MESTRADO PROFISSIONAL EM PSICANÁLISE, SAÚDE E SOCIEDADE Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu
MARLI MIRANDA BASTOS
A SUBLIMAÇÃO, O TRAUMA E O CORPO: FRIDA KAHLO
ORIENTADOR: PÓS-DOUTORA MARIA ANITA CARNEIRO RIBEIRO
RIO DE JANEIRO 2008
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I
MARLI MIRANDA BASTOS
A SUBLIMAÇÃO, O TRAUMA E O CORPO: FRIDA KAHLO
Dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade.
Orientadora: Pós-Doutora Maria Anita Carneiro Ribeiro
Rio de Janeiro 2008
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I
MARLI MIRANDA BASTOS
A SUBLIMAÇÃO, O TRAUMA E O CORPO: FRIDA KAHLO
Dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade.
Orientadora: Pós-Doutora Maria Anita Carneiro Ribeiro
Rio de Janeiro 2008
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II
MARLI MIRANDA BASTOS A SUBLIMAÇÃO, O TRAUMA E O CORPO: FRIDA KAHLO.
Dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade.
Aprovada em 15/08/2008. 15/08/2008.
BANCA EXAMINADORA Pós-Doutora Maria Anita Carneiro Ribeiro Universidade Veiga de Almeida Presidente da Banca de Defesa
Doutora Denise Maurano de Mello Universidade Federal de Juiz de Fora Membro Examinador Doutora Betty Bernardo Fuks Universidade Veiga de Almeida Membro Examinador
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III Dedicatória
Para Renata que abrilhantou meu desejo
de
trilhar
o
caminho
da
maternidade, um dos resultados do feminino.
Para a paciente que me inspirou em Frida Kahlo, in memória.
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IV Agradecimentos Coordenação do Mestrado de Psicanálise da Universidade Veiga de Almeida, Campus Tijuca, Rio de Janeiro que, com seus Mestres, possibilitou que o meu projeto de pesquisa se tornasse uma dissertação de mestrado.
Maria Anita Carneiro Ribeiro, pelas orientações e cuidado na condução desse meu percurso, aceitando minhas sugestões e meu desejo na difícil arte de escrever sobre o tema escolhido e pelas observações quanto à elaboração final do texto.
Glória Sadala, que acreditou no meu desejo, apontando o caminho do mestrado.
Professores Antônio Quinet, Sônia Borges e Vera Pollo. Com quem tive o prazer de conviver durante o período discente.
Colegas de turma que me elegeram sua representante e grupo de orientação – um bom encontro.
Elisabeth Rocha Miranda, analista, mestre, supervisora, por tudo que pude apreender de sua relação com a psicanálise.
Adriana Dias, pela sua amizade, pela delicadeza na contribuição de artigos, pela inesgotável ajuda no ensino da língua francesa e na tradução dos textos.
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V
Adilson Borges Vieira, pela sua grande amizade e pela importante contribuição no desenvolvimento da minha pesquisa ao presentear-me, em março de 2000, com o primeiro livro biográfico de Frida Kahlo que foi inseparável nestes dois últimos anos.
Georgina Cerquise, pela sua amizade, pelo grande incentivo e indicações de bibliografias que foram importantes para o desenvolvimento do meu estudo.
Lucienne D. Castellani, pela sua amizade, pelas palavras de incentivo, pela leitura crítica e revisão do meu trabalho final.
Maria Elizabeth Bonow, pela amizade e sua valiosa contribuição na tradução de textos, na troca das idéias sobre a teoria e no incentivo.
Juliana Rezende, colega e amiga, com quem dividi entusiasmo, dúvidas e angústias durante esse período de elaboração da pesquisa. Assim como às amigas: Ana Maria M. Mello e Souza, Adriana Campos, Angela Cambiaghi, Karina Zihlmann, Luciana Torres, Lusia Machado, Regina Barros, Tereza de Oliveira, Vanisa Santos e Zélia Carmo, que estiveram presentes trocando idéias sobre o estudo.
Às Beths, que fazem parte da minha vida, pela importância que cada uma tem na minha trajetória de vida.
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Vivian Verônica Buck, colega da graduação, por ter me apresentado à obra de Frida Kahlo.
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VI Meus pais, in memória: pelo exemplo de amor e de perseverança na vida. Renato Comin, in memória: um grande amor, pai de minha filha.
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VII Retrato de Dona Rosita Morillo Safa (1944)
Uma homenagerm a paciente que me inspirou em Frida Kahlo
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VIII Resumo
Trata-se de uma dissertação de Mestrado, em que se propõe a revisão de literatura nas obras de Freud, Lacan, assim como nas biografias disponíveis sobre Frida Kahlo. Objetiva-se articular psicanálise e arte, sob a perspectiva do conceito de sublimação, entendida como um dos destinos da pulsão. Toma-se a história de vida e obra de Frida Kahlo, para melhor compreensão do conceito de sublimação em sua relação com a arte. O tema originou-se da experiência clínica da autora em uma instituição hospitalar. Inicialmente o trabalho introduz a biografia da artista e, a seguir, procura estabelecer uma associação entre a fundamentação teórica que foi construída em torno dos conceitos de pulsão e sublimação oferecidos por Freud, bem como das contribuições de Lacan e sua avaliação sobre o trauma. Finalmente, oportuniza-se o desenvolvimento sobre Mulher e o amor, uma vez que a obra de arte se articula em torno de um ponto de falta, o vazio, o nada, ex-nihilo, que é entendido por Lacan como a origem da criação, bem como também o lugar da mulher. Recorrere-se às Fórmulas quânticas da sexuação para focalizar o campo do gozo e sua
importância dentro do conceito da sublimação e do feminino, aplicando essa dimensão à obra de Frida Kahlo. Palavras chave: sublimação, arte, ex-nihilo, Frida Kahlo.
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IX Résumé
Il s'agit d'une dissertation de Diplôme d'études approfondies, où se propose la révision de littérature dans les oeuvres de Freud, Lacan, ainsi que dans les biographies disponibles sur Frida Kahlo. On objetive d’articuler psychanalyse et l’art, sous la perspective du concept de sublimation, considérée comme une des destinations de la pulsion. Se prend, de le histoire de vie et l'oeuvre de Frida Kahlo pour meilleure compréhension du concept de sublimation en raport à l’art. Le sujet s'est donné lieu de l'expérience clinique de l'auteur dans une institution hospitalière. Initialement le travail introduit la biographie de l'artiste et, ensuite, il cherche à établir une association entre le fondement théorique qui a été construit dans tour des concepts de pulsion et de sublimation offertes par Freud, bien comme des contributions de Lacan et son évaluation sur le traumatisme. Finalement, oportuniza le développement sur Femme et l'amour, vu que l'oeuvre d'art s'articule autour d'un point de manque, le vide, le rien, ex-nihilo, qu'il est compris par Lacan comme l'origine de la création, ainsi qu'aussi la place de la femme. Il faut se recourir a les Formules quantiques de la sexualitê pour focaliser le champ du jouissance et
son importance à l'intérieur du concept de sublimation et du féminin, en appliquant cette dimension à l'oeuvre de Frida Kahlo.
Parole Clef : sublimation, art, ex-nihilo, Frida Kahlo.
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X LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1: Retrato de Dona Rosita Morillo Safa (1944) ............................... VII Quadro 2: Retrato de meu pai Wilhelm Kahlo (1951) ................................... 155 Quadro 3: As duas Fridas (1939) ................................................................. 156 Quadro 4: Foto de Frida Kahlo c/irmãs e primos ......................................... 157 Quadro 5: Auto-retrato com vestido de veludo (1926) .................................. 158 Quadro 6: Retrato de Alicia Galant (1927) ................................................... 159 Quadro 7: Retrato de Miguel N. Lira (1927) ................................................. 160 Quadro 8: Retrato de minha irmã Cristina (1928)......................................... 161 Quadro 9: Viva la vida (1954) ....................................................................... 162 Quadro 10: Auto retrato dedicado a Leon Trotsky (1937) ............................ 163 Quadro 11: Canastra de flores (1941) .......................................................... 164 Quadro 12: A coluna partida ........................................................................ 165 Quadro 13: Foto de Frida Kahlo e Diego Rivera, em manifestação ............ 166 Quadro 14: Foto de Frida Kahlo recebendo Leon Trotsky ........................... 167 Quadro 15: O marxismo dará saúde aos doentes ........................................ 168 Quadro 16: Foto Jardim cultural Frida Kahlo, setembro de 2007 ................. 169 Quadro 17: Foto da placa do Jardim cultural Frida Kahlo,setembro de 2007 170 Quadro 18: Uns quantos golpes (1935) .............................................................. 171 Quadro 19: Recordação ou O coração (1937) ............................................. 172 Quadro 20: Retrato de Diego Rivera (1937) ................................................. 173 Quadro 21: Auto-retrato com cabelo cortado (1940) ................................... 174 Quadro 22: Auto-retrato com trança (1941) ................................................. 175 Quadro 23: Dois nus na floresta ou A própria terra ou A minha ama e eu (1939) ........................................................................................ 176 Quadro 24: Hospital Henry Ford ou A cama voadora (1932) ....................... 177 Quadro 25: O meu nascimento ou Nascimento (1932) ................................ 178 Quadro 26: Foto de Frida Kahlo (1939)........................................................ 179 Quadro 27: O abraço de amor no universo, a terra (México) Eu, Diego e o senhor Xólot (1949) ................................................................... 180
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XI Quadro 28: Frida e Diego (cerca de 1954) ................................................... 181 Quadro 29: Foto da Exposição Viva Frida, setembro de 2007 ..................... 182
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XII SUMÁRIO RESUMO...................................................................................................... VIII RÈSUMÉ ...................................................................................................... IX INTRODUÇÃO .............................................................................................14 1 - FRIDA KAHLO: VIDA E OBRA .............................................................. 16 1.1 HISTÓRIA DE VIDA .......................................................................... 16 1.2 VIDA AMOROSA ............................................................................. 28 1.3 A ARTE ............................................................................................ 36 1.4 A POLÍTICA ..................................................................................... 40 2 - A SUBLIMAÇÃO .................................................................................... 48 2.1 O DESTINO POSSÍVEL DA PULSÃO .............................................. 50 2.2 A SUBLIMAÇÃO EM PSICANÁLISE ................................................ 58 2.2.1 DESENVOLVIMENTO DE SUBLIMAÇÃO EM FREUD ................. 66 2.2.2 CONTRIBUIÇÕES DE LACAN ...................................................... 84 2.3 TRAUMA ........................................................................................... 89
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MULHER E O AMOR ......................................................................... 93 3.1 MULHER E O AMOR .................................................................. 95 3.2 AS FÓRMULAS QUÂNTICAS DA SEXUAÇÃO ................................ 106 3.3 A SUBLIMAÇÃO EM FRIDA KAHLO ..................... .......................... 116
CONCLUSÃO .............................................................................................. 124 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ................................................................. 128 APÊNDICE A .............................................................................................. 142 APÊNDICE B .............................................................................................. 144 ANEXO I....................................................................................................... 146
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XIII ANEXO II ..................................................................................................... 149 ANEXO III .................................................................................................... 154
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INTRODUÇÃO “C riando pude ficar são, e criar foi o que me salvou”. Heine1
A idéia de fazer um estudo articulando a história de vida e obra de Frida Kahlo com a psicanálise surgiu de uma experiência clínica em uma instituição hospitalar. Alguns pacientes, quando escutados, transformam a dor do trauma em energia para direcionar suas vidas, conseguindo fazer uma retificação subjetiva, viabilizando, assim, o processo de reabilitação e permitindo emergir o desejo. Frida Kahlo significa em seus quadros a dor interna, tematizando-os, um a um, com os acontecimentos de sua vida, exprimindo sentimentos, mostrando a dor de existir e realizando associações preciosas na linguagem do ‘dar a ver’. O objetivo desse trabalho, portanto, é a articular o caso clínico de Frida Kahlo, capturado na literatura disponível, a conceitos da teoria psicanalítica, freudiana e lacaniana, de forma que viabilizem a compreensão do processo de emergência do sujeito portador de deficiência física, servindo como base teórica a programas de reabilitação. Ao iniciar esse percurso não vislumbrava o rumo que a pesquisa iria tomar. Tinha em mente pesquisar as vicissitudes da sublimação para melhor compreender o processo de criação, porém foi no desenrolar do tempo, na experiência sobre as questões trazidas nos fragmentos de vida da artista, que meu olhar voltou-se para o feminino ao me debruçar sobre sua obra, diante do excesso em sua produção, em suas escolhas, em sua própria história. Articular o feminino e a sublimação na psicanálise passou a se constituir em uma estratégia de investigação teórica que parecia viabilizar uma melhor compreensão do tema. Nesse percurso sobre a feminilidade, propunha-se a dialética sobre a célebre questão formulada por Freud – “O que quer uma mulher?" ( Was Will das Weib)? – (FREUD, 1925 p. 274), de que ordem era o desejo daquela 1
Freud, Sigmund. Sobre o Narcisismo: uma introdução (1914), p.92.
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artista para mover sua vida? A demanda de Frida Kahlo parece emergir em sua frase: “tenho sido amada, amada, amada, não o suficiente ” (JAMÍS, 1995, p.254), uma queixa que remete diretamente ao estudo sobre
Mulher e o
amor. O amor e a mulher têm se constituído como questões instigantes e enigmáticas, sempre atualizadas. O sujeito está em permanente busca de algo que preencha o vazio e a angústia, revelando na expectativa de encontrar, por via do amor, a resposta para a felicidade. A posição feminina está permanentemente referida ao amor, por isso é perseverante na utopia do parceiro que essencialmente preencha o vazio. Ela, por ter afinidade com a falta, condenada ao desencontro, é puro desejo. Frida Kahlo, na busca desenfreada de amor, segue na direção em que seu desejo aponta, seduzindo e conquistando parceiros amorosos, à maneira ‘donjuanesca’. O feminino apresenta-se como furo interrogador, tanto para homens, quanto para mulheres, sugerindo novos caminhos à teoria e à clínica frente às demandas atuais. O enigma da mulher, assim, não se encontra na própria mulher, mas no feminino que, é uma posição possível tanto no homem quanto na mulher, indica que a feminilidade constitui um problema para toda a sexualidade. Dessa dimensão foi possível olhar a sublimação pelo viés do ex nihilo, do nada, pois a mulher, por ela ser não-toda, tem um ‘pé’ fincado fora do simbólico, como a sublimação, fora do significante, no ex nihilo. Isso porque não há um significante que a nomeie, uma vez que a mulher não existe, a mulher existe uma a uma. A Mulher – o conjunto, o significante – não há, porque existe a marca da falta. E nos ensina Lacan que “é sempre por identificação à mulher que a sublimação produz aparência de criação” (LACAN, 1966-7, aula de 1º de março de 1967). É sempre pelo “dom do amor feminino, enquanto criando o objeto evanescente”. É pela falta, é o lado não-toda que faz enigma. O feminino se aproxima da sublimação pelo fato da mulher estar na posição do inominável, pela inexistência do significante na relação entre os sexos. O excesso de feminilidade na obra de Frida Kahlo causa estranheza, que por sua vez causa a sublimação. E, pois, o efeito do estranho, do
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Unheimlich,2 da obra de Frida Kahlo sobre o espectador é o que confere o
estatuto de sublimação.
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Algo que é familiar e agradável e que deveria ter permanecido oculto, mas veio à luz. (FREUD, 1919, p.258).
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1- FRIDA KAHLO: VIDA E OBRA 1.1 HISTÓRIA DE VIDA
Magdalena Carmem Frieda Kahlo y Calderón nasceu em Coyoacán, México, no dia 06 de julho de 1907, em sua casa, chamada por ela de “Casa Azul”, hoje Museu Frida Kahlo. Nessa mesma casa, construída em 1904 por seus pais, aconteceram três fatos marcantes na história da artista: seu nascimento, seu casamento e sua morte, em 13 de julho de 1954. Segundo Zamora em seu livro El pincel de la angustia – Frida (1987), a primeira menção ao povo pré-hispanico da cidade natal de Frida Kahlo, Coyoacán data da época que o México-Tenochtitlan (1325) acabava de fundarse. Conta que no ano Pedernal de 1322 o bruxo Tezcatlipoca, que residia em Chalco, foi induzido pelo bruxo sacerdote Quetzalcanauhtli (Pato Precioso) a abandonar Chalco e marchar para Coyoacán. Em Coyoacán, terra quente residia a maga, a sábia, a irmã maior Chalchiuhtlicue (Saia Preciosa). Jejuou com água morna e assim propiciou a chegada dos chalcas. Cinco anos depois os chalcas vieram a Coyoacán implorar que o diabo Tezcatlipoca voltasse com eles. E assim, o diabo ou o deus Tezcatlipoca foi o primeiro estrangeiro que preferiu permanecer e criar raízes em Coyoacán, depois houve uma legião deles. E entre deuses e demônios chegou a Coyoacán Frida Kahlo que desde pequena era muito ‘endiabrada’, segundo Herrera: “pedalava sua bicicleta como um demônio ao redor do jardim Centenário” (HERRERA, 1984 p.26).
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Inclusive seu pai ao conceder o pedido de casamento a Diego Rivera teria lhe avisado que ela era um demônio. (id.84) Frida Kahlo, nome pelo qual é conhecida, a terceira das quatro filhas do casal, Wilhelm Kahlo, que adotou posteriormente o nome de Guillermo Kahlo, e Matilde Calderón y González. Suas irmãs são Matilde, Adriana, Cristina. Após o nascimento de Adriana, a mãe teve um menino que morreu poucos dias após o parto, acometido de pneumonia (ZAMORA, 1987, p.117). Maria Luisa e Margarida são as meias-irmãs, filhas do primeiro casamento de seu pai, com uma mulher mexicana, que morreu ao dar a luz à sua segunda filha. Guillermo Kahlo, filho de Jakob Kahlo, joalheiro e comerciante de artigos fotográficos, nasceu em Baden-Baden, na Alemanha, de família judia, emigrou para o México, aos 19 anos, tornando-se fotógrafo profissional. Foi considerado o primeiro fotógrafo oficial do patrimônio cultural do México. Especialista em fotos de paisagens, edifícios, interiores, fábricas etc. Como destaca Zamora: [...] de vez em quando fazia retratos de algum membro do governo, embora afirmasse que não gostava de fotografar pessoas, porque não desejava melhorar o que Deus havia criado. (ZAMORA,1987,
p.10). Guillermo Kahlo é descrito como um homem culto e em seu estúdio fotográfico havia uma pequena biblioteca, selecionada com muita atenção. Os livros principais eram em alemão e incluíam obras de Schiller e Goethe, assim como numerosos volumes de filosofia. “Havia, em seu escritório, numa posição de destaque, um quadro do seu herói pessoal – Arthur Schopenhauer” (HERRERA, 1984, p.29). Cultivava o hábito de sentar-se ao piano e tocar Beethoven e Johann Strauss. Herrera (1984) destaca que, como pai, o Sr. Kahlo, não cultivava uma relação íntima com as filhas, atribuindo atenção apenas à sua preferida: Frida. Era muito carinhoso e depositava nessa filha as expectativas de um futuro profissional, estimulando-a no desenvolvimento do espírito intelectual e aventureiro. Ela costumava acompanhá-lo em seus passeios, como pintor amador, pelas zonas campestres locais e era sua confidente. Quando atingiu à idade suficiente, seu pai compartilhou seu interesse na arqueologia e na arte do México. Ele também ensinou a filha a usar a máquina fotográfica, a revelar,
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retocar e colorir fotografias, experiências que viriam a ser muito úteis para a sua carreira de pintora. Kahlo descreve seu pai como: cordial, carinhoso, sossegado, diligente e corajoso.
Ele, por sua vez, a considerava a mais
inteligente das filhas e a que mais se parecia com ele (KETTENMANN, 1994, p.10). Matilde Calderón y González, nasceu em Oaxaca, criada no cristianismo e dedicada ao lar. Seu pai também fora um fotógrafo de descendência indígena da cidade de Morelia. Matilde fora namorada de um alemão, que se suicidou na sua frente. Segundo Herrera (1984, p.19), quando Kahlo estava com apenas 11 anos, sua mãe contou-lhe sobre o namorado morto, mostrando-lhe as cartas que ainda guardava e afirmando que “este homem vivia sempre em sua memória”. Grimberg acrescenta: Mas o casamento de Calderón-Kahlo deveria ser infeliz. Mathilde não amou Guillermo, mais tarde ela confessou para sua jovem filha Frida. Ela somente casou com ele porque ele era alemão, e ele fazia com que ela se lembrasse de Ludwig Bauer, um jovem alemão que se suicidou em sua presença para provar-lhe seu amor. (GRIMBERG, 1997 p.9).
Foi ela quem persuadiu Guillermo Kahlo a dedicar-se à fotografia, profissão de seu pai. Frida Kahlo revela que seu avô emprestou uma máquina fotográfica a seu pai e “a primeira coisa que fizeram foi sair pela cidade fotografando e montaram uma coleção de arquitetura indígena e colonial e ao regressar instalou seu primeiro estúdio na Avenida 16 de Setembro” (HERRERA, 1984, p.20). A mãe parecia manter uma relação enérgica com as filhas, transmitindolhes a fé cristã, uma questão muito significativa para ela. Segundo Herrera, durante toda sua vida, a beleza e a ordem de seu trabalho se constituíram um motivo de orgulho para ela. Kahlo descreve sua mãe como sendo “muito bondosa, ativa e inteligente, mas também calculista, cruel e fanaticamente religiosa” (id.24). Segundo os biógrafos, pouco depois do nascimento de Kahlo, sua mãe “adoeceu”, mas, na verdade, ela engravidou de sua irmã Cristina. Como não poderia amamentá-la, uma ama-de-leite indígena cumpriu essa tarefa. Kahlo
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diz a uma amiga: “me criei por uma ama que lavava seus seios todas às vezes que ia me amamentar” (HERRERA, 1984, p.22). Grimberg diz que era a mãe de Frida que lavava o peito da ama-de-leite antes da amamentação e, ao descobrir que ela bebia, despediu-a (GRIMBERG, 1997, p.11). Por este motivo, as irmãs mais velhas cuidaram dela e da irmã caçula, Cristina. As outras irmãs, Maria Luisa e Margarida, foram criadas num convento, e quando estavam em casa também ajudavam nessa tarefa. Matilde Calderón y González ficou impossibilitada de assumir os cuidados maternos, pois começou a padecer de ataques de epilepsia semelhantes aos do seu marido que era epilético na idade madura. Aos 6 anos de idade, Frida viu seu corpo de menina ser invadido por uma doença, a poliomielite, deixando seqüelas: uma perna fina e um pé atrofiado. Seu pai, durante nove meses, dedicou-lhe muito amor e empenho para que ela se curasse. Seguindo a orientação médica, colocou-a para praticar esportes. Ela dedicou-se a vários tipos de esportes, a maioria deles considerada masculina (futebol, boxe, luta), tornando-se campeã em natação, além de andar de bicicleta, como forma de exercício. Nessa época, Kahlo foi estigmatizada pelos colegas com a alcunha de “Frida da Perna de Pau”, (KETTENMANN, 1994, p.10), o que a magoou profundamente, mas também despertou uma raiva, que a impulsionou a se superar nos esportes. Alguns autores, como Zamora, atribuem a autoria do apelido à própria Kahlo (ZAMORA, 1987 p.14). Um ano antes de falecer, Kahlo necessitou amputar sua perna, observando ironicamente: “serei Frida a coxa, perna de pau, da cidade dos Coyoetes”. (HERRERA, 1984, p.341). Uma amiga, Mariana Morillo Safa, tem a seguinte recordação desta época: Frida fazia chistes sobre sua amputação, mas com um humor negro. Um dia quando a visitei em sua casa, me mostrou uma fotografia de si mesma, com uma dedicatória: Su majestad escoja (jogo de palavras com es coja e escoja - ser coxa e escolha. (HERRERA, 1984 p. 346).
Depois de toda luta de Kahlo contra a poliomielite, ela e seu pai se sentiram mais unidos, devido à experiência comum da enfermidade e solidão.
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Ele era epilético e Frida recorda seus ataques que, com freqüência, ocorriam à noite, um pouco antes dela se deitar. Ela se afastava para não atrapalhar e assustada, sem entender o que estava acontecendo, se deitava na sua cama. Na manhã seguinte, seu pai acordava e se comportava de maneira normal, como se nada tivesse acontecido. Segundo ela, isso se transformou em um “tipo de mistério que inspirava temor e também compaixão“ (HERRERA, 1984, p.30). Mais tarde, ela o acompanhava em suas excursões fotográficas, para estar com ele quando necessitava e confessa: Muitas vezes, ao ir caminhando com a câmera no ombro e levandome pelas mãos, caía repentinamente. Aprendi a ajudá-lo durante seus ataques em plena rua. Por um lado cuidava que aspirasse prontamente éter ou álcool, por outro vigiava para que não roubassem a máquina fotográfica. (HERRERA, 1984 p.30).
Depois, Kahlo escreve em seu diário: Minha infância foi maravilhosa. Ainda que meu pai estivesse enfermo (sofria vertigens cada mês e meio), para mim constituía um exemplo imenso de ternura e trabalho (como fotógrafo e pintor) e, sobre tudo, de compreensão para todos os meus problemas. (HERRERA, 1984, p.30).
Desde criança, Frida mostrou-se muito esperta e travessa. Ousava “zombar” de seu pai por causa do hábito alemão que ele conservava, de usar um punhal, chamando-o “Herr Kahlo”. Em outro momento, após uma travessura dirigida à sua meia-irmã Maria Luisa, Frida relata:
Furiosa me disse: ‘tu não é filha de minha mãe e do meu pai. Você, eles recolheram no lixo’. Aquela afirmação me impressionou a ponto de converter-me numa pessoa completamente controvertida. Desde então vivi aventuras com uma amiga imaginária. (HERRERA, 1984 p.24).
A amiga imaginária, com quem Kahlo trocava suas confidências e fantasias, foi retratada, em 1939, no quadro intitulado – As duas Fridas –, cuja origem ela explicou em seu diário:
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Deveria ter uns 6 anos quando vivi intensamente uma amizade imaginária com uma menina de mais ou menos a mesma idade minha. [...] Sobre um dos primeiros vidros da janela fazia um vapor com a boca e com o dedo desenhava uma “porta”, saia em imaginação com grande alegria. Atravessava todo plano que se via até chegar a uma leiteria chamada PINZÓN ... Por lá “o” de PINZÓN se transformava em porta, eu entrava e descia impetuosamente ao interior da terra, onde “minha amiga imaginária” me esperava sempre. Não recordo sua imagem nem sua cor. Mas que era alegre, se ria muito, sem som. Era ágil e bailava como se não tivesse peso algum. Eu a seguia em todos os movimentos e lhe contava, enquanto ela bailava meus problemas secretos. Quais? Não recordo. Mas ela sabia por minha voz todas as coisas. Quando já regressava à janela, entrava pela mesma porta desenhada no vidro. Quando? Por quanto tempo havia estado com ela? Não sei, pode ser um segundo ou mil anos... Eu era feliz, desenhava a “porta” com a mão e “desaparecia”. Corria com meu segredo e minha alegria até o último canto do pátio de minha casa e sempre no mesmo lugar, debaixo de uma árvore de cedro, gritava e ria assombrada de estar só com minha grande felicidade e a recordação tão viva da menina. Já se passaram 34 anos, que vivi esta amizade mágica e cada vez que a recordo se aviva e cresce mais e mais dentro de meu mundo. (HERRERA, 1984, p.26).
Aos 13 anos, fazia parte da juventude comunista.
A Revolução
Mexicana procurou implantar mudanças fundamentais na estrutura social do país. Sua identificação com a Revolução Mexicana (1910-1920) foi tão forte que ela dizia ter nascido em 1910. Assim como ela, o México estava num momento de reconstrução de sua identidade. Dois anos mais tarde, incentivada pelo pai, ingressou na Escola Preparatória Nacional, na qual havia um total de dois mil alunos, sendo apenas trinta e cinco moças. Era um estabelecimento pós-secundário de propriedade do Estado, que seguia um programa de estudo tendo em mente o ingresso na faculdade de medicina. Eram os planos de Frida e de seu pai, tornar-se médica. Sua mãe era contra, mas com o apoio do pai seguiu em frente. Ela era muito inteligente, por isso manteve uma certa fama na escola e também por suas travessuras. Foi nessa época que emergiu o seu interesse pela política. Nesta escola, conheceu sua primeira paixão, Alejandro Gómez Arias, um romance fadado a não dar certo, porque ele era de uma classe social diferente da dela. Também seus pais não aprovaram o namoro.
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Neste período, ela participava ativamente do movimento estudantil e fazia parte de um grupo chamado Os Cachuchas, composto por sete rapazes e duas moças. Todos se tornaram profissionais destacados no México. Foi nesta escola, que ela conheceu Diego Rivera, um grande artista muralista mexicano, reconhecido internacionalmente, com quem mais tarde, se casou duas vezes. Ele pintava um mural nesta escola. Frida Kahlo ia com alguns colegas, dentre eles, seu namorado Alejandro, assistir Diego trabalhar no mural – A criação –. Ela incentivava o grupo a fazer brincadeiras com ele, pois já havia percebido o quanto ele era sedutor. Foi nesta época, aos 16 anos, que confidenciou para uma amiga: “ainda terei um filho com Diego Rivera”. (HERRERA, 1984, p.39). Porém, este desejo não foi possível de ser realizado, ela conseguiu engravidar várias vezes, mas abortou em seguida. Frida Kahlo estava em plena adolescência, se vestia com roupas masculinas, apoiava-se numa bengala, usava botas para esconder a perna fina e o pé atrofiado. Neste período, trabalhou como aprendiz da arte de retocar gravuras e fotografias para um amigo de seu pai, um próspero impressor comercial, Fernando Fernández que a ensinou a desenhar mediante uma cópia de quadros feitos por um pintor impressionista sueco chamado Andrés Zorn e descobriu que Kahlo tinha um “talento enorme”. Herrera, afirma “que segundo Alejandro Gómez Arias, em resposta a essa ajuda, Kahlo se entregou a uma breve aventura com ele” (HERRERA, 1984, p.47). Foi nesta época, segundo relato de Alejandro Gómez Arias, que Kahlo teve sua primeira experiência homossexual. Foi seduzida por uma mulher funcionária da biblioteca da Secretaria de Educação Pública, onde ela foi procurar emprego. Ao relatar este fato para uma amiga, Frida Kahlo confidenciou que sua iniciação foi traumática, porque seus pais souberam, resultando num escândalo. (HERRERA, 1984, p.47). Essas relações homossexuais de Kahlo foram acentuadas depois que ela penetrou no mundo boêmio e liberal de Rivera, onde as relações amorosas entre mulheres eram comuns e aceitas. (HERRERA, 1984, p.171). Judith Ferreto, enfermeira de Kahlo, ao ser questionada sobre o suposto homossexualismo dela, retruca: “era um ser sem preconceitos e quanto a atitudes não podemos julgar. Eu não posso julgar. Para Diego era igual...” (ZAMORA, 1985, p.154).
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Também Teresa del Conde, escritora, refere-se a essa última temporada de Kahlo: “Frida, desprotegida e inválida, buscando consolo e carícias nos braços de outra mulher, aquela que a pode tratar de igual para igual” (ZAMORA, 1985, p.154). Gómez Arias sugere que: Os anos correm. Trabalha incansavelmente e tenta várias vezes morrer. Busca desesperada a justa medida para fugir da dor; os analgésicos que, inúteis, conduzem às drogas. Erotismo e sensualidades estremecem um corpo desfeito, mas imensamente vital, são momentos fugazes de alívio. A mutilam. Tudo se precipita.
(ZAMORA, 1985, p.154).
Num dia de setembro, aos 18 anos, sua vida teve uma mudança radical. Quando voltava da escola, acompanhada do namorado, foi vítima de um acidente ocorrido numa colisão entre um bonde elétrico e o ônibus em que seguia da escola para casa, no qual ficou gravemente ferida deixando-a internada durante um mês e mais três meses seguidos de cama, em casa, e ainda teve várias internações no decorrer de sua vida. Nesse acidente, sua coluna vertebral se rompeu em três lugares na região lombar, fraturou a clavícula e a terceira e quarta costelas. Teve um ferro atravessado na altura do abdome em sua pélvis, que foi quebrada em três lugares, entrou pelo lado esquerdo e saiu pela vagina. A perna direita que já era fina, devido à seqüela da poliomielite, foi quebrada em onze lugares, o pé direito foi deslocado. Ao recobrar a consciência chamou a família, mas seus pais não puderam acudi-la, sua mãe ficou muda com o choque, seu pai ficou tão triste que adoeceu, ela só pode vê-los vinte dias após. Matilde, sua irmã mais velha foi a única pessoa da família que foi vê-la, tão logo soube do acidente. O namorado, Alejandro, não sofreu nenhum arranhão. Alguém no ônibus segurava um pote contendo um pó dourado e com a queda, o pote abriu e esparramou-se, Frida que havia sido jogada longe, ficou coberta de sangue e de dourado. Kahlo se referindo a sua sexualidade diz que “perdeu sua virgindade” neste acidente (ZAMORA, 1987, p.24). De volta para casa, ficou em convalescença durante meses, perdeu o contato diário com o namorado e alguns dos colegas de juventude. Lia e
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escrevia muito para passar o tempo. A família, então, resolveu fazer uma cama de baldaquim com quatro colunas e a mãe colocou um espelho em cima para que ela pudesse se ver. Também era possível pintar encostada, fazendo uso de um engenhoso cavalete de madeira que sua mãe havia mandado fazer (ZAMORA, 1987, p.76). Foi nesta época que Kahlo começou a pintar. Ela pediu ao pai sua caixa de pintura e ela mesma conta a razão:
O meu pai teve, durante muitos anos, uma caixa com tintas e pincéis dentro de uma jarra antiga e uma paleta a um canto do seu estúdio fotográfico. Ele gostava de pintar e de desenhar paisagens em Coyoacán junto ao rio e por vezes copiava cromolitografias (figuras obtidas pelo processo de gravura em plano). Desde pequenina, como diz o ditado, eu não tirava os olhos daquela caixa de tintas. Não sabia explicar por que. Como ia estar presa a uma cama durante tanto tempo, aproveitei a oportunidade para pedir a caixa a meu pai. (KETTENMANN, 1994, p.18).
Produz, então, seu primeiro auto-retrato – Auto retrato com vestido de veludo (1926), pinta um retrato de sua amiga – Retrato de Alicia Galant (1927),
em seguida pinta o quadro de um amigo do grupo Os Cachuchas – Retrato de Miguel N. Lira (1927) e de sua irmã Retrato de minha irmã Cristina (1928).
Um mês após o acidente, Kahlo escreve a Alejandro: “sinto dores, você não pode imaginar a que ponto. Cada vez que me puxam na cama, derramo litros de lágrimas, mas é claro que, como se diz não se deve confiar nos latidos dos cães nem nas lágrimas das mulheres” (ZAMORA, 2002 p.24). Em cinco de dezembro de 1925, ela fala de sua dor: “a única coisa boa é que, agora, começo a habituar-me ao sofrimento”. Neste mesmo período Kahlo mostra à sua mãe a força que a tomava: “não estou morta e, mais do que isso tenho uma razão para viver. Essa razão é a pintura” (LE CLÉZIO, 1994, p.30). Até o acidente, os seus planos era tornar-se médica, a pintura aconteceu em sua vida como por acaso. Ela diz: “ como era jovem, a desgraça não adquiriu um caráter trágico. Creio que tenho energia suficiente para fazer qualquer coisa no lugar de estudar medicina. Sem prestar muita atenção, comecei a pintar” (HERRERA, 1984 p.63). Com o acidente, vieram todas as dificuldades. A primeira delas foi o rompimento do namoro com Alejandro, o que a entristeceu muito, ela escrevia
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longas cartas apaixonadas para ele, tentando manter o namoro. As cartas foram publicadas, em 1997, no livro Cartas Apaixonadas de Frida Kahlo. A retomada dos estudos também ficou prejudicada. Decidiu, então, procurar Diego Rivera para avaliar sua produção pictórica e foi com sua aprovação que ela se dedicou à pintura. Em seguida, Rivera insere sua figura no afresco que realizava no Ministério de Educação Pública. Kahlo é retratada com uma estrela vermelha no peito (ZAMORA, 1987 p.224). O gesto do pintor a introduz no movimento artístico e revolucionário, como um aval para o mundo da arte. Nessa época, retorna aos amigos do grupo Os Cachuchas, em seus encontros literários e políticos. Ingressa na Liga da Juventude Comunista, através de seu amigo Germán de Campo. Conhece Julio Antonio Mella, jovem cubano exilado, que viria a ser assassinado e sua companheira, a fotógrafa Tina Modotti, com quem estabelece uma amizade cheia de cumplicidade. Através desta amizade Kahlo foi introduzida no ambiente social de Rivera. Ao completar um ano do acidente, Kahlo escreve uma carta para Gómez Arias, da qual reproduzimos um fragmento: Para que estudas? Que segredo buscas? A vida o revelará num instante. Eu já não sei de todo, sei ler e escrever. Há pouco, quase alguns dias, era uma menina e caminhava por um mundo de cores, de forma duras e tangíveis. Tudo era misterioso e ocultava algo: decifrar, aprender eu gostava como um jogo. Se soubesse que terrível é conhecer tudo subitamente, como se um relâmpago iluminasse a terra. Agora habito em um planeta doloroso, transparente como um gelo, mas que nada oculta, como se tudo se houvesse aprendido em segundos. Minhas amigas, minhas companheiras, se tornaram mulheres devagarinho. Eu envelheci em instantes e tudo hoje é branco e lúcido. Sei que nada há atrás. Se houvesse, eu o veria. (ZAMORA, 1985, p.28).
Durante os quase trinta anos vividos após o acidente, Kahlo teve uma vida coroada por êxitos, mas também plena de dor, tanto física, quanto psíquica. Entre as suas realizações estão: a carreira artística brilhante e prestigiada pelos mexicanos, o casamento com o homem que ela escolheu e amou apaixonadamente, sua participação ativa na política nacional, as aulas como professora de pintura. Ademais, conquistou vários homens e mulheres, fez belas amizades que perduraram por toda a sua vida. Tirou seu sustento de seu trabalho, apresentando uma obra reconhecida internacionalmente, tanto
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pela pintura, quanto por sua escrita. Firmou seu nome como a grande artista mexicana do século XX, como “uma pintora por direito próprio” (HERRERA, 1984 p.196). Enfim, foi uma mulher extremamente vaidosa. Nas últimas páginas de seu diário, Kahlo escreve sobre a amputação de sua perna e fala do desejo de suicidar-se, diz: 11 de fevereiro de 1954 – Há seis meses amputaram-me a perna. Torturaram-me durante séculos e em alguns momentos quase enlouqueci. Continuo a sentir vontade de me suicidar. Diego é quem me impede despertando em mim a vaidade de pensar que posso fazer falta. Ele disse, e eu creio nele. Mas nunca sofri tanto na vida. Esperarei algum tempo. (KAHLO, 1995, p.144).
A amputação de sua perna foi um golpe muito grande em seu narcisismo. Ofendeu terrivelmente a sensibilidade estética de Kahlo que, segundo Ferreto, (id. 344), atingiu ao nível mais profundo do seu ser, seu sentido de integridade e de respeito a si mesma, numa relação com a vaidade destroçada. Desmoralizou-se de tal forma que não queria ver ninguém, nem a Diego, escusando-se: “diz que estou dormindo”. Quando o recebia, se mostrava distante, indiferente. Ela não suportou e Rivera confessa em sua autobiografia que, após a perda da perna: [...] Frida caiu em uma profunda depressão, já não queria que lhe falasse de minhas aventuras românticas, sobre as quais ela gostava de ouvir, desde nossas segundas bodas. Havia perdido a vontade de viver. (HERRERA, 1984, p.344).
Nesta época ela escreve o poema Está anoitecendo em minha vida: Caladamente, a pena Ruidosamente a dor O veneno acumulado... Me foi deixando o amor Mundo estranho já era o meu De silêncios criminais De alertas olhos alheios Equivocando os males Obscuridade no dia As noites não as viviam Te estás matando Te estás matando Com a faca mórbida Das que estás vigiando! A culpa, a tive eu? Admito minha culpa grande
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Tão grande como a dor Era uma saída enorme por onde passei, meu amor Saída muito silenciosa Que me leva a morte Estava tão esquecida! Que esta seja minha melhor morte Te estás matando TE ESTÁS MATANDO Há aqueles; já não te esquecem! Aceitei sua mão forte Aqui estou, para que vivam. Frieda (HERRERA, 1984, p. 345)
No final do poema, chama a atenção que Kahlo assina seu nome da forma como a família a chamava – Frieda. Um ano antes de sua morte, na última aparição em público como artista, inaugurando a primeira exposição individual em sua cidade natal, na Galeria de Lola Alvarez Bravo, impossibilitada e proibida pelos médicos de caminhar, Kahlo, numa atitude ímpar, mandou levar sua cama para a galeria de arte e foi transportada em uma ambulância. Após receber a homenagem, ela confidencia a um amigo: “só quero três coisas da vida: viver com Diego, seguir pintando e pertencer ao PCM – Partido Comunista Mexicano”. (HERRERA, 1984, p.354) Onze dias antes de falecer, participou de cadeira de rodas, da manifestação contra a queda do presidente do governo democrático da Guatemala (Jacobo Arbenz Guzmán), apesar de estar com pneumonia e da proibição médica. Segundo Herrera, paira uma dúvida quanto à causa de sua morte, questiona-se ter sido um suicídio, pois na noite anterior, ela entregou ao marido um presente pelos vinte e cinco anos de casamento, que seriam daí a dezessete dias, dizendo: “porque sinto que vou deixá-lo dentro de pouco tempo”. (HERRERA, 1984 p.355). Essa hipótese é sustentada pelas diversas tentativas de suicídio, feitas no mesmo período. Em seu registro de óbito, consta como causa de sua morte embolia pulmonar não traumática e flebitis em membro inferior direito não traumático (ZAMORA, 1985, p.390). Em uma carta dirigida a Gómez Arias, em 1946, após uma cirurgia chamada por ela de the big , Kahlo relata que a fim de mitigar as dores no período pós-operatório,
havia recorrido, em excesso, ao uso de morfina e, desde então, “até sua morte ela dependeria para viver deste recurso. Todos os dias eram injetados doses cada vez maiores de Demeral, um analgésico narcótico similar em qualidade à
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morfina” (ZAMORA, 1987, p.124). O medicamento, do qual ela abusava nos últimos anos, pode produzir depressão e problemas circulatórios, inclusive em casos extremos, conduzir a uma parada respiratória, choque anafilático e parada cardíaca. Todas as questões que podem ter contribuído para sua morte. Oito dias antes de falecer, Frida Kahlo nomeia seu último quadro – V iva la vida (1954), registra nele seu nome, juntamente com sua cidade natal e seu
país, com uma cor forte vibrante, deixando a marca de toda sua paixão pela sua maior força de expressão: a pintura. (HERRERA, 1984, p. 362) Em 13 de julho de 1954, aos 47 anos, pela manhã, Kahlo foi encontrada morta.
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1.2 VIDA AMOROSA
Em 1922, Frida conhece Diego Rivera, que pintava um mural em sua escola – Escola Preparatória Nacional no México. Está com 15 anos, vai com uns colegas, assisti-lo e fazem uma série de brincadeiras com ele, “molecadas”. No ano seguinte, segreda para suas amigas que ainda há de ter um filho com ele. Nessa época, conhece Alejandro Gómez Arias, que estuda na mesma escola e inicia um namoro. Esse relacionamento não é aprovado pelos pais dela, nem pela mãe do rapaz, mas foi muito intenso. As primeiras cartas de amor que Kahlo escreve são para ele. Durante toda sua vida, eles mantiveram contato. Foi em sua companhia que ela estava, quando sofreu o acidente, na volta da escola para casa. Ela o presenteou com o seu primeiro auto-retrato. O namoro durou até 1928 e foi ele quem terminou a relação. No mesmo ano, Kahlo inicia o namoro com Diego Rivera. Segundo sua biografia foi na casa de uma fotógrafa amiga que aconteceu o reencontro de Kahlo e Rivera. Ela relatou esse reencontro a Bambi – Ana Cecília Treviño – jornalista do Excelsior: Depois do meu acidente e de um ano com gesso comecei a pintar. Levei quatro quadros a Diego, que estava no andaime da Escola Nacional Preparatória e sem mais nem menos lhe disse: ‘Diego desça’ e assim como ele é tão humilde, tão amável, desceu. ‘Olha, eu não venho te paquerar, nem nada, embora você seja mulherengo, venho mostrar-lhe minha pintura. Se te interessa me diga, se não também, para poder trabalhar em outra coisa, para meus pais. Então, me disse: ‘olhe, em primeiro lugar me interessa muito sua pintura, sobretudo esse retrato seu que é o mais original. Os outros três me parecem influenciados pelo que você tenha visto. Vá para sua casa, pinte um quadro e no domingo que vem vou vê-la e lhe direi’. Assim o fiz e ele disse: ‘Você tem talento’. (ZAMORA, 1987, p.36).
Depois desse domingo, outros domingos vieram e assim o namoro começou. Em agosto de 1929, casaram-se numa cerimônia simples, na Casa Azul de Coyoacán. Em 1940, casaram-se, pela segunda vez em São Francisco, Califórnia. Os dois casamentos de Rivera com Kahlo foram os únicos no civil, até sua morte. Essa relação torna-se uma paixão muito forte e
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vai permanecer até o final da vida de Kahlo. Tanto Kahlo quanto Rivera alimentavam sua tórrida relação por meio de bilhetes, de cuidados recíprocos, embora seu caso fosse entrecortado por traições, uma vez que ambos tiveram vários amantes. No mês seguinte ao casamento, Rivera adoece e Kahlo cuida dele, acompanha-o nos compromissos e tenta fazer com que ele cumpra as ordens médicas. No primeiro ano de casamento, o casal morou em Cuernavaca, em função do trabalho de Rivera. Kahlo engravidou e sofreu o seu primeiro aborto, e também sua primeira desilusão com Rivera, diante de uma aventura com a jovem assistente, Ione Robinson, num momento em que Frida necessitava de sua companhia. Apesar das aventuras extras conjugais, existia profundo amor e grande cumplicidade entre os dois, temperados pela necessidade permanente de estarem juntos. Rivera costumava enviar cartas carinhosas, com ramalhetes de flores, para compensar suas ausências e desatenções. Segundo Mariana Morillo Safa, quem os conheceu na última década da vida de Kahlo, recorda a forma com que ela esperava o marido chegar e como era tratada com carinho. “O tratava como a um deus e ele a ela, como a uma doce criatura”, diz Mariana (HERRERA, 1984, p.100). Em 1934, eles se separaram por Kahlo ter testemunhado Rivera em plena relação sexual com sua irmã Cristina. Foi um fato que causou muito sofrimento para ela que, em represália, cortou os cabelos que ele tanto gostava. Três meses após a separação, em 25 de dezembro, Rivera escreveu um recado para Kahlo: “A célebre pintora e distinguida dama Dona Frida Kahlo de Rivera, com o afeto, devoção e um profundo respeito de seu incondicional milagre”. (HERRERA, 1984, p.303). Mas, o divórcio só se concretizou em 1939. Ela recorreu a um dos amigos Cachuchas, Manoel González Ramirez, para ajudá-la nos trâmites do divórcio. Desta vez Kahlo não só cortou os cabelos, como voltou a usar roupas masculinas, reproduzindo seu comportamento da adolescência, e pintou o quadro Auto-retrato com Cabelo Cortado. Numa carta, datada de 24 de outubro de 1940, endereçada à Emmy Lou Packard, ajudante de Rivera em São Francisco, Kahlo atribui seu divórcio a Lupe Marin 3. Escreve que: 3
Lupe Marin, segunda esposa de Diego Rivera.
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O assunto com Guadalupe é algo que dá asco [...] Está furiosa porque eu vou voltar a casar com Diego [...] às vezes sinto vontade de voltar ao México e matá-la. [...] É repugnante ver que uma mulher pode vender todas as suas convicções, os seus sentimentos só pelo desejo de dinheiro e escândalo. Não a suporto mais. Ela me divorciou de Diego. (ZAMORA, 1987 p. 47).
Retornaram a Coyoacán, e Kahlo se instalou na Casa Azul, iniciando uma produção que não mais parou. Rivera a incentivou a pintar e essa é a época mais rica de sua obra. Expôs na França e em Nova Iorque. Anos mais tarde, Rivera, falou sobre o divórcio em sua autobiografia: Nunca fui... um esposo fiel, nem com Frida. Igualmente com Angelina e Lupe, consentiam meus caprichos e tinham aventuras. Então, comecei a examinar a mim mesmo como cônjuge, comovido pelo extremo que havia chegado às condições de Frida (sua saúde). Achei muito poucos pontos a meu favor. Sem empecilho, sabia que não podia mudar. Frida me abandonou uma vez ao descobrir que tinha um romance com uma amiga (se refere à Cristina irmã de Frida). Regressou a mim com o orgulho um pouco diminuído, mas com o mesmo amor. A queria demasiado para desejar que sofresse e decidi separar-me dela para poupá-la de tormentos no futuro. Em princípio, só insinuei a possibilidade do divórcio, mas quando as indiretas não acharam resposta, sugeri abertamente. Frida, que já se havia recuperado, replicou com calma que preferia suportar o que fora para não me perder por completo. A situação piorava cada vez mais. Uma noite senti um impulso de falar-lhe pelo telefone para pedir-lhe consentimento para o divórcio. Desesperado inventei um pretexto estúpido e vulgar. Tinha pavor a uma grande e dilacerante discussão, tanto que sem refletir busquei o caminho mais rápido à minha meta. (HERRERA, 1984, p.235).
Em 1937, Leon Trotski chega ao México, com sua mulher Natália, se hospeda na Casa Azul e Kahlo torna-se amante de Trotski por aproximadamente seis meses. Devido à cabeleira e barba brancas, ela se referia a ele como “o velho”. Era atraída por sua reputação de herói revolucionário, sua brilhante intelectualidade e sua força de caráter. Segundo Herrera, a evidente admiração, que este homem produzia em Rivera, intensificava o sentimento em Frida – uma aventura com o amigo e ídolo político de seu esposo seria uma vingança perfeita pela relação entre ele e sua irmã Cristina. Relata ainda que Kahlo empreendeu todo tipo de sedução para cativar Trotsky, realçando a sua intimidade comunicando-se em inglês, idioma que Natália não entendia. Jean van Heijenoort recorda que “Frida não vacilava em falar a palavra ‘amor’, se despedia de Trotsky com os termos ‘todo meu
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amor’” (HEIJENOORT Apud HERRERA, 1984, p.181). Porém, a própria Herrera acredita que tenha sido pouco provável que Kahlo tenha tido necessidade de inventar estratagemas para atrair Trotsky, pois aos 29 anos se encontrava em um momento perfeito, no qual a formosura da juventude se funde com o caráter, para criar um atrativo mais forte. Para esta autora, há um toque de emoção explosiva, ainda que contida e certa diversão ligeiramente perversa, inclusive insolente, mas que sem dúvida, Frida Kahlo foi uma mulher que amou e foi amada pelos homens. Ella Wolfe acredita que tenha sido Kahlo quem rompeu a relação. Segundo a autora, Trotsky escreveu uma carta de nove páginas para Kahlo, na qual suplica para que ela não se separe dele e diz o quanto significaram para ele as semanas em que passaram juntos. Diz ela: “foi um pedido que um jovem enamorado de 17 anos havia dirigido a um ser amado, e não dele, um homem de mais de sessenta anos. Trotsky estava deveras apaixonado por Frida. Ela era muito importante para ele”. Essa carta, Kahlo entregou para a amiga, Ella Wolfe, porque diz que era “linda” e solicitou que depois de lê-la a rasgasse, o que a amiga fez e disse ainda: “estou muito cansada do velho” (WOLFE Apud HERRERA, 1984, p.183). Após o rompimento, ficou uma certa intimidade entre Kahlo e Trotsky, mas já não havia mais cartas secretas, nem indiretas e nem mesmo Kahlo pronunciava a palavra ‘amor’ ao se despedirem. Simplesmente se tornaram bons amigos. Em um filme feito em Coyoacán no ano de 1938 que mostra Trotsky, Natalia, Kahlo, Rivera, Jean von Heijenoort e outros Kahlo se encolhe amorosamente nas pernas de Rivera e assim provoca suspeita de que está causando ciúmes em seu antigo amante, com um sorriso provocante. Vários meses após o final da aventura, em 07 de novembro, aniversário da Revolução Russa e aniversário de Trotsky, Kahlo o presenteia com um auto-retrato – Auto-retrato dedicado a Leon Trotsky (1937) – no qual ela traz uma folha de
papel nas mãos com o seguinte escrito: “Para Leon Trotsky, com todo carinho dedico esta pintura em 07 de novembro de 1937. Frida Kahlo, San Ángel, México” (KETTENMANN, 1994, p.40). Referindo-se a este quadro, André Breton revela seu encantamento: Faz muito tempo que admiro o auto-retrato de Frida Kahlo de Rivera que adorna uma parede do estúdio de Trotsky. [...] Temos o prazer de
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presenciar, igual aos dias mais gloriosos do romantismo alemão, a aparição de uma jovem mulher dotada de todos os poderes de sedução e acostumada à companhia de homens geniais. [...] Não existe obra de arte que seja mais marcadamente feminina, no sentido de que, para ser tão sedutora como é possível, está disposta de maneira total, a alterar entre o jogo de ser absolutamente pura ou absolutamente malvada. A arte de Frida Kahlo é como uma cinta que envolve uma bomba. (HERRERA, 1984, p.184).
Em outubro de 1938, Kahlo viaja para Nova York e tem um romance com Nickolas Muray, fotógrafo nascido na Hungria. Em abril de 1939, retorna ao México por causa do término do romance com Muray e se lamenta por uma razão cruel: “seus padecimentos físicos a impediram da livre expressão do amor sexual” (HERRERA, 1984, p.230). Pela correspondência trocada entre os dois, percebe-se que esta foi uma relação de muito amor e de amizade que perdurou por um longo tempo. É possível que Rivera tenha tomado conhecimento da aventura de Kahlo e Muray e da verdadeira paixão que ele inspirou nela, despertando ciúmes fora do normal. Uma outra versão é que o casal Rivera tinha problemas sexuais em função da fragilidade física ou da falta de disposição de Kahlo, o que a impedia de satisfazer as necessidades sexuais de seu esposo. Segundo Herrera: “outras pessoas afirmam que Rivera sofria de impotência” (HERRERA, 1984, p. 232). Outra teoria é a de que Rivera queria proteger Kahlo contra possíveis represálias causadas pelas atividades políticas dele. É neste contexto que acontece o divórcio, no final de 1939. Os dois artistas estão pintando uma estrela de cinema norte-americana, Paulette Goddard, que estava hospedada num hotel, em frente ao estúdio de Rivera, em San Angel e com quem Rivera teve um envolvimento amoroso. Kahlo ficou com ciúmes e travou com ela uma amizade íntima. Em 1941, pintou um quadro para ela – A Canastra de Flores –. Em seguida, Rivera teve uma relação amorosa com uma atriz Irene Bohus, que foi sua assistente. Frida também teve ciúmes dela e com o tempo as duas desenvolveram uma relação de muita intimidade. Bohus acabou abandonando Rivera e o trabalho, porque sua mãe não aceitava que ela convivesse com um homem, sem casamento. Rivera a substituiu por Emmy Lou Packard, outra assistente que compartilhava com ele seu estúdio. Esta veio a ser confidente de Kahlo.
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No final de 1940, Frida Kahlo está em São Francisco e conhece Heinz Berggruen, um refugiado da Alemanha nazista, de 25 anos. Ela estava com 33 anos e eles têm um breve romance. Ele trabalhava como funcionário de relações públicas para a Exposição Internacional de Golden Gate. Kahlo viajou com ele para Nova Iorque e ao retornar para São Francisco terminou o romance e nunca mais o viu. Ele foi muito apaixonado por ela e sofreu com o rompimento. Mais tarde, tornou-se um respeitado comerciante de arte. Em dezembro de 1940, Kahlo e Rivera se casam pela segunda vez, em São Francisco e retornam para o México. Nesta época, ela conhece Isamu Noguchi, um pintor e escultor americano, considerado o precursor da escultura abstrata, que combina a sutileza oriental com a sofisticação da arte ocidental. Ele está no México e tem com Frida um romance. Em meados de 1946, é a última vez que Kahlo vê Noguchi, numa visita que ele fará a ela no hospital em Nova Iorque, onde ela está se recuperando de uma cirurgia. Kahlo retorna a Coyoacán em outubro deste mesmo ano. No início de 1946, Kahlo inicia um romance com um pintor refugiado da Espanha, que viveu no México e morou em Coyoacán. Foi uma relação que ela quis manter no anonimato. Segundo Herrera, Rivera teve um tipo de acordo com eqüidade. Porém as cartas de Kahlo revelam que ela procurava ocultar de Rivera esta aventura. Após uma viagem que fez com seu amante, este ficou nos Estados Unidos e ela enviava cartas para sua amiga, Ella Wolfe, encaminhar para ele. Esta relação só terminará em 1952. (HERRERA, 1984, p.306) Com o passar dos anos os problemas físicos de Kahlo tornaram-se mais graves e dificultam o contato com o sexo oposto e ela se dedicou mais às mulheres, freqüentemente as mesmas com as quais Rivera tinha romance. Segundo Herrera, Raquel Tibol conta que Kahlo “se consolava cultivando a amizade das mulheres com quem Diego tinha relações amorosas” (HERRERA, 1984, p.307). Uma delas foi a estrela de cinema Maria Félix, cujo romance se converteu em escândalo. Após posar para Rivera para um quadro sensual, negou-se a emprestar o retrato para a exposição que o pintor estava preparando para o Palácio de Belas Artes. Imediatamente, ele preparou outro nu da poetiza Pita Amor. Três jornais noticiaram, porém, que Maria Félix havia aceitado a proposta de casamento de Rivera, com a condição de incluir na
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relação uma jovem de 22 anos, espanhola, refugiada que serviu de enfermeira e companheira de Kahlo. Rivera negou que tal aventura tivesse algo a ver com a decisão de se divorciar de Kahlo e afirmou: “adoro Frida, mas creio que minha presença é muito prejudicial para sua saúde”. Admitiu que estava enamorado de Maria Félix, “como outros cinqüenta mil mexicanos” (id.308). Houve uma celeuma em torno desta relação e um dos boatos é de que Kahlo teria alugado um apartamento próximo do monumento da Revolução, no centro do México, para estar afastada de Rivera por uns meses. Lá, ela quase morreu em um incêndio, causado por uma vela acesa que caiu e começou a queimar sua saia. Foi salva por um empregado do prédio que escutou seus gritos, e assim Frida convenceu Rivera a voltar para ela. Rivera e Kahlo faziam um jogo com a imprensa em torno de suas relações amorosas. Entre Kahlo e Rivera, parecia haver uma grande cumplicidade, pois estavam sempre envolvidos em triângulos amorosos. Quase sempre, era Kahlo quem seduzia as amantes de Rivera. Quando perguntado por algum repórter sobre o divórcio, Rivera zombava, inventando siglas para se referir às suas mulheres: FUF – Frente Unida das Feias e FUA – Frente Unida das Abandonadas. Talvez tudo isto explique o fato de Frida ter exigido, que o segundo casamento com Rivera fosse sem sexo. Em um determinado momento Kahlo disse que “sofreu dois acidentes em sua vida. O primeiro ocorreu quando um bonde me atropelou... o outro acidente é Diego” (HERRERA, 1984, p. 98). As amizades mais estreitas de Kahlo, na última década de sua vida, foram: María Félix, Teresa Proenza, Elena Vázquez Gómez e a artista Machila Armida. Estes nomes, juntamente com os de Rivera e Irene Bohus, foram escritos com tinta cor de rosa na parede de sua casa. Kahlo escreve em seu diário: “por que o chamo de meu Diego? Nunca foi nem será meu. Ele pertence a si mesmo” e faz um tipo de reverência a ele, sob a forma de poema: Diego começo Diego construtor Diego meu menino Diego meu namorado Diego pintor Diego meu amante
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Diego “meu esposo” Diego meu amigo Diego minha mãe Diego meu pai Diego meu filho Diego = eu = Diego Universo Diversidade na unidade. (KAHLO, [1907-1954], 1995, p.235).
Segundo Zamora, um pouco antes de morrer, Diego Rivera rende seu amor a Frida Kahlo. Pintou um quadro em Acapulco com as rochas de La Quebrada, transformando-as em rostos e o dedicou:
A menina Fridita Kahlo, a maravilhosa. Em 7 de julho de 1956, há dois anos que dorme em cinzas, viva em meu coração. Diego Rivera
(ZAMORA, 1987, p.166).
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1.3 A ARTE
A arte de Frida Kahlo é marcada pelo excesso. Excesso de cor, de dor, de alegria e de uma angústia própria ao feminino. De uma beleza marcante, pois, não só se apresenta com características evidentes do seu sofrimento, mas transporta para a tela uma beleza pungente tomada pela intensidade e pelo excesso de sua dor. Sua obra, assim como a arte em geral, é o resultado de uma experiência pessoal expressada na tela, guiada pela fantasia. “Ficção e realidade bailam em seu pincel num mundo de cores” (BASTOS, 2003, p.10). Kahlo usa as cores como sinônimo de vida. Consegue realizar, em seu trabalho, a fabulosa criação de destinos possíveis para as forças pulsionais que a invadem, inscrevendo a pulsão no registro da simbolização, sublimando-a, dando um contorno a esse vazio do indizível através de sua obra. Em sua estética, o desejo impossibilitado de ser expressado no campo da destruição absoluta, é presentificado através do belo. O fenômeno estético entendido pelo que pode ser identificável ao belo funciona como uma saída, frente ao campo indizível do desejo. Por essa exibição do belo, do belo em seu brilho e esplendor, evita-se o mal, que é do campo da destruição, o campo do desejo, da pura pulsão de morte. Freud (1905) numa nota de rodapé do artigo Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade, acrescenta:
Parece-me indubitavelmente que o conceito de ‘belo’ enraíza-se na excitação sexual e, em sua origem, significava aquilo que estimula sexualmente. [Há no original uma alusão ao fato de que a palavra alemã “Reiz” é comumente usada no linguajar técnico como ‘estímulo’ e, na linguagem cotidiana, como ‘encanto’ ou ‘atrativo’.] Relaciona-se a isso o fato de jamais podermos achar realmente ‘belos’ os próprios genitais, cuja visão provoca a mais intensa excitação sexual. (FREUD, 1905, p.148).
É pela articulação da fantasia com a sua tragédia, que o artista, como o sujeito que o habita, pode sustentar-se em seu desejo. Sua produção torna-se a ética que o move em direção à repetição do gesto criativo. Peres, em seu
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trabalho sobre a artista, nos diz que: “Frida é destacada pelo caráter sensual e feminino de seus trabalhos” (PERES, 2002, p.1). Uma feminilidade que evoca mesmo sob a rigidez de um colete de aço, usado por quase um ano, devido ao grave problema da saúde que havia piorado. Surge da árida terra mexicana uma mulher com elementos europeus, plena de sensualidade, embora sustentada por um colete no quadro – A coluna partida (1944) –, pintado nesse momento. Mais uma vez era invadida, como nos últimos dez anos de sua vida, obrigada a usar vários tipos de coletes. Nessa época, Frida Kahlo está com 37 anos, sua expressão demonstra o sofrimento pelas perdas – amor e saúde – suas lágrimas escorrem, seu corpo está cravado de pregos (ou seriam espinhos?). Esse é um quadro que os críticos de arte fazem um paralelo com a iconografia cristã da seguinte maneira:
Os pregos espetados no rosto e no corpo, lembrando imagens do martírio de São Sebastião, atravessado por setas, são símbolos da sua dor ainda mais poderosos. Outra referência iconográfica cristã, surge no pano branco à volta das ancas, fazendo lembrar o lençol enrolado à volta de Cristo, da Virgem e dos santos que decoram quase todas igrejas e altares das casas do México. (KETTENMANN, 1994, p.67).
Frida Kahlo ao ser socorrida por um homem do povo que a coloca sobre uma mesa de bilhar e lhe arranca um ferro que havia atravessado seu corpo pela pélvis saindo na vagina, após um grito de desespero adormece num desmaio. Este acontecimento nos remete ao famoso sonho – Pai, não vês que estou queimando? – em que Freud traz na Interpretação dos sonhos (1900-
1901), ao teorizar sobre A psicologia dos processos oníricos (FREUD, 19001901 p.541). Trata-se do sonho de uma paciente que relata a Freud tê-lo ouvido numa conferência sobre sonhos, ficando encantada e ressonhou-o. A cena do sonho é a seguinte: Um pai estivera de vigília à cabeceira do leito de seu filho enfermo por dias e noites a fio. Após a morte do menino, ele foi para o quarto contíguo para descansar, mas deixou a porta aberta, de maneira a poder enxergar de seu quarto o aposento em que jazia o corpo do filho, com velas altas a seu redor. Um velho fora encarregado de velá-
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lo e se sentou ao lado do corpo, murmurando preces. Após algumas horas de sono, o pai sonhou que seu filho estava de pé junto a sua cama, que o tomou pelo braço e lhe sussurrou em tom de censura: “pai, não vês que estou queimando? ” Ele acordou, notou um clarão intenso no quarto contíguo, correu até lá e constatou que o velho vigia caíra no sono e que a mortalha e um dos braços do cadáver de seu filho tinham sido queimados por uma vela acesa que tombara sobre eles. (FREUD, 1900-1901 p.541).
Lacan, no Seminário, Livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964), na lição de 12 de fevereiro, teoriza a questão da tiquê4 – o
encontro com o real e do autômaton – a repetição, ele dirá: A função da tiquê, do real como encontro enquanto que podendo faltar, enquanto essencialmente faltoso – se apresenta primeiro, na história da psicanálise, de uma forma que, só por si, já é suficiente para despertar nossa atenção – a do traumatismo. [...] o real seja apresentado na forma que nele há de inassimilável. (LACAN, 1964, p.57).
Ousaríamos fazer uma articulação entre o sonho – Pai, não vês que estou queimando? – em que o despertar do sonhador se depara para uma
estranha realidade: o filho está morto e está queimando. O acidente com Frida Kahlo não se dá pela via do sonho, trata-se do real traumático no corpo. Após o acidente, ela desperta para a vida e para uma ’estranha realidade’: depara-se com um corpo paralisado, essa emergência do real, produzindo no lugar do vazio, a arte. Presa à cama, a vida se modifica, ela quase isolada dos amigos, impossibilitada de caminhar para seguir seus estudos, sua política, suas ‘diabruras’; acorda para arte, e tenta descrever no quadro A coluna partida (1944), retratando em sua pintura essa emergência do real produzindo no lugar do vazio, a obra. A arte vista pelo viés do vazio que a contorna traz uma idéia de enigma que a comporta. Segundo Souza (2006), refletindo acerca da experiência estética e dos conceitos que a envolvem, é primordial para que consigamos vivenciá-la de maneira intensa e verdadeiramente proveitosa. E que, ao entrarmos em contato com o Belo, com a Arte, conseguimos abrir uma janela para os mais intensos sentimentos e pensamentos que estão resguardados de 4
Estes termos: tiquê e autômaton, Lacan toma emprestado de Aristóteles. (LACAN, 1964, p.54).
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racionalismo utilitário de nossa sociedade dentro do mais desconhecido esconderijo: o próprio ser humano. Souza em sua análise sobre a experiência estética dirá: "afinal quem bem definiu a Arte foi Graça Aranha em seu discurso na Semana de Arte Moderna de 1922": É a realização da nossa integração com o Cosmos pelas emoções derivadas dos nossos sentidos, vagos e indefiníveis sentimentos que nos vêm das formas, dos sons, das cores, dos tatos, dos sabores e nos levam à unidade suprema com o Todo Universal. Por ela sentimos o Universo, que a ciência decompõe e nos faz somente conhecer pelos seus fenômenos (ARANHA, 1922). HTTP://estetica20062.blogspot.com/. Em 07/04/08.
A sublimação5, um dos destinos específicos da pulsão, consiste em uma substituição do objetivo sexual, por outro mais valorizado socialmente, é a capacidade de o sujeito investir em atividades artísticas, intelectuais, políticas e científicas, denominadas por Freud como atividades superiores. É o exercício da sexualidade, desviado dos fins de reprodução e voltado para outras finalidades relevantes e construtivas. É um destino pulsional com um endereçamento ao Outro da cultura, o sujeito escreve a sua obra na história da arte, cria sua obra. O Outro da cultura está presente, o Outro da história está presente. Freud, no texto Moral sexual civilizada e doença nervosa moderna (1908), afirma que a sublimação é também uma forma de dominação da pulsão, talvez a melhor, porque não o faz recalcando ou reprimindo, mas é dominando para ser com esses fins culturais. O direcionamento da pulsão sexual não visa à relação sexual com o outro, mas dirigida ao outro da cultura, sempre importante no conceito de sublimação. A obra de Frida Kahlo, a nosso ver, teve um endereçamento. Sublimar pode ser definido como uma substituição onde a ‘relação sexual’ esperada no exercício fálico é substituída pela representação estética veiculada na obra de arte. Conforme podemos apreender com Lacan o fazer do artista transmuta-a em paixão do significante. E a obra de Frida Kahlo explicita essa assertiva, pela sua obra servindo-se do significante ela produz arte que retrata sua vida e suas vicissitudes.
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A sublimação será teorizada no II capítulo.
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Kahlo pintou, contou e fez sua história, com sua arte tornou-se uma das maiores artistas mexicanas, e se coloca entre os artistas mais reconhecidos internacionalmente.
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1.4 A POLÍTICA A política teve um papel importante na vida de Frida Kahlo. Aos três anos de idade estourou a Revolução Mexicana, e mais tarde ela registra em seu diário: “recordo de ter quatro anos (em realidade tinha cinco), quando teve lugar a “dezena trágica”. Com meus próprios olhos vi a batalha entre os camponeses de Zapata e os carrancistas” (HERRERA, 1984, p.23). Desde muito cedo simpatizava com o comunismo, fazendo parte da Liga da Juventude Comunista e depois se integrando ao Partido Comunista Mexicano. Vamos traçar um breve histórico sobre a Revolução Mexicana, a fim de situar o momento político, no qual Frida Kahlo foi inserida. A Revolução Mexicana foi um movimento armado, social e cultural, iniciado no México, em 1910, contra a ditadura do General Porfírio Díaz Mori e que culminou oficialmente com a promulgação de uma nova constituição, sete anos depois. Este movimento teve grande impacto, nos círculos: operários, agrários e anarquistas internacionais, pois a Constituição de 1917 foi a primeira no mundo a reconhecer as garantias sociais e os direitos coletivos dos trabalhadores. A luta armada começou depois da fraude eleitoral perpetrada, em 1910, pelo General Porfírio Díaz Mori, que se tinha mantido de maneira quase ininterrupta, na presidência do México, desde 1876. A presidência de Díaz era caracterizada por impulsionar a industrialização e pacificação do país, ao custo da exploração das classes camponesa e operária, concentrando a riqueza, o poder político e o acesso à educação num punhado de famílias possuidoras de grandes latifúndios e em algumas empresas de origem estrangeira, principalmente francesas, britânicas e estadunidenses. Sua casa fora aberta por sua mãe para dar entrada aos zapatistas (guerrilheiros de Emiliano Zapata Salazar, principal figura política do país e defensor do povo) se encarregando dos feridos e dos famintos, Frida relata:
Minha mãe abriu as janelas que davam para a Rua Allende para dar entrada aos zapatistas e se encarregou dos feridos. [...] Durante
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1914, só se ouvia o assovio das balas. Todavia recordo seu extraordinário som. [...] Cristi e eu contávamos as balas, trancandonos em um grande armário que havia de madeira de nogueira, enquanto meus pais vigiavam para que não caíssemos nas mãos dos guerrilheiros. [...] Da janela também pude ver como um zapatista, que havia se ferido no joelho por um balaço, se abaixou para poder calçar suas botas. (HERRERA, 1984 p.23).
Mais tarde, na adolescência, ela participa de um grupo de estudantes, de cunho político, chamado Os Cachuchas, composto por sete homens e duas mulheres da Escola Nacional Preparatória. Aos 20 anos, ingressa na Liga da Juventude Comunista que fazia parte do Partido Comunista Mexicano. Ao longo de toda sua vida, sempre apoiou as causas patrocinadas pelo Partido. Lowe registra em seu ensaio, sobre o Diário de Frida Kahlo, que: O interesse de Frida Kahlo pelo comunismo deslocou-se da consciência social para uma busca epistemológica, talvez religiosa, de “pilares” destinados a sustentar sua fé. Sua crença na secular herança mexicana era consoladora. Combinando o comunismo com essa convicção, Kahlo moldou um ideal nada complicado, pois não levava em consideração as realidades dos dois regimes, ou seja, nem a sede de sangue e a divisão de classe dos astecas, nem as práticas autoritárias e burocráticas de Stalin. Kahlo filtrava e purificava a visão de sua dupla fé, reverenciando a ambas como forças idealizadoras que lhe proporcionavam energia, especialmente quando percebeu que sua vida estava chegando ao fim. (LOWE, 1995 p.28)
Aproximadamente, em 1934, as tendências políticas do México, giraram em torno da esquerda com a eleição de Lázaro Cárdenas. Apesar do giro da política nacional, o Partido Comunista seguia atacando Rivera. Em 1938, quando León Trotsky se convenceu de que era impossível ficar na mesma Internacional Comunista de Stalin, e começou a formar a Quarta Internacional, Rivera se declarou simpatizante do movimento trotskista. Porém não se filiou ao setor mexicano do partido de Trotsky, até 1936. Rivera também acreditava, assim como Trotsky, no internacionalismo revolucionário, doutrina oposta ao “socialismo em um só país” defendido por Stalin. Rivera simpatizava particularmente com a figura heróica do líder exilado Trotsky, pois o Partido Comunista Mexicano que apoiava Stalin, o havia expulsado e ultrajado. No México, como em outras partes do mundo ocidental, o conflito entre stalinistas e trotskistas assumiu formas virulentas. Todas as cidades falavam
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das brigas dos artistas politizados. Os comunistas ortodoxos proferiam injúrias contra Rivera, não por ser trotskista, mas por sua postura. Embora sua obra fosse política, pintava nos palácios do governo e suas obras eram para os turistas gringos: “que tipo de revolucionário era, então?”, criticavam. (HERRERA, 1984, p.175) Frida Kahlo compartilha o entusiasmo que Rivera sentia por Trotsky, mas não se filiou ao partido trotskista. A Guerra Civil Espanhola que começou em 18 de julho de 1936 reascendeu o entusiasmo político de Kahlo. Segundo Monroy (2007): Ela participou da primeira revolução das comunas contra a Guerra Espanhola, isso não é qualquer coisa, é importantíssimo, mas não só isso, ela recebeu Trotsky na casa dela, não foi na casa de Rivera que Trotsky ficou, ela assumiu! [...] Ela “peitou” o Partido Comunista, porque o partido proibiu-a de receber Trotsky. Ela dizia: ‘não, eu vou fazer aquilo que eu achar que devo, tem a minha casa’. (MONROY, 2007, entrevista com a autora).
Kahlo opinava que a “luta da República Espanhola contra a subversão de Franco representava ‘a esperança mais viva e forte (que temos) de que se afaste o fascismo no mundo’” (HERRERA, 1984, p.175). Junto com outros simpatizantes leais, ela e Rivera formaram um comitê que se encarregou de conseguir dinheiro para um grupo de milicianos espanhóis, que chegaram ao México, em busca de ajuda econômica. Kahlo pertencia à ‘Delegação do Exterior’ e se dedicava a entrar em contato com pessoas e organizações radicadas fora do México, a fim de angariar fundos. A participação de Kahlo na agitação política entre, 1936 e 1937, serviu tanto para concentrar sua energia, quanto para acercá-la de Diego, que necessitava de sua ajuda. Ele estava com problemas de saúde, oculares e renais, passando semanas inteiras no hospital. A saúde dela nesta época era boa, com exceção do pé, que havia sido operado de novo em 1936. Em setembro de 1936, Rivera se filiou ao setor mexicano da Liga Internacional Comunista (trotskista). Em novembro deste mesmo ano, recebeu um telegrama urgente de Anita Brenner (1905-1974) de Nova Iorque; doutora em antropologia; jornalista e autora de livros sobre o México. Era amiga do presidente Lázaro Cárdenaz e foi a primeira correspondente estrangeira a obter uma declaração política durante a expropriação do petróleo, em 1938. Ela
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informava que era questão de vida ou morte averiguar com urgência se o governo mexicano estava disposto a conceder asilo político a Trotsky. O comitê político da organização se reuniu em seguida e resolveu enviar secretamente, Rivera e Octavio Fernández, este último era um líder dentro do grupo trotskista mexicano, para consultar o presidente Cárdenas. O presidente concedeu asilo a Trotsky com a condição de que este se comprometesse a não se intrometer nos assuntos internos do México. Em dezembro de 1936, o casal Trotsky embarcou em Oslo rumo ao México. Em 09 de janeiro de 1937, o casal desembarcou em Tampico, cercado de todo cuidado. Foram recebidos por Max Shachtman, fundador do movimento trotskista norte-americano e por George Novak, secretário do Comitê Norte-americano para a Defesa de León Trotsky, outros membros do partido, autoridades locais e federais, jornalistas mexicanos e estrangeiros e Frida Kahlo, que foi também representando seu esposo, Diego Rivera, que se encontrava hospitalizado. Seria um momento triunfal para ele, como admitiu Trotsky mais tarde: “estamos particularmente agradecidos a ele, Rivera, por nossa libertação do cativeiro na Noruega. Ao longo de quatro meses de cativeiro e isolamento, esse encontro com amigos foi especialmente cordial” (HERRERA, 1984, p.177). A comitiva que seguiu de Lechería, por precaução, teve que esperar muito para poder descer do trem. Apesar de todos os esforços para desviar a atenção de alguns fotógrafos, incluindo Agustín Victor Casasola (1874-1938, grande fotógrafo da Revolução), conseguiram estar ali, para presenciar o momento em que Trotsky, Natalia e Frida desceriam do trem. Trotsky abraçou Rivera. Foram imediatamente para a Casa Azul, em Coyoacán, passando pelas ruas secundárias. A irmã de Kahlo, Cristina, que morava na casa, mudou-se para outra próxima, na Rua Aguayo, que provavelmente Rivera comprou para ela. Guillermo Kahlo, pai de Kahlo, foi morar com sua outra irmã, Adriana, só deixando num quarto da Casa Azul seus aparatos fotográficos. Quando o grupo chegou por volta do meio dia, a casa estava rodeada de policiais, protegendoa. Como nem Trotsky, nem a esposa, Natalia Sedova, falavam espanhol ficou decidido que Kahlo seria sua principal conselheira e guia, sua irmã Cristina seria a motorista. Como medida de segurança, todas as janelas foram revestidas com ladrilhos e Rivera comprou a casa ao lado e construiu uma
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ligação entre as duas casas, unindo as propriedades, o que possibilitou, mais tarde, a ampliação do jardim e a construção de um estúdio para Kahlo. Trotsky solicitou a formação de um comitê internacional, para análise da evidência usada contra ele, por Moscou. Trabalhou muito acelerado para preparar a declaração. Este comitê consistiu em seis norte-americanos, um francês, dois alemães, um italiano e um mexicano. O educador e filósofo estadunidense John Dewey funcionou como presidente. A Casa Azul foi preparada com toda segurança para realização das sessões. Foram acomodados quarenta assentos para jornalistas e convidados. Trotsky, seu secretário, Natalia e os membros do comitê sentaram-se atrás de uma mesa larga. O policiamento foi reforçado a fim de evitar acesso de assassinos e sabotadores. A primeira das treze sessões se realizou no dia 10 de abril de 1937. O julgamento durou uma semana. Neste primeiro dia, Diego Rivera chegou com enorme chapéu decorado com uma pluma de pavão real. Frida Kahlo se enfeitou com jóias taracas e trajes indígenas e sentou-se o mais próximo possível de Trotsky,
este, que respondeu às perguntas de seus oponentes com sua precisão característica, e o manejo seguro da grande quantidade de informações que havia reunido para desacreditar seus acusadores. Em setembro, o comitê deu o veredicto – Trotsky era inocente. A despeito da idade, Trotsky é descrito como tendo uma boa presença física. Ele se conduzia como um herói, com gestos dinâmicos e passos severos. Tinha um olhar penetrante, em seus olhos azuis, e sua mandíbula firme tornava patente seu fervor e tenacidade intelectual. Apesar de ter senso de humor, era rigoroso e imponente. Estava acostumado a conseguir o que queria. Tinha um vigoroso interesse por sexo. Na presença de mulheres ficava particularmente entretido e engenhoso. Nas conquistas amorosas não era sentimental, era direto e às vezes tosco; costumava acariciar o joelho de uma mulher debaixo da mesa ou fazer propostas descaradas e francas. Num certo momento, nutriu um desejo por Cristina, irmã de Kahlo, o que o levou a começar a praticar exercícios físicos, similar aos usados para caso de incêndios, prática que incluía escapar de noite pulando por cima do muro do jardim e uma corrida até a casa dela. Os amigos conseguiram dissuadi-lo dessa prática imprudente, pois Cristina não se interessava por ele.
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Trotsky começou a escrever cartas que colocava dentro dos livros que recomendava a Frida Kahlo e os entregava ao se despedir dela, freqüentemente na frente de Rivera e de sua esposa. Semanas após a finalização das sessões realizadas pelo Comitê Dewey, iniciou-se uma aventura amorosa entre Kahlo e Trotsky. Os encontros aconteciam na casa da irmã de Kahlo, Cristina. Segundo Herrera, Rivera ignorou a existência desta relação. Em janeiro de 1939, Kahlo viajou para França para participar de uma exposição organizada por André Breton, seguindo para Nova Iorque. Em Paris, Kahlo representou o México, em reuniões trotskistas, ficando com este grupo até sair de Paris, tendo inclusive uma aventura com um de seus membros. Estava disposta a apoiar Diego, quando soube que ele havia brigado com Trotsky, pois os conflitos de personalidades e políticos começaram a corroer a amizade dos dois, após a partida de Kahlo. Segundo relatos, as reações imprevisíveis e a tendência imoderada das fantasias próprias de Rivera, irritavam Trotsky. A incompatibilidade entre o temperamento dos dois homens motivou o rompimento entre eles. No dia 02 de novembro, Rivera apareceu em Coyoacán com o espírito travesso, levou para Trotsky uma grande caveira roxa, de açúcar, com o nome “Stalin” escrito em branco na frente. Trotsky não aprovou a brincadeira, nem o presente. E depois da saída de Rivera disse a Jean van Heijenoort que o destruiria. No início de janeiro, Rivera se retirou da Quarta Internacional. No dia 11 de janeiro, Trotsky afirmou através da imprensa mexicana, que já não sentia solidariedade moral em Rivera e que deste momento em diante não poderia mais continuar aceitando sua hospitalidade. Porém, no dia seguinte, Trotsky escreveu para Kahlo sobre os conflitos, em busca de sua ajuda, para que ela falasse com Rivera para desistir de querer ser secretário do Partido, uma vez que ele não precisava provar que era um autêntico revolucionário. Após a ruptura, Trotsky tentou persuadir Rivera a aceitar dinheiro como pagamento do aluguel da Casa Azul, até encontrar outro lugar para viver, Rivera não aceitou e em abril de 1939, Trotsky e sua comitiva mudaram-se para uma rua próxima à Casa Azul, na Avenida Viena, deixando lá o autoretrato e uma caneta, presenteados por Frida Kahlo a ele. Ela também se distanciou de Trotsky, mas guardou um certo carinho por ele, mesmo depois de
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sua morte. Em 1946, não quis emprestar a Rivera a caneta de Trotsky, que Rivera queria para assinar sua readmissão no Partido Comunista. Kahlo era indulgente aos caprichos políticos de Rivera, mas também respeitava a recordação de seu antigo amigo. Kahlo também se afastou de Trotsky quando entrou de novo no Partido Comunista e declarou que a carta que ele lhe enviara era “completamente ridícula” (HERRERA, 1984, p.177). Em 24 de maio de 1940, a residência de Trotsky foi invadida por um grupo de stalinistas, com o objetivo de assassiná-lo, incluindo o pintor David Altaro Siqueiros, cuja tentativa falhou. Devido à ruptura entre Trotsky e Rivera, este, procurado pela polícia, ficou escondido durante um mês até conseguir sair do país com seu passaporte com destino a São Francisco com a proposta de pintar um mural na biblioteca de São Francisco Colégio Junior e executá-lo em público na Ilha do Tesouro. Este mural tornou-se um manifesto da atitude contemporânea de Rivera. A despeito do rompimento com Trotsky, Rivera seguiu sendo por uns anos um opositor fervoroso de Stalin. Depois de concretizado o pacto entre Stalin e Hitler em 1939, Rivera se converteu em advogado apaixonado da solidariedade pan-americana, em oposição ao totalitarismo. Em carta aberta a Sigmund Firestone, em janeiro de 1941, Rivera diz que sua verdadeira meta política era o estabelecimento de “uma cidadania comum” para todos os habitantes da América e a destruição dos principais totalitários da época: Hitler, Mussolini e Stalin (id.250). Três meses após a tentativa de assassinato de Trotsky e a partida de Rivera para os Estados Unidos, Kahlo adoece. Ramón Mercader, que havia conquistado a amizade e confiança de Frida Kahlo, assassinou Trotsky. Kahlo muito perturbada fala com Rivera por telefone e diz: “mataram o velho Trotsky esta manhã. Estúpido, o mataram por tua culpa. Por que fugiste?” (HERRERA, 1984, p.250). Por ter conhecido Mercader em Paris e tê-lo recebido em sua casa, Kahlo foi levada pela polícia e interrogada durante doze horas. A polícia saqueou a casa de Rivera em San Angel, roubaram objetos de valor, levaram tudo. Kahlo, que já sabia que eles iriam à sua casa, conseguiu juntar todos os papéis com conteúdos políticos, escondendo-os no sótão da casa grande. Foram trinta e sete policiais que levaram Kahlo e sua irmã, Cristina. Passaram dois dias na prisão, foram liberadas após suplicarem a um policial: “tenha a bondade, não há mais nada para dar de comer aos filhos pequenos de minha
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irmã. Soltaram-nos ao fim de dois dias porque não éramos culpadas do assassinato e nem da tentativa da qual Siqueiros participou” (id.251). Depois da guerra, Rivera conseguiu sua readmissão no Partido Comunista e declarou com orgulho que obteve asilo político para Trotsky com a intenção de mandar assassiná-lo. Segundo relatos, algumas pessoas acreditam que Rivera e Kahlo haviam participado de uma conspiração para matar o russo. Porém, para Herrera, essa idéia parece inverossímil, pois apesar dos Rivera não aprovarem a moral convencional, eles não eram amorais e amavam demasiadamente a vida para serem capazes de um assassinato. As declarações exageradas de Rivera são típicas de um oportunismo político. Outra afirmativa estapafúrdia de Rivera foi por ocasião da visita ao México do poeta chileno Pablo Neruda, em 1940, de afirmar que ele, Rivera, era judeu (id.251). Segundo Herrera a simpatia política de Kahlo e a intensidade de suas convicções seguem sendo algo polêmico. Ela, a exemplo de Rivera, também solicitou sua readmissão no Partido Comunista. Mas, ironicamente os comunistas demoraram a aceitar a solicitação de Rivera, só o aceitando em 1954. Kahlo foi aceita em 1948, talvez por não ter declarado formalmente ser partidária do trotskismo. Mas, teve que suportar o ritual humilhante da “autocrítica”, exigida pela ortodoxia do Partido. Ela sempre se referia aos seus alunos como ‘camaradas’ e Rivera falando sobre o ímpeto político de sua esposa disse: “alentava o desenvolvimento de um estilo pessoal de pintura. Incentivava seus discípulos a se manter firmes em suas opiniões políticas e sociais” (HERRERA, 1984, p.285). Seus alunos homens, a descrevem como uma militante política, mas a única mulher entre eles, Fanny Rabel, recorda-a tomando posições com aspectos humanistas e não como uma mulher politizada. Na década de quarenta, Kahlo pôs ênfase no conteúdo social da arte e tomou um grande interesse no desenvolvimento político dos seus jovens protegidos. Recomendava a literatura marxista e os envolvia nas discussões políticas entre ela e Rivera. Declarava que a pintura deveria atuar dentro da sociedade. Admitia que era incapaz de produzir quadros com mensagem política, incentivava seus discípulos a seguir a tradição estabelecida por Rivera,
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o realismo “mexicanista” com uma consciência social, em lugar de aderir a corrente de pintura moderna de cavalete, inspirada nos movimentos europeus (HERRERA, 1984, p.286). Mas numa carta a Antonio Rodríguez em 1952, Frida Kahlo escreve sobre sua arte: “Quisera ser merecedora, junto com minha pintura, do povo que pertenço e das idéias que me dão força... Quisera que minha obra contribuísse para a luta do povo pela paz e pela liberdade” (HERRERA, 1984, p.222). Esse recorte revela que, para Kahlo, a pintura unia – pela via da sublimação – arte e política. Encerramos este capítulo com uma citação de Peres: “na pintura o encontro maior, de uma história não apenas de uma mulher, mas de um povo que se viu transpassado por muitas flechas” (PERES, 2002, p.42). A seguir passaremos para o suporte teórico sobre a sublimação no II capítulo.
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2 - A SUBLIMAÇÃO “A pintura salvou a minha vida.” Frida Kahlo6
Partindo da importância central do conceito de sublimação no desenvolvimento desse estudo, seguiremos o pensamento de Freud 7 (1930) que defende a relevância do papel da sublimação no desenvolvimento da civilização, como capaz de tornar possíveis as atividades psíquicas superiores, científicas, artísticas ou ideológicas. É um percurso teórico trilhado a partir de suas teorias sobre a pulsão (Trieb), um dos conceitos fundamentais que servem de base a outras articulações teóricas importantes na psicanálise. A pulsão é a excitação que emerge do interior do corpo e incide sobre o aparelho psíquico, implicando em ações específicas para sua solução. Em As pulsões e suas Vicissitudes (1915), Freud8 após descrever o conceito de pulsão e apresentar suas características, explicita as vicissitudes percorridas pela pulsão: o recalque, o retorno sobre o próprio eu, a transformação em seu contrário e a sublimação. Freud situa a sublimação como um dos quatro destinos da pulsão. O presente capítulo descreve, inicialmente, o destino possível da pulsão e sua relação com o recalque, para a seguir dimensionar a sublimação articulada por Freud e revista por Lacan, ora compreendida como o alicerce em 6
HERRERA, Hayden. Frida: Una biografia de Frida Kahlo. 1984, p. 63. FREUD, S. O mal estar na civilização (1930[1929]). In: Obras Completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1987. 8 FREUD, S. As pulsões e suas vicissitudes. (1915), p.155. 7
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que Frida Kahlo erige a sustentação artística e ideológica para suportar sua tragédia e se situar no mundo e, por último, o trauma.
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2.1 O DESTINO POSSÍVEL DA PULSÃO “As pulsões são ecos no corpo do fato de que há um dizer”. J.Lacan9
O termo pulsão aparece explicitamente na obra freudiana a partir de 1905, nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade é que ele utiliza mais sistematicamente da palavra pulsão e dos diversos termos equivalentes, antes ele utilizava outras expressões, tais como: excitações, idéias afetivas, estímulos endógenos, que Freud trabalha em seu famoso artigo Projeto para uma psicologia científica (1950 [1895])10. Para ele, ”as pulsões têm origem nas
células do corpo e dão lugar as necessidades principais: fome, respiração e sexualidade” (FREUD, 1915, p. 110). Freud traz o exemplo da fisiologia, onde aparece o estímulo ( Reiz), no esquema do arco reflexo – um estímulo vindo do exterior atinge o tecido vivo e é reconduzido ao exterior, por meio de uma ação, relacionando e diferenciando Trieb e Reiz, a pulsão seria um estímulo para o psíquico. Este estímulo é irremovível, mas devemos diferenciar estímulos pulsionais dos fisiológicos, que seriam, por exemplo, uma luz forte nos olhos, este, no âmbito de uma ação muscular. O estímulo pulsional não vem do mundo exterior, mas do próprio organismo. A pulsão age como uma força constante e nunca momentânea. Tendo como denominação, para o estímulo pulsional a necessidade, e para tudo que suspende a necessidade, denominamos de satisfação. Ou seja, a pulsão vai procurar satisfazer-se, já que é a sua meta, mas como isso não é possível, uma vez que a satisfação é parcial, ela retorna e irá se repetir. Destacamos que os destinos da pulsão, “no essencial, consistem em que as moções pulsionais estão submetidas às influências das três grandes polaridades que governam a vida psíquica” (FREUD, 1915, P.134). Essas três polaridades são: 1- A da atividade – passividade como a biológica; 2- A do eu – mundo exterior como o real; 9
LACAN, J. In: Le seminaire, livre XXIII Le Sinthome (1975-76), p.17. Neste texto na p.341 onde Freud diz que “os estímulos endógenos provém das células do corpo”, em nenhuma parte há a palavra “pulsão” (id.110). 10
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3- A de prazer – desprazer como a econômica. Existem, então, vários caminhos para que a pulsão se satisfaça e permute; temos que circunscrever as pulsões sexuais melhor conhecidas por nós e pesquisarmos os destinos que elas podem experimentar no curso de seu desenvolvimento. Dois destes destinos são: a sublimação 11 e o recalque12. Podemos observar que no artigo Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905d), Freud vem teorizando sobre pulsões parciais e zonas
erógenas13, para dizer que: Por “pulsão” podemos entender, a princípio, apenas o representante psíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui continuamente, para diferenciá-la do “estímulo”, que é produzido por excitações isoladas vindas de fora. Pulsão, portanto, é um dos conceitos da delimitação entre o anímico e o físico. (FREUD, 19111913, p.159).
Até então, essas descrições apontam para o fato de que Freud não estabelecia nenhuma distinção entre pulsão e seu ‘representante psíquico’. Nos artigos ulteriores dessa série, Freud traça uma distinção muito acentuada entre pulsão e o ‘representante psíquico’. Num trecho do artigo O Inconsciente (1915), ele descreve que: Uma pulsão jamais pode tornar-se um objeto da consciência; só pode sê-lo a representação que é seu representante. Nem em seu interior do inconsciente pode estar representada há não ser pela representação. (FREUD, 1915, p.173).
Esse mesmo conceito aparece ao longo de sua obra, por exemplo, no artigo O recalque (1914). Mantendo a mesma definição, o representante em questão persiste inalterado e a pulsão permanece ligada a ele. Em outro momento da obra teoriza o representante da pulsão como “uma representação ou grupo de representações, investidas desde a pulsão com uma determinada quota de energia psíquica (libido, interesses)” (FREUD, 1915, p.147), para 11
A sublimação será desenvolvida no item seguinte. O recalque será desenvolvido mais adiante, neste item. 13 Conforme nota de rodapé esta parece ser a primeira ocorrência do termo “zona erógena”. É também nesse texto que Freud fala pela primeira vez em pulsão parcial na página 158 em nota de rodapé. 12
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afirmar que “junto a representação intervém algo diverso, algo que representa {räpresentieren} a pulsão” (FREUD, 1915, p.109). Evoluindo junto com Freud
encontramos que: “a pulsão não é mais considerada o representante psíquico de impulsos somáticos, mas antes como sendo ela própria como não-psíquica” (FREUD, 1915, p.109) em si mesma. Podemos concluir que a teorização freudiana aponta para pura “aparência do que é real que se explicita na ambigüidade do próprio termo – em seu caráter de conceito fronteiriço entre o físico e o anímico” (id.109). Observamos que o significado do termo Trieb14 (substantivo masculino) em sua definição quer dizer broto, rebento (fruto, produto), força de brotar, impulso, inclinação, vontade igual à pulsão, representa o termo em alemão, mas pelo conceito que contém. A teorização de Freud sobre as pulsões vai mais além do termo escolhido. Convém observar que o mesmo é de uso corrente na língua alemã, Trieb (pulsão em alemão) e Pulsion15 (pulsão em francês). Em latim pulsare, guarda também a força de movimento do alemão Trieb.
A genialidade de Freud não só foi trazê-la do uso comum e teorizá-la, “mas em tê-la inserida no arcabouço de uma teoria do conflito psíquico e, portanto, psicodinâmico” (FREUD, 1915, p.107). Podemos encontrar em 1911, no caso Schreber (Seção III) o conceito de Trieb como “a fronteira entre o somático e o mental” (FREUD, 1915, p.108) que
é também o representante psíquico das forças orgânicas. Na evolução do conceito, em 1915 16 verificamos uma ampliação do uso do termo Trieb quando ele desdobra para Triebrepräsentanz ( representante representante de pulsão). Nossa pesquisa segue o percurso teórico de Freud sobre a pulsão, a fim de acompanharmos sua evolução conceitual. Denotamos que em algumas passagens ele chega a expressar sua insatisfação com seu estado de conhecimento a cerca das pulsões. Por exemplo, em O narcisismo17 : uma 14
Convém ressaltar que a tradução do termo para a edição inglesa The Standard Edition of the complete psychological psychological works of S. Freud, Freud, “Strachey traduz traduz Trieb por instinct , ‘instinto’. Sendo assim, vamos utilizar o termo pulsão” (id.108). 15 Este termo surge na França em 1625. 16 Na página 108, do volume XIV. Etmologicamente, narcisismo narcisismo quer dizer qualidade daqueles que se narcisam e está também associado à egolatria. Na definição psicológica, narcisismo tem relação estreita com a libido, esta se dirige para o próprio eu, denotando um amor amor excessivo por si mesmo. mesmo. 17
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introdução (1914) se queixa “da total inexistência de uma doutrina das pulsões
que de alguma forma nos oriente” (FREUD, 1914, p.75). Freud em Pulsões e Seus Destinos (1915) organiza a teoria do desenvolvimento pulsional, que em sua caracterização, as pulsões sexuais são numerosas, brotam de várias fontes orgânicas e no começo atuam independentes umas das outras e só depois se reúnem em uma síntese mais ou menos acabada. A meta que cada uma delas aspira é o sucesso do prazer do órgão18 . Sigamos suas palavras: Em sua primeira aparição se despontam como pulsão de conservação, das que só pouco a pouco se desfazem; também na sua escolha de objeto, seguem os caminhos indicados pelas pulsões do eu. Uma parte delas permanece associada às pulsões do eu pela vida inteira, fornecendo-lhes componentes libidinais, que, passam facilmente inadivertidos durante o funcionamento normal, só sendo revelados de maneira clara no início da doença. Singularizam-se pelo fato de que em grande medida fazem o papel vicário umas em respeitos das outras, e podem mudar com facilidade seus objetos (mudam de comunicação). Em conseqüência dessas últimas propriedades, são capazes de operações de funções muito afastadas de suas ações-metas originais — sublimação. (FREUD, 1915 p.121).
Nesse ponto de vista, o funcionamento vital do organismo disputa energia psíquica com outros interesses sexuais do eu. A corporeidade, a partir de certo momento da organização pulsional, passa a concorrer com as fantasias. E a criação sublimatória aparece como uma defesa, posto que a sublimação é um dos destinos da pulsão, contra a contaminação da exigência pela sexualidade, já que os ímpetos pulsionais sexuais contrariariam a integridade do sujeito, essa energia é desviada para outros fins, de tal maneira que o sujeito encontre uma satisfação. Dito de outro modo, o aparato psíquico rastreia os impulsos ameaçadores do funcionamento basal do sujeito, os desliga da representação dissonante, e capta as energias dispersas realocando-as em investimentos afins à manutenção do sujeito. Assim, as necessidades físicas não são ameaçadas, e as pulsões sexuais, que têm maior mobilidade de interesses, criam um substituto empreendedor para suas representações fantasiosas.
Em nota de rodapé essa expressão prazer do órgão é o prazer descrito de um órgão específico e parece ser usada aqui pela primeira vez (id. 121).
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A criatividade aparece então, nesses casos, para proteger a vida biológica. Sem cultura, sem arte, sem religião, sem prazer no trabalho, o imperativo das fantasias sexuais poderia vir a comprometer a integridade anatomofisiológica. Esse resguardo das necessidades primordiais aparece na obra freudiana, primeiramente, como uma espécie de sabedoria funcional do próprio organismo que redireciona e reequilibra as moções pulsionais sexuais excedentes. E, quando a sublimação passa a ser uma prerrogativa do eu, o eu mesmo passa a defender a vida biológica material. A função do eu, entre outras, passa a ser a de defensor da integridade do corpo, sublimando a sexualidade perturbadora. Num eixo discursivo em que a materialidade corporal e as fantasias são realidades distintas, e que os interesses corporais disputam forças com os investimentos fantasmáticos, identificados na realidade mental, a criatividade sublimatória é um subterfúgio para que os interesses mais plásticos – as fantasias – assumam modos de satisfação que não rompam com a corporeidade. A realização criativa é um recurso psíquico para a coabitação saudável dos interesses do sujeito. Porém, mais tarde em Mais além do princípio do prazer (1920g) Freud alude às pulsões como “o elemento mais importante e obscuro da investigação psicológica” (FREUD, 1920, p.34), as reflexões posteriores e sua incansável busca teórica, o levaram a modificar alguns pontos de vista sobre a classificação das pulsões e seus mais profundos determinantes, aduz que: A palavra Trieb apenas só se encontra nos trabalhos do período de Breuer, na correspondência com Fliess e na Interpretação dos sonhos (1900a). No artigo Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905d) se menciona amplamente a “pulsão sexual” como tal, enquanto a Triebregungen – moções pulsionais, que seriam mais comum em Freud não parece existir antes do artigo sobre Atos obsessivos e práticas religiosas (1907b). (FREUD, 1915, p.109/110).
Em Além do princípio de prazer (1920) Freud nos aponta um caminho para uma definição de pulsão e assevera que: As fontes favoráveis dessa excitação interna são as chamadas chamadas pulsões do organismo: os representantes {Repräsentant} de todas as forças eficazes que se originam no interior do corpo e se transferem
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ao aparelho mental; é este o elemento mais importante e obscuro da investigação psicológica. (FREUD, 1920 p.34).
É neste artigo, Além do Princípio do Prazer (1920), que Freud dá uma nova guinada em sua teoria do aparelho psíquico. Em lugar das diferenciações anteriores, de pulsões sexuais, pulsões de auto-conservação e pulsões narcísicas, ele as reúne em um único conjunto pulsional – as pulsões de vida. Elas têm função agregadora, unificadora e conservadora. Mesclando-se e opondo-se a elas, encontram-se as pulsões que tendem para a redução completa das tensões, para o retorno a um momento mítico de nirvana, em que não há falta, não há tensão, não há desejo – as pulsões de morte. Mas, é um pouco mais adiante, em O Ego e o Id (1923), que Freud trabalha sua última teoria pulsional, fazendo considerações metapsicológicas. Neste momento, ele retoma alguns pontos desenvolvidos em Introdução ao Narcisismo (1914), tomando o ponto de vista de um ego forte, com controle
deliberativo da organização pulsional. O eu estreita suas relações com o id, difusor das pulsões eróticas, e, se torna capaz de negociar algumas escolhas objetais eróticas em benefício próprio. O eu passa a ser objeto de amor do id e sede pulsional. Faremos agora algumas considerações sobre o recalque – Die Verdrängung, pois o seu processo é fundante do aparelho psíquico. O recalque
é o pilar da teoria psicanalítica e um dos primeiros conceitos a se constituir na teoria freudiana. O termo foi utilizado por Freud, desde 1893, no texto Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: comunicação preliminar , neste
momento empregado de maneira análoga à idéia de defesa. Neste texto, Freud emprega pela primeira vez o termo recalcado. Mais tarde, em 1896, em uma carta a Fliess, de 26 de dezembro – Carta 52 escreve que o recalque é: Uma falha de tradução – uma denominação clínica da falha de tradução de alguns materiais que não têm acesso à consciência [...] O motivo desta falha de tradução é sempre a produção de desprazer que resultaria de uma tradução; [...] É como se esse desprazer provocasse um distúrbio do pensamento, que não permite o processo de tradução. (MASSON, 1986, p.209).
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O recalque é o que visa manter no inconsciente todas as representações ligadas às pulsões e cuja realização, produtora de prazer, afetaria o equilíbrio do funcionamento psicológico do sujeito, transformando-se em fonte de desprazer. O recalque é constitutivo do núcleo original do inconsciente.
A doutrina do recalque é agora o pilar fundamental sobre o qual repousa o edifício da teoria psicanalítica. É seu elemento mais essencial. Todavia não é mais que a formulação teórica de uma experiência que se pode repetir a vontade toda vez que se empreende uma análise de um neurótico sem o auxílio da hipnose. (FREUD, 1914, p.15).
Freud transformou o processo catártico (hipnose e sugestão) em psicanálise, a partir de novos fatores – a transferência e a resistência, o reconhecimento da sexualidade infantil, a interpretação, a exploração dos sonhos - como a via régia para o conhecimento do inconsciente. Ele afirma que: “se oporia com maior ênfase a quem procurasse colocar a teoria do recalque e da resistência entre as premissas da psicanálise, em vez de colocálas entre as suas descobertas” . (FREUD, 1914, p.16). Freud assevera que “o método catártico é como se fosse um estágio preliminar da psicanálise e que a história da psicanálise teve início só com a nova técnica – associação livre – que dispensa a hipnose” (id.16). Portanto, foi só quando se prescindiu da hipnose que se pode evidenciar a atividade psíquica do inconsciente. Com o método de associação livre Freud descobre que suas pacientes apresentavam falhas de memória ao tentarem falar de um fato traumático. Ele interpreta essa resistência como um processo, cujo objetivo seria manter fora da consciência uma representação ameaçadora.
Uma
representação
recalcada ao retornar a consciência pode voltar posteriormente ao inconsciente. É esta economia de catexia que transita, circula entre os sistemas que caracterizam o sistema inconsciente/consciente – a descoberta de Freud. Ele supõe que cada sistema psíquico possui uma energia, de tal forma que a passagem de uma representação de um sistema para o outro seria explicada, através do desinvestimento dessa representação, por parte do primeiro sistema; e de um reinvestimento, por parte do segundo sistema. O recalque não lida com as pulsões em si, mas com os representantes da
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representação, imagens ou idéias, isto é, com os Vorstellungrepresentanz que, apesar de recalcados, continuam ativos no inconsciente, sob a forma de derivados ainda mais prontos a retornar ao consciente. A pulsão está aquém da distinção entre consciente e inconsciente, na medida em que ela jamais pode tornar-se objeto da consciência, e no inconsciente, ela tem que ser representada por uma idéia. O recalque de um representante da pulsão nunca é definitivo, continua sempre ativo, daí um grande dispêndio de energia. A pulsão tem como finalidade sua satisfação. Se a finalidade do recalque é evitar o desprazer, como poderia a satisfação de uma pulsão causar desprazer? A realização do objetivo da pulsão é sempre prazerosa. Então, quando Freud fala de recalque, refere-se sempre ao representante ideativo da pulsão que estava em confronto com o sistema consciente/pré-consicente (FREUD, 1914, p.143). O outro representante psíquico da pulsão é o afeto e também não pode ser recalcado. Ele sofre vicissitudes, mas não pode ele mesmo ser recalcado, pois não existem afetos inconscientes, posto que um afeto inconsciente seria um sentimento que não se sente. O que pode ser recalcado é a idéia, à qual o afeto estava ligado, havendo assim uma cisão entre o afeto e a idéia, entre o afeto e a representação.
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2.2 A SUBLIMAÇÃO EM PSICANÁLISE
O termo sublimação – Sublimierung –, de origem latina, indica um movimento de ascensão ou elevação daquilo que se sustenta no ar. Utilizado por Freud, admite várias aplicações e desdobramentos. Vindo das artes, quer dizer sublime e designa uma passagem do senso comum para o senso estético. Na química, a sublimação é definida como a passagem do estado sólido para o gasoso; na psicologia, está articulada ao conceito subliminar e, no sentido alquímico, a sublimação consiste na transformação do vil metal em ouro puro. Na alquimia, a água sempre é água em qualquer estado: sólido, líquido e gasoso. As moléculas se concentram e chove, se transformam em líquido, não perdem a essência. Na sublimação a energia pulsional, o conteúdo sexual da pulsão nunca é extinto, há sempre um resto, daí a sublimação. Attié (1997, p.146) acrescenta que, no sentido moral, a sublimação é uma purificação da alma. A sublimação no conceito freudiano é um “processo que diz respeito à libido objetal e consiste no fato de a pulsão se dirigir no sentido de uma finalidade da satisfação sexual; nesse processo, a tônica recai na deflexão da sexualidade” (FREUD, 1914, p.101). Lacan define a sublimação como sendo “o objeto elevado à dignidade da Coisa 19, das Ding ” (LACAN, 1959-1960, p.140). O termo das Ding, Lacan o retira nas formulações freudianas, precisamente do Entwurf – Projeto para uma psicologia científica (1950[1895]) e vai tratar mais
especificamente no Seminário, Livro 7: A ética da psicanálise, que: [...] será proposto, enquanto conceito na teoria de Lacan, indicativo do vazio possibilitador do sujeito à linguagem, dado que esta, em sua perspectiva, constitui a via pela qual as palavras tentam apreender a coisa de impossível apreensão. (MAURANO, 1995. p.22).
A Coisa, dirá Lacan “é o que do real padece dessa relação fundamental, inicial, que induz o homem nas vias do significante 20, pelo fato de ele ser 19
A Coisa, das Ding , é o Outro originário do ‘desejo’, o Outro absoluto do sujeito, o Outro real, do qual a língua seria a prova. 20 Significante se caracteriza por representar um sujeito para outro significante (Lacan, 1973[1972] p.68).
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submetido ao que Freud chama de princípio do prazer” (LACAN, 1959-1960 p.168). A sublimação não tem uma conotação de alguma coisa que não vai bem, mas exatamente o oposto. Como Freud afirma em Notas sobre um caso de neurose obsessiva (1909) que a sublimação se refere ao campo da saúde.
(FREUD, 1909, p.178). Representa um importante sinal de sucesso, um saber fazer, um savoir faire21. No caso do artista, é seu estilo que nos revela essa posição, mais do que isso, aquilo que ele é, o seu Real. Algo dessa singularidade do sujeito que para além dos temas recorrentes na obra de um artista possamos relacionar com sua biografia. E que diga respeito à maneira pela qual esse sujeito em particular articula-se com seu desejo na forma de uma pintura, de um savoir faire, que ao mesmo tempo revela e oculta esse desejo e nos mostra esse desejo na forma de uma pintura. E o recurso de que o artista se utiliza para tal, é a sedução. O afastamento e desvio do que é sexual lança a pulsão em direção de uma outra meta, numa sublimação, onde parece haver relação com a formação de ideal. O processo da idealização ocorre com o objeto e por meio do qual é psiquicamente engrandecido e exaltado, sem sofrer alteração em sua natureza. Porém, a idealização pode ocorrer tanto no campo da libido do eu, quanto no campo da libido objetal. Sabemos que uma supervalorização sexual do objeto é de fato uma idealização desse objeto. Portanto, é preciso distingui-las: a sublimação descreve algo que ocorre com a pulsão, a idealização descreve algo que ocorre com o objeto. Freud acrescenta que “a formação de ideal aumenta as exigências do eu, e é o mais forte favorecedor do recalque. A sublimação constitui uma saída que permite cumprir essas exigências sem envolver o recalque” (1914, p.92). Em 1905, Freud postula que os fenômenos da criação e da ação cultural veiculam a energia do eu deslocada para atividades não sexuais, “cuja energia é desviada do uso sexual e voltada para outros fins” (FREUD, 1905, p.167). A sublimação depende da dimensão narcísica do eu. Freud refere-se ao termo para dizer que é um tipo particular de atividade, de destino pulsional: a criação 21
“Expressão francesa, datada de 1617, formada por savoir (“saber”) e faire (“fazer”), para designar a habilidade, o jeito de se obter êxito graças a ações que são, ao mesmo tempo, maleáveis e precisas” (LACAN, 1975-1976 p.14).
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literária, artística e intelectual. Não tem nenhuma relação aparente com a sexualidade, mas extrai sua força da pulsão sexual, na medida em que esta se desloca para um alvo não sexual, investindo em objetos socialmente valorizados, tais como: as obras, as criações literárias, as poesias etc. E acrescenta que: “adquirem-se poderosos componentes para todas as realizações culturais” (FREUD, 1905, p.167). E Lacan em seu ensino, no Seminário, Livro: 7 A ética da Psicanálise, nos dá o seu aval neste momento doutrinário de Freud, que está em sua primeira tópica, em que: A sublimação caracteriza-se pela mudança nos objetos, ou na libido, que não se faz sintomaticamente, indiretamente, mas diretamente, de uma maneira que se satisfaz diretamente. A libido vem encontrar sua satisfação nos objetos. Muito simplesmente, muito massivamente, e, para dizer a verdade, não sem abrir um campo de perplexidade infinita, como objetos socialmente valorizados, objetos aos quais grupo pode dar sua aprovação, uma vez que são de utilidade pública. (LACAN, 1960, p:119).
Apesar de a sublimação ser um conceito pouco explorado por Freud, ele atribui uma importância fundamental na vida psíquica. Lacan tratará este assunto como muito “problemático para os teóricos da psicanálise” (LACAN, 1959-1960 p.111). Dirá, um pouco, mais adiante que “a sublimação é, com efeito, a outra face da exploração que Freud efetua como pioneiro das raízes do sentimento ético, na medida em que este se impõe sob a forma de interdições, de consciência moral” (id.111), introduzindo assim a questão da ética. O horizonte metafórico a que Freud nos leva é da vida criativa, sublimatória, como um desvio de interesses primários, de caráter sexual, os quais não puderam ser realizados diretamente, já que os impulsos individuais não puderam ser satisfeitos, eles são redirecionados para realizações do bem comum. Até então, Freud imprime este caráter de aprovação social à sublimação. Mas como nos lembra Lacan, tudo que é da ordem da pulsão coloca a questão de sua plasticidade e dos seus limites e ele, Freud, numa nota de rodapé, desse mesmo texto Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), nos aponta para a formação reativa, que desenvolverá mais tarde no texto Sobre o narcisismo: uma introdução (1914). A criatividade sublimatória tem, no entanto, suas nuances, ao longo da obra freudiana. Em suas primeiras formulações, Freud apresenta a realização
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sublimatória como uma marca simbólica no mundo de um desejo sexual que fora censurado. Não sendo possível a satisfação direta, a primitividade pulsional burla as impossibilidades, e se reapresenta ao mundo, de tal maneira que passe a ser aplaudida por ele. Podemos dizer que os processos criativos se mantêm, em linhas gerais, como o desenvolvimento de uma disposição sexual indiferenciada, cujo redirecionamento, para objetivos assexuais mais elevados, fornece energia para as realizações culturais. Para Freud, a criatividade também é um desvio dos impulsos biológicos que, impossibilitados de sua efetivação direta, tomam caminhos substitutivos de satisfação do sujeito. Desse modo, a criatividade tem a sexualidade como móvel originário. Sendo um processo que consiste em lançar a pulsão a uma outra meta, distante da satisfação sexual propriamente dita, a ênfase recai sobre o desvio, em relação ao sexual, ou seja, pressupõe-se a manutenção do objeto da pulsão, havendo, no entanto, a transformação do alvo. A sublimação seria o que permitiria a constituição de uma dialética da alteridade, por meio da inscrição da pulsão, no campo da cultura. A arte seria, assim, uma modalidade de sublimação as pulsões, na qual o sujeito manteria o objeto de investimento, transformando seu alvo. Assim, em Escritores Criativos e Devaneio (1908 [1907]), Freud compreende a obra de arte como um substituto do que foi o brincar infantil. Nesse mecanismo, aproxima o artista da criança que, ao brincar, cria um mundo próprio reajustando seus elementos de uma forma que lhe agrade, mantendo, com isso, uma nítida separação entre seu mundo de fantasia e a realidade. Nessa formulação inicial sobre sublimação, ele nos diz que “a antítese do brincar não é o que é sério, mas o que é real” (FREUD, 1908 [1907], p.135). Frida Kahlo confirma essa perspectiva quando, no brincar, em sua tenra infância, criou uma amiga imaginária com quem trocava confidências e fantasias, que expressará mais tarde no quadro intitulado – As duas Fridas (1939) – cuja origem ela explica em seu diário 22. Da invasão do real de um acidente que transformou sua vida, ela inventa sua arte, cria a partir do vazio. Acreditamos que a possibilidade sublimatória já existia em Frida Kahlo. Porém, A explicação de Frida Kahlo sobre a origem do quadro se encontra na página 20 do primeiro capítulo. 22
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foi a partir do acidente, que a sua obra pictórica foi produzida para suportar o vazio, a dor de existir, uma dor tanto no corpo, quanto na alma. É importante chamar atenção para o fato de que essa obra foi realizada no momento da separação de Diego Rivera, seu marido, parecendo indicar que Frida recorreu à fantasia infantil e fez dela cúmplice de sua dor no processo criativo. A sublimação foi conceituada por Freud, em 1908, no texto Moral sexual ‘civilizada’ e doença nervosa moderna, onde ele vai falar da capacidade de
deslocar objetivos sem restringir a sua intensidade. Ou seja, a pulsão não tem essa intensidade, o seu objetivo é a satisfação, porém desloca o seu alvo, e “essa capacidade de trocar o seu objetivo sexual original por outro, não mais sexual, mas psiquicamente relacionado com o primeiro” (FREUD, 1908, p.174). Essa é a capacidade da sublimação. E traz uma idéia fundamental para o conceito de sublimação: a mobilidade. Mobilidade, em contraposição à fixidez, ou a própria fixação da libido num objeto. Não apenas a obra artística aponta para o processo sublimatório na vida de Frida Kahlo, mas esse processo também é visível na perspectiva política, em que a artista investe deliberadamente, concentrando nela sua enorme energia vital: Quisera ser merecedora, junto com minha pintura, do povo que pertenço e das idéias que me dão força... Quisera que minha obra contribuísse para a luta do povo pela paz e pela liberdade. (HERRERA, 1984, p.222).
Freud (1933), em Novas Conferências Introdutórias sobre a Psicanálise , chama atenção de que a satisfação pulsional pode ser substituída por outra: As relações de uma pulsão com a sua finalidade e com o seu objeto também são passíveis de modificações; ambos podem ser trocados por outros embora sua relação com seu objeto seja, não obstante, a que cede mais facilmente. Um determinado tipo de modificação da finalidade e de mudança do objeto, na qual se leva em conta nossos valores sociais, é descrito por nós como sublimação. (FREUD, (1933 [1932]), p.99).
O envolvimento político recoloca a questão da sexualidade como a energia propulsora das ações, confirmando o mecanismo pulsional, com o poder de desviar as finalidades mais elevadas, chamadas sociais. Freud nesse
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texto demonstra que a modificação da finalidade, a mudança de objeto e a valoração social são do campo da sublimação. Frida Kahlo tem sua maneira própria de se inserir na questão política que, embora não se presentifique como tal na maioria dos seus quadros 23, está explícita simbolicamente na sua figura, no seu modo de se conduzir na vida e na sua marcante cidadania, sempre valorizando sua cultura e desafiando a ideologia burguesa imperativa nos meios sociais de seu tempo. A artista utiliza em sua plástica – pessoal e artística – os símbolos do México, além de deliberadamente assumir uma posição ideológica marcante que fez dela uma das representações mais expressivas da luta nacionalista em que mergulhava sua Nação, identificada à causa mais popular. Inclusive ela dizia ter nascido em 1910, ano da instauração da Revolução Mexicana. O que afirma Marta Turok, antropóloga mexicana, num escrito na parede do Palácio de Cultural – Galerias La Granja, Coyoacán, na semana de comemoração da Pátria, sobre Frida Kahlo: Frida foi grande impulsora da arte e das tradições do México. Em sua época, como conseqüência da Revolução Mexicana, houve um grande interesse por criar uma identidade nacional a partir da herança indígena e mestiça. A pintora recorre a temas, técnicas e materiais da cultura e da arte popular mexicana, colocando seu selo pessoal. O que celebra o povo mexicano? Buscar uma resposta a partir de um olhar cultural: sua religiosidade. (Anotações da autora em setembro de 2007).
Em dezembro de 1984, o governo da cidade natal de Frida Kahlo, Coyoacán, DF, mostra que os esforços de Frida foram glorificados, tratando-a como um marco artístico, político e cultural, prestando-lhe uma homenagem, com o reconhecimento expresso na placa inaugural do Jardim Cultural Frida Kahlo, numa resposta positiva ao desejo da artista de contribuir à cultura mexicana. A significativa placa identifica-a como um marco de conquistas sociais e culturais promovidas em sua terra. Temos a necessidade de fortalecer a cultura nacional através de duas grandes tarefas estritamente correlacionadas. A primeira: ampliar a participação democrática dos grupos, das comunidades e dos 23
No último ano de vida seus quadros se converteram numa comunicação de sua fé política, a artista produz vários deles, dentre tantos destacamos – O marxismo dará saúde aos doentes (1954).
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indivíduos que compõem a sociedade mexicana, para o conhecimento, a criação e o desfrute de nossa cultura. A segunda: difundir, afirmar e enriquecer nossa identidade cultural. (Foto em setembro de 2007, feita pela autora).
A citação reporta ao texto de Freud O mal estar na civilização (1930 [1929]), onde afirma que as mulheres se opõem à civilização e demonstram sua influência retardante e coibidora (FREUD, 1930 [1929], p.109) em prol da família. Mais adiante, Freud conduz à compreensão do feminino 24, quando destaca que: “os homens não dispõem de quantidades ilimitadas de energia psíquica, [...] Aquilo que emprega para finalidades culturais, em grande parte o extrai das mulheres e da vida sexual” (id.109). Quando se percebe que Frida Kahlo desenvolveu o seu próprio estilo artístico, ancorado na cultura mexicana; esse ‘ modus vivendi’ é que a impulsionou e a internacionalizou, fazendo-a conhecida e respeitada, surgindo a questão: será que as mulheres, como se refere Freud ao usar os termos retardante e coibidora, (id.101) são contra a cultura ou estão na cultura de forma diferente? Frida Kahlo não constituiu uma família aos modos tradicionais, como Freud conceituava o que é uma família, ou seja: pai, mãe e filho. Será que ela substituiu a maternidade pelo seu trabalho? Teria mais uma vez efetuado uma sublimação? Aos seus alunos ela se referia como seus filhos. Ou será que para além da maternidade, embora Kahlo tenha tido três ou mais gravidezes, sua obra teria o mesmo brilho fálico, assim como teoriza Lacan? Donde nem tudo se pode sublimar, Frida sofreu terrivelmente pelo fato de não poder ter filhos, ainda que com sua produção possa ter podido dar uma forma bela a esse horror, mas parece que algo desse horror continuou presente. Freud não conseguiu responder à sua pergunta: o que quer uma mulher? (Was will das Weib?) (FREUD,1915, p.274) . Em sua análise, se quisermos saber mais sobre a mulher, pede que perguntemos aos poetas. Entre as criações artísticas de Frida Kahlo, está presente a poesia, formulada e escrita como parte de sua obra, nas várias cartas que compõem sua biografia. Teria ela encontrado a resposta? 24
O feminino será desenvolvido no capítulo III.
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Parece haver em Frida Kahlo uma não renúncia à relação na qual o objeto toma a frente da cena. Alain Juranville, segundo Maurano Mello em Nau do Desejo, vale-se de Freud para apontar que na sublimação a ênfase –
investimento libidinal – se desloca do objeto para recair sobre a ação, sendo que a flexibilidade do investimento libidinal sexualizado transforma o envolvimento político de Frida Kahlo em suas ações, tanto no campo da arte quanto no da política. A sublimação assim estaria cumprindo a sua função estratégica, ou seja, ludibriando o recalque, contornando o vazio de das Ding , protegendo o sujeito de seu sintoma. Frida Kahlo, identificada ao pai, pintor amador e fotógrafo profissional, seu grande incentivador na pintura, opera pela via da feminilidade, ou seja, maneja os atributos da mascarada 25, fazendo o semblant 26 fálico, trazendo à mostra aquilo que ela não é. É pelo que ela não é, que ela quer ser desejada ao mesmo tempo em que é amada. Ela desafia o outro para que desmascare sua pujante feminilidade. (LACAN, 1958, p.701). Uma saída que Frida Kahlo repete, como na sua primeira exposição em Nova Iorque, organizada pelo “papa” do surrealismo, André Breton, ela opta por posar para os fotógrafos exatamente diante de um dos seus quadros que não fora considerado surrealista. Contraria as expectativas e surpreende. Ela não se considerava surrealista, afirmando: “eu nunca pintei meus sonhos. Só tenho pintado minha própria realidade” (KAHLO, 1995, p.287). Segundo Herrera, Frida Kahlo aceitou estrategicamente participar da exposição como surrealista, por ser a primeira oportunidade de se lançar em outro país para divulgar sua obra e a cultura mexicana, dando nova dimensão a seu nome na história da arte. Nesse momento, como não poderia deixar de ser a personagem dela mesma, usa fartamente todos os instrumentos da estética para atrair as atenções e transformar aquela circunstância da arte em um manifesto políticosocial de sua obra tornando-se um modelo internacional para mulheres, seja em moda, atitude ou arte. Atraia, assim, todos os olhares a seu favor.
25
A mascarada – masquerade – é uma expressão de Karen Horney, conceituada por Joan Rivière: como uma construção do feminino. 26 Semblant tem sua raiz em verbo da própria língua francesa (sembler, “parecer”). Esse termo na psicanálise de orientação lacaniana, diz respeito ao que parece ser sem nada esconder. Em seu sentido etimológico é definido como: rosto, face, cara e é usado também com o sentido figurado de aparência, fisionomia, aspecto.
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Para isso, ela se enfeita nas cores vibrantes de sua alma, vestindo-se de tehuana (saias longas e coloridas), marcando a presença de suas raízes e de
sua cultura, causando estranheza ao povo americano. Com essa representação queria apenas dizer: “sou mexicana”. Ela faz o movimento político, exercendo o lado fálico da mulher que dá os indícios do quanto, em sua obra, tal inscrição feminizou a personagem da história mexicana que pulsou em carne viva, alcançando uma identidade própria. Diego Rivera, ao analisar as características que a destacavam, afirma que Frida Kahlo “é uma pintora por direito próprio” (HERRERA, 1984, p.196). Em 1943, Rivera escreveu um artigo classificando-a como “realista”, assevera que: “[...] a arte de Frida é individual e coletiva. Seu realismo é tão monumental que tudo tem x dimensão. Como conseqüência, pinta ao mesmo tempo o exterior e o interior dela mesma e do mundo...” (id.220).
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2.2.1 Desenvolvimento de sublimação em FREUD
Pesquisamos em toda sua obra os caminhos percorridos por Freud, no que diz respeito à sublimação. É digno de acrescentar que se trata de um artigo que teria sido escrito nos anos 1914-1915 e se supõem ter sido extraviado na época da irrupção da Primeira Guerra Mundial (FREUD, 1915 p.112), pois não fora encontrado, juntamente com mais outros seis que formava um conjunto de doze artigos de sua Metapsicologia. Ao longo de sua obra, Freud, em alguns momentos, desenvolveu concepções sobre sublimação articuladas a casos clínicos e, em outros, no estudo de artistas e suas obras. A seguir, sintetizados. Começamos nos Extratos dos documentos dirigidos a Fliess (1950 [1892-1899]) no Rascunho L (Notas I de 02 de maio de 1897) – Arquitetura da Histeria. Neste texto, Freud considera que através da sublimação seria possível
a aceitação da fantasia de questões sexuais. Diz ele que as fantasias servem, ao mesmo tempo, à tendência de aprimorar as lembranças, de sublimá-las. (FREUD, 1899, p.297). Freud usa o termo sublimação como elevação, aprimoramento, embelezamento de fatos ou lembranças e o associa às fantasias. No texto Fragmento da análise de um caso de histeria (1905 [1901]) – O quadro clínico – Posfácio (Caso Dora) aparecem os primeiros indícios de
sublimação ‘atual’. Freud promove a equivalência entre desvio para objetos assexuais mais altos, elevados e sublimados. Neste texto, a sublimação surge atrelada à fantasia e ao desenvolvimento. Ele situa a sublimação como influência moderada para o psiquismo e define-a como substituição de objeto e objetivos sexuais da pulsão por objeto e objetivos não sexuais. Diz ainda que: “são, portanto, edições revistas e não mais reimpressões” (FREUD, 1905, p.111). Um pouco mais adiante, no texto, pergunta a Dora: “agora você fez uma transferência do Sr. K para mim (diretamente ou por meio de alguma sublimação)?” (id.113). O ponto chave aparece com a sublimação associada à perversão e ao desvio do objeto sexual, conduzindo o sujeito a possibilidades de realizações culturais, são suas palavras: “destina-se a fornecer energia para
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um grande número de nossas realizações culturais” (FREUD, 1905, p.56) Embora tenham ocorrido complementos posteriores, a raiz do conceito de sublimação foi descrita neste texto. É neste texto também que Freud vai dizer que as psiconeuroses são o negativo das perversões. E que nos neuróticos, a constituição sexual, na qual está contida a expressão da hereditariedade atua em combinação com influências acidentais de sua vida que possam perturbar o desenvolvimento da sexualidade normal. (id. 56) No texto Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905) II: A sexualidade infantil – Formação reativa e sublimação aparece pela primeira vez
a definição formal de sublimação, diz Freud que: Os historiadores da cultura parecem unânimes em supor que, mediante esse desvio das forças pulsionais sexuais das metas sexuais e por sua orientação para novas metas, num processo que merece o nome de sublimação adquirem-se poderosos componentes para todas as realizações culturais”. (FREUD, 1905, p.167)
Neste momento, o acento dado ao conceito de sublimação, é a garantia do desenvolvimento da sociedade, mesmo que a partir das pulsões sexuais. A sublimação aparece como uma possibilidade de modificar forças pulsionais que poderiam trazer desprazer ao sujeito e também a possibilidade de enfrentar situações ameaçadoras, talvez aqui, um tipo de defesa pulsional. Freud acrescenta ainda que a plasticidade pulsional seja o que permite a sublimação. Em nota de rodapé ele vai dizer que “a sublimação das forças pulsionais sexuais efetua-se pelo caminho da formação reativa” (id. 168). E distingue a sublimação de formação reativa: diz ele que são “dois processos conceitualmente diferentes e que a sublimação também pode dar-se por outros mecanismos mais simples” (id. 168), e sobre o mecanismo desse processo pode-se arriscar uma conjectura. Aduz que: As moções sexuais desses anos da infância seriam, por um lado inutilizáveis, já que estão diferidas as funções reprodutoras – que constitui o traço principal do período de latência –, e por outro, seriam, perversas em si, ou seja, partiriam de zonas erógenas e se sustentariam em pulsões que, dada a direção do desenvolvimento do indivíduo, só poderiam provocar sensações desprazerosas . (FREUD, 1905, p.168).
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Em Rupturas do período de latência (1905), Freud traz a questão da sublimação ligada ao ideal educativo: “que vez por outra irrompe um fragmento de manifestação sexual que se furtou à sublimação, pois a atividade sexual torna a criança ineducável” (FREUD, 1905, p.168). No texto A investigação sexual infantil – A pulsão de saber (1905), a vida pulsional da criança chega a sua primeira florescência, dos três aos cinco anos, e: “se inicia a atividade que se inscreve na pulsão de saber ou de investigar” (FREUD, 1905, p.183), a questão que aparece é o enigma sobre a origem dos bebês. Em 1908, no texto Caráter e erotismo anal Freud faz referência à sublimação do erotismo anal. Ratifica o que já havia assinalado em 1905 e situa o período de latência como um momento de reserva de energia a ser sublimada
e
que
este
processo
mostra-se
como
motor
para
os
comportamentos sociais. Freud aponta para a sublimação como estando ligada ao período de latência. Diz ele que: [...] de um modo geral, só uma parcela dela é utilizada na vida sexual; outra parte é defletida dos fins sexuais e dirigidas para outros fins, num processo que denominamos de ‘sublimação’. (FREUD, 1908, p.160).
Freud afirma em seu texto Caráter e erotismo anal ( 1908) que a maneira como o sujeito lida com as fezes será a mesma com que irá lidar com o dinheiro, pois o erotismo anal é um dos componentes da pulsão sexual e acrescenta que a suposição que: [...] os traços de caráter – a ordem, a parcimônia e a obstinação – com freqüência relevantes nos sujeitos que anteriormente eram analeróticos, sejam os primeiros e mais constantes resultados da sublimação do erotismo anal. (id.161).
No texto Moral sexual civilizada e doença moderna (1908), Freud traz o que podemos chamar de conceito: Essa pulsão coloca à disposição da atividade civilizada uma extraordinária quantidade de energia, em virtude de uma singular e marcante característica: sua capacidade de deslocar seus objetos sem restringir consideravelmente a sua intensidade. À essa
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capacidade de trocar seu objetivo sexual original por outro, não mais sexual, mas psiquicamente relacionado com o primeiro, chama-se capacidade de sublimar. (FREUD, 1908, p.174).
Em seguida Freud vai falar em dom, ele diz: “parece-nos que a constituição inata da cada indivíduo é que irá decidir primeiramente qual parte de sua pulsão sexual será possível sublimar e utilizar” (FREUD, 1908, p.174). Mais adiante ele vai dizer que: “as mulheres, em sua qualidade de verdadeiro instrumento dos interesses sexuais da humanidade, só possuem em pequeno grau o dom de sublimar” (FREUD, 1908, p.180). Freud alega que: Na juventude seria um período difícil de ocorrer sublimação e que o domínio da pulsão pela sublimação, defletindo as forças pulsionais sexuais do seu objetivo sexual para fins culturais mais elevados, só pode ser efetuado por uma minoria. (FREUD, 1908, p.178).
Por que o período da juventude seria difícil, segundo Freud, para ocorrer a sublimação? Poderia ser pelo fato de que na juventude existe maior propensão para a satisfação direta das pulsões sexuais? Não é justamente quando as excitações sexuais são excessivas que pode ocorrer a sublimação? Freud frisa que a capacidade para a sublimação é uma característica individual alicerçada no constitucional e na história infantil e que o contraponto entre “a quantidade de sublimação e a quantidade de necessidade de expressão sexual direta é variável, dependendo inclusive de profissões” (id.181). Freud articula neste texto: - A expressão da sexualidade de forma direta - A repressão influenciada pela cultura - A capacidade de sublimar Observa-se que este material apresenta-se enigmático para Freud que em alguns momentos mostra a sublimação como algo relacionado a “casos favoráveis” e “fins culturais mais elevados”. Em seguida assinala a importância da expressão da sexualidade de forma direta. O período de latência é um período de repouso, não há excesso de pulsão sexual, não há necessidade de sublimação. Freud diz que os homossexuais ou invertidos, que de uma maneira até então não fora compreendida, tiveram os seus impulsos sexuais reprimidos e,
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conseqüentemente, sua sexualidade defletida do sexo oposto. Afirma que “a constituição das pessoas que sofrem de inversão – os homossexuais – distingue-se amiúde pela especial aptidão de sua pulsão sexual para a sublimação cultural” (FREUD, 1908, p.176). Em Notas sobre um caso de neurose obsessiva (1909) – Extratos clínicos – (G) O complexo paterno e a solução da idéia do rato, Freud pontua a
importância da história infantil como relevante para os caminhos pulsionais. Deixa claro que as inibições e substituições, provavelmente referindo-se a sintomas, estão ao lado do adoecimento, enquanto a sublimação se refere ao campo da saúde. (FREUD, 1909, p.178). O dom de curar nem sempre está em medicamentos ou em cirurgias. Pode estar, literalmente, nas mãos de um artista, mesmo que esta arte não seja exposta. Há casos de cura em que é a devolução da auto-estima do sujeito, por exemplo, em casos de implantes, que além de re-inserir o sujeito no meio social, propicia a visão de uma nova vida, levando-o a subjetivar sua nova condição de vida. No texto Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância (1910), Freud assinala os fatores relevantes para a construção da sexualidade do sujeito: - A constituição - A hereditariedade - As possibilidades de modificações posteriores percorridas Acrescenta que, dependendo das vicissitudes percorridas durante o desenvolvimento do sujeito, podem surgir três resultados diversos: - Vida sexual perversa - Recalque - Sublimação (esta pode revelar uma disposição para atividades artísticas, que seriam resultado de uma mistura de eficiência, perversão e neurose). Freud dá como resposta ao enigma da transferência do interesse inicial de Leonardo da Vinci pelas artes e sua dedicação posterior à ciência, a substituição da sublimação original por uma segunda sublimação, por ela ser, por si só, um processo de substituição. Ele destaca a possibilidade de sublimar não só em atividades artísticas, culturais e religiosas, como também no cotidiano do sujeito, como é o caso da atividade profissional. Nesse sentido,
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podemos dizer que, o que sustenta a sublimação seria não só sua capacidade de sobrepor toda e qualquer atividade, mas sua valorização social, uma vez que a tese freudiana repousa no pressuposto de que a maioria dos sujeitos consegue orientar porções significativas de suas forças pulsionais sexuai para atividades socialmente valorizadas. Leonardo da Vinci, considerado paradigma de uma pulsão sexual sublimada, teve segundo Freud, esta pulsão originada na primeira infância prosseguindo durante seu desenvolvimento. Parte de sua energia sexual teria servido como reforço para a sublimação. O impulso investigador tem então sua origem ao que Freud denominou como pulsão de saber, caracterizado na sede de saber quando a criança faz perguntas a respeito de tudo e faz sua pesquisa particular disfarçando a curiosidade a respeito da origem dos bebês. Se o período de investigação em seu término sofre uma repressão severa, pode, a partir de então, trocar caminhos ou, até mesmo destinos possíveis, decorrentes de seu primeiro envolvimento com os interesses sexuais. Desta forma, temos a inibição neurótica – período em que a investigação intelectual se faz limitada, podendo se estender por toda vida do sujeito. A compulsão neurótica, resultado da resistência à repressão sexual, substitui a atividade sexual e a sublimação, onde a libido subtrai-se ao recalque, transformando-se em desejo de saber, reforçando a pulsão de investigação. Freud ao discorrer sobre o final do período de pesquisa sexual infantil vai dizer que o impulso de pesquisa terá três possíveis diferentes vicissitudes e assevera que: Acerca da ocorrência, em Leonardo, desse poderoso instinto de pesquisa e a atrofia de sua vida sexual (restrita ao que poderíamos chamar de homossexualidade ideal [sublimada]), [...] depois de sua curiosidade ter sido ativada, na infância, a serviço de interesses sexuais, conseguiu sublimar a maior parte da sua libido em sua ânsia pela pesquisa. (FREUD, 1910, p.88).
Nas Cinco Lições de Psicanálise (1910 [1909]) – Segunda Lição, Freud aponta que a luta pela saúde se dá pela neurose ou pela sublimação, nos diz ele:
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Ou a personalidade do doente se convence de que repelira sem razão o desejo e consente em aceitá-lo total ou parcialmente, ou este mesmo desejo é dirigido para um alvo irrepreensível e mais elevado (o que se chama ‘sublimação’ do desejo), ou, finalmente, reconhece como justa a repulsa. (FREUD, 1910, p.42).
Na Quinta Lição, Freud relaciona a sublimação com a suspensão do recalque e seguimos seu pensamento: “por causa das repressões, que o neurótico perdeu muitas fontes de energia mental que lhe teriam sido de grande valor na formação do caráter e na luta pela vida” (FREUD, 1910, p.63). E aponta a sublimação como: Uma solução muito mais conveniente, que pela qual a energia dos desejos infantis não se anula, mas ao contrário permanece utilizável, substituindo-se o alvo de algumas tendências para outro mais elevado, quiçá não mais de ordem sexual. (FREUD, 1910, p.64).
Então, o sujeito troca o fim sexual por outro mais distante e de maior valor social. Freud diz que as maiores conquistas da civilização são devidas à sublimação, pela plasticidade dos componentes sexuais. Sobre a tendência universal à depreciação na esfera do amor (1912) – Contribuições a Psicologia do Amor II, Freud ao descrever o antagonismo da
cultura e vida pulsional, coloca a sublimação como a fonte das mais nobres realizações culturais que dela são determinadas. No texto Sobre a Psicanálise (1913 [1911]), Freud reforça que a sublimação ocorre à custa da pulsão sexual, devido à plasticidade pulsional e que a pulsão sexual possui em alto grau a capacidade de ser desviada no sentido de metas mais elevadas, que não são sexuais. Ele vai dizer ainda que “a pulsão fica assim capacitada a efetuar contribuições muito importantes às realizações sociais e artísticas da humanidade” (FREUD, 1910, p.227). Em Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (dementia paranoides) – III - Sobre o Mecanismo da Paranóia (1911),
em Schreber, Freud acrescenta algo novo, referindo-se às pulsões sublimadas como associadas às pulsões do eu. Citamos: Disto pode-se concluir que, na paranóia, a libido liberada vincula-se ao ego e é utilizada para o engrandecimento deste. Faz-se assim um retorno ao estádio do narcisismo (que reconhecemos como estádio do desenvolvimento da libido), no qual o único objeto sexual de uma pessoa é seu próprio ego. (FREUD, 1911, p.79).
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No ano seguinte, no artigo Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912), Freud adverte que nem todo neurótico tem a capacidade
para sublimar. Ressalta ainda que “ocasionar a sublimação no tratamento analítico não é aconselhável, devido à impossibilidade de provocar a sublimação, sendo este processo espontâneo, gerido pelo sujeito de modo inconsciente” (FREUD, 1912, p.132). Freud em Totem e Tabu – Algumas concordâncias na vida anímica dos selvagens e dos neuróticos (1913 [1912-13]) na Nota introdutória trata de
sublimação ao falar sobre a psicomitologia numa carta a Fliess datada de 04 de julho de 1901, Carta 144, sobre o labirinto de Minos: “parece que Zeus foi originalmente um touro, e também nosso antigo Deus foi adorado como um touro antes da sublimação promovida pelos persas” (FREUD, 1913, p.5). Nesse mesmo ano Freud escreve o artigo O interesse pela psicanálise (1913) e no segundo capítulo intitulado O interesse da psicanálise para as ciências não psicológicas, item B O interesse filosófico, refere-se à criação da
obra de arte como um dom. No item H O interesse pedagógico, vai tratar da sublimação pela via da educação. Em O narcisismo: uma introdução27 (1914), Freud assinala que o que predomina na sublimação é a deflexão da sexualidade. A sublimação é, então, uma das possibilidades de satisfação pulsional e que poderia ser uma saída em direção ao equilíbrio psíquico. Ainda neste texto, Freud faz associação entre sublimação e libido objetal. Teoriza que “a sublimação é um processo que diz respeito à libido objetal e consiste em que a pulsão se lance a outra meta, distante da satisfação sexual” (FREUD, 1914, p.91). A ênfase recai sobre o afastamento e desvio do que é sexual. Freud faz uma distinção entre sublimação e idealização. A primeira – sublimação – descreve algo que ocorre com a pulsão. A segunda – idealização – descreve algo que ocorre com o objeto. Muitas vezes a sublimação da pulsão é confundida com a formação do ideal-de-eu. Afirma que:
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É neste texto que Freud faz a distinção entre libido do eu e libido do objeto pela primeira vez. (id.73).
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[...] aquele que trocou seu narcisismo pela veneração de um ideal-deeu elevado não conseguiu necessariamente sublimar suas pulsões libidinais. Embora para ser alcançado o ideal-de-eu requeira tal sublimação, ele não pode forçá-la. (FREUD, 1914, p.91).
A formação de um ideal eleva o nível das exigências do eu e é o mais forte favorecedor do recalque; já a sublimação oferece uma saída para cumprir essas exigências sem envolver o recalque. Porém, isto não significa que a sublimação e o recalque sejam excludentes. Pelo contrário, o recalque atua ao lado da sublimação para depurar, por assim dizer, as representações psíquicas de seu caráter sexual. O auto-julgamento que declara que o eu não alcança o seu ideal tem como operador o superego. O termo superego ( Über-Ich) foi introduzido por Freud em O ego e o id (1923), como a instância que se opõe ao ego (representante do mundo externo), definida como representante do mundo interno, do id. O ideal do ego responde a tudo o que é esperado da mais alta natureza do homem, como substituto de um anseio pelo pai. Ele contém o germe pelo qual todas as religiões se envolveram. Foi em 1933, em O mal-estar na cultura que o superego surge funcionalmente sob a forma de censor, por delegação das instâncias sociais, junto ao ego. A tensão entre o severo superego e o ego, que a ele se acha sujeito, é chamada de sentimento de culpa. O superego é igualado a um agente da civilização que controla o perigoso desejo de agressão do indivíduo, qual uma guarnição numa cidade sitiada. Observamos também que este texto O narcisismo: uma introdução (1914) é um texto da metapsicologia, foi escrito numa resposta teórica a Jung e Adler. Retomaremos este ponto mais adiante ao falarmos sobre a História do movimento psicanalítico (1914).
No texto As pulsões e suas vicissitudes (1915), Freud aponta a sublimação como um dos destinos pulsionais, com todas as suas características, não sendo possível escolhê-la, não é controlável. Com a
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sublimação, a energia das pulsões volta a ser utilizável, sendo o alvo substituído por algo mais. Afirma que as pulsões sexuais distinguem-se: Singularizam-se pelo fato de que em grande medida fazem o papel vicário umas em respeitos das outras, e podem mudar com facilidade seus objetos (mudam de comunicação). Em conseqüência dessas últimas propriedades, são capazes de operações de funções muito afastadas de suas ações-metas originais — sublimação . (FREUD, 1915 p.121).
Neste artigo Freud traça a possibilidade de caminhos diversos para as pulsões e os seus destinos: reversão a seu oposto; retorno em direção à própria pessoa (ao próprio eu); recalque e sublimação. A reversão a seu oposto de uma pulsão transforma-se mediante um exame mais detido em dois processos diferentes: uma mudança da atividade para a passividade e uma reversão de seu conteúdo. Esses dois processos, sendo diferentes em sua natureza, devem ser tratados separadamente. A mudança da atividade para a passividade tem como exemplos dois pares de opostos: sadismo-masoquismo e escopofilia-exibicionismo. A reversão afeta apenas as finalidades das pulsões. A finalidade ativa (torturar e olhar) é substituída pela finalidade passiva (ser torturado e ser olhado). Já a reversão do conteúdo é a transformação do amor em ódio. O retorno de uma pulsão a própria pessoa (ao próprio eu) se torna plausível pela reflexão de que o masoquismo é, na realidade, o sadismo que retorna em direção ao eu do indivíduo e de que o exibicionismo abrange o olhar para o seu próprio corpo. A essência do processo é a mudança do objeto, ao passo que a finalidade, a meta permanece inalterada. Porém, observamos que nesses exemplos, o retorno de uma pulsão ao próprio eu da pessoa e a transformação da atividade em passividade convergem ou coincidem. Seguindo o desenvolver teórico de Freud, em As pulsões e suas vicissitudes (1915, p.133), ele assevera que no caso do par de opostos
sadismo-masoquismo, o processo pode ser representado desta maneira: a – O sadismo consiste em uma ação violenta, em uma afirmação de poder sobre uma outra pessoa como objeto. b – Esse objeto é abandonado e substituído pela própria pessoa. Com o retorno em direção ao eu, efetua-se também a mudança de uma meta pulsional ativa para uma passiva.
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c – Se busca de novo uma pessoa alheia, em conseqüência da mudança que advinda da meta, tem que assumir sobre si o papel de objeto. (FREUD, 1915 p.123).
Quanto ao terceiro e quarto destino da pulsão – o recalque e a sublimação – por enquanto não serão objeto de análise, pois ambos já foram inseridos em outro momento. O recalque foi tratado no item 2.1 deste capítulo e a sublimação é o fio condutor desse estudo. O texto História do movimento psicanalítico (1914) foi palco de toda querela entre Freud e Jung juntamente com Adler. Freud trata da sublimação ao discutir seus pontos de vista com os de Jung e sua discordância. Jung jamais aceitou a idéia de Freud de que as causas dos conflitos psíquicos sempre envolveriam algum trauma de natureza sexual. E por sua vez Freud nunca tolerou o interesse de Jung pelos fenômenos espirituais como fontes válidas de estudo. O rompimento entre eles era inevitável. A partir deste momento de rompimento teórico e de amizade, Freud pode reorientar sua primeira teoria do dualismo pulsional, referindo-se ao autoerotismo e introduzindo o eu como uma instância de investimento libidinal e não mais apenas os objetos da pulsão. Este debate entre os dois, também acarretou conseqüências cruciais para a concepção psicanalítica das psicoses, tanto que Freud se reporta no texto Sobre o narcisismo: uma introdução (1914), que o conceito de narcisismo oferece uma alternativa à libido não sexual de Jung, presente nesses casos. Também, neste texto, está presente a crítica de Freud à concepção monista da libido presente em Jung, o que permitiu Freud alcançar as bases de uma futura dualidade pulsional necessária à sua concepção de que o conflito é estruturante do funcionamento psíquico. Nesse momento de sua obra, Freud explica a bipolaridade pela existência de duas libidos – libido do eu e libido do objeto, cada uma implicando uma escolha de objeto, segundo o tipo narcísico ou o tipo de ligação. Trata-se, dessa forma, de um desvio da pulsão da meta sexual, operando uma dessexualização do objeto. Altera-se o objeto e não a pulsão, pois que a sublimação não exclui sua origem sexual. A dessexualização do objeto ocorre em virtude do deslocamento do investimento libidinal que, em primeira instância, visava ao objeto sexual, incidindo agora sobre um objeto não sexual.
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O conceito de narcisismo viabiliza a satisfação da pulsão sobre um objeto não sexual. Em seu deslocamento, a sublimação é mediatizada pela intervenção do eu narcísico, uma vez retirada da libido do objeto sexual. É um primeiro momento do processo sublimatório, seguindo-se da libido, outrora objetal e agora narcísica, dirigida a um objeto não sexual. Esse objeto deve corresponder a certas idéias simbólicas a valores sociais, passando esse processo obrigatoriamente pelo ideal do eu, que incita a sublimação sem, entretanto, operá-la. Nas Conferências introdutórias sobre a psicanálise (1916-1917), parte III, Teoria geral das neuroses (1917 [1916-1917]): Conferência XXII: Algumas idéias sobre desenvolvimento e recalque – Etiologia, Freud faz uma articulação
entre o que é da ordem individual e pode ser deslocado para o interesse social: plasticidade pulsional e capacidade de mudança de objeto. Afirma que: [...] a plasticidade ou livre mobilidade da libido não se mantém absolutamente preservada em todas as pessoas, e a sublimação jamais tem a capacidade de manejar senão determinada parcela de libido. (FREUD, 1916-1917, p.404).
O ideal do eu trazido simbolicamente de fora do sujeito se coloca diferentemente da formação imaginária do eu ideal. O desenvolvimento do eu distancia o narcisismo primário do deslocamento para um ideal do eu importado. O artista, que processa a sublimação, se vê dentro de uma dessexualização neste processo e o objeto é revestido de um valor social, tornando-se um objeto cultural, relativamente desligado do seu centro. É assim que o artista se expõe e transmite o seu desejo e através dos efeitos que podem ser causados no espectador, pela sua obra imaginária da sublimação, ele gera a cultura. Na Conferência XXIII: Os caminhos da formação dos sintomas, Freud destaca a abordagem econômica na formação do sintoma, quota de libido que o sujeito é capaz de desviar para finalidades sublimadas. Traz como exemplo o artista que provavelmente tem grande capacidade para sublimar e uma certa frouxidão nos recalques, que ele “sabe como dar forma a seus devaneios de modo tal que estes perdem aquilo que neles é excessivamente pessoal e que
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afasta as demais pessoas, possibilitando que os outros compartilhem do prazer obtido” (FREUD, 1916-1917, p.439). Conferência XXV: A ansiedade (Angústia) aparece a preocupação de
Freud relacionada à sublimação, focalizando na libido objetal e na quota de libido passível de sublimação. São suas palavras: “na verdade, sempre depende de fatores quantitativos decidirem se o resultado haverá de ser ou não a doença” (FREUD, 1916-1917, p.469). Conferência XXVIII: Terapia analítica, Freud retoma a questão da
análise e da sublimação, o eu aparece como fator de mediação e possibilitador da sublimação. No artigo História de uma neurose infantil (1918 [1914]), nos capítulos VI: A neurose obsessiva e IX: Recapitulações e problemas, Freud faz algumas considerações sobre a sublimação e a religião. Faz ainda a articulação entre a identificação do paciente (trata-se do caso clínico Homem dos Lobos) com a figura do Cristo como uma forma de sublimação ideal. Surge o desvio de processos sensuais para espirituais religiosos e sociais. Freud afirma: Assim, a religião funcionou nessa criança desencaminhada por meio de uma mistura de satisfação, de sublimação, desvio do sensual em direção a processos puramente espirituais e abertura de vínculos sociais que ela oferece ao crente. (FREUD, 1918 [1914], p.105).
No texto Uma criança é espancada – Uma contribuição ao estudo da origem das perversões sexuais (1919), Freud assinala os possíveis caminhos
de uma perversão infantil, entre os quais, cita: o recalque e a substituição por formação reativa, sendo que neste último refere-se à substituição do objeto e a transformação por meio da sublimação. São suas palavras: “sabemos que uma perversão infantil desse tipo não persiste necessariamente por toda a vida; mais tarde pode ser submetida à repressão, substituída por uma formação reativa ou transformada por meio da sublimação” (FREUD, 1919, p.197). Em Além do Princípio do prazer de 1920, no quinto capítulo, Freud aduz que as formações reativas substitutivas, bem como as sublimações, não bastarão para remover a tensão que persiste da pulsão recalcada. Em Psicologia das Massas e análise do eu (1921), no capítulo XII: Pósescrito, Freud assinala que os impulsos sublimados não são capazes de
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satisfação completa, enquanto que as pulsões sexuais são satisfeitas de forma direta. No texto Alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranóia e no homossexualismo (1922), Freud faz uma breve menção à sublimação, no caso
em questão onde alguns fatos vivenciados pelo paciente e que forçaram seu homossexualismo à repressão, impedindo-lhe o caminho para a sublimação. Em Associação de uma criança de quatro anos de idade (1920), Freud associa sublimação à religião. No artigo O ego e o Id, (1923) no III capítulo: O ego e o superego (Ideal do eu), Freud retoma a questão da sublimação, agora assinalando a
dessexualização, conceituando-a. São suas palavras: A transformação da libido do objeto em libido narcísica, que assim se efetua, obviamente implica um abandono de objetivos sexuais, uma dessexualização — uma espécie de sublimação, portanto. Em verdade, surge a questão, que merece consideração cuidadosa, de saber se este não será o caminho universal à sublimação, se toda sublimação não se efetua através da mediação do ego, que começa por transformar a libido objetal sexual em narcísica e, depois, talvez, passa a fornecer-lhe outro objetivo. (FREUD, 1923, p.43).
No IV capítulo: As duas classes de pulsões, deste mesmo artigo, Freud coloca a sublimação ao lado da pulsão de vida, embora esta colocação ainda se apresentasse obscura. Sigamos suas palavras: Se essa energia deslocável é libido dessexualizada, ela também pode ser descrita como energia sublimada , pois ainda reteria a finalidade principal de Eros — a de unir e ligar — na medida em que auxilia no sentido de estabelecer a unidade, ou tendência à unidade, que é particularmente característica do ego. Se os processos de pensamento, no sentido mais amplo, devem ser incluídos entre esses deslocamentos, então a atividade de pensar é também suprida pela sublimação de forças motivadoras eróticas. Chegamos aqui novamente à possibilidade, que já foi debatida [[1]], de que a sublimação pode efetuar-se regularmente através da mediação do ego. Será recordado o outro caso, em que o ego trata com as primeiras catexias objetais do id (e certamente com as posteriores, também), retirando a libido delas para si próprio e ligando-as à alteração do ego produzida por meio da identificação. A transformação [de libido erótica] em libido do ego naturalmente envolve um abandono de objetivos sexuais, uma dessexualização. De qualquer modo, isto lança luz sobre uma importante função do ego em sua relação com Eros. Apoderando-se assim da libido das catexias do objeto, erigindo-se em objeto amoroso único, e dessexualizando ou sublimando a libido do id, o ego está trabalhando em oposição aos objetivos de Eros e colocando-se a serviço de
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impulsos pulsionais opostos. Ele tem de aquiescer em algumas das outras catexias objetais do id; tem, por assim dizer, de participar delas. (FREUD, 1923, p.58).
No V capítulo: As relações dependentes do ego, Freud deixa claramente a sublimação atrelada tanto à pulsão de vida quanto à pulsão de morte. Em 1926, Freud escreve um artigo intitulado a Psicanálise e faz apenas uma simples referência à sublimação. Este é um texto escrito para publicação na 14ª. edição em 1929 da Encyclopaedia Britannica. No artigo Inibição, sintoma e angústia (1926 [1925]), Freud relaciona a questão da masturbação no período de latência e afirma que “a sublimação dos componentes erótico-anal desempenha um papel inegável” (FREUD, 1926, p. 117). Já em Futuro de uma ilusão (1927), Freud adverte que a cultura, em geral, não suporta o produto da sublimação; ao mesmo tempo a sublimação é aquilo que se transforma em fins culturais mais elevados. No Mal estar na civilização (1930 [1929]), Freud assinala que a capacidade da sublimação apresenta características individuais, variando de sujeito para sujeito. Dentre as satisfações substitutivas, Freud cita a atividade artística e a científica que são ilusões em contraste com a realidade, mas nem por isso menos eficazes justamente pelo papel que a fantasia ocupa em nossa mente, podemos dizer que pelo fato de se sublimar. Freud conclui que embora a sublimação esteja do lado da saúde, isso não previne contra o sofrimento. Nem toda cota de libido pode ser sublimada e a satisfação pulsional é sempre parcial. Afirma ainda: “não cria uma armadura impenetrável contra as investidas do destino e habitualmente falha quando a fonte do sofrimento é o próprio corpo da pessoa” (FREUD, 1930 p.79). Em Dostoievski e o parricídio (1928 [1927]), Freud apenas cita a sublimação em relação ao equilíbrio de forças entre as exigências pulsionais e as inibições. Nas Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1933 [1932]) Conferência XXXII : Ansiedade e vida instintual, Freud retoma a questão da
pulsão, suas características, assinalando que uma satisfação pulsional pode ser substituída por outra. Aduz que: “as relações de um instinto com a sua
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finalidade e com o seu objeto também são passíveis de modificações; ambos podem ser trocados por outros” (FREUD, 1933 [1932] p.99). Na Conferência XXXIII: Feminilidade, Freud faz uma breve menção à sublimação. É um dos textos importantes no arcabouço teórico sobre o feminino e é no final deste texto que Freud traz a célebre frase: “se desejarem saber mais a respeito da feminilidade, indaguem da própria experiência de vida dos senhores, ou consultem os poetas...” (FREUD, 1933 [1932] p.134). Ele ainda aponta que devemos aguardar para que a ciência possa descobrir algo sobre o enigma da mulher. Ao traçar três saídas para a feminilidade: a maternidade, a posição de objeto causa de desejo e a mulher idealizada, ele está dividindo a mulher, abrindo caminho para mais tarde Lacan desenvolver o conceito da “não-toda” 28, ela não está toda na norma fálica. E com relação à sublimação traz o caráter civilizatório ao dizer que: “também consideramos as mulheres mais débeis em seus interesses sociais e possuidoras de menor capacidade de sublimar as pulsões, do que os homens” (FREUD, 1933 [1932] p.133). Relaciona o fato de que as mulheres devem ser consideradas possuidoras de pouco senso de justiça com relação à inveja. Exemplifica com um fato retirado de sua clínica de que um homem de 30 anos é mais flexível do que a mulher na mesma idade, pois ela tem uma rigidez psíquica e imutabilidade que o atemoriza. Ainda coloca que a capacidade sublimatória está sujeita às maiores variações individuais. No
artigo
Esboço
de
psicanálise
(1940[1938]),
Capítulo
III:
Desenvolvimento da função sexual, Freud trata da organização sexual e diz
que ela se conclui na puberdade, na fase genital, que então se estabelece um estado de coisas em que ele divide em três modalidades: [...] algumas catexias libidinais são retidas; outras são incorporadas à função sexual como atos auxiliares e outros impulsos são excluídos, ou recalcados ou ainda empregados de outra maneira, formando traços de caráter ou sublimando, com deslocamentos de seus objetivos. (FREUD, 1940, p.168).
O desenvolvimento teórico da sublimação ao qual percorremos, nos permite observar que as noções de sublimação estabelecidas por Freud ao longo de toda sua obra sofreram várias modificações. À medida que essas 28
Este conceito será desenvolvido no III capítulo.
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modificações ocorrem, mais tornam instigante seu aprendizado, pois a noção de sublimação não é algo que se possa dispensar, não só no âmbito do estudo das artes em conexão com a psicanálise, mas no estudo psicanalítico, como o foi para Freud que, de alguma maneira, aponta a sublimação como única saída para a humanidade. A sublimação é o destino mais paradoxal da pulsão. É importante pontuar que o momento de grande mudança no desenrolar do constructo teórico freudiano inicia em Introdução ao Narcisismo (1914), quando a sublimação ganha um núcleo de agenciamento – o eu. O ego passa a incidir sobre as pulsões sexuais, em lugar de um automatismo orgânico anterior. O ego, então, assume uma posição incitadora da sublimação. O lugar da sublimação nesse processo fica mais claro, quando Freud o compara à formação do ideal de eu. O ideal de eu é um constructo psíquico que assume a função do narcisismo primário da infância, ou seja, da imagem de perfeição de si mesmo, “a sua herança arcaica” (FREUD, 1923 p.49), aduz ele. Para satisfazer tais exigências egóicas, um dos caminhos para as pulsões sexuais contrárias aos ideais de eu é do recalque, possivelmente, a formação de sintomas paranóicos. A via de escape é a sublimação. Ou seja, a criação sublimatória acontece quando o eu narcísico retira a libido do objeto sexual e o faz recair sobre si mesmo. Através do eu narcísico, a libido sexual é investida em ideais simbólicos ou em valores sociais que correspondam ao ideal de eu. Vamos neste ponto de nossa pesquisa diferenciar a libido do eu ou narcísica da libido do objeto. Nesta bipolaridade cada uma implica uma escolha de objeto, segundo o tipo narcísico ou de ligação. Essa diferença inicia quando Freud, em 1914, escreve o artigo O narcisismo: uma introdução, onde a libido do eu investe no eu em contraste com a libido do objeto que investe nos objetos. Mas é em 1923, em O ego e o id , que há uma transformação da libido de objeto em libido narcísica que se faz abandonando os objetivos sexuais, donde há a dessexualização, que é uma espécie de sublimação, pois o eu se autoriza a ser criativo. Esse abandono é entendido como um desvio, talvez este seja o caminho universal da sublimação, parece que o eu faz uma mediação com a libido objetal sexual e a transforma em narcísica, fornecendo-lhe depois um outro objetivo, porque há aí uma ‘negociação’ com Eros, o amor, que tem a finalidade de manter a unidade.
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Um ponto adicional desse momento é que o sujeito não abdica de sua economia corporal apenas por repressões sociais, mas o seu próprio ego lhe exige uma ascensão das satisfações biológicas. O investimento em realizações culturais passa a ser, também, uma rogativa do eu. A disposição criativa passa, então, de um mecanismo substitutivo a um modo de expressão do ego. A versão que Freud apresenta neste momento é de um psiquismo mais dinâmico. Os movimentos criativos eram de uma obra de redirecionamento pulsional acabado, mas simples, digamos, as pulsões sexuais não podiam ser satisfeitas diretamente e, escapando ao recalque, camuflavam seus objetivos em tendências intelectuais e realizações culturais. E assim estava resolvida aquela questão pulsional – um desvio bem-sucedido, uma obra acabada! No dualismo das pulsões de vida e de morte, no entanto, a criatividade recebe uma outra conotação, a de uma ação contínua. Na medida em que o prazer das realizações criativas nunca repete a ilusão de completude da satisfação pulsional, há sempre uma cota psíquica voltada para novas criações. Neste sentido, a criatividade tem outra tônica, em lugar do desvio pulsional para um símbolo do desejo impossível, a discussão se centra na incompletude humana. Essencialmente, a transformação da libido do objeto do id em libido narcísica requer o “abandono do caráter sexual” (FREUD, 1923, p.58). O eu, então, passa a ser autor da criatividade. Freud chega mesmo a equiparar a mediação do eu à característica fundamental do processo sublimatório ao considerar: “[...] saber se este não será o caminho universal à sublimação” (id.43), e a atribuir-lhe a delegação dos investimentos posteriores. Por intermédio do eu não apenas dessexualiza as pulsões primárias, mas especifica a escolha do objeto e o caminho para seus investimentos. Tal posição coloca o eu na função de distribuição das energias psíquicas, o que estabelece uma posição ambivalente com Eros. Pois, mesmo sublimando a pulsão sexual, o eu mantém-se em acordo com Eros, “com a finalidade de agregar e estabelecer a unidade” (FREUD, 1923, p.58). O exemplo maior é a alteração do próprio eu em favor de processos de identificação com os outros significativos. Mas quando o eu se coloca como objeto amoroso do id e dessexualiza suas pulsões, ele trabalha no sentido contrário de Eros (id.58). O eu arrefece os impulsos de Eros, deixando o controle da libido para as pulsões de morte, da qual ele mesmo é vítima. Para manter o equilíbrio dinâmico do
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psiquismo, o eu consente alguns investimentos eróticos do id, tendo, de algum modo, de participar deles. O eu se torna o representante de Eros – concordando com seus investimentos ou sublimando suas pulsões. Ou seja, o eu gerencia tanto as investidas criativas no mundo, como a necessidade de retração a si mesmo. O eu ganha uma posição central no funcionamento psíquico. Então, sublimar é encontrar satisfação para a pulsão em outro lugar que não seja o do sintoma, do retorno do recalcado e não da contínua substituição significante. É um certo tipo de realização movida por um desejo que não visa claramente uma satisfação sexual, como por exemplo: a criação artística, a investigação intelectual, atividades humanitárias e culturais que são muito valorizadas pela sociedade. O impulso tem seu objetivo substituído por outro desprovido de caráter sexual, tornando-o mais digno, digamos. Privilegia, atua, eletivamente sobre os impulsos parciais, elementos pervertidos da sexualidade que não conseguem integrar-se na forma definitiva da genitalidade. A atividade sexual sublimada requer, num primeiro momento, o deslocamento da libido de seu objeto e sua concentração no eu e, só então, ela vai se orientar para um novo objeto externo. Por isso a sublimação está estreitamente ligada à dimensão narcisista do eu. O narcisismo que ressurge se desloca para o eu ideal, cheio de perfeição e valor, como o eu infantil. O eu ideal nesse momento é alvo do amor de si mesmo. É através da arte ou de atividades humanitárias que a sexualidade sublimada encontra seu ideal.
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2.2.2 Contribuições de LACAN
Situamos a criação artística no terreno da sublimação, na medida em que ela produz uma inscrição para das Ding . A criação gera um objeto passível de entrar no circuito do intercâmbio simbólico, produzindo discurso e fazendo cessar o que de outra forma permaneceria no plano da não representação, do inacabado que faz o sujeito retornar. Na sublimação o objeto é metáfora de das Ding , a Coisa – inominável – que é essa exterioridade íntima e ex-timidade,
poderia dizer que a verdadeira sublimação é a Coisa. A obra pictórica de Frida Kahlo estaria por um lado, no atravessamento das barreiras e do encontro com esse impossível, esse objeto absoluto que é das Ding . Por outro lado, no atravessamento, por parte do espectador, do impacto e do horror produzidos pela representação trágica da imagem, cujo resultado é o entusiasmo. A partir do Seminário Livro 7: A ética da psicanálise (1959-1960), Lacan define a sublimação como sendo “o objeto elevado à dignidade da Coisa, das Ding ” (LACAN, 1959-1960, p.140). Um pouco mais adiante ele dirá que: “toda
arte se caracteriza por um certo modo de organização em torno desse vazio” (id.162).
Freud introduz o conceito de das Ding – a Coisa, em seu texto Entwurf Projeto para uma psicologia científica (1950[1895]), e Lacan dele se
utiliza para teorizar sobre a sublimação. O bebê, em sua relação com a pessoa que o acolhe, com o Outro ( Nebenmensh29 ), estabelece a primeira relação, sua primitiva entrada com o que é semelhante e o que é distinto, o adequado e o hostil, a separação e a identidade. O das Ding vem nos dizer desse ponto não assimilável, estranho, portanto, o que do objeto permanece não incorporado ao mundo das representações. Lacan retoma este conceito e em torno dele vai desenvolver, no Seminário Livro 7: A ética da psicanálise (1959-1960), a noção de sublimação, um dos
destinos da pulsão que porta a singularidade de realizar-se fora do recalque, tocando neste momento, a noção de real. 29
Complexo do próximo.
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O objeto como Freud o situa, fruto de uma relação narcísica imaginária, relação portanto de miragem, permanentemente em troca com o amor que o sujeito nutre por sua própria imagem, é distinto do das Ding , e é nessa distinção entre objeto e tendência que Lacan situa a
sublimação. A procura de reencontrar a tendência pode vincular-se a uma perda cultural do objeto. Nesse sentido, é que entendemos que Lacan afirma que a sublimação eleva o objeto à dignidade da Coisa, mediante formações imaginárias do objeto ela procura apropriar-se desse campo do das Ding . Criar é, pois, a insatisfação com o existente que decorre de sua insuficiência. O vazio representa a Coisa e tudo o que se cria a partir desta é uma sublimação. Assim sendo, “em toda forma de sublimação, o vazio é determinante” (LACAN, 1959-1960 p.162). Nas três grandes formas de produção da humanidade – a artística, a religiosa e a científica –, o lugar ocupado pelo vazio é estruturante. É na maneira de lidar com ele que a produção se define. A arte se caracterizaria por uma certa organização em torno do vazio. A religião consiste em todos os modos de evitar o vazio. Escreve Lacan: “de qualquer maneira o vazio permanece no centro, é precisamente nisso que se trata de sublimação” (id.162). Na ciência há uma descrença – Unglauben, que é um termo empregado por Freud a “respeito da paranóia e de sua relação com a realidade psíquica” (id. 163). Lacan indica que nem toda sublimação é possível, pois, tanto nas disposições internas, como nas ações externas, nos encontramos diante de limites, “alguma coisa não pode ser sublimada, há uma exigência libidinal, a exigência de uma certa dose de satisfação direta, sem a qual resultam danos e perturbações graves” (id.116). Neste momento de seu ensino, Lacan trata do “problema da sublimação”, trazendo à análise o ponto de discordância entre Freud e Jung. Embora não se pretenda entrar na discussão teórica entre Freud e Jung vale a pena mencioná-lo. Para Jung, a sublimação é realizada para esquecer a exigência pulsional e, para Freud, é justamente a exigência pulsional que importa.
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Lacan ilustra o processo de criação neste seminário A ética da psicanálise (1959-1960), quando toma o ato do oleiro como metáfora da
criação simbólica. Ao criar um vaso, o oleiro cria um vazio, contorna o vazio. Cria o vaso a partir de uma substância material, mas não somente isso. Ao mesmo tempo ele cria o vazio; “o vazio e o pleno são introduzidos pelo vaso num mundo que, por si mesmo, não conhece semelhante” (LACAN, 1959-1960 p.152). Quanto ao significante, Lacan teoriza que “a dificuldade é de não se precipitar sobre o fato de que o homem é o artesão de seus suportes” (id.150), o sujeito é "esculpido pelo significante” (MIRANDA, 02/09/2003: em aula). Lacan define, ou melhor, ele estabelece que “um objeto pode preencher essa função que lhe permite não evitar a Coisa como significante, mas representá-la na medida em que esse objeto é criado” ((LACAN, 1959-1960, p.151). Ao pensarmos na frase de epígrafe deste capítulo: “a pintura salvou a minha vida”, observamos o quanto a linguagem, em Frida Kahlo, acompanha a trajetória de seu desejo, já que “os significantes são modelados pelo homem” (id. 150) e, nessa perspectiva, a criação visa ao alívio do mal estar, apontando para uma possibilidade de desejo de cura, o que implica na sua angústia como ponto de partida. Também neste mesmo seminário, A ética da psicanálise, ao teorizar o fenômeno do amor cortês como paradigma da sublimação, explica como um objeto, a Dama, toma valor de representação da Coisa. “O amor cortês é, com efeito, uma forma exemplar, um paradigma da sublimação” (id.160). E, ao situar a mulher neste ponto de mais-além, o amor cortês colocou-a no lugar do ser, o que não lhe concerne enquanto mulher, mas enquanto objeto de desejo. Portanto, essa poética não fala da mulher e para a mulher, mas do destino que pode ser dado ao feminino, como um ideal inabordável. Neste momento, ele traz uma definição de sublimação ao dizer “que aquilo que o homem demanda, em relação ao qual nada pode fazer senão demandar é ser privado de alguma coisa de real” (id.186). É necessário circunscrever esse ideal que, segundo Lacan, alguém “chamou de uma maneira muito bonita, o vacúolo” (id.186), o buraco. Assevera ainda que “o objeto, nomeadamente aqui o objeto feminino, se introduz pela porta mui singular da privação, da inacessibilidade” (id.185). Dito de outra maneira, da falta, pois não há significante que defina a mulher.
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No Seminário Livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964), Lacan vai descrevê-la como encontrada no famoso circuito pulsional, também os dois destinos da pulsão, que são: a reversão ao seu oposto e retorno em direção ao sujeito. Lacan (1964, p.169) oferece uma imagem (figura 1) do que ele chama de desenho do circuito da pulsão, afirmando que pela curva da flecha que sobe e torna a descer e atravessa – Dräng, é ela, na origem a superfície constituída pelo que define como borda, considerada na teoria a fonte ( Quelle), isto é, a zona dita erógena da pulsão.
Figura 1 – Circuito da Pulsão Fonte: Lacan, 1964 (p.169)
A reversão ao seu oposto é o sadismo, que vai em direção ao masoquismo, depois o masoquismo volta em direção ao sadismo; o voyeurismo vai em direção ao exibicionismo. O sujeito dirige a sua pulsão, visando ao objeto. O objeto na verdade é inalcançável, então ele o contorna, volta ao sujeito. Por exemplo, a pulsão escópica: ver e ser visto. A satisfação pulsional que o artista tem pela sua própria pulsão sublimatória é aquilo que ele vai fazer vibrar no expectador, no ouvinte, dito de outra forma, fazer com que o sujeito perceba esse mesmo circuito pulsional dele, do artista. Então, esse gozo é obtido pela satisfação pulsional, derivada do seu objetivo sexual direto, sem perder a satisfação, esse gozo que se encontra ali e que é impossível de dizer.
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No seminário A ética da psicanálise (1959-1960), dirá também que “a relação do artista com o tempo no qual ele se manifesta é sempre contraditória” (LACAN, 1959-1960 p.176). Em seguida acrescenta que “é sempre contra as normas reinantes”, normas políticas, esquemas de pensamento, “é sempre contra a corrente que a arte tenta operar novamente seu milagre” (id.177). Foi contra a corrente do real que Frida Kahlo construiu sua arte, seja no social ou na expressão política, em sua estética pessoal e artística ela também foi contra a corrente de uma ordem familiar e cultural pré-estabelecida, na qual as mulheres eram criadas para serem “donas de casa”. Foi sempre além do seu tempo e contra as normas reinantes, que ela moldou seu “ modus vivendis” tornando-se a primeira pintora mexicana a tratar questões relevantes da feminilidade, com a mesma naturalidade com que tratava questões políticas e sociais. Além do referencial fálico, a feminilidade se faz existir por bordejar a falta, a incompletude. Frida Kahlo pôde saber fazer, através da arte, sem tamponar a falta. Fez velar a falta, sem negá-la, apesar dos vários obstáculos que se estabeleceram em seu caminho, apesar da extrema dor de existir.
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2.3 TRAUMA
Historicamente, o trauma ocupa um lugar fundamental na psicanálise, especialmente o trauma de ordem sexual. Não se concebe a psicanálise sem entender o valor que a sexualidade ocupa no desenrolar das vicissitudes do inconsciente do sujeito, como aparece nos Estudos sobre a histeria (18931895), cujo texto é de grande importância no desenvolvimento da teoria psicanalítica. Freud chega à definição de trauma psíquico: “transforma-se em trauma psíquico toda impressão que o sistema nervoso tem dificuldade em abolir por meio do pensamento associativo ou da reação motora”. E afirma que: “a lembrança que forma o conteúdo de um ataque histérico não é uma lembrança qualquer; é o retorno do evento que causou a irrupção da histeria – o trauma psíquico” (FREUD, 1893, p.196). No momento da descoberta da psicanálise Freud entendia que tais traumas advinham de agressões de filhas por parte de pais, ou substitutos incestuosos. Fundava sua primeira teoria da sedução, a qual posteriormente foi abandonada, em 1897 quando se deu conta da importância de um outro fator: da fantasia incestuosa em pacientes histéricos. Refere-se na carta de 21 de setembro de 1897 a Fliess: “não acredito mais em minha neurótica” (MASSON, 1986 p.265). Trata-se de um momento de grande importância na sua construção teórica, quando percebeu o valor da fantasia incestuosa em pacientes histéricos. Tais fantasias estão ligadas ao trauma, às noções capitais da amnésia e do recalcamento, do a posteriori (Nachträglichkeit) e em termos lacanianos, do ‘só depois’ (aprèscoup), do que é latente e do manifesto. Kauffmann (1996) enfatiza que: É posta sobre o aspecto energético, econômico do processo: as experiências traumáticas devem sua força patogênica ao fato de produzirem quantidades de excitação grandes demais para serem processadas pelo aparelho psíquico. Tudo se funda pelo princípio de constância. (KAUFFMANN, 1996 p.558).
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Nesse ponto, é oportuno perguntar: o que do trauma é passível de ser sublimado? Essa é uma das várias questões que nortearam o pensamento nesse estudo e, certamente, estará presente durante o percurso deste trabalho. Este conceito sobre trauma em Freud é de grande importância, e lembramos que se trata de trauma, não traumatismo. Para Kauffmann (1996), a distinção é: “ traumatismo se aplica à ocorrência externa que atinge o sujeito e trauma, ao efeito produzido por essa ocorrência no sujeito e, mais
especificamente, no domínio psíquico” (KAUFFMANN, 1996, p.558). Essas são aquelas impressões às quais são remotamente experimentadas e, mais tarde, remontam a impressões muito primitivas da infância. Com a hipótese sobre a neurose de guerra, Freud (1919) inova ao falar que um conflito dentro do ‘eu’ do sujeito pode ser a expressão de um trauma, estando em jogo a sexualidade ou a vida do sujeito. Todo trauma produz efeitos que se manifestam no sujeito e Freud se ocupa, primordialmente, com o trauma sexual, que está na origem, nas bases das neuroses de transferência (histeria e neurose obsessiva). No trauma sexual, há uma ameaça que vem de fora e afeta o sujeito na sua sexualidade. Porém, existe também o trauma que está na base, o que Freud chama de neurose traumática, isto é, uma neurose que se origina de um evento que ocorre ao sujeito mas que não se associa à sua neurose infantil. Aqui, a ameaça também vem de fora, mas o que está em questão não é a sexualidade, é a vida do sujeito. A lembrança do ocorrido pára, porque não se pode representar psiquicamente a morte. É o impossível de se dizer, é o Unerkannte. Freud diz que a memória pára, o pensamento pára ao último horror porque a ameaça de morte não tem representação. O sujeito fica sem palavras e se sente destituído de sua condição subjetiva. Freud, ao falar sobre o tema, revela que: [...] as neuroses de guerra são apenas neuroses traumáticas que, como sabemos, ocorrem em tempos de paz também, após experiências assustadoras ou graves acidentes, sem qualquer referência a um conflito no eu. (FREUD, 1919, p.225).
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Frida Kahlo encontra uma saída pela arte ao se deparar com a desorganização que ocorreu em toda a sua vida que o acaso, o destino, lhes impôs. Podemos pensar que a obra dessa genial artista foi uma saída pela via da sublimação para simbolizar o horror que causou o acidente em sua vida aos 18 de anos? Podemos dizer tratar-se de um êxito que se eterniza em sua criação artística, uma vez que na obra de arte, o artista sublima as pulsões sexuais e consegue ludibriar o recalque, pois o propósito da sublimação é o artista substituir os objetivos sexuais das pulsões e criar um objeto de arte? Outra questão que se coloca é: até que ponto é possível pensar que, para Frida Kahlo, mais além dos impasses mortíferos, o seu desejo de viver seria impulsionado pelo dom que a levou a sublimar suas frustrações? Recorrendo a Freud encontramos um dizer ao podemos nos apoiar: [...] o escritor suaviza o caráter de seus devaneios egoístas por meio de alterações e disfarces, e nos suborna com o prazer puramente formal, isto é, estético, que nos oferece na apresentação de suas fantasias. (FREUD 1908, p.142).
Kahlo nos oferece a visão de uma realidade impactante. Parece não usar disfarces, mas exibir uma experiência vivida no real do corpo, um vazio que sua arte tenta preencher, contornando-o tal qual ensina Lacan quando afirma que a arte: “se caracteriza por um certo modo de organização em torno desse vazio” (LACAN, 1959, p.162). E diante da cena real do acidente que seus sonhos pareceram se findar, Kahlo, nesse momento, frente ao real, ao impossível, à impotência, à frustração, fez uma “escolha forçada” como sujeito do inconsciente: passa a produzir uma belíssima obra, cuja dor e cor são intensas e impressas nas suas pinturas. Freud em Além do princípio do prazer (1920) descreve como traumáticas quaisquer excitações vindas de fora, mas que sejam muito poderosas para atravessar o escudo protetor do sujeito e teoriza que: Parece que o conceito de trauma implica necessariamente uma conexão desse tipo com uma ruptura numa barreira sob outros aspectos eficazes contra os estímulos. Um acontecimento como um trauma externo está designado a provocar distúrbio em grande escala no funcionamento da energia do organismo e a colocar em movimento todas as medidas defensivas possíveis. Ao mesmo
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tempo, o princípio de prazer é momentaneamente posto fora de ação. Não há mais possibilidade de impedir que o aparelho mental seja inundado com grandes quantidades de estímulos; em vez disso, outro problema surge, o problema de dominar as quantidades de estímulo que irromperam, e de vinculá-las no sentido psíquico, a fim de que delas se possa então desvencilhar. (FREUD, 1920 p.40).
O trauma causado pelo acidente na vida de Frida Kahlo, como todo traumatismo, provoca uma desorganização e produz uma regressão ao trauma de origem, momento constitutivo de entrada no simbólico. Outra vez, ela necessita refazer um caminho que vinha naturalmente percorrendo e, desta vez houve um rompimento e uma alteração em seu destino – ela atravessa a barreira protetora do simbólico e vai defrontar-se com o real. É aqui que aparece a proximidade com das Ding , com o é que estranho e hostil, não assimilado pelo mundo da representação. É o vazio, o indizível que impulsionou Frida Kahlo para a vida, que a faz procurar o seu lugar não só na vida, no trabalho como também no coração do homem que ela escolheu para viver sua curta vida. Ele era o mestre do muralismo, o grande pintor, o sedutor e, no entanto, foi seduzido e desbancado por ela. Frida Kahlo, diante do indizível da invasão do real, busca o sentido de sua vida na arte e no amor. Esta é a razão pela qual, o presente trabalho traz à análise, a seguir, a perspectiva de capítulo.
Mulher e o amor, no terceiro e último
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3-
MULHER E O AMOR
Tenho sido amada, amada, amada, não o suficiente Por que nunca se quer o suficiente, uma vida só não basta. Frida Kahlo30
A obra de arte se articula em torno de um ponto de falta, o vazio, um enigma inquietante. O vazio, o nada, ex-nihilo, é entendido por Lacan como a origem da criação, mas também é o lugar da mulher. Assim, como a feminilidade que tem relação com o furo no Outro e pode dar testemunho do encontro com este vazio no Outro simbólico. Lacan revela que “ A mulher, isto só se pode escrever barrando-se o A. Não há A mulher, artigo definido para designar o universal. [...] que por sua essência ela não é toda” (LACAN, 1972-1973, p.98). Este é o ponto teórico fundamental, juntamente com a teoria freudiana sobre a feminilidade, torna-se neste capítulo a sustentação para evidenciar como ambos - amor e feminilidade - podem auxiliar a compreensão de como a artista erigiu na fantasia a sua defesa. Recorre-se às Fórmulas quânticas da sexuação para focalizar o campo do gozo, o gozo para-além da linguagem, para além do falo, denominado o Outro gozo, do feminino que podemos identificar na obra de Kahlo e a sua busca incessante de amor.
30
JAMÍS, 1995, p.254.
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No desdobramento do item A sublimação em Frida Kahlo, trabalharemos esses conceitos que podem ser observados e articulados teoricamente na vida e obra da artista, tomando-se como base o processo criativo.
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3.1
MULHER E O AMOR “Uma mulher goza com todo seu corpo” Frida Kahlo31
Articular o feminino e a sublimação na psicanálise constitui-se numa estratégia de investigação teórica para a compreensão da arte. Pensar o feminino conduz a concebermos a subjetivação como uma forma passível de transformação, de criação. Freud, em seu desenvolvimento teórico, chama atenção à importância do amor para a mulher, aliando o feminino ao amor como o cerne da histeria. Para ele, "a histeria tem forte afinidade com a feminilidade" (FREUD, 1926 [1925] p.141) e identifica a primeira forma de amor numa mulher como o amor da histérica pelo pai. Há uma diferença entre o amor feminino e o amor da histeria. O amor feminino se encontra no acaso e o amor da histeria é o que se busca. A histeria para Freud é uma recusa da posição feminina, é marcada pela aversão à sexualidade e a recusa da posição sexual feminina. Porém, a mulher busca ser amada, "uma vida só não basta” (JAMÍS, 1995, p.254), declara Frida Kahlo em sua procura permanente por amor. A psicanálise, desde o seu primórdio, traz a questão do amor, na constatação de que o 'amor é um encontro'. Foi do amor transferencial de Anna O. pelo Dr. Breuer que Freud vislumbrou a teoria psicanalítica e foi o desejo da histérica que o fez trabalhar e teorizar o dispositivo analítico. A partir daí, Lacan vai definir a transferência como amor, amor ao saber. O amor ao saber é que está presente na mesma estrutura da situação analítica. Lacan, então, recolhe do Banquete de Platão o momento crucial em que Sócrates responde com uma interpretação à exigência do amor de Alcebíades, conduzindo-o às leis do desejo. Aduz Lacan, se no começo era o amor... (LACAN, 1960-1961 p.12) de transferência, é assim que demanda o sujeito na clínica. O reconhecimento da
31
JAMÍS, 1995, p.254.
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transferência, enquanto fenômeno implica em um postulado erotômano, que será sublimado e dissolvido pelo conceito de transferência em Lacan: "não sou eu (o analista) que ele (o analisando) ama, mas um Outro que eu corporifico na ausência e na efígie" (LACAN, 1955-1956 p.349). O amor e a mulher têm se constituído como questões instigantes e enigmáticas, sempre atuais. O sujeito está em permanente busca de algo que preencha o vazio e a angústia, revelando no desejo de encontrar, por via do amor, a felicidade. A mulher teme perder o amor, por isso ela é perseverante na busca por um parceiro permanente. Ela, por ter afinidade com a falta, quer tudo. Frida Kahlo, na busca desenfreada de amor, seguia na direção em que seu desejo apontava, seduzindo e conquistando seus parceiros amorosos, à maneira de um “Don Juan de saia” (POLLO, 1995 p.184). Como na teorização de Lacan: Assim, o universal do que elas desejam é a loucura: todas as mulheres são loucas, como se diz. É justamente por isso que elas não são todas, isto é, não loucas-de-todo, antes conciliadoras; a tal ponto que não há limites às concessões que cada uma faz para seu homem: de seu corpo, de sua alma, de seus bens. (LACAN, 1974, p.70).
É no artigo "Inibição, sintoma e angústia" (1926 [1925]) que Freud se estende e amplia a questão da relação da mulher com o amor, apontando-o como paliativo do desamparo. Afirma Freud que "não se trata mais de sentir a necessidade do próprio objeto ou de perdê-lo, mas de perder o amor do objeto" (FREUD, 1926 [1925] p.141). Como Madeleine ao queimar as cartas de André Gide, citado por Lacan em seu artigo Juventude de Gide ou a letra e o desejo 1958). ( 1958). Assim Frida Kahlo protagoniza a cena de medo da perda de seu amor, de que Diego Rivera não mais a amaria, no quadro – Uns quantos golpes! (1935) –, que retrata um ataque mortal, a punhaladas, de Diego a uma Frida frágil, so-frida. Rivera havia se envolvido em um romance com sua irmã, Cristina, e Frida sofre a verdadeira punhalada – a traição. Dirige, então, sua criação para expressar a aniquilação diante da perda de seu amor. Sua fonte de inspiração é uma notícia de um acontecimento real, em que o sujeito mata a mulher numa cena de ciúmes e ainda diz: "mas foram apenas uns
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golpezinhos!" (ZAMORA, 1987, p.286). Frida, ao falar sobre o quadro, revela que pintou o piso de amarelo porque representava “a loucura, a enfermidade e o terror” (HERRERA, 1984 p.158) e que pintou o assassinato porque “no México o assassinato é bastante satisfatório e natural”. Segundo Herrera ela alegou que simpatizava com a mulher porque se sentia “assassinada pela vida” (HERRERA, 1984 p.158). Neste momento de sua vida, Frida Kahlo faz uma série de quadros em que trata de sua dor pela separação, é o medo da perda do amor que prevalece, pois ela e Rivera estavam separados. O casal mantinha um suposto casamento para a imprensa, pois ainda não havia se divorciado. Ela produz o quadro – Recordação ou O coração (1937) – em que um coração enorme sangra tal qual sua dor, há um vazio em seu peito e ela aparece sem braços parecendo demonstrar o sentimento de incapacidade. O buraco no peito é transpassado por uma linha vermelha, que liga os dois cabides. Em um desses cabides está pendurado um vestido de mulher, que tem um dos braços de Frida; em outro, está uma roupa colegial com o braço de menina. Um pedaço de pau atravessa o peito aberto, sem coração, deixando entrever, de cada extremidade um anjo, formando uma espécie de balança apontando para o desequilíbrio causado pelo sofrimento. Seriam cupidos? Há também a dualidade de sua origem familiar: o México e a Europa, tão presentes em sua obra. No quadro – As duas Fridas (1939) –, a artista produz uma obra marcante, pois além desse quadro ser o de maior dimensão, ela se retrata em duplicidade. Deixa exposto seu coração em ambas as Fridas, ligadas por uma artéria, que sai da mão esquerda da Frida mexicana, portadora de um camafeu com um retrato de Diego Rivera, quando criança; a outra Frida européia tenta estancar o sangue jorrando de seu coração aberto, apresentando em ambas um olhar distante32. É nesta época que ela produz também um quadro de Diego Rivera – Retrato de Diego Rivera (1937) –, revelando sua permanente devoção por sua paixão. As postulações de Freud vêm ao encontro do que Gallano trata em seu texto "La alteridad femenina", quando afirma que algumas mulheres não podem A explicação de Frida Kahlo sobre a origem do quadro se encontra na página 20 do primeiro capítulo. 32
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amar com um amor sexual, isto é, podem amar, mas com um amor que está vazio de desejo sexual. O companheiro eleito é o pai protetor, o substituto do pai protetor que lhes poupa a questão do desejo, é o pai do amor incondicional em que se apóiam na condição de filha desamparada (GALLANO, 2000 p.27). Lacan, com suas formulações, enfocou a questão da feminilidade a partir de um mais-além do falo, dando nova compreensão da inveja do pênis – Penisneid – que esclarece a confusão entre histeria e feminilidade.
Embora Freud tenha percebido o quanto o feminino e o amor eram importantes para uma mulher, levantando questões instigantes, sugeriu também àqueles que quisessem saber mais sobre a feminilidade, que consultassem os poetas, os artistas. Segundo Ernest Jones, Freud formulou uma pergunta que se refere ao enigma da mulher e que perpassou toda sua obra – "O que quer uma mulher?" ( Was will das Weib?) – e completa que ele teria se lamentado por não ter conseguido desvendar este enigma: "apesar dos meus trinta anos de pesquisa da alma feminina" (FREUD, 1925 p.274). Não obstante a toda dificuldade encontrada e admitida por Freud, durante o desenvolvimento de sua teoria da sexualidade feminina, ele se dedicou à investigação acerca da feminilidade propondo que: [...] a psicanálise não tenta descrever o que é a mulher – seria esta uma tarefa difícil de cumprir – mas, se empenha em indagar como é que a mulher se forma como a mulher se desenvolve, desde a criança dotada de disposição bissexual. (FREUD, 1933 [1932] p.117).
A artista, também poeta, Frida Kahlo, profere uma frase sugestiva, "amada, não o suficiente porque nunca se quer o suficiente, uma vida só não basta" (JAMÍS, 1995, p:254). Aponta para a falta, que é fundante. Freud, ao tratar de algumas peculiaridades psíquicas da feminilidade madura, no texto a Conferência XXXIII: Feminilidade (1933 [1932]) declara: "assim, atribuímos à feminilidade maior quantidade de narcisismo que também afeta a escolha objetal da mulher de modo que, para ela, ser amada é uma necessidade mais forte que amar" (FREUD, 1933 [1932] id. 131). E Lacan corrobora afirmando que “o amor, em sua essência, é narcísico” (LACAN, 1972-1973 p.14).
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A mulher necessita de provas desse amor por parte do homem e de obter a confirmação sempre renovada de seu valor, enquanto amada, para seguir trançando e tecendo sua vida. Como fez Frida Kahlo, no transcorrer da vida, não só em suas relações amorosas, mas também em seu vasto cabelo, enfeitando-o com lindas tranças cheia de fitas e belas flores, tecendo os fios coloridos de suas saias e de seus famosos xales. Freud (1933 [1932]) na Conferência XXXIII: Feminilidade escreve que as mulheres pouco contribuíram
na história da civilização, mas que “no entanto, há uma técnica que podem ter inventado – trançar e tecer. Sendo assim, sentir-nos-íamos tentados a imaginar o motivo inconsciente de tal realização” (FREUD, 1933 [1932] id. 131). Ele traz ainda a questão dos pêlos pubianos que a natureza favoreceu para ocultar os genitais, eles crescem unindo os fios um aos outros, enquanto, no corpo eles fixam à pele e se emaranham imitando as tranças. Frida Kahlo mais uma vez recorre à sua criatividade, para superar mais um ‘ataque’ do destino, num ato de extrema dor pela perda do amor de Diego Rivera. No momento em que estava sacramentando o divórcio, corta seus cabelos e produz o quadro – Auto-Retrato com cabelo cortado (1940) – e ainda escreve no quadro a estrofe
de uma música mexicana como uma mensagem dirigida a ele de uma forma invertida, pois é ela quem o diz: Olha, se te quis, foi pelo seu cabelo, Agora que estás careca, já não te quero mais. (KETTENMANN, 1994 p.54)
Seus cabelos estão espalhados no chão, se veste de terno, como na adolescência, está com uma tesoura na mão, e, se enfeita apenas com um brinco. Grandes mechas de cabelos pretos estão espalhadas pelo seu colo e sobre a cadeira. Os cabelos de Frida Kahlo foram usados desde a letra da música até a forma em que aparecem espalhados no chão, enroscados na cadeira e colocados sobre sua perna. Dada a dimensão que é colocada aos cabelos na tela, podemos entender que os cabelos são tomados, neste momento, como significantes da sexualidade feminina. Diz a música: “agora que estás careca, já não te quero mais”. Há, nesse quadro, o remetimento à
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perda e essa perda gera sofrimento pela possibilidade de uma segunda perda que é a perda de amor. No ano seguinte produz outra obra – Auto-Retrato com trança (1941) –, nesta, a artista juntou os cabelos que estavam no chão do outro quadro e com ele produziu uma bela trança. O momento foi seguido ao segundo casamento, com Diego Rivera, Kahlo ainda estava impactada com os últimos acontecimentos, havia viajado para Nova Iorque, terminado o romance com Nickolas Muray; viajado para São Francisco, a fim de realizar o seu segundo casamento, retornando sozinha para Coyoacán, pois Diego Rivera precisava terminar seu trabalho em São Francisco. É neste mesmo texto, Conferência XXXIII: Feminilidade, que Freud desfaz a equivalência, proposta anteriormente por ele, entre feminino = passivo e masculino = ativo. Ele assevera: "[...] nada disso procede. Existe apenas uma libido, que tanto serve às funções sexuais masculinas, como às femininas. À libido como tal, não podemos atribuir nenhum sexo" (FREUD, 1933 [1932]p.130). Portanto, nem a feminilidade ou sexualidade feminina é exclusiva da mulher e nem a masculinidade ou sexualidade masculina é exclusiva do homem, essas características estão presentes tanto na mulher como no homem. Há, entretanto, uma predominância da feminilidade e uma parcela de masculinidade nas mulheres e uma predominância da masculinidade e uma parcela de feminilidade nos homens. Freud, entretanto, atribui como característica da feminilidade a preferência para fins passivos e da masculinidade dar preferência a fins ativos, sendo que "para chegar a um fim passivo pode ser necessária uma grande quantidade de atividade" (id. 116). Freud, ao longo de sua teorização, não deixou de tratar o feminino como enigmático e, ao denominá-lo de "continente negro" – “ Dark continent ” (FREUD, 1926, p.205), paradoxalmente, iluminou uma via até então obscura: a de que há no feminino algo de irredutível, de inapreensível, e que não se esgota em uma resolução fálica. Não havendo um objeto fálico único que possa dar conta de responder de uma vez por todas ao “O que quer uma mulher?” (Was Will das Weib?) (id. 274), o feminino apresenta-se como furo interrogador, tanto para homens, quanto para mulheres, apontando novos caminhos para a teoria e clínica frente às demandas atuais. Donde o enigma da mulher não se encontra na própria mulher, mas no feminino, que, estando
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presente enquanto questão tanto para homem quanto para mulher, indica que a feminilidade constitui um problema para toda a sexualidade. E Lacan avança nesta teorização inovadora sobre o feminino, ele parte da premissa de que não há a inscrição da diferença sexual no inconsciente. Dirá que “o homem, uma mulher, não são nada mais que significantes” (LACAN, 1972-1973, p.54). Frida Kahlo era uma mulher extremamente sedutora, conquistava a todos e em geral as pessoas com quem ela viria ter uma relação próxima (artistas, médicos, enfermeiras etc). Consta em sua biografia que ela tivera vários romances, dentre eles, alguns com mulheres, principalmente àquelas que Diego Rivera se envolvia, Kahlo dirá: “[...] eu tenho amado sem cessar. Com amor, com amizade. A homens e a mulheres” (JAMÍS, 1994, p.253), ela entrava numa disputa fálica com ele, justamente por ser em sua essência nãotoda, dito de outro modo, justamente pelo fato da
Mulher ser não-toda, ela
tem, em relação ao que designa de gozo, a função fálica, um gozo suplementar (id. 99) que ela o enfrentava nessa disputa e ganhava, pois algumas das mulheres conquistadas diziam que ela era melhor que ele. Citamos Lacan: [...] quando escrevo ( ∀x φ x ) esta função inédita na qual a negação cai sobre o quantificador a ser lido não-todo (pas tout), isto quer dizer que quando um ser falante qualquer se alinha sob a banda das mulheres, isto se dá a partir de que ele se funda por ser não-todo a se situar na função fálica. (LACAN 1973 [1972] p.98).
Ela eterniza este momento no quadro – Dois nus na floresta ou a própria Terra ou A minha ama e eu (1939) –, oferecendo-o a uma atriz de cinema –
Dolores Del Rio, com quem tanto ela, quanto Diego se envolveu sexualmente (KETTENMANN, 1994 p.56). Mas como pontua Lacan no texto Para um Congresso sobre a sexualidade feminina: “[...] em todas as formas, mesmo
inconscientes, da homossexualidade feminina, é sobre a feminilidade que recai o interesse supremo” (LACAN, 1958 p.744), perguntamos: será que Frida Kahlo estaria investigando a sua própria feminilidade na outra mulher? Será que poderíamos pensar que esta seria a maneira dela dizer a Diego – olha como eu sou maravilhosa. Será que podemos pensar que o que Frida nos deixou através de sua obra e seus escritos foi uma grande lição da mulher sintoma para o homem? Para falar de mulher Lacan precisou falar de amor
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para enfim falar do gozo, “é que falar de amor é, em si mesmo, um gozo” (LACAN 1973 [1972] p.112), ele afirma. Ao retomar a questão da feminilidade, conforme Freud denominou de Penisneid – inveja do pênis (FREUD, 1926 p.206) e que Lacan em sua
elegante construção nomeou – a nostalgia da falta-a-ter – "a nostalgia de algo que ela jamais tivera" aduz Quinet em seu texto As formas de amor na partilha dos sexos (1995 p.12). Ainda neste mesmo texto, podemos trazer outra
construção interessante abordada por Quinet que nos clareou à caminhada nesta questão enigmática. A menina frente à castração da mãe renuncia ao seu amor e se dirige ao pai: "o desejo de pênis, do qual sua mãe a frustrou". Porém, a situação feminina só será instaurada quando o desejo de pênis for substituído pelo desejo de filho. Freud dirá que assim a "feminilidade será alcançada" (FREUD, 1932-1933 p.128), mas observa Quinet: Neste trecho, Freud hesita. Apesar de ele afirmar que o desejo feminino é o desejo de filho, tem-se a impressão de que não está muito certo quanto a isso, porque diz que nesta expressão 'desejo de um filho do pai', este 'um filho' é mais importante do que ‘do pai’. Freud diz, então, que talvez possamos reconhecer mais o desejo feminino no desejo do pênis do que no desejo do filho. [...] Se formos resumir a proposta de Freud neste artigo, diremos que ele propõe uma partilha dos sexos a partir do falo – ter ou não ter o falo – e rebate o desejo feminino sobre o desejo de filho, fazendo equivaler, portanto, a mãe à mulher. (QUINET, 1995 p.13).
Lacan avança nesta concepção, indo mais além que Freud. Em contraposição a este ‘ter’ ou “não ter” ‘o falo’; propõe que é justamente por não ter que a mulher se torna o falo, já que o falo é o significante que designa a falta, neste jogo do parecer ter ou pare-ser tal qual a mascarada, onde este “pare-ser feminino metamorfoseia um “não ter” ‘o falo’ em um “ser” ‘o falo’” (MOREL, 1996 p.142). No início de seu ensino, Lacan teoriza sobre a mulher inserida no simbólico, ou seja, articulada com a lei fálica, sendo que ela entra nessa dialética marcada por um 'a menos', que simboliza ausência do falo. Sendo assim, a mulher, nesse momento do ensino de Lacan (1958), está submetida à função fálica, ao simbólico, onde há apenas um significante da sexuação: o falo. Mas, como não há um significante no Simbólico para o feminino, este
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estaria então em Outro lugar, o que leva Lacan a um giro de perspectiva acerca da feminilidade. A mulher estaria dividida entre o mundo simbólico simbólico e um outro que seria o para-além do simbólico. Lacan, então, envereda para outra direção, em que a mulher não é mais completamente submetida à função fálica, sexual – à linguagem. É possível dizer que saiu do desejo como eixo central da articulação teórica e passou para o gozo enquanto tal: não sexual, não-simbólico, irredutível à linguagem. Lacan foi além de Freud ao postular o enigma do gozo feminino. Ao longo de seu ensino, um dos modos de se pensar o feminino é a partir do gozo Outro, que é o gozo próprio do feminino, o gozo suplementar. O gozo Outro que se situa entre os registros do Real e do Imaginário. Exatamente por não ser mediado pelo simbólico, a mulher que o experimenta nada pode dizer sobre ele, apenas que o experimenta. Isso, sem dúvida, o torna assustador. Na década de 70, Lacan, num retorno a Freud no Seminário, Livro 20: Mais, ainda, ao abordar o tema do feminino, refere-se ao enigma que a mulher
suporta por não estar toda na norma fálica, ainda que aí esteja de todo, e é este não-toda que faz enigma, assevera que "somente por fundar o estatuto d'a mulher no que ela não é toda" (LACAN, 1972-1973 p.99), A mulher, embora esteja referida ao falo, à norma fálica, não está toda aí, ela é não-toda. Existe uma parte dela que escapa ao significante, pois não há um significante que nomeie a mulher, escapa ao discurso e, portanto, se articula ao real. O gênio de Freud notou que a anatomia não define a posição subjetiva diante do sexo, o que faz questão é a diferença entre os sexos, determinada pelo órgão enquanto aprisionado na dialética do desejo e interpretado pelo significante, dito de outro modo, a posição sexuada de cada um é a posição diante do significante falo. O sexo é uma metáfora e o feminino é uma posição passível de ser ocupada por qualquer um que faça a escolha. Há outra questão muito presente na obra de Frida Kahlo, trata-se da maternidade tão constante na sua biografia e expressa em dois quadros: – O Hospital Henry Ford ou A cama voadora ( 1932) 1932) – e – O meu nascimento ou Nascimento ( 1932) 1932) –, mais uma vez, a artista encontra sua singular maneira de
elaborar sua dor. Ela produz dois quadros impactantes, belíssimos, trazendo à
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luz o mais íntimo da mulher. No primeiro, ela retrata o hospital e no segundo Kahlo faz uma referência ao aborto que havia sofrido e à sua mãe que nesta época havia falecido. Então, trata-se de um momento muito importante, além dela estar perdendo o seu bebê, perdia também sua mãe, duas perdas significantes para a mulher. Freud, em 1926, no artigo Inibições, sintomas e angústia (1926 [1925]), assinala que há, em diferentes épocas da vida, perdas
que denunciam a situação de desamparo do sujeito: o nascimento, a perda da mãe como objeto, a perda do amor do objeto e a perda do supereu. Nesta época, as perdas para Kahlo foram intensas, culminando na primeira aventura extra-conjugal de Diego Rivera. Freud também aponta uma saída para a mulher que de uma forma ou de outra não exerce a maternidade, assevera que: [...] o desejo de ter o pênis almejado pode, apesar de tudo finalmente contribuir [...] – capacidade de exercer uma profissão intelectual, por exemplo – amiúde ser identificado como uma modificação sublimada desse desejo reprimido. (FREUD, 1932-1933 p. 125).
Frida Kahlo era bastante intelectualizada, foi apresentada à leitura dos grandes filósofos através de seu pai que era um leitor de Schopenhauer, Nietzsche e outros; também ele a impulsionava para a vida profissional, assim como Diego Rivera que além de ter lhe dado o aval para a arte abrindo caminho para sua profissão, era um dos seus maiores incentivadores, fonte de admiração e inspiração. Na década de trinta, Kahlo tornou-se uma profissional respeitada. Gallano (1993) se pergunta acerca do abismo que separa a mulher freudiana da lacaniana. Para a autora, Lacan situa o ser sexual de uma mulher dentro da lógica do não-toda da castração. Uma mulher é não-toda, eis a fórmula que separa a mulher lacaniana da mulher freudiana. O texto, então explica a questão do amor. O amor é uma manifestação não-toda que se pode apreender completamente na psicanálise, porque o amor é coisa do sujeito do inconsciente. Lacan chega a definir o amor como um dizer, um dizer, no entanto, que marca o meio-dizer da verdade em que a verdade do sujeito não sabe se dizer inteira. Esse dizer do amor é a verdade, mas uma verdade definida como não-toda que pode ser habitada do saber inconsciente e, com ele, nunca se fechar.
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O que muda de Freud a Lacan na abordagem da castração comporta as conseqüências quanto àquilo que pode ser revelado a propósito do amor. Conforme a concepção lacaniana da castração, uma mulher anseia amar e não somente ser amada. Quer dizer, ela é habitada do desejo que a ele é próprio, do desejo que habita seu inconsciente e que não sabe se reduzir ao que ela é para o desejo do Outro. Trazemos como ilustração uma foto de Frida Kahlo feita não só pela lente profissional de Nickolas Muray, mas pelo seu olhar de desejo por ela: nesta época eles mantinham um romance. Segundo Herrera, no momento em que ele lhe envia a foto, o romance havia terminado, e mesmo assim escreve uma carta acompanhando a foto que se inicia da seguinte forma: “querida, querida Frida” (HERRERA, 1984 p.229) e ela refere-se à foto como “estupenda fotografia” (id.230). A vida, o sentimento vital, é o Phallus que a significa, enquanto que significante do desejo. O amor que não converge com o desejo remete o sujeito à significação de seu vazio como equivalente à morte. Os místicos, ao menos poucos dentre eles são testemunhas de um amor inventado dentro da poesia amorosa que não remete, contudo, à morte, mas a uma vida além dos apetites terrenos da carne. Dentro da tentativa, masculina, de fazer entrar as mulheres no todo-fálico, alguém pode promover a poligamia e reduzir a mulher a ser uma a mais no harém. Mas, a psicanálise não se orienta dentro do todo-fálico nem convida a tantas quantas as mulheres a pregar um novo modo de monogamia – os homens – ou o homem serão todos-por-eles. Assim, dentro da essência da mulher existe a condição que ela porta nela, este Outro-ela, de forma a não ser não-toda para ele. A partir das premissas lacanianas sobre as fórmulas quânticas da sexuação e a posição da mulher como aquela que deseja ser colocada no lugar de objeto privilegiado do amor, vamos desenvolver esta postulação a seguir.
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3.2 FÓRMULAS QUÂNTICAS DA SEXUAÇÃO "Entre o homem e o amor Existe a mulher. Entre o homem e a mulher, Existe um mundo. Entre o homem e o mundo. Existe um muro" . Antoine Tudal 33
Ao propor as Fórmulas quânticas da sexuação para focalizar o campo do gozo, o gozo para-além da linguagem, para além do falo, denominado o Outro gozo, Lacan sublinha o impossível do Universal da mulher. Ao teorizar A mulher não existe, ele postula que a questão do feminino não está na
anatomia, mas na posição fálica. Para a mulher há um mais além do falo e nem tudo está relacionado ao gozo fálico, pois não há um significante que a defina, ela não está toda referenciada ao falo porque está no ser, ela se apresenta como um ‘parecer’ ser o falo. Os homens, por terem um suporte imaginário, fazem máscaras de ter o falo. Aduz Lacan que o “ser sexuado dessas mulheres não-todas não passa pelo corpo, mas pelo que resulta de uma exigência lógica da fala” (LACAN, 1972-1973, p.19). Mas, para Freud gozar é da ordem do necessário, é o que ele nos aponta, nos artigo As pulsões e suas vicissitudes (1915). As pulsões têm origem nas fontes do corpo e dão lugar ao que é da ordem do necessário para sobreviver, como a fome, a respiração e a sexualidade (FREUD, 1915, p. 110). O gozo é dessa ordem, porém nada, nem ninguém, força alguém a gozar, a não ser o supereu, como aduz Lacan: “o supereu é o imperativo do gozo – Goza!! ” (LACAN, 1972-1973, p.11). É o imperativo do gozo que comanda o
sujeito fazer o que não quer fazer. Porém, cada um goza com seu próprio signo, pois o “gozo do Outro, do corpo do Outro que o simboliza, não é o signo do amor” (id.12), porque no sexo não se trata de amor, pois na metáfora do amor trata-se de amor e desejo. O gozo não faz Um, por isso não há relação sexual. Dirá Lacan que “o amor é impotente, ainda que seja recíproco, porque ele ignora que é apenas o desejo de ser Um, o que nos conduz ao impossível de estabelecer a relação dos... A relação dos quem? – dois sexos” (id.14). 33
LACAN, 1998, p.20.
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A paixão em sua repetição, em seu autômaton, é uma promessa de vida que vai além da felicidade e do sofrimento. Na literatura, observa-se a presença marcante do interesse pelas histórias que expressam a combinação fascinante de amor e morte, indicando que o desejo pelo amor-paixão, leva em conta somente o apaixonamento, subtraindo a possibilidade de sofrimento e esquecendo que amar é se arriscar. Os apaixonados amam o próprio fato de amar; isso demonstra que precisam mais da ausência do que da presença, tal como no amor cortês, imagem perfeita do amor terrestre idealizado, onde a mulher é elevada a dignidade de Coisa. O amor-paixão é desejado, na condição de jamais admitir o seu sentido real, ou seja, o fato inconfessável de que ele está ligado à morte. Interessante, é que paradoxalmente, todo obstáculo ao amor é o que vai sustentá-lo, para exaltá-lo, no obstáculo absoluto, que é a morte. Lançar-se ao instante supremo do prazer total, alcançar o Nirvana, é morrer, e, em sua jura de amor, o amante diz que morre de amor. Não sem motivo, que em francês se diz " la petit mort ", para se referir ao orgasmo. A cumplicidade, sempre dissimulada, do amor com a morte é o ponto no qual se situa a articulação entre sofrimento e saber. O amante não sabe o que o faz sofrer porque aquilo do que ele sofre é da própria ignorância, ao supor o saber sobre seu ser ao Outro. Assim, a dor de amor se alimenta de uma falsa reciprocidade, de um duplo narcisismo, cujo efeito faz t ransparecer, no excesso da paixão, o ódio ao amado. A ambivalência, a "hainamoration, uma enamoração feita de ódio (haine) e de amor" (LACAN, 1972-1973, p.122), foi indicada por Lacan por um significante novo: amódio (id.122), ou seja, feita de amor e ódio; sendo assim, o amor presentifica o pulsional. Dito de outro modo, como não se tem o que se deseja – a morte – se demanda mais, mais ainda, demonstrando que o amor é uma compensação ao gozo perdido. Para descrever o amor, se recorre à linguagem, exprimindo-se através de significantes que traem o seu verdadeiro alcance. Frida Kahlo registrou sua dor de amor em cartas e em seu diário nos apontando um caminho ao qual podemos conhecer um pouco mais de sua história. Lacan,
seguindo
o
percurso
de
Freud,
produziu
alguns
desenvolvimentos teóricos em relação ao amor. Num primeiro momento,
116
referenciado no falo, identifica o amor à transferência e à repetição, formulando o aforismo: "amar é dar o que não se tem" (LACAN, 1960-1961 p.126). Mais adiante no seu ensino nos aporta que o amor não é senão um dizer enquanto acontecimento. Assim, o amor pressupõe o nó. Se há amor, há entrelaçamento dos três registros que o compõem. É o que constatamos ao observar as três formas do semblante que ele atinge e tenta dar consistência: a imagem, o sujeito e o ser. O amor no imaginário se confunde com a identificação ao semelhante, é um afeto e proporciona a experiência mais próxima à completude a que se pode aspirar. Porém, só se sustenta, na medida em que a imagem do outro nos faz supor que ela abriga uma substância consistente. Ou seja, a imagem se sustenta do objeto a, que causa o desejo, ao mesmo tempo em que é a base da sua insatisfação. O amor na sua face simbólica é sempre amor de um nome e faz pacto. Assim, é uma relação de sujeito a sujeito e tem por corolário o saber inconsciente que um sujeito supõe ao outro. A fala do amor tenta fazer suplência ao "não há relação sexual" (LACAN, 1972-1973 p.86) na impossível conjunção do sujeito e do corpo, isolando um significante que seria suposto designar o ser do amado. Entretanto, não cessa de se escrever (LACAN, 19721973 p.127), pois o significante que só tem efeito de significado rateia, ao pretender dar conta do ser do Outro. No registro do real, o amor visa ao ser, que permanece em fuga perpétua, reduzindo-se, sem o saber, à relação com o objeto da fantasia. Explicita-se aí a função mortal do amor, sua possibilidade de transformar-se em ódio, pois, do ser do amado não se obtém mais que alguns signos. O amor, enquanto fenômeno é ao mesmo tempo, evidente e inapreensível. Lacan vai qualificar o amor como uma tentativa de suprir a impossibilidade da relação sexual. Dessa maneira, ele nasce sob o signo do impossível, prometendo que o sentido sexual vai parar de não se inscrever na contingência do encontro e vai se tornar necessário. Mas, o amor não sustenta suas promessas, os amantes descobrem, rapidamente, que o prazer do amor não dura mais que um instante e percebem que pesa sobre eles o risco de ficarem mortalmente atingidos, ao invés de fascinados. Porém, apesar de tudo, um homem crê desejar uma mulher crê amar. Frida Kahlo em seu segundo
117
casamento com Diego Rivera faz duas exigências: que o casal não tenha mais relação sexual e que ela pague a metade das despesas do casal. É esse encontro com o impossível que torna o amor tão apaixonante, fazendo com que cada um procure sempre o amor absoluto de uma paixão, o amor louco. Frida Kahlo demonstra ao reverenciar seu louco amor por Diego Rivera: "por que o chamo Meu Diego? Nunca foi nem nunca será meu. É de si mesmo" (HERRERA, 1984, p.314). O comentário de Diego com relação à Frida demonstra o quanto ela era também importante para ele: "se eu houvesse morrido sem conhecê-la, haveria morrido sem saber o que era uma verdadeira mulher" (HERRERA, 1984, p.314). Já que no amor o que se visa é o sujeito, o sujeito "como tal" (LACAN, 1972-1973, p.69) com o seu signo suscetível de provocar o desejo, deslizando na cadeia de significantes, o casal, então parece ter encontrado a "mola do amor". Respondendo à pergunta "o que é uma mulher para um homem?” Lacan conclui: “Uma mulher é para um homem, seu sintoma" (LACAN, 19751976, p.98). Dessa maneira, um homem crê desejar uma mulher, quando a ama. A mulher crê amar, quando ela deseja o falo do qual o homem é portador, a partir da identificação à falta do Outro S(
). Entretanto, verdadeiramente,
uma mulher só ama um homem, quando ela é privada daquilo que ele dá; quando reconhece, no homem, a sua falta. Esse Outro do amor, evocado além do falo, tem como referência o pai ideal, aquele que dá o que não tem. Nessa via, é que podemos dar conta da forma erotomaníaca do amor (LACAN, 1958 p.742), na qual a mulher se imagina desde sempre amada, o que a faz repetir nas suas relações, uma infinita demanda de amor. Na tentativa de posicionarse falicamente, ela vai fazer advir à castração e o desejo de um homem e, ao mesmo tempo, velar a falta que sustenta o seu desejo. Manobra que a faz passar de amante a amada, o que exemplificamos com a afirmativa de Frida Kahlo: "tenho sido amada, amada, amada" (JAMÍS, 1995, p.254) e segundo seus próprios escritos e de seus biógrafos, ela foi realmente muito amada. Em contraponto com esse amor-paixão por Diego Rivera, acreditamos que o verdadeiro amor, aquele amor que se encontra ao acaso que Frida Kahlo viveu foi no seu relacionamento com Nickolas Muray, o registro de suas correspondências nos permite essa inferência:
118
“Nick, Te amo como amaria a um anjo És um lírio do vale, meu amor. Nunca te esquecerei, nunca, nunca. És minha vida inteira. Espero que nunca o esqueça. Frida Maio, 31, 1931. Coyocán”34. Lacan traduz em fórmulas que denomina de "fórmulas quânticas da sexuação" e que são as quatro fórmulas, na estrutura da função proposicional: duas à esquerda e duas à direita, lidas do seguinte modo: existe um x que não inscreve a função fálica ( ∃x φ x ) Está posto que todos estejam inscritos na função fálica ( ∀x φ x ) ao ser negado a existencial, ou seja, feita a exceção. Outra que contradiz: não existe nenhum x que não inscreva a função φ x fálica ( ∃x φ x ). Ao dizê-lo, negando a negação da existencial, a exceção, ele contradiz também o todo ( ∀x
Фx).
Tais fórmulas mostram a "não relação sexual", ou seja, que a copulação dos corpos não faz copular os significantes que os ditos corpos homem e mulher suportam. E nos indicam que as diferentes formas de suprir o impossível da relação sexual vão diferenciar as posições sexuadas, inscrevendo o sujeito do lado masculino ou feminino, a partir de sua relação com a função fálica, frente à sexualidade: masculina – todo submetido à função fálica e da feminina – nãotodo submetido a ela e assevera: "quem quer que seja ser falante se inscreve de um lado ou de outro" (LACAN, 1972-1973, p.107). Os quantificadores irão mostrar o modo do sujeito se alinhar no lado da posição feminina, no lado da posição masculina. Tanto o feminino quanto o masculino sempre se constituíram questão, desde Freud; na Conferência Feminilidade (1932-1933), ele os considera uma característica desconhecida
que foge ao alcance da anatomia, mas coloca que a distinção anatômica se expressa em conseqüências psíquicas (FREUD, 1932-1933, p.124). Podemos 34
GRIMBERG, Salomon, 2004, p.14.
119
inferir que a mulher não-toda fálica tem conseqüências na clínica do sujeito do inconsciente. O gênio de Freud foi notar que a anatomia não define a posição subjetiva diante do sexo, o que faz questão é a diferença entre os sexos, determinada pelo órgão enquanto aprisionado na dialética do desejo e interpretado pelo significante, donde, a posição sexuada de cada um é a posição diante do significante falo. O sexo é uma metáfora e o feminino é uma posição passível de ser ocupada por qualquer um que faça a escolha. Lacan introduz uma distância entre a anatomia e o sexual. Sexual, para ele, sendo duas posições de gozo, independente do sexo anatômico, isto é, que o sujeito pelo seu modo de enunciar coloque-se do lado masculino ou do lado feminino, como é mostrado no quadro das fórmulas quânticas da sexuação no seu Seminário, Livro 20: Mais, Ainda (1972-1973), uma combinatória ordenada da função fálica, escritura lógica, do todo fálico de um lado, e um não-todo fálico do outro. Fórmulas criadas do lado feminino, não clássicas, que não se podem escrever nas lógicas até então construídas. Tratase da lógica modal aristotélica, a lógica do universal. Lado Homem
Lado Mulher
Todo
Não-todo
Lado esquerdo: posição do Homem, posição do Todo: : existe pelo menos Um que diz não à função fálica; Lado direito: posição da mulher, do não-todo; : não existe ninguém que diga não à função fálica;
120
No quadro acima à esquerda, a linha inferior –
∀x
φ x – indica que é
pela função fálica que o homem como todo toma a inscrição; exceto que essa função encontra seu limite na existência de um x pelo qual a função ( ∃x φ x ) é negada. Aí está a função do pai, de onde procede pela negação a proposição φ x ), o que funda o exercício do que supre, pela castração, a relação sexual,
no que esta não é de nenhum modo inscritível. O todo repousa, portanto, aqui, na exceção colocada, como termo, sobre aquilo que, esse φ x , nega integralmente. Do lado direito, tem a inscrição da parte mulher dos seres falantes. Lacan dirá: [...] a todo ser falante, como se formula expressamente na teoria freudiana, é permitido, qualquer que ele seja, quer ele seja ou não provido dos atributos da masculinidade – atributos que restam a determinar – inscrever-se nesta parte. Se ele se inscreve nela, não permitirá nenhuma universalidade, será não-todo, no que tem a opção de se colocar na φ x ou bem de não estar nela. (LACAN, 1972-1973 p.107).
Estas são as únicas definições possíveis da parte dita homem ou bem mulher para o que quer se encontre na posição de habitar a linguagem. Embaixo, sob a barra transversal onde se cruza a divisão vertical “do que chamamos impropriamente humanidade" (id.107), no que ela se repartiria em identificações sexuais, há uma indicação escandida. Do lado homem -
S/
e o Ф que o suporta como significante o que bem se
encarna também no S 1 que é entre todos os significantes, esse significante do qual não há significado, e que, quanto ao sentido, simboliza seu fracasso. Lacan dirá que é o "hemi-senso, o inde-senso por excelência, ou, ainda, o reti-senso" (id.108). Esse S/ assim duplicado desse do qual em suma ele nem mesmo depende, esse
S/
só tem a ver, enquanto parceiro, com o objeto a
inscrito do outro lado da barra. Só assim lhe é dado atingir seu parceiro sexual, que é o Outro, por intermédio disto, de ele ser a causa de seu desejo. É esta conjunção apontada desse
S/
e desse a que se traduz por fantasia. Afirma
Lacan: "essa fantasia, em que o sujeito é preso, é, como tal, o suporte do que
121
se chama expressamente, na teoria freudiana, o princípio de realidade" (LACAN, 1973-1972 p.108). É no outro lado que Lacan vai abordar o que Freud "deixou expressamente de lado" (id.108), ou seja, o "O que quer uma mulher?" ("Was Will das Weib?"). Sabemos que Freud adiantou que só há libido masculina,
Lacan, então, pergunta: "o que quer dizer isto? – senão que um campo se acha ignorado e que esse campo é o de todos os seres que assumem o estatuto da mulher" (LACAN, 1973-1972 p.108). A mulher por se anunciar nesse não-todo, não pode se escrever. Esse a, artigo, só pode existir barrado, donde esse tem relação com o significante A enquanto barrado. O Outro representa "aquilo com que a mulher fundamentalmente tem relação. [...] Por ser, na relação sexual, em relação ao que se pode dizer do inconsciente, radicalmente o Outro" (id.108), que a mulher é aquilo que tem relação com o significante desse Outro, na medida em que, como Outro, ele só pode continuar sendo sempre Outro. O Outro, "esse lugar onde vem se inscrever tudo que se pode articular de significante, é, em seu fundamento, radicalmente Outro" ((LACAN, 1972-1973, p.109). É por isso que esse significante, com esse parêntese aberto, marca o Outro como barrado – S( É o que está escrito no quadro acima, com a flecha partindo do
).
. Esse
não se pode dizer, pois "nada se pode dizer da mulher" (id.109). A mulher tem relação com S(
), e é nisso que ela se duplica que ela é não-toda, pois,
também, ela pode ter relação com o Ф. Ф,
designado com esse Falo, teoriza Lacan: "tal como eu preciso por ser
o significante que não tem significado, aquele que se suporta, no homem, pelo gozo fálico" (id.109). Exposto o quadro das fórmulas quânticas da sexuação, veremos que a questão é saber no que consiste o gozo feminino, conforme teorização de Lacan: "na medida em que ele não está todo ocupado com o homem, e mesmo, eu diria que, enquanto tal, não se ocupa dele de modo algum, a questão é saber o que é do seu saber". (id.118). Donde a mulher só pode amar no homem, a "maneira com que ele enfrenta o saber com que ele alma" (id.119). Porém, para saber como ele é a questão se coloca a partir do seguinte: "que há algo, o gozo, de que não é possível dizer se a mulher pode
122
dizer alguma coisa – se ela pode dizer o que sabe dele". (id.119). Ainda continuando a citação de Lacan: Não é outra questão, senão a de saber se esse termo de que ela goza mais além de todo esse jogar que constitui sua relação ao homem, e que eu chamo de Outro, significando-o por um A, se esse termo, ele, sabe alguma coisa. Pois é nisso que ela é ela própria sujeita ao Outro, tanto quanto o homem. (LACAN, 1972-1973, p.120).
Assim, quando uma mulher se dirige do lugar de seu gozo não-todo, ao Um da exceção, é o Outro da falta que encontra. Em outras palavras: o Outro não pode ser encontrado. O confronto com essa ausência dá conta do caráter louco e enigmático do amor e do gozo feminino. Enfim, a mulher, por ter relação com o significante da falta do Outro S(
), tem a possibilidade de tocar
um amor infinito, ao qual não tem meios de dar nenhuma significação, e um gozo ilimitado, que não consegue localizar no Outro. Seria este o amor de Frida Kahlo por Diego Rivera? Ocupar a posição feminina implica além destas, outra dificuldade relativa ao lugar que mulher deve ocupar na fantasia. Se a posição masculina fica definida no quadro proposto por Lacan pelo lugar de sujeito da fantasia ( S/ ). A posição feminina, como definida por Freud e Lacan, implica o abandono da posição de sujeito para colocar-se no lugar de causar o desejo de um homem. Ou seja, na fórmula da fantasia, lugar do objeto a parcial, complementar à falta do Outro. Lugar de objeto, posição de assujeitamento e de certa forma, rebaixamento, que exige certa destituição subjetiva, difícil de ser sustentada, mesmo que entre quatro paredes. Lacan propõe duas vias para o gozo feminino: o gozo fálico e um gozoa-mais, suplementar; sendo uma decorrente da posição de objeto causa de desejo, ou seja, como máscara, semblante de objeto a, e outra, a via do significante da falta no Outro S(
). Tanto uma como outra exige um certo
afastamento da ordem simbólica, pois o objeto a mesmo sendo articulável pelo simbólico, não pode por ele ser recoberto. Quanto ao significante da falta no Outro, ele aborda justamente a falta de significante, implicando um gozo para além do simbólico. Bancar o objeto a para um homem é vestir-se daquilo que
123
causa nele o desejo, não importa o que seja. Frida Kahlo encarna esse papel ao se apresentar para Diego como essa mulher, fálica, inteligente, sedutora. Mas, se por um lado bancar o objeto evoca a passividade, por outro, colocar-se nesse lugar específico exige uma atitude ativa e deliberada. O que na verdade define essa posição é poder fazer parte da fantasia, da fantasia dita perversa polimorfa, de um homem, nesta posição que articula o desejo, para atingir o gozo. É ocupar o lugar que corresponde ao objeto numa relação onde o homem seja o sujeito, que busca nesse pedaço de mulher, como objeto a o reencontro com um gozo perdido. É inserir-se nessa fantasia particular de cada homem. Citamos Lacan no texto “Mola do amor” no Seminário, Livro: 8 – A transferência, ao falar sobre o nascimento do amor. É “o masculino que é
desejável, enquanto o feminino é ativo. Pelo menos, é assim que as coisas se passam no momento do nascimento do Amor” (LACAN, 1960-1961 p.125). Não resistimos à tentação de relatar a maneira pela qual a Aporia engendra Amor com Poros. No momento em que isso se deu, era a Aporia quem velava quem tinha os olhos bem abertos: Contam-nos que ela viera para os festejos do nascimento de Afrodite, e como qualquer Aporia que se preze, nossa época hierárquica, permaneceu nos degraus, próximo da porta. Por ser Aporia, isto, por nada ter a oferecer, não entrou na sala do festim. Mas a felicidade das festas é que, justamente, acontecem coisas ali que invertem a ordem comum. Poros adormece. Adormece porque está embriagado, e é isso o que permite à Aporia fazer-se emprenhar por ele, e ter este filhote que se chama Amor, cuja data de concepção vai coincidir, portanto, com a data do nascimento de Afrodite. É por isso mesmo, nos explicam, que o amor terá sempre alguma relação obscura com o belo, aquilo de que vai se tratar, com efeito, no desenvolvimento de Diotima. Isso está ligado ao fato de que Afrodite é uma deusa bela. (LACAN, 1960-1961 p.125).
124
3.3 A SUBLIMAÇÃO EM FRIDA KAHLO "As aparências enganam" Frida Kahlo35
Foi o ensino de Lacan que tornou possível debruçar sobre o labirinto do feminino para se entender o processo criativo. Lacan percebe a criação como ex nihilo, do nada. A sublimação pode ser entendida como tentativa de
circunscrever o real utilizando a articulação significante. Ele propõe a noção de criação, seguimos suas palavras: Deve ser promovida agora por nós, com o que ela comporta um saber da criatura e do criador, pois ela é central não apenas em nosso tema, o motivo da sublimação, mas no da ética no sentido mais amplo. Estabeleço isto – um objeto pode preencher essa função que lhe permite não evitar a Coisa como significante, mas representá-la na medida em que esse objeto é criado. (LACAN, 1959-1960 p.150).
Então, toda criação obrigatoriamente vai girar em torno desse lugar vazio, que é o lugar da mulher e a arte "se caracteriza por um certo modo de organização em torno desse vazio" (LACAN, 1959-1960 p:162). A criação, nessa perspectiva, é a moldura que busca contornar o vazio. O vazio aduz Lacan “permanece no centro e é precisamente nisso que se trata de sublimação” (id.162). Essa Coisa, das Ding, em torno da qual todas as formas criadas pelo homem pertencem ao registro da sublimação, "será sempre representada por um vazio, precisamente pelo fato de ela não poder ser representada por outra coisa" (REGNAULT, 2001, p.15). Partindo desse princípio, para entender a obra de Frida Kahlo, buscou-se a via da criação, explicada pelo viés do ex nihilo, do nada, da Coisa, das Ding. Aduz Lacan: Essa Coisa, da qual todas as formas criadas pelo homem são do registro da sublimação, será sempre representada por um vazio, precisamente pelo fato de ela não poder ser representada por outra coisa – ou, mais exatamente, de ela não poder ser representada senão por outra coisa. Mas, em toda forma de sublimação o vazio será determinante (LACAN, 1959-1960 p.162). 35
Exposição: Tesoros de la Casa Azul - Frida y Diego, setembro, 2007.
125
Lacan aborda o tema no Seminário, Livro 7: A ética da psicanálise. O nihil , como nada, é algo que escapa, algo emerge, há um trilhamento em que
algo aparece, podendo surgir no vazio da tela, do quadro, a fantasia do artista como sujeito que habita. Em suas palavras: Se vocês consideram o vaso, [...] como um objeto feito para representar a existência do vazio no centro do real que se chama a Coisa, esse vazio, tal como ele se apresenta na representação, apresenta-se, efetivamente, como nihil, como nada. E é por isso que o oleiro, [...] cria o vaso em torno desse vazio com sua mão, o cria assim como o criador mítico, ex nihilo, a partir do furo. (LACAN, 19591960 p.153).
No Seminário Livro 14: A lógica lógica da fantasia, Lacan redefine o processo processo sublimatório, descrevendo-o como mais claramente participante do gênero feminino: É sempre por identificação à mulher que a sublimação produz a aparência de uma criação. É sempre sobre o modo de uma gênese estreitamente ligada ao dom de amor feminino, enquanto criando o objeto evanescente, e mais ainda enquanto a falta do falo onipotente. Por isso pode haver criação ou poesia em determinadas atividades humanas. (LACAN, 1966-7, aula de 1º de março de 1967).
Esse é o lado não-toda que faz enigma, é o furo. O feminino, então, se aproxima da sublimação pelo fato da mulher estar na posição do inominável, do vazio de representação, pela inexistência do significante na relação entre os sexos,
Mulher, está não-toda na função fálica, isso quer dizer, que ela tem
referência ao falo, porém não-toda. A visada sublimatória se dirige a este ponto inominável: o real, vazio, pois neste lugar o gozo tem a particularidade de estar fora do simbólico, fora do significante, o gozo impossível de capturação fálica. Este gozo da sublimação é socialmente aceito, tal como ocorre no fascínio do amor cortês considerado por Lacan "um paradigma da sublimação" (LACAN, 1959-1960 p.160). Lacan no Seminário, Livro: 8 A transferência (1960-1961) cita a rainha Margarida de Navarra, e relata que ao falar sobre a sublimação em torno do amor pela mulher, que “a mão que ele segurava no invisível não era de Platão, nem de nenhum outro erudito e sim a dela” (LACAN, 1960-1961 p.32). Maria de
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Navarra foi detentora de vários títulos de nobreza, viveu no século XVI, tem um conjunto de setenta e duas pequenas novelas que abordam temas sociais e humanos, como as relações entre os sexos, dentre outros. Interessante que ela escrevia durante suas longas viagens pelo sul da França o fazia dentro da liteira36. Ela escrevia para preencher o vazio do tédio de tais viagens. A sublimação podemos dizer que seria uma forma paradoxal de satisfação, pois o gozo é obtido pelas vias aparentemente contrárias às do gozo, o alvo seria atingido sem passar pelo recalque, cingindo a Coisa, das Ding e sua forma exemplar é a erótica do amor cortês, que se mantém no
princípio do prazer. O trovador cria o poema ou o canto ex nihilo; não há nada preexistente, e coloca neste nada uma mulher particularizada em seu corpo e sua beleza. Numa maneira assim de não fugir da
Mulher, não fugir desse vazio cruel e
enlouquecedor girando em torno desse vazio, cercando-o através da arte de dizer e de cantar. Em Lacan teremos que “a criação da poesia consiste em colocar, um que eu chamaria de enlouquecedor, um parceiro desumano” (LACAN, 1973-1972 p.187). O poeta tenta levar esse parceiro a categoria da Coisa, ele idealiza. Mas o objeto, aqui o objeto feminino, se introduz pela “porta mui singular da privação, da inacessibilidade”, aduz Lacan (id. 185), e da falta afirmamos, pois “não há possibilidade possibilidade de cantar cantar a Dama, em sua posição poética, sem o pressuposto de uma barreira que a cerque e a isole”, assevera Lacan (id.185) é essa qualidade de impossível que faz dela a Dama, pois é no cantar do amor cortês que a mulher é elevada a dignidade da Coisa, das Ding. No Seminário, Livro 4: A relação de objeto, Lacan coloca que na sublimação trata-se de uma certa tomada de posição do sujeito com relação à “problemática do Outro absoluto, da mulher impenetrável” (LACAN, 1956-1957, P.446), ou, por trás desta, a figura da morte. Neste ponto vamos nos reportar ao artigo de Freud sobre O tema dos três escrínios (1913), dirá ele que: “o homem faz uso da atividade imaginativa a fim de satisfazer os desejos que a realidade não satisfaz” (FREUD, 1913 p.322). A imaginação do homem Segundo o dicionário Aurélio é uma espécie de cadeirinha coberta, sustentada por dois longos varais e conduzida por duas bestas ou dois homens, um colocado à frente e outro colocado atrás. (FERREIRA, 1986, p.1039). 36
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rebelou-se contra o reconhecimento da verdade que corporificada no mito das Moiras e então constrói o que para ele convém e substitui a Deusa da Morte pela Deusa do Amor e ainda pelo que lhe era equivalente em forma humana. Assim, a terceira das irmãs i rmãs não era mais a Morte; “era a mais bela, a melhor, a mais desejável e amável das mulheres” (id.322). Frida Kahlo em grande parte de suas pinturas recorre a terra como aquela que acolhe e neste quadro – O abraço amoroso entre o Universo, a Terra (México), Eu, o Diego e o Senhor Xólot 37 , (1949) –, ela se coloca como a mãe terra, mas também é a morte; são
terra e morte juntas no abraço amoroso. Ela faz uma divisão e coloca elementos da mitologia mexicana: dia e noite, sol e lua, a deusa terra Cihuacoatl. O cão Itzcuintli que está presente também em outros quadros, representa simultaneamente um Xólot. Kahlo segundo consta, adotava freqüentemente, uma atitude maternal para com Diego, fez inclusive um poema citado no capítulo I, em que o escreve “Diego meu bebê”, ela falava que: “as mulheres em geral, e, entre elas – eu – querem, acima de tudo, tê-los nos braços como um bebê recém-nascido” (HERRERA, 1984, p.76). Retomando nosso fio condutor, apesar de a ideologia do amor cortês visar expressamente o lado da exaltação ideal, dito de outra forma, seu caráter narcísico; ele desempenha também um outro papel, que é o de limite, pois sua função é precisamente contornar o objeto, tornando-o inacessível, uma vez que o encontro com a Coisa acarretaria um gozo insuportável, além do princípio do prazer. Seria como assevera Lacan no Seminário, Livro: 20 Mais, ainda “uma maneira inteiramente refinada de suprir a ausência da relação sexual, fingindo que somos nós que lhe pomos obstáculo” (LACAN, 1973-1972, p.94). É neste momento que segundo Lacan entra em jogo a função ética do erotismo aludida continuamente por Freud, mas nunca formulada. As técnicas em questão no amor cortês articulam aproximadamente com os prazeres preliminares dos Três ensaios (1905), seriam certas maneiras intermediárias de se relacionar
com o objeto que antecedem o coito e são prazerosas em si mesmas. Então, o ato de cortejar engendra a beleza, esteio do desejo, a regra do obstáculo, da
Xólot representa “um ser com forma de cão que guarda o inferno” (KETTENMANN, 1994 p.76). 37
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interdição que não é recalcamento do desejo, mas ao contrário, o possibilita. Lacan afirma que: [...] é na medida em que se sustenta o prazer de desejar, isto é, para dizer com todo o rigor, o prazer de experimentar um desprazer, que podemos falar da valorização sexual dos estados preliminares do ato do amor. (LACAN, 1959-1960 p, 189).
Porém, por este viés da sublimação, a interdição do ato torna-se a própria condição para realizá-lo, posto que a interdição desperta o desejo purificado. A sublimação perde, assim, seu caráter freudiano de dessexualização e, associado aos prazeres nasce, com a fantasia, o suporte do desejo como desejo do Outro. Ao situar a mulher neste ponto de para-além do princípio do prazer, o amor cortês colocou-a no lugar do ser, o que não lhe concerne enquanto mulher, mas enquanto objeto de desejo. Portanto, o amor cortês não fala da mulher e para a mulher, mas do destino que pode ser dado ao feminino, como um ideal inabordável. É em torno do vazio ocupado pela Dama como a Coisa inacessível, que se articula o desejo e que o objeto que encarna o vazio é o objeto a, causa de desejo. Sendo assim, podemos pensar o lugar do feminino como o lugar que nos traz o elemento acessível do belo ao mesmo tempo em que nos remete a um impossível de ser acessado pela natureza humana, ou seja, que nos aponta para um incompreensível. A mulher ao mesmo tempo em que vela, através de seus olhares e ornamentos, o inacessível, também o faz existir. A sublimação, a arte, ao elevar o objeto à dignidade da Coisa, consiste em nomear uma porção do Real, apelando, a partir daí, a um certo destino, produzindo uma obra que faz sintoma na civilização. E aí a arte oferece a sublimação, como diz Freud: "um caminho que conduz da fantasia à realidade – isto é, o caminho da arte" (FREUD, 1917[1916] p.439). E frente à invasão do real de um acidente que impossibilitou Frida Kahlo de dar continuidade à sua caminhada pela vida, ser médica, tal qual havia vislumbrado, com o apoio do pai, encontra uma saída: a criação artística. Ela tenta explicar sua escolha: "como era jovem, a desgraça não adquiriu um caráter trágico. Creio que tenho energia suficiente para fazer qualquer coisa no
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lugar de estudar medicina. Sem prestar muita atenção, comecei a pintar" (HERRERA, 1984 p.63). Frida Kahlo teve pais bastante sensíveis e desejosos, pois desde sua infância contou com o apoio irrestrito do pai, no restabelecimento da poliomielite. E após o acidente na adolescência pôde contar com o apoio da mãe que teve uma magnífica idéia de colocar um espelho em cima da cama que a família havia feito, foi sua idéia também de mandar fazer um cavalete especial para que ela pudesse pintar, uma vez que necessitava ficar deitada por muito tempo. Dando o aval para que Frida explorasse seu poder criativo, para que colocasse na tela da fantasia, sua realidade, como ela posteriormente afirmava: “eu nunca pintei meus sonhos. Só tenho pintado minha própria realidade” (KAHLO, 1995 p.287). Essa idéia reporta ao exemplo clínico trazido por Lacan no Seminário, Livro: 7 – A ética da psicanálise em que ele faz referência ao artigo de uma analista Karin Mikailis, citado por Melaine Klein em seu livro Essais de psychanalyse, chamado "O espaço vazio": Trata-se de uma doente, cuja vida nos é brevemente esboçada, que se chama Ruth Kjär. Ela nunca foi pintora na vida, mas em plena vivência de suas crises depressivas, esta mulher sempre queixou-se do que chama de um espaço vazio nela, que ela nunca pode preencher. (LACAN,1959-1960 p.146).
Frida Kahlo também ainda não era pintora, deixando emergir sua arte a partir da angústia do desamparo, do seu "dom de amor feminino" (LACAN, 1966-7, aula de 1º de março de 1967), diante do seu saber fazer. Ela era sua inspiração, seu próprio modelo. Ao mirar-se no espelho, espelhava sua alma para a tela, contornando o vazio de das Ding , tentando tamponar o furo. Herrera observa que Diego Rivera, ao classificar Frida como "uma pintora mais pintor", reconheceu esta dicotomia como masculino-feminino: Por contraste, ao olhar-se no espelho, se percebia como pintora e não como objeto retratado. Deste modo chegou a ser tanto artista ativa como modelo passiva, investigadora imparcial do que se sente ser mulher e reflexo apaixonado das emoções femininas. (HERRERA, 1984 p. 237).
Muito embora essa saída não salve o sujeito do mal-estar na cultura, possibilita o apaziguamento de seu conflito psíquico, lhe dá um ancoramento
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frente à angústia do desamparo, frente ao estranho, do vazio que se instaurou em sua vida. Ela inaugura a sua entrada na arte com um belíssimo auto-retrato denominado – Auto-retrato com Vestido de Veludo (1926) –; que traz sua marca pessoal: o colorido, o vermelho vibrante de sua alma, um olhar firme e aveludado, sedutor, despido de todos os ornamentos que embelezam o feminino, se mostrando falicamente... conquistando, nesse momento, sedutoramente o homem que veria ser a grande paixão de sua vida, Diego Rivera. Frida Kahlo termina sua existência numa declaração de amor à vida, como se o amor fosse mais forte que a morte sempre tão próxima... precisaria mais de uma vida, "uma vida só não basta" (JAMÍS, 1995, p.254) dirá ela e firmará seu nome no quadro natureza morta – Viva La vida (1954) – numa exaltação à vida! A obra de Frida Kahlo fascina pela sua exuberância e por constantes alternâncias, assim como a feminilidade e a sexualidade. É a partir dessas constantes alternâncias de signos como os do feminino e do masculino que ela nos leva a vivenciar os efeitos impactantes de estranheza próprio de uma obra de arte. Assim como nos assevera Freud: "no transcorrer da vida de algumas mulheres existe uma repetida alternância entre períodos em que ora a masculinidade, ora a feminilidade, predominam" (FREUD, 1933 [1932], p.130). Os efeitos de estranheza na obra de Frida Kahlo são causados também pelas cores vibrantes e fortes que ela utiliza em suas telas para representar eventos dramáticos tais como ela os define: "minha própria realidade" (KAHLO, 1953, p.287) ou, um aborto, ou um assassinato; que são colocados numa organização tal que poderíamos dizer: quase onírica. O excesso de feminilidade em sua obra causa estranheza que por sua vez causa a sublimação. E esse efeito do estranho, do Unheimlich, do inacessível da obra de Frida Kahlo sobre nós como espectador é o que lhe confere o estatuto de sublimação. Pois, Freud dirá que: [...] o estranho é aquela categoria de assustador que remete ao que é conhecido, de velho, e há muito de familiar. [...] que aquilo que é estranho é assustador precisamente porque não é conhecido e familiar. [...] Algo tem de ser acrescentado ao que é novo e não familiar, para torná-lo estranho. (FREUD, 1919, p.220).
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Então, diante do desamparo, do trauma, da invasão do real em que Frida Kahlo se encontrou, ela acrescenta sua arte. A sublimação é uma defesa bem sucedida porque eleva o objeto a dignidade da Coisa, das Ding, e oferece uma saída, um desvio das pulsões sexuais, para cumprir as exigências do eu sem envolver o recalque. Freud dirá que o artista precede o psicanalista e Lacan o endossa e afirma que o psicanalista escreve algo que o artista não sabe, a obra de arte é o estatuto da sublimação porque causa no outro um enigma. Então, para encerrar este capítulo, deixamos uma citação de Nietzsche que muito bem ilustra nosso trabalho: “o homem não é mais artista, tornou-se arte” (NIETZSCHE38, 1992 p.31). Esta frase parece perfeita para falar de Frida Kahlo, tal é o mito em que ela se transformou.
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Ele entendia o espírito humano como um sistema de pulsões que podem entrar em colisão
ou se fundirem umas com as outras. E atribui papel essencial às pulsões sexuais, distinguindoas das pulsões de agressividade e autoconservação.
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CONCLUSÃO
O diálogo entre a psicanálise e a arte na dialética do processo de criação tem em Frida Kahlo um campo fértil, diante da dimensão de sua obra, a despeito de todos os avatares de sua densa biografia. O objetivo inicial da pesquisa foi articular a biografia de Frida Kahlo, proposta como um caso clínico, diante de fragmentos capturados na literatura disponível, a conceitos da teoria psicanalítica – freudiana e lacaniana, de maneira a aprofundar as possibilidades abertas pela sublimação e viabilizar o processo de emergência do sujeito na história de portadores de deficiência física. Uma idéia que foi semeada durante a experiência clínica da autora em uma instituição hospitalar, diante de pacientes – invadidos em seus corpos pela tragicidade do real – que descobriram a palavra como via de desbravamento de sua transformação, permitindo a saída dos destroços traumáticos para lançar uma luz sobre o desejo, sobre um futuro possível, sobre formas alternativas de assentar suas vidas. É o momento em que o sujeito se implica no seu destino e sobre ele delibera, apesar de... Apesar da voraz obrigação narcísica que submete os corpos contemporâneos aos imperativos da padronização de beleza, mascarando o tempo, condenando portadores de deficiência física à falta de um lugar no mundo moderno; apesar da ciência que compactua com o discurso capitalista, apontando ao sujeito os objetos significantes supostamente capazes de lhe satisfazer; apesar da sistemática tentativa de foraclusão do sujeito no seu contato com o real. Colher informações sobre a artista, e travar contato direto com sua obra na ambiência de criação, foram razões que levaram a autora deste trabalho ao México, Coyoacán, durante o curso de Mestrado. Ali, entretanto, foi possível ir mais além: percorrer os caminhos trilhados por Kahlo e encontrar, na visão de sua obra exposta na Casa Azul, hoje Museu Frida Kahlo, o habitat de tantos e difíceis anos de sua vida; ouvir, em discussão local, os coadjuvantes da vida da artista; adquirir uma literatura rica em fatos e reminiscências e, acima de tudo,
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perceber o sentimento de admiração e gratidão nutrido por aquele povo à sua artista. Constatou-se, assim, a reverência que lhe dedica e a importância de sua influência no contexto político do México. Toda essa construção, realizada por uma mulher vítima de um trauma violento, mas capaz de desencadear o processo sublimatório que lhe serviu de apoio ao longo de uma existência, plena de amores, de realizações pessoais, de fama e, especialmente, de um legado importante à sociedade. Freud ofereceu a consistente análise sobre Leonardo da Vinci como paradigma de uma pulsão sexual sublimada. Já em Lacan, a postulação teórica sobre o amor cortês possibilitou a articulação do feminino com a sublimação. É daí que se tornou possível, ao longo do texto, falar da arte de Frida Kahlo, “a pintora mais pintor” (HERRERA, 1984 p.237), em que o estatuto de sublimação se presentifica, por ela reconhecido, “Caladamente, a pena... Ruidosamente a dor” (id.345). Pena ou pincel, ali estavam suas armas para não sucumbir à dor, se presentificam vida e obra como a fonte de trabalho que remetem à Mulher e ao amor. As teses freudiana e lacaniana sobre a sublimação trazem questões diversas: em Freud, repousa no pressuposto de que a maioria dos sujeitos consegue orientar porções significativas de suas forças pulsionais sexuais para atividades socialmente valorizadas. Lacan, ampliando o conceito, coloca na sublimação a característica de elevar o objeto à dignidade da Coisa, das Ding. Frida Kahlo significa em seus quadros a dor interna, tematizando-os, um a um, com os acontecimentos de sua vida, exprimindo sentimentos, mostrando a dor de existir e realizando associações preciosas na linguagem do ‘dar a ver’. Olhar para seus quadros parece produzir uma viagem ao seu interior, onde elementos fisiológicos realistas, tais como sangue, coração, ventre, entranhas (provavelmente inspirados pela experiência torturante das grandes extensões de tempo em hospitais), se misturam às emoções, como uma dor que não tem limites e a assomam como um todo indivisível. Essa visão impactante de sua pintura causa enigma no expectador, que se horroriza, mas sente profundamente o que se passa naquele sujeito, compartilhando de seus sentimentos. A tudo isso, dá um endereçamento cultural, que cumpre a
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trajetória do processo criativo: ao redor do lugar vazio está a arte. É o vazio inominável de seu desamparo a base de lançamento do sujeito à criação. Como revela Regnault (2001) sobre a lição de Lacan, que não aplicará a psicanálise à arte nem ao artista, mas aplicará a arte à psicanálise, pensando que uma vez que “o artista precede o psicanalista” (FREUD, 1907 [1906], p.76), sua arte deve fazer avançar a teoria psicanalítica. Observa-se, na clínica, que alguns sujeitos se entregam ao puro gozo pulsional e outros conseguem fazer de sua resposta à tragédia de vida, uma maneira produtiva de viver. E Frida Kahlo exemplifica muito bem com o seu dizer: “como era jovem, a desgraça não adquiriu um caráter trágico e desde então criei energia suficiente para fazer qualquer coisa em lugar de estudar para doutora. Sem prestar muita atenção, comecei a pintar” (HERRERA, 1984, p.63). Freud coloca a sublimação do lado da saúde, mas afirma que isso não previne contra o sofrimento. E que nem toda cota de libido pode ser sublimada, pois a satisfação pulsional é sempre parcial. Afirma ainda que ela não cria uma armadura impenetrável contra as prerrogativas do destino e que falha, principalmente quando a fonte do sofrimento é o próprio corpo do sujeito. (FREUD, 1930 [1929], p.87). Frida Kahlo passou por cerca de trinta e seis cirurgias, aparentemente protegida por sua capacidade sublimatória. Freud, sobre essa questão, afirma que a sublimação depende das características individuais, variando de sujeito para sujeito, e acrescenta que: “a sublimação se refere ao campo da saúde” (FREUD, 1909, p.178). E que o dom de curar nem sempre está em medicamentos ou em cirurgias, mas pode estar, literalmente, nas mãos de um artista. Freud ainda aponta que a luta pela saúde se dá pela neurose ou pela sublimação, porém, nos adverte que nem todo neurótico tem a capacidade para sublimar e que ocasionar a sublimação no tratamento analítico não é aconselhável, pois não se pode provocar a sublimação. “Este é um processo espontâneo e é gerido pelo sujeito de modo inconsciente” (FREUD, 1912, p.132), o eu aparece como fator de mediação e possibilitador da sublimação. Acreditamos, assim como Freud, na criação da obra de arte como um dom do
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sujeito. Frida Kahlo dirá: “não estou doente. Estou partida. Mas me sinto feliz por continuar viva enquanto puder pintar" (id. 63). Porém, Freud demonstra sua preocupação relacionada à sublimação, focalizando na libido objetal e na quota de libido passível de sublimação, pois sempre depende de fatores quantitativos decidir se o resultado será ou não a doença (FREUD, 1916-1917, p.469). Algumas questões surgiram no transcorrer deste estudo, parte delas se resolveu pelo caminho, sendo substituídas por outras. Algumas indagações não são passíveis de solução, uma vez que a literatura biográfica não informa ou mesmo são para não serem respondidas. Uma delas, a busca permanente de Frida Kahlo e das mulheres, ao nos depararmos com a impossibilidade de encontrar a resposta à pergunta de Freud – o que quer uma mulher? ( Was will das Weib?) Teria ela, como poeta e artista, obtido o caminho?
A resposta é a utopia, é o enigma do feminino, pois o vazio deixado por S (
) indica que algo nunca estará lá e exatamente essa busca por um
sentido do sentido, o sentido do discurso inconsciente, pode ser mais precisamente delineado pelos artistas que dele se nutrem na tentiva de significar. O que concretiza o desejo humano é a suposição de que tudo o que ocorre de real é contabilizado em algum lugar. Lacan localiza o desejo de boa parte do mundo orientado a serviço dos bens, grupo que rejeita sua relação com o desejo, reafirmando uma tradição de poder. A arte, diferentemente, trata com o sujeito inconsciente e, em busca de significação, caminha com tranqüilidade pela estrada do não-senso. Para concluir provisoriamente nosso trabalho, apontamos que a conclusão possível diante da perplexidade da criação da artista é de que a sublimação é o destino mais paradoxal das pulsões. Assim como a feminilidade que tem relação com o furo no Outro e pode dar testemunho do encontro com este vazio no Outro simbólico.
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_______________________. Lo ominoso (1919). – V: XVII: In: ______________. Obras completas: 2ª. ed. 9ª. reimp.- Buenos Aires: Amorrortu, 2006. _______________________. Más allá del principio de placer (1920) – V: XVIII. In: ______________. Obras completas: 2ª. ed. 9ª. reimp.- Buenos Aires: Amorrortu, 2006.
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APÊNDICE A – CURSO – Os destinos da pulsão
O curso pretende abordar os destinos da pulsão privilegiando o recalque e a sublimação com a apresentação dos casos clínicos de Freud – Elisabeth Von R. e Leonardo da Vinci. A sublimação em Lacan, introduzindo a noção do vazio – ex-nihilo, do nada, que é entendido por ele como a origem da criação, para chegar na sublimação em Frida Kahlo. Frida Kahlo é uma pintora latino-americana que viveu no início do século XX (1907-1954) de extrema relevância e amor pelo seu País. Teve uma participação importante na política do México. Sua obra é de uma beleza marcante, pois, não só se apresenta com características evidentes do seu sofrimento, mas transporta para a tela uma beleza pungente tomada pela intensidade e pelo excesso de sua dor. Depois de se recuperar de uma doença na infância – poliomielite – sofreu um acidente de trânsito, no ônibus que seguia da escola para casa na adolescência, mudando totalmente o rumo de sua vida. Conviveu cerca de trinta anos entre hospitais, fez várias cirurgias e ficou de cama em casa. Porém, nada disso a impediu de produzir uma belíssima obra pictórica, dar aulas, expor em vários países, casar etc.
Roteiro: ●
Introdução do grafo da pulsão e dos destinos da pulsão.
- Apresentação dos casos clínicos: Elisabeth Von R. e Leonardo da Vinci. - A origem da criação em Lacan ●
Breve história da vida da artista Frida Kahlo
- Nascimento da arte – encontro com o mestre Diego Rivera - Amores (casamentos, divórcio etc) - Movimento político
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Apresentação de imagens
●
Este curso e a palestra constante do apêndice B são produtos dessa dissertação.
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APÊNDICE B – Palestra – Psicanálise & Arte
O objetivo desta palestra é de articular a psicanálise com a arte, levando-a pela via da psicanálise em extensão, para além do campo psicanalítico, com sua presentificação em outros campos do saber, fazendo laço social. Por exemplo, em hospitais a fim de instrumentalizar o profissional interessado na reabilitação física, seja do saber da psicologia hospitalar ou áreas afins, a compreender a importância de focar sua atenção na escuta do sujeito. Também em colégios, universidades, centros culturais e comunidades, para levar o saber da psicanálise possibilitando o entendimento de como uma obra de arte pode contribuir para o crescimento do sujeito. A sublimação em Freud repousa no pressuposto de que a maioria dos sujeitos consegue orientar porções significativas de suas forças pulsionais sexuais para atividades socialmente valorizadas. Em Lacan a sublimação tem por característica elevar o objeto à dignidade da Coisa, das Ding. A pulsão é a excitação que emerge do interior do corpo e incide sobre o aparelho psíquico, implicando em ações específicas para sua solução. A obra de Frida Kahlo é marcada pelo excesso. Excesso de cor, de dor, de alegria e de uma angústia própria ao feminino. De uma beleza marcante, pois, não só se apresenta com características evidentes do seu sofrimento, mas transporta para a tela uma beleza pungente tomada pela intensidade e pelo excesso de sua dor. Sua obra, assim como a arte em geral, é o resultado de uma experiência pessoal expressada na tela, guiada pela fantasia. Olhar para seus quadros parece produzir uma viagem ao seu interior, e é essa visão impactante de sua pintura que causa enigma no expectador e que lhe dá o estatuto de sublimação. Frida Kahlo depois de se recuperar de uma doença na infância – poliomielite – sofreu um acidente de trânsito, no ônibus que seguia da escola para casa na adolescência, mudando totalmente o rumo de sua vida. Conviveu cerca de trinta anos entre hospitais, várias cirurgias e de cama em casa. Porém, nada disso a impediu de produzir uma belíssima obra pictórica, dar aulas, expor em vários países, casar etc.
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Enfim, é um exemplo de força e coragem que pode servir de incentivo para que as pessoas, portadoras, ou não, de deficiência física possam se espelhar e retomar suas vidas apesar dos eventos traumáticos ocasionados pelo destino. Pois nem o fato de ter que passar muito tempo de sua vida numa cama, de repouso, foi capaz de imobilizar sua criatividade.
Roteiro: ●
Introdução da psicanálise no contexto social.
●
Breve história da vida da artista Frida Kahlo compreendendo:
- 1ª. infância – poliomielite - Adolescência – Acidente - Nascimento da arte – encontro com o mestre Diego Rivera - Amores (casamentos, divórcio etc) - Movimento político ●
Imagens – comentadas
Abrir para perguntas
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ANEXO I Reflexão de Frida Kahlo
“Deus meu! Dizer que a dor tenha raízes em mim. Em minha crise. Grita. Cérebro, até que ponto controla toda essa distorção? Vida minha, qual é a tua parte de responsabilidade? Às vezes, duvidei de que a poliomielite e o acidente houvessem existido realmente, pensei que meu corpo inventou tudo, que nasci com ele, se desbaratou só por um obscuro desejo de destruição. Um corpo é um todo, não é verdade? Uma harmonia. Si se lhe tiram um elemento – ainda que seja mediante uma cirurgia estética – sempre lhe faltará algo. Uma parte do corpo que se transforma, que se amputa, é o início de uma lenta mutilação. Outras coisas seguirão sendo amputadas, até que já não reste mais nada. Assim é como penso. E minha vida tem sido este processo. Alguns ingênuos – ou seriam irônicos? – se atrevem ainda a perguntarme por que sempre me represento tão séria em meus quadros. Observo-os sem pestanejar e sem responder. Não vou pintar-me rindo constantemente. Não é que não me deixo rir na vida diária, – inclusive até que ponto – mas quando me encontro só em mim mesma – e esse é o caso de quando estou pintando, sem alternativa possível – não, realmente, não tenho vontade de rir. Minha vida é uma história séria. E, me atreveria a afirmar: que pintar também o é. Oh, Deus meu! Deita-me. Não sei o que está acontecendo. Tenho a sensação que minha coluna vertebral não é a única que deseja a dor que se instala em minhas costas. É como se os nervos unidos a ela se enrijecessem. Como se os músculos que a sustentam, que tratam de sustentá-las e trabalham tanto que se amarram, eles mesmos sofreram para não ‘calar o bico’. Da nuca até a envergadura dos rins, uma dor compacta surda e a impressão de uma fragilidade extrema, que é o que segura a que? Não sei. Tudo se entope tudo se aflorará. Oh, Deus meu, deita-me.
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Quantos coletes e demais aparatos ortopédicos tenho usado em minha vida? No mínimo, trinta. Alguns eu decorei: com pintura, com pedaços de tela ou de papéis colados, plumas multicoloridas, pedaços de espelhos... Sem embargo, apesar desse corpo ferido e adornado com pedaços de gesso e de ferro antiestéticos, tenho que reconhecer que tenho sido ‘loucamente amada’, segundo a expressão de Breton. Tlazolteotl , a deusa do Amor, deve estar comigo.
Tenho sido amada, amada, amada – não o suficiente, porque nunca se quer o suficiente, uma vida não basta – E eu tenho amado sem cessar. Com amor, com amizade. A homens e a mulheres. Um dia um homem me disse que eu fazia amor como uma lésbica. Me peguei a rir. Perguntei se era satisfatório, respondeu-me afirmativamente. Então, lhe disse que em minha opinião uma mulher goza com todo o seu corpo, e que esse era o privilégio do amor entre as mulheres. Um conhecimento mais profundo do corpo do outro, teu semelhante, um prazer mais total. O reconhecimento de uma aliada. Apesar de uma aventura muito superficial que tive durante minha adolescência, não creio, que não tenha sido pelo acidente que houvesse voltado a fazer amor com uma mulher. O acidente determinou tantas coisas, creio, desde o elemento pintura até minha forma de amar. Tanta vontade de sobreviver implica em uma grande experiência da vida. Esperei muito dela, consciente, a cada passo, do que estive a ponto de perder. Não havia meio tinta, tinha que ser tudo ou nada. Da vida, do amor, tive uma sede inesgotável. Além disso, quanto mais ferido estava meu corpo, mais necessitava confiá-lo às mulheres: elas o entendiam melhor. Entendimento tácito, doçura imediata. (Sem embargo, prefiro os homens, realmente, ainda que Diego se empenhe em sustentar o contrário, recordando, numa reunião com amigos, como eu flertava com Geórgia O’Keefle (1887-1986, escultora) em Nova York). ‘Tua sexualidade é dúbia, se lê em seus quadros’, haviam me dito algumas vezes. Creio que fazem alusão aos quadros em que meu rosto tem uns traços masculinos. Ou em detalhes: em tal quadro, veja, que tem um caracol, um símbolo de hermafroditismo... Ah, sim! E meu sempre eterno ‘bigode’! A esse respeito devo confessá-lo: é uma história com Diego. Uma vez, me ocorreu depilar-me e Diego se colocou ‘histérico’. Diego gosta de meu
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bigode, esse signo de distinção, no século XIX, das mulheres da burguesia mexicana que mostravam desse modo suas origens espanholas (como se sabe, o índio é limpinho, sem barba). Creio que somos múltiplos: que um homem leva a marca da feminilidade; que uma mulher leva o elemento homem e que ambos levam a criança neles. Há erotismo em minha pintura? Mantém-se no limite. É precisamente esse limite o que desvela, a meu entender, a força do erotismo. Se descobrisse a totalidade, a tensão desapareceria e com ela a sensualidade contida numa olhada, na postura de uma mão, em uma prega do vestido, na matéria de uma planta, uma sombra, uma cor. Há masoquismo, perversidade, na representação desse corpo esfolado? Deixo a quem corresponda o cuidado de analisar esse destino, marcado na pele. Em troca, não dou a ninguém o direito de julgar minhas feridas, reais ou simbólicas. Minha vida está inscrita nelas em vermelho vivo, meu envelope era transparente. Apoderou-se excessivamente de mim, possuindo-me a cada instante. Como contrapartida, ainda que o assunto era árduo, a senti mais de perto. Não temos o direito de julgar uma vida tão densa, nem sua força traduzida em pintura. Azar? Fatalidade? Não há resposta para tanta dor”. (JAMÍS, 1994, p.253/4/5).
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ANEXO II Entrevista Entrevistada: Cecy Barbosa do Nascimento Monroy Data: 21/11/07 – Consulado do México – Rio de Janeiro. Por: Marli Miranda Bastos.
“Meu nome é Cecy Barbosa do Nascimento Monroy, sou fruto de um casamento de um pai brasileiro com mãe mexicana, moro no Brasil desde os 9 anos de idade. Sou formada pela Universidade Federal Fluminense, em História, tenho um trabalho sobre a história econômica do Brasil, no entanto, tenho
outros
trabalhos
da
história
econômica
da
América
Latina,
especificamente trabalhei com muralismo como uma idéia de tentar resgatar a idéia de nação e do valor da história econômica da América Latina. Uma mexicanidade da idéia de Nação mexicana. É essa a idéia desse projeto. Trabalhei: Rivera, Orosco, José Clemente, Siqueiros e Frida Kahlo, ela é uma coisa a parte. Frida é interessante... o que desperta Frida? Ela desperta, assim como Breton disse, o surrealismo. Esse surrealismo que o muralismo não tem, inicialmente. O muralismo é interessante porque ele tem na origem renascentista e humanista (inaudível) e colocam uma imagem cristã com características humana, o real está lá, como as histórias, uma forma de se contar a história e Frida Kahlo foge porque ela vai falar dela, da ótica dela desse mundo...” Frida Kahlo e surrealismo “Breton foi quem apelidou-a como surrealista. O surrealismo apela para questão da dor pessoal, o que não é o que o muralismo se propõe, sem perder as esferas nacionais, isso que a torna muralista. Todo mundo pergunta: porque você diz que Frida Kahlo é muralista? Muralismo está na cor, está no resgate nacional, no se vestir. Ela traz a beleza do indígena, ela é produto de pai alemão com mãe mexicana, ela faz esse retorno, no se vestir, no se enfeitar...
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os anéis... Mas por outro lado, ela traz o surrealismo da dor, dos expressionistas europeus. Picasso também... ele pinta o Guernica e retrata a Guerra Civil Espanhola que é uma dor, mas ela, Frida, traz para o pessoal. Traz a tona um movimento politico... Ela tem uma questão política muito forte, isso é uma grande questão em Frida Kahlo. E se mostra ao mundo através da sua dor. Essa dor passa de alguma forma. Na época, tem um jornalista que não lembro seu nome agora, ele diz: “que parecia tal que a dor dela era a dor de todos os indígenas que há muito tempo ficou adormecida pela dominação pelos colonizadores” ele foi quem fez o link, e que talvez, aí estivesse a importância do muralismo da Frida, que ele é visceral demais. Nenhum deles é tão visceral. O surrealismo de Frida Kahlo é diferente do surrealismo europeu, que é fraterno. “Eu nem de longe sou surrealista porque não pinto sonho, pinto minha própria realidade”, ela o tempo todo está ali, patente naquela dor. É sempre a realidade dela. Eu acho até... que Frida queria de fato se expor ao mundo assim para poder espantar seus próprios fantasmas... da melhor maneira possível. Embora não pareça salutar a forma como ela está externalizando a dor, eu acho até que foi a forma mais salutar... Ela queria se expor ao mundo para espantar seus próprios fantasmas. Frida Kahlo durante muito tempo fez até uma arte que chocava. Frida Kahlo para mim foi feito uma releitura a partir da década de 70/80, o mundo começou a olhá-la com outros olhos. A beleza de Frida Kahlo está muito à frente; aquele quadro do aborto, é um quadro futurista, não é qualquer quadro, a beleza está em no impacto, no você se assumir, o humano sofre. O que me parece que a certeza da Frida é que: “eu não posso revolucionar o mundo sem ter me compreendido”. Ou seja, para mim isso é uma grande crítica ao muralismo, porque ela também criticava o muralismo porque “eu não posso falar de coisa nova, se eu não me descobrir porque eu ainda estou em eterno processo de descobrimento, eu preciso primeiro saber quem é Frida, colocá-la nesse mundo, torná-la real”, tanto que no final da obra dela, ela começa a dar uma mudada, a pintar a natureza, aquele quadro que tem o macaquinho – Auto retrato com mono (1945); ela já passou aquele
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período de gestão da dor, agora posso me encontrar com o outro lado do mundo, isso aparece em Frida Kahlo”.
Frida Kahlo e a política “Ela foi uma pessoa bastante política embora não tenham lhes dado o valor. Primeiro porque infelizmente na sociedade a participação da mulher... da expressividade da mulher... O reconhecimento foi tardio. Frida a princípio ficava muito à margem, a sombra do grande homem, de um grande agitador, mas ninguém fala num detalhe, ela participou da primeira revolução de comunas contra a Guerra Civil Espanhola, isso não é qualquer coisa, é importantíssimo, não só isso, ela recebeu Trotsky na casa dela, não foi na casa de Diego Rivera que Trotsky ficou, foi na casa dela, ela assumiu! É muito fácil falar, mas não foi ele quem assumiu na casa dele, recebeu na casa dele. Foi ela quem “peitou” – tem a minha casa – ela “peitou” o partido comunista: “não, não vou fazer...” porque o partido comunista proibiu-a de receber Trotsky. Ela dizia: “não, eu vou fazer aquilo que eu achar que é correto, o que eu acredito, de acordo com a minha dignidade”. A questão de dizer que ela foi amante de Trotsky, eu acho isso muito pequeno; esta é a minha leitura, acho que sempre que se procura de alguma forma, não estou falando que não tenha acontecido, no momento, querer tornar alguém menor através de algumas coisas desse tipo, falar que ela era amante de Trotsky, e isso por motivo de vingança, é reduzir demais, ao longo do que se vê historicamente do que ela fez, não se pode acreditar numa coisa tão limitada, de tão importante na vida dela, uma pessoa que se expõe ao mundo o tempo todo, isso seria uma coisa pequena, menor. Mas finalmente... Ela foi revolucionária em várias coisas, usava calça comprida, coisa que não se usava, tirava fotografias, tinha o apoio irrestrito do pai, isso também à torna uma mulher diferenciada, inclusive ela foge também da regra da mulher que não se casa. Pois na cultura mexicana daquele tempo, enquanto a mais velha não se casava a mais nova não podia casar e não se casava mais, ela deu sorte. Frida foi contra tudo isso, ela foi namorar. Por sorte a irmã dela se casou, mas havia uma pressão social. Ela vem de uma família altamente
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inteligente, não somente o pai quanto à mãe. O pai não foi uma pessoa qualquer, era um intelectual. Ela dizia mesmo que em grande parte a sorte que ela teve na vida foi porque politicamente o pai dela conseguia lidar com todos, nos eventos sociais que facilitavam. Ela não estudou em qualquer colégio, houve um investimento nessa filha. Ela era uma pessoa agitada, desde pequena mostrava que tinha características de querer mudar. Ela teve aquele grupo das boinas “Os Cachuchas”... mas de uma forma inteligente, eles se reuniam, liam... O que eu acho também genial da Frida é que ela, numa sociedade tão conservadora como o México, o tempo todo ela está querendo sair do quadrado, o tempo todo ela está querendo e não usava como desculpa a doença, era a revolução dela... há um resgate do mundo principalmente da arte da América Latina, não só o México. Há um histórico que permitiu... socialismo, realmente a década de setenta, final da década de cinqüenta... por que no México você está dia e noite em contato com o mural, no Palácio do Governo, está o tempo todo frente àquilo, a história viva. O que faz com o outro se reconheça naquilo. Isso parece ser o papel fundamental, o reconhecimento do ser humano... O conhecimento. Você não vai ser nada na vida se não tiver conhecimento, isso que o muralismo não tem. São as cores, nós somos... nós temos uma identidade... isso o tempo todo está ali. Nós somos frutos de nosso tempo... Eles foram movidos, naquele momento, havia uma posição de esquerda, havia uma posição ideológica deles muito séria. Eu também não vou ser tão ingênua, há uma pretensão ideológica, sem dúvida muito séria. A posição ideológica de Frida não está nos quadros, mas está em algumas poesias, isso é interessante, as poesias dela são altamente revolucionárias, no sentido de chamar, conclamar, tem uma que ela fala sobre a Rússia, ela tem um lado subversivo na escrita que a gente não vê na arte, mas ali vê, nas cartas, nos apoios aos sindicatos no movimento feminista que ela participou. O tempo todo é fato, só que ela estava querendo se conhecer... Ela foi revolucionária porque era um momento em que a mulher, e mais num país tão conservador, como o México, a mulher não se mostrava nua, isso tudo é revolução. A mulher falar do aborto num país altamente católico, que
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ninguém pegou esse detalhe, porque a iconografia é uma expressão... ela colocou a mulher em primeiro plano, naquele quadro que estão todos eles... jantar??? ela aparece em primeiro plano, tudo isso não é a toa... porque a iconografia tem um valor importante na expressão, tudo não é a toa. A mulher começa a ter uma importância porque ela é... (inaudível) a mulher na sociedade tinha um papel de fundo mesmo, é dona de casa, cuida da educação, a mulher toda ela socialmente de fundo, quem está à frente é o homem. Na arte também, a mulher começava ir à frente, ele, Rivera, disse isso que a mulher começa a ocupar também na arte esse espaço. O privado começa então a se confundir com o público porque a mulher sempre esteve no privado, privado, privado... a não ser que ela seja meretriz, aí a República também naturaliza isso porque ela também durante muito é também meretriz”.
Transcrição autorizada, mas não revisada pela autora.
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ANEXO III
As imagens dos quadros constantes na lista de ilustração.
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Retrato de meu pai Wilhelm Kahlo (1951)
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As duas Fridas (1939)
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Frida Kahlo com irmãs e primos fotografia de Guillermo Kahlo em 07.02.1926
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Auto-retrato com vestido de veludo (1926)
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Retrato de Alicia Galant (1927)
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Retrato de Miguel N. Lira (1927)
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Retrato de minha irmã Cristina (1928)
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Viva la vida (1954)
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Auto-retrato dedicado a Leon Trotsky (1937)
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Canastra de Flores (1941)
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A coluna partida (1944)
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Frida Kahlo e Diego Rivera, numa manifestação do Dia do Trabalho, maio de 1929, México
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Frida Kahlo recebendo Trotsky
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O marxismo dará saúde aos doentes (1954)
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Jardim Cultural Frida Kahlo (Coyoacán, DF) Fotografia feita pela autora, setembro de 2007
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Placa do Jardim Cultural Frida Kahlo Fotografia feita pela autora, setembro de 2007
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Uns quantos golpes (1935)
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Recordação ou O coração (1937)
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Retrato de Diego Rivera (1937)
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Auto-retrato com cabelo cortado (1940)
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Auto-retrato com trança (1941)
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Dois nus na floresta ou A própria terra Ou A minha ama e eu (1939)
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Hospital Henry Ford ou A cama voadora (1932)
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O meu nascimento ou Nascimento (1932)
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Frida Kahlo Fotografia de Nickolas Muray em 1939
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O abraço amoroso no universo, a terra (México), Eu, Diego e o senhor Xólot (1949)
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Frida Kahlo e Diego Rivera (cerca de 1954)
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Exposição Viva Frida (Rua Madero, México, DF) Fotografia feita pela autora em setembro de 2007
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Bastos, Marli Miranda
A sublimação, o trauma e o corpo: Frida Kahlo/ por Marli Miranda Bastos – 2008. 182 f.: Digitado (original). Dissertação de mestrado – Universidade Veiga de Almeida, Campus Tijuca, 2008. “Orientação: Pós-Doutora Maria Anita Carneiro Ribeiro, Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade.” 1. Psicanálise 2. Sublimação 3. Trauma 4. Frida Kahlo. Dissertações acadêmicas. I. Ribeiro, Maria Anita Carneiro (Orientadora). II. Universidade Veiga de Almeida, Campus Tijuca. I. A sublimação, o trauma e o corpo: Frida Kahlo.
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