Um problema de Erdös resolvido por Vilmos Komornik Arsélio de Almeida Martins sobre uma sugestão de A. Kovačec
Aveiro, 1997/1998
A ideia: Numa sessão de formação de professores acompanhantes do programa do ensino secundário de Matemática, A. Kovačec propôs o estudo de um artigo seu intitulado "Dum Teorema de Euler a uma conjectura de Erdös". Para a maioria dos presentes, preocupados com problemas de geometria sintética e introdução do método cartesiano, o estudo proposto – demonstração de teoremas envolvendo desigualdades em círculos e triângulos – apareceu deslocado. Os professores acompanhantes ansiavam por apoio ao ensino rápido de assuntos envolvendo posições relativas de pontos, rectas e planos (no plano e no espaço), de situações problemáticas com poliedros que pudessem ser resolvidas por observação apoiada em modelos e representações em projecção cavaleira e servissem para retirar algumas consequências métricas e introduzir o método cartesiano. Nessa sessão, A. Kovačec apresentou várias propostas para estudo e entre elas a de estudar outras demonstrações do Teorema de Erdös-Mordell. Como é óbvio, a proposta não colheu fácil adesão. Foi só quando começaram as preocupações com a gestão do tema geral (transversal) do Programa é que a proposta ganhou sentido. Esse tema geral não está localizado temporalmente na gestão do Programa. Pretende-se que as questões de que trata sejam introduzidas à medida das necessidades e aproveitando oportunidades sugeridas pelo desenvolvimento dos diferentes temas centrais do Programa. Desse tema geral, fazem parte as noções de Lógica, Teoremas e Métodos de demonstração, bem como a reflexão sobre as heurísticas para a resolução de problemas e o processo de modelação matemática. Neste contexto, as propostas de A. Kovačec ganharam então todo o sentido.
O que é agora referido como Teorema de Erdös-Mordell foi originalmente proposto por Erdös [1] como um problema, a saber: “De um ponto O do interior de um triângulo ABC tiram-se perpendiculares, OP, OQ e OR aos seus lados. Provar que OA + OB + OC ≥ 2(OP + OQ + OR)"
O problema de Erdös resolvido por Vilmos Komornik A proposição Dado um ponto P dentro de um triângulo ABC,e sendo RA , RB , RC as distâncias de P aos vértices A, B, e C e ra , rb , rc as distâncias a que esse ponto P está dos lados a = BC, b = AC e c = AB, então RA + RB + RC ≥ 2(ra + rb + rc )
(1)
foi conjecturada por Erdös (Vilmos Komornik [9]). Ele chegou a esta conjectura por via experimental em 1932, depois de ter desenhado muitos e muitos triângulos.
Elementos no Triângulo de Erdös-Mordell
O estudo deste assunto foi sugeerido por Alexander Kovačec que, após apresentar uma demonstração [7], desafiou a que se procurassem e estudassem outras soluções do problema de Erdös [1]. De todas as soluções encontradas, estudámos duas delas em detalhe: a de Komornik que utiliza exclusivamente resultados básicos (obrigatórios para um estudante que complete o ensino básico) e uma outra, apresentada por L. J. Mordell [2], que utiliza tão somente trigonometria básica (ao alcance de um estudante do ensino secundário). O tema é rico de informações e implicações formativas para professores e alunos. Constitui um dos muitos exemplos da imaginação de Paul Erdös e a prova de que se podem esperar resultados novos onde já nada de novo há para ser acrescentado. Para o problema, agora conhecido como Teorema de Erdös-Mordell, foram apresentadas muitas soluções extremamente diversas, mobilizando diferentes noções de diferentes níveis de complexidade.
Estudo da solução apresentada por Vilnos Kormornik Como já foi referido, a primeira demonstração que escolhemos pode ser realizada recorrendo exclusivamente a resultados conhecidos da matemática básica. Apontemos esses resultados: a2 + b2 ≥ 2ab a c a a+c = =⇒ = , b d b b+d a b
=
c ∧ a < c =⇒ b < d, d
(2)
∀a, b, c, d ∈ R+
∀a, b, c, d ∈ R+
(3)
(4)
Considerando o triângulo ∆ABC, da figura abaixo em que P ∈ BC; P R ⊥ AC, QT ⊥ AC, P S ⊥ AB e QU ⊥ AB.
AQ QU QT = = AP PS PR
(5)
Esboçamos, em seguida, as demonstrações desses resultados básicos, 1. ∀a, b ∈ IR, (a − b)2 ≥ 0, a2 + b2 − 2ab ≥ 0 a c a a+c = =⇒ ad = bc =⇒ ad + ab = bc + ab =⇒ a(b + d) = b(a + c) =⇒ = b d b b+d a c c b b cb 3. = ⇔ ad = bc ⇔ d = .b ∧ a < c =⇒ b = a. < c. = =d b d b a a a 2.
[ = ∠AP [ 4. ∠AQU S,
[ = ∠AP [ [ [ = ∠AT [ [ , rectos. ∠AQT R, ∠AU Q, = ∠ASP Q = ∠ARP
Da semelhança dos triângulos ∆AP S e ∆AQU , retira-se que dos ∆ARP e ∆AT Q, retira-se
AQ QT = AP PR
AQ QU = e da semelhança AP PS
Demonstração de Komornik A solução de Vilmos Komornik para o problema de Erdös é feita em três passos: 1. Primeiro, considera um ponto P sobre [BC], um dos lados do ∆ABC, de comprimento a.
Como RA é maior ou igual à altura relativa a a, a.RA é maior ou igual que o dobro da área do ∆ABC que é igual a b.rb + c.rc (área ∆ABC = área ∆AP C + área ∆AP B. Sem dúvida que a.Ra ≥ b.rb + c.rc (6) E este resultado mantém-se válido se P for um ponto do interior do ∆ABC. Basta atentar na figura seguinte
0 De facto, como já vimos nos resultados preliminares, designando AP 0 por RA , 0 r0 r0 RA = b = c RA rb rc 0 a.RA b.rb0 c.rc0 = = a.RA b.rb c.rc 0 a.RA b.rb0 + c.rc0 = a.RA b.rb + c.rc
Por isso, sendo verdade (como vimos atrás) que 0 a.RA ≥ b.rb0 + c.rc0
terá de ser a.RA ≥ b.rb + c.rc
(7)
De modo inteiramente análogo ao utilizado para o caso P 0 sobre a (ou permutação cíclica dos índices) se conclui: b.RB ≥ a.ra + c.rc (8)
c.RC ≥ a.ra + b.rb
(9)
2. Para o caso do ∆ABC ser equilátero, a desigualdade de Erdös vem imediata: Como a = b = c, a.RA ≥ b.rb + c.rc ↔ RA ≥ rb + rc b.RB ≥ a.ra + c.rc ↔ RB ≥ ra + rc c.RC ≥ a.ra + b.rb ↔ RC ≥ ra + rb E, adicionando ordenadamente, RA + RB + RC ≥ rb + rc + ra + rc + ra + rb RA + RB + RC ≥ 2(ra + rb + rc ) Com esta demonstração, fica também estabelecido que RA + RB + RC = 2(ra + rb + rc ) ↔ P é o centro do ∆ABC equilátero 3. Se o ∆ABC não é equilátero, convirá demonstrar um novo resultado por aplicação da desigualdade “a.ra ≥ b.rb + c.rc " a um ponto P 0 simétrico de P relativamente à bissectriz do \ ∠BAC. Considere-se a figura
\ e P 0 é o simétrico de P (relativamente a AI) e naturalmente em que AI é a bissectriz do ∠BAC 0 designamos por RA = AP 0 , rb0 a distância de P 0 a b e rc0 a distância de P 0 a c. Basta atentar na figura e nas igualdades dos triângulos (da construção auxiliar) para saber que 0 RA = RA , rb = rc0 e rc = rb0 . Acontece que sendo a.RA ≥ b.rb + c.rc e 0 a.RA ≥ b.rb0 + c.rc0
podemos concluir que a.RA ≥ b.rc + c.rb ←→ RA ≥
b.rc + c.rb a
(10)
b.RB ≥ a.rc + c.ra ←→ RB ≥
a.rc + c.ra b
(11)
c.RC ≥ a.rb + b.ra ←→ RC ≥
a.rb + b.ra c
(12)
E evidentemente
Adicionando ordenadamente b.rc + c.rb a.rc + c.ra a.rb + b.ra + + = a b c b.rc c.rb a.rc c.ra a.rb b.ra = + + + + + = a a b b c c
RA + RB + RC ≥
=
b c + c b
c
a ra + + rb + a c
b a + b a
rc =
b2 + c 2 a2 + c2 a2 + b2 ra + rb + rc bc ac ab
E como já vimos que a2 + b2 ≥ 2, ab
∀a, b ∈ IR+
podemos concluir que RA + RB + RC ≥ 2(ra + rb + rc ).
Bibliografia: [1] Erdös, Paul (1935) Problem 3740, American Mathematical Monthly 42, 396. [2] Mordell, l. 252.
J. (1937) Solution by L. J. Mordell, American Mathematical Monthly 44,
[3] Barrow, David F. (1937) Solution by David F. Barrow, American Mathematical Monthly 44, 252-254 [4]Kazarinoff, Donat K, (1957) A simple Proof of the Erdös-Mordell Inequality for Triangles, Michigan Mathematical Journal 4, 97-98. [5] Bankoff, Leon (1958) An Elementary Proof of the Erdös-Mordell Theorem, American Mathematical Monthly 65, 521. [6] Oppenheim, A (1961) The Erdös Inequality and other Inequalities for a Triangle, American Mathematical Monthly 68, 226-230 [7] Kazarinoff, N. (1961) Geometric Inequalities, Random House. [8] Avez, André (1993) A Short Proof of a Theorem of Erdös and Mordell, American Mathematical Monthly 100, 60-62. [9] Komornik, Vilmos (1997) A Short Proof of the Erdös-Mordell Theorem, American Mathematical Monthly 104, 57-68.