Table of Contents INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1. A JUDÉIA NA ÉPOCA DE CRISTO CAPÍTULO 2. A MORTE DE HERODES CAPÍTULO 3. PÔNCIO PILATOS E OS JUDEUS CAPÍTULO 4. GUERRAS JUDAICO-ROMANAS CAPÍTULO 5. A SOCIEDADE JUDAICA CAPÍTULO 6. O MESSIAS E OS FARISEUS CAPÍTULO 7. PAULO E ESTEVÃO CAPÍTULO 8. A ELITE SACERDOTAL CAPÍTULO 9. A PRISÃO DE JESUS CAPÍTULO 10. JULGADO PELO SINÉDRIO CAPÍTULO 11. JESUS NA PRESENÇA DE PILATOS CAPÍTULO 12. ANTE HERODES CAPÍTULO 13. SENTENCIADO POR PILATOS CAPÍTULO 14. A CRUCIFICAÇÃO CAPÍTULO 15. A RESSURREIÇÃO CAPÍTULO 16. JESUS, REI DOS JUDEUS? J UDEUS? CAPÍTULO 17. JUDAÍSMO E CRISTIANISMO POSFÁCIO BIBLIOGRAFIA
MISTÉRIOS DO CRISTIANISMO A FÉ E A RAZÃO
O MESSIAS E OS FARISEUS
ALEXANDRE OLIVEIRA
MISTÉRIOS DO CRISTANISMO A FÉ E A RAZÃO
O MESSIAS E OS FARISEUS
1ª edição MANAUS-AM EDIÇÃO DO AUTOR 2016
Copyright © 2016 por Alexandre Oliveira O Messias e os Fariseus Alexandre Oliveira 1ª Edição Coordenação Editorial:
Alexandre Oliveira Revisão:
Marcus Pessoa Capa: Concepção de capa:
Alexandre Oliveira, Fabiano Barreto, Anderson Paz, Jussara Melo e Marcus Pessoa. Arte Final de Capa:
Marcus Pessoa Número ISBN: 978-85-920979-0-5 CIP (Cataloguing-in-Publication) (Cataloguing-in-Publication) – Brasil – Catalogação na Publicação P ublicação Ficha Catalográfica feita na editora
Oliveira, Alexandre 045m O messias e os fariseus | Alexandre Oliveira [capa Marcus Pessoa]. – 1 ed. Manaus, Amazonas: Edição Autor, 2016. 229p. ; Tipo de Suporte: E-book
ISBN: 978-85-920979-0-5 1. Religião. 2. Cristianismo 230 2. Judaismo
CDD 200 CDU 296
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1. A JUDÉIA NA ÉPOCA DE CRISTO CAPÍTULO 2. A MORTE DE HERODES
CDU
CAPÍTULO 3. PÔNCIO PILATOS E OS JUDEUS CAPÍTULO 4. GUERRAS JUDAICO-ROMANAS CAPÍTULO 5. A SOCIEDADE JUDAICA CAPÍTULO 6. O MESSIAS E OS FARISEUS CAPÍTULO 7. PAULO E ESTEVÃO CAPÍTULO 8. A ELITE SACERDOTAL CAPÍTULO 9. A PRISÃO DE JESUS CAPÍTULO 10. JULGADO PELO SINÉDRIO CAPÍTULO 11. JESUS NA PRESENÇA DE PILATOS CAPÍTULO 12. ANTE HERODES CAPÍTULO 13. SENTENCIADO POR PILATOS CAPÍTULO 14. A CRUCIFICAÇÃO CAPÍTULO 15. A RESSURREIÇÃO CAPÍTULO 16. JESUS, REI DOS JUDEUS? CAPÍTULO 17. JUDAÍSMO E CRISTIANISMO POSFÁCIO BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO Este livro faz parte de uma série cuja finalidade é apresentar respostas racionais aos mistérios do Cristianismo, da Fé e da Razão que continuam intrigando a nossa imaginação. Tais mistérios acham-se envoltos pelas brumas obscuras de uma religiosidade estratificada e imune à lógica. São sinônimos de enigmas que não devem ser desvendados, mas permanecer ignorados. Evidentemente, as correntes religiosas escravizadas ao dogmatismo estéril teimarão em afirmar que não existem mistérios dignos de qualquer apreciação crítica. Consideram que antigas crenças ou crendices são imutáveis e fornecem explicações perfeitas e convincentes ao seu restrito mundo mental. E aquilo que não entendem faz parte de um conveniente misticismo muito além da compreensão humana. Tentar desvendar os segredos do universo das religiões constitui um tabu de cunho pecaminoso e mesmo herético. A divindade deve permanecer indecifrável, supostamente o único meio capaz de se preservar a fé daqueles, literalmente, fiéis. Então, vemos a fé sobrepor-se à razão, considerando-a irrelevante em secular desprezo. O fanatismo alimenta-se da ignorância e deseja preservar-se ad perpetum. perpetum. A história testemunha os enormes crimes perpetrados contra uma multidão de vítimas inocentes por fanáticos religiosos, tudo supostamente em nome de Deus. A narrativa da saga judaica que originou o cristianismo inicia-se neste volume onde se descreve o delicado equilíbrio político-religioso entre dominadores romanos e os insubmissos hebreus na época do Nazareno. Prossegue com o trágico julgamento do Messias em Jerusalém, o acontecimento mais notável da civilização ocidental e, decerto, da humanidade. O cristianismo surgiu de maneira única e intensamente trágica, mas revelou-se auspicioso ao oferecer lenitivo e esperança aos sofredores de um mundo mergulhado em cruel barbárie. Aliás, esta penosa fase da história ainda não se encerrou, hajam vistos os horrores de conflitos bélicos intermináveis que acontecem na atualidade sem causar maiores espantos. São considerados acontecimentos naturais, isto é, inerentes à condição humana ainda em deplorável estado de espiritualidade. O cristianismo puro, cuja única arma é o amor, tornou-se preponderante entre as principais religiões e permanece de suma importância na atualidade. O seu caráter universal oferece o paradigma por excelência à evolução espiritual e enseja um desejável clima de paz a ser concretizado pela humanidade ao longo do tempo. Para abreviar a vinda de um admirável Mundo Novo basta que os homens compreendam que são irmãos entre si e filhos diletos do mesmo Pai, portanto, merecedores de fraternal convivência amorosa. Em que pesem veementes declarações de boas intenções dos vários círculos religiosos, persistem até os dias de hoje desconfortáveis incompreensões mútuas, particularmente entre os seguidores das religiões do Livro - Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Essa aversão antiga originou-se da rejeição pela mãe madrasta de seus dois promissores rebentos, bem haviam nascidos. Negou-lhes drasticamente o leite materno, reservado unicamente ao primogênito hebraico que, apesar de tudo, pouco se desenvolveu,
ficando fragilizado por longo tempo e em estado de submissão aos irmãos mais novos, talvez como justo castigo dos céus. Criado um clima de ódios, a radicalização de desavenças por inimigos gratuitos que se julgavam per si donos de Deus deu margem a séculos de antagonismo de calamitosas proporções e, ironicamente, redundou em trágicos prejuízos ao povo de Abraão. O impiedoso algoz de outrora veio a tornar-se vítima de seus irmãos em ocorrências trágicas, culminando com o Holocausto perpetrado pelos nazistas. Ainda persiste um cenário de ódios durante o desenrolar da guerra árabe-israelense, quando antigos rancores de irmãos inimigos avolumam-se de modo tão chocante que parece impossível chegar-se a uma bemvinda solução de paz. Vemos nas páginas deste livro o Deus Único do Velho Testamento, revelado de modo primário às tribos hebraicas, assumir uma radiante fisionomia com o surgimento do tão aguardado Messias. O vingativo Iahveh, sempre sujeito às suas divinas explosões de cólera e tempestivas ações destrutivas contra seus próprios filhos, acaba cedendo vez ao Deus do amor. Deus é amor - resume São João o espírito do cristianismo em frase única e caráter definitivo. Uma aparente discrepância entre ambas as versões, a nova e a velha, revelou-se inconciliável à intransigente maioria judaica. Na verdade, o conteúdo precioso de ambas era e é exatamente o mesmo - amar a Deus e ao semelhante. semelhante. Infelizmente, uma intolerância odienta prevaleceu de modo perverso, motivo suficiente para os sacerdotes do Templo de Jerusalém manifestar terrível sanha assassina contra o seu próprio Messias - a Imagem de Deus - como nos revelou São Paulo. O judaísmo farisaico agrupou-se de modo ferrenho em torno de Moisés, o velho Patriarca, símbolo da antiga Lei que deve permanecer como aglutinante étnico-cultural da nação judaica. Visando tal desiderato restrito foram urdidas graves acusações contra o Nazareno na falaciosa tentativa de desautorizá-lo como Cristo, o Filho de Deus e Mestre divino de um judaísmo universal. Na atualidade, acrescendo-se novas descobertas científicas, melhor diríamos, multiversal. Sem dúvidas, o Criador revela-se gradativamente aos seus filhos em cada fase da humanidade. Hoje sabemos que diversos testemunhos ou revelações do Velho Testamento são simples metáforas de caráter incipiente para explicar os mistérios da divindade. Felizmente, a evolução do pensamento científico dá margem segura à contestação de crenças ou crendices fantasiosas. Na verdade, não passam de alegorias para explicar a realidade. Entretanto, no confronto entre ciência e religião, ambas devem apresentar uma harmoniosa contribuição positiva, uma vez que representam faces autênticas do mesmo Deus. Todo conhecimento humano resume-se em manifestação natural do Criador através de suas criaturas inteligentes. Em última instância, o Deus cristão, a versão atualizada de Iahveh, revela-se em verdadeira grandeza como o Deus que contém tudo e todos. Ele é o Criador - Pai e Mãe dos infinitos seres que habitam não só nosso Universo material, mas também o infindável Multiverso. Estes Universos Paralelos estão revelando-se agora como realidade acessível aos avanços da Física de ponta e são confirmados por superior espiritualidade. As descrições de ambas coincidem de modo surpreendente, permitindo-se antever o descortino de uma auspiciosa era em que fé e razão andarão fraternamente de mãos dadas. Deus, longe de ser um indecifrável Enigma, expõe-se graciosamente ao conhecimento paulatino de seus filhos.
CAPÍTULO 1
A JUDÉIA NA ÉPOCA DE CRISTO Quando Herodes, o Grande, faleceu em 4 a.C. com cerca de 70 anos, Jesus ainda era uma criança. Mateus narra que uns magos vindos do Oriente a Jerusalém, indagaram: “Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”. adorá-lo”. Herodes ao saber do intuito dos magos ficou profundamente perturbado e toda Jerusalém com ele. Convocou os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo e indagoulhes onde havia de nascer o Ungido. Disseram-lhe: Em Belém, na Judéia, porque assim está escrito pelo profeta: “E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as cidades de Judá, porque de ti t i sairá o chefe que governará Israel, meu povo”. (Miquéias 5.2). Esse volúvel governante que reinava na Judéia há vários anos vivia sempre temendo o surgimento de um possível rival. Com segundas intenções, fingiu ser amigo sincero dos recém-chegados e, mostrando falsa cordialidade, disse-lhes para irem primeiro testemunhar o profético nascimento. Depois, queria ter igualmente o privilégio de adorá-lo. Os magos cumpriram a missão, seguindo a estrela que os tinha conduzido até o lugar onde se encontrava Maria e o Menino Jesus. E aí o adoraram, ofertando-lhe ouro, incenso e mirra. Felizmente, evitaram retornar por Jerusalém, porque foram alertados em sonho das reais intenções, literalmente falando. Segundo o Evangelho de Mateus, Herodes irou-se tremendamente ao sentir-se enganado. Tão furioso ficou que ordenou a morte imediata dos meninos de menos de dois anos em Belém e arredores, dando seguimento ao premeditado e perverso intuito de eliminar o nascituro Messias. O ato criminoso de Herodes havia sido previsto na profecia do profeta Jeremias: “Ouviu-se “Ouviu-se um clamor em Rama, pranto e grande lamento; era Raquel chorando por seus filhos e inconsolável porque não mais existem”. (Mateus 2.18). José, alertado em sonho por um anjo do Senhor, foge com Maria e o menino para o Egito, somente retornando depois do enterro do famigerado rei. Como soe acontecer com os maus, faleceu corroído por horrível doença, presumivelmente câncer, talvez um justo castigo divino. Sua morte trouxe um momentâneo alívio aos cortesãos e mesmo ao povo, temerosos de sua imprevisível irascibilidade. Apesar dos pesares, a história reconhece os méritos de administrador de Herodes, possuidor de enorme talento e determinação na concretização de seus objetivos. Ele deixou ao reino obras notáveis, inclusive uma cidade Cesárea. Além disto, expandiu o território judaico. Não é sem razão que a despeito do caráter turbulento, já em sua época passaram a chamá-lo de Herodes, o Grande (37- 4 a.C.). Os historiadores são unânimes em afirmar que não há outro testemunho, exceto o de Mateus, que comprove o espantoso morticínio e a ciência não considera os Evangelhos documentos históricos por excelência. Alegam, ainda, ser um depoimento bem posterior à morte de Jesus Cristo, cerca de 80 d.C. Foram escritos a priori com fins de pregação religiosa e, portanto, passíveis de manipulação por posteriores redatores. Estes estariam
interessados em comprovar que o aparecimento de Jesus havia sido previsto ipsi litre nas litre nas páginas do Velho Testamento. Observe-se um detalhe. Herodes faleceu cerca de 4 anos antes de Cristo nascer, embora haja uma certa dúvida quanto à data exata do nascimento do Salvador. Dando base ao ceticismo existem alguns pontos de difícil conciliação nos Evangelhos. Mateus (2.1) afirma que Jesus nasceu em Belém, porém não explica o porquê da sagrada família família estar ali. No entanto, Lucas (2.1) nos esclarece: “Naqueles dias foi publicado um decreto de César Augusto, convocando toda a população do império para recensear-se. Este primeiro recenseamento foi feito quando Quirino era governador da Síria. Todos iam alistar-se, cada um em sua própria cidade. José também subiu da Galiléia, da cidade de Nazaré, para a Judéia, à cidade de Davi, chamada Belém, por ser ele da casa e família de Davi, a fim de alistar-se alistar-se com Maria, sua esposa que estava grávida”. Mateus (2.11) nos diz que os magos “entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se o adoraram; e, abrindo os seus tesouros, entregaram-lhe suas ofertas: ouro, incenso e mirra”. Em Lucas, “ela deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou-o enfaixou -o e o deitou numa manjedoura porque não havia lugar para eles na hospedaria”. Aí, em vez dos magos, são uns pastores ocasionais que se achavam no campo que foram avisados por um anjo do Senhor para assistir ao nascimento do aguardado “Salvador, que é o Messias, o Senhor”. Nota-se nesses testemunhos a preocupação comum de mostrar a ocorrência de um acontecimento de extraordinária grandiosidade. O nascimento do Messias, o Salvador, assinalaria de fato um marco transcendental no transcorrer da história da humanidade que passaria a ser contada antes e depois de Cristo. Sendo assim, não se pode imaginar que passasse em brancas nuvens, especialmente para os que se tornariam seus ardentes seguidores. A Providência apresentou o Messias ao mundo com surpreendente humildade, porém de maneira encantadora. Se nascesse em palácio, haveria decerto uma luxuosa corte ansiosa para recebê-lo com pompa e grandeza reais de praxe. Esplêndidas festas se sucederiam e arautos jubilosos proclamariam aos quatro ventos a data inesquecível. Na ausência de potentados magníficos, quem haveria de anunciar ao povo eleito o Menino Jesus? Em Mateus, são os magos que vieram do Oriente, avisados por um maravilhoso sinal celeste. Eles são os arautos inspirados pelos céus e não lhes falta inusitada fé ao proclamar em Jerusalém que o Messias havia nascido. O próprio rei Herodes alarma-se e com ele, todo o povo judaico. É como se o solo tremesse diante de um evento tão maravilhoso. E a um Rei Menino não se negam presentes. Os generosos magos estão conscientes da sua nobilíssima missão e vão ofertar-Lhe alegremente as dádivas mais valiosas do Oriente: ouro, incenso e mirra. Lucas nos fornece uma visão um pouco diferente na forma, mas semelhante no conteúdo. Descreve um anjo que desce do céu e anuncia aos humildes pastores no campo o ensejo fenomenal. Entretanto, um único anjo é insuficiente para enaltecer o radiante cenário. Das alturas não tardam a surgir outros querubins, formando um coro angelical a proclamar: “Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens de boa vontade”. O Nascituro repousa, contra todas as previsões, em manjedoura coberta de palha, embora mais do que ninguém, fizesse jus a um berço de ouro e pedras preciosas. Em compensação, recebe uma recepção celestial. Os pastores correm apressados para presenciar a fascinante cena. O Menino Rei acha-se ao lado de seus enternecidos pais,
Nossa Senhora e São José. Nesta versão, apenas gente humilde compõe os personagens. “Herodes e toda Jerusalém”, o rei e seus súditos descritos em Mateus são são omitidos. Qual das duas versões conteria a verdade? A mais interessante sem dúvida une os elementos mais atraentes de ambas. A presença de Herodes, crudelíssimo rei da época, um assassino compulsivo capaz de mandar matar inocentes criancinhas, empresta um clima de tragédia ao episódio, tão ao gosto dos gregos, os futuros novos cristãos. Os magos guiados pelo sinal celeste trazem não só presentes, mas também o mistério do Oriente. Por outro lado, o bebê em uma manjedoura, fazendo contrastar a simplicidade do ambiente com sua divindade, dá ensejo a uma cena de extraordinária poesia e cativante beleza. Não se pode mais hoje em dia dissociar o nascimento do Menino Jesus ao presépio de Natal, réplica do estábulo onde a Sagrada Família, os magos e, inclusive animais, compõem o comovente espetáculo. Comumente, as casas possuíam em anexo um estábulo para apropriada salvaguarda dos animais, talvez um argumento conciliador às duas versões. Observe-se que a presença dos pastores de Lucas não se contrapõe à existência dos magos. Os primeiros acorreram a ver o Menino Jesus no dia do nascimento, os segundos dois anos decorridos. Mateus afirma que os magos encontraram-no em uma casa. Lucas diz que estava em uma manjedoura. Não há obrigatoriamente contradição contradição nas duas versões. Nasceu em uma manjedoura, sugerindo o aposento ser um estábulo e, algum tempo depois, a sagrada família alojou-se no interior de uma casa de maneira mais acolhedora. Mateus conclui dizendo que após o nascimento e morte de Herodes, a santa família foi morar em Nazaré “para que se cumprisse o que fora dito, por intermédio dos profetas: Ele será chamado Nazareno”. O mesmo Evangelista transmite a impressão de que moravam antes em outra cidade. Em Lucas, a sagrada família volta para Nazaré de onde tinha saído. Deve-se observar a inexistência da intenção dos episódios terem sido criados com objetivo de concordar as profecias com a realidade. Nazaré e Belém distam cerca de quatro léguas apenas. Flávio Josefo, famoso historiador judeu que viveu em Roma, não apresenta qualquer comentário a respeito do sangrento infanticídio ordenado por Herodes. A omissão reforçou entre os historiadores a tese de que foram acrescidos elementos fantasiosos no Evangelho de Mateus. Ainda bem que Flávio faz citações resumidas sobre Pilatos e Jesus Cristo na fase adulta de grande valor para a história, pois confirmam a existência de ambos e reforça a veracidade dos Evangelhos, pelo menos neste aspecto. Segundo Lucas (1.1): “Naqueles dias foi publicado um decreto de César Augusto, Augusto, convocando toda a população do império para recensear-se. Este primeiro recenseamento foi feito quando Quirino era governador da Síria. Todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade”. O census permitiria ao imperador conhecer o potencial de homens mobilizáveis para o exército e a totalidade de recursos disponíveis que se poderiam extrair de cada província para manter o extenso império. Surge um problema inicial. Quirino, legado da Síria, conforme registros romanos, exerceu somente um mandato a partir de 6 d.C. Sabemos que Herodes faleceu em 4 a.C. Há uma defasagem de 10 anos, invalidando a simultaneidade dos eventos. Deveria ocorrer uma confusão pouco provável de datas para tornar possível o nascimento em Belém. Os céticos julgam ver confirmada a tese de que houve uma intenção teológica de apresentar Jesus como o Messias davídico, nascido obrigatoriamente em Belém.
Eles sugerem também que os cristãos precisavam dar uma resposta convincente aos judeus. Estes tradicionais inimigos gratuitos de Cristo propagavam a versão de que Jesus era filho ilegítimo de um soldado romano chamado Pantera. Além disto, não havia nascido em Belém, cidade de Davi, como seria de se esperar para concordar o episódio do nascimento com as Escrituras. Argumentavam que faltava a Jesus, portanto, a dupla condição essencial para torná-lo compatível com o papel de Messias, o herdeiro da mítica grandeza de Davi. Para rebater as acusações, em Lucas constatamos que Augusto ordenou o recenseamento em suas cidades de origem: “José também subiu da Galiléia, da cidade de Nazaré, para a Judéia, à cidade de Davi, chamada Belém, por ser da casa e família de Davi”. Ao colocar Jesus nascendo em Belém, os narradores quase um século após o evento, tiveram a oportunidade de confirmar a legitimidade, bem como a ascendência direta do rei. Há uma tendência atualmente entre conceituados teólogos de que o parto haja ocorrido de fato em Nazaré, ao norte de Israel, na casa da família de Jesus. Não houve necessidade de deslocar-se para Belém. Certamente veio ao mundo rodeado por inúmeras mulheres amigas, normalmente solidárias nos auspiciosos eventos de uma pequena comunidade. Não devemos esquecer que naquele tempo era comum referir-se a uma pessoa associando-a ao nome de seu pai ou sua cidade natal. Em nenhuma parte dos Evangelhos chamam o Messias de “Jesus de Belém”. Ficou conhecido pela história como Jesus de Nazaré ou Nazareno. Entretanto, pode-se rebater facilmente este argumento lembrando que Jesus só nasceu em Belém, mas foi criado em Nazaré. Talvez a maioria dos moradores desconhecesse detalhe tão importante para efeito doutrinário. Assim, acabou conhecido como oriundo da cidadezinha onde viviam seus familiares e amigos. Em contrapartida, baseado em informações de Nicolas de Damasco, ministro e historiador da corte, o mesmo Josefo nos faz uma interessante narrativa da vida do rei que governou os judeus por vinte e cinco anos. Herodes dispunha de um poder tirânico e possuía uma personalidade cruel e insensível, aliás, bem comum aos psicopatas. Achava-se constantemente alarmado pelo temor doentio de que os familiares mais chegados lhe roubassem o trono. O seu perfil psicológico indica um comportamento insano, formando o pano de fundo que poderia explicar o descabido massacre dos pequenos inocentes. O rei dos judeus, sem sombra de dúvida, seria capaz de tamanha maldade. Além disso, sabemos que os reis, não só daquela época, mas em tempos posteriores, detinham um poder absoluto que lhes permitia atos desumanos de brutal tirania, inconcebíveis à opinião pública contemporânea. O déspota judeu de ascendência iduméia, vivendo angustiado pelo temor que lhe tirassem o poder real, exagerava o perigo vindo daqueles que o detestavam ou se lhe opunham politicamente. Inicialmente, mandou assassinar o jovem cunhado, Aristóbulo. Depois, corroído pelo ciúme, mandou matar a esposa, Mariame. Pouco tempo depois, foi a vez da insuportável e ambiciosa sogra, Alexandra, que de fato estava de olho gordo no seu trono. Como se ainda fosse pouco, mandou matar os dois filhos com Mariame e um terceiro com outra mulher, pelo mesmo motivo. A história nos fornece vários exemplos de homicidas reais que cometeram semelhantes crimes. Rômulo, o lendário primeiro rei de Roma, matou o irmão gêmeo Rêmulo quando disputavam o poder real. Cleópatra, a rainha do Egito, mandou matar o irmão, Ptolomeu, ainda menor de idade. Nero, o mais louco dos Césares, superando mesmo
Calígula, envenenou o pai adotivo que também era seu tio-avô, o imperador Cláudio, em maquiavélica conivência com sua maquiavélica mãe, Agripina, que maquinou toda a trama. Nero não tardou a mandar assassiná-la ao dar-se conta de que a indomável megera ambicionava ser sua parceira no governo de Roma. Sanguinário, mandou matar a primeira esposa para livrar-se dela depois de acusá-la de adultério. Não contente com tanta perversidade, deu um pontapé fatal no ventre de sua segunda esposa grávida, Popéia, causando-lhe a morte, bem como ao bebê no útero. O truculento Ivan, o terrível, czar da Rússia, não admitia ser contradito e tirou a vida do filho durante uma acirrada discussão. Aplicou-lhe inopinada pancada na cabeça com o pesado cetro real. Depois se amargurou ao cair em si diante da própria brutalidade. Tragicamente havia assassinado o jovem jovem príncipe herdeiro herdeiro ao trono. Pedro, o grande, outro famoso czar, assassinou o filho da primeira esposa, submetendo-o no cárcere à insuportável tortura. Catarina, a Grande, czarina da Rússia, conspirou com sucesso para o assassinato do marido, o próprio czar. Foi o único meio de tomar-lhe o trono. Gêngis Khan, o invencível imperador mongol, desapareceu de forma suspeita com o irmão que governava junto com ele. Constantino, o grande, o imperador romano que protegeu o cristianismo, mandou matar seu filho Cristos e, de quebra, a sua segunda esposa Fausta, para horror e desespero de sua mãe, Santa Helena. As execuções decorreram por causa de um suposto envolvimento amoroso entre Fausta e seu enteado, Cristos, o príncipe herdeiro. Fausta, na verdade, queria eliminar Cristos da sucessão em benefício de seus filhos com o imperador e acabou vítima de própria trama pérfida. Henrique VIII, rei da Inglaterra, o mais famoso esposo traído, era um entusiasta em decapitar esposas infiéis, começando com Ana Bolena, mãe da futura rainha Elizabete. A última “consorte” escapou ilesa somente porque o rei faleceu. Sem mencionar os nomes dos inúmeros cortesões decapitados por caírem em seu desagrado. A filha do passional Henrique, a famosa rainha Elizabete, não quis desmerecer por completo à fama homicida do pai. Assim, mandou decapitar sua prima-irmã, a infeliz Mary Stuart, rainha destronada da Escócia. Além de outros pretendentes rivais para manter incólume o seu trono. E vão por aí intermináveis exemplos de assassinatos reais ao longo da história. No desempenho do poder, a crueldade dos príncipes era uma regra e a benevolência uma exceção. Na luta para conquistá-lo ou mantê-lo julgavam-se seres especiais agraciados com mandatos divinos que os situavam acima do bem e do mal. Todos os meios pareciam válidos desde que atingissem o objetivo cobiçado. De qualquer maneira, Herodes, embora desfrute de ilustres companhias de sangue azul nessa lista sangrenta, ainda ostenta o recorde da matança de familiares. Não se deve concluir que foi o rei mais sanguinário da história. Provavelmente, os príncipes mencionados eliminaram maior número de súditos inimigos do que Herodes. Ele não enfrentou nenhuma insurreição popular, preocupando-se sempre em ser estimado pelo caprichoso povo judeu. As suas represálias odientas normalmente se dirigiam contra os aristocratas que o detestavam igualmente. Eles certamente o matariam se houvesse uma oportunidade viável. Temendo isto, antes que acontecesse o pior para si, exterminava aqueles que acreditava cobiçar-lhe o trono, fossem culpados ou inocentes. Em que pese tais considerações atenuantes, o seu perfil psicológico sugere que poderia transformar um simples receio em pessoas sensatas num pesadelo atemorizante. Entretanto, havia uma origem para o singular comportamento paranoico. Embora não
justifique tanta maldade, permite-nos compreendê-lo melhor. Os judeus não queriam aceitá-lo como rei por duas razões. A primeira é que não era um judeu autêntico, mas um príncipe de origem iduméia. Os idumeus constituíam um pequeno povo vizinho que, a certa altura da história, foi conquistado pelos judeus e acabaram convertendo-se ao judaísmo. Por isso, Herodes não era considerado racialmente puro, mas uma espécie de judeu de segunda classe, um estranho no ninho de Abraão. Tal fato era motivo suficiente para que o olhassem com desprezo. A segunda razão era que o pai de Herodes, o idumeu Antípater, conseguira grande prestígio e influência na corte judaica em Jerusalém como uma espécie de ministro real. Depois de hábeis manobras políticas conseguiu cair nas boas graças de Roma. E bota habilidade nisso, porque conseguiu um tento inigualável. Seu filho Herodes foi nomeado, com apenas vinte e cinco anos, governador da Galiléia. Decerto, o jovem herdou o talento político do pai, uma vez que decorridos apenas cinco anos, Júlio César, o primeiro imperador romano, promoveu-o a rei dos judeus. No entanto, era um rei com coroa, mas sem reino. Havia de conquistar Jerusalém que permanecia sob o domínio de um dos asmoneus, Hircano. Este rei, alheio à realidade política da época, vivia desafiando insensatamente Roma, teimando em não reconhecer a suserania romana. Tal atitude discrepante acabou por irritar César e a única solução viável seria afastá-lo do trono. Daí foi necessário um poderoso exército romano para impor Herodes à força como um rei vassalo a Roma, tão intensa era a má vontade do povo judeu contra si. Se já não bastasse o imperador como suserano, ainda seriam obrigados a submeter-se a um rei de ascendência iduméia. Herodes, sem uma gota de sangue judeu, seria sempre visto como um pretendente ilegítimo, um “estrangeiro” usurpador do trono pertencente por tradição aos asmoneus, seus legítimos donos. Agravando a antipatia popular, havia assumido com pragmatismo o papel de rei vassalo aos romanos. Um sapo difícil de engolir para os judeus tradicionais. A truculência de Herodes revelou-se assustadora logo que botou os pés em Jerusalém. Furibundo, mandou dizimar sem piedade os seus oponentes, aqueles inconformados membros da aristocracia destituída. A dinastia dos asmoneus jamais o perdoaria. Ao longo dos anos rancores e ódios difíceis de serem esquecidos permaneceriam latentes e ameaçadores. Durante o seu reinado, seria sempre assombrado pelos fantasmas de inimigos reais ou imaginários tentando reaver o trono perdido. O príncipe idumeu nunca esqueceu a quem devia o poder. Uma oportuna adulação aos senhores romanos nunca seria demais. Mal chegado a Jerusalém, comete um ato de blasfêmia contra o judaísmo. Ordena que a porta do Templo de Salomão seja ornada com uma águia de ouro, símbolo do poder romano. Pouco se lhe importa com as chispas de ódio dos opositores porque quem se insurgir pagará com a vida. Eis descrita em resumo a política real. Por todo seu reinado, ciente de indubitável impopularidade, permanecerá receando todos os que o cercam e, em particular, os membros da dinastia destituída. E não é para menos. Havia-os destronado e executado sem contemplação os mais rebeldes. Seria necessário imaginar algo engenhoso para mudar ou pelo menos atenuar a insuportável tensão política. Em dado momento, tem uma luminosa ideia. Sendo-lhe impossível eliminar toda a aristocracia, astuciosamente conclui que a único recurso que lhe resta é unir-se a ela.
Repudia a primeira esposa, Dóris e o filho de três anos, condenando-os ao exílio. Fica livre para casar-se com Mariame, a belíssima princesa dos asmoneus. Assim, pretende unir o útil ao agradável. O plano constitui uma hábil jogada política no intuito de calar os inconformados. Associando-se à prestigiosa dinastia anterior passaria a ser olhado como um deles. Pelo menos, assim pensava. No fim das contas, o casamento de interesse iria revelar-se desastroso. Ela não o amava desde o início, compartilhando o ódio e desprezo dos asmoneus por ele. E, como se não bastasse, ainda lhe seria infiel, levando o marido ultrajado ao desespero. Por capricho do destino, traído pelo coração, Herodes havia se apaixonado perdidamente pela linda e voluntariosa jovem. Almejando ganhar a mente e o coração dos judeus, o rei apela para mais uma cartada política. Decidiu ampliar e concluir o Templo de Jerusalém em termos nunca dantes vistos. O Templo era a alma, o símbolo máximo do judaísmo - a sublime morada de Iahveh. Toda a religião judaica centrava-se nele. Seria um modo eficiente de neutralizar uma remanescente oposição que lhe devotava perturbadora má-vontade, a fonte de constrangedora impopularidade. Dezoito mil operários foram empregados na obra monumental, atestando o grau de empenho do dinâmico rei. A construção transcorreu em perfeita normalidade. Dizia-se que Iahveh favorecia a execução de sua morada, pois durante a construção só chovia pela noite e de dia fazia um belo sol. Preocupado em ganhar amigos, Herodes teve o escrúpulo de respeitar os sentimentos religiosos do povo. Os mestres, pedreiros e carpinteiros principais eram sacerdotes. Estava disposto a fazer tudo para agradar e tornar-se finalmente benquisto por todos os seus súditos. O Templo finalizado excedeu as mais otimistas expectativas. Uma obra monumental, incomparável em estética e requinte, admirada sem restrições pelos povos da antiguidade. Chegou a ser aclamado como o edifício mais belo da época. Apesar da magnificência da construção, Herodes não tardou a constatar com um misto de frustração e raiva que pouco subira na estima dos súditos. Ainda o viam como aquele intruso que teimava em passar por rei judeu, um hipócrita nomeado pelos detestados senhores romanos e cuja ambição pessoal castrou as aspirações legítimas dos asmoneus, líderes naturais do povo. Em suma, uma ave estranha e indesejável no ninho judaico. Em que pesem tais atribulações, ou por isto mesmo, dedicou-se de corpo e alma a múltiplas e belas edificações. Mandou construir ao sul de Belém, o Herodium, um palácio de monumental beleza e funcionalidade. Era um complexo com inúmeros pavilhões e piscinas. Podemos imaginá-lo a confraternizar com os cortesões, banhando-se e tomando os melhores vinhos da Itália, já que era amigo dos prazeres mundanos. Outra construção notável foi o famoso palácio-fortaleza de Massada. Neste formidável reduto, ao fim do levante dos judeus contra Roma nos anos 70 d.C. os zelotes iriam futuramente cometer um suicídio coletivo. Possuía aposentos especiais para estoque de grande quantidade de alimentos. Uma precaução contra um sítio inimigo prolongado. Situado no alto de uma elevação quase inacessível, oferecia as condições ideais de defesa. Décadas após a morte do rei, os revoltosos judeus puderam ali sobreviver por vários anos em desafio ao poder de Roma. A construção de Massada revela um Herodes temeroso de um levante popular. A fortaleza quase inexpugnável poderia oferecer uma última chance de sobrevivência e refúgio. Após sua morte, ela continuou defendida por uma pequena guarnição judaica.
Apaixonado por obras notáveis, Herodes partiu para um novo e espetacular projeto. Nada menos do que a construção de uma cidade inteira. Acrescentou-lhe um excelente porto marítimo. Foi utilizada uma técnica revolucionária para a época mediante a utilização de enormes caixões de madeira como se fossem barcos. Encheram-nos de concreto para servirem de fundação após levados ao fundo. Os engenhosos romanos já conheciam um tipo rudimentar de cimento. Herodes batizou-a de Cesárea em homenagem ao imperador. Afinal, devia tudo a César. Os judeus, de maneira geral, encararam o gesto real como outra bajulação ofensiva aos brios da pátria, mas dentro de uma perspectiva pragmática era a única escolha conveniente. Ele dependia da boa vontade de Roma para sustentar as suas realizações monumentais que só podiam concretizar-se mercê da aquiescência imperial. Houve outras construções admiráveis do incansável rei. Herodes, como seu pai, Antípatro, era um admirador da cultura romana, a mais adiantada e exuberante da época. Assim, construiu um espetacular hipódromo em Cesárea. Uma obra pagã, no estilo clássico greco-romano, destinada às corridas de bigas e lutas entre gladiadores. Os conservadores olharam o sofisticado centro de lazer como uma grave violação aos costumes e tradições judaicos. E mais irritados ficaram quando construiu um templo pagão dedicado aos deuses de Roma. Obrigado pelas circunstâncias a adotar uma política ambígua, era-lhe impossível agradar a gregos e troianos, ou melhor, romanos e judeus. Veleidades nacionalistas à parte, o fato é que Roma mostrou-se benevolente com Herodes e o povo judaico. Foi uma associação em que ambos, judeus e romanos, saíram ganhando. O tributo pago ao império era compensado plenamente pelas vantagens da Paz Romana. A economia do país beneficiava-se pelo custo minimizado com a segurança interna e externa. Imperava uma benéfica tranquilidade e o Estado podia dedicar-se a obras diversas sem preocupar-se com guerras onerosas. Pelo menos, trabalho não faltava nas inúmeras mega construções do diligente rei onde artesãos e operários ganhavam o merecido sustento diário. E o dinheiro corria a solto, senão não teria concluído com inegável sucesso uma série de obras espetaculares. Cícero, o grande orador romano, havia dito que não basta exercer o domínio, o poder perdura enquanto é aceito em razão de vantagens recíprocas. Herodes soube cumprir esta máxima. Usufruiu o que Roma lhe oferecia e retribuiu com conveniente fidelidade o que só lhe trouxe benefícios. Sem sombra de dúvidas, foi um excepcional administrador. A sua paranóia é outro triste aspecto de uma idiossincrasia doentia que não pode roubar-lhe o mérito de governante dinâmico e competente. Além disto, incansavelmente tentou conquistar o coração e a mente dos súditos. Querendo ser-lhes simpático, não hesitava em adulá-los, mas a recíproca não foi verdadeira. O povo não gostava de Herodes, cultivando uma ojeriza preconceituosa. Os hebreus sempre perduraram numa antipatia gratuita contra os gentios, sinônimo de uma hostilidade exacerbada contra os demais povos, o que só lhes trouxe incontáveis prejuízos ao longo dos tempos. A sequência sanguinolenta da existência real contra membros de sua família inicia-se em 35 AC. Aos 38 anos nomeou o novo sumo sacerdote do Templo de Jerusalém, a segunda pessoa em importância no reino. Sempre esperançoso de cair no agrado dos asmoneus, havia acolhido prazeroso a ideia de sua amada Mariame, escolhendo Aristóbulo, o cunhado de 17 anos para o elevado cargo. Seria mais um ato auspicioso da tática política de integrarse ao clã da esposa. Como num passe de mágica, pretendia transformar os seus tradicionais inimigos em amigos. Não demorou muito para descobrir alarmado que o jovem, ao ocupar
o supremo poder sacerdotal, suscitou um exagerado entusiasmo na família real original. Encheu-se de temores, antevendo o perigo de ocorrer uma polarização em torno do adolescente daqueles que lhe faziam uma velada, mas temível oposição. Aristóbulo, talvez inocente, mas imerso no clima de maldade reinante, surgia-lhe numa visão apavorante como um rival potencial ao trono. Depô-lo não seria conveniente. A emenda sairia pior que o soneto, pois acirraria os ódios contra si. Em uma festa no palácio, o rapaz foi encontrado morto na piscina, sugerindo um afogamento acidental. Embora sem uma prova concreta, prevaleceu na opinião geral a ideia de que fora assassinado a mando do rei, conforme nos relata o historiador judeu Flávio Josefo. Quando Júlio César foi covardemente assassinado pelos senadores, Herodes foi submetido a uma dura prova de sobrevivência política e mesmo da própria existência física. Marcos Antônio assumira o poder eliminando os assassinos do grande conquistador e dirigiu-se vitorioso ao Oriente. No Egito, deixou-se enredar pela insinuante Cleópatra. Herodes, mais do que depressa, correu a prestar-lhe submissão. Naquelas alturas, Marcos Antônio surgia como o general e governante mais destacado de Roma. Entretanto, a vida dá muitas voltas. Decorrida uma inclemente guerra civil, com a trágica derrota e duplo suicídio de Marco Antônio e Cleópatra, despontaria Otaviano, sobrinho de César, como vencedor e verdadeiro herdeiro do poder, com o título de César Augusto. O sagaz idumeu viu-se numa enrascada. Apostara no cavalo favorito e perdeu redondamente a aposta. Percebeu com pavor a enrascada em que se metera. Sabia muito bem que os romanos podiam ser grandes amigos, todavia, em contrapartida revelavam-se terríveis inimigos. Resolveu jogar todo o futuro futuro em única cartada. Decidiu ir a Roma com cara de bonzinho apresentar-se ao vencedor de fato. Não sabemos exatamente qual desculpa apresentou ao imperador. Provavelmente, alegou ter prestado uma justa homenagem a Marcos Antonio na melhor das boas intenções. Não sendo adivinho, ignorava completamente as disputas políticas internas romanas. Em resumo, havia apenas reiterado sua integral submissão ao poder romano do qual era um leal vassalo. O fato é que conseguiu cair nas boas graças de Augusto que o confirmou no posto. O episódio sugere que Herodes era carismático e possuía grande poder de persuasão. Sabia mostrar-se simpático e confiável quando lhe convinha aos interesses. Não era rei somente por acaso da sorte. Já conseguira inspirar confiança aos romanos quando o nomearam inicialmente e nunca iria desmerecê-la em toda sua vida. O controverso idumeu ao partir para Roma sabia que jogava um lance arriscado demais, tipo tudo ou nada. Perigava ser uma viagem sem regresso. Seu destino dependia unicamente da boa vontade de um governante romano cuja reação era uma incógnita imprevisível. De qualquer modo, como se enfileirara por equívoco ao lado do inimigo do herdeiro e sobrinho de César, viajara tomado de acentuado pessimismo. A senhora morte parecia estar lhe acenando em Roma. Dominado por ciúme doentio, deixara uma ordem sinistra, a ser cumprida caso não regressasse. Mariame deveria ser morta inapelavelmente. Jamais suportaria que outro homem ocupasse o seu lugar. Hoje em dia é extremamente revoltante uma atitude deste tipo, especialmente sob a visão das feministas, mas os reis daquela época eram assim mesmo. Julgavam-se o centro do mundo e tudo devia girar em torno deles, uma espécie de semideuses. O príncipe idumeu não foi o único.
Quando um aliviado Herodes regressou são e salvo, sentia-se como se tivesse enfrentado uma tempestade fatal em alto mar e saído milagrosamente ileso. A sorte havialhe sorrido, mas logo adiante enfrentaria graves dissabores no triunfal regresso a Jerusalém. A sua vitória iria se tornar amarga e decepcionante. Herodes sempre seria um conturbado ser humano em desatinado exercício do poder real. A sua amada esperava-o, não cheia de contentamento, nem morrendo de saudades, mas soltando chispas de ódio. Ficara insultada ao saber da nefanda ordem do marido e não se dispôs a perdoá-lo, apesar de tudo ter se resumido em mera intenção. Como represália, recusou-se a cumprir suas obrigações conjugais, uma maneira bem feminina de puni-lo. Não quis mais dormir com o esposo. Herodes tolerou por algum tempo a constrangedora situação na esperança de uma breve normalização. Infelizmente, tal não aconteceu. O ciumento marido passou então a botar na cabeça que a indiferença da mulher equivalia a um sinônimo de traição. Sim, Mariame não o amava e estava-lhe sendo infiel, concluiu amargamente. Para que fosse acusada de adultério restava um passo apenas, a última gota d´água para causar uma tragédia. Naquela época, a infidelidade da rainha constituía uma falta imperdoável, um crime de alta traição contra contra o rei. Testemunharam contra a ré, Salomé, a irmã de Herodes e até a própria mãe de Mariame. Alexandra não titubeou em acusar acusa r a filha, sabendo que ensejaria um inexorável processo de execução. Depois disso, ninguém mais duvidaria da traição contra o rei. Alguns estudiosos dizem que a sogra incriminou a filha em defesa própria, com medo de ser taxada de conivente num ato passível da pena capital. Sendo assim, coloca-se em dúvida a culpabilidade de Mariame. Quem sabe se não foi mais uma vítima inocente do tresloucado marido? O mais provável é que realmente houve adultério. Alexandra sabia da intolerância de seu povo. Havia o costume de apedrejar as mulheres faltosas. Diante das evidências insofismáveis, postou-se ao lado do rei e a favor da brutal justiça da época. Quis mostrar ao genro real que era uma súdita leal e honesta ao desaprovar de forma radical a luxúria da filha. Mariame foi executada aos vinte e cinco anos, encerrando de forma chocante sua breve existência. Josefo nos conta que enfrentou a morte com calma e serenidade. Ela deixou cinco filhos, frutos dos sete anos de casamento. A história não termina aí. O temperamental marido não deixou de amá-la, mesmo depois de morta. Em altas horas da noite, perambulava pelo silencioso palácio como um louco a clamar-lhe o nome em desesperados lamentos. Às vezes, dizia aos amigos que ouvia vozes. Tudo indica que sofreu um colapso nervoso e sua sanidade mental periclitava. Inconformado, chegava a crer que Mariame ainda estivesse viva. Não queria assumir o papel de assassino de sua amada. O rei passou a ser vítima da própria maldade. Passou a beber em demasia. Alheio ao mundo, até deixou de comparecer aos atos públicos. Chegou a um ponto tal que os amigos estranharam o comportamento bizarro. Concluíram que estava à beira da loucura. A ambiciosa Alexandra, conivente com a morte da filha, deduziu que chegara a hora de se aproveitar da situação. Muitos achavam que o rei estava fragilizado, sem condições mentais para o exercício pleno do cargo. E ela sabia que o genro nunca foi e nem seria estimado pelo povo. Muito menos pelos aristocratas, pois preferiam um representante dos asmoneus. Diante do cenário conturbado, melhor ocasião
para um ousado golpe palaciano não surgiria tão cedo. Apoiada por alguns fiéis cortesãos, com extrema audácia proclamou-se rainha, declarando que o rei estava mentalmente impossibilitado de reinar. Foi um erro fatal de julgamento. Herodes não estava ainda indefeso, restando-lhe crueldade suficiente para mandar executá-la sumariamente e sem qualquer julgamento. As tensões políticas aumentaram muito devido ao descontentamento provocado pelos atos violentos do rei. Aos 65 anos de idade surgiram rumores que dois de seus filhos com Mariame e um terceiro, oriundo de outra mulher, conspiravam para eliminá-lo. Novamente usa a tática de antecipar-se ao inimigo, pouco se importando em derramar o próprio sangue. Uma solução branda seria mandar prendê-los e castigá-los, mas sempre optou por ações radicais, tipo cortar o mal pela raiz. Deu simplesmente ordens para serem executados. Passa a ser o rei recordista em matança de pessoas de sangue real. Faleceu aos setenta anos, vítima de horrível doença, provavelmente um câncer. Segundo testemunhos, seu corpo apodrecia e cheirava mal ao aproximar-se a morte inexorável. Era apenas parte do castigo divino. Ainda teria que prestar conta de seus inúmeros crimes nos céus. Não importando os inumeráveis males que praticou, seria lembrado pelas gerações futuras por um suposto mal maior. Passaria à história como o sanguinário tirano que assassinou inúmeras criancinhas ao tentar eliminar um presumível Messias. E as magníficas construções que espalhou pela Judéia, atualmente desoladas ruínas, de nada servem para apagar a imagem chocante. Nos últimos anos de vida pairava-lhe sobre a cabeça estressante ameaça. Acreditava que todos em sua volta ambicionavam roubar-lhe o trono. Vivia em pânico iminente, com a paranóia levada ao extremo. O número de pessoas que o detestavam só aumentara devido a tantos desmandos. Os cortesãos temiam a perversa loucura real e o povo não ficava atrás. Nesta altura dos acontecimentos, surgem os magos vindos do Oriente. A possibilidade de determinada criancinha vir a ser o Messias citado nas Escrituras e, ainda tornar-se rei de Israel, seria um perigo extremamente vago para qualquer rei em juízo perfeito. Entretanto, o perfil psicológico de Herodes permite-nos supor que, num momento de desvario, não titubearia em ordenar a matança dos inocentes. Seria com toda certeza obedecido. Naquele mundo cruel onde barbáries ocorriam diariamente, ninguém ousaria contestá-lo, colocando a própria vida em risco. Vítima de uma paranóia crescente imaginava conspirações engendradas por cortesãos e julgava-se no direito de precaver-se. Pouco se lhe importava quão truculentos fossem os métodos. O Velho Testamento e a tradição há muito anunciavam a vinda do Messias. O problema é que somente Mateus nos relata o episódio cruento e mais ninguém. O testemunho único deixa margem a fortes dúvidas na mente dos céticos. No entanto, existe uma contra argumentação para explicar porque somente Mateus resolveu tratar do assunto. Sendo verdadeiro o relato do selvagem assassinato, poderia levantar a ideia negativa de que a vinda de Jesus trouxe, desde o início, uma horrível desgraça ao atingir desoladas mães e seus inocentes filhos. Nesta hipótese, os demais Evangelistas não se sentiram à vontade para relatar tão triste e trágica estória. Melhor seria esquecê-la. E poderia Flávio Josefo não ter tomado conhecimento dos rumores de tão terrível incidente? Dizem alguns que a referida matança em uma época de costumes tão primitivos poderia passar despercebida e nunca chegou aos ouvidos atentos do escritor. Aliás, uma suposição pouco provável. De qualquer maneira, como Deus permitiria que a vinda de Seu
Filho desse ensejo, mesmo involuntário, a uma matança de criancinhas, justamente aquelas que o Messias julgava criaturas preferenciais no amor divino por sua inocência e pureza? E Cristo não falou que não cai uma simples folha de uma árvore sem o consentimento de Deus? Diante do impasse, a matança das criancinhas passou a ser uma questão de fé. A biografia de Herodes sugere uma possibilidade, mas não fornece aquela evidência plena e definitiva capaz de tornar o testemunho de Mateus uma inconteste verdade. Acrescente-se que a narrativa sobre os magos do Oriente deu margem a uma sequência de fantásticos eventos que mais parecem fábulas, embora cheios de poesia. Talvez acrescentados por narradores posteriores para enfeitar as circunstâncias extraordinárias do nascimento de Jesus Cristo. Sejam quais forem os motivos, esses magos encantaram a cristandade e viriam a enriquecer os presépios de Natal com sua misteriosa presença. Entretanto, em toda fábula há um fundo de verdade e permanece o mistério. Quem seriam os magos tão fabulosos e simpáticos? Algum episódio real, embora mais simples, talvez tenha ocorrido. Depois embelezado como convém ao espírito humano, sempre na busca eterna da fantasia, um modo natural de fugir à fria e monótona realidade. Uma pergunta desafia os astrônomos há séculos. Seria possível a existência de um corpo celeste com a particularidade inusitada de guiar os magos de um modo tão espantoso. “Depois de ouvirem o rei, partiram; e eis que a estrela que viram no Orient e Orient e os precedia, até que chegando, parou sobre onde estava o menino. E vendo a estrela, alegraram-se com grande e intenso júbilo. Ao entrar na casa, se depararam com o menino e Maria, sua mãe. Prostrando-se, o adoraram; e, abrindo os seus tesouros, entregaram-lhe suas ofertas: ouro, incenso e mirra”. (Mateus 2.9). Depois dessa misteriosa aparição em Belém, os magos regressaram imbuídos do sagrado sentimento de haver cumprido com jubiloso sucesso a mais incrível missão de suas vidas. Já no terceiro século surgiu uma primeira versão visando dar uma explicação racional ao surpreendente fenômeno. Na antiguidade havia a crença de que os cometas, ao cortarem os céus em deslumbrante aparição, anunciavam notáveis acontecimentos. Ora, o que podia haver para a cristandade de mais notável senão o nascimento do Messias? O fascinante cometa parecia satisfazer completamente as expectativas gerais. E o inquieto espírito humano não ia se exaurir em primeira instância. Já na Idade Média, os astrólogos observaram que houve na época do nascimento de Cristo uma conjunção dos planetas Júpiter e Saturno. O fenômeno poderia explicar o intenso e particular brilho no céu que impressionou os judeus. Em 1604, o famoso astrônomo alemão Johannes Kepler, cônscio de sua autoridade por haver descoberto as órbitas elípticas dos planetas, anunciou ao mundo que identificara uma tripla conjunção dos dois citados planetas em 7 a.C. A data é extremamente sugestiva, ocorrendo no período mais provável em que Jesus nasceu. Astrônomos modernos, por sua vez, acrescentaram interessantes observações. As conjunções ocorreram nos meses de maio, outubro e dezembro. Este fenômeno não é raro, surgindo a cada 20 anos, tendo o último ocorrido em 2000, segundo o astrônomo Amâncio Friaça, do Instituto de astronomia da universidade de São Paulo. Diante de tamanho mistério, alguns teólogos visam conciliar a fé e a razão levando em consideração os elementos essenciais. Alguns sábios vieram do Oriente, não importa saber quem eram. O sinal celeste simboliza uma luz que conduz os crentes na vida e aponta o caminho certo. É o aceno divino orientando a nascente cristandade na busca pelo amor do Cristo.
Há uma interpretação de estudiosos sugerindo que eles poderiam simbolizar a aceitação do Messias pelos povos do Oriente. Magos, profetas, astrólogos ou reis, ao serem induzidos por uma revelação interior, adivinharam a relação entre o astro e o maravilhoso acontecimento. Seriam mensageiros de Deus para prestigiar a chegada do seu Filho Único. Cristo daria início a mais nobre missão ao trazer amor, esperança e sperança e salvação à humanidade. Os magos dão um sublime toque poético à gloriosa vinda do Salvador ao personificar testemunhos amorosos sobre o profético nascimento do Menino Jesus. Alguns eruditos, contudo, apresentam versões alternativas para explicar a história do genocídio à luz da razão. Uma delas levanta a hipótese de que dois relatos reais e independentes foram confundidos, formando uma lenda. Na mesma época, Herodes executou três filhos. Logo em seguida nasceu Jesus. Assim, com o passar dos anos, a crueldade extrema do rei foi sendo associada à vinda do Salvador. Em contrapartida, outra versão sugere que Flávio Josefo estava interessado apenas nas personalidades poderosas e famosas da época. Era um comentarista sofisticado dos VIPs preocupado exclusivamente em deleitar a nobre sociedade romana. A matança de alguns pobres inocentes, ocorrida em Nazaré, uma pequena vila inexpressiva, foi omitida por ter sido considerada irrelevante ou, então, Josefo nem tomou conhecimento do fato. De qualquer maneira, é estranho que não tenha chamado a atenção de outro narrador qualquer. Ao longo da história, o suposto número de crianças mortas por ordem de Herodes foi crescendo de forma assustadora. A igreja ortodoxa chegou à cifra de 64000 vítimas. Autores medievais calcularam em torno de 14000. Em contrapartida, estudos modernos dizem que Belém não devia ter mais que mil habitantes, estipulando-se o número de possíveis vítimas em vinte crianças no máximo. Fazendo-se uma reflexão sobre tudo que se imaginou, narrou e discutiu, chega-se a uma versão que, se não é a verdadeira, pelo menos se apresenta mais verossímil. Os magos seriam tão somente abastados comerciantes chefiando uma caravana com valiosas mercadorias destinadas à Judéia. Aliás, um evento comum na época e, por pura coincidência, estavam ocorrendo alguns impressionantes sinais nos céus decorrentes da conjunção dos planetas Júpiter e Saturno em 7 a.C. Tal fenômeno astronômico dá-nos uma ideia provável do ano em que ocorreu o nascimento do Menino Jesus. Esses ricos caixeiros viajantes da época, exóticos aos habitantes de Belém, representavam a misteriosa cultura oriental. Atraíam o povo simples por sua cativante cordialidade, pois eram mercadores vividos, fluentes na língua nativa, cheios de estórias para contar e, ademais, primavam por agradar aos potenciais fregueses. Quando chegavam numa cidade ou aldeia, o povinho se lhes acercava, morrendo de curiosidade pelas belas mercadorias e curiosas notícias de alhures. As pessoas comentaram sobre os incríveis sinais celestes vistos por muitos. Houve uma concordância geral de opiniões, como era usual naquele tempo, sempre que algo inusitado estava prestes a acontecer. Alguém levantou a hipótese que os céus estavam anunciando a vinda do Messias previsto pr evisto nas Escrituras, se não foi um dos “magos”, igualmente conhecedores das tradições judaicas. Seria a sensacional realização do evento tão aguardado pelos judeus. Então, aí dos romanos! Iriam ver-se finalmente, frente a frente, com a divina justiça do Senhor dos Exércitos que os puniria sem piedade e colocaria os merecedores hebreus à testa dos povos. Ninguém se opôs à notável ideia, antes manifestaram alegre entusiasmo.
A única ocorrência singular que daria consistência ao suposto fato seria a existência ali pertinho do pequeno menino Jesus, então, com dois anos. Ele impressionaria aos doze anos os sacerdotes do Templo por sua inteligência. Naquele momento, não seria de estranhar que muitos tivessem notado a sua incrível precocidade e carisma invulgar. Chamava a atenção de quem o visse ou ouvisse, causando grande admiração. Afinal, só podia ser realmente o Messias. A história da humanidade seria contada antes e depois d´Ele. Jesus, com apenas dois anos, expressava-se de maneira única e acabou encantando deveras os “magos” que tinham bom coração e gostavam de crianças. Na verdade, adoraram o Menino Jesus, ficando mesmo maravilhados. Isto explica a simpática generosidade de oferecer aos pais valiosos presentes, como os mencionados no Evangelho. Se houvesse um Messias, aquele menino fora de série preencheria o perfil imaginado, concluíram com profética intuição. E não se negaram a declarar o que pensavam aos presentes para deleite geral. A notícia espalhou-se rapidamente como acontece nas pequenas povoações. Chegou aos ouvidos do maquiavélico Herodes que se encontrava empanturrando-se de finas iguarias e a beber o bom vinho na companhia dos amigos. Certamente, para variar arquitetava alguma repressão sanguinolenta contra inimigos, imaginários ou não. Ao tomar conhecimento da estória, instigado pelos cortesãos em volta, os bajuladores de sempre, e sob a ação do álcool, ordenou que matassem todas as criancinhas de Belém com menos de dois anos, por via das dúvidas. Ora, pensou indignado, ninguém colocaria em risco sua preciosa dinastia, obtida e mantida com tanto empenho e não menor perversidade. Ainda bem que a ordem não foi levada a termo, porque, saído da ressaca, sustou-a após prudente reflexão. Seria loucura demais, até mesmo para um paranoico histórico. Entretanto, Entretanto, como diz o ditado, “o povo aumenta, mas não inventa”. Com o correr do tempo, o episódio foi sendo acrescido de detalhes assaz interessantes, ganhando maior beleza a ponto de impressionar os cristãos de origem grega, um povo amante de estórias trágicas que logo a adotaram com convicção. Afinal, tudo no episódio se ajustava como uma luva. Naqueles tempos, a fantasia e a realidade se misturavam facilmente para deleite geral. Vejamos outro interessante assunto. Como foi escolhido o nosso tradicional dia de Natal? No início, cada grupo de cristãos escolhia um dia diferente para comemorar o nascimento do Cristo. Afinal, não se sabia a data certa em que nasceu o Menino Jesus. Alguns preferiam 20 de maio e outros, os dias 6 ou 10 de janeiro. Esta diversidade de opiniões não poderia ser conveniente para uma igreja que crescia cada vez mais, graças à benevolência do imperador Constantino. Fazia-se urgente regulamentar um assunto tão importante. Em 525, o papa João I instituiu o Natal em 25 de dezembro. Há duas versões para a escolha. Ambas são válidas e se completam. Em 235, o bispo Hipólito de Roma afirmou que Maria havia engravidado em 25 de março. Após fazer “meticulosos cálculos” chegou à surpreendente conclusão de que o nascimento ocorrera em 25 de dezembro. Por coincidência, era o dia em que os romanos comemoravam há séculos o nascimento do deus Mitra, anunciando o equinócio da primavera. Nessa auspiciosa estação, o inverno terminava e surgia radiante o sol de maneira auspiciosa. Os campos verdejavam e as flores começavam a desabrochar. A Natureza se descortinava em maravilhoso esplendor revelando a estimulante renovação e continuidade da vida. Mitra, uma divindade de origem persa ou indiana, era supostamente o deus do sol que regia a prodigalidade da natureza. O
imperador Diocleciano, séculos atrás, havia oficializado o dia do benfazejo deus pagão para os romanos o cultuarem e divertirem-se festivamente. Foi oportuna e feliz a decisão do papa João I. De uma só vez uniformizava o dia da comemoração natalina, substituindo um benfazejo costume pagão de longa data, mas incoerente com a crença cristã dos novos tempos. O povo aceitou com facilidade a novidade. O teor das comemorações mudou, mas continuaria existindo uma tradicional festa religiosa que seria difícil de extinguir mediante um ato autoritário. Mitra saía de cena furtivamente e entrava glorioso o Filho de Deus, Jesus Cristo, sem maior contestação por parte dos romanos. A Natureza generosa parecia confundir ambos ao beneficiar graciosamente a vida de maneira geral.
CAPÍTULO 2
A MORTE DE HERODES Herodes, o Grande, morreu em 4 a.C. deixando um vácuo político a ser preenchido sob a tutela de Roma. Então nos deparamos com um povo que vivia amargurado sob o jugo imperial. O descontentamento contra os dominadores era flagrante e perigava tornar-se ostensivo. O perigo de eclodir uma revolta pairava no ar, apenas sustado pelo temor à magnitude do poderio militar romano. O imperador sentiu que dificilmente entre os filhos de Herodes acharia um substituto à altura do pai para perpetuar o domínio imperial. Como vimos anteriormente, o carismático judeu de origem iduméia ganhou a coroa por beneplácito de César. Em troca, reinou respeitando os interesses de Roma e sempre se portando com fidelidade quanto às honras e aos tributos devidos. Não obstante a insatisfação dos judeus que sempre o olharam com reservas, um adepto circuncidado do judaísmo não feria tanto a suscetibilidade popular. Apesar dos pesares, era um rei judeu. Pior seria a hipótese de serem governados diretamente por um romano. Por esse simples motivo Herodes não enfrentou qualquer insurreição de cunho popular. Mesmo convivendo com fatores tão adversos, conseguiu administrar com notável sucesso. Executou obras magníficas, inclusive uma cidade, Cesárea, nominalmente em homenagem ao imperador. César ficou bem satisfeito e nunca se queixou do idumeu. A associação romano-judaica, sob um ponto de vista pragmático, havia alcançado pleno sucesso e beneficiou ambas as partes. Infelizmente, um nacionalismo fanático, fermentado na misantropia judaica e acirrado pelos zelotes, iria por tudo a perder da maneira mais trágica possível. A notícia da morte de Herodes foi um contratempo que deve ter contrariado o imperador. O comandante militar da guarnição romana passou a responder pelo governo da Judéia enquanto Roma estudava qual seria o melhor esquema político a adotar. Os judeus descontentes julgaram que surgira a oportunidade única e tão sonhada para livrarse do jugo romano, devido ao vazio político causado pela saída repentina de Herodes. Os zelotes, pertencentes à facção rebelde, sempre conspirando em latente revolta, não tardaram a botar as unhas de fora. Julgaram estar pronto o cenário favorável para desencadearem uma violenta insurreição que os livrariam do jugo romano. Inicialmente, favorecidos pelo fator surpresa, obtiveram algum sucesso, derrotando a pequena guarnição romana. Entretanto, a reação violenta de Roma não tardaria. Varo, o governador da Síria, mandou reforços urgentes para reprimir os revoltosos e foi bem sucedido. No final da luta, o Templo de Jerusalém acabou sendo incendiado pelos romanos e morreram milhares de judeus. Os amotinados foram forçados a render-se incontinenti às tropas romanas, melhor preparadas militarmente. A vingança romana revelou-se terrível como de costume. Mais de dois mil participantes da rebelião foram crucificados ao longo
das vias dando ensejo a um apavorante cenário. Foi uma punição exemplar cuja tétrica lembrança arrefeceria os mais afoitos por décadas. Herodes havia deixado um testamento político a ser validado pelo imperador. Nele, reservava a maior parte do reino e o título de rei ao filho mais velho, Arquelau, entretanto César Augusto achou por bem não lhe conceder o título de rei. Nenhum dos Antipas usufruiria o prestígio gozado pelo pai. O imperador preferiu a formação de uma tetrarquia. Aquela província problemática, de caráter turbulento e inamistoso, deveria ser dividida entre os três filhos do rei falecido. Era a antiga tática de dividir para dominar. Não obstante, Augusto queria manter um esquema semelhante ao que obtivera evidente sucesso com o velho Herodes. Ele se mantivera fidelíssimo a Roma. Imaginava-se que os filhos teriam a sensatez de agir da mesma forma. A dinastia dos asmoneus já era carta fora do baralho porque não conseguira aceitar a suserania plena de Roma. Foi prevista outra vantagem na divisão do reino. Cada governante teria pela frente uma administração de menor complexidade. Afinal, seria improvável que tivessem herdado o notável talento político do pai. A ideia era minimizar prováveis insurreições mercê de um controle mais fácil. E havia o aspecto positivo de cessar as brigas desgastantes pelo espólio entre os herdeiros do rei cujos desentendimentos já perigavam conturbar a Judéia. A decisão imperial desagradou em cheio os judeus que odiavam a dinastia herodiana. Paradoxalmente, uma delegação de cinquenta notáveis viajou a Roma para implorar que os livrassem dos idumeus. Alegaram preferir a administração romana, tão grande era o ódio contra a dinastia herodiana. César não lhes deu ouvidos. A fidelidade do bem sucedido Herodes angariara a confiança de Roma que preferia dar continuidade à dinastia em exercício. Decerto considerou que a oposição judaica devia estar sendo manipulada pelos malvistos asmoneus. Em 4 a.C. Arquelau foi designado para a Judéia. Infelizmente, em Jerusalém se concentravam os focos principais do descontentamento popular. Querendo mostrar pleno comando da situação, tentou imitar a truculência pai, mas o fez de um modo desastrado. Aniquilou os inimigos com tanta brutalidade que acabou por exceder o senso comum. Apesar da violenta repressão, mostrou-se incapaz de manter a tranquilidade ao agrado de Roma. Não conseguiu sufocar a tenaz oposição dos contestadores de sempre. Em represália, alguns judeus poderosos foram queixar-se ao imperador alegando ale gando que Arquelau era excessivamente prepotente, arbitrário e brutal. Devem ter apresentado argumentos razoáveis, uma vez que o próprio imperador deixou-se persuadir. César Augusto mandou destituir e exilar Arquelau em Vienne, cidade próxima a Lyon, na Gália. César decide governar a Judéia por meio de um procurador de sua inteira confiança, em decorrência da interferência judaica anti herodiana. Um oficial romano foi nomeado, estabelecendo-se por longos anos o sistema político que se mostraria mais antipático do que nunca aos eternamente insatisfeitos judeus. O procurador romano ficaria subordinado diretamente ao governador da Síria. Então, a Judéia passa a ser um distrito vassalo desta importante província imperial. Vai iniciar-se a tendência política imperial a favor de uma gradativa substituição dos filhos de Herodes por oficiais romanos. Herodes Antipas, o verdugo de João Batista, ficaria no poder até 39 d.C. quando seria destituído e exilado por declarar-se rei sem consentimento de Roma. O irmão Herodes Felipe morreria em 33-34 d.C. encerrando-se mais uma tetrarquia.
No fim das contas, a fracassada rebelião eclodida em Jerusalém após a morte de Herodes, o Grande, só serviu para agravar o jugo implacável de Roma. Acirrou os ódios e aumentou as tensões existentes, em particular na Cidade Santa onde se encontrava o Templo Sagrado, o centro espiritual do judaísmo. A presença romana, agora mais efetiva, representava uma abominação pagã, uma afronta ultrajante ao Deus Único invisível e ao seu Santuário. Em nenhuma outra parte do extenso império dos césares, um povo submetido nutria ódio tão cáustico aos seus senhores. Os judeus negavam-se ostensivamente a serem amistosos ou pelo menos conciliatórios com os romanos. Judeus e romanos, em contato direto sem a mediação atenuadora dos príncipes idumeus, agravariam um contínuo desgaste. O confronto crescente entre as duas culturas mostrar-se-ia irreconciliável. Romanos e judeus, daí por diante, estariam trilhando uma rota inevitável de trágica colisão. Os governadores romanos olhavam com desdém as mil particularidades da religião judaica, para desgosto dos dominados. Isto, apesar das ordens sensatas de um pragmático Tibério, sucessor de Augusto, a favor de um convívio tolerante com os judeus. Agravando o delicado equilibro de poderes, Calígula, o tresloucado imperador não manterá a sábia prudência de Tibério, o César precedente e seu pai adotivo. Em 40 d.C. exigirá que sua estátua seja introduzida no Templo de Jerusalém. O objetivo era eliminar qualquer manifestação da individualidade cultural judaica de uma vez por todas. Felizmente para os judeus, Calígula foi assassinado logo a seguir devido ao seu comportamento bizarro e tresloucado. Cláudio, o novo imperador, preferiu tratar a Judéia com mais prudência e respeito, uma louvável tentativa de apaziguar os espíritos conturbados. O exercício do poder sobre os povos requer que se conjugue a força militar com apurada compreensão da psicologia dos dominados de modo a atenuar um natural descontentamento, a fonte de possíveis insurreições. O primeiro procurador da Judéia, agraciado com o título de prefeito, enfrentou uma revolta contra o imposto por cabeça, a capitação, sob a liderança de Judas de Gamala (o Galileu). A taxa fora fixada em um denário, um valor inferior ao cobrado no Egito, visando decerto facilitar o pagamento pelos judeus, muito mais refratários aos tributos romanos. O Egito, por outro lado, era uma província mais rica. Em 6 d.C. Quirinius, governador da Síria, ordenou um recenseamento para avaliar o potencial monetário. Esta medida ordenada, segundo o Evangelho de Lucas, obrigou São José e Nossa Senhora a viajar de Nazaré para Belém, onde nasceria o Menino Jesus. Estabeleceu-se igualmente um imposto sobre a propriedade, o tributum soli, soli, de 12,5%. Este tributo pesaria sobre todos os donos de terra, obrigados a dar-lhes uma parte da produção. Foram acrescentados às alfândegas internas, concessões e pedágios estabelecidos antes por Herodes. Os romanos preferiam aproveitar as instituições existentes nos países e povos dominados. Esses bem sucedidos conquistadores permitiam uma relativa autonomia aos nativos até onde fosse compatível com os interesses de Roma. Entretanto, os Césares sabiam que os judeus não constituíam um povo dócil e submisso. Os imperadores não seriam reconhecidos jamais como semideuses, os pretensos representantes vivos da divindade máxima pagã - Jupiter Invictus.
Tibério estava ciente de que manifestavam exacerbado repúdio aos romanos. Era um ódio gratuito externado de modo arrogante daqueles que se julgavam um povo eleito por Deus e, portanto, merecedor de prerrogativas especiais. Se havia somente um deus - o Deus de Israel - o domínio romano sobre os judeus pecava por blasfêmia. O imperador, apesar dos pesares, sendo um homem razoável e pragmático, preferia tolerar as arraigadas convicções religiosas judaicas, desde que aceitassem sem maiores contestações a suserania imperial. Revelando perspicaz descortino político, declarava aos seus oficiais que se devia saber tosquiar a ovelha sem degolá-la. Assemelha-se à velha fábula da galinha dos ovos de ouro. É de bom senso tratá-la com todo cuidado para tirar duradouro proveito. Acabar com a fonte de lucro é insensatez. E a Judéia dava uma boa renda aos romanos. Era uma máxima aplicável a todo império. No mundo judaico, a habilidade para tornar efetiva a política adotada por Tibério mostrar-seia falha. Neste caso, a teoria viria a ser suplantada por uma realidade aleatória à vontade de Roma. Em determinado momento crítico crítico daria margem à explosiva explosiva rebelião judaica de 66 d.C. Tácito, famoso escritor romano, registrou com ácido criticismo que os judeus “confrontam o resto do mundo com o ódio que se reserva aos inimigos”. Ele resumiu com precisão o motivo do choque das duas culturas diametralmente opostas quando escreveu: “para os judeus são profanas todas as coisas que temos como sagradas”. Contrariando o senso comum da época, embora dominados pelos romanos, assumiam uma atitude de superioridade que chocava os conquistadores, há muito acostumados a serem tratados com deferência, senão lisonja, por todo império. Um judeu limitava-se a se relacionar com os romanos por imposições funcionais, mas se abstinha de qualquer gesto cordial que criasse um clima amistoso ou conciliatório. Um filho de Abraão jamais aceitaria ou convidaria um romano para uma confraternização em sua moradia ou qualquer outro lugar. Na verdade, nem aceitava um simples aperto de mão, evitando mesmo tocá-lo por descuido. Os Evangelhos confirmam esse procedimento de natureza hostil. São João conta que os judeus não entraram no pretório durante o julgamento de Cristo temendo “contaminar“contaminar se”. Mesmo São Pedro, o discípulo discípulo maior, apesar do ensinamento do Mestre sugerir exatamente o contrário, ainda precisou vencer um enraizado constrangimento. Seguindo orientação divina, o Apóstolo se dirigiu à casa do centurião Cornélio. O romano era homem “piedoso e temente a Deus com toda sua casa, e que fazia muitas esmolas ao povo e de contínuo orava a Deus”. (Atos 10.2). Apesar das enaltecedoras virtudes do oficial, Pedro se vê obrigado a esclarecer aos presentes o caráter de exceção da visita: “Bem sabeis o quanto é ilegal a um judeu um judeu ajuntarse ou mesmo aproximar-se aproximar-se de alguém de outra nação”. A reunião amistosa com os gentios representava uma quebra da concepção tradicional, constituindo uma iniciativa de caráter herético. Explicaria um dos motivos pelo qual o cristianismo nascente foi rechaçado ferreamente por um judaísmo que abominava visceralmente o proselitismo. Iria permanecer como uma expressão religiosa nacionalista, voltada unicamente ao povo hebraico. Os gentios continuariam sendo olhados como elementos estranhos e perturbadores ao fechado mundo de Abraão. Os legados romanos sempre se viram perplexos diante de uma insultuosa atitude daqueles impertinentes semitas que acreditavam servir à religião verdadeira e aferravamse a preconceituosos tabus religiosos. O procurador romano e seus oficiais logo de cara
percebiam a clara hostilidade do ambiente judaico e sentiam, por sua vez, uma natural antipatia. Era difícil mostrar-se magnânimo diante daquela inimizade declarada. Flávio Josefo narra que Pilatos primou em “demonstrar seu desprezo pelas leis judaicas”. É um indício relevante que explica a atitude futura do legado ao desprezar as acusações exageradas e distorcidas dos sacerdotes do Templo de Jerusalém contra Jesus. Sabia que era flagrantemente inocente. A tolerância com os judeus no império chegava a constituir uma exceção. Conseguiram às vezes isenção do serviço militar por respeito aos seus interditos de natureza religiosa. Não queriam participar junto com os romanos das refeições, nem comer os mesmos alimentos. Estes deviam ser selecionados e preparados de modo especial em obediência a rigorosos preceitos religiosos. Agravando a antipática postura, negavam-se veementemente a prestar juramento a Júpiter Invictus, simbolizado pelo sol, e a cultuar o imperador. E como se fosse pouco, também se negavam a participar das competições esportivas por causa da nudez dos atletas, um costume grego que não via malícia na mera exposição do corpo. Em suma, os judeus teimavam em andar na contramão da tradição cultural grecoromana em todos os sentidos. Na verdade, sempre estariam em rota de colisão com todos os povos com quem entraram em contato. Desde a designação do primeiro procurador, um pouco depois da morte de Herodes, o Grande, a Judéia foi governada ao longo de três décadas por uma série de legados romanos. A principal preocupação desses governantes resumia-se em esmagar sem compaixão alguma qualquer revolta judaica contra o domínio de Roma. O exercício do poder romano na Judéia era uma oportunidade única de enriquecimento pessoal. Alguns legados, instigados pela ganância, estipulavam impostos altos que pareciam uma forma de confisco aos judeus. Agravando a situação não havia um método de taxação coerente que permitisse aos judeus saberem o que deviam contribuir sob um razoável senso de justiça. Os romanos escolhiam os cobradores de impostos dentre os próprios judeus para amenizar a impopularidade do ato, evitando um desgaste maior à imagem imperial. Por isso, vemo-los exercendo normalmente a detestável função conforme nos confirma o Novo Testamento. Os compatriotas dedicados a esta tarefa antipática eram chamados de publicanos. Eles tendiam a amealhar mais do que deviam em benefício próprio e, por isto, eram odiados e desprezados pela população. Não passavam aos olhos do povo de coniventes traidores. traidores. Os zelotes aproveitavam-se do clima clima de ódio para acirrar o antagonismo contra os romanos. Josefo escreve que “lançavam no rosto das pessoas que elas eram covardes porque consentiam em pagar tributo a Roma e toleravam senhores mortais, mortais, depois de ter Deus por seu Senhor”. Há nos Evangelhos algumas passagens que retratam a cupidez dos corruptos publicanos. Alguns deles procuraram São João Batista para serem batizados. Queriam também uma orientação espiritual do precursor do Messias e perguntaram-lhe: perguntaram-lhe: “Mestre, que havemos de fazer?” João sabia muito bem qual era o pecado capital deles e deu-lhes deu-lhes uma incisiva e lacônica resposta: “Não cobreis mais do que o estipulado”. O episódio de Zaqueu, o publicano, é particularmente ilustrativo. (Lucas 19.8). Jesus, sem ligar para o murmúrio dos maledicentes, hospedou-se com os discípulos na casa do “maioral dos publicanos”. Zaqueu era um destacado chefe dos cobradores de impostos. Um homem muito rico em decorrência da lucrativa função. Apesar de ter vivido a extorquir os
conterrâneos aproveitando-se do cargo, o contato com o Messias leva-o a cair em si, arrependendo-se dos desmandos da sua cobiça desmedida. Assumindo sincera e radical mudança de conduta, diz-lhe diz-lhe contrito: “Senhor, resolvo dar aos pobres a metade de meus bens; e, se, nalguma coisa tenho defraudado alguém, restituo-lhe restituo-lhe quatro vezes mais”. Ouvindo-o, Ouvindo-o, Jesus dá-se dá-se por satisfeito e declara: “Hoje houve salvação nesta casa, pois que também este é filho de Abraão. Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o perdido”. A partir daquele momento, Jesus considerou-o considerou -o digno da simpatia e respeito dos demais, voltando a fazer parte efetiva da família de Abraão, isto é, da nação judaica. É um belo exemplo da autoridade espiritual de Jesus Cristo junto ao povo que reconhece nele um profeta enviado por Deus. Zaqueu, por causa do contato profícuo com o Mestre, assume uma mudança radical em seu modus vivendi espúrio. Abandona de imediato a avareza egoísta que o dominava e assume amorosa generosidade com os semelhantes. Os romanos favoreciam Jerusalém com excelentes serviços de utilidade pública e às vezes se mostravam benevolentes. O mundo judaico nem por isso deixava de considerá-los uns vis exploradores. Em uma narrativa talmúdica, Deus pergunta aos dominadores o que fizeram de bom pelos judeus. Os romanos jactaram-se jactaram-se dizendo: “Senhor do Mundo! Criamos mercados, muitas casas de banho, multiplicamos o ouro e a prata; tudo o que fizemos foi para o bem de Israel, para que gozem da liberdade necessária ao estudo da vossa Lei. Disse-lhes Deus: Tudo o que fizestes, vós o fizestes apenas para vosso bem. E a prata é minha e o ouro é meu”. (Hagai 2.8). Os romanos ficaram perplexos com as palavras, retirando-se frustrados. O ódio incontido aos romanos fazia parte do espírito nacional, uma manifestação natural de um povo avesso aos gentios de maneira geral, particularmente àqueles que o subjugavam. Em um livro apócrifo, os Oráculos Sibelinos, escrito algumas décadas antes de Jesus, implora-se com ardor pela vinda de um poderoso Messias contra Roma. Ele tornaria realidade as suas aspirações comuns de vingança e glória ao implantar um reino secular: “Um rei santo virá e reinará sobre todo o mundo - e então a sua ira recairá sobre o povo do Lácio, e Roma será inteiramente destruída. Ó Deus, envia uma torrente de fogo do céu, e faze com que os romanos pereçam, cada um em sua casa. Ó pobre e triste de mim! Quando chegará o dia, o dia do julgamento do Deus eterno, do grande rei?”.
CAPÍTULO 3
PÔNCIO PILATOS E OS JUDEUS Vimos no capítulo anterior a descrição do cenário de ódios antagônicos encontrado por Pôncio Pilatos ao ser nomeado governador da Judéia em 25 d.C. De acordo com o relato do Evangelho de Lucas (3.1), (3.1), Tibério era o imperador: “Herodes, tetrarca da Galiléia, seu irmão Felipe, tetrarca da Ituréia e da província de Traconites, seu irmão Lisanias, tetrarca de Abilina, e os sumos sacerdotes eram Anás e Caifás”. Anás e Caifás chefiavam o Templo em Jerusalém, jurisdição do legado romano. O Sinédrio participava do governo da Judéia sob a tutela e vigilância de Pilatos, o procurador de César, seu título oficial. Complicando o cenário político, era um estado híbrido porque possuía dois sistemas judiciários, o judaico e o romano. A escolha da jurisdição dependia do tipo de crime e por quem, judeu ou romano, foi cometido. Em caso de dúvida, a decisão cabia à autoridade romana. Veremos que no julgamento de Jesus, Pilatos procura de início desvencilhar-se da desconfortável responsabilidade de juiz e tenta descaracterizar da jurisdição romana o crime de que acusam o réu. O antecessor de Pilatos foi Publius Lentulus, senador romano, que também governou a Judéia. Não só conheceu Jesus, mas deixou uma interessante carta inscrita em folha de cobre, encontrada no interior de um vaso nos arquivos do Duque Cesari. Atualmente faz parte da biblioteca biblioteca da Ordem dos Lazaristas de de Roma. Nela, Lentulus dirige-se ao imperador Tibério César, tecendo interessantes considerações a respeito de Jesus. Diz a missiva: “Estou sabendo de que desejais conhecer a personalidade de quem vou narrar. É um homem de grandes virtudes, chamado Jesus pelo povo. Em verdade, ó César, cada dia ouve-
se coisas maravilhosas a seu respeito; ressuscita os mortos e cura os enfermos, em uma só palavra. Há tanta majestade em seu rosto que aqueles que o vêm são forçados a amá-lo ou temê-lo. A barba é espessa, mas semelhante aos cabelos, não muito longos, separados pelo meio. Seu olhar é grave e afetuoso; tem olhos expressivos e claros. Faz-se amar e é alegre com gravidade. Diz-se que nunca ninguém o viu rir ou chorar. Das letras faz-se admirar de toda a cidade de Jerusalém; ele sabe todas as ciências e nunca estudou nada. Caminha descalço e sem coisa alguma à cabeça. Muitos se riem vendoo assim, porém em sua presença, falando com ele, tremem e o admiram. Alguns judeus o têm como divino e muitos me querelam, afirmando que é contra a lei de Sua Majestade. Eu sou grandemente molestado por estes malignos hebreus. Diz-se que este Jesus nunca fez mal a ninguém, mas ao contrário, aqueles que o conhecem afirmam ter recebido grandes benefícios à saúde, porém à sua obediência estou prontíssimo e o que Sua Majestade ordenar será cumprido. Seu fidelíssimo e obrigadíssimo Publius Publius Lentulus, presidente da Judéia”. Obviamente, estas declarações do ilustre nobre romano, sempre foram recebidas com ceticismo pelos judeus que consideram a carta forjada, um relato duvidoso fruto do fervor religioso de padres católicos ansiosos por enaltecer a figura de Jesus Cristo. Note-se a observação do procurador afirmando que Jesus tinha os “olhos expressivos e claros”. Expressivos haviam de ser, mas olhos claros não seriam comuns nos hebreus, um povo semita. Vemos, portanto, que o clima psicológico da Judéia era normalmente tenso. Os dominados consideravam-se oprimidos pelo poder romano e suportavam de má vontade um jugo considerado humilhante. Os coletores de impostos, os publicanos, somente faziam aumentar o ódio do povo. Eram judeus olhados pelos de sua raça com raiva e desprezo. Habitualmente cobravam mais do que o estipulado em benefício próprio. O inevitável choque cultural entre dois mundos antagônicos, duas culturas diferentes e irreconciliáveis, tendia a acirrar-se ao longo dos tempos, perigando alcançar um ponto intolerável aos judeus. O famoso senador e orador romano Cícero fez uma sagaz observação: “o poder político perdura enquanto for aceito de fato. Para isto acontecer tem que apresentar vantagens aos dois lados: governantes e súditos”. súdi tos”. Os judeus, no íntimo, nem se consideravam súditos de Roma. Aviltados na fé e explorados no bolso, não escondiam o seu descontentamento por viverem sob o tacão romano. Em 26 d.C. Pilatos, mal assumiu o governo, desprezou as convicções religiosas dos judeus. Pretendia mostrar logo de cara quem realmente mandava dando uma lição exemplar aos supersticiosos nativos. Num ato de homenagem a César, introduziu estandartes com sua imagem no Templo de Jerusalém, além de espalhá-los por vários pontos da Cidade Santa. Segundo alguns estudiosos, os estandartes foram colocados à noite para que somente ao amanhecer a população deles tomasse conhecimento. Supunha que se conformariam ante um fato consumado. Uma presunção que se mostrou caótica. A atitude do novo governador representava uma grave afronta às suas crenças, embora não passasse de um antigo costume romano a representação do César deificado em esculturas, pinturas, gravações em monumentos, insígnias, estandartes e bandeiras. O Decálogo estatui que “não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima, nem embaixo na terra”. (Êxodo 20.4). (Deuteronômio 5.8). Na
realidade, a atitude de Pilatos era comum nas nações submetidas aos romanos, sem maiores problemas. Os símbolos serviam simplesmente para ratificar o domínio imperial. O problema era que os judeus se consideravam uma exceção à regra. Não aceitariam submeter-se aos abusos romanos no tocante aos preceitos religiosos. A fidelidade constante ao Deus único era um inarredável baluarte da fé e identidade nacional, consideradas já por demais aviltadas. Assim, viviam na esperança de libertação quando da vinda do Messias salvador. A indignação acirrou os ânimos dos judeus. Em Jerusalém, uma multidão indignada reuniu-se numa exacerbada manifestação de protesto. Após exaltadas deliberações, marchou rumo à sede do legado romano em Cesárea. Aí chegando, os judeus lotaram o enorme estádio da cidade. A seguir imploraram ao governador, em meio a enorme alvoroço, que retirasse imediatamente os símbolos heréticos da Cidade Santa. Um irado Pilatos rechaçou aquilo que considerou uma atitude afrontosa gratuita, negando-se com veemência a atendê-los. Em revide, a furiosa turba teimosamente recusou-se a sair do estádio e os ânimos foram crescendo em flagrante afronta ao legado romano. Os manifestantes se prontificavam às últimas consequências, declarando aos gritos que preferiam morrer estoicamente a tolerar a sacrílega violação contra Iahveh, o Deus de Israel, na própria Cidade Santa. As dimensões da manifestação atingiram tal gravidade que Pilatos entendeu que estava prestes a perder o controle da situação. Aliás, um ponto altamente negativo para um governador recém-chegado, segundo uma ponderada apreciação de César. Receoso, voltou atrás, único meio de contornar a inoportuna crise sem apelar para uma sangrenta e indesejável repressão. O movimento evidenciava a efervescente insatisfação popular. A situação radicalizando-se perigava desaguar em contestação de vulto incontrolável. Certamente, o fato de estar iniciando o seu governo levou-o a reconsiderar. Pilatos sabia muito bem que ao imperador não convinha acirrar os ânimos judaicos. Seria mais sensato evitar um massacre de pouco proveito. Afinal, o que realmente contava eram os tributos devidos que estavam sendo pagos normalmente. Devido à proporção do incidente, talvez o novo procurador tenha consultado o imperador. Seria conveniente usar a força bruta para debelar a manifestação ofensiva aos brios romanos e ao próprio César? Certamente, a resposta seria negativa. Um orgulhoso Pilatos viu-se constrangido a concordar com a retirada dos estandartes, trazendo-os para Cesárea. Flávio Josefo vivia em Roma sob os auspícios do imperador quando narrou o incidente. Ele mesmo, sendo um judeu, narra o fato de uma maneira maneira delicada, capaz de sensibilizar os leitores romanos: “Pilatos não pode deixar de admirar tal firmeza na observância da lei, dando ordens para que os estandartes fossem levados de volta para Cesárea”. Na verdade, um frustrado Pilatos quase explodiu de t anta anta raiva e sua aversão aos filhos de Abraão acentuou-se mais ainda. O episódio mostra que não interessava aos romanos entrar em choque com os judeus apenas por motivos religiosos. A tolerância religiosa fazia parte da política imperial de domínio para atenuar um natural orgulho e espírito de revolta latente em toda parte contra o império. Aliás, o paganismo romano era por natureza tolerante com os deuses de outras nações. Em Roma, existia até o culto à deusa Ísis egípcia. Eram tantos deuses que, um a mais ou a menos, não fazia muita diferença. Não causa espanto o fato de São Paulo ter-se
deparado com uma estátua ao deus desconhecido por ocasião de sua incansável pregação pelas cidades gregas. Em outra ocasião, Pilatos convenceu-se da conveniência de ampliar o suprimento d´água de Jerusalém. Precisava com urgência dos recursos financeiros para a obra prioritária e de utilidade pública. O meio mais fácil seria obtê-los das mãos dos sacerdotes do Templo. Sabia da enorme riqueza acumulada ao longo dos anos, oriunda das incontáveis oferendas expiatórias dos peregrinos judeus espalhados pelo mundo antigo. Entretanto, para sua surpresa os sacerdotes não se mostraram receptivos à ideia de prestar-lhe qualquer colaboração. No principio, ainda esperançoso, tentou manter um clima cordial usando argumentos persuasivos. Depois, os ânimos foram ficando tensos. Por fim, evidenciou-se claramente que o Sinédrio não queria contribuir de forma alguma. Nesse caso, tratava-se de beneficiar a cidade com uma obra de interesse da população. A Judéia desfrutava da Pax Romana e Romana e os judeus não precisavam se preocupar com impostos adicionais para manter um exército de alto custo. Não obstante, a liderança sacerdotal considerava os tributos normais pagos a César já onerosos o suficiente para isentá-los de contribuições extras. O pedido pode ter sido considerado uma iniciativa do legado sem ordem explícita ou pelo menos autorização do imperador. Talvez não quisesse o Sinédrio abrir um precedente, dando margem a outras solicitações orçamentárias. Ademais, não gostavam de Pilatos e nem queriam prestigiá-lo. E, como última hipótese, não se pode descartar a possibilidade de serem avarentos e egoístas. Aliás, há testemunhos judaicos neste sentido. Outro aspecto é que os sumos sacerdotes só se motivariam a apoiar qualquer obra cuja ideia partisse do próprio Sinédrio e eles fossem os executores. Não queriam ajudar os dominadores sem ganhar um justo mérito junto à população. Acrescente-se que o dinheiro do Templo entregue ao governador seria controlado por ele próprio, dando margem a um oportuno favorecimento pessoal. E os membros do Sinédrio não confiavam nem um pouquinho na honestidade de Pilatos. Herodes Agripa I, rei judeu que governou após Herodes Antipas, seu pai, de 41 a 44 d.C. e foi pai de Berenice, amante do futuro imperador Tito, em uma carta a Gaio, filho adotivo e sucessor de Tibério, aproveitou a oportunidade para criticar Pilatos, dizendo que “ele era naturalmente inflexível”, dado a “atos de corrupção, de insulto e rapina, de ultrajes ao povo, de arrogância, assassinato de vítimas inocentes e da mais violenta selvageria”. Descontados os excessos por ser a opinião controversa de um príncipe judeu sobre o legado, fica evidenciado que Pilatos não gozava da fama de honesto, pelo menos segundo o juízo dos dominados. Por fim esgotou-se a paciência de Pilatos, já intolerante por natureza. A exasperante negativa do sumo sacerdote soava como um insulto pessoal, uma prova de má vontade e flagrante avareza da elite do Sinédrio. Será que não entendiam que o pedido do governador era uma ordem? Irritado, mandou apreender o numerário necessário, retirando-o do tesouro guardado tão ciosamente no Templo. Os sacerdotes surpreenderam-se com a súbita demonstração de força e sentiram-se espoliados. Por isso, externaram indignação suficiente para insuflar o povo que se dirigiu ao Templo em evidente e vidente estado de rebelião. Desta vez, entretanto, o motivo da questão não era assunto de fé, mas dinheiro. Pilatos usou um estratagema original. Mandou os soldados disfarçados à paisana, porém armados de porretes se infiltrarem na turba revoltada. A um sinal, iniciaram um ataque de
surpresa, ferindo muitos, matando alguns e dispersando-os finalmente. Assim, de modo brutal debelou-se com sucesso a manifestação judaica. Possivelmente, o imperador Tibério deu ordens para agir com prudência, evitando o uso de tropas armadas. Chocantes morticínios só agravariam a situação. Pilatos, então, partiu para uma tática singular, sem caracterizar o emprego de tropas armadas, mas capaz de dispersar os manifestantes com um “mínimo” de violência. O legado regozijou-se regozijou-se decerto com a desforra obtida no segundo entrevero com os caprichosos judeus. Durante a construção do aqueduto ao que parece ocorreu o episódio da torre de Siloé que é citado por Jesus. (Lucas 3.4). Morreram vários trabalhadores quando a torre caiu. Havia sido feita com o objetivo o bjetivo de construir o referido aqueduto. Segundo a tradição, houve sabotagem por parte de pessoas interessadas em desprestigiar Pilatos. Provavelmente, membros do Sinédrio ou o próprio Herodes, o que explica a origem da inimizade entre ambos, como nos revela o Evangelho de Lucas. Essa história da construção do aqueduto, além das vidas perdidas, ainda iria render tremenda dor de cabeça a Pilatos. Irritado, o legado resolveu proclamar um imposto adicional para cobrir as despesas com os prejuízos do desabamento cuja causa dolosa atribuiu aos judeus. Um tal de Judas de Gaulons galvanizou o descontentamento popular diante da cobrança do novo tributo e liderou uma pequena revolta. Quando estavam ofertando no Templo, Judas e seus seguidores foram massacrados pelos soldados romanos. Herodes ficou exasperado contra Pilatos por causa do morticínio, uma vez que o tetrarca se opunha à construção do aqueduto. De outra vez, Pilatos sufocou uma insurreição dos zelotes, sempre dispostos a lutar, mesmo com o sacrifício da própria vida, para expulsar os romanos. A avaliação imprudente destes eternos rebeldes quanto ao poderio do império levaria futuramente a nação judaica à derrocada final. Alguns dos zelotes mais extremados ficaram conhecidos como sicários por causa dos punhais que escondiam nas vestes. Nas festividades, usavam-nos de forma sorrateira contra os inimigos, inclusive judeus considerados traidores do povo. Certamente, eram ainda em pequeno número, uma vez que a guarnição romana local foi suficiente para sufocar a rebelião na Galiléia e, extravasando uma vingança profana, misturar o sangue dos mortos ao sacrifício ritual que estavam realizando. Este episódio narrado por Josefo é também corroborado por Jesus. ( Lucas13.1). Os atritos, Pilatos versus judeus, causavam uma renhida disputa em que ele saía perdendo às vezes, mesmo sem ter tido intenção provocativa. Foi quando mandou colocar escudos dourados com a inscrição do imperador, mas sem sua imagem para evitar os melindres judaicos, no palácio construído por Herodes, em Jerusalém. O palácio já havia servido de residência a inúmeros governadores romanos. Era um prédio secular, sem conotação religiosa, não existindo motivo para um antagonismo gratuito. Herodes Antipas reinava na Galiléia e, como seu falecido pai, Herodes, o Grande, vivia tentando ganhar a simpatia da elite sacerdotal para provar que era tão judeu quanto eles. Aproveitou a oportunidade para apoiar as críticas dos ressentidos sacerdotes, mandando um grupo de quatro príncipes herodianos apelar pessoalmente ao governador. Os escudos deviam ser retirados para evitar um ato provocativo. Não valia a pena incitar o povo à revolta ferindo seus sentimentos religiosos. Tentando demovê-lo, informaram ao legado que os inconformados sumos sacerdotes mostravam-se dispostos a apelar para Roma, caso não os atendesse.
Pilatos mostrou-se irredutível, disposto a manter sua autoridade. Achava-se com a razão e imaginava que o imperador lhes faria pouco caso. Afinal, os escudos ostentavam a inscrição imperial. Enganou-se redondamente porque um pragmático César iria dispensar aquelas homenagens supérfluas e desvantajosas. As autoridades judias cumpriram a ameaça, enviando a Tibério uma carta expondo a humilhação gratuita que o seu legado os submetia. Desta vez, o próprio César posicionou-se contra Pilatos. Escreveu-lhe uma carta de censura contra o ato inútil aos interesses romanos. Resumindo, uma atitude politicamente inábil que não era de se esperar de um procurador astuto. Devia-se tentar conviver o mais cordialmente possível com os judeus. Deste modo, Roma priorizava uma política tradicional de estudada generosidade e indulgência para minimizar as naturais explosões de ódio, origem de onerosas repressões que só traziam aborrecimentos sem proveito ao erário romano. É o que se denomina hoje de custo-beneficio desfavorável. O episódio sugere que Herodes Antipas continuava desfrutando do prestígio herdado do pai, junto a Tibério. O incidente esclarece a indecisão e dubiedade de comportamento de Pilatos no julgamento de Jesus Cristo. Saindo chamuscado nesse entrevero com Herodes e os sacerdotes do Templo, daí em diante convenceu-se da conveniência política de manter um relacionamento brando e perspicaz com o stablishment judaico. Convinha-lhe não melindrar os pruridos religiosos dos membros membros do Sinédrio. Apesar da tutela romana, ainda era ainda um órgão mantenedor dos múltiplos m últiplos poderes da teocracia judaica. Caso contrário, expunha-se ao risco de receber outra reprimenda do imperador e cair em seu desagrado. Poderia ser destituído do cargo, como aconteceria mais adiante quando, teimosamente, ocasionou rixa semelhante. Havia sido designado por César para o difícil cargo porque possuía uma personalidade enérgica e cruel o bastante para desencadear as medidas mais severas possíveis contra os perturbadores da lei e da ordem pública. No entanto, devia demonstrar o tato de um hábil diplomata em certas ocasiões, aprimorando a arte de conviver com os opostos. No caso, um povo de cultura adversa, cheio de arestas e eternamente insatisfeito. Imagine-se a imensa dificuldade para entender os judeus e fazer-se compreender por eles, único modo de bem governar a Judéia. Um complexo sistema político-religioso que exigia a destreza de um acrobata genial para equilibrar-se com segurança na corda bamba representada pelo caprichoso povo judaico. Seria dificílimo para Roma achar o homem ideal, dono de excepcional talento político. O futuro provaria ser humanamente impossível. O fato é que para sujeitar com o mínimo de tropas e sem maiores atritos a Judéia, os legados romanos precisavam do apoio da classe governamental, composta pela elite do Templo de Jerusalém, os sacerdotes que dirigiam o estado teocrático, detentores pela tradição de enorme influência junto ao povo. Os zelotes olhavam-nos como ultrajantes traidores, pois haviam optado pela conivência com os senhores romanos no intuito de manter o invejável status quo, quo, fonte de poder e riqueza, mas nessa fase os radicais não passavam de fraca e perseguida minoria. Flávio Josefo narra o episódio que levou Pilatos a ser destituído do poder. Em 36 d.C. o legado mandou uma tropa de infantes e cavalarianos atacar um grupo de samaritanos que se dirigiam em procissão ao Monte Gerizim, em Samaria, considerado sagrado desde a separação das tribos de Judá e Israel em decorrência da morte do rei Salomão. Muitos foram mortos e outros feitos prisioneiros. O alto conselho dos samaritanos queixou-se a
Vitélio, governador da Síria, pois a Judéia lhe era subordinada, que considerou procedentes as acusações e designou outro procurador, dando ordens a Pilatos para apresentar-se incontinenti ao imperador. Quando o legado destituído chegou a Roma, Tibério já havia falecido. Eusébio de Cesareia, em sua História Eclesiástica , afirma que Pilatos caiu em desgraça junto ao imperador romano Calígula e cometeu suicídio por volta de 37 d.C. Outro personagem do Novo Testamento, Herodes Antipas, o rei que mandou matar São João Batista, foi deposto em 39 d.C. pelo imperador Calígula. O tetrarca queria o título e status real, já negado desde o início por Roma. O resultado de sua s ua vã ambição foi um merecido exílio nos Pirineus.
CAPÍTULO 4
GUERRAS JUDAICO-ROMANAS Após Pôncio Pilatos seguiram-se outros legados imperiais que, apesar das dificuldades expostas, conseguiram manter o domínio romano sobre os judeus. Estes, julgando-se um povo especial escolhido por Deus, não se conformavam em submeter-se à suserania de Roma como meros vassalos. Em 66 d.C. a Judéia assemelhava-se a um enorme caldeirão fervente, prestes a explodir sem aviso prévio, aquecido ao extremo pelas chamas de novos ressentimentos. Ódios reprimidos iam se acumulando com o passar dos tempos. O povo eleito não se conformava em ter a fé, costumes e tradições submetidos à tutela romana e ainda pagar tributos. Sentia-se ultrajado ao ver a soberania nacional maculada no dia a dia. Finalmente, a tensão contida tão somente sob a ameaça de brutal repressão atingiria o seu ponto crítico. A fúria da revolta romperia os grilhões por curto período, submetendo Jerusalém a um clima apocalíptico. Uma tremenda rebelião estourou neste ano fatídico.
Os moderados provariam que melhor teria sido continuar usufruindo uma convivência pragmática do que aventurar-se em tresloucada sublevação. Seria retratada pela história como a luta inconsequente e insana de uma pequena nação contra um império no auge do poder e glória. O movimento rebelde, apesar dos sucessos preliminares, acabaria sendo incapaz de deter as formidáveis legiões imperiais. A guerra resultou em horríveis massacres e na expulsão da Judéia dos poucos sobreviventes, assinalando outro terrível e doloroso ponto de inflexão da história hebraica - a diáspora romana. Essa primeira guerra judaico-romana iniciada em 66 d.C encerrou-se oficialmente em 70 d.C, com a destruição de Jerusalém e do Templo, deste restando apenas o Muro das Lamentações. Entretanto, em seus estertores prolongou-se até 73 d.C. quando a quase inexpugnável fortaleza de Massada, construída pelo rei Herodes, o Grande, foi finalmente tomada com elevado custo pelos romanos sob o comando de Vespasiano, futuro imperador, secundado pelo seu filho Tito. Temendo entregar-se aos vencedores sedentos de vingança e sofrer horríveis represálias, os remanescentes de Massada optaram pelo suicídio coletivo, o que atesta o cenário de ódios mútuos reinante. A Judeia arrasada, o Templo de Jerusalém totalmente destruído, mais de um milhão de judeus mortos, foi o calamitoso desenlace da fracassada insurreição. Aliás, os judeus se dividiram durante a luta em três facções rivais, cada uma tentando eliminar ingloriamente as duas outras. De maneira inconsequente enfraqueceram o conjunto das suas forças, facilitando a vitória de Vespasiano. Em 115, na época do imperador Trajano, ainda houve nova sublevação das comunidades da diáspora movida por judeus que estavam disseminados pela Cirenaica, Chipre, Mesopotâmia e Egito. Foi sufocada finalmente em 117 pelo comandante romano Lúsio Quieto. Alguns historiadores a veem como a segunda guerra judaico-romana. juda ico-romana. Entretanto, o descontentamento dos inconformados judeus ainda não se arrefecera, visto que os amargos insucessos anteriores não serviram como proveitosas lições. O renitente povo judaico iria insensatamente insurgir-se de novo contra a poderosa Roma. Uma terceira guerra judaico-romana de maior vulto ocorreu entre os anos de 132 e 135, quando Adriano era o imperador romano. Foi liderada por Simão bar Kochba, um homem de personalidade forte e caráter violento, considerado por seus seguidores como o verdadeiro líder davídico. Desta vez, vemos surgir um aguerrido “messias” tão ao gosto do povo de Abraão, ainda saudoso da época gloriosa do rei Davi. Simão era truculento e não titubeou em assassinar num acesso de fúria homicida o próprio tio, rabi Elazar Ha Modai, acusando-o de trair sua ação revoltosa contra os romanos. No final das contas, tudo não passaria de mera quimera como todas as que surgiram ao longo dos séculos. O influente rabi Akiva ben Yossef (50-137 d.C.), líder do Sinédrio estabelecido na cidade de Usha, superestimou as forças insurretas e ficou tão entusiasmado que passou a apoiá-lo apoiá-lo integralmente. Reconheceu nele o verdadeiro “Machiach”(Messias), “Machiach”(Messias), inclusive mudou seu nome para “Simão bar Kokhba” (Filho da Estrela), decerto imaginando que o corpo celeste seria um símbolo auspicioso da almejada vitória. Era o apoio de que Simão precisava para aumentar seu poder e ampliar o número de seus comandados. Os judeus acreditaram ingenuamente tratar-se do personagem ilusório que iria destruir os romanos e levá-los finalmente ao pináculo do poder e da glória, quando reinariam soberanos sobre os demais povos. Inicialmente usufruíram a vantagem do fator surpresa sobre as poucas
tropas romanas existentes, aproveitando-se para trucidá-las, inclusive seus familiares, sem piedade. Um destemido Kokhba, à frente de seus homens, chegou a entrar triunfalmente em Jerusalém, sendo aclamado em delírio por eufórica multidão como o esperado libertador de Israel. Moedas foram cunhadas com os dizeres: “Primeiro ano da libertação de Jerusalém”. Os confiantes revoltosos, ainda que usufruíssem importantes sucessos iniciais, foram ao longo do conflito exterminados brutalmente pelas poderosas legiões romanas. Estas contra-atacaram e retomaram pouco a pouco todas as posições perdidas mediante acirrados combates. Por fim, um acuado Simão foi obrigado a retirar-se para Betar, onde resistiu até meados de 135, quando a fortaleza foi tomada e ele teve a cabeça cortada. Diante do amargor da fragorosa derrota, muitos judeus o responsabilizaram, alegando sua falta de humildade e afastamento dos ensinamentos da Torá. De fato, desde o início havia uma facção contrária ao confronto com os romanos. O rabi Yochonan ben Tursa, um homem comedido, já havia previsto um desenlace funesto para a insurreição, pois criticou previamente seu mentor: “Akiva! A grama crescerá em sua face e o filho de David não terá chegado”. Em 137, o reverenciado rabi foi sentenciado à pena capital, sendo esfolado vivo até a morte. Havia teimosamente perseverado na pregação de um judaísmo intransigente, mesmo após o trágico desenlace final. Ousou desrespeitar afrontosamente a proibição terminante das autoridades romanas. É interessante ressaltar que Akiva era admirado por pregar com grande ênfase o “amor ao próximo”, mas os romanos estavam dele excluídos, já que constituíam outra nação e, ainda mais, eram considerados inimigos viscerais dos judeus. Estes traduziam o “amor ao próximo” limitado ao seu próprio povo, particularmente parentes e amigos, assim se explica o motivo de um rabino considerado até hoje um notável expoente do estudo da Torá ter optado pelo caminho do ódio e da violência - o caminho oposto ao do amor e da paz de Cristo. Rabi Akiva foi um flagrante exemplo de uma religiosidade exacerbada, porém desvirtuada e sem respaldo espiritual, a razão de ter contribuído decisivamente para levar o seu próprio povo ao aniquilamento. Desempenhou o triste papel de um “guia cego conduzindo cegos” ao abismo. Em 135, Adriano, visando acabar de vez com a eterna hostilidade judaica, resolveu arrasar o pouco que restava de Jerusalém e edificar uma nova cidade helênica, a Elia Capitolina. Num golpe final, visando apagar de vez a amarga lembrança judaica, erigiu um belo templo a Júpiter Capitolino. Estima-se que 580 mil judeus sucumbiram nessa última guerra. Depois de sofrer derrotas esmagadoras frente aos romanos em três guerras sucessivas, a nação judaica, que já vivia dispersa em vários países como a Pérsia, Egito e Grécia, somente voltaria a reunir-se no moderno Estado de Israel. E, como histórica sequela do conflito, ainda se encontra em sua maioria espalhado pelo mundo. Tudo poderia ter seguido um benfazejo e desejável rumo se os irredutíveis judeus, em vez de se guiarem por um ódio insano, tivessem escutado as lições de amor incondicional do verdadeiro Messias Jesus Cristo. Infelizmente, não o fizeram, comprovando ser de fato um “povo de dura cerviz”, expressão esta usada em justo em justo desabafo por um desiludido Moisés, já cansado da longa peregrinação pelo deserto e assaz desalentado diante da contumaz teimosia de seus ingratos liderados. Finalmente, havia vislumbrado com os olhos marejados de lágrimas a almejada Terra Prometida.
Um aspecto interessante é que a relação - romanos versus judeus - apresentou ao longo da história facetas contraditórias. Se fizermos um retrospecto, veremos que inicialmente os romanos surgiram aos olhos dos judeus como conquistadores benevolentes e justos. Em Macabeus (8.1), nos deparamos surpresos com a seguinte definição do povo do Lácio: “Ora, Judas ouvira falar dos romanos. Eram, dizia-se, dizia -se, poderosos, mas também benevolentes com aqueles que se alinhavam à sua causa, concedendo sua amizade a todos que o desejassem”. Na verdade, no futuro viria a ser uma descrição real, pelo menos em alguns casos. Herodes, o Grande, foi um exemplo de benéfico pragmatismo proveitoso para ambos os lados. Na política, o amigo de hoje pode ser o inimigo de amanhã e vice-versa. A visão judaica do segundo século a.C. às vésperas do primeiro tratado, entre os vitoriosos judeus insurgentes liderados por Judas Macabeus e os romanos, era cordial e cheia de otimismo. Um relacionamento idílico que iria se deteriorar ao longo dos dois séculos seguintes, rompendo-se definitivamente com a explosiva insurreição na década dos anos sessenta d.C. Na época de Judas Macabeus, um nacionalismo triunfante iniciou com ele próprio a dinastia dos asmoneus, em 142 a.C. Os romanos despontavam como vencedores incontestes sobre o império grego deixado por Alexandre, o Grande, que havia conquistado e submetido a Judéia em 333-332 a.C. Agora era a vez dos romanos que iam surgindo aos olhos dos vizinhos como os novos senhores do mundo mediterrâneo. Ao povo do Lácio, um poder emergente em fase de consolidação, interessava fazer proveitosas relações de amizade, evitando inimigos potenciais que poderiam se aliar aos gregos ainda fortes. Aos judeus, os romanos, então bem distantes da Palestina, surgiam como rivais das poderosas potências que os haviam dominado e por este motivo eram bem-vindos. Acrescente-se que a influência do helenismo fora tida como poluidora da cultura judaica e mal vista pelos conservadores. No futuro, iriam descobrir que a civilização romana, originando-se da grega, formava com ela um amálgama cultural que seria igualmente detestável aos descendentes de Abraão. Roma reconheceu não só Judas Macabeus como sumo sacerdote com autoridade real, mas também a soberania judaica. Daí, os judeus somavam-se aos aliados de Roma desfrutando de invejável independência política. O tratado original entre Judas Macabeu e Roma foi renovado várias vezes. No entanto, em 63 a.C. Pompeu faz da Síria uma província romana. Entra em Jerusalém a pretexto de defender o asmoneu Hircano contra o seu rival idumeu, Antípatro, pai do futuro rei Herodes. O general romano reconhece Hircano II como sumo sacerdote, mas sem título real, com domínio sob a Judéia, Samaria, Galiléia, Peréia e Iduméia. Em Roma, Júlio César confirma Hircano no cargo, referindo-se referindo-se aos judeus como “povo amigo e aliado do povo romano”. Inclusive, instrui para que a religião judaica seja tolerada pelos governadores de província em todo império. É a fase da “Palestina romana”. Ela constituirá um reino aliado e semi soberano desde a conquista de Pompeu até a morte de Herodes, o Grande. Daí em diante, Roma passará a exercer um domínio crescente que irá aos poucos se tornando insuportável aos nacionalistas judeus, particularmente os zelotes. Em 40 a.C., como já vimos, ocorreu uma reviravolta política. Roma prefere apoiar o filho do idumeu Antípatro, Herodes, que se apresentou ao Senado romano para receber o reino judaico ainda por conquistar em detrimento dos asmoneus. Um arrogante Hircano estava adotando uma política por demais independente e pretensiosa em prejuízo dos
interesses romanos. O Senado passou a vê-lo como um inimigo a ser descartado. Seria a grande chance de Herodes, filho de Antípatro, assumir o poder real da Judéia. A partir daí, a dinastia dos asmoneus foi alijada e não mais retornaria ao poder.
Templo de Jerusalém sendo saqueado e destruído pelos romanos. O menorah sagrado de ouro é levado como troféu pelos soldados CAPÍTULO 5
A SOCIEDADE JUDAICA A sociedade judaica vivia na época do domínio romano sob o governo de uma teocracia composta por dois conselhos principais. O grande Sinédrio, palavra oriunda do grego sinedrion sinedrion que significa assembleia, compunha-se de setenta e um membros. Representava a fonte maior de toda jurisdição penal, legislativa e administrativa. Ao pequeno Sinédrio de vinte e três juizes cabia em particular a jurisdição penal. Cabia-lhe julgar qualquer judeu por eventual crime segundo a lei judaica, com exceção da pena capital. Não havia o mínimo interesse das autoridades romanas em interferir em suas decisões, embora dispusessem de força militar e política para tal. A pena capital, por cautela política, foi retirada da jurisdição dos judeus, ficando somente sob a autoridade do governador romano. O grande Sinédrio era um órgão essencialmente legislativo e tratava das questões políticas, religiosas e administrativas. Tratava-se de um estado teocrático de caráter fundamentalista, onde a religião e o governo formavam um todo. O Sinédrio estabelecia as leis em tradicional obediência às leis de Moisés. Durante o julgamento de Jesus Cristo foi o grande Sinédrio que se reuniu para optar pela pena de morte. Quando Roma passou a exercer o papel de dominador da Judéia, surgiu uma jurisdição romana paralela e prevalecente sobre a judaica, porém circunscrita aos crimes contra a lei romana. A jurisprudência dos dominadores se baseava no ius gládio, literalmente jugo literalmente jugo pela espada, o equivalente a direito dos vencedores. Os crimes religiosos, como o de profanar o Shabat ou de mera idolatria, eram considerados uma violação da lei apenas segundo as leis judaicas. Na verdade, segundo a
visão romana nada significavam. A política do império resumia-se em evitar imiscuir-se nas questões de simples crença, olhadas com desdém pelos romanos. Não obstante, em caso de insulto ao imperador, conspiração ou qualquer manifestação contra Roma, seriam tomadas medidas draconianas em obediência ao severo código penal romano. Em situações dúbias, convinha discernir com bom senso, cabendo à autoridade romana a definição final. São Paulo, possuindo a cidadania romana, recorreu em Cesária à última instância - o próprio imperador. Foi um recurso extremo para livrar-se da sanha odienta dos judeus que vociferavam a exigir sua morte a qualquer custo, inclusive mediante assassinato. Se um criminoso judeu fosse pego por soldados romanos, certamente o crime seria da jurisdição romana se houvesse interesse do governador em assim considerar. O chefe do grande Sinédrio era o sumo sacerdote que ocupava o cargo de maior importância, decisão, prestígio e influência da nação. Era a suprema autoridade do Templo de Jerusalém, o guardião-mor dos costumes religiosos. O único homem que a Lei Mosaica permitia entrar no recinto do Templo considerado o santo dos santos, santos , uma vez por ano. (Levítico 16. 32). Pela tradição, o sumo sacerdócio era um cargo vitalício, como é hoje o papado da igreja católica. Entretanto, os precavidos romanos desde o início arvoraram-se no direito de nomeá-lo ou exonerá-lo, conforme as conveniências políticas do momento, desprezando sem a menor cerimônia o costume vigente. E usufruíam uma dupla vantagem: o direito de escolher quem lhes parecesse mais fácil de manipular e, ainda, recebiam de quebra um vultoso pagamento pela cobiçada nomeação. Um sumo sacerdote favorável ou pelo menos dócil a Roma era a pedra angular no jogo político do poder sobre os judeus. Eles eram oriundos das opulentas famílias dos saduceus, únicas com plena condição de satisfazer as exigências romanas. Na prática, em que pese a criticável conivência com os romanos, os judeus davam ao sumo sacerdote o status de rei, a maior autoridade da nação, seu líder e reconhecido porta-voz. Assim, o sumo sacerdote e os membros principais da assembleia pertenciam à seita dos saduceus que formava uma privilegiada aristocracia de homens riquíssimos e poderosos. Eles exerciam o poder sobre a ordem política e religiosa, controlavam os impostos, as oferendas ao Templo e as finanças. Pragmáticos, haviam entendido que a única opção para manter sua invejável posição no mundo judaico era a convivência pacífica e subserviente com os senhores de Roma. Obedecendo a tal acordo tácito, procuravam manter o povo dócil para evitar brutais represálias. Compare-se a função política dos sacerdotes do Templo a um catalisador com a finalidade de retardar, senão evitar reações populares desfavoráveis à presença romana. Caifás devia possuir carisma e inegável talento político para desfrutar da simpatia do povo, apesar de representar a expressão máxima de conivência com os odiados romanos. Uma segunda seita compunha-se dos fariseus, homens que se caracterizavam por uma rígida observância ritual das leis de Moisés. Em maior numero e ostentando menor riqueza, o povo identificava-se mais facilmente com eles, acreditando serem guardiões acerbos das Escrituras. Segundo a visão comum do judaísmo, eram guias espirituais ou dirigentes religiosos que faziam apologia da vida simples e criticavam a riqueza oriunda do sacerdócio. Acreditavam na vinda de um Messias salvador de Israel. Os fariseus se viam como os guardiões por excelência da Lei de Moisés. Sua alcunha significa “os apartados”, pois se consideravam separados dos demais judeus por serem fiéis intérpretes ímpares do judaísmo.
Um dos aspectos mais interessante em que se diferenciavam dos saduceus era a crença na existência da alma e no Juízo Final. Os saduceus, materialistas radicais, negavamnos completamente. Observe-se que essa escatologia de origem farisaica farisaica vai ser transmitida ao cristianismo, tornando-se a pedra fundamental da teologia paulina. Um curioso elo comum, entre o judaísmo e o cristianismo, que permaneceu incólume em que pesem múltiplas dissensões seculares. Havia outra diferença doutrinária doutrinária entre saduceus e fariseus. fariseus. Os primeiro aderiam à interpretação estrita das Escrituras. Os segundos gostavam de interpretá-la de um modo personalizado dando margem a uma complexa lei oral em que eles mesmos, muitas vezes, se contradiziam. Supõe-se que os fariseus eram mais sensíveis aos reclamos do povo, amenizando o poder dos saduceus, mais tendenciosos a Roma, nas decisões do Sinédrio, assim ganhando as simpatias populares. Os saduceus possuíam maior peso político, mas precisavam do apoio dos fariseus porque estes constituíam maioria na assembleia. Então, por esperteza política, os saduceus tendiam a conformar-se com soluções de comum acordo. Flávio Josefo dá testemunho deste costume. Ele diz que os saduceus votavam sempre com os fariseus “porque o povo não queria que as coisas se passassem de outra forma”. Constatamos, assim, uma tendência da opinião pública de identificar-se com a interpretação farisaica do judaísmo. O farisaísmo iria prevalecer na diáspora depois da derrocada judaica pelos romanos. E os saduceus desapareceriam no limbo da história como bodes expiatórios de um passado manchado por ominosa derrota. A terceira seita pertencia aos essênios. Formava uma corrente pacífica que se distanciava de modo bizarro das já citadas em vários aspectos básicos. Viviam humildemente à parte, em comunidades isoladas fora das cidades. Não concordavam com a visão religiosa tanto dos saduceus como dos fariseus. Adotavam um modus vivendi monástico, pregando o celibato, a pobreza e um rigoroso comportamento moral. Condenavam o mundanismo e reprovavam qualquer tipo de convivência com os romanos. Afastando-se das tentações do pecado, aspiravam atingir elevada pureza espiritual. Esta preocupação originou um excêntrico alheamento ao mundo que os rodeava. Muitos estudiosos viram no comportamento do João Batista e de Jesus Cristo similaridades com a filosofia dos essênios. Talvez, houvessem estado em contato, pertencido ou pelo menos sido influenciados no seu modo de pensar. Os pergaminhos, achados no mar Morto, deixados pelas comunidades essênias, vieram jogar água fria na hipótese que não deixava de ser razoável. Não há uma só palavra a respeito de ambos. Os essênios e os saduceus desapareceriam após a derrocada judaica. O judaísmo, desde então, se resume à visão farisaica do Judaísmo. Os zelotes constituíam uma facção política, embora a maioria de seus membros fosse composta por fariseus. Devemos lembrar que política e religião interagiam, uma motivando a outra. Viviam inconformados com o jugo de Roma e representavam a oposição radical ao domínio estrangeiro. Acreditavam que a sublevação seria o único meio de se livrarem dos romanos, porém viviam divididos em facções rivais. Tal elemento de enfraquecimento seria gravemente evidenciado durante a insurreição dos anos 70, quando teriam a oportunidade almejada por décadas de conduzir finalmente o povo judaico à rebelião total e desgraça subsequente.
O povo via com certo criticismo a conduta do sumo sacerdote, sabendo que comprava a sua nomeação dos romanos. Os príncipes do Sinédrio mostravam-se submissos em colaborar com eles. Além disso, enriqueciam-se à custa de egoística opressão contra os humildes. Amantes da ostentação, apegados às riquezas e deslumbrados pelo poder, eram chegados às intrigas, detestavam-se mutuamente e brigavam por banalidades, segundo relato de fontes judaicas. Apesar da degradação do sumo sacerdócio, a grande massa popular considerava o Sinédrio uma instituição respeitável e depositária fiel da tradição hebraica. Igualmente, o sumo sacerdote era reverenciado e simbolizava as aspirações nacionais. O governador romano tinha-o na conta de chefe e porta-voz da nação judaica. Criara-se um sistema político ambivalente. A vontade romana se exercia por meio de uma só pessoa, o sumo sacerdote, já que representava o mundo mosaico. Os romanos toleravam a existência de pequena força armada, a polícia do Templo, em decorrência de haver permitido a instituição judaica tradicional sob algumas imposições imperiais. Destinava-se a manter a ordem nas suas dependências e arredores. O Sinédrio certamente a usava para fazer cumprir as decisões da lei judaica dentro das limitações impostas pelos romanos. Em 4 d.C. quando Herodes, o Grande, faleceu, ocorreu uma revolta judaica. Nessa época, o sumo sacerdote foi destituído pelos romanos, só voltando o cargo a ser ocupado em 15 d.C. por designação do governador Valerius Gratus (15-26 d.C.), antecessor de Pilatos. Valerius designou e destituiu sucessivamente três sumos sacerdotes. No ano 18 d, C. acabou por decidir-se pela escolha do mais dócil, José Caifás, que concordou em vir solicitar humildemente ao procurador, antes de cada cerimônia, os seus trajes sacerdotais. É uma humilhação digna de um vil oportunista que vai demonstrar ao longo do tempo notável exemplo de sobrevivência política. Tal fato atesta ate sta sua excepcional habilidade que o torna capaz de adaptar-se por egoística conveniência pessoal ao instável sistema híbrido de governo judaico-romano. Ele permaneceu no cargo por dezoito anos e tratou com vários procuradores romanos, entre eles, Pôncio Pilatos, que ficou na Judéia por menos de cinco anos. Caifás passaria tristemente à história como um vilão anticristo. José Caifás caiu no desagrado de Pilatos por causa da renhida oposição contra a absolvição de Jesus e, principalmente, por negar-se a contribuir com recursos do Templo para construção de um aqueduto. Em compensação, a antipatia era recíproca. Temendo mais atritos com o sumo sacerdote, Pilatos o tolerou até ele próprio ser envolvido pela trama judaica junto ao imperador e ser chamado incontinenti a Roma. Seu sucessor preferiu prevenir-se e conseguiu destituir Caifás. Havia outro fator não desprezível, uma boa soma de dinheiro vinha sempre por ocasião da mudança de cargo, nada mal para quem estava iniciando a gestão. Estudiosos modernos sugerem que Caifás fez contribuições anuais generosas aos sucessivos governadores para conservar por tão longo tempo o poder teocrático. Conseguiu evitar deste modo a tentação de apelarem para novas e lucrativas nomeações. De qualquer modo, o sacerdote teria que sair de um clã rico e poderoso politicamente. A tradição talmúdica nos dá uma ideia da opulência da aristocracia dos saduceus pelo hábito de usarem vasos e taças de ouro ou prata no uso diário, além de residir em belos palácios. Caifás não sucedeu diretamente a Anás, seu sogro, que havia sido sumo sacerdote anteriormente. Três ocupantes intermediários ocuparam o sumo sacerdócio. Anás
conservou o título honorífico como acontece ainda hoje com os mandatários das nações. Assim, constatamos que o Evangelho se refere a ele como sumo sacerdote. Certamente, dinheiro e prestígio não faltavam ao clã de Anás e Caifás. É interessante que os Evangelhos não fazem referência aos três sumos sacerdotes anônimos. Presume-se que faziam parte de um clã rival ao já citado. Por conseguinte, achavam-se alijados do poder ou já falecidos. Aliás, é interessante citar que Anás havia sido afastado do cargo por Grato, antecessor de Pilatos, por ter proferido e executado sentenças de morte. Roma havia tirado dos sumos sacerdotes este poder por precaução. Assim, Caifás estava ciente da temeridade em incidir no mesmo erro do sogro por ocasião do julgamento de Cristo. Os sumos sacerdotes sabiam que eram alvos de criticismo popular por causa da compra das próprias nomeações. E não podiam afrontar o legado romano porque poderiam ser destituídos. Por outro lado, sabiam da existência de uma oposição radical, os zelotes. Destoando de outras correntes mais moderadas que podiam ser contidas pela cautela e bom senso, os intransigentes zelotes procuravam seduzir os tolerantes a favor de medidas de cunho radical. Viviam na ânsia de aumentar o clamor popular para desembocar por fim numa solução baseada em violência total. O sumo sacerdote representava o fiel da balança. Um fracasso do Sinédrio sob seu comando em manter o status quo quo ao agrado romano poderia dar margem a uma intervenção romana e subsequente destruição das instituições existentes. Significaria a anulação completa do estado judaico. Em contrapartida, se exercesse uma liderança carismática e razoável habilidade política poderia neutralizar os descontentes, conseguindo manter a insatisfação do povo em baixo nível. O único modo de manter o prestígio consistia numa defesa plausível dos interesses populares, obviamente dentro dos limites aceitáveis pelos dominadores. Caso contrário, incorreria no desagrado geral e seria visto como vil entreguista. O governador, segundo o bom senso, deveria manter as exigências de Roma dentro do razoável e evitar atritos irrelevantes. Se não o conseguisse, causaria um desequilíbrio político que induziria a já insatisfeita opinião pública a se identificar com os zelotes, os adeptos fanáticos da revolta armada. Nesta infeliz hipótese, a contestação social tomaria um vulto incontrolável, perigando eclodir uma insurreição, como de fato veio a acontecer. Lamentavelmente para os judeus, os próprios sumos sacerdotes contribuíram para piorar as tensões sociais. Flávio Josefo testemunha a sua ganância inescrupulosa cerca de trinta anos depois de Cristo, durante o reinado de Agripa: “os sumos sacerdote s iam tão longe em seu atrevimento que sequer hesitavam em mandar seus servos à periferia e fazêlos recolher os dízimos devidos aos sacerdotes (humildes), com a consequência de que estes sacerdotes mais pobres morriam de fome”. Nessa época, Roma havia designado des ignado o rei Agripa, neto de Herodes, o grande, para reinar sob a Judéia. Não havendo governador romano, a situação era amenizada, embora os efeitos negativos fossem os mesmos. Segundo um testemunho talmúdico, os clãs sacerdotais mais poderosos foram acirrando de forma egoísta a luta pelo poder em prejuízo da nação. O desprezível comportamento dos sumos sacerdotes atraiu finalmente a ira divina sobre o Templo e o seu povo. Eles “amavam o dinheiro e se detestavam uns aos outros”. Eis a explicação talmúdica para a causa da ruína da Judéia. A atuação egoisticamente desregrada dos principais membros do Sinédrio minou-lhes um valioso prestígio junto à população que oprimida e desesperada passou a ver nos zelotes a solução derradeira aos seus reclamos. A
Judéia percorria uma rota de colisão com a Roma dos Césares. Em futuro próximo seria inevitável um choque violento.
CAPÍTULO 6
O MESSIAS E OS FARISEUS Um dos mistérios que está na raiz da nova fé é a contenda dos fariseus com o Messias. Será que o conflito surgido no alvorecer do cristianismo originou uma atitude propensa a estigmatizar o judaísmo no correr dos séculos? Os judeus foram segregados durante a Idade Média, a chamada Idade das Trevas. Ao longo dos séculos foram seguidamente expulsos de vários países, sofreram cruentos cruentos pogrons, pogrons, além de perseguidos implacavelmente pela Inquisição. E, se não bastasse uma série de acontecimentos trágicos, por fim dizimados em massa pelos nazistas no Holocausto, como vítimas prioritárias da “solução final” arquitetada arquitetada por um famigerado Hitler e seus asseclas. Haim Cohn, um erudito escritor judeu e defensor ardente dos fariseus antigos, chega a lastimar-se argumentando que Jesus Cristo parece ter abandonado seu próprio ensinamento de que devemos amar os inimigos: inimigos : “Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem”. Mateus (5.43). No entanto, Cohn afirma que na versão dos Evangelhos, Jesus os amaldiçoou e insultou “sem o menor constrangimento”. Ele argui que a opinião pública preferia os fariseus aos saduceus porque os fariseus sensibilizavam o povo de uma maneira especial, em que pese uma intrincada lei oral que acrescentaram à tradição Mosaica. Realmente, o escritor judeu Josefo, insuspeito por não ser uma testemunha anti-farisáica, narra que eles eram pobres e não aspiravam à riqueza mundana; eram prudentes e sempre agiam depois de cuidadosamente refletir e da melhor maneira que podiam; mostravam-se humildes e respeitavam os mais velhos; piedosos, acreditavam que um Deus misericordioso recompensaria todos os homens bons e justos num mundo futuro e melhor, pela miséria sofrida na terra. t erra. Mas qual seria o tipo de personalidade desses fariseus que tanto horrorizaram os Evangelistas a ponto de tê-los retratado com severidade ímpar. Se abrirmos o dicionário e procurarmos o sentido da palavra fariseu, encontraremos: “membro de uma seita judaica que ostentava hipocritamente hipocritamente grande santidade; hipócrita”. Os dizeres do dicionário apenas sancionam a tradição cristã. Nela, o farisaísmo e a hipocrisia andam de mãos dadas e tornam-se sinônimos. Origina-se esta atitude das referências nada elogiáveis dos Evangelhos. Os fariseus surgem das páginas do Novo Testamento ostentando uma duvidosa superioridade baseada na crença de que eram mais puros do que as outras pessoas em geral. Olhavam com desdém aqueles que consideravam vis pecadores, particularmente os cobradores de impostos e as mulheres de má fama. Acusa um deles:
“Porque come vosso Mestre com os publicanos e com os pecadores? Jesus ouvindo isto, responde: “Não são os que estão bem que precisam de médico, mas sim os doentes; não vim chamar os justos, mas os pecadores”. Note-se que nesse episódio, o Nazareno chamava de doentes àqueles que mais necessitavam de ajuda espiritual, no caso os publicanos e pessoas desprezadas pela sociedade por levarem um modo de vida pecaminoso, como as prostitutas. É uma maneira original de compará-los com os pretensiosos fariseus que se julgavam puros e isentos de pecados. Na verdade, pode-se ver aí até um elogio apesar da arrogante discriminação farisaica, pois foram considerados com benevolência “os que estão bem... os justos” e, portanto, não “precisam de médico”. Os fariseus tinham por hábito jejuar, um costume compartilhado também pelos discípulos de João Batista. Por isso perguntam a Jesus “Por que jejuamos nós e os fariseus e os teus discípulos, não? Podem os amigos do esposo afligir-se enquanto o esposo está com ele?”. (Mateus (9.14). O Mestre referia-se ao período anterior que culminaria com a crucificação. Logo em seguida, os apóstolos perderiam sua sublime companhia e haveria tempo de sobra para jejuar. Certamente, aqueles que o ouviam não conseguiam entender suas palavras. Isto não quer dizer que Jesus proibisse o jejum ou não jejuasse. Apenas ensinava que se devia fazêlo com sinceridade e sem afetação: “Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram o rosto com o fim de parecer aos homens que jejuam. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa”. (Mateus 6.16). Não obstante o rigorismo do ritual a que se submetiam, seja o jejum ou o pagamento do dízimo, faltava à fé dos fariseus uma condição básica para assimilar a mensagem de Jesus - a compaixão. Eram duros de coração, não se importando com o sofrimento alheio, e por isto não compreendiam o Nazareno, conforme se pode depreender dos episódios seguintes: Dois cegos seguiram Jesus, gritando: “Filho “Filho de Davi tem piedade de nós. Entrando em uma casa os cegos se aproximaram dele. Disse-lhes: Credes que eu posso fazer isto? Sim, Senhor. Tocou-lhe Tocou-lhe os olhos e no mesmo instante se abriram”. Como se tal milagre não bastasse aos incrédulos, um mudo endemoninhado foi-Lhe apresentado. O demônio foi expelido e o mudo falou, arrancando a comovente cena exclamações de admiração da multidão. Jamais haviam visto algo semelhante em Israel. Os fariseus, entretanto, não se deram por vencidos. Incapazes de se regozijar ao presenciar o semelhante sendo curado e aliviado de enormes sofrimentos, cheios de despeito pelo incompreensível poder do Messias, extravasaram incontida inveja ao comentar com malícia: “É pelo príncipe dos demônios que ele expulsa os demônios”. “Os “Os discípulos do Mestre atravessavam os campos de trigo num dia de sábado. Famintos, começaram a arrancar algumas espigas para comê-las”. comê-las”. Nem esta atividade inocente escapou-lhes escapou-lhes ao criticismo mordaz: “Eis que teus discípulos fazem o que é proibido no dia de sábado”. RespondeuRespondeu-lhes Jesus: “O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado; de sorte que o Filho do Homem é senhor também do sábado”. Entrando na sinagoga encontrava-se lá um homem que tinha a mão seca. Um fariseu pressentindo a iminência de um incrível milagre aproveitou a oportunidade para contestálo. Era sabido pelo povo povo que Jesus curava mediante poderes excepcionais. O fariseu não
consegue furtar-se furtar-se à pergunta descabida: “É permitido curar no dia de sábado?”. Jesus Jesu s pergunta-lhe que se um animal dele ficasse preso em um fosso num sábado, eles o deixariam lá para morrer ou o salvariam? Obviamente, nenhum dono iria querer perder o valioso animal. E o animal é mais importante que um homem que vem sofrendo por longo tempo? Os judeus fundamentalistas ainda nos dias atuais prendem-se à observância exagerada do Shabat considerado um dia sagrado por excelência. Iahveh, segundo a crença ortodoxa, fez o mundo em exíguos seis dias e descansou de seu divino esforço no sétimo Shabat. Assim, só se afastam do local onde residem até o limite de uma uma distância convencional correspondente a uma pequena caminhada. Não podem andar de bicicleta, carro ou qualquer veículo e se restringem a uma intrincada série de regulamentos e prescrições. Presos a uma crença religiosa cerceada pela mesquinhez, os sinais miraculosos demonstrados pelo Messias não os sensibilizavam. Muito pelo contrário, deixavam-nos irritados porque estavam tomados pela maldade. Em uma explosão de ódio mortal, agravada por por Jesus ter curado no sábado, “os fariseus saíram dali e deliberaram sobre os meios de matá-lo”. matá-lo”. A multidão admirava-se admirava-se naturalmente com as inúmeras curas e aos fariseus restava apenas o sofisma maior: “É por Belzebu, chefe dos demônios que ele os expulsa”. Ao que obrigou Jesus a replicar: “Toda casa dividida será destruída... Se Satanás expulsa os demônios está dividido contra si mesmo... mas se é pelo Espírito de Deus que expulso o demônio então chegou para vós o reino de Deus”. (Mateus 12. 22-28). O confronto ocorria porque se detinham em detalhes irrelevantes da doutrina judaica, sem prestar atenção à parte essencial do próprio judaísmo, aquela que viria a ser a base valiosa do cristianismo - amar a Deus e ao próximo. próximo . Parece mesmo um paradoxo o comportamento comportamento hostil dos saduceus, fariseus e escribas contra aquele que declarou: “Não julgueis que vim abolir a lei e os profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição. Pois em verdade vos digo: passará o céu e a terra, antes que desapareça um jota, um traço da lei”. Um fariseu convidou o Mestre e seus discípulos para desfrutar de uma ceia em sua casa. A lavagem das mãos antes das refeições entre os fariseus não significava apenas um ato de higiene corriqueiro, mas havia adquirido status status ritualístico de desmedida importância. Cinquenta anos depois de Cristo chegou-se ao requinte de ser estabelecida como norma de lei por El’zar Ben Arakh. E ainda por longos anos, persistiriam acérrimas discussões entre os eruditos sobre o assunto que se avultara a ponto de tornar-se transcendental. “É ou não obrigatório o lavar mãos?”. Dentro desse contexto restrito, o anfitrião estranhou que os discípulos, senão o próprio Jesus, não se preocupassem muito com o “lavar as mãos”. Não sabemos exatamente como ocorreu o episódio, mas é de supor-se supor-se que por presunção tenha perguntado: “Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos antigos? Nem mesmo lavam as mãos antes de comer?” Sabedor que se apegavam às irrelevâncias da lei, fácies de cumprir para impressionar o povo, porém se omitiam do principal por conveniência, Jesus respondeulhes entre outras coisas: “Não sabes que tudo o que entra pela boca vai ao ventre e depois é lançado num lugar secreto? Ao contrário, aquilo que sai da boca provém do coração e é isto que mancha o homem”.
Aí surge a diferença essencial entre a antiga e a nova fé. Os fins são os mesmos, porém o judaísmo acredita manter o homem puro agindo de fora para dentro, isto é, mediante a observância estrita e restrita a centenas de normas, proibições e preconceitos legais que se foram acumulando ao longo dos tempos. Tão escravizados ficaram que foram se isolando do mundo como se os judeus fossem alienígenas temerosos de contaminar-se com os povos da Terra. A intransigente e cega obediência a um ilusório i lusório “Deus da Tradição” foi confundida erroneamente com o exercício da fé autêntica. Passou a representar uma religiosidade que se esvai em si mesma, sem atingir nunca uma superior espiritualidade - o seu fim primordial. Em contrapartida, a fé renovada considera que o homem só pode se transformar de forma integral de dentro para fora. É do coração puro que saem os bons pensamentos, modo único de se atingir o aperfeiçoamento espiritual ideal. Jesus Cristo ensinava princípios e não regras. Por isso, disse que veio não modificar o judaísmo em essência, mas sim aperfeiçoá-lo em qualidade, enfatizando as melhores maneiras de se descobrir as verdades da fé. O Mestre não evitava o contato com os fariseus e nem com qualquer pessoa. Ao contrário, procurava abrir-lhes o espírito, mas seus inimigos estavam cegos pelo orgulho e fanatismo. Eles consideravam-se com arrogância os grandes mestres de Israel, mas Jesus definiu-os definiu-os dizendo: “Deixai-os. “Deixai-os. São cegos e guias de cegos. Ora, se um cego conduz outro tombarão na mesma mesma vala”. Os fariseus e saduceus, apesar dos extraordinários sinais apresentados por Jesus, permaneceriam céticos, querendo constantemente submetê-lo a uma prova definitiva. Exigiram de Jesus por fim um milagre especial oriundo do céu para só assim acreditarem. Conhecendo a malicia e dureza que havia em seus corações, negou-se a atendê-los. As centenas de milagres feitos por Jesus não sensibilizavam seus corações endurecidos. Eram maldosos e infensos às sementes da graciosa bondade que o amor divino lhes oferecia. As palavras de Jesus, “se um cego conduz outro, tombarão na mesma vala”, se revelariam proféticas ao longo da história. Seriam confirmadas pelas fragorosas derrotas dos judeus sublevados contra a Roma dos césares, poucas décadas a seguir. Uma religiosidade desvirtuada, combinada com um fanatismo discriminador, reservaria aos judeus o papel de vilões históricos, segundo o juízo unânime dos diversos povos e os conduziria a trágicos morticínios por séculos seguidos. Guiados por cegos, os seus pressupostos mestres, eles tombariam literalmente na mesma vala comum por incontáveis vezes. A mais famosa referência de Cristo caracterizando a personalidade farisaica utiliza uma comparação drástica: “Vós sois semelhantes a sepulcros caiados, que por fora se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e imundices. Assim, também, vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e de iniqüidade”. Não devemos nos esquecer, todavia, que nem todos os fariseus se prestaram a serem algozes do Filho do Homem - o Amor Divino personificado. Como vimos, alguns se destacaram como amigos sinceros e fiéis, arriscando a própria segurança pessoal e de sua família para servi-lo em situação de extremo perigo. José de Arimatéia e Nicodemos, membros prestigiosos do Sinédrio, participam do seu sepultamento dando uma extraordinária lição à posteridade de abnegação e inegável coragem. José de Arimatéia,
para escândalo dos seus pares, roga a Pilatos autorização para retirar da cruz o corpo de Cristo e providencia com carinho um sepulcro digno à própria custa num jardim perto do local da execução. E um entristecido Nicodemos leva cem libras de uma mistura de mirra e aloés, substâncias aromáticas para aplicar nos panos que o envolveriam. Uma voz íntima dizia-lhes que haviam encontrado o Messias e foram cativados pela mensagem do amor divino. Agiram com desprendimento, sem temer a perda do invejável status que desfrutavam e nem mesmo a vida. Gamaliel, renomado membro do Sinédrio e verdadeiro mestre de Israel, depois da ressurreição de Cristo logra pleno êxito ao investir todo o seu prestígio com os seus pares para salvar os apóstolos Pedro, Felipe e João da morte certa por apedrejamento. Caso não o fizesse, teriam enfrentado o mesmo trágico destino de Santo Estevão. Sem a sua generosa e providencial intervenção, a história do cristianismo seria outra. É impossível imaginar o que seria da igreja nascente se sofresse a perda irreparável dos santos citados. Embora não haja referências históricas, Gamaliel, possuindo tão elevado espírito de justiça e clemência, não deve ter feito parte da conspiração dos que tramaram sordidamente a morte de Cristo. Há uma tradição de que encerrou seus últimos anos de vida em voluntário isolamento contemplativo. Havia finalmente compreendido que Jesus era o Messias bíblico. O relacionamento de Nicodemos com Jesus legou-nos controvertido e enigmático diálogo. O príncipe dos sacerdotes ia discretamente visitá-lo à noite temeroso de que seus pares tomassem conhecimento. Ele sentia a natural curiosidade de um discípulo intrigado com a fascinante personalidade daquele líder espiritual que, embora saído da camada social mais humilde, atraía os olhares de todos pelos extraordinários milagres. Será que estava diante do Messias, o Salvador previsto nas Escrituras? A transcendental questão devia inquietar-lhe o espírito levando-o a graves elucubrações. Assim sugere o episódio narrado em João (3,2): “Rabi, sabemos que és um Mestre vindo de Deus. Ninguém pode fazer estes milagres que fazes, se Deus não estiver com ele. Jesus replicou-lhe: Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus. Nicodemos perguntou-lhe: Como pode um homem renascer sendo velho? Porventura, pode tornar a entrar no seio de sua mãe e nascer pela segunda vez? Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo quem não renascer da água e do espírito não poderá entrar no reino de Deus. O que nasceu da carne é carne e o que nasceu do espírito é espírito. Não te maravilhes de que eu te tenha dito. Necessário vos é nascer de novo”. Jesus conclui com uma bela metáfora de poética espiritualidade: “O vento sopra onde quer, ouve-se-lhe o ruído, mas não se sabe donde vem, nem para onde vai. Assim acontece com aquele que nasceu do espírito”. Um perplexo Nicodemos apenas consegue exclamar: “Como se pode fazer isto? Responde-lhe Responde -lhe Jesus: És doutor em Israel e ignoras estas coisas!...”. Existem duas interpretações sob o interessante diálogo. A primeira e mais imediata entende as palavras de Jesus literalmente. Isso implicaria na aceitação de que o ser humano possui uma alma imortal e várias vidas. Os saduceus eram extremamente materialistas e achavam que a vida se findava in totum totum com a morte. Os fariseus ficavam no meio do caminho. Acreditavam na alma e a morte seria o fim até o dia do Juízo Final, quando Iahveh viria dos céus de forma magnífica e ressuscitaria os mortos devolvendo-lhes o corpo original. Então, os bons iriam para o paraíso e os maus para o inferno eterno. Os gregos
antigos, amigos da lógica, sempre ficaram estupefatos diante dessa crença tribal de origem farisaica que lhes parecia ultrapassar as raias do absurdo, em verdadeiro atentado contra uma Natureza, sinônimo de Deus. As religiões orientais como o budismo e hinduísmo acreditam e pregam a multiplicidade de vidas há séculos. Embora pouco divulgado, há inclusive no judaísmo facções que consideram verdade incontestável a transmigração de almas. Uma delas é a Cabala. Inclusive no islamismo acontece algo semelhante. No mundo ocidental, a corrente espírita kardecista, aquela criada pelo famoso educador francês Hippolyte Rivail, conhecido como Allan Kardec, denomina esse fenômeno natural de reencarnação. Os kardecistas, mais conhecidos sob a denominação de espíritas, espíritas, formam uma corrente, seita ou religião de inspiração cristã. Eles consideram Jesus Cristo a figura central do ensinamento espiritual, o Supremo Mestre e Diretor do planeta Terra. Dentro de uma concepção racional, Jesus estaria dizendo a Nicodemos que seria necessário seu espírito renascer em um novo corpo. Por meio de novas experiências, através de acertos e erros, a consciência imortal se aperfeiçoa cada vez mais. É uma oportunidade de renovação espiritual que a Providência dá a todos os seres humanos. Em cada vida podemos nos tornar uma pessoa melhor, evitando cometer antigas faltas e angariando novos conhecimentos por meio de novas experiências. Através de incontáveis vivências, movido por inevitável sofrimento ou agruras terrenas, o espírito se vai purificando e torna-se mais sábio e amoroso. Deste modo, vamos-nos aproximando de Deus, nosso Criador e Suprema Perfeição. No entanto, diria alguém surpreso com tal revelação: Como pode ser isso, se eu não me lembro de minhas vidas anteriores? Simplesmente porque é apagada em nível de consciência normal a lembrança das sucessivas vidas anteriores. Seria um transtorno caso ocorresse, pois algumas pessoas de nosso convívio, principalmente familiares, podem ter sido nossos inimigos em vidas passadas. Antigos desafetos muitas vezes se reencontram em situações diversas, uma oportunidade preciosa para desenvolver laços de amizade quando antes só havia incompreensão e ódio. Em suma, nosso Criador quer que recomecemos sempre da estaca zero. Nossos maus feitos ficam esquecidos no passado e ganhamos novas oportunidades de desenvolver nosso lado bom em relação ao semelhante e compartilhar a pródiga Natureza que nos rodeia com admiração, amor e sabedoria. Em estado de subconsciência, pela regressão hipnótica, um expert abalizado pode colher informações de vidas passadas. Na prática, verifica-se que nem todos os casos fornecem informações precisas. Muitas vezes há um bloqueio do subconsciente que se nega a revelar ao consciente lastimáveis erros passados. Já imaginaram um fervoroso cristão, um padre ou um pastor dedicado tomando conhecimento de que é a encarnação de Judas Iscariotes? Talvez quisesse se suicidar outra vez sob o peso incomensurável do trauma que lhe causaria notícia tão chocante. O processo de regressão hipnótica é utilizado normalmente por notáveis terapeutas modernos em todo o mundo como meio de curar sérios transtornos psíquicos. Brian Weiss, um emérito professor universitário de origem judaica, formado pelo Columbia University, assumiu a corajosa decisão de publicar o revelador best seller - Muitas vidas, muitos mestres. mestres. Nesta interessante obra, abre a porta do desconhecido e enfrenta o antiquado convencionalismo “científico” vigente. Psiquiatras experientes já haviam se defrontado se defrontado com tais fenômenos chamados parapsicológicos. No entanto, vencidos pelo temor de uma
previsível má recepção por parte dos meios acadêmicos e, eles próprios, presos a um pensar estratificado, calaram-se constrangidos. Não tiveram o desprendimento de um Louis Pasteur que, com ousadia científica, afastou vários véus da ignorância permitindo à humanidade descortinar com maior amplidão um admirável mundo novo, mais livre de crenças ou crendices de cunho irrelevante. O progresso da humanidade se evidencia quando são rompidos paradigmas de caráter dogmático, caracterizando uma luta do revolucionário renovador e auspicioso contra um stablishment envelhecido e ultrapassado. Na verdade, tudo o que pode ser revelado sobre tal assunto já o havia sido anteriormente por Alan Kardec, um esclarecido homem de ciência, em suas notáveis obras. Um exemplo do exposto acima é flagrante quando a terapia de regressão, usada por vários médicos de elevado nível científico, é rejeitada por conselhos de medicina de mentalidade arcaica. Afirmam não se tratar de matéria cientificamente comprovada, como se alguma forma de psicoterapia o fosse. Não lhes interessa que da profundidade das mentes de grande número de pessoas idôneas surjam estranhas memórias, mesmo em indivíduos não religiosos, místicos ou até descrentes da existência de um Ser Supremo. A ignorância oficializada prefere tachá-las de alucinações ou fantasias, mesmo nos casos em que são claramente confirmados. Na verdade, como afirmou o Dr. Lívio Túlio Pincherle, eminente psicanalista brasileiro, esses fenômenos com que se deparam os médicos nos consultórios são tão antigos como a história da humanidade. Não os percebe quem tapa os olhos e ouvidos, pois não quer ver, e muito menos ouvir. Finalizando, lembramos que o próprio Freud não conseguiu aceitação para suas teses na universidade de seu país. Existem fascinantes casos em que raras pessoas conservam a percepção de uma vida anterior. O fenômeno permite sérios estudos por parte de cientistas interessados em avaliar a sua autenticidade. Na visão de múltiplas vidas, o mundo assemelha-se a uma grande escola. Na vida real ninguém consegue se formar sem estudar por muitos anos. Todos devem passar pelas séries escolares indispensáveis à almejada graduação. Só assim se consegue o nível intelectual ou profissional almejado. De maneira semelhante, não se pode atingir um elevado nível espiritual sem passar por sucessivos estágios intermediários. Em decorrência, todos nós estamos sujeitos a múltiplas vivências com os semelhantes e o mundo exterior. O caráter humano aprimora-se e a personalidade se enriquece ao defrontar-nos com os problemas e dificuldades do dia a dia. Em contrapartida, a versão sobre o assunto das igrejas, tanto católicas, ortodoxas ou protestantes, é bem diferente. A doutrina da reencarnação foi aceita por uma ala da igreja primitiva, mas foi rejeitada pela maioria na época do imperador Constantino, no Concílio de Nicéia. No Concílio de Constantinopla, em 553 d.C. o conceito de vidas sucessivas veio novamente à baila, porém foi descartado outra vez como abjeta heresia A ortodoxia majoritária apresenta uma versão herdada do antigo farisaísmo de concepção materialista. Quando Jesus Cristo referiu-se ao renascimento, queria dizer apenas a Nicodemos que se faz necessário assumir uma nova atitude diante da vida. Isto se resume em abandonar uma rotina de pecados por outra isenta e pura ao agrado de Deus. Em suma, aceitar Jesus Cristo e, principalmente, os sagrados ensinamentos da igreja para tornar-se tornar-se merecedor das bênçãos divinas. Algo inspirado no “homem novo” descrito por São Paulo. Nesta concepção, Jesus usou uma metáfora ao falar em “renascer”. Ele, na
verdade, não queria dizer o que disse. Queria referir-se simplesmente a uma renovação espiritual plena e imediata através da fé. Nessa concepção ilusória, o ser humano só tem uma única experiência de vida na terra. No dia do Juízo Final, num passe de mágica divina, os átomos dispersos dos mortos serão reunidos e cada ser humano desaparecido “renascerá” com o corpo original, carne e ossos. Embora fariseu de formação, São Paulo mostrou-se chocado com tal visão materialista. Abominando “carne e sangue”, acrescentou a ideia de que renascerão em “corpos celestiais”, isto é, acrescidos de divina espiritualidade. esp iritualidade. As igrejas traduziram os “corpos celestiais” como “corpos glorificados”, um meio termo entre o céu e a terra. De qualquer modo, o Apóstolo dos gentios afirma que “carne e sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção”. incor rupção”. (Coríntios 15. 50). 50). Apesar de aceitar o Juízo Final, há uma convicção profunda de que “Adão foi alma al ma vivente. O último Adão (Cristo), porém é espírito vivificante... O primeiro homem, formado da terra, é terreno; o segundo homem é do céu”. Em suma, suma, a dimensão material (meio) prepara o homem para a dimensão celestial (fim). Outro trecho dos Evangelhos dá margem ao surgimento de duas versões divergentes. Os discípulos perguntam a Jesus se o profeta Elias, falecido há séculos, ressuscitaria para anunciar o Messias. Os escribas afirmavam esta concepção baseando-se em Malaquias. Cerca de 450 a.C. este notável profeta revelou a intenção auspiciosa, porém drástica de Iahveh: “Eis que eu envio o meu mensageiro que preparará o caminho diante de mim; de repente virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais, o Anjo da Aliança a quem vós desejais; eis que ele vem, diz o Senhor dos Exércitos”. ( 3.1) “Eis que vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor. Ele converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração dos filhos a seus pais; para que eu não venha e fira a terra com maldição. Elias (4. 5-6). Então, Jesus respondeu aos discípulos: “De fato Elias virá e restaurará todas as coisas. Eu, porém, vos declaro que Elias já veio, e não o reconheceram, antes fizeram com ele tudo quanto quiseram. Assim, também o Filho do Homem há de padecer nas mãos deles. Então, os discípulos entenderam que lhes falara a respeito de João Batista”. ( Mateus 17. 11). Façamos um parêntese para ressaltar uma notável coincidência na profecia acima. A rejeição do amor aos pais e filhos ou vice-versa ou, por extensão, o amor ao semelhante, resultaria em punição divina. Ao negar amor ao Filho de Deus e, em seguida, recalcitrar em desmedido ódio mortal, desta vez contra os romanos, os judeus ficaram sujeitos à ira divina. Por isso, foram punidos, segundo as palavras literais do Senhor dos Exércitos: “para que eu não venha e fira a terra com maldição”. De fato, a terra da Judéia foi ferida pela maldição divina. Os judeus foram aniquilados ou expulsos da terra onde habitavam para viver como marginais entre os povos. Voltemos ao raciocínio anterior. A versão a favor da reencarnação considera o episódio referente ao precursor do Messias um exemplo irrefutável a favor das vidas múltiplas. Acrescentam ainda uma explicação lógica. A trágica morte de São João Batista nas mãos de Herodes decorreu de sua responsabilidade pelo assassinato cruel e vingativo de dezenas de sacerdotes pagãos no tempo de Jeszebeu, a rainha gentia, esposa do rei de Israel. Foi um grave pecado da vida anterior ou carma negativo que Elias se viu obrigado a resgatar na pele de São João Batista. O homicida fere a lei divina e peca gravemente,
embora tendo a ilusão de estar agindo em defesa do próprio Deus. O Senhor dos Universos nunca delega ao homem a extinção da vida terrena, uma prerrogativa unicamente sua. A Divindade não precisa de defensores, como imaginam ingenuamente os seres primários da dimensão da matéria. Não obstante, as igrejas, ditas cristãs, presas à ortodoxia legada pelo farisaísmo, veem de outro modo o referido episódio. Jesus falou de modo figurado, reiteram com convicção. Elias e João Batista não tinham nada em comum. Foram pessoas absolutamente distintas, tanto em espírito como em corpo. Neste duelo de opiniões divergentes, a interpretação oficial das igrejas deixa uma dúvida razoável a exigir resposta. Qual seria o valor da profecia se não viesse a ocorrer de um modo consistente? Então, tudo não passou de pura alegoria ou de uma previsão não cumprida? Não seria melhor que nem fosse feita? Na versão lógica existe obviamente a condição de ser realidade a doutrina da reencarnação e aí tudo faz sentido. A ciência moderna ainda não dispõe de meios para provar inequivocamente a transmigração de almas ou a existência da alma ou espírito. Daí, a polêmica se converte em artigo de fé, cada corrente mantendo-se firme sem arredar de sua crença. Quase dois mil anos passados, o antagonismo entre a nova fé e o farisaísmo talvez possa melhor ser avaliado pela vida do mais famoso fariseu dos Evangelhos, Saulo de Tarso. Inicialmente notório perseguidor dos adeptos do Nazareno, veio a tornar-se o décimo-terceiro apóstolo ao vivenciar um dos episódios mais espetaculares do cristianismo, a sua conversão relâmpago no caminho de Damasco. Um lapso de tempo tão curto aos homens foi suficiente a Deus para realizar o milagre. Despertou a consciência de Saulo tornando-o tornando-o “servo de Cristo”. Naquele crucial momento abandona o lado negativo de sua personalidade insana e exalta a parte positiva que se achava sufocada pela falsa fé. Saulo resgata-se a si mesmo, deixando para trás uma triste sanha assassina e pelo resto de sua atribulada existência vai enfrentar o “bom combate”. São Paulo declara que “estou crucificado crucificado com Cristo, logo já não sou eu quem vive, mas é Cristo que vive em mim”, e vai dar a vida em defesa e engrandecimento de fé cristã, provando possuir méritos de sobra para se ombrear com São Pedro, tornando-se um dos principais pilares da Igreja de Cristo o Santo Apóstolo dos gentios.
CAPÍTULO 7
PAULO E ESTEVÃO Vamos narrar alguns trechos da vida de São Paulo não revelados nos Evangelhos, porém descritas no livro Paulo e Estevão. Estevão. Seu autor é Francisco Xavier, o mais famoso médium brasileiro da corrente espírita kardecista, com centenas de obras psicografadas, isto é, ditadas por seres espirituais de nível superior. O kardecismo é a vertente do
cristianismo que admite a multiplicidade de vidas ou reencarnação. Considera válido o contato de médiuns autênticos com a dimensão além da matéria em louvável busca do aperfeiçoamento espiritual do ser humano. Muitos estudiosos e os próprios apóstolos ficaram intrigados com a súbita conversão no caminho de Damasco de Saulo de Tarso em nosso querido São Paulo. Um espírito obscuro e confuso, eivado de tremendo ódio contra os inocentes irmãos de raça, tornou-se uma fonte de luz celestial em prol da humanidade, isto num piscar de olhos. Santo Agostinho sabiamente presumiu que remorsos insuportáveis o consumiam no momento que antecedeu ao seu encontro transcendental com o Nazareno. Suas nefandas ações influenciadas pelo mal o levaram a um angustiante estado de espírito prenunciador da fulgurante aparição de Jesus Cristo - “a imagem de Deus” - segundo suas próprias palavras. No livro Paulo e Estevão Estevão são revelados em detalhes alguns importantes episódios omitidos nos Evangelhos. Entretanto, por quais razões foram ocultados? Existe uma resposta simples: não havia ânimo para São Paulo contá-los e nem dos apóstolos em divulgá-los, já que faziam parte da vida íntima do Apóstolo dos Gentios. Eram tristes fatos anteriores à sua espetacular conversão ao Filho de Deus. Seria melhor esquecê-los, pelo menos naquela ocasião em que os apóstolos plantavam a duras penas as sementes do Cristianismo. Faremos um breve resumo: Estamos na velha Jerusalém, numa radiante manhã de 35 d.C. No interior de uma rica e elegante residência, o jovem Sadoc que havia chegado de Damasco na véspera olha ansioso pela janela. Aguarda ansioso o velho amigo Saulo, não vendo chegar o feliz momento de revê-lo. Súbito chega uma luxuosa biga de estilo romano. Os dois amigos se reencontram. Saulo, com trinta anos, ostenta uma elegante túnica dos patrícios, além de falar grego com fluência: - “Quando chegou? - pergunta Saulo intrigado”. - “Estou em Jerusalém desde ontem de manhã. Estive com tua irmã e cunhada que me informaram de seu paradeiro. Explica Sadoc”. - “Saulo, como estás modificado. Um carro à romana, conversando em grego”. Saulo contou ao amigo que se enamorara de uma jovem de sua raça, que além de bela, possuía elevados tesouros de coração. Conheceu-a três meses atrás na festividade íntima de Zacarias Ben Hanan, abastado lavrador no caminho de Jope. Este ofereceu uma festa aos amigos em homenagem à circuncisão dos filhinhos de seus servidores. Zacarias havia chegado a Cesárea em péssimas condições financeiras. Felizmente, um patrício romano emprestou-lhe dinheiro e pode arrendar uma propriedade na periferia de Jerusalém. Desde então, mediante louvável esforço pessoal a prosperidade veio benfazeja. Na casa do afortunado Zacarias, Saulo veio a conhecer sua filha adotiva, a jovem Abigail, “inteligente, versada na Lei e, sobretudo, dócil e carinhosa”. Ela fora adotada depois de amargos sofrimentos infligidos à sua família. Tragicamente, o pai e o irmão dela se tornaram vítimas de erros clamorosos da justiça romana. Saulo apaixonou-se pela linda jovem, mas ignorava as circunstâncias desditosas em que tais fatos aconteceram. Não somente o pai de Abigail havia sido executado pelas autoridades romanas, como lhe espoliaram toda a fortuna. E, se ainda fosse pouco, condenaram o filho Jeziel ao terrível castigo das galeras. O jovem foi obrigado a manejar pesados remos, mas não se desesperou. Pelo contrário, enfrentou a ingrata situação com
ânimo forte e singular humildade, conservando a fé nos desígnios divinos. Embora vítima de injusta e atroz adversidade, manteve uma atitude serena, em contraste com a maioria dos criminosos condenados, estes sim, merecedores da pena imposta. Por mérito próprio, Jeziel caiu na simpatia do feitor Lisipo. A bordo viajava o jovem romano, Sergius Paulus, oriundo de poderosa família. O patrício era alvo de atenções por parte da tripulação devido ao seu elevado status social. Contudo, Paulus adoeceu gravemente durante a viagem. Preocupado em minorar sua penosa situação, o comandante mandou Lisipo escolher “um escravo dos mais educados e maneirosos” para servi-lo. servi-lo. Tanto se esmerou Jeziel nesta tarefa, tão somente movido pelo sincero desejo de ajudá-lo que ganhou a gratidão do patrício. Decorridos alguns dias, o próprio Jeziel adoeceu, vítima de sintomas similares. Desta vez, a atitude do comandante seria bem diferente. Tratava-se de um simples condenado às galés e seu primeiro impulso foi jogá-lo ao mar para livrarem-se de perigoso contágio. Um agradecido Sergius ao tomar conhecimento da ideia sinistra, opôs-se penalizado. Depois de alguma reflexão, convenceu o comandante a adotar melhor solução - a evasão do prisioneiro. Para torná-la realidade, ofereceu-lhe polpuda gratificação. A ideia seria deixar Jeziel clandestinamente em terras palestinas. “Dar-te-ei “Dar-te-ei a liberdade, mas só o teu Deus poderá conceder-te conceder-te a vida”, disse o generoso generoso libertador, dando-lhe algumas moedas de ouro. Mandou-lhe adotar outro nome, evitando que fosse reconhecido como um fugitivo da lei. Caso contrário, poderia comprometer o nobre romano por tê-lo ajudado às ocultas. Em terra, Jeziel, depois de vivenciar várias peripécias, foi vítima de infortunado assalto e despojado das valiosas moedas. Ficou em situação desesperadora, mas felizmente uma boa alma encaminhou-o aos homens do chamado Caminho. Caminho. Lá, encontrou refúgio e providencial ajuda, sendo acolhido carinhosamente por Simão Pedro. Ouve com grande surpresa os adeptos falarem de Jesus Nazareno, considerado por eles o Messias das Escrituras. Jeziel é solo fértil, pronto para receber a semente da Nova Fé e fazê-la prosperar. Contagiado pelas calorosas palavras dos apóstolos, reencontra a razão quase perdida de viver. O desafortunado passado é descartado e adota um novo nome: Estevão. Isso tudo ocorre sem o conhecimento de sua irmã. Voltemos à cena inicial, deixando Estevão usufruindo sua nova vida. Saulo e Sadoc, os amigos de infância estão a conversar: - “...Em que pé estão as tuas pretensões ao cargo de sacerdote do Sinédrio?”Sinédrio?”pergunta-lhe o amigo. Saulo explica-lhe que o venerando Gamaliel, membro ilustre do Sinédrio, desejou que seu dileto aluno se transferisse para Jerusalém a fim de assumir em breve um prestigiado lugar no Templo. Vê em Saulo seu sucessor natural. O pai de Saulo, um tecelão humilde no início da vida, acabou por tornar-se um grande comerciante, principalmente de tendas. Suas caravanas de camelos percorrem toda a Cilícia transportando valiosas mercadorias. Saulo é, portanto, filho de um homem muito rico. Sadoc traz-lhe uma novidade. Comenta admirado que um jovem portador de poderes sobrenaturais, chamado Estevão, havia devolvido a visão ao a o seu tio Filodemos, “com assombro geral de muita gente”. Estevão pertence à seita recente do Nazareno. Saulo recebe as palavras com rejeição, pois acredita tratar-se de feitiçaria ao arrepio da Lei Mosaica.
Sadoc, satisfeito com a cura do tio, não se impressiona com as palavras do incrédulo amigo, mostrando-se mais tolerante. Talvez os princípios de Moisés não estejam sendo desrespeitados, contra argumenta ao narrar o episódio. Saulo lembra-se que já ouvira falar de um carpinteiro martirizado de nome Jesus. Havia se tornado um ídolo para muitos do povinho ingênuo. Rebatendo a aquiescência do amigo, o moço de Tarso observa em tom de crítica que nada se pode esperar da Galiléia, além de peixes e verduras. Saulo vislumbra alguma heresia aviltante contra a Lei de Moisés. Acha que o Sinédrio devia tomar uma atitude enérgica e agir como lhe compete. Sadoc concorda que as prerrogativas de um futuro rabino darão ao amigo os meios suficientes para liderar uma ação decisiva contra os mistificadores. Apesar de impetuoso, Saulo conserva um sentimento de justiça. No sábado, combinaram ambos que iriam apreciar os “sandeus”. Caso se constate o caráter inofensivo dos ensinamentos, iria deixá los em paz. Ao cair da tarde do mesmo dia, a elegante biga dourada de Saulo atravessa as portas de Jerusalém em direção ao porto de Jope. Os pensamentos do jovem concentram-se em Abigail por quem está apaixonado. Poucas milhas o separam da casa de Zacarias, sua mulher Ruth e a querida filha. Situava-se em lugar aprazível, rodeado de tamareiras e pessegueiros. Os pais de Abigail recebem-no com cordial alegria. A seguir, o casal enamorado fica a sós no pátio desfrutando a deslumbrante paisagem. O mar estende-se distante emoldurado por um belo crepúsculo e uma suave brisa vem do litoral. Em dado momento, Saulo percebe um véu de tristeza a cobrir o rosto da namorada. Abigail revela que o destino ignorado do irmão Jeziel é o motivo, já que não consegue esquecê-lo. Ela gostaria que Jeziel e Saulo pudessem travar amizade. Implora-lhe que peça aos amigos prestigiosos de Jerusalém para intervir junto ao Procônsul de Acaia, única esperança de obter sua libertação. Um comovido Saulo declara que envidará todos os esforços para livrá-la da amarga tristeza, pois tenciona casar-se em breve com a linda jovem. Chegou a hora de averiguar o comportamento dos suspeitos de heresia. Sadoc e Saulo entram no humilde pavilhão, dando logo de cara com uns pobrezinhos ali aglomerados. Tiago, Pedro e João surpreendem-se ao vê-los. O jovem doutor da Lei é uma figura popular na cidade. Tornou-se Tornou-se quase de imediato conhecido dos fiéis do Templo de Jerusalém “pela oratória veemente e pelo acurado conhecimento das Escrituras”. Os galileus oferecem com humildade o banco mais confortável aos ilustres recém-chegados. Um arrogante Saulo retribui com ironia as gentilezas, mal disfarçando um sentimento de repulsa ante a extrema pobreza ali reinante. Súbito um jovem entrou acompanhado por Pedro e João. Ele galgou um estrado de pedras, em meio ao silêncio e expectativa. O moço era Jesiel, agora transformado no carismático Estevão, o mais notável orador dos membros do Caminho. Fazendo um paralelo, Saulo e Estevão despontavam em Jerusalém como revelações notáveis da antiga e da nova fé, respectivamente. Confiante e sereno, sem preocupar-se com a presença do rabino e seus amigos, Estevão orou em voz alta e abriu um livro em forma de rolo para ler uma passagem das anotações de Mateus. A seguir, pôs-se a pregar: “O Messias atendeu aos problemas angustiosos da criatura humana, com a solução solução do amor que redime todos os seres e purifica todos os pecados. Mestre do trabalho e da
perfeita alegria de vida, suas bênçãos representam nossa herança. Moisés foi a porta e Cristo é a chave. Com a coroa do martírio adquiriu para nós outros a láurea imortal da salvação...” “A Lei nos retinha no espírito da nação, sem conseguir apagar de nossa alma o desejo humano de supremacia na Terra. Muitos de nossa raça hão esperado um príncipe dominador que penetrasse em triunfo na cidade santa, com os troféus sangrentos de ruína e morte e que nos fizesse empunhar um cetro odioso de força e tirania... ”. “Cristo é a substância de nossa liberdade. Dia virá que seu reino abrangerá os filhos do Oriente e Ocidente, num abraço envolvente de fraternidade e de luz. Então compreenderemos que o Evangelho é a resposta de Deus aos nossos apelos, em face da Lei de Moisés. A Lei é humana; o Evangelho divino. Moisés é o condutor - Cristo, o Salvador. Os profetas foram os mordomos fiéis; Jesus, porém, é o Senhor da vinha...”. Um Saulo de Tarso fica atônito, pois julga haver gritante diferença entre a Lei e o Evangelho. Repudia as palavras do orador, apesar da reconhecer nelas uma atraente beleza. De qualquer modo, impunha-se eliminar a confusão que se avultava a propósito de Moisés. A Lei era uma e única. Aquele Cristo que culminou na ignomínia, entre dois ladrões, surgia aos seus olhos como um mistificador indigno de qualquer consideração. Saulo não pode mais se conter ante as palavras do orador que, sem dúvida, pressupõe exprimir flagrante heresia. Era uma aclamação clara a um pobre coitado morto na cruz, sobrepondo-o à Lei de Moisés. Numa explosão de indignada cólera, levanta-se para contradizê-lo: - “Piedosos galileus, onde vos conduz o senso de vossas doutrinas estranhas e absurdas? Como ousais proclamar a falsa supremacia de um nazareno obscuro sobre Moisés, na própria Jerusalém? Quem era esse Cristo? Não foi um simples carpinteiro?”. Os olhares dos humildes se voltam para Estevão em mudo apoio, apesar do temor que paira no ar. Os apóstolos não conseguem dissimular o receio de que Saulo considere insultuosa a digna atitude de Estevão. Tiago ficou lívido, assim como o orador, que consegue voltar a si da surpresa e revidar à altura: “Ainda bem que o Messias era carpinteiro; porque, nesse caso, a Humanidade já não ficaria sem abrigo. Ele era, de fato, o abrigo da paz e da esperança!”. Há uma acalorada troca de opiniões conflitantes entre Saulo e Estevão, que não se deixa intimidar levando o doutor de Tarso à ira extrema diante da incapacidade de dominálo verbalmente. Pelo contrário, Estevão, mestre da palavra e cheio de fé em Cristo, leva a melhor nesse duelo de ideias ante um auditório estupefato. Estevão, no entanto, prefere sensatamente dar por encerrada a palestra. Saulo não quer se dar por vencido, exigindo a continuação da discussão. Qual um jogador inveterado não quer sair da partida como perdedor. Seguem-se momentos de grande tensão. Ferido em seu orgulho, vê-se dominado por profundo ódio a Estevão pela humilhação que julga ter pretendido infringir-lhe. Neste ínterim, os apóstolos mostram-se receosos prevendo as consequências graves que poderiam advir do inesperado episódio. Indo novamente visitar Abigail, Saulo desabafa sua contrariedade com a noiva sobre o incidente ocorrido no Caminho. Caminho. Afirma-lhe que Estevão vai pagar pela humilhação que pretendeu infligir-lhe. Abigail procura consolá-lo, dizendo-lhe: dizendo-lhe: “se Jesiel estivesse conosco, seria teu braço forte na exposição dos conhecimentos sagrados”. A irmã sempre o
conhecera como um defensor inconteste do Testamento. Aconselha, não obstante, ao amado serenidade e prudência. Não seriam pessoas mais necessitadas precisando mais de ajuda do que castigo? Saulo concorda, dizendo que não pretendia incomodar os galileus simplórios que se cercavam em Jerusalém de inválidos e doentes, dando-nos a impressão de loucos pacíficos. Contudo, não podia deixar de reprimir o orador cujos lábios destilam poderoso veneno no espírito volúvel das massas... Ele deseja ardentemente que os opositores da Lei sofram exemplar punição. Na tradição judaica o homem prescinde da aprovação da mulher para seus atos, mas ao obter a aquiescência da ingênua e apaixonada jovem, sente-se justificado em sua gana de punir os galileus blasfemos. Decidi solicitar ao Sinédrio drásticas providências a respeito. Estevão tem que se defender pessoalmente por sua pregação herética. Gamaliel, sempre imbuído do espírito de justiça e conciliação, faz valer seu grande prestígio. Declara que tudo se resumiria a uma discussão em que Estevão devia fazer uma explanação das novas interpretações para que o tribunal pudesse aquilatar. Para desgosto de Saulo acontece o inesperado. Simplesmente, o pregador do Caminho Caminho recusa-se a comparecer. Segundo as leis do Sinédrio, após a denúncia pública, segue-se um processo em que o denunciado seria reconhecido ou não como blasfemo herege. Saulo não se dá por vencido. Chama Neemias, um de seus serviçais e o induz a apresentar denúncia contra Estevão. A notícia estoura como uma bomba na igreja do Caminho. Caminho. Os apóstolos, homens acostumados a enfrentar os infortúnios em nome da fé em Cristo, mantêm-se calmos apesar da furiosa tempestade que se avizinha. Sombrios dias se seguirão em face das ameaçadoras nuvens formadas pelo ódio exacerbado. O grande recinto do Sinédrio está ocupado por uma grande multidão ávida em assistir o esperado debate entre os sacerdotes e os homens daquela estranha seita conhecida por Caminho. Caminho. Saulo sabe muito bem que está lidando com um homem de notável inteligência. No cenário grandioso do Templo ainda afaga uma íntima esperança de persuadi-lo, revertendo-o ao judaísmo tradicional. De repente, surge Estevão sozinho para surpresa geral. É um cordeiro no meio de lobos famintos, à semelhança de Jesus Cristo. Havia rogado aos apóstolos que não o acompanhassem, pois aquilatou o enorme perigo de sua espinhosa missão. Caso a situação se agravasse, traria grandes prejuízos aos humildes companheiros, impotentes ante o poderoso tribunal. Aqueles homens impiedosos haviam encontrado um jeito de crucificar o próprio Messias. Por que não fariam o mesmo com eles? Saulo atuaria como uma espécie de promotor. Estevão aguardava sentado, tendo um sacerdote ao lado. Iniciada a sessão, a voz de Saulo, clara e vibrante, ressoou no recinto ao ler a peça acusatória. A seguir dirigiu-se ao acusado: - “Como vedes, sois acusado de blasfêmia, calunia e feitiçaria!” Depois das perguntas preliminares, declarou que Estevão não se eximiria dos pesados castigos caso perseverasse na doutrina afrontosa de um homem condenado à cruz infamante. E prosseguiu: - “Por que rejeitastes meu convite à discussão quando honrei a pregação no Caminho com a minha presença”? Estevão replica em voz firme:
- “O Messias, a quem sirvo, recomendou aos seus discípulos que evitassem o fermento das discórdias...”. discórdias...”. O acusado continuou sua defesa demonstrando calmamente a força de espírito daqueles que encontraram a verdade da fé em Cristo. Um despeitado Saulo de Tarso fica cada vez mais colérico. - “Sois acusado de blasfemo, caluniador e feiticeiro...” - “Mantenho “Mantenho a minha crença de que Jesus é o Salvador prometido. Jamais deixei de venerar a Lei e as Sagradas Escrituras, mas considero o Evangelho de Jesus o seu divino complemento...” - “Sois então de parecer - disse Saulo, sem dissimular sua visível irritação diante de tanta firmeza - que o carpinteiro é maior que o grande legislador?” - “Moisés é a justiça pela revelação, mas o Messias é o amor vivo e permanente.” Uma plateia colérica recebe as declarações de Estevão com gritos de injúria. Saulo, estimulado pelo apoio dos presentes, tenta impor-se ao lhe oferecer uma oportunidade de retratar-se, dizendo: - “Mas que proveito há na palavra insignificante e inexpressiva do operário ignorante de Nazaré, que sonhou com a glória e acabou pagando suas esperanças loucas numa cruz de ignomínia?”. Seguiu-se um duelo de ideias em que Estevão acha-se em total inferioridade numérica. Lá está sozinho contra uma turba de exaltados fanáticos, mas mostra-se à altura da confiança nele depositada por Cristo. O acusador prossegue com expressão crescente de ódio, acusando-o de caluniar Moisés. - “Não desdenho Moisés, mas não posso deixar de proclamar a superioridade de Jesus Cristo. Aqui estou para fazê-lo fazê-lo e saberei pagar pelo Mestre o preço da fidelidade”. O futuro apóstolo dos gentios havia encontrado um opositor à altura. Estevão, possuído por verdadeiro arroubo de fé, faz uma inesquecível preleção do cristianismo nascente. Tão grande é a fé e o seu poder de persuasão que alguns se deixam sensibilizar. Embora divinamente inspirado, semeia em solo árido, erodido pela incompreensão e incapaz de dar bons frutos. Somente poucos são capazes de captar a essência de suas palavras. Os fariseus percebem irados que o seguidor do Nazareno causa impressão crescente numa audiência tomada pela dúvida. Há que decidir-se de uma vez por todas a polêmica controvérsia apelando para os gritos. Saulo, ferido no seu amor próprio, ante um opositor que não se intimida e na verdade o supera, deixa-se dominar pelo ódio. Açulado pelo feroz coro de vozes, lança-se contra Estevão: - “Basta! Basta! Nem mais uma palavra!” E agride a socos o homem indefeso que mantém surpreendente calma, evitando qualquer reação de violência inútil. O doutor da Lei, chegado às últimas instâncias do desvario, acredita ter recuperado a superioridade perdida. Impotente para vencê-lo no campo das ideias, acha ter encontrado os meios para desmoralizá-lo, mediante o emprego simultâneo da força física, das zombarias e ofensas: - “Não reages covarde?” - “A paz difere da violência, tanto quanto a força de Cristo difere da vossa”. vossa ”.
Mais uma vez, quando pensava tê-lo aniquilado de vez, Saulo é abalado pelas palavras que o fazem sentir-se inferior ao oponente. Os olhos chamejantes do doutor da Lei transparecem uma fúria incontida. No intuito de saciar-se na vingança, solicita aos membros do Sinédrio a lapidação do homem que ignora ser irmão da amada noiva. É incentivado por frenéticos aplausos. Uma maioria insana quer vingar-se do insolente que teve a audácia de expor ideias estranhas em afrontoso escárnio ao farisaísmo. Há uma exceção entre aqueles religiosos demoníacos. Gamaliel, o bom fariseu, mestre espiritual da verdadeira Lei de Israel, é um sacerdote que conhece o significado da palavra compaixão. Sua estatura espiritual impele-o a agir segundo um profundo senso de justiça. Decide mediar com os colegas, intervindo para tentar salvar o irmão de Abigail da morte certa e cruel. Ele o faz porque tem um juízo imparcial e moderado sobre a nova fé. Assim, propõe: - “Tendo voto neste Tribunal e não desejando precipitar a solução, proponho que se estude mais ponderadamente a sentença pedida, retendo-se o acusado até que se esclareça a sua responsabilidade perante a justiça”. Saulo compreende que seu antigo mestre intercede movido por sua conhecida prudência e tolerância. Sente-se incapaz de desafiar sua veneranda autoridade. A proposta atenuada de Saulo foi aprovada por todos, inclusive por Gamaliel. O doutor da Lei usufrui o seu grande dia de vitória. As saudações e palavras de plena aprovação dos superiores, pares e amigos soam agradáveis ao seu ego insuflado pelo orgulho. Enquanto isso, o infeliz Estevão sofria confinado no cárcere, preso a pesadas algemas. Os sacerdotes do Templo depositam em Saulo uma grande esperança. Reconhecem nele aguda inteligência, entusiasmo e dinamismo, as virtudes essenciais para torná-lo brevemente um membro notável do Sinédrio. Mal raiou o dia, Saulo saiu disposto a arregimentar os asseclas simpáticos à sua causa cujo único objetivo resumia-se em aniquilar a estranha seita. Em breve, autorizado pelo Sinédrio, iria iniciar perseguições atrozes contra os homens do Caminho. Imbuído da ideia de vingança, despeitado pela desenvoltura de Estevão na tribuna, considera que este lhe havia imposto imperdoável humilhação a merecer o troco devido. Logo ele, Saulo de Tarso, incomparável no verbo, admirado por todos e considerado a nova esperança de Israel, além de filho de rico e prestigiado comerciante. Neste ínterim, veio ao conhecimento geral um fato que causou uma chocante surpresa geral. Estevão, apesar dos apupos raivosos da maioria da assembleia, havia conseguido o inacreditável. Obteve a conversão de alguns, uma mera minoria, mas altamente representativa. Dois judeus riquíssimos, Oseías Marcos e Samuel Natan, impressionaram-se deveras com a eloquente tese do discípulo de Jesus. Acreditaram naquele Messias que acenava com uma nova era para o judaísmo ao descortinar um horizonte de paz e amor. Uma conversão rápida e tão profunda que resultou na distribuição com os filhos da parte da herança que cabia a cada um e doação ao Caminho do Caminho do restante de seus bens. O próprio Simão Pedro os acolheu, esclarecendo em maiores detalhes a doutrina do Messias. A notícia inconcebível teve o efeito de uma bomba entre fariseus escandalizados. O perigo avultou iminente aos sacerdotes do Sinédrio. O judaísmo sentiu-se ameaçado. Mais
do que nunca urgia tomar repressivas medidas. Um celerado Caifás logo propôs que o zeloso doutor de Tarso fosse nomeado chefe e promotor de providências as mais urgentes possíveis em defesa acirrada da Lei. Mais impressionado com o potencial perigo da nova ordem ficou Saulo ao saber que o próprio Gamaliel havia ido visitar as instalações do Caminho, Caminho, após a prisão de Estevão, a convite do apóstolo Pedro. Pedro. “Mas, o que vem a ser tudo isso? Gamaliel visitando o Caminho? Caminho? Chego a duvidar da sua integridade mental”. As primeiras igrejas cristãs supriam a falta de hospitais e aqueles abrigados pela bondade dos apóstolos externavam gratidão. Pedro recebeu Gamaliel consciente de sua atitude nobre ao evitar o apedrejamento imediato de Estevão. O motivo de convidá-lo era ao mesmo tempo uma forma de agradecimento e, também, uma maneira de mostrar-lhe os serviços assistenciais. Gamaliel foi conduzido por Simão às dependências depen dências internas, sendo que na enfermaria teve uma grande surpresa ao deparar-se com um u m velhinho de miserável aspecto. - “Samônio, tu aqui? Então, tu abandonaste Cesárea?” - exclamou admirado. Aos prantos, comovido por reencontrar um grande amigo, o pobre homem conta-lhe sua desgraça. Homem muito rico e prestigiado, fora inesperadamente vitimado pela lepra. Ao tomar conhecimento da doença, não só foi evitado pelos amigos, mas igualmente pelos próprios filhos. Estes ainda se aproveitaram para tomar-lhe todos os bens. Por fim, como se fosse desgraça pouca, conseguiram que fosse abandonado no vale dos imundos para sofrer o fim comum dos condenados à morte pela terrível moléstia. Depois de muitos padecimentos ouviu falar do Messias Salvador. Fugiu e encontrou cura e abrigo no Caminho. Caminho. Gamaliel, ouvindo atônito como os caminhos do destino são caprichosos, pôs-se a refletir. Ele mesmo aconselhara esse recurso extremo a tanta gente. Naquele instante passou a compreender melhor o êxito da doutrina de um Jesus desconhecido, ignorado pela sociedade culta e abastada de Jerusalém, mas que triunfava no coração dos deserdados da sorte. No entanto, ainda relutava em considerá-lo o verdadeiro Messias. Por isto, tenta afastar uma incômoda comparação entre a Lei antiga e as novas revelações, comentando com os apóstolos: - “Acredito que Jesus de Nazaré, de fato, foi um modelo de renúncia em prol de ideias que até hoje não pude compreender; mas daí a considerá-lo considerá-lo o próprio Messias...”. Simão ouviu-o em humilde silêncio, compreendendo a posição do Mestre de Israel, notório amante da Lei. Em uma manhã, o doutor da Lei irrompeu inesperadamente com soldados e companheiros nas instalações do Caminho. Caminho. Simão Pedro veio atendê-lo mantendo serenidade, mas o pavor dominava os mais tímidos. O ambiente de paz e humildade reinante induziu Saulo a escarnecer do que julgou uma prova de covardia. Pedro serenamente respondeu-lhe: - “Enganai-vos “Enganai-vos quando assim julgais. O discípulo do Evangelho é apenas inimigo do mal e na sua tarefa coloca o amor acima de todos os princípios. Além do mais, nós consideramos que todo jugo por Jesus é suave”. Saulo sem conseguir dissimular o efeito que a resposta lhe causara, manda um dos homens da escolta algemá-lo. Em seguida, João e Felipe foram igualmente presos. Faltava Tiago que era considerado também um dos elementos mais importantes. Encontram-no
ajoelhado e com o semblante pálido, lendo um rolo de pergaminho da Lei de Moisés. Surpreendido ante a cena, o rabino de Tarso exclamou: e xclamou: - “Que é isso? Há aqui alguém que cuide da Lei?”. - “Senhor, jamais esqueci a Lei de nossos pais. Meus avós ensinaram -me a receber de joelhos as luzes do profeta santo”. Saulo ficou desarmado com a súbita resposta. Ele estava ali para combater os inimigos das tradições, mas viu um homem ajoelhado diante das Escrituras, num modo adotado pelos mais ardorosos adeptos da fé tradicional. Perplexo, indaga-lhe desconfiado: - “Mas não és amigo do Carpinteiro?” - “Não me consta que a Lei nos impeça de ter amigos” - retruca Tiago, revelando notável presença de espírito. - “Mas, que escolhes? A Lei ou o Evangelho? Qual dos dois vem em primeiro lugar?”lugar?” insiste o rabino. - “A Lei é a primeira revelação divina”. Desconcertado com a firmeza das respostas, resolve deixá-lo em paz. É o único dos apóstolos presentes que se livra da prisão. A inesperada benevolência de Saulo convence Tiago de que se deve conciliar com temor e zelo a nova Fé com a Lei antiga. Uma convicção ingênua porque o farisaísmo será sempre irredutível e intolerante. Em qualquer hipótese, será rejeitada radicalmente a seita do Nazareno. Alguns anos depois, o irmão de Jesus vai ser martirizado pelos fariseus. Agora é fácil criticá-lo, todavia vivia-se uma fase inicial em que a semente lançada por Jesus estava lutando para não perecer sob a implacável tormenta farisaica. Constituía uma incógnita saber qual o caminho ideal para o cristianismo tornar-se a maior religião da humanidade. Jerusalém regurgitava de criaturas que se interessavam pelas ideias do Nazareno. Saulo aproveitou-se do ambiente favorável para apontar o perigo que se avolumava. Uma justificativa para incrementar múltiplas prisões e inquéritos rigorosos. Ele havia motivado a primeira perseguição coletiva contra o cristianismo. Os cárceres enchiam-se de vítimas inocentes. Alguns se atemorizaram e para salvar a pele desdiziam a Nova Fé. Mesmo assim, só eram libertados depois de sofrer vis chibatadas. Saulo de Tarso estava decidido a exigir a condenação capital de Estevão e dos três apóstolos, Pedro, Felipe e João. Felizmente, a intervenção providencial de Gamaliel permitiu salvar a igreja incipiente. O venerando ancião conversou com o sumo sacerdote. Em seguida, chamando Saulo à parte, perguntou-lhe qual sentença apresentaria. Saulo queria a morte dos quatro apóstolos, alegando ale gando que era preciso arrancar o mal pela raiz. O ancião viu-se obrigado a fazer valer sua autoridade moral de tutor espiritual e mestre do jovem rabino desde a juventude. Apelou para a generosidade de seu protegido, lembrando-lhe que aqueles homens se entregavam a uma obra assistencial relevante. Saulo não se impressionou com o trabalho humanitário citado. Chegou a imaginar que a senilidade havia debilitado o mestre. No entanto, ficou calado porque temia afrontá-lo. A sentença de Estevão já havia sido divulgada publicamente e não seria possível recuar. Chegou-se a um acordo. Pedro e Felipe seriam circunscritos tão somente às obras assistenciais. João seria banido de Jerusalém. O Sinédrio aprovou a sentença com satisfação, pois a sentença agradaria uma parte da população menos favorecida. Saulo, o pupilo do Sinédrio em evidente ascensão, foi designado para presidir a execução. Gamaliel teve que
se conformar com o sucesso parcial, mesmo assim obtido mediante enorme esforço. E sem os três apóstolos é difícil imaginar o que seria do cristianismo nascente. A morte de Estevão viria a ser uma tragédia dupla. Saulo amava a noiva e pretendia casar-se o mais breve possível. O destino do irmão de Abigail continuava ignorado, apenas sabiam que fora condenado às galés. A noiva nutria o sonho de um final feliz quando Saulo conseguiria libertá-lo, propiciando a efusiva alegria de ver Jeziel presente no enlace matrimonial. Saulo com visível orgulho convidou Abigail para assistir a morte de Estevão, um momento especial em sua brilhante carreira sacerdotal que desejava compartilhar com a mulher amada. Ficou decepcionado ao ver que a noiva não correspondia às suas expectativas, não demonstrando qualquer entusiasmo. Na verdade, Abigail fez uma tentativa frustrada sugerindo-lhe modificar o apedrejamento de Estevão em outra pena menos cruel. Saulo contra argumentou com veemência que a máxima benevolência já havia sido concedida ao perigoso contestador da Lei de Moisés. Três companheiros seus haviam sido libertados, uma prova do espírito de justiça e tolerância do Sinédrio. Ele fora sentenciado à pena capital porque se avultava como o mais perigoso dos seguidores do Nazareno. Empalideceu a jovem diante da insistência insistência do noivo, esboçando esboçando uma reação de recusa. - “Não haveria um meio de me poupares a este espetáculo? A morte de meu pai, supliciado diante da brutal soldadesca, jamais me saiu da mente”mente”- insistiu com timidez. Saulo rebateu com explicações adicionais, evidenciando o seu desapontamento com a incompreensível posição de Abigail. Por fim, sem querer mais desagradá-lo com recusas, aquiesceu, porém dizendo-lhe que somente iria quando a cerimônia estivesse para findar. O doutor da Lei abriu um amplo sorriso de contentamento. Reitera que somente a posição recalcitrante de Estevão havia tornado a indulgência impossível. Chegou o dia da execução. Os seguidores do Caminho receberam ordens para não comparecer ao local de execução. Naqueles tempos, a morte por lapidação atraía grande multidão de curiosos ávidos por fortes emoções à custa da desgraça alheia. Estevão chegou escoltado após o meio dia. Os sofrimentos ao longo de dois meses de cárcere eram visíveis tanto no modo de andar, como nas equimoses das mãos e dos pés e na face de barba crescida. Apesar dos pesares, o semblante conservava um olhar bondoso a transmitir o fulgor de sempre. O inflexível doutor da Lei faz a leitura do libelo. Fiel à promessa feita à bondosa Abigail de dar-lhe uma última chance de retratação, dirige-se ao condenado em tom severo e frieza metálica. Os olhares se concentram em Estevão na expectativa de vê-lo renunciar à crença no Nazareno. Seria humano e compreensível que o instinto de sobrevivência falasse mais alto no derradeiro instante e se visse compelido a abdicar de toda sua convicção para salvar a própria vida. Seria perdoável diante de enorme sofrimento, mas o novo discípulo mantém-se fiel a Cristo mesmo na iminência de uma morte atroz. Seria o primeiro mártir do cristianismo que como “arauto de Cristo” prefere dar a vida por quem “se imolou na cruz pela humanidade humanidade inteira!”. Uma multidão furiosa exige com gritos a morte do jovem cristão. Saulo está preocupado tão somente com o fiel cumprimento legal. O essencial é manter a ordem regulamentar da Lei por mais perversa que seja. É o modo primário de justifica r a “justiça”. Ainda hoje em dia inocentes sofrem execuções imerecidas como se o Estado fosse senhor
da vida e da morte dos seres humanos, pois já faz parte da literatura criminal a ocorrência de lamentáveis erros judiciais. Escoltaram o mártir para o local da execução. Apesar de cambalear, Estevão mantinha o olhar “sereno e firme, revelando desassombro nos derradeiros instantes”. Saulo havia preparado tudo de acordo com o espírito farisaico, servo das minúcias e regras estritas. Ao fundo do pátio, o apóstolo foi atado a um tronco, aguardando-se para iniciar na hora precisa a terrível cena. Naquelas primeiras horas da tarde, o sol de Jerusalém resplandecia ardentemente, mas nem por isso a multidão esmorecia no sádico intento de assistir à cruel cena da lapidação do humilde jovem. Cada delegado indicado pelas sinagogas ao chegar se apresentava a Saulo. As testemunhas da morte entregavam-lhe o seu manto enfeitado de púrpura, expressando nos semblantes sérios a sensação do dever cumprido. A uma ordem de Saulo, iniciou-se a execução. A primeira pedra ressoa no corpo vítima como um incentivo à crueldade. Os verdugos procedem com satisfação, cada um visando um ponto preferido. Um deles exprime o sadismo do populacho ao sugerir que lhe poupassem a cabeça para permitir o prolongamento do espetáculo. Os gritos e berros de apupos se sucediam na turba estimulada pela visão do sangue a escorrer do condenado. Espantosamente, Estevão permanece sereno olhando os algozes. Lágrimas silenciosas escorrem dos olhos sem revelar temor nem turbação! tu rbação! Saulo regozijava-se regozijava-se com o que considera “um grande triunfo na conquista das atenções de Jerusalém”. Está cheio de orgulho por caber-lhe caber-lhe a iniciativa de perseguir os seguidores do Caminho. Caminho. Não obstante, a surpreendente serenidade de Estevão não deixa de intrigá-lo. Seu peito nu é uma chaga sangrenta e as vestes esfrangalhadas colam-se ao corpo, empastadas de suor e sangue. O doutor da Lei é movido pelo ódio, mas Estevão pelo amor. Ainda encontra forças para perdoar Saulo. E suas palavras vão ecoar nos ouvidos do doutor da Lei, atingindo-lhe a alma. - “Senhor, não lhe imputes este pecado”. Voltando o olhar para o rabino, eis que se surpreende ao divisar ao seu lado a figura da irmã. A emoção o domina, do mina, sentindo-se desfalecer porque as forças lhe l he faltam finalmente. Mesmo assim, ainda consegue pronunciar o nome da irmã. Abigail surgiu em cena nos últimos momentos da execução, mas ainda conseguiu escutar o condenado, reconhecendo sem sombra de dúvida no olhar fulgurante e límpido do homem todo ensanguentado o próprio irmão. - “Saulo! Saulo!... é meu irmão” - exclamou aterrada. - “Que dizes? - gaguejou baixinho o doutor de Tarso, arregalando os olhos. - “Não pode ser! Enlouqueceste?” - “Não, não, é ele! ””- repetia tomada de extrema palidez. - “É Jeziel” - insistia Abigail assombrada. - “Querido; concede-me concede-me um minuto, deixa-me falar ao moribundo apenas um minuto! ” - “Impossível! ””- replicou o moço, contrafeito. - “Saulo, pela Lei de Moisés, pelo amor de nossos pais, atende!”atende!”- exclamava com dolorosa insistência. Saulo sem acreditar em semelhante coincidência, pois havia também a diferença de nomes, julgou a princípio que a afetuosa noiva deixara-se levar pelo delírio de uma
impressão falsa. No entanto, viu-se constrangido a atendê-la. Chamou um auxiliar e mandou-o levar o cadáver para o gabinete dos sacerdotes. Ordena a saída dos auxiliares e fecha a porta. Abigail aproxima-se do irmão que erguendo a cabeça ensanguentada num penoso esforço da derradeira agonia, consegue murmurar: - “Abigail! ...” - “Jeziel!”“Jeziel!”- exclama a irmã regando de lágrimas a fronte do moribundo. - “Como te vejo eu!... Parece que o teu suplício perdurou desde o dia em que nos separamos!” - e soluçou. - “Estou bem...Não chores...Eu estou com Cristo!...” - “Quem é Cristo?”, murmurou a jovem. “Por que te chamam de Estevão? Como te modificaram assim?”. - “Jesus ... é o nosso Salvador... E agora me chamam de Estevão... um romano generoso me libertou...mas pediu...absoluto segredo...”. Vendo que a irmã prosseguia em soluços, continuou: - “Sei que vou morrer... mas a alma é imortal... Sinto deixar-te... deixar-te... quando mal torno a ver-te, mas hei de ajudarajudar-te te do lugar em que estiver”. Abigail ao ouvir falar de Jesus lastima-se porque considera que Ele o havia levado a tal fim, mas o moribundo admoesta-a com carinho tecendo louvores ao Cristo... - “Este é o meu noivo” - esclarece a jovem desviando o olhar para o moço de Tarso, que parece petrificado. O moribundo contempla-o sem ódio e nem censura: - “Cristo os abençoe... Não vejo no teu noivo um inimigo, vejo um irmão... Saulo deve ser bom e generoso; defendeu Moisés até o fim... Quando conhecer a Jesus, vai servi-Lo com o mesmo fervor...”. Ouvindo as últimas frases, o doutor de Tarso faz-se lívido. A compaixão, resignação e doçura do agonizante perturbam-lhe o entendimento. Preferia ser odiado e amaldiçoado. De onde vem tal estranha paz de espírito desconhecida por ele? Ainda num breve espaço de tempo os irmãos trocam ternas palavras numa lembrança ao passado distante, como despedida final. Súbito, seu querido Jeziel aquieta-se para sempre exalando o último suspiro. Dorme o sono dos justos e segue em espírito para a companhia do Mestre e discípulos que o aguardam na dimensão celestial. A reação a seguir de Saulo foi a mais desconcertante que a noiva poderia esperar. Sim, acontecera uma grande tragédia, todavia Estevão havia-lhe perdoado, deixando o caminho livre. Uma perspectiva de um futuro feliz para ambos se descortinava. Não obstante, vencido pelo orgulho egoísta, atado aos preconceitos da Lei, tentando ser imune à compaixão, fala-lhe friamente: - “Abigail tudo está consumado e tudo terminou, também entre e ntre nós”. - “Tudo terminado entre nós, por que ? ...” O inflexível fariseu explica-lhe que não poderia desposar a irmã de um inimigo de maldita memória... , nem mesmo ser seu amigo porque “na sinceridade dos de nossa raça, os que não são amigos a migos são inimigos”. Abigail arrasada pelos trágicos acontecimentos, como se uma desgraça não bastasse se cala, perguntando-se: perguntando-se: “Que poder teria o Nazareno para atrair tantas dedicações e provocar tanto ódio?... Jeziel possuía um espírito puro, como se deixara seduzir por este
pretenso Messias?”. A partir daquele instante passaria a interessar-se interessar -se por aquele Jesus que intuía havia sido odiado injustamente como o próprio irmão. Daí a alguns minutos o velho Gamaliel chegava querendo falar com seu ex-discípulo. Trouxe inicialmente a notícia que o jovem fariseu mais ansiava ouvir. O ancião havia notificado ao Sinédrio que pretendia retirar-se das funções. Iria dali por diante repousar e meditar. Indicara aos pares a pessoa mais certa para substituí-lo - o moço de Tarso, que recebeu aprovação unânime e imediata. Ironicamente, a vitória vinha com um gosto amargo de derrota. Saulo agradeceu-lhe sem esconder o abatimento e a profunda tristeza que o dominava. Gamaliel, a seguir faz-lhe um pedido e uma confissão que soam estranhamente aos seus ouvidos. Em atendimento ao pedido de Simão Pedro, a quem considera um amigo, solicita-lhe o cadáver da vítima para ser entregue aos membros do Caminho. Caminho. - “ Dizeis vítima?...A vítima?...A existência de uma vítima vítima pressupõe um algoz e eu não sou verdugo de ninguém. Defendi a Lei até ao fim. O sacerdote compreende a reação do pupilo e pede-lhe para não considerar suas palavras como uma recriminação, deixando Saulo estupefato. Apesar de rodeado por amigos que procuram alegrá-lo, das inúmeras taças de júbilo, um turbilhão de pensamentos angustiados povoa-lhe a mente. A comemoração se adentrou pela noite, criando um ambiente de falsa alegria. Abigail havia ido embora, afugentada por ele próprio qual uma avezinha ferida. Por sua vez, ele sentia-se mais só do que nunca, sem conseguir fugir de imensa tristeza. Abigail adentrou na casa dos pais completamente arrasada física e mentalmente. Não é de se espantar que logo a seguir lhe tenha acometido uma febre violenta. Tentaram informar Saulo sobre o delicado estado da jovem, mas o futuro membro do Sinédrio ao substituir Gamaliel em importantes funções religiosas estava cada vez mais fascinado por um fanatismo cruel e havia desistido da noiva. A ambicionada carreira de sacerdote vinha antes de tudo, acreditava equivocadamente. Não imaginava que a doença de Abigail resultou de seu imensurável egoísmo. Saulo é tudo para ela - o céu e a terra. Sua apaixonada noiva sente-se como se Deus a tivesse abandonado num limbo de solidão. Saulo, nem por sombra, aquilata o enorme amor que lhe devota com tanta sensibilidade e pureza. A seguir, Saulo entrega-se aos maiores desmandos. Livre das sábias advertências de Gamaliel e sem a presença doce da noiva para abrandar-lhe o gênio, parecia um tresloucado a extravasar ódios. Todo o insucesso de seus planos pessoais atribuía àquele Messias que não conseguia compreender. Sendo impossível achá-lo para saciar-se mediante uma requintada vingança pessoal, decidiu persegui-lo nos seguidores do Caminho. Oito meses decorreram desde a morte de Estevão. Um remorso crescente e angustiante não cessa de remoer-lhe a alma. É a severa pena por ter abandonado o grande amor de sua vida. Por fim, vencendo hesitações, retorna um dia à casa de Abigail. O bom Zacarias de sempre o recebe com carinho. Explica-lhe que a filha adoecera e já não há qualquer esperança. Havia mandado inutilmente avisar Saulo por várias vezes. Abigail sempre o defendia alegando que o noivo achava-se ocupado com suas importantes funções religiosas. A morte do irmão em circunstâncias tão trágicas foi mantida em segredo para não comprometer o doutor da Lei. Zacarias e a esposa de nada sabiam.
Reclinada no leito, a moça estampa no rosto profundo abatimento. Ao vê-la, Saulo não dissimula o espanto. Zacarias e a mulher deixam-nos a sós. - “Abigail! Abdiquei do meu orgulho e da vaidade de homem da Lei para vir até aqui. Quero saber se me perdoaste e não me esqueceste!”. - “Esquecer-te? “Esquecer-te? - responde de olhos úmidos - Não me fales igualmente em perdão, pois acaso poderá alguém perdoar a si mesmo? E nós, Saulo, pertencemo-nos um ao outro para a eternidade. Não me disseste, muitas vezes, que eu era o coração do teu cérebro?” Trocam juras de amor, porém Abigail exprime a estranha intuição que o destino vai separá-los novamente porque a morte inevitável se avizinha para levá-la de uma vez. Em vão tenta o jovem demovê-la da ideia triste. Pede-lhe para renovar as esperanças em um futuro feliz. Fica estarrecido ao saber que Ananias, um adepto do Nazareno, vem constantemente consolá-la. Pior ainda, deixou-se seduzir convertendo-se à nova seita. - “Aí de mim! Ai de mim, em toda parte topo com o carpinteiro de Nazaré! Que flagelo! Procura raciocinar por ti mesma! mesma! O que te deu o crucificado senão tristeza e desolação?”, - “Enganas-te, “Enganas-te, Saulo!... Seu evangelho de amor é o tesouro divino dos sofredores e deserdados do mundo”. - “Sempre o mesmo refrão de ter vindo em benefício dos doentes e desafortunados, mas as tribos de Israel não se compõem apenas de criaturas dessa espécie. E quanto aos homens valorosos do povo escolhido? E as famílias de tradições respeitáveis? Estão fora da influência deste salvador?”. Apesar da diferença radical de opiniões, Saulo ama-a desesperadamente e se apega à esperança de vê-la restabelecida para ainda se casarem. Ao despedir-se, quer saber se realmente o perdoou pela morte do irmão. Ela o confirma com toda sinceridade. Os trágicos eventos passados foram obras do destino para permitir que conhecessem Cristo, explicalhe. Uma pesada amargura abate-se sobre a mansão de Zacarias. A filha dileta, a noiva amada, a amiga carinhosa das flores e dos passarinhos, vai-se para a companhia de Estevão. Saulo fica arrasado com a morte da noiva. Amargamente se vê mergulhado em angustioso arrependimento. A rigidez das suas paixões aniquilara as possibilidades de felicidade mútua. Lastima-se, porém colocando a culpa de todos os acontecimentos funestos no falso Messias. Não havia passado um dia, desde o martírio de Estevão, que pudesse desvencilhar-se das estranhas palavras do seguidor do Nazareno. Esforçava-se, contudo, para ser o inflexível Saulo de Tarso de sempre, disposto a entregar-se de corpo e alma na defesa da Lei de Moisés, preservando a fé e a tranquilidade de seus patrícios. Em decorrência da conversa com Zacarias, convenceu-se de que o ódio a Jesus deveria concentrar-se em Ananias, o adepto do Caminho, responsável único pela conversão de Abigail ao falso Messias. Se não fosse sua danosa influência, tirando-lhe toda vontade de viver, não a teria perdido. Debalde, o velho Zacarias quis demovê-lo da ideia e até defendeu Ananias com ardor. Acreditava que ele trouxera conforto à filha na incurável doença. Um irredutível Saulo mandou seus informantes descobrirem a qualquer custo onde podia encontrar Ananias para deleitar-se com uma vingança cruel e definitiva. Conseguiu descobrir que ele se encontrava em Damasco, somente depois de mandar torturar inúmeros prisioneiros adeptos do Nazareno. Na capital da Síria haviam-se refugiado muitos outros, fugindo à implacável perseguição.
Com sua carismática personalidade e influente verbo foi fácil convencer os membros do Sinédrio a apoiarem-no na perseguição implacável aos primeiros cristãos em Damasco. Comandando uma pequena caravana desloca-se de Jerusalém em direção à extensa planície da Síria. No entanto, agravam-se as recordações amargas da noiva afligindo-lhe a alma. Anseia por uma serenidade de espírito que não consegue alcançar. Os mestres de Israel preconizavam a observância integral da Lei, mas esta não parecia responder às suas inquietações. No íntimo, debatia-se sob a ação de forças antagônicas e irreconciliáveis. A imagem de um Estevão ensanguentado, ainda perdoando-lhe, vinha-lhe constantemente à mente. Seu perdão lança dúvidas sobre a justiça de seus atos. Intimamente sabe com grave pesar quem é o verdadeiro culpado da morte da noiva - ele próprio - todavia reluta em admitir. A verdade dolorosa é que se encontra atormentado, sem paz de espírito, não obstante a conquista das invejáveis conquistas e privilégios que sempre almejou na vida. Enquanto recorda suas mágoas, descortina Damasco com seus contornos de cúpulas cinzentas a esboçar-se ao longe. Cavalga célere com porte airoso à frente do grupo, mas sua alma acha-se sob a forte tensão de pensamentos opostos. Uma avalanche de dúvidas tumultua-lhe a alma e o remorso oprimi cada vez mais seu coração. A inabalável convicção dos fanáticos vai-se esvaindo deixando-o inseguro da certeza de suas ações. Imagens de cenas passadas quando sua fé distorcida levou-o a maldades atrozes se lhe avultam na mente. Os olhares amedrontados das inocentes criancinhas, as fisionomias compungidas dos apóstolos do Caminho, Caminho, as derradeiras palavras de um Estevão a esvair-se em sangue, vítima de tremenda brutalidade da qual, ele Saulo, foi um mentor impiedoso, ressurgem em muda acusação. E o rosto tristonho da noiva amada parece estar vívido ante seus olhos como uma incômoda realidade a qual não pode fugir. Saulo de Tarso acha-se imerso em crescente angústia e em via de perder todo controle emocional. Um forte nó na garganta assinala um arrependimento inevitável que não pode ignorar... Em dado instante sente-se envolvido por luzes resplandecentes vindas do alto. Receoso, volta-se aflito para pedir auxílio aos subordinados, mas perde o equilíbrio e tomba da montaria. Outra luz mais fulgurante ainda surge-lhe aos olhos deslumbrados. Vê embevecido delinear-se a figura de um homem de majestosa beleza, dando-lhe a impressão que desceu do céu ao seu encontro. Sua túnica resplandece, os cabelos tocam-lhe nos ombros, os olhos irradiantes transmitem simpatia e amor inigualáveis, iluminando uma fisionomia grave e terna onde paira divina tristeza. Num tom de voz paternal, o desconhecido faz-se ouvir: - “Saulo!...Saulo!...Por que me persegues?” Seus companheiros nada veem ou ouvem, apesar de terem percebido uma grande luminosidade. Saulo, em voz trêmula e receosa, com o coração comprimido exclama: - “Quem és tu, Senhor?” Num tom de inconcebível doçura vem a incrível resposta: - “Eu sou Jesus! A quem tu persegues...”. Diante dos olhos, um extasiado Saulo tem agora o Messias magnânimo e incompreendido! As palavras de Estevão despontam como a verdade mais pura ao contemplá-Lo no esplendor de sua glória! Saulo vê Cristo exaltado em sua divina grandeza
espiritual e revelado na dimensão celestial como o Filho de Deus por excelência. Desfrutar da sua indelével presença é o mesmo que estar nos céus. O orgulhoso doutor da Lei coloca-se de joelhos, ouvindo-Lhe a mensagem em pranto convulsivo. O Mestre convoca-o à divulgação da Nova Fé. Num átimo compreende que o Messias é o Caminho, Caminho, a Verdade e Verdade e a Vida. Vida. Em uma torrente de lágrimas tenta clamar suas infindas desilusões, mas embarga-lhe a voz. Jesus mostra-lhe o caminho da verdade: - “Não recalcitres contra os agulhões”, decerto, na linguagem figurada da época, disse Jesus: “Não adianta lutares contra a tua própria consciência”. O Mestre dos mestres sabe que Saulo está em conflito consigo mesmo. O seu lado negativo sufoca o eu o eu verdadeiro verdadeiro que anseia por libertar-se do mal a fim de exprimir a mais pura bondade. O rabino teima em reconhecer que os valores tradicionais apenas encobrem as falhas humanas, dando-lhes um aspecto regulamentar de aparente correção. Não há compaixão e bondade na velha Lei, portanto não há justiça. As virtudes valiosas foram deturpadas pela hipocrisia. O judaísmo tribal está restrito tão somente a defender os egoísmos da raça a qualquer custo, mesmo causando sofrimento e morte às suas vítimas. Gamaliel, Nicodemos e José de Arimatéia foram louváveis exceções. Resta tão somente a injustiça aliada à perversidade que são as únicas armas disponíveis para eliminar os inocentes. O próprio Messias, Estevão e outros foram lastimáveis exemplos. Saulo derrama copiosas lágrimas ante o Filho de Deus. A visão de Cristo ressuscitado renova-lhe integralmente as concepções religiosas de um modo espetacular e definitivo. Daí em diante seu impulso será em direção oposta. De perseguidor implacável dos cristãos, um Saulo convertido empunhará, ele próprio, a cruz do cristianismo, espalhando a Nova Fé, principalmente entre os gentios como lhe foi ordenado. Vai entregar-se a Cristo de corpo e alma como um servo leal, dedicado ao extremo e fiel até o martírio. O doutor da Lei transforma-se e surge de modo sui generis generis um dos maiores santos do cristianismo - São Paulo. Contagiado pelo amor divino, pergunta cheio de emoção: - “Senhor, que queres que eu faça?” - “Levanta-te, “Levanta-te, Saulo! Entra na cidade e lá te será dito o que t e convém fazer!...” A visão celestial se desvanece e o moço de Tarso encontra-se mergulhado num mar de sombras. Cego, foi conduzido pelos companheiros atônitos e confusos para Damasco. Para encerrarmos este resumo, diremos apenas que foi socorrido por ironia do destino pelo próprio Ananias, o alvo de sua ira. O ódio cego foi abandonado e em clima de amor fraterno surge o amigo enviado pelo Mestre para socorrê-lo, livrando-o da momentânea cegueira e batizando-o na Nova Fé. O comportamento de Saulo até o momento de sua conversão quase instantânea permite-nos concluir que, quanto maior o zelo de um fariseu na observância da Lei, mais propenso estaria à intolerância radical, traduzida em hostilidade mortal contra os seguidores de Jesus. Uma religiosidade exacerbada sem respaldo espiritual conduz ao fanatismo. Há que se distinguir entre espiritualidade e religiosidade. Em suma, a religião é um meio, a espiritualidade - o fim. Deus é a Espiritualidade Suprema e inatingível por definição. O amor divino não deve ser distorcido por “regrinhas religiosas” criadas por homens medíocres que espelham tão somente um nível espiritual precário, ainda em fase inicial de evolução. Assim, não conseguem discernir entre o bem e o mal e se regalam perversamente ao praticar este último.
Por isso, aqueles mais desatados do ritual regulamentar, os humildes, os deserdados da sorte, os sofredores, mas de coração mais puro, iriam sensibilizar-se com a doutrina de Jesus e aceitá-Lo como o prometido Messias em contraposição aos poderosos sacerdotes, os arrogantes membros da soberba elite dominante. Os primeiros seguidores do Mestre foram homens de boa vontade e receptivos à mensagem divina, pois formavam o solo fértil onde as sementes da Nova Fé iriam vicejar dando infindáveis frutos. Eles seriam os santos mártires do cristianismo nascente cujo sangue derramado não seria em vão, pois enseja ao longo dos tempos o surgimento paulatino de auspiciosa era de paz e fraternidade em prol da humanidade, de modo a cumprir finalmente os desígnios divinos.
CAPÍTULO 8
A ELITE SACERDOTAL O Messias não veio como um líder poderoso de alta estirpe, oriundo da classe dominante, capaz de preencher as expectativas fantasiosas do povo judaico e devolver-lhe a identidade aprisionada. Os judeus queriam um conquistador, um Davi redivivo capaz de expulsar os dominadores romanos num passe de mágica. Então, seria a vez dos gentios sofrerem o peso da vingança. Jerusalém passaria a ser a sede de um império magnífico e os filhos de Israel usufruiriam a oportunidade única do poder e da glória terrena. Em vez disso, surge um humilde homem do povo, um fazedor de milagres a pregar estranhas ideias sobre um etéreo reino dos céus, quando almejam de fato um tangível reino na terra. Ainda mais, um crítico contundente da hipocrisia da classe sacerdotal, à semelhança da maioria dos profetas, perseguidos e mortos pelo seu próprio povo. A elite sacerdotal judaica representada pelo Sinédrio considerava-se a única com autoridade para interpretar a Lei de Moisés. Era uma classe soberba e opulenta que detinha o monopólio do poder político-religioso, usufruindo enormes vantagens e alto prestígio, com o agravante de ser propensa ao ódio, a rixas mesquinhas entre seus membros, além de escrava de uma notória avareza. Ao longo dos tempos, líderes que surgissem fora da instituição e do seu controle não lhe caiam no agrado. João Batista e Jesus Cristo pregavam com autoridade. Ao rei Herodes, não agradava a influência do primeiro junto ao povo. Flávio Josefo, o famoso historiador judeu, conta-nos que João Batista possuía nobreza de alma e pregava um comportamento isento de pecados ao povo. Temendo que tal benéfica influência viesse a transformar-se em perigo real, Herodes mandou prendê-lo e por fim matá-lo. Semelhante atitude por parte dos sacerdotes do Sinédrio vai ocorrer em relação a Jesus Cristo. O Messias prega com autoridade e valoriza a essência boa do judaísmo. Declara, inclusive, que não pretende tirar um jota da Lei de Moisés. Não obstante, a hipocrisia farisaica apegada à interpretação ortodoxa da Lei, contesta-lhe os ensinamentos.
Na verdade, todo fariseu sincero deveria apoiá-Lo de todo o coração, mas apenas alguns o fizeram. Os demais amargavam tremenda inveja por causa dos aplausos da massa popular carente. Olhavam suas pretensões como uma usurpação das suas legítimas prerrogativas religiosas cujos intérpretes só poderiam ser eles próprios, os donos da verdade. Dominados pelo despeito, acirrados pelo ódio, vão declarar que estranhas artes diabólicas estão atrás das curas milagrosas e da expulsão de demônios. Dois acontecimentos fizeram transbordar o manancial de ódio da elite judaica, levando-os em caráter definitivo à represália fatal contra o novo profeta. Os sacerdotes vinham acumulando ressentimentos devido à crescente influência que o Nazareno exercia sobre a multidão que o cercava em busca de milagres e deixava-se impressionar por seus sublimes ensinamentos. Para muitos, despontava naquele momento um Messias provável, senão de fato. O primeiro acontecimento foi por ocasião da sua entrada triunfal antes da Páscoa em Jerusalém. Encontrava-se no auge da fama porque recentemente ressuscitara Lázaro dentre os mortos, um milagre sem precedentes, a ressaltar-se entre centenas de outros. A incrível notícia espalhou-se aos quatro ventos causando grande sensação, inclusive entre os numerosos judeus vindos de fora para comemorar a festa sagrada na Cidade Santa. Assim, é natural que uma multidão acorresse movida por espontânea curiosidade. Esta ocasião lhes propiciaria a oportunidade única de presenciar a entrada triunfal do Messias montado num jumento na Cidade Santa. Cumpria-se naquele momento de glória o que fora previsto nas escrituras: “Eis aí te vem o teu Rei, humilde, montado em jumento...”. O povo deixou-se deixou -se contagiar pelo entusiasmo, visto que “a maior parte da multidão estendeu as suas vestes pelo caminho, e outros cortavam ramos de palmeiras, espalhando-os pela estrada. E as multidões, tanto as que o precediam, como as que o seguiam, clamavam: Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas maiores alturas!”. E quando alguns perguntavam quem era, diziam: “Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galiléia”. Vemos aí, Jesus Cristo aclamado delirantemente pelo povo como um profeta notável e legítimo herdeiro de uma autoridade singular legada pela tradição judaica. A expressão “Filho de Davi” sugere a aceitação tácita de que era o Salvador prometido pelas Escrituras. Os profetas sempre foram personagens de importância fundamental na cultura hebraica. Naquele momento extraordinário reconheciam nele a autoridade natural que acreditavam ser outorgada pelos céus aos profetas de Israel. Em contraposição, os altos sacerdotes consideraram a apoteose popular ao humilde carpinteiro uma afronta inadmissível ao prestígio do Sinédrio. Ora, para a arrogante elite judaica, o Nazareno não passava de um João Ninguém, um zero à esquerda, um usurpador tentando roubar-lhes uma atribuição legal reconhecida até por Roma. Talvez imaginassem que Jesus nutrisse a veleidade política de assumir o poder temporal no mundo judaico. Um líder em potencial que poderia acarretar uma repressão romana se galvanizasse o sentimento de oposição dos fanáticos zelotes e simpatizantes. O Sinédrio temia ser responsabilizado e deixar de usufruir a tolerância dos dominadores. Tal desgraça redundaria na perda de seu privilegiado modus vivendi. vivendi. Entretanto, por ocasião da crucificação do Salvador vemos o governador romano, Pôncio Pilatos, inocentando-o desta falsa acusação. O legado, na função de juiz, percebeu claramente que Jesus era inofensivo aos romanos ou a qualquer um. Na verdade, um
benfeitor que graciosamente pregava valiosos ensinamentos e fazia generosos milagres. Restava simplesmente o despeito incontido de invejosos truculentos. Caim matou Abel dominado pela inveja. A história se repete quando retrata o homem dominado por sua maldade intrínseca que o impele insanamente ao mal contra o semelhante. E no segundo, o ódio dos sacerdotes é acirrado quando, cercado de seguidores e simpatizantes, entra no Templo para pregar. Ao Messias não agrada o espetáculo degradante que se lhe apresenta. Cambistas e vendedores de pombas entulham o interior da grande casa de orações, desvirtuando-a da verdadeira finalidade. Realiza-se ali um mercantilismo venal baseado na venda de pombas e cordeiros destinados a sacrifícios rituais. Agravando a aviltante situação, avaros cambistas trocam com lucros exorbitantes as moedas de outros lugares pela judaica, os shekels, as únicas que os sacerdotes aceitam como ritualmente puras. Os sacerdotes lucram sobremaneira com esse esquema rendoso. Nos pátios internos do Templo há enormes cofres cheios de shekels e de moedas estrangeiras trocadas todos os anos pelos peregrinos. Quase quatro milhões de judeus vêm dos mais diversos lugares a Jerusalém todos os anos, constituindo uma enorme população flutuante de apreciável poder aquisitivo. O dinheiro arrecadado ainda se multiplica a seguir. segu ir. É costume o Templo emprestar aos camponeses que necessitam com urgência ajuda financeira para pagar altos impostos. Livros razão no interior dos grandes cofres do Templo mantém discriminado registro de todas as dívidas. Aqueles que não conseguem resgatá-las a tempo são sujeitos a humilhações e podem perder casas, terras e animais, sendo rebaixados a uma vida miserável. A periferia da cidade está repleta de famílias humildes que foram expulsas de suas terras por não terem sido capazes de quitar as suas dívidas. Em suma, o Templo passou a servir de fachada a um shopping da ganância, a uma escola da avareza, tudo patrocinado avidamente pelo Sinédrio que aufere rendas altíssimas. Delas provem o luxuoso estilo de vida de seus membros. E, certamente, haviam ultrapassado os limites do bom-senso, senão o Messias teria relevado tal conduta mundana. É dito que: “Tendo Jesus entrado no templo, expulsou a todos os que ali vendiam e compravam: também derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. E disse-lhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração; vós, porém, a transformais em covil de salteadores”. (Mateus 21. 12-13). 12-13). A narrativa dos Evangelhos, feita a posteriori quando posteriori quando o farisaísmo persistiu em insana repressão contra o cristianismo nascente, exagerou uma simples admoestação do Mestre contra uma prática comercial abusiva em local impróprio, isto é, dentro do próprio Templo de Jerusalém. O episódio caracteriza o desvio de uma religiosidade pura por uma abjeta avidez pelo dinheiro. O objetivo dos narradores foi mostrar que até o próprio Cristo estava sujeito a perder sua imperturbável serenidade diante da ostensiva venalidade da classe sacerdotal. Sob sua tutela pecaminosa os mercadores estavam corrompendo a pureza do Templo. Conforme os Evangelhos, Jesus limitava-se a ensinar através do verbo, resumindo-se toda pregação em amar e perdoar. “Deveis amar os inimigos, pois até os maus amam seus amigos”. Ao discípulo Pedro disse que se deve “perdoar setenta vezes sete”. Não Não titubeou em ensinar a uma humanidade mergulhada em desenfreada barbárie, aliás, uma situação ainda persistente nos dias atuais: “Se te baterem no rosto, oferece a outra face”. Crucificado
injustamente concedeu perdão aos inimigos mais ferozes. Ora, em vista do exposto, a ação tempestiva de derrubar mesas e cadeiras não deixa de ser algo desconcertante e enseja uma serena reflexão. Imaginemos algo semelhante à cena improvável da santa Madre Tereza de Calcutá dando vergastadas, dentro da igreja, naqueles que se neguem ostensivamente a contribuir em benefício dos pobres e desamparados. A única arma empunhada pelos céus é o amor a mor desmedido em prol do ser humano. Havia um natural ressentimento por parte dos primeiros cristãos, principalmente dos adeptos gentios, contra o farisaísmo por causa das hostilidades e perseguições incessantes depois da queda de Jerusalém. O cristianismo nascente foi marginalizado pelo odiento repúdio de um judaísmo majoritário. A espontaneidade da censura no Templo de Jerusalém seria uma exceção à regra no comportamento extremamente amoroso de Jesus. Pela primeira e única vez, o Filho de Deus assume uma atitude severa, traduzida em clara repulsa à corrupção sem freios da soberba elite judaica. Lembremo-nos que nem o comportamento pérfido de Judas Iscariotes por ocasião da última ceia mereceu quaisquer palavras ou ação repressiva por parte de Cristo. Na verdade, não revelou o nome do farsante aos presentes. Nem ao menos quis desmascará-lo e, muito menos, expô-lo a uma vergonhosa e irada censura diante de todos os presentes. O Filho de Deus, a expressão máxima do amor divino, respeita o livre arbítrio e não intervém para inibir coercitivamente a má conduta humana. Ele deixou Judas dar andamento a mais infame das traições, mesmo sabendo que resultaria em indescritível tragédia pessoal. Bastaria para impedi-lo impedi-lo uma frase jamais pronunciada: “Detenham este traidor!”. Ora, a ganância pecaminosa dos sacerdotes e cambistas do Templo nem de longe suplantou o pecado maior do traidor. E não representava qualquer perigo contra a integridade física do Messias. Seria como uma gota d’água suja despejada num oceano de pureza. Decerto, houve uma compreensível inserção emocional pelos sucessivos narradores do Evangelho visando dar um aspecto teatral a uma cena que não ocorreu de modo bizarro. A imagem autoritária de um invencível Senhor dos Exércitos ainda seduzia e seduz hoje em dia os seguidores terrenos de um Cristo cujo perfil divino é diametralmente oposto. Eles queriam mostrar uma condenação violenta do Messias contra o farisaísmo, um endosso ao seu natural ressentimento. O amor ao dinheiro é comum ao mundo dos negócios e Jesus sabia que os homens, de um jeito ou de outro, são pecadores. Os santos são louváveis e raras exceções. Basta lembrar uma frase da oração que nos ensinou: “Senhor, perdoai os nossos pecados,...”. Além do mais, Jesus anteviu que o Templo de Jerusalém iria ser destruído. Ora, Deus habita em toda parte e não depende de templos. A grandiosidade divina situa-se infinitamente acima da avidez mesquinha da humanidade. O episódio, também, sugere que Jesus achava irrelevante a morte ritual de animais. Para cair nas graças divinas seria desnecessária tal prática dali por diante. Depois da destruição do Templo pelos romanos, a seita dos gananciosos e odiosos saduceus, principal beneficiária dos holocaustos, ficou tão desmoralizada perante os remanescentes do mundo judaico que se esvaiu no limbo execrável da história. Ela foi repudiada ironicamente pelos próprios judeus que tanto a apoiaram por causa da deplorável venalidade e servilismo interesseiro que praticaram sob o jugo romano. O judaísmo vai sobreviver representado somente pelos fariseus favorecidos por um forte respaldo popular. À semelhança dos cristãos, o farisaísmo renovado preferiu abster-se, desde então, do sacrifício de animais. Pelo menos, algo de valioso haveria de aprender depois de envolver-se em tanta
perversidade contra o seu Messias e participar dos erros históricos mais trágicos que sempre redundaram em prejuízo de seu próprio povo. Estranhamente, a suposta “violenta expulsão” dos cambistas e vendedores do interior do Templo de Jerusalém não motivou por parte dos sacerdotes e da guarda qualquer atitude de repressão. Nem sequer provocou a mínima reação contra Jesus. Deveriam defender por obrigação funcional os vendedores e cambistas, caso estivessem exercendo suas atividades estritamente em obediência à Lei. A explicação coerente é que o criticismo de Jesus Cristo ficou dentro dos limites toleráveis, além de estar respaldado plenamente pela opinião do povo presente. Isto não quer dizer que fosse perdoado pela elite sacerdotal porque esta odiava o Nazareno em qualquer hipótese, não lhe importando o bem por ele praticado. Uma tormentosa ação repressiva contra o Messias seria em seguida desencadeada pela aristocracia sacerdotal que tinha no controle, arrecadação e tributação do comércio religioso do Templo uma inexaurível fonte de lucros. Como vimos, cambiavam-se moedas oriundas dos mais diferentes países, vendiam-se animais como pombas e cordeiros para os rituais de sacrifício expiatório e outros objetos de culto. O enorme e suntuoso edifício do Templo representava a sede e o símbolo do poder da elite teocrática, um lugar sagrado mantido ciosamente sob seu domínio. Sob o usufruto egoísta dos sacerdotes representava algo tão valioso quanto uma mina de ouro. Na verdade, esses hipócritas notórios não cultuavam o Deus verdadeiro, mas o Bezerro de Ouro, símbolo falacioso das riquezas mundanas com quem se identificavam plenamente apesar deste deus ilusório ter sido execrado por Moisés no deserto. A repreensão aos mercadores ali presentes, como vimos, deu-se obviamente com a concordância e apoio espontâneo da multidão presente naquele momento, deixando as autoridades do Templo sem ação. Só assim pode-se explicar porque ninguém ousou usar a guarda disponível para intervir e coibir uma admoestação severa se fosse considerada abusiva. É uma prova também que o comércio estava movido por uma ganância tão desenfreada que se tornara reprovável aos olhos do povo. Era tutelado por uma elite gananciosa que abocanhava avidamente a parte do leão. Os sacerdotes sempre ficaram perplexos diante da desenvoltura da pregação e curas milagrosas do Nazareno. Quando quiseram saber com que autoridade fazia aquelas coisas, apresentou-lhes apresentou-lhes Cristo outra pergunta: “O batismo de João era do céu ou dos homens?”. Responderam que não sabiam. Não haviam acreditado em João Batista e se dissessem que era dos homens seriam apedrejados pelo povo presente. “Nem eu vos direi com co m que direito faço estas coisas”, replicou-lhes. replicou-lhes. Os pregadores populares possuíam pela tradição judaica uma autoridade natural que o povo considerava oriunda dos céus. Por isso, as autoridades temiam os profetas que ousavam desafiar os poderosos ao criticar seus lastimáveis malfeitos. Os santos profetas sentiam-se compromissados somente com o Deus verdadeiro. Lucas narra que Jesus “diariamente ensinava no templo; mas os principais sacerdotes, os escribas e os maiorais do povo procuravam eliminá-lo”. eliminá-lo”. Marcos acrescenta que “o temiam, porque toda a multidão se maravilhava de sua doutrina”. Mateus narra que “vieram a ele no templo cegos e coxos e os curou. Mas vendo os principais sacerdotes e os escribas as maravilhas que Jesus fazia, e os meninos clamando: Hosana ao filho de Davi, se indignaram e perguntaram-lhe: Ouves o que estão dizendo? Respondeu-lhes Jesus: Da boca de pequeninos e crianças de peito tiraste perfeito louvor?”
As graças divinas iam sendo concedidas por meio do Messias aos necessitados sem qualquer exigência venal. O povo superlotava o Templo para recebê-las e ouvir suas sábias palavras. As autoridades ficavam sem moral para coibir a ação benéfica daquele profeta maravilhoso. Ele ensinava e distribuía as dádivas dos céus graciosamente sem qualquer retribuição material. Exatamente o oposto da interesseira elite sacerdotal. Para ela, a graça dos céus deveria merecer um pagamento que a beneficiaria em primeira instância. E nenhum sacerdote possuía qualquer poder de curar. Somente o Filho de Deus detinha tal dom por graça do Pai - o Deus dos céus. Impotentes para desenvolver uma ação repressiva a contento e sem saber exatamente o que fazer, restava-lhes remoer-se no ódio e lançar imprecações furiosas contra o Salvador. Não obstante, a situação ia se tornando cada vez mais insuportável para aqueles invejosos de carteirinha. Só havia uma solução satisfatória em suas mentes perversas - eliminar Jesus o mais rápido possível. Entretanto havia um grave problema a ser resolvido. Como executar a prisão? A teocracia judaica não dispunha de tropa em número suficiente para tomá-lo à força do meio do povo. Era facílimo achá-lo a luz do dia, mas quase impossível prendê-lo. Achava-se normalmente cercado por um povaréu que o seguia entusiasmado por todo lado. No imaginário sacerdotal, o Nazareno era um líder contencioso capaz de incitá-lo incitá -lo a uma reação de imprevisível proporção. A tendência à violência naquela época era comum, bem maior que nos dias atuais. Não seria conveniente provocar um tumulto popular e ser alvo da censura do governador. O Sinédrio ficaria na berlinda por mostrar-se incapaz de manter a ordem pública e até acusado de ser a origem da desarmonia social. Conflitos religiosos perturbadores não interessavam nem um pouquinho às autoridades romanas. Queriam tão somente os seus tributos pagos religiosamente sob a Paz Romana. Roma tolerava apenas a existência de uma pequena guarda destinada à segurança interna do Templo e suas imediações. Ora, os sacerdotes já haviam apelado para esta pequena força quando mandaram prender o líder popular dentro da lei, mas não obtiveram sucesso algum. O tiro havia saído pela culatra. Os guardas intimidaram-se ao vêLo pregando a um povo pasmo de admiração e acabaram fascinados por suas palavras. Quando voltaram de mãos vazias ao Templo, os príncipes, quase explodindo de raiva, vociferaram: “Por que não o trouxestes? Responderam eles: Jamais alguém falou como este homem. Replicaram-lhes, pois, os fariseus: Será que também vós fostes enganados? Porventura creu nele alguém dentre as autoridades, ou algum dos fariseus? Quanto a esta plebe que nada sabe da lei, é maldita”. (João 7.45-49). 7.45 -49). Com os ânimos exacerbados ao extremo diante da frustrante situação, os principais do Templo, liderados pelo sumo sacerdote Caifás, reuniram-se para idealizar um plano maquiavélico. A notícia de que Jesus tinha ressuscitado Lázaro, um extraordinário milagre que fazia crescer o número de seus adeptos, deixou-os deixou-os ainda mais alarmados e exclamaram: “Que faremos? Este homem multiplica os milagres. Se o deixarmos proceder assim todos crerão nele e os romanos virão e arruinarão a nossa cidade e toda a nação”. O sumo sacerdote Caifás disse-lhes: disse-lhes: “Vós não entendeis nada! Nem considerais que vos convém que morra um só homem pelo povo, e que não pereça toda a na ção?”.(João 11.49). Somente Nicodemos, que antevia o Messias em Jesus, levanta a voz em prol da justiça: “Acaso a nossa lei julga um homem, sem primeiro ouviouvi -lo e saber o que ele fez?”.
Infelizmente, Nicodemos é um defensor solitário. “Responderam eles: Tu Tu também és por acaso da Galiléia. Examina e verás que da Galiléia não se levanta profeta”. A partir desse momento decidiu-se tirar a vida a Jesus. Deram, portanto, ordens para que fosse denunciado por qualquer pessoa a fim de o prenderem. Pela lei judaica havia de fato a necessidade de acusação formal por uma pessoa pelo menos para que alguém pudesse ser preso. Entretanto, no caso de Jesus não passaria de mera formalidade. As autoridades judaicas já o haviam considerado culpado e sujeito sem comiseração à pena capital. Naquela ocasião, Caifás deve ter presumido erradamente que Jesus nutria as ambições comuns de um líder temporal, como já havia acontecido anteriormente na história do povo hebreu. Neste caso, aumentando a sua influência e prestígio junto ao povo seria capaz de afrontar o domínio romano, pondo em risco a confortável e ambígua situação da aristocracia sacerdotal, intermediária submissa entre o povo e o governador. A elite judaica negava-se terminantemente a reconhecer naquele pobre homem do povo, um simples fazedor de milagres, o profético Messias que iria restabelecer o outrora grandioso reino de Davi, uma posição de rejeição ainda mantida pelos judeus nos dias de hoje. A ideia de assassinar o emergente e carismático líder ao arrepio da lei havia sido levantada a priori, mas priori, mas não convenceu a maioria porque a coragem não era o forte daqueles vilões. Sua arma preferida sempre foi a tradicional hipocrisia, já arraigada há muito tempo na massa do sangue. O equivalente de uma astúcia covarde somada à contumaz perversidade. Então, tramaram um estratagema diabólico que se resumia em usar os próprios romanos para prendê-lo e eliminá-lo. e liminá-lo. Sabiam que os judeus de maneira geral tremiam de medo face à implacabilidade brutal dos romanos. Caso o governador ficasse do lado do Sinédrio, de imediato as bocas daqueles que agora se diziam seguidores ou simpatizantes de Jesus se calariam de imediato pelo temor. Bastaria convencê-lo de que o jovem pregador constituía um perigo crescente para Roma mediante a acusação do grave crime de sedição, entre outros. A insurgência dos nativos era o pesadelo do império a merecer sempre a mais severa punição. O ardil maquiavélico previa que Pôncio Pilatos assumisse a responsabilidade pela execução de Jesus. Assim, estariam livres livres do risco de terem contra si a maldita “plebe que nada sabe da lei”. A trama insidiosa consistia em manipular o legado para que cometesse o crime que temiam executar por conta própria. A covardia da elite sacerdotal ensejaria a brutalidade romana para atingir um desígnio maligno - a morte física do Messias. Os sacerdotes estavam envenenados pela inveja. O mesmo pecado capital que levou Caim a matar Abel. O fratricida achava que o Abel era o predileto de Deus e não conseguia suportar tal pressuposto. Os mestres da Lei não tinham a bondade, o carisma e os poderes miraculosos do Messias. As trevas odeiam e temem a Luz. São antagônicas e não podem coexistir. Se a Luz entra, a escuridão se retira acuada. A ignorância obscura não quer se beneficiar da claridade espiritual. Por isso, remoendo-se no despeito, urdiram um jeito de matá-lo. Mandaram espiões para pegá-lo em sua própria pregação, maquinando um ardil para intrigá-lo com as autoridades romanas. Seria lícito aos judeus pagar o imposto a César? Ora, se dissesse que não, eles poderiam acusá-lo facilmente de contestar publicamente o domínio romano. Se dissesse que sim, seria considerado aos olhos do povo subserviente à ocupação estrangeira, caindo em seu desagrado. Escolhendo qualquer opção, sairia perdendo, pensaram seus
inimigos. Jesus percebendo a malícia deles, mostra aos presentes uma moeda romana e pergunta-lhes pergunta-lhes de quem era a imagem e inscrição. Responderam: “De César”. Disse-lhes Disse -lhes Jesus: “Daí, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, deixando-os deixando-os desarmados, mas admirados do modo como escapara à cilada. Movidos por incontida maldade, os homens de falsa fé deixam-se vencer pelos sentimentos inferiores, armando uma conspiração baseada supostamente na Lei de Deus, mas na verdade manipulada pelo príncipe das trevas. Aí, então, dariam ensejo ao espetáculo da mais vil crueldade contra o maior dos inocentes. Iriam covardemente assassinar, ao arremedo da justiça, o Filho do Homem, a Bondade Divina personificada - o próprio Filho de Deus.
CAPÍTULO 9
A PRISÃO DE JESUS Os Evangelhos descrevem com sinceridade a prisão de Jesus Cristo, não obstante alguns fatos ou episódios ficaram omissos ou dão margem a dúvidas. Vamos tentar descrevê-los como provavelmente ocorreram. Na véspera da Santa Ceia havia havia ocorrido um repasto com inúmeros seguidores. Maria Madalena havia ungido os pés de Jesus com óleo precioso, causando escândalo ao ganancioso Judas. O traidor já mantinha contato com os sacerdotes do Templo. Dando continuidade à sua infame missão prometeu entregá-lo em troca de venal recompensa. Na Santa Ceia o cordeiro pascal estava colocado em um prato no centro da mesa. Jesus já havia lavado os pés dos discípulos. Foi uma lição de humildade que causou constrangimento a Pedro. Sem compreender o inusitado ato, esboçou uma enfática e nfática recusa: “Senhor, tu me lavas os pés, a mim?”, “Nunca me lavarás os pés”. Jesus insiste, para depois lhes explicar: “Vós me chamais de Mestre e Senhor, e dizeis bem; porque eu o sou. Ora, se eu, sendo Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros”. (João 13:13). Ele sabia que suas horas estavam contadas. Aproximava-se o momento em que aos discípulos caberia a missão de prosseguir a pregação, assim sendo, deviam isentar-se da vaidade e do orgulho que só conduzem a invejas, querelas e conflitos. A cruz seria levantada de novo pelos seguidores sob o signo do singular exemplo do Messias que estava prestes a se humilhar, imolando-se por amor à humanidade. Jesus conversava à mesa calmamente, tratando os discípulos com a amorosidade que lhe era era peculiar. Em determinado momento “angustiou“angustiou-se em espírito”, assumindo um ar grave e com o semblante enuviado, revela: “Em verdade, vos digo: um de vós me há de trair”. Os discípulos ficaram consternados, indagando uns aos outros quem seria. seria. Receosos, perguntam ao próprio Mestre: “Sou eu?”. Jesus não quis dizer o nome do traidor, repetindo apenas: “aquele que põe comigo a mão no prato, esse me trairá”. (Mateus 26:21). Esta
expressão era usual naquela época, significando uma forte amizade e intimidade, o mesmo que “um dos doze com quem eu habitualmente faço as refeições e convivo”. E prossegue: “O Filho do Homem vai, como está escrito a seu respeito, mas ai daquele por quem o Filho do Homem está sendo traído! Melhor lhe fora não haver nascido!” João era um discípulo particularmente apegado ao Mestre. Isto se torna óbvio durante a Paixão de Cristo. Simão Pedro fica preocupado e faz um “sinal, a João dizendo -lhe: Pergunta a quem se refere?”. Este estava ao lado direito do Mestre e como comiam recostados, apoiando-se no braço esquerdo e tendo a direita livre, voltou-se voltou- se “reclinando-se “reclinando-se sobre o peito de Jesus, indagou: Senhor, quem é?”. Jesus não queria fazer a culpa de Judas conhecida por todos e por isto deu ao traidor um pedaço de pão molhado, alertando-o discretamente sem que os demais não percebessem: “O que pretendes fazer, fazefaze-o depressa”. Judas era o discípulo que “trazia a bolsa”, uma espécie de tesoureiro encarregado das compras. Por causa de seu espírito avarento vivia de olho gordo no vil metal procurando procu rando subtrair venalidades. Os discípulos pensaram que Jesus mandou-o comprar algo ou dar alguma coisa aos pobres. Ele saiu sorrateiramente para dar sequência ao desonroso desiderato, indo direto aos sacerdotes para combinar a melhor maneira de surpreendê-lo. O momento ideal seria quando estivesse em local ermo e acompanhado somente dos discípulos para facilitar a prisão. O plano do Sinédrio consistia em evitar uma pressuposta reação pro Jesus do povo que o rodeava durante as pregações. O que levou Judas Iscariotes a trair o seu amigo e Mestre? É uma das perguntas que perdura através dos séculos aguardando uma explicação plausível. Judas possuía má índole e disto todos sabem, mas exatamente o que se passava em sua mente doentia para levá-lo a agir de maneira tão desprezível? Judas era um sonso que disfarçava a própria ganância e incontrolável inveja sob um falso manto de amabilidade e cortesia. Era um hipócrita por definição. Assim, possuía em sua personalidade o elemento essencial para identificar-se com a maldade dos fariseus e saduceus. Quando Maria, irmã de Lázaro, na ceia que ofereceram ao Nazareno, seis dias antes da Páscoa, toma uma libra do mais puro bálsamo e comovida unge os pés do Mestre, enxugando-os carinhosamente com seus cabelos, Judas é o único que não entende a beleza do gesto, um terno modo de Maria agradecer pela vida de seu querido irmão. Ao invés, protesta sob o falso pretexto de caridade: “Por que não se vendeu este perfume por trezentos denários, e não se deu aos pobres?”. A razão é simples: “Isto disse ele, não porque tivesse cuidado dos pobres; mas porque era ladrão e, tendo a bolsa, tirava o que nela se lançava”. (João 12:5). A bolsa de Judas é sua companheira inseparável - o símbolo de sua corrupção. Nela guardará ciosamente as trinta moedas, o preço da suprema traição. Ele ignora todos os ensinamentos e exemplos do Mestre e vai se tornar um retrato personificado da falsidade humana. Um pecado comum ao homem é a inveja. Dominado pela inveja Caim matou Abel. Este pecado capital induziu à perdição humana desde os primórdios. Interesseiro, ganancioso e avarento, havia se unido ao grupo de Jesus por mero oportunismo. Fora seduzido pela visão de um futuro de glórias ao lado do Messias, o sucessor de Davi, que ofereceria ao povo judeu a possibilidade de vitórias e conquistas fantásticas. Começa a sentir-se iludido e mesmo traído quando constata, contra todas as suas expectativas, que o
seu estranho líder, apesar de formidáveis e incontestáveis poderes, usava-os para fins altruisticamente sem sentido, segundo seu entendimento egoísta. Sabemos que o Sinédrio estava disposto a usar de todo poder e artimanha para assassinar o Messias, porém a lei farisaica exigia que houvesse denúncia prévia antes da prisão. No caso de Jesus não passaria de um simulacro de justiça. O ideal desta farsa seria que partisse de um dos próprios discípulos de Jesus de modo a caracterizar com ênfase sua culpabilidade. Iscariotes é o discípulo que não deu certo. Só ele seria capaz da infâmia suprema de dispor-se venalmente venalmente a serviço dos sacerdotes do Templo. “Que me quereis dar, e eu vo-lo entregarei? E pagaram-lhe trinta moedas de prata. Assim, foi estabelecido o pacto de traição. E desse momento em diante, buscava uma boa ocasião para o entregar”. Os fariseus e saduceus com os quais se relacionara incitaram-no à traição e o bajulavam, acenando-lhe sempre com polpuda recompensa. Judas se juntara ao grupo de Jesus iludido por um sonho ilusório. Acreditava inicialmente que o Messias imporia um reino temporal de suma grandeza e glória. Então, ver-se-ia regiamente recompensado por uma participação pretensamente desinteressada. No entanto, Jesus não se tornara o monarca que ele tinha em mente e nem se preocupava com as benesses reais. Os dias iam se passando e aumentava o seu desapontamento. Observava contrariado que somente as perseguições se avolumavam contra o Mestre, colocando a vida dos discípulos em risco. Começou a ruminar uma tremenda frustração e mesmo sentir-se traído em suas ambições pessoais. Pensava que Jesus estava ingenuamente alheio à realidade terrena. Judas não tinha discernimento para distinguir o bem do mal porque um avassalador egoísmo o cegava. O roubo desprezível das esmolas que o grupo lhe confiava não mais satisfazia sua desenfreada ganância. Queria algo muitíssimo compensador e achava-se com a justa razão de obtê-lo não lhe importando quais fossem os meios. O bem que Jesus fazia através de incontáveis milagres e as palavras de fé que levava aos humildes deixavam-no até revoltado com o que considerava um contrassenso. Ora, por que desperdiçar tanto tempo e esforço com uma ralé desfavorecida que não podia retribuir à altura? Iscariotes era um homem dominado pela ambição e só se preocupava consigo mesmo. O mundo só existia para preencher o seu egocentrismo imensurável. Em contrapartida, a riqueza, o poder e a dignidade real do sumo sacerdote e os privilégios dos demais membros do Sinédrio o fascinavam porque eram valores tangíveis a uma mente dominada pela ambição. Inconformado com a situação desvantajosa em que se meteu, maquinava cada minuto no afã de descobrir uma saída vantajosa. Em dado momento arquitetou uma solução para inverter sua posição desfavorável e passar a comandar os acontecimentos. Sairia de baixo para o topo do mundo. Os poderosos, exatamente os inimigos de Jesus, seriam seus novos amigos. O amargo senso de derrota por pertencer a um grupo de perdedores seria substituído pelo doce gosto da vitória. Não lhe convinha estar do lado dos pobres e desfavorecidos. A frustração aumentando, acabou por concluir que o Mestre personalizava tudo o que desprezava na vida. Judas Iscariotes, movido por incontrolável frustração, descobriu-se no lugar errado, no momento errado e com a gente errada. Em sua mente perturbada, a traição acenava-lhe como um meio lícito de cair no agrado dos poderosos. Seria a chave mágica para ganhar as cobiçadas riquezas de que se achava merecedor. Já que não podia igualar-se aos sacerdotes, pelo menos ascenderia brilhantemente na escala social. A esta altura, acreditava que os fariseus e saduceus atribuíam-lhe um mérito genuíno e confiavam sinceramente nele.
Quem sabe, não lhe reservariam por agradecimento um futuro promissor? Ele acreditava que sim, mas nem neste aspecto duvidoso estava certo. Na realidade, viam nele nada mais do era de fato - um traidor pérfido. Intimamente desprezavam a vil criatura que representava, mas obcecado pela ambição e vaidade desmedidas, Judas não enxergava a flagrante verdade. Ele foi se envolvendo na teia da traição aos poucos sem aperceber-se aonde o levariam os acontecimentos, sem aquilatar com clareza a extensão da imensa tragédia que propiciaria. Quando acordou de seus sonhos infames, viu-se envolto num pesadelo insuportável. Havia criado e achava-se prisioneiro de seu próprio inferno terreno. O terrível poder das trevas havia se libertado como o gênio da garrafa, envolvendo-o completamente. Seria impossível prendê-lo novamente e reverter tão dolorosa situação, mesmo quando se encontrar solitário remoendo um remorso insustentável. Então, vai apresentar-se aos sacerdotes para declarar tardio arrependimento, pois havia percebido que traíra do modo mais desprezível possível o maior dos inocentes - o próprio Mestre. Na última ceia, Jesus está plenamente consciente de desfrutar a derradeira despedida. É quando extravasa o amor de um coração pesaroso, embora os presentes não o entendam. As palavras do Filho do Homem seriam assimiladas somente com o passar dos tempos devido ao crescimento espiritual dos apóstolos. A saída do discípulo das trevas parece desanuviar o ambiente. Jesus torna-se mais terno e explica aos apóstolos que para onde Ele vai, não poderiam acompanhá-lo. Pedro, sempre espontâneo, não contém a curiosidade e pergunta-lhe pergunta-lhe para onde ia, afinal. “Para onde vou não me podes seguir agora; mais tarde, ta rde, porém, me seguirás”, diz-lhe diz-lhe Jesus. Simão dá continuidade à sua natural impulsividade aproveitando a ocasião para professar uma fé sem limites: “Senhor, por que não posso seguirseguir -te agora? Por ti daria a própria vida”. Jesus encara com divina brandura aquele designado para ser a pedra fundamental da sua igreja. A alma do discípulo é um livro aberto para o Filho de Deus. - “Simão, Simão, eis que Satanás te reclamou para peneirar-te peneirar -te como trigo. Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te converteres, fortalece os teus irmãos” - retruca-lhe Jesus. - “Senhor, estou pronto a ir contigo, tanto para a prisão, como para a morte”, reitera com ardor e suposta extrema devoção. Fitando-o com serena seriedade, Jesus diz a famosa frase: - “Em verdade te digo, Pedro, que nesta noite, antes que o galo cante, três vezes negarás que me conheces”. ( Mateus 26.34). “Mas ele insistia com maior veemência: Ainda que me seja necessário morrer contigo de nenhum modo te negarei”. E os demais discípulos discípulos proclamaram igualmente solidariedade plena e total. As palavras do Mestre geram um clima de expectativa, uma intuição de que algo muito importante está em via de acontecer, como quem pressente com receio a proximidade de terrível tormenta, todavia somente o Filho de Deus sabe o que vai se desenrolar dali por diante. Jesus procura elevar-lhes o moral, confortando-os: confortando-os: “Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos preparar-vos lugar”. Jesus predispunha-lhes predispunha-lhes o espírito para a tragédia que aconteceria em breve. A dimensão celestial oferece diversos recantos.
Ele sempre os estaria aguardando e seriam bem-vindos quando findassem a jornada terrena, após espalhar as alvissareiras sementes da Nova Fé. - “E vós sabeis o caminho ca minho para onde eu vou” - continua falando. O sentido implícito das frases do Mestre parece sempre vedado à compreensão dos discípulos. Quase nunca o entendem de imediato. Assim, vemos um confuso Tomé pedir maiores explicações: “Senhor, não sabemos para onde vais; como saber o caminho?”. É-lhe É-lhe impossível entender a imaterialidade do caminho a que se refere o Filho de Deus, naquele instante. Jesus a seguir sintetiza toda a razão de ser de sua pregação em uma frase: “Eu sou o caminho, caminho, a verdade e verdade e a vida. vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim”. O Filho de Deus é a estrada para a salvação porque somente deixando-se contagiar por seu amor divino pode o homem capacitar-se a amar o seu semelhante, condição essencial para agradar ao Pai e ser digno do Reino dos Céus. Nesta situação ideal, a vida pacífica na terra seria adorável porque todos os seres teriam o indelével prazer dos bons em ajudar-se mutuamente, vencendo com facilidade os obstáculos inerentes à dimensão da matéria. O caminho - por mais longo que seja - inicia-se pelo primeiro passo. Ser cristão é apenas o começo da longa jornada rumo à evolução espiritual de uma humanidade ainda em estado espiritual incipiente e aparentemente desalentador. A vitória do bem sobre o mal será o desenlace final, simplesmente porque está nos planos de Deus que assim o seja, isto é, vai acontecer o melhor em última instância. Por isso mostrou-nos o caminho o caminho,, mas o Criador não tem a pressa que nós conhecemos; seus dias são incomensuráveis em relação aos nossos. A harmonia será alcançada dentro de expectativa divina. - “Se vós me tivésseis conhecido, conheceríeis também a meu Pai. Desde agora o conheceis e o tendes visto”visto”- prossegue o Mestre. - “Replicou-lhe “Replicou-lhe Felipe: Mostra-nos Mostra-nos o Pai, e isso nos basta”. O ceticismo geral é expresso pela boca do discípulo. Afinal, onde está este Pai não tangível que não conseguimos ver? - “Disse-lhe “Disse-lhe Jesus: Felipe, há tanto tempo estou convosco e não me tens conhecido? Quem vê a mim, vê ao Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo; mas o Pai que permanece em mim faz suas obras”. A explicação que Jesus lhes deu constitui uma das pedras fundamentais do cristianismo puro. O Pai e o Filho não são entidades diferentes, mas essencialmente a mesma. O Filho de Deus faz a vontade do Pai e é, por assim dizer, uma extensão do mesmo, como um filho é de seu pai. Existe uma intimidade transcendental nesta relação única. Há realmente dificuldade para entender-se tal conceito em profundidade e amplitude. Por este motivo, o “Pai, o Filho e o Espírito Santo”, constituem o mistério da Santíssima Trindade. O mistério decorreu da impossibilidade inicial de encontrar-se uma explicação racional à questão. Há que se entender a natureza de Deus. Ele não é uma pessoa ou mesmo um espírito situado aqui, ali ou acolá. Não é pontual, pois não habita um determinado ponto dos Universos. É Espírito Infinito, a Energia Consciente que se estende por todas as partes imagináveis e inimagináveis do Multiverso. Estes infindáveis Universos Paralelos estão todos n’Ele contidos.
Em suma, Deus não é pessoal é pessoal e e sim, Espiritual. Espiritual. Existe plenamente, mas não é tangível aos mortais. Manifestou-se através de Cristo em divina consonância. Jesus é sua imagem viva e obedece fielmente aos seus desígnios. Estar diante de Cristo (Espírito) é o mesmo que estar diante de Deus (Espírito Infinito). O Pai e o Filho se confundem. O Filho está inserido no Pai e dele faz parte. Obviamente, não estamos nos referindo à existência física do Nazareno quando por aqui passou como Filho do Homem. Para entender melhor, faz-se necessário lembrar-se das palavras de Jesus: “O corpo de nada vale”. Todos os elementos do Universo dimensional têm uma vida efêmera, não importa se por alguns minutos, horas, dias, milhões ou bilhões de anos. Assim como surgem, vão desaparecer após cumprir a sua missão primordial. Outros Universos virão porque o Criador é Eterno e está sempre criando. Paulo de Tarso viu Jesus envolvido em seu esplendor magnificente. Tão maravilhado ficou que traduziu a singular experiência em uma revelação definitiva: “Jesus Cristo é a imagem de Deus”. Foi sua maneira única de descrever descr ever o indescritível - o poder, a perfeição e o amor incomensuráveis de Deus espelhados no Messias. Deus, o Pai, possui uma maneira especial de ser e agir - a divina. Ele não aparece aqui e ali porque na verdade não tem forma, aspecto e nem uma posição localizada ou especial no espaço. O Deus único dos universos sabe de tudo, está em toda parte, tudo pode e não tem começo e nem fim. Em suma, é onisciente, onipresente, onipotente e eterno. Se não o fosse não poderia ser o Criador e Regente dos universos infinitos. Jesus ensinou-nos que Deus é Espírito. Deduzimos, em consequência, que Cristo é uma manifestação espiritual de Deus. Se Deus é Espírito, o seu Filho, como todo filho, é da mesma natureza do pai. Se não o fosse, nada teriam em comum e não seriam Pai e Filho. Quando veio em sua transcendental missão na terra habitou um corpo material por breve período de tempo, definindo Ele próprio a sua singular dualidade, espírito-matéria, ao referir-se a si próprio como Filho de Deus - Filho do Homem. Em suma, o instrumento divino por excelência destinado a salvar a humanidade. O Espírito Santo é a presença tangível ao ser humano do Espírito do Deus Todo Poderoso que está em todo lugar e sempre disponível aos seus filhos quando o invocam com fé e pureza de coração. O Espírito Santo esteve sempre com o Messias para permitir que cumprisse a sua missão divina, dando-lhe os incríveis poderes que maravilhavam as pessoas de boa-vontade e as faziam acreditar Nele. No término da ceia é instituída a eucaristia, um ato que representa a indissolubilidade do vínculo de amor entre o Filho de Deus e a humanidade por todos os séculos. Dizemos humanidade e não cristandade porque o amor de Cristo é universal e irrestrito. Todos nós, sem exceção, somos filhos de Deus. Jesus toma um pão e, abençoandoo, o partiu, dando aos discípulos, dizendo: “Tomai, comei; isto é o meu corpo. A seguir tomou um cálice e, tendo dado graças, o deu aos discípulos, dizendo: Bebei dele todos”. Assim fazendo em sua memória, estabelecia igualmente o pacto da nova aliança selado pelo sangue que derramaria em favor do homem. Nessa última pregação Ele nos lega outro mistério quando promete um Consolador: “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja sempre convosco”. Mais adiante, adiante, esclarece melhor: “Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho te nho dito”.
Quem é o Consolador nos dias de hoje? Algumas religiões ou seitas cristãs mais recentes procuram identificar-se com este personagem. Se fosse apenas o Espírito Santo não precisaria o Mestre fazer-lhe uma referência tão especial. Caberá ao Consolador transmitir a última mensagem de esclarecimento para complementar a mensagem de Cristo. As derradeiras palavras são deixadas como prova de sua messiânica missão: “Disse“Disse vos agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, vós creiais. Já não falarei muito convosco, porque aí vem o príncipe do mundo; e ele nada tem de mim”. O fim trágico aproxima-se aproxima-se quando o “príncipe do mundo”, o anticristo, trará a “hora e o poder das trevas”, o momento em que o mal predominará nos corações humanos, subjugando inclusive os justos e os bons. Jesus se compara à videira que dá bons frutos. Os ramos são os discípulos e os que permanecerem nele, na videira, vão dar os frutos do cristianismo. Quem não permanecer nele será como o ramo seco que é desperdiçado ao ser lançado ao fogo, como o foi Judas Iscariotes. “O meu mandamento é este, que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos. Vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando”. A lei do amor deve imperar entre os apóstolos porque só assim darão o exemplo de Cristo e manter-se-ão unidos durante as graves adversidades que adviriam ao longo do santo apostolado de martírio e glória. “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim. Se vós fosseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso o mundo vos odeia”. Os apóstolos herdariam o ódio incontido dos príncipes do mundo ao Messias já que foram os escolhidos por Ele. Os príncipes do mundo, imersos no mal, seriam intolerantes ao extremo com aqueles que amavam Cristo. Pecados não teriam se não o vissem fazendo as obras do bem como nenhum outro fez, mas a partir do momento em que as viram e rejeitaram odiaram o Filho e o Pai, caindo em grave pecado. Jesus refere-se refere-se novamente ao “Consolador, que vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de mim”. Menciona a futura e fanática perseguição aos cristãos pelos judeus nos templos, impedindo-os de conclamar a verdade em nome do Filho de Deus: “Eles vos expulsarão das sinagogas; mas vem a hora em que todo o que vos matar julgará com isso prestar um culto a Deus. Isto porque não conhecem o Pai nem a mim”. Vimos que o próprio próprio Saulo de Tarso é um exemplo gritante. gritante. Perseguiu os adeptos do Cristo porque acreditava piamente “prestar um culto a Deus”. Novamente faz uma referência ao Consolador. O Messias tem que ir, isto é, dar a vida e retornar ao Pai, para que o Consolador possa vir. “Quando “ Quando ele vier convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo. Do pecado, porque não creem em mim; da justiça porque vou ao Pai, e não me vereis mais; do juízo porque o príncipe deste mundo já está e stá julgado”. Jesus não lhes revela tudo na última ceia, embora tivesse ainda muito a lhes dizer: “...vós não o podeis suportar agora”. AdiantaAdianta-lhes, contudo, um esboço do que viria: “Um pouco, e não mais me vereis; outra vez um pouco, e ver-me-eis”, ver-me- eis”, dando-lhes dando-lhes um indício do que aconteceria em breve. Os discípulos interrogavam-se entre si, atônitos, sem entender
nada do que o Mestre lhes falava. Na verdade, referia-se simplesmente à morte em breve na cruz e à ressurreição após três dias, quando ressurgiria em toda sua glória. Acrescenta o Senhor: “Em verdade, em em verdade eu vos digo que chorareis e vos lamentareis, e o mundo se alegrará; vós ficareis tristes, mas a vossa tristeza se converterá em alegria”, e ainda: “A mulher quando está para dar a luz, tem tristeza, porque é chegada a sua hora; mas, depois de nascido o menino menino já não se lembra da aflição, pelo prazer que que tem de ter nascido o filho”. Jesus referia-se referia -se obviamente à tragédia da paixão e da sua gloriosa ressurreição. O entendimento da extraordinária percepção dos acontecimentos ao longo do tempo, tanto no passado, presente ou futuro por Jesus, justifica por si só a razão de além de ter sido aceito pelos seguidores como o Messias, vir a fazer parte da trindade divina: Pai, Filho e Espírito Santo. Diante da estupefação dos discípulos, fala mais explicitamente: explicitam ente: “Vim do Pai e entrei no mundo, todavia deixo o mundo e vou para o Pai”. Os discípulos deram -se então por satisfeitos com suas palavras, solidarizando-se solidarizando-se num arrufo de pretensa fé: “Agora vemos que sabes todas as coisas, e não precisas de que alguém te pergunte; por isso cremos que de fato vieste de Deus”. O Messias sabia que todos os presentes, malgrado os enfáticos protestos de boca para fora, o abandonariam algumas horas decorridas do repasto pascoal: “Credes agora? Eis que vem a hora e já é chegada, em que sereis dispersos, cada um para sua casa e me deixareis só; contudo não estou só, porque o Pai está comigo”. Pronuncia ainda outras mensagens na emoção da despedida, agradecendo ao Pai e pedindo-Lhe que proteja os discípulos em sua ausência iminente, guardando-os do mal. Já era noite quando Jesus e discípulos terminaram aquela que seria a última ceia. Como de costume, caminharam em direção ao aprazível jardim chamado Getsêmani, situado numa das pitorescas colinas além da torrente do Cedron. O Filho do Homem, o Cordeiro de Deus prestes a ser imolado, sente uma aflição tremenda como qualquer ser humano diante da inevitabilidade do indescritível sofrimento que o aguarda. Ora, enquanto os discípulos dormem, diz: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice; cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e, sim a tua”. “E aconteceu que o seu suor se tornou como gotas de sangue...”. (Lucas 22.44). Muitos estudiosos viam nesta narrativa um recurso literário, uma simples metáfora para transmitir a imensa extensão do um angustiado estado de espírito diante da prisão e morte iminentes, sob as condições mais cruéis. Hoje, a medicina explica o fenômeno como perfeitamente possível, embora raro. A literatura médica aponta vários casos em que ocorreu devido ao rompimento de pequenas artérias subcutâneas. Indivíduos, aguardando cumprimento de pena capital ou em situações semelhantes, transpiraram sangue. Subitamente, irrompem na tranquilidade do jardim os sacerdotes, escribas, fariseus acompanhados de guardas do Templo. Estão chegando sob a proteção de uma coorte composta de soldados romanos. Judas Iscariotes segue afoito à frente com o ego inflado por sua dupla e infame missão - conduzir os algozes e identificar o Mestre e amigo. O grupamento dos recém-chegados devia perfazer mais de trezentas pessoas com lanternas, tochas e armas, dando a ideia de uma multidão, como nos é descrito nos Evangelhos. Uma comitiva de autoridades judaicas, dando andamento à conspiração para matá-lo, havia-se dirigido a Pôncio Pilatos para denunciá-lo. Naquela ocasião, o governador ausentara-se de Cesárea, capital da província, para assistir aos festejos da Páscoa em
Jerusalém, como convidado de honra do Sinédrio. Pintando em cores as mais sombrias possíveis o perigo de um Jesus insurrecto, os sacerdotes lograram intimidá-lo com grande malícia para que autorizasse e apoiasse militarmente a sua prisão. Esses notórios mestres da hipocrisia prodigalizaram-se em amabilidades fingidas para conquistar a simpatia de Pilatos, aproveitando a oportunidade única para acusar o Nazareno de supostos crimes. Não pouparam o verbo venenoso para fazer a cabeça do oficial romano. Em suma, denunciam-no como um pregador contencioso e de extrema periculosidade para Roma. Neste contexto ameaçador, advogam que Jesus de Nazaré devia ser eliminado a qualquer custo pelo próprio interesse de Roma. Essa visão de um Cristo potencialmente insurrecto vai chocar-se mais adiante com a opinião do indeciso, mas arguto Pilatos. O procurador de César percebe de imediato que o acusado é inofensivo e não representa, nem de longe, qualquer perigo para Roma. Caifás surpreende-se e fica assaz contrariado com a postura simpática ao réu do legado romano. Isto não arrefece seu ódio mortal e passa a redobrar esforços exigindo o sangue de Jesus. O Sinédrio, dominado por avassalador despeito, havia tomado a decisão inabalável de executar um homem completamente inocente mediante os meios mais sórdidos possíveis. Caifás e os sacerdotes do Templo receavam que a multidão que sempre acompanhava Jesus em busca de milagres pudesse causar um tumulto generalizado, caso a prisão fosse feita à luz do dia. Acrescente-se que o povo oriundo de outras localidades transitava festivamente nas ruas por ocasião da Páscoa sagrada. Tais considerações determinaram o plano sórdido de surpreendê-lo às ocultas em lugar ermo e sob a calada da noite. Os sumos sacerdotes temiam prendê-lo apesar da facilidade de manipular a lei e o poder do Sinédrio. De fato, não conheciam o verdadeiro Jesus e jamais o conheceriam. Em suas mentes obscuras viam-no unicamente como um perigoso líder religioso sequioso do poder a ponto de pretender rivalizar-se com eles próprios. Como se apresentava em público sempre seguido por enorme massa popular, concluíram que dispunha de uma guarda pessoal aguerrida formada por seguidores fiéis dispostos a dar a vida em sua defesa. Eles atribuíam ao Messias uma pretensiosa e desmedida ambição, na verdade um retrato fiel da corrupção deles próprios. Com esse pensamento deturpado preocuparam-se em perguntar ao traidor se Jesus não tinha homens armados em sua companhia. Judas sabia que o Mestre cercava-se de alguns discípulos, homens indefesos que não representariam perigo algum. No entanto, astuciosamente preferiu esconder a verdade para maximizar o seu pérfido papel. Tinha a intenção de receber o prêmio da desonra o mais breve possível. Chegou a alertá-los para não tardarem em prendê-lo, tendo em vista o perigo potencial que representava Jesus. Fantasiando a situação, afirmou-lhes que ele mesmo, Judas, estava com a vida em iminente perigo porque, certamente, já suspeitavam dele próprio. Levantou, ainda, a possibilidade de Jesus escapar sorrateiramente de Jerusalém. Neste caso, poderia retornar fortalecido e acompanhado por uma multidão de seguidores armados, quando então estaria em condições de enfrentar as autoridades e mesmo proclamar-se rei. A encenação surtiu o efeito desejado deixando-os impressionados. Então, decidiram recompensá-lo logo com as trinta moedas de prata. Os sacerdotes não deixaram de lançarlhe olhares de desconfiança e desprezo, mas Judas achou mais conveniente ignorá-los. Afagando sofregamente as desejadas moedas nas mãos usufruiu instantes de ilusória felicidade e sentia-se andando nas nuvens. Afinal, nunca conseguira tanto dinheiro e de
maneira tão fácil, uma pequena fortuna para um pobre de espírito como ele. Deliciando-se com a primeira vitória, regozijava-se intimamente, antevendo um horizonte glorioso sob o beneplácito do poder sacerdotal. Os membros do Sinédrio, antecipando-se à missão de captura, ordenaram em caráter de urgência a preparação da cruz, uma vez que tudo deveria estar terminado antes do início da Páscoa. Os insensíveis teocratas mostravam-se confiantes em conseguir facilmente a homologação de Pilatos. Afinal, Jesus não passava de um João ninguém para eles e, decerto, o governador pensaria igualmente. Um político experiente não se poria em posição antagônica ao Sinédrio para defender simploriamente um judeu sem eira nem beira. A condenação do Nazareno era tida como favas contadas. Então, teriam o ensejo de saciar a sede de vingança no humilde irmão de raça. Pouco se lhes importava que fosse um benfazejo fazedor de milagres admirado por grande número de humildes. Apesar da pureza das intenções de Jesus, uma irrefreável inveja crescia em seus corações empedernidos. Constatavam, imersos em imensa frustração, que Deus não lhes concedera nenhum poder. Vítimas de incomensurável soberba, indagavam-se irritados como um humilde carpinteiro podia arrogar-se ao direito de ser um Mestre da Lei em Israel, senão o Messias, e inclusive criticá-los. O Nazareno chegava a realizar incríveis milagres, ressuscitando os mortos como fez com Lázaro. Viram-se constrangidos a aceitálos com grande contrariedade diante dos inúmeros testemunhos idôneos. Só lhes restava a pérfida opção de desacreditá-lo junto ao povo levantado a falsa acusação de que fazia prodígios por obra de alguma feitiçaria diabólica. A indignação odiosa estendeu-se ao homem ressuscitado, razão para querer roubar-lhe roubar-lhe a vida: “Soube numerosa multidão dos judeus que Jesus estava ali, e foram não só por causa dele, mas também para ver Lázaro a quem ressuscitara dos mortos. Mas os principais sacerdotes resolveram matar também a Lázaro; porque muitos dos judeus por causa dele voltavam crendo em Jesus”. Jesus”. (João 12.10). E para o cúmulo, o carpinteiro proclamava-se o Messias das Escrituras. Era a suprema humilhação e os orgulhosos membros do Sinédrio não podiam mais suportá-la. Assim, compreende-se o estado de ânimo que os impelia a liquidar Jesus a qualquer custo. Seguidores inconscientes de um perverso Caim, incapaz de admitir que Abel fosse o filho favorito de Deus, de modo semelhante derramariam o sangue inocente de Cristo. Judas deduziu que estariam no lugar de costume àquela hora da noite. Ávido por fazer valer o preço da traição, guia com ares de importância aqueles que o tinham em baixa conta ao jardim das oliveiras. Servilmente prontifica-se a identificar o amigo e Mestre: “Aquele que eu beijar é ele. PrendeiPrendei-o”. Ao chegarem ao jardim, adianta-se pressuroso e dá seguimento à lamentável farsa: - “Salve, Mestre!” - e com um ósculo na face de Jesus conspurca o secular gesto de afeto. O beijo de Judas passaria a ser o símbolo máximo da falsidade humana. - “É, então, para isto que vens aqui?” (Mateus). “Judas, com um beijo trais o filho do Homem?” (Lucas). Assim, os Evangelhos E vangelhos registram o incomensurável opróbrio. Os soldados cercam-nos ameaçadoramente. Jesus sabe que é a ele que querem, mas não se perturba. Adianta-se, identificando-se: identificando-se: “Sou eu”. Apesar do do empenho, houve alguma dúvida por parte de alguém ensejando uma confirmação. Faz-se Faz-se necessário esclarecer: “A quem buscai?”. Disseram: “Jesus de Nazaré”. “Já vos disse que sou eu. Se é pois a mim que buscais, deixai ir estes”.
O único ato violento em defesa do Messias parte de Simão Pedro que impulsivamente puxou da espada, decepando a orelha de Malco, servo do sumo sacerdote. O ímpeto de Simão comprova que, apesar de vir a negá-lo mais adiante, era um discípulo deveras comprometido com o Mestre. Por isso, ousou extravasar justa indignação ao empenhar-se fisicamente. Não obstante, o Messias viera ao mundo em missão de amor e paz e a violência seria o extremo oposto, mas o apóstolo maior só compreenderia os ensinamentos do Mestre em toda extensão mais tarde. O Filho de Deus sabia de antemão o desfecho dos acontecimentos como já o previra aos discípulos com extrema clareza. A bravura de Pedro cai no vazio diante da censura: “Enfia a espada na bainha! Não hei de beber eu o cálice que o pai me deu? Embainha tua espada, porque todos aqueles que usarem da espada, pela espada morrerão. Crês que não posso invocar meu Pai e ele não me enviaria imediatamente mais de doze legiões de anjos? Mas como se cumpririam então as Escrituras, segundo as quais é preciso que seja assim?”. A Paixão do Messias permitirá a revelação final das profecias veladas dos livros sagrados a respeito de sua vinda. É dito ainda que Jesus aproximou-se de Malco tocando-lhe a orelha e a curou. Os fariseus contrafeitos, evitando impressionar-se, afirmaram aos presentes que tudo não passara de um truque de mágica. Malco, segundo a tradição, acreditou no milagre porque sentiu na própria pele a bondade e poder do Senhor Se nhor e vai se converter posteriormente. Jesus, “depois, voltando-se voltando-se para a turba, falou: Saístes armado de espadas e porretes para prender-me, como se eu fosse um malfeitor. Entretanto, todos os dias estava eu sentado entre vós ensinando no templo e não me prendestes. Mas tudo isto aconteceu porque era necessário que se cumprissem os oráculos orácul os dos profetas” (Mateus) e, ainda, “mas esta é a vossa hora e do poder das trevas”, (Lucas). Aproveitando-se Aproveitando-se do momento em que as atenções concentrarem-se no Mestre, os intimidados discípulos esgueiraram-se nas sombras à procura de lugar seguro. Fica uma pergunta no ar. Por que não prenderam Pedro? A ordem de prisão, expedida por Pilatos, destinava-se somente a Jesus. Se havia um tribuno e uma coorte, certamente o responsável pela prisão seria esse oficial romano. Podemos supor que estava preocupado em cumprir fielmente a ordem do governador, pouco lhe importando a orelha do servo do sacerdote. A figura do apóstolo maior, então um desconhecido e sem valor para as autoridades, não estava em foco naquele momento, permitindo-lhe escapar ileso, uma vez que Jesus havia protegido os discípulos ao livrá-los de qualquer responsabilidade, além de deixar-se prender docilmente. Restou apenas um jovem coberto com um pano de linho que os seguia de perto e tentaram prendê-lo, mas conseguiu desvencilhar-se largando o pano e correndo despido. Segundo a tradição, esse jovem seria o próprio João, um dos autores dos Evangelhos. Os braços são amarrados com brutalidade desnecessária. Temem os fariseus que por algum sortilégio o prisioneiro fuja. Mesmo no instante da prisão, Jesus mantém-se inabalável no papel de mártir em obediência à Providência. Faz-se necessário o sacrifício supremo do Messias para permitir, mercê de seu exemplo supremo de amor à humanidade, o aperfeiçoamento espiritual do homem. Deus, através de Jesus Cristo, exprime o amor divino de uma maneira única - oferta a vida do próprio Filho em resgate dos seus pecados. Era noite e a procissão armada com tochas dirigiu-se à casa de Anás, sogro de Caifás. Neste ínterim, os discípulos tomados por medonha aflição vagavam desorientados e temerosos até da própria sombra. Os Evangelhos são sucintos ao descrever a via crucis a
partir do momento em que Jesus é condenado e obrigam-no a carregar a cruz. Na verdade, iniciou-se quando o prenderam no Getsêmani. Os sacerdotes, tendo-o à mercê, aproveitam para dar vazão ao ódio acumulado há muito tempo, batendo nele com seus bastões, incitando os soldados à violência similar e vociferando uma enxurrada de ofensas. Arrastam-no rudemente causando-lhe várias quedas. Ao transpor a corrente do Cedron pela ponte, Jesus cai na água e apesar dos maus tratos aproveita para saciar-se, dizendo: “Na sua sede, ele beberá água da torrente”. (Salmo 108). Ao longo do penoso caminho passam por um povoado de gente simples que trabalhava fornecendo água e madeira para o Templo. Eles haviam sido particularmente beneficiados pelas curas do Mestre, especialmente quando a Torre de Siloé desabou, ferindo e matando muitos operários. A maior parte dos seus habitantes iria converter-se a Cristo depois de sua morte. Naquele momento, acordados de sobressalto pelo barulho da tropa, apenas lamentam. Muitas mulheres com suas crianças choravam, lembrando-se do consolo e milagres com que ele as beneficiara. Alguns humildes se sensibilizam porque o conheciam, ficando de joelhos a rezar. Os fariseus, indignados com tal manifestação de fé, exclamam indignados: “Não é preciso mais provas de que o Galileu incita o populacho à rebelião!”. Os soldados fazem com que voltem para suas casas à custa custa de reprimendas e ameaças. Minutos depois, Nossa Senhora surge acompanhada de amigas solidárias no infortúnio. Ela retrata na acentuada palidez da face e na tristeza do olhar a enormidade da dolorida angústia de uma mãe amorosa ao ver o filho inocente sendo vítima da mais indescritível perversidade. Alguns, agradecidos pelas graças recebidas do Messias, a rodeiam em sinal de amizade. Pedro e João seguem o cortejo à distância. João, aproveitando a condição de amigo de alguns servos do Caifás, pede-lhes que os deixem entrar no palácio para acompanhar de perto o desenrolar dos acontecimentos. Na noite da Paixão de Cristo, os habitantes de Jerusalém, já cansados devido aos intensos preparativos para a Páscoa feitos durante o dia, dormiam a sono solto. A movimentação causada pela prisão de Jesus acordou-os sobressaltados. O sumo sacerdote convocou todos os membros do Sinédrio para uma sessão extraordinária. As testemunhas de acusação vieram motivadas especialmente pela promessa de generosa recompensa. Todas as pessoas que nutriam qualquer desagrado contra Jesus eram instigadas a fazer causa comum e comparecer com presteza ao julgamento. Assim, fariseus, doutores da lei, mercadores do Templo, servos, dependentes e os bajuladores de sempre se encontravam reunidos no palácio do sumo sacerdote. Na verdade, muitos simpatizantes do Messias, como os que o haviam aclamado com tanto entusiasmo por ocasião de sua triunfal entrada em Jerusalém, atemorizaram-se com a sua inopinada prisão. As notícias do modo brutal como o tratavam soaram-lhes aos ouvidos como um ameaçador grito de alerta, arrefecendo qualquer gesto de solidariedade. Evidenciava-se uma esmagadora união dos poderes romano e judaico no firme propósito de punir o benfazejo fazedor de milagres. Sabiam todos muito bem das terríveis punições cabíveis para quem se manifestasse a favor de Jesus. Não é difícil compreendê-los, pois os próprios apóstolos achavam-se escondidos e dominados por imenso pavor. Uma terrível atribulação caíra sobre os seguidores do Messias como os raios de uma imprevista e gigantesca tempestade. As pessoas que persistiriam em favor de Jesus seriam contadas a dedo.
Os sumos sacerdotes queriam manipular Pilatos fazendo-o acreditar que Jesus era de fato aquele incorrigível insurrecto, um insuflador carismático com talento especial para instigar o povo. Seria o motivo necessário e suficiente para ser morto sem piedade. Não obstante, o legado romano não era tão ingênuo para ser manipulado facilmente como supunham os judeus e não tarda a perceber quais eram suas malignas intenções. Jesus não oferecia o propalado perigo segundo seus próprios informantes. Então, recebeu com reservas as acusações falsas. Pilatos, intimamente, não nutria simpatia pelos sacerdotes, tolerando-os apenas por conveniência política. E a recíproca era verdadeira. O relacionamento político judaico-romano mal encobria ódios e desprezos recíprocos, porém mais exacerbados pelos dominados.
CAPÍTULO 10
JULGADO PELO SINÉDRIO O Sinédrio quis que Anás, sogro de Caifás, fizesse um pré-julgamento, reunindo algumas provas consideradas essenciais. Cerca da meia-noite chegaram os guardas ao palácio de Anás conduzindo Jesus. Normalmente, as pessoas acusadas de heresia eram preliminarmente levadas ali e depois encaminhadas a Caifás, caso se configurasse de fato um crime. Vários sacerdotes e doutores da Lei assessoravam Anás. O velho e irascível sumo sacerdote mostrava-se impaciente enquanto aguardava o prisioneiro, mas por fim rejubilou-se por tê-lo à mercê. Seu semblante espelhava a satisfação de um espírito rancoroso ansioso pelo momento supremo da vingança. O exausto prisioneiro, de mãos atadas, com as vestes sujas de lama, achava-se de pé, humilde, imóvel e calado diante do arrogante juiz. Não é de se admirar que Jesus estivesse com a fisionomia abatida devido à longa caminhada forçada sofrendo cruéis maus tratos. Assumindo um ar sarcástico, como quem não soubesse quem era Jesus, Anás finge surpreender-se ao vê-lo desamparado sob um intenso martírio. Pergunta-lhe com ironia se ele era mesmo Jesus de Nazaré, já que não se fazia acompanhar de numerosos seguidores. Onde estavam os seus fiéis discípulos? Onde estava a conduta desrespeitosa a Deus e aos
sacerdotes? E as violações do sábado sagrado? Quem lhe deu o direito de pregar se nem estudou para isso? Acusa-o face a face de incitar o povo à rebelião. A seguir, insiste em tom provocativo que diga qual a doutrina e os princípios que ensina. Jesus, apesar de combalido retruca-lhe retruca-lhe com firmeza: “Falei abertamente para o mundo; sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde todos os judeus frequentam; e em segredo nada disse. Por que me interrogas? Pergunta àqueles que ouviram o que lhes falei; eles sabem o que eu disse”. Ao ouvi-lo, o velho Anás indignou-se pelas palavras do homem que considerava insignificante diante de sua alta hierarquia. Soam como uma imperdoável afronta já que nem direito de defesa lhe é concedido. É uma oportunidade para deleitar-se em espezinhar um Jesus humilhado e aparentemente derrotado. Surpreendeu-se ao perceber uma inesperada altivez nas palavras do humilde carpinteiro quando já o considerava moralmente derrotado sob o peso de brutal e humilhante tratamento. Um servo ao lado percebe a reação do sumo sacerdote. Não quer perder a oportunidade de bajular o superior e agride o indefeso prisioneiro em pleno rosto. Outros guardas veem o regozijo sádico que se estampa no semblante de Anás. Não querendo ficar para trás no servilismo covarde, dão-lhe outros golpes acompanhados de insultos até o sangue escorrer da face da vítima. Jesus, mesmo ultrajado e fisicamente fragilizado, encontra forças para protestar: “Se eu falei mal, dê testemunho do mal, mas se falei bem por que me agrides?”. Sabia que em sã consciência ninguém poderia apontar -Lhe qualquer falta. Irritado por não conseguir macular a serenidade do Nazareno, quase explodindo de ódio, decide chamar as testemunhas para dar seguimento à farsa grotesca. Os vis oportunistas visavam somente ganhar vantagens e passaram a competir entre si. Passam a falar quase ao mesmo tempo, soltando uma enxurrada enxur rada de acusações: “Ele se intitula rei”, “diz que os fariseus são uma geração adúltera”, “ele não jejua”, “come com prostitutas, pagãos e publicanos”, “ele deixa que o chamem Filho de Deus”, “predisse a destruição do templo de Jerusalém”, “ele é feiticeiro, cura nos sábados por obra do demônio”, “diz que possui a água da vida eterna” ete rna” e outras similares. Anás aproveita a ocasião para tentar desmoralizá-lo diante de todos mediante exclamações cheias de sarcasmo. Ainda não saciado com a enxurrada de insultos, enche uma folha de pergaminho com acusações ardilosas e põe dentro de um tubo oco de bambu à guisa de risível cetro real. Assim, sadicamente soltam as mãos do Cristo, amarrando-as cruzadas ao peito e obrigando-o a segurar o pretenso cetro. Anás não esconde o seu contentamento por ter achado um meio singular de humilhar o réu. Cheio de ironia declara que vai portando as devidas credenciais reais para que possa ser reconhecido e tratado por Caifás como rei. O palácio do sacerdote mor do Sinédrio distava uns trezentos metros. O cortejo passa por um pátio enorme e depois entra num pátio interno. O palácio era iluminado profusamente por tochas e lampiões, um requinte para a época. Mal raiava o dia e o Sinédrio “estava todo reunido para entregar Jesus à morte”. As audiências noturnas foram de caráter preliminar, pois eram consideradas ilegais pela lei judaica. A maioria dos membros do grande conselho dormiu no palácio, em aposento especialmente preparado. Quase todos os sacerdotes estavam imbuídos do intuito homicida de formalizar tão rápido quanto possível a sentença capital já decidida.
Caifás, com ar solene e grave emanava autoridade e orgulho, ciente da importância do seu cargo. Trajara-se ricamente para a ocasião com um manto bordado em cores vistosas e adereços de ouro, um retrato fiel da soberba sacerdotal. Aguardava ansioso pela chegada do homem que pretendia executar o mais breve possível. O ideal seria antes do por do sol de sexta-feira, antecedendo-se à Páscoa. Jesus ao entrar no pátio do julgamento viu Pedro e João, mas desviou o olhar evitando comprometê-los. Era um homem sozinho versus uma multidão de inimigos, literalmente uma ovelha no meio de lobos famintos. Receberam-no hostilmente com vaias e apupos depreciativos. Logo de cara um truculento Caifás encarou-o rudemente vociferando ameaças. Declarou ser Jesus um inimigo acérrimo de Deus, blasfemador e perturbador mor da paz na Páscoa sagrada. Tiraram o tubo do peito de Jesus e desenrolaram o pergaminho para lê-lo. Caifás excederia o sogro em arrogância e brutalidade. Expostas as falsas acusações, não demonstra qualquer compaixão ao desrespeitar a pessoa do réu, instando-o instando -o a responder de chofre às acusações sob as seguidas pancadas desferidas pelos guardas. As testemunhas repetiram a mesma cantilena proferida a Anás. Entretanto, como quem ouviu o galo cantar sem saber aonde, as inúmeras contradições acabam caindo no vazio. Não conseguem formular qualquer prova incriminadora relevante para desgosto dos frustrados juízes. Por fim alguém declarou: “Nós o ouvimos ouvimos dizer: Eu destruirei este santuário s antuário edificado por mãos humanas e em três dias construirei outro, não por mãos humanas”, referindo-se referindo -se ao Templo sagrado. Em que pese toda a planejada encenação destinada a acirrar o clima de ódio contra Jesus, alguns dos presentes começaram a impressionar-se pelo chocante contraste entre o tratamento cruel imposto ao réu e a sua paciente serenidade. Caifás está diante de um Jesus humildemente calado e fica frustrado por não conseguir algo de fato incriminador. Assim, prefere adotar a tática de escarnecê-lo para abater-lhe o moral. Quer saber que tipo de rei é o acusado, quais as provas de seu poder, o que fizera do dinheiro obtido de pessoas pretensamente iludidas, etc. No entanto, nada obtendo de concreto, acerca-se com expressão feroz do homem indefeso, manietado e debilitado pelas inúmeras agressões agressões sofridas, no intuito de intimidá-lo intimidá-lo com rudeza crescente: “Nada respondes às acusações que têm contra ti?”. Exasperado, exclama cheio de ódio: “Eu te conjuro que tu nos digas se tu és o Messias, o filho de Deus vivo”. O réu conserva a cabeça baixa, mas os guardas puxam-no pelos cabelos, obrigando-o a encarar o possesso sumo sacerdote. Jesus em que pese o tremendo castigo físico e mental encontra forças para responder em t om om solene: “Se eu vos disser não me acreditareis; e se vos fizer qualquer pergunta, não me respondereis, mas doravante o Filho do Homem estará sentado à direita do poder de Deus”. (Lucas 22. 68-69). 68-69).
Um truculento Caifás exala ódio mortal ao acusar falsamente Jesus Cristo Fonte : A PAIXÃO DE CRISTO (2004). Direção: Mel Gibson. Produtora: Icon Productions. Ator : Mattia Sbragia Yosef. Yosef. Título original: The Passion Passion of the Christ
Caifás manifesta teatral repulsa diante da declaração ao rasgar o próprio manto e exclamar em meio a chispas de ódio: “Ele blasfemou, que necessidade mais nós temos de testemunhas? Vede, agora ouvistes a blasfêmia: que achais?”. Os juízes exprimem total concordância ao satânico mestre declarando em coro demoníaco: demoníaco: “Ele é culpado de morte!”. A perversidade deles é inexaurível: “e começaram a cuspir nele, a injuriá -lo e deram-lhe bofetadas e bateram-lhe bateram-lhe com os punhos”. Regozijando-se por ter conseguido o seu perverso intento, Caifás diz em tom irônico aos guardas guardas que deixava o “blasfemador” em suas mãos. Eles entenderam a malicia do chefe, um sinal verde para dar vazão à índole perversa. Vendaram-lhe os olhos, escarnecendo: “Profetize para nós, ó Messias, quem é que te bateu?”. Um grupo de membros do Sinédrio aprecia com ares de aprovação à bárbara e covarde agressão sem pejo de assistir. O Messias, apesar dos incontáveis ultrajes, conserva no olhar uma expressão imaculada inatingível ao poder das trevas. Alguns presentes, propensos ao bem, ficaram chocados com as cenas de extrema brutalidade. Preferiram sair constrangidos do Templo sem poder livrar-se de um incômodo sentimento de culpa. Neste meio tempo, venais testemunhas vão-se reunir num canto, ávidas em receber as propinas como paga dos testemunhos prestados. Pedro e João haviam conseguido entrar no palácio de Caifás e acompanhavam no pátio sob a mais intensa comoção o padecimento do Mestre. João decidiu sair para ir ao encontro de Nossa Senhora para narrar-lhe o infortunado desenrolar dos acontecimentos. Ela encontrava-se reunida com amigas na casa de Marta, as companheiras amorosas e fiéis de infortúnio na intensa dor da Paixão do Cristo.
Pedro permaneceu no pátio porque não conseguia arredar-se, abandonando o Mestre. Uma sensação profunda de desespero comprimia-lhe o coração, sentindo seu mundo desabar. Postou-se ao redor do fogo onde os soldados e as pessoas comuns procuravam aquecer-se. A fisionomia de Pedro denotava um abatimento sem igual que não conseguia ocultar. Uma criada achegou-se e lançando-lhe um olhar curioso, comentou: “Também tu estavas com Jesus, o Galileu”. Neste instante, tendo diante de si os inimigos ferrenhos do Mestre, o instinto de sobrevivência prevaleceu. Sabia quão tremendos castigos adviriam se o prendessem: “Mulher, eu não o conheço” - nega forçando real convicção. Em um gesto de defesa instintivo afasta-se ligeiro. Procura permanecer incógnito, mas outra criada pareceu reconhecê-lo ao apontá-lo apontá-lo aos demais: “Este homem também estava com ele”. O sujeito ao lado logo logo quer saber se é verdade, indagando-lhe: “Não és um dos discípulos deste homem?”. Pedro alarma-se alarma-se e com veemência nega outra vez. Desloca-se, então, ao pátio maior na esperança de livrar-se em caráter definitivo dos inoportunos. Pouco adiantou, porque alguém notou a tristonha mudez em sua face, observando indiscretamente: “Tu és também um dos discípulos; tu também és Galileu, teu próprio modo de falar te trai”. Um medo horrível se apossa do apóstolo. Sua reação é de retirar-se dali o mais rápido possível. Ainda mais, que um irmão de Malco insiste em dizer que o conhece: “Eu não te vi no jardim com ele? Não cortaste a orelha do meu irmão?”. É demais para Simão que, sentindo-se exposto ao perigo, atemoriza-se dos pés à cabeça. Quase fora de si, começa a praguejar praguejar afirmando que “não conhecia o homem”. Neste momento, surge um grupo caminhando pelo pátio, tendo à frente um Jesus terrivelmente solitário escoltado pelos soldados. Neste deprimente cenário, quando a maldade humana atinge o ápice, ouve-se o galo cantar. Os olhares do Mestre e do discípulo se cruzam neste instante inesquecível. O semblante do Filho de Deus exprime uma compaixão incomensurável que penetra fundo em seu coração ao ser flagrado no ato de negá-Lo. O que mais perturbou Pedro foi a completa ausência de acusação no olhar do Mestre, levando-o a sentir sua divina bondade e tolerância. O amor do Filho de Deus é infinitamente superior à falsidade humana. Ele não lhe nega o perdão, embora saiba que Pedro acabou por negá-Lo várias vezes, traindo seu veemente juramento de solidariedade, quando horas antes se dispôs a segui-lo fielmente na prisão ou até na morte. O discípulo havia esquecido por completo das palavras de Cristo: “Antes do galo cantar, três vezes me terás negado”. Imagine seu estado de espírito. espírito. Num relance caiu em si sob o peso da enormidade da falta, ao ver-se como um vil traidor, assumindo plena consciência de que não conseguira manter-se à altura da grandiosa missão que o Mestre lhe havia confiado - ser a pedra fundamental de sua Igreja. Jesus, mais do que nunca, confirmava as palavras de Pedro, o primeiro discípulo a reconhecer a natureza divina do Filho de Homem, dizendo-lhe: dizendo-lhe: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo”. E ele fora o primeiro a deixar-se vencer pelo medo, negando-o covardemente. Maculara o impulsivo juramento que havia feito com tanto ardor, mas não menor inconsequência. Um atordoante remorso faz com que se veja imerso num oceano de angústia e vergonha. Afasta-se trôpego dali, desnorteado, tomado por um pânico interior. Na verdade, Pedro foge de si mesmo. Vagueia como um autômato em busca de lugar ermo onde possa sozinho chorar compulsivamente, dando livre vazão ao arrependimento que lhe avassala o
peito e corrói a alma. “Então Pedro, saindo dali, chorou amargamente”. (Lucas). “E lembrando disso, rompeu em soluços”. (Marcos). Em futuro próximo, assim como São Paulo, o discípulo se redimirá e completamente convertido à fé em Cristo dar-lhe-á o suor, o sangue e a vida em uma luta heroica, deixandonos como herança a imagem de um glorioso mártir e inesquecível santo. Não obstante, naquela hora trágica em que o horrível poder das trevas desceu à terra, impondo terror e escravizando os espíritos, era somente um homem digno de pena ao surpreender-se derrotado pela fragilidade de sua condição humana. Enquanto isso, nas proximidades do palácio um grupo de homens incumbia-se de aprontar a cruz desde o momento da prisão do Nazareno. Os romanos já haviam preparado as cruzes dos dois ladrões condenados formalmente, mas a de Jesus devia-se à antecipação maquiavélica de Caifás. O gênio do mal estava confiante de que persuadiria Pilatos a executá-lo sem delongas. Apenas Nicodemos, José de Arimatéia e alguns bem aventurados se opuseram à condenação, mas tratava-se de uma escassa minoria, incapaz de influir no rumo dos funestos acontecimentos. Infelizmente, as pessoas boas de fato constituem sempre a minoria das minorias, caso contrário a terra seria quase um paraíso. Os dois citados por sua atitude benevolente ficariam expostos à ira dos maus. Um satânico Caifás, sentindo-se afrontado, disse-lhes asperamente que não se surpreendia pela inconcebível oposição. Acusou-os acerbamente de serem amigos do Galileu e adeptos de sua herética doutrina. Ditas estas palavras, o astucioso sumo sacerdote empenhou-se em excluir do conselho qualquer elemento simpático a Jesus. Os sacerdotes afastados do cargo protestaram, retirando-se do palácio, não sem antes declarar que se isentavam de culpa diante dos atos reprováveis do Sinédrio. Saíram e nunca mais ocuparam suas cadeiras. Enquanto Jesus ia sendo levado para apresentação ao governador romano, Judas caia em si tomando plena consciência do tremendo mal que causara. Andara aqui e ali, a ouvir os comentários impressionantes de pessoas que não o conheciam. Assim, tomou conhecimento estarrecido do modo horrível como os sacerdotes maltratavam o Mestre, causando-lhe indizível sofrimento. A serenidade e paciência incomum de um inocente Jesus sob as insuportáveis atrocidades causava forte impressão àqueles capazes de se sensibilizar com o bem. As opiniões a respeito do traidor eram as mais desairosas possíveis. Como pode um homem comer o Cordeiro Pascal com o próprio Mestre e depois traí-lo de forma tão desprezível? Um miserável deste merecia a morte mil vezes mais do que Jesus. Judas começa a compenetrar-se da incomensurável vileza do ato praticado. Nenhuma boca se abre para exprimir a mínima simpatia a seu favor, quer de um lado quer do outro. Ao desprezo e desconfiança flagrantes do próprio Caifás e seus sequazes, juntam-se os demais para desnudá-lo moralmente. Eis que surge em sua ínfima grandeza como um delator sórdido, o último dos seres humanos. Ele atraiçoara não só Jesus, mas igualmente os discípulos e demais seguidores. O infame é um estranho infenso à bondade do Mestre que prega um amor incondicional. Quando finalmente acorda do terrível pesadelo que ajudou a criar depara-se tremendamente assustado com a realidade nua e crua. Entretanto, não pode livrar-se da própria consciência que num insensato desvario supôs insensível às consequências da própria maldade. Agora, ela o acusa em infindável tormento.
O sentimento de culpa vai-se avolumando no coração do delator e chega a um ponto insuportável. Incapaz de conviver com o crescente e avassalador remorso, sente-se finalmente abandonado por todos. Ele se dá conta que num tresloucado gesto desprezara a amizade daquele que o amava, bem como de todos os discípulos. Então, movido por um atordoante desespero sai andando qual um sonâmbulo em direção ao palácio de Caifás. Na cintura carrega as moedas de prata, a inseparável companhia de um avarento que com um sorriso nos lábios antes se deleitava, acalentando-as sofregamente nas mãos. Naquele momento, havia compreendido que de nada valiam. Exatamente como ele próprio que nada representa para si nem para ninguém. Ao passar por um lugar próximo ao palácio se surpreende ao ver alguns operários dormindo tranquilamente ao lado de uma enorme cruz preparada na calada da noite. Era a pesada cruz destinada a Jesus. Diante do horror da cena, seus olhos arregalam-se de espanto, seu coração se comprime e um tremor percorre-lhe o corpo dos pés à cabeça. A cruz é uma testemunha muda e sombria do indescritível padecimento reservado ao Mestre. Ela parece acusá-lo com implacável veemência de todo o mal cometido. Naquele instante, o peso de sua consciência atormentada agiganta-se de forma esmagadora. Percebe a infindável extensão da incomensurável tragédia que ajudou a desencadear tendo como vítima o seu Mestre e especial amigo. Seria ainda possível voltar atrás e desfazer todo o mal cometido, pergunta-se angustiado. Qual um autômato caminha trôpego rumo ao Templo, o mesmo lugar onde recebera as moedas da infâmia. Nutre a vã e desesperada intenção de voltar tudo atrás e desfazer todo o mal cometido. Lá chegando, avista vários sacerdotes que haviam retornado apressados do palácio de Caifás para cuidar da Páscoa. Acelera os passos e chega espavorido. Dirige-se de imediato aos membros do Conselho que se entreolham pasmos diante de um Judas fora de si, alucinado por insuportável agonia. Judas pretende livrar-se do peso da vileza cometida e quer a qualquer custo desvencilhar-se das moedas. Enlouquecido pelo remorso, pesam-lhe naquele instante muito mais do que a sua consciência podia suportar. Nervosamente e com ingênua esperança, suplica-lhes suplica-lhes com veemência: “Tomai de volta vosso dinheiro - esse dinheiro com o qual me subornaram para trair este homem justo; tomai de volta vosso dinheiro; livrai Jesus; nosso trato terminou; eu pequei atrozmente porque traí sangue inocente”. (Mateus 27.3). Os membros do Sinédrio entreolham-se surpresos sem perder a costumeira arrogância. Pouco se lhes importa o inopinado gesto de renúncia e arrependimento de um vil traidor. Um desapontado Judas depara-se com a frieza dos maus, a mesma insensibilidade com que traíra o Mestre. Os hipócritas nem haviam ousado tocar no dinheiro, temerosos de contaminar-se ritualmente ante a Páscoa iminente. A presença do inoportuno Judas Iscariotes naquele contexto é de qualquer modo constrangedora. Assim, tratam-no tratam-no com rude desdém: “O que temos a ver com teu pecado? Se tu achas que vendeste sangue inocente, é teu próprio problema; sabemos pelo que pagamos e o julgamos merecedor da morte. Tu tens teu dinheiro, nada mais digas”. Iscariotes compreende que não há mais retorno do abismo demoníaco em que se meteu insanamente. Cometeu a estúpida imprudência de descer dos céus onde vivia na paz do Mestre e apóstolos para meter-se no inferno, fazendo companhia aos filhos das trevas. Ironicamente, até pelos maus é repudiado. Abandonara um ninho onde reinava o amor, a
compreensão e a amizade para enfurnar-se em um covil de ódio, intolerância e inveja. Apesar da tremenda frustração, vê-se na obrigação moral de devolver as moedas que a esta altura queimam-lhe a alma. Num gesto brusco rasga a bolsa, tão ciosamente costurada por precaução contra os ladrões, e livra-se delas, jogando-as no santuário. As moedas se vão tilintando na pedra, mas não conseguem livrá-lo do depressivo sentimento de culpa. Já fora do Templo, envolvido pela penumbra da noite, caminha a esmo. É um homem amargamente solitário, sem destino e nem futuro. Uma mera silhueta furtiva a esgueirar-se pela escuridão, uma alma penada na vã tentativa de fugir de si mesmo. Não há nenhum lugar onde possa esconder-se do remorso literalmente crucial em que se vê mergulhado. Vagando a esmo no mais profundo desalento acaba por chegar ao sopé de uma elevação rochosa onde avista uma árvore a destacar-se das demais. Num relance vislumbra a única solução que lhe resta para escapar da tormentosa existência - o suicídio. Ele próprio havia tornado sua vida miseravelmente insuportável. Sem vacilar um instante tira o cinto e com as mãos trêmulas amarra-o num galho da árvore. Cata uma pedra graúda para servir de apoio aos pés. Já sentindo o couro rude do cinto envolver-lhe com justeza o pescoço, em seu ato final implora aos céus o perdão do Mestre. Lágrimas tardias escorrem pelas faces e o coração pulsa fortemente como querendo sair do peito. Dando sequência ao ato insano, chuta a pedra com fria determinação. Com um único pontapé pretende livrar-se da avassaladora culpa por ter cometido o mais hediondo dos crimes - a traição ao Messias - o Filho de Deus. No silêncio vazio da noite, o corpo de Judas Iscariotes oscila tristemente com a bolsa da avareza ao chão, formando com a desolada montanha ao fundo um cenário fantasmagórico, retrato lúgubre de seu ato tresloucado. Um símbolo chocante da maldade humana punindo-se a si mesma. Marca o ponto final da vida terrena de Judas Iscariotes que acabou por se tornar também vítima de sua traição. O nome de Judas vai simbolizar daí por diante uma falta imperdoável. Em todos os tempos sempre se reservou aos traidores a morte porque o mundo nunca os suportou. É uma lei não escrita que vigora em toda parte, até entre os criminosos. Na Alemanha, as autoridades podem proibir os pais de dar o nome de Judas a um recém-nascido. É um estigma maldito que não se pode obrigar ninguém a carregar pela vida afora. Nos abatedouros, o boi que conduz os outros animais ao abate é chamado de Judas. Embora os apóstolos, os demais seguidores e o próprio Jesus fossem judeus, parece que este fato essencial tornou-se irrelevante diante do comportamento aviltante de Judas. Seu nome passou a ser o símbolo da traição judaica ao Messias escolhido por Deus. E sua detestada imagem estendeu-se ao povo judeu porque foram acusados de deicidas desde então. Talvez tenha contribuído neste sentido uma simples coincidência ortográfica: “Judas” e “judeu” têm o mesmo radical. Na Semana Santa, segundo a tradição, um boneco representando o traidor era malhado ao longo dos séculos por jovens irrequietos, simbolizando a repulsa da comunidade cristã ao discípulo que não deu certo. É interessante comentar que certos cristãos na antiguidade descobriram um improvável heroísmo na censurável atitude deste anti-herói. Um texto escrito em copta, uma língua do antigo egípcio cujos caracteres são gregos, foi encontrado recentemente. É o chamado Evangelho de Judas. Em sua desconcertante narrativa apresenta o discípulo que não deu certo como o mais querido dos apóstolos. A delação do apóstolo maldito é considerada um ato submisso em obediência à vontade do Mestre, uma verdadeira
demonstração de amor. Jesus, dando andamento a um plano esquisito, chega a dizer-lhe: “Suplantarás a todos eles (os demais discípulos), pois sacrificarás o homem que me veste”. E ainda para encorajá-lo encorajá-lo faz uma elogiável comparação: “A estrela que mostra o caminho é a tua estrela”. E não deixa de alertáalertá-lo: “Serás amaldiçoado”. Jesus Cristo, enfim, teria a oportunidade de livrar-se do corpo material para libertar o seu espírito divino, o verdadeiro Cristo, mediante um sacrifício supremo em prol da humanidade. É uma metáfora ao gosto do gnosticismo que vigorou nos primeiros tempos do cristianismo. O evangelho de Judas termina laconicamente acrescentando que “Judas recebeu dinheiro” para entregar o próprio Mestre. Segundo os estudiosos, este evangelho foi escrito por um grupo de cristãos gnósticos do segundo século. Irineu, bispo da cidade de Lyon, cerca de 180 d.C. denunciou-o com irada veemência, entre outros textos gnósticos, tachando-o de heresia. De fato, esses textos nada nos dizem sobre a historicidade dos fatos ou personagens envolvidos. Resumem-se a oferecer uma versão simbólica do que acreditam ser a verdade. Diante da incoerente versão, o bispo declarou cheio de indignação: “...defendem “...defendem Judas, o traidor, dizendo que ele é admirável e grande, devido às vantagens que ajudou a conferir à humanidade. Mas Deus preparou o fogo eterno para todo tipo de heresia”. Há que se fazer uma ressalva. A atitude radical do bispo lançando o “fogo eterno para todo tipo de heresia” exprime um sentimento de extrema intolerância, uma extensão condenável do mau farisaísmo. É o prenúncio da Inquisição, um sinônimo para o terror em nome de Deus, quando religiosos fanáticos irão desvirtuar mil e uma vezes toda a beleza da mensagem de Cristo. A postura de Irineu, um bispo devoto, mas dominado por virulenta obsessão e lamentável espírito vingativo, será mais prejudicial ao cristianismo do que a versão fantástica do Evangelho de Judas. Os textos gnósticos são fantasiosos, mas nunca ocasionaram a morte de inocentes. Todos têm o direito de exprimir sua opinião ou crença por mais absurda que seja. Infelizmente, não se pensava assim naquela época de extrema barbárie onde predominava a tirania perversa pretensamente em nome do Deus. A igreja passaria a agir mais adiante de modo truculento mediante crudelíssimas repressões ao livre pensamento a fim de manter egoisticamente o seu poder temporal. A santidade amorosa dos apóstolos iria ser substituída por uma religiosidade de caráter perverso, sem o devido respaldo espiritual. Certamente, houve uma interpretação equivocada das palavras de Jesus na última ceia: “O que pretendes fazer, fazefaze-o depressa”. O Mestre sabia de antemão o que ocorreria mais adiante, mas tal poder não isentava ninguém da responsabilidade pessoal. Se o fosse, Caifás e Pilatos seriam as grandes figuras do cristianismo, pois desempenharam papeis chaves na Paixão de Cristo. Juntos com Judas formariam um trio de heróis da Nova Fé. Ademais, se a traição em questão fosse um ato de obediência ao Mestre, não haveria qualquer razão para posterior arrependimento e tresloucado suicídio. Judas estaria com a consciência tranquila por ter cumprido fielmente o dever assumido perante o Messias. Deveria até ser incluído na categoria dos santos apóstolos. Uma imaginação exagerada, aliada à falta de bom-senso, pode induzir algumas mentes transtornadas por delirante fantasia a cair em bizarra interpretação, totalmente fora da realidade. De qualquer maneira, embora tardiamente, Judas arrependeu-se do mal que cometeu e infligiu a si mesmo uma punição fatal, início de um castigo maior. “Porque o Filho do homem vai segundo o que está determinado, mas aí daquele por intermédio de quem ele
está sendo traído!”. Com essas palavras, Jesus Jesus deixou bem claro que o fim dele seria trágico, proporcional ao mal que causou. Entretanto, não ocorreria por uma questão de vingança. O Filho de Deus, manifestação suprema do bem, situa-se acima do mal. Jesus Cristo nunca renegou Judas mesmo sabendo que o iria trair. É difícil ao ser humano compreender o comportamento divino. Não há registro de uma simples acusação ou uma palavra de ódio. Sendo assim, ninguém deve jogar a primeira pedra. Os clérigos e fiéis trairiam mais tarde Jesus Cristo milhares de vezes quando distorceram seus ensinamentos e o que é pior, sem o mínimo sinal de arrependimento. Os horrores da Inquisição, as sanguinolentas Cruzadas, a conivência com o extermínio dos povos nativos americanos, a tolerância hipócrita com o racismo, a indiferença com a crueldade da escravidão, o inconsequente apoio à ascensão asce nsão do fascismo e do nazismo, para não citar a hipocrisia gritante de se fazer vista grossa ao Holocausto, são alguns exemplos chocantes. A própria maldade individual é uma negação dos ideais cristãos. Nós todos traímos Cristo, mesmo m esmo involuntariamente. Em comunicação recebida por Chico Xavier, o extraordinário médium brasileiro, aquele ser espiritual que viveu como Judas Iscariotes revelou que cumpriu uma série de existências em angustioso sofrimento, até concluir finalmente o seu resgate espiritual numa fogueira ateada pela intolerância religiosa no século 15. Ninguém se livra da agonia enquanto não resgatar o último de seus graves pecados porque não se pode fugir de si mesmo. Somos seres espirituais imortais e devemos pagar por nossos erros, a exemplo de Judas. No entanto, seremos sempre dignos da misericórdia divina, mais cedo ou mais tarde. Deus é amor em grau infinito. Voltemos ao julgamento. Os principais sacerdotes deliberavam entre si o que fazer com as moedas do pacto da traição. Por fim, revelando uma surpreendente preocupação, pois não haviam poupado esforços para assassinar o irmão de sangue, resolveram comprar “o campo do oleiro, para cemitério de forasteiros” e que passou a ser conhecido conhecido naquela época como o “Campo de Sangue”. “Então se cumpriu o que foi dito por intermédio do profeta Jeremias: Tomaram as trinta moedas de prata, preço em que foi estimado aquele a quem alguns dos filhos de Israel avaliaram”. (João 27.9). Enquanto Judas renunciava à vida, Jesus era conduzido pela cidade por seus algozes. Se a sua prisão fora feita às ocultas na calada da noite, a sua humilhação devia ser a mais pública possível para desencorajar quaisquer simpatizantes. Caifás, Anás e os principais do Conselho, em vistosos trajes de gala, desfilavam com ar de vitória à frente do cortejo do mal. Uma multidão de curiosos juntou-se à procissão, rodeando-os. Atrás vinha Jesus escoltado pelos soldados. A ideia era vilipendiar o odiado Messias de modo a torná-lo totalmente desprezível aos olhos do povo. Os fariseus notaram satisfeitos que o povinho simpático a Cristo, ao deparar-se com sua figura escarnecida de maneira aviltante, claudicava na credibilidade. Tornava-se difícil aceitar que aquele Jesus pudesse ser o poderoso Messias, o rei tão aguardado pelos judeus. Na natureza, os predadores escolhem instintivamente a presa mais indefesa para atacá-la. De modo semelhante, aproveitando-se de um fragilizado Jesus, os filhos das trevas zombavam dele diante da multidão e se deleitavam com o gesto ignóbil. O palácio de Pilatos elevava-se acima de uma grande praça. O tribunal ficava adjacente ao palácio e sua entrada era a leste. Uma linha demarcada na calçada que conduzia ao tribunal alertava os supersticiosos judeus do limite de acesso, protegendo-os da contaminação ritual por receio do contato com os gentios. Se entrassem no edifício dos
romanos, embora fossem seus formidáveis dominadores, acreditavam estar violando a tradição da Lei, ficando impuros ritualmente e impedidos de gozar a Páscoa. Os senhores do mundo aceitavam com relutante condescendência estas crendices em nome da tolerância religiosa, mas decerto se ressentiam delas. Crenças misantrópicas semelhantes, culminando com a ojeriza ao casamento inter-racial, contribuíram desde os tempos antigos para os judeus serem olhados pelos povos vizinhos como o estereótipo da antipatia humana.
CAPÍTULO 11
JESUS NA PRESENÇA DE PILATOS Ao iniciar a manhã, o cortejo trazendo a multidão chegou ao palácio do governador que os aguardava no pretório, rodeado por seus oficiais, todos vestidos com elegantes trajes conforme a hierarquia de cada um. Ao vislumbrar a aproximação do cortejo, Pilatos constatou a maneira bárbara como tratavam Jesus. Até ele, um oficial romano normalmente insensível, reprovou a brutalidade inusitada contra um homem sem culpa comprovada. Não se conteve em censurar-lhes: censurar-lhes: “Por que têm de estar aqui tão cedo? Por que maltratam o prisioneiro de forma tão vergonhosa?”. Os hipócritas quedaram-se quedaram-se mudos, limitando-se a mandar os guardas apresentar-lhe Jesus. Os sacerdotes pediram a Pôncio que os ouvisse de imediato uma vez que não poderiam entrar no tribunal por receio de serem profanados. Em sua mesquinha misantropia não se apercebiam que já eram impuros espiritualmente devido à maldade de seus corações odientos. E ainda estavam ressentidos com o governador por tratá-los asperamente, embora fingissem ignorar mediante um ar de pretensa superioridade. Os guardas conduziram o réu ao pátio no terraço, onde estavam reunidos Pilatos e os rabinos. O governador ouvira por vezes comentários sobre o conhecido fazedor de milagres, mas nunca o viu e estava assaz curioso. Apesar da deplorável condição, Jesus mantinha serena dignidade, transmitindo uma natural impressão de simpatia. O exacerbado estado de ânimo dos sacerdotes não impressionou o governador. Sabia de antemão que queriam convencê-lo a condenar a qualquer custo aquele homem à morte. Já lhe haviam apresentado graves acusações, procurando caracterizá-lo como um líder insurrecto e potencial perigo para Roma. Seus oficiais, todavia, disseram-lhe que o Nazareno nem de longe oferecia o suposto perigo. Achou que se tratava de mais uma das habituais querelas religiosas dos judeus, bem conhecidos no mundo greco-romano por sua antipática aversão aos demais povos. De fato, nenhum fato relativo a Jesus podia inquietar o romano naquele momento. A própria esposa, Cláudia Prócula, intercedera a favor do Nazareno, afiançando-lhe que este exercia curas milagrosas por toda Jerusalém. Em vista disto, injustificável era o
ódio da elite judaica contra ele. Durante o julgamento, ela intercederá com ardor a favor do réu. Em decorrência, Pilatos já formara uma opinião inicial favorável, como nos relata o Evangelho: “Ele sabia que os sumos sacerdotes tinhamtinham -lhe entregue Jesus por inveja”. (Marcos 15.10). Preferiu dar logo a entender ao sumo sacerdote que não ia condenar ninguém sem uma prova de acusação consistente. Neste contexto, exige em tom de pouco caso: “Que acusação vocês têm contra este homem?” A atitude crítica do romano irrita os sacerdotes que mal escondem a indignação por seu aparente alheamento. Logo vociferam terríveis acusações: - “Se este não fosse malfeitor, não o teríamos tería mos entregue a ti. Temos encontrado este homem excitando o povo à revolta, proibindo de pagar impostos ao imperador e dizendose ser o Messias”. - “Tomai-o “Tomai-o e julgai-o julgai-o vós mesmos segundo vossas leis” - rebate Pilatos com desdém, procurando descartar-se dos importunos. Diante do acirrado estado de ânimo dos sacerdotes, percebe que detestam Jesus até a medula e estão dispostos a pressioná-lo ao máximo para que o condene à crucificação. E não arredarão os pés dali, iguais a predadores famintos disputando com gana uma fragilizada presa. Como já sabemos, os romanos haviam subtraído da jurisdição judaica o direito de vida ou morte, isto é, o poder de julgar e executar sentenças capitais. O governador devia estar ao par deste princípio essencial da lei romana. Se não existisse, daria às autoridades judias o direito de eliminar eventualmente até amigos de Roma baseados em pretextos de conveniência política ou falsos motivos. O romano finge ignorá-lo. É uma tentativa de livrar-se do aborrecido julgamento. Os sacerdotes se veem constrangidos a lembrar-lhe o óbvio: “Vós sabeis bem que não nos é lícito condenarmos qualquer homem a morte”. João nos descreve que Pilatos, diante da insistência irritante dos príncipes dos sacerdotes, vê-se no dever de dar prosseguimento ao julgamento. Então, ordena-lhes que apresentem formalmente suas acusações e testemunhas para comprová-las, porém eles afirmam dispor de vários voluntários para tal fim. A primeira o incrimina como líder de uma insidiosa conspiração contra o imperador. Trata-se de um perigoso rebelde que desafia não só o poder teocrático do Templo, mas também o romano, seduzindo e aliciando seguidores por toda Judéia, perturbando a paz e tranquilidade pública. E como se fosse pouco era um herege que violava violava o santificado sábado, chegando à afronta máxima de praticar curas notáveis no dia consagrado por Deus. Pilatos não se impressiona com a acusação inicial, chegando a comentar irônico que decerto as pessoas curadas não eram nenhum dos presentes. Ora, os beneficiados não estariam preocupados em queixar-se! Ademais, os romanos estavam acostumados a curas miraculosas realizadas em nome do patrono dos médicos, o deus Asclépio. Assim, o poder de fazer milagres de Jesus era visto de forma favorável por ele. Os romanos não perseguiam quem curava por um motivo ou outro, muito pelo contrário, tinham-no em boa conta. Acrescentaram mais uma acusação vazia. Jesus afirmara que ninguém podia alcançar a vida eterna sem beber do seu sangue e comer da sua carne, certos desta vez em despertar uma justa indignação. Pilatos, sarcasticamente, respondeu-lhes que deviam estar almejando igualmente a vida eterna porque estavam sedentos do sangue de Jesus. O manuscrito apócrifo dos Atos de Pilatos apresenta uma pergunta interessante por parte do legado romano romano aos sacerdotes: “Deus vos proibiu de matar, mas permitiu a mim?”. Os sacerdotes ficam embaraçados e se omitem a responder. É interessante lembrar que Moisés
inicia a sua extraordinária carreira de líder supremo dos hebreus assassinando um egípcio sob o pretexto de vingar um hebreu ofendido. Mais adiante, o sangue de muitos de seus irmãos de raça será derramado no deserto por ele mesmo sob a pretensão de defender a crença em Iahveh. Aliás, o supremo mandamento divino - não matarás - não foi obedecido por Moisés e por nenhum povo. Na verdade, nem pelo Deus judaico, em flagrante contradição ao seu mandamento capital. A seguir, procuram caracterizá-lo como um rebelde que incentivava o povo a não pagar os tributos devidos ao imperador. Pilatos descartou-a dizendo que não era verdade. Afirmou-lhes estar bem informado sobre a arrecadação, sua preocupação maior, e a acusação não procedia de modo algum. Então, passaram a incriminá-lo de várias coisas querer ser tratado e aclamado como rei dos judeus. Contava parábolas de duplo sentido com intuito de persuadir muitos de que era de fato um rei. A multidão chegou a aclamá-lo rei em um arroubo de entusiasmo. Somente esquivou-se por sentir que não era ainda o momento apropriado, pois seus planos não estavam ainda maduros. Recentemente, entrou em Jerusalém à frente de seguidores que galvanizaram o povo presente, fazendo-o aclamálo com homenagens régias. Gritavam: “Hosana para o Filho de Davi! Abençoado seja o reino de nosso pai Davi que agora se inicia!”. Ele igualmente igualme nte propaga entre os prosélitos que é o Messias, o rei prometido aos judeus pelas Escrituras. O Ato de Pilatos acrescenta uma atitude jocosa do governador, talvez querendo quebrar a gravidade da acusação e deixá-los desconcertados ao tratar o alardeado assunto com humor irônico e pouco caso: “Como posso eu, um simples governador, inquirir um rei?”. Os judeus prontamente explicam-lhe explicam -lhe que era Jesus que queria se fazer passar por rei. Pilatos, ante essas palavras, ficou calado. Desviou o olhar passando a fitar Jesus com seriedade e ar pensativo, como se quisesse desvendar quem era afinal o controvertido homem diante de si. Os acusadores, depois de tanto empenho difamatório, conseguiram impressioná-lo um pouco. O governador não desconhecia que havia um antigo vaticínio sobre o surgimento de um rei, o Ungido de Deus, um Salvador que libertaria os judeus e os levaria à glória. Representaria um perigo potencial para os romanos. Entretanto, o legado estava convencido da superioridade dos deuses romanos, os verdadeiros deuses, uma vez que lhes propiciavam conquistas fenomenais e domínio indiscutível sobre os demais povos. Desprezou tal predição com a desdenhosa superioridade comum aos vencedores. Ora, o Deus de Israel parecia incapaz de livrá-los da submissão aos romanos, inferindo daí uma comprovada inferioridade da deidade hebraica diante do poderoso Júpiter Invictus, representado em sua magnificência pelo sol radiante. Lançou um olhar reflexivo àquela criatura tratada de forma tão aviltante. A mais longínqua possibilidade de chegar a ser rei beirava as raias do absurdo. Não obstante, a impertinência furibunda furibunda daqueles sacerdotes que exalavam e xalavam ódio por todos os poros obrigao a apurar os fatos. Entrando no pretório, mandou aos guardas que trouxessem Jesus à sua presença. Pretendia interrogá-lo reservadamente, longe da presença tumultuosa dos acusadores. A expressão serena de Jesus não deixa de causar-lhe forte admiração. Pergunta-lhe: - “És tu o rei dos judeus?”. - “Dizes isso por ti mesmo, ou foram outros que te disseram de mim? - respondeu-lhe Jesus”.
O romano não gostou de ser aventada a possibilidade de que, ele próprio, acreditasse estar diante de um rei judeu. - “Disse Pilatos: Acaso sou eu judeu? A tua nação e os sumos sacerdotes entregaramentregaramte a mim. Que fizeste?”. fizeste?”. Jesus diz: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus súditos certamente teriam pelejado para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é deste mundo”. Faz-lhe, Faz-lhe, então, Pilatos a pergunta crucial: “És, portanto, rei?”. O Messias não se omite a esclarecer sua missão: “Tu dizes que sou rei. É para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo o que é da verdade ouve a minha voz”. O governador fita-o fita-o intrigado, retrucando: “A verdade! Que é a verdade?...”. Ele não assimila a profundidade das palavras de Jesus, pois elas estão além da sua compreensão, mas percebe de maneira inequívoca que o reino a que se refere é apenas espiritual, um hipotético reino fora deste mundo. Ora, o imperador em Roma nem remotamente se sentiria ameaçado diante do que lhe pareceria ser uma fantasia. Sabia perfeitamente que Tibério só se importava com valores temporais e mundanos. E Jesus, apesar da situação extremamente adversa, mantém uma postura de digna serenidade a confirmar por si só sua inocência, sensibilizando o lado bom do legado romano. Pilatos, apesar de pender facilmente à crueldade, possuía um sentimento incipiente de justiça inerente aos romanos, o povo mais adiantado culturalmente naquela época. O Direito Romano é um legado básico à jurisprudência de todos os países civilizados. Entre os povos antigos, os romanos, apesar da conhecida crueldade, ainda eram os menos bárbaros. Em Mateus, à pergunta de Pilatos se era o rei dos judeus, Jesus simplesmente diz: “Tu o dizes”. Jesus, entretanto, mantémmantém-se calado diante das “acusações dos príncipes dos sacerdotes e dos anciãos”. Pilatos admira-se admira-se vendo que não responde às acusações dos sacerdotes descartando qualquer tentativa de salvar a própria vida. Em Marcos, a descrição é igual praticamente. Acusam-no dos crimes mais graves e Jesus responde-lhe: responde-lhe: “Tu o dizes”, porém guardando silêncio diante da vociferação difamatória dos sacerdotes. Um sensibilizado Pilatos se apercebe de sua inocência e tenta alertá-lo para que se defenda a si mesmo: “Nada respondes? Vê de quantos delitos te acusam!” Em Lucas, as acusações dos príncipes do Sinédrio são discriminadas: “Temos encontrado este homem excitando o povo à revolta, proibindo pagar imposto ao imperador e dizendo-se Messias e rei”. Quando Pilatos lhe pergunta se ele é o rei dos judeus, recebe um lacônico: “Tu o dizes”. Nesta fase do julgamento, uma coisa é certa, apesar do veemente libelo acusatório dos irascíveis príncipes e do enigmático silêncio do Nazareno, negando-se a responder às falsas acusações, ocorre um breve diálogo com Pilatos que “admirou“admirou-se” do comportamento do acusado. As palavras exatas que Pilatos e Jesus trocaram entre si perderam-se e não restou, infelizmente, qualquer registro histórico. Nenhum dos discípulos estava lá para nos dar um testemunho pessoal do inesquecível episódio. Podemos conjecturar que as narrações dos Evangelhos foram baseadas em informações indiretas, obtidas aos poucos e a posteriori. posteriori. Elas passariam de início a fazer parte de uma tradição oral dos primeiros cristãos.
Cláudia Prócula, mulher de Pilatos, encontrava-se no tribunal ou pretório. Ela externou extrema preocupação com os rumos desfavoráveis dos acontecimentos. Implorou ao marido por tudo de mais sagrado para evitar o sacrifício daquele homem que considerava um santo profeta. Contou com veemente emoção o sonho impressionante que confirmava a santidade e inocência de Jesus. O marido surpreendeu-se com o relato de Cláudia, deixando-se contagiar naquele momento por sua espontânea solidariedade em defesa do acusado. Veio-lhe à mente o contraste das figuras rancorosas dos sacerdotes e a do réu, que guardava um humilde, mas digno silêncio, indiferente ao libelo difamatório dos inimigos. A postura de Jesus subtendia inocência e sabedoria dignas de um profeta. Depois da hesitação inicial de um político oportunista, deixa-se vencer pela persuasão da esposa. Chega ao ponto de jurar-lhe com sinceridade que ninguém seria capaz de fazê-lo condenar Jesus de Nazaré. Infelizmente, Pilatos era um caráter indeciso e orgulhoso. Nunca titubeava em usar os meios mais injustos e cruéis desde que atingisse os fins desejados. A imagem que hoje fazem dele é a de um homem frio e indiferente às crenças religiosas. Na verdade, acreditava nos deuses romanos e se fiava neles quando precisava. Apreensivo, mandou acendeu algumas velas aos seus deuses preferidos em busca de ajuda, mas de nada adiantou e permaneceu confuso. Num instante, lembrava-se do juramento e achava que não devia condenar Jesus em hipótese alguma. Em outro, a possibilidade de Jesus ser realmente o rei temporal das Escrituras deixava-o vagamente inseguro. Acresce que, como convidado de honra para os festejos da Páscoa, não queria agravar a inimizade latente entre ele e o alto clero. Havia a desejável conveniência política do procurador romano de manter uma relação harmoniosa com os sacerdotes do Sinédrio, embora no fundo não passasse de descarada hipocrisia que mal dissimulava o ódio e desprezo mútuos. Há um entreato quando surge a figura imprevista de Herodes. Somente Lucas nos oferece a descrição do episódio em que Jesus é apresentado a Herodes Antipas, tetrarca da Galiléia, um dos filhos de Herodes, o grande. Mas antes, em que pese as terríveis acusações dos sacerdotes, Pilatos considera tudo inconsistente ou falso porque está convencido da inocência do réu. Para aliviar sua consciência, traz novamente o réu a presença deles e dizlhes claramente: - “Eu não acho neste homem culpa alguma”. Os judeus não se conformam com o pré-julgamento do governador. Querem Jesus morto de qualquer maneira e reiteram uma enxurrada de acusações contra Jesus. Por fim, exclamam: “Ele revoluciona o povo ensinando por toda a Judéia, a começar da Galiléia até aqui”. O acusado continua calado. Apesar da crescente irascibilidade irascibilidade dos judeus, o legado sabe com clareza que o réu é inocente das acusações, mas receia absolvê-lo mediante um ato justo, visto que tem contra si toda a enfurecida elite sacerdotal. Caso o fizesse, arcaria com sérios aborrecimentos. Sabe que precisa conviver o mais cordialmente possível com a teocracia judaica. Assim, vislumbra uma terceira opção para livrá-lo do angustiante dilema. CAPÍTULO 12
ANTE HERODES O inconformismo homicida dos judeus e a vontade do legado são antagônicos, uma delicada situação que conduz a um impasse exasperador. Quando ouve falar que Jesus também tinha a Galiléia por palco de atividades, enxerga aí um pretexto único para desvencilhar-se da incontornável situação. Os sacerdotes confirmam ingenuamente que Jesus era originário da Galiléia e que sua residência situava-se em Cafarnaum, cidade da Galiléia. Tal informação permite-lhe uma proposta oportuna ao abrigo da lei romana. O governador sabia que seria politicamente inábil contrariá-los porque o convívio amistoso com a elite judaica era preconizado pelo imperador para submeter mais docilmente o povo judeu. judeu. Ele havia deixado a capital, Cesárea, Cesárea, a fim de assistir as comemorações da páscoa judaica. Era convidado de honra do Sinédrio, representando um Tibério ausente. Caso voltasse incompatibilizado com a cúpula judaica não seria conveniente aos interesses de um governador romano hábil no cumprimento da diretriz imperial. A sua honrosa presença objetivava prestigiar e confraternizar com os menosprezados sacerdotes, todavia elementos essenciais ao domínio de Roma. A cidade dos Césares haveria de dominar o mundo não só pela espada, porém igualmente pela astúcia. Pilatos enfrentava um dilema sem solução satisfatória. Ir contra a própria consciência ou ter contra si a elite sacerdotal? A insidiosa maledicência dos príncipes dos sacerdotes junto ao imperador era um elemento que não podia ignorar. Os poderosos e riquíssimos membros do Sinédrio representavam legalmente a nação judaica. Não seria a primeira vez que apresentariam queixas viperinas a Tibério contra legados romanos com sucesso. Na melhor das hipóteses, havia o risco de causarem um desgastante aborrecimento que se havia por bem evitar. De repente, Pilatos anteviu uma terceira e oportuna opção, como que caída do céu! Sim, a solução seria não proferir sentença alguma, escapando com astúcia ao estressante papel de juiz. Fingindo agir com escrúpulos, declara que o caso seria resolvido mais apropriadamente por Herodes, pois a jurisdição lhe pertencia e não queria ferir a sua suscetibilidade. Outro motivo leva Pilatos a agir desta maneira. Ele e Herodes estavam com as relações cortadas por causa de divergências políticas. Seria uma oportunidade única de agradar o tetrarca, que gozava de ótimas relações com Tibério, herdadas de seu famoso pai, Herodes, o Grande. Assim, ganhava dois proveitos em cartada única. O tetrarca retinha inclusive autoridade para aplicar a pena capital no caso. Se os judeus queriam matar Jesus, não seria por suas mãos, refletiu aliviado. Os desapontados sacerdotes foram obrigados a aceitar a decisão com frustrante contrariedade, embora não conste dos Evangelhos nenhum comentário a respeito. Ora, o governador dispunha-se a cumprir a lei de modo respeitoso aos judeus. Talvez algum deles considerasse uma mudança mais favorável aos seus intentos. Herodes Antipas pertencia à mesma religião e preocupava-se em agradar à elite judaica. Como vimos anteriormente, enfrentava desconfortável desdém oriundo da antiga rixa com a dinastia dos asmoneus. Se bem que na
ocasião, o seu casamento com a cunhada havia sido alvo de críticas desfavoráveis partidas do Templo e por causa disto Herodes estava irritado com os sacerdotes. Apenas Lucas cita o evento, certamente porque não foi decisivo quanto ao destino de Cristo. Os palácios de Herodes e de Pilatos situavam-se perto um do outro. Os inimigos de Cristo ficaram mais irritados pela protelação de uma sentença que pensavam obter de modo fácil e certo. Aproveitaram para extravasar no prisioneiro a odiosa frustração durante o trajeto a pé. Um mensageiro de Pilatos havia precedido o grupamento para avisar ao rei que já os esperava ansioso. Em um salão, sentado sobre almofadas luxuosas à guisa de trono, o tetrarca exultava por Pilatos ter-lhe proporcionado a cordial e inesperada deferência, cedendo-lhe o Galileu para julgá-lo como melhor lhe conviesse. Sempre mantivera assaz curiosidade sobre a personalidade de Jesus, não só pelos alardeados milagres, mas também porque João Batista fizera-Lhe relevantes referências. Imaginava que teria a oportunidade ímpar de presenciar algo inédito da parte do Nazareno. Quem sabe, uma demonstração surpreendente e inesquecível de poderes como milagres, mágicas e coisas semelhantes. Herodes, igualmente como Pilatos, possuía uma argúcia política que lhe permitia ler nas entrelinhas. Em sua mensagem, o legado comunicava que lhe entregava o Galileu e “que ele não pode encontrar nenhum motivo (incriminador) no homem”. O tetrarca t etrarca concluiu que obviamente Pilatos não julgava Jesus passível de condenação e, portanto, a opinião dos sacerdotes era inconsistente. Assim, preferiu por conveniência tratá-los, junto com os escribas, friamente. Em Lucas é dito que “Herodes, vendo Jesus, sobremaneira se alegrou, pois há muito tempo queria vê-lo, por ter ouvido falar a seu respeito; esperava também vêlo fazer algum sinal”. Na primeira oportunidade, os sacerdotes iniciaram os ataques verbais, “acusando-o “acusando-o com violência”. Herodes ignorou-os ignorou-os e não lhes deu maior atenção, preferindo logo examinar pessoalmente o homem que lhe despertava tanta curiosidade. Não obstante, espantou-se ao deparar-se com uma figura desfigurada, desnuda, coberta apenas por um manto interno, apresentando o rosto marcado por pancadas, sujo de sangue, lama e que mal conseguia manter-se de pé. O tratamento brutal dispensado ao prisioneiro pelos sacerdotes podia chocar inclusive os maus. “Levem-no “Levem-no daqui e não o tragam em tão miserável estado!” - bradou num misto de piedade e desprezo. Os guardas levaram-no para uma limpeza ligeira, sem preocupação de tratar os ferimentos. O tratamento injurioso dado ao prisioneiro fez Herodes criticar os sacerdotes, comparando-os a açougueiros que iniciavam as imolações sangrentas desde cedo. Em seguida, trouxeram-lhe Jesus. O monarca pensava que Jesus iria auspiciar-lhe um grande espetáculo. Por isso, fingiu compaixão e chegou a oferecer-lhe uma taça de vinho, habitualmente usado para restabelecer as forças, mas ele o recusou. Podemos conjecturar que o Filho de Deus tinha razões profundas para abster-se da bebida, porque conhecia a malícia e motivação fútil do assassino do seu precursor e padrinho, o profeta João Batista. “E de muitos modos o interrogava; Jesus, porém, nada lhe respondia”. (Lucas 23:9). Herodes, empolgado pela oportunidade de estar diante do Mestre, passou a discorrer sobre as narrativas interessantes que ouvira a seu respeito, fazendo-lhe inúmeras perguntas, certo de que usufruiria momentos prazerosos. Em certo instante, exortou-o a realizar um milagre ali mesmo. Jesus, no entanto, não dizia uma palavra e mantinha o olhar voltado
para baixo, conduta que o deixou desconcertado a princípio. A seguir, ficou bastante aborrecido e ferido no seu amor próprio. Dissimulando a raiva, ainda tentou persuadi-lo a manifestar-se dizendo que havia ouvido muitos falarem de sua sabedoria e ensinamentos. Instigou-o para que se defendesse e pudesse rebater os inimigos. Não era ele o rei dos judeus, o Filho de Deus? Senão, quem era afinal? Tomara conhecimento da ressurreição de Lázaro, do milagre da multiplicação dos pães e que havia sido conduzido ao Templo em exaltação, mas por que não lhe respondia? Finalmente, o vaidoso monarca deu-se por vencido. Ficou indignado ao traduzir o silêncio do réu como desrespeito imperdoável à sua pessoa real. Os maquiavélicos membros do Sinédrio, colocados no escanteio até então, percebem com satisfação o evidente desapontamento do tetrarca e procuram logo tirar proveito da situação. Voltam a acusá-lo, desta vez procurando intrigar Jesus com Herodes, dizendo-lhe que havia chamado o rei de raposa, que criticava mordazmente sua família e que queria estabelecer uma nova religião, pois souberam que havia comemorado a Páscoa no dia anterior ao consagrado. A fúria caluniosa dos sacerdotes não sensibiliza o tetrarca porque sabia perfeitamente que Jesus não era em hipótese alguma um criminoso. Além disto, remoia um secreto remorso por ter mandado matar João Batista. Não lhe agradaria acrescentar mais um profeta do povo à pesada consciência. E por outro lado, como um político sagaz, raciocinou que se não ia condenar, nem lhe convinha libertá-lo, o melhor seria devolvê-lo a Pilatos. Estaria retribuindo-lhe a cordial deferência ao concordar com sua opinião e evitando qualquer desgaste pessoal. Apesar de haver decidido poupar a vida de Jesus, a fingida benevolência de poucos minutos atrás se transforma em irado rancor. Ao dirigir-se à guarda para retirá-lo, referese a Jesus como sendo um louco e não alguém culpado de algum crime. Assiste impassível, enquanto os sacerdotes e soldados o rodeiam para escarnecê-lo. Colocam-lhe pela cabeça um grande saco branco furado no fundo e um manto velho escarlate, além de submetê-lo a injúrias e tapas. Os sumos sacerdotes ao constatarem que Herodes abstinha-se de condená-lo, planejam de imediato um de seus intentos malignos. Antecipando-se ao segundo julgamento, mandaram asseclas à parte da cidade habitada pelos fariseus para recrutar o maior número de pessoas mediante persuasão ou suborno, apresentando acusações falsas contra Jesus. A mais grave declarava que pretendia sublevar-se contra Roma proclamandose rei e somente a sua execução poderia evitar uma tremenda represália romana que seria a desgraça do povo judeu. Deviam, também, espalhar que Herodes já o havia condenado à pena capital, aguardando somente a confirmação do governador. Há que se fazer alguma consideração sobre a atitude de Jesus Cristo na presença de Herodes e vice-versa. Se com Pilatos, antes e depois, Jesus falou e irá falar o mínimo possível, tudo se resumindo aos diálogos lacônicos, com Herodes não houve interação verbal alguma. Inicialmente, o monarca mostrou-se afável, afável, embora de uma maneira fingida. Movido por intensa curiosidade, pretendia assistir a uma demonstração histriônica de Jesus, mas quando este se recusou a externar qualquer palavra, acabou por enfurecer-se. Apesar de muito irritado, o assassino de João Batista, permaneceu irredutível em não condená-lo e refratário aos clamores acusatórios dos príncipes dos sacerdotes e anciãos.
Era uma oportunidade de Jesus cair nas boas graças de Herodes e livrar-se da morte iminente. Na audiência de julgamento, o tetrarca apresentou-se sem dúvida com maior senso de independência do que Pilatos em relação aos malignos sacerdotes. Demonstrou uma simpatia inicial e bastante interesse pela personalidade enigmática do líder popular, famoso pelos prodígios e milagres, além de singular pregador religioso. Seria humano que qualquer pessoa tomada pelo desespero se deixasse levar por natural instinto de conservação e agarrasse com unhas e dentes à chance única de sobrevivência. O Templo e o Sinédrio estavam fora dos limites territoriais da Galiléia, contribuindo para uma menor influência sacerdotal nos domínios de Herodes. O Filho do Homem, todavia, não estava preocupado preocupado com a sua pessoa física. Ele cumpria a sua missão de caráter transcendental, uma incumbência divina. Não seria curvando-se aos poderosos que seriam escritas as páginas mais grandiosas da história da humanidade, a saga do Messias - o Filho de Deus. Havia declarado algumas palavras antes aos discípulos, prevendo as amargas horas de terrível dor e sofrimento que estavam por vir em breve, mas estes não conseguiram na ocasião captar-lhe captar-lhe o sentido: “Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, produz muito f ruto. ruto. (João 12.24)”. E “Agora está angustiada minha alma, e que direi eu? Pai, salva-me desta hora? Mas precisamente com este propósito vim, para esta hora”. (João 12.27). Voltemos à narrativa. Malgrado a frustração dos príncipes dos sacerdotes, depois de passar por incontáveis tormentos, Jesus é devolvido ao legado romano. Lucas revela que o incidente trouxe um novo clima ao relacionamento estremecido de ambos havia já alguns anos, desde a queda do aqueduto que Pilatos estava construindo. Esta obra beneficiaria inclusive o Templo ao trazer-lhe água, mas desmoronou matando vários operários. O romano havia atribuído e com alguma razão o incidente à sabotagem por parte de Herodes, porém inimigos políticos podem se reconciliar: “Naquele mesmo dia, Pilatos e Her odes fizeram as pazes, pois antes eram inimigos um do outro”.
A bela Salomé dança lascivamente para um fascinado Herodes, deixando-o tão deslumbrado que se prontifica a satisfazer qualquer pedido seu. A mando de Herodias, sua rancorosa mãe, pede ao rei com frieza maligna a cabeça de São João Batista. Esta lhe é entregue em uma bandeja de prata. CAPÍTULO 13
SENTENCIADO POR PILATOS O acusado retornando, Pilatos, convicto de sua inocência, volta contrariado à árdua discussão com os sacerdotes: “Apresentaste-me “Apresentaste-me esse homem como agitador do povo, mas, interrogando-o eu diante de vós, não o achei culpado de nenhum dos crimes de que o acusais. Nem tampouco Herodes, pois no-lo devolveu. Portanto, ele nada fez que mereça a morte. Por isso, soltá-loei depois de castigá-lo”. castigá-lo”. (Lucas 23.14-16). 23.14-16). Permanece uma aparente contradição no procedimento de Pilatos. Se ele achava Jesus inocente, por que castigá-lo? Entretanto, o governador não podia ignorar a avassaladora vontade homicida da elite sacerdotal, já que não lhe interessava incompatibilizar-se com o stablisment judaico. judaico. Talvez uma punição física brutal, mas usual naqueles tempos, pudesse aplacar a devastadora fúria dos acusadores. Quem sabe, não
despertaria neles alguma compaixão? A aplicação de um castigo menor seria uma tentativa infrutífera de salvar-lhe a vida. O legado romano parecia desconhecer que não existia a menor sombra de compaixão nos corações daqueles homens. Os principais dos judeus mais furiosos ficaram e exigiam abertamente a condenação de Jesus. Cresceu-lhes o empenho junto à turba presente mediante renovadas exortações, não lhes importando a moralidade dos meios. O importante era que entoassem todos os judeus presentes um atordoante coro satânico, sintonizado com o deles. Novamente Pilatos vai colocar em prática outra ideia incongruente com a realidade. Era costume por ocasião da Páscoa judaica a libertação de um criminoso mediante um ato de misericórdia. O governador propicia uma escolha entre Jesus, de cuja inocência não duvida, e Barrabás, um malfeitor notório que aguardava no cárcere o momento da execução. Era um salteador sanguinário, um homicida à margem da lei tanto judaica como romana. Autor de vários crimes crimes horríveis, as pessoas pessoas o temiam e odiavam. Não Não seria possível que alguém em sã consciência fosse preferir Barrabás, um assassino contumaz, em em vez de liberar Jesus, benéfico autor de tantas curas e milagres, conjeturou consigo mesmo. Os sacerdotes, entretanto, urdiam um pensamento diametralmente oposto. Queriam aproveitar-se do perdão pascoal para crucificar Jesus. Em outra versão, confiando no poder de manipular as emoções da maleável multidão, eles próprios solicitam a concessão da misericórdia habitual da Páscoa. O governador acede ingenuamente e pergunta em voz alta: - “É habitual que eu liberte um criminoso durante a Páscoa; quem vocês querem que eu liberte, Barrabás ou Jesus que é chamado de Messias”. - “Qual dos dois irei entregar a vocês?”vocês?” - pergunta o legado nutrindo a esperança de livrar Jesus da morte. Surpreende-se ao ver a multidão berrar em uníssono e a plenos pulmões: - “Barrabás”, “Solte“Solte-nos Barrabás”. - “Mas o que eu farei com Jesus que é chamado de Messias?” - apela um atordoado Pilatos diante da reação incontrolável da turba insatisfeita. - “Deixa que seja crucificado! Deixa que seja crucificado!” - repete sem cessar a turba desvairada. - “Mas que mal fez ele? Não encontro nenhum delito nele. Eu o açoitarei e então o soltarei” - insiste em visível frustração. Os gritos se intensificam numa indescritível explosão de ódio, avultando a perversa intenção fixa: - “Crucifique-o! “Crucifique-o! Crucifique-o!” Crucifique-o!” Apesar da tremenda pressão psicológica e emocional, o romano ainda não se considerava vencido. A lembrança da promessa feita à esposa é ainda um fator relevante para não ignorar a própria consciência, porém, acedendo por fim à vontade dos sacerdotes, ordenou que Jesus fosse açoitado conforme a lei romana. Os carrascos eram normalmente desprezíveis criminosos caracterizados por uma perversidade incomum. É o momento de extravasar ódios e frustrações latentes, uma oportunidade para usufruir a ilusória sensação de poder. Com a brutalidade costumeira rasgam rudemente o manto do prisioneiro para açoitá-lo. O sol naquela manhã brilhava intensamente e por longos minutos vários executores se revezaram no traumático castigo.
Isso explica porque, decorridas apenas seis horas na cruz, o crucificado vai entregar o espírito, um tempo julgado curto em relação à média neste tipo de execução que podia se prolongar por dias. Pilatos, alarmado com a crescente agressividade daquela corja enraivecida, ordena ao comandante da fortaleza Antônia o envio urgente de reforços. Um pouco depois, centenas de soldados se postam ostensivamente nas imediações do tribunal, para prevenir qualquer desordem ou mesmo uma eventual insurreição popular. Pilatos discursa à multidão enquanto açoitam Jesus, tentando acalmar os ânimos, porém foi interrompido mais de uma vez pelos gritos coléricos de “Crucifique-o! “Crucifique-o! Crucifique-o!”. Crucifique-o!”. A multidão somente somente se aquietou quando ficou na expectativa do retorno iminente de Jesus. Pilatos preferiu não assistir ao açoitamento. Os soldados romanos, rodeados por judeus, em uma das varandas do tribunal, aproveitaram para escarnecer de Jesus, colocando-lhe uma coroa de espinhos na cabeça e um pedaço de junco em suas mãos, depois de vestirem-no com um velho manto de púrpura. Então, passaram à zombaria, ajoelhando-se perante Jesus e dizendo-lhe: dizendo-lhe: “Ave, rei dos Judeus”. Reconduziram-no depois ao tribunal à presença de Pilatos. Apesar de ser um homem rude habituado à brutalidade, sensibiliza-se com o estado desolador de Jesus, resultante do castigo assolador. Em seguida, um trompete soou ordenando silêncio, pois o governador iria falar. O romano dirigiu-se ao povo, dizendo: - “Eis que vovo-lo apresento, para que saibais que eu não acho nele crime algum”. (João 19: 4). A turba ainda não havia reparado em Jesus após o açoitamento. Quando o reconhecem com a coroa de espinhos na cabeça, o sangue a escorrer na face transfigurada pelas incontáveis golpes, olhando-os com o semblante combalido por um sofrimento sem paralelo, um murmúrio de assombro percorre a multidão. Até um impressionado Pilatos pensou que afinal se havia chegado ao limite da bestialidade humana. Na esperança de obter-lhes obter-lhes piedade, aponta para Jesus dizendo: “Eis o homem! Eis o homem!” Infelizmente, a fronteira da maldade não tem limites para os inimigos do Messias. Os implacáveis algozes recuperam-se da atordoante visão e recomeçam os gritos de “Crucifique-o! “Crucifique-o! Crucifique-o!”. Crucifique-o!”. Pilatos, perplexo diante do vozerio do populacho, ainda indaga argumentando: “Vocês ainda não estão satisfeitos? O castigo que recebeu é mais do que suficiente para tirar-lhe tirar-lhe qualquer desejo de ser rei!” Os apelos do prelado romano mais parecem lenha seca jogada numa insaciável fogueira de ódio. Estranhamente, só aumenta a fúria da tresloucada multidão. A impiedade dos judeus, tanto da elite como da plebe, manifestava-se de um modo assustador. O intento de submeter o juiz a uma insustentável coação psicológica e emocional é flagrante e vai acabar prevalecendo de modo chocante. Um aturdido Pilatos irritado diante da monumental oposição, manda soar outra vez o trompete exigindo silêncio e desabafa: “Tomai-o “Tomai-o vós mesmos e crucificai-o, crucificai-o, porque não vejo culpa nele”. Como quem diz: “Não me obriguem a fazer algo contra minha consciência. Já que tanto desejam matá-lo, façam-no vocês mesmos! Eu estou fora disso!”.
- “Temos uma lei e de acordo com a lei, ele deve morrer, porque morrer, porque a si mesmo se fez Filho de Deus” - retrucam os sacerdotes, mais ansiosos pela imolação de sua infeliz vítima do que os seus congêneres pagãos, incas, astecas, maias ou fenícios. As palavras despertam o lado supersticioso do romano. A cabeça de Pilatos era povoada pelos fictícios deuses romanos. Ele conjeturava de que enigmática natureza é este homem para acreditar ser filho de um deus? Intrigado, trouxe Jesus a um aposento reservado a fim de fazer-lhe mais perguntas. - “Donde és tu? Mas Jesus não lhe deu resposta” - porque sabia que pensamentos confusos ruminavam na cabeça de Pilatos. Não mereciam resposta. Este, sentindo-se melindrado, adverte-o: adverte-o: “Não sabes que tenho autoridade para te soltar, e autoridade para te libertar?”.
Jesus Cristo em sua Paixão com a coroa de espinhos Fonte : Jesus de Nazaré (1977). Direção: Direç ão: Franco Zeffierelli. Ator: Robert Powell. Título original: Jesus of Nazareth.
- “Nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse dada; por isto isto quem me entregou a ti, maior pecado tem” - retruca Jesus, querendo dizer que o poder do governador era-lhe auferido por um poder maior vindo dos céus. O legado, embora carregasse uma culpa menor do que a dos judeus, não estaria dela isento perante a justiça divina. Sensibilizado pelas palavras do réu, Pilatos se dispõe a insistir na sua inocência: - “Tomai-o “Tomai-o vós outros e crucificai-o; crucificai-o; porque eu não acho nele crime algum”. Os sacerdotes contra-argumentam contra-argumentam invocando a tradição judaica: “Temos uma lei e, de conformidade com a lei, ele deve morrer, porque a si mesmo se fez Filho de Deus”. “Pilatos, ouvindo tal declaração, ainda mais atemorizado ate morizado ficou”. (João 19:8). O imperador romano considerava-se de natureza divina, escolhido pelos deuses, principalmente do deus mor, o reverenciado Júpiter Invicto. E se alguém maliciosamente dissesse a Tibério que ele, Pilatos, consentiu que um judeu se intitulasse Filho de Deus,
poderia no mínimo tomar como desrespeitosa afronta à sua majestade imperial, o único com direito legal ao status de divindade. Atualmente pode parecer ridículo, mas era assim que os romanos pensavam. O governador temia a língua ferina dos sacerdotes, contumazes na maledicência destrutiva. Os judeus percebem que o hesitante Pilatos está prestes a curvar-se aos seus desígnios. Então, acrescentam uma grave acusação: “Se soltas a este, não és amigo de César; todo aquele que se faz rei é contra César”. É a última cartada que se revelaria fatal. Uma ameaçadora afronta dirigida diretamente ao legado romano. Está implícita a intenção de denunciá-lo ao imperador como um governador pouco confiável, um relapso que chegou ao cúmulo de libertar um líder popular insurrecto. Este perigoso homem havia se proclamado rei em detrimento de César. Obviamente, esses mestres da intriga e da hipocrisia pretendem insidiosamente queixar-se ao imperador caso sejam contrariados em seus funestos propósitos. Foi demais para Pilatos. Ele os desprezava, mas temia tê-los alinhados contra si. Outros legados anteriores haviam sido destituídos devido às venenosas queixas da elite sacerdotal perante o imperador. Ele mesmo, posteriormente, seria um exemplo concreto. Naquele momento, o ambicioso governador não queria por em risco o cargo, fonte de poder, prestígio e riqueza. Devia reconhecer que os judeus haviam vencido por insistência, instigando a vox populi, populi, isto é, os gritos ensurdecedores da turba raivosa contra si. A opção de opor-se à aristocracia judaica só lhe traria desagradáveis aborrecimentos. A ideia de usar a força militar para conter os ânimos exaltados estava fora de cogitação. Seria a pior opção porque teria de justificar tal medida extrema a Tibério. A crucificação de Jesus Cristo, apesar da inocência gritante, era a única saída para evitar uma indesejável crise política. Outros membros do Sinédrio, se já não bastasse o vozerio insustentável, bradavam irritados acusando-o de estar perturbando as festividades judaicas por causa de uma desnecessária indecisão. Apegados ao cumprimento ritual de horários, somente se preocupavam em regressar ao Templo por volta das dez horas da noite. A crueldade dos sacerdotes diante da dor de um ser humano inocente era flagrante. Ainda assim, Pôncio faz outra tentativa: - “Eis aqui o vosso rei”. - “Eles, porém clamavam: Fora! Fora! CrucificaCrucifica-o!” - “Hei de crucificar o vosso rei? ”. É o último apelo, mas soa em vão. - “Não temos outro rei senão César” - os príncipes dos sacerdotes protestam uma fingida devoção a Roma. Ao declarar fidelidade a César, logo eles que odiavam visceralmente os romanos e mais ainda seu imperador, deixam cair o manto da impostura. Revelam a verdadeira dimensão de uma vontade hipócrita que ousava condenar o Messias a qualquer custo. Naquele instante, o empenho homicida sobrepôs-se à própria consciência da raça hebraica. Aclamavam de boca para fora um rei a quem detestavam intimamente. O imperador romano simbolizava tudo o que abominavam. Os judeus somente se submetiam a Roma por causa do pavor de tudo perder, inclusive a vida. Odiavam de corpo e alma os seus senhores e o que representavam. Era um mundo magnífico, mas lhes repugnava porque apresentava cultura superior e concepção de vida adversa à judaica.
Teimosamente, o povo de “dura cerviz” sentia-se sentia -se no direito de exigir o que considerava como usurpação dos romanos ao povo escolhido pelo Deus de Israel - o poder, a glória e as riquezas do mundo. Por isto, não podiam vislumbrar nada no humilde Cristo e em seu reino dos céus que permitisse tornar realidade essa concepção egocêntrica e ilusória. Os maliciosos sacerdotes eram incapazes de amar e sentir a mínima compaixão. Daí, Jesus ter-lhes causado ódio e indignação quando lhes falou que as prostitutas e os cobradores de impostos arrependidos seriam recebidos primeiro no reino dos céus em vez deles. Eles eram doutores normativos e estratificados da Lei de Moisés. O supremo requinte de fazer da falsidade uma arte suprema jamais lhes seria igualado. A hipocrisia de Caifás, o mestre das trevas, mais uma vez revela-se gritante quando convoca o Sinédrio e alega estarem todos alarmados com as atividades de Jesus. Os membros do conselho disseram: “Que estamos fazendo, uma vez que este homem opera muitos sinais? Se o deixarmos assim todos crerão nele; depois virão os romanos e tomarão não só o nosso lugar, mas ma s a própria nação”. O sumo sacerdote admoestou-os: admoestou-os: “Vós não sabeis nada!” E fez uma séria advertência explicando-lhes explicando-lhes o motivo: “Não entendeis que convém morrer um só homem pelo povo para que não venha a perecer toda a nação”. E “desde aquele dia resolveram matámatá-lo”. (João 11.47-50). Ora, se os príncipes realmente acreditavam que Jesus representava um perigo factual para Roma, a ponto de colocar em risco a existência da elite sacerdotal e mesmo a do povo, por que, quando o próprio governador romano rejeitou todas as acusações, não caíram em si e desabafaram humildemente: “Se julgais vós Jesus inocente, consideramo-nos consideramo-nos isentos de qualquer responsabilidade quanto ao seu futuro comportamento. Lavamos nossas mãos. Mandai soltá-lo soltá-lo se assim o desejais, porém sem a nossa anuência”. Isto não aconteceu e sim, o inverso, já que a motivação real dos sacerdotes era extravasar um profundo ódio contra o Mestre da Bondade. Pelo mesmo motivo Caim matou Abel, ao tentar lavar com sangue a inveja criminosa que lhe corroia a alma. Os enciumados sacerdotes, inconformados por não terem o maravilhoso poder do Messias, fizeram correr o sangue do humilde irmão de raça. Os filhos das trevas odiavam a Luz porque preferiam viver na escuridão espiritual. Eram como morcegos avessos à claridade benéfica e personificavam literalmente a maldade humana. A contundente frase de Caifás - “Vós não sabeis nada” - soaria profética, mas somente em relação aos acontecimentos desastrosos que adviriam contra o próprio povo judeu em futuro próximo e iriam perdurar através dos séculos. Na verdade, quem revela onisciência é o Filho de Deus. Ele prevê a destruição do Templo de Jerusalém e a derrocada judaica pelos romanos do modo mais trágico possível: “Quando virdes Jerusalém sitiada de exércitos, sabei que está próxima a sua devastação. Então os que estiverem na Judéia fujam para os montes: os que se encontrarem dentro da cidade, retirem-se; e os que estiverem nos campos não entrem nela. Porque esses dias são de vingança, para se cumprir tudo o que está escrito”. Os romanos mais adiante destruiriam o Templo de Jerusalém e exterminariam quase todo o povo de Abraão. Finalmente Pilatos deu-se por vencido. Sabia que iria tomar uma decisão injusta, além de quebrar a promessa feita à sua esposa. Premido por forte comoção sentiu a angustiante necessidade de atenuar o enorme peso sobre a consciência. Estava prestes a
condenar à morte um homem inocente, não importa que fosse um judeu oriundo do povinho e sem maior importância social. Apesar da conhecida impiedade dos romanos, nutria algum discernimento entre o bem e o mal. Sabia que estava na iminência de cometer um erro clamoroso. Embora possuísse plena autoridade para libertar o réu, não tinha a coragem moral e nem interesse para arcar com as onerosas consequências políticas de tal ato. Então, apela à tradição romana de caracterizar ausência de culpa mediante um gesto simbólico. Pede água numa vasilha e ostensivamente lava as mãos diante da rancorosa multidão. Pretende deixar bem claro que se exime completamente da responsabilidade pela crucificação de Jesus. Em derradeiro desabafo, proclama em alto e bom tom: “Eu sou inocente do sangue deste justo. Fique o caso convosco!” (Mateus 27. 24). A multidão sedenta de sangue não se deixa perturbar ante as palavras e gestos pesarosos do juiz. Numa atitude unânime de insânia, ainda vai arrogar-se plena e total culpa pelo maior crime de todos os tempos, clamando em altas vozes: “Que seu sangue caia sobre nós e nossos filhos!” (Mateus 27.25). As palavras lançadas em inconsequente afronta aos céus vão ecoar através dos tempos. Sempre vai pairar no ar uma intrigante indagação em busca de uma resposta definitiva. Será que as terríveis calamidades que desabaram sobre o povo judeu, a começar pela destruição de Jerusalém e do Templo, as seguidas dispersões, as perseguições e podrons sucessivos sofridos desde a Idade Média, desembocando finalmente no Holocausto judaico sob o jugo nazista, estão ou não relacionados com a maldição lançada por aquela turba truculenta contra si própria e seus descendentes? Certo ou errado, a maioria interpretou que sim. Neste caso, uma natural lei de ação e reação do mundo espiritual é exercida sobre aqueles que ousaram desafiar os céus do modo mais infame possível. O Pai celestial vai cobrar a injusta morte de seu amado Filho através dos séculos, enquanto aguarda o devido arrependimento dos maus para concederlhes uma libertadora remissão. Os judeus negaram justiça ao Filho de Deus e, por conseguinte, a bondade divina lhes seria negada como justa punição. E deveriam cumpri-la ao longo dos séculos. Outra resposta seria atribuir tudo a simples coincidência e os acontecimentos futuros foram acontecendo de forma aleatória. Neste caso, Deus seria indiferente à maldade humana, mesmo quando é desafiado abertamente. Entretanto, há um fato infeliz e chocante que não pode ser ignorado apesar do natural constrangimento em trazer à tona tão delicado assunto. Os judeus, através dos séculos, nunca lamentaram a crueldade daqueles que levaram um inocente Jesus - a expressão máxima do amor de Deus - à crucificação. Ao assumir uma atitude hostil afrontaram também o mundo cristão e perpetuaram um endosso renitente às ações nefandas de seus antepassados. Ainda hoje em dia, alguns autores judeus preferem o caminho fácil de tentar eximir de qualquer responsabilidade o príncipe das trevas - Caifás - e demais comparsas, transferindo-a inteiramente ao governador romano. Apresentam sofismas vazios que não convencem a ninguém, senão a eles próprios. Assim, perpetuam ódios e rancores seculares prejudiciais a si mesmos. A nação judaica conserva a sua memória histórica em função de um farisaísmo que nega a autenticidade do Messias. Não importa que o seja para bilhões de pessoas no mundo inteiro e que tenha legado um paradigma de comportamento ideal à humanidade. Ou que história seja contada antes e depois de Cristo. Alguns filhos de Abraão teimam em
desconhecê-Lo até mesmo num aspecto trivial e universalmente aceito. Preferem as abreviações, AEC ou DEC, isto é, Antes e Depois da Era comum. A palavra Cristo foi apagada a pagada do alfabeto judaico, ensejando o tabu de um rancoroso silêncio. O Messias continua sendo um fantasma do qual tentam livrar-se ingenuamente e o que é pior - sem necessidade alguma! Antes e pelo contrário, deveria ser motivo de justo orgulho a difusão em larga escala das tradições do judaísmo valioso, uma contribuição indubitável ao engrandecimento espiritual do homem. Evidentemente, não se pode negar que ao longo da história “cristãos” distorceram os ensinamentos de Cristo e cometeram barbaridades mil em nome de Deus. Ora, a imperfeição é a característica geral do gênero humano. Até a Igreja católica reconhece que somos todos pecadores. A perfeição surge como exceção e nada se pode fazer a respeito. Entretanto, a paciência de Deus é infinita. Em determinado momento cada um de nós será perdoado de seus males. Os grandes mestres espirituais, tais como Cristo, Buda, Confúcio, Zoroastro, Lao-Tse, Ghandi e outros são reconhecidos pelas pessoas esclarecidas que não se prendem a crenças ou crendices de caráter dogmático como expoentes espirituais por excelência. Elas sabem distinguir o joio do trigo, o irrelevante do essencial e o mal do bem. Deus não tem pátria, país, nação ou família em particular. Seu reino estende-se pelo Multiverso, lar de infinitos seres e criaturas. Jesus Cristo representa a Luz autêntica do verdadeiro judaísmo. Uma Luz divina preservada à custa das vidas de uma minoria de mártires judeus. Sob este aspecto, o heroísmo de um grupo reduzido sobrepujou, mercê de santa persistência, a ignorância espiritual dos demais. Ninguém pode lhes tirar essa glória, embora muitos a desprezem quando preferem se alinhar em rancorosa lembrança com os carrascos de outrora, tão abomináveis quanto os nazistas que dizimaram o povo judeu. E ainda alegam não saber o porquê de tantos infortúnios ao longo dos tempos. Faz-se premente uma autocrítica sensata comprovando que já aprenderam a diferenciar o bem do mal. A religiosidade de caráter nacionalista de Moisés respaldou uma espiritualidade em nível tribal. Segundo o Velho Testamento, Moisés deu ao judaísmo um sentido ético com os dez mandamentos. No entanto, a notável contribuição não isentou o patriarca da responsabilidade de causar milhares de mortes, seja de egípcios, dos próprios judeus e de povos vizinhos. Paradoxalmente, não se cumpriu - nem de longe - o primordial: não matarás. matarás. Como se fosse pouco, até o roubo foi incentivado sem o menor pudor. De acordo com com o Êxodo: “fizeram, pois, os filhos de Israel conforme a palavra de Moisés, e pediram aos egípcios objetos de prata, e objetos de ouro, e roupas. E o Senhor fez que seu povo encontrasse favor da parte dos egípcios, de maneira que estes lhes davam o que pediam. E despojaram os egípcios”. Vemos aí um criticável abuso da boa vontade e ingenuidade do povo que tão calorosamente os havia acolhido. Quem empresta seus pertences valiosos ao vizinho, obviamente tem-no em alta consideração, confiança e estima. É uma prova factual da amizade sincera dos egípcios comuns pelos judeus. O episódio revela um flagrante contraste - ingratidão versus amizade. Lamentavelmente, o não furtarás furtarás foi logo transgredido acintosamente e de cara legando um péssimo exemplo à posteridade. O mais estranho é que o líder hebraico procurava agradar Iahveh de modo bizarro. Juntos, formariam uma dupla de caráter truculento que agia em flagrante contradição aos seus próprios ensinamentos. Ambos pregavam uma coisa e faziam exatamente o contrário. Um
hiato abismal entre o mito e a realidade. Ironicamente, mais adiante, quando os hebreus perambulavam desesperados pelo deserto, o Bezerro de Ouro, feito com o ouro dos egípcios, iria ensejar uma fatal punição a três mil membros do povo eleito. E logo por quem lhes mandou roubá-lo sem o mínimo pejo dos egípcios! As religiões surgem em função dos ensinamentos dos Avatares. Religião é produto cultural e por isto possui as cores e formato de onde nasce e se desenvolve. Ao contrário, espiritualidade é universal e não tem cor, nem pátria. Os Avatares são manifestações divinas que visam elevar a espiritualidade do ser humano. Eles vêm ao a o nosso planeta com o propósito de ensinar as lições básicas a uma humanidade em estado primário para que evolua espiritualmente. Há que se fazer uma diferença fundamental entre espiritualidade e religião. A segunda é um simples meio para aprimorar-se a primeira. As religiões primitivas ofereciam pouco ou nenhum ensinamento, já que possuíam apenas um conteúdo espiritual rudimentar e incipiente. Os deuses deveriam apoiar o povo que os cultuava em qualquer hipótese, seja para o bem como para o mal. As religiões tinham como único objetivo satisfazer ao egocentrismo humano e dar aos praticantes uma sensação de segurança face às penosas adversidades da vida. Por isto, não se guerreava sem consultar os deuses, visando assegurar-se da vitória. Normalmente, tais seres divinos ilusórios manifestavam um caráter sanguinário e destruidor, um espelho do próprio povo que os cultuava. Os maias e astecas tinham uma religião nacional e devotados sacerdotes que ritualmente se dedicavam a abrir o peito das vítimas para oferecer seus corações pulsantes à divindade, bem no alto de seus belos templos. Não muito diferente do catolicismo de cunho medieval quando os padres se compraziam em queimar seres humanos na fogueira, alegando cumprir “atos de fé em nome de Deus”. Na verdade, causavam um sofrimento mais penoso ainda às suas vítimas do que os sacerdotes pagãos. Outros exemplos de perversidade ocorreram no mundo dito cristão. Os protestantes dizimaram os índios pelesvermelhas para tomar-lhes as terras sem a menor contemplação. Na América do Sul, católicos agiram de modo semelhante. Não importa a religião praticada, a maldade inerente ao ser humana se manifesta de modo incontido e em todos os sentidos. Os muçulmanos turcos praticaram horrível genocídio contra os armênios. Os judeus, já no início de sua mirabolante saga, dizimaram os povos vizinhos na Terra Prometida. Ser católico, protestante, ortodoxo, muçulmano ou judeu não consegue evitar ao longo dos séculos a manifestação das guerras ou atos de violência diversos. Há uma tendência atual da mídia em minimizar a culpabilidade dos judeus na crucificação de Cristo e aumentar a de Pilatos, senão responsabilizá-lo totalmente, baseado no fato indubitável de que o governador assinou a sentença segundo a lei romana. Isso ocorre por dois motivos. O primeiro é que vários escritores e jornalistas de origem judaica tentam apagar a pecha de deicida que recai sobre o povo judeu desde a Paixão de Cristo. Este povo sofreu as agruras de perseguições seculares desde a Idade Média. Foram calamidades que finalmente desembocaram no Holocausto judaico. Seis milhões de vítimas foram mortas nos campos de extermínio. O genocídio praticado pelos nazistas só foi possível devido a uma opinião pública mundial insensível à tragédia judaica que alcançou dimensões apocalípticas.
O segundo motivo é que muitos cristãos, movidos por louvável espírito de conciliação e horrorizados com o terrível sofrimento causado a homens, mulheres e crianças pelo Holocausto ainda recente, passaram a ver com simpatia a tese judaica. Afinal, Pilatos já desapareceu e não pode mais ser punido pela justiça terrena, mas somente pela divina, enquanto os judeus continuam presentes em todos os países, além de Israel, e ainda sujeitos às hostilidades preconceituosas. Os defensores da tese pró-judaica alegam que a narrativa dos Evangelhos não foi feita pelos apóstolos, mas sim por seguidores ao fim do primeiro século preocupados a priori em priori em agradar os senhores romanos. Intuitivamente previam ou desejavam uma futura aceitação do cristianismo pelo império. Nessa fase, Jerusalém havia sido destruída e os cristãos que seguiam a linha ortodoxa, chefiada por Tiago, bispo de Jerusalém, durante a sublevação judaica foram liquidados pelos romanos. Fora da Judéia, nas cidades gregas, a facção de São Paulo, a igreja dos gentios, abandonava um judaísmo intolerante que rejeitava os cristãos nas sinagogas. Apesar dos pesares, a nova seita foi se acrescendo de fiéis seguidores não judeus, até se tornar preponderante. Os primeiros cristãos ressentiam-se das perseguições dos judeus ortodoxos que os denunciavam aos romanos, tachando a nova seita de herética. Dentro deste contexto, tendiam naturalmente a culpar em excesso os judeus e inocentar Pilatos. Esta afirmação faz sentido até certo ponto. Realmente, nos Evangelhos colocam-se críticas duras aos fariseus na boca de Jesus. Não é necessário contestar a veracidade destas palavras. Em que pese uma maldade gratuita dos fariseus, as críticas do Mestre da Bondade foram feitas em caráter educativo. O Filho de Deus ama a todos sem exceção, simplesmente porque Deus não tem inimigos. No entanto, os primeiros seguidores, embora se considerassem cristãos, não podiam perdoar tão facilmente seus inimigos declarados. Certamente, os Evangelhos não foram escritos por Cristo, mas por mãos sujeitas às falhas humanas. Os saduceus, em nada melhores que os fariseus, estranhamente são poupados de qualquer censura. Não devemos esquecer que o sumo sacerdote Caifás era saduceu, um mestre notório da perversidade e da hipocrisia. Os príncipes dos sacerdotes eram normalmente saduceus. Entretanto, a seita dos saduceus extinguiu-se com a destruição do Templo nos anos 70. O judaísmo, após a expulsão dos sobreviventes de Jerusalém, sobreviveu sob a liderança única dos fariseus. Isto pode explicar a razão dos fariseus somente serem focalizados como os arqui-inimigos de Cristo. Os saduceus haviam saído do cenário judaico e todos preferiram esquecê-los de vez. Ficaram malvistos de maneira geral e definitiva. Os judeus cristãos remanescentes constituíram a pequena seita dos ebionitas que por sua vez acabou se extinguindo. No entanto, não é possível tapar o sol com peneira. As informações dos Evangelhos coincidem com aquelas contidas em documentos seculares como os de Flávio Josefo. As palavras de Jesus resumem a relação de culpa: os judeus “maior pecado têm”, indicando que a culpabilidade de Pilatos não foi omitida, mas ocorreu em grau menor. Se os sacerdotes, junto com a multidão, não houvessem exigido a morte do Messias, o juiz não teria assinado a condenação, isto é, sem judeus inimigos de Cristo não haveria crucificação. A recíproca não é verdadeira, mesmo sem Pilatos, os sacerdotes achariam um jeito maligno de extravasar sua tenebrosa sanha assassina. A semelhança da situação enfrentada por São Paulo com aquela do Mestre da Bondade é bem esclarecedora. O doutor de Tarso, já convertido ao Nazareno, somente se
salvou da fúria dos judeus de Jerusalém porque apelou a César, invocando a cidadania romana. Mesmo assim, tornou-se necessário conduzi-lo sob a proteção de poderosa escolta para Cesárea onde se encontrava o governador. Foi o único meio de evitar a consumação de um desesperado atentado fatal, uma vez que cinquenta judeus já haviam feito um “juramento sagrado” para assassiná-lo assassiná-lo implacavelmente. Infelizmente, quase como regra, religião e fanatismo têm sido sinônimos através dos séculos. A verdadeira religião tem por fim aprimorar espiritualmente o ser humano. Sua vertente negativa defende a ignorância, semeia o ódio e conduz à morte. O bem e o mal convivem no homem de forma contraditória, como um pêndulo a oscilar imprevisível entre a bondade e a maldade. Velhos rancores tendem a perpetuar-se quando há uma obstinada atitude negativa para mantê-los vivos a qualquer custo. Alguns fanáticos procuram reviver um indesejável passado, como se o povo judaico seja obrigado a identificar-se com os atos vis de seus antepassados. Arriscam-se a mostrar ao mundo que o judaísmo é incapaz de inspirar amor e compaixão. Pouco se lhes importa que Jesus seja o membro mais célebre de sua própria raça e paradigma ideal da humanidade. Ele foi um judeu que se revelou a partir do contexto judaico. Sua singularidade resumiu-se em enfatizar a mensagem viva de amor já existente no judaísmo, mas que precisava sair do círculo restrito dos filhos de Abraão. Houve precursores que prepararam o caminho do Messias lançando preciosas sementes. Um dos personagens mais notáveis da saga judaica - o venerável rabino Hillel protagonizou elucidativo episódio. Certa vez, um gentio ousado fez um desafio aparentemente imbatível ao sábio judeu. Queria que este lhe ensinasse tudo sobre judaísmo, toda a Torá, enquanto conseguisse manter-se de pé apoiado somente sobre uma das pernas. Hillel não se furtou a resolver a questão aparentemente impossível, deixando o homem admirado com sua esclarecedora resposta: “Não faças aos outros aquilo que não queres que te façam. Tudo o mais é comentário”. Alguns se questionam por que o Filho de Deus não surgiu em outro povo mais benevolente e menos intolerante? Ora, os próprios irmãos de raça levaram o Messias à cruz! Na verdade, dentre os inúmeros povos daquela época, somente no seio de Abraão havia se formado uma pequena fração de pessoas de boa vontade com notável propensão para o bem, refletindo um ideal de justiça inspirado pelo Deus único. Elas haviam assimilado o ensinamento mais puro e autêntico do judaísmo. Certamente, constituíam uma escassa minoria, mas seria o necessário e suficiente para o Filho de Deus cumprir a vontade de seu Pai. Aliás, os bons sempre são pouquíssimos, caso contrário, não estariam ocorrendo guerras em pleno terceiro milênio. Urgia dar à religião de Moisés um caráter universal segundo a vontade divina. A essência valiosa sobrevive e prospera na Nova Fé. O Judaísmo representa a semente primordial e o Cristianismo é a árvore benfazeja que prospera e frutifica sem cessar. Seus frutos são dádivas para bilhões de seres humanos. O Cristianismo deve conviver com todas as religiões e servir de parâmetro à evolução da espiritualidade. A igreja de Cristo oferece a esperança do ser humano aproximar-se cada vez mais do seu Criador. Já dentro do contexto cristão, se alguém desafiasse Santo Agostinho com uma pergunta semelhante àquela enfrentada por Hillel, mas desta vez sobre o Cristianismo, teria uma resposta não menos maravilhosa: “Ama, e faze o que quiseres”. É uma extensão do “Deus é amor” de São João, o discípulo amado. Hillel, o precursor do Messias, transmitiu
uma regra básica de modo a preparar os espíritos para um princípio superior. O judaísmo baseia-se em regras e o cristianismo puro em princípios. São Paulo resumiu igualmente a Nova Fé em frase única: “Sem amor eu nada sou”. Não importam crenças ou obras. O amor é a essência de Deus, daí resulta que Deus e Amor são sinônimos. “Tudo o mais é comentário”, diria o nosso inspirado Hillel. Muitos perdem de vista o objetivo essencial de uma religião. Só é digna deste nome quando conduz o ser humano à prática do bem. Religiosidade sem espiritualidade é vã e desvirtuada. Os sacerdotes maias, incas, e astecas quando sacrificavam suas infelizes vitimas, faziam-no com profundo sentimento de religiosidade. E a própria igreja dita cristã perdeu o rumo por várias vezes, extraviando-se do caminho de Cristo ao emaranhar-se nas sendas da arrogância e crueldades tirânicas. Em suma, as religiões não podem dar margem à maldade em hipótese alguma. Por exemplo: um católico ou qualquer pretenso cristão não deve ousar defender Tomás de Torquemada, outro anticristo do mesmo gênero de Caifás, simplesmente porque o inquisidor-mor de triste memória era um expoente do catolicismo na época. Aliás, por pouco não foi santificado por uma igreja manipulada por demônios. Durante um longo e negro período da história eclesiástica foi considerado um grande personagem digno dos maiores encômios. Não importa os judeus, mouros, inimigos políticos ou quaisquer outros inocentes que foram levados à tortura e às chamas da fogueira na velha Espanha. É o cúmulo da hipocrisia. Este sádico desnaturado, na verdade um discípulo de Caifás, usou e abusou das mesmas armas - o fanatismo religioso e a crueldade sem limites. Em suma, um satanás camuflado de cristão infiltrado na Igreja para disseminar o que Jesus Cristo combateu - a maldade humana. Alguns teimosos, movidos por egocentrismo incorrigível, ainda insistem em afirmar que Jesus foi condenado por Pôncio Pilatos como insurrecto porque havia motivos plausíveis para isto. Ora, sabemos que os testemunhos apontam em outra direção. Ele o declarou inocente e somente assinou a sentença ao ser submetido à tremenda pressão dos altos sacerdotes e sua turba raivosa. As ameaças dos príncipes de queixarem-se ao imperador e trazer-lhe graves aborrecimentos foram incisivas e decisivas. Tudo se resumiu em ato político de caráter egoísta, senão covarde, para livrar-se da elite judaica enfurecida. Jesus amava a humanidade em dimensão imensurável, incluindo os romanos. Ele não via ninguém como inimigo porque a missão do Filho de Deus era exclusivamente trazer a bondade aos corações. Era de fato um revolucionário no sentido pleno da palavra, mas a única arma que o Pai lhe deu foi o amor divino. Quando um centurião romano se lhe apresenta implorando por seu criado que jazia “em casa, de cama, paralítico, sofrendo horrivelmente”, o horrivelmente”, o Mestre se prontifica de imediato a ir até lá para livrá-lo do mal. Havia um preconceito judaico hostil no sentido de evitar relacionamentos com os gentios, em particular com os odiados dominadores. Todavia, no dicionário do Filho de Deus não existia a palavra preconceito ou discriminação. Se não bastasse dispor-se a entrar na residência do oficial romano, um inconcebível ato de blasfêmia aos olhos judaicos, ainda lhe diz serenamente: “Eu irei curácurá-lo”. O centurião, sabedor dos tabus judaicos, apesar da desprendida solicitude do Mestre sentiu-se constrangido. Não queria incomodá-lo, sujeitando-o a críticas e indignação mordazes. Então, com comovente fé e humildade, diz-lhe:
“Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha casa, mas dizei uma só palavra e meu criado será salvo. Pois também eu sou homem sujeito à autoridade, tenho soldados às minhas ordens, e se digo a este: Vai, e ele vai; e a outro: Vem, e ele vem: e ao meu servo: Faze isto, e ele faz”. “Ouvindo isto, admirou-se admirou-se Jesus, e declarou aos que o seguiam: Em verdade, vos afirmo que nem mesmo em Israel achei uma fé como esta. Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugar na mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes. Então, disse ao centurião: Vai-te e seja feito conforme a tua fé. E naquela mesma hora o servo foi curado”. As palavras revelaram-se proféticas. O império romano e outros povos se renderiam no futuro ao Filho de Deus, enquanto os eleitos, para os quais as dádivas divinas eram ofertadas em caráter prioritário, as renegariam. E viriam a sofrer por sua imprudência e ingratidão. Desdenhando a proteção divina para refugiar-se no manto das trevas, amargariam ao longo da história, seguidas vezes, “choro e ranger de dentes”. A missão de Cristo começou pelos judeus, mas visando estender o reino de Deus a todos os povos. Quando a turba inconsequente clamou a Pilatos: “Caia sobre nós o seu sangue, e sobre nossos f ilhos!”, ilhos!”, lançou uma maldição que por um motivo aleatório ou transcendental dá a impressão de ter-se concretizado. Jesus Cristo afirmou que não cai uma mera folha de uma árvore sem que Deus o permita. Refletindo sobre o sentido de suas palavras, concluise que a vontade divina poderia ter evitado terríveis matanças. Entretanto, dando cumprimento a seus misteriosos desígnios, o Criador preferiu a não interferência, deixando as coisas seguirem o rumo direcionado pelo homem. O famoso cientista judeu Albert Einstein, autor da teoria da relatividade, não acreditava num Deus pessoal e sim num Deus do cosmos, um regente impessoal, apático ao sofrimento ou alegria dos seres humanos. Algo como o Deus imaginado por filósofos gregos, a exemplo de Platão. Um Todo Poderoso que se situa nas alturas celestiais, acima do bem e do mal, e olha a humanidade com indiferença, senão desprezo. Não é para menos, senão como explicar o sofrimento de seu povo sob o jugo dos nazistas? Quantas lágrimas os filhos de Abraão nos campos de extermínio não derramaram implorando em extremo desespero ao Deus de Israel por suas vidas? E não foram poucos, conforme testemunhos judaicos, os que invectivaram contra Iahveh pela indesculpável omissão de socorrer o povo eleito. De nada ou quase nada adiantaram incontáveis lamúrias regadas a lágrimas. Cada povo, assim como as pessoas, tende a enaltecer as suas virtudes e ignorar os seus defeitos. Com relação aos povos inimigos dá-se exatamente o contrário. Sabedor disto, Deus deixa os seres humanos aprenderem com co m seus próprios erros a diferença entre o bem e o mal. Olhando sob este ponto de vista, vemos que não só os judeus perderam seus filhos, irmãos e pais. A humanidade puniu-se a si mesma ao praticar sua maldade congênita que redundou na morte de milhões, judeus ou não, durante as Grandes Guerras. Os nazistas eliminaram oito milhões de prisioneiros, sem contar a criminosa responsabilidade pelos milhões de soldados abatidos em combate. Se não colhermos ensinamentos para um futuro melhor, de paz e harmonia, não se pode culpar o Criador. Ele não manda ninguém matar o próximo. O verdadeiro Deus, antes e pelo contrário, inspirou-nos uma diretiva espiritual - não matarás matarás - e não se pode admitir uma única exceção, senão dá-se margem à hipocrisia. Nenhum homem, grupo de pessoas
ou o próprio Estado têm o direito de arrogar a si o direito de matar, não importa qual o motivo, ou se alguém acha justo ou não. O “Deus Estado” é uma arrogante criação humana para justificar atos bárbaros. Existem outras opções sensatas para punir o infrator. A maneira certa deve ser sempre baseada na bondade porque a justiça desvirtuada pelo ódio é falha. Os judeus tiveram uma grande e única oportunidade de cumprir e enfatizar esse mandamento divino de um modo definitivamente exemplar. Afinal, foram eles que o revelaram ao mundo. Não é absurdo que se proponham a cumpri-lo. Podiam até ter poupado do enforcamento os carrascos nazistas. A sentença capital deixou a imagem de um povo a se comprazer na vingança. O Holocausto somente ocorreu porque milhões de pessoas dele participaram como algozes ou expectadores permissivos. Tal declaração parte dos próprios autores judaicos e, infelizmente, é a pura verdade. Ora, a execução de alguns nazistas, meia dúzia de lobos componentes de imensa matilha, não podia remediar uma tragédia de proporções gigantescas. Separando a vingança da justiça existe uma linha tênue. Houve seis milhões de razões para explicar a execução dos carrascos nazistas na forca por Israel. Uma razão por cada vítima. Não houve nenhuma que a justificasse. Deus assim determinou: “Não matarás”. Cabe ao homem obedecer sem discussão embora lhe escape o pleno entendimento da vontade divina. Seria preferível que ficassem esses criminosos para sempre presos. Seria um ensinamento sem paralelo na história da humanidade. O povo de Abraão mostraria ao mundo uma verdadeira justiça isenta do espírito de vindita. Uma parcela substancial da opinião pública ficaria surpreendida diante da generosidade amadurecida e sem precedentes de uma superior espiritualidade. Uma simples manifestação de boa vontade, mas que representaria um salto gigantesco na história do ser humano. Diz a sabedoria judaica que quem salva um homem, salva a humanidade. Todos tenderiam a ver os judeus de uma maneira obrigatoriamente favorável. Ensejaria uma lição inesquecível ao mundo, inclusive à chamada “cristandade”. Na verdade, estariam mais próximos do próprio Cristo, isto é, de Deus. O Filho de Deus nos dá uma ideia do comportamento divino. Qualquer pessoa que fosse traído de maneira vil por um Judas Iscariotes e tivesse o poder de saber o que tramava no mais recôndito da sua mente torpe assumiria com toda razão uma atitude de indignação. De início, Iscariotes seria desmascarado na frente de todos. Finda uma acirrada reprimenda verbal, os apóstolos, contagiados pelo ódio, partiriam para uma exacerbada ofensa verbal, acrescida em seguida de violenta agressão física. A delação justificava plenamente uma vingança fatal que salvaguardaria o direito de sobrevivência de Jesus e do grupo de discípulos. O Filho do Homem não fez nada disto, nem tentou demover o traidor de sua intenção pérfida. Sentiu o amargor da falsidade sem demonstrar um pingo de ódio, qualquer sentimento de rancor ou mesmo dignou-se a ofendê-lo. Com divina tristeza, limitou-se a declarar que o pecado cometido teria uma sanção: “Porque o Filho do Homem, na verdade vai segundo o que está determinado, mas ai daquele por intermédio de quem está sendo traído!”. Na verdade, Jesus já o havia perdoado quando lhe diz: “O que pretendes pretendes fazer, fazeo depressa”, vendo-o vendo-o como um instrumento do destino, uma manifestação da imperfeição humana que não podia ser corrigida por repressão vingativa. Judas, ao dar-se conta de sua mísera pequenez espiritual, puniu-se a si mesmo. Entretanto, não podendo destruir sua
alma imortal, permaneceu consciente do mal cometido e cheio de remorso. A ausência inefável do Filho de Deus perpetua sua punição, até que mereça o perdão divino. Ninguém vai ser punido para sempre, nem Deus irá destruir sua consciência imortal. Judas errou, mas arrependeu-se. Não devemos nos atrever a julgá-lo segundo padrões terrenos. Jesus disse que “assim como perdoas são perdoados os teus pecados”. Exatamente desta maneira age o Criador em relação às suas criaturas. Não interfere no seu modo de agir porque respeita a individualidade do ser humano quer se manifeste para o bem ou para o mal. Não somos fantoches para nos impedir ou restringir: “Faça isto ou não faça aquilo”. Estendendo o significado das palavras de Cristo, conclui-se conclui -se que Deus nos concede o livre arbítrio, mas ai daquele que erra contra seu semelhante. Muitas vezes não sabemos o porquê de nosso sofrimento, mas Deus conhece o interior de nós mesmos. Somos vítimas do mal que causamos aos outros. Na Paixão de Cristo os judeus assumiram do fundo da alma a ominosa assunção de culpa e, como se não bastasse, ousaram transmiti-la como um legado maldito aos próprios descendentes. Alguns religiosos de mentalidade restrita ainda preferiram endossá-la, alimentando de maneira vil uma perpétua ignomínia para desgraça dos filhos de Abraão. A opinião do mundo cristão, sancionada pela tradição, passou a atribuir-lhes toda a infâmia pelo sangue derramado do Messias - o Salvador. Pilatos, num mundo onde a justiça usualmente costumava ceder à força bruta, imaginou que um simples lavar de mãos o isentaria da culpa. Enquanto, Anás, Caifás e outros comparsas estavam satisfeitos e preocupados apenas com os preparativos ritualísticos da Páscoa. Saboreavam o prazer da vingança naquele que acreditavam não passar de um humilde carpinteiro. Supunham estar agradando a Deus naquele dia festivo, enquanto o sangue derramado do Filho de Deus testemunhava aos céus o pecado crucial. O espírito rancoroso do povo judaico criaria moto próprio e o faria trilhar uma ignominiosa rota de autodestruição. Dominados por exacerbada arrogância, os judeus se ergueriam imprudentemente contra os conquistadores romanos. Ora, estes não só os ultrapassavam em poder, como se lhes igualavam em perversidade. De modo insensato ousaram atrair contra si o ódio mortal dos dominadores. Séculos atrás haviam desafiado contra as leis do bom senso os poderosos assírios e babilônios que se viram igualmente obrigados a impor-lhes exemplar punição. Na época dos romanos, repudiaram a mensagem de amor do Mestre da Bondade e preferiram refestelar-se no ódio. Algumas décadas adiante iriam sofrer uma merecida lição. Experimentariam um ódio similar, porém regado no próprio sangue. Os seres humanos punem-se uns aos outros por sua maldade congênita e não por vontade de Deus. Aos romanos estariam reservadas também amargas lições em futuro distante.
Pilatos apresenta Cristo a uma turba judaica sedenta de seu sangue Fonte: Ecce Homo (Behold the Man!) por Antonio Ciseri
CAPÍTULO 14
A CRUCIFICAÇÃO Voltemos ao cenário do palácio de Pilatos. O legado romano leu a sentença iniciada por um pomposo elogio a Tibério. Era uma praxe que não devia ser ignorada e nem desprezada. Era uma oportunidade para bajular o César. Discorreu a seguir sobre as acusações que haviam sido apresentadas pelos sumos sacerdotes. O Sinédrio o havia condenado preliminarmente à morte por proclamar-se filho de Deus e rei dos judeus, e também pert urbar urbar a ordem pública. Declarou, então: “Eu condeno Jesus de Nazaré”. Segundo a tradição, ressalvando a sua responsabilidade, Pilatos acrescentou à sentença de execução um parágrafo. Neste declarava seu justo receio de que os judeus alegassem ao imperador que provocava de modo inconsequente o descontentamento entre eles, encorajando rebeliões ao negar-lhes o direito de justiça. Passou a preparar a inscrição para a cruz e escreveu: escreveu : Jesus Nazareno Rei dos Judeus. Seus auxiliares distribuíram várias cópias da sentença pela Judéia. Os sumos sacerdotes manifestaram logo grande desagrado pelos dizeres da inscrição. Indignados, tentaram persuadi-lo persuadi-lo a acrescentar: “Ele “Ele diz: eu sou o Rei dos Judeus”. Judeus ”. Pilatos estava contrariado com a elite judaica e não queria mais ceder ce der ante sua impertinente vontade. Então, retrucou laconicamente tão ao gosto dos romanos: “O que escrevi, escrevi”. Pelos menos desta vez se impôs aos judeus. O procurador romano, como todo político, amava o poder e tudo faria para mantê-lo. Roma havia mantido intactas as instituições judaicas e evitava imiscuir-se em desgastantes querelas religiosas que só fariam elevar o custo do dominium. dominium. O Sinédrio devia governar interinamente os judeus em concordância com os interesses dos dominadores. Sob esta perspectiva pragmática representava uma autoridade reconhecida também pelo próprio imperador. O governador não devia desprezar as decisões do órgão máximo judaico, particularmente quando o povo presente transmitia a impressão inconteste de apoiar as decisões de seus líderes. Caso contrário, incorreria em ato político flagrantemente inábil. Muitos estudiosos aceitam a versão de que o comportamento de Pilatos deveu-se simplesmente a uma falha indesculpável de seu caráter vil, perverso e fraco, porém isto não explica tudo. É uma tese incongruente com a época de Cristo. Se ele absolvesse Jesus, o que atualmente parece uma atitude fácil e completamente justificada pela flagrante inocência do réu - a única que qualquer cristão ou pessoa com algum senso de justiça faria - envolverse-ia em grave crise política. Iria enfrentar um Tibério irritado com as urdidas queixas das viperinas autoridades judaicas. Seria acusado de criar uma celeuma despropositada, um desgaste inútil ao poder romano. E tudo por causa de um pobre judeu sem eira nem beira. Ora, segundo as autoridades judaicas, o Nazareno intitulava-se rei e, cúmulo dos cúmulos, teve a petulância de rivalizar-se com ele - o divino César! Acrescente-se que os judeus foram unânimes em alinhar-se com seus líderes contra o réu. Talvez o procurador que
escolheu a dedo não estivesse em seu juízo perfeito ou fosse demasiadamente ingênuo. Aliás, um bom motivo para colocar outro mais competente em seu lugar. Mesmo atualmente, em qualquer tribunal, se todos os jurados decidem pela culpabilidade capital do réu, o juiz limita-se a emitir a sentença, sendo irrelevante a sua opinião. Ainda que acredite em sua inocência fica constrangido a cumprir a lei. Desse modo funciona o sistema legal nos países com pena de morte. Os príncipes dos sacerdotes, escribas e fariseus presentes eram autoridades legais e tinham a esmagadora maioria do povo a seu favor. Assim, formaram um formidável corpo de jurados que não podia ser ignorado pelo juiz romano sem risco de grave desgaste pessoal. Acresce que o Sinédrio já havia legalmente condenado o réu. A solução política apontava numa única direção - a crucificação de Jesus. Outro aspecto relevante é que Pilatos, evidentemente, não possuía uma bondade cristã, nem poderia tê-la. Ela surgiria depois do Messias. No mundo romano havia apenas um notável sentimento de justiça incipiente, tanto que o direito moderno de quase todas as nações se baseia ou é influenciado pelo antigo direito romano. O povo do Lácio foi o primeiro a criar um sistema jurídico independente do religioso com a grande vantagem de ser aplicado a qualquer povo. A atitude do procurador foi semelhante ao das autoridades romanas que prenderam Paulo de Tarso. As acusações dos judeus não configuravam crime segundo as leis romanas, mas quase o abandonaram à sanha das autoridades judaicas ao adotar um comportamento do tipo “e eu com isso?” Aliás, semelhante ao de Pilatos. Um judeu executado, inocente ou culpado, justiçado ou injustiçado, a mais ou a menos, não faria diferença alguma. Num mundo imerso na barbárie onde predominava a força da espada, a injustiça era regra comum e a justiça uma exceção. O apóstolo só consegue livrar-se da morte certa quando tem a presença de espírito de apelar para César, um direito que lhe é concedido por ser cidadão romano. Caso contrário, amargaria de imediato trágico fim como Jesus Cristo. Se não fosse Pilatos e sim outro legado qualquer na Paixão de Nosso Senhor, as coisas não teriam corrido de modo diferente. Em qualquer hipótese, como um “bom político”, cederia de boa ou má vontade à sanha sacerdotal. Mesmo nos dias de hoje, o comportamento humano não difere essencialmente. Basta citarmos um exemplo atual. Um benquisto governador de um estado americano livrou um sentenciado à pena capital da execução fatal. Concedeu-lhe clemência tendo por base a sua autoridade legal. Na eleição seguinte, apesar de ser reconhecidamente um político simpático, honesto e muito capaz, perdeu as eleições. Parece que a sensação do poder de matar é inebriante. Sem morte não há justiça, assim pensam aqueles favoráveis à pena de morte. E muitos se consideram “cristãos”, a maioria não deixando de comparecer aos cultos ou missas todos os domingos. Esse ilustre governador não conseguiu ser evidentemente um “bom político”, mas mostrou-se mostrou-se um bom cristão, um ser humano sensível à palavra compaixão. Preferiu ficar em paz com a própria consciência, mesmo sabendo que perderia poder terreno. Por sinal, nunca disseram a Pilatos que deveria demonstrar bondade por alguém que não fosse romano e, mesmo assim, com severas restrições. Os povos viviam a guerrear-se acreditando que eram em princípio inimigos uns dos outros. O panteão dos deuses romanos não havia legado ao povo do Lácio um sistema ético baseado no amor e na fraternidade. A bondade era antes considerada uma demonstração de fraqueza, enquanto
um implacável sentimento de vingança avultava como a legítima arma dos poderosos. Isso ainda acontece atualmente. O mundo basicamente continua o mesmo. Os homens encontram grande dificuldade em encontrar um benéfico denominador comum. É uma característica da condição humana ainda a engatinhar no abc a bc da evolução espiritual. Pilatos ignorava que aquele humilde judeu viria trazer novos parâmetros à conduta moral, afetiva e religiosa da humanidade, ao revelar o judaísmo em feição nova e sem fronteiras, enriquecido dos valores essenciais ao aperfeiçoamento espiritual do gênero humano, mas livre de crenças misantrópicas de um exclusivismo egoísta que condena as pessoas a se tratarem eternamente como inimigos. Os momentos vividos pelo legado romano, talvez inconsciente até o fim de seus dias do papel crucial que desempenhou em Jerusalém, marcariam um ponto de inflexão na história da humanidade. Esta passaria a ser contada antes e depois de Cristo. Certamente, a crucificação do humilde Nazareno não passou de insignificante episódio político-religioso na Judéia, segundo a visão romana. O infortúnio de Pilatos inicia-se quando é enredado numa venenosa trama de acusações engendradas pelos insidiosos sacerdotes junto ao imperador. Ao chegar alarmado a Roma para defender-se, surpreende-se ao saber que Tibério já havia falecido. Fragilizado por achar-se alijado de seu protetor, o legado foi superado pelas agruras da política. Ele havia somado ao longo de sua tumultuada carreira muitos inimigos, particularmente entre os judeus. Uma das versões mais prováveis diz que se suicidou. Qual terá sido a impressão final que ficou em seu espírito por ter acedido à trágica execução daquele inocente líder popular em Jerusalém. Qual foi o último pensamento de Pilatos ao abandonar a vida e entrar para a história como personagem chave da maior religião de nossos dias? Restou uma tradição consoladora, Cláudia Prócula, sua bondosa esposa, veio a converter-se ao cristianismo, sendo canonizada pela igreja ortodoxa grega pela louvável tentativa de livrar Jesus da crucificação. Santa Cláudia pode ser considerada a precursora de Santa Helena, a mãe do imperador Constantino que livrou o cristianismo da ilegalidade, findando com séculos de angustiante perseguição. A influência de Santa Helena, sem dúvidas, foi marcante sobre o filho, preparando-lhe o espírito para aceitar o Filho de Deus. A mulher romana, ainda que oriunda da nobreza, cada vez mais iria sensibilizar-se com a mensagem de amor do Mestre de Nazaré. Seria um suave consolo naquela sociedade mundana onde predominava uma atmosfera de ódios e perversidades sem fim. Até os imperadores romanos tornavam-se por vezes suas vítimas. Basta citar Cláudio, envenenado pela própria esposa. Voltemos à narrativa da Paixão. A essa altura, Jesus foi preparado para ser pregado na cruz. Estava precariamente trajado e amigos trouxeram-lhe uma túnica nova sem costura. Com o fito de colocá-la, os soldados tiveram que arrancar a coroa de espinhos para enfiá-la pela cabeça. Os dois conhecidos ladrões ladeavam Jesus. Um deles portava-se com insolente rudeza e o outro se mantinha quieto e conformado. Nesse momento, Anás e Caifás retiraram-se ainda maldizendo Pilatos, embora tivessem alcançado quase todos os seus intentos malignos. Iam felizes ao Templo no intuito de sacrificar o cordeiro pascoal, deixando para trás em extrema agonia o verdadeiro Cordeiro de Deus. Pilatos saiu do tribunal escoltado pelos soldados, deixando outros no tribunal sob o comando de um centurião encarregado pela crucificação. Os soldados fizeram Jesus ajoelhar-se e apoiaram um pesado madeiro no seu ombro para carregar. Este
ficaria na horizontal durante a crucificação. Depois mandaram que ficasse de pé sob o tremendo peso, um esforço sobre humano. Assim o fizeram com os dois malfeitores. As traves verticais seriam levadas por escravos. Observemos que Jesus havia feito uma última refeição na noite anterior. Desde a prisão no Getsêmani, além de destratado, havia sofrido grosseiras ofensas, rudes agressões, sejam empurrões, quedas, acoites e suportara uma coroa de espinhos a sangrar na cabeça. Nada lhe foi oferecido para comer e negaram-lhe até água. “Tomaram eles, pois, a Jesus: e ele próprio carregando a sua cruz saiu para o lugar chamado Calvário, Gólgota Gólgota em hebraico”. (João 19.17). “Seguia-o “Seguia-o numerosa multidão do povo e também mulheres que batiam no peito e o lamentavam”. (Lucas 23.27). “E obrigaram a Simão Cireneu que passava, vindo do campo, pai de Alexandre e Rufo, a carregar-lhe carregar-lhe a cruz”. (Marcos 15.21). 15.21). Embora as traduções façam referência à cruz, subtendendo que Jesus Cristo a carregou montada, isto é, na forma de cruz, há incoerência com a tradição. Jesus e os ladrões levaram apenas o madeiro horizontal. Já representava nas condições de um Jesus debilitado e a esvair-se em sangue um esforço e sforço sobre-humano, tanto que foi necessário mais adiante o auxilio de Simão Cireneu. É comum em filmes de Hollywood ver Jesus Cristo carregando a cruz inteira, mas seria quase impossível do ponto de vista humano. Além de quadruplicar o peso, pois o madeiro maior suplanta cerca de três vezes a dimensão do menor, cada peça tem centro de gravidade independente. Tal tarefa exigiria um homem de força descomunal, descansado e são. A cruz montada acrescentaria um atrito insuportável durante o longo percurso. O grupamento de pessoas que o conduziam acrescido dos demais constituía uma pequena multidão. Pilatos, comandando uma coorte de cerca de trezentos homens, decidiu seguir atrás a cavalo para prevenir qualquer manifestação popular. A maior parte das pessoas havia se dirigido ao Templo ou às suas casas depois da leitura da sentença para fazer os preparativos da Páscoa. Segundo a tradição Jesus caiu cinco vezes. Na primeira, ao passar por um trecho enlameado e esburacado devido à proximidade de um aqueduto subterrâneo. As suas últimas forças haviam se exaurido impossibilitando-o de prosseguir. Os insensíveis soldados insultaram-no e deram-lhe golpes sem piedade. Os fariseus, temendo que Jesus não chegasse a ser crucificado, frust rando rando suas expectativas, exclamaram: “Levantem-no, “Levantem-no, caso contrário morrerá em nossas mãos”. Ainda por cima recolocaram-lhe recolocaram -lhe a coroa de espinhos. A segunda queda ocorre quando Jesus passa pelo lugar onde sua Mãe o aguardava, rezando e implorando aos céus forças para suportarem a imensa tragédia. Ao vê-la, Jesus lançou-lhe um olhar de indescritível compaixão porque sabia que ela estava sofrendo tanto quanto ele. Seu Filho amado vinha caminhando a duras penas e acabou caindo. Nossa Senhora, indiferente aos algozes presentes, correu para abraçá-lo e beijá-lo sem se importar com a reação hostil dos soldados e fariseus. Alguns, ao presenciar a súbita cena, se enterneceram, lembrando-se que também tinham uma mãe que os amava. Os soldados exigiram que Nossa Senhora se retirasse para a estrada, mas pelo menos não lhe puseram as mãos. Esvaído em sangue e enfraquecido, não é de se estranhar que em determinado momento entraria em colapso físico, ocorrendo uma terceira queda. Algumas pessoas que
passavam a caminho do Templo chegaram a lançar exclamações do tipo: “Olhe aquele pobre homem! Ele decerto está morrendo! Não vai aguentar levar este pesado madeiro!”. Aqueles que o conduziam, por mera conveniência, concluíram que urgia achar uma solução. Passava por ali neste momento um robusto jardineiro pagão que voltava do trabalho e o compeliram a ajudar Jesus. Simão, o Cireneu, a princípio relutou com má vontade, mas provaria ser um homem de bom coração. Ao trocar um olhar com o condenado, embora o visse em deplorável estado de sujeira e miséria, viu em seu semblante um pedido silencioso e irrecusável que lhe tocou a alma. Uma extremidade do madeiro foi apoiada sobre os ombros de Cireneu, aliviando sobremaneira o peso para Jesus. Inúmeros judeus desviavam o caminho pelo medo de se profanar, enquanto outras não podiam evitar um sentimento de pena pelo enorme padecimento do Nazareno. De repente, saiu uma respeitável dama de uma imponente casa à beira do caminho e adiantouse até alcançar Jesus. Era Seráfia, esposa de um dos mais importantes conselheiros do Templo. Demonstrando destemor, caminhou resoluta pela turba até alcançar Cristo e ajoelhou-se aos seus pés. Vinha acompanhada por uma menina que procurava esconder das vistas dos presentes uma garrafa de vinho. A bela dama ajoelhou-se diante dele e entregou-lhe um véu, dizendo ternas palavras. Jesus com uma das mãos o apanhou, passando na face ensanguentada e devolveu-lhe agradecido. Ela beijou o véu e o guardou debaixo de seu manto com desvelo. A menina tentou dar-Lhe um pouco de vinho, mas os soldados a impediram. Seráfia, uma das primeiras devotas do Cristo, passaria para a história como Verônica, do latim Vera ícone, ícone, que em latim significa: retrato da verdade. A tradição nos conta que Verônica ao regressar para casa desenrolou o véu, constatando surpresa que a imagem da face de Cristo estava nele estampado. Era um véu feito de lã, muito usado naquela época pelas mulheres. Sirac, seu marido, era membro do Sinédrio e juntamente com Nicodemos e José de Arimatéia foram os três únicos que se opuseram com destemor à sentença de Caifás. Quando se aproximaram de um trecho enlameado onde havia um poço, Simão, ao procurar evitá-lo, fez um movimento para o lado e involuntariamente desequilibrou Jesus. Este falou ao povo algumas palavras sobre Jerusalém que enfureceram os fariseus. Eles passaram a tratá-lo com a contumaz crueldade o que levou Simão a indignar-se, exclamando: “Se vocês continuarem com esta conduta brutal, eu jogarei a cruz ao chão e não mais a carregarei, nem que vocês me matem”. matem”. Um pouco adiante, mais uma vez Jesus quase vai ao chão, mas o prestativo Cireneu o ajudou a apoiar-se, evitando que caísse. A esta altura formara-se uma multidão de gente humilde e algumas mulheres batiam no peito em profundo lamento. “Porém, Jesus, voltando-se para elas, disse: Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai antes por vós mesmas e por vossos filhos porque dias virão em que se dirá: Bem-aventuradas as estéreis, que não geraram nem amamentaram. Nesses dias dirão aos montes: Cai sobre nós, e aos outeiros: Cobri-nos. Cobri-nos. Porque, se em lenho verde fazem isto, o que farão no lenho seco?”. (Lucas 23. 27-29). Jesus estava se referindo à queda de Jerusalém que ocorreria cerca de duas décadas depois, quando as legiões romanas quebrariam a resistência dos insurretos judeus cercando a Cidade Santa. Em um contexto de horror, a população seria dizimada pela fome e pelas armas. Muitos comeriam os próprios cadáveres na ânsia de sobrevivência. As mães
seriam obrigadas a assistir em tremenda angústia ao morticínio dos filhos, tanto pela espada como por inanição. Se ao inocente Cristo, a Bondade Divina personificada, os maus fazem isto, o que não farão com os demais? Jesus, nessa mensagem profética às amorosas filhas de Jerusalém, esquece a pesada cruz e expressa preocupação maior com o sofrimento vindouro delas como mães do que com o seu próprio. A subida ao Calvário era bastante íngreme e o caminho irregular. O pesado madeiro tornava-se um esforço crescente, enquanto os insensíveis algozes exigiam presteza mediante imprecações. Jesus ainda tropeça e cai pela sexta e sétima vez. Ao chegarem, Simão Cireneu, extremamente fatigado, mas cheio de justa indignação e piedade, irmanarase de tal forma a Cristo em sua dor que quis permanecer no lugar, sem coragem para abandoná-lo. A atitude amorosa de Verônica o impressionara deveras e sabia que não estava ajudando um criminoso qualquer, porém uma pessoa muitíssimo especial, uma inocente vítima do destino que não merecia de jeito nenhum estar sendo vilipendiada daquela maneira por gente tão cruel. Os fariseus, irritados pela solidariedade de Simão, insultaram-no, terminando por expulsá-lo do local. No Gólgota, os soldados fizeram uma espécie de cordão ostensivo para manter os expectadores afastados. Uma multidão que não receava a profanação da Lei judaica permanecia o mais perto possível nos arredores. Era gente humilde, como estrangeiros, escravos, pagãos e mulheres do povo. Os soldados cavaram três buracos para as cruzes. Jesus foi pregado na cruz pelos carrascos. Eles ergueram o pesado instrumento de suplício, empurrando-o para a beira do buraco e soltaram-no. A pesada cruz desceu chocando-se contra o fundo. Um terrífico barulho ecoou pela multidão, seguindo-se silêncio absoluto e apavorante. A coroa de espinhos penetrou mais fundo na carne e o sangue jorrou não só da cabeça como dos pés e das mãos, devido ao forte impacto. A cruz, com a inscrição de Pilatos no topo, contrastava com a imensidão do céu ao fundo compondo um cenário de infinita infinita tristeza. Embaixo, o pessoal humilde mirava-a mirava-a estarrecido. Outros sofriam compungidos, como Nossa Senhora, João, Maria Madalena e demais santas mulheres, oferecendo um consolo regado com lágrimas a Cristo. Depois ladearam as cruzes dos dois ladrões com a de Jesus. Segundo a tradição, os ladrões eram Dismas Dismas e Gesmas. Haviam sido presos por assassinarem uma judia e seus filhos quando estes viajavam nos arredores de Jerusalém. Gesmas era o mais velho e tornara-se uma influência perniciosa para Dismas. O segundo havia ficado impressionado com a extrema paciência do Senhor ante o sofrimento. Sabia que Jesus era inocente e havia sofrido horrivelmente antes da crucificação. Os soldados acertaram dividir entre si as roupas de Jesus. Entre outras peças havia a túnica sem costura de maior valia que decidiram no jogo usando um tabuleiro de xadrez. Um mensageiro mandado por Nicodemos e José de Arimatéia chegou a tempo de oferecerlhes dinheiro pelos trajes. Eles aceitaram-no e devolveram as peças que se tornaram relíquias preciosas naqueles tempos. A altura da cruz de Jesus era mais elevada do que a dos ladrões. Sangrando e vilipendiado injustamente, Jesus nem por isto deixa de exprimir no olhar a bondade única do Filho de Deus, incapaz de qualquer sentimento menor. Muito pelo contrário, continua externando inesgotável amor divino pela humanidade, mesmo quando é tratado de modo tão execrável.
Inicialmente uma parte dos soldados partiu. Os fariseus, anciões e escribas, irritados pela recusa de Pilatos em modificar a inscrição da cruz, antes de se retirar ainda escarneceram uma última vez do Crucificado: “Tu que destróis o templo e o reconstróis em três dias, salva a ti mesmo descendo da cruz de modo que possamos ver e acreditar que tu és o Messias, o rei de Israel”. O tempo ia se escoando e o aspecto de Jesus evidenciava os estertores da morte. Gesmas, o mau ladrão exclamou desdenhoso: “O demônio que o possui está a ponto de abandoná-lo”. abandoná-lo”. Um soldado, fingindo ajudá-lo, ajudá-lo, ensopou uma esponja com vinagre, colocou-a num caniço e ofereceu-lhe, ofereceu-lhe, dizendo: “Se “Se tu és o Rei dos judeus, salva a ti mesmo descendo da cruz”. Foi nesse instante que Jesus proferiu a frase que resume toda compaixão do Filho de Deus pela humanidade. É a manifestação suprema de amor ao semelhante. Uma síntese admirável do Cristianismo. Todo o divino ensinamento de Cristo está nela contido. Uma meta transcendental oferecida ao ser humano que almeja a lmeja se tornar uno com Deus: “Pai, perdoaiperdoai-lhes porque não sabem o que fazem”. Vítima do mais extremo sofrimento, desidratado, esgotado, exaurido, com a carne ferida e esvaindo-se em sangue, Jesus dá o exemplo supremo do que ensinara a um estarrecido Pedro sobre o limite do perdão. “Sete vezes”, havia-lhe havia-lhe proposto o inconformado apóstolo, decerto secundado pelos demais. Ora, a tolerância do senso comum pedia um limite à benevolência excessiva. “Não digo sete, mas setenta vezes sete” respondeu-lhe serenamente o Mestre. Um estarrecido Simão acabaria por compreender que o número predileto de Deus é infinito, uma vez que é incomensurável o amor divino pela humanidade e infinito é o seu Poder. É um amor incondicional e irrestrito do Criador aos seus filhos. Nós possuímos limitada capacidade de amar e torna-se quase impossível assimilar em verdadeira extensão a lei divina. Às vezes não conseguimos nem amar ou perdoar a nós próprios, como, então, amar ou perdoar nossos semelhantes? Ela ensina que o perdão ao próximo é possível e proporcional ao amor existente em nossos corações. Faz-se Faz -se necessário um longo aprendizado ou mesmo um instante raro como aconteceu com Saulo de Tarso no caminho de Damasco. Num átimo, Cristo - a imagem viva de Deus - segundo testemunho do próprio apóstolo, fez renascer espiritualmente um homem novo - nosso amado São Paulo. Só o amor divino pode produzir um perdão incondicional. É a prova suficiente de que era o Messias - o Filho de Deus - falando por seu Pai. Nenhum ser humano em tão aviltante condição conseguiria sequer pensar em pronunciá-la. Anos depois, seu exemplo e inspiração habilitariam outros a enfrentar com semelhante determinação um mundo antagônico ao bem, como mártires da fé. Seu sangue precioso regaria as sementes de Cristo fazendo-as crescer e frutificar uma por mil. Enquanto isso, o bom ladrão mantinha-se calado, mas consciente do que se passava em volta. As surpreendentes palavras de Jesus haviam-lhe penetrado dos ouvidos ao coração, semeando em solo fértil. Ele viu a Mãe do Senhor, João e amigas achegarem-se contritas à cruz ao ouvirem-No. O rude centurião não deixou de comover-se com as palavras do Crucificado e num lampejo de bondade não as impediu. Dimas, indignado com o comportamento do colega, censurou-o: censurou-o: “Nem ao menos temes a Deus, estando sob igual sentença? Nós na verdade sofremos com justiça porque merecemos por nossos atos, mas este nenhum mal fez”.
O bom ladrão vai provar que havia se convertido a Cristo durante aquela dolorosa e compulsória convivência. Dimas vai aceitá-lo como o Filho de Deus, cujo reino está nos céus. A aproximação da morte desperta a esperança de salvação por meio do Jesus que, mesmo sendo inocente, para seu espanto e admiração havia sofrido calado todo o tipo de afrontas e perdoado seus ofensores. Acreditou por fim que o reino de Cristo não era um reino de fantasia, mas um reino real que transcendia o mundo visível. Nele, finalmente, encontraria a felicidade e paz de espírito que não usufruíra na terra. Tomado por novo e nobre sentimento, faz-lhe singular pedido: - “... Jesus, lembralembra-te de mim quando estiveres no teu reino”. - “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso”. Dimas nem precisou confessar os seus extensos pecados para merecer tal ventura. Cristo já o havia perdoado pelo arrependimento e coragem de pagar pelas faltas cometidas. A boa vontade do bom ladrão acabou se traduzindo em fé humilde ao Filho de Deus. Vejamos os impressionantes fenômenos naturais que ocorreram por ocasião da crucificação e seu misterioso significado. Durante a leitura da sentença por Pilatos caíra um pouco de granizo. O tempo clareou logo em seguida fazendo surgir um sol intensamente brilhante. Cerca do meio-dia, uma névoa espessa ligeiramente avermelhada começou a tapá-lo. Correspondia à sexta hora conforme os judeus contavam o tempo. Podemos conjecturar em princípio que se tratava de um eclipse do sol ou algo que provocou efeito semelhante. O céu ficou escuro e as estrelas cintilavam com reflexos avermelhados. O povo foi acometido de pavor. As pessoas não sabiam explicar o que estava realmente ocorrendo e procuravam uma resposta para a misteriosa visão. Alguns dominados por repentino sentimento do remorso devido ao peso de suas consciências clamavam aos céus por perdão. Outros próximos à cruz chegaram a ajoelhar-se pesarosos em direção a Jesus com a consciência transbordando de remorso. Os sinais do céu pareciam indicar de maneira atemorizante aos mortais a profunda desaprovação divina aos seus atos maus. Nossa Senhora estava ao lado de João e as amigas, presenciando com o coração despedaçado o filho amado sendo submetido ao martírio extremo. extremo. Antevia com pesar os dias sem luz quando haveria que suportar o insuportável, um mundo sem sonhos, sem alma, sombrio e vazio, privado de sua radiosa presença. A escuridão acentuando-se aprofundou a tristeza do funesto ambiente oprimindo os corações. Cristo sabia o que cada um sentia e pensava. Por isto fitou sua mãe e João de um modo significativo, declarando a Nossa Senhora: “Mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí a tua mãe”. ( João 19. 2525 26). Daí em diante, João, a quem o Mestre nutria particular afeição, considerou a Mãe do Senhor como a sua própria. Fielmente iria dedicar-lhe por toda vida o carinho e desvelo de um filho amoroso. João foi o único discípulo presente nas aflitas horas da Paixão, um fato louvável que dá a dimensão do seu afeto e desprendimento. Compensando a ausência de parentes masculinos do Salvador na crucificação, o amor de um discípulo suplanta os laços de sangue. Ao “discípulo amado” Jesus confia plenamente a própria mãe, fazendo-o fazendo -o seu irmão a partir daquele momento. A família de Jesus é a humanidade, pois os laços espirituais preponderam sobre os de sangue.
Enquanto isto, Pilatos e Herodes se confraternizavam no terraço do palácio. Ambos contemplavam com espanto o céu que revelava um aspecto atemorizante. Os inimigos de ontem haviam esquecido as diferenças durante o julgamento do Cristo e estavam agora reunidos. Sentiam-se estarrecidos diante do que poderia ser uma manifestação da ira dos céus contra os homens. Cada um passou a refletir sobre sua própria culpabilidade na morte de Jesus. O legado mandou chamar alguns sacerdotes do Templo, querendo saber quais seriam os presságios daquela escuridão oprimente. Ele mesmo achava que era uma prova insofismável da ira dos deuses pela crucificação do Galileu. Concluiu, afirmando-lhes que Jesus era sem dúvida o Profeta prometido e Rei dos judeus. Quanto a ele, declarou-se tranquilo porque no ato de lavar as mãos isentara-se de qualquer responsabilidade. Lembrou-lhe que ele, Pilatos, havia sido compulsado a contragosto pelos próprios judeus. Voltando ao local da crucificação, o ambiente lúgubre do Gólgota, o “lugar da caveira”, induzia qualquer pessoa sensível a sentir-se deprimida, imersa em sombrios pensamentos. Uma quietude mortificante imperava nos arredores da cruz e densa névoa dificultava a visibilidade. Jesus, embora tivesse aceitado o cálice de sofrimento em nome do Pai e concedido graciosamente perdão aos inimigos, deixava transparecer no combalido semblante uma imensa tristeza ao encontrar-se como vítima inocente da maldade do ser humano. Era a hora sexta dos judeus, cerca de três horas da tarde. As trevas reinavam porque “desde a hora sexta até at é a hora nona houve trevas sobre toda a terra”. Nos últimos instantes, a solidão tétrica somada ao incomensurável sofrimento físico e espiritual ultrapassa os limites da resistência resistência humana. O Evangelho nos conta que: “... todos os conhecidos de Jesus, e as mulheres que o tinham seguido desde a Galiléia, permaneceram a contemplar de longe estas coisas”. (Lucas 23. 49). Por volta da hora nona, o Filho de Deus vai solidarizar-se com o sofrimento da humanidade num desabafo único, expressando uma dor insuportável. Ao dirigir-se ao Pai neste momento de indescritível aflição, deixa-nos o direito de clamar aos céus quando em desespero. O Filho do Homem clama em voz alta: “Eloi, Eloi, lamma sabacthani?”, que quer dizer: “Meu Deus, meu Deus, por que me desamparastes?”. (Mateus 27.46) Um dos fariseus que estavam ali pensou que chamava o profeta Elias e observou sarcástico: “Vede, chama por Elias”. E outro em tom cáustico: “Deixai, veremos se E lias vem tirálo”. Passava uns minutos da hora sexta quando a luz reapareceu. A lua começou a afastarse e o disco solar surgiu radiante embora cercado de uma névoa avermelhada. Aos poucos, o astro rei tornava-se mais luminoso e as estrelas reapareceram enfeitando o firmamento. Jesus, desidratado e esvaído em sangue, sentia aproximar-se o derradeiro momento. Sofrendo torturante sede, rogou: “Tenho sede”. Alguém embebeu uma esponja em vinagre e deu-lhe a beber. Segundo a tradição foi o próprio centurião Abenadar que movido por compaixão misturou vinagre com fel, que se acreditava aliviar e abreviar a dor. Certamente, os soldados tinham ordens expressas de negar água aos condenados, de modo a aumentar o padecimento. Nos dias de hoje, esta
intenção de ajudar o próximo pode parecer estranha, mas naquela época a brutalidade fazia parte do cotidiano. “Então Jesus clamou em alta voz: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito! E, dito isto, expirou”. (Lucas 23.46). Ocorreu um violento tremor de terra quando a vida de Cristo se esvaiu. A voz de Deus ecoou assustadora expressando pungida indignação pela morte de seu Filho. O centurião Abenadar, os olhos presos no rosto do Senhor, presenciou estarrecido o seu último suspiro. Impressionado com todas as coisas incríveis de que era testemunho não se conteve ao vê-lo arrebatado pela morte, exclamando convicto: “Verdadeiramente este homem era justo!”. E muitos ali convencidos pelo que viam, “retiraram“retiraram-se a lamentar batendo nos peitos”. Jesus Cristo jazia inerte na cruz. A Luz Divina brilhara num breve hiato entre os homens. O Filho de Deus saía dando vez às trevas. Os bons choravam enquanto os maus se regozijavam. O bem jazia inerte vencido pelo mal naquele instante funesto. O ser humano deixara-se dominar por sua primordial maldade e afrontara insensatamente os céus. Caifás e os sacerdotes exultavam ansiosos pelo banquete pascoal no pressuposto de agradar a Deus. Na verdade, iam festejar a morte física de seu Filho, ignorando que os céus estavam de luto e os anjos lastimavam a sua insânia. Como preparação da Páscoa os judeus se banharam no mikvah e deixaram de fazer sexo com suas esposas, aguardando até depois da Páscoa por acreditar que o ato de ejacular tornava-os impuros. Da mesma forma, mulheres menstruadas não podiam se banhar no mikvah e mikvah e estavam proibidas de entrar nas dependências do Templo. Se por acaso tocassem um réptil também ficavam impuros e qualquer um que entrasse em contato com um cadáver, mesmo que apenas sua sombra o tocasse, seria considerado impuro e proibido de celebrar a Páscoa. E, por incrível que pareça, até o contato físico com um romano teria efeito idêntico. Supõe-se que deveria ser aplicado a qualquer um que matasse alguém, especialmente um inocente. Na verdade, não passavam de regras ritualistas criadas pelo homem e careciam de fundamento lógico e espiritual, ainda que possíveis de cumprir. Entretanto, preocupados com minúcias irrelevantes, mostraram-se incapazes de amar o semelhante ou demonstrar qualquer resquício de compaixão pelo próximo, mesmo sendo este o Messias - a expressão máxima do amor de Deus. Eram cerca de três horas da tarde. Abenadar partiu a cavalo, deixando o comando ao seu imediato. Ele ia cumprir o seu dever de avisar Pilatos da morte de Jesus. No Templo, os sacerdotes oficiavam com grandes pompas as cerimônias ritualistas. Era uma manifestação de religiosidade desvirtuada frente a um mero cordeiro imolado. A seguir, com os semblantes compungidos em falsa santidade, começaram a salpicar sangue aqui e ali em frente ao altar. Aliás, Deus, o Senhor dos Universos - a Infinita Consciência Multiversal - devia estar extremamente sensibilizado ao “ver” naquele minúsculo planeta, um infinitésimo de seus domínios, aqueles filhos, ainda na pré-história espiritual, os hebreus, dedicando-se a matar bichinhos em seu louvor. Na verdade, nem os sacerdotes astecas ou incas conseguiram chegar ao extremo de crueldade desses adoradores equivocados de Iahveh. Os primeiros sacrificavam prisioneiros usando uma afiada faca de obsidiana para arrancar-lhes o coração e ofertá-lo à divindade. A morte era quase imediata e incomparavelmente menos dolorosa diante do que o Messias sofreu na Crucificação. A hipocrisia judaica conseguiu manipular a brutalidade romana para cometer o mais vil dos crimes, uma inesquecível
agressão contra toda a humanidade esclarecida. Foi uma interação de maldades que culminou numa perversidade sem limites. O povo eleito ao ignorar a benevolente orientação oriunda dos céus iria perder-se nos próprios desmandos, não por vingança de Deus. Ele é um Pai misericordioso que desconsidera a maldade humana. Os judeus, dominados pela arrogância e pelo despeito, inculpariam o vitorioso império dos Césares por sua falta de sucesso nos campos de batalha. Davi, o mítico rei, e os irmãos Macabeus foram exceções à regra. Aliás, de pequeno vulto se os compararmos aos criadores dos grandes impérios da antiguidade. Na verdade, os hebreus nunca chegaram a construir um império de fato. “Uma casa dividida contra si mesmo não pode prosperar”, disse Jesus, e as tribos tribos judaicas sempre primaram pela discórdia, avareza e inveja mútua. Daí, somente duas das doze tribos de Israel sobreviveriam aos contratempos da história. E ainda as restantes sofreriam incontáveis golpes mutiladores através dos séculos. Vejamos o trágico cenário que iria ocorrer a seguir, sendo protagonista, algoz e vítima, o povo de “dura cerviz”. Estamos no ano 66 d.C. Judeus insurrectos surpreendem e massacram uma desprevenida guarnição romana, incluindo seus familiares, num rompante de insensatez e tresloucada fúria, despertando a sede de vingança do leão romano. Cerca de três décadas antes, haviam desprezado e matado o Messias, que os amava mais que a si mesmo. Eles o preteriram por por César, um soberano de de outro povo, reinando a léguas léguas de distância e que os considerava com desprezo. Movidos pela ambição despropositada, ignorando as regras da prudência e do bom senso, criariam as condições fatais para que lhes fosse infligida bárbara punição. Jerusalém, incluído o seu famoso Templo, seria em breve arrasada sem piedade. Seus habitantes perderiam tudo ou quase tudo, bens e vidas. Como ratos sobreviventes de terrível naufrágio, apenas alguns conseguiriam escapar foragidos para outros países. A alegação de que pagavam tributos exorbitantes aos dominadores peca pela inconsistência. Se os romanos eram brutais, os judeus ou qualquer outro povo da antiguidade não lhes ficavam atrás. De norte a sul, leste a oeste, predominava o domínio opressivo em toda terra, um retrato fidedigno de uma época caracterizada pela barbárie. Os mais fortes subjugavam os mais fracos, uma extensão truculenta da lei das selvas. Na verdade, pior ainda porque os animais só matam para comer e não se comprazem em assassinatos mil. Em contrapartida, o povo judeu podia desfrutar das benesses da Paz Romana. Não precisava arcar com o pesado ônus de um exército regular e não havia nenhum inimigo interno ou externo a temer. Os povos dominados sobreviviam tranquilos sem o inquietante perigo de vizinhos hostis surgir para atacá-los e até dizimá-los. Os horrores de uma guerra civil entre rivais pelo poder estavam descartados. Os príncipes do Sinédrio viviam ricamente em palácios e os sacerdotes do Templo desfrutavam de abundância. Os romanos davam-lhes astuciosamente o direito de professar sem restrição a religião hebraica, ainda que os judeus primassem por detestável misantropia. O dinheiro que pagavam dos impostos era, mal ou bem, compensado pelas vantagens mencionadas. O povo vivia e, se ainda não fosse o bastante, pode-se afirmar que relativamente bem. A fantasia de tributos opressivos é pura balela sem comprovação histórica concreta. Imposto é imposto, nunca é bem-vindo, seja naquele tempo ou no atual. O problema é que os zelotes, os tresloucados nacionalistas, galvanizaram a crescente insatisfação de um povo
irrequieto, exacerbando-o contra os romanos. Muitos cultivavam a ilusão de repetir o sucesso dos Macabeus contra os impérios dos gregos, sem aperceber-se de que os tempos eram outros. A elite judaica começou descartando o tetrarca Arquelau, o filho do idumeu Herodes, preferindo um governante romano em seu lugar. Depois quiseram eliminá-lo. Na verdade, detestavam a si mesmos. E aos romanos em tal magnitude que resolveram dar o grito de independência sem prever as funestas consequências. Ademais, há referências judaicas de que a casta sacerdotal comumente abusava de seus privilégios em detrimento do povo, aliás, como toda casta social. Roma não se preocupava com a prepotência do Sinédrio sobre as classes humildes, atribuindo-lhe a desgastante tarefa de recolher os impostos. Queria somente receber com constância religiosa a sua parte gorda do bolo judaico. Evidentemente, as do leão cabiam ao Templo e ao imperador. Os humildes sempre ficaram em plano secundário em todas as épocas, arcando com ônus por vezes opressivo. O reinado de Herodes, o Grande, é um exemplo incontestável de que a parceria submissa com Roma podia produzir excelentes frutos. Esse rei, em que pese sua legendária crueldade, foi um mestre da arte política. Como vimos, ardilosamente fez-se amigo de Roma para ganhar o reino da Judéia das mãos do próprio imperador. Era um príncipe de origem iduméia, um judeu não autêntico aos olhos dos demais conterrâneos. Ademais, sempre se mostrou favorável aos romanos e apreciador de sua esplendorosa cultura. E não é para menos, pois tudo o que conseguiu na vida foi por obra e graça de Roma, sem desfazer do seu pragmático pai que lhe ensinou desde o berço como tirar proveito do poder dos senhores do mundo. Os sacerdotes o odiavam intimamente por tudo o que representava, sem enxergar-lhe os méritos. Sempre movidos por mesquinha misantropia, queriam um judeu autêntico. Não sabemos até que ponto Herodes era sincero na política pró Roma. Decerto se esmerava em pagar fielmente os tributos e manter uma política de cordial subserviência, usufruindo as boas graças do imperador. Note-se que isto não foi empecilho para realizar uma administração eficiente e próspera. Construiu grandes obras, entre elas a cidade de Cesárea. O nome da cidade foi uma homenagem a César, seu suserano. Deixando de lado as despeitadas críticas da oposição, significou o acréscimo de uma bela cidade judaica que enriqueceu o país. Os romanos agiram benevolamente com os judeus no tempo de Herodes sem sombra de dúvida. E, posteriormente, mantiveram a mesma política, dividindo o poder judaico entre seus filhos. Quando um time está ganhando não se muda de tática, nem se trocam os jogadores, pois é a lei do bom senso. Não há registro igualmente de miséria anormal em seu reinado. Nunca ocorreu uma revolta popular contra Herodes. Na verdade, pode-se presumir que não era difícil arranjar trabalho e ganhar o pão diário trabalhando nas múltiplas megas construções do incansável rei, erguidas em plena e salutar paz, uma dádiva romana. Ademais, pobres e miseráveis sempre existiram e existirão em qualquer lugar. O Egito, as cidades gregas, a Síria, enfim, uma multiplicidade de povos submeteu-se de bom ou por mal grado e todos subsistiram. Aceitaram prudentemente o jugo da mais adiantada cultura da época e berço esplêndido da civilização ocidental. Ganharam mais do que perderam sem dúvidas. Se a vida não era boa com os romanos, romanos, pior seria sem eles. Na Pax Romana as províncias podiam prosperar quando bem administradas. O caso de Herodes é um exemplo flagrante. Se os judeus tivessem apoiado a política herodiana de
convivência pacífica continuariam a usufruir um belo destino. Não estariam em pleno século XXI a disputar sangrentamente um pedacinho de terra tomado de modo controverso aos árabes. Aliás, insignificante se comparado com o tamanho original da Judéia dos tempos de Roma. Israel seria um poderoso país, com enorme população e riquíssima cultura. Não teriam sido obrigados a viver como judeus errantes pelo mundo afora, sofrendo incompreensões mil através dos séculos, merecidas ou não. Se tivessem sido realistas, teriam evitado a convivência compulsória com povos hostis à identidade judaica e viceversa. Havia um drástico exemplo anterior. Cartago fora arrasada quando Roma não era ainda tão poderosa. Na época de Jesus Cristo, o império estava em pleno apogeu, quase imbatível. Quase, porque Marcos Antonio tinha se saído mal ao combater o império dos partos. Outro exemplo é-nos dado pelo famoso general romano, Crasso. Ele e o filho perderam seus soldados e suas vidas numa tentativa fracassada. Este admirável povo, que originou a Pérsia e depois o Irã, preservou o seu império na época romana. Por várias vezes derrotaram as legiões quando Roma tentou expandir-se rumo ao Oriente. O riente. O que teria acontecido se o judaísmo houvesse aceitado Jesus como o Messias prometido? Certamente, os judeus não teriam se rebelado contra o jugo romano em 66 d.C. Os apóstolos eram visceralmente contra qualquer tipo de violência. Jesus Cristo é o símbolo da paz plena e irrestrita. Assim, iriam optar sabiamente pelo convívio mais cordial possível com os romanos. Sua arma seria aquela que o Mestre lhes concedeu - o amor e não a espada. Uma escassa minoria de judeus, contra todas as previsões mais pessimistas conseguiu multiplicar o número de adeptos de Cristo numa maré crescente até converter Roma. O amor de Cristo acabou por submeter docilmente o leão romano sem a perda de uma única vida humana, além dos mártires cristãos. Ora, se toda a nação judaica tivesse se alinhado ombro a ombro, talvez não fosse necessário aguardar três séculos por um Constantino. Aos judeus estaria reservado o papel de povo mais notável da terra, um farol a iluminar a humanidade, literalmente o povo eleito no exercício da mais nobre e transcendental missão. Formariam o núcleo do Judaísmo vivificado - o Cristianismo - como arautos da paz universal. Se os judeus tivessem recebido o Messias de braços abertos, o mundo se encontraria espiritualmente algumas centenas de anos à frente, caminhando tranquilamente em busca de seu destino final - ser uno com o Criador. Jamais teria ocorrido o Holocausto perpetrado por Hitler e, talvez, não fosse necessário o surgimento de uma terceira religião originada do Livro - o Islamismo. Decerto, o fanatismo religioso não frutificaria dando margem à Inquisição, às cruzadas, entre outras centenas de distorções. O ser humano semeia ventos e surpreendese quando se vê colhendo tempestades. Aí, exclama com ar de inocência: “Por que está acontecendo tais desgraças conosco? Somos uns anjinhos!”. Entretanto, anjinhos!”. Entretanto, como diz o adágio popular, “Deus escreve certo por linhas tortas” e tudo termina por acontecer conforme seus desígnios. O bem há de prevalecer sobre o mal, não importa a dureza dos corações humanos. Retornemos à narrativa no Templo de Jerusalém. De repente tudo começou a tremer causando pavor. O véu do Santuário rasgou de alto abaixo em decorrência da visível oscilação de duas colunas laterais. Iniciou-se uma confusão horrível. O terremoto surpreendeu a todos, deixando os presentes com um sentimento de terror estampado nas faces. As pessoas saíram espavoridas ao sentir a terra tremer. Aos poucos a comoção geral
foi se amainando. Os sumos sacerdotes, refeitos do pavor momentâneo, passaram a agir como de costume. Preocupados agora com os crucificados, decidiram pedir a Pilatos autorização para quebrar-lhes as pernas. A ideia era apressar as mortes e tirá-los da cruz antes do amanhecer de sábado. Mal amainara a comoção que fizera a cidade paralisar de tanto medo, lá estavam os príncipes dos sacerdotes para conseguir a autorização. Pilatos franziu os cenhos quando os viu e querendo se desvencilhar deles concordou sem delongas, mandando auxiliares para executar a ordem. José de Arimatéia, membro do Sinédrio apresentou-se a seguir pedindo-lhe uma audiência. Ainda imerso em pensamentos conflitantes e com os nervos abalados, Pilatos ficou muito surpreso com o pedido do alto sacerdote. Queria permissão para providenciar um enterro condigno a Jesus, um homem condenado à morte degradante na cruz. Chamou Abenadar para certificar-se se o Nazareno estava realmente morto como lhe asseverava José. O centurião o confirmou, descrevendo os seus últimos momentos e o imprevisível terremoto que se seguiu. O legado surpreendeu-se com a notícia da morte rápida de Jesus. Sabia que os dois ladrões ainda estavam vivos. Concedeu docilmente permissão a José de Arimatéia, uma forma de aliviar a consciência atribulada pela conduta anterior. Sentiu até um regozijo íntimo, pois sabia o quanto ficariam contrariados os raivosos sacerdotes. Eles desejavam enterrá-lo de uma maneira vil, juntamente com os ladrões. Abenadar foi o executor desta última ordem de Pilatos, partindo ligeiro para tirar Jesus da cruz e entregálo ao bom fariseu. José reuniu-se logo a Nicodemos para tomar todas as providências necessárias. Enquanto isso, um silêncio mortal imperava no Calvário. A Mãe do Senhor, João e as devotadas amigas, todos imersos em profunda tristeza, velavam o corpo do Cristo. O céu escurecia fazendo crer aos amigos de Jesus que a natureza compartilhava de luto a sua dor. Surgiram alguns soldados com cordas, escadas e ferramentas metálicas destinadas a quebrar as pernas dos condenados. Inicialmente não acreditaram que Jesus estivesse realmente morto. Chegaram a colocar a escada apoiada na cruz, mas os sinais visíveis eram por demais evidentes. Afastaram-se e foram quebrar as pernas e os braços dos ladrões em várias partes. Puseram as escadas e sem demonstrar qualquer emoção os liquidaram em minutos. A seguir, levaram os corpos dos ladrões para uma área pantanosa perto do Calvário. Não chegaram a mexer em Jesus Je sus cumprindo a mensagem recebida do governador. Não obstante, alguns dos soldados ainda temiam que estivesse vivo. Preocupados em desvencilhar-se de qualquer responsabilidade perante os superiores, alguns sugeriram quebrar-lhe os membros. Cassius, o imediato de Abenadar, ante a dor da Mãe de Jesus e das mulheres amigas, decidiu evitar tal brutalidade maior embora com uma menor. Elevou a lança e atingiu o lado do coração transpassando o corpo até o lado oposto. Sangue e água fluíram das aberturas feitas pelo golpe único dado. Nossa Senhora sentiu-se como se fosse em si mesma aquela violação do corpo do querido filho. A água que verteu de um Cristo sem vida é motivo para inúmeras elucubrações até os dias de hoje. A tradição nos diz que Cassius viria a se converter transformando-se em diácono. Abenadar também se tornaria cristão. A morte de Cristo, como previsto, seria a semente inicial que ao desaparecer daria ensejo a muitas espigas e estas por sua vez a outras sementes. É um ciclo crescente e infindável. Se a semente não for plantada, permanece solitária e não frutifica. O Filho do Homem tornou-se a semente divina lançada pelo
Criador. Não se destinava a produzir uma colheita para nutrir os corpos, mas aos espíritos, uma vez que “nem só de pão vive o homem”. Os primórdios do cristianismo haviam começado depois da Paixão de Cristo. Contudo, naquelas horas de incomensuráveis lamentos não se vislumbrava nenhum futuro promissor. Parecia ser o ponto final na saga do Messias de Nazaré. Havia uma sensação geral de perda e derrota total. As forças do anticristo haviam saído vencedoras em primeira instância. O Filho do Homem jazia morto e tudo relativo a Ele parecia extinto em caráter perpétuo. Não havia lugar para esperanças, somente conformismo e tristeza. Todos Ignoravam estar vivendo o maior acontecimento da história da humanidade - o nascimento de uma nova era. A partir daí, passaria a ser contada antes e depois de Cristo. Deus, num rasgo de bondade, evidenciara-se aos homens para dar-lhes por meio de seu Filho um exemplo inigualável de como deveria comportar-se o gênero humano. Na primeira fase, o judaísmo estabeleceu regras restritas, preceitos tribais destinados ao homem em estado espiritual primário. Foi quando Deus inspirou os dez mandamentos ou comandos a Moisés. Sob uma forma autoritária, visava transformar o homem de fora para dentro por ser mais fácil o entendimento aos espíritos incipientes de uma cultura rudimentar. Agora, na segunda fase, Deus ensinava que a primeira era elementar e insuficiente. O homem haveria de evoluir essencialmente de dentro para fora mediante a prática do amor. Jesus Cristo - o Filho de Deus - em obediência ao Pai deu a prova máxima do amor divino ao ofertar a própria vida física em prol dos semelhantes. A religião de Abraão e Jacó não seria mais aquela mesmice de um povo encerrado em seu próprio ego, quando o semelhante resumia-se a outro judeu e, ainda assim, se fosse um amigo. Todos os demais eram considerados inimigos. No entanto, segundo a vontade divina, a religião tradicional deveria ser mais que uma simples religião, tornando-se uma nova maneira de ser e pensar, uma verdadeira revolução espiritual. Em resumo, uma religiosidade primária e restrita deveria originar uma espiritualidade superior e sem limites. Seria uma oferta fundamental ao ser humano para permitir-lhe o aperfeiçoamento integral. A maior parte dos judeus não aceitou Cristo porque não haviam concluído a primeira fase. Era lerda no aprender porque dura de coração. Apenas se fingiam de mestres com grande sapiência como os fariseus e saduceus, mas viviam acobertados por um belo manto de hipocrisia e falsa moral para esconder a malícia e perversidade de seus corações. Eram semelhantes a “sepulcros caiados, belos por fora e cheio de sujeiras por dentro”, como observou Jesus. Naquele momento culminante da Paixão, Nicodemos e José de Arimatéia, representantes autênticos do bom farisaísmo, colocam as escadas apoiadas na cruz. Começam a despregar os pés e mãos do Senhor com cuidadoso desvelo. O centurião Abenadar, o novo aliado de Cristo, ficou em baixo aguardando prestativo para amparar o corpo que foi descido suavemente. Jesus havia morrido nas mãos rudes dos inimigos. Agora, mãos delicadas e reverentes, guiadas pelo amor, receavam acrescentar mais sofrimento ao Messias. Os olhares se concentravam no semblante sem vida e marcado pelo suplício de Jesus. Os lábios do Messias que anunciara a salvação ao mundo pareciam eternamente silenciados. Uma sensação de perda irreparável oprimia as almas dos homens de boa vontade. A humanidade achava-se órfã diante da perda irremediável de seu guia espiritual -
o Filho de Deus. Um ambiente de tristonha resignação se seguia ao pesadelo maior. Era uma calmaria eivada de serena tristeza, sucedânea da mais devastadora tempestade. O bem se lastimava dos danos causados pelas forças destruidoras do mal. O corpo de Jesus, embrulhado em lençóis de linho, foi colocado em um tecido espalhado no chão. Nossa Senhora, testemunha indefesa durante a Paixão, finalmente juntava-se ao filho amado, oportunidade única para contemplá-Lo com a doçura que só as mães amorosas são capazes. Acariciou as faces manchadas de sangue e ternamente osculou-as murmurando doces palavras numa tentativa de compensá-Lo compensá -Lo pelos sofrimentos. Madalena manifestava igualmente terno carinho porque sabemos que era a amada do Senhor. As amigas ajoelhadas prestavam assistência com água e unguentos. Cassius, o soldado que se tornaria cristão, tornou-se o amigo amigo certo das horas incertas. Prestativo, foi em busca de água na fonte de Gihon. Os inúmeros ferimentos de Jesus haviam sido preenchidos com unguento. A seguir, envolveram-no com panos de linho. Antes que lhe cobrissem o rosto, a Mãe do Senhor despediu-se pela última vez de seu filho amado, abraçando-o e dizendo-lhe meigas palavras. João amparou-a para que se afastasse, permitindo a Nicodemos e José de Arimatéia a incumbência de trasladar o corpo para um sepulcro próximo aberto na rocha. Os dois santos fariseus haviam trazido mirra, incenso e ervas, um exemplo memorável da sincera amizade ao Mestre amigo. Madalena verteu bálsamo precioso em Jesus. Colocaram depois o corpo num lençol mortuário ofertado por José de Arimatéia. Formou-se um pequeno grupo. Nicodemos, José de Arimatéia, João e o centurião Abenadar iam à frente apoiando o corpo nos ombros. Nossa Senhora e as solidárias amigas vinham atrás, contritas pela enorme dor de uma perda irreparável. Logo chegaram ao jardim de José de Arimatéia. Há uma tradição narrando que José de Arimatéia foi preso por ordem de Caifás. O insaciável ódio deste anticristo agora se concentrava na pessoa do santo fariseu, tachado de deslavado traidor. O bem-aventurado sacerdote por amor a Jesus não se furtou ao empenho admirável de prestigiá-lo depois de morto. Oferecendo um exemplo memorável de coragem e desprendimento, colocou em risco a sua invejável posição e a própria vida. Em represália, foi encerrado em uma torre pelos guardas do sumo sacerdote que pretendia matá-lo de fome e sede. Estranhamente, a Igreja não consagrou José de Arimatéia e Nicodemos oficialmente como santos do cristianismo. Eles assumiram de peito aberto um destemido amor pelo Messias, apesar da reação execrável dos inimigos. Revelaram desprendimento e coragem incomensuráveis. Isso ocorreu na ocasião em que os próprios discípulos do Mestre escondiam-se temendo pelas próprias vidas. O que mais se poderia exigir de ambos? Não há nos Evangelhos muita informação sobre o nosso Nicodemos, além de ser um importante fariseu membro do Sinédrio e admirador de Jesus Cristo. No entanto, o historiador judeu Josefo menciona um certo Nicodemos ben Gurion, que se opôs à rebelião judaica contra Roma no século I d.C., decerto influenciado pelos ensinamentos de Cristo. Trata-se provavelmente do mesmo homem, uma vez que Nicodemos não era um nome comum. O Talmude faz referência a Nakdimon ben Gurion, originário da Galiléia. Seria um elo para explicar a sua afinidade com o Nazareno. Nicodemos é a versão grega de seu nome.
É dito que perdeu sua fortuna no fim da vida e acabou sendo martirizado o que torna ainda mais verossímil essa versão. No Evangelho surge uma impressionante referência aos mortos quando Jesus deu o último suspiro na cruz: “Abriram-se “Abriram-se os sepulcros e muitos corpos de santos, que dormiam, ressuscitaram; E, saindo dos sepulcros depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram a muitos”. (Mateus 27.52). Nesta ocasião, como vimos anteriormente, o véu do santuário se rasgou em duas partes e ocorreu um terremoto. Foram três fenômenos espetaculares e intrigantes que exigem uma interpretação à luz da razão. Lembramos que cerca do meio dia “houve trevas sobre toda a terra” até às três horas da tarde. A natureza ofereceu um extraordinário e surrealista cenário, tão intimidante que deixou o povo perplexo. Quanto ao verossímil terremoto, estamos diante de uma questão de fé. A coincidência foi tão grande que aos crédulos somente significaria um sinal dos céus, traduzido por clara reprovação aos que martirizaram Jesus Cristo. Aos incrédulos, no caso os sacerdotes e escribas, os fenômenos ocorreram devido a uma simples simultaneidade casual. Aceitar a primeira opção significaria reconhecer que mataram cruelmente um inocente. Se houve um terremoto, explica-se também o porquê do véu rasgar-se. Seria devido ao abalo das estruturas do templo em decorrência do estremecimento do solo, mas houve por assim dizer uma precisão notável ao dividi-lo em dois pedaços. Do modo como nos relatam os Evangelhos, não resta dúvida que Deus desaprovou as perversidades judaica e romana. Foi uma manifestação enfática e inconteste do seu desagrado. É mais difícil encontrar uma explicação plausível para a aparição dos mortos como se fossem zumbis a perambular pela cidade. Somente Mateus nos oferece esse relato fantástico. Havia uma crença farisaica que os mortos ressuscitariam no dia do Juízo Final. É interessante observar que apesar dos fariseus serem criticados por sua hipocrisia e falta de compaixão, o cristianismo desde os primeiros tempos adotou o seu princípio teológico. É uma raiz farisaica que fundamenta a religião cristã em sua versão terrena e entrelaça cristianismo e judaísmo sob a mesma visão comum que prioriza a matéria em vez do espírito. Não é de se estranhar porque um nasceu do outro. Muitas coisas haveriam de ser comuns, embora às vezes não percebamos num primeiro relance. Jesus Cristo era um judeu e nunca negou o judaísmo. A estranha rejeição dos fariseus contra Jesus se deveu a outros fatores espúrios, como já vimos. São Paulo, outro fariseu notável, viria ressaltar a raiz comum fazendo-a um fundamento básico da nova religião. O Velho Testamento devia respaldar a legitimidade do Messias davídico. A teologia se baseia na ressurreição de Jesus Cristo e na ressurreição final dos mortos. Esta crença fundamenta todas as demais. O próprio Saulo de Tarso acreditou tê-la comprovado pessoalmente no caminho de Damasco. Nunca duvidaria em toda a sua atribulada vida apostolar que estivera pessoalmente com Cristo, embora persista uma pergunta. Que tipo de Cristo viu exatamente Saulo de Tarso? Certamente, a resposta está nas próprias palavras do Apóstolo dos Gentios: “Jesus é a imagem de Deus”. E segundo o Filho de Deus: “Deus é Espírito”. Donde se conclui que a imagem do Espírito Universal só pode ser outro Espírito, a razão suficiente per si para afirmar São Paulo que “carne e sangue” não entrarão na dimensão adimensional ou celestial.
O que é ressurreição? É quando alguém que morreu aparece diante dos vivos de uma maneira integral e original. Não só espírito, mas também corpo. Aliás, nessa concepção a alma não é essencial. As pessoas devem surgir em carne e osso de uma maneira insofismável e indubitável. O judaísmo é caracterizado por profunda e infindável religiosidade, não obstante atada ferreamente à dimensão carnal do ser humano. Os saduceus nem reconheciam a existência da alma. Os fariseus não negavam a alma, porém colocando-a em posição secundária diante do corpo carnal, quase irrelevante ou inconveniente. Por isso, o incrédulo São Tomé, imbuído desta arraigada concepção, exigiu sem meias palavras: “Se o Mestre está vivo quero não só vê-lo, vê-lo, como ouvi-lo, tocá-lo, botar os dedos em seus ferimentos. Senão, não acredito!”. Cristo, como ser espiritual, seria um fantasma, uma figura ilusória que invalidaria o Seu pensamento e a Sua ação. Somente a “carne e o sangue” seriam capazes de refletir e endossar a realidade da visão farisaica tornando possível a credulidade. Voltando aos mortos vivos, é de estranhar-se que um acontecimento de tal magnitude tenha sido mencionado somente em Mateus. Os demais o omitem. Não se quer dizer que o fato não ocorreu, entretanto há que se avaliar com moderação. Milagres são acontecimentos sobrenaturais que surgem em decorrência de razões de extrema importância. Quando Jesus curava os doentes, fazia-o por piedade para livrá-los de um mal maior que os constrangia a tremendo sofrimento. Ao cego concedia a visão, ao aleijado a perfeição do membro, a quem faleceu o retorno à vida... Jesus chega a andar sobre as águas, mas o objetivo foi socorrer os discípulos em desespero no mar sob uma violenta tempestade. Ele igualmente transforma água em vinho a pedido de sua mãe. A família amiga que ofereceu a festa de casamento era tão humilde que ocorreu a falta do vinho no meio da confraternização. Mais que uma bebida, era um elemento essencial em qualquer comemoração a pleno contento na cultura judaica. Por amor a Nossa Senhora, aos anfitriões e convivas, Jesus aquiesce devolvendo a alegria ao casamento. Os milagres obedecem a uma lógica simples que os valorizam. Não são representações mágicas cujo fim é impressionar e entreter o expectador, nem criar situações absurdas ou bizarras. O que deve ter realmente acontecido foi que algumas pessoas com sensibilidade mediúnica viram espíritos de pessoas já falecidas. Certamente eram almas bondosas que indignadas fizeram-se notar em solidariedade a Cristo. Alguns dos que as viram acreditaram sinceramente que eram pessoas em carne e osso e assim o descreveram.
CAPÍTULO 15
A RESSURREIÇÃO
Na noite de sexta-feira, Caifás, apesar de desfrutar um ilusório triunfo por ter levado o Messias ao padecimento na cruz, ainda sentia uma inquietude demoníaca. Lembrando-se de que Jesus previra a sua ressurreição três dias depois de morto, entrou em deliberação no Templo com vários sacerdotes. Logo no início da manhã, uma comitiva dirigiu-se apressadamente ao palácio de Pilatos para exigir-lhe uma guarda redobrada, isto é, a máxima vigilância de modo a impedir que o corpo fosse roubado. O legado romano pensava a esta altura haver-se livrado dos impertinentes judeus. Eis que para seu desagrado surgem exacerbados como sempre e a dizer-lhe: “Senhor, aquele embusteiro quando ainda estava vivo afirmou: Depois de três tr ês dias ressuscitarei, portanto o certo seria ordenar que o sepulcro fosse vigiado até o terceiro dia; caso contrário, seus discípulos poderiam vir roubá-lo roubá- lo e dizer às pessoas: ‘Ele ressuscitou dos mortos’ e o último erro seria pior que o primeiro”. (Mateus (Mateus 27.63-64) Pilatos, já emocionalmente estressado devido ao assédio avassalador dos sacerdotes durante o julgamento, preferiu se esquivar, transferindo-lhes a maçante responsabilidade. Respondeu: “Aí tendes uma guarda; ide e vigiai o sepulcro como bem vos parecer”. Assim, cedeu-lhes a soldadesca para que cuidassem da vigilância da melhor forma, livrando-se deles. A guarda, em chegando ao sepulcro, certificou-se primeiro de que o corpo do Crucificado lá estava. Depois selaram a pesada pedra redonda com cordas corda s da maneira usual e passaram a revezar-se em turnos, bem atentos ao que se passava em volta. Eles, precavidamente, haviam levado candeeiros amarrados às extremidades de postes compridos de modo a facilitar a visualização do local durante a noite. Enquanto o corpo de Jesus era vigiado, segundo a tradição, amigos de José de Arimatéia conseguiram libertá-lo da torre onde estava aprisionado. Através do telhado, jogaram a ponta de um lençol ao qual se agarrou e, assim, puderam içá-lo. Os consternados discípulos estavam a indagar-se se José, àquela altura dos acontecimentos, havia sido assassinado e ficaram assaz aliviados ao tomarem conhecimento da fuga. Eles sabiam que fora enclausurado por ordem do sumo sacerdote. O notável fariseu amigo de Jesus fugiu naquela noite para Arimatéia, cidade onde nasceu. Lá, permaneceu escondido o tempo suficiente para as coisas serenarem. Algum tempo depois Caifás seria destituído do cargo de sumo sacerdócio, possibilitando o seu retorno em segurança a Jerusalém. No ambiente em torno da tumba do Senhor reinava calma e tranquilidade. Uma meia dúzia de soldados fazia a guarda. Cassius, o imediato de Abenadar, assumira uma atitude de contemplação, meditando decerto sobre os inusitados acontecimentos da Paixão do Cristo. Súbito, o solo tremeu violentamente desde a base da elevação propagando-se à parte mais alta onde se localizava o sepulcro. Nesta hora apareceram Maria Madalena, Maria Salomé, Maria, mãe de Tiago, e outras amigas, trazendo ervas aromáticas com a finalidade de prantear o corpo de Jesus Cristo. Elas, antes de despontar o sol, saíram para visitar o túmulo, mas não sabiam que ali havia uma guarda desde o dia anterior. Não haviam estado no sepulcro no sábado porque era consagrado ao descanso ritual. Somente um pensamento as preocupava: Quem removeria para elas a pesada pedra da entrada do túmulo? Ao chegarem, já assustadas com o repentino tremor de terra, se deparam com sentinelas traumatizadas estendidas no solo e “olhando viram que a pedra já estava removida”. (Lucas 16.4). O Evangelho de Mateus nos diz que: “houve um grande terremoto; porque um anjo do Senhor desceu do céu, chegou-se, removeu a pedra e assentou-se sobre
ela. O seu aspecto era como um relâmpago, e sua veste alva como a neve. Os guardas tremeram espavoridos, e quedaram-se quedaram-se como se estivessem mortos”. As mulheres estancaram com medo na entrada do jardim do sepulcro. Maria Madalena adiantou-se com destemor, seguida por Salomé, até ficar de frente com um anjo que tinha a aparência de um jovem vestido de branco e encontrava-se assentado ao lado direito do túmulo. Deve ter-lhes causado certo medo porque procurou acalmá-las dizendo: “Não vos atemorizeis; buscai a Jesus, o Nazareno que foi crucificado; ele ressuscitou, não está mais aqui; vede o lugar onde o tinham posto”. po sto”. (Lucas 16.6). Não é explicado se elas sabiam de imediato que o jovem era um anjo, mas decerto havia algo inusitado em seu aspecto, talvez uma brancura radiante que é comum aos a os espíritos muitíssimos elevados. Elas constataram o túmulo vazio. Quando se retiravam do local surpreendem-se ao ver Jesus vindo ao seu encontro, dizendo-lhes: dizendo-lhes: “Salve!”. Elas ficam maravilhadas e Jesus acalmou-as: acalmou-as: “Não temais. Ide avisar a meus irmãos que se dirijam à Galiléia, e lá me verão”. (Mateus 28.10). As mulheres partiram em euforia para anunciar aos discípulos que o Mestre havia ressuscitado como prometera. Estes estavam reunidos, mergulhados num clima de melancólica depressão, completamente desorientados pela trágica ausência do Mestre. Naquele ambiente só havia lugar para tristezas e lágrimas. O mundo aos olhos dos discípulos apresentava-se despedaçado em caráter irreversível. Não haveria retorno aos maravilhosos dias de luz e esperança quando o radioso Messias exercia os poderes divinos. Então, parecia-lhes invencível e capaz de revolucionar o mundo. As notícias sensacionais das amigas não foram capazes de vencer a profunda apatia em que se achavam por mais que desejassem fossem verídicas. Eram por demais céticos para aceitar um relato que julgavam fruto da fantasia feminina. Os apóstolos não haviam compreendido o Mestre com quem conviveram tão intimamente. Era-lhes ainda impossível compreender as palavras do Filho de Deus em extensão e profundidade. Ademais, naquela sociedade patriarcal as palavras das mulheres eram pouco consideradas. Acharam que a empolgação delas seria fruto da natural emotividade feminina que se manifestava em delírio coletivo. Elas amavam Jesus e queriam tanto vê-lo vivo que acabaram sendo vítimas de uma ilusão. Os apóstolos receberam as veementes declarações com compassiva amabilidade já que estavam igualmente unidos pela dolorosa perda do Mestre. Decerto, trata-se de devaneios das mulheres, comentaram entre si com afável tolerância. Alguns esboçavam um sorriso cético por vê-las tão excitadas sem motivo convincente. Pedro e João, embora compartilhassem do sentimento dos amigos, ficaram intrigados. Depois de instantes de indecisão, deixando-se vencer pela curiosidade, resolveram ir ao local para ver com os próprios olhos o que havia ocorrido. “Pedro, porém, levantandolevantando-se, correu ao local do sepultamento”, seguido por João. Este agilmente correu à frente, postando-se em frente ao sepulcro aberto e viu os lençóis, mas aguardou a chegada de Pedro. O apóstolo maior ao chegar constatou que nada mais havia senão os envoltórios de linho e o lenço que estivera sobre a cabeça de Jesus, ficando pasmo. Apesar da constatação, os discípulos “ainda não tinham compreendido a Escritura, que era necessário ele ressuscitar dentre os mortos”. (João 20.9). Ambos voltaram vo ltaram perplexos, porém sem alcançar o verdadeiro sentido das coisas. Maria Madalena, a amiga mais fiel ao Senhor voltou para o túmulo e lá permaneceu lastimando-se lastimando-se a chorar. Olhando para o interior do sepulcro “viu dois anjos vestidos de
branco, sentados onde o corpo de Jesus fora posto, um à cabeceira e outro aos pés. Então eles lhe perguntaram: Mulher, por que choras? Ela lhes respondeu: Porque levaram o meu Senhor, e não sei onde o puseram”. Madalena olhou para trás e viu um homem que julgou ser o jardineiro e perguntoulhe: “Senhor, se tu o tiraste, dizedize -me onde o puseste e eu o levarei”. Jesus, então, se deu a reconhecer ao saudá-la saudá-la de uma maneira inconfundível: “Maria!”. Madalena exclamou em hebraico: “Rabôni”, isto é “Mestre!”. Ela, cheia de alegria, quis alegria, quis tocar o Senhor, mas este lhe recomendou que não o detivesse porque ainda não havia subido ao Pai. Maria correu aos discípulos para contar maravilhada que vira o Mestre pessoalmente e, inclusive, haviam falado entre si. Alguns dos guardas haviam ficado paralisados de tanto pavor diante da fulgurante aparição e desaparecimento do corpo do Cristo. Em estado de extrema excitação regressaram à cidade para avisar aos sacerdotes sobre o incrível ocorrido. Os alarmados religiosos reuniram-se às pressas em eventual conselho com os anciãos e escribas. Deliberaram que a notícia não poderia ser divulgada porque ficariam em embaraçosa situação; expostos ao risco de ficar desmoralizados diante do povo. Como de costume, resolveram apelar para o suborno, comprando o silêncio dos soldados com polpudas propinas, mas exigindo que divulgassem somente informações convenientes ao Sinédrio. Deviam dizer que os discípulos vieram à noite e roubaram o corpo enquanto a guarda dormia. “Esta versão divulgou-se divulgou-se entre os judeus até ao ao dia de hoje”. ( João 28.15). Estranhamente, os judeus não estavam presentes durante a ressurreição do Cristo ocorrida cedo na manhã de domingo, embora Pilatos tivesse lhes dado plena liberdade para assumir a fiscalização da guarda. Não há menção nos Evangelhos de que os sacerdotes houvessem reforçado a guarda romana com elementos de sua confiança. A impressão que fica é a da ausência de qualquer guarda judaica adicional. Durante o sábado compreende-se que os judeus não fariam nada porque era o dia sagrado. Uma ideia é que o sábado ritual se estendia até o início da manhã de domingo. Os sacerdotes decerto confiavam na eficiência da guarda romana de Pilatos e conclui-se que os soldados que foram avisar os sacerdotes eram romanos. É impossível deixar de notar uma evidente contradição entre os Evangelhos. Em Mateus, um anjo explicou a Madalena e Maria Salomé que a razão de Jesus não estar no túmulo se devia ao fato de já haver ressuscitado. Cristo surge-lhes repentinamente quando se retiram do jardim, dizendo: “Salve!”. Elas ficam maravilhadas. Quando vão avisar aos discípulos sobre o desaparecimento do corpo já sabiam o motivo e haviam visto o próprio Jesus ressuscitado. Elas, “tomadas de medo e grande alegria, correram a anunciá-lo anunciá-lo aos discípulos”. Não há comentário comentário sobre a reação dos apóstolos à fantástica notícia. Em Marcos, após o anjo dirigir-lhes a palavra com a mesma finalidade narrada em Mateus, as três mulheres, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé, “fugiram do sepulcro, porque estavam possuídas de temor e de assombro; e de medo nada disseram a ninguém”. Deduz-se Deduz-se que Maria Madalena retornou ao túmulo e o Senhor lhe aparece aí, fazendo com que saísse correndo para transmitir a sensacional notícia aos apóstolos. “Estes, ouvindo que ele vivia e que fora visto por ela, não acreditaram”. Não há menção de que Pedro e João tenham ido ao túmulo.
O Filho do Homem surge redivivo, após ser crucificado, diante de sua amorosa e compassiva discípula, Maria Madalena Em Lucas, são dois anjos com vestes resplandecentes, em vez de um somente, que aparecem às mulheres “possuídas de temor”, dando-lhes dando-lhes a mesma mensagem. Elas vão avisar os discípulos. Apenas Pedro e João se dignam ir ao local constatar o ocorrido, uma evidência do profundo estado de desânimo dos apóstolos. Em João, no domingo, Maria Madalena “foi ao sepulcro de madrugada, sendo ainda escuro, e viu que a pedra estava revolvida e o túmulo vazio”. Sobressaltada, vai célere avisar aos discípulos do estranho ocorrido. Pedro e João, apesar do característico ceticismo dos apóstolos, movidos por compulsiva curiosidade dirigem-se ao local, constatando perplexos que falava a verdade. Não há qualquer menção de Madalena a respeito de um ou dois anjos no sepulcro. Simplesmente, ela viu a pedra removida e observou que o corpo de Jesus não lá se encontrava. Ainda em João, os apóstolos se retiram e Madalena “permanecia junto à entrada do túmulo, chorando”. Somente neste instante de amorosa aflição aparecem os dois anjos que lhe perguntam por que chora. É por causa do corpo desaparecido do Senhor, responde ela. Ao voltar-se para trás, percebe Jesus disfarçado na pessoa de um jardineiro, e por fim Ele acaba por revelar-se. Ela é, portanto, a primeira pessoa a ver Cristo ressuscitado. Vai contar as boas novas aos discípulos. O Mestre não apenas lhe apareceu, mas falou com ela. Não comenta o narrador a reação manifestada pelos discípulos. Concluindo, ficamos com os seguintes eventos comuns aos quatro Evangelhos: No amanhecer de domingo, as amorosas e inconsoláveis amigas, lideradas por Madalena, decidem sair juntas para visitar o sepulcro.
Ao se aproximarem do jardim do sepulcro ocorreu um tremor de terra, terremoto ou fenômeno semelhante. semelhante. A pedra do sepulcro sepulcro fora deslocada, deslocada, deixando deixando exposto o túmulo túmulo sem o corpo. corpo. Um ou dois anjos, junto ao túmulo, anunciam às mulheres a ressurreição de Jesus. Maria Madalena, só ou acompanhada, viu e falou com Jesus ressuscitado. Os discípulos não acreditaram na versão de Maria Madalena e das mulheres. Apenas Pedro e João dirigiram-se ao túmulo para aquilatar o relato de Maria. Os demais apóstolos permaneceram apáticos em completo ceticismo. Nenhuma pessoa presenciou a transcendental cena em que Jesus, corpo e espírito, ergue-se da sepultura já ressuscitado. Há uma explicação razoável para essas aparentes contradições nos Evangelhos. Foram momentos em que os discípulos e as amigas do Mestre achavam-se traumatizados, vítimas de estressante estado emocional. Os dias que assinalam o nascimento do cristianismo, mediante a ressurreição, impunham emoções redobradas, sendo inviável um raciocínio descontraído e tranquilo. O Novo Testamento, feito décadas depois da morte de Cristo e baseado na tradição oral, havia naturalmente que refletir a profunda comoção em que se encontravam todos, imersos em confuso desalento sem saber afinal o que realmente acontecia. Criou-se um clima psicológico que daria margem a algumas divergências entre os testemunhos sobre os episódios da crucificação crucificação e ressurreição. Em consequência da situação tumultuada, as versões retratariam uma aparente incoerência. Ela decorre da espontaneidade sincera dos narradores evangélicos. Se as quatro versões coincidissem nos mínimos detalhes, aí sim, seria evidenciada uma artificialidade ou falta de autenticidade. Mesmo hoje em dia, se várias pessoas presenciam um episódio, digamos um trágico acidente de carro que culmina em feroz briga ou morte, cada testemunha vai dar posteriormente uma versão individual, o que decerto pode dar margem a algumas contradições, embora haja coincidência nos aspectos principais. Apesar das mulheres testemunharem com convicção sobre a ressurreição de Jesus, os apóstolos comungavam um desconcertante ceticismo que hoje chega a nos chocar. Na verdade, essa dificuldade em compreender as palavras de Cristo e os acontecimentos depois da crucificação é perfeitamente compreensível. Jesus era, é e será sempre o Filho de Deus e os discípulos não passavam de homens humildes escolhidos por sua simplicidade. Eles constituíam o barro maleável que o Filho do Homem se disporia a moldar. O Messias almejava transformar simples pescadores, homens rústicos e sem maior instrução, oriundos da camada social mais desfavorecida, não só em sábios como igualmente em gigantes da fé, desprendidos no amor ao semelhante, na coragem moral e física, unidos pelo sublime ideal determinado pelo Pai. O objetivo divino era criar sábios que soubessem amar ou seres amorosos cheios de sabedoria. Amor e sapiência, eis aí resumidos o desejo do Criador. Os homens cultos da época pertenciam à privilegiada classe sacerdotal. Possuíam refinada instrução para a época e intensa religiosidade, mas eram prisioneiros de uma mente estratificada sob uma compreensão estreita da Lei Mosaica. Na verdade, só se preocupavam com as manifestações exteriores e superficiais da Lei, mas se revelavam incapazes de penetrar em seu valioso conteúdo e praticar a bondade plena em benefício do semelhante.
Eram duros de coração, propensos ao fanatismo, baseando-se cegamente nas observâncias regulamentar e ritualística da Tradição mosaica. Preocupavam-se excessivamente com a aparência das pessoas e menosprezavam o valor espiritual inerente a cada ser humano. Somente quem lhes parecia satisfazer os requisitos da Lei tinha valor para eles. Por isso, desprezavam os demais. Orgulhosos em demasia, envaidecidos ao extremo, situados arrogantemente no pedestal de sua alta posição social, julgavam-se superiores, mais sábios que todos e os únicos donos da verdade. Obliterados por esses aspectos negativos, facilmente dominados pela inveja e despeito, mostraram-se refratários à admirável pregação do Messias. Daí, para a crueldade sem limites seria apenas um passo. Jamais poderiam aceitar que um carpinteiro sem eira nem beira viesse propor algo novo e pudesse aperfeiçoar o judaísmo, menos ainda ser o propalado Messias das Escrituras, o herdeiro de Davi, o famoso rei dos hebreus, o símbolo máximo de uma época de glória e riqueza perdidas. Imerso no saudosismo do passado longínquo, o povo judeu vivia na intensa expectativa de um retorno aos tempos dourados de esplendor, quando resgataria sua plena identidade e concretizaria as grandiosas, mas ilusórias aspirações comuns. Além disso, o reino oferecido pelo Messias era um reino espiritual, um incompreendido reino dos céus. Eles queriam desfrutar um reino terreno, tornar real a promessa inebriante de um império tão magnífico como o dos Césares, onde se deleitariam na satisfação mundana de desejos e vaidades mil, pouco se lhes importando o enorme sofrimento humano daí decorrente. Seria a vez do povo de Abraão desforrar-se em caráter definitivo, vingando-se com incontida truculência de um mundo hostil. Podemos contar a dedo os fariseus que se sensibilizaram com a doutrina de Cristo. Os Evangelhos citam nominalmente apenas José de Arimatéia e Nicodemos, ilustres membros do Sinédrio. Pode-se acrescentar Sirac, outro sacerdote do Sinédrio, marido de Verônica. Esse fariseu justo ombreou-se com José e Nicodemos na defesa de Jesus. Com otimismo, supomos que houve outros simpatizantes, talvez os amigos dos citados sacerdotes. No entanto, seria uma temeridade ao homem comum defender ostensivamente o Nazareno. Havia muito a perder e nada a ganhar, segundo a visão terrena. Sendo assim, compreende-se porque o Mestre escolheu pessoas simples do povo como discípulos. À primeira vista, pode causar estranheza já que pareciam completamente despreparados para tal projeto de universal magnitude. Entretanto, foram selecionados exatamente porque eram espíritos sem preconceitos, espontâneos e ingênuos, como os de crianças inocentes. Assemelhavam-se a livros com páginas em branco onde o Messias encontraria espaço acolhedor para inscrever as mais belas páginas do amor divino. Em suma, aqueles homens aparentemente simplórios ofereciam uma mente aberta às novas ideias que enriqueceriam a espiritualidade do ser humano. Não obstante, a transformação de rudes pescadores do mar em “pescadores de homens”, como prometeu Jesus, não poderia se processar do dia para a noite. Seria um projeto de longo prazo que exigiria sangue, suor e lágrimas. Desde o primeiro contato com o Mestre, iniciou-se o aprendizado dos discípulos. Eles, mesmo quando não entendiam suas palavras, estavam aprendendo. Elas permaneciam em suas mentes como sementes valiosas que acabariam por germinar e levar à sábia reflexão. Na verdade, os apóstolos nem sabiam qual futuro os aguardava ao seguir fielmente aquele enigmático Mestre. Ele era uma incógnita não só para os discípulos, como
igualmente para os moradores da Judéia, incluindo os fariseus e saduceus. No entanto, o Messias provou saber de tudo, do primeiro ao último evento que ocorreria dali por diante. O Filho do Homem manter-se-ia em ligação direta e íntima com Deus, o Pai do céu, que lhe daria poder em cada momento de sua fulgurante e profícua passagem pela terra. Os discípulos ao abandoná-Lo, negá-Lo e traí-Lo, falharam de forma redundante com o Mestre na trágica vicissitude da Paixão, logo quando mais precisava deles. Ele, apesar dos graves pesares, não os reprovou, não os abandonou e nem desistiu deles. Muito pelo contrário, iria retornar em admirável esplendor celestial perdoando-os e provando, acima de qualquer dúvida, que era o Filho de Deus em pleno exercício do poder divino, conforme a vontade do Pai. E acima de tudo, que o amor deveria sempre prevalecer sobre o ódio, mesmo sendo uma atitude incompreensível ao homem comum. Assim, deu o exemplo maior e de forma definitiva da grandeza espiritual divina, ao ensinar que o amor fraternal é a meta final do ser humano, o elo de união com o Criador. Em resumo - Deus é amor . É um paradigma universal. O ser humano só é digno deste nome se for capaz de amar sem restrição, sendo assim, o termo cristão ultrapassa cristão ultrapassa toda e qualquer fronteira porque aquele que ama o semelhante, mesmo sem ter conhecimento da existência do Filho de Deus, é um cristão na cristão na mais ampla e profunda acepção da palavra. Cada ação, cada palavra, gesto ou olhar de Jesus era uma valiosa e inesquecível lição. Mesmo quando não estava fazendo milagres incríveis, o Mestre dos mestres mostrava-se uma inesgotável fonte de amor e sabedoria. Após a ressurreição, diante dos extasiados apóstolos, o Filho do Homem redivivo apontou-lhes a grandiosa missão que deveriam assumir de todo coração, levando-os ao arrependimento e à conversão de corpo e alma. Iriam cumpri-la por amor a Deus e ao semelhante com o sacrifício da própria vida. Fortalecidos no exemplo de Cristo, os aprendizes do Amor Divino não mais renunciariam à cruz. Eles a empunhariam com fervorosa coragem, tornando-se por sua vez grandes mestres e mártires inesquecíveis. Cada um representaria uma nova nova semente que em solo fértil iria germinar “uma por mil”, propagando o ciclo fecundo e infindável do cristianismo. Mateus nos diz que: “seguiram os onze discípulos para a Galiléia, para o monte que Jesus lhes designara”. designara”. Eles haviam sido avisados pelas mulheres da surpreendente aparição do Cristo, entretanto dominados pelo ceticismo não aceitavam o testemunho. “E quando o viram, o adoraram; mas alguns ainda hesitavam”. Lucas é mais prolixo que Marcos e Mateus na descrição das cenas após a morte de Jesus. Às vezes, nos limitamos a pensar somente nos onze discípulos como seguidores eméritos de Jesus. Dizemos onze porque sabemos que um deles perdeu-se de forma irremediável. Existiam, no entanto, outros que também amavam Jesus e eram importantes aos olhos do Senhor. Uma prova é que vai reaparecer para dois deles de uma maneira especial. Talvez fossem menos incrédulos que os onze discípulos, uma razão para a singular preferência. Dois desses outros discípulos de Jesus “estavam “estavam de caminho para uma aldeia, chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios”. Enquanto conversavam pesarosos a respeito do trágico desfecho sofrido pelo Mestre, logo aquele que havia semeado grandes esperanças nos corações dos seguidores, um caminhante desconhecido surgiu e entrou no diálogo, perguntando-lhes de que tratavam com tanto empenho. Um deles chamava-se Cleópas e ficou surpreso com a ignorância do estranho sobre os últimos acontecimentos sabidos por todos os moradores de Jerusalém. Deduziram tratar-se
de um forasteiro, pois começaram a contar-lhe contar- lhe os sensacionais feitos sobre: “Jesus, o Nazareno, que era varão profeta, poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo o povo. E como os principais sacerdotes e as autoridades o entregaram para ser condenado à morte, e o crucificaram. Ora, nós esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel; mas, depois de tudo isto, é já este o terceiro dia desde que tais coisas sucederam”. (Lucas 24.19). Explicaram ao novo amigo que algumas mulheres amigas foram ao túmulo visitá-lo na madrugada de domingo “e não achando o corpo de Jesus, voltaram dizendo terem tido uma visão de anjos, os quais afirmaram que ele vive. De fato, alguns dos nossos foram ao sepulcro e verificaram a exatidão do que qu e disseram as mulheres; mas a ele não viram”. (Lucas 24.23). Dos discípulos, São Tomé foi o que ganhou a fama de cético radical, mas pode-se concluir pelas palavras de Cristo que o apóstolo das Índias não estava sozinho na falta de fé. Os demais discípulos, sem exceção, queriam igualmente uma prova concreta e insofismável da ressurreição. O Mestre, sabendo disso, queria preparar-lhes o espírito para uma inconteste reaparição. Disse aos dois caminhantes: “Ó néscios, e tardos de coração para não crer tudo o que que os profetas disseram! Porventura não convinha que o Messias padecesse e entrasse na sua glória?”. O estranho discorreu então sobre todos os profetas desde Moisés, expondo-lhes o que estava previsto sobre a vinda do Messias. É interessante notar que nem desconfiavam estar na presença do próprio Jesus que, decerto, evitando assustá-los, preferiu de início ficar despercebido. Embora seguissem caminhos diferentes, os dois amigos convidaram-no para pernoitar juntos porque era quase noite. Diante da amigável insistência, o estranho aceitou a generosa hospitalidade. Certos detalhes são omitidos pelo narrador, mas presume-se que já em casa preparavam-se preparavam-se para comer. “E aconteceu que, quando estavam à mesa, tomando Ele o pão, abençoou-o, e, tendo-o partido, lhes deu. Então, se lhes abriram os olhos, e o reconheceram; mas ele desapareceu da presença deles”. ( Lucas 24. 13-31). 13-31). Os discípulos ficaram atônitos com a revelação e o súbito desvanecimento de Jesus, todavia não duvidaram nem por um segundo que haviam estado cara a cara com o Mestre. “E, na mesma hora, levantando-se levantando-se voltaram para Jerusalém onde se achavam reunidos os onze e outros com ele”. (Lucas 24.33). Note-se Note-se que a Cidade Santa distava sessenta estádios, uma boa caminhada, mesmo quando era costume percorrer longas distâncias. O incrível contato com o Mestre deixou-os em tal estado de euforia que não podiam adiar a feliz notícia. Os dois encontraram os demais em Jerusalém e ficaram surpresos ao saber que Jesus havia aparecido também a Simão Pedro. De repente, enquanto comentavam empolgados os testemunhos sobre a ressurreição do Senhor, eis que Jesus surge no meio deles, dizendolhes: “Paz seja convosco”. “Eles, porém, surpresos e atemorizados acreditavam estar vendo um espírito. Mas ele lhes disse: Por que estais perturbados? E por que duvidam vossos corações?”. (Lucas 24. 38). Cristo mostrou-lhes as mãos e os pés, convidando-os a apalpá-lo e verificar por si mesmo, “porque um espírito não tem carne nem ossos, como vede que eu tenho”. E mostrou aos assombrados discípulos suas mãos e pés. Eles quedaram-se alegres e
admirados, mas meio atordoados, ainda sem querer aceitar no que viam claramente. Aquele homem que fora massacrado, sangrado, crucificado e perdera o sopro da vida de uma maneira tão trágica e brutal, testemunhado por centenas de pessoas, ali estava em carne e osso, frente a frente, cara a cara, falando-lhes calmamente e, como sempre, cada palavra, cada gesto, cada olhar do Mestre era uma lição profunda de amor e sabedoria. O Filho de Deus, querendo dar um ponto final à perplexidade geral, pede-lhes algo de comer. “Então lhe apresentaram um pedaço de peixe assado e um favo de mel. E ele comeu na presença deles”. Jesus, “então lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras”. Nelas estava previsto que o Messias padeceria e ressuscitaria dentre os mortos no terceiro dia e foi o que realmente aconteceu. A missão dos apóstolos foi-lhes ordenada. Em seu nome deveriam pregar o “arrependimento para remissão dos pecados a todas as nações, começando de Jerusalém”. As palavras de Cristo revelavam a razão de sua vinda e descortinavam a grandiosa missão que os apóstolos deveriam desenvolver dali para frente: Inicialmente, confirmava que a vinda do Messias estava prevista nas Escrituras. Deus queria dar conhecimento ao povo eleito que o plano divino, iniciado com Moisés, deveria ter prosseguimento. A primeira fase fora ensinada, mas apenas parcialmente assimilada devido à lamentável inércia humana aos desígnios celestiais. Entretanto, a tolerância e amor divinos são inesgotáveis e o Criador não tem pressa. Um milhão de anos pode representar uma eternidade para o ser humano, mas para Deus significa um mero átimo. Ele almeja a plena perfeição de seus filhos a ser alcançada ao longo do tempo. O solo não estava de todo preparado para a semeadura, mas oferecia alguns pontos férteis e nos corações dos crentes poderia frutificar a mensagem do Messias - o Filho de Deus. Se assim não fosse, o cristianismo, a segunda fase do plano celestial, seria inviável quando bem começava. Posteriormente, é traçado o Caminho a ser trilhado para alcançar-se a lcançar-se a espiritualidade ideal. Começa pelo arrependimento e os pecados serão se rão perdoados na mesma proporção em que o homem perdoar o seu semelhante. Na prece ao Pai, Jesus ensinou-nos a pedir: “Perdoai os nossos pecados assim como nós perdoamos p erdoamos aqueles que nos tenham ofendido”. O ser humano para perdoar tem que saber amar, porque quem ama perdoa. O amor é a pedra fundamental do cristianismo e essência de Deus. Esta virtude suprema vai crescer através de uma auspiciosa caminhada em direção a Cristo. Por isso, disse: “Eu “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”.
Por último, é anunciado que o Judaísmo não deveria se encerrar no povo eleito, mas evoluir conforme o desejo divino. O judaísmo deveria libertar-se do círculo hermético da nacionalidade tribal, vencendo um vicioso egocentrismo que o mantinha isolado do mundo. A todos vendo e tratando como inimigos e de todos se tornando inimigo. Os judeus seriam durante séculos vítimas de um fenômeno psicológico complexo de ação e reação, judeus versus gentios e vice-versa. À semelhança da migração dos pássaros, era chegado o tempo de alçar voo rumo aos novos horizontes, cruzar altaneiro o espaço e lançar ninhos de fé valiosa em todos os cantos do planeta. Os judeus foram justamente escolhidos para esse fim magnânimo e universal. Levar a palavra de Deus a todos os recantos e confins da terra, incluídos todos os países e nações. O egoísmo deveria ser suplantado pelo altruísmo, a avareza pela generosidade, a crueldade pela bondade, o ódio pelo amor. Em resumo, o mal pelo bem.
Infelizmente, o povo eleito – “o povo de dura cerviz” - como o retratou um decepcionado Moisés, com profundo amargor no fim da sua longa e penosa jornada, em sua grande maioria não estava ainda preparado para acolher o plano divino, uma vez que o rejeitou com arrogância, desprezo e crueldade. Surge então a pergunta, por que não se esperou mais tempo? Decerto, Deus achou conveniente não mais aguardar para semear amor nos corações. Os homens são tardios em assimilar os ensinamentos, portanto, quanto mais cedo fosse iniciada a longa caminhada rumo à Luz, mais se reduziria o tempo de chegada ao celestial destino final. E se o povo eleito em sua maioria não era o “solo fértil”, nenhum outro o era . Os próprios discípulos, com exceção de São João, seriam todos martirizados durante a evangelização após a crucificação em vários países. Outra evidência clara é que os cristãos seriam perseguidos por séculos pelos romanos sob a mesma sanha assassina de Caifás. Nero, outro anticristo, vai tomar o bastão das mãos sangrentas do sumo sacerdote e empunhá-lo na corrida da maldade sem limites. A prepotência dos sacerdotes atingiu as raias do absurdo ao lançarem-se em impertinente disputa contra o próprio Deus. Isso foi antevisto pelo sábio Gamaliel, o ilustre fariseu do Sinédrio. Ele vai salvar Pedro, João e Felipe da morte inevitável, intuindo com inspirada prudência que o povo eleito estava se arriscando a afrontar os céus por ignorância dos desígnios divinos. João oferece-nos uma narrativa bem substancial das aparições de Cristo ressuscitado ao complementar os demais Evangelhos: “Ao cair da tarde daquele dia, o primeiro da semana, trancadas as portas da casa onde estavam os discípulos, com medo dos judeus, veio Jesus, pôs-se no meio, e disse-lhes: Paz seja convosco! Mostrou-lhes Mostrou-lhes as mãos e o lado”, onde a lança do soldado o ferira, dissipando qualquer nuance de descrença de modo a restaurar os ânimos e a fé anterior. Para os discípulos, sem seu corpo físico o Filho de Deus não passaria de um bizarro fantasma a ser ignorado com enorme temor. Eles faziam parte de uma arraigada tradição farisaica que se baseava numa visão terrena te rrena limitada à “carne e sangue”. Disse-lhes Disse-lhes outra vez: “Paz seja convosco! Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio. E havendo dito isto, soprou sobre eles, e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Se de alguns perdoardes os pecados, ser-lhe-ão perdoados; se lhes retiverdes ser-lhe-ão retidos”. Jesus concede o poder de perdoar aos apóstolos, apóst olos, um reconhecimento implícito de que eram santos consagrados pelos céus. Os discípulos teriam dali em diante a árdua missão de levar, eles mesmos, a cruz do Salvador. Isso significaria enfrentar os mesmos duros obstáculos impostos ao Mestre, sem receio de qualquer sacrifício, inclusive o da própria vida. Em compensação, é-lhes outorgado o poder de perdoar aqueles julgados merecedores. Jesus, no ato de soprar, simboliza que o Espírito Santo os acompanhará, guiando e protegendo. É a terceira pessoa da Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. Constitui um dos grandes mistérios do cristianismo, sendo uma característica única dentre todas as religiões, embora o Espírito Santo não tenha pátria, nem planeta, e esteja disponível a todos aqueles que implorem seu auxílio. E afinal o que é exatamente o Espírito Santo? Pode-se considerar como o Espírito de Deus derramado pelo Universo para permitir aos seres de boa vontade cumprir os seus desígnios. Ele age fortificando os que obedecem à sua vontade e querem espalhar o seu
Amor pela humanidade e pelo Universo. O Espírito Santo estava sempre com Jesus Cristo dando-lhe poderes extraordinários. Assim, fez milagres que pareciam inacreditáveis e conseguiu suportar com humildade e estoicismo o padecimento na cruz. “Jesus soprou soprou sobre eles”. Significa que o Espírito Santo estava Nele e podia transmiti -lo a quem quisesse por ser o Filho de Deus. O Espírito Santo pode beneficiar a incontáveis pessoas. Nunca perde a força porque Deus é Todo Poderoso, dispondo de poder infinito. A incredulidade de São Tomé é ressaltada porque estava ausente na ocasião da aparição de Cristo aos discípulos. Quando os companheiros de fé lhe afirmaram que o Mestre havia estado em carne e osso entre eles, declarou-lhes: declarou- lhes: “Se eu não vir em suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o meu dedo, e não puser a minha mão no seu lado, de modo algum acreditarei”. (João. 20.25). A exigência de São Tomé vai legar à tradição cristã um episódio fascinante onde o poder de Cristo é retratado de forma definitiva. Tornou-se um exemplo clássico do ceticismo humano. Ele considerou insuficiente que Jesus Espírito lhe aparecesse e pudesse comunicar-se ou conversar sem rodeios, o que já seria uma comprovação inequívoca da autenticidade e poder do Mestre. Afinal se “Deus é Espírito”, segundo as palavras do próprio Cristo à samaritana, bastaria ao seu Filho igualmente sê-lo. E não é para se estranhar, Pai e Filho são obviamente da mesma natureza, aliás, como todo pai e filho. A cria de um jacaré não pode ser um elefantinho, nem vice-versa. O invólucro carnal surge irrelevante neste caso. Não obstante, um ingênuo ingênuo Tomé queria ver Jesus em carne e osso, mas ainda assim não lhe bastava, era pouco. Exigiu tocar nas partes perfuradas pelos algozes, a única maneira insofismável de identificá-Lo porque, no seu entender, temia ser vítima de uma visão ilusória. Hoje em dia, o que mais existe nesse mundo são pessoas incrédulas, tanto ou mais que o famoso santo. A Terra é um lugar de expiação para seres espirituais em fase incipiente, isto é, primária ou elementar. Nosso minúsculo planeta pertence à dimensão da matéria e temos extrema dificuldade para compreender a existência de incontáveis dimensões espirituais, já que nos são intangíveis. A Terra é uma escola primária onde praticamos uma espiritualidade nível abc. abc. Em suma, estamos ainda na fase da barbárie, a razão de tanto egoísmo, incompreensão, inveja, ódio, disputas e guerras insensatas. O amor verdadeiro não artigo fácil de constatar. Não raramente irmãos matam irmãos e pais assassinam os próprios filhos ou vice-versa. O universo espiritual (etéreo) é visto como fantasmagórico pelo senso comum que não consegue entender como a vida pode se desenvolver plenamente fora do mundo caracterizado por “terra, carne e sangue” - aquele tangível aos nossos sentidos. Pelo nosso universo afora existem infinitos planetas. Muitos deles servem igualmente de escolas para seres espirituais que habitam corpos físicos similares aos nossos, uma vez que evoluem de maneira semelhante ao da Terra. Isso decorre porque só existe uma lei no cosmos - a divina. Existem civilizações mais ou menos adiantadas que a nossa através das galáxias. Resumindo, os seres espirituais originam-se igualmente da mesma Fonte Espiritual e os corpos físicos surgem em decorrência da evolução das espécies, um processo natural comum aos planetas e igualmente uma manifestação divina. Tudo obedece ao plano maravilhoso da Suprema Inteligência Multiversal. Vivenciamos incontáveis vidas ao longo da evolução material e espiritual do planeta Terra. Iremos colhendo em cada etapa futura as benesses que ensejamos a nós mesmos no
passado. O bem irá gradativamente suplantar o mal. Exemplo: mais alguns séculos e as guerras não serão mais que episódios históricos pitorescos. Um nível superior de espiritualidade propiciará o abandono dos litígios humanos por meio da violência e um senso admirável de amor e justiça prevalecerá. Um maravilhoso Novo Mundo de crescente espiritualidade irá se descortinando e usufruiremos o privilégio de presenciá-lo em incontáveis oportunidades. Seres espirituais imortais retornam seguidamente ao aprendizado em corpos físicos efêmeros porque assim deseja o Criador. Alguns bilhões de anos à frente e o universo da matéria se extinguirá. Nada preocupante porque o aprendizado elementar muito antes já terá sido atingido e continuaremos a nossa grandiosa jornada em universos adimensionais, verdadeiros paraísos se comparados ao nosso. O futuro é promissor e nada há a temer. Deus nos aguarda amorosamente. Voltemos novamente aos santos santos apóstolos. “Passados oito dias, estavam outra vez ali reunidos os seus discípulos e Tomé com eles. Estando as portas trancadas, veio Jesus, pôsse no meio, e disse-lhes: Paz seja convosco. E logo disse a Tomé: Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; chega também a tua mão e põe-na no meu lado, não sejas incrédulo, mas crente”. ( João 20. 24-29). 24-29). Satisfeitas suas rigorosas provas carnais não lhe restou alternativa senão render-se convicto à Verdade. Agora sim, acreditava sem sombras de dúvidas, Jesus era o Senhor, o Filho de Deus, e de uma maneira tão transcendental que entendeu formar uma única pessoa com o Pai, pois exclamou maravilhado: - “Senhor meu e Deus meu!”. - “Por que me viste, creste? Bem aventurados os que não viram, e creram” - afirmoulhe o Mestre, enaltecendo aqueles que percebem a Verdade, a realidade além dos simples sentidos. Basta-lhes a mente e o coração abertos para reconhecê-la. João descreve mais uma interessante aparição de Jesus aos sete discípulos no mar de Tiberíades. “Estavam juntos juntos Simão Pedro, Tomé, chamado Dídimo, Natanael que era de Cana da Galiléia, os filhos de Zebedeu e mais dois dos seus discípulos”. O grupo decidiu seguir Simão Pedro na pescaria, mas não estavam com sorte, uma vez que “naquela noite nada apanharam”. A madrugada clareava quando chegaram à praia, tendo ocasião de observar que um desconhecido lá se encontrava. Era Jesus que achou por bem não se revelar logo de imediato. Ele perguntou-lhes: perguntou-lhes: “Filhos, tendes aí alguma coisa de comer? Responderam-lhe: Responderam-lhe: Não”. Os apóstolos apóstolos estavam fatigados e assaz desapontados com a frustrada pescaria. Não é para menos, uma noite inteira de intenso labor sem a alegria singela de pegar um só peixe. O pedido daquele homem por algo de comer chegara num momento inconveniente, soando-lhes estranho aos ouvidos. Por isso, foram lacônicos, mas sinceros na negação. O solitário personagem, no entanto, devia ser bastante persuasivo porque quando lhes sugere que lancem a rede à direita do barco, eles, apesar de hábeis pescadores, obedecem. Não havia peixe do lado esquerdo e, sendo assim, por que haveria do lado oposto? Apesar deste intrigante aspecto, fazem o que lhes manda sem ponderar. Pode-se imaginar que uma premonitória intuição os guiou. Surpreendentemente, constatam que o estranho homem tinha razão. Havia muitos e muitos peixes! Tanto “que já não podiam puxar a rede, tão grande era a quantidade de peixes”. João, “o discípulo a quem Jesus amava”, evidencia sua indubitável afinidade com o Mestre. É o primeiro a perceber que as coisas aconteciam de maneira misteriosa e
miraculosa. E quem tinha o poder de fazer o impossível era Alguém muito conhecido por eles - o Mestre. Não lhe resta qualquer dúvida quando avisa com convicção ao apóstolo maior: “É o Senhor!”. O coração de Simão Pedro devia estar ardendo, dizendo-lhe a mesma coisa, uma vez que aquiesce às palavras do irmão de fé. Cefas vai partir para a ação convencido de que João fala a verdade. O impulsivo apóstolo não é homem de aguardar passivamente na barca o momento único de defrontar-se com o Mestre amado. Lança-se resoluto ao mar, nadando em direção à praia. Os outros continuam na faina árdua de arrastar a enorme quantidade de peixes. Eram tantos que se puseram temerosos da rede romper-se com o esforço, mas tal não aconteceu. Foram ao todo cento e cinquenta e três peixes grandes. Uma pescaria que por si só já seria algo inesquecível, no entanto outras coisas extraordinárias lhes estariam reservadas na praia. O Nazareno os aguardava com pão e peixe nas brasas e os convidou amigavelmente a comer. A estas alturas, “nenhum dos discípulos ousava perguntar-lhe: perguntar-lhe: Quem és tu? Porque sabiam que era o Senhor”. Ele tomou o pão e o peixe e lhes deu. Todos comeram e depois “perguntou Jesus a Pedro”: (João 21. 15-19). 15-19). “Simão, filho de João, amas-me amas-me mais do que estes outros? Ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Ele lhe disse: Apascenta os meus cordeiros”. Uma segunda vez, o Mestre repete-lhe a pergunta e obtém a mesma resposta. Jesus, entretanto, não se conformou com a dupla aquiescência daquele a quem dera a responsabilidade de ser a Pedra (Cefas) sobre a qual ergueria sua igreja. E indaga-lhe uma terceira vez. Diz o Evangelho que Pedro “entristeceu“entristeceu -se”. Achou que o Senhor não acreditava em suas palavras, não se convencia de sua fidelidade e devoção. Talvez, por ter vacilado flagrantemente em sua fé durante a Paixão. Será que o Mestre ainda não o havia perdoado, deve ter-se indagado contristado. Dentro deste espírito, Pedro reitera em caráter definitivo o amor ao Mestre: “Senhor, tu sabes todas as coisas, tu sabes que te amo. Jesus lhe disse: Apascenta as minhas ovelhas. Em verdade, em verdade te digo que, quando mais moço, tu te cingias a ti mesmo e andavas por onde queria; quando, porém, fores velho, estenderás as tuas mãos e outro te cingirá e te levará para onde não queres”. Jesus revela a Cefas o destino que lhe estaria reservado na velhice depois de uma vida heroica pela implantação do cristianismo - o martírio dos santos. Ele seria crucificado de cabeça para baixo, segundo a tradição. O Senhor perguntou-lhe três vezes porque por três vezes o apóstolo maior negou-O durante a Paixão. A cada vez que se omitiu correspondeu uma confirmação, pois muito dali por diante ser-lhe-ia exigido. Havia, por conseguinte, que se lhe oferecer o direito de negar-se à voluntária e sacrificada missão de evangelização, se ainda quisesse rejeitá-la. Simão Pedro mostrou-se dessa vez firme como a rocha inquebrantável, exatamente como se esperava dele. São Pedro não mais desapontaria o Mestre e daria a vida com alegria por Ele. Depois Jesus falou para Pedro: “Segue“Segue-me”. Talvez quisesse dar alguma instrução ao discípulo em particular. João era assaz espontâneo e chegado ao Mestre. Decerto, estava ao lado, ouvindo-os ouvindo-os atentamente. “Vendo-o, “Vendo-o, pois, Pedro perguntou a Jesus: E quanto a este? Respondeu-lhe Respondeu-lhe Jesus: Se eu quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa?”. Tornou-se corrente entre os irmãos a versão de que São João não morreria, aguardando a vinda de Cristo no Juízo Final. Obviamente, nem uma coisa e nem outra
aconteceu. Jesus queria referir-se somente ao modo como São João morreria. Simplesmente de causa natural em idade muito avançada, ao contrário de Pedro e de outros apóstolos. O discípulo “que Jesus amava” viveria até que o Mestre achasse por bem vir buscá-lo. Ele deveria ficar por longo tempo na terra para dar testemunho oral e escrito a respeito das coisas maravilhosas que presenciou a respeito do Salvador. O “apóstolo amado”, cuja vida por si só foi um poema ao amor fraterno, legou-nos o seu Evangelho, três Epístolas e o Apocalipse. São João, apesar dos seus inúmeros testemunhos, ressalva que se dispusesse a contar todos os prodígios a respeito de Cristo “nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos”. E tem razão, o Filho de Deus apresenta apresenta as infinitas facetas de uma personalidade divina e seria necessário um tempo ilimitado para descrevê-las. CAPÍTULO 16
JESUS, REI DOS JUDEUS? Fazendo-se um retrospecto, vimos em João que não fica perfeitamente clara a afirmação de Jesus de que era o rei dos judeus. Na verdade, em conversa com seus discípulos e, mesmo perante Caifás, constatamos que Jesus considerava-se o Messias prometido nas Escrituras e Filho de Deus. Os judeus nutriam a expectativa da vinda do Messias, do hebraico Mashiach, Mashiach, que quer dizer, o Ungido (do Senhor). Seria o rei que viria libertá-los do jugo estrangeiro e reconduzi-los à saudosa glória dos tempos de Davi. Este aguardado líder messiânico deveria ser obrigatoriamente um descendente do grande rei, símbolo máximo de uma era dourada de inesquecível esplendor. O termo Ungido origina-se da época do profeta Samuel, então maior autoridade em Israel. Ele ungiu Saul em obediência ao Senhor, que se lhe revelara dizendo: “Amanhã a estas horas te enviarei um homem da terra de Benjamim, B enjamim, e o ungirás como príncipe sobre o meu povo de Israel, e ele livrará o meu povo da mão dos filisteus. Porque voltei os meus olhos para meu povo, e o seu clamor chegou até mim”. (I Samuel 9.16). O povo de Israel, vendo Samuel envelhecido, aspirava ser liderado por um líder carismático e dinâmico como alguns povos vizinhos. O perigo vindo dos belicosos filisteus se avultava e as esperanças se concentravam em serem liderados por um rei jovem e de espírito guerreiro que os conduziria às almejadas vitórias. Não queriam mais uma teocracia e sim, um reino secular. A unção consistiu em Samuel pegar um vaso de azeite e derramá-lo sob a cabeça do altivo Saul. Por este singelo, mas significativo gesto, Samuel investiu-o da autoridade real. Saul torna-se o primeiro príncipe de Israel, findando a chamada fase dos juízes, da qual Samuel foi o último representante. Posteriormente, o profeta e Saul vão se incompatibilizar. Ele insistia em tutelar um Saul ainda inexperiente e dependente dele, mas desejoso de conquistar plena autonomia. Quando desobedeceu ao profeta, acabou por contrariá-lo e
caiu em sua ira. Saul vence os amalequitas, antigos inimigos, poupando unicamente o seu rei Agague, e o melhor das ovelhas e dos bois. Entretanto, antes da batalha, Samuel havia dado ao jovem rei ordens explícitas para matar sem compaixão “homens e mulheres, meninos e crianças de peito, bois e ovelhas, camelos e jumentos”, isto é, destruir totalmente tudo que tiver vida. Em represália, um furibundo Samuel despedaça na espada o rei Agague e renega cheio de ódio o seu pupilo: “Visto que rejeitaste a palavra do Senhor, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei”. De acordo com o Velho Testamento, um imprevisível Senhor fica do lado de Samuel, homologando não só o vingativo genocídio dos amalequitas, como também a matança dos seus melhores animais e repudia Saul, mal o havia indicado para o cargo real. Aliás, o Deus de Israel nunca gostou de usar a sua tão proclamada onisciência. Decerto, dando uma lição de humildade aos mortais, desdenhava de um futuro previsível, sinônimo de aborrecida mesmice. Seria o mesmo que assistir a filme de Hollywood por várias vezes. Assim, deixava as coisas acontecerem aleatoriamente de modo inédito. O destemperado Samuel, em obediência a estranha contraordem do Senhor, logo a seguir unge Davi. Este felizardo líder, após as convenientes mortes de Saul e Jônatas, o herdeiro real, em combate com os filisteus, surge como um rei bem sucedido em todos os empreendimentos, vindo a tornar-se o grande símbolo de Israel. Seu nome passa a ser sinônimo de um esplendor real inigualável, mercê de vitórias sucessivas sobre os inimigos externos ou internos, obtidas, segundo as Escrituras, por ser bafejado pela graça divina, seja para o bem ou para o mal, não importando as suas graves e numerosas faltas contra os céus. Nada faz mais sucesso que o próprio sucesso. Segundo essa ótica simplista, Davi simboliza o sucesso culminante do povo hebreu ao longo da história. Os seus pecados iriam acontecer mais por culpa de suas vítimas do que dele próprio, não importa quão errado estivesse. Nem quando manda matar Urias, um fiel e bravo capitão de seu exército, para vilmente tomar-lhe a bela mulher, Betsabé. E os imprevisíveis desígnios de Iahveh ainda ensejam que desta união espúria venha o futuro rei de Israel - Salomão. A expressão, “filho de Davi”, constitui um elogio para qualquer judeu até os dias de hoje. O período dos reis findou com a destruição de Israel por Nabucodonosor, rei da Babilônia, que exilou os judeus. Libertados depois por Ciro, rei dos persas, nunca mais alcançaram a soberania e grandeza da época de Davi. Assim, criou-se uma infindável expectativa onde todos ansiavam pela vinda de um rei enviado pelo Senhor. O novo Ungido, o Salvador de Israel, deveria ser um descendente de Davi, como herdeiro da sua autoridade e qualidades. No universo judaico, a fantasia e a realidade sempre conviveram entrelaçadas. Não se sabe quando termina uma e começa a outra. Dentro desse contexto místico, para que essa profetizada figura heroica fosse aclamada rei, inicialmente teria que ser reconhecida de fato como o Ungido pelo povo judeu. Pode-se ver aí uma correlação entre Samuel e João Batista. O profeta do Velho Testamento ungiu Davi em nome do Deus de Israel. João batizou Jesus, isto é, ungiu-o nas águas do Jordão, e “viu o Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre ele. E eis uma voz dos céus, que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo”. (Mateus 3.16). Em ambos os casos, o Senhor se manifestou homologando a escolha.
Estrela de Davi, símbolo maior do judaísmo e do saudoso rei de Israel Há, porém, uma flagrante diferença desfavorável ao Nazareno. Samuel exercia a autoridade suprema na teocracia das tribos de Israel, isto subtendia deter o poder religioso e político sobre o povo judaico. Ao escolher Saul, bastou simplesmente transferi-lo, se bem que não o fez plenamente e de boa vontade. É muito difícil para quem mantém o poder cedê-lo graciosamente. Como desfrutava de enorme prestígio e autoridade junto ao povo, conseguiu facilmente que aceitassem seu eleito. Saul era um homem de marcante presença, alta estatura, belo físico e agradável aparência, motivos suficientes para causar excelente impressão ao já ansioso e esperançoso povo. Em contrapartida, João Batista, “a voz que clama no deserto”, vindo, conforme previra o profeta Isaias, para preparar “o caminho do Senhor”, não dispunha de autoridade legal. Era, ao contrário do poderoso Samuel, um humilde profeta que pregava seus ensinamentos na periferia da cidade e situava-se à margem da sociedade influente de Jerusalém. Vivia em extrema pobreza, pobreza, usando “vestes de pelos de camelo e um cinto de couro; a sua alimentação consistia de gafanhotos e mel silvestre”. Surgindo neste contexto nada animador, Jesus de Nazaré se veria diante de um mundo hostil e teria contra si o intolerante stablishment judaico. Era uma soberba aristocracia sacerdotal que não se mostraria propensa a identificar-se com um pobre carpinteiro e, muito menos, recebê-lo de braços abertos. Ao contrário, se obstinaria em desprezá-lo e, mesmo, odiá-lo, chegando ao extremo da perversidade. Lembramos que João Batista por ter criticado a união do tetrarca Herodes Antipas com a sua cunhada Herodías, acabaria preso e degolado. A morte trágica do precursor foi por si só um desanimador prenúncio da tremenda hostilidade que o Messias enfrentaria. Na fase seguinte, o Messias seria coroado rei por entusiásticos admiradores. O Nazareno encontrava-se ainda na primeira, aceito como o Messias e Filho de Deus, mas apenas por reduzido grupo de discípulos e algumas pessoas crédulas, sensibilizadas por seus incríveis milagres e admiráveis ensinamentos. Entretanto, contrariando as expectativas gerais, parecia um Messias por demais estranho ao estereótipo gravado na mente popular. Além da origem humilde, não apresentava pretensão alguma a um reino temporal, contentando-se em ser tão somente um Mestre espiritual, embora assumisse a
condição de Filho de Deus. Oferecia uma mensagem sublime daquele que chamava seu Pai, sugerindo transcender o restrito mundo judeu e que se espalharia por todos os povos. Assim, Assim, desde o início da pregação, é coerente com suas palavras: “... o meu reino não é deste mundo.” Pilatos visualizou com clareza o perfil psicológico de Jesus, um líder religioso pacífico e fazedor singular de curas milagrosas. Não encontrou malícia nele e sensibilizado procurou defendê-lo: defendê-lo: “Não acho nele crime algum”, mas os inconformados sacerdotes repeliram a opinião do legado romano. Há, inclusive, outras possíveis interpretações entre os estudiosos sobre a afirmação sucinta que consta nos três primeiros Evangelhos. Nestes, ao ser perguntado se era rei, simplesmente diz: “Tu o dizes”. Em João, à mesma pergunta, responde com outra: “Dizes isso por ti mesmo, ou foram outros que to disseram de mim?”. Pilatos surpreende-se, surpreende -se, fazendo-lhe ver que a acusação parte dos sacerdotes e do seu povo e quer saber qual o motivo. Jesus explica-lhe explica-lhe que o seu reino é de natureza espiritual, “não é deste mundo” O governador insiste na pergunta crucial, a única cuja resposta poderia incriminá-lo: incriminá- lo: “És, portanto, rei?”, recebendo recebendo a mesma resposta constante nos outros evangelistas, acrescentando em João, todavia, que nascera para dar testemunho da Verdade. A Lex Julia Maiestates, Maiestates , decretada por Júlio César em 46 a.C. a .C. e redecretada por Augusto Augusto em 8 a.C. havia sido instituída para punir os crimes capitais que atentavam contra a majestade do imperador romano. Compreendia não só a traição pessoal ao César, bem como todas as acusações de insurreição, levante e subversão ou qualquer ato considerado ameaça ao poder de Roma. Alguns exegetas acham que a resposta: “Tu o dizes”, seria a negação da acusação, equivalente a: “Tu dizes que eu sou rei, mas não sou eu que estou dizendo”. E mesmo que o fosse seria um reino fora da percepção dos sentidos, um reino metafísico, sem qualquer risco aos dominadores. Pilatos percebeu que o moto dos sacerdotes resumia-se num ódio cego, motivado pela inveja da influência crescente de Jesus sobre o povo. Esta interpretação benigna explica a sua defesa da inocência do acusado junto aos sacerdotes. Em uma segunda interpretação, interpretação, o “Tu o dizes” significaria uma aquiescência, embora polida e reverente, algo como: “Até mesmo tu estás dizendo que eu sou rei, sem que me seja necessário afirmá-lo”. afirmá-lo”. Corresponderia a um lacônico “Sim”, como aparece em certas traduções bíblicas. Neste caso, poderia ser incriminado na lei de lesa majestade, mas mesmo assumindo a responsabilidade de ser ou pretender ser o rei dos judeus, o Messias, vimos que a reação de Pilatos ainda lhe foi favorável. Por certo, estaria bem informado das atividades do inofensivo Jesus através da opinião de auxiliares e familiares. Assim, aceitou sem reservas a explicação da imaterialidade e inocuidade de seu reino, razão suficiente para considerá-lo sem culpa e não merecer atroz crucificação. Quanto à arenga dos sacerdotes, tratar-se-ia simplesmente de uma querela inconsistente de notórios invejosos. Uma terceira corrente de opinião alega que foi apenas uma forma de omitir-se à acusação. Jesus não estaria preocupado em afirmar ou negar. Sabia da inexorabilidade do seu destino em cumprimento a uma irrecusável missão divina, achá-lo ou não culpado ficava a critério do legado. De qualquer maneira, a opinião inicial do juiz romano ficou registrada unanimemente nas quatro narrativas do Evangelho inocentando-o das acusações.
A segunda versão é a preferida pelas igrejas porque entendem elas que estaríamos presenciando um Jesus imbuído da ideia de ser o Messias, um rei dos judeus em toda plenitude, simplesmente para preencher uma alegada previsão das Escrituras. Seria uma atitude suicida que reforçaria a acusação dos sacerdotes em acusá-lo como um perigoso insurrecto. Uma situação ideal para qualquer promotoria pública, deixando-o à mercê dos inimigos que passariam a considerar-se no direito de exigir com base legal a sua morte, em desafio à opinião particular de Pilatos. A tradição judaica também endossa essa versão porque pensam os judeus inocentar-se ou pelo menos aliviar sua flagrante culpabilidade, já que o Nazareno estaria arrogando-se o direito de ser um rei mundano em evidente afronta a Roma, além de desafiar a orgulhosa elite sacerdotal. Mas em que parte do Evangelho o Messias se considera ou se intitula rei dos judeus? A pregação de Jesus foi sempre baseada no desprendimento às ambições ou bens terrenos e, sendo assim, qualquer veleidade de ser rei revela-se incoerente. Se não, vejamos algumas de suas citações aos discípulos: “Não ajunteis para vós tesouros, onde a ferrugem e as traças corroem, onde os ladrões furtam e roubam. Ajuntai para vós, tesouros no céu, onde não se consomem nem as traças nem a ferrugem, e os ladrões não furtam nem roubam. Porque onde está o teu tesouro, lá também está o teu coração”. (Mateus 6.9). “Não podeis servir a Deus e às riquezas”. (Mateus 6.24). “As raposas têm suas tocas e as aves do céu, seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça”. (Mateus 8.20). À mensagem interrogativa de João Batista, o precursor de Cristo, querendo uma confirmação ou não dele, se era realmente o Messias: “Sois vós aquele que há de vir ou devemos esperar outro?”, cita ao mensageiro do profeta as obras miraculosas que estava fazendo em benefício de muitos, acrescentando: “... Que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Um homem vestido com roupas luxuosas? Mas os que estão revestidos de tais roupas vivem nos palácios dos reis”. (Mateus 11. 8). Certamente, havia naquela ocasião uma intensa expectativa dos judeus quanto à vinda do Messias. João Batista, o profeta que batizou Jesus, pode em determinado det erminado momento ter alimentado alguma dúvida a respeito. Ou, se estava convicto em sua crença, como é a versão oficial da igreja, talvez os seus seguidores estranhassem sua origem por demais humilde. Ora, seria de fato Jesus de Nazaré, o Messias, aquele extraordinário personagem digno da esperança conjunta de um povo? No entanto, o Messias deveria ostentar de saída um poder visível para atingir um fim tão grandioso. Intrigados, decidiram perguntar a João Batista se aquele homem, de aparência e comportamento tão despretensiosos, preenchia efetivamente os requisitos inerentes ao mítico personagem. Jesus precisa explicar ao mensageiro de João que ele, embora sendo o Messias, apresenta-se de um modo sui generis. generis. Não é um príncipe com roupas luxuosas vivendo em palácios, aspirando ardentemente levá-los a conquistas memoráveis, subjugando povos e nações. O Messias, segundo o plano divino, é o Salvador que vem trazer uma mensagem de caráter espiritual: o consolo aos humildes, a cura dos doentes e a observância das Escrituras no que tem de mais sublime - o amor ao próximo, estendendo este conceito de forma inédita a toda humanidade. Na velha Lei era restrita somente aos judeus.
Aos humildes diz: “Vinde a mim, vós todos que estão aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis repouso para vossa alma”. (Mateus 11.8). À indagação dos discípulos: “Quem é o maior no reino dos céus?”, Jesus chamou uma criancinha, colocou-a colocou-a no meio deles e disse: “Em verdade vos declaro: se não vos não vos tornardes como criancinhas, não entrareis no Reino dos Céus. Aquele que se fizer humilde como esta criança será maior no reino dos céus. (Mateus 18.1-3)”. 18.1-3)”. Sobre as riquezas, falando aos discípulos: “Eu vos repito: é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no Reino de Deus. ( Mateus 19.24)”. “Aquele que se exaltar será humilhado, e aquele que se humilhar será exaltado”. (Mateus 23. 12) “Se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos”. (Mateus 9.35) “Pois que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?”. (Marcos 8.36) Aos discípulos preocupados com o pensamento de qual deles seria o maior: “Sabeis que os que são considerados chefes das nações dominam sobre elas... Entre vós, porém, não será assim: todo o que quiser tornar-se grande entre vós, seja o vosso servo: e todo o que entre vós quiser ser o primeiro seja escravo de todos. Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em redenção de muitos”. “Não espero a minha glória dos homens,...”. ( João 5.41). Após lavar os pés de seus discípulos: “...logo “... logo se eu, vosso Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vos deveis lavar-vos lavar-vos os pés uns dos outros”. Quando Jesus fez o milagre da multiplicação dos pães, a multidão maravilhada dizia: “Este é verdadeiramente o profeta que há de vir ao mundo. Jesus percebendo que queriam arrebatá-lo e fazê-lo rei, tornou a retirar-se retirar- se sozinho para o monte”. (João 6.14). Os judeus esperavam um Messias guerreiro, um invencível rei que lhes restituiria a plena identidade e o esplendor real da época de Davi, sacudindo logo de saída o odiado jugo romano. Algo semelhante ao profeta Maomé, um líder religioso, político e militar vitorioso nas pugnas terrenas ao implantar o islamismo que ensejaria a conquista de vastíssimo império. Todavia, naquele momento singular intuíram muitos judeus que estavam diante de um homem extraordinário que só podia ser o Messias. Entretanto, o entusiasmo efêmero da multidão não sensibilizou o Mestre, sabedor de que o poder temporal não fazia parte dos desígnios divinos. Tivesse Jesus qualquer veleidade neste sentido poderia aproveitar a oportunidade para ser aclamado rei pelo povo. Melhor momento não surgiria depois. Mateus mostra-nos sobejamente por meio de uma metáfora o menosprezo do Messias aos valores materiais do mundo. Jesus foi transportado a um monte muito alto. O demônio submeteu-o às tentações oferecendo-lhe todas as riquezas e poderes desde que o adorasse. Apenas obteve uma uma veemente negação: “Para trás Satanás, pois está escrito: Adorarás ao Senhor teu Deus e só a ele servirás”. Jesus não almejava a glória, nem a riqueza e muito menos qualquer poder mundano. Veio para anunciar somente o reino dos céus, a salvação do ser humano pelo caminho do amor, único meio de atingir uma espiritualidade maior e alcançar a lcançar a dimensão celestial.
Em contrapartida, considerava-se considerava-se por indicação divina o Filho de Deus e o “Ungido” do Senhor. Atentemos para o Evangelho: João Batista, o profeta que pregava a chegada próxima do Reino dos céus anunciou a vinda de Jesus como o Messias, sendo o seu precursor. Batizava os iniciados imergindo-lhes no rio Jordão. Inicialmente recusou-se a batizar Jesus, dizendo-lhe: dizendo-lhe: “Eu devo ser batizado por ti e tu vens a mim!”, mas Cristo humildemente insistiu: “Deixa por agora, pois convém cumprirmos a justiça completa”. E João Jo ão Batista acedeu. (João 3.14). Havia uma relação profunda entre Jesus e Deus, uma intimidade que não é possível entender senão vendo-o como o Filho de Deus por excelência, uma natural extensão do Pai. Sendo assim, São Paulo definiu ao visualizá-Lo através dos próprios sentidos, na estrada de Damasco: “Jesus é a imagem de Deus”. Saulo de Tarso usufruiu a oportunidade única de contemplá-Lo em sua infinita beleza espiritual. O Filho, ao espelhar a Luz Divina aos olhos maravilhados do doutor da Lei, fê-lo renascer como São Paulo, o Apóstolo dos Gentios. Na verdade, o apóstolo teve o privilégio de ver o Filho do Homem já livre da matéria, revelado como Filho de Deus em plenitude - um retrato celestial indescritível do próprio Criador. “Todas as coisas me foram dadas foram dadas por meu Pai; ninguém conhece o Filho, senão o Pai e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelá-lo”. revelá-lo”. (Mateus 11. 27). Aos discípulos: “E vós quem dizeis que eu sou? Simão Pedro respondeu: Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo. Jesus, então, lhe disse: Feliz és , Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está no céu. Depois, ordenou aos seus discípulos que não dissessem a ninguém que ele era o Messias”. Num sábado, na sinagoga de Nazaré, foi-lhe dado o livro do profeta Isaias. Escolheu a passagem onde está escrito (Isaías 61): “O espírito do Senhor está sobre mim porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para por em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor. E enrolando o livro...começou a dizer-lhes: dizer-lhes: “Hoje se cumpriu este oráculo que vós acabais de ouvir”. (Lucas 4.16). Assim, sem rodeios, perante todos os presentes, ele se reconhece o Messias descrito pelos profetas. E “o espírito do Senhor” estava sobre Ele, isto é, Deus se manifestaria aos homens através de Jesus que não pode esconder a verdade porque a revelação da verdade resume toda a sua missão. Mais tarde diria a Pilatos: “É para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo o que é da verdade ouve a minha voz”. A presença de Jesus inspirava um clima de sublime bem estar contagiando os que o rodeavam. Emanava dele uma áurea divina, enfatizada pelo dom de saber das coisas ocultas ao homem, levando-os a aceitá-Lo espontaneamente como o Ungido. Eis alguns exemplos marcantes: André era um dos seguidores de João Batista que vendo Jesus passar, disse-lhe: disse- lhe: “Eis “Eis o cordeiro de Deus”. André e mais outro passaram a segui-Lo. segui -Lo. Pode-se avaliar a confiança de André no novo Mestre quando a seguir procura seu irmão Simão, dizendo-lhe emocionado: “Achamos o Messias”. “E o levou a Jesus que, olhando para ele, disse: Tu és Simão, o filho de João; tu serás chamado Cefas (que quer dizer Pedro)”. (João 1.41). Felipe passou a ser um dos discípulos de Jesus. Em regozijo, procurou seu irmão Natanael para dar-lhe dar-lhe a feliz notícia: “Achamos aquele de quem Moisés escreveu na Lei, e a
quem se referiram os profetas, Jesus, o Nazareno, filho de José”. Natanael não acreditou nem um pouquinho, perguntando desanimado: “De Nazaré pode vir alguma coisa boa?”. Então, Felipe convida-o convida-o a constatar por si próprio. próprio. Vão ao encontro de Jesus que ao vê-los aproximar-se, saúda-o saúda-o cordialmente: “Eis um verdadeiro israelita em quem não há dolo”. A familiaridade no modo de Jesus tratá-lo tratá-lo induz Natanael a pensar que o Mestre já sabia quem ele era antes, razão para exprimir uma desconfiada surpresa: “Donde me me conheces? Respondeu-lhe Jesus: Antes de Filipe te chamar, eu te vi, quando estavas debaixo da figueira”. O irmão de Felipe ficou tão impressionado com a pequena mostra do poder de Jesus, que se lhe evaporou a incredulidade numa sincera exclamação: “Tu és o és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel. Ao que Jesus lhe respondeu: Por que te disse que te vi embaixo da figueira, crês? Pois maiores coisas do que estas tu verás”. (João 1.47). Ao reconhecê-lo como rei de Israel, as palavras de Natanael constituem uma exceção que confirma a regra. Ficou tão maravilhado que o aceitou de imediato como o Messias em pleno exercício de natural poder como o aguardado rei de Israel. Observe-se, contudo, que a afirmação partiu de Natanael e não do Mestre. O diálogo que antecede a ressurreição de Lázaro entre Marta e Jesus é um dos mais ilustrativos e comoventes do Evangelho. O irmão de Marta morrera, mas o Mestre estando em localidade distante não pudera evitá-lo. evitá-lo. “Marta, quando soube que vinha Jesus, saiu ao seu encontro” e ao vê-lo, inconformada, desabafa a sua imensa tristeza num queixoso lamento. Havia mandado avisá-lo há dias da grave doença, aguardando-o em desesperada ânsia: “Senhor, se estiveras aqui não teria morrido meu irmão. Mas também sei que, mesmo agora, tudo quant o pedires a Deus, Deus te concederá”. (João 11.22). Há uma sugestão esperançosa por parte de Marta. Ela não quer aceitar a morte do irmão amado, pois pressente que o Rabi poderia fazer o impossível e isto é vencer a morte. Assim, cria-se uma angustiante e desafiadora expectativa. Jesus declara-lhe: declara-lhe: “Teu irmão há de ressurgir”, mas Marta agora pensa que se refere apenas à ressurreição no dia do Juízo Final, a antiga crença farisaica. Jesus, então, testa-lhe testa-lhe a fé, declarando textualmente: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra viverá: E todo, o que vive e crê em mim, não morrerá eternamente. Crês nisto?” Ao ouvi-lo, ouvi -lo, relampeja um clarão no coração de Marta, renovando-lhe a confiança. A jovem não titubeia em protestar sua integral fidelidade: fidelidade: “Sim, Senhor, eu creio que tu és o Messias, o Filho de Deus que deveria vir ao mundo”. Mais adiante, é Maria, a irmã de Marta que ao vê-lo se joga aos pés do Senhor vertendo-se em lágrimas e a lastimar-se lastimar-se numa pungente declaração de fé: “Senhor, se estiveras aqui, meu irmão não teria morrido”. Maria julga-O, julga -O, sem dúvidas, capaz de evitar a morte, mas poderia devolver-lhe a vida? A esperança arde nos corações das amorosas irmãs fazendo crescer a intensidade dramática do ambiente. Marta e Maria parecem possuir aquela fé que remove montanhas. montanhas. Ambas acreditam piamente piamente que se acham diante do Filho de Deus, o único capaz de tudo, o que significa simplesmente realizar o impossível. “Jesus vendo-a vendo-a chorar, e bem assim os judeus que a acompanhavam, agitou-se no espírito e comoveu-se”. comoveu-se”. O Filho do Homem também tam bém chora, pois o falecido era um amigo mui querido. E encaminhando-se decidido em direção ao túmulo vai realizar ali o mais famoso milagre dos Evangelhos, a ressurreição de Lázaro, morto há quatro dias. Alguém pode falar e comprovar que é “a ressurreição e a vida”, se não for, ele próprio, o Filho de Deus por
excelência? O Filho encarregado de transmitir a vontade de Deus à humanidade como o próprio Pai o faria. O diálogo entre Jesus e a samaritana é um dos mais interessantes dos Evangelhos. Em Samaria, Jesus assentou-se assentou-se junto à fonte de Jacó. Uma mulher veio tirar água. “Dá -me de beber”, pede-lhe pede-lhe Jesus. A mulher fica admirada, porque os judeus não mantinham contato com os samaritanos. Estes eram, há muito tempo, desprezados por serem considerados gentios, embora igualmente adeptos do judaísmo herdado dos remanescentes judeus, quando da conquista do reino de Israel pelos assírios e expulsão de quase toda a população. Apenas permaneceram os mais humildes que escaparam da intolerância dos dominadores. Outros imigrantes gentios vieram depois, mesclando-se mesclando-se com eles. “Como, sendo tu judeu, pedes de beber a mim que sou mulher samaritana?”. A mulher está abismada diante da cordialidade e falta de preconceito do estranho. Jesus em troca oferece-lhe oferece-lhe a “água da vida”. Um simbolismo para dizer que Ele, o Messias, era o caminho da salvação. A seguir, expõe a vida pregressa da samaritana deixando-a deixando-a espantada. “Vejo que tu és profeta”, diz-lhe diz-lhe por fim, muito surpreendida porque descreveu o seu modo leviano de viver. Entre outras coisas, Jesus ensina-lhe ensina-lhe que: “Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e verdade”. Quando ela comenta que haveria de vir o Messias para anunciar todas as coisas, Jesus declara sem rodeios: “Eu o sou, eu que falo contigo”. “Jesus passeava no templo, no pórtico de Salomão. Rodearam-no, Rodearam -no, pois, os judeus, e o interpelaram: Até quando nos deixarás a mente em suspenso? Se tu és o Messias, dize-o francamente. Respondeu-lhes Jesus: Já vo-lo disse, e não credes. As obras que eu faço em nome de meu Pai testificam a meu respeito”. (João 10.24). “Então, daquele a quem o Pai santificou e enviou ao mundo, dizeis: Tu blasfemas, porque declarei: Sou o Filho de Deus?”. (João 10. 36). No mar da Galiléia os discípulos subiram no barco para passar ao outro lado. O barco já estava muito longe, açoitado pelas ondas e vento contrário. Sentiam-se inseguros sem poder controlar a situação, quando veem andando sobre as águas um vulto amedrontador: “É um fantasma! E, tomados de medo, gritaram”. Entretanto, era apenas o Mestre vindo tranquilizá-los: tranquilizá-los: “Tende bom ânimo! Sou eu. Não temais!... E os que estavam no barco o adoraram, dizendo: Verdadeiramente és o Filho de Deus!”. (Mateus 14.33). Pode-se concluir mediante tantos exemplos que, sem sombra de dúvida, Jesus não só se considerava o Messias profetizado nas Escrituras, como devido aos inúmeros milagres e doutrina, foi reconhecido como tal no círculo restrito de discípulos e seguidores. A tradução da palavra Messias é de certo modo ambígua. Seria literalmente, o Ungido ou o Ungido do Senhor, como o foram, Davi e Saul pelo profeta Samuel, segundo a versão bíblica, em obediência direta à voz de Iahveh, o deus único do monoteísmo hebraico. No caso de Saul, depois de ungido pelo profeta, o povo logo o aceitou, aclamando-o rei, homologando com ardente entusiasmo a escolha de Samuel. O profeta e seu escolhido posteriormente entrariam em conflito quanto ao modo de tratar os prisioneiros e despojos de uma bem sucedida guerra. Saul não obedece ao pé da letra às ordens terminantes do irascível e autoritário Samuel. O profeta se julgava no direito de tutelá-lo no exercício do poder e ficou melindrado ao extremo, tornando-se um poderoso inimigo do rei. Como vimos, aquele que seria o último dos juízes havia exigido a morte de todos os inimigos após vitoriosa batalha, inclusive de seus animais. Iahveh, estranhamente, está
sintonizado com Samuel em sua desvairada sanha assassina que não livra nem os animais. Não basta tomar posse dos bens móveis e imóveis do inimigo. Há que dizimar todo ser ainda vivo. Isso resulta em amarga reprovação de Iahveh ao primeiro rei de Israel que teimou em salvar os animais, um valioso butim de guerra. Contrariado em sua “divina vontade”, dá “ordem verbal” a Samuel para renegárenegá -lo e ungir Davi. O profeta “obedece” e, após uma série de dramáticos e romanceados conflitos entre Saul e Davi, prevalece a vontade do Senhor. Saul e Jônatas, seu filho e herdeiro do trono, mais adiante são mortos num terrível combate contra os filisteus. Finalmente, cumpre-se o desejo divino ao ser Davi proclamado rei de todo Israel. A palavra Messias trazia em si duas ideias conjuntas: ser o Filho de Deus e um rei Davi redivivo. Na primeira fase, seria reconhecido como o Messias escolhido por Deus. Na segunda, o povo judeu o proclamaria rei. O Messias seria o Redentor, o Salvador, descendente do aclamado Davi, o rei tão esperado capaz de realizar todas as aspirações de um povo frustrado e inferiorizado diante do jugo romano. Assim, ao longo da história vão surgir vários personagens intitulando-se Messias, mas tudo vai sempre se resumir em vazia pretensão. Os judeus de uma maneira geral viam o Messias como um rei favorecido por Deus com fantásticos poderes para liderá-los rumo a vitórias memoráveis, realizando o grande sonho nacional de reverter uma situação política de submissão. De oprimidos pelos romanos, seriam promovidos a opressores, não só deles como de outros povos. A velha e ilusória aspiração de formar um magnífico império voltando aos gloriosos, mas pecaminosos tempos de Davi e Salomão. A elite judaica e o povo, sob sua maléfica influência, renegaram Jesus porque não conseguiam identificá-lo com o líder davídico idealizado. Jesus, obedecendo aos desígnios divinos, abdicou de qualquer reino temporal. Em nenhum momento de sua vida pretendeu ser aclamado rei dos judeus, e muito menos ter por cortesãos os príncipes dos sacerdotes, escribas e fariseus, cujos corações eram duros como pedra e negros como carvão, só se comprazendo no exercício do mal. O reino pregado por Jesus era o reino dos céus, um reino que estava igualmente dentro de cada um, do seu coração: “...aquilo que sai da boca provém do coração e é isso que mancha o homem. Porque é do coração que provem os maus pensamentos...” pen samentos...” . (Mateus 15. 19 ). A vitória pregada por Jesus era do homem sobre si mesmo ao livrar-se do mal e optar pelo caminho do bem, o caminho de Deus. Voltando à interpretação do sentido mais provável das palavras de Jesus ante Pilatos, conclui-se que ele não negaria jamais ser o Messias, porém seria incoerente que se arvorasse em ser um rei convencional, pois não pretendia em caráter definitivo um reino temporal. Ele sabia que a acusação dos judeus visava incriminá-lo por pressuposta tentativa de provocar uma insurreição ou desafiar a majestade do imperador. No momento em que Pilatos o interroga se é ou não o rei dos judeus, sabe qual reino está se referindo, o único que poderia incriminá-lo sob a perspectiva da lei romana. A narrativa de João nos sugere sugere a solução: Assim, ele lança outra indagação: “Vem de ti mesmo esta pergunta, ou to disseram outros a meu respeito?”, o que equivale a: “Eu sei que esta acusação de caráter incriminador não pode ter partido de ti, mas dos sacerdotes”. sa cerdotes”. Quando Pilatos esclarece que a acusação é dos sacerdotes e do povo, insistindo em querer saber o que ele fez para merecê-la, Jesus vê-se na obrigação de dar uma resposta.
Está em uma situação muito delicada porque não pode negar que se considera o Messias. No entanto, nem de longe quer ser o rei mundano de que é acusado. Procura fazer Pilatos entender esta sutil particularidade. Afinal de contas, existe na realidade um reino, o único realmente importante para ele - o reino de Deus. Assim, diz-lhe: - “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus”. - “Logo tu és rei? - insiste Pilatos, querendo penetrar no cerne da questão. - “Tu o dizes. É para dar dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo aquele que é da verdade ouve minha voz”. - “Que é a verdade?” O “Tu o dizes”, corresponde a uma negação da acusação de caráter maligno dos judeus, porém assume sem tergiversar a pretensão de ser o rei de um reino espiritual com a missão de pregar a mensagem de Deus - a Verdade. Todavia, há alguma dificuldade do governador para entender o sentido pleno da frase. Ela parece-lhe estranha porque não possui clara percepção ou mesmo vontade de compreendê-la. As suas atitudes a seguir o comprovariam Existem pequenas variações nas traduções bíblicas conforme o entendimento ou conveniência de cada um em fazer valer determinada opinião pessoal. Em algumas, a tradução é ajeitada para satisfazer a segunda versão: “Logo, tu és rei?” “Sim, eu sou rei. Eu para isto nasci e para isto vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve minha voz”. No texto original, consta “Tu o dizes”, que melhor se adapta a uma explicação racional das palavras palavras de Jesus, pois também pode ser uma negação ou intenção semelhante. O “Tu o dizes” pode sugerir paralelamente um conformismo de Jesus ante uma situação cujo fim desfavorável sabe ser inevitável. Qualquer que seja o desenrolar do julgamento, o acusado não desconhece que será sacrificado à sanha dos sacerdotes. Pilatos entendeu o sentido essencial da sucinta autodefesa do acusado. Lembramos que sua esposa nutria simpatias por Jesus, tanto que lhe rogou para libertá-lo, sensibilizando-o, apesar do seu caráter caráter rude. “E estando ele no tribunal, sua mulher mandou dizer-lhe: Não te envolvas com esse justo; porque hoje, em sonho, muito sofri por seu respeito”. (Marcos 27.19). A partir daí, ele tenta com maior empenho, embora sem sucesso, convencer os sacerdotes da inocência de Jesus: “Eu não acho nele crime algum”. Aqueles sacerdotes hipócritas odiavam os romanos e mais ainda o seu imperador, mas no momento decisivo do tumultuado julgamento decidem usar a bajulação por conveniência. Assim, não hesitam em exclamar e xclamar em alto e bom som: “Não temos rei, senão César!” “E a multidão insana redobrava os gritos exigindo a crucificação do Cristo. E o seu clamor prevaleceu”. É o momento em que Pilatos viu-se superado pela esmagadora opinião judaica presente que representou o papel de um corpo de jurados diabólicos. Os sacerdotes, escribas, anciãos, fariseus e o populacho não cessaram seu desvairado clamor por sangue, fazendo-o aceitar com constrangimento a derrota e assinar por fim a sentença de execução.
O comportamento dúbio de Pilatos durante a Paixão de Cristo legou uma imagem controversa à posteridade. Entretanto, nas igrejas ortodoxa e ortodoxa etíope, devido à minimização de sua responsabilidade pelos Evangelhos, ocorreu uma reabilitação do legado romano a ponto de ter sido canonizado pela igreja etíope. Em ambas, a bondosa esposa do legado romano, Santa Prócula, foi agraciada com merecida canonização.
Um extasiado Moisés recebe com reverência os Dez Mandamentos Fonte : OS DEZ mandamentos (1956). Direção: Cecil B. DeMille.Ator : Charlton Heston. Título original: The Ten Commandments
CAPÍTULO 17
JUDAÍSMO E CRISTIANISMO Jesus foi o Messias que trouxe parâmetros ideais de conduta moral, afetiva e religiosa à humanidade, revelando o judaísmo em feição nova, enriquecido dos valores essenciais ao aperfeiçoamento espiritual do gênero humano, porém livre das crenças misantrópicas e escravas de um exclusivismo egoísta do povo de “dura cerviz”, que persistiria na malfadada
sina de carregar ao longo dos tempos o gérmen destrutivo de seu próprio aniquilamento quase total. O Nazareno ampliou os incipientes conceitos de bondade do judaísmo primitivo fazendo-os fazendo-os universais. No preceito antigo “amarás o próximo como a ti mesmo”, o “próximo” passa a ser qualquer pessoa, independente de raça, credo, religião, pátria ou outra consideração discriminatória. Naquela época, pregava-se uma bondade restritiva, porém Jesus Cristo a oferece sem limites, uma generosa e superior concepção de cunho transcendental: “Ouviste o que foi dito: d ito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Para que vos torneis filhos do vosso Pai Celeste, porque ele faz nascer o sol sobre os maus e bons, e vir chuvas sobre justos e injustos”. (Mateus 5.43-45). 5.43-45). Simão Pedro achou de início essa visão por demais tolerante e estranha à realidade terrena. Provavelmente, os demais discípulos pensavam do mesmo modo e haviam comentado entre si sobre o controvertido assunto, sem que se chegasse a uma conclusão definitiva. Então, Pedro resolve propor ao Mestre um limite que lhe parece o mais sensato: “Senhor, até quantas vezes pecará o meu irmão contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes?”. O número sete é privilegiado na tradição hebraica hebraica e ofereceria a solução da questão. Entretanto, a resposta de Jesus deixa perplexo aquele que se tornaria o príncipe dos apóstolos: “Não te digo que até sete vezes, mas setenta vezes sete”. (Mateus 18.21). Em suma, quem ama perdoa e perdoando estamos aprendendo a amar. Os judeus encaravam o sistema ético da Lei de Moisés sob um ponto de vista regulamentar. Criaram incontáveis regras e rituais a serem obedecidos ao pé da letra a mercê de uma religiosidade presa a egoístico fanatismo. Viviam sujeitos às crendices e mergulhados num mar de obscuridade espiritual. Outros povos também vivenciavam algo semelhante, um espelho condizente com aquele período primário da história. Entretanto, o único que tinha o mandamento - não matarás matarás - era o povo judeu, razão pela qual o seu comportamento durante o julgamento de Cristo representa uma contradição chocante, uma flagrante prova de que o lado mau do ser humano dominava a maioria de uma maneira vil. Jesus também era judeu, mas nem esta circunstância evitou as acusações falsas e crueldades degradantes. Esse panorama sombrio agravou a culpa do povo de Abraão, excetuando-se uma escassa minoria sensível à pregação do Messias, constituída por aqueles capazes de amar de fato a Deus e ao próximo.
Um compenetrado rabino ortodoxo estuda com reverência a Torá Os romanos, por sua vez, demonstravam algum senso de justiça, embora não cultivassem a bondade plena. Os judeus que conduziram Jesus à morte ignoravam ambos, uma vez que eram insensíveis à compaixão, justificando as palavras de Cristo a Pilatos: “...maior pecado têm”. Há uma tendência atual da mídia de minimizar a culpabilidade dos judeus na crucificação do Cristo e aumentar a de Pilatos, senão responsabilizá-lo totalmente. É um fato reconhecido que o governador assinou a sentença capital segundo a lei romana. Isso ocorre por dois motivos. Em uma atitude de defesa vários escritores e jornalistas de origem judaica procuram livrar o povo judeu da pecha secular de deicida, como responsável pela morte ignominiosa do Filho de Deus, e, conforme a concepção das igrejas cristãs, do próprio Deus. Sofreram as agruras de perseguições seculares desde a Idade Média que desembocou no Holocausto judaico imposto pelos nazistas. Seis milhões de judeus foram exterminados nas câmaras de gás devido a uma opinião pública insensível à tragédia que, iniciada com perseguições menores, foi-se agravando gradativamente e acabou atingindo dimensões apocalípticas. Quando a turba inconsequente clamou a Pilatos: “Caia sobre nós o seu sangue, e sobre nossos filhos!”, filhos!”, lançou uma maldição irreversível contra si e seus descendentes. Aquelas palavras insanas deram ao senso comum uma nítida impressão de ter-se concretizado de fato, seja por um motivo transcendental ou simplesmente aleatório. No entanto, em nenhum código de justiça moderno os filhos podem ser responsabilizados pelas más ações de seus pais ou ancestrais. E nem é moralmente justo condenar alguém pelo que não cometeu. Seria uma atitude completamente anticristã, isto é, destituída do mínimo senso de amor ao próximo. Outro motivo é que muitos cristãos, movidos por espírito louvável de conciliação e sensíveis ao sofrimento imensurável causado pelo Holocausto, ainda recente na memória coletiva, acolhem com simpatia a tese judaica. Afinal, Pilatos já desapareceu e não pode
mais ser punido por seus erros, pelo menos aqui na terra, enquanto os judeus continuam presentes em todos os países, além alé m de Israel e sujeitos ainda a preconceitos hostis. Os defensores da versão pró-judaica alegam que a narração dos evangelistas não foi nem feita por eles próprios, mas por seguidores dos apóstolos no fim do primeiro século. Esses tinham em mira agradar aos senhores romanos, antevendo uma futura aceitação do cristianismo pelo império. Nesta fase, Jerusalém havia sido destruída e os cristãos que seguiam a linha ortodoxa, chefiada por Tiago, irmão do Senhor e bispo de Jerusalém, haviam sido mortos pelos romanos. Fora da Judéia, nas cidades gregas, a facção de São Paulo, a igreja dos gentios, abandonava o velho judaísmo tornando-se preponderante. Os primeiros cristãos ressentiam-se das perseguições dos judeus ortodoxos que os denunciavam acirradamente aos romanos. Os judeus sobreviventes seguiam a liderança dos fariseus porque a seita dos saduceus desapareceu com a destruição de Jerusalém. Os saduceus foram responsabilizados pela catástrofe por causa de sua conduta infame. Dentro deste espírito, os Evangelhos, sob a visão de uma maioria grega convertida, seguiram uma linha tendenciosa, culpando os judeus e inocentando Pilatos, além de reservar aos fariseus um excessivo criticismo nas narrações dos evangelistas. Não deixa de ter fundamento razoável essa crítica. Nos Evangelhos, os inimigos de Cristo são os “os judeus”, todavia não se deve esquecer que outros judeus, embora minoritários, lançaram as sementes do cristianismo. Os gentios, principalmente os gregos, vão se convertendo, porém em segunda instância. Se uma multidão de judeus maus combateu erroneamente Cristo e tudo o que representava, igualmente outros judeus bons o defenderam com o sacrifício das próprias vidas e implantaram heroicamente o Cristianismo nascente. No entanto, é impossível tapar o sol com peneiras. As informações dos Evangelhos coincidem com as de documentos seculares, como os de Flávio Josefo. As palavras de Jesus resumem a relação de culpabilidade. Os judeus, “maior pecado têm”, indicando que Pilatos foi culpado embora em menor grau. Se os sacerdotes, juntos com a multidão, não houvessem acusado e exigido a morte de Jesus, o legado romano não o teria executado, isto é, sem judeus inimigos do Cristo, não haveria crucificação. A recíproca não é verdadeira, mesmo sem Pilatos, os judeus achariam um jeito vil de extravasar sua fúria assassina no Messias. A semelhança da situação enfrentada por Saulo de Tarso, posteriormente, é bem esclarecedora. São Paulo, já convertido ao Nazareno, somente se salvou da fúria dos seus conterrâneos em Jerusalém, porque apelou para César, invocando a cidadania romana. Mesmo assim, teve que ser conduzido sob a proteção de poderosa escolta para Cesárea, de modo a evitar a consumação de um desesperado atentado fatal, uma vez que cinquenta fanáticos judeus fizeram um “juramento sagrado” para assassiná-lo. Velhos rancores tendem a permanecer quando há uma obstinada atitude negativa para mantê-los vivos. Há defensores que prejudicam mais a imagem do povo eleito do que os seus próprios críticos. Alguns escritores procuram bater na mesmíssima tecla do passado, como se o povo judaico seja obrigado a identificar-se eternamente com os atos truculentos de seus antepassados e o judaísmo seja incapaz de demonstrar amor e compaixão por quem se situa além de seu restrito círculo religioso. Os filhos de Abraão, infelizmente para eles próprios, opuseram durante séculos uma barreira inexpugnável à convivência fraternal com os demais seres humanos. Caso persista esse clima de
incompreensão e ignorância dos desígnios divinos, a horrível experiência do Holocausto passou em brancas nuvens e nada se aprendeu de positivo. O ser humano continua aprisionado em um círculo de egoísmo e incapaz de amar o semelhante. Muitos perdem o objetivo elementar de qualquer religião. Só é digna deste nome quando conduz o homem à prática do bem. Religião é um meio e não um fim. Seria uma hipocrisia um católico ou pretenso cristão defender Tomás de Torquemada, outro anticristo do mesmo gênero de Caifás, simplesmente porque o inquisidor-mor de triste memória era um expoente católico. Não importando os judeus, mouros, supostas bruxas e pobres inocentes que arrastou sadicamente à tortura e às chamas da fogueira. Torquemada, na verdade, um discípulo histórico de Caifás, usou das mesmíssimas armas - o fanatismo e a crueldade. Em suma, um demônio camuflado de cristão infiltrado na Igreja para espalhar na terra o que Cristo combateu - a maldade humana. Alguns movidos pelo egocentrismo e agarrados a um erro contumaz, ainda insistem que Jesus foi condenado por Pôncio Pilatos como insurrecto porque havia motivos plausíveis para isto, quando sabemos que os testemunhos apontam em outra direção. O legado o declarou inocente, somente assinando a sentença de execução após ter sido submetido a uma tremenda pressão psicológica por parte dos insensíveis sacerdotes presentes ao julgamento. Pilatos receava os prováveis tumultos que se seguiriam, além das ameaças venenosas de queixarem-se ao imperador, trazendo-lhe graves aborrecimentos. Assim, foi um ato político de caráter egoísta, senão covarde, para livrar-se da elite judaica enfurecida. O Filho do Homem amava a humanidade em escala imensurável, incluindo os romanos. Ele não via ninguém como inimigo porque a missão do Filho de Deus era e é, exclusivamente, trazer a bondade aos corações. O Messias era de fato um revolucionário no sentido pleno da palavra, mas a única arma que o Pai lhe deu foi o amor divino. Quando um centurião romano se lhe apresenta implorando por seu criado que jazia “em casa, de cama, paralítico, sofrendo horrivelmente”, o Mestre se prontifica de imediato ime diato a ir lá para livrá-lo do mal. Havia um preconceito hostil no sentido de evitar qualquer tipo de relacionamento com os gentios, em particular com os odiados romanos. Os judeus normalmente não aceitavam dos romanos nem um simples aperto de mãos. Jamais os convidariam para suas residências por mais cordiais e amigáveis que se mostrassem com eles. Todavia, no dicionário celestial de Jesus Cristo não existia a palavra discriminação. Ele, se já não bastasse dispor-se a entrar na residência de um oficial romano, um inconcebível ato de blasfêmia aos olhos dos seus conterrâneos, com desprendimento único ainda lhe diz: “Eu irei curá-lo”. curá-lo”. O centurião simpatizava com o judaísmo, mas sabia de seus rígidos tabus. Apesar da solicitude de Jesus sentiu-se deveras constrangido. Não queria incomodá-lo, sujeitando-o a críticas mordazes. Então, com comovente fé e humildade, diz-lhe: “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha casa, mas dizei uma só palavra e meu criado será salvo. Pois também eu sou homem sujeito à autoridade, tenho soldados às minhas ordens, e se digo a este: Vai, e ele vai; e a outro: Vem, e ele vem; e ao meu servo: Faze isto, e ele o faz”. “Ouvindo isto, admirou-se admirou-se Jesus, e declarou aos que o seguiam: Em verdade vos afirmo que nem mesmo em Israel achei uma fé como esta. Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugar à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus.
Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger dos dentes. Então, disse ao centurião: Vai-te e seja feito conforme a tua fé. E naquela mesma hora o servo foi curado”. As palavras se confirmariam como uma visão profética real de que o império romano e outros povos se renderiam no futuro ao Filho de Deus, enquanto os eleitos, aos quais as dádivas divinas foram ofertadas com graciosa prioridade, as renegariam com desdém. Em consequência, sofreriam por sua inconsequência e ingratidão no futuro próximo e distante. O objetivo do Messias era fazer com que o reino de Deus estivesse ao alcance de todos, a começar pelos judeus. O amor do Filho de Deus incluía os próprios romanos e demais povos. Na verdade, toda a humanidade. Quando do Sermão da Montanha, ao dirigir-se à multidão, falando inicialmente quem eram os bem-aventurados perante Deus, faz uma comparação da Lei antiga e da pretensão da nova: “Não julgueis que vim abolir a Lei ou os profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição. (Mateus 5.17). Complementando a afirmação deixa antever uma restrição ao comportamento da classe religiosa dominante que se ocupava apenas com os aspectos exteriores da fé e de seus próprios interesses em disfarçada hipocrisia. O Filho de Deus tem o poder de perscrutar as mentes e corações dos homens e nada lhe é oculto, por isto afirma: “Digo-vos, “Digo-vos, pois, se vossa justiça não for maior que a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus”. Naquela época, em que a mulher tinha uma posição bem inferior na sociedade, a lei antiga instituía que bastava para rejeitar a mulher dar-lhe uma carta de divórcio. À frieza desta lei, argui que “todo aquele que rejeita sua mulher a faz tornartornar-se uma adúltera” e ele casando-se com outra comete adultério. “Replicaram-lhe: “Replicaram-lhe: Por que mandou então Moisés dar carta de divórcio e repudiar? Respondeu-lhe Jesus: Por causa da dureza de vossos corações é que Moisés vos permitiu repudiar vossas mulheres”. Aliás, a dureza dos corações hebraicos, com valiosas exceções, logo a seguir se comprovaria de modo trágico. A famosa lei do talião, “Olho por olho, dente por dente”, estabelecia que o castigo do infrator deveria ser igual à culpa, a desforra proporcional à ofensa, uma lei baseada na vingança. Esta lei era uma herança do famoso código de Hamurabi, rei dos caldeus. Embora, segundo alguns estudiosos, já espelhava uma evolução espiritual da sociedade, porque antes seria algo assim: “Sua cabeça (degolada) por um olho, seu pescoço (decepado) por um dente”. Na primeira instância instância cultural da humanidade, a vingança normalmente ultrapassava em muito a ofensa para satisfazer um ódio insaciável associado à total falta de compaixão. No entanto, Jesus, para surpresa de todos, lhes diz: “Não resistais ao perverso; mas a qualquer que te ferir na face direita, ofereça-lhe ofereça-lhe a outra face”. As palavras do Messias encerram um mundo de ensinamentos e resume o ideal de quem deseja ser cristão de fato, não só nominalmente. É quase impossível ao ser humano entendê-las, quanto mais aceitálas. Muitos conseguem enxergar nelas apenas uma bela metáfora sob a alegação de que não era bem isto que Jesus queria dizer. Caso o fosse, o ser humano estaria desprezando a sua segurança pessoal ou até a própria sobrevivência. Nos antigos duelos, o desafio de praxe
consistia em bater com as luvas ou a mão no rosto do oponente. Maior insulto não poderia haver. Em revide, a honra maculada teria que ser lavada no sangue do ofensor. É interessante observar que o Mahatma Ghandi, o grande líder indiano que conseguiu a independência de seu país libertando-o do jugo dos ingleses, interpretou as palavras de Cristo literalmente. Embora oriundo de uma cultura bem diferente, assimilou os ensinamentos do Mestre dos mestres em extensão e profundidade. Quando criança observou seu esclarecido pai recebendo em casa com igual cordialidade pessoas de religiões diferentes, fossem hindus, muçulmanos ou monges janaínas. Lembremos que o jainismo, uma corrente religiosa hindu, surgida na mesma época do budismo, adota a não violência como princípio básico, um denominador comum aos ensinamentos de Cristo. Ghandi tinha a capacidade de assimilar o que é realmente bom e válido em qualquer religião. Curioso e sempre de mente aberta, havia estudado a Bíblia e refletido profundamente sobre seus ensinamentos. Na África do Sul, onde campeava uma odiosa e repressiva discriminação racial, uma vez comentou com um pastor protestante de boa índole e simpático à sua causa da intenção de usar a filosofia da não violência para libertar seu povo do jugo inglês. Para justificá-la, justificá- la, citou as famosas palavras de Jesus: “Se te baterem numa face, ofereça a outra”. Decerto, ficou esperando uma reação entusiástica e favorável do pastor. Ora, um cristão profissional, um sacerdote, devia acreditar piamente em seu Mestre, o próprio Cristo, presumiu. Entretanto, o religioso arregalou os olhos, limitando-se a fitá-lo com enorme espanto. Alguém nunca lhe pareceu tão estranho em toda sua vida. O pastor não imaginava que pudessem valer algo em um mundo tão cruel e, mais ainda, que aquele homem fosse suficientemente ingênuo, senão insano, a ponto de querer usá-las contra o poderoso império de sua Majestade. Ora, aquele indiano de aparência insignificante, pequeno e magrinho, à sua frente não era nem cristão e, sendo assim, não sabia interpretar com a devida ponderação o Evangelho, falou com seus botões. Tudo lhe pareceu uma insensata loucura. Gandhi era um indiano de família abastada e teve o privilégio de estudar e formar-se em Direito numa famosa universidade inglesa. Ao entrar em contato com o mundo ocidental, pode aquilatar os seus valores reais. Para o doutor Ghandi, aquelas não eram palavras jogadas ao vento e sujeitas a interpretações pessoais. Um faz de conta de um Jesus perdido num idealismo quimérico e alienado das dificuldades inerentes à condição humana. Para o Iluminado, a mensagem do Filho de Deus continha uma realidade tangível que prometia render bons frutos. Desfraldando a bandeira de Cristo, pregou a resistência passiva como exequível instrumento político. Acabaria provando ao mundo que não praticava um quixotismo bizarro e inútil. Por inúmeras vezes seus seguidores foram submetidos não só a simples bofetadas, mas a brutais agressões dos algozes dominadores. E para admiração geral tiveram os seguidores de Ghandi a incrível coragem de resistir ao mal sem apelar para a violência. Agiram como verdadeiros cristãos em essência, já que eram homens de outra religião e cultura. O próprio líder foi vítima de injustas repressões, inclusive de amargas prisões que cumpriu com inexcedível coragem e serenidade, sem deixar-se contaminar pelo ódio emanado das autoridades inglesas. Aliás, sua intenção era não só livrar os indianos da maldade dos ingleses, mas estes de sua própria maldade. Ele não os odiava apesar de ser sua principal e inocente vítima, mas tratava-os com cordialidade e amor. Assim, muitos
ingleses esclarecidos passaram a admirá-lo, vendo-o como um mestre de superior espiritualidade e um exemplo a ser reverenciado. O famoso líder indiano e seus seguidores vivenciaram as palavras de Cristo tornandoas uma realidade plausível. A atitude heroica daquela gente oprimida despertou a simpatia da opinião pública mundial, mostrando que algo de bom ainda sobrevive no ser humano. Pessoas de todos os países acabaram por solidarizar-se com o sofrimento dos indianos diante da injusta truculência do stablishment inglês. Finalmente, a Inglaterra foi obrigada a ceder diante da vontade férrea daquele líder excêntrico, feioso e baixinho, mas um gigante daquela fé que remove montanhas. Ghandi não aprendeu na Europa apenas o Direito Romano, mas também a mensagem divina mal compreendida pelos ocidentais. Ninguém antes dele, excetuados os mártires cristãos, havia levado tão a sério as palavras de Jesus a ponto de empregá-las na vida real. A mensagem é clara - não devemos usar de violência em hipótese alguma. A única arma do verdadeiro cristão contra o mal é o amor. amor. Acredite quem quiser e siga quem for capaz. Martin Luther King, outro sincero seguidor de Cristo, animado pelo sucesso obtido por Ghandi, tornou-se o mais famoso líder antirracista dos EEUU ao empregar com êxito similar a não violência como arma da concórdia e da paz. O Dr. King baseou sua luta pelos direitos civis nos ensinamentos de Jesus. Sobre seus acirrados inimigos disse: “Simplesmente continue a amá-los. amá-los. E, pelo poder de seu amor, eles sucumbirão. Pois assim é o amor... é fecundo e construtivo. O ódio é infértil e destrutivo. Ame seus inimigos”. Ambos, Luther e Gandhi, morreram como mártires, vítimas da sanha homicida de seus próprios compatriotas, mas o valioso sangue derramado não foi em vão. As sementes de amor plantadas por esses heróis da humanidade subsistirão como imperecível exemplo presente e futuro. E embora possa causar espanto àqueles de mente fechada, pode-se afirmar seguramente que o Mahatma foi não só o mais notável cristão do século XX, mas igualmente um expoente ímpar do judaísmo puro, pois soube aplicar a sua valiosa essência. Ele tornou realidade os ensinamentos de Cristo ao levá-los às últimas consequências, numa época em que os chamados cristãos se limitavam a pregá-los de boca para fora. Gandhi uma vez afirmou que era hindu, cristão, budista, muçulmano ou janaína no que diz respeito à sua crença religiosa. Alguns se espantaram e criticaram-no por incoerente prolixidade religiosa, particularmente aqueles que concebem a religião como um círculo fechado e de raio limitado, um separador intolerante a discriminar os seres humanos. Dentro desses círculos mesquinhos situam-se eles próprios - os donos da verdade. Os excluídos das graças divinas estão do lado de fora. Cada círculo é cercado por grades invisíveis para isolar as pessoas umas das outras e impedi-las de exercer natural fraternidade. Essa gente não entende que só existe uma religião - a do amor. Quando as religiões pregam o amor em lugar da discriminação odiosa coincidem em seu objetivo maior. Diante deste fim transcendental qualquer outro se torna irrelevante. Ghandi via as religiões, antes de tudo, como escolas de bondade capazes de ensinar a conduta conduta ideal aos homens de boa vontade. “Deus não tem nenhuma religião em particular”, reconheceu sabiamente. A essência do ensinamento religioso resume-se em ensinar a amar tudo e todos. É como um presente divino oferecido dentro de um belo invólucro que pode ter mil aspectos, formas e cores de acordo com a pujança e riqueza das diversas culturas. Não obstante, o conteúdo será sempre o mais importante e valioso. Certamente, diria nosso
querido sábio judeu Hillel - um cristão antes de Cristo - “o conteúdo é essencial, essencial, o envoltório irrelevante”. Jesus ensinou a lei do amor, até então quase esquecida e pouco praticada, sob o prisma divino: “Amai vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos perseguem”. (Mateus 5.44). Fazendo entender que o sol nascia tanto para os bons como para os maus, e a chuva era destinada tanto aos justos, como aos injustos. Deus não faz distinção. Se amassem somente os seus filhos e irmãos, o que haveria de extraordinário? O amor deve ser estendido a todas as criaturas. É o sinal máximo da perfeição, agradando a Deus que é perfeito por excelência. A missão primordial do ser humano na terra resume-se ao seu aprimoramento espiritual. Os valores materiais são aspirações menores que Deus não nos negará, mas devemos guiar-nos pelo altruísmo. Jesus deixou bem claro isto quando dizia aos ouvintes: “Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e as traças corroem, onde os ladrões furtam e roubam. Ajuntai para vós tesouros no céu, onde não os consomem as traças nem as ferrugens, e os ladrões não furtam nem roubam”. O homem deve evitar preocupações exageradas em sua existência terrena: “A vida não é mais do que o alimento e o corpo não é mais do que as vestes? Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam, nem recolhem nos celeiros e vosso Pai celeste as alimenta. Não valeis muito mais do que elas? Considerai como crescem os lírios do campo: não trabalham nem fiam. Entretanto, eu vos digo que o próprio Salomão no auge de sua glória não se vestiu como um deles. Se Deus veste assim a erva dos campos, que hoje cresce e amanhã será lançada ao fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé?” Tendo o homem fé em Deus nunca estará desamparado. Assim podemos entender das palavras de Cristo: “Pedi e se vos dará. Buscai e achareis. acharei s. Batei e vos será aberto. Porque aquele que pede, recebe. Quem busca acha. A quem bate abrir-se-á”. abrir-se-á”. ( Mateus 7.7 ). Se até o mau não nega o pedido de um filho, por que o Pai celeste o faria, justifica o Mestre. Quantas vezes nos desesperamos com as dificuldades da vida e nos sentimos desamparados e impotentes? No entanto, Deus não oferece agruras que não possamos suportar e não lança obstáculos impossíveis de vencer. Nem quer que deixemos de realizar nossos sonhos. Devemos manter a fé e acreditar que não estamos desamparados. A mão divina virá em nosso auxílio no momento certo, embora duvidemos se estamos ou não sob sua proteção. A orientação de Cristo para que se procurasse salvar a alma, despojando-a de toda maldade humana, não o impedia de aliviar o sofrimento, alimentando, curando, salvando e será a constante mesmo ressuscitando vidas. O bem estar do ser humano humano era, é e será preocupação do Filho de Deus - a razão de incontáveis milagres. Entretanto, lembremos que a fé só é válida quando voltada para o bem. Então, seremos dignos de merecer a recompensa celestial conforme nos diz São Paulo: “Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam”.
FIM
POSFÁCIO Fariseus , faz parte de uma série iniciada com o primeiro Este livro, O Messias e os Fariseus, volume - Mistérios do Cristianismo. A Fé e a Razão. Judaísmo e Cristianismo. Em ambos faz-se uma apreciação sobre as principais religiões na busca incessante de um denominador comum entre elas e sua desejável interação com a ciência moderna. Há que se conciliar a fé e a razão submetendo-se antigas crenças ou crendices ao crivo da lógica moderna. A função primordial de qualquer religião digna do nome é favorecer a evolução espiritual do homem, caso contrário falha em seu objetivo primordial. A religiosidade é um simples meio para se conseguir uma espiritualidade maior, aquela que vai favorecer o entendimento fraternal dos seres humanos. Igualmente, vai-nos permitir desfrutar uma deslumbrante visão da Natureza, obra magnífica do Criador que engloba tudo e todos. Há uma natural curiosidade sobre a razão de nossa breve permanência no planeta Terra, saber de onde viemos e para onde vamos depois da inexorável morte corporal. Em suma, qual é a finalidade da existência de todos os seres e de nosso incomensurável Universo? Atualmente, com as recentes descobertas da ciência de ponta já podemos falar de outra surpreendente realidade - o Multiverso ou Universos paralelos - o que torna ainda mais complexa a percepção da grandeza do Ser Supremo. No entanto, já se pode vislumbrar que é infinita e são infindáveis os seus meios para dar margem à vida em e m seus maravilhosos e múltiplos aspectos. Há inúmeros assuntos controversos nos quais o autor não se intimida em apresentar novas ideias ou expor velhas crenças sob uma roupagem nova de modo a harmonizar a fé e
a razão. A fé dominada pelo fanatismo tem sido altamente prejudicial ao homem. Infelizmente, matar em nome de Deus ainda é nos dias de hoje um argumento válido para facções espúrias lideradas por mentes pervertidas que não se importam em causar danos fatais ao semelhante. Apesar dos pesares, sejamos otimistas porque é visível o progresso das sociedades de maneira geral ao longo dos séculos. Basta lançarmos um olhar retrospectivo ao passado para constatar que vivemos na atualidade em um mundo melhor sob os mais variados aspectos. Sem dúvidas, o mundo caminha para frente porque faz parte dos desígnios de Deus o aprimoramento espiritual do homem e consequente progresso da humanidade, embora haja ainda um longo caminho a percorrer para atingir-se plenamente este objetivo transcendental. Sendo assim, considerando a magnitude dos mistérios que desafiam a nossa imaginação, será bem-vinda a participação dos prezados leitores com quaisquer comentários, apreciações ou críticas que decerto irão contribuir para enriquecer as novas Cristianismo . Como diz o ditado: “uma andorinha só não faz edições de Mistérios do Cristianismo. verão”. Assim, agradeço encarecidamente seu valioso empenho neste interessante mister. Meu e-mail:
[email protected] Site: www.alexandreescritor.com.br
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