UTILIZAÇÃO DE SISTEMAS DE ZONAS DE RAÍZES COMO MODELO DE GESTÃO DESCENTRALIZADA DE TRATAMENTO DE ESGOTOS RESUMO Sistemas de tratamento de esgotos que integram a tecnologia de Zonas de Raízes são alternativa ao tratamento dos lançamentos sanitários unirresidenciais ou de pequenas coletividades, sob a perspectiva da descentralização. Esta tecnologia possui custos reduzidos para implantação e manutenção e mostra-se eficiente na remoção de poluentes, afirmando sua aplicação principalmente em regiões onde não há coleta e tratamento de esgotos. O presente estudo tem por objetivo apresentar um dimensionamento de um sistema padrão de Zona de Raízes para uma família de três pessoas e busca, ainda, por meio de revisão literária, a discussão das dificuldades e possíveis benefícios advindos dessa tecnologia. Como parte dos resultados, obteve-se as dimensões padrões para uma residência com 3 habitantes de um sistema de Zona de Raízes com área igual a 2,5 m². Na revisão dos casos já implantados no Brasil, evidencia-se a necessidade de correto cor reto dimensionamento de cada unidade componente do sistema, pois quando não há dimensionamento padrão, aumenta-se a possibilidade de transtornos de ordem técnica como entupimentos, vazamentos, entre outros, podendo se apresentar como fator negativo à aceitação aceit ação da tecnologia pela população.
PALAVRAS-CHAVE: Saneamento descentralizado; Tratamento de esgotos; Sistema de Zona de Raízes. INTRODUÇÃO Lançamentos de esgotos residenciais sem o devido tratamento desencadeiam conflitos de ordem ordem sociambiental. Quando lançados nos corpos hídricos, contaminam mananciais com organismos patogênicos e elementos tóxicos, ocasionam aumento nas concentrações de nutrientes e matéria orgânica, fatores que resultam em desequilíbrio ecológico e perda de biodiversidade. Convencionalmente, para adequação dos esgotos residenciais utiliza-se das grandes estações de tratamento de efluentes (ETE) que são instaladas para atender grandes áreas, principalmente em centros urbanos. Estes arranjos são por vezes demasiadamente onerosos e demandam conhecimento tecnológico avançado para construção e operação, limitando sua aplicação e, consequentemente, o atendimento de saneamento básico em todas as regiões – áreas urbanas, rurais e periferias, por exemplo. Em contraposição, ou mesmo em consonância a estes arranjos, estão os modelos de tratamento de esgoto sob a ótica da descentralização, em que sistemas são implantados para servir moradias unirresidenciais ou pequenas coletividades, proporcionando redução do aparato edificado e menor investimento de recursos para sua construção e manutenção. No contexto da descentralização dos sistemas de tratamento de esgotos, prima-se pela utilização de tecnologias de tratamento apropriadas às condições específicas da comunidade (PHILIPPI, 2000). As unidades que integram a tecnologia de zonas de raízes possuem elevado potencial de utilização por apresentarem benefícios como: baixo custo de implantação e operação, simplicidade tecnológica e eficiência na remoção de poluentes. Segundo Brix (1994), esses sistemas podem ser implementados no mesmo local onde o efluente é gerado, possuem baixo custo energético e são menos susceptíveis às variações nas taxas de aplicação de esgoto.
Sistemas de tratamento de esgotos por zonas de raízes são parte de uma vasta gama de modelos de wetlands construídas (constructed wetlands ), constituídas como representações de áreas alagáveis naturais (brejos, várzeas ou pântanos), utilizadas para depuração de águas residuárias. Tais sistemas naturais de tratamento de esgotos utilizam-se dos processos físicos, químicos e biológicos provenientes da interação entre água, solo, planta, microrganismo e a atmosfera, para realizar o tratamento do esgoto, caracterizando-se como um mecanismo complementar e de baixo custo para o tratamento de efluentes de origem doméstica (METCALF e EDDY, 1991). As características referentes à tecnologia de Zona de Raízes supracitadas torna esta tecnologia uma das mais promissoras em aplicação nos países desenvolvidos. Quando utilizada em regiões tropicais, há um acréscimo no seu desempenho devido ao clima favorável (SALLATI, 2003; HARBEL, 1999 apud COSTA, 2004).
OBJETIVO Apresentar um modelo de gestão descentralizada para adequação dos lançamentos sanitários residenciais utilizando sistemas que integram tratamento por zonas de raízes, através de um dimensionamento modelo para uma residência padrão.
METODOLOGIA Esta pesquisa teve como balizamento um sistema hipotético a ser implantado em uma família média brasileira com 3 pessoas. Este número foi escolhido para corresponder à estatística apresentada pelo IBGE (2009), que aponta 3,3 pessoas por residência brasileira, em média. Para tanto, se utilizou das vazões referentes ao consumo médio de 130 L/hab.dia (ABNT NBR 7229 de 1993) e das características típicas de efluentes domésticos apresentados por Metcalf e Eddy (1991) O dimensionamento do módulo de Zona de Raízes seguiu o recomendado por Platzer (1999), fundamentado na demanda de oxigênio para processos aeróbios como a oxidação de matéria orgânica (DQO ou DBO 5) e oxidação de matéria nitrogenada. Com base nos resultados obtidos, pôde-se observar tanto a demanda de área para construção do aparato, como também a complexidade de instalação e manutenção do mesmo. Revisando publicações sobre o tema, verifica-se a eficiência da técnica bem com a aceitação da população sob as condições implantadas, demonstrando assim sua possível utilização como princípio de gestão.
ANÁLISE Uma estação de tratamento de zona de raiz é basicamente uma wetland construída composta de módulos cultivados com macrófitas aquáticas emergentes, escavados no solo, preenchidos com meio suporte filtrante. O módulo é impermeabilizado com lona plástica, geomembranas, argila, ou outro material, para impedir a contaminação do solo e lençol freático com efluente em processo de tratamento (BRIX, 1987; PHILIPPI e SEZERINO, 2004). O módulo de Zona de Raízes funciona como um filtro biológico instalado após um tanque séptico, sendo que na primeira camada filtrante prevalece teoricamente a condição aeróbia, devido às raízes das macrófitas aquáticas e à difusão de O2 atmosférico. As duas camadas seguintes atuam sob condições anaeróbias devido à depleção do O2 dissolvido pela degradação biológica da matéria orgânica. O meio
filtrante é composto por camadas de pedra brita e areia, além das raízes das plantas utilizadas (KAICK, 2002) (Figura 1).
Figura 1 – Sistema de Zona de Raízes proposto por Kaick (2002), com destaque para as diferentes camadas do meio filtrante entre outros componentes. O dimensionamento proposto consiste em um sistema “padrão” para uma residência com três habitantes, onde temos: fossa séptica com volume útil igual 1,5m³ de múltiplas câmaras seguido por um sistema de Zona de Raízes com 1m de profundidade útil e 2,5m² de área superficial. Posteriormente, o efluente pode ser aplicado em sumidouro ou vala de infiltração (Figura 2) devidamente dimensionada de acordo com as características do solo de cada região.
Figura 2: Layout esquemático de um sistema de Zona de Raízes implantado em uma residência (sem escala).
Para a construção do sistema de Zona de Raízes utiliza-se de materiais simples, como areia e brita para o preenchimento do meio filtrante, lona plástica para a impermeabilização do sistema e tubulação de PVC. No meio filtrante são cultivadas plantas aquáticas (macrófitas) emergentes, dando preferencia às espécies nativas do domínio fitogeográfico em que se encontra para que se evite a contaminação biológica por espécies exóticas invasoras. Sugere-se ainda priorizar espécies com inflorescências e potencial de embelezamento paisagístico, tornando assim a tecnologia mais interessante frente aos usuários. Em estudos conduzidos por Kaick et al (2008) onde se reuniu informações sobre sistemas de Zonas de Raízes implantadas em diferentes localidade (Foz do Iguaçu, Morretes, Guaraqueçaba e Antonina, todas no Estado do Paraná, e Campos do Jordão, no Estado de São Paulo) demonstraram eficiência média de 88% de remoção de DBO e até 98% na remoção de Coliformes Totais nos efluentes aplicados. Além da eficiência perante a remoção de poluentes demonstrada pela pesquisa, não são descritos problemas na operação, nem ao menos reclamações por parte dos usuários. Em pesquisa realizada por Parolim et al (2010) na região noroeste do Paraná, onde foram implantadas 20 sistemas de Zonas de Raízes, foram apresentados alguns problemas. Cerca de 20% dos sistemas instalados tiveram colmatação, ocasionando entupimento do meio filtrante. Segundo relato dos autores foi encontrado material particulado sob o leito, demonstrando que os mesmos não foram retidos no tanque séptico. Nesta pesquisa foram utilizados como tanque séptico dois tambores plásticos de 200L, totalizando 400L de volume, e, portanto, não atingindo os 1,5m³ recomendados pela ABNT NBR 7229 de 1993, fato que pode acarretar os problemas na pesquisa identificados. De acordo com Philippi (2000), seja por razões econômicas ou desconhecimento da técnica, frequentemente, o tanque séptico é subdimensionado, o que resulta numa liquefação incompleta, necessidade de limpeza constante, lodo não estabilizado a ser coletado e passagem de sólidos suspensos e gorduras. Os fatos apresentados não desestimulam a utilização da tecnologia, mas sim é interpretado como um motivo para a realização de mais pesquisas em torno da temática, verificando sua eficácia perante diferentes utilizações, sempre apoiado na técnica já fundamentada e nos parâmetros de dimensionamento de todas as unidades componentes do sistema, existentes em literatura. No tocante à perspectiva descentralizada de tratamento de esgotos, a utilização das Zonas de Raízes como ferramenta introdutória do conceito pode ser bastante promissora, pois seus princípios de funcionamento simples podem ser compreendidos por indivíduos sem experiência no assunto, além de promover uma reflexão sobre a correta destinação de seus próprios dejetos sem ocasionar impacto ao meio natural e à saúde da população de entorno.
CONCLUSÃO A possibilidade de disseminação desta tecnologia com vistas à sua simplicidade e eficiência deve ser considerada por gestores ambientais no planejamento das estratégias de proteção dos recursos hídricos locais. Fator de grande relevância é a inter-relação que a descentralização do tratamento de esgoto estabelece com a população. Uma vez apresentado o sistema de coleta e tratamento de esgoto junto à edificação, seja ele residência, condomínio ou comercio, evidencia-se o interesse e a necessidade de os usuários administrarem a geração do próprio esgoto, não renegando a outrem esta responsabilidade. Assim, ideais de autogestão, fortalecendo a responsabilidade
socioambiental, podem ser trabalhados juntamente à utilização da tecnologia apresentada. A descentralização dos serviços de saneamento permite à comunidade refletir sobre suas práticas e atitudes em relação ao meio ambiente, bem como evidenciar e potencializar a capacidade de autonomia e de cidadania (PHILIPPI, 2000). Com base nas experiências já realizadas no Brasil e em porte de pesquisas vindouras, apresenta-se viável a utilização da tecnologia de Zona de Raízes como alternativa para o tratamento individual de esgotos, introduzindo assim os princípios de descentralização do saneamento nos municípios.
REFERÊNCIAS BRIX, H. Function of Macrophytes in Constructed Wetlands. Water Science and Technology. V 29, n. 4, p. 71-78, 1994. BRIX, H. Treatment of Wastewater in the Rhizosphere of Wetland Plants – The RootZone Method. Water. Science and. Technology. Vol. 19. p.107-118. 1987. COSTA, S. M. S. P. Avaliação do Potencial de Plantas Nativas do Brasil no Tratamento de Esgoto Doméstico e Efluentes Industriais em “Wetlands”
Construídos. 2004. 119p. Tese (Doutorado em Engenharia Química)-Faculdade de Engenharia Química. Campinas, UNICAMP, 200 KAICK, T. S. Estação de Tratamento de Esgoto por Meio de Zona de Raízes: uma proposta de tecnologia apropriada para saneamento básico no litoral do Paraná. 2002. 116 p. Dissertação (Mestrado em Tecnologia) – CEFET-PR, Curitiba/PR, 2002. KAICK, T. S. MACEDO, C. X. PRESZNHUK, R. A. Jardim Ecológico - Tratamento de Esgoto por Zona de Raízes: Análise e Comparação da Eficiência de uma Tecnologia de Saneamento Apropriada e Sustentável In: Anais VI Semana de Estudo em Engenharia Ambiental. UNICENTRO. 2008. SALATTI, E. Utilização de Sistemas de Wetlands Construídas para o Tratamento de Águas. Revista O Biológico. Vol. 65. n° 1. São Paulo, 2003. PAROLIN, M. CRISPIM, J. Q. SANTOS, M. S . Avaliação das Estações de Tratamento de Esgoto por Zona de Raízes Instaladas em Pequenas Propriedades Rurais. In: Anais do V EPCT- Encontro de Produção Cientifica e Tecnológica. Fecilcam. 2010. PHILIPPI, L. S. Saneamento Descentralizado: instrumento para o desenvolvimento sustentável. In: Anais do IX SILUBESA - Simpósio Luso-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental. ABES. 2000. PHILLIPI, L. S.; SEZERINO, P. H. Aplicação de Sistemas Tipo Wetlands no Tratamento de Águas Residuárias: utilização de filtros plantados com macrófitas. Florianópolis: 2004, 144p PLATZER, C. Design Recomendation for Subsurface Flow Constructed Wetlands for Nitrification and Denitrification. Water Science and Techology . V. 40, n.3, p.257263. 1999.