um dilema para a elite brasileira, que A imigração era concebida como processo de incorporação de ele oscilava entre o liberalismo e o racismo, entre o pressuposto da igualdade mentos étnicos superiores, de origem européia, que acelerariam, pela m isci formal entre os hom ens e o princípio racista da desigualdade inata. genação, o processo de branqueamento. O programa de imigração chinesa, A questão étnica se tornou central no momento de implantação do re proposto pelo viscond e de Sinimbu n o final da década de 18 70, fora rejeita gime republicano e do trabalho assalariado. O racismo científico foi adota do no parlamento, com o argumento de que os chineses corromperiam a d o , de forma quase unânime, a partir de 18 80, enviesando as idéias liberais, formação racial no país. O deputado Joaquim Nabuco foi uma das vozes ao refrear suas tendências democráticas e dar argumentos para estruturas que se ergueram contra a importação de asiáticos que levaria, segundo ele, à sociais e políticas autoritárias. A partir de critérios etn ológico s, escritores e "mongolização" d o país. cientistas, como S ílvio Rom ero, Nina Rodrigues, Euclides da Cunha e Oli O ideal de branqueamento, contido no programa imigrantista, se reve veira Viana, proclamaram o liberalismo, na expressão atual de Roberto lou no decreto de 189 0, que estabelecia: "É inteiramente livre a entrada no s Schwa rz, "idéia fora de lugar", em desacordo com a formação racial brasi portos da Repú blicaàdos válidos e aptos o trabalho não leira, o que tornaria necessária a revisão do modelo político da Primeira se acharem sujeitos açãoindivíduos criminal do seu país". M aspara provisãoque liberal a essa República. se acrescentava cláusula, excluindo os "indígenas da Ásia o u d a África", que só deveriam ser admitidos com autorização do Co ngresso. 29 Ainda que não
atacaram tais con cepções. 5/10/2018
"Tristão de Alencar Araripe Júnior, "Clóvis Beviláqua" (1899), "Sílvio Romero polemista" (1898-99), em Obra crítica (Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1958-70), vol. 3 , p p . 327,400; Manuel Bonfim, A América Latina: males d e origem (1905) (Rio de Janeiro/Paris: Garnier, s.d.), p p . 278-398.
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Thomas E. S kidmore, Preto no branco: raça e nacionalidade n o pensamento brasileiro (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976), p. 82.
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tenha sido aplicado, o decreto mostra o m odelo brancófilo do imigrantismo, em aspectos da reflexão de Romero posterior a 1900, como a perspectiva que substituiu o escravo pelo imigrante europeu. Os grupos asiáticos, em arianista, a crítica à miscigenação e à democracia, o enfoque dos aspectos particular japonese s, só ingressaram no país a partir da primeira década do clânicos da sociedade brasileira e a defesa d e um sistem a político autoritário. http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a século X X , quando a imigração européia se tornou problemática. Essas co ncepções, tanto em R omero quanto em Viana, foram formuladas a A difusão das teorias raciais e da crítica positivista ao modelo demo partir d a indagação sobre a especificidade da formação nacional, precondição
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crático deu origem a ideologias antiliberais, que afirmavam a supremacia d o para a articulação de um discurso antiliberal no Brasil. e de seus dirigentes sobre a sociedade. Com base 47910924 no pressuposto MOTACarlosGuilhermeOrg a-slidepdf.com PorViagem outro lado, Rom ero fundou, junto com Euclides da Cunha, os mi
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das desigualdades propostos m odelos p olíticos autoritários, apresentados comoétnicas, defesa foram dos valores da civilização, representados pela elite branca ou ariana. A crítica ao liberalismo e a virada autoritária no pen samento brasileiro no início do século X X se deram a partir da constatação da divergência entre os mod elos europeus e a formação racial brasileira. Tal constatação aparece, por exemplo , na obra de Sílvio Rom ero, cuja mudança de posição em relação à mestiçagem trouxe à tona uma orientação antidemocrática, que reflete a desilusão dos intelectuais com o m odelo liberal d a Primeira República. Sua confiança na s vantagens dos cruzamentos raciais foi abalada a partir de 1900, quando se mostrou cético quanto ao futuro branqueamento d a população b rasileira e passou a aceitar as teorias arianistas
Casa-grande & senzala (1933), a valorização da miscigenação e o interes se pelo folclore e pelas tradições populares, presentes em ambos. Ao co mentar a publicação, em 194 3, da terceira edição da História da literatura brasileira de Romero, Freire considerou a teoria da mestiçagem um dos fundamentos do pensamento democrático moderno, ainda que rejeitasse o seu preconceito racial e a crença na inferioridade étnica.31 O reajuste das teorias racistas adquiriu tal autonomia em relação às premissas iniciais, que a ideologia da mestiçagem se manteve mesmo após a rejeição, a partir da década de 1930, do racismo científico e dos modelos
a mistura mestiçagem, que antes C onsiderava contrárias de raças uma à"desvantagem", pois os prejeitara. ovos cruzados seriamagora sempre inferiores às raças ditas puras: "populações que se mestiçaram — nunca mais deixam de ser mestiçadas". A o questionar o futuro branqueamento da população brasileira, Romero passou a temer que o país viesse a ser dominado por raças inferiores ou cruzadas. Adotou idéias antiliberais d e defesa da elite ariana, "reduto imesclado de gente superior", capaz de manter acesa a chama d o progresso e da civiliza ç ã o . Seguindo as teses do francês Gobineau sobre a decadência da civili zação a partir do abastardamento dos arianos, observou sobre as misturas raciais: "Com o a democracia é, talvez, uma co isa fatal e irremediável, mas é
evolucionistas, substituídos pela abordagem culturalista de Gilberto Freire e dos antropólogos Roquette-Pinto e Artur Ramos. O abandono do racismo científico tornou, ao contrário, mais entusiástica a valorização d a miscigena ção co mo criação de uma identidade nacional a partir da síntese de raças e culturas. De 1870 a 1910, o destaque dos fatores étnicos, biológicos e climáti cos produziu a ideo logia do branqueamento com o forma de ajuste do racis mo europeu às condições brasileiras. A partir de 1930, com a ênfase no social, n o cultural e n o econôm ico, o branqueamento se converteu no cadinho de raças de um a sociedade multirracial. O perfil interpretativo passou a ser moldado não mais pelos conceitos de raça e natureza, mas pelos de cultu
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tos de os namoderna. fusão e integração de raças e cultu queidentidade m arcariamnacional G ilberto Freire retomou, em ras, a culturabasead brasileira
22
em grande parte mal". A teoria racial de S ílvio R omero marcou dois intérpretes do Brasil, que se apropriaram de facetas distintas de sua obra: Oliveira V iana e Gilberto Freire. Oliveira Viana, em Evolução do povo brasileiro (1923), se apoiou
ra e caráter.
31 32 30
358
S. R omero, "Prefácio" (1913), em Obra ilosófica Rio de Janeiro: José Olympio, 1969), p . 201; Martins Pena: ensaio crítico (Rio de Janeiro: Garnier, 1901), pp. 160-2.
Roberto Ventura
Freire observou, no prefácio a Casa-grande & senzala, que
Gilberto Freire, "Valorização do mestiço", em A Manhã, Rio de Janeiro, 24 jul. 1943. Carlos Guilherme Mota e Flora Süssekind abordaram essa mudança na literatura e no ensaio histórico-social. Cf. C. G. Mota, Ideologia da cultura brasileira (1933-1974): pontos de parti da para uma revisão histórica (São Paulo: Ática, 1978); F. Süssekind, T al Brasil, qual roman c e ? : uma ideologia estética e sua história: o naturalismo (Rio de Janeiro: Achiamé, 1984).
Um Brasil mestiço: raça e cultura na passagem da monarquia ò república
359
Bibliografia selecionada seu ensaio se baseava na diferença entre raça e cultura, de modo a separar os fatores genéticos das influências sociais e culturais. Bosi, Alfredo. "A escravidão entre dois liberalismos", "Sob o signo de Cam ", em Dialética da A miscigenação corrigiu, para Freire, a distância entre a casa-grande e colonização. S ão Paulo: Companhia das Letras, 1992. http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a a senzala, entre senhores e escravos, ao criar o mestiço como elemento de BROOKSHAW, David. Raça e corna literatura brasileira. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983. mediação entre os dois mundos, capaz de reduzir e amortecer as tensões CORRÊA, Mariza. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil.
188/193
Bragan ça Paulista: Ed. Univ. São Francisco, 1999. sociais e os antagonismos culturais. Rompend o com o pessim ismo das teo GOMES, Heloísa Toller. marcas da escravidão: o negro e o discurso oitocentista no Brasil e rias deterministas do século XLX, que proclamavam a inviabilidade da nação 5/10/2018 47910924 MOTACarlosGuilhermeOrg Viagem a-As slidepdf.com nos Estados Unidos. R io de Janeiro: Ed. UFRJ-Eduerj, 1994.
brasileira, o sociólogo o mito da "democracia racial" ou do "novo mun do nos trópicos", capazcriou de aperfeiçoar o legado ocidental segundo padrões mais flexíveis. A apologia da mestiçagem, presente no ensaio histórico-social de G il berto Freire, reaparece nos romances de Jorge Amado, como Gabriela, cravo e canela (1958), Tenda dos milagres (1969), Tereza Batista cansa da de guerra (1973) e Tieta do Agreste (1977), elogios épicos à sensuali dade da mulata. Freire e Amado se mantiveram presos a concepções de etnicidade, que entravam em conflito co m a pretensa superação do paradigma étnico-b iológico, ao atribuírem valor psicológico às raças e glorificarem a formação de uma cultura sincrética a partir do seu cruzamento.
SÜSSEKIND, Flora. Ta l Brasil, qual romance?: uma ideologia estética e sua história: o naturalis mo. Rio de Janeiro: Achiamé, 1984.
ideologia da mestiçagem, o fusãobrasileira harmoniosa detraço raçasespecífi e cultu ras, seAtornou elemento recorrente com na cultura como
VENTURA, história Estilo tropical: Roberto. S ão Paulo: Companhia das Letras, 1991.cultural epolêmicas literárias no Brasil, 1870-1914.
HABERLY, David T. Three SadRaces. Racial Identity and National Consciousness in Brazilian
Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.
MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira (1933-1974 ): pontos de partida para
uma revisão histórica. S ão Paulo: Ática, 1978. NEEDELL, Jeffrey D. Belle Époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na
virada do século. S ão Paulo: Companhia das Letras, 1993. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racia l no Brasil: 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1976.
co ou marca de identidade nacional. Formulada por escritores, políticos e cientistas do final do século XIX e início do século XX, tal ideologia foi incorporada ao senso comum e se tornou parte integrante da representação do país. Promessa reconfortante e utópica de uma futura unidade racial e cultural, as imagens de um Brasil mestiço propostas por Sílvio Romero, Euclides da Cunha e Gilberto Freire revelam a tensão entre o projeto de integração à civilização e a construção diferenciada da idéia de nação, que marcou a cultura brasileira desde os seus primórdios.
Sobre o s autores http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a
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AzizNacibAb'Sáber
47910924MOTACarlosGuilhermeOrgViagema-slidepdf.com
Bacharelou-se em 1943 e obteve o título de L icenciado em 1944, ambos na FFLCH/USP, onde fez Especialização em Geografia, n o decorrer d e 1945-46. N o campo d o ensino uni versitário, atuou em diversas faculdades particulares do Estado de São Paulo (Faculdade de Filosofia "S edes Sapientie", Escola d e Jornalismo "Casper Libero", Faculdade d e Filosofia d a P U C - Sã o Paulo; Faculdade Campineiras; Faculdade d e Filosofia d e Sorocaba). Defendeu tese d e doutorado (1956) e livre-docência em Geografia (1965), e m s u a Faculdade d e origem. Entre 1 9 7 9 e 1 98 3 colaborou co m a Unesp, e m S ã o José d o R i o Preto, na qualidade d e Diretor do Ibille (Instituto B io-Ciências e Ciências Exatas). Mais conhecido como geomorfologista, ao longo de 50 anos de trabalho e pesquisas, diferenciou suas preocupações e escritos por todo um vasto leque d e áreas científicas. Fo i presidente d o Conselho d e Defesa d o Patrimônio Histórico, Artístico e Arqueológico do Estado de São P aulo (Condephaat), e é professor honorário do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.
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n a Faculdade d e Lisboa 1 986 , leciona Docente Universidade onde, desde Histó ria do Brasil. É autor dad es Letras teses Od acolégio do s esuítas d o Recife e o destino d o seu patrimônio (1759-1777) e O patrimônio da Companhia de Jesus da Capitania-Geral d e Pernambuco. Contributo para o estudo d a desamortização n o Brasil colonial (1759-1808). Publicou, em 1998, A construção d o Brasil. Ameríndios, portugueses e africanos, d o início do povoamento afinais de quinhentos (Lisboa: Cosmos, 1995). Atual presidente do Instituto Camões (Portugal), é membro d a Comissão N acional para a s Comemorações d o s Descobrimentos Portugueses e representante do Ministério da Cultura na Comissão M ista L uso-Brasileira para as Comemorações do V Centenário d o Descobrimento d o Brasil.
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E v o ld o C o b r a i d e M e l lo
Após estudos de Filosofia da História em Madri e Londres, ingressou no Instituto Rio Branco, d o Ministério d a s Relações Exteriores, em 1 96 0 , iniciando a carreira diplomática em 1 96 2 . É doutor em História por notório saber pela Universidade de São Paulo, 1 9 9 2 . Publi no Nordeste, 1630-1654 (2. ed. Rio de cou os livros: Olinda restaurada. Guerraeeoaçúcar Império, 1871-1889 (2 . ed. Rio de Janeiro: Janeiro: Topbooks, 1998); O norte agrário Topbooks, 1999); Rubro veio. O imaginário da restauração pernambucana (2. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997); O nome e o sangue. Uma fraude genealógica n o Pernambuco colonial (São Paulo: Companhia da s Letras, 1989); Afronda d o s mazombos. Nobres contra mascates. Pernambuco, 1666-1715 (São Paulo: Companhia da s Letras, 1995); O negócio d o Brasil. Portugal, os Países Baixos e o Nordeste (Rio de Janeiro: Topbooks, 1998).
StuarfB.Schwartz
S o b r e os a u t o r e s
S o b r e os a u t o r e s
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Jorge Couto
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João José R eis
Professor do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia. Nos Estados Professor de História na Yale University (EUA), tendo sido professor visitante em várias Unidos, foi professor visitante d a s universidades d e Michigan, Princeton e Brandeis. É autor, universidades, dentre elas a Universidade de São Paulo. Doutor Honoris pela Universidade entre outros, de Rebelião escrava n o Brasil: a história do Levante d o s Males (1835) (São Federal da Bahia, é autor, entre outros livros, de Burocracia e sociedade n o Brasil colonial http://slidepdf.com/reader/full/47910924-mota-carlos-guilherme-org-viagem-a Paulo: Brasiliense, 1986), também publicado em inglês, revisto e ampliado, como Slave 190/193 (São Paulo: Perspectiva, 1979) e Segredos internos. Engenhos e escravos na sociedade rebellion in Brazil (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1993); A morte é uma esta: colonial (São P aulo: Companhia das Letras, 1988), e de estudos sobre o B rasil-colônia,
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ritosfúnebres e revolta popular n o Brasil d o século X IX (São Paulo: Companhia da s Letras, 1992). Organizou, com Flávio Gomes, Liberdade po r u m f i o : historio do s quilombos no (São Paulo:aCompanhia d a s Letras, 1997). Brasil 47910924MOTACarlosGuilherme OrgViagem -slidepdf.com
publicados na Hispanic American Historical Review, na American Historical Review, no Journal of Social History e na T h e Cambridge History ofLatin America.
5/10/2018
IstvánJancsó
Livre-docente pela Universidade Federal Fluminense. Fo i professor d a Universidade Federal da Bahia e da Universidade de Nantes, na França. Atualmente, é professor d o departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
João Paulo G. Pimenta
Mestre em História pela Universidade de São Paulo, onde apresentou a dissertação "Estado e nação na crise dos impérios ibéricos no Prata (1808-1828)", é doutorando na mesma universidade. KennethR. Maxwell Fellow em Estudos Americanos e diretor d e
Estudos Latino-americanos do Instituto Nelson and David Rockefeller da Universidade de Harvard. Ingressou no Conselho de Relações Internacionais após te r ensinado n as universidades d e Yale, Princeton e Columbia e atuar p o r seis anos como diretor da Tinker Foundation. Seus livros mais recentes incluem Chocolate, piratas e outros malandros: ensaios tropicais (1999); T h e Making ofPortuguese Democracy (1995); Pombal: Paradox ofthe Enlightenment (1995); e T h e N e w Spain: From Isolation to Influence (1994), em co-autoria. Bacharel e mestre pelo St . John's C ollege e pela Universida d e d e Cambridge, respectivamente, possui outro mestrado e doutorado pela Universidade de Princeton. C a r lo s G u i lh e r m e M o t a
KarenMocknowÜsboa Mestre e doutoranda em História Social pela Universidade d e S ã o Paulo. Pesquisa a literatura de viagem sobre o Brasil, assunto de seu mestrado e doutorado. É autora d e vários artigos e do livro A Nova Atlântida d e Spix e Martius: natureza e civilização na "Viagem pelo Brasil
(1817-1820)" (São Paulo: Hucitec/Fapesp, 1997).
FrandscoAlambert
Doutor em História pela Universidade de São Paulo. Foi professor do Departamento de História da PUC-SP e da Universidade Federal Fluminense e do Departamento de Filosofia da Unesp-Marília. Atualmente leciona E stética e História da Arte no Instituto de Artes da Unesp. É pesquisador do Núcleo de Estudos da América Latina do Instituto de Estudos Avançados da USP. Publicou, entre outros, A Semana de 22 (São Paulo: S cipione, 1992) e Documentos d e história d o Brasil (São Paulo: Scipione, 1997). Roberto Ventura Professor d e Teoria Literária e Literatura Comparada n a Universidade d e S ã o Paulo. Coorde nou, de 1993 a 1994, a área d e História Cultural do Instituto de Estudos Avançados da USP. É autor de História e dependência: cultura e sociedade e m Manoel Bomfim (São P aulo: Moderna, 1984), em co-autoria co m Flora Süssekind; Escritores, escravos e mestiços e m u m
país tropical (Munique: W. Fink, 1987); e Estilo tropical: história cultural e polêmicas literárias n o Brasil (São Paulo: Companhia d a s Letras, 1991). E stá preparando uma biografia de Euclides da Cunha.
Historiador, professor titular (aposentado) de História Contemporânea da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, tendo sido o primeiro diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP (1986-1988). Ex-professor visitante das d e AltosnoEstudos de Pde arispós-graduação (1985) e Visiting Universidades de Londres,dedoStanford Texas e (EUA). da Escola da Universidade Professor programa em Scholar
Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Autor de Nordeste, 1 8 1 7 (São Paulo: Perspectiva, 1972); Ideologia d a cultura brasileira (São P aulo: Ática, 1998); Idéia de revolução no Brasil, 1789-1801 (São P aulo: Cortez, 1989), entre outros. Coordenador das obras coletivas Brasil em perspectiva (São Paulo: Difel, 1968) e 7522: dimensões (São Paulo: Perspectiva, 1972).
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