ALGO MAIOR
CÓDIGO DIVINO DA VIDA
ATIVE SEUS GENES E DESCUBRA QUEM VOCÊ QUER SER
Kazuo Murakami, Ph.D.
ítulo original: “INOCHI NO ANGOU” por Kazuo Murakami, Sunmark © 1997. ítulo da edição norte-americana: “Te Divine Code of Life – Awaken your Genes & Discover Hidden alents”, Beyond Words Publishing © 2006. Copyright 2008 © Barany Editora odos os direitos reservados. Nenhuma odos Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, reproduzida, de forma alguma, sem a permissão da Editora, exceto as citações incorporadas em artigos de crítica ou resenhas.
1ª Edição – Impresso no Brasil radução radução brasileira a partir do original original norte-americano, revisto e atualizado.
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Júlia Bárány Maria Cecília ilelli Holzschuh Salete ilel ilellili e Júlia Bárány Barany Editora e Sieben Gruppe Serviços Editoriais R������: Salete Brentan P������ ������� � ����: Guilherme Xavier E��������� ����������: Cintia de Cerqueira César Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Índice para Catálogo Sistemático: 1. ISBN 978-85-61080-02-0
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Sumário
PREFÁCIO ..................................................................... 7
INTRODUÇÃO ................................................................ 15
I • A DECODIFICAÇÃO DO MISTÉRIO DA VIDA .................... 31
II • ATIVE SEUS GENES ....................................................... 57
III • SUAS ATITUDES E O AMBIENTE EM QUE
VOCÊ VIVE PODEM ALTERAR SEUS GENES .................... 87
IV • LIÇÕES DE VIDA APRENDIDAS EM LABORATÓRIO ......... 121
PREFÁCIO
PREFÁCIO
Aos meus leitores:
Em outubro de 2004, fui convidado, junto com outros nove cientistas e visionários, a participar do debate “Diálogos entre o Budismo e a Ciência”, um encontro bianual promovido por Sua Santidade o Dalai Lama, em sua residência em Dharamsala, Índia. O Dalai Lama já havia lido sobre minha pesquisa a respeito da influência do riso na ativação dos genes e demonstrou grande interesse pelo assunto. O ator Richard Gere, outro convidado, também manifestou enorme interesse por minha apresentação. Este livro aborda quase todos os assuntos discutidos naquele encontro.
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Prefácio
As pesquisas no campo das ciências naturais estão progredindo de forma rápida e surpreendente, superando até mesmo as expectativas daqueles que atuam nessa área. O genoma humano foi decodificado há poucos anos e agora já dispomos dos meios e do conhecimento necessários para decifrar o corpo humano. Apesar de inicialmente termos acreditado que, ao decifrar o código genético, entenderíamos o mistério da vida, torna-se cada vez mais evidente que a vida não é algo tão simples. Quanto mais estudamos uma única célula sequer, mais nos damos conta de sua complexidade. Eu faço pesquisa na área de ciências naturais há mais de quarenta anos, sendo que, nos últimos vinte, dediquei-me mais à pesquisa genética. O objetivo deste livro é transmitir a inspiração, a surpresa e o maravilhamento evocados em mim tanto pelo conteúdo quanto pelo processo dessa pesquisa e, ao mesmo tempo, compartilhar com você a maneira de aplicar algumas dessas percepções na sua própria vida. Há dois assuntos em particular que gostaria de dividir com você. O primeiro deles é a surpreendente descoberta de que os nossos genes não são imutáveis, mas se alteram em resposta a diversos fatores. Quantas pessoas no mundo culpam os pais por suas inaptidões como, por exemplo, a inabilidade nos esportes? É certo que a hereditariedade influencia características e habilidades individuais. No entanto, apesar de nossos
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traços serem transmitidos geneticamente, nossos genes são equipados com um mecanismo liga-desliga. A prática regular de exercícios, por exemplo, ativa os genes benéficos, aumentando o tônus muscular e aprimorando a saúde, além de, simultaneamente, desativar genes prejudiciais. O meio ambiente também pode ser responsável pela ati vação desse mecanismo. De acordo com minhas pesquisas e experiências pessoais, a exposição a um ambiente diferente pode estimular os genes benéficos, liberando o nosso potencial. Ainda mais surpreendente é o fato de esse mecanismo liga-desliga poder ser acionado por uma atitude mental. Pesquisas recentes demonstram que a nossa maneira de pensar pode ativar ou desativar nossos genes. Em um recente experimento, que descreverei mais adiante, encontrei uma estreita relação entre o riso e a redução marcante dos níveis de açúcar no sangue em diabéticos, após as refeições. Posteriormente, identificamos os genes específicos que são ativados pelo riso, provando, pela primeira vez, que emoções positivas podem acionar o botão genético. Aprender como ativar genes benéficos e desativar genes prejudiciais pode abrir infinitas possibilidades de expansão do potencial humano. O segundo assunto apresentado neste livro é a visão de um cientista sobre o que torna possível todas as maravilhas que nos cercam. O foco do trabalho da minha vida tem sido o
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Prefácio
sistema enzimático/hormonal, bem como os genes que governam a hipertensão. Mas depois de quase um século de extensas pesquisas realizadas por vários cientistas competentes, ainda há muito desconhecimento, mesmo sobre esse assunto específico. O mecanismo da vida é um mistério surpreendente. As pessoas falam de “viver” como se isso fosse algo simples, mas nenhum de nós conseguiria sobreviver exclusivamente por meio de esforços conscientes. odas as nossas funções vitais, reguladas pelo funcionamento autônomo dos sistemas hormonal e nervoso, incluindo a respiração e a circulação sanguínea, operam ininterruptamente para assegurar nossa sobrevivência, sem qualquer esforço ou intervenção de nossa parte. O controle desses sistemas vitais é feito por nossos genes que, para tanto, precisam atuar em perfeita harmonia. Quando um gene é ativado, outro reage interrompendo ou intensificando sua atuação, e assim o sistema inteiro é afinado e regulado. É pouco provável que esse fantástico nível de organização ocorra por mera coincidência. Deve haver algo maior que seja responsável pela harmonia existente no mundo. Alguns falam de Deus, mas, como cientista, prefiro denominá-lo “Algo Maior”. Apesar de essa força ser invisível e imperceptível aos nossos outros sentidos, meu trabalho no campo das ciências naturais me levou a uma forte
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consciência de sua existência. Decifrar o código genético humano é um feito incrível, porém, o mais surpreendente é o fato de o próprio código ter sido impresso em nossos genes. Sabemos que não fomos nós que o escrevemos, mas sabemos também que não poderia ser um processo aleatório. O código genético, cujo conteúdo equivale ao volume de milhares de livros, está contido no espaço minúsculo de uma célula, além de controlá-la de modo ainda misterioso, porém incontestável.
Faz parte da natureza humana tentar desvendar o desconhecido e entender o incompreensível. “O que há de novo?” – é o refrão dos cientistas que demonstra que o destino da ciência é desenvolver-se. Enquanto existir curiosidade, esse progresso não terá fim. Novos avanços e descobertas, especialmente no campo das ciências naturais, produzem resultados imediatos, como o desenvolvimento de novas tecnologias, o aperfeiçoamento de técnicas de reprodução animal e a produção de novos medicamentos. Mas tais avanços também podem ter conseqüências desastrosas, uma vez que tanto a ciência quanto a tecnologia podem ser facilmente manipuladas para satisfazer interesses econômicos e ambições pessoais. Enquanto não encontrarmos uma forma de controlar esses instintos do ser humano, a ciência será sempre uma faca de dois gumes.
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A questão principal em relação aos clones humanos não se refere à tecnologia propriamente dita, mas à ambição humana. Até onde devemos ir? É correto criarmos uma cópia física de nós mesmos simplesmente porque assim o desejamos? Embora a ciência e a tecnologia tenham tornado essa façanha possível, cabe às pessoas decidir se querem ou não fazê-lo. Infelizmente, sabemos que tais decisões podem ser tomadas com base em interesses egoístas. Mas não devemos ser arrogantes. Em vez disso, de vemos nos lembrar que a vida, inclusive a nossa, é um presente do “Algo Maior” e não fruto da criação ou da ambição humana. Precisamos desenvolver em nós o discernimento e o respeito para sermos capazes de nos conter e evitar transgredir as leis naturais, mesmo que isso seja tecnicamente possível. Porém, o autocontrole baseado somente na ética não é suficiente. Ele deve nascer do conhecimento de que não existimos somente graças às nossas próprias forças e meios, mas graças a inúmeras outras vidas que sustentam a nossa. Se formos capazes de viver com gratidão e valorizar essa dádiva, conseguiremos ativar determinados genes adormecidos e abrir as portas para um novo e maravilhoso modo de vida. Como fundador do Institute for the Study of the MindGene Relationship1, estou trabalhando em um projeto cujo 1
Instituto para o Estudo da Relação Mente-Genes. (N.T.)
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objetivo é provar a hipótese de que a felicidade, a alegria, a inspiração, a gratidão e a oração podem ativar os genes benéficos. O resultado do experimento relativo ao riso é a nossa primeira descoberta. À medida que a pesquisa progride, poderá explicar os ensinamentos de Buda e de Cristo, descrevendo-os como mecanismos de ativação e desativação genética. Se há vinte anos eu tivesse ousado afirmar que emoções positivas podem ativar os genes, teria sido extremamente criticado pela falta de rigor científico. No entanto, com o passar do tempo, o número de cientistas que compartilham de minhas convicções tem aumentado. De fato, cientistas em todo o mundo têm realizado experimentos com o objetivo de compreender a forma pela qual os fatores psicológicos influenciam os fatores físicos. É preciso mudar o conceito equivocado de que a mente e o corpo funcionam separadamente. Enquanto isso não acontecer, será difícil erradicar doenças usando apenas os métodos científicos con vencionais. Os cientistas, como integrantes de uma comunidade internacional, devem dedicar mais esforços e recursos ao estudo da mente. No mundo de hoje, existem vários problemas que parecem insolúveis. Para que possamos resolvê-los, é fundamental que a ciência e a espiritualidade caminhem juntas e se complementem. Espero que este livro possa contribuir para esse propósito. Na minha busca por entendimento, tive a felicidade de conhecer várias pessoas maravilhosas. Sinto gratidão especial ao dr. Reo-
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na Ezaki, ganhador de um prêmio Nobel e reitor da Universidade de sukuba; e também ao dr. Hisateru Mitsuda, professor emérito da Universidade de Kyoto e meu eterno mentor. Ambos me orientaram por vários anos e aproveito esta oportunidade para expressar-lhes meus sinceros agradecimentos. Gostaria também de agradecer a Sua Santidade o Dalai Lama, por seu apoio à minha pesquisa, e expressar minha sincera gratidão a Richard Cohn e Cynthia Black da Editora Beyond Words Publishing, Inc., como também à tradutora Cathy Hirano, por contribuir com a publicação deste livro na língua inglesa. K���� M�������
INTRODUÇÃO
Os recentes avanços no fascinante campo da genética vêm atraindo a atenção de toda a comunidade internacional. O desenvolvimento de vegetais transgênicos tem gerado preocupação quanto à segurança de seu consumo, enquanto o nascimento de uma ovelha clonada, bem como de outros mamíferos, gera controvérsias em relação ao possível desen volvimento de clones humanos idênticos. emos uma idéia preconcebida a respeito do que são os genes, mas ainda há muito a se descobrir sobre eles. Até poucas décadas atrás, o termo hereditariedade era quase um sinônimo de carma ou destino. As características transmitidas de uma geração a outra eram consideradas
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Introdução
imutáveis, e afirmações do tipo “isso é genético; não há o que fazer” expressavam o conformismo diante do inevitável. Acreditava-se, por exemplo, que filhos de músicos deveriam ser abençoados com o dom da música, ao passo que os nascidos em uma família de diabéticos teriam uma probabilidade maior de desenvolver essa doença. Da mesma forma, acredita va-se que filhos de pais obesos se tornariam obesos e que filhos de portadores de câncer provavelmente também morreriam do mesmo mal. Convicções como essas estão tão arraigadas na nossa sociedade, que ainda hoje se acredita que sejam verdades. É claro que uma habilidade pode ser desenvolvida com trabalho árduo e muito esforço. Por outro lado, os efeitos dos genes nocivos podem ser minimizados, se os mantivermos sob rígido controle. Contudo, é difícil discutir com aqueles que insistem em afirmar que uma determinada característica, seja ela boa ou má, é “hereditária”. A recente pesquisa genética tem gerado grandes descobertas e, como essa ciência está relacionada ao estudo da vida propriamente dita, os novos achados nessa área costumam ser extraordinários. A descoberta descrita a seguir está diretamente relacionada com você. Experimentos conduzidos por mim e por outros cientistas sugerem que o ambiente e outros fatores externos possam influenciar o funcionamento dos genes, ou seja, genes
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que antes encontravam-se inativos podem ser “ativados”. Quando se fala em ambiente ou estímulos externos, geralmente as pessoas pensam em termos materiais, contudo eu incluo também o plano psicológico. O efeito dos estímulos psicológicos ou traumas nos genes, ou, em outras palavras, a conexão entre nossos genes e nossa mente tem despertado o interesse de pesquisadores. Existem várias evidências no mundo ao nosso redor que sugerem essa ligação. Embora nos deparemos com esse potencial em inúmeras ocasiões, às vezes não reconhecemos que de fato ele é o poder da mente em ação. Um grande trauma, por exemplo, pode fazer com que alguém fique com os cabelos embranquecidos da noite para a dia. Um paciente com câncer terminal, ao receber a notícia de que tem apenas alguns meses de vida, poderá viver seis meses, um ano, ou vários anos. O quadro de câncer depende da forma como o paciente encara a doença. Há aqueles que acreditam que irão melhorar e põem toda a sua energia nessa crença, enquanto outros acham que irão morrer e desistem da luta. Da mesma forma, alguém que tenha hipertensão grave, mas acredite ter pressão baixa, acaba apresentando menos sintomas da doença. Sabe-se também que alguém que jamais fumou na vida pode ter câncer de pulmão, enquanto outro, que fuma vários maços de cigarro por dia, pode estar perfeitamente saudável.
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Embora a ingestão de grande quantidade de sal possa causar hipertensão, há aqueles que apreciam alimentos salgados e apresentam pressão sanguínea normal. Sabemos ainda que pessoas sob condições extremas podem demonstrar força sobre-humana. Existem casos de alunos fracos na escola que, quando apaixonados, transformam-se em indivíduos esforçados e, de repente, passam a distinguir-se dos demais. Situações como estas ocorrem o tempo todo e as pessoas nos oferecem várias explicações para elas. Na verdade, tudo isso está diretamente relacionado à forma de funcionamento dos genes. Os resultados podem ser diferentes, dependendo da atitude de cada indivíduo. Por enquanto, a convicção de que tudo isso esteja intimamente relacionado com os genes está ainda no campo hipotético, porém há várias evidências circunstanciais que dão suporte a essa idéia. Pessoalmente, acredito que em um futuro próximo a influência dos fatores psicológicos no funcionamento dos nossos genes será comprovada, mas, até que isso aconteça, não vejo razão para esperarmos passivamente. Se o conhecimento pode contribuir para que tenhamos uma vida melhor, então devemos começar a usufruir disso imediatamente. Foi pensando nisso que resolvi escrever este li vro e compartilhar com você, leitor, as informações úteis e fascinantes que obtive em minhas pesquisas sobre os genes.
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A maravilha do código genético
Os genes estão em constante atividade. Além de comandarem a divisão celular e transmitirem as características hereditárias, também exercem funções diretas. Sem eles, nós, por exemplo, não poderíamos falar, uma vez que desempenham papel vital no processo de extração das informações lingüísticas armazenadas no cérebro. Os genes são necessários para mediar tarefas rotineiras, como levantar objetos, tocar piano e assim por diante. Além disso, é graças a eles que todas as proteínas que constituem nosso corpo são específicas da raça humana, apesar de a proteína animal também fazer parte da nossa dieta. O fato de não nos tornarmos porcos ou vacas ao ingerirmos a carne desses animais se deve também aos genes. Enfim, a ação deles está muito mais presente no nosso dia-a-dia do que imaginamos. Outra característica fascinante dos genes advém do fato de que, embora tenhamos códigos genéticos semelhantes, as infinitas combinações possíveis entre eles impede que duas pessoas sejam idênticas. Para cada criança, há setenta trilhões de combinações genéticas possíveis. Isso significa que a união de uma bela mulher com um homem muito inteligente não fará com que seus filhos sejam, necessariamente,
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Introdução
lindos e brilhantes. Conta-se que certa vez uma atriz muito bonita teria proposto casamento a George Bernard Shaw, pois queria um filho tão bonito quanto ela e tão inteligente quanto ele. Conhecido por sua sagacidade, o dramaturgo respondeu: “E se a criança nascer com a sua inteligência e a minha aparência?”. Podemos também examinar essa questão por outro ângulo: você existe como o resultado de uma entre setenta trilhões de possibilidades, e é por isso que você é tão especial. Existe ainda mais uma peça do quebra-cabeça que intriga os cientistas. Quem criou esse código fantástico? Os seres humanos certamente não o fizeram, mas isso significa que ele surgiu de forma espontânea? Afinal de contas, todos os ingredientes necessários para a geração da vida existem em profusão na natureza. Na minha opinião, é improvável que a vida resulte de uma mera coincidência. Se assim fosse, um carro poderia montar-se a si próprio, caso todas as partes e peças necessárias estivessem disponíveis em um mesmo ambiente. Como sabemos que isso não acontece, deve haver algo muito maior por trás disso tudo; uma força que está além da capacidade de compreensão humana. Há mais de dez anos refiro-me a essa força como “Algo Maior”. Não sei exatamente o que isso quer dizer, mas sei que a vida, um sistema perfeito que funciona primorosamen-
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te a partir do material genético condensado em uma minúscula célula, não existe sem essa força. Avanços significativos no campo das ciências naturais vêm nos permitindo desvendar, um a um, os mistérios desse sistema. Porém, nem mesmo um seleto grupo de ganhadores do prêmio Nobel seria capaz de criar sequer uma única bactéria. A reprodução do milagre da criação, a partir do zero, é algo que está além da nossa capacidade. Apesar dos nossos feitos extraordinários na área tecnológica, não podemos nos esquecer que devemos nossas vidas aos poderes extraordinários da natureza. Embora muitos imaginem que a “geração de bebês” seja algo simples, tal crença resulta da arrogância e ignorância do ser humano. Nossa única contribuição efetiva é criar a oportunidade para o aparecimento de uma nova vida e, depois, quando ela se torna realidade, fornecer o alimento que permita o seu desenvolvimento. As crianças crescem como conseqüência natural dos princípios da vida. A questão da clonagem
Muitos podem perguntar: e a clonagem? A tecnologia genética se desenvolveu a tal ponto que hoje em dia é possível fazer cópias de animais superiores. Já foram produzidos clones de ovelhas e macacos, e até mesmo embriões huma-
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Introdução
nos já foram duplicados em laboratório. O nascimento de Dolly, a primeira ovelha clonada, foi um marco importante na história da humanidade. Dolly não foi produzida a partir de gametas masculinos ou de células reprodutoras retiradas de uma ovelha adulta. Ela foi criada a partir de uma célula retirada da glândula mamária. Até então acreditavase que isso fosse impossível. Porém, à medida que os clones se tornavam maduros, apresentavam problemas de saúde que acabavam causando a morte precoce desses animais. Contudo, eles eram de fato cópias dos animais originais. Por que a clonagem de animais superiores é tão importante para as ciências naturais? Em tese, porque ela implica na possibilidade de se obter um clone humano a partir de qualquer célula, retirada de qualquer parte do corpo. Uma única célula de Shiego Nagashima, famoso treinador e jogador de beisebol japonês, poderia ser utilizada para criar várias cópias fisicamente idênticas a ele. Via de regra, óvulos fertilizados têm potencial para se tornarem seres vivos. Isso significa que a divisão celular leva à formação de um organismo independente. Da mesma forma, uma única célula retirada da folha de uma planta pode dar origem a qualquer outra parte dessa mesma planta; isso explica por que uma muda colocada no solo torna-se uma planta. Ao contrário dos vegetais, os óvulos fertilizados de animais
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perdem essa habilidade durante o estágio inicial da divisão celular. Acreditava-se que, apesar de os organismos inferiores como as rãs poderem ser clonados, jamais seria possível clonar um ser humano. Os cientistas acreditavam que uma vez que ocorresse a diferenciação celular, elas jamais voltariam ao estado original. Com o nascimento de Dolly, essa hipótese caiu por terra. Como já foi dito, Dolly foi clonada a partir de uma célula extraída da glândula mamária de outra ovelha. A função das células das glândulas mamárias é a produção de leite, e normalmente elas não realizam outras tarefas. Nesse caso, contudo, o núcleo da célula mamária de uma ovelha adulta foi retirado e introduzido em uma célula reprodutiva “anucleada” de uma segunda ovelha hospedeira. Quando estímulos externos como choques elétricos foram aplicados à célula que havia recebido o núcleo, esta passou a se dividir, como se fosse um óvulo fertilizado. Embora a clonagem de sapos e ratos pudesse não despertar muito interesse, a clonagem da ovelha Dolly demonstrou que a tecnologia desenvolvida poderia ser utilizada na clonagem de humanos, ou seja, teoricamente seria possível produzir uma criança a partir dos genes de dois homens. Da mesma forma, uma mulher que não quisesse atrapalhar sua carreira com uma gravidez poderia ainda assim ter seu próprio filho. eoricamente, tais possibilidades encontram-se ao nosso alcance.
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Introdução
Países como a Inglaterra, Alemanha e Dinamarca, já pre vendo o que poderia acontecer, criaram leis que proíbem a clonagem de seres humanos. Além desses países, muitos outros se recusam a patrocinar pesquisas que envolvam a clonagem humana. A preocupação em se implementar essas leis é natural, pois sabe-se que a partir do momento em que uma tecnologia existe, torna-se praticamente impossível controlar a sua utilização. Sempre haverá a possibilidade de alguém querer ser clonado e de existir outra pessoa que detenha a tecnologia necessária para tanto e concorde em produzir o clone, independentemente dos custos envolvidos ou de qualquer lei proibitiva. O debate em torno da clonagem é permeado por informações incorretas. Embora considere-se que o clone de um sapo seja simplesmente uma cópia idêntica do original, o mesmo não aconteceria em relação a um clone humano, pois mesmo que pudéssemos produzir um clone a partir do gene de um ser humano, a criança jamais seria uma réplica perfeita de seu doador. Adolf Hitler, por exemplo, se tornou daquela forma por ter sido criado em uma época e meio ambiente específicos. Se tivesse nascido em outro período e espaço físico, sua vida teria sido muito diferente. Embora o clone de Hitler pudesse ser fisicamente idêntico ao original, ele seria diferente em termos de personalidade.
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Ative genes benéficos por meio do “pensar genético”
No Japão, há um ditado que diz: “A doença começa na mente”. Em outras palavras, a maneira como pensamos pode nos dei xar doentes ou nos ajudar a encontrar a cura. É exatamente aqui, acredito eu, que os genes entram no jogo. A maneira como pensamos afeta o funcionamento de nossos genes e, como conseqüência, nos tornamos doentes ou saudáveis. Alguns cientistas crêem que os genes, e a forma como funcionam, determinam se teremos uma vida feliz ou não. Isso não significa que a felicidade humana possa ser decidida geneticamente no nascimento. Na verdade, acreditase que os genes responsáveis pela felicidade existam de forma latente em cada um de nós e estejam apenas esperando para serem ativados. Portanto, tudo que temos a fazer é “ligá-los” para que então passem a atuar em nosso benefício. Até onde se sabe, apenas de 5 a 10% de nossos genes encontram-se de fato ativos; não se sabe muito a respeito do papel dos 90 a 95% restantes. Em outras palavras, parece que a maior parte dos genes permanece inativa. Alguns genes que não entendemos ainda podem reagir intensamente ao nosso estado mental. O que fazer para ativar esses genes a nosso favor? A resposta é simples: viver plenamente e ter sempre uma atitude positiva perante a vida. Acredito que atitudes positivas levem ao sucesso e
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Introdução
ativem os genes responsáveis pela felicidade. Sabemos que a vida é mais fácil para aqueles que pensam positivamente e são movidos pelo entusiasmo e pela vitalidade. Chamo a isso viver com os genes ativados, ou “pensar genético”. Esse estado mental pode ativar os genes benéficos e desativar os nocivos. O funcionamento desse mecanismo ainda não é totalmente compreendido, mas o conceito popular do “pensamento positivo” pode estar relacionado a esse princípio. Muitos daqueles que mudaram o curso da história demonstravam uma atitude positiva diante da vida. Vários cientistas que não haviam conseguido grandes feitos no Japão tornaram-se brilhantes após terem se mudado para os Estados Unidos. Parece que nesses casos a mudança de ambiente foi responsável pela ativação dos genes benéficos. Assim como eles, eu também me tornei mais autoconfiante e desenvolvi minhas habilidades como cientista após me mudar para a América do Norte. Essa mudança ocorreu no início da minha carreira, quando ainda era bioquímico, e foi nos Estados Unidos que de pesquisador anônimo me transformei em um cientista conhecido e bem-sucedido. É claro que uma mudança de país, por si só, não leva a nenhuma alteração genética, e muitos dirão que a alteração se justifica apenas pelo novo ambiente. No entanto, é justamente a exposição a um novo espaço físico que pode levar ao acionamento dos genes inativos. Os Estados Unidos são conheci-
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dos como o país onde o “lobo solitário” 2 prospera. Assim, como no caso do lançador de beisebol japonês, Hideo Nomo, a ida para os Estados Unidos tem sido o gatilho do sucesso para muitos japoneses que “não se encaixavam” no Japão. A exposição a um ambiente de trabalho novo e desafiador faz com que eles comecem a produzir bons resultados. Além disso, o reconhecimento que recebem por seu empenho funciona como reforço positivo, e isso os leva a novas conquistas. O oposto também é verdadeiro. Os cientistas que se consideram incapazes não costumam ser muito competentes. Isso me faz pensar que seus genes benéficos simplesmente estão esperando para serem ativados. Hoje em dia, muitas pessoas parecem ter uma atitude negativa em relação à vida, algo extremamente prejudicial sob a perspectiva dos genes. Considerações do tipo “eu não devo comer demais”, “não devo beber tanto”, “preciso parar de fumar”, “tenho que diminuir a quantidade de sal na comida”, “preciso perder peso” e “deveria ter uma alimentação mais saudável” são exemplos de pensamentos que não levam à ativação dos genes benéficos. Embora estatisticamente tais afirmações sejam corretas, a convicção de que todas elas se aplicam a nós, em parti-
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Nos EUA, a expressão “lobo solitário” refere-se a uma pessoa individualista. (N. T.)
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Introdução
cular, pode levar a um estresse desnecessário e causar um impacto negativo sobre nossos genes. Na verdade, não sabemos se todos esses preceitos se aplicam a todas as pessoas. Por exemplo, não existem evidências conclusivas de que a quantidade de gordura corporal acima de 25% seja ruim para todos. E, como já disse, embora saibamos que o fumo causa câncer de pulmão, há um número significante de fumantes inveterados que não desenvolve a doença. Estudos adicionais sobre a influência dos fatores externos nos genes talvez nos dêem respostas mais conclusivas a esse respeito. No final, o que é bom para você pode não ser bom para uma outra pessoa. O que vou dizer agora pode até parecer insensatez, mas se você realmente gosta de fumar, e o seu hábito não prejudica aqueles com quem convive, talvez não haja razão para você abandonar o vício. Da mesma forma, se você gosta de certa bebida, não deixe de bebê-la; caso aprecie muito um determinado item culinário, não deixe de comê-lo. udo é permitido desde que não lhe faça mal. Podese até mesmo conviver com o câncer. O mais importante é desativar tantos genes nocivos quanto possível e ativar os benéficos, fazendo com que eles trabalhem a seu favor. A chave para isso é, mais uma vez, o “pensar genético” e, por meio de minhas pesquisas e experiência, cheguei à conclusão de que é uma forma eficaz de influenciar seus genes e melhorar sua vida.
I
A decodificação do mistério da vida
A compreensão das células e dos genes
Para que você aprenda como ativar seus genes, vamos começar falando um pouco a respeito da relação entre eles e as células. Nosso corpo é constituído por um número enorme de células, cerca de um trilhão para cada quilo de peso corporal. Isso significa que o organismo de um recém-nascido é composto por mais de três trilhões de células, e o de alguém com sessenta quilos, por aproximadamente sessenta trilhões. Um número grande como esse já causa surpresa, porém mais espantoso ainda é o fato de que, com raras exceções, os genes de cada célula são exatamente iguais.
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A decodificação do mistério da vida
O nosso corpo é constituído por diversas partes, cada uma com função e morfologia diferentes. Cabelo, unhas e pele, por exemplo, parecem ter pouco em comum, no entanto são constituídos por células com basicamente a mesma estrutura e função. E os genes que determinam essas funções são praticamente idênticos. Para que seja mais fácil você compreender, vou dar uma explicação simplificada da estrutura da célula. No centro de cada célula existe um núcleo recoberto por uma membrana (veja a figura 1). Os genes se encontram dentro desse núcleo. Se uma pessoa pudesse retroceder no tempo até o momento da sua concepção, veria que se formou de uma única célula (óvulo fertilizado). Por meio de processos sucessivos, essa primeira célula se divide em duas, que também se subdividem originando quatro, depois oito, dezesseis, e assim por diante até que, em um determinado estágio desse processo de divisão celular, as células começam a diferenciar-se e especializar-se. Algumas dão origem às mãos, outras às pernas, enquanto um terceiro grupo pode se transformar no cérebro ou no fígado. O processo de divisão continua dentro do útero materno por mais nove meses, até o nascimento do bebê, que terá cerca de três trilhões de células.
CÓDIGO DIVINO DA VIDA
FIGURA 1 –
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Estrutura celular
Membrana celular
Membrana nuclear
Núcleo
É claro que a divisão celular continua após o nascimento, mas o que nos interessa no momento são os genes. O núcleo da célula contém o ácido desoxirribonucléico (DNA), substância que denominamos genes. O DNA é formado por duas fitas em espiral, em cujas superfícies aparecem moléculas designadas por quatro letras: A, , C e G. Assim é o nosso código genético, e acredita-se que nele esteja toda a informação necessária para a existência da vida. No núcleo de uma única célula humana há cerca de três bilhões dessas letras, e a existência de cada pessoa depende da vasta quantidade de informação codificada em seu DNA. O fato de a informação contida em uma única célula do corpo ser exatamente igual àquela das outras ses-
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A decodificação do mistério da vida
senta trilhões significa que, em teoria, qualquer célula pode originar um ser humano completo. Mas, então, podemos nos perguntar: se cada célula contém toda a informação necessária para a formação do organismo completo, por que as células das unhas formam somente unhas, as do cabelo, somente cabelo, e nunca outra parte do corpo? E se uma célula do cabelo decidisse trocar de papel por um dia e se tornar uma célula do coração, ou mesmo se a do coração decidisse tornar-se uma célula da unha? Já que cada célula contém todas as informações, em teoria isso é possível. Mas as coisas não acontecem dessa forma, pois acredita-se que os genes que formam as unhas, por exemplo, foram programados para o “modo unha” enquanto todas as outras funções foram desativadas. Embora ainda não detenhamos todas as informações a esse respeito, sabese que durante o processo de divisão celular, a partir de um óvulo fertilizado, nossas células chegam de algum modo a um acordo com relação às suas funções. Sabe-se também que cada uma delas irá desempenhar rigorosamente essas funções.
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O mecanismo de ativação e desativação
Os genes de cada célula guardam uma grande quantidade de informação, dentre as quais as instruções de ativação e desativação, de acordo com a circunstância. Os geneticistas referem-se a essas instruções como mecanismo liga-desliga. Mas quando é que esses genes, que parecem quase infinitos em número, se ativam ou desativam? Sabe-se que alguns genes são ativados depois de um determinado tempo. Um bom exemplo são os genes que controlam o crescimento das mamas e da barba. Quando um indivíduo chega à puberdade, os genes responsáveis pela produção hormonal, que antes estavam latentes, são ativados. Como resultado, os meninos começam a apresentar características sexuais de um homem adulto e as meninas, de uma mulher adulta. Acredita-se que tanto o meio ambiente quanto os aspectos emocionais e mentais possam acelerar ou retardar todo esse processo, embora a inter-relação entre esses fatores ainda não esteja esclarecida. Vários cientistas estão pesquisando a influência dos genes na personalidade, temperamento e comportamento. Mas minha pesquisa caminha em direção contrária. Meu objetivo é entender como os fatores psicológicos afetam os genes. Por enquanto, a idéia
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A decodificação do mistério da vida
de que o comportamento psicológico está intimamente relacionado com a ativação e a desativação dos genes não passa de uma hipótese. Acredito que com o desenrolar das pesquisas isso será comprovado. Na realidade, a existência desse mecanismo liga-desliga não é mais uma hipótese. Há aproximadamente quarenta anos, François Jacob e Jacques Monod, dois cientistas do Instituto Pasteur, em Paris, descobriram, enquanto faziam pesquisas com a bactéria E. coli, uma função muito semelhante ao mecanismo liga-desliga. A E. coli , bactéria encontrada principalmente no intestino, tem como fonte principal de energia a glicose. Quando tanto a lactose quanto a glicose estão disponíveis no meio ambiente, a E. coli escolhe a glicose. Na primeira fase do experimento a que me refiro, havia tanto glicose quanto lactose e verificou-se que a E. coli sempre optava pela primeira. Na fase posterior, só a lactose foi disponibilizada. De início, a bactéria não se alimentou, mas depois de um curto espaço de tempo, passou a consumir lactose e a se multiplicar. Embora para um leigo tal constatação possa parecer ób via, para os cientistas o fato foi uma revelação. O objetivo do experimento conduzido por Jacob e Monod era verificar se a bactéria já possuía antes a capacidade de digerir a lac-
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tose, ou se a desenvolveu quando esta lhe foi fornecida. Após muitos estudos, os cientistas concluíram que essa característica não havia sido adquirida, pois a bactéria já possuía a capacidade de digerir a lactose. Em outras palavras, a capacidade de produzir lactase, enzima que degrada a lactose, já era inerente à E. coli . O que acontecia é que, quando a glicose estava presente no meio, o gene que produz a lactase era desativado. Quando, porém, só a lactose estava disponível, a bactéria não tinha outra opção a não ser consumir essa fonte de energia para sobreviver, e, assim, o gene responsável pela produção da lactase era ativado. Portanto, não se tratava de uma habilidade nova, mas sim de uma característica já existente que, antes, estava latente. Essa descoberta foi considerada muito importante, pois representou uma ruptura do conhecimento na época a respeito dos genes. O que está codificado nos nossos genes?
Permita-me fazer um resumo do funcionamento dos genes. Literalmente, toda a riqueza de informação contida nos genes está codificada no DNA existente em nossas células. Há cerca de cinqüenta anos fez-se uma descoberta extraordinária: todos os seres vivos usam o mesmo código ge-
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nético. Isso significa que todos, sejam eles fungos, a bactéria E. coli , plantas, animais ou seres humanos, funcionam de acordo com o mesmo princípio. A unidade básica de todos os seres vivos é a célula. Os genes determinam a função celular e operam de acordo com princípios comuns. Essa é a evidência de que todos os organismos vivos se desenvol veram por meio de uma única célula. alvez isso explique a razão pela qual tantas pessoas sentem-se calmas e serenas quando estão cercadas por plantas e árvores. Explica também o motivo de tanta afinidade com animais , como gatos e cães. Uma vez que temos todos a mesma origem, estamos ligados pelo mesmo elo. odo esse conhecimento auxiliou os cientistas a desvendarem muitos dos mistérios que envolvem a vida. Conseguimos até mesmo decifrar o código genético humano, o que nos levou a outras descobertas surpreendentes. Sabemos, por exemplo, que nossos genes são muito pequenos. O código genético humano, constituído por mais de três milhões de “letras químicas”, está todo contido em fitas microscópicas que pesam não mais de 1/200 bilhões de grama e têm apenas 1/500.000 milímetros de largura, mas que, se esticados, chegariam a três metros de comprimento. Se fosse possível fatiar um cabo de um milímetro de diâmetro em fragmentos de um centésimo, o resultado
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desse processo seriam fibras tão delicadas que se desintegrariam com extrema facilidade; ainda assim seriam cinco mil vezes mais espessas que uma fita de DNA. Para que você tenha uma noção do que isso representa, imagine que se juntássemos todo o DNA dos seis bilhões de pessoas do mundo, isso pesaria apenas o equivalente a um grão de arroz. Nossos genes são mesmo infinitesimalmente pequenos. Vamos acrescentar mais algumas informações pertinentes. Os genes são o código da vida, o elemento básico que torna possível a transmissão de informações essenciais de uma geração a outra. As células, por sua vez, são a unidade básica de todos os seres vivos. Como mostra a figura 2, o DNA é uma longa fita dupla que contém uma combinação complexa de açúcares simples e fosfatos. Essas duas fitas formam uma espiral helicoidal retorcida para a direita, que lembra uma escada, e é denominada “hélice dupla”. Os filamentos apresentam “degraus” de conexão, a intervalos regulares, formados por quatro elementos químicos. oda a informação genética, em qualquer organismo, está inscrita nessa hélice dupla em pontos que correspondem aos “degraus” da escada e que utilizam quatro “letras químicas”: A, , C e G, que correspondem a adenina, timina, citosina e guanina. Essas quatro bases agrupam-se em
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pares — adenina com timina e citosina com guanina. Esses pares se mantêm unidos às duas fitas, constituídas por moléculas de açúcar e fosfato, para formar a hélice dupla. Essa é a estrutura do DNA, ou seja, do nosso gene. A informação contida nos genes, conhecida como informação genética, equivale a três bilhões dessas “letras” e, caso fosse impressa, resultaria em três mil livros, de mil páginas cada um. FIGURA 2 –
A estrutura do gene (DNA)
O DNA é composto por quatro bases nitrogenadas – adenina, timina, citosina e guanina – e duas fitas constituídas por fosfato e açúcar. Essas bases unem-se aos pares, adenina com timina, e citosina com guanina, formando os degraus da escada helicoidal conhecida como DNA.
Adenina
Timina
Guanina Citosina P= phosphate
F - fosfato
pares de bases
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O fato de toda a estrutura de seres tão complexos como o ser humano ser determinada por informações codificadas em apenas quatro letras químicas é algo surpreendente. Ainda mais inacreditável é constatar que a estrutura genética de todos os seres vivos, desde um minúsculo micróbio até o mais complexo dos animais, é idêntica. Na verdade, seres humanos e plantas têm mais de 90% dos genes em comum. Os organismos unicelulares, como o fungo ou a bactéria E. coli , funcionam de acordo com os mesmos princípios básicos contidos em sessenta trilhões de células que regem os seres humanos. E o mais espantoso é que essa imensa quantidade de informação está encerrada na microscópica estrutura do DNA. A tabela de decodificação do DNA identifica proteínas
Quando comecei a estudar os genes , sentia-me em permanente estado de graça. Q ualquer que fosse o aspecto ao qual
me dedicasse no estudo do DNA, meu deslumbramento em relação ao milagre da vida ficava cada vez maior. Havia perguntas que não saíam da minha cabeça: como é que foi criada uma estrutura tão diminuta, precisa e essencial para a vida?
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A estrutura do DNA foi descoberta em 1953 e, desde então, as pesquisas que visam decifrar os mistérios da vida têm avançado tanto que, hoje em dia, podemos literalmente ler o código genético de bactérias, animais e até mesmo do ser humano. Mas o que é esse código exatamente, e como podemos fazer sua leitura? O código genético é, na verdade, uma série de instruções para a produção de proteínas. Sabe-se que, assim como a água, as proteínas são fundamentais para a vida. Elas não são apenas elementos estruturais; também fazem parte das enzimas, que são moléculas essenciais para as reações químicas que ocorrem em nosso corpo. Em outras pala vras, são a base para o milagre que denominamos vida. As proteínas são constituídas por vinte aminoácidos diferentes e é a combinação entre eles que determina o tipo de proteína resultante. O DNA, por sua vez, contém as instruções que determinam a produção e a ordem desses vinte aminoácidos diferentes. Os pares de bases que constituem os degraus da escada em caracol se arranjam em palavras constituídas por três “letras”. Como a adenina (A) sempre se liga à timina (), e a citosina (C) se liga à guanina (G) — embora as combinações possam ser A e A ou CG e GC —, quando dizemos “palavras”, na verdade estamos nos referindo apenas à primeira letra de cada par.
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Na “palavra” de três letras, AG, por exemplo, o A vem primeiro, seguido pelo e então pelo G, como se fossem três degraus da escada. De acordo com a tabela de decodificação apresentada na figura 3, a combinação AG contém as instruções necessárias para a produção do aminoácido metionina. A identificação do aminoácido específico resultante dos trios das bases nitrogenadas A, , C e G é conhecida como leitura do código genético. As quatro bases nitrogenadas A, , C e G são como as letras do alfabeto, já os trios de bases que codificam um determinado aminoácido são como as palavras num dicionário. O aminoácido glutamina, por exemplo, é a expressão da “pala vra” GAA ou GAG. Com base na tabela da figura 3, teoricamente podemos decodificar a informação genética de todos os seres vivos. Para simplificar, vamos imaginar que cada uma de nossas células contenha uma biblioteca. Quando a célula deseja realizar uma tarefa, ela vai à biblioteca, abre um livro, aprende o que, quando e como fazer para conseguir o que deseja e então começa a realizar a tarefa exatamente conforme descrita no livro. Nessa analogia, nossos ge-
nes, ou o DNA, seriam as páginas desse livro, enquanto seu conteúdo seria a informação genética. FIGURA 3 – Tabela de decodificação do
DNA
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FIGURA 3 – Tabela de decodificação do DNA
1º Letra T
Segunda letra C
A
G
3ª Letra
T
fenilalanina fenilalanina cisteina leucina
serina serina serina serina
serina treonina finalizador finalizador
cisteina cisteina finalizador triptofano
T C A G
C
leucina leucina leucina leucina
prolina prolina prolina prolina
histidina histidina glutamina glutamina
arginina arginina arginina arginina
T C A G
A
isoleucina isoleucina isoleucina metionina
treonina treonina treonina treonina
asparagina asparagina lisina lisina
serina serina arginina arginina
T C A G
alanina alanina alanina alanina
ácido aspártico ácido aspártico ácido aspártico ácido aspártico
glicina glicina glicina glicina
T C A G
(inicializador)
G
valina valina valina valina (inicializador)
Um aminoácido específico é determinado por três das quatro bases (T, C, A e G).
Mas um livro é somente um livro. Por mais apetitosa que nos pareça a receita culinária, ela não saciará nossa fome. É preciso seguir as instruções e preparar o prato, do contrário será apenas uma bela imagem num livro. É aqui que o cozinheiro, o RNA mensageiro (ácido ribonucléico) entra em cena. O RNA mensageiro vai até o DNA, copia a informação nele contida, num processo denominado “transcrição”, e com base
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na informação obtida produz as proteínas, utilizando os aminoácidos como ingredientes. Depois de produzidas, as proteínas fazem o trabalho para o qual estão programadas na célula. Genes que regulam o mecanismo liga-desliga
Para entender melhor o mecanismo liga-desliga, precisamos compreender a importância do papel das proteínas. As proteínas são os componentes fundamentais de todo e qualquer ser vivo. Reconhecidas como elementos fundamentais na nossa dieta, elas são classificadas pelos nutricionistas como um dos três macronutrientes, juntamente com as gorduras e os carboidratos. E qual é a relação entre eles? Imagine uma casa. A fundação, os materiais de construção e a mobília, tudo que tenha forma definida é constituído por proteínas. As gorduras são como o cimento que une os tijolos, dando firmeza à estrutura como um todo. Os carboidratos fornecem energia, assim como a eletricidade e o gás. Viver significa morar em uma casa como essa. Mesmo que possamos contar com o suprimento necessário de gás e energia e mesmo que tenhamos o cimento que una os tijolos, ainda assim não teremos uma casa. Primeiro, precisamos do material necessário para a fundação, da madeira para construir as vigas, os suportes e o assoalho, e dos tijolos para levantar as paredes. Esse
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papel é desempenhado pelas proteínas. As proteínas são utilizadas não só na estrutura, no piso e nas paredes da casa, mas também nos aparelhos domésticos, como aspirador de pó e máquina de lavar, bem como panelas, utensílios de cozinha e a louça. Os genes determinam quais proteínas e em que quantidade serão fabricadas. Os aminoácidos, por sua vez, são os componentes das proteínas. O corpo humano é capaz de produzir doze dos vinte tipos de aminoácidos existentes; os outros oito, conhecidos como aminoácidos essenciais, precisam ser obtidos por meio de fontes externas. As proteínas são formadas pela combinação de aminoácidos específicos. A composição de aminoácidos encontrada na carne de porco ou vaca, por exemplo, é completamente diferente daquela encontrada nos seres humanos. É por esse motivo que ao ingerirmos esse tipo de carne, as suas proteínas são inicialmente quebradas em aminoácidos, para então, de acordo com as instruções dadas pelos nossos genes, serem utilizadas na produção de no vas proteínas que, aí sim, farão parte de nossos ossos, músculos, pele e órgãos. O corpo humano também secreta hormônios e enzimas importantes, a maioria dos quais são proteínas. Portanto, as proteínas são igualmente partes essenciais do mecanismo liga-desliga. A título de ilustração desse mecanismo, e para que você entenda melhor como ativar seus genes adormecidos inativos, vamos voltar àquele experi-
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mento realizado por Jacob e Monod com a bactéria E. coli e a lactose. A figura 4 mostra a mudança ocorrida quando a bactéria passa a utilizar a lactose como fonte de energia. Na parte superior da figura (A) podemos observar o que ocorre com a bactéria quando apenas a glicose está presente no meio. Nesse caso, uma proteína especial, denominada repressora, produzida por um gene regulador, liga-se à parte do gene operador, o responsável por iniciar a leitura da informação genética. Quando isso acontece, o gene operador é bloqueado, a transcrição não acontece e a lactose não é fabricada. Em outras palavras, o gene é desligado. Grosso modo, o processo é semelhante àquele que ocorre nas livrarias, quando os livros são embalados em um plástico transparente para que os clientes não possam folheá-los antes da compra. Ainda que você encontre o livro que estava procurando, não é possível abri-lo, a menos que o plástico seja remo vido. O livro está lá, mas não pode ser lido, da mesma forma como acontece com as instruções para decomposição da lactose presentes nos genes da bactéria E. coli . No entanto, quando a glicose não está presente no meio, a bactéria é obrigada a digerir lactose para obter nutrientes, os genes mudam, como ilustrado na parte inferior da figura (B), e a leitura das informações pode ser feita. Conforme podemos observar na figura (B), o repressor liga-se à lactose, liberando o operador e permitindo
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FIGURA 4 –
O Mecanismo liga/desliga
A. Glicose disponível gene gene
produtor de
regulador
lactase operador
DNA RNA mensageiro
O repressor se liga ao operador, impedindo que o RNA mensageiro produza a lactase.
proteína repressor (fator inibidor)
B. Lactose disponível Ausência de Glucose
gene
gene
produtor de
regulador
lactase operador
DNA RNA mensageiro
repressor desativado
proteína repressor
lactase lactose
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que a lactase seja produzida. Na nossa analogia com a livraria, o envoltório plástico seria removido, permitindo assim a leitura do
livro, ou seja, ativando o gene. Em outras palavras, embora os genes estejam equipados com uma vasta quantidade de informações, nem todas são utilizadas. Quando necessário, o DNA presente no núcleo é transcrito em RNA mensageiro. Após a transcrição, o RNA mensageiro é imediatamente traduzido em proteínas e enzimas, que são as substâncias mais importantes para a atividade celular, mas , ao mesmo tempo, eles impedem que informações desnecessárias sejam lidas. Esse mecanismo funciona de forma semelhante ao interruptor de um aparelho elétrico, e é por isso que os cientistas o denominaram mecanismo liga-desliga. O experimento da glicose/lactose provou, pela primeira vez , que os genes possuem essa função inerente. A descoberta de que os genes apresentam capacidades latentes marcou época. Para explicar tal fenômeno, Jacob e Monod propuseram a existência dos genes estruturais que sintetizam proteínas, e dos genes reguladores que ativam o mecanismo liga-desliga. al hipótese foi provada e é conhecida como Modelo do Operon. Jacob e Monod, juntamente com André M. Lwoff , ganharam o Prêmio Nobel de Psicologia e Medicina em 1965, em reconhecimento pela importante descoberta científica. Graças ao trabalho
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pioneiro desses três cientistas, estamos mais perto de descobrir o potencial dos genes, e no meu caso em particular de entender como funciona o mecanismo de ativação dos genes benéficos, para assim fazê-los trabalhar a nosso favor. Reações químicas ocorrem continuamente no corpo humano
Muitos acreditam que os genes são simplesmente transmitidos de pai para filho e que não têm importância em nossas atividades do dia-a-dia. Isso não é verdade. Os genes se mantêm ativos a cada minuto, a cada segundo de nossas vidas, e se parassem de trabalhar nós não sobreviveríamos. udo o que ocorre no nosso corpo é resultado de reações químicas. Pode parecer não muito inspirador descrever a vida como uma reação química, mas é cientificamente correto. Um bom exemplo é a força sobre-humana que algumas pessoas adquirem em momentos de perigo. enho certeza de que você já ouviu falar de pessoas que foram capazes de remover objetos extremamente pesados em situações de acidentes ou incêndios. Alguém que em uma situação normal não seria capaz de erguer um peso maior que cinqüenta quilos, de repente consegue levantar cem quilos. Normalmente, essa força é atribuída a fatores psicológicos. Dizem que tudo é possível quando a vontande é intensa. Porém,
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sem uma reação química que torne essa ação possível, uma pessoa nada poderá fazer, por mais que deseje. A primeira condição essencial é a energia. Em caso de emergência, genes que até então eram responsáveis por produzir energia suficiente para uma pessoa levantar apenas cinqüenta quilos, passam a produzir o dobro de energia. udo na vida resulta de reações químicas que acontecem em resposta a uma determinada situação. É isso que significa “viver”. Fábricas de produtos químicos também produzem reações químicas. Do ponto de vista bioquímico, essas reações são em teoria semelhantes àquelas que constituem o processo que denominamos vida. Há, no entanto, uma diferença significativa entre as reações químicas que ocorrem no nosso corpo e aquelas que acontecem nas fábricas de produtos químicos. Estas últimas só podem acontecer em condições extremas, como exposição a temperatura, pressão, acidez ou alcalinidade elevadas. Já aquelas que ocorrem nas células de organismos vivos acontecem num ambiente comum, a temperaturas e pressões normais para o corpo humano. São as enzimas que tornam tudo isso possível. Embora não sejam as agentes principais do processo, as enzimas funcionam como catalisadores e agem sobre substâncias específicas, possibilitando que as reações químicas ocorram suavemente. Milhares de reações químicas acontecem de maneira veloz e sistemática den-
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tro de células que não pesam mais de um bilionésimo de grama. As enzimas desempenham um papel fundamental nesse processo. Veja o caso da hipertensão, por exemplo. Considera-se que a enzima renina seja a responsável pelo agravamento dessa doença, mas, na verdade, é o hormônio angiotensina, produzido pela renina, que causa o aumento da pressão. Portanto, pode-se dizer que a renina age nos bastidores, por meio de um hormônio subordinado, para realizar seu trabalho. Uma característica notável das enzimas é o fato de elas só se ligarem a substâncias específicas. Assim como uma chave serve para uma determinada fechadura, a correlata de uma determinada enzima já é predeterminada — a enzima A se liga à a , a enzima B, à b, e assim por diante. As enzimas são capazes de selecionar congêneres com precisão absoluta, o que torna possível a ocorrência de milhares de reações químicas simultaneamente dentro de uma mesma célula. Outra característica importante das enzimas é sua velocidade. Vamos imaginar que a célula precise produzir uma determinada substância. Caso o meio já contenha todo o material necessário para isso, a presença da enzima fará com que tal substância seja produzida dez bilhões de vezes mais rápido que o normal. O amido, por exemplo, continuaria sendo amido mesmo depois de um ano; qualquer alteração,
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sem a presença de enzimas, ocorreria de forma gradual. No entanto, quando ingerido, em poucas horas passa por várias reações químicas para gerar energia. Isso demonstra que os fenômenos que ocorrem dentro do corpo acontecem a velocidades inimagináveis quando comparados àqueles que ocorrem no meio externo. Algumas pessoas acreditam que depois da idade adulta poucas mudanças ocorrem no corpo humano. Afinal de contas, o período de crescimento já chegou ao fim, e tanto o peso quanto a altura permanecem praticamente constantes. No entanto, ao contrário do que possa parecer, mudanças e reposições ocorrem o tempo todo. As taxas de destruição e reposição de glóbulos vermelhos do sangue, nos adultos, são da ordem de centenas de bilhões por dia. As proteínas presentes nos rins, fígado e coração se degeneram e regeneram a velocidades incríveis. Esse processo é conhecido como equilíbrio metabólico e é muito mais dinâmico do que imaginamos. Graças às enzimas, as reações químicas de síntese e desintegração, que ocorrem nas células e obedecem a uma programação previamente estabelecida, acontecem a uma velocidade espantosa. As enzimas, com seus poderes quase mágicos, são controladas por receptores que por sua vez são controlados pelos genes. Portanto, ao influenciarmos nossos genes, pode-
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mos estar, indiretamente, influenciando nossas enzimas. Na verdade, alguns milagres que ocorrem ao nosso redor podem ser causados pela ação da mente sobre os genes e acabam desencadeando reações químicas extremamente rápidas. Embora seja difícil provar objetivamente a afirmação citada, há muitas evidências circunstanciais que a sustentam. Lembro de dois exemplos. Quando eu era estudante, alguns monges budistas bem-humorados e vigorosos, submetidos a um rigoroso treinamento asceta, costumavam descer do seu retiro na montanha, todas as noites, e dirigir-se ao vilare jo, em busca de diversão; ao amanhecer, retornavam para cumprir suas obrigações. Alguns deles tinham tanta energia que conseguiam manter-se nesse ritmo dias a fio; o desejo de se divertir era tanto que nem sentiam o cansaço no dia seguinte. O mesmo acontece em meu laboratório. Observo que às vezes alguns assistentes parecem estar muito desanimados e cansados. Não correspondem às minhas expectativas nem se empenham como eu gostaria. No entanto, quando a pesquisa deles se aproxima de uma virada revolucionária de âmbito internacional e fica na mira dos holofotes, eles são capazes de trabalhar a noite inteira, sem queixa alguma. Uma vez moti vados, não demonstram cansaço, mesmo que não tenham dormindo o suficiente. Quando temos que nos encontrar com alguém com
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quem não simpatizamos, parece até que nossos pés não nos obedecem. Por outro lado, quando vamos ao encontro de alguém de quem realmente gostamos e que desejamos ver, sentimo-nos tão leves que parece até que poderíamos voar ao encontro dessa pessoa. Essas manifestações físicas de nossas emoções seriam impossíveis sem a ação de várias enzimas diferentes, cuja velocidade de produção é controlada pelos genes. Esses fatos, portanto, também devem estar relacionados com o mecanismo liga-desliga dos genes. Veja o caso de uma pessoa que após passar por um trauma psicológico fica com os cabelos brancos da noite para o dia. Há determinados genes que trabalham ininterruptamente para produzir a proteína que compõe o cabelo. Uma mudança tão repentina só pode significar que os genes encarregados do processo normal de crescimento do cabelo foram desativados ou que aqueles que causam o envelhecimento foram precocemente ativados. O fato é que os genes estão por trás de muitos outros eventos cotidianos. No próximo capítulo, trataremos das manifestações físicas do nosso estado emocional e discutiremos maneiras de influenciar positivamente nossos genes.
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Ative seus genes
O papel do pensamento positivo na ativação dos genes benéficos
Com certeza, seria melhor que os genes nocivos permanecessem desativados, enquanto os benéficos fossem mantidos ativados. Acredito que o pensamento positivo seja a chave para isso. Os conceitos de pensamento positivo e negativo nos são tão familiares hoje em dia, que a frase “pense positivamente” tornou-se parte de nosso vocabulário cotidiano. Mas sabemos que todos passam por bons e maus momentos e quando as coisas não vão bem, nem sempre é fácil manter uma atitude positiva. Para que a diferença entre esses dois tipos de pensamento fique mais clara, vamos compará-los pela ótica da entropia.
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Ative seus genes
O que acontece quando uma gota de tinta cai num recipiente cheio de água? Sabemos que se dilui imediatamente. E por que essa gota não se concentra em um único ponto? Esse fenômeno tem implicações profundas. No mundo físico, acredita-se que a matéria organizada tende a seguir naturalmente em direção à desorganização ou deterioração. Esse fenômeno é conhecido como lei da entropia crescente. Não se limita à gota de tinta. rata-se de um princípio geral que se aplica ao mundo material como um todo, e uma vez que também somos feitos de matéria, estamos sujeitos a essa lei. Desde o momento do nascimento, caminhamos para a destruição e morte. A única razão plausível para isso é o fato de que nossos genes também obedeçam à lei da entropia, ou seja, nosso corpo já vem programado para a morte celular. Se nossos genes, de repente, começassem a trabalhar a todo vapor, morreríamos em pouco tempo, pois eles estariam sujeitos a um processo de desgaste intenso. No entanto, os genes estão programados para nos manter vivos e evitar a entropia crescente. Em outras palavras, o ato de viver pode ser analisado como a reprogramação dos processos que naturalmente caminham em direção à destruição, para que o façam em direção à ordem. Esse fenômeno é conhecido como redução da entropia. Utilizemos como exemplo um dicionário, cuja função é específica. O que aconteceria se todas as suas páginas fossem ar-
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rancadas e espalhadas pela sala? Embora o volume de informação continuasse o mesmo, não poderíamos dizer que esse dicionário ainda tivesse a mesma função. O mesmo ocorre com o aumento de entropia. Agora imagine que você reunisse todas as páginas espalhadas, as ordenasse e cuidadosamente as encadernasse novamente. Nesse caso, o livro voltaria a ser um dicionário, ou seja, a entropia seria reduzida. Os genes e as enzimas produzidas sob o seu comando têm um papel importante na redução de entropia. Quando ingerimos carne de porco, por exemplo, a proteína da carne é quebrada em aminoácidos, e estes, por sua vez, são rearran jados para originar proteína humana. odo esse processo é conduzido por enzimas orientadas pelos genes. Nesse caso, o processo de decomposição representa o aumento de entropia, enquanto a síntese significa a redução. Se aplicássemos o princípio de entropia ao conceito de pensamento positivo e negativo, seria apropriado imaginar que o pensamento positivo leva à redução de entropia, enquanto o negativo, ao seu aumento. A compreensão dessa dinâmica torna-se mais fácil por meio do estudo sobre o diabetes e o riso que veremos a seguir. Se de acordo com minhas pesquisas o pensamento positivo leva à redução da entropia, então a escolha entre pensar positiva ou negativamente é muito diferente de escolher entre a ingestão de um alimento
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Ative seus genes
doce ou apimentado. No caso da alimentação, tudo se resume a uma questão de gosto e, no fundo, não faz diferença. Uma vez que não exageremos, é possível alimentar-se e ter prazer ao mesmo tempo. Entretanto, o mesmo não acontece em relação ao pensamento positivo ou negativo. Neste caso, a opção que você fizer com certeza trará conseqüências. Não há dúvidas em relação a qual escolha é a mais acertada. O pensamento positivo faz com que nossos genes se esforcem para reduzir a entropia, enquanto o pensamento negativo leva ao aumento de entropia. Um experimento realizado por mim em 2003 confirmou cientificamente o poder de influência que o pensamento positi vo exerce sobre os nossos genes. Partindo da premissa de que os genes são ligados ou desligados por fatores físicos ou químicos, propus que fatores mentais também pudessem estar envolvidos nesse processo. Para ser mais específico, fatores positivos como felicidade, entusiasmo, fé e oração ativam a transcrição de genes importantes, enquanto fatores negativos como ansiedade, estresse, tristeza, medo e sofrimento desativam a transcrição de genes também valiosos. Com o intuito de provar a minha hipótese, aliei-me à Yoshimoto Kogyo Co., uma das gigantes do ramo de entretenimento no Japão. O objetivo era estudar o efeito do riso sobre a atividade dos genes. Nosso foco principal era a forma como o riso afetaria os níveis de glicose no sangue em pesso-
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as com diabetes do tipo 2. Na pesquisa, medimos os níveis de glicose no sangue dos voluntários em jejum (FBG3) e os dividimos em dois grupos. O primeiro grupo assistiu a uma palestra enfadonha e o segundo, a um show cômico. Na seqüência, uma refeição lhes foi servida e o nível de glicose no sangue após a refeição (PPBG4) foi medido. O primeiro experimento que fizemos mostrou que aqueles que tinham assistido à palestra tiveram um acréscimo de 123 mg/dL dos níveis de glicose no sangue, enquanto o acréscimo entre aqueles que haviam assistido ao show cômico foi de apenas 77 mg/dL. Repetimos o experimento e novamente constatamos um aumento significativamente menor de PPBG naqueles que viram o show. O riso, segundo indicou a pesquisa, tem efeito benéfico sobre os níveis de glicose no sangue. O estudo também nos mostrou que o riso pode ativar 23 genes diferentes, sendo que um deles, o responsável pelo receptor de dopamina D4 (DRD45), está relacionado com a enzima adenilil ciclase, que
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FBG – Fasting Blood Glucose: sigla em inglês para glicose no sangue, em jejum. (N. T.)
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PPBG – Postprandial Blood Glucose: sigla em inglês para glicose no sangue após as refeições. (N. T.)
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DRD4 – Gene que codifca um tipo de receptor de dopamina conhecido como D4. (N. T.)
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tem um papel no aumento dos níveis de glicemia. Esse achado pode ser importante para a manutenção de níveis ideais de glicemia em pacientes com diabetes. As implicações, no entanto, são muito mais amplas, pois, pela primeira vez, ficou provado que emoções positivas podem alterar a ação dos genes. Esses resultados foram publicados na revista médica Diabetes Care , em maio de 2003, no periódico Psychotherapy and Psychosomatics , em 2006, e divulgados internacionalmente pela agência Reuters. 6
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Pense sempre positivo
As evidências também apontam para os efeitos tangíveis do estado mental positivo ou negativo. Embora se saiba que em geral o processo de embranquecimento dos cabelos é contínuo e demore décadas para ocorrer, traumas psicológicos, como já mencionado, podem ativar um gene que acelera esse processo. Você já imaginou o que aconteceria se pudéssemos invertê-lo? A dificuldade está, obviamente, em encontrarmos uma forma de fazer isso. Se um trauma é a conseqüência de um choque
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Diabetes Care – signifca cuidados com o diabete. (N. T.)
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Psychotherapy and Psychosomatics – traduzido para o português seria psicoterapia e psicossomática. (N. T.)
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mental negativo, então podemos supor que o oposto, ou seja, uma alegria incomensurável, poderia ativar os genes benéficos. Porém, como nossos genes trabalham incessantemente, para conseguir tal façanha teríamos que manter nossa mente sempre focada na sensação de felicidade, e a única forma de se obter isso é por meio do pensamento positivo. Deveríamos nos manter conscientes em relação a pensamentos positivos, principalmente nos momentos de dificuldade e sofrimento, pois é nesses momentos que eles se fazem mais necessários. Sabemos que é muito mais fácil pensar positivamente quando tudo está indo bem. O teste está em manter o pensamento positivo mesmo em situações difíceis, visto que, quando tudo vai bem nem precisamos nos preocupar em pensar positivamente. Por experiência própria, cientistas enfrentam situações difíceis durante longos projetos de pesquisa. Não é incomum, nesses casos, que sejam tomados por uma sensação de fracasso e descrença. O segredo é sempre procurar maneiras de evitar o desânimo. Para isso, utilizo uma técnica que funciona muito bem. Eu mantenho em mente que qualquer situação possui sempre dois lados: o positivo e o negativo. udo depende de nossa interpretação. omemos as doenças, por exemplo. Quando uma pessoa adoece, é fácil ver apenas o lado nega-
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tivo da situação, pois ela fica impossibilitada de trabalhar e acaba tendo dificuldades financeiras. No entanto, adoecer também tem o seu efeito positivo, porque nos ajuda a valorizar as pessoas que são realmente importantes em nossa vida e nos dá tempo para refletir sobre idéias que costumamos deixar de lado devido à correria do dia-a-dia. Você já deve ter ouvido histórias a respeito de pessoas que fizeram uma reviravolta positiva na vida após terem enfrentado uma doença grave. O
segredo é manter a mente aberta e acreditar que a doença será construtiva. É preciso ter uma visão mais ampla da vida e se empenhar para encontrar o lado positivo de tudo que vivenciamos. Se você considera isso impossível, seu pensamento reflete uma das limitações do homem moderno. A ciência é excelente no que diz respeito ao pensamento racional. Devido aos enormes progressos nessa área, as pessoas adquiriram o costume de racionalizar tudo. Como o raciocínio científico se baseia no positivismo lógico, isso nos torna menos receptivos a tudo que transcende a razão e se encontra no reino do invisível. A racionalidade é importante, mas nem tudo na vida é racional. Os genes são um bom exemplo disso. As células, bem como os genes dentro delas, são parte de um mundo microscópico invisível a olho nu. Além disso, embora o ser humano possua uma quantidade enorme de genes, so-
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mente de 5 a 10% deles encontra-se em atividade simultânea. Na verdade, os cientistas não têm a menor idéia sobre o papel desempenhado pelos outros 90 a 95% durante o mesmo período de tempo. alvez eles trabalhem no armazenamento da história de nossa evolução, ou talvez guardem em si o potencial para o desenvolvimento futuro do ser humano. De fato, ainda temos muito a descobrir a esse respeito e acredito que o mecanismo liga-desliga esteja relacionado a essa porção desconhecida. Se focarmos apenas no racional, perceberemos somente parte de nossa realidade. ranscender a racionalidade não significa ser irracional, mas sim reconhecer aqueles aspectos que não podem ser explicados pelo conhecimento convencional ou pela ciência e que devem ser considerados quando tomamos decisões. Esse tipo de abordagem nos ajuda a ter uma visão do todo, ainda que a imagem pareça um pouco confusa. O pensamento positivo é, por sua vez, uma maneira de desenvolver essa visão. A mente tem influência enorme sobre o indivíduo
O poder do pensamento positivo fica evidente quando uma pessoa adoece. Há muitos aspectos do mecanismo da autocura que ainda não compreendemos, mas algo está muito
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claro para mim: os genes têm papel fundamental nesse mecanismo. Por exemplo, ao receber a notícia de que está com câncer, até mesmo uma pessoa emocionalmente estável se sentirá deprimida. Até há pouco tempo no Japão, os médicos não diziam a um paciente que ele tinha câncer. Isso acontecia por duas razões principais: em primeiro lugar, pelo fato de não existir ainda um tratamento efetivo para essa doença e também pelo fato de que o paciente ficaria traumatizado com essa informação. O aviso consentido8 tornou-se prática comum não somente porque vários tipos de tratamento nessa área foram desenvolvidos, mas também porque os cientistas passaram a reconhecer a importância do provérbio “A doença vem da mente”.
Porém, como a pesquisa científica é regida pelo que se denomina positivismo lógico, alguns cientistas podem considerar que quando se diz que a mente controla o funcionamento dos genes e a autocura pode-se estar cometendo um erro afirmando algo que ainda não está cientificamente comprovado. Mas não podemos negar essa afirmação apenas porque a ciência moderna não dispõe dos meios para comprová-la. Afinal, a história da ciência mostra que muitos outros erros já
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O aviso consentido é um elemento característico do atual exercício da medicina;
não é apenas uma doutrina legal, mas um direito moral
dos pacientes que gera obrigações morais para os médicos. (N. T.)
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foram cometidos no passado. Além disso, muito do que sabemos ser benéfico, como a meditação e a oração, não pode ser comprovado pela ciência. O conceito da autocura é bem antigo. A idéia é que o corpo possa curar a si próprio. Minha interpretação disso é a de que os genes comandam nosso corpo cor po no sentido da cura. Em outras palavras, o corpo humano já vem equipado com um programa latente de cura, visto que tudo que se passa no interior do corpo cor po humano já estava previamente codificado. FeFelizmente nossos genes têm inúmeras opções à sua escolha. A porção inativa de cada gene detém toda a informação necessária para a autocura. Portanto, a expressão do nosso código genético não é definitiva, uma vez que genes benéficos podem ser ativados, da mesma forma que os prejudiciais podem ser desativados. odos odos nós possuím possuímos os genes que potenc potencialme ialmente nte causam doenças, assim como aqueles que as inibem. Genes que causam o câncer e genes que inibem o câncer já foram descobertos; quando ambos se encontram equilibrados, a saúde é preservada. preser vada. O mesmo acontece com outras doenças. PortanPortanto, o mais importante é manter o equilíbrio. Como não é possível controlar todas as mudanças que ocorrem em nosso corpo, a qualquer momento um gene do d o câncer pode ser atiati vado e começar a comandar a produção de células canceríge-
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nas. Mas assim que isso acontece, o gene responsável pela inibição desse processo e pela eliminação dessas células entra em ação, mantendo a saúde. O corpo fica em estado de equilíbrio. Agora, suponhamos que esse equilíbrio seja rompido. Quando isso acontece, a doença começa a se espalhar rapidamente. O câncer é uma doença difícil de ser tratada devido ao grande número de fatores que podem causá-lo. Até pouco tempo atrás, acreditava-se que fatores fa tores externos como dieta, fumo, água contaminada e aditivos químicos nos alimentos poderiam disparar o câncer, sendo esses fatores rotulados de “perigosos”. Graças à pesquisa genética, hoje em dia já se sabe que, embora algumas dessas substâncias tragam riscos, as conseqüências variam muito de pessoa para pessoa, devido à singularidade do programa genético de cada indivíduo. Minha pesquisa me leva a crer que a razão para alguém que nunca fumou um cigarro sequer desenvolver câncer de pulmão deve-se ao fato de essa pessoa já possuir genes cancerígenos. Quando o fator genético é combinado com os fatores ambientais aos quais todos nós estamos igualmente expostos, a função que promove a doença é acelerada. Embora eu não saiba como exatamente esse mecanismo funciona, é provável que ele dê suporte à causa de muitas doenças.
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Os fatores ambientais são fundamentais para a desativação de genes prejudiciais. Ainda que duas pessoas tenham os mesmos genes — caso de gêmeos idênticos — e uma delas adoeça, isso não significa que a outra também adoecerá, pois as duas não estão necessariamente expostas aos mesmos fatores ambientais. am bientais. No caso de uma pessoa saudável, saud ável, os genes responsáveis pelas doenças estão desativados; isso não significa que não poderão ser ativados a qualquer momento. Os cientistas estão obtendo sucesso na identificação das variações genéticas ligadas a doenças comuns como cardiopatias e câncer de pulmão, e logo serão capazes de prever, com maior precisão, o momento de ativação de um gene, além de descobrir formas de desativá-lo. d esativá-lo. Quando isso for possível, estou certo de que compreenderemos melhor a influência do meio ambiente sobre os mecanismos de ativação e desativação dos genes. Atualmente, são poucos os que negam a relação entre corpo e mente. Porém, muitos consideram apenas o ambiente físico ou externo, como as poluições sonora, atmosférica e ambiental, quando ouvem o termo “fatores ambientais”. Para mim, o ambiente também inclui o impacto psicológico causado pela informação que provém do ambiente físico. A mente não é independente do meio.
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Certa vez, em uma entrevista, entrevis ta, Shigeo Nozawa, Noz awa, criador do método hidropônico de agricultura, que será discutido mais extensamente no capítulo 6, colocou a questão da seguinte forma: “No caso dos seres humanos, o estado mental em si é o seu ambiente. O estado de felicidade ou de saúde origina-se na mente. As pessoas podem acreditar que exista um ambiente ideal, mas, na verdade, verdade, qualquer ambiente é benéfico, desde que a pessoa sinta-se bem nele, pois há uma interação mútua entre o ambiente e o indivíduo. Na verdade, não existe um ambiente que possa ser completamente bom ou ruim.”. Concordo de todo o coração com essa afirmação. A mente exerce uma influência enorme sobre o indivíduo e, de acordo com Nozawa, acontecimentos comuns como adoecer, ser rere provado em um exame ou perder o emprego, quando interpretados de maneira positiva, podem ser todos aceitos com gratidão. Essas experiências nos ajudam a entender mais profundamente a vida e a nos tornar mais compassivos com o sofrimento do próximo. Podem até nos lançar em direção a um futuro novo e mais luminoso. É provável que, assim como eu, você já tenha passado por maus momentos ao pensar que tinha falhado em atingir um objetivo e, depois, descobriu que não houve falha alguma. Estou convencido, com base em minha própria experiência, que as afirmações de Nozawa são
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todas verdadeiras. Os estados de felicidade e saúde originamse na mente. Existe uma forma, acessível a todos, de desativar genes nocivos e ativar os benéficos, independentemente do ambiente ou das circunstâncias: a mudança de nossa atitude mental. É impossível negar a influência da atitude mental, seja ela positiva ou negativa, na saúde e no bem-estar do ser humano. Suponho que a interação entre corpo e mente seja ainda maior do que se acreditava no passado e, embora a relação entre nossos genes e comportamentos psicológicos ainda não esteja bem esclarecida, os genes são a chave para o entendimento dos mecanismos naturais de cura. Nossos genes agem antes de pensarmos
Há outro ponto que gostaria de mencionar com relação ao processo de raciocínio humano. Muitos acreditam que o cérebro seja o principal dirigente dos nossos atos, quando, na verdade, as células e suas redes de conexões fazem todo o trabalho. E as células são reguladas pelos genes. A função cerebral depende das informações contidas nas células desse órgão. Nesse sentido, os genes atuam como o principal painel de controle do corpo. Se é possível controlarmos os mecanismos de ativação e desativação dos genes, precisamos, necessaria-
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mente, compreendê-los melhor. Precisamos estar atentos às mensagens que enviamos a eles e, talvez, seja até mesmo útil saudá-los com: “Olá! Que bom ver vocês funcionando tão bem hoje. Parabéns pelo ótimo trabalho!”. Já que estamos sempre dialogando com nós mesmos, não custa nada direcionarmos pensamentos positivos aos nossos genes. Mesmo inconscientemente, sempre falamos com nós mesmos. Por exemplo, quando estamos preocupados, vemos tudo sob uma perspectiva negativa. Por outro lado, numa manhã ensolarada, podemos dizer: “Que lindo dia! Eu me sinto ótimo!”. Quando dizemos isso, nossas células estão sendo beneficiadas. Não há necessidade de primeiro registrarmos a luz do sol visualmente e esperar que o cérebro transmita essa informação para o resto do corpo. Assim que saímos ao ar livre, nossas células reagem no mesmo instante ao dia agradável e são ativadas. Embora as células sigam as instruções do cérebro, elas são organismos independentes e esse é um aspecto fundamental que devemos considerar no que tange ao mecanismo liga-desliga. odos nós passamos por momentos de doenças e desânimo em nossas vidas. Enfrentamos problemas no trabalho ou em nossos relacionamentos. Como é possível não se sentir deprimido nessas situações? A resposta é simples: ativando os genes relacionados à nossa energia vital. Você pode aprender a fazer isso, usando a sabedoria adquirida ao longo da vida.
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Um método que recomendo, com base em minha experiência pessoal, é de permitir que algo o inspire. Se não há nada que o inspire no momento, lembre-se de momentos em que algo o tocou profundamente. A inspiração é uma combinação de alegria, entusiasmo e prazer. Os cientistas, por exemplo, sentem-se assim ao finalizar um projeto de pesquisa. O prazer e a felicidade que sinto após escrever um bom trabalho são incalculáveis; já cheguei a ir para cama e dormir abraçado ao meu manuscrito que acabei de concluir. Outra coisa que me inspira é meu trabalho com genes. Nele, estou sempre envolvido com os mecanismos da vida e exposto às suas maravilhas. É uma experiência muito emocionante. Acredito que quando estamos inspirados, nossos genes nunca tomam uma direção adversa e acompanham o nosso estado de espírito. enho certeza de que possuo a minha parcela de genes indesejáveis, mas sei que quando estou emocionado e inspirado, esses genes permanecem desativados, enquanto os benéficos, ao contrário, são ativados. Chame isso de intuição, se quiser, ou de uma hipótese levantada por um cientista, mas quando estou inspirado, consigo sentir um bem-estar espalhando-se por todas as minhas células. As pessoas inspiram-se por diferentes motivos. Para alguns a inspiração vem da paixão pelo trabalho, para outros, do tem-
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po compartilhado com os filhos, ou mesmo da emoção de escalar uma montanha, do prazer de trabalhar no jardim ou de criar uma obra de arte. Cada um de nós tem sua própria fonte de inspiração. Um bom exemplo é Ko Hirasawa, um dos meus mentores e ex-reitor da Universidade de Kyoto. Quando iniciou seus estudos no departamento médico daquela universidade, Hirasawa contou-me que estudava tanto que costumava dormir apenas quatro horas por noite, no bom estilo Napoleão Bonaparte. Como conseqüência às poucas horas de sono, acabou tendo um colapso nervoso e precisou voltar à sua cidade natal para recuperar-se. Um dia, estava caminhando por um campo coberto de neve, quando ouviu uma voz que recitava o Heiligenstädter estament em alemão, uma declaração feita por Beethoven, aos 28 anos. Como estudante aplicado que era, Hirasawa já havia lido a biografia de Beethoven, no original em alemão, enquanto ainda cursava medicina. Quando Beethoven perdeu a audição, chegou a pensar em cometer suicídio, a ponto de escrever seu testamento. No entanto, depois de um longo debate interior, decidiu vi ver. No testamento, uma expressão de sua determinação, Beethoven escreveu: “alvez eu melhore, talvez não; Estou pronto... Me senti obrigado a me tornar um filósofo aos 28 anos... isso não é nada fácil e, para um artista, é ainda mais difícil do que para qualquer outro”.
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ais palavras atingiram Hirasawa como um raio. “Meu sofrimento é tão insignificante! Beethoven superou a surdez, uma deficiência fatal para um músico. Posso até não ter um grande talento, mas meu corpo é normal e saudável. Como posso reclamar? Mostrarei a todos que tenho capacidade para superar tudo isso!”. Hirasawa sentiu-se profundamente tocado, e naquele momento sua neurose desapareceu. As freqüentes alucinações auditivas e visuais das quais sofria após o colapso nervoso desapareceram. O que poderia ter curado instantaneamente uma enfermidade tão gra ve? Acredito que a profunda emoção vivenciada naquele momento possa ter ativado os genes responsáveis pela cura e pela vitalidade. A experiência de Hirasawa pode também servir como fonte de inspiração para todos nós. A chave da juventude e longevidade
Há um método de interação com nossos genes que recomendo a todos que desejam a longevidade: mantenham-se profundamente emocionados e inspirem-se com freqüência. O nosso organismo, para funcionar de forma apropriada, precisa eliminar diariamente várias substâncias corporais como fezes, urina, suor e muco. ambém precisamos periodicamente cortar as unhas e o cabelo. Sem a excreção e a
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secreção, não sobreviveríamos nem por um dia. Você deve ter reparado que todas essas substâncias a que nos referimos apresentam uma característica em comum: assim que são eliminadas, passam a ser consideradas resíduos. O fato é que quando ainda estão dentro do nosso corpo, não as vemos como algo repulsivo, mas assim que as eliminamos, a situação se inverte. Notei, entretanto, que há uma substância que não nos causa aversão quando é eliminada: a lágrima. As lágrimas também são dejetos corporais, mas ninguém as considera aversivas como as demais substâncias. Hipócrates referiu-se às lágrimas não como dejetos, mas como fluido corporal derivado do cérebro. O teólogo etsuo Yamaori, por sua vez, descreveu as lágrimas como algo que toca os corações das pessoas, libertando suas emoções. As pessoas em geral choram quando se sentem tocadas por alguma coisa ou situação. Embora as fortes emoções nos façam chorar, fisiologicamente são nossos genes que tornam isso possível, numa indicação da forma como a mente influencia nossos genes. Chorar nos faz bem, em especial quando estamos tristes. Um bom choro pode fazer com que nos sintamos melhor e, sinceramente, acredito que isso seja uma indicação de que nossos genes foram ativados. Muitas pessoas idosas citam as emoções profundas como um dos segredos para a longevidade. O mesmo se
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aplica àqueles que parecem mais jovens do que na verdade são. Experimentar emoções profundas pode nos fazer viver mais e até nos manter jovens, e, mais uma vez, isso indica o envolvimento dos genes. Apesar de não compreeder a forma como as emoções são criadas em nossa mente, eu sei que quando me emociono e choro, meu coração fica leve, e não há espaço para ódio ou ressentimento. Para que você viva uma vida longa e plena, recomendo que você se dedique a atividades e relacionamentos que despertem as suas mais profundas emoções. O que não está escrito em nossos genes não pode ser feito
Há pessoas que acreditam que o potencial humano é infinito. Segundo elas, você pode conseguir o que quiser e se tornar quem quiser se houver empenho. Outras crêem que um sapo só pode vir de um girino, ou seja, nossas características fundamentais já estão determinadas no momento do nascimento. Pontos de vista tão conflitantes costumam gerar grandes debates. A verdade é que não podemos fazer algo que não esteja previamente determinado em nossos genes. Nesse sentido, o potencial humano, bem como nossa capacidade, são, de fato, limitados. Se alguém repentinamente muda de comportamento, tornando-se, por exemplo, mais trabalhador, persistente ou até
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mesmo calmo, isso é na verdade a manifestação de traços genéticos até então latentes. Nesse caso, há duas possibilidades: os genes que determinam esses comportamentos foram ativados ou, por alguma razão, aqueles relacionados à preguiça e à busca pelo prazer foram desativados. Em resumo, o ser humano é exatamente aquilo que está codificado em seus genes. No entanto, não podemos nos esquecer que apenas de 5 a 10% de nossos genes, portanto, apenas uma pequena parte do nosso código genético, estão de fato ativados; o restante permanece inativo. Em outras palavras, apesar de existirem três bilhões de informações genéticas no genoma de cada célula, codificadas por meio das letras A, , C e G, a grande maioria dos nossos genes não é usada. Desse modo, embora eu tenha dito que o potencial humano seja limitado, minha definição de “limitado” difere completamente da interpretação convencional. Para começar, acredito que para tudo exista uma possibilidade e, nesse sentido, parece correto afirmar que o potencial humano seja ilimitado. Qualquer coisa que seja possível para o nosso cérebro tornar-se-á realmente possível. Contudo, aquilo que não faz parte de nossos pensamentos permanece fora do âmbito daquilo que é possível ou impossível. O avião, por exemplo, foi inventado porque alguém pensou: “Eu quero voar como um pássaro”. Falando cientificamente, embora o potencial humano seja limitado,
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não precisamos nos ater a essas limitações, pois toda a informação codificada em nossos genes está muito além de tudo que podemos imaginar. Veja este exemplo: atualmente, o limite humano para os cem metros rasos olímpicos é levemente inferior a dez segundos, mas, partindo do princípio de que não há limite para o potencial humano, esse tempo poderia baixar para oito segundos, sete, ou até menos. Afinal, o homem moderno é mais alto do que nossos ancestrais e, caso essa tendência continue, no futuro, alguns poderão chegar a três ou, até mesmo, cinco metros de altura. Mas não acredito que essas previsões venham a se concretizar, pois não creio que esse tipo de informação conste de nosso código genético. Com base nessas afirmações, algumas pessoas poderiam pensar: “Eu entendi que não posso fazer nada além daquilo que está codificado nos meus genes, mas será que eu consigo correr cem metros em dez segundos? Eu deveria conseguir, afinal essa informação deve estar contida nos meus genes também”. Não podemos concluir que a maioria das pessoas não consiga correr tão rápido como Carl Lewis por falta de habilidade. Pode ser que os genes responsáveis por tal característica estejam apenas desativados. Se estivéssemos sendo perseguidos por um leão ou uma pantera, qualquer um de nós, provavelmente, seria capaz de correr cem metros em dez segundos. No entanto, os seres humanos, assim como
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todos os outros seres vivos, não podem ir além do que está determinado no seu código genético. No conto chinês “Viagem ao Ocidente” o personagem Songoku, um macaco com poderes fantásticos, é desafiado por Buda a escapar da palma de sua mão. O macaco viaja a terras distantes, deixando uma marca nas colunas de cada um do cinco lugares onde esteve, para provar sua façanha, mas, no final, descobre que tudo não havia passado de uma ilusão. Na verdade, ele havia marcado os cinco dedos de Buda, cujos poderes eram infinitamente superiores aos de Songoku. Da mesma forma, nós, humanos, podemos possuir habilidades fantásticas que jamais transcenderão o que já estiver determinado nos nossos genes. Estes podem até tornar possível aquilo que antes considerávamos impossível. Milagres realmente acontecem. E quando se fala em milagres, pensa-se sempre em algo impossível de acontecer. Geneticamente falando, os milagres são parte de um programa e todos nós nascemos com o potencial para nos tornar um milagre vivo. O talento pode desabrochar a qualquer momento
Há três fatores envolvidos na ativação dos genes: os próprios genes, o meio ambiente e a mente. Acredito que, desses três,
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os genes sejam os menos compreendidos. Muitos acreditam que características herdadas não podem ser alteradas. Quando alguém tem dificuldades em ciências ou matemática, geralmente culpa os pais pela falta de habilidade nessas áreas. Da mesma forma, pais que não sejam brilhantes nessas matérias não têm grandes expectativas em relação aos filhos. Esse raciocínio não está totalmente incorreto, uma vez que a habilidade atlética e a inteligência estão de fato relacionados aos genes. Porém isso não significa que a pessoa seja totalmente destituída dessas aptidões. Pelo contrário, embora presentes, elas se encontram latentes. Se não fosse assim, como explicaríamos a existência dos gênios? Um gênio é alguém cujos genes para uma inteligência excepcional, herdados de gerações anteriores, foram ativados por alguma razão. O fato de que os filhos de gênios geralmente apresentam uma inteligência normal deve estar relacionado ao processo de ativação e desativação genética que pode ocorrer de uma geração para outra. É possível que nossos genes contenham não somente as memórias e aptidões que são passadas de uma geração a outra, como também as provenientes de todo o processo evolucionário de bilhões de anos. O fato de o embrião, dentro do útero materno, repetir todo o processo evolutivo
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durante a gestação sugere que essa informação esteja contida nos genes da célula primária. Cada um de nós traz, dentro de si, o potencial de toda a raça humana. Assim sendo, pais brilhantes não deveriam ficar desapontados por terem filhos de inteligência mediana. Um desempenho comum significa apenas que os genes da criança não foram ainda ativados. Infelizmente, não é possível fazer uma previsão sobre a ativação desses genes. Os genes não envelhecem. Salvo algumas exceções, os genes que uma pessoa tem na adolescência serão os mesmos que ela terá aos oitenta anos. Se os genes envelhecessem, não seria possível transmitir informações genéticas para a próxima geração. Por isso, desde que o ser humano viva uma vida normal e que não se exponha a fatores causadores de mutação, como radiação ou medicamentos nocivos à saúde, como a talidomida, os genes não envelhecem, pelo menos não na sua essência, permanecendo praticamente inalterados. Dessa forma, nunca é tarde demais para se desenvolver um potencial latente. Já ouvi pessoas culparem a idade mais avançada dos pais pelas deficiências físicas ou outras imperfeições da criança. Porém, considerando-se que os genes não envelhecem, filhos de pais jovens não serão necessariamente mais saudáveis do que filhos de pais com idade mais avançada. O famoso autor
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japonês Natsume Soseki nasceu quando seus pais já eram considerados idosos, e foi apelidado de “filho da vergonha”. No entanto, em vez de sentir-se com qualquer desvantagem, ele tornou-se um autor brilhante e deixou um grande legado para a humanidade. Podemos desabrochar em qualquer fase de nossas vidas, independentemente da idade. udo é possível desde que tenhamos entusiasmo e energia para realizar nossos sonhos. O único obstáculo às nossas realizações é o pensamento negativo: “Não vou conseguir”. Da mesma forma, nunca é cedo demais para se desenvol ver um potencial. É por isso que a educação pré-natal é tão importante. A educação pré-natal ocorre quando a mãe, conscientemente, opta por ouvir boa música, ler bons livros, apreciar boa arte e falar carinhosamente com o bebê dentro de seu útero, com a intenção de educá-lo. Consiste também em evitar coisas que provoquem emoções negativas, pois essas são consideradas prejudiciais ao feto. Devemos nos lembrar de que os genes de cada pessoa são únicos. Um pai pode ter sido muito bom em matemática, mas isso não significa que seus filhos também o serão. Há inúmeros exemplos de artistas nascidos em famílias nas quais não havia qualquer sinal de habilidade artística. Os filhos de pais extremamente inteligentes não apresenta rão, necessariamente, um QI elevado. Na verdade, o contrário é
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muito mais comum. Por outro lado, aqueles nascidos de pais com baixo QI têm maior probabilidade de serem brilhantes. Não sabemos a razão para isso, mas nossos genes tendem a fa vorecer a média. Se os seres humanos fossem programados
para um aumento ilimitado de suas habilidades, o oposto também seria possível, ou seja, uma queda ilimitada de sua capacidade. Uma vez que tal situação poderia ameaçar a sobrevivência da raça humana, a natureza faz, automaticamente, alguns ajustes para impedir que isso ocorra. O objetivo maior da natureza é a diversidade. Não faz a menor diferença se pessoas com o QI alto casam entre si, ou se a união envolve dois indivíduos de QI baixo. Independentemente da combinação, o potencial de seus filhos será o mesmo. Qualquer pessoa pode desenvolver os seus talentos e habilidades potenciais. Basta, apenas, aprender a ativar seus próprios genes.
III
Suas atitudes e o ambiente em que você vive podem alterar seus genes
Um ambiente novo pode agir como catalisador
Iniciarei este capítulo relatando como uma mudança de ambiente ativou os meus genes. Conforme já disse, há mais de trinta anos mudei-me para os EUA para trabalhar como pesquisador assistente em uma universidade. Eu era recém-formado e trazia uma carta de recomendação de Hisateru Mitsuda, um dos meus professores. Foram os dez anos nos EUA que fizeram com que me tornasse um verdadeiro cientista. Não sei o que eu seria hoje se tivesse permanecido no Japão. Mas acho que não teria sido bem-sucedido como cientis-
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ta, já que, como estudante, estava mais interessado em fazer outras coisas do que freqüentar as aulas. oda a minha energia e entusiasmo estavam voltados para atividades como excursões, festas e círculos de leitura que fazíamos com as estudantes da universidade feminina, o que acabou por me distanciar dos meus amigos que estavam interessados nos estudos. É desnecessário mencionar que minhas notas deixavam muito a desejar. Anos mais tarde, quando os resultados das minhas pesquisas começaram a aparecer na mídia, alguns de meus antigos colegas de universidade ficaram surpresos e se pergunta vam se aquele seria o mesmo Kazuo Murakami que eles haviam conhecido. Em reuniões da antiga classe, sempre dizem que, dentre todos, eu sou quem mais mudou. O sistema universitário japonês foi um dos responsáveis por meu desinteresse pelas atividades acadêmicas. As uni versidades eram como torres de marfim, alheias aos acontecimentos no mundo exterior. A alegação de que estavam sempre muito ocupados “pesquisando a verdade” soava impressionante, mas considero que isso era uma desculpa para não agirem. Dentro da universidade, isso era tudo o que podia ser feito, e alguns professores vangloriavam-se de que apenas depois de transcorrido um século seus trabalhos seriam reconhecidos. Como poderiam esperar reconhecimento por um trabalho desses?
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As universidades japonesas são conhecidas por sua hierarquia muito rígida. Assim, seus alunos nunca poderiam sonhar em algum dia superar hierarquicamente seus professores. Essas mesmas universidades estão sendo questionadas quanto à sua obediência cega às convenções, à ideologia de paz a qualquer custo e à abordagem burocrática, tendo como objetivo único a autopreservação. Essas eram as características inerentes à época em que eu era estudante9: os professores eram comodamente posicionados no topo da hierarquia universitária, seguidos pelos professores assistentes, acadêmicos, pesquisadores assistentes e, finalmente, os estudantes. Mesmo que você fosse capaz, era, e ainda é, muito difícil chegar ao topo. Muitos jovens 9
O Japão já tomou importantes medidas para eliminar essas falhas de seu sistema acadêmico. A Tsukuba Advanced Research Alliance (TARA), criada em julho de 1994, promove pesquisas interdisciplinares avançadas, por meio da colaboração entre o governo, indústria e instituições acadêmicas, que até então funcionavam de forma distinta. Cientistas são recrutados em todo o mundo, não somente no Japão. Os projetos de pesquisa na TARA são reavaliados após um tempo específco, por terceiros. Várias universidades já adotaram as medidas da TARA, e estão também abandonando o sistema no qual todos recebem o mesmo salário, seja trabalhando duro ou simplesmente dormindo no laboratório. Os bolsistas estão sendo selecionados com base em seu desempenho. Como resultado, as universidades estão atraindo e mantendo mais alunos. (N. A.)
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pesquisadores assistentes aspirantes a cargos mais altos consideram que esse sistema, além de desestimulante, não oferece perspectivas futuras e, por essa razão, vários alunos brilhantes acabam deixando o país, causando uma “debandada de cérebros”. No meu caso, eu já estava conformado em não passar de pesquisador assistente. Sabia que seria praticamente impossível chegar à posição de catedrático. Afinal de contas, eu não era o tipo de estudante que inspirasse grandes expectativas em alguém. Mas acreditava que me contentaria em permanecer, pelo resto da vida, em uma posição hierárquica inferior. Por sorte, tive a oportunidade de ir para os Estados Unidos. Apesar de os EUA serem um país muito competitivo quando comparado ao Japão, adaptei-me perfeitamente à minha nova realidade e acabei por me tornar uma pessoa ambiciosa. Comparando essa história ao estudo da bactéria E. coli , no qual o gene produtor de enzima era ativado e a E. coli passava a alimentar-se apenas de lactose, vemos mais uma vez que genes antes inativos podem ser ativados quando expostos a um novo ambiente. A ativação é imediata, como se os genes estivessem simplesmente esperando por essa oportunidade. Acredito que isso também se aplique aos seres humanos. Um novo estímulo em um novo ambiente pode levar a uma mudança repentina. Como os japoneses costumam dizer: “Mude
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de atitude e se empenhe”, essa mudança na mentalidade pode despertar genes que você nem sonhava possuir. No meu caso, um novo ambiente no ocidente desafiou todos os meus conceitos sobre o papel de um pesquisador e professor. Surpreendi-me ao ver como os professores são dedicados nos Estados Unidos. rabalham e estudam desde cedo até tarde da noite, por iniciativa própria. Algumas vezes vão para casa jantar, mas não é incomum que voltem à universidade para trabalhar até mais tarde. Assim como o chefe de uma pequena empresa, se um professor não demonstra disposição para o trabalho ou não se esforça para crescer profissionalmente perde a confiança de seus alunos, que acabam por abandoná-lo. É comum que os professores americanos passem pelos laboratórios e perguntem a seus colegas pesquisadores: “Algo novo?”. É fato que na área da pesquisa científica, um profissional pode considerar-se com sorte se fizer uma nova descoberta a cada ano. Os professores sabem disso e, mesmo assim, quase como uma obsessão, todos os dias fazem a mesma pergunta. Algumas vezes, um professor chega a questionar o pesquisador mais de uma vez ao dia. É muito pouco provável que algo novo surja em um período tão curto, mas nos EUA os professores são obcecados pela idéia de se manterem atualizados a respeito das pesquisas em anda-
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mento. Eu os admiro pela vitalidade, empenho e entusiasmo que empregam em suas pesquisas. Logo constatei que essa dedicação é de fato necessária no campo competitivo da pesquisa científica. Mesmo o ganhador de um prêmio Nobel não pode se acomodar, pois esse prêmio lhe dará prestígio somente por alguns anos. Caso passe a se empenhar menos, logo acabará sendo forçado a sair de cena. No campo das pesquisas científicas, os profissionais estão sempre sujeitos às comissões de avaliação, cujos membros são, normalmente, professores jovens ou professores assistentes que sem qualquer remorso lhes informarão que terão que abandonar sua pesquisa. No mundo do sumô, desde que você continue vencendo, não perderá sua posição de destaque. No entanto, até mesmo um yokozuna (lutador que detém a posição mais alta na hierarquia) será forçado a se retirar se estiver passando por uma fase ruim. Da mesma forma, também na área de pesquisa, qualquer profissional que não obtenha bons resultados após ter sido premiado com um Nobel acabará relegado ao passado, o que demonstra o alto nível de competitividade nessa área. Se o sistema já é duro com os professores, é ainda mais rígido com aqueles que ocupam posições mais baixas na hierarquia universitária, como acontece com os assistentes
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de pesquisa. Se um pesquisador assistente, no período de três anos, não fizer nenhuma descoberta significativa, será demitido sem direito a reclamações. Vários desses profissionais perderam o emprego durante o período em que trabalhei nos EUA como pesquisador. Num dia, alguém poderia ser professor e, no dia seguinte, ter que buscar emprego em qualquer outra área para poder pagar suas contas. Essa abordagem, tão característica de uma sociedade competitiva, é inaceitável nas universidades japonesas. Nelas, se um pesquisador japonês ganhador do prêmio Nobel demonstrar interesse em um certo projeto científico, ninguém se arriscará a contradizê-lo. Da mesma forma, se um professor apresentar baixo desempenho, também não será demitido. alvez essa supervalorização dada aos pesquisadores japoneses que já receberam um prêmio Nobel esteja relacionada ao baixo número de laureados no Japão, apenas oito, um número quase inexpressivo se comparado aos duzentos nobelistas dos EUA. Mas estou convencido de que essa desigualdade no tratamento também esteja relacionada às diferenças fundamentais do ambiente universitário japonês. Nas universidades japonesas, os professores são como senhores feudais perante seus alunos, e qualquer pesquisador assistente que queira progredir terá de subjugar-se a eles. Por outro lado, se um professor nos EUA mostrar-se
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ineficiente e inseguro, seus alunos, em vez de permanecerem leais a ele, irão abandoná-lo, com medo de serem pre judicados por sua incompetência. Os dois sistemas são ob viamente muito diferentes. Um sistema altamente competitivo também apresenta desvantagens. No meu caso, considerando que meu futuro não era dos mais promissores no monótono mundo acadêmico japonês, tudo nos EUA me pareceu novo e revigorante, fazendo com que me sentisse estimulado a trabalhar. Além disso, trabalhar ao lado de ganhadores do prêmio Nobel também foi muito estimulante. No Japão, os ganhadores do prêmio Nobel, além de raros, passam a fazer parte de um outro círculo e se tornam distantes. Nos Estados Unidos, por outro lado, eles são numerosos e acessíveis, e isso faz com que os alunos vislumbrem a possibilidade de alcançar a mesma posição. Na verdade, o objetivo maior desses estudantes é ganhar um prêmio Nobel, aspiração quase inconcebível para a maioria dos alunos japoneses. Quando se trabalha com ganhadores do prêmio Nobel, constata-se que, apesar de esses cientistas possuírem várias qualidades admiráveis, são apenas seres humanos, assim como nós. Isso faz você perceber que tal façanha não é inatingível e que, talvez, um dia, você também possa chegar lá. Considero esse ambiente, no qual
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os indivíduos tornam-se conscientes de seu potencial, bastante estimulante. O crescimento ocorre por meio do movimento
Aprendi, por experiência própria, que quando nos encontramos em um beco sem saída, vale a pena ousar e promover uma reviravolta no ambiente. No caso dos seres humanos, só atingimos o crescimento por meio do movimento. Uma mudança drástica no ambiente, e a conseqüente exposição a coisas no vas, pode criar a oportunidade perfeita para a ativação de genes inativos. Você já deve ter ouvido falar de estudantes que, mesmo sem jamais terem ajudado em quaisquer tarefas domésticas, tornam-se bastante responsáveis após deixar seus lares e instalar-se em alojamentos universitários. O contrário também é possível, mas geralmente as pessoas tendem a caminhar para a frente e não para trás. É comum que estudantes americanos se formem em uma universidade, façam o mestrado em outra e o doutorado em uma terceira. Dessa forma, são expostos a professores diferentes durante a sua formação acadêmica. Apesar do problema da falta de continuidade, eles se encontram em constante movimento. Além disso, a cada sete anos os professores nos Estados Unidos tiram um ano de licença, o chamado ano
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sabático. Nesse período, o professor tem o privilégio de permanecer fora da universidade e fazer o que lhe parecer mais importante. Essa experiência é muito significativa e dá ao profissional uma excelente oportunidade para a reciclagem e aquisição de novos conhecimentos. Grande parte dos professores passa esse período em outro país, onde é exposta a uma cultura completamente diferente. A maioria dos americanos vai para a Europa. O importante é que as universidades americanas lhes propiciam a oportunidade de se afastar do ambiente de trabalho, para formularem novas idéias e levantarem novos tópicos de pesquisa. No caso de Susumu onegawa, esse tipo de movimento o levou a ganhar o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina. Quando se mudou do Japão para os Estados Unidos, onegawa pretendia fazer um curso de pós-graduação em biologia molecular. E foi lá que ele começou a se destacar nesse campo. Depois, passou alguns anos na Europa, onde conduziu pesquisas de ponta nessa área, retornando aos Estados Unidos para iniciar um novo projeto, com o qual ganhou o prêmio Nobel em reconhecimento às suas conquistas. Se não tivesse acesso a tais oportunidades, talvez jamais atingisse tamanho sucesso. É por essa razão que recomendo que você saia da rotina de vez em quando, exponha-se a outros ambientes e conheça outras pessoas. Se você permanece
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no mesmo lugar e no mesmo emprego, sem nunca mudar o ambiente ou as pessoas com as quais convive, tudo continua igual, inclusive seus pontos de vista. Se você nunca se incomodar em continuar no mesmo lugar, nunca saberá como é a vida fora desse círculo. Revolva seus hábitos regularmente para se sentir revigorado física e mentalmente. Mudanças de ambiente podem levá-lo a ver as coisas de uma forma diferente e promover mudanças em sua vida. Meu encontro com a enzima renina, que mais tarde se tornaria o trabalho de minha vida, ocorreu justamente devido a uma dessas mudanças. Naquela época, minha posição no corpo docente do Centro Médico da Universidade de Vanderbilt, no ennessee, estava ameaçada. Além de não ter obtido resultados importantes em minhas pesquisas, minhas apresentações haviam recebido de meus alunos uma avaliação ruim, principalmente devido ao meu inglês não tão fluente. A economia dos Estados Unidos, que ainda estava tentando se recuperar logo após a desastrosa Guerra do Vietnã, encontrava-se em recessão e, conseqüentemente, o desempenho dos professores estrangeiros, como eu, era avaliado com mais rigor em relação aos colegas americanos. Lembro-me especialmente do dr. Stanley Cohen, um professor um tanto excêntrico que, naquela época, trabalhava próximo ao meu laboratório. Uma década depois, ele ganha-
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ria o prêmio Nobel, mas, quando o conheci, jamais poderia imaginar que se tornaria um cientista renomado, pois ao contrário dos laboratórios típicos de ganhadores de premio Nobel, agitados e altamente atrativos aos jovens pesquisadores, seu local de trabalho era o menor e mais simples de todo o centro médico. Cohen possuía apenas dois pesquisadores assistentes e não demonstrava o perfil de um ganhador de prêmio Nobel. Além disso, ele estava realizando, nesse modesto laboratório, pesquisas sobre hormônios do crescimento em ratos. Ele desprezava equipamentos de ponta, pois confiava mais em métodos de pesquisa primitivos e ultrapassados para inocular nos ratos certas substâncias e observar os resultados. Vangloriava-se de ter conseguido extrair e purificar o hormônio do crescimento das glândulas salivares, mas era mal-humorado e reclamava o tempo todo, e na época eu o considerava um velho nada inspirador. Certa vez ele entrou em meu laboratório e exclamou: “Acho que descobri algo muito importante! Esse hormônio, além de controlar o crescimento, também está relacionado à pressão sanguínea. O que você acha de trabalhar comigo nessa pesquisa?”. Como eu não havia conseguido resultados importantes em minhas próprias pesquisas, não estava na condição de recusar, e passei o ano seguinte tentando descobrir se o mesmo hormônio que eleva a pressão sanguínea
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era também responsável pelo crescimento. Mas o que acabamos descobrindo foi que Cohen havia cometido um erro. Apesar de alegar que o extrato era puro, na verdade continha uma pequena quantidade de outra substância – a enzima renina, conhecida como fator principal na hipertensão. Graças a essa pesquisa, comecei a estudar essa enzima e, mais tarde, tornei-me o primeiro cientista a decifrar o código genético da renina em seres humanos. Se eu não tivesse aceitado o convite de Cohen, e ele não tivesse cometido aquele erro, minha vida teria sido muito diferente. alvez, inconscientemente, eu tenha desejado mudar meu ambiente de pesquisa devido à ansiedade em relação a meu futuro. Digo “inconscientemente” porque se minha decisão tivesse sido consciente, eu, com certeza, teria escolhido algo diferente. Mais tarde descobri que a maioria dos cientistas havia evitado fazer pesquisas que envolvessem a renina, devido aos riscos a ela associados. odas as tentativas anteriores realizadas por renomados cientistas, com o objetivo de purificar a renina, haviam fracassado. Em conseqüência, essa enzima tinha adquirido uma reputação ruim e esse tema passou a ser considerado tabu na comunidade científica. Como eu não esperava obter resultados positivos em uma área em que vários cientistas importantes já haviam tentado e fracassado, se tivesse escolha, teria optado por um projeto mais promissor.
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Na época em que iniciei minhas pesquisas, várias pessoas me desaconselharam a continuar, fato que mencionarei mais adiante. No entanto, ao trabalhar com Cohen, mudei meu ambiente de pesquisa, e isso resultou em uma nova fase em minha vida. Se eu não o tivesse conhecido, é provável que teria sido demitido ou acabaria desistindo e voltado ao Japão com o rabo entre as pernas. E se tivesse retornado ao Japão, naquela época, com certeza teria abandonado as pesquisas e me dedicado a outras áreas. A informação pode mudar sua vida
Além de mudanças de ambiente, a informação também pode transformar a sua vida. Nos dias de hoje, pode parecer óbvio declarar que a informação seja um fator muito importante. Contudo, nesse caso, estou me referindo àquela informação obtida por meio de comunicação interpessoal, fonte que em geral é desconsiderada. Na área científica, há dois tipos de informação: as oficiais, disponíveis por meio de fontes credenciadas e confiáveis, e as não-oficiais, obtidas por meio de contatos pessoais. Na área da pesquisa, o segundo tipo é fundamental e fácil de se obter, sendo que a melhor forma de obtê-lo é por meio do bom relacionamento com várias pessoas fora do ambiente de trabalho.
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Jantares informais costumam ser as melhores ocasiões. Enquanto degustamos um bom vinho, falamos de nossas pesquisas, e em contrapartida ficamos sabendo a respeito de outras. Esse tipo de troca é importante não só na área científica, mas em qualquer outro campo de atuação. A informação é um fator crucial para o sucesso das pesquisas científicas. Na minha opinião, quanto mais competente é o cientista, maior e mais constante é sua busca por informações inéditas e confiáveis. ive a oportunidade de trabalhar com um professor japonês que era mestre nessa arte. Ele havia residido nos Estados Unidos por trinta anos, e suas descobertas no campo da ciência eram impressionantes. Percebi que durante os encontros entre alunos e cientistas ele jamais comia. Quando o questionei a respeito disso, ele me respondeu: “Como posso perder tempo comendo? Pode haver alguém nesse grupo que jamais voltarei a encontrar”. Para ele, conhecer o maior número de pessoas possível era muito mais importante do que comer. Certa vez fui a um seminário em que todos os participantes se hospedaram no mesmo hotel, inclusive cerca de cem estudantes. Apesar de haver quartos separados para os docentes, esse professor, em particular, preferiu se alojar com vários alunos de pós-graduação para manter contato com os jovens, ouvir suas idéias e fazer novas amizades. Ele
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era um cientista ávido por informação. Compartilhar o mesmo quarto por uma semana pode ser uma boa maneira de iniciar uma amizade importante e ampliar sua rede de contatos, o que pode se tornar muito útil para colher informações. Uma única informação pode mudar toda uma vida, dizia ele. É provável que ele esteja certo. Há inúmeras formas de se obter informação e estabelecer redes de contato, colher notícias e trocar informações. Alguns fazem isso durante seus encontros semanais em igrejas, sinagogas ou templos religiosos. Quaisquer que se jam os seus interesses e predileções, o fato de uma pessoa ser ativa em comunidades ou organizações profissionais em que outras compartilham interesses afins oferece-lhe a oportunidade de estimular os seus genes e desenvolver o seu potencial. A troca de informações por meio de relacionamentos pessoais pode significar uma reviravolta em nossas vidas. Não perca essa oportunidade. O valor da cooperação
A recompensa pela dedicação é um outro aspecto importante em um ambiente, pois favorece a ativação dos genes benéficos. Quando a pessoa sabe que receberá de volta aquilo que investiu, sente-se motivada a trabalhar com mais afinco.
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A competição acontece em todos os setores da sociedade e, de acordo com minha experiência, a pesquisa científica envolve uma busca constante pela fama. No caso de cientistas, um trabalho de pesquisa publicado é a oportunidade de ter o nome em evidência. O prestígio de um cientista é medido pela quantidade de trabalhos publicados e pelo veículo que os publica, bem como pela reação que suscitaram. Apesar de os nomes de todas as pessoas envolvidas na pesquisa também aparecerem na publicação, o titular do projeto sempre recebe os créditos, pois as realizações são atribuídas a ele. Por isso, surgem conflitos a respeito de qual nome deve ser colocado no topo. Nesse sistema, alguns pesquisadores podem não receber o reconhecimento merecido por suas realizações, apesar do esforço empregado, simplesmente por se situarem numa linha inferior. Se isso ocorrer de modo freqüente, pesquisadores entusiasmados e competentes acabam interrompendo seus trabalhos e desistindo. De qualquer forma, o laboratório pára de produzir pesquisa de qualidade. Essa é a forma convencional do trabalho de pesquisa, mas não é o procedimento que adoto em meu laboratório; muito pelo contrário, em meu laboratório o nome da pessoa que se empenhou mais durante a pesquisa aparecerá em primeiro plano, independentemente da sua experiência, re-
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sultados anteriores e posição hierárquica. O nome do coordenador do grupo sempre aparece em último lugar. Os coordenadores são em geral professores assistentes ou professores acadêmicos e, caso eles coordenem grupos por quatro ou cinco anos consecutivos, sua capacidade de liderança será reconhecida por meio de uma promoção. Em outras palavras, no nosso laboratório os créditos vão para o pesquisador que mais se esforçou e para o coordenador do grupo. Nesse sistema, todos podem estar certos de que serão gratificados por seu empenho. Você deve estar se perguntando se, neste caso, haverá algum mérito para o catedrático que só é o chefe. Se produzirmos bons resultados e talentosos pesquisadores com uma certa constância, meu laboratório terá uma boa reputação, e eu, como professor, receberei os méritos por isso. Dessa forma, todos se beneficiam. Casos de profissionais em cargos de chefia, que recebem os créditos pelo bom desempenho de seus subordinados, são comuns em todas as áreas. Esse comportamento baseiase no fato de que todos dentro de uma hierarquia acreditam que poderão fazer o mesmo quando chegarem ao topo. Mas, no final, o grupo como um todo sai perdendo. Geneticamente falando, é como se o líder fosse desativando todos os genes benéficos de seus subordinados, um a um, até que
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todo o grupo se tornasse desmotivado – portanto, no caso de um fracasso, ele deve ser considerado responsável. Em algum de seus diferentes papéis no trabalho, na família e na sua comunidade, provavelmente será necessário que você desenvolva uma boa liderança. É importante ressaltar que o reconhecimento é um fator essencial para o sucesso do grupo. Quando bons resultados e qualidades não são valorizados, a moral do grupo é abalada. A manutenção do espírito de cooperação e o reconhecimento pelo empenho de cada membro da equipe são as melhores maneiras de preservar a harmonia do grupo. Além disso, você acabará se beneficiando com a ati vação dos genes benéficos de todos os componentes do grupo. A prática do “dar e dar” é uma forma eficaz de ativar seus genes
A maioria de nós acredita que “dar e receber” seja a base da relação humana, e é fato que grande parte dos relacionamentos pessoais e profissionais fundamenta-se nessa crença. Acreditamos também que esse conceito seja o princípio que rege os de veres dos filhos para com os pais e as obrigações e responsabilidades sociais. Eu, pelo contrário, descobri que o conceito do “dar e dar” está mais próximo da realidade. Se desejamos ativar nossos genes, deveríamos nos concentrar nesse modo de pensar, pois essa é a atitude realmente eficaz.
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“Dar e receber” significa que, ao fazer alguma coisa, sempre receberemos algo em troca. Mas se refletirmos um pouco, perceberemos que a maioria das “retribuições” não significa muita coisa; na verdade, o processo não passa de uma ação automática, como obter uma lata de refrigerante após inserir as moedas na máquina. As maiores recompensas vêm do Divino e o melhor a fazer é adotar na vida a atitude do “dar e dar”. O exemplo mais comum dessa atitude é a relação mãefilho. Uma mãe doa-se ao filho, sem esperar nada em troca. Ela não espera, conscientemente, uma recompensa, no entanto, suas ações lhe trazem felicidade e satisfação, e esses sentimentos de alegria e inspiração acabam por ativar seus genes benéficos. Alguns cientistas renomados nos Estados Unidos sentem prazer em compartilhar o seu conhecimento com todos, enquanto outros mantêm sigilo absoluto sobre suas descobertas, ao mesmo tempo que, com habilidade, extraem informações dos colegas. Ambos são bem-sucedidos em seu trabalho, mas os últimos em geral não conseguem formar novos pesquisadores. As pessoas tendem a se aproximar daquelas que praticam o “dar e dar”. Elas se unem, o grupo cresce e se fortalece, formando uma “família”. Seus integrantes se ajudam mutuamente, assim como o fazem os membros das comunidades étnicas e colônias de estrangeiros.
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Na pesquisa científica atual, não é mais possível que um pesquisador sozinho, mesmo um gênio, dependa apenas de sua inspiração e dedicação para obter resultados importantes. A tendência nos dias de hoje é que a pesquisa sobre um mesmo tema seja realizada por grupos constituídos de várias pessoas, até mesmo por dezenas de cientistas. O estudo de organismos vivos mostra uma evidência: a cabeça não é a parte mais importante do corpo. De fato, não há uma hierarquia, já que todas as partes são vitais na realização de seus papéis. Há várias formas de administrar uma organização, e acredito ter encontrado o sistema ideal para o meu laboratório. A pesquisa genética mostrou-me a beleza do funcionamento de cada órgão, em especial do extraordinário mecanismo de interação que existe entre eles e os tecidos para formar um organismo vivo, embora cada célula seja independente. Podemos aprender muito com esse exemplo e aplicá-lo na nossa interação com os outros. Para acessar seu poder, coloque-se numa posição tensa
Como ilustrado pelos exemplos anteriores, o ambiente e a atitude correta podem contribuir para a ativação dos genes benéficos e para o desenvolvimento do potencial humano. Possuímos um enorme potencial, mas constatei que em certas ocasiões
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é necessário passar por situações de tensão para desenvolvê-lo. Um rato acuado ataca um gato, pois o instinto de defesa é próprio dos animais. No meu caso, prefiro me colocar voluntariamente em uma situação de tensão do que ser acuado por outra pessoa. Acredito que a melhor maneira de fazer isso é investir em mim mesmo. Em outras palavras, se uma pessoa quer atingir um objetivo, terá que se dedicar a ele. Sempre dou esse conselho a meus alunos de pós-graduação e aos demais que trabalham em meu laboratório: “Invista sua poupança em sua pesquisa, por um período de três anos, mesmo que para isso tenha que convencer sua família a deixá-lo agir assim. Dentro de três anos, você começará a colher os frutos do seu trabalho”. Afinal, quem persevera sempre alcança. Na maioria dos casos, o investimento financeiro por três anos é recompensado, a menos que o cientista não seja suficientemente competente ou que a sorte não esteja do seu lado. Entretanto, pelo que percebo, a maioria é bem-sucedida e acaba conseguindo verba para levar adiante o seu trabalho. Os projetos que produzem bons resultados atraem novos investimentos, enquanto resultados negativos significam a interrupção dos mesmos. Certa vez, um professor por quem tenho grande admiração contou-me uma história pessoal sobre um empréstimo: quando ele disse ao gerente do banco que gostaria de usar o dinheiro do empréstimo para suas pesquisas, este comentou
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que era a primeira vez que alguém lhe pedia um empréstimo para aplicar em pesquisas, e não na construção de uma casa ou na educação dos filhos. O professor não tinha nenhuma garantia, mas, mesmo assim, o gerente do banco lhe concedeu o empréstimo, com a condição de que ele fizesse um seguro de vida. Não é comum o gerente de um banco conceder empréstimo a alguém que não tenha qualquer caução, mas a determinação do professor impressionou o gerente a tal ponto que ele correu o risco e sugeriu um seguro de vida como garantia. Há vinte anos, o montante daquele empréstimo correspondia a várias vezes meu salário anual. Entretanto, sua determinação em assumir o risco e investir todo o dinheiro em sua pesquisa foi recompensada, pois ele logo conseguiu patrocínio. A quantia inicial que ele tirou do próprio bolso foi a semeadura. Aprendi com esse exemplo que às vezes é necessário mergulhar de cabeça na dívida. Mas se você não semeia, não haverá colheita. enho visto muitos casos bem-sucedidos de pessoas que investiram em si mesmas em diferentes negócios. Um conhecido meu certa vez investiu todas as suas economias para abrir um restaurante. Se a administração de um restaurante já não é uma tarefa fácil, imagine para alguém que está apenas começando no ramo. O fato de ter investido tudo que
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tinha na realização de um sonho pessoal o colocou em uma situação tão difícil que fez com que ele se mostrasse ainda mais determinado a atingir o sucesso. Sua coragem, esforço e entusiasmo foram recompensados, e hoje seu restaurante, além de muito próspero, é uma referência no meio gastronômico. Ele acredita que o investimento que fez em si mesmo tenha sido a razão principal do seu sucesso. “Investir em si mesmo” é arriscado, mas faz com que você lute ainda mais para atingir seus objetivos. Características daqueles que possuem os genes benéficos ativados
Em minha opinião, as pessoas bem-sucedidas que conseguem atingir seus objetivos têm uma característica em comum. Elas vêem a vida sob uma perspectiva positiva. Um dos meus exalunos é um bom exemplo disso. Vários anos após juntar-se ao nosso grupo na Universidade de sukuba, ele me perguntou: “Será que você poderia me fornecer uma carta de recomendação para que eu pudesse me transferir para uma universidade mais conceituada? Eu gostaria de trabalhar em um laboratório onde houvesse um ganhador de prêmio Nobel”. Em sua primeira tentativa de ser aprovado para a universidade de sukuba, esse aluno não obteve bons resultados, indicando, assim, que suas aspirações fossem talvez maiores do que a sua capa-
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cidade. Apesar de o seu pedido parecer um pouco impertinente, consegui, com a ajuda de um amigo que trabalhava ao lado de um ganhador do prêmio Nobel nos EUA, que esse aluno fosse trabalhar naquele laboratório. Embora no Japão ele estivesse muito entusiasmado com as suas pesquisas, não era um aluno excelente. Já nos Estados Unidos, suas qualidades começaram a se tornar evidentes. Assim que retornou ao Japão, em vez de lhe pedir que retomasse suas atividades habituais, designei-o orientador de um estudante da pós-graduação e o deixei concentrar-se na sua pesquisa. Mas disse a ele: “Você ocupará a posição de professor por três anos, e não mais que isso. Se não conseguir resultados satisfatórios nesse período, será demitido”. Assim como eu havia previsto, ele conseguiu excelentes resultados e, por volta dos trinta anos de idade, foi contratado como professor por uma universidade japonesa de grande prestígio. Esse foi um caso sem precedentes no Japão, pois na área de pesquisas só se chega ao topo depois de galgar todas as posições e, aos trinta anos, o que se consegue, no máximo, é chegar à posição de professor assistente. Alguns anos antes, eu havia anunciado a minha intenção de formar, em meu laboratório, o primeiro professor japo nês com menos de quarenta anos de idade. Eu mesmo havia me tornado professor aos quarenta e dois, mas incentivava
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meus alunos a mirar mais alto. Embora não me recordasse, ele se lembrava de que no dia de seu casamento eu já havia dito aos seus pais que o tornaria um professor antes dos quarenta anos e, evidentemente, acreditou em minhas pala vras. Ele sabia que o peso da responsabilidade pelo seu sucesso ou fracasso recairia sobre seus próprios ombros, e isso acabou por motivá-lo. Penso que, naquela época, os genes que tornariam isso possível foram ativados dentro dele. Uma série de coincidências favoráveis também contribuiu para que ele se tornasse bem-sucedido. Uma delas foi a realização do seu sonho de trabalhar em uma equipe de um ganhador de prêmio Nobel. Acontece que, por coincidência, eu estava participando de um seminário quando cruzei com um amigo americano e lembrei-me que ele trabalhava com um ganhador de prêmio Nobel. Perguntei sobre a possibilidade de ajudar esse meu aluno: “enho um aluno de pós-graduação muito entusiasmado em trabalhar junto a um ganhador de prêmio Nobel”, eu lhe disse. “Perfeito”, respondeu ele. “Estávamos justamente à procura de alguém e ficaremos muito satisfeitos em recebê-lo”. udo se encaixou perfeitamente. No entanto, se esse aluno não tivesse expressado sua vontade de mudar de laboratório, eu e meu amigo americano teríamos conversado sobre outro assunto qualquer. Parece que a sorte sorriu para ele naquela ocasião.
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Na verdade, aquela não seria a única vez. O fato de trabalhar num laboratório de um ganhador de prêmio Nobel pode trazer algumas desvantagens. Em muitos deles, onde o diretor já atingiu o topo do sucesso e da fama, o auge já passou e nem sempre esses ambientes são os melhores para a pesquisa. Entretanto, o laboratório em que meu aluno foi trabalhar era dinâmico e avançava para outro pico de glória. Ao retornar ao Japão, sua estrela voltou a brilhar, pois, em geral, não é permitida a continuidade de pesquisas iniciadas no exterior, e, é claro, isso também se aplicaria a ele. Contudo, meu aluno foi bastante hábil, adequando seu pro jeto de modo que continuasse utilizando a mesma base de conhecimento, bem como os mesmos materiais que já usava em suas pesquisas nos EUA. A própria natureza de suas pesquisas lhe permitiu essa opção. E como se tudo isso não bastasse, esse aluno foi abençoado com uma personalidade singular. Além de ver a vida sempre por uma perspectiva positiva, ele tinha a capacidade de se concentrar no trabalho sem se preocupar com o futuro. Segundo minha experiência, esse tipo de personalidade é comum em pessoas de sucesso e também uma característica daqueles cujos genes estão ativados.
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As habilidades e os genes de cada indivíduo são únicos
Para que você seja bem-sucedido, seja qual for seu objetivo, é importante que tanto o ambiente quanto o sistema de trabalho valorizem sua singularidade. Você já deve ter ouvido falar do conceito de que cada pessoa é única, e essa afirmação pode ser comprovada cientificamente. Não existem dois conjuntos de genes ou genomas iguais, pois aquelas porções do DNA que não são essenciais diferem de uma pessoa para outra. Levemos em consideração o rosto. Apesar de apresentarem as mesmas caracterís-
ticas básicas, como dois olhos, um nariz e uma boca, o tamanho e a forma, bem como suas posições, variam de uma pessoa para outra. Desse modo, duas pessoas nunca são idênticas. O mesmo acontece com os genes. Nossos genomas possuem características em comum, mas são diferentes para cada pessoa. Essas diferenças não se manifestam apenas na aparência ou constituição física. Estão presentes também na personalidade e na aptidão de cada indivíduo. Quando afirmo que todos nós somos dotados de habilidades surpreendentes, não quero apenas agradar as pessoas. rata-se da mais pura verdade. Entretanto, na maioria dos países desenvolvidos, os sistemas de ensino desconsideram essa diversidade. Os testes e exames de admissão para a universidade são extremamente padronizados. Os candidatos são avaliados por meio de pa-
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drões fixos que medem apenas a sua capacidade de memorizar e reproduzir um determinado conjunto de conhecimentos. Porém, cada indivíduo possui um conjunto de genes único e singular. O modo e tempo de ativação desses genes para cada pessoa também variam. Portanto, um sistema padronizado não consegue de maneira alguma cultivar as capacidades de cada estudante. É claro que o conhecimento precisa ser transmitido, contudo, num sistema que se baseia única e exclusivamente na capacidade de memorização, apenas uma pequena parcela do potencial do aluno é avaliada. A capacidade de memorizar informações dificilmente trará grandes contribuições para o progresso e desenvolvimento da humanidade. Idéias inovadoras surgem principalmente pela falta de respostas, e os alunos que se sobressaem no sistema atual em geral fracassam quando defrontados com o novo. A capacidade de memorização é importante, mas nem sempre é compatível com a capacidade de criação e busca por inovações. É interessante notar que vários ganhadores do prêmio Nobel não eram alunos brilhantes, sob o ponto de vista acadêmico. Quando conheci Kenichi Fukui, ganhador do Prêmio Nobel de Química em 1981, ele me contou que, pouco tempo antes, não havia conseguido resolver uma questão de química contida na prova de admissão de uma universidade japonesa,
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mesmo sendo especialista naquela área. “O ensino atual parece se resumir a memorizar, encher a cabeça de palavras e depois despejá-las em um papel, e esses não deveriam ser os únicos critérios de avaliação de uma pessoa”, ele comentou. Meu mentor, Ko Hirasawa, era um grande amigo de Hideki Yukawa, ganhador do Prêmio Nobel de Física em 1949 e o primeiro japonês a ganhar um prêmio Nobel. Em uma ocasião, Hirasawa queixou-se a Yukawa, “Meu cérebro é muito mais lento que o seu. Não estou conseguindo acompanhar o seu raciocínio”, ao que Yukawa respondeu: “Você pode não acreditar, mas está sendo muito mais difícil para mim do que para você”. Quando Hirasawa lhe confidenciou que havia carregado um forte complexo de inferioridade durante todo o período em que cursou o ensino médio, Yukawa respondeu: “Eu também!”. Eles não estavam sendo modestos, apenas honestos. Afinal, esses dois cientistas brilhantes tinham uma baixa auto-estima e quando ouvi esse relato, anos atrás, tive esperança de que também pudesse chegar à posição de professor, pois o fato é que, como eles, também questionava minha inteligência. Na época em que ainda estava estudando para os exames de admissão da universidade, minhas notas eram as mínimas necessárias para a aprovação, e quando consegui entrar na Universidade de Kyoto, tive certeza de que tinha sido
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por muito pouco. Lembro-me de sentir um grande alívio quando descobri que na universidade havia outros alunos como eu. Hirasawa e Yukawa não eram alunos fracos, mas também não seriam considerados excelentes pelos padrões educacionais de países desenvolvidos. A manutenção dos sistemas educacionais que pregam a memorização e a obediência cega às regras, aceitos internacionalmente, não é adequada, pois esse tipo de “inteligência” está sendo cada vez mais desvalorizado. No mundo dos negócios, sabe-se que as empresas não estão interessadas em funcionários que aceitam tudo passivamente e que não pensam por si. Essa é uma indicação de que a sociedade como um todo está cada vez mais se distanciando do ensino focado apenas em avaliações objetivas. Esse é o momento de investirmos na formação de recursos humanos valiosos, na tecnologia e na proteção da propriedade intelectual que possam beneficiar a raça humana como um todo. Esse investimento representaria a maior contribuição para toda a comunidade internacional. Geneticamente, estamos entrando em uma época em que cada indivíduo precisa desenvolver e utilizar todas as suas habilidades. As pessoas costumam acalentar vários sonhos, mas poucas são as que os realizam. Se pudéssemos ativar os nossos genes com os três bilhões de informações neles contidas, tudo seria possível. Até recentemente, acreditávamos que não havia nada
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que pudéssemos fazer para acionar essa porção inativa. Agora que os cientistas passaram a estudar a mente humana mais a fundo, estamos descobrindo que nosso potencial latente pode ser ativado. Para que tenhamos uma vida plena e feliz, precisamos usar a mente para ativar nossos genes benéficos. A nossa exposição a novos fatos, informações e ambientes são excelentes oportunidades para que nossos genes inativos sejam estimulados. Essa crença baseia-se tanto em todas as descobertas científicas relevantes feitas até o momento quanto em minha própria experiência. É por essa razão que recomendo a todos que vivam sempre com os genes benéficos ativados.
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Lições de vida aprendidas em laboratório
A “ciência noturna” leva a descobertas importantes
Por trás de toda grande descoberta ou invenção, sempre há uma história interessante. ome como exemplo a fusão celular. A tecnologia atual, que tornou possível a fusão de células humanas com fungos, foi descoberta por acaso. Um estudante estava realizando uma experiência, e embora seguisse à risca todas as recomendações do seu professor, sempre fracassava. Frustrado, ele acrescentou uma substância totalmente estranha às instruções. Com isso, a fusão aconteceu. Mesmo atividades não relacionadas com o processo científico, como o hábito de contar as novidades durante reuniões familiares, podem levar a grandes descobertas.
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Denomino essas atividades ati vidades dos bastidores como “ciência noturna”, em oposição à “ciência diurna” que consiste em aulas, exame de objetos sob o microscópio ou apresentação de resultados de pesquisa em eventos diversos. A ciência diurna é racional e objetiva, além de possuir uma lógica clara e seqüencial. A ciência noturna, ao contrário, obtém pistas importantes importante s por meio da intuição, intuiç ão, inspiração e experiências incomuns. Em outras palavras, a ciência noturna trabalha com habilidades e eventos raramente associados à área científica. Pode-se dizer que a ciência diurna consiste nos resultados tangíveis da pesquisa, e que a ciência noturna está relacionada com o processo que leva a esses resultados. A maioria das grandes descobertas e invenções científicas tem início na ciência noturna. Se a ciência diurna representa o pensar do hemisfério cerebral esquerdo, ou o raciocínio lógico, a ciência noturna representa o pensar do hemisfério cerebral direito ou, ou , segundo a minha terminologia, o raciocínio genético. Neste capítulo, c apítulo, gostaria de dividir com você percepções que adquiri durante minha vivência de cientista sobre intuição, perseverança e ativação dos genes adormecidos. Pode parecer surpreendente, mas é importante não saber demais sobre um determinado assunto quando iniciamos uma nova pesquisa. O conhecimento e a informação
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são ferramentas muito importantes, importa ntes, mas quando os cientiscient istas se baseiam exclusivamente na ciência diurna, essas ferramentas podem se tornar empecilhos, e levá-los a uma cautela excessiva com inovações. Os cientistas com maior conhecimento em um determinado assunto são, quase sempre, os primeiros que se recusam a tomar parte em uma nova pesquisa. Quanto mais instruída for uma pessoa, maior a pesquisa. probabilidade de ela preferir não se aventurar em um novo projeto. Por outro lado, os indivíduos menos experientes são mais propensos a participar de algo novo, sem qualquer hesitação. Nesse sentido, “a ignorância é uma bênção”, pois permite que jovens cientistas mergulhem de cabeça em uma nova aventura. Essa audácia freqüentemente resulta em grandes conquistas. De acordo com o conselho dado por Buckminster Fuller, um dos grandes inovadores do século XX, é melhor ser ser um generalista generalista do que um especialista. especialista. Certa vez, perguntei a Masaru Ibuka, um dos fundadores da Sony Corporation, o segredo da criação de uma empresa multinacional. “Em retrospecto”, disse ele, “acho que o fato de eu não ser um especialista foi muito positivo”. A Sony desenvolveu o primeiro gravador de fitas magnéticas magnética s e introintroduziu a tecnologia de transistores no Japão. “Se eu soubesse muito sobre gravadores ou transistores naquela época”, comentou ele, “certamente teria ficado intimidado e nem teria
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tentado. Mais tarde, quando aprendi mais sobre eles, fiquei surpreso com a minha ousadia”. Sei exatamente do que ele está falando. Como mencionei no capítulo anterior, meu envolvimento com a pesquisa da renina, que acabaria por se tornar o trabalho de minha vida, começou a partir de uma interpretação equivocada de dados. Quando iniciei meu trabalho nesse campo, vários colegas me desaconselharam a continuar, pois eu precisaria de amostras puras dessa enzima. Apesar de sabermos que a renina é encontrada nos rins, a quantidade é mínima e muito instável. A combinação desses dois fatores torna as condições para a pesquisa da renina as piores possíveis. Vários cientistas já haviam estudado a renina, mas nenhum conseguiu obter a enzima pura e, por essa razão, os pesquisadores da área médica eram veementemente desencorajados a escolhê-la como objeto de estudo. Como minha formação era na área de química agrícola, eu jamais havia ouvido falar dessa famosa enzima e, assim, mergulhei sem hesitar na pesquisa. Se naquela época eu estivesse ligado a um departamento médico, em vez de agrícola, saberia das inúmeras tentativas e fracassos dos outros pesquisadores e provavelmente não teria escolhido esse campo. enho estudado a renina desde então e, sob a coordenação de adashi
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Inagami na Universidade de Vanderbilt, consegui até mesmo purificar e produzir essa enzima. Assim como Ibuka da Sony, tive sorte de não ser um especialista, pois teria desistido dessa área. Passei por várias outras experiências nas quais foi bem melhor não ter muito conhecimento sobre um determinado tema do que tê-lo em demasia. Por exemplo, quando a nossa pesquisa sobre a renina chegou a um beco sem saída, acabamos introduzindo a engenharia genética, apesar da nossa completa ignorância sobre o assunto. Ao descobrirmos que essa nova tecnologia tornava possível a utilização da bactéria E. coli na produção de hormônios humanos, pensei: “Perfeito! Vamos utilizá-la na produção da renina”. Aquele foi o meu primeiro contato com a engenharia genética e de novo acho que tive sorte em não ter muito conhecimento sobre o assunto. Como resultado, acabamos vencendo a corrida para decodificar o código genético da renina humana. Quando decidi introduzir a engenharia genética em nossas pesquisas, descobri que os alunos com as melhores notas eram os mais pessimistas. Sempre demonstrando muita preocupação, eles me perguntavam se seria sensato fazer uso de uma tecnologia sobre a qual não tínhamos conhecimento. É óbvio que eu não tinha a menor idéia se minha teoria funcionaria ou não, mas acreditava que valia a pena tentar por se tratar de uma tec-
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nologia muito avançada. odos os que apoiaram a idéia mostraram-se muito curiosos pelo tema e prontamente responderam: “Parece interessante. Vamos tentar”. Quando o assunto desperta esse tipo de curiosidade no aluno, ele não desiste, mesmo quando o processo se torna árduo, e, na maioria das vezes, acaba obtendo resultados satisfatórios. Por que razão conhecimento em excesso às vezes trabalha contra nós? Não é que a informação por si só seja ruim; a questão é que saber mais que os outros sobre um determinado assunto pode criar a ilusão de acreditarmos na superioridade dos nossos julgamentos . Uma supervalorização do
conhecimento enubla a nossa intuição, fazendo com que nos adiantemos demais em nossas projeções. Quando um processo não flui de forma tranqüila, o excesso de conhecimento pode nos levar a conclusões precipitadas. Podemos nos tornar pessimistas e passar a acreditar que nosso projeto está fadado ao fracasso quando ainda há uma perspectiva de sucesso. Leo Ezaki, reitor da Universidade de sukuba e ganhador do Prêmio Nobel de Física em 1973, oferece àqueles que dese jam alcançar esse feito algumas recomendações interessantes: 1) não se deixe prender por convenções; 2) não amontoe conhecimento; e 3) livre-se de informações desnecessárias, criando espaço para as novas.
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Num mundo onde a originalidade é tão importante, dar crédito excessivo ao conhecimento e às informações ultrapassadas não fará com que você se destaque. Meu conselho às pessoas que detêm um profundo conhecimento é que ao menos temporariamente desconsiderem essa grande bagagem, bem como suas experiências anteriores. O fracasso não é uma opção quando se é persistente
Quando regressei ao Japão nos anos 1970, após terminar minhas pesquisas sobre a renina nos Estados Unidos, decidi reiniciar essa mesma pesquisa na recém-fundada Universidade de sukuba. Cheguei a considerar a escolha de um outro ob jeto de pesquisa, mas não consegui desistir da renina, devido ao seu grande potencial no tratamento da hipertensão. No entanto, para dar continuidade aos meus estudos, precisava de mais material e descobri que havia uma possibilidade de a renina estar presente no cérebro. Há vinte anos, os cientistas encontravam-se divididos sobre esse assunto. Na verdade, a maioria acreditava que a renina não poderia ser encontrada no cérebro. Entretanto, com base em várias evidências circunstanciais, meus colegas e eu estávamos convencidos do contrário. Decidi então obter o extrato da renina presente no cérebro para provar que estávamos certos.
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O cérebro contém uma pequena bolsa cheia de hormônios chamada glândula pituitária. Presumindo que dentro de tal glândula haveria uma quantidade maior de renina, decidi obtê-la dos cérebros de bovinos ou suínos. O problema é que seria preciso uma grande quantidade dessa enzima, ao menos um miligrama. Para obtê-la, seriam necessários, de acordo com minhas estimativas, de trinta a quarenta mil cérebros daqueles animais, um número assustador. Como poderíamos conseguir tantas glândulas pituitárias? Nosso primeiro passo foi entrar em contato com as fazendas de criação de suínos próximas à Universidade de sukuba. Porém, nem de perto elas possuíam tantos animais. Em seguida, considerando que óquio é a capital e a cidade mais populosa do Japão, imaginamos que lá deveria haver esse número de animais. Por vários dias visitei inúmeras fazendas de pecuária e implorei aos administradores que me ajudassem, até que eles concordaram em fornecer as glândulas pituitárias do gado abatido. Os estudantes do nosso laboratório viajavam para óquio várias vezes por mês para buscar essas glândulas e, assim, demos início ao nosso projeto. A glândula pituitária bovina é mais ou menos do tamanho da ponta de um polegar, recoberta por uma membrana tão resistente como a de uma castanha, difícil de ser removida. “Se conseguirmos descascar essas glândulas”, desafiei meus
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alunos, “nossa pesquisa revolucionará o mundo”. Entretanto, não tínhamos como prever se seríamos bem-sucedidos. Essa incerteza é inerente à própria pesquisa. Há sempre uma possibilidade, nunca uma garantia. E isso só se aplica à “ciência diurna”. Já no caso da “ciência noturna”, o coordenador deve ter fé inabalável no resultado que deseja alcançar. Existem inúmeras histórias de pessoas que após sofrerem anos com uma doença crônica, como o reumatismo, ficam sabendo de um novo tratamento, como os banhos em fontes termais. Convencidas da eficiência da terapia descobrem que, após banhar-se nas águas quentes, suas dores desaparecem, como por milagre. Penso que a crença na cura tenha provocado a ativação de seus genes benéficos até então inativos. Apesar de as fontes termais apresentarem de fato propriedades curativas, a crença dessas pessoas na cura com certeza desempenhou um papel importante no resultado obtido. Da mesma forma, quando o líder de uma equipe afirma que um determinado objetivo é atingível, as pessoas que o cercam também passam a pensar assim. Contudo, esse coordenador terá que acreditar no que está dizendo. Vários insucessos ocorrem em nossas vidas, mas cada um deles começa no momento em que pensamos ter fracassado. Enquanto nos recusarmos a desistir e acreditarmos que temos uma chance, não fracassamos, por pior que seja a situação.
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À medida que progredíamos descascando as glândulas, a tarefa foi se tornando mais mecânica, e até chegamos a nos divertir e conversar enquanto trabalhávamos. Estimulado, fui me empolgando cada vez mais: “Essa pesquisa pode levar ao desenvolvimento de um novo medicamento para a hipertensão. Poderemos ganhar bilhões de ienes com a patente”. É interessante como o entusiasmo das pessoas envolvidas em algo atrai outras a fazer parte da atividade. Doutores, alunos de graduação e pós-graduação e até mesmo pessoas que só estavam passando por ali juntaram-se a nós e começaram a nos ajudar. Conseguimos preparar 35 mil glândulas pituitárias, cada uma com 1,5 grama aproximadamente, perfazendo um total de cerca de cinqüenta quilos. Após submetermos essas glândulas a um processo de desidratação a baixas temperaturas, produzimos um pó que lembrava café solúvel e conseguimos, conforme o esperado, extrair a renina. Porém, depois de todo esse trabalho, só obtivemos 0,5 miligrama de renina, metade do que esperávamos. Essa quantidade era tão ínfima que não chegava a ser visível a olho nu. Mas, por outro lado, tivemos sucesso em purificar a renina do cérebro. Anunciei nossos resultados na convenção da Sociedade Internacional de Hipertensão, em Heidelberg, em 1979 –
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um encontro seleto e prestigioso. Quando terminei minha apresentação, fui intensamente aplaudido, pois ela marcava o fim de vinte anos de debates internacionais a respeito da presença da renina no cérebro. Aprendi uma lição preciosa com essa experiência: o sucesso de uma pesquisa científica depende mais do empenho dos profissionais envolvidos no trabalho do que de seu nível acadêmico. Quando estávamos preparando as glândulas pituitárias, propus aos meus alunos que chegássemos um pouco mais cedo na universidade e eles prontamente concordaram. Naquela época, a Universidade de sukuba ainda era pouco conhecida, pois tinha sido fundada havia menos de dez anos. Eu sempre dizia aos meus colaboradores que no nosso trabalho tudo era uma questão de tempo. Comparei nossa universidade a um jogo de beisebol: “Ninguém na universidade mandou até agora a bola para fora do campo, mas se continuarmos recebendo bolas, ainda podemos marcar pontos. Se você não consegue rebater, ao menos vá até a primeira base caminhando ou correndo na última rebatida. Vamos no mínimo chegar à primeira base”. Os cientistas estão sempre competindo contra rivais invisíveis. odos possuem objetivos semelhantes e usam as mesmas técnicas. Sabemos que o outro lado poderá chutar para fora ou perder a bola. É só esperar pela oportunidade certa.
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O mesmo acontece em outras áreas, seja no comércio, indústria de entretenimento, mercado de ações ou em qualquer outra em que haja uma competição saudável. O segredo é continuar trabalhando, pois a persistência leva ao sucesso. Se não desistirmos, sempre haverá uma chance. Essa é a atitude típica de um ganhador. Foi devido ao grande empenho de toda a nossa equipe que conseguimos extrair a renina. Após a minha apresentação, durante a recepção aos participantes, recebi congratulações de cientistas de várias partes do mundo. Muitos deles comentaram: “Você tem sorte de o Japão ser uma potência econômica”. Fiquei intrigado com esse comentário até que alguém me perguntou: “Então, quanto custou importar todas essas glândulas pituitárias dos Estados Unidos?”. Só aí entendi a razão daqueles comentários. Estavam todos imaginando que eu houvesse importado as glândulas pituitárias dos Estados Unidos. Com muito orgulho, contei-lhes o que de fato havia acontecido. “Nós não as importamos. Os abatedouros as doaram para nós. odos nós – meus alunos de pós-graduação e eu, outros doutores e estudantes, e até mesmo minha esposa – trabalhamos na preparação dessas glândulas”. Só não lhes contei que minha esposa foi a melhor descascadora de todos. Desde então fui apelidado de “Doutor das 35 mil Vacas”.
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Não há linha de chegada para a ciência
Como era de esperar, logo outro obstáculo surgiu para o “Doutor das 35 mil Vacas”. Apesar da amostra de renina que havíamos extraído com tanto esforço ser um tesouro muito valioso, não era suficiente. Aquela pequena quantidade de renina que causou tanto furor na comunidade científica pode até ter colocado um ponto final no longo debate internacional, mas não era suficiente para que atingíssemos o nosso objetivo principal: decifrar o código genético da renina humana. Além disso, a substância não havia sido extraída de cérebros humanos, mas de bovinos. Uma vez que o objetivo de nossa pesquisa era contribuir para o tratamento da hipertensão em seres humanos, ainda estávamos muito longe de atingi-lo. O ideal seria extrair a renina de cérebros humanos, porém isso estava completamente fora de questão. E mais uma vez me vi em uma encruzilhada. O fato de já termos recebido reconhecimento internacional pela pesquisa nos deixava em uma situação ainda mais delicada. Depois de muito desgaste, decidi adotar uma atitude diferente. “Esse é o começo de uma nova fase”, disse a mim mesmo. “É um sinal de que estamos prestes a dar um grande salto para a frente.” Essa atitude mental positiva contribuiu para eu relaxar. Logo depois, recebemos notícias ani-
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madoras: grandes quantidades de insulina humana haviam sido produzidas com sucesso pela bactéria E. coli com o uso de uma nova tecnologia. Havíamos entrado na era da engenharia genética. Apesar de não ter nenhum conhecimento sobre essa nova tecnologia, depois de consultar a minha equipe, decidi introduzi-la nas nossas pesquisas. ínhamos dois objetivos: produzir grandes quantidades da renina humana a partir da bactéria E. coli e decifrar o código genético dessa enzima. Porém, quando estávamos prestes a iniciar nosso trabalho em ratos – passo anterior ao trabalho com a renina humana – recebemos uma notícia bastante desanimadora: o Instituto Pasteur da França, o grande campeão de pesquisas em todo o mundo, havia terminado de decifrar o código da renina em ratos. Apesar disso, não desistimos; só mudamos nossa tática. Focamos todas as nossas energias em decifrar o código genético da renina humana, pois presumimos que o Instituto Pasteur não poderia ter ido tão longe, já que havia acabado de decifrar a substância em ratos. Sabendo que a renina também podia ser encontrada em rins humanos, decidimos que seria mais fácil extraí-la dos rins do que do cérebro. Com esse objetivo em mente, necessitávamos de um rim humano com uma grande quantidade de renina, o que não é fácil de encontrar. Embora tenhamos nos empenhado nessa busca, os resulta-
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dos não foram satisfatórios. Estávamos correndo contra o tempo, principalmente porque eu já havia anunciado que os resultados das nossas pesquisas seriam divulgados no 10º aniversário da Universidade de sukuba. Foi então que recebemos outro golpe. O Instituto Pasteur, junto com a Universidade de Harvard, havia não apenas começado a decodificar a renina humana, mas já havia conseguido decifrar 80% do seu código genético. Apesar dessa informação não ser oficial, havia uma grande possibilidade de que fosse verdadeira. Será que eles iriam novamente nos ultrapassar na reta final? Viajei para a França com o objetivo de esclarecer isso. Em Paris, o Instituto Pasteur confirmou o boato. “A essa altura, você não conseguirá nos alcançar. Por que você não tenta decifrar a renina em macacos?”, sugeriram-me, muito confiantes no seu sucesso. Contudo, decifrar os genes de um macaco, após o código genético da renina humana já ter sido desvendado, seria um retrocesso. O pior é que eles já haviam decifrado 80% dessa enzima, enquanto nós ainda estávamos procurando amostras para dar início a nossa pesquisa. Como poderíamos competir nessas circunstâncias? Mas como tenho observado com freqüência, quando estamos a ponto de fracassar, milagres começam a acontecer.
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Depois de deixar Paris, viajei para Heidelberg, Alemanha, para participar de uma reunião. Estava tomando uma cerveja num bar próximo à universidade quando vi entrar um conhecido, Shigetada Nakanishi, professor da Universidade de Kyoto e cientista com reputação internacional no campo da engenharia genética. Ele sentou-se à minha mesa e contei-lhe toda a nossa história. Sua resposta me pegou de surpresa: “Eles decifraram somente 80%, não foi? Nesse caso, você ainda tem uma chance. É comum a decodificação emperrar no final, mesmo que já se tenha decifrado 99% do gene”. “Mas nós ainda nem conseguimos...” “Se você quiser, meu laboratório pode auxiliá-lo na pesquisa.” Aquilo foi um presente dos deuses. Mesmo acontecendo uma conferência na cidade, a chance de encontrar não só um amigo, mas também um especialista em engenharia genética como Nakanishi, num bar em plena Alemanha, era uma em um milhão. Com seu apoio, senti que ainda tínhamos uma chance de competir. Embora ainda estivéssemos em desvantagem, achei que valia a pena arriscar mais um tiro. Com minha energia e entusiasmo renovados, cancelei o resto da viagem e voltei para o Japão.
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O entusiasmo é contagioso
Notícia ruim em geral não vem sozinha, mas, algumas vezes, a boa também não. E ao retornar à universidade, fui agraciado com algumas boas notícias. Um dos médicos que já havia nos ajudado no laboratório, solicitou aos hospitais universitários de todo o Japão que nos avisassem imediatamente no caso da retirada de algum rim com grande quantidade de renina. E graças a essa sua iniciativa, recebi um telefonema da Universidade de ohoku. “Amanhã faremos a extração de um rim”, fui informado. “Por favor, venha buscá-lo imediatamente,” Nossa equipe conseguiu gelo seco, e no meio da noite fomos de carro até o hospital, a cerca de trezentos quilômetros de distância, o mais rápido que pudemos. Para nossa alegria, devido à natureza da doença do paciente, havia naquele rim uma quantidade de renina dez vezes maior do que a habitual. Foi um lance de sorte para a nossa equipe. Agora, mais do que nunca, estávamos determinados a identificar o mecanismo da hipertensão não só por nós, mas também por aquele doador. Depois de extrairmos a renina, dividimos nossa equipe entre a Universidade de sukuba e o laboratório de Nakanishi, na Universidade de Kyoto, e concentramos todos os nossos esforços na tarefa de decifrar o código
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genético da renina humana. Nosso rival, o Instituto Pasteur, quase cruzava a linha de chegada, e nós estávamos apenas começando. Os alunos de pós-graduação trouxeram sacos de dormir para o laboratório, e trabalhamos dia e noite. Estávamos tão agitados com a iminência de uma descoberta avassaladora, que não conseguiríamos dormir mesmo que quiséssemos. Essa última arrancada valeu a pena. O Instituto Pasteur ainda trabalhava na decodificação quando a nossa equipe, finalmente, conseguiu o que tanto ansiávamos. Fomos os primeiros a decifrar todo o código genético da renina humana, nosso objetivo principal. Era verão de 1983, e estávamos a apenas três meses da comemoração do 10° aniversário da Universidade de sukuba. É preciso contar com muitas pessoas para se atingir um único objetivo. Esse feito espetacular que nos rendeu reconhecimento internacional não teria sido possível sem a colaboração de muitos: o responsável pelo abatedouro que nos forneceu todas aquelas glândulas pituitárias, os inúmeros voluntários que nos auxiliaram na sua preparação, o médico que informou os hospitais universitários sobre a nossa necessidade de rins doentes frescos, as pessoas da Universidade de ohoku que atenderam esse nosso apelo e, com certeza, o dr. Nakanishi e sua equipe. Apesar de muitas vezes ter me sentido desanimado, em especial quando me deparava
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com um novo obstáculo, minha atitude positiva sempre me puxou adiante. O processo da pesquisa científica tem um lado violentamente competitivo, um elemento de rivalidade oriundo do desejo egoísta por fama e sucesso. Apesar de estar ciente desses aspectos, também me sinto orgulhoso por ter contribuído para o bem da humanidade. Embora por um lado eu queira vencer, por outro estou consciente de que existe algo acima de tudo isso. Sei que mesmo que eu perca, ainda assim, fiz algo importante. Nesses momentos sinto que meus genes benéficos estão realmente ativados. E estou certo de que como líder de um grupo de pesquisas irradio esse sentimento à minha equipe e àqueles que estão próximos a mim. Os japoneses costumam dizer: “Desejos fervorosos chegam aos céus”. Mas a experiência me mostrou que talvez tais desejos sejam, na verdade, transmitidos aos genes que se encontram em nossas células, e não aos céus. Isso é mais uma suposição do que um fato científico, mas vários acontecimentos em minha vida levaram-me a acreditar nisso. O que vou relatar a seguir ilustra bem esse ponto de vista. Após termos decifrado o código genético da renina humana, estabelecemos novas metas para as nossas pesquisas. Uma delas era produzir um rato hipertenso, utilizando genes da renina humana. Já que isso será discutido no próximo capítulo, farei aqui
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apenas um breve resumo do que aconteceu. Como era de se esperar, logo no início tivemos alguns problemas. Apesar de todas as nossas tentativas, não conseguimos que o rato apresentasse sinais de hipertensão. Em meio a esse impasse, fui designado a trabalhar como coordenador da campanha eleitoral de Leo Ezaki para presidente da universidade, e isso fez com que eu me ausentasse do laboratório por algum tempo. Como nunca havia me envolvido em uma eleição, fiquei muito estressado e a minha pressão arterial subiu. Imagine minha surpresa ao ser informado de que a pressão dos nossos ratos de laboratório também havia subido. Até aquele momento, eles não haviam apresentado qualquer quadro de hipertensão, apesar de todos os nossos esforços para que isso acontecesse. E agora parecia que a pressão dos ratos estava, de algum modo, vinculada à minha. Fui forçado a admitir que talvez existisse algum sincronismo entre os dois fatos. Isso me fez acreditar que a energia do pensamento pudesse ser transmitida não só aos seres humanos, mas a todas as criaturas vivas ao nosso redor. Bons resultados científicos dependem da intuição
O fato de termos conseguido decifrar a renina humana é uma excelente demonstração das grandes recompensas que
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alcançamos ao utilizarmos nossa intuição. Se um cientista deseja obter bons resultados, ele precisa fazer uso de sua intuição. Existem pessoas que acreditam que a intuição seja um fator decisivo no sucesso ou fracasso de um projeto científico, e esse conceito se aplica em várias outras áreas de atuação, além da ciência. Sabemos o quanto é importante dar ouvidos à nossa intuição, contudo geralmente não estabelecemos uma ligação entre ela e os resultados concretos do nosso dia-a-dia. omemos como exemplo o caso da competição entre meu laboratório e o Instituto Pasteur. Minha intuição teve papel fundamental em nossa vitória. Como já mencionado, enquanto o Instituto Pasteur havia desvendado 80% do código genético, nós sequer havíamos dado início ao processo. Quando por acaso encontrei-me com Shigetada Nakanishi, após ter sido informado de que o Instituto Pasteur estava prestes a concluir suas pesquisas, a sorte de novo mexeu nos pratos da balança. Se ao ouvir sua oferta de ajuda eu tivesse simplesmente respondido: “Obrigado por suas palavras de entusiasmo, mas acho que é melhor desistirmos”, isso teria significado o fim de toda essa história. Embora pareça estranho, naquele momento a minha intuição me levou a pensar: “Deus está do nosso lado. Vamos ganhar!”, e assim acabei tomando uma decisão que, pela lógica, parecia insensata.
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Quando regressei ao laboratório, com o meu entusiasmo recuperado, todos foram contagiados e havia brilho intenso em seus olhos. Os alunos de pós-graduação que haviam dei xado nosso laboratório em sukuba para trabalhar no projeto em Kyoto permaneciam no laboratório dia e noite, imersos na pesquisa. Estávamos tão cheios de adrenalina que em apenas três meses conseguimos decifrar o código genético da renina humana. O fato de termos ganhado a corrida internacional para identificar o código genético da renina humana, mesmo em desvantagem de noventa e nove para um, devia-se aos esforços incansáveis dos alunos de pós-graduação e ao instante de intuição que tive naquele restaurante em Heidelberg. Esse fato, além de ilustrar como o instinto pode nos levar a resultados positivos, exemplifica a forma como os genes são ativados em momentos de crise. No próximo capítulo, gostaria de compartilhar com você, de forma detalhada, as pesquisas que realizamos após o mapeamento da renina humana. Caso essa descrição lhe pareça excessivamente técnica, no capítulo VI voltarei a abordar o milagre de nossos genes, bem como as formas de vivermos de acordo com as leis da natureza e a intrínseca relação entre ciência e espiritualidade.
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As Maravilhas do código da Vida
Vários avanços importantes têm ocorrido nas áreas dos genes e da terapia genética. Cada passo nessa direção, independentemente de sua magnitude, nos leva a uma melhor compreensão sobre o vasto potencial de nossos genes e das várias formas de tratamento genético disponíveis que podem nos ajudar a viver de forma mais plena e saudável. O objetivo deste capítulo é esclarecer um pouco mais sobre esse código maravilhoso – o projeto da vida – e ilustrar a contínua influência dos genes em nossa existência. Os genes influenciam alguns fatores mais do que outros
Como já mencionei, cada gene contém uma quantidade de informação que equivale a milhares de livros. Uma vez que
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As Maravilhas do código da Vida
os genes são o projeto básico inicial de cada organismo vivo, seu conteúdo jamais se altera, a não ser no caso de um processo de mutação. A informação genética está codificada em quatro bases químicas representadas pelas letras A, , C e G, cuja ordem determina as instruções para a síntese de uma determinada proteína. Um único gene é constituído por mais de três bilhões dessas letras químicas. No entanto, se apenas uma letra estiver faltando nessa seqüência, aquela proteína específica não poderá ser construída conforme as instruções. Por exemplo, uma criança poderá nascer sem uma das mãos se o gene fundamental para essa formação estiver danificado. Da mesma forma, se houver uma alteração no gene que governa o comportamento se xual de uma mosca-da-fruta (drosófila) macho, o acasalamento típico da espécie também estará comprometido. O macho poderá tentar acasalar-se com outros machos, em vez de fêmeas, tornar-se inapto à cópula, permanecer ligado à fêmea após o ato, ou, pior ainda, perder o interesse pelo acasalamento. Isso é uma evidência clara de que os genes determinam o comportamento sexual dessas moscas. No caso dos seres humanos, o comportamento sexual é bem mais complexo. Não podemos pressupor automaticamente que o comportamento sexual dos seres humanos seja determinado
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por fatores genéticos. A preferência sexual de alguns pode estar geneticamente fundamentada, enquanto que a de outros pode resultar de influências ambientais ou de fatores não pertinentes à informação genética. Um gene responsável por uma determinada tendência sexual pode estar desativado no pai, mas devido a algum outro tipo de estímulo apresentar-se ativado no filho. Os estímulos externos abrangem fatores culturais e geográficos, como o local onde o indivíduo nasceu ou vive; temporais, como a época em que ele nasceu; e até educacionais. Até o momento, não conseguimos estabelecer com clareza o que é determinado por fatores genéticos e o que diz respeito a outros estímulos. Porém, já temos certeza de que a genética exerce uma influência significativa no comportamento sexual e, conseqüentemente, na preservação da espécie. Por outro lado, sabemos que o meio ambiente também desempenha papel idêntico ao dos genes ao determinar condições que resultam em constituições mais frágeis como a hipertensão. Da mesma forma, embora os genes possam determinar a inteligência inata de um indivíduo, parece razoável acreditar que fatores não hereditários presentes após o nascimento desempenhem um papel preponderante, já que o desenvolvimento das habilidades do indivíduo é
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afetado pelo estudo, pela experiência e pelo esforço. Um indivíduo pode possuir todos os elementos genéticos necessários para ser muito inteligente, mas o resultado final vai depender muito de suas experiências na infância e de seu empenho nos estudos. Quanto ao papel dos genes na formação do caráter e do temperamento de uma pessoa, precisamos aguardar pelos resultados de pesquisas genéticas ainda em andamento. Apesar de já ter sido noticiado pela mídia a descoberta de genes relacionados à felicidade e à atração pelo sexo oposto, tais afirmações devem ser aceitas com algumas restrições do ponto de vista científico. Porém não devem ser descartadas por completo, já que existe uma possibilidade de que essas afirmações sejam verdadeiras, apesar de até o momento não haver evidência concreta que as confirme. No caso das moscas-das-frutas, o comportamento genético pode ser estudado em um ambiente controlado e resultar de estímulos externos preestabelecidos. Como isso não pode ser feito em relação aos seres humanos, o estudo da influência genética no homem torna-se muito mais complexo. Se por um lado não sabemos se há um gene que determina a atração sexual, por outro sabemos qual gene administra o relógio biológico interno dos organismos vivos. Nosso cor-
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po está regulado de acordo com um ciclo de vinte e quatro horas. A tendência ao sono à noite e ao acordar de manhã, ou a tendência de animais noturnos se tornarem ativos a partir do pôr-do-sol, indica a existência de um gene que controla esse ciclo. O chamado “gene relógio” foi inicialmente identificado em ratos, em 1977, pela equipe de pesquisa da Northwestern University, nos Estados Unidos. Apesar de esse gene já ter sido identificado em bactérias e moscas-das-frutas, espera-se que a descoberta do mesmo gene em mamíferos contribua para o desenvolvimento de novos medicamentos para insônia e jet-lag (perturbação causada por diferença de fuso horário). Não há dúvida de que os genes estejam relacionados a uma grande variedade de comportamentos. Entenderemos muito mais sobre isso num futuro próximo, à medida que as pesquisas avancem nessa área. Isso tornará possível o aprimoramento das habilidades de uma pessoa por meio de alterações em sua carga genética ou natureza. Mas não podemos esquecer que nos seres humanos os fatores ambientais também exercem uma influência muito grande. Portanto, de nada adiantará a alteração dos genes de um indivíduo se eles não puderem ser ativados.
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As Maravilhas do código da Vida
A influência genética na inteligência
A história da humanidade foi agraciada com diversas mentes brilhantes. É difícil compreender a razão de os filhos de gênios serem raramente tão brilhantes quanto os pais. Na verdade, é mais comum que eles sejam intelectualmente limitados, em vez de terem uma inteligência excepcional. O filho de Goethe, por exemplo, possuía uma inteligência abaixo da média, além de apresentar uma compleição física frágil. Mozart teve vários filhos. A maioria deles faleceu ainda na infância. Um dos que sobreviveram tornou-se compositor, contudo jamais chegou aos pés do pai. Essa mesma tendência pode ser constatada no caso de vários outros gênios: é raro que seus filhos, ou mesmo irmãos, possuam o mesmo dom. É provável que essa discrepância, que ocorre apesar de todos possuírem praticamente o mesmo código genético, resulte de dois fatores: influências do meio ambiente e o mecanismo genético liga-desliga. Embora os gênios sejam muito habilidosos em certas áreas, costumam demonstrar uma série de excentricidades. Como seus filhos são expostos desde cedo a tais idiossincrasias, não surpreende o fato de que muitos não desejem seguir os passos de seus pais quando adultos. De fato, parece que nesse caso tanto os fatores genéticos quanto os am-
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bientais contribuem para que não haja uma recorrência de gênios na árvore genealógica da família. De acordo com a teoria da evolução de Darwin, os seres humanos, animais e plantas evoluíram ao longo de bilhões de anos. O conceito fundamental dessa teoria é o da sobre vivência dos mais fortes por meio do processo da seleção natural, de modo que só permanecem vivos aqueles que conseguem se adaptar às mudanças ambientais. Na essência, o mecanismo da evolução está diretamente relacionado às mutações genéticas. Em nosso código genético existem informações relativas aos nossos ancestrais, entre eles peixes e répteis. Ainda dentro do útero, o embrião passa com muita rapidez por todos os estágios do desenvolvimento evolutivo. Ele restabelece toda a seqüência evolutiva, mostrando que o histórico da evolução está gravado em nossos genes. Por exemplo, um embrião nos primeiros estágios de desenvolvimento fetal assume a forma de um peixe (veja figura 5). No entanto, os seres humanos nunca nascem com a forma de peixe ou réptil, pois em algum momento durante o desenvolvimento fetal aqueles genes são desativados. Caso isso não aconteça, o próprio organismo materno rejeitará o feto por meio de um aborto natural.
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FIGURA 5 –
Primeiros estágios do desenvolvimento fetal
24 dias 28 dias
36 dias 51 dias
48 dias
O geneticista Motoo Kimura tornou-se conhecido ao propor a teoria neutralista da evolução, desenvolvida em resposta à teoria de Darwin. Segundo ele, a probabilidade de qualquer criatura nascer é equivalente à probabilidade de uma pessoa ganhar U$ 100 milhões um milhão de vezes. Há aqueles que invejam os gênios e prodígios, porém, se
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eles pudessem trocar de lugar com eles, perceberiam que estes também enfrentam sua parcela de dor e sofrimento. Por outro lado, talvez os gênios invejem as pessoas comuns. Na verdade, os dois lados, em vez de expressarem inveja um pelo outro, deveriam conscientizar-se de que só o fato de terem nascido já representa um milagre. Se informações genéticas cruciais forem perdidas, danos críticos ocorrerão
No capítulo 1, apresentei a estrutura do DNA (veja figura 2) e descrevi a forma como as quatro bases nitrogenadas, A, , C e G, unem-se aos pares, ou seja, A + e C + G, formando os degraus da escada helicoidal. Essas combinações nunca mudam, a não ser no caso de uma mutação. A informação codificada por essas quatro letras fica armazenada em vinte e três pares de cromossomos e determina a seqüência de aminoácidos durante a síntese das proteínas. Os aminoácidos são os blocos de construção das proteínas e os genes designam o tipo de proteína que deverá ser feita, fornecendo as especificações quanto à ordem na qual os aminoácidos serão dispostos. A proteína é um dos mais importantes componentes do corpo humano, e uma pequena alteração na seqüência dos aminoácidos pode levar à síntese de uma proteína diferente.
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As proteínas das plantas, animais e seres humanos são completamente diferentes. Até mesmo as proteínas que formam os tecidos musculares de bovinos e seres humanos diferem entre si. Essa diferença é determinada pela ordem dos aminoácidos na estrutura genética. Portanto, são as diferenças no código genético que determinam as espécies, mas ainda não sabemos os detalhes de qual gene, ou mesmo que parte dele estabelece a linha divisória entre um ser humano de um macaco, por exemplo. As proteínas consistem de aminoácidos organizados em uma seqüência longa e complexa. Existem sempre um ou dois pontos nessa ordem que desempenham um papel crucial para o bom funcionamento dessas proteínas. Esses pontos são conhecidos como locais ativos. Existem poucos desses locais quando comparados ao resto da seqüência. Enquanto danos às outras partes de uma seqüência parecem não fazer muita diferença, a ausência ou mutação de um gene que controle um local ativo interromperá a produção da proteína em questão, podendo resultar em uma anomalia no organismo. Esse processo é semelhante à grande e aparentemente inativa porção de nossas células e genes. De acordo com os resultados de inúmeras pesquisas, apenas um pequeno percentual dentre os quinze bilhões de células cerebrais está sendo efeti-
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vamente utilizado, enquanto o número de genes desativados excede em muito o número daqueles ativados. Mas há uma razão para essa inatividade. Nosso corpo é freqüentemente atacado por vírus e bactérias. Se na estrutura dos genes não houvesse espaço de manobra, a parte atacada seria imediatamente danificada, e se essa parte do gene fosse vital, o ataque poderia acarretar danos ainda mais graves. Para evitar que isso ocorra, e apesar de seu tamanho diminuto, os genes possuem esses espaços vazios, sem dúvida com uma finalidade. Compare os danos que seriam causados por um míssil que atingisse uma cidade superpovoada, um deserto ou uma floresta, e você entenderá bem a explicação. Se alguma anormalidade ocorrer durante o período de gestação, a criança poderá nascer com uma deficiência ou doença genética. Em outras palavras, se uma informação essencial contida nos genes estiver danificada, o desenvol vimento normal do organismo da criança estará comprometido. A anemia hereditária, por exemplo, ocorre devido a uma anormalidade nos genes que controlam a produção de hemoglobina. Em conseqüência, a produção dessa proteína é insuficiente. Da mesma forma, no caso da hemofilia, uma enfermidade na qual a coagulação sanguínea não ocorre de forma normal, a deficiência é causada pela ausência da proteína responsável pela coagulação do sangue.
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Sabemos, agora, que a influência dos fatores genéticos nas chamadas doenças da civilização é muito maior do que se acreditava, mas, mesmo assim, não devemos descartar os fatores ambientais. Podemos então concluir que várias enfermidades têm sua origem nos genes, que podem não estar funcionando apropriadamente ou terem sido ativados de forma indevida. Os fatores que levam a esses problemas de funcionamento podem ser di vididos em hereditários e ambientais. As pessoas que nascem com uma tendência genética para o desenvolvimento de uma determinada doença podem jamais apresentar seus sintomas, caso os fatores ambientais sejam desfavoráveis a esse processo. Então podemos concluir que os genes relacionados a essa doença não foram ativados. Por exemplo, se a sua família tem um histórico de diabetes, mas você jamais apresentou algum sintoma, é possível que você seja portador do gene causador dessa anomalia, porém os fatores ambientais relacionados ao seu estilo de vida, e também, possivelmente, os fatores psicológicos contribuíram para que ele se mantivesse desativado. O papel da renina na hipertensão
Gostaria de relatar com mais detalhes o processo de nossos estudos sobre a renina, bem como as alegrias e frustrações en-
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volvidas em nossa grande aventura no sentido de contribuir para o tratamento da hipertensão. Para que você tenha uma idéia básica a respeito desse assunto, acredita-se que a hipertensão afete um em cada quatro adultos nos Estados Unidos10. Desse total, 70% pode ser tratado com os inibidores da renina e outros medicamentos. Os cientistas descobriram, no final do século XIX, que a renina estava relacionada ao aumento da pressão sanguínea. Eles concluíram que alguma substância produzida no rim deveria estar ligada à hipertensão, já que em casos de deficiência ou mau funcionamento desse órgão a pressão sanguínea aumentava. Eles produziram um extrato de rim, injetaram-no na veia de uma cobaia e verificaram que isso elevou sua pressão sanguínea. Essa substância foi denominada renina , termo derivado de “rim”. Pesquisas subseqüentes revelaram o sistema enzimático/hormonal demonstrado na figura 6. A enzima renina não aumenta diretamente a pressão sanguínea, mas estimula o precursor hormonal, angiotensinogênio, que fabrica o hormônio angiotensina, a substância hipertensiva mais potente conhecida atualmente. Os medicamentos inibidores desse sistema enzimático/hormonal são amplamente utilizados no tratamento da hipertensão.
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Um em cada três, no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde. (N.E.)
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O papel da bactéria E. coli na engenharia genética
Como relatei no capítulo anterior, meu laboratório venceu a corrida na identificação da estrutura da renina humana, em grande parte graças à bactéria E. coli e ao seu importante papel na engenharia genética. Mas devido ao aparecimento de várias cepas virulentas da bactéria, ela assusta a maioria das pessoas. Disfunção no sistema enzimático/hormonal leva à hipertensão FIGURA 6 –
Rim receptores vaso sanguíneo renina (enzima) angiotensinogênio (precursor hormonal)
fígado
angiotensina (hormônio)
pressão sanguínea aumenta
receptores O vaso sanguíneo se contrai e a membrana interna engrossa.
A renina e o angiotensinogênio reagem dentro do vaso sanguíneo, estimulando a síntese da angiotensina, que se liga aos receptores. Isso faz com que o vaso sanguíneo se contraia e, conseqüentemente, a pressão sanguínea aumente.
Entretanto, cientistas envolvidos na engenharia genética têm profundo respeito por essa bactéria, pois ela tem se mostrado um perfeito hospedeiro para a transferência de genes. Além dis-
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so, o tempo de reprodução da E. coli é de cerca de vinte minutos, o que é muito útil para a duplicação dos genes transferidos e para a síntese das proteínas, de acordo com as instruções genéticas. Como conseqüência, a bactéria E. coli tem sido extensivamente analisada, tornando-se um material excelente para a pesquisa e fonte para vários trabalhos ganhadores de prêmio Nobel. De fato, essa bactéria é o meio mais utilizado nas pesquisas genéticas hoje em dia. Milhares de pesquisadores já obtiveram seus doutorados a partir do estudo desses organismos. Outro ponto favorável à utilização dessa bactéria em estudos científicos é o fato de ela possuir somente 4,6 milhões de pares de bases, um número bem menor se comparado aos três bilhões de pares no genoma humano. O código genético da bactéria E. coli foi completamente decifrado em 1977, tornando possível a distinção entre a E. coli O-157 virulenta, e a bactéria E. coli comum, o que tornou possível o combate à cepa mais virulenta em nível genético. Com a decodificação do gene renina, conseguimos determinar a sua estrutura básica. Com isso, em 1985 produzimos um modelo tridimensional dessa estrutura. Entretanto, já que tal modelo era apenas uma estimativa, tornava-se essencial a determinação de sua real estrutura. Para que isso fosse possí vel, precisávamos de uma enorme quantidade de renina humana, e utilizamos a bactéria E. coli para produzi-la.
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A figura 7 ilustra uma das formas de utilização da bactéria E. coli para a produção de proteínas humanas. Esse é o método empregado na produção de várias proteínas como a insulina, o interferon e os hormônios do crescimento. A tecnologia que utiliza a bactéria E. coli na produção de proteínas foi recebida com grande entusiasmo. No passado, substâncias como o interferon, considerado eficaz no tratamento contra o câncer, precisavam ser extraídas de seres humanos. O processo de obtenção de apenas cinco miligramas levava cerca de dezoito meses. Já com a utilização da engenharia genética, pode-se produzir a quantidade que for necessária. É fato que conseguimos obter renina humana a partir da bactéria E. coli, mas também enfrentamos alguns contratempos. Apesar de o nosso modelo estrutural básico da renina ser perfeito, a renina humana que conseguimos produzir inicialmente era uma massa confusa e inútil de filamentos, em vez de uma enzima com forma perfeita, viva e ativa como esperá vamos. A produção de proteínas e hormônios humanos ocorre no interior das células da bactéria E. coli, e para que possamos extraí-los faz-se necessário o rompimento da rígida membrana dessas células. Além disso, a separação entre as substâncias que foram produzidas e as proteínas normais da E. coli é um processo extremamente difícil. Por isso, embora tivés-
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FIGURA 7 – Produção de proteína humana a partir da bactéria E. coli
SER HUMANO
1. parte do DNA humano
BACTÉRIA E. COLI
2. promotor 3. plasmídeo
5. montagem para produzir o DNA recombinante
6. inserir na bactéria E. coli
4. corte
7. fermentação
8. proteína humana
Para se produzir proteína humana usando a bactéria E. coli, é preciso fazer a montagem do promotor da E. coli, no gene estrutural humano que está sendo introduzido. O RNA sintetase da bactéria reconhece o promotor, se liga a ele, e inicia a transcrição. Utilizamos um promotor que tenha um gene regulador capaz de iniciar ou interromper a transcrição do DNA, feita pelo RNA mensageiro. Sem um regulador não seria possível controlar o sistema liga/desliga. O mecanismo de regulação do promotor é, de início, colocado na posição “desligado” para permitir a proliferação. A seguir, o mecanismo é ligado e a bactéria dá início à produção de proteína. Quando fornecemos lactose ou outra fonte de energia para o crescimento da bactéria, o repressor é desligado, e começa a síntese da proteína. Os plasmídeos são utilizados para transportar tanto os promotores, necessários à síntese da proteína, como o fragmento de DNA necessário para copiar o DNA. Os plasmídeos são anéis de DNA não integrados com os pares de cromossomos que são o centro da nossa informação genética. Eles se movimentam livremente e se replicam de forma independente. Como são facilmente extraídos, podemos utilizá-los para produzir as------- substâncias desejadas.
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semos produzido a seqüência correta de aminoácidos, não conseguimos formar a estrutura tridimensional e apropriada da renina. Isso significava que não atingiríamos nosso objetivo de criar um modelo estrutural da renina. Percebendo que a bactéria E. coli não iria funcionar, decidimos experimentar com três outras células: levedura, Bacillus subtilis e uma cultura de células animais. Desta vez passamos a trabalhar de forma conjunta com a Upjohn Company, uma empresa farmacêutica internacional. Essa parceria surgiu devido ao grande interesse que a empresa demonstrou pelo nosso projeto, contatando-nos uma semana após termos obtido sucesso na extração da renina humana, e pela insistência deles em conduzir um estudo minucioso desde os estágios iniciais da pesquisa. Se a nossa técnica pudesse ser utilizada na produção de quantidades maiores, eles poderiam cristalizar a renina e analisar sua forma verdadeira para usar no desenvolvimento de um tratamento eficaz para a hipertensão. Como empresa farmacêutica, seu objetivo era produzir remédios. E, para isso, necessitavam identificar, o mais rápido possível, a estrutura exata da renina. A partir daí, seria relativamente fácil produzir um inibidor da renina. Juntos, produzimos duzentos miligramas de renina, que foram utilizados na definição da sua estrutura (veja figura 8).