DIREITO CIVIL – CIVIL – Parte Parte Geral PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS
PESSOAS JURÍDICAS CONCEITO De acordo com Cunha Gonçalves, as pessoas jurídicas podem ser definidas como associações ou instituições formadas para a realização de um fim e reconhecidas pela ordem jurídica como sujeitos de direitos. Para bem compreender a existência de semelhantes entidades, valemo-nos da lição de Washington de Barros Monteiro, segundo o qual objetivos inatingíveis para um só homem são facilmente alcançados pela reunião dos esforços combinados de várias pessoas. As pessoas jurídicas são também denominadas pessoas morais, pessoas coletivas, pessoas civis e pessoas sociais. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber a proteção dos direitos da personalidade (Art.52 “ A pessoa jurídica jurídica pode sofrer dano moral ”. ”. do CC). A propósito, a súmula 227 do STJ estatui: “ A NATUREZA JURÍDICA Sobre a natureza jurídica da pessoa jurídica, desenvolveram-se as seguintes teorias: a) teoria da ficção: a pessoa jurídica não tem vontade própria; a sua existência não é real, porquanto promana exclusivamente da lei que a reconhece como sujeito de direito. Essa teoria vigora na área penal, pois, à exceção dos crimes ambientais, a pessoa jurídica não responde criminalmente por seus atos. b) teoria da equiparação: a pessoa jurídica é um patrimônio ao qual a lei atribui personalidade p ersonalidade jurídica, tendo em vista o seu fim específico. Essa teoria, à semelhança da anterior, justifica a existência da pessoa jurídica no direito, negando-lhe a realidade orgânica. c) teoria da realidade objetiva, também chamada orgânica: as pessoas jurídicas são dotadas de existência real, cuja vontade é autônoma e independente dos homens que as compõem. O direito não cria as pessoas jurídicas, mas apenas se limita a declará-las existentes. d) teoria da realidade técnica ou jurídica: a pessoa jurídica é um ente real, sob o prisma da realidade jurídica, como instituição que se concretizou, e não sob o aspecto físico ou natural, cuja realidade é privativa da pessoa física.Quanto à personalidade, não é um conceito natural, mas eminentemente jurídico, cuja investidura depende exclusivamente do direito. A teoria da realidade jurídic jurídicaa é a que que possui possui o maior maior número número de de adep adeptos. tos. A nosso ver, essas teorias não são propriamente jurídicas, mas filosóficas, pois procuram fundamentar a razão de ser da existência da pessoa jurídica. No âmbito do direito, as pessoas jurídicas apresentam a mesma natureza que as pessoas naturais, enquadrando-se como sujeitos de direitos. CLASSIFICAÇÃO CLASSIFICAÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS Quanto às suas funções e capacidade, as pessoas jurídicas podem ser: a) pessoas jurídicas de direito público, interno ou externo; b) pessoas jurídicas de direito privado. Quanto à sua nacionalidade, as pessoas jurídicas podem ser:
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a) brasileiras: são as constituídas de acordo com a lei brasileira, tendo ainda sede e administração no Brasil, pouco importando a nacionalidade dos sócios. Assim, diversas multinacionais são, a rigor, pessoas jurídicas brasileiras, porque preenchem os requisitos acima. b) estrangeiras: são as constituídas sob a lei de outros países que desejam funcionar no Brasil. Urge, para tanto, a autorização especial do governo e a nomeação de um representante só para responder pelos atos praticados no Brasil. Quanto à quantidade de membros, podem ser: a) pessoas jurídicas singulares: são as constituídas por uma só pessoa. Exemplos: autarquia; empresas públicas; sociedades anônimas subsidiárias integrais; empresas individuais de responsabilidade limitada. b) pessoas jurídicas coletivas: são as constituídas por mais de uma pessoa. Exemplos: sociedades e associações. Quanto à sua estrutura, as pessoas jurídicas podem ser: a) corporação: consiste na união de duas ou mais pessoas para, através da instituição de uma pessoa jurídica, atingir um fim comum. É o caso das sociedades e associações. b) fundação: consiste num patrimônio que se personaliza, isto é, transforma-se em pessoa jurídica. Portanto, não possui sócios ou associados. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO GENERALIDADES As pessoas jurídicas de direito público externo são os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público, como é o caso da Santa Sé e da Organização das Nações Unidas (O.N.U.). As pessoas jurídicas de direito público interno, por sua vez, estão enumeradas no art. 41 do CC, a saber: I. a União; II. os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; III. os Municípios; IV. as autarquias; inclusive as associações públicas (Lei nº 11.107 de 06 de Abril de 2005); V. as demais entidades de caráter público criadas por lei. Convém observar que o inciso V do art. 41 do CC considera pessoa jurídica de direito público as demais entidades de caráter público criadas por lei. Essas entidades são as fundações públicas, outrossim, as agências reguladoras (chamadas de autarquias especiais), criadas pela Lei nº 9.649/1998, e as autarquias executivas (que na verdade podem ser autarquias ou fundações públicas). Acrescenta o parágrafo único do art. 41 do CC que “ salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código ”.
Quanto ao seu funcionamento, portanto, podem apresentar o regime jurídico atinente ao direito privado, conforme preceitua o parágrafo único do art. 41 do CC. Este preceito refere-se às fundações públicas, que são pessoas jurídicas de direito público com estrutura de direito privado, sendo regida, no seu funcionamento, pela lei que a criou, aplicando-se-lhe subsidiariamente as
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normas do Código Civil. De acordo com Maria Helena Diniz, é também aplicável subsidiariamente as normas do Código Civil às empresas públicas, às sociedades de economia mista e aos consórcios públicos, no funcionamento dessas entidades de direito privado, mas o assunto não é pacífico, pois o parágrafo único do art. 41 do CC só manda aplicar subsidiariamente o Código Civil às pessoas jurídicas de direito público , a que se tenha dado a estrutura de direito privado, isto é, às fundações públicas. Vale lembrar que o consórcio é pessoa jurídica de direito privado (Lei nº 11.107/2005), igualmente as empresas públicas e sociedades de economia mista. Ora, no que tange ao funcionamento essas pessoas jurídicas de direito privado, que integram a administração pública indireta, devem observar as normas de direito público, realizando licitações, prestando contas etc. Anote-se ainda que os partidos políticos são considerados pessoas jurídicas de direito privado pela Lei nº 10.825/03. Vê-se, portanto, que as pessoas jurídicas de direito público interno são sempre criadas por lei. Assim, por exemplo, a personalidade jurídica da autarquia nasce a partir da entrada em vigor da lei que a criou. Igualmente, a extinção da pessoa jurídica de direito público também depende de lei, retornando o seu patrimônio para a pessoa política que a havia instituído. As pessoas jurídicas de direito público interno são regidas por uma série de princípios de direito administrativo, ostentando prerrogativas peculiares, que as distinguem das pessoas jurídicas de direito privado. Essas prerrogativas, que as colocam numa posição de supremacia sobre as pessoas jurídicas de direito privado, só se justificam quando a sua estrutura objetiva for a prestação de um serviço público, conforme se depreende da análise do parágrafo único do art. 41 do CC. Por outro lado, as empresas públicas, sociedades de economia mista e os serviços sociais autônomos são também criados por lei, todavia, são pessoas jurídicas de direito privado. Essas entidades podem ser criadas para a prestação de serviço privado de intervenção no domínio econômico, como, por exemplo, os serviços bancários prestados pelo Banco Brasil, e, também, para a prestação de serviços públicos, como, por exemplo, o tratamento de água realizado pela Sabesp. RESPONSABILIDADE CIVIL As pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos respondem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes culpa ou dolo (art. 37,§ 6º, da CF e art. 43 do CC). Adotou-se, como se vê, a teoria do risco administrativo, segundo a qual a obrigação de indenizar os danos causados independe de dolo ou culpa do funcionário. Urge, porém, que o dano seja causado pelos agentes da administração, no exercício da função, excluindo-se a responsabilidade civil quando for causado por força maior ou por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. A propósito, dispõe o art. 43 do CC: “ As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.
REGIME JURÍDICO DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO As pessoas jurídicas de direito público são regidas pelo regime jurídico do Direito Administrativo, que é norteado, basicamente, por dois princípios: a supremacia do interesse
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público e a indisponibilidade do interesse público. Os subprincípios do princípio da supremacia do interesse público são os seguintes: a) princípio da supremacia da Administração Pública nas relações jurídicas. Exemplos: presunção de legitimidade dos seus atos; prazo em dobro para recorrer; prazo em quádruplo para contestar etc. b) princípio da continuidade da prestação dos serviços públicos; c) princípio da imperatividade dos atos administrativos, consiste na possibilidade da Administração Pública impor obrigações unilaterais, independentemente da concordância da pessoa atingida. Exemplo: criação de imposto. d) princípio da exigibilidade unilateral dos atos administrativos, consiste no poder da Administração Pública induzir a pessoa a cumprir o comando administrativo, estabelecendo, para tanto, certas sanções. e) princípio da autoexecutoriedade dos atos administrativos: consiste na possibilidade da Administração Pública fazer cumprir suas ordens, independentemente de ação judicial. Exemplos: interdição de fábrica; apreensão de remédios vencidos. Anote-se, porém, que, se não houver lei autorizando expressamente a autoexecutoriedade, esta só será possível mediante dois requisitos: 1. situação de emergência; 2. inexistência de outro meio idôneo capaz de evitar a tempo a lesão no interesse público. f) princípio da modificabilidade unilateral das relações jurídicas. Assim, a administração pública pode alterar as cláusulas contratuais, independentemente da anuência do outro contratante, não se submetendo, destarte, à máxima pacta sunt servanda . Todavia, não poderá alterar o equilíbrio econômico e financeiro do contrato. g) princípio da revogabilidade unilateral dos atos administrativos. Consiste no poder que tem a administração pública de cancelar unilateralmente os atos administrativos legais, quando considerá-los inconvenientes ou inoportunos ao interesse público, independentemente de ação judicial. h) princípio da anulabilidade unilateral dos atos administrativos. Consiste no poder que tem a administração pública de cancelar unilateralmente os atos administrativos, quando estes forem ilegais, independentemente da ação judicial. Os subprincípios do princípio da indisponibilidade do interesse público são os seguintes: a) princípio da isonomia: a administração pública deve tratar todas as pessoas igualmente, sem discriminá-las. Se, porém, houver um nexo de compatibilidade lógica entre o fato discriminado pela norma e a razão jurídica da discriminação, a isonomia estará preservada. b) princípio da legalidade: consiste no fato de o administrador público só poder fazer aquilo que a lei o autoriza, de forma expressa ou tácita. Se a lei silencia, o administrador não poderá praticar o ato. c) princípio da responsabilidade civil do Estado: o Estado tem responsabilidade objetiva, pois é obrigado a indenizar os danos causados por seus agentes, nessa qualidade, independentemente de dolo ou culpa. d) princípio do controle ou da tutela administrativa: é o poder que tem a administração pública de adequar os serviços públicos descentralizados à finalidade pública. REPRESENTAÇÃO As pessoas jurídicas de direito público interno são representadas em juízo por seus
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procuradores. Todavia, a citação processual da União deverá ser feita na pessoa do Advogado Geral da União e dos Estados Membros na pessoa do respectivo Procurador Geral do E stado. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO INTRODUÇÃO São pessoas jurídicas de direito privado (art.44 do CC):
as associações; as sociedades; as fundações; as organizações religiosas; os partidos políticos; as empresas individuais de responsabilidade limitada
No regime jurídico de direito privado há isonomia. Assim, uma pessoa jurídica de direito privado não pode exercer supremacia sobre outra pessoa em suas relações jurídicas. Não pode, por exemplo, impor obrigações unilaterais. Para anular um contrato, é preciso mover ação judicial. Igualmente, para fazer cumprir o que nele está contido. O rol acima para uns é taxativo, enquanto outros o consideram exemplicativo, sendo possível a existência de outras pessoas jurídicas como é o caso do condomínio edilício, mas a posição dominante é que o condomínio não é pessoa jurídica. A meu ver, o rol é taxativo, porque o deferimento da personalidade jurídica é uma questão de ordem pública, dependendo de lei, não podendo ser ampliada pelas partes. BREVES CONCEITOS Associação é a pessoa jurídica caracterizada pela união de duas ou mais pessoas que se organizam para fins não econômicos. Sociedade é a união de duas ou mais pessoas que se organizam para fim econômico, isto é, lucrativo. Fundação é o patrimônio ao qual se atribui personalidade jurídica para que ele possa exercer um fim não econômico. Organização religiosa é a pessoa jurídica caracterizada pela união de duas ou mais pessoas que se organizam para fins religiosos. Partido político é a pessoa jurídica de direito privado que destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais deferidos na Constituição Federal. É, pois, uma associação com finalidade específica. Empresa individual de responsabilidade limitada é a pessoa jurídica constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital, com o objetivo de desenvolver determinada atividade econômica. DISTINÇÃO ENTRE ASSOCIAÇÃO, FUNDAÇÃO, SOCIEDADE E EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA Podemos elencar os seguintes pontos diferenciais:
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I. Quanto à estrutura, a associação é uma corporação, isto é, a união de duas ou mais pessoas, ao passo que a fundação é um patrimônio, que se personaliza para atingir um certo fim. II. A finalidade da associação pode ser alterada pelos associados; a da fundação, não. III. A fundação é fiscalizada pelo Ministério Público; a associação, não. Convém, porém, esclarecer que tanto a associação quanto a fundação não têm finalidade lucrativa, distinguindo-se da sociedade, cujo escopo é permanentemente lucrativo. Todavia, a associação e fundação podem ter lucro, como meio para consecução dos seus fins. Assim, enquanto na sociedade o lucro é o fim; na associação e fundação, é o meio para atingir o fim. As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente as sociedades disciplinadas no Livro II da Parte Especial do Código Civil (§2º do art.44 do CC), isto é, às sociedades simples. Finalmente, a sociedade e a empresa individual de responsabilidade limitada tem em comum o fato de exercerem atividade econômica, de visarem lucro. Todavia, a sociedade é constituída por dois ou mais sócios; a empresa individual, por uma única pessoa. REPRESENTAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO As pessoas jurídicas serão representadas, ativa e passivamente, nos atos judiciais e extrajudiciais, por quem os respectivos estatutos designarem ou não os designando, por seus diretores (art. 12, VI, do CPC e art. 46, III do CC). Nada obsta que o estatuto designe mais de um administrador ou representante, discriminando ou não os poderes de cada um. Com efeito, dispõe o art. 47 do CC que obrigam a pessoa jurídica os atos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos nos atos constitutivos. O estatuto ainda pode prever que a pessoa jurídica tenha uma administração coletiva, isto é, dirigida por um órgão colegiado. Nesse caso, as decisões se tomarão pela maioria dos votos dos diretores presentes à reunião, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso (art.48). Saliente-se, contudo, que, no caso das sociedades, a maioria é calculada em função da contribuição para a formação do capital social, de modo que o voto de uma pessoa, isoladamente, pode configurar a maioria. Anote-se ainda que decai em três anos o direito de anular as decisões do órgão coletivo, quando estas violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude (parágrafo único do art. 48 do CC). Note-se que na simulação a nulidade é absoluta, a rigor imprescritível, mas nessa hipótese específica a lei estipulou prazo para a ação e ainda considerou a nulidade apenas relativa. No caso de coação, diante do silêncio da lei, força convir que o prazo para a anulação será de quatro anos, a contar do dia em que cessar a coação (art. 178, I, do CC). Por outro lado, se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, a requerimento de qualquer interessado, nomear-lhe-á administrador provisório (art.49). Convém ressaltar que a vontade da pessoa jurídica se expressa por seu representante. Enquanto na representação dos incapazes, a vontade do representante substitui a dos representados; na pessoa jurídica, como salienta Washington de Barros Monteiro, a vontade reside no próprio ente, sendo o representante o meio de exteriorizar essa vontade. Por isso, Pontes de Miranda utiliza para as pessoas jurídicas a expressão “presentação”, que significa tornar presente a vontade, ao invés do termo “representação”.
A vontade da pessoa jurídica estará, porém, viciada quando o representante agir em desconformidade com o estatuto ou contrato social. Nesse caso, o negócio poderá ser anulado. Acrescente-se ainda que as sociedades sem personalidade jurídica, isto é, sem registro, serão representadas em juízo pela pessoa a quem couber a administração dos seus bens (art.12,VII, do CPC).
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Finalmente, a pessoa jurídica estrangeira, será representada, em juízo, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil (art. 12,VIII, do CPC). INÍCIO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Prescreve o art.45 da lei civil: “ começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo”.
Enquanto a personalidade civil da pessoa humana começa do nascimento com vida, sendo o registro deste um ato meramente declaratório, a da pessoa jurídica inicia com o registro competente, que é, portanto, um ato constitutivo de sua personalidade jurídica. Este registro é levado a efeito no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, salvo quanto ás sociedades empresárias e empresa individual de responsabilidade limitada que exerça atividade empresarial, cujos registros serão feitos na Junta Comercial. Quanto aos partidos políticos, adquirem personalidade jurídica com o registro no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas, mas, após, esse registro, devem registrar seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral (§3º do art.17 da CF). Inúmeras entidades dependem, para seu funcionamento, de autorização do governo, sem a qual o registro será vetado. Vejamos algumas:
as instituições financeiras; os administradores de consórcio de bens duráveis; seguradoras; operadoras de planos privados de assistência a saúde; as sociedade e fundações estrangeiras (art. 11§ 1º da LINDB). Dentre as consequências da aquisição da personalidade jurídica, cumpre destacar:
a) O poder de a pessoa jurídica praticar todos os atos jurídicos, exceto aqueles que lhe são vedados de forma expressa ou tácita. O testamento, por exemplo, lhe é vedado tacitamente, pois é ato causa mortis inerente às pessoas naturais. b) O poder de a pessoa jurídica figurar como parte nas relações jurídicas materiais ou processuais, podendo, por exemplo, outorgar procuração, receber citação, contestar a ação etc. c) Autonomia patrimonial. O patrimônio da pessoa jurídica personalizada não se confunde com o dos sócios. Assim, por exemplo, o patrimônio da sociedade, que é formado pelo capital social e o conjunto dos bens por ela adquiridos, não pertence aos sócios, mas à própria sociedade. Por outro lado, a teoria ultra vires, segundo a qual a capacidade da pessoa jurídica é restrita aos atos relacionados ao seu objetivo social, não encontra guarida no direito pátrio. De acordo com essa doutrina, são nulos os atos que ultrapassam o objeto da sociedade. Por exemplo: se o objeto fosse venda de roupas, a sociedade não poderia adquirir uma fazenda de criação de gados. Essa restrição à personalidade da pessoa jurídica torna-se inadmissível no direito moderno. É claro, porém, que haverá nulidade se houver abuso da razão social, isto é, a prática de negócios vedados pelo estatuto da pessoa jurídica. Todavia, o abuso da razão social é algo diverso da teoria ultra vires, pois esta última invalida os negócios que ultrapassam o objeto social. Finalmente, estabelece o pará grafo único do art. 45 do CC: “Decai em três anos o direito de
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anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação e sua inscrição no registro”.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INTRODUÇÃO A pessoa jurídica desfruta de personalidade e patrimônio autônomo, ela não se confunde com a personalidade e patrimônio dos seus sócios. Se, por exemplo, alguém deve para a sociedade a ação judicial de cobrança não pode ser movida pelos sócios, e sim pela própria sociedade, sob pena de carência de ação por ilegitimidade ativa ad causam. O credor da sociedade, por sua vez, não pode mover ação judicial em face do sócio, e sim contra a sociedade, sob pena de carência de ação, por ilegitimidade passiva ad causam. O princípio da autonomia da pessoa jurídica, porém, não é absoluto, pois modernamente encontra-se excepcionado pela teoria da desconsideração da pessoa jurídica. CONCEITO A teoria da desconsideração da pessoa jurídica é a que permite, nos casos expressos em lei, que o credor da sociedade possa acionar diretamente os sócios, executando-lhe o patrimônio individual. O objetivo dessa teoria, que é também conhecida como disregard of legal entity ou ainda teoria do superamento ou do levantamento do véu da pessoa jurídica, não é extinguir a pessoa jurídica, mas apenas afastar, para o caso concreto, a autonomia da sua personalidade e patrimônio, para que os sócios possam responder diretamente pelos débitos da sociedade. O juiz quando aplica essa teoria não ordena o cancelamento do registro do ato constitutivo da pessoa jurídica, limitando-se a declarar a responsabilidade direta dos sócios pelas dívidas sociais. ESPÉCIES São duas as espécies de teoria da desconsideração da pessoa jurídica: a) Teoria maior: é a que exige, para o afastamento da personalidade jurídica, a insolvência e o uso fraudulento da personalidade jurídica. É, pois, a teoria adotada pelo Código Civil, que em seu art.50, exige, para o levantamento do véu, a par da insolvência para pagamento, o desvio de finalidade (teoria maior subjetiva) ou a confusão patrimonial (teoria maior objetiva). O desvio de finalidade ocorre quando a pessoa jurídica pratica algum ato ilícito ou fraudulento. A confusão patrimonial ocorre, por exemplo, quando o sócio, para ocultar sua participação em negócio cuja prática estava proibida, constitui uma pessoa jurídica, celebrando o contrato em nome dela. b) Teoria menor: é a que exige para o afastamento da personalidade jurídica apenas a insolvência da pessoa jurídica para pagamento de suas obrigações, dispensando-se a prova do uso abusivo de sua personalidade jurídica. É, pois, a teoria adotada no CDC (art.28) e no Direito Ambiental (art.4º da Lei nº 9.605/98). A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CDC O art.28 do CDC prevê 10 (dez) hipóteses em que é possível ao juiz desconsiderar a personalidade da pessoa jurídica:
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a) Abuso de direito; b) Excesso de poder; c) Infração da lei; d) Ato ilícito; e) Violação do ato constitutivo (estatuto ou contrato social); f) Sentença de falência; g) Estado de insolvência; h) Encerramento da pessoa jurídica, por má administração; i) Inatividade da pessoa jurídica, por má administração; j) Quando a personalidade da pessoa jurídica for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Presentes uma dessas situações, o juiz, de ofício ou a requerimento, no processo de conhecimento ou de execução (singular ou coletiva), pode, para o caso concreto, suspender a eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, como se ela não existisse atribuindo aos sócios a responsabilidade pelo pagamento do débito, assegurando-lhe, porém, a ampla defesa. As normas do CDC são de ordem pública e interesse social (art.1º), e, por isso, o juiz pode, de ofício, levantarlhe o véu, independentemente de requerimento da parte. São tantas as hipóteses previstas no art. 28 do CDC, mas, na verdade, o simples estado de insolvência é suficiente, pois, conforme já vimos, essa hipótese consagra a teoria menor. Vale lembrar que a prova da insolvência é negativa, competindo ao fornecedor o ônus da prova da solvência aplicando-se por analogia o art.750 do CPC. Tratando-se de empresário individual, pessoa física, nada obsta a desconsideração inversa da personalidade jurídica da sociedade, em que ele figura como sócio. Tal ocorre quando o empresário individual desvia os seus bens particulares em favor da sociedade para proteger o seu patrimônio contra as investidas de seus credores. DISTINÇÃO ENTRE A TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA E A RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS SÓCIOS Caracterizada a insolvência da pessoa jurídica, pelo fato de reunir bens insuficientes para o pagamento de suas dívidas, abre-se ao consumidor a possibilidade de exigir dos sócios o adimplemento, tanto pelo sistema de responsabilidade subsidiária quanto pela teoria da desconsideração da pessoa jurídica. No sistema da responsabilidade subsidiária dos sócios, o tipo societário define a sua responsabilidade subsidiária, que pode ser limitada (exemplo: sociedade anônima e sociedade limitada), ilimitada (Exemplo: Sociedade em nome coletivo) ou mista (para alguns sócios limitada e para outros ilimitada, exemplos: sociedade em comandita por ações e em comandita simples). Já na teoria menor da desconsideração, a responsabilidade dos sócios é sempre ilimitada, devendo o seu patrimônio pessoal responder por todas as dívidas atinentes ao consumidor lesado. Tanto a teoria da despersonalização quanto a responsabilidade subsidiária dos sócios, é efeito da ação judicial movida contra a pessoa jurídica; o credor não pode previamente despersonalizá-la, endereçando a ação direta contra os sócios. A diferença é que a despersonalização da pessoa jurídica é promovida no processo de conhecimento, por ato do juiz sentenciante, ou no processo de execução, ou na fase de cumprimento da sentença, ao passo que a responsabilidade subsidiária dos sócios emana do próprio contrato ou estatuto da sociedade, sendo viabilizada no processo de execução ou na fase
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do cumprimento da sentença, após se aferir que a pessoa jurídica não tem bens suficientes para o pagamento do débito. RESPONSABILIDADE DAS SOCIEDADES Os parágrafos 2º, 3º e 4º do art.28 prevêem a responsabilidade de algumas sociedades por dívidas contraídas por outra sociedade. São subsidiariamente responsáveis, por dívidas oriundas da relação de consumo as sociedades integrantes dos grupos societários e a sociedade controladora. O grupo societário é formado por mais de uma sociedade mediante convenção, para a consecução de empreendimentos comuns, figurando uma delas como sociedade controladora. Uma responde pelo delito da outra, mas de forma subsidiária, isto é, quando a sociedade devedora não tiver bens suficientes para pagamento do débito. Note-se que entre as sociedades que integram o grupo societário não há solidariedade, de modo que cada uma será responsável por apenas uma parcela do débito na medida de sua participação no grupo societário. De fato, a solidariedade não se presume, ou resulta da lei ou da vontade das partes (art. 265 do CC) Em contrapartida, o §2º do art.28 prevê a solidariedade entre as sociedades consorciadas pelas dívidas oriundas do CDC. Acrescente-se ainda que o §4º do art.28 estabelece que as sociedades coligadas só responderão por culpa pelas dívidas consumeristas contraídas por uma delas. Note-se, porém, que a sociedade que celebrou o contrato com o consumidor tem responsabilidade objetiva, restringindo-se a responsabilidade subjetiva apenas em relação às demais coligadas. Provada a culpa de uma delas, a sua responsabilidade, a meu ver, será divisível, na medida de sua participação societária no grupo, pois a solidariedade não pode ser presumida. Finalmente, o fato de militar em prol do consumidor esse plus, de poder acionar as sociedades agrupadas, consorciadas e coligadas, não o inibe de optar diretamente pela desconsideração da personalidade jurídica da sociedade-fornecedora, visando cobrar a dívida diretamente dos seus sócios. ASSOCIAÇÕES CONCEITO Associação é a corporação sem fim lucrativo. De fato, dispõe o art.53 do CC que; “ Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos”.
Assim, o objeto das associações pode ser: cultural, beneficente, altruísta, religioso, esportivo, moral etc. LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO O art. 5º incisos XVII a XXI, da CF assegura a liberdade de associação. Nesse sentido constitucional, a expressão associação compreende também as sociedades. A liberdade de associação consiste: a) no direito de criar associação independentemente de autorização; b) no direito de não ser compelido a aderir a determinada associação;
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c) no direito de desligar-se da associação, a qualquer tempo. O direito de associação é de expressão coletiva. Esses direitos de ação coletiva são aqueles atribuídos ao indivíduo como tal, mas que só podem ser exercidos em conjunto com outras pessoas. DESRESPEITO À LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO É vedada a interferência estatal no funcionamento das associações, e, também, nos termos da lei, nas cooperativas. A interferência arbitrária do poder público, por meio de seus agentes, no exercício do direito de associação, constitui crime de abuso de autoridade (Lei nº 4.898/65) e crime de responsabilidade político-administrativa (Lei nº 1.079/50). A LIBERDADE DE REUNIÃO Reunião é o agrupamento de pessoas com o fim de trocar ou de receber informações. Exemplos: passeatas, comícios, desfiles etc. Três são os seus requisitos: a) deve ser pacífica, isto é, sem armas; b) deve visar a fins lícitos, isto é, não proibidos por lei; c) a realização de reunião deve ser notificada previamente à autoridade competente. Esta terá o dever de garantir a realização da reunião. Anote-se, destarte, que a reunião pressupõe uma avocação prévia sob a direção de alguém, de modo que a mera curiosidade em face de um acontecimento não é considerada reunião. A escolha do local de reunião é livre. A autoridade não tem o poder de indicar o local de reunião. A reunião só não se realizará no local escolhido se outra reunião já estiver, comprovadamente, convocada para o mesmo local. A realização da reunião não depende de licença do Poder Público. A polícia não pode interferir na reunião, a não ser que esta tenha finalidade ilícita. Nas reuniões de fins lícitos, a polícia deve limitar-se a vigiar o local, quando este for aberto ao público. Caso seja realizada em recinto fechado, a polícia não pode adentrar ao local, por força do princípio da inviolabilidade domiciliar, salvo para prender alguém em flagrante delito. A propósito, o fato de alguém estar armado não é motivo para dissolução da reunião, que prosseguirá normalmente, desarmando-se tal pessoa ou então afastando-a do local. Finalmente, qualquer restrição ao direito de reunião deve ser combatida com mandado de segurança, e não com habeas corpus. DISTINÇÃO ENTRE REUNIÃO E ASSOCIAÇÃO A associação é uma organização duradoura, fundada no acordo de vontades dos aderentes; a reunião é passageira. A associação é uma pessoa jurídica; a reunião, não. DISTINÇÃO ENTRE ASSOCIAÇÃO E SOCIEDADE
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Na sociedade, há o fim lucrativo, ao passo que a associação é a organização de pessoas para fins não econômicos. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos, conforme preceitua o parágrafo único do art. 53 do CC, mas apenas entre eles e a associação. Na sociedade, ao revés, os sócios têm direitos e obrigações recíprocas. Finalmente, dissolvida a associação, o seu patrimônio é revertido para outra entidade de fins não econômicos, ao passo que dissolvida a sociedade, o seu patrimônio é rateado entre os sócios. DIREITO DE REPRESENTAÇÃO COLETIVA O art. 5º, inciso XXI, dispõe que as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados em juízo ou fora dele. O art. 8º, inciso III, da CF preceitua que ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas. CONSTITUIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO O início da personalidade jurídica só se dá com o registro do estatuto no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Sob pena de nulidade, o estatuto da associações conterá: I. a denominação, os fins e a sede da associação; II. os requisitos para admissão, demissão e exclusão dos associados; III. os direitos e deveres dos associados; IV. as fontes de recursos para sua manutenção; V. o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos; VI. as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução. VII. A forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas. Com advento da Lei 11.127, de 28 de junho de 2005, não há mais necessidade de o estatuto conter o modo de constituição e funcionamento dos órgãos administrativos, mas apenas dos deliberativos. DIREITOS E DEVERES DOS ASSOCIADOS Os direitos e deveres dos associados devem ser definidos no estatuto. Este pode definir vantagens especiais a determinadas categorias de associados. Com efeito, dispõe o art. 55 do CC que: “ Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto pode instituir categorias com vantagens especiais ”.
Nenhum associado poderá ser impedido de exercer direito ou função que lhe tenha sido legitimamente conferido, a não ser nos casos e pela forma previstos na lei ou no estatuto (art. 58 do CC). Assim, o estatuto poderá, por exemplo, negar o direito de voto ao associado que não esteja em dia com a contribuição associativa. Por outro lado, a qualidade de associado é intransmissível, a não ser que o estatuto disponha o contrário (art. 56). Assim, no silêncio do estatuto, o título do associado é intransmissível, seja por ato inter vivos ou causa mortis .
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Em contrapartida, pode ocorrer de o associado ser titular de uma quota ou fração ideal do patrimônio da associação. Nesse caso, ele poderá transferir essa sua quota a terceiros. Todavia, a transferência dessa quota a que faz jus no patrimônio da associação não importará, de per si, na atribuição da qualidade de associado ao adquirente ou ao herdeiro, salvo disposição diversa no estatuto (parágrafo único do art. 56 do CC). EXCLUSÃO DO ASSOCIADO A expulsão ou exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos nos estatutos, conforme art. 57 do Código Civil, com nova redação dada pela Lei 11.127/2005. Referido procedimento é administrativo e o recurso também, competindo ao estatuto prever os órgãos administrativos competentes para o julgamento e recurso, facultando-se ao associado expulso discutir em juízo a validade da decisão administrativa. ASSEMBLÉIA GERAL A assembléia geral é o órgão de deliberação máxima da entidade associativa. A convocação da assembléia geral far-se-á na forma do estatuto, garantindo-se a um quinto dos associados o direito de promovê-la (art.60). Além de poder ser convocada por 1/5 dos associados, o estatuto pode prever outras formas de convocação da assembléia geral. Certas matérias a lei reserva privativamente à assembléia geral, de modo que o estatuto não pode atribuí-las a outros órgãos. Com efeito, preceitua o art. 59 do CC que compete privativamente à assembléia geral:
destituir os administradores; alterar o estatuto.
Além desses assuntos, o estatuto pode reservar outros à assembléia geral. Note-se que a eleição dos administradores e prestação de contas são matérias que o estatuto pode reservar a outros órgãos deliberativos da associação (exemplos: Conselho Deliberativo, Conselho Fiscal, Conselho de Administração etc). Para a destituição dos administradores e alteração do estatuto, porém, é exigido deliberação da assembléia especialmente convocada para esse fim, cujo quórum será o estabelecido no estatuto, bem como os critérios de eleição dos administradores. A convocação dos órgãos deliberativos far-se-á na forma do estatuto, garantido a 1/5 (um quinto) dos associados o direito de promovê-la. Exemplos de órgãos deliberativos: assembleia geral, conselho fiscal, conselho de administração, conselho deliberativo etc). DISSOLUÇÃO DA ASSOCIAÇÃO A dissolução da associação pode ser espontânea e judicial. A dissolução espontânea é a deliberada pelos associados reunidos em assembleia geral especialmente convocada para esse fim, observando-se o quórum previsto no estatuto. A dissolução judicial, por sua vez, é a decretada por sentença. Só é possível quando a associação tiver fins ilícitos ou caráter paramilitar (art. 5º, inciso XVII, da CF). Em tal situação, a dissolução deverá ser decidida pelo Poder Judiciário. Este poderá suspender compulsoriamente a associação, mesmo
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pendendo recurso; todavia, a dissolução compulsória só pode ocorrer após o trânsito em julgado da sentença (art. 5º, inciso XIX, da CF). Anote-se que, ainda que o fim seja ilícito ou paramilitar, o Poder Executivo e o Poder Legislativo não poderão dissolver compulsoriamente a associação, sob pena de violação do princípio da universalidade da jurisdição. Portanto, o decreto ou lei que decretar a dissolução serão inconstitucionais. Finalmente, a associação com fins lícitos não pode ser dissolvida nem pelo Poder Judiciário, comportando apenas a dissolução espontânea. DESTINO DO PATRIMÔNIO DA ASSOCIAÇÃO EXTINTA Dissolvida a associação, o seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais referidas no parágrafo único do art.56, será destinado, em primeiro lugar, à entidade de fins não econômicos designada no estatuto. Se este for omisso, os associados deverão deliberar em favor de alguma associação municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes (art. 61 do CC). Não existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território, em que a associação tiver sede, instituição igual ou semelhante, o que remanescer do seu patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União (§ 2º do art. 61 do CC). Os arts. 61 e 62 do CC são normas de ordem pública, de modo que os associados não podem deliberar pelo rateio do patrimônio entre eles. Finalmente, ainda que o estatuto seja omisso, os associados podem deliberar pelo recebimento em restituição das contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação, atualizando-se o respectivo valor (§ 1º do art. 61 do CC). ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS E PARTIDOS POLÍTICOS Organizações religiosas são corporações constituídas para fins religiosos. A rigor, é uma espécie de associação, que a lei considerou autonomamente para ampliar-lhe o regime de liberdade, liberando-a das normas burocráticas que regem a associação. Com efeito, dispõe o §1º do art.44 do CC: “ São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento ”.
Esta norma, no entanto, não é absoluta, porquanto o Poder Público deve averiguar se a organização religiosa atende aos requisitos necessários ao registro do ato constitutivo. Se, por exemplo, constar no seu nome a expressão “sociedade”, o registro deve ser obstado, pois o termo
sociedade só pode ser usado pelas corporações com fins lucrativos. O Enunciado 143 do CJF ainda reza: “ A liberdade de funcionamento das organizações religiosas não afasta o controle da legalidade e legitimidade constitucional de seu registro, nem a possibilidade de reexame pelo Judiciário da compatibilidade de seus atos com a lei e com seus estatutos”.
Os partidos políticos, por sua vez, serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica (art.44, §3º, do CC). O código resolveu não tachá-los de associação para liberá-los das normas burocráticas. Ao entrar em vigor o Código de 2002, as associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, tiveram que se adaptar às disposições do Código (art.2.031). Entretanto, o parágrafo único do art.2.031, dispensou as organizações religiosas e os partidos políticos dessa
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adaptação. Os partidos políticos e as organizações religiosas, a rigor, são associações, aplicando-lhes o Código Civil, e naquilo que o estatuto for omisso, se submetem, por analogia, às normas das associações, malgrado omissão do §2º do art.44 do CC.
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PERGUNTAS: 1) 2) 3) 4) 5)
O que é pessoa jurídica e qual é a razão de sua existência? Quais as teorias que procuram explicar a natureza jurídica da pessoa jurídica? Qual a distinção entre pessoa jurídica brasileira e estrangeira? Qual a distinção entre pessoa jurídica singular e coletiva? Qual a distinção entre corporação e fundação?Quais são as pessoas jurídicas de direito público? 6) Há alguma pessoa jurídica de direito público que é regida pelo código civil? 7) O partido político é pessoa jurídica de direito privado? 8) Quais são as pessoas jurídicas de direito privado? 9) Qual a distinção entre associação e fundação? 10) A pessoa jurídica pode ser administrada por um órgão colegiado? 11) Quando se nomeia administrador provisório à pessoa jurídica de direito privado? 12) O que significa presentação? 13) Quem representa a pessoa jurídica sem registro? 14) Quem representa a pessoa jurídica estrangeira? 15) Quando se inicia a personalidade da pessoa jurídica? 16) Quais as pessoas jurídicas que dependem de autorização do governo? 17) Quais as consequências da aquisição da personalidade jurídica? 18) Qual a diferença de abuso da razão social e a teoria da ultra vires? 19) A teoria da ultra vires é adotada no Brasil? 20) Qual o prazo para anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado por defeito do ato constitutivo? 21) O que é teoria da desconsideração da personalidade jurídica? 22) Quais as causas de desconsideração da personalidade jurídica? 23) O que é associação? 24) Em que consiste a liberdade de associação? 25) O Estado pode interferir na associação? 26) Em que consiste a liberdade de reunião? 27) Qual a distinção entre reunião e associação? 28) Qual a distinção entre associação e sociedade? 29) Os associados podem ter vantagens especiais? 30) A qualidade de associado é transmissível? 31) Qual a forma de exclusão do associado? 32) O que é assembleia geral e qual a forma de sua convocação? 33) Quais as matérias reservadas privativamente à assembléia geral? 34) Quais as formas de dissolução da associação? 35) A associação pode ser dissolvida por lei ou decreto? 36) Qual o destino do patrimônio extinto? 37) Como são constituídas as organizações religiosas? E os partidos políticos?
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