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PROPEDÊUTICA LÓ6ICO~SEMÂNTICA Tradução de: Fernando Augusto da Rocha Rodrigues
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Tugendhat, Ernst Propedêutica lógico-semântica / Ernst Tugendhat, Ursula Wolf ; tradução de Fernando Augusto da Rocha Rodrigues. Petrópolis, RJ : Vozes, 1996.
ISBN85-326-1659-3
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1. Lógica 2. Semântica (Filosofia)I. Wolf,Ursula.11.Título. 96-2064
CDD-160
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Índices para catálogo sistemático: 1. Lógica: Filosofia 160
Petrópolis 1997
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@ 1983 Philipp Rec1am jun. GmbH & Co., Stuttgart 71252 Ditzingen, Germany Título do original alemão: Logisch-semantische
Propadeutik
Direitos de publicação em língua portuguesa no Brasil: @ Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 25689-900 Petrópolis, RJ Internet: http://www.vozes.com.br Brasil
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Apresentação à edição brasileira, 7 1. O que significa lógica?, 9
FICHA TÉCNICA DA VOZES COORDENAÇÃO EDITORIAL: AveIino Grassi
EDITOR: LídioPeretti COORDENAÇÃO INDUSTRIAL' José Luiz Castro
EDITOR DE ARTE: Ornar Santos
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EDITORAÇÃO: Emtoração e organização literária: Edgar Ortli Revisão gráfica: Revitec S/C Diagramação: Slieila Roque Supervisão gráfica: Valderes Rodrigues
2. Frase, frase enunciativa, enunciado, juízo, 17 3. Implicação lógica e verdade lógica; analiticidade e aprioridade, 28 4. O princípio da contradição, 43 5. Características básicas da lógica tradicional: teoria do juízo e silogística, 55 6. A concepção atual da estrutura de frases singulares e gerais; forma lógico-semântica e forma gramatical. 65 7. Frases complexas, 84 8. Termos gerais, conceitos, classes, 101
ISBN 3-15-008206-4 (edição alemã) ISBN 85.326.1659-3 (edição brasileira)
9. Termos singulares, 115 10. Identidade, 131 11. Existência, 144 12. Ser, negação, afirmação, 157 13. Verdade, 170
14. Necessidade e possibilidade, 190 Bibliografia,205 Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda. em junho de 1997.
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APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA
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Aos vários livros de'lógica, publicados em língua portuguesa, sej~m eles de autq~es prasileiros ou traduzidos, vem somar~se este manual, traduzido "doalemão. A tradução de Fernando Rodrigues é realmente da melhor qualidade. O tradutor confrontouse com um texto e uma terminologia estrita, quase canônic~, e encontrou sempre as melhores escolhas. Assim, temos em nossa língua finalmente uma propedêutica, no sentido mais positivodo termo, para as questões lâgico-semânticas da filosofia. Além disso, a qualidade do português que resultou da tradução nada tem de rebarbativo e empolado. Pelo contrário, conseguiu-se uma clareza, limpidez e fluência que servem de modelo para outras traduções de caráter técnico. As soluções encontradas revelam um domínio tranqüilo da terminologia da área e do idioma alemão. Tenho certeza que esta propedêutica ajudará a pôr ordem em nossos discursos filosóficos. A obsessão de Ernst Tugendhat, junto com UrsulaWolf,de encontrar uma clareza analítica para a escritura filosófica não visa apenas a um caráter formal. Nossos problemas poderão ser melhor formulados e obter respostas mais claras através dos instrumentos que apresentam para conduzir nosso pensamento e linguagem filosóficos. Este livro quer dar um primeiro conhecimento do instrumental lógico-semântico atualmente existente bem como do tradicional e moderno, mostrando sua relevância para algumas questões básicas da filosofia.Na escolha dos temas tratados, bem como em sua apresentação, há evidentemente preferências subjetivas, mas não são impositivas. Para não
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ultrapassar os limites de um manual introdutório de lógica, os autores conscientemente trataram com menos profundidade algumas questões lógicas em sentido estrito, sobretudo as da lógica moderna. Fazer filosofiacom responsabilidade significa também entrar nesta escola do pensamento, a melhor entre tantas tentativas apresentadas para "organizarnossas incertezas em vez de impor nossas certezas", neste final de século. Espero que este trabalho cuidadoso de nos brindar com a bela versão brasileira seja recompensado pelas novas gerações da filosofia,com o esforço de organizar as mentes e de dizer com rigor e clareza o que se quer dizer. Os capítulos 5, 7, 9, 10 e 14 foram escritos por Ursula Wolf, os restantes por Ernst Tugendhat. PortoAlegre, dezembro de 1995 Ernfldo Stein
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1~ O QUE SIGNIFICA LÓGICA?
Começaremos nossa propedêutica lógico-semântica com o conceito de lógica. A relação desta com a semântica será mostrada a partir de si mesma no decorrer dos capítulos seguintes. O que se entende por "lógica"? A palavra foi concebida no decurso da história desta disciplina sob vários aspectos, ora de um modo mais amplo, ora de um modo mais restrito. Com respeito a essa variedade, não é contudo sensato perguntar qual é o significado correto, já que não existe um significado verdadeiro de uma palavra. O que deve ser aqui evitado não é o erro, mas sim a falta de clareza. Por isso é importante que expliquemos em que relações estão uns com os outros os diferentes significados em que a palavra foi usada. Antes de podermos abordar isso, são necessárias algumas observações prévias orientadoras. Pode-se classificara história da lógica, grosso modo, em três períodos1. O primeiro abrange a lógica antiga, estendendo-se aproximadamente desde seu fundador. Aristóteles, até fins da Idade Média. No segundo, trata-se da lógica moderna, iniciando-se com a chamada Lógica de Port-Royal(1662f Este segundo período se caracteriza pela predominância de problemas ligados à teoria do conhecimento e à psicologia, devido aos quais a pesquisa lógica no sentido estrito assim como o esclarecimento de conceitos lógicosbásicos passaram a segundo plano.
1. Sobre a história da lógica, d. Kneale, The Development
2. Amauld/Nicole, La Logjque ou J'art de penser.
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Esta tradição está também ainda defendida esporadicamente em alguns livros mais recentes, como por exemplo na Logik do fenomenólogoPfander (1921)ou na Logik de Freytag-Lóringhoff (1955).Este segundo período foio mais improdutivo do ponto de vista da lógica3, mas suas concepções influenciaram de modo particularmente forte os sistemas filosóficos,já que os grandes filósofosda modernidade - Kant, p. ex., e Hegel- se encontram nesta tradição. O terceiro período é o da lógica atual. começando com a Begriffschrift de Frege (1879).Esta lógica é freqüentemente caracterizada como lógica "matemática" ou "simbólica" ou mesmo como "logística". Estas caracterizações referem-se ao desenvolvimento da lógica com base em cálculos. Mais importante contudo é o fato de os lógicos deste terceiro período terem de novo separado nitidamente os problemas especificamente lógicos dos psicológicos e retomado a pesquisa lógica no sentido estrito, conduzindo-a a inesperadas conseqüências, após os defensores do segundo período terem partilhado a opinião de que a lógica no sentido estrito já teria sido completada por Aristóteles4(tendo as conseqüências mais importantes da lógica estóica e sobretudo escolástica ficado esquecidas neste segundo período). Mas o que se entende então no geral por "lógica"? Não se pode compreender corretamente, quanto à relação que mantêm entre si, as diversas respostas que foram dadas a esta pergunta, se não se diferenciam - por mais paradoxal que isso possa parecer-, antes da delimitação mais exata da temática, três diferentes modos de conceber a lógica. Para tal objetivo é suficiente inicialmente dizer sobre a temática da lógica que ela simplesmente investiga determinadas regras, leis ou relações; e a questão agora é: regras, leis ou relações de quê? Trata-se de leis do ser ou da realidade (chamamos a isso concepção ontológica),de
leis do pensamento (concepção psicológica) ou de leis da linguagem (concepção lingüístíca)? Tomemos p. ex. o princípioda contradição. Ele diz, grosso modo, o seguinte: algo não pode ao mesmo tempo ser e não ser o caso. Por que não? Alguns dizem que isso se funda na essência do ser; outros, na essência do pensamento; uns terceiros, na essência da linguagem. Estes três diferentes modos de conceber a lógica influenciaram a questão de como se deve delimitar a temática da lógica. A concepção psicológica é cara.cterística do segundo dos três momentos da história da lógica há pouco diferenciados. A Lógica de Port-Royaldefine a lógica como "a arte de bem guiar a razão (raison)".Encontramos uma delimitação mais nítida em Kant: lógica é a "ciência das leis necessárias do entendimento e da razão em geral ou, o que é o mesmo, da mera forma do pensamento em gera1"5.Kant enfatiza com efeito que isso não deve ser entendido psicologicamente: a lógica é a "ciência do uso correto do entendimento e da razão em geral. mas não é subjetiva, isto é, não se pauta por princípios empíricos [psicológicos] de como o entendimento pensa, mas sim objetiva, isto é, se pauta por princípios a priori de como ele deve pensar,,6. Num sentido amplo, porém, a concepção de Kant é psicológica, na medida em que ela parte justamente do conceito de entendimento' isto é, de algumas realizações do pensamento (mesmo que sejam acessíveis a priori). Face a isto a tradição mais antiga - e também, novamente, a concepção moderna - se orienta, antes, pela linguagem, respectivamente pelo ser, pautando-se a concepção moderna primariamente pela linguagem. Não há contudo na tradição mais antiga nem na lógica atual definições conceituais de lógica que sejam abrangentes, semelhantes às há pouco mencionadas. Isto se deve ao fato de a concepção de lógica como teoria do pensamento correto ser demasiado indeterminada. A partir dela apenas, não se pode extrair a temática específica da lógica.
3. Na obra de Kneale só é dedicado a ele um capitulo; ao primeiro periodo quatro; ao terceiro periodo, sete.
4. Cf. Kant, Critica da razão pura [citada aqui como CRP], B VIII.- Sobre o modo como um lógico moderno avalia a situação, cf. a primeira frase de Methods of Logic de Quine: "A lógica é uma antiga região e desde 1879 ela se tornou uma grande região".
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5. Kant,
LOgik,
6. Ibid.,
p. 16.
p. 13.
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Aconcepção comum é a de que a lógica tem a ver com "os princípios da inferência válida" 7; para ser mais exato, ter -se- ia
que complementar: "na medida em que essa inferênciase baseia na mera forma dos enunciados (ou juízos)". Com isso estão mencionados dois conceitos que só mais tarde iremos esclarecer de modo mais exato: o de inferênciae o de forma lógica. Por agora é suficiente mencionar a explicação de Kant: "Porinferirdeve-se entender aquela função do pensamento através da qual um juízo
é deduzidoa partir de um outro"s. Certamentea questãoserá o
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que nessa explicação significa "deduzir". Por agora, apenas mais um exemplo: (A) "Todos os homens são mortais", (E)"Sócrates é um homem"; (portanto) (C) "Sócrates é mortal". Estes três enunciados juntos formam urna inferência; (A)e (E)constituem as premissas, (C),a conclusão. A primeira teoria da inferênciaformalválida foidesenvolvida por Aristóteles no escrito Analytica Priara;mas apenas com Frege ela se tornou urna disciplina abrangente. (Maistarde veremos em parte corno Frege pôde ampliá-Ia desta maneira.) Nossa questão agora é a seguinte: deve-se limitar a lógica à teoria da inferência formalválida? Aqui esbarramos em uma segunda diferença conteudística quanto ao modo corno a lógica é hoje concebida e o modo como ela foi entendida no segundo período. Para os lógicos modernos a lógica é a teoria da inferência válida; para os lógicos do segundo período, ela é a teoria do pensamento correto, e esta abrange: 1. a lógica do conceito, 2. a lógica do juízo, 3. a lógica da inferência, 4. urna doutrina do método. Encontramos isso pela primeira vez na Lógica de PortRoyal. Deixemos de lado inicialmente a doutrina do método; também Kant, na verdade, ainda se mantinha preso a ela, mas a concepção que se tornou clássica é a que contém a tríade conceito-juízo-inferência. Será que esta concepção triádica é uma conseqüência da interpretação psicológica da lógica no segundo período ou é in-
7. "Lagic is cancerned ment afLagic, p. 1.
with the principIes af valid inference", Kneale, The Develap-
dependente dela? Qual era a situação, no primeiro período? Aristóteles não possuía nenhum conceito unitário de lógica. A lógica tradicional do primeiro período se orientou pelos escritos tidos corno escritos lógicos de Aristóteles e reunidos sob o nome de "Organon". São eles: 1)Categorias,2)De Interpretatione(Peri Hermen, eias) 3) Analytica Priara, 4) Analytica Posteriora, 5) To-
pica, 6) De Sophisticis Elenchiis. 1)trata dos componentes simples das frases enunciativas e pôde ser concebido portanto corno urna lógica do conceito; 2) trata das frases enunciativas e pôde ser concebido portanto como a teoria aristotélica do juízo; 3) contém a teoria da inferência formalmente válida; 4) trata da prova científica; 5)das inferências de probabilidade - a chamada "dialética"; 6) dos sofismas. Embora o próprio Aristóteles não houvesse reunido os três primeiros escritos de modo a formarem uma unidade, a concepção posterior da tríade pôde contudo se basear em tal combinação. Partindo da concepção usual moderna de lógica, que se limita à inferência formalmente válida, pode-se também incluir nesta concepção o que se entende por lógica do juízo e lógica do conceito. Se na lógica se trata dos "princípios da inferência válida na medida em que essa inferência se baseia na mera forma dos enunciados", a lógica da inferência é dependente de um esclarecimento da forma dos enunciados e conseqüentemente de urna lógica do juízo. E pode-se, ademais, dizer o seguinte: o esclarecimento da forma lógica dos enunciados não é de modo algum possível sem um esclarecimento simultâneo dos elementos da frase, relevantes para a forma lógica, e isso corresponderia à lógica do conceito. Vista deste modo, a inferência está, na verdade, no centro (e isso vale certamente também para o primeiro período da lógica). O esclarecimento das formas dos enunciados é apenas uma condição para a teoria da inferência formalmente válida. Finalmente, se os conceitos a partir da linguagem são vistos corno elementos não autônomos da frase, a lógica do conceito não é uma disciplina autônoma, mas pertence diretamente à teoria das formas do enunciado. Este últimoponto, com efeito, não é mais evidente; ele depende da concepção lingüística ao invés da psicológica.
8. Kant, Logik, p. 114.
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Faz-se aqui necessária uma outra diferenciação. Partindo-se do conceito moderno de lógica como lógica da inferência, devese diferenciar entre a lógica como investigação sistemática de todas as inferências formalmente válidas e a fjJosofja da lógica como análise dos conceitos básicos relevantes na lógica. Para a lógica em si. o esclarecimento das formas da frase enunciativa é apenas algo preliminar a ser executado rapidamente, mas, para a filosofia da lógica, ele é central. Nossa propedêutica permanecerá, no essencial. no âmbito dessa "lógica do juízo".
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Mas o que dizer da doutrina do método que a Lógica de Port-Royal incluiu adicionalmente na lógica pela primeira vez? Essa concepção remonta ao Discours de la Méthode, de Descartes; trata-se aqui de "Ia méthode pour bien conduire sa raison et chercher la vérité dans les sciences", isto é, do "método para bem guiar sua razão e buscar a verdade nas ciências" (Esse "e" não é aditivo, mas sim explicativo). Os autores da Lógica de Port-Royal tomaram, para sua definição de lógica, diretamente de Descartes o conceito "para bem guiar sua razão" (cf. p. 11). Com o desenvolvimento das ciências empíricas no século XVII exigiu-se que, no lugar da lógica escolástica pretensamente estéril - lógica esta que (isso está na essência da inferência lógica) extrai as conseqüências apenas daquilo que já é sabido, se desenvolvessem métodos para encontrar a verdade (chercher la verité). Contudo, havia aqui um equívoco. É que se deve diferenciar entre a ars inveniendi e a ars demonstrandj, entre o encontrar a verdade e a fundamentação da verdade. É verdade que a lógica (no sentido da lógica da inferência) não contribui muito para se encontrar a verdade, mas ela nunca pretendeu isso. Não parece sensato colocar em concorrência as instruções vagas para se encontrar a verdade e as regras exatas de fundamentação da verdade. Mas, poder-se-ia perguntar, por que não se deve, como fez a Lógica de Port-Royal, aceitar adicionalmente na lógica, como um apêndice, regras para se encontrar a verdade? Pode-se fazer isso e definir correspondente mente de modo amplo a palavra "lógica". "Lógica" neste sentido corresponderia então, sobretudo, àquilo que hoje é chamado teoria da ciência. Nessa direção apontam também determinadas expressões em uso hoje em dia - quando se fala p. ex. de "lógica das ciências sociais". Para
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contrastar a concepçãorestrita de "lógica"com essas concepções mais abrangentes, surgiu também a expressão lógica formal (existente apenas a partir de Kant). No sentido da lógica tradicional (e também no da lógica moderna), toda lógica é formal. Ainda uma última diferenciação faz-se necessária. A lógica enquanto doutrina do método foi conectada à descoberta da verdade; a lógica no sentido estrito, à fundamentação da verdade. Mas nem toda fundamentação da verdade se realiza sob a forma de inferências formais. Podem-se fazer as seguintes distinções: toda fundamentação da verdade de um enunciado se dá diretamente (pela percepção) ou indiretamente (através de outros enunciados). A fundamentação indireta tem sempre a forma: "Porque (ou: se) isso e isso e isso, daí (ou: então) isso". Mas nem toda a inferência é formalmente válida (vemos de novo quão importante será o esclarecimento do conceito "formal"e do conceito "validade formal"). Diferencia-se portanto da inferência formalmente válida (a dedutiva) a chamada inferência indutiva. Por inferência indutiva entende-se tradicionalmente (ela já é entendida deste modo em Aristóteles, Tópicos 105a13)a inferência do particular para o universal. Dado o caso, estamos justificados a inferir que "todos os F são G", a partir de "isso é F e é G" e "aquilo é F e é G" etc. Evidentemente uma tal inferência não é válida do ponto de vista formal;e o problema de indução é então o seguinte: sob que circunstâncias uma tal inferênciaé, contudo, legítima. Sendo assim, mesmo que a lógica se limitasse à inferência e às regras de fundamentação da verdade, ela seria mais abrangente do que o modo como ela é concebida pela visão moderna corrente. Isso explica por que muitos autores consideram como lógica também uma lógica indutiva. O texto clássico para essa concepção é A System of Logic (1843),de Mill. Sobretudo aqui não se trata de questão substancial. mas de mera questão definitória, se queremos entender lógica no sentido mais restrito ou no sentido mais amplo. Uma vez que nossa propedêutica será totalmente centrada na problemática da formalógica, esse significado mais amplo de lógica, mencionado por último, não nos dirá respeito. À concepção moderna de lógica corresponde, ao contrário, o fato de se
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ter em vista uma ampliação em outra direção: a orientação para a frase enunciativa, ao invés de para o juízo, faz surgir a questão de se não haveria "deduções" de ordens a partir de ordens, de desejos a partir de desejos, deduções estas análogas às deduções de enunciados a partir de enunciados9.
2~ FRASE# FRASE ENUNCIA TIl! A# ENUNCIADO# JUiZO
No capítulo 1 foi indicado que existem concepções ontológicas, psicológicas e lingüísticas da lógica. Essa variedade de concepções aparece sobretudo na questão de como o conceito básico de 'lógicado juízo'deveser entendido:juizo é um conceitoprimariamente pSicológico.O conceito lingüístico correspondente é o de frase enunciativa. Para o conceito ontológico correspondente foram usadas várias expressões: Frege faloude pensamento; Husserl e o 1 Wittgenstein falaram de estados-de-coisas; Q
9. Cf. sobre esse ponto Rescher, The Logi.c af Cammands; Inference": Hare, Practical Inferences, capo 4.
na filosofiainglesa é corrente a expressão proposição.Às vezes o termo "enunciado" (em inglês statement) é também usado de modo a significar aquilo no lugar de que está a frase enunciativa. Há que se distinguir então nitidamente entre enunciado e frase enunciativa. O termo "juízo"é usado ambiguamente; ele tem um sentido primariamente psicológico apenas quando significa julgar (um ato psíquico); mas muitas vezes também é compreendido no sentido do julgado (como p. ex. na Logik de Pfander), e nesse caso ele corresponde aproximadamente à proposição. Tanto a concepção psicológica quanto a ontológica podem ser defendidas de um modo extremo ou moderado. Na forma moderada, o que vem a ser um juízo ou um pensamento (estado-de-coisas, proposição, enunciado) é elucidado implícita ou explicitamente por recurso às frases correspondentes. Ao contrário, pode-se falar de uma concepção psicológica e ontológica extrema quando se defende a tese de que se poderia elucidar o que é um juízo ou, conforme o caso, um estado-de-coisas sem
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se recorrer ao aspecto lingüístico. Por outro lado, poder-se-ia caracterizar como uma concepção lingüistica extrema aquela que só aceita falar de frases enunciativas, negando simplesmente a existência de proposições1. Husserl e o 1 Wittgentein eram representantes da concepção ontológica extrema. Wittgenstein dá a seguinte explicação de "estado-de-coisas" (Tractatus 2.01): "O estado-de-coisas é uma conexão de objetos (coisas)". Q
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A concepção psicológica extrema foi a concepção usual no século XVIII; também Kant a defende. Ele esclarece na Logik, § 17, que "um juízo é a representação da unidade da consciência de várias representações" (p. 101). Cf. também as outras exposições na Critica da razão pura [citada no que se segue como CRP], A 68/B 93. O modo como juízos eram compreendidos em geral na época de Kant pode ser visto a partir da CRP, B 140s, onde Kant diz: "Nunca pude me satisfazer com a explicação que os lógicos dão de um juízo: ele é, como dizem eles, a representação de uma relação entre dois conceitos". Todas essas explicações, tanto as ontológicas quanto as psicológicas, são no fundo inteligíveis se não soubermos de antemão que elas se referem àquilo que é expresso em uma frase enunciativa. Teorias psicológicas recorrem portanto freqüentemente, de modo totalmente ingênuo, embora não de modo explícito, ao aspecto lingüístico. É assim que se lê, p. ex., na Lógica de Port-Royal (t. 2, capo 3, início): "Após termos concebido as coisas por meio de nossas idéias [disso tratou a lógica dos conceitos], comparamos essas idéias umas com as outras, e, tendo verificado que umas concordam entre si e as outras não, conectamo-Ias ou separamo-Ias, e isso significa afirmar ou negar e, dito de modo mais geral, julgar. - Esse juízo chama-se também frase enunciativa e é fácil verificar que esta tem que possuir duas partes: uma em relação à qual se afirma ou
1. Sobre essa concepção,
cL Mates, Elementary logjc, p. 10-13.
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se nega, e que é chamada de sujeito; e a outra que é afirmada ou negada, e que é chamada de atributo ou predicado"
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Ao contrário dessas teorias posteriores, a lógica do juízo se orientava explicitamente pela linguagem quando foi desenvolvida pela primeira vez, no diálogo Sofista de Platão e no pequeno tratado de Aristóteles De interpretatione, o qual se filia ao diálogo de Platão. O locus classicus da definição da frase enunciativa, ao qual até hoje recorre toda a tradição, é De interpretatione, capo 4.
No capítulo 1 é dito contudo que "a palavra falada é um símbolo dos estados da alma e a palavra escrita (umsímbolo),da palavra falada". Aristóteles defende portanto uma concepção psicológica moderada e, por estar escrito logo em seguida que "os estados da alma são imagens das coisas", essa concepção psicológica moderada se liga a uma concepção ontológica moderada. De interpretatione, capo 4, começa com uma definição de "frase" (lógos):"Afrase é uma fala significativa cujas partes possuem significado independente". Essa explicação tem que ser compreendida a partir do contexto dos dois capítulos anteriores. Aí foramdefinidos "nome" e "verbo. "Umnome é uma falaligada convencionalmente a um significado sem relação temporal, uma fala cujas partes não possuem significado independente". - "Um verbo é uma fala significativaque, ademais, exprime um tempo, sendo que nenhuma das partes da mesma significa algo por si". Nomes e verbos são portanto para Aristóteles as menores partes da linguagem, dotadas de significado. A expressão "menor parte dotada de significado" é importante. Ela também é usada na lingüística moderna do mesmo modo que a usa Aristóteles, a saber: para a delimitação entre essas partes dotadas de significado e as partes de uma seqüência sonora que não possuem significado próprio. Contudo devese observar que Aristóteles reconhece apenas nomes e verbos como menor seqüência sonora significativa e não todas as palavras. Na lingüística moderna a menor seqüência significativa é caracterizada como morfema. Uma palavra pode conter vários
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morfemas (p. ex. uma única palavra como "indiferenciável" contém quatro elementos significativos: "in", "di", "ferencia" e "vel"). A concepção de Aristóteles se explica em parte pelo fato de ele seprender ao que é apresentadono Sonstade Platão,onde Platãose contenta em analisar a estrutura da "menor frase", deparando-se com frases como "Teeteto está sentado", compostas de um nome e um verbo. Esseposicionamento teve contudo em Aristóteles a conseqüência de que ele considerou apenasfrases predicativas, uma grave limitação para a história posterior da lógica e da filosofia. Mas essalimitação ainda não está explícita na definição de "frase", acima mencionada. Evidentemente, essadefinição é insuficiente devido a um outro motivo. De um ponto de vista prático, ela leva a que se caracterize como frase apenas uma (e qualquer) seqüência de sons que contenha mais do que uma palavra. Mas não existem também frases de uma palavra só? Além disso pode se dizer que uma frasepossui uma completude peculiar ("e também por isso" não é uma frase). E então se coloca a seguinte questão: em que consiste essa completude? Pode-se defini-la apenas gramaticalmente ou também semanticamente (com referência ao significado da expressão)?Estamos nos antecipando, já que esclareceremosa diferença entre forma gramatical e forma semântica apenas no capo6. Uma definição gramatical está presente, p. ex., em Lyons, Introduction to Theoretical Linguistics, 5.2.1. Uma frase é, de acordo com este texto, uma seqüência de sons completa na medida em que pode ocorrer por si mesma, ou na medida em que não pertença a nenhuma classedistributiva (sobreo conceito de classedistributiva, ci. capo6.3). Ora, nós temos certamente uma noção intuitiva de que aquelasseqüências sonorasque chamamos de frases se diferen-
ciamtambémno que diz respeitoao sentido- portantosemanticamente - das palavras (ou dos morfemas). Será que a completude peculiar a uma frase pode ser determinada também semanticamente? Uma ta],diferenciação semântica entre frases e palavrasjá se encontra na passagem do Sofista de Platão da qual Aristóteles havia partido em De interpretatione (262 c/d):
Estrangeiro:Quandoalguémdiz "O homem aprende", você certamente diz que isso é a frase [lógos]mais curta e mais elementar? Teeteto: Eu digo isso mesmo. Estrangeiro: Você diz isto porque a expressão já dá algo a entender [deloum]sobre o que é, o que se torna, o que se tornou ou o que será; ela não apenas nomeia algo, mas sim, ao conectar [symplékein] os nomes com os verbos, realiza algo de modo completo.Daí nós também podermos dizer que ele diz [légein]algo e não apenas nomeia, e nós também demos a essa conexão o nome "frase" [lógos).
Teeteto: Correto.
A tese é portanto a seguinte:comumnomealgoé apenas nomeado (generalizando,podemos dizer: urna palavra - ou morfema - tem na verdade um significado, ou sentido), mas apenas com uma frase algo é dado a entender(Essetermo também é empregado por Aristóteles em De interpretatione [17a 16],mas não na definição de frase). A isso corresponde uma concepção moderna bem difundida, segundo a qual frases são as menores unidades de compreensão: uma palavra tem um sentido, nós podemos compreendê-Ia,mas apenas com uma frase pode-se dar algo a entender ou, como diz Platão, dizer algo. Se alguém diz apenas "Pedro", então nós não podemos responder a isso; nós podemosapenas dizer:"E daí? O que há comPedro?"Isso também é expresso às vezes do seguinte modo: com uma palavra ainda não se realizouum ato-de-fala; apenas uma frase é um "lance no jogo-de-linguagem"z. É verdade que Platão apresenta essa questão como se uma seqüência sonora só pudesse realizar essa função de dar algo a entender pelo fato de ela consistir dos componentes nome e verbo. Pode-se contudo deixar essa limitação de lado. A definição da frase por meio da função semântica que ela realiza (dar algo a entender) também permite falarde frases de uma palavra;
2. Dumrnett. Frege. Philasophy af Language, p. 3, 364s.
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p. ex., "Fogo!"- esta não é apenas uma palavra que tem significado, mas pode, sim, ser usada de modo que com ela algo seja dado a entender. A palavra funciona então como frase. Cf. também, p. ex., "chove" (o alemão usa duas palavras "es regnet", mas o português e outras línguas usam apenas uma palavra). Será que as caracterizações "exprimir", "dar algo a entender", estão suficientemente claras para funcionar como critérios sobre quando se pode considerar um proferimento como frase? Pode-se ter dúvidas quanto a isso. Deseja-se um critério de reconhecimento mais simples. Voltemos mais uma vez a Aristóteles! Após ele, em De interpretatione, capo4, ter dado sua definição de "frase", faz uma diferenciação entre diversos tipos de frases: "Toda frase tem um sentido [semantikós] [...], nem todas contudo apresentam algo [apophantikós],mas sim apenas aquelas que podem ser verdadeiras ou falsas. Nem todas podem sê-lo; assim, um pedido é com efeito uma frase, mas não é nem verdadeiro nem falso". Essa diferenciação se tornou clássica e também se encontra nos lógicos de hoje: há um tipo de frases - Aristóteles as chama de frases apofânticas; em português podem chamar-se de frases enunciativas ou frases assertóricas - cuja função expressiva consiste especialmente em um apresentar (poder-se-ia esclarecer isso do seguinte modo: em dizer que algo é o caso), e para essas frases há o critério de que, com relação a elas, pode-se sempre perguntar significativamente se elas são verdadeiras ou falsas. Por meio desse critério frases enunciativas são portanto distinguidas de frases que exprimem desejos, de imperativos e de perguntas. Pode-se também complementar ainda o que foi dito do seguinte modo: Quem emprega uma frase enunciativa, ao dizer, p. ex., "Teeteto está sentado", ergue sempre uma pretensão de verdade, e por isso os participantes do diálogopodem perguntar se essa pretensão de verdade está ou não justificada, e isto significa: se o que ele diz é verdadeiro ou falso. Aristóteles não aborda a questão que surge imediatamente com respeito a este ponto: o que significa então "verdadeiro" e "falso"? No que toca nosso atual problema, o esclarecimento dessa questão não parece imediatamente necessário, e assim nós também adiaremos a questão para mais tarde (cap. 13).
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Com isso não temos apenas, como no caso das frases em geral, uma explicação semântica vaga, mas sim um critério semântico por meio do qual se pode diferenciar quando uma seqüência sonora pertence ou não à categoria das frases enunciativas. Podemos agora compreender também mais claramente a noção intuitiva da completude semântica de uma frase. Se nós temos um texto que consiste de várias frases enunciativas, então cada uma dessas frases ergue uma pretensão de verdade, cada uma é verdadeira ou falsa, sendo que podemos dizer do texto todo que ele é em parte falso porque algumas das frases nele contidas são falsas. O critério de agora nos permite sobretudo também a importante diferenciação entre aquelas partes de uma
frase que nós podemos caracterizarpor sua vez comofrases componentes e outras partes da frase que não possuem propriamente o caráter de uma frase. Por exemplo: a expressão "chove ou neva" é umafraseque consistecontudode duas frasescomponentes, pois consideramos as partes "chove" e "neva" como frases componentes já que faz sentido perguntar, por sua vez, com respeito a elas se são verdadeiras ou falsas; contudo estas expressões funcionam aqui não como frases autônomas, mas sim como frases componentes porque quem usou a frase toda ergueu uma pretensão de verdade não com relação a essas frases componentes, mas sim com relação à frase toda. Isso permite agora também delimitar claramente as frases enunciativas dos demais tipos de frases, já que elas podem ser caracterizadas como as menores unidades do discurso apofântico. Um discurso (ou respectivamente um texto) consiste de tantas frases quantas unidades com pretensões autônomas de verdade ele contiver3.
3. A palavra "autônomo" pOde levar a equívocos neste contexto e tem que ser usada muito cuidadosamente. Tem que se perguntar sempre a que ela se refere. Pois palavras também já são unidades autônomas de significação, mas não são unídades autônomas do entendimento mútuo. Uma frase enunciativa que ocorre em um texto, por sua vez, pode depender sob muitos aspectos do contexto textual. não sendo portanto, nessa medida, autônoma. Ela possui contudo uma pretensão própria de verdade. Mesmo isso parece não ser apropriado em muitos casos, p. ex. quando uma frase começa com "portanto" e infere algo a partir de frases precedentes. Aqui esbarramos evidentemente na fronteira da possibilidade de uma definição semãntica de frase, e poder-se-ia escapar a essa dificuldade pelo fato de se esclarecer que, abordada de um ponto de vista semãntico, a frase gramatIcal "Portanto..." é apenas uma frase componente de uma outra frase.
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"Para apresentar mais claramente o que eu quero chamar de pensamento, diferencio entre tipos de frases. Não se há de querer negar que uma frase que exprime uma ordem tenha um sentido; mas esse sentido não é um sentido tal que a verdade pudesse ser nele questionada. Por isso não chamarei de pensamento o sentido de uma frase que exprime uma ordem. Do mesmo modo devem ser excluídas frases que exprimem desejos e pedidos. Podem ser consideradas frases nas quais nós comunicamos ou asserimos algo. Mas exclamações nas quais damos vazão a sentimentos, gemidos, suspiros, risos não são consideradas por mim como passíveis de comunicar algo, a menos que, através de um acordo especial, se tenha determinado que eles comunicariam algo. O que ocorre contudo com frases interrogativas? Com uma pergunta sobre uma palavra* expressamos uma frase incompleta que só deve conter um sentido verdadeiro por meio da complementação que intimamos. As perguntas sobre uma palavra permanecem aqui, fora de consideração. Algo diferente se passa com as perguntas sobre uma frase*. Nós esperamos ouvir 'sim' ou 'não'. A resposta 'sim' significa o mesmo que uma frase assertórica; pois através dela o pensamento que já está contido de modo completo na frase interrogativa é apresentado como verdadeiro. Deste modo pode-se formar para cada frase assertórica uma pergunta sobre uma frase. Uma exclamação não deve ser encarada como comunicação já que não se pode formar nenhuma pergunta sobre uma frase correspondente. A frase interrogativa e a frase assertórica contêm o mesmo pensamento; mas a frase assertórica ainda contémalgomais, a saber: a asserção.A fraseinterrogativa também contém algo mais, a saber: uma intimação. Devem-se então diferenciar dois tipos de elementos em uma frase assertórica: o conteúdo que ela tem em comum com a correspondente pergunta sobre uma frase e a asserção. Aquele é o pensamento ou contém pelo
Esses problemas não se colocavam para Aristóteles porque ele ainda não havia se deparado com o problema das frases complexas. Em De jnterpretatjone, capo5, ele explica que todo lógos apophanUkós simples é ou afirmativo ou negativo (17a7),e isso significa: algo (um predicado) é ou atribuído ou negado a algo (o sujeito) (17a21); qualquer outro lógos é lógos por justaposição (17a9 e 17a16)- Só se pode compreender esse texto se se considera que lógos significa, com efeito, o mesmo que "discurso". A concepção de Aristóteles pode ser então retratada do seguinte modo: todo discurso apofântico é ou uma frase (oque Aristóteles caracteriza como "discurso apofântico simples") e esta é predicativa ou uma justaposição de frases. Isto significa portanto: só se atenta, de acordo com essa posição, para frases predicativas, e sobretudo o problema de frases complexas (e de suas frases componentes) não é considerado. Diferenciamos acima entre uma concepção ontológica, ou psicológica, extrema e moderada. É característico de uma concepção ontológica, ou psicológica, explicitamente moderada o fato de ela partir, quando da explicação do que é proposição, juízo, etc., do conceito de frase enunciativa, tal como nós o obtivemos agora a partir de Aristóteles. Frege oferece um bom exemplo para esse procedimento. Ele define o pensamento como o sentido de uma frase enunciativa. "E quando chamamos uma frase de verdadeira, temos em mente, na verdade, seu sentido" ("Der Gedanke", p. 33). Esse passo da frase enunciativa para o enuncjado, ou respectivamente para o pensamento (ou a proposição),parece necessário porque nós, quando caracterizamos aquilo que alguém disse como verdadeiro ou falso,não temos em vista o som das palavras que ele usou; com essa caracterização nós avaliamos, antes, como verdadeiras, todas as frases enunciativas que possuem o mesmo sentido, qualquer que seja a linguagem em que elas possam estar formuladas. De modo que se pode dizer simplesmente o seguinte: é este sentido que é verdadeiroou falso. Contudo o que Frege chama de sentido abarca não o significadotodo da frase enunciativa, mas apenas seu "conteúdo". Como Frege concebe isso, é mostrado pelo seguinte texto extraído de seu artigo "Der Gedanke" (p.34s):
*
Frege chama de "Wortfrage" (pergunta-sobre-uma-palavra) perguntas contendo
um pronome interrogativo que esteja no lugar de um termo desconhecido como, p. ex., "Quem saiu?"; "Satzfrage" (pergunta-sobre-uma-frase) refere-se, por sua vez, a perguntas que incidam sobre todo o conteúdo de uma frase, como, p. ex., "Pedro já saiu?" (N. do tL).
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menos o pensamento. É portanto possível exprimir um pensamento sem apresentá-Io como verdadeiro. Em uma frase assertórica ambos estão ligados de tal modo que a possibilidade de decomposição passa facilmente despercebida. Distinguimos por conseguinte modo:
1. a apreensão do pensamento - o pensar, 2. o reconhecimento da verdade de um pensamento - o julgar, 3. a comunicação desse juízo - o asserir".
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Frege se expressa de modo um pouco inexato quando fala como se o conteúdo (o sentido, o pensamento) e a asserção fossem dois componentes da frase enunciativa; o que tem em mente é, evidentemente, o fato de se tratar de dois momentos daquilo que se chamaria o significado da frase enunciativa4. Abordaremos mais tarde esse fenômeno, digno de nota, da asserção (cap. 12), o qual está contido no proferimento de uma frase enunciativa. Limitamo-nos a apontar para o fato de se tornar mais claro, a partir do final da mencionada citação, o modo como Frege, indiretamente através da concepção ontológicamoderada, permite também que a concepção psicológica moderada tenha sua legitimidade, na medida em que ele tenta esclarecer, por essa via, tambémo conceitode juizo no sentidodojulgar. Foi indicado por autores mais recentes5 que não é suficiente dizer, como Frege, que todas as frases enunciativas que possuem o mesmo sentido (conteúdo) estão no lugar de um enunciado. Pois se diferentes pessoas dizem" eu tenho 1,BOmde altura", as frases que elas usam possuem o mesmo sentido. Elas realizam contudo diferentes enunciados: a pergunta sobre se aquilo que um diz com a frase é verdadeiro não é idêntica à pergunta sobre se o que o outro diz com a mesma frase é verdadeiro. Frege só pÔdeevitar esse problema pelo fato de ele desconsiderar aquelas frases que contêm as expressões chamadas dêiticas (como "eu",
4. Temos que formular isso àssim tão cuidadosamente porque Frege curiosamente não possui nenhum termo para esse significado da frase mais abarcante do que seu sentido e porque ele mesmo usou a palavra "significado" de um outro modo (et. capo 10). 5. CL, p. ex., Strawson, Introductlon to Logical Theory, capo 1, § 4.
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"isso", "hoje")e cUjaverdade, portanto, depende não apenas do significado dessas frases, mas também da situação na qual elas são proferidas. Quanto a essas frases ligadas a situações, há que se dizer que o pensamento é uma função de dois fatores: do sentido da frase e da situação na qual ela é usada. Quando usadas em diferentes situações ou por diferentes falantes, duas dessas frases com o mesmo sentido não exprimem apenas diferentes pensamentos; há também o fato de duas frases com diferentes sentidos poderem, dependendo de quando, onde e por quem elas são proferidas, expressar um e o mesmo pensamento, p. ex. quando eu digo "eu estou com frio" e o meu interlocutor diz, referindo-se a mim, "você está com frio". Ambos os proferimentos têm o mesmo valor de verdade (por valor de verdade de um enunciado ou de uma frase enunciativa se entende, desde Frege, sua propriedade de ser verdadeiro ou falso)6. INDICAÇÕES BmLIOGRÁFICAS: Frege, "Der Gedanke". Quine, Word and Object, capo 6. Cartwright, "Propositions". Lemmon, "Sentences, Statements, and Propositions". Patzig, "Satz und Tatsache". Dummett, Frege. Philosophy of Language, capo 11.
6. Para uma discussão mais ampla dessa problemática, cf. Strawson, "On Referring" (sobretudo capo II); Cartwright, "Propositions", § 10; Tugendhat, Vorlesungen zur Elnfüh. rung ln dle sprachanalytjsche Philosophle, p. 2825; Lemmon, "Sentences, Statements, and Propositions" .
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3~ IMPUCAÇÃO LÓGICA E VERDADE LÓGICA; ANALllTICIDADE E APRIORIDADE
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No capítulo 1 vimos que a lógica no sentido estrito do termo é a teoria da inferência (Sch1iessen) formal válida. Isso nos conduz à questão do que deve ser entendido por inferência lógica. A expressão "inferência" está em estreita relação com a expressão "conseqüência (Folgerung) lógica". Dizemos, p. ex.: A partir dos enunciados "todos os homens são mortais" e "Sócrates é um homem" pode-se deduzir logicamente o enunciado "Sócrates é mortal"; ou também: este se segue (logicamente) daqueles; ou mesmo: a partir dos dois primeiros enunciados, pode-se inferir o terceiro; essa inferência seria válida. O que se quer dizer com isso? No capítulo 1 citamos uma explicação de Kant segundo a qual o inferir consiste na "dedução (Herleitung)" de um juízo a partir de outros. Essa formulação pode levar ao equívoco de que se trataria de um processo no qual a conclusão resulta (hervor-
geht), de algum modo, das premissas. A concepção psicológica da lógica sugere uma tal interpretação. Essa concepção dinâmica é contudo insustentável. Face a isso já Aristóteles possuía uma explicação correta no essencial: o fato de uma inferência ser válida significaria que, se as premissas são pressupostas, a conclusão resulta necessariamente (Analytica priara, Al, 24b 19). O termo "resulta" parece também conter uma conotação dinâmica; contudo o decisivo é falar em necessariamente".
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Somente a explicação usual na lógica moderna da relação de conseqüência por meio do conceito de implicação (lógica) está totalmente isenta de possíveis equívocos. O conceito de implicação é explicado do seguinte modo: o fato de a conclusão estar implicada (logicamente) pelas premissas significa que é impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão seja falsa. Isto é, p. ex.: Se é verdade que todos os homens são mortais e se é verdade que Sócrates é um homem, então é impossível que não seja verdade que Sócrates seja mortal (ou formulado simplificadamente: então é necessariamente verdadeiro que Sócrates é mortal). A implicação, ou conseqüência, não se refereportanto a nenhum resultar dinâmico da conclusão a partir das premissas, mas sim a uma relação estática entre os valores de verdade dos enunciados. O fato de a conclusão ser necessariamente verdadeira se as premissas foremverdadeiras. O fato de a inferência ser válida (de a conclusão estar implicada pelas premissas) não diz nada sobre se as premissas e a conclusão são verdadeiras (pode ser falso que Sócrates seja um homem ou poderia ser falso que todos os homens fossem mortais); o que é afirmado é apenas que, se as premissas são verdadeiras, a conclusão também será necessariamente verdadeira (i.é, não 'pode' ser falsa: então 'tem que' ser verdadeira). Essa relação "se ... então" entre os valores de verdade dos enunciados mostra que também podemos expressar a relação de implicação de tal modo que conectamos os enunciados formando um enunciado complexo e dizemos deste que ele é necessariamente verdadeiro.Por exemplo: "Se A e B, então necessariamente C", o que quer dizer
o mesmo que "É necessariamenteverdadeiroque, se A e B, então C" (ou mesmo: "É impossível que, se A e B, então não C). É com base nisso que se pode deduzir o conceito de implicação ao de verdade necessária. Pergunta-se agora como nós podemos saber, em cada caso, que, se as premissas são verdadeiras, a conclusão também tem que ser verdadeira, ou que o enunciado complexo inteiro ("Se..., então...") tem que ser verdadeiro. Mas antes dessa questão sobre como se pode saber isso, surge uma questão preliminar sobre o que se entende por verdade necessária: O que se entende por esse uso do termo "necessidade", ou "impossibilidade",por "tem que" e "não pode"?
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Podemos abordar esses conceitos no momento apenas provisoriamente e retomaremos a eles no capo 14. Trata-se por enquanto só de destacar o sentido particular dessas palavras, o sentido que elas possuem no presente contexto. Se dizemos, p. ex. "Se você larga essa pedra, ela tem que cair",a expressão "tem que" tem evidentemente um outro sentido, diferente do que ela tem na inferência lógica. O fato de a pedra ter que cair remete a uma lei da natureza. Seria pensável que ela não caísse. No contexto lógico, ao contrário, o "tem que" tem evidentemente um sentido mais forte. Nós queremos dizer neste caso que é
a priori. Kant, no entanto, considera necessário diferenciar os dois últimos conceitos. Examinemos os textos! Leibniz escreve na Monadologia: "Há dois tipos de verdades, as de razão [véI1tés de rajsonnement] e as de fato [véI1tésde fajt]. As verdades de razão são necessárias e seu oposto é impossível; as de fato são contingentes e seu oposto é possível. Quando uma verdade é necessária, pode-se encontrar seu fundamento por meio da análise, dissolvendo-a em idéias e verdades mais simples, até que se chegue às primitivas" (§ 33).
impensávelque - comoquer que o mundoseja constituído- a
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frase correspondente não seja verdadeira. O que se quer dizer com isso? Muitos autores se satisfazem em falar aqui simplesmente de necessidade lógica e em contrapô-Ia à necessidade física1.Mas essa informação é insatisfatória porque nós queremos saber justamente em que se funda a necessidade das relações lógicas. De mais a mais, as frases que caracterizamos como logicamente verdadeiras são necessariamente verdadeiras no mesmo sentido em que, como ainda veremos, uma outra classe de frases também é necessariamente verdadeira. O conceito decisivo para a compreensão dessa necessidade é o de verdade analítica, e a ele se liga estreitamente o conceito de um conhecimento a priori. O conceito de verdade analítica remete por sua vez, comoveremos a seguir, ao princípio da contradição, mas não se reduz a este. A necessidade que está presente nas frases lógicas, ou nas implicações lógicas, pode ser também expressa de modo que se possa dizer: o fato de um tal enunciado ser necessariamente verdadeiro significa que cometemos uma contradição se o negamos. Abordaremosmais preci.. samente o princípio da contradição apenas no capítulo 4. Por agora devem nos ocupar os conceitos "analítico" e "a priori". Os
"Há finalmente [H'] princípios primitivos [...]; estes são enunciações idênticas cujo oposto contém uma contradição explícita" (§ 35). Kant começa sua CRP com a diferenciação entre conhecimento a priori e a posteriori: A experiência "nos diz, com efeito, o que existe, mas não que isso tem que existir necessariamente deste modo e não de outro. [...] Ora tais conhecimentos universais, que têm ao mesmo tempo o caráter de necessidade interna, têm que ser independentes da experiência [H'];por isso eles são chamados de conhecimentos a priori" (A 1s.) "e são diferenciados dos empíricos, os quais têm suas fontes a posteriori, ou seja, na experiência" (B2). É digno de nota o fato de Kant, no esclarecimento do conceito de conhecimento a prior i , recorrer como critério ao concei-
to de necessidade já mencionado por Leibniz para as "verdades de razão". Não se trata contudo do mesmo conceito. Os conceitos "a priori" e "empírico" são conceitos relativos à teoria do conhecimento; eles dizemrespeito ao modo como nós atingimos o conhecimento: ou através da experiência ou independentemente da experiência.
textos clássicosreferentesa esses conceitosencontram-seem
Leibniz e Kant. O conceito básico de Leibniz é o de "verdade de razão", e este contém tanto a idéia da analiticidade quanto a do
A diferenciação entre juízos analíticos e sintéticos é esclare-
cidaigualmentepor Kantna introduçãoda CRP: "Em todos os juízosem que é pensada a relação de um sujeito com o predicado,
[...]
essa relação é possível de
dois modos diferentes. Ou o predicado B pertence ao
1. Cf.. p. ex., Mates, Element8ry Logjc, capo 1, § 4.
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sujeito A como algo que está contido (encobertamente) nesse conceito A; ou B está totalmente fora do conceito A, ainda que ele esteja, com efeito, ligado a este. No primeiro caso eu chamo o juízo de analítico; no segundo, de sintético. Juízos analíticos (os afirmativos) são portanto aqueles nos quais a ligação do predicado com o sujeito é pensada por meio de identidade; aqueles contudo em que a ligação é pensada sem identidade devem ser chamados de juízos sintéticos. [...]P. ex., se eu digo: todos os corpos são extensos, então isso é umjuízo analítico. [...]Por outro lado, se eu digo: todos os corpos são pesados, então o predicado é algo totalmente diferente daquilo que penso no mero conceito de um corpo em geral. O acréscimo de uma tal predição produz portanto um juízo sintético" (A 6s).
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pares conceituais e se diga: as verdades necessárias ou de razão são analíticas e são enquanto tais cognoscíveisa priori. Essa era, na verdade, a opinião de Leibniz. Kant contudo quis traçar uma diferença; ele constrói toda a sua filosofiacom base na idéia de que há também outros conhecimentos a priori diferentes dos analíticos. Suas exposições a esse respeito se encontram na CRP,A 8s. Por um lado ele partilha a concepção de Leibniz: o fato de todos
os juízosanalíticosseremnecessários- e isto significa:serem cognoscíveis a priori. Mas ele não admite a recíproca. Teria que ser deixada pelo menos em aberto a existência de frases cUja verdade não se baseia na experiência e que contudo não são analíticas. Como exemplo Kant menciona "o princípio: Tudo o que ocorre tem uma causa" (A9).Este não é para Kant um exemplo qualquer. Mostrar ser a mencionada frase necessária era o objetivo principal da CRP.Hume havia mostrado que essa frase não é analiticamente verdadeira, e disso ele havia tirado a conseqüência de que ela não vale de modo algum necessariamente. Kant estava convencido da demonstração de Hume de que esta frase não é analítica, contudo a conseqüência tirada por Hume lhe parecia absurda. O fato de poder haver transformações que não possuem nenhuma causa parecia-lhe impensável e a frase mencionada parecia-lhe conseqüentemente necessária. Restava então apenas separar os conceitos de necessidade e de analiticidade e isto significa: conceber a possibilidade de juízos que sejam a priori e contudo sintéticos. Kant aceita portanto de Leibniz: 1) todos os juízos empíricos são sintéticos (e isto significa simplesmente: não analíticos), 2) todos os juízos analíticos são a priori. Mas será que não existe uma 311classe de juízossintéticos a priori?
Também nessa explicação de um juízo analítico Kant aceita evidentemente determinações que estão contidas na explicação leibniziana das verdades de razão: A explicação de que em um juízo analítico o conceito-predicado estaria contido no conceitosujeito corresponde à explicação de Leibniz (§ 33) de que em uma verdade de razão poder-se-ia, "por meio de análise", "encontrar seu fundamento": Leibniz quer dizer com isso exatamente o que é explicado por Kant, a saber: que a verdade de um tal juízo resulta da análise do conceito-sujeito. Vê-se então que o conceito-sujeito já contém "encobertamente" o conceito-predicado, assim p. ex. o de corpo conteria o de extensão, ou, para mencionar um exemplonão problemático: O juízo "Todos os solteiros são não casados" é analítico porque por "solteiro" não se entende outra coisa senão "homens não casados"; nós podemos portanto substituir esta expressão, obtida por análise, por "solteiros" e obter assim o enunciado "Todos os homens não casados são não casados"; é um enunciado deste tipo que Leibniz caracteriza no § 35 como "enunciado idêntico", "cujo oposto contém uma contradição explícita". Também este conceito de identidade foi aceito por Kant em sua explicação. Ora, se tanto a explicação kantiana do conhecimento a priori como sua explicação dos juízos analíticos tomam caracterizações a partir da explicação leibniziana das verdades de razão, é aparentemente natural que se equiparem todos os três
Para melhor compreender a questão de se todos os juízos a priori são analíticos temos que tentar compreender o conceíto de analítico mais adequadamente do que ele foi compreendido por Kant (e Leibniz). Além da explicação citada, segundo a qual juízos analíticos são aqueles nos quais o conceito-predicado está contido no conceito-sujeito, há ainda uma outra explicação em Kant: "[H.]
se o juízo é analítico, quer ele seja negativo ou
afirmativo, então sua verdade tem que poder ser sempre
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como ele a formulou,não é suficientemente abrangente. Pois é certo que a frase "César morreu em 44 aC, ou César não morreu em 44 aC" não é uma frase sintética. Temos então que conceber um conceito de analítico que seja mais geral do que o de Kant. podemos neste caso nos ater à segunda explicação fornecidapor Kant:
conhecidasuficientementede acordo com o princípioda contradição"(A 151).
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Essa segunda explicação e a primeira não se excluem reciprocamente; com efeito, a partir dos esclarecimentos da p. 32 resulta que elas se complementam reciprocamente e Kant também pensava deste modo. A mesma concepção se encontra em Leibniz (d. § 35). Agora se coloca a questão sobre se também não existem outros enunciados cujo oposto leve a uma contradição e nos quais isso não se baseie na relação do conceito-predicado com o conceito-sujeito. Um exemplo seria o enunciado "César morreu em 44 aC, ou César não morreu em 44 aC" ou o nosso exemplo mencionado no início: "Se todos os homens são mortais e todos os gregos são homens, então todos os gregos são mortais". Em que se baseia a verdade de tais enunciados? Também no caso deles a negação dos mesmos acarreta uma contradição. Por exemplo: A negação do segundo enunciado diz: "Não é o caso que se todos os homens são mortais e todos os gregos são homens, todos os gregos são mortais" - formulado de outro modo: "Se todos os gregos são mortais e todos os gregos são homens, alguns gregos não são mortais". Essa frase contém uma contradição. Pois se alguns gregos (de acordo com a última frase componente) não são mortais e todos os gregos são homens, então alguns homens não são mortais e contudo (com base na primeira frase componente) são mortais. E a contradição nessa frase resulta, nesse caso, não das relações entre conceitos (pois podemos variá-los à vontade sem que algo seja alterado quanto à verdade necessária do enunciado inteiro),mas sim evidentemente da forma desse enunciado, e isso significa: do significado das palavras formais que ocorrem nessa frase: "todos", "se-então" e "e". De modo análogo, a verdade da primeira frase se baseia evidentemente apenas na significação das duas palavras "ou" e "não". Já nos deparamos no capítulo 2 com o fato peculiar de que Aristóteles considerou apenas frases predicativas. Essa limitação já forasuperada na lógica estóica, ela permaneceu contudo consideravelmente influente. O fato de Kant esclarecer o conceito de um juízo analítico meramente por referência a relações possíveis entre conceito-sujeito e conceito-predicado se funda nessa limitação. Então a diferenciaçãoentre juizos analíticose sintéticos,tal
Um enunciado é analiticamente verdadeiro se sua negação implica uma contradição.
Essa definição parece ser adequada, mas por usar o termo "implica" ela não é suficientemente explícita. O fato de uma contradição estar implicada significa que, se determinadas transformações são realizadas, resultará uma contradição explícita. Mas como estabelecer quais as transformações que são aí admissíveis? No caso particular ao qual Kant se ateve, foi mostrado que podemos substituir a expressão-sujeito por uma outra, através da qual ela é definida, ou, pode-se também dizer, por uma outra que tenha o mesmo significado. Isso pode ser agora generalizado: admissíveis são apenas aquelas transformações nas quais o significadopermanece o mesmo. Assim obtém-se a seguinte explicação: verdadeiras de um ponto de vista analítico são todas as frases que, sendo transformadas de modo que seu significadonão seja alterado, possuirão uma contradição em sua negação. E daí resulta a seguinte definição: É analiticamente verdadeira (ou falsa) uma frase cuja verdade (ou falsidade)se funda em seu significado. Essa explicação, hoje em dia a usua12,é a única que permite compreender por que pertence essencialmente ao conceito de frase enunciativa o fato de haver as duas possibilidades de enunciados: analíticos e sintéticos. Frases enunciativas, tal como vimos no capítulo 2, são frases que podem ser verdadeiras ou falsas; quem usa uma tal frase ergue uma pretensão de verdade, e isto significa que ele diz: assim como eu digo estão as coisas. O que significa "as coisas"? Poder-se-ia dizer um pouco vagamente: O que se tem em mente é o mundo. Uma frase enuncia-
2. Cl., p. ex., Quinton. "The A Priori and the Analytic". p. 1088.
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tiva está essencialmente relacionada ao mundo através de sua pretensão de verdade. Por "o mundo" entende-se neste caso, grosso modo, o que Kant entende por "experiência" e Leibiniz
No primeiro caso, o enunciado é então necessariamente verdadeiro; no segundo, necessariamente falso (é impossível ser verdadeiro). A verdade necessária não é então tanto uma distin-
por fatosquandoeste falade "verdadesde fato".A fraseé ver-
ção, mas sim uma deficiência: um enunciado analítico é implicitamente uma "tautologia", ele diz a mesma coisa duas vezes ("se p, então p"), e isso significa que ele, de certo modo, não diz nada, i. é, nada sobre o mundo. Ele é de certo modo não informativo ("de certo modo" porque ele pode ser sempre ainda informativopara aquele que não vê a conexão dos significados das expressões que nele ocorrem). Deve-se indicar que a explicação dada até agora para "analítico" implica que se esteja voltado primariamente para a linguagem. Pois é naturalmente com relação a frases (enão a juízos) que se pode falar de um significado. Retomemos agora à questão sobre o que pode significar o fato de haver enunciados que são necessariamente verdadeiros e contudo não são analíticos (o que pode significar portanto a tese de Kant de juízos sintéticos a priori). O fato de eles não serem analíticos tem agora o sentido mais preciso de que sua verdade não decorre de seu significado. O que pode então significar "necessariamente verdadeiro"? Quanto aos enunciados analíticos podemos dizer que o fato de eles serem necessariamente verdadeiros está neles mesmos; esse fato se funda em seu significado. Se deve haver também enunciados que não podem ser falsos, embora seu significado deixe isto em aberto, e essa necessidade não seja entendida no sentido de uma necessidade meramente física (i. é, empírica), mas sim a priori, então esse "não-poder" só pode significar o seguinte: nós não podemos pensar que as coisas poderiam estar de outro modo. A necessidade só pode, portanto, ser entendida subjetivamente. Tem que se dizer então o seguinte: nós homens não podemos pensar, p. ex., que algo que não tenha uma causa possa ocorrer. Essa virada subjetivista da questão do a priori é evidente em Kant. Poder-se-ia talvez perguntar se o a priori analítico também não é subjetivo na medida em que ele remete à nossa compreensão. Certamente não é sensato falar de frases independentemente dos seres que as compreendem. Se compreendemos uma determinada expressão de tal ou tal modo, isto é contingente e, nessa
dadeira ou falsa dependendo de o mundo ser realmente assim. Como é que uma frase enunciativa pode se relacionar desse modo com o mundo? A isso responde Wittgenstein: Uma "frase,
se ela é verdadeira,mostra como as coisas estão" (Tractatus 4.022). "Compreender uma frase" - e isto quer dizer: compreen-
der seu significado - "significa saber qual é o caso se ela for verdadeira" (4.024). Aí está contido o seguinte: Se nós compreendemos uma frase, nós compreendemos uma possibilidade de como as coisas poderiam estar ("Na frase é, por assim dizer, montado de modo tentativo um estado-de-coisas"; 4.031),e nós compreendemos ao mesmo tempo que aquele que usa a frase afirma que as coisas estão realmente assim. A frase é informati-
va, expressaalgosobreo mundo,somenteporqueo significado dela consisteem escolheruma das duas possibilidadesexcludentes entre si. Se isso é aproximadamente a relação entre uma frase enunciativa, seu significado e o mundo, então pode-se simultaneamente compreender que tem que haver um caso-limite de frases enunciativas nas quais, apenas através de seu significado,já está decidido previamente que elas podem ser somente verdadeiras (ou somente falsas).Já que as frases enunciativas estão estruturadas, há o caso-limite em que as expressões componentes estão compostas de tal forma que se chega a uma mera repetição, p. ex., explícita no enunciado "Um homem é um homem", e implícita no enunciado "Um solteiro é um homem". Os significados das expressões componentes que apresentam em uma combinação normal uma posSibilidade de verdade podem, em combinações particulares, se repetir ou se anular implícita ou explicitamente3.
3. Com isso podemos aceitar de modo mais geral a tese de Leibniz e Kant de que todas as frases analiticas são implicitamente frases de identidade. Para a relação dessa definição com a explicação, acima, de "analitico", cL Quinton, p. 113s.
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de palavras substanciais (como, p. ex., "solteiro" e "casado") e aquelas frases que são analiticamente verdadeiras (ou falsas) com base em sua forma lógica, e isto significa: com base no significadodas palavrasformais(como"todos","e", "não").A frase "Se Pedro é solteiro, ele é não casado" é substancialmente ou materialmente analítica, enquanto que a frase "Se todos os homens são mortais e todos os gregos são homens, todos os
medida, também "subjetivo". Um exemplo trivial: é pensável uma língua que não possua uma palavra para "solteiro"e na qual não há sequer uma palavra para "casado" porque não há a instituição do casamento. Mas: Se se usam palavras de um modo determinado, então não depende mais de nós e de nossa capacidade de imaginação decidir quais enunciados são necessariamente ou impossivelmente verdadeiros com base em seu significado. Podemos deixar aqui em aberto a questão sobre o a priori sintético. Esse conceito é rejeitado por quase todos os filósofos mais recentes4. Isso tem a conseqüência de que hoje o a priori ou respectivamente o necessário é normalmente equiparado outra vez ao analítico, do mesmo modo que já havia sido feito por Leibniz; só que agora isso é feito com base no conceito mais abrangente de analítico. Notemos ainda que na filosofia analítica as relações aqui apresentadas foram problematizadas em duas direções. Primeiramente, Quine, no artigo "Two Dogmas of Empiricism" (1951),questionou a diferenciação entre frases empíricas e frases analíticas. A réplica mais importante contra Quine é a de Strawson e Grice no artigo "In Defense of a Dogma". Putnam desenvolveu em seu artigo "The analytic and the Synthetic" uma concepção que se apóia em Quine, sendo contudo menos extrema. Por outro lado, foi recentemente questionada por Kripke a estreita combinação dos conceitos "a priori" e "necessário"s. Voltaremos a isso nos capítulos 11 e 14.
gregos são mortais" é formalmente analítica. A analiticidade for-
mal desta frase se mostra no fato de sua verdade ser uma mera conseqüência da validade de um esquema formal correspondente de frases. Nesse caso, o esquema de frases tem a forma "Se todos os G são H e todos os F são G, todos os F são H". O processo de abstração, pelo qual um tal esquema é obtido a partir de uma frase, pode ser caracterizado como formalização. "F", "G" e "H" são símbolos artificiais com o objetivo de representar uma expressão substancial qualquer de um tipo determinado; eles são por isso caracterizados como variáveis. A lógica não se ocupa naturalmente daquelas frases particulares que servem de exemplos, como a frase sobre os gregos e homens; sua tarefa é investigar os esquemas de frases6que são logicamente válidos. Esse conceito de validade é definidodo seguinte modo: um esquema é válido se, e somente se, todas as frases dessa forma (e isto significa: todas as frases nas quais as variáveis do esquema são substituídas por expressões substanciais do tipo correspondente) são analiticamente verdadeiras. A frase sobre os gregos e homens é logicamente verdadeira porque ela é uma instância de substituição de um esquema válidocorrespondente. A frase "Se Pedro é solteiro, ele é não casado", ao contrário, é analiticamente verdadeira, mas não logicamente verdadeira, porque o esquema correspondente "Se a é um F, a é G" não é válido; ele não é válido porque a verdade de uma frase dessa forma depende do que é substituído por "a", "F" e "G".
Agora podemos retomar à questão sobre o sentido da verdade lógica ou, respectivamente, da necessidade lógica. Nem todas as frases analiticamente verdadeiras são logicamente verdadeiras. Temos que distinguir entre aquelas frases que são analiticamente verdadeiras (ou falsas) com base no significado
4. Uma exceção: Karnlah/Lorenzen, 5. Cf. Kripke, Nammg and Necessjty,
6. Neste ponto, como é freqüente, a terminologia varia. Quine, p. ex., emprega em Methads af Lagic, § 5, a palavra "esquema". Mates fala, ao invés, de uma "matriz"; ElementaI}' Lagic, capo 1, § 5.
Logjsche Propadeutik, capo 6, §§ 4-5. p. 34-39.
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o orientar-se por esquemas de frases e o emprego de símbolos como variáveis para expressões substanciais pertence constitutivamente à lógica e já está presente em Aristóteles. Contudo Aristóteles usou variáveis apenas para um tipo determinado de expressões, a saber: para os chamados termos gerais (d. capo 8) como "mortal", "grego", etc. De modo correspondente ele estava voltado para um único tipo de formalização. Pode-se contudo formalizar uma frase de vários modos, dependendo de quais expressões substanciais são substituídas por variáveis. Se tomamos, p. ex., a frase "AEuropa é um continente ou a Europa não é um continente", então podemos formalizar a frase primeiramente de modo a substituir tanto os nomes próprios como também os termos gerais por variáveis. Obtemos então o esquema "a é F ou a não é F". Podemos contudo dar também mais um passo e substituir as frases componentes inteiras por variáveis, deixando a estrutura interna das mesmas fora de consideração. O esquema que então obtemos com relação a esta frase é "p ou não-p". É usual hoje em dia se empregar as letras minúsculas "p", "q", "r" como variáveis de frases, as letras minúsculas "a", "b", etc. como variáveis para termos singulares (variáveis individuais) e as letras maiúsculas "F", "G", "H" como variáveispara termos gerais. Naturalmente isso é apenas uma convenção; o essencial é contudo que no esquema seja, de um modo ou de outro, identificável no lugar de que tipo de expressão substancial está uma variável. Também é importante a possibilidade, da qual fizemos uso no esquema há pouco citado, de que uma e mesma variável (aqui "p") seja empregada várias vezes. As instâncias de substituição de um tal esquema são apenas as frases que apresentam uma e a mesma expressão substancial em todos os lugares onde se encontra uma e a mesma variável. Nesse caso a validade do esquema e, com isso, a verdade lógica da frase enunciativa dependem dessa circunstância. Evidentemente podemos também formalizara frase sobre os gregos e os homens de modo a substituir as frases componentes inteiras por variáveis e a omitir a estrutura interna das mesmas. Obtemos então o seguinte esquema: "Se p e q, então r". Mas esse esquema não é, evidentemente, válido. Isso mostra que a verdade lógica da frase sobre os gregos e homens se funda naquela estrutura que se obtém ao se substituir os termos gerais
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por variáveis (ela é a chamada verdade da lógica dos predicados ou da lógica de classes), enquanto que a verdade lógica da frase sobre a Europa se funda naquela estrutura que se obtém ao se substituir as frases componentes por variáveis (ela é uma verdade da lógica dos enunciados). Quase todas as frases podem ser formalizadas de várias maneiras. Não há portanto a formalização de uma frase. Quanto ao conceito de verdade lógica temos: uma frase é logicamente verdadeira se há um esquema válido no qual ela pode ser formalizada. Continuamos ainda sem saber como se reconhece a validade de um esquema de frases. Isso pertence à lógica propriamente dita a qual não faz mais parte de nosso tema nessa propedêutica. No capítulo 7 será dada uma resposta apenas para a parte mais simples da lógica, a lógica dos enunciados. Pressupusemos até agora como intuitivamente inteligível a diferenciaçãoentre palavras substanciais e palavras formais,mas não a explicamos. Se é possível, como agora vimos, formalizar uma frase de vários modos, coloca-se a questão sobre se há um critério claropara essa diferenciação.Até hoje não foiencontrada nenhuma resposta satisfatória para essa pergunta. Não é clarose há um limite inequívoco que determine até onde frases podem ser formalizadas 10gicamente7.A diferenciação entre verdades material-analíticas e formal-analíticas (lógicas)não pode portanto ser traçada de um modo rigoroso. Poderemos contudo esclarecer um pouco mais, no capítulo 6, o conceito de forma lógica através da diferenciação entre a forma semântica de uma frase e a sua forma gramatical. INDICAÇÕES BmLIOGRÁFICAS: Sobre a "priori"e "analítico": Quine, "Two Dogmas of Empirícism". Grice/Strawson, "In Defense of a Dogma".
7. CL Strawson, Introduction to LOgjcal TheoIY, capo 2, §§ 9-15.
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Putnam, "The Analytic and the Synthetic". Quinton, "The A Prioriand the Analytic". Sobre implicação lógica: Tarski, "On the Concept of Logical Consequence".
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Strawson, Introduction to Logical Theory, capo 1, §§ 13-14; capo 2, §§ 9-15.
O PRINCÍPIODA CONTfRADIÇÃO
Mates, Elementary Logic, capo 1, § 5. Patzig, "Schluss".
o que se chama
"princípio da contradição" é o princípio segundo o qual é impossível que um enunciado que se contradiga seja verdadeiro. Para ser exato, ter-se-ia portanto que falar em princípio da contradição excluída. Vimos no capítulo 3 que um enunciado é necessariamente (analiticamente) verdadeiro se ele é verdadeiro devido ao mero significado das expressões nele utilizadas, e isso significa: a negação de um tal enunciado implica - devido ao mero significado das expressões nele utilizadas uma contradição. A verdade necessária de um enunciado se funda portanto na falsidade necessária de uma frase explicitamente contraditória; i. é, ela se funda na verdade necessária do princípio da contradição (excluída). Com isso se coloca a questão sobre o que exatamente o próprio princípio da contradição significa e onde se funda, por sua vez, a necessidade desse princípio.
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Ou será que é mesmo sensato se perguntar pela fundamentação de um tal princípio que é, de algum modo, último? O recuo na fundamentação não tem que encontrar um fim em algum lugar? Ora seria certamente insensato querer fundamentar a verdade necessária desse princípio através de um outro princípio qualquer; isso seria insensato porque se colocaria então de novo, com respeito a este princípio, a questão sobre sua fundamentação. Isso mostra apenas que não podemos buscar nessa direção a resposta à nossa questão; mas não mostra, que a questão enquanto tal não é sensata. A questão não pode ser: sobre o que (i. é, sobre que outro princípio se funda a necessidade do princípio da contradição? Podemos apenas perguntar em que se funda sua necessidade, em que ela consiste.
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Putnam, "The Analytic and the Synthetic". Quinton, "The A Prioriand the Analytic". Sobre implicação lógica: Tarski, "On the Concept of Logical Consequence".
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Strawson, Introduction to Logical Theory, capo 1, §§ 13-14; capo 2, §§ 9-15.
O PRIlNCÍPIODA CONTRADIÇÃO
Mates, Elementary Logic, capo 1, § 5. Patzig, "Schluss".
o que se chama
"princípio da contradição" é o princípio segundo o qual é impossível que um enunciado que se contradiga seja verdadeiro. Para ser exato, ter-se-ia portanto que falar em princípio da contradição excluída. Vimos no capítulo 3 que um enunciado é necessariamente (analiticamente) verdadeiro se ele é verdadeiro devido ao mero significado das expressões nele utilizadas' e isso significa: a negação de um tal enunciado implica - devido ao mero significado das expressões nele utilizadas uma contradição. A verdade necessária de um enunciado se funda portanto na falsidade necessária de uma frase explicitamente contraditória; i. é, ela se funda na verdade necessária do princípio da contradição (excluída). Com isso se coloca a questão sobre o que exatamente o próprio princípio da contradição significa e onde se funda, por sua vez, a necessidade desse princípio.
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Ou será que é mesmo sensato se perguntar pela fundamentação de um tal princípio que é, de algum modo, último? O recuo na fundamentação não tem que encontrar um fim em algum lugar? Ora seria certamente insensato querer fundamentar a verdade necessária desse princípio através de um outro princípio qualquer; isso seria insensato porque se colocaria então de novo, com respeito a este princípio, a questão sobre sua fundamentação. Isso mostra apenas que não podemos buscar nessa direção a resposta à nossa questão; mas não mostra, que a questão enquanto tal não é sensata. A questão não pode ser: sobre o que (i. é, sobre que outro princípio se funda a necessidade do princípio da contradição? Podemos apenas perguntar em que se funda sua necessidade, em que ela consiste.
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Se se quisesse, ao invés, rejeitar totalmente essa questão, então essa rejeição significaria que o princípio da contradição seria reduzido ao estatuto de mera pressuposição, de uma hipótese cega. Essa concepção segundo a qual a aceitação do princípio da contradição representa simplesmente um ato decisório, uma decisão prévia racionalista, é freqüentemente defendida. Seria então possível "decidir-se" contra esse princípio pelo fato de se defender um "irracionalismo" ou um racionalismo "dialético", pretensamente mais elevado, que incluiria a afirmação da possibilidade e realidade da contradição. Não deve ser discutido aqui se seria impossível "decidir-se" contra o princípio da contradição. É importante apenas que se explique o que uma tal decisão implica e isso é feito justamente ao se esclarecer o que se entende por esse princípio e em que consiste sua necessidade.
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Isso foi feito raramente. Entre os lógicos, o princípio é na maioria das vezes pressuposto simplesmente; também entre os filósofos apenas poucos se ocuparam dessa questão. A exposição mais importante do princípio da contradição, que em sua idéia fundamental não foi até hoje superada, se encontra na Metafisica de Aristóteles. A exposição contemporânea mais elucidativa está contida em Introduction to Logical Theory, de Strawson.
do "p" é falsode oposto contraditóriode "p". Isso nos fornece ao mesmo tempo uma outra formulaçãodo princípioda contradição equivalente à precedente: dois enunciados contraditoriamente opostOsum ao outronão podem ser verdadeirosao mesmo tempo. Ambas as formulações também já se encontram em Aristóteles (Metafisica 1006al; 1011b13s).Elas são válidas, de modo tOtalmente geral, para todos os enunciados, não importando a estrutura destes últimos. Aristóteles, no entanto, faz sua exposição do princípio da contradição voltado para o caso especial dos enunciados predicativos. Isso se explica, por um lado, pelo fatOde Aristóteles, como já vimos, considerar apenas enunciados predicativos. Em segundo lugar, essa limitação é, nesse caso, também justificada e exigida por razões de caráter conteudístico, já que, como ainda veremos mais tarde (13.4),a verdade e falsidadede todas as outras formas sentenciais remetem a essa forma e, por isso, é aqui, na forma predicativa, que tem que se expor o problema, na base, por assim dizer. Se aplicamos a formulação geral sobre o caso particular das
frasespredicativas,então obtém-seo seguinteresultado:"É ne-
O que se entende por "contradição"? Alguém se contradiz quando diz que algo é e ao mesmo tempo afirma que esse algo não é. Se tomamos "p" como uma variávelpara uma frase enunciativa qualquer, então toda contradição terá forma do seguinte enunciado composto: "p e não-p". Pode não ser sempre claro se uma frase determinada na qual ocorre um sinal de negação é a negação de "p". Trataremos de tal dificuldade no capítulo 5. Precisamos portanto de um critério claro por meio do qual possamos reconhecer uma frase dada como a negação de uma outra frase. Aqui nos auxilia a conexão entre negação e falsidade. Se negamos uma frase (ou o enunciado feitopor meio dela), afirmamos que ela (ou o enunciado feito por meio dela) é falsa. Uma frase "q" é portanto a negação de uma frase "p" (e está conseqüentemente no lugar de "não-p") se ela só é verdadeira quando "p" é falso. Chama-se também a frase que só é verdadeira quan-
cessariamente falso que a seja F e a não seja F". Mas já vimos em relação ao "não" que é problemático fixar o princípio da contradição em uma formulação verbal determinada. A formulação clássica do princípio da contradição dada por Aristóteles é a seguinte: "É impossível que um e o mesmo (predicado) se aplique e não se aplique, sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo, a um e ao mesmo (sujeito)"(1005b19s).Essa formulação se diferenciada formulaçãoformal,há pouco exposta, através do acréscimo "sob o mesmo aspecto" e "ao mesmo tempo"; Aristóteles ainda completa a formulaçãoacima citada com a observação: "e a isso sejam ainda acrescentadas as outras determinações adicionais devido às objeções lógicas". Por que esses acréscimossão necessários? Uma das objeções mais naturais ao princípio da contradição está em se dizer: é completamente possível que um e o mesmo predicado se aplique e não se aplique a algo; sem dúvida ele pode se aplicar ao ~bjetoem um momento e não se aplicar em um outro momento. E assim que Hegeltambém escreve o seguinte em sua Logik: "O movimento sensível exterior" é "a existência imediata" da con-
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tradição 1. Porisso Aristóteles acrescenta propositadamente a expressão "ao mesmo tempo". Mas o tempo é, na verdade, apenas um aspecto entre muitos outros sob o qual um predicado pode tanto se aplicar quanto não se aplicar a um objeto. Do mesmo modo que não há contradição quando um predicado se aplica e não se aplica a um objeto em tempos diferentes, não há também contradição quando um predicado se aplica e não se aplica a um objeto em lugares diferentes. Se uma tulipa for, com efeito, vermelha, mas possuir uma mancha branca, pode-se, dado o caso, responder veridicamente à pergunta "Essa tulipa é vermelha?" apenas com "sim e não". Essa necessidade de precisão de um enunciado predicativo pode surgir contudo também com respeito a outros aspectos. Mesmo que a tulipa tenha a mesma cor em todos os lugares, sob certas circunstâncias pode-se responder veridicamente à pergunta sobre se ela é vermelha apenas com "sim e não" (Ela é vermelha e contudo também não-vermelha), quando p. ex. o predicado "vermelho" é demasiadamente pouco preciso para atingir a nuance determinada de cor entre o vermelho e o violeta que a tulipa em questão possui. Aristóteles poderia então ter abandonado o acréscimo "ao mesmo tempo" porque este está contido no segundo acréscimo "sob o mesmo aspecto". O segundo acréscimo é contudo indispensável. já que não podemos saber antecipadamente quantos aspectos diferentes podem ser destacados, aspectos estes que exigiriam sempre mais uma vez um "sim e não"z. Esse acréscimo contém portanto uma indicação aberta para precisões eventualmente necessárias. Com respeito a isso pode-se ter a impressão de que quem quer preservar o princípio da contradição corre, por assim dizer, atrás daquele que consegue, sempre, mostrar mais uma vez contradições aparentes. Desse modo poáeria parecer quase arbitrário querer preservar o princípio da contradição. Por isso torna-se ainda mais premente a questão de sua fundamentação.
1. Hegel, Wjssenschaft
der Logik, t. 2, p. 59.
2. Cf. a exposição do princípio da contradição Without Ontology".
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feita por Nagel em seu artigo "Logic
Aristóteles trata desse problema na Metafisica N, 4. Ele indica inicialmente ser impossível que o princípio da contradição seja demonstrado diretamente (1006a5s).A única coisa que se poderia fazer seria refutar aquele que nega o princípio. Só que uma demonstração indireta normal através da refutação do oposto também não é possível, pois uma tal demonstração pressuporia que se pudesse indicar uma contradição na hipótese do opositor.Mas isso não poderia atingi-Io nesse caso em que sua hipótese consiste justamente na negação do princípioda contradição. A refutação tem que ter portanto um caráter especial. A única coisa que se quer que o opositor admita é que ele fala,que ele diz algo. E isso ele faria quando negasse o princípio da contradição. Se ele, ao contrário, não dissesse nada, então seria ridículo que se devesse argumentar com alguém que, por sua vez, não diz nada, "pois uma tal pessoa é, desse modo, apenas como uma planta". Ora, o que está implícitoquando alguém admite que diz algo? Dizer algo significa "dar algo a entender (semainein)tanto para si mesmo quanto para um outro"(1006a21). Dar algo a entender significaria contudo dar algo de determinado (horismenon) a entender (1006a24). Quem não desse uma coisa (algo de determinado) a entender não daria nada a entender (1Q06b7). No capítulo 1 já levantamos a questão sobre se a necessi-
dade do princípio da contradição
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e, com base nesta, sobre se
a necessidade da lógica em geral - se fundaria na essência do ser (da realidade), do pensar ou do falar. Aristóteles dá uma resposta inequívoca a esta pergunta: A condição de possibilidade para que se fale - e isto significa: para que se dê algo a entender - é que se fale algo de determinado3.
3. Aquelas demonstrações que fundamentam a necessidade de um princípio mostrando que aquilo que está dito nele é a "condição de possibilidade" de uma atividade sem a qual nós não poderíamos nos imaginar foram caracterizadas, na época mais recente, seguindo-se Kant, como "argumentos transcendentais". É assim que Kant tentou fundamentar determinados princípios - p. ex., a lei da causalidade - de modo que esses princípios representassem condições de possibilidade de nossa experiência. Nesse sentido a argumentação aristotélica sobre o princípio da contradição seria portanto um "argumento transcendental", já que aí é mostrado que o princípio da contradição é a condição de possibilidade para se íalar significativamente. No geral esses argumentos chamados transcendentais parecem contudo, se vistos formalmente, ser simplesmente exposições de relações analiticas. Só que a fundamentação do princípio da contradição assume aqui uma posição singular, pois ela não pode ser caracterizada como analítica já que todas as frases analiticas, por sua vez, se fundam no princípio da contradição.
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Ainda não está totalmente evidente como disso deve se seguir o princípioda contradição. Aristóteles tenta mostrar isso no texto subseqüente (1006a31s):Podemos dizer algo de determinado através de uma frase predicativa apenas quando o predicado significa algo de determinado. Contra isso erguem-se duas objeções. A primeira está no fato de predicados possuírem freqüentemente múltiplos significados. Essa objeção é, assim responde Aristóteles, irrelevante se pelo menos a pluralidade dos significados de uma palavra for, por sua vez, uma pluralidade determinada (1006a34-b2).A segunda objeção diz que os objetos aos quais aplicamos predicados têm sempre uma pluralidade (e talvez uma pluralidade indeterminada) de determinações. Aristóteles responde a essa objeção do seguinte modo: "O (predicado) 'homem' não somente é aplicado a um objeto, mas também significa algo determinado" (1006b14).Usando uma terminologia atual. pode-se dizer que há que se diferenciar,portanto, entre o significado do predicado e o objeto ao qual ele é aplicado. Enquanto o objeto está, com efeito, dado em uma multiplicidade indeterminada de aspectos, o significado do predicado tem que ser um significadodeterminado de modo inequívoco. Aristóteles conclui então seu pensamento do seguinte modo (1006a28-34): Se um predicado (p. ex., "homem") significa algo de determinado, então ele não pode significar ao mesmo tempo o seu oposto (p. ex., "não-homem"); é portanto impossível que, quando se diz, veridicamente, de algo que este algo é um homem, se possa dizer ao mesmo tempo também veridicamente deste algo que ele não é um homem. Por mais convincente que seja o princípio da argumentação aristotélica, os últimos passos não podem ser satisfatórios. O valor posicional que a palavra "não" possui em conexão com a determinação do predicado não é mostrado de um modo realmente claro. Com respeito à determinação do predicado, a objeção adicional de que muitos (ou talvez todos) os predicados são vagos também permanece fora de consideração. No que toca essa questão podem nos auxiliar as reflexões de que se serve Strawson para o esclarecimento do princípio da contradiçã04. Enquanto que em Aristóteles tem-se a impressão
de que o predicado representa algo de fechado em si, algo que é ligado de algum modo ao objet05, Strawson compreende o predicado, de antemão, a partir da função que ele, relacionando-se ao objeto, desempenha no discurso (em um ato de predicação) : "Um dos fins principais para os quais empregamos a linguagem é o de relatar acontecimentos e descrever coisas e pessoas. Tais relatos e descrições são como que respostas a perguntas da forma 'como era isso?', 'como é isso (ele, ela)?' Descrevemos algo - dizemos como ele está constituído - ao usarmos palavras para isso, palavras que também estamos dispostos a usar para outras coisas. Contudo não para todas as outras coisas. Uma palavra
que usássemospara todas as coisassem exceção (...) seria inútil para as finalidades da descrição. Pois, se dizemos como uma coisa está constituída, então nós não apenas a comparamos com outras coisas, mas também a diferenciamos de outras coisas (Estas não são duas atividades, mas sim dois aspectos de uma mesma atividade)".6
É evidente que as palavras das quais fala Strawson aqui são justamente aquelas que são também caracterizadas por ele no restante do texto como predicados7. O sentido do emprego de um predicado - sua função - é, segundo Strawson, o fato de classificarmos (compararmos-e-diferenciarmos)através dele um objeto. O contraste entre o "é assim" e o "não é assim" pertence portanto, de antemão, ao sentido do predicado, predicado este que não podemos de modo algum entender independentemente do ato de predicação que é expresso no enunciado predicativo inteiro. O uso de um predicado pressupõe - assim esclarece Strawson no texto subseqüente - algo como o traçar uma fronteira: ao
5. Isso se conecta com a concepção da predicação sobretudo a crítica dessa concepção no capo 6.
como síntese,
cf. capo 3 e
6. Strawson, Introduction to Logjcal Theory, p. 5.
4. Cf. Strawson, Introduction to Logical Theory, capo 1.
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7. Estamos ainda usando aquí o termo ambíguo "predicado". A explicação dada por Strawson já corresponde contudo à explicação puramente semàntica que daremos para "termos gerais" no capo 6.
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aplicarmos o predicado a um objeto, damos a entender que o objeto se encontra de um lado dessa linha de fronteira e não do outro. Essa descrição permite que a relação salientada por Aristóteles entre o sentido do falar como um dar-algo-a-entender e a determinação seja compreendida mais claramente do que o permitiram as exposições do próprio Aristóteles: a razão de nós, ao dizermos algo, dizermos algo de determinado está no fato de uma predicação só poder ser informativa (e isso significa justamente: poder dar algo a entender) quando é afirmado com ela que o objeto está de um e não do outro lado da linha de fronteira, traçada através do predicado. Pode-se agora formulartambém o ganho para o princípio da contradição de modo concludente: se o valor informativode uma predicação consiste no fato de, através dela, um objeto ser colocado de um lado ao invés dedo outro lado de uma linha, segue-se imediatamente que, se colocamos o objeto tanto de um quanto do outro lado da linha, o valor informativo do enunciado é igual a zero. A formulação de Aristóteles pode ser aqui rigorosamente aceita: Não demos, no sentido estrito, nada a entender. Comportar-nos-íamos como se, no jogo de xadrez, fizéssemos um lance e imediatamente depois recuássemos o lance.
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Pode-se agora eliminar um equívoco que vinha sempre escapando aos filósofosque não esclareceram a estrutura exata da predicação. É que de acordo com a exposição de Aristóteles desse assunto poder-se-ia ser levado a dizer o seguinte: "Todo predicado é portanto algo de determinado e, enquanto tal, algo de diferente de todos os outros predicados. Disso teria que se seguir o fato de já surgir uma contradição quando dois predicados diferentes são atribuídos a um objeto, p. ex. ele ser vermelho e ser anguloso. Pois o ser-anguloso não é idêntico ao ser-vermelho. Se portanto se diz de um objeto que ele é vermelho e anguloso, isso parece ser o mesmo que dizer que ele é vermelho e não vermelho". E quem tem uma tendência para a 'dialética' acrescentará: "Isso mostra que a realidade assim como nossa linguagem são em si contraditórias; lógico formal evade essa intuição apenas por meio de diferenciações ad hoc". A exposição de Strawson mostra onde está o erro neste equívoco. A determinação de um predicado não está no fato de este
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predicado estar diferenciadode todos os demais predicados, mas sim no fato de o objeto ser diferenciado de outros através deste predicado. Se alguém diz "Isso não é vermelho", ele afirma apenas que o objeto está no outro lado da linha traçada pelo predicado. Isso não ~xcluicertamente possíveis enunciados positivos determinados. E que nós também podemos empregar um predicado positivopara o outro lado da fronteiratraçada pelo predicado. Ao invés de dizer "Isso não é curvo", podemos dizer "Isso é reto". Podemos, no entanto, também - e esse é o caso mais comumna linguagem - subdividir, por sua vez, o campo deixado em aberto para além da fronteira através do traçamento de outras fronteiras, como fazemos, p. ex., quando dividimos o âmbito para além da fronteira traça da por "vermelho"em azul, amarelo, etc. Os predicados "vermelho", "azul", "amarelo",etc. estão em um plano e portanto se excluem reciprocamente do mesmo modo que "vermelho" e "não-vermelho". Strawson usa nesse contexto o termo "âmbito de incompatibilidades" (p. 6). Os predicados "vermelho", "azul", "amarelo", etc. pertencem ao mesmo âmbito de incompatibilidades. Um âmbito de incompatibilidades é definido do seguinte modo: dois predicados "F" e "G" são incompatíveis um com o outro, i. é, pertencem a um âmbito de incompatibilidades, se o enunciado "a é G" implica o enunciado "a não é F" e o enunciado "a é F" implica o enunciado "a não é G". Uma vez que "a é G" é apenas um caso de "a não é F" (se "F" e "G" pertencem ao mesmo âmbito de incompatibilidades), "a é G" tanto está em contradição com "a é F" como com "a não é G". Uma vez que um predicado como, p. ex., "anguloso" não está em um âmbito de incompatibilidades com "vermelho" (i.é, não está no mesmo campo de traçados predicativos de fronteiras),ele pode, naturalmente, apesar de não ser idêntico a "vermelho", ser aplicado ao mesmo objeto a que se aplica "vermelho".A idéia de que existiria um tipo de contraditoriedade no fato de uma coisa ter várias qualidades não idênticas umas com as outras se apóia portanto em um equívoco sobre o valor Posicional da palavra "não" ou em uma confusão do "é" no sentido da cópula e do "é" no sentido da identidade (cf. sobre isso capítulo 12). Com auxílio dos esclarecimentos de Strawsonpodemos agora esclarecer também mais precisamente em que sentido o princípio da contradição também é válido quando o predicado em-
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pregado não está perfeitamente determinado. Foi mostrado que uma predicação consiste essencialmente no fato de um objeto ser colocado de um lado da linha de fronteira classificatória, ao invés de ser colocado do outro lado. Surge uma contradição quando se coloca o objeto de um e também do outro lado dessa fronteira. A fronteira é, contudo, sempre mais ou menos pouco precisa. É essa circunstância que leva a dificuldades naqueles casos em que se mostra que o objeto se encontra justamente no risco pouco claro entre os dois campos. Pode-se então, como já vimos há pouco, responder apenas com "sim e não" à pergunta sobre se o objeto é, p. ex., vermelho, e é legítimo em tais situações responder desse modo. É legítimo pressupondo-se que se esteja disposto a precisar até que ponto "sim" e até que ponto "não", p. ex. pelo fato de o objeto ser apenas parcialmente vermelho ou estar na fronteira entre o vermelho e o violeta ou algo de semelhante. Apenas quem não está disposto a fazer nenhuma precisão deste tipo, quem diz "Eu não tenho nada disso em vista; tenho em vista exatamente aquilo que digo, a saber: que ele é vermelho e não é vermelho", é que se contradiz,e isto significa, como vimos nesse meio tempo, que, ao dizer algo e retirar de novo imediatamente esse algo, ele não diz nada. O princípioda contradição não pressupõe portanto, de modo algum, que tenhamos predicados perfeitamente determinados; ele (ou, melhor dito, o sentido da predicação) implica contudo sermos forçados, em situações determinadas, a determinar mais precisamente nossos predicados. O "ser determinado de modo mais preciso" é portanto algo que não existe de antemão, mas sim algo que surge de modo progressivo justamente através do princípio da contradição. Essa é também a razão por que não se pode enumerar antecipadamente todos os aspectos limitadores que, como vimos, seriam necessários em uma formulação formalista do princípio da contradição. Torna-se agora também inteligível por que quem se mantém preso ao princípio da contradição tem que, de certo modo, sempre correr atrás daquele que consegue apresentar constantemente novas contradições aparentes. A tens~o aqui existente é uma tensão entre o sentido da predicação, o qual exige uma determinação no sentido de um "sim ou não", e os predicados que estão efetivamente à disposi-
Poder-se-ia ainda perguntar o que significa esse "então não se Pode"? O que significa essa impossibilidade? E o que signifIca dizer que o princípio da contradição é 'válido'? Essas expressões têm todas em si algo de equivocante, pois elas podem dar a impressão de que uma força qualquer estaria instalada na
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ção, os quais estão sempre apenas mais ou menos determinados. Isso nos leva finalmente à questão sobre se talvez, através da natureza da realidade, não se poderiam traçar limites à possibilidade de uma determinação que progrida continuamente. Isso pode de fato se dar. A relação de indeterminação na física é um exemplo. Só que tem que se ter exatamente claro o que uma tal situação acarreta como conseqüência. A conseqüência é que, em âmbitos determinados, não se pode mais fazer nenhum enunciado referente a certos aspectos de um objeto. Isso não acarreta contudo a conseqüência de que o princípio da contradição não seria mais válido nesses âmbitos. O princípio da contradiçãosempre pressupõe que se possa dizer algo de determinado e, quando isso não é possível, não podemos também dizernada que pudéssemos contradizer. O princípio da contradição não é uma lei sobre a realidade; a necessidade que ele expressa se funda no significado de nossas expressões verbais, especialmente no significado das duas expressões "não" e "é", e no significado da formada predicação. Sob este aspecto passa-se com o princípio da contradição exatamente o mesmo que com toda frase analítica. O fato de uma frase analítica ser necessariamente verdadeira significa que ela é sempre válida para a realidade, mas ela é válida para esta simplesmente por ser mera conseqüência do fato de determinadas palavras estarem em uma relação significativa determinada. A frase "Se alguém é solteiro, ele é não casado" é necessariamente verdadeira independentemente de se há ou não solteiros; e o princípio da contradição é necessariamente verdadeiro independentemente do fato de se poder ou não fazer enunciadossobre algo. Só que: Se um ser na realidade é solteiro, então ele não pode ser casado; e se é possível fazer um enunciado sobre algo, então não se pode fazer o enunciado oposto sobre este algo.
realidade, ou na linguagem, ou mesmo em nosso pensamento, ou de que reinasse aí uma lei sobre o céu e a terra a qual não se poderia transgredir. No entanto, o fato de uma frase analítica ser válida - de não poder ser de outro modo - significa meramente que, se ela não fosse válida, haveria uma contradição - e não significa nada além disso. E o fato de o princípioda contradição, por sua vez, ser válido significa meramente que, se ele não fosse válido, não diríamos nada, nosso próprio falar seria suprimido e não significa nada além disso. INDICAÇÕES BmLIOGRÁFICAS:
5~ CARACTIERJSTICASBÁSICAS DA LÓGICA TIRADICIONAl: TEORJA DOJUiZO E SIlOGÍ5TIICA
Aristóteles, Metafisica N, 3-4. Nagel, "Logic Without Ontology". Strawson, Introduction to Logical Theory, capo 1, §§ 1-8. Patzig, "Widerspruch".
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A lógica tradicional, no sentido
estrito de lógica da inferência, consistia na silogística. Aristóteles definiuuma inferência (syllogismós) como uma frase (lógos) na qual, se se aceitam como dadas determinadas coisas, segue-se necessariamente uma outra diferentedas inicialmenteaceitas (Analyticapriori 24b18s). Contudo Aristóteles só considerou aquelas inferências nas quais uma conclusão predicativa resulta de duas premissas predicativas, pois ele se limitou, como já vimos no capítulo 2, à forma predicativa de frases enunciativas. Já sabemos que Aristóteles concebe as frases predicativas como consistindo de um nome e de um verbo. O nome nos dá o sujeito do qual algo é dito, e o verbo nos dá o predicado que é dito do sujeito. Contudo tais frases em que algo é dito de algo não parecem ser todas iguais. Consideremosos três exemplos a seguir: 1) Sócrates anda. 2) Todos os homens são mortais. 3) Alguns homens não são sábios.
Inicialmente ocorre que apenas (1)consiste exatamente de duas palavras, um nome e um verbo, enquanto que o predicado em (2)é "é mortal", sendo portanto composto do adjetivo "mor-
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tal" e da palavra "é"; o predicado determinado aparece, neste caso, no adjetivo, enquanto que a palavra "é" expressa a conexão entre o conceito sujeito e o conceito predicado, sendo ela por esta razão caracterizadacomo cópula (do lat. copulare'conectar'). Poder-se-ia dizer, com Aristóteles, que essa forma com "é" é a básica, pois a "conexão" entre o conceito sujeito e o conceito predicado, mesmo que ela não seja visívelna superfície, tem que estar também contida em (1),implícita no verbo "anda". Aristóteles esclarece isso ao dizer que, ao invés de "anda", se poderia dizer "é andante" (Metafisica 1017a28s). Contudo devem-se ainda observar outras diferenças. Assim, (1)é um enunciado sobre um objeto individual determinado, enquanto que em (2)é dito algo sobre a totalidade dos homens -
ou, comotambémse pode dizer,sobrea classedos homens- e em (3) é dito algo sobre uma subclasse dessa classe. De modo
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análogo, a cópula em (2)e (3)não está no singular, mas no plural. Poder-se-ia contudo, ao invés da formulação "Todos os homens são mortais", dizer "Todo humano é mortal". Na lógica tradicional, os enunciados chamados singulares como (1) possuem apenas um pequeno papel. Aristóteles assimilou-os aos enunciados universais como (2); e de certo modo isso parece sensato já que se pode dizer que em ambos os casos o predicado se aplica sem exceções ao sujeito (et. Kant, Logik, § 21, nota). Ainda veremos que essa assimilação encobre diferenças importantes. Além disso permanece ainda a diferença entre "todos", "alguns" e "nenhum", pertencendo este último também à mesma série de expressões. Enunciados que começam com essas palavras são chamados enunciados gerais. Finalmente há ainda uma terceira diferença: (3) contém a palavra "não", isto é: (3)é um enunciado negativo, enquanto que (1) e (2)não contêm nenhuma expressão de negação e são caracterizados por isso como enunciados positivos ou afirmativos. Os juízos que Aristóteles considera têm portanto a forma Todo/Algum/Nenhum S é / não é P. ~
Sujeito
que o próprio Aristóteles utiliza tais letras variáveis), os quais podem ser substituídos por palavras conceituais determinadas ou, como também se diz, por termos. A expressão "termo" tem origemno próprio Aristóteles. Ele a introduz na Analytica priora (24b16s)do seguinte modo: "Chamo, contudo, um termo àquilo em que a premissa é analisada, i. é, àquilo que se predica e àquilo de que se predica, sendo que se acrescenta 'é' ou 'não é'. "Terminus"é a tradução latina da palavra grega "hóros", empregada por Aristóteles1 "8" e "P" estão portanto no lugar dos termos do juízo. O fato de um juízo ser positivo ou negativo é caracterizado como sendo sua qualidade; a diferença entre "todos" e "alguns", como sendo sua quantidade (sobre essas diferenciações, cf. Aristóteles, Analytica priara 24a16, onde elas aparecem pela primeira vez). Enunciados sobre "todos os 8" ou "nenhum8" são chamados universais;enunciados sobre "alguns S" são chamados particulares. 8e se combinam entre si as diferenciações quanto à qualidade e as diferenciações quanto à quantidade, então se obtêm quatro formas possíveis de juízos gerais: A Todos os 8 são P universal positivo E Nenhum S é P universal negativo particular positivo I Alguns 8 são P O Alguns 8 não são P particular negativo Pode-se agora tornar claro que entre essas quatro formas de juízos2existem determinadas relações. Se negamos um enunciado da forma A, então obtemos um enunciado da forma O. Por ,
1. Em alemão é usual até hoje o emprego da expressão latina. A palavra "Term" que entretanto é encontrada com freqüência no lugar de "Terminus" é um neologismo desnecessário, no qual foi simplesmente tomada a tradução mglesa do lat. "terminus" (isso não diz respeito ao uso determinado da palavra "Term" na matemática e na fisica, onde ela tem significados próprios e não o seu significado clássico-lógico). "
2. As letras "A", "E", "I", "O" são auxilias para nossa memória; pensa-se quanto a A" e "I" em "afirmo" (lat., 'eu afirmo'); quanto aos esquemas que contêm uma expressão negativa, pensa-se em "nego" (lat., 'eu nego').
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"s" e "P" são marcadores de lugar (já indicamos no capo 3
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exemplo: Se não é o caso que todos os filósofossejam tediosos, então isso significa que alguns filósofos não são tediosos3. De modo análogo, se negamos um enunciado da forma E, obtemos um enunciado da forma I: Se não é o caso que nenhum filósofo seja tedioso (e isso significa que não é o caso que todos os filósofos não são tediosos), então isso significa o mesmo que dizer que alguns filósofos são tediosos. Corno vimos no capítulo 4, aquela frase que é verdadeira exatamente quando "p" é falso é chamada o oposto contraditório de "p". Podemos portanto dizer que A e O, assim corno também E e I, estão em urna relação contraditória (Aristótelesa chama de antiphasis), que A e O ou E e I se contradizem, que eles não podem ser, ambos, verdadeiros.
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A e E também estão em uma certa oposição, contudo de um modo mais fraco; eles são juízos contrários (Aristóteles usa a expressão enantia; cf. De interpretatione 7).Na verdade também é válido com respeito a A e E que eles se contradizem, que eles não podem ser verdadeiros ao mesmo tempo. Mas E não é a negação pura e simples de A, mas sim - poder-se-ia dizer apenas um caso particular da negação de A: o fato de não todos os filósofosserem tediosos (negação de A) é tanto o caso se um único não é tedioso como também se três ou cem ou todos não são tediosos. E é portanto apenas um caso possível da negação de A e "entre" A e E há os outros casos mencionados. A e E, na verdade, não podem portanto ser ao mesmo tempo verdadeiros, mas podem ser ambos falsos ao mesmo tempo, sendo um terceiro juízo verdadeiro. Com A e O ocorre algo diferente, pois eles estão em urna relação direta de negação: Ou todos os filósofos são tediosos ou não todos os filósofossão tediosos (i. é, alguns
3. Já é mesmo suficiente que um único não seja tedioso. A expressão "alguns" é usada na lógica com o mesmo sentido que "pelo menos um". Isso não corresponde, com efeito, ao uso da linguagem ordinária, onde só falariamos de "alguns" quando houvesse mais de um. O fato de fi lógica se desviar, nesse ponto, da linguagem ordinária possui boas razões, já que desse modo, podem-se mostrar relações de implicação importantes. De resto, não é necessário considerar esse ponto como um problema porque a dificuldade poderia ser simplesmente eliminada ao se ler o "alguns" na lógica sempre como o "pelo menos um" da linguagem ordinária.
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-o O são). A e O não apenas não podem ser verdadeiros ao naesmotempo, eles também não podem ser falsos ao mesmo
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um dos dois tem que ser verdadeiro e o outro, falso. O
f:tOde, de dois enunciados contraditórios "p" e "não-p", sempre u "p" ou "não-p", ter que ser verdadeiro é chamado de lei do ~erceiroexcluído.Essa lei é portanto válida para enunciados contraditórios,mas não para enunciados contrários. O fato de essas duas espécies de oposições, a contraditória e a contrária, serem possíveis resulta aqui do fato de um juízo da formaA poder ser negado de dois modos. Pode-se primeiramente negar o enunciado todo; teríamos deste modo "não: Todos os S são p", resultando um enunciado contraditório com relação a A Emsegundo lugar o sinal de negação poderia estar no interior de A; teríamos deste modo: "Todos os S não são p", resultando um enunciado que está apenas em urna posição contrária com A O fato de ambos os tipos de negação serem possíveis e levarem a resultados diferentes já nos deveria tornar céticos face à teoria tradicional que concebe as frases gerais corno frases com uma estrutura simples de sujeito-predicado; esse fato leva-nos, ao invés, a supor tratar-se de frases com urna estrutura mais complexa (cf. capo 6).
A diferençaentre oposição contraditória e oposição contrária não possui importância apenas no caso dos enunciados gerais: ela é importante em geral. Lembremo-nos do conceito de predicados incompatíveis de Strawson (cap. 4). Havíamos visto que um predicado (p. ex., "vermelho") pertence respectivamente a um âmbito determinado de incompatibilidades ou, corno também se poderia dizer, pertence a um âmbito de possibilidades de predicação (p. ex., "cor") e com a atribuição de um tal predicado são excluídos todos os outros predicados que pertençam ao mesmo âmbito de possibilidades de predicação (p. ex., "azul","verde", "não-vermelho").Urna concepção semelhante já se encontra em Aristóteles (cf. Categorias,capo 10).Ele diz que predicados corno "vermelho", "azul", etc., que caracterizam objetos sob um mesmo aspecto, pertencem ao mesmo gênero. Há gêneros corno o das cores aos quais pertence toda urna série de predicados; há contudo também gêneros com exatamente apenas dois predicados (não só no caso de só termos faticamente
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dois predicados, sendo que, ao encontrar novas diferenciações, poderíamos introduzir, para tanto, outros predicados, mas sim também no caso de só poder haver essas duas possibilidades; p. ex.: um número é par ou ímpar; não há nenhuma terceira possibilidade). Podemos obter uma tal contraposição entre dois predicados em todos os outros casos, na medida em que reunimos, p. ex., através do predicado "não-vermelho",todos os predicados de cores excluídos pelo predicado "vermelho". É então válido para todos os objetos coloridos que eles têm que ser ou vermelhos ou não-vermelhos, que não há nenhuma terceira possibilidade. Isso significaque o princípiodo terceiro excluído é valido para este caso, que a relação dos predicados ou dos juízos correspondentes é portanto contraditória. Mas entre os predicados particulares de um gênero com mais de duas espécies só existe uma oposição contrária. Há na verdade uma contradição entre o juízo "O livro é vermelho" e o juízo "O livro é azul", mas o princípio do terceiro excluído não se aplica aqui; os juízos podem ser ambos falsos ao mesmo tempo, p. ex., se o livro for preto. Voltemos,após esta digressão que visava esclarecer a possibilidade mais geral do emprego da diferenciação entre juízos contrários e contraditórios, aos juízos gerais da tradição lógica. Uma relação semelhante à que existe entre A e E existe entre I e O; não se trata contudo da mesma relação. Os enunciados "Algunsfilósofossão tediosos" e "Algunsfilósofosnão são tediosos" não se contradizem, podendo portanto ser ao mesmo tempo verdadeiros. Suas negações contudo se contradizem: "não: alguns filósofossão tediosos" (i. é: "Nenhum filósofoé tedioso") e "não: alguns filósofosnão são tediosos" (i.é: "Todos os filósofos são tediosos") se contradizem. Enquanto que A e E podem ser, ambos, ao mesmo tempo falsos, I e O podem ser, ambos, ao mesmo tempo verdadeiros. O princípiodo terceiro excluido, portanto, também não é válido para I e O, e existe uma relação de contradição apenas para suas negações. Essa relação entre I e O foi caracterizada na lógica tradicional como subcontrária. Pode-se finalmente ainda considerar a relação entre A e I e entre E e O. É evidentemente válido para estes casos que A implica logicamente I (de "Todos os gatos são animais" segue-se "Algunsgatos são animais"), mas a recíproca não é válida: I não
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I:
'mplica A ("Se alguns animais são gatos, então todos os animais ~ão gatos" não é válido). Analogamente E implica O, mas a recíproca não é válida. Essa relação de implicação entre A e I ou entre E e O foi caracterizada como subalternação. As relações acima mencionadas podem ser classificadas no chamado quadrado das oposições: (Nenhum S é P) (Todo S é P) contrário
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Há ainda uma série de outras propriedades e relações entre A. E, I e O consideradas pela lógica tradicional. Mencionemos apenas um exemplo: as regras da conversão simples e da conversãoper accidens. Nas formas E e I é formalmente válido deduzir, a partir de um enunciado, seu inverso: A partir de "Nenhum S é P" pode-se inferir "Nenhum PéS"; a partir de "AlgumS é P" pode-se inferir "AlgumPéS". Essa conversão simplesnão funciona no caso de A; p. ex., a inferênciade "Todos os animais são gatos" a partir de "Todos os gatos são animais" não é válida; apenas a inferência do juízo mais fraco "Alguns animais são gatos" é válida neste caso. Essa conversão na qual não apenas os dois termos são trocados, sendo também a quantidade do juízoalterada, é chamada conversãoper accidens. Juízos da forma O, finalmente, não são conversíveis.
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As relações apresentadas entre as várias formas de juízos gerais já possibilitam deduzir, de modo formalmente válido, a partir de um único juízo dado outros juízos. Aristóteles contudo não considerou tais deduções como inferências no sentido próprio; uma inferência (syllogismós) tem lugar, para Aristóteles, apenas quando deduzimos algo de duas premissas. Como já foi mencionado no início do capítulo 5, Aristóteles, mesmo neste caso, não leva em consideração todas as inferênciasformalmente válidas, mas apenas aquelas cujas premissas são enunciados gerais de forma A E, I, O. Isso significa que a silogística aristotélica investiga apenas formas de inferência cuja validade se baseia exatamente na estrutura desses enunciados; e o característico desses enunciados consiste, para Aristóteles, como já vimos, no fato de eles serem enunciados da forma "8 é p", enunciados que contêm determinadas relações entre dois termos ou conceitos. Um exemplo de silogismo é: Todos os homens (M)são mortais (P) Todos os gregos (8)são homens (M) Todos os gregos (8)são mortais (P)
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Cada premissa contém dois conceitos dos quais um, o chamado terminus medius ou termo médio (M),é comum a ambas as premissas. M está numa relação determinada com 8 e numa relação determinada com P, e essas relações são de tal modo que permitem inferir uma relação entre 8 e P na qual o termo médio não mais ocorre. Há quatro figuras de tais silogismos: LM P n. P M III.M P N. P M 8M 8M M8 M8 8P 8P 8P 8P Dentro de cada uma dessas figuras há, por sua vez, várias formas, já que os juízos podem se diferenciarsegundo a quantidade e a qualidade. Por exemplo, as quatro formas válidas da primeira figura sã04: 4. AB expressões "Barbara", "Darij" , etc. também têm a função de auxiliar nossa memória, na medida em que as vogais contidas nos títulos são sempre aquelas que caracterizam as frases gerais correspondentes. Por exemplo: A caracterização "Barbara" torna claro que nesse silogismo tanto as duas premissas quanto também a conclusão são da forma A (i. é: Todos os S são P"). Ou tomemos "Feria": esse nome mostraria que a primeira premissa tem a forma E, a segunda, a forma I. a conclusão, a forma O.
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Feria Nenhum M é P Algum S é M j\ígum S não é P
Darii Todos os M são P Alguns S são M Alguns S são P Celarent Nenhum M é P Todo 8 é M Nenhum S é P
As outras formas possíveis da primeira figura não produzem inferênciasválidas. Em que consiste então o fato de muitas formas produzirem inferênciasválidas e outras não? Aristóteles não tem nenhuma teoria sistemática para mostrar como se podem diferenciar as formasde inferênciaválidas das não válidas. Ele diz, acerca das formasde inferênciaválidas da primeira figura, que sua validade é evidente imediatamente, razão pela qual ele caracteriza estes silogismoscomo perfeitos. Os outros são chamados imperfeitos porque sua validade só pode ser demonstrada por meio de vários procedimentos. Por exemplo, muitas formas podem ser transformadas por procedimentos baseados nas propriedades mencionadas dos diversos tipos de frases gerais, p. ex., através da conversãodos termos das premissas, sendo essa transformação de tal modo que eles assumem a forma da primeira figura e sua validade ou invalidade pode então ser reconhecida imediatamente. Aristóteles não explica em que se funda a evidência imediata das inferências da primeira figura. Na tradição posterior se disse que o princípio dessa evidência seria o dictum de omni et nu110.Esse princípio diz o seguinte: aquilo que vale positiva ou negativamente para tudo de uma espécie vale também positiva ou negativamente para todos os objetos determinados que caiam sob essa espécie. Contudo essa explicação também, no fundo, não é mais do que uma formulação mais explícita das formasválidas de silogismos da primeira figura.
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INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS:
Strawson,IntroduetÍon to Logjeal Theory, capo 6, §§ 1-5. Copi, IntroducUon to Logje, capo 5, §§ 1-5. Mitchell, An introducUon to Logjc, capo 2.
Kneale, The Development of Logje, li, 5-6.
6~ A CONCEPÇÃOATUALDA ESTRUTURA DE FRASES Sl1N6ULARLSE GERAIS; FORMA LÓGICO-SEMÂNTICA E FORMA GRAMATICAL
Vimos no capítulo 5 que a lógica tradicional diferencía os seguintes tipos de juízo: 1)juízos singulares. Exemplo: "Sócrates é um homem"
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2) juízos gerais a) juízos universais. Exemplo: "Todos os homens são mortais" ; b) juízos particulares. Exemplo: "Alguns homens são
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mortais".
Se nos voltarmos agora para a concepção moderna, não falaremos mais da estrutura dos juízos, mas sim da estrutura das frases (e, neste caso, pressuporemossempre se tratar de frases enunciativas), de acordo com a concepção lingüística em uso hoje em dia, oposta à orientação psicológica do início da modernidade(cf. capo1 e 2). As novas reflexõesda lógica moderna sobre a estrutura são independentes do fato de se pensar tratar -se de uma estrutura de frases ou de uma estrutura de juízos.
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Pode-se resumir a concepção tradicional a partir da perspectiva lingüística, de modo a se dizer que para a concepção tradicional todas as frases enunciativas simples são predicativas, i. é se compõem de sujeito e predicado. Veremos, logo a seguir, qU~ se podem compreender os termos "sujeito" e "predicado" também de um modo puramente gramatical. Na tradição, contudo, a compreensão gramatical desses termos esteve sempre ligada a uma compreensão semântica (uma compreensão baseada no significado). O que era entendido semanticamente por "predicado" e "sujeito" era o fato de a frase predicativa ter uma estrutura segundo a qual algo (aquilo no lugar de que está o predicado) é dito ("predicado") de algo (aquilo no lugar de que está a expressão-sujeito). Pode-se também formular isso do seguinte modo: O predicado está sempre no lugar de um conceito (ou de uma classe) e com a frase predicativa se diz que algo (p. ex., Sócrates, ou: todos os homens, ou: alguns homens) cai sob esse conceito (ou nessa classe). Com isso a concepção de que toda frase predicativa (ou todo juízo) está no lugar de uma composição ("síntese") se ligou a toda a tradição, desde Aristóteles até o século XIX: Em um juízo algo é ligado a algo (o conceito-predicado com o conceito sujeito); só que esse tipo de ligação difere, dependendo se ela ocorre em juízos singulares, universais ou particulares.
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6.1. Enunciados relacionais lQExemplol. A partir das premissas "Todos os círculos são fguras" e "Pedro pinta um círculo", segue-se a conclusão: "Pe~o pinta uma figura". Essa inferência é intuitivamente tão simples quanto o modo barbara e contudo a silogística não oferece nenhuma possibilidade para que se reconheça sua validade. Qual a razão disso? Lembremo-nos que um silogismo sempre pressupôs um terminus medius contido em ambas as premissas no lugar do predicado ou do sujeito. Um tal terminus medius está ausente aqui. A palavra círculo aparece, é verdade, em ambas as premissas, mas ela não é o predicado na segunda premissa (o predicado é, ao invés, a expressão "pinta um círculo"), sendo apenas parte do predicado. Só se pode portanto relacionar logicamente as duas premissas se se compreende de um outro modo a estrutura da frase na segunda premissa. Há, evidentemente, que se continuar a dividir o predicado complexo "pinta um círculo" em "pinta / um círculo". A expressão "pinta..." é uma expressão relacional. Outras expressões relacionais são, p. ex., "é maior que...", "é o pai de...". Tais expressões não indicam uma qualidade de um objeto, mas sim a relação em que um objeto se encontra com um outro, o qual é mencionado, então, na expressão complementar (p. ex., "um círculo"). Isso foi sempre observado (cf. Aristóteles, Categorias, capo 7). A mera subdivisão do predicado não ajuda neste caso. Frege encontrou a seguinte solução: Temos que dividir a frase de tal forma que ela se decomponha em duas partes que não sejam mais sujeito e predicado; ao invés disso, as duas partes são agora: a expressão relacional por um lado e um par ordenado de duas expressões-sujeito por outro; p. ex., a frase "Rolf é o pai de Kurt" consiste da expressão relacional "é o pai de" e do par ordenado {"Rolf", "Kurt"}. Isso significa agora o seguinte: Existe entre os dois objetos Rolf e Kurt a relação de ser-pai-de (Tem que se falar de um par "ordenado", porque, p. ex., os dois enunciados
Vamos ainda nos abster, por agora, da possibilidade de frases complexas (sobre esse tópico, cf. capo 7) e nos ater apenas a frases simples (não complexas). A concepção tradicional que apresentamos, segundo a qual todas as frases enunciativas simples são concebidas como frases predicativas, teve a conseqüência de que a lógica tradicional só pôde reconhecer aquelas relações de implicação entre frases simples que estão contidas na silogística. Pode-se agora facilmente tornar claro, por meio de exemplos, que também há outras implicações lógicas entre frases simples; esse fato deve contudo nos conduzir a uma nova concepção da estrutura dessas frases, já que todas as implicações lógicas se fundam na estrutura (forma) das frases (cf. capo 3).
§ 22. 1. Este exemplo e o exemplo seguinte são extraídos de Quíne, Methoclis af Lagjc,
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"Rolf é o pai de Kurt" e "Kurt é o pai de Rolf" são diferentes. No
caso especial onde a posição dos dois relativos é indiferentes fala-se de uma relação recíproca - cf., p. ex., as expressões rela cionais "é um parente de", "joga com"). Em nosso exemplo "Pe~
dro pinta um círculo" existe uma relação do pintar entre Pedra e
um circulo.E agorapode-se compreenderem que se fundaa implicação lógica. Pode-se, nesse caso, formulá-Iaintuitivamente mais ou menos do seguinte modo: Se existe uma relação entre um objeto a e um objeto que é B (211premissa) e tudo o que é B é também C (111premissa), então a relação também existe entre a e um objeto que é C.
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A importante novidade de Frege é que em um enunciado, no qual é dito que um objeto a se encontra em uma relação R com um outro objeto, a divisão semanticamente importante não é a divisão entre o sujeito e o predicado, mas a divisão entre a expressão relacional, por um lado, e as duas expressões que se referem a objetos, por outro. Às vezes essa nova concepção é também apresentada do seguinte modo: na verdade a expressão relacional é o predicado; lidamos então com um predicado de dois lugares que tem que ser completado não apenas por uma expressão-sujeito, mas por um par ordenado de expressões-sujeito. Há contudo menos possibilidades de equívocos se reservamos as expressões "predicado" e "sujeito" para seu sentido gramatical e diferenciamos entre a estrutura gramatical e a estrutura lógico-semântica. "Rolfé o pai de Kurt" está articulado gramaticalmente em "Rolf"(sujeito)e "é o pai de Kurt" (predicado); semanticamentea fraseestá articuladaem "é o pai de" e {"Rolf","Kurt"}. Veremos ainda como essa diferença entre estrutura gramatical e semântica deve ser entendida (6.3). 6.2. A estrutura das frases gerais
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ticular; nela ocorrem tanto a palavra "todos" como também paralavra "alguns". Uma vez admitidas relações lógicas de exa Pssões relacionais, a presente ampliação é facilmente compr:endida. Ao invés de se dizer de um particular que ele se P~contra em uma relação R com um outro, podemos dizer de ~guns (ou de todos os) F que eles se encontram nessa relação om alguns (ou com todos os) G (p. ex., "Todos os homens são ~escendentes de alguns deuses"; da mesma estrutura é também a frase - verdadeira - "Para todo número há um número maior", que se diferencia, de modo evidente, da frase - falsa - "Há um número que é maior do que todos os números"). Já a lógica escolástica observou este problema da chamada quantificação múltipla, mas ela não pôde torná-Ia transparente de um ponto de vista lógico porque ela permaneceu presa ao esquema sujeitopredicado. A solução desse problema é tida como o maior dos muitos desempenhos de Frege. Ele conseguiu isso ao analisar também de uma forma totalmente nova a estrutura das frases gerais simples, nas quais aparece apenas um quantificador (com esta expressão tem-se em vista as palavras "alguns" e "todos"). Coloca-se portanto a pergunta: O que entendemos, na verdade, quando dizemos algo como "Todos os cisnes são brancos" ou "Algumas formigas são roxas"? Essa pergunta é naturalmente idêntica à pergunta: Como se devem entender tais frases? Como se deve entender o significado de tais frases? Essa pergunta diz respeito à forma de tais frases, i. é, deixamos de lado as palavras substanciais particulares que aparecem nesses exemplos ("cisnes", "brancos", "formigas", "roxas"). A pergunta é então: Como devem ser entendidas as formas sentenciais "todos os... são..." e "alguns... são..."? O significado de cada frase concreta, p. ex., "Todos os cisnes são brancos", depende evidentemente do significado da forma sentencial "Todos os... são..." e do significado das palavras substanciais que nela aparecem, "cisne" e "branco". Isso pode ser também expresso do seguinte modo: O significado da frase concreta é uma função do significado da forma sentencial e do significado das palavras substanciais.
29 Exemplo. Consideremos a seguinte inferência de uma premissa apenas: "Há alguns filósofos aos quais todos os filósofos se opõem; portanto alguns filósofos se opõem a si mesmos". Uma tal inferência não se adequa mais ao modelo silogístico. Ela contém uma expressão relacional; mas agora acresce ainda uma outra coisa: a premissa não é nem apenas universal, nem apenas
. É evidente que não se pode recolocar a questão sobre o significado da forma das frases predicativas gerais de uma maneira fundamentalmente nova sem que ao mesmo tempo se co-
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loque novamente a questão sobre o significado da forma da frase predicativa singular. Esta questão nunca foi vista como um problema na tradição, porque sua resposta era tida como evidente do modo descrito na p. 66: O significado da forma sentencial pre~ dicativa singular foi compreendido como síntese, composição, e o significado da forma sentencial predicativa geral foi então, do mesmo modo, compreendido analogamente como composição.
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Essa concepção leva, já no caso da frase predicativa singular ("Sócrates é calvo"), a dificuldades. Naturalmente a própria forma lingüística - a frase - está composta pelas duas expressões componentes: sujeito e predicado. Mas será que disso se segue também termos de conceber o significado da frase como composto daquilo no lugar de que está o sujeito e daquilo no lugar de que está o predicado? Essa concepção tradicional pressupõe que tanto o sujeito quanto o predicado estejam no lugar de algo, no lugar de um objeto (ou, como também se diz, de uma entidade), pois falar de uma composição pressupõe que algo esteja composto com algo, um objeto com outro objeto. É evidente que a expressão-sujeito da frase predicativa singular está no lugar de algo. No exemplo acima, a expressão-sujeito "Sócrates" está no lugar de Sócrates, uma pessoa determinada2. Mas será que o predicado - a expressão "é calvo", em nosso exemplo - também está no lugar de algo? Ele não está evidentemente no lugar de um objeto no sentido corrente, ele não está no lugar de uma entidade que possa ser identificada no espaço e no tempo. Se o "predicado" "é calvo" estiver no lugar de algo, então seria algo
A idéia básica da nova concepção não foi formulada com toda nitidez pelo próprio Frege. Ela está contida no Tractatus de Wittgenstein e formulada de modo totalmente explicito apenas em Davidson3. Wittgenstein escreve que "compreender uma frase significa saber o que é o caso se ela for verdadeira" (Tractatus 4.024). Compreender o significado de uma frase significa portanto, de acordo com essa concepção, saber sob que condições ela é verdadeira. Essa concepção pode agora ser colocada no lugar da concepção tradicional do significado da frase. Compreender uma frase não significa: compreender no lugar de que objetualidade composta ela está (i. é, compreender o que está composto com o que), mas sim: compreender sob que condições ela é verdadeira.
2. É muito importante se diferenciar sempre claramente se se usa uma expressão (como "Sócrates") a fim de se falar de um objeto ou se se fala da própria expressão (do símbolo). No segundo caso, o próprio símbolo é o objeto do qual se fala e tem-se que usar uma segunda expressão para que se possa referir a esse objeto (ao símbolo). A possibilidade mais simples para uma tal referência ao simbolo está em usarmos a expressão "a expressão 'Sócrates'" ou, abreviando-se, simplesmente a expressão "Sócrates". O uso de uma expressão entre aspas é portanto uma convenção símples (que, com efeito, só é possível ça linguagem escrita) para a referência a uma expressão. Todos os autores modernos sernanticamente conscíentes aderem a essa convenção. O leitor deve então se acostumar a verificar precisamente se se fala de (p. ex.) Sócrates ou de "Sócrates", e deve também se apropriar ele mesmo dessa convenção a fim de evitar o perigo da confusão entre símbolo e referente.
-3. CL Davidson, "Truth and Meaning".
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mO o atributo ou a propriedade do ser-calvo. Atributos (ou coDceitos) são chamados objetos abstratos. Abordaremos essa cOoblemática no capítulo 8, limitando-nos aqui a constatar que prconcepção tradicional do significado da frase predicativa como ama síDtese pressupõe tratar -se aí de uma composição de um ~bjetO concreto (espácio-temporal) com um objeto abstrato; e issOleva a dificuldades que abordaremos no capítulo 8. Há uma alternativa? Seria um primeiro passo, dentro do aparatOconceitual tradicional, apresentado na p. 66, se se deixa de falar de uma síntese ou composição, dizendo-se apenas: Com uma frase predicativa singular dá-se a entender que o objeto no lugar do qual está o sujeito cai sob o conceito no lugar do qual está o predicado. Falamos agora de conceitos, ao invés de falar de atributos, e de "cair sob um conceito", ao invés de "estar composto com um atributo". Coloca-se, contudo, a questão sobre o que deve ser compreendido por esse" cair sob". Se a frase toda não deve mais ser entendida de modo que ela esteja no lugar de uma objetualidade composta - consistindo do significado do sujeito (ou do objeto no lugar do qual está este sujeito) e do significado do predicado (ou do objeto no lugar do qual está este predicado) - como deve ser então compreendida?
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Isso pode parecer inicialmente ininteligível; torna-se COntu- ' do imediatamente sensato se aplicamos essa idéia geral ao caso particular da frase predicativa singular. Uma tal frase (p. ex., "Só- ' crates é calvo") é, segundo Frege, verdadeira, se o objeto 110 lugar do qual está o sujeito (Sócrates) cai sob o conceito no lugar do qual está o predicado "é calvo". Isso pode também ser retratado, de forma puramente lingüística, do modo seguinte: a frase é verdadeira se o predicado convém ao objeto (Retomaremos 110 capo 8 à diferença entre essa formulação puramente lingüística e a formulação anterior que se refere ao conceito). Pode-se também dizer: Compreender uma tal frase significa compreender que ela é verdadeira, se esse objeto cai sob esse conceito, ou se o predicado convém a ele. Com isso se obtém uma concepção do significado (da compreensão) de uma frase predicativa singular, livre da idéia tradicional de que esse significado é algo no qual está composto com outro algo.
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Com esse novo modo de compreender a forma sentencial predicativa singular, Frege abre ao mesmo tempo uma nova perspectiva para a compreensão da forma sentencial predicativa geral. No que tocava às frases predicativas singulares, a dificuldade da concepção tradicional, baseada na síntese, consistia, apenas, no fato de que é problemático admitir para o predÍcado um objeto no lugar do qual ele estaria. Problemático, mas talvez possível. No caso das frases gerais, acresce a dificuldade adicional de que o sujeÍto ("todos os F", "alguns F") não está no lugar de um objeto. Enquanto que no caso do predicado pode-se ainda, em caso de necessidade, falar de um objeto no lugar do qual ele estaria (o atributo), no caso do sujeito das frases gerais, parece não existir uma tal solução circunstancial.
110~a~.Isso fica ainda mais difícil no caso de "algumas formigas". ~oconcepção tradicional era de que essa expressão estaria no I gar de uma subclasse da classe das formigas. Mas será que se t~m em mente com essa expressão uma subclasse determinada? Se dizemos, p. ex., "Algumas formigas são roxas", então isso Significaria o seguinte, de acordo com a concepção tradicional: "Há uma subclasse das formigas de modo que as formigas nela contidas são roxas". Aqui se repete, em primeiro lugar, a objeção já erguida contra "todos"; são as formigas que são roxas e não a subclasse. Em segundo lugar, o predicado não é aqui aplicado a uma subclasse delimitada de antemão; essa subclasse se delimita apenas por meio desse predicado. Não se pode portanto dizer (como se teria que dizer de acordo com a teoria que recorre à síntese) que o atributo está composto com a subclasse. O fato de essa concepção ser insustentável se torna especialmente claro quando se nega uma tal frase ou se assere que ela é falsa. Quando dizemos "É falso que algumas formigas são roxas", será
que queremos dizer que há um subconjunto (determinado) de formigasnão roxas? Claro que não. O que se quer dizer é que entre todos e quaisquer subconjuntos de formigas não há nenhum no qual as formigas nele contidas sejam roxas. "Há um subconjuntoqualquer das formigas..." é contudo uma formulação complicada de "há algumas (quaisquer que sejam) formigas...". A expressão "um subconjunto (indeterminado) dos "F" não está no lugar de um subconjunto (determinado)dos F e portanto não está no lugar de nada. Vemo-nosportanto forçados a rejeitar a concepção segundo a qual as expressões "todos os F", "alguns F" estariam no lugar de algo - de um objeto. Pode-se naturalmente dizer: elas estão "de algum modo" no lugar de muitos objetos. Mas então como se deve compreender o enunciado no todo? Será que ele ainda Podeser compreendido como uma composição? E será que ele Podeser compreendido na analogia com o enunciado predicativo SIngular?Quanto a este, nós chegamos ainda há pouco à seguin-
Mas vejamos se ela existe4, No lugar de que objeto está a expressão "todas as formigas"? No lugar da classe (do conjunto) das formigas? (Abordaremos melhor o conceito de classe no capo
4. Os seguintes parágrafos até o final de 6.2 correspondem em parte literalmente as exposições em Tugendhat, Vorlesungen zur Einführung in dle sprachanalytlsche Philosophle, p. 311-313. Sobre a crítica da concepção tradicional, cf. também Geach, Reference and Generality, capo 1.
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ressupondo no momento simplesmente uma compreensão 8, Pitiva).Mas se dizemos "Todas as formigas são venenosas", lD;~queremos com isso dizer que a classe das formigas-é vene11 a mas sim que as formigas - todas as formigas - sao vene-
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te interpretação: Um tal enunciado é verdadeiro se o predicado convém ao objeto. Mas isso não pode ser transferido para Os enunciados gerais, já que não temos neste caso um objeto.
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o" remete a outras frases, a saber: a frases singulares que se com respeito aos quais pode-se ' referem a objetos . FI particulares G dizer:Se isso e ,e e e .
A solução de Frege consiste em ele não mais compreender as expressões "algumas formigas", "todas as formigas", expressões estas que formam evidentemente uma unidade gramatical como uma unidade semântica tal como elas foram freqüente~ mente compreendidas na tradição. Essa nova proposta pode ser tornada inteligível com o auxílio de expressões lingüisticamente equivalentes. A frase "Algumasformigas são roxas" é semanticamente equivalente à frase "Há algumas formigas roxas" (ou também, mais simplesmente, "Há formigas roxas"). A expressão "algumas formigas" não está mais, nesta formulação, como sujeito, e ela não forma mais uma unidade. A frase "Há algumas formigas roxas" sugere que, ao invés de se desmembrar a frase original "Algumas formigas são roxas" do modo tradicional ("Algumas formigas I são roxas"), se desmembre a mesma do seguinte modo: "Algumas II formigas I roxas". De modo análogo teríamos agora também que desmembrar a frase universal do seguinte modo: "Todas as Ii formigas I venenosas". Teríamos assim isolado as expressões "algumas" ou, respectivamente, "todas as".
O que acabamos de dizer deve levar, informalmente, à exlicação formal de Frege. Esta se conecta ao que se obteve com p análise das frases predicativas singulares uma vez que agora :e pressupõe: compreende-se uma forma sentencial quando se compreende, para frases desta forma, qual é a sua condição de verdade. No caso presente tem-se o seguinte: a frase "Todos os F são G" (= "Cada coisa: se ela é F, então ela é G") é verdadeira se cada uma das frases "Se isso é F, então ele é G" é verdadeira. O que entendemos portanto quando compreendemos a forma sentencial "Todos os F são G" é que e como a verdade das frases dessa forma depende da verdade de cada uma das outras frases. Passa-se algo de totalmente análogo no caso das frases particulares. Quem diz: "Alguns F são G" quer dizer: "(Toma-se uma a uma) cada coisa: (então constatar-se-á que) uma ou algumas delas que são F são G". O enunciado remete neste caso também a enunciados singulares, agora, contudo, de tal modo que o enunciado é verdadeiro exatamente se ao menos uma frase singular qualquer "Isso é F e ele é G" for verdadeira.
Podemos, primeiramente, continuar utilizando outras equivalências lingüísticas. Ao invés de "todas as", podemos também dizer "cada". Se usamos a notação "cada Ii formiga I venenosa", então vemos que também há uma frase articulada de modo gramaticalmente semelhante na linguagem ordinária: "Cada coisa que é uma formiga é venenosa". Isso significa evidentemente o mesmo que: "Cada coisa: se ela é uma formiga, então ela é venenosa".
6.3. Estrutura gramatical e estrutura semântica
Por meio dessa formulação pode-se tornar agora inteligível a nova concepção de Frege. Pode-se dizer inicialmente (Frege não formulou deste modo): A expressão "cada coisa" em "Cada coisa: se ela é F, então ela é G" (ou a expressão "todos") não está no lugar de algo; ela contém, ao invés disso, uma instrução de como realizar uma ação: "Toma-se, uma a uma, cada coisa", e a essa instrução para uma ação se liga a asserção: "Se ela é F, então ela é G". Isso significa portanto: A frase "Todos os F são
No início do capítulo 6 indicamos que na tradição a estrutura gramatical e a estrutura semântica das frases não foram separadas claramente. Sobretudo a expressão "estrutura-sujeito-predicado" foi compreendida de forma a não se separar entre o aspecto gramatical e o semântico. A isso se liga o fato de que nem a expressão "estrutura gramatical" nem a expressão "estrutura semântica" eram claras. As reflexões desenvolvidas em 6.2 permitem que se tenha agora um conceito preciso da estrutura (ou forma) semântica de uma frase. Isso é possibilitado pelo fato de termos obtido um conceito determinado do significado de uma frase: Compreendemos o significado de uma frase se sabemos sob que condições ela é verdadeira. Também havíamos dito que o significado de uma frase (p. ex., "Todos os cisnes são
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brancos) depende do significado da forma sentencial ("todos Os são..") e do significado das palavras substanciais. Estes signÚi. cados juntos formam as condições sob as quais ela é verdadeira Mas o que significa compreender a forma sentencial? No cas~ particular de uma frase predicativa singular, a resposta fOi:Ela é verdadeira se o predicado convém ao objeto no lugar do qual está a expressão-sujeito. Com isto está mencionada uma regra geral de como a verdade da frase depende do significado de suas expressões componentes. Também no caso das frases gerais esbarramos em tais regras, só que aqui a verdade da frase depende da verdade de outras frases. Essas regras determinam portanto a estrutura semântica de uma frase. Elas não regulam como uma frase está composta por suas partes componentes, mas sim, no caso de uma frase composta de uma determinada maneira, de
que dependeseu significado- e isso significa:de que depende
sua verdade.
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Essa explicação pressupõe que possamos nos entender acerca do modo como a frase está composta por suas partes sem recorrer a seu significado; e isto significa: temos de poder descrever gramaticalmente a frase independentemente de todo o mais. Na lingüística atual5 a estrutura gramatical das frases é determinada de tal modo que não se precisa recorrer a seu significado. Isso acontece pelo fato de as frases serem desmembradas de tal modo que cada parte é determinada por uma dita classe de distribuições. Dois componentes sentenciais pertencem à mesma classe de distribuições (i. é, têm a mesma distribuição) se eles podem ocorrer no mesmo contexto verbal, i. é, podemser complementadospelasmesmasexpressõesde modo que o todo seja aceito como frase. Tomemos, p. ex., os dois componentes sentenciais "Pedro" e "todo homem". Em todo contexto no qual uma dessas expressões ocorre a outra pode também ocorrer. Elas têm portanto a mesma distribuição, pertencem à mesma classe gramatical.
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É portanto totalmente correto dizer que frases do tipo "Pedro . mortal" e frases do ~ipo "Todo homem é mor~a]" têm, de um e ntOde vista gramatlcal, a mesma estrutura. Vimos, no entanpo em 6.2, que sua estrutura semântica é totalmente diferente. ~'mos então que diferenciar precisamente estrutura semântica eestrutura gramatical. Foi aceito em 6.2 que, p. ex., as duas :ases seguintes "Algumas formigas são roxas" e "Há formigas oxas", do mesmo modo que a frase "Existem formigas roxas", ~ossuem a mesma estrutura semântica. Mas a estrutura gramatical dessas frases é evidentemente diferente. As expressões "sujeito" e "predicado" são hoje em dia usadas com freqüência de um modo ambíguo, pois são usadas tanto para o aspecto gramatical quanto para o semântico. Autores que usam "predicado" e "predicativo" de um modo semântico dizem então, p. ex.: "Frases gerais não são 'verdadeiramente' (e isto significa 'semanticamente') predicativas", ou: "O termo 'existe' não é 'verdadeiramente' (e isto significa 'semanticamente') um predicado". No emprego usualmente comum da expressão "cálculo de predicados", "predicado" também é compreendido semanticamente. Tais ambigüidades lingüísticas são inofensivas se se atenta para elas. Pode-se também, ao invés de usar ambiguamente "sujeito" e "predicado", compreender esses termos comopuramente gramaticais e, como faz, p. ex., Quine, caracterizar as "verdadeiras" expressões-sujeito como termos sjngulares
e os "verdadeiros" predicados como termos gerais. Estes
conceitos estão agora definidos semanticamente, mais ou menos do seguinte modo: Um termo singular é uma expressão que tem a função de referir-se a um objeto particular; um termo geral é uma expressão que tem a função de classificar e diferenciar objetos. Exemplos: "esse cavalo" ou "Pedro" são termos singulares; "algo" ou "todo homem" são expressões-sujeito, mas não são termos singulares. "Existe" é um predicado, mas não é um termo geral (como veremos no capo 11). A linguagem artificial que é usada na lógica atual tem (pelo menos em parte) o objetivo de usar uma gramática artificial e
padronizadade tal modoque 1Q a estruturagramaticalvisaex5. Ci. p. ex. Lyons. Introduction
p~essar mais transparentemente a estrutura semântica e que 2Q ha urna correspondência inequívoca entre estrutura semântica e
to Theoretical Lmgulstics. 4.2.
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estrutura gramatical (exclui-se que a mesma estrutura gramatical possa ter sentidos semânticos diferentes e vice-versa). Drn observador externo poderia facilmente pensar que essa linguagem artificial se afasta de nossa linguagem real. Mas isso é válido apenas gramaticalmente. A estrutura semântica de nossa linguagem real se torna mais clara nessa linguagem artificial do que ela é na gramática de nossa linguagem real. Examinemos essa gramática artificial no que toca à sua aplicação a frases singulares e gerais! Inicialmente são introduzidos símbolos para os termos singulares e gerais, a saber: são introduzidas geralmente letras minúsculas latinas "a", "b", "c" para termos singulares e letras maiúsculas latinas "F", "G", "H" para termos gerais. Expressões relacionais são um tipo de termo geral e são, igualmente, simbolizadas por letras maiúsculas latinas. Obtêm-se então, como frases elementares, as formas "Fa", "Rab". Segue-se então a convenção de que o termo geral é colocado sempre antes do ou dos termos singulares, e a série dos termos singulares que estão atrás da expressão relacional deve preencher a condição de que se trata de um par ordenado (cf. 6.1). "Pedro é mortal" é portanto simbolizado por "Fa"; "Pedra bate em Paulo", por "Rab". -~
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Comparemos esse simbolismo com aquele que foi apresentado no capo 3! Ali o simbolismo tinha o sentido de colocar variáveis no lugar de expressões substanciais. Aqui, ao contrário, traduzimos uma expressão da linguagem natural (p. ex., "Pedra") por uma expressão correspondente da linguagem artificial lógica (por exemplo "a"). A substituição de "Pedro" por "a" não é portanto nenhuma formalização; "a" não é uma variável individual, mas sim chamada de uma constante individual. A expressão "a" é meramente um representante da expressão "Pedro". Na lógica moderna, como veremos logo a seguir, são empregadas também as chamadas variáveis individuais: "x", "y", "z". Esses símbolos funcionam contudo como pronomes e não são variáveis no sentido lógico de uma formalização. No que se segue vamos nos satisfazer - tanto no caso dos símbolos para termos singulares ("a", "b", "c") como no caso dos símbolos para termos gerais ("F", "G", "R") - com uma ambigüidade ao deixarmos em abertO a questão de se eles significam, em cada caso, meras traduções
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II1preendidasainda de modo substancial) de expressões cor(C~pondentesda linguagem natural ou significam variáveis no r~ntidOdefinidono capítulo 3. Essa mesma ressalva vale para os s'II1bOIOS sentenciais "p", "q", "r" (cap. 7).Essa ambigüidade nos Slareceinofensiva porque fica claro em cada caso, a partir do ~ontextO,em que sentido os símbolos estão sendo usados, enquantOque, para evitar e?sa ambigüidade, teríamos que duplicar os símbolos usados. E importante que, em todos os casos,
tOdasas expressõessimbólicasusadasagora- quer elasfuncionem ou não como variáveis - tenham um sentido semântico claramentedefinido; é justamente através desse fator que se determinaa gramática da linguagem lógica artificial. Para compreender o simbolismo das frases gerais, partamos daquela formulação da linguagem natural na qual já pudemos reconhecer,acima, do modo maís fácil, sua estrutura semântica. "Cadacoisa que é F é G". Já vimos que isso deve ser compreendidodo seguinte modo: "Cada coisa: se ela é F, ela é G". E no casodas frases particulares podemos nos orientar pela forma da linguagemordinária "Há algo que é F e G". Os quantificadores ("cada", "alguns") são portanto colocados na frente. Deve-se agoraatentar para o fato de que, já nesta versão da frase particular,versão esta baseada na linguagem ordinária, há um pronome ("algo")atrás do quantificador, um pronome que, na frase subordinada, é retomado por um pronome relativo ("que"). Do mesmo modo, temos no caso da frase universal o pronome "cada" que é retomado pelo pronome relativo "que". Precisamos portanto, no simbolismo, de um símbolo correspondente para indicar essa retomada realizada pelo "que". Para a frase universal pode-se reformular a formulação acima, baseada na linguagem ordinária, da seguinte maneira: "Cada x: se x é F, x é G". De modo análogo, pode-se formular a frase particular da seguinte forma: "Alguns x: x é F e x é G". Os próprios quantificadores são então escritos do seguinte modo: "(x)" para "todos os x" ("quantificador universal"), "(:3x)" para "alguns x" ("quantificador existencial") entre a maioria dos autores anglo-saxões e "/\x" e "vx"
entre a maioria dos autores alemães (O próprio Frege usou um Outrosimbolismo). Assim obtém-se para "Algumas formigas são
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roxas" a estrutura "(::Ix)(Fx e Gx) para "Todas as formigas são venenosas", a estrutura "(x)(se Fx, então GX)"6.
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o inveja alguém" ou "(::Ix)Rax". Apliquemos agora essa qa-act:o mais uma vez sobre a frase que acabamos de obter (Jape ~a"já está fixado através de sua relação pronominal com o 1jIID~icadar existencial, temos agora de usar uma outra variáv~lin~vidual: "y"). Surge então a frase aberta "( ) inveja alguém'ou "(3x)RYX",Podemos agora também fech~r essa fras~ .aber~~or meiade um quantiflcador, p. ex., por meiOdo quantiflcadomliversal: "Todos invejam alguém" ou "(y) (3x)Ryx". O sentiQ~da frase que se obteve a partir dessa dupla operação depenMa ordem segundo a qual realizamos as duas operações. Se llíéssemas procedido de modo inverso, teríamos obtido a frase'Há alguém que todos invejam" ou "(3y) (x)Rxy". A esta constll\ão progressiva de um enunciado através do emprego de vNios quantificadores corresponde também uma dependência prOJressiva da verdade de um tal enunciado em relação à verdaoode outros enunciados: "(y) (::Ix)Ryx" é verdadeiro se "(::Ix)~", "(:3x)Rbx",ete. foremtodos verdadeiros,e o primeiro membro desta série - ''(:3x)Rax'' - é verdadeiro se algum membro da~~rie "Rab", "Rac", etc. for verdadeiro. A construção progres~\aé indieadaatravés da série na qual os quantificadores são orQ~aadamenteapresentados, e com isso é possível evitar asamb~idades que só podem ser excluídas na linguagem ordinaria através de regulamentações ad hoc ("Todos invejam alguém'já é ambíguo;significaessa frase, como foipressuposto acima,~ue se aplica a cada um que ele inveje alguém ou que todos in~em alguém?).
Esse simbolismo deve tornar visível a relação entre as frases gerais e aquelas frases singulares das quais sua verdade depende. Tomemos a frase "Pedro é mortal", simbolizada por "Fa". Agora podemos pensar esta frase sem o termo singular; temos entãouma frasedita aberta "( ) é mortal" ou "Fx" (o "x" é nessa expressão apenas um lugar vazio). Podemos agora, seja substituindo o lugar vazio por um termo singular qualquer (p. ex "Francisco é mortal", "Fb"), seja usando um quantificador, r~~ construir essa frase aberta formando de novo uma frase completa. No simbolismo, a segunda possibilidade - o emprego do quantificador - toma a forma "(x)Fx" ou, conforme o caso, ''(:3x)Fx'';agora o "x" não é mais apenas um lugar vazio; ele funciona, sim, como um pronome. A relação semântica entre "(x)Fx"e "(::Jx)Fx",por um lado, e "Fa", "Fb", "Fc", etc., por outro, está, como já vimos, no fato de que "x(Fx)"é verdadeiro se todas essas frases singulares são verdadeiras e "(3x)Fx"é verdadeiro se pelo menos uma dessas frases forverdadeira. Podemos também entender agora como Frege pôde solucionar o problema inicial da quantificação múltipla (cf. p. 68d. Tomemos como ponto de partida, agora, uma frase com uma expressão relacional, p. ex., "Pedro inveja Simão". Precisamos, neste caso, realizar duas vezes, uma atrás da outra, a mesma operação que há pouco realizamos uma vez. Inicialmente formamos a frase aberta "Pedro inveja ( )" ou "Rax" e a completamos de novo com um quantificador, resultando a frase completa "Pe-
6.4.A forma semântica
é a forma lógica
No item 6.3 diferenciamos a forma gramatical da formse-
mântica. Como a forma semântica se relaciona então comàlorma lógica? Para respondermos a essa questão necessitamos,
6. Deve-se atentar para o fato de que, devido ao "x" ser colocado à frente. junto ao quantificador, o significado dessas frases é compreendido de tal modo que se pressupõe uma referência a um âmbito de objetos pressuposto; o mesmo já estava implícito nas expressões da linguagem ordinária "Cada coisa:..." e "Há algo...". Há algo que..." significa: "Entre todos os objetos há um ou alguns que...". Naturalmente isso levanta a questâo adicional: De que tamanho deve ser compreendido esse âmbito pressuposto de objetos? Se dizemos, p. ex., "Há rinocerontes com dois chifres". isso significa: "Entre todos os seres reais espácio-temporais..." (estes formariam o árnbito de objetos); estariam excluídos os mundos de fantasia.
naturalmente, de um conceito razoavelmente claro de "forIlialógiea.No iníciodo item 6.3 obtivemos um conceito razoave~llte claro de "forma
7. Cf. Dummett, Frege, capo 2.
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semântica": a regra da forma semântica dema
fraseenunciativamostrade que modoa verdadeda frase de~endedo significadode suas expressões parciais. Isso também~ode ser formulado do seguinte modo: a forma semântica diz re~ito
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roxas" a estrutura "(:3x) (Fx e Gx) para "Todas as formigas são venenosas", a estrutura "(x) (se Fx, então GX)"6.
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Esse simbolismo deve tornar visível a relação entre as frases gerais e aquelas frases singulares das quais sua verdade depende. Tomemos a frase "Pedro é mortal", simbolizada por "Fa". Agora podemos pensar esta frase sem o termo singular; temos
?a" já está fixado através de sua relação pronominal com o quan~icador existencial. temos agora de usar uma outra variável in~vidual: "y"). Surge então a frase aberta "( ) inveja alguém" ou "(:3x)RYX", Podemos agora também fechar essa frase aberta por meio de um quantificador, p. ex., por meio do quantificador universal: "Todos invejam alguém" ou "(y) (:3x)Ryx". O sentido da frase que se obteve a partir dessa dupla operação depende da ordem segundo a qual realizamos as duas operações. Se tivéssemos procedido de modo inverso, teríamos obtido a frase "Há alguém que todos invejam" ou "(:3y)(x)Rxy". A esta construção progressiva de um enunciado através do emprego de vários quantificadores corresponde também uma dependência progressiva da verdade de um tal enunciado em relação à verdade de outros enunciados: "(y) (:3x)Ryx" é verdadeiro se "(:3x)Rax", "(:3x)Rbx", etc. forem todos verdadeiros, e o primeiro membro destasérie - "(:3x)Rax" - é verdadeiro se algum membro da série "Rab", "Rac", etc. for verdadeiro. A construção progressiva é indicada através da série na qual os quantificadores são ordenadamente apresentados, e com isso é possível evitar as ambigüidades que só podem ser excluídas na linguagem ordinária através de regulamentações ad hoc ("Todos invejam alguém" já é ambíguo; significa essa frase, como foi pressuposto acima, que se aplica a cada um que ele inveje alguém ou que todos invejem alguém?).
então uma frase dita aberta "( ) é mortal" ou "Fx" (o "x" é nessa expressão apenas um lugar vazio). Podemos agora, seja substituindo o lugar vazio por um termo singular qualquer (p. ex "Francisco é mortal", "Fb"), seja usando um quantificador, re'~ construir essa frase aberta formando de novo uma frase comple-
ta. No simbolismo,a segunda possibilidade - o empregodo quantificador - toma a forma "(x)Fx" ou, conforme o caso, "(:3x)Fx";agora o "x" não é mais apenas um lugar vazio; ele funciona, sim, como um pronome. A relação semântica entre " (x)Fx" e "(:3x)Fx", Por Um lado""., e "Fa" "Fb" "Fc" etc por outro, está, como já vimos, no fato de que "x(Fx)" é verdadeiro se todas essas frases singulares são verdadeiras e "(:3x)Fx" é verdadeiro se pelo menos uma dessas frases for verdadeira. '1111
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Podemos também entender agora como Frege pôde solucionar o problema inicial da quantificação múltipla (cf. p. 68sf. Tomemos como ponto de partida, agora, uma frase com uma expressão relacional, p. ex., "Pedro inveja Simão". Precisamos, neste caso, realizar duas vezes, uma atrás da outra, a mesma operação que há pouco realizamos uma vez. Inicialmente formamos a frase aberta "Pedro inveja ( )" ou "Rax" e a completamos de novo com um quantificador, resultando a frase completa "Pe-
6.4.A forma semântica é a forma lógica No item 6.3 diferenciamos a forma gramatical da forma semântica. Como a forma semântica se relaciona então com a forma lógica? Para respondermos a essa questão necessitamos, naturalmente, de um conceito razoavelmente claro de "forma lógica. No início do item 6.3 obtivemos um conceito razoavelmente claro de "forma semântica": a regra da forma semântica de uma frase enunciativa mostra de que modo a verdade da frase depende do significado de suas expressões parciais. Isso também pode ser formulado do seguinte modo: a forma semântica diz respeito
6. Deve-se atentar para o fato de que, devido ao "x" ser colocado á úente, junto ao quantificador, o significado dessas úases é compreendido de tal modo que se pressupõe uma referência a um âmbito de objetos pressuposto; o mesmo já estava implícito nas expressões da linguagem ordinária "Cada coisa:..." e "Há algo...". Há algo que..." significa: "Entre todos os objetos há um ou alguns que...". Naturalmente isso levanta a questâo adicional: De que tamanho deve ser compreendido esse âmbito pressuposto de objetos? Se dizemos, p. ex., "Há rinocerontes com dois chiúes", isso significa: "Entre todos os seres reais espácio-temporais..." (estes formariam o âmbito de objetos); estariam excluidos os mundos de fantasia. 7. Cf. Dummett, Frege, capo 2.
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I.
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ao modo como uma frase está composta em relação ao aspecto "relevante para a verdade"s.
INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS:
O que é então a forma lógica? Elucidamos no capítulo 3 a diferenciação entre "analítico-formal" e "analítico- material". Mas em que se funda a analiticidade formal? Até aqui dissemos apenas: no significado das palavras formais ("todos", "e", etc.); mas o que significa isso?
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~r "i" ~I
Frege, "Funktion und Begriff". Quine, Methods oI Logic, §§ 16 e 22. Geach,ReIerenceand Generality. Kamlah!Lorenzen, Logische Propadeutik, capo 1, § 4; capo 5, § 3. Dummett, Frege. Philosophy oI Language, capo 2.
O que foi dito em 6.2 sobre o significado das frases gerais não pode responder ainda globalmente a essa questão, mas já contém uma indicação para essa resposta. Vimos que pertence ao significado da forma de uma frase geral o fato de sua verdade depender de um modo determinado da verdade de frases singulares. Isso não significa outra coisa senão que existem relações de implicação entre frases gerais e frases singulares. A partir da regra semântica do significado da frase universal segue-se imediatamente que a seguinte implicação é válida: "(x)Fx, portanto Fa" (se tudo é "F", um objeto qualquer determinado também é "F"). Do mesmo modo segue-se da regra semântica do significado da frase particular que a seguinte implicação é válida: "Fa, portanto (::Jx)Fx"(se existe um "F" qualquer determinado, então existe algo que é "F"). Veremos no capítulo 7 que, também no caso de frases complexas, cada significado de formas sentenciais complexas determinadas traz consigo imediatamente, através de suas condições de verdade, determinadas implicações. Deve-se agora aceitar como plausível (sem que no momento presente possamos demonstrar) que todas as implicações lógicas são meramente conseqüências dessa circunstância de que o significado de cada forma sentencial remete a outras formas sentenciais de modo que a verdade das frases daquela forma depende da verdade das frases destas outras formas. Isso significa então, ao mesmo tempo, que a base para implicações lógicas está na forma semântica; esta é portanto idêntica à forma lógica.
Tugendhat, Vorlesungen zur EinIührung in die spraclJana1ytische phi1osophie, preleção 18.
8. Essa é uma fonnulação de Davidsoll.
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I
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das quais ela se compõe? O caso mais simples seria aquele em que o valor de verdade da frase toda dependesse de modo inequívoco do valor de verdade das frases componentes. Neste caso, o valorde verdade da frase inteira é uma função dos valores de verdade das frases componentes, e caracteriza-se então a frase como sendo uma função de verdade, i. é, como sendo verofuncional.
7~ FRASES COMPLEXAS
7.1. Todas as frases complexas formadas com as palavras "não", "e", "ou", são verofuncionais. Além disso, frases conectadas pelas expressões "se então" são concebidas, na lógica, como funções de verdade. E finalmente são também funções de verdade frases com a expressão conectiva "se e somente se". Esclareçamos, a partir de uma frase contendo o conectivo "ou", o que há de específico em uma frase verofuncional composta. Uma frase como "Chove ou neva", tendo a forma "p ou q", é caracterizada como uma disjunção. Neste caso, as duas frases "p" e "q" não devem ser asseridas isoladamente; a verdade que é asserida é a verdade da frase composta "p ou q" (i. é, a pretensão de verdade que é erguida diz respeito à verdade da composição). E a questão que temos de nos colocar agora diz respeito ao modo como a verdade da frase complexa "p ou q" depende de suas frases componentes "p" e "q". Deve-se diferenciar neste caso dois significados de "ou": o "ou" excludente e o "ou" não-excludente. O significado de "ou" que se encontra na base da lógica moderna e que também é o mais freqüente na linguagem ordinária é o não-excludente. Se, por exemplo, se lê em uma livraria "Clientes que são professores, ou estudam em universidades, recebem um desconto", então isso é válido inicialmente para alguém que é professor; em segundo lugar para alguém que é estudante; mas naturalmente também, em terceiro lugar, para alguém que é professor e também, além disso, ainda é estudante2. O "ou" excludente existiria por exemplo quando uma criança quisesse, em um mesmo dia, fazer uma excursão à
Uma frase complexaé uma frase que contém uma ou várias
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expressões componentes que, por sua vez, também já são frases, i. é, que podem ser elas mesmas verdadeiras ou falsas. Assim, por exemplo, as frases "Não é o caso que chove" ou "Pedroacredita que chove" são frases complexas contendo uma frase componente; e as frases "Chovee faz frio"ou "O gelo flutua na água porque ele é mais leve do que a água" são frases complexas contendo duas frases componentes. Como deve ser então entendida a forma semântica dos vários tipos de frases complexas? De acordo com a concepção tradicional. uma frase complexa também deve ser entendida como síntese. Essa concepção esbarra contudo em dificuldades insuperáveis tanto no que diz respeito ao estatuto dos componentes dessa síntese comotambém no que toca os vários tipo de síntese que, seguindo-se essa concepção, deveriam ser diferenciados1. Se, ao contrário, nos guiamos pela concepção apresentada no capítulo 6, segundo a qual compreendemos uma frase quando conhecemos suas condições de verdade, então somos levados a formular a questão sobre a forma semântica de uma frase complexa do seguinte modo: De que maneira o valor de verdade de uma frase toda que tenha tal forma semântica depende das frases componentes e das outras expressões componentes a partir
1. Cf. além disso Tugendhat, Philosophie, preleção 17.
2. Este e o exemplo seguinte são extraídos de Tarski, lntroduction the Methodology of Deductive Sciences, p. 21.
Vorlesungen zur Einführung in die sprachanalytische
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to Logic and to
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rizado como negação de um enunciado é justamente aquilo que é verdadeiro se o enunciado for falso. E é por isso que "Não é o caso que p" é uma função de verdade de "p", i. é, depende, quanto a seu valor de verdade, exclusivamente do valor de verdade de "p": se "p" é falso, então sua negação é verdadeira, se "p" é verdadeiro, então "não-p" é falso.
tarde e ir ao teatro à noite e os pais, para os quais as duas coisas juntas seriam demais, dissessem: "Nóshoje fazemos uma excursão ou vamos ao teatro". Nesse emprego excludente de "ou" podemos sempre acrescentar "mas não as duas coisas". Podemos também dizer: frases da forma "p ou q" com o "ou" não-excludente são verdadeiras se "p" é verdadeiro ou se "q" é verdadeiro ou se "p" e "q" são ambos verdadeiros, e elas são falsas apenas se "p" e "q" são ambos falsos. E frases com o "ou" excludente são verdadeiras se "p" é verdadeiro e "q" é falso do mesmo modo que se "q" é verdadeiro e "p" é falso, e falsas se "p" e "q" são ambos verdadeiros ou ambos falsos. Podemos agora, então, mostrar em que consistem as condições de verdade de uma frase da forma "p ou q" ou como elas dependem das frases componentes: O valor de verdade da frase complexa é dependente apenas do valor de verdade das frases componentes e independente de todas as outras propriedades dessas frases componentes. Frases complexas da forma "p e q", por exemplo, "Está chovendo e está ventando", são caracterizadas como conjunções. No caso da conjunção é particularmente fácil ver em que consistem suas condições de verdade. Uma frase complexa "p e q" é evidentemente verdadeira se ambas as frases componentes são verdadeiras e ela é falsa se uma das duas frases componentes é falsa, sendo evidentemente também falsa se ambas as frases componentes são falsas. Isso significa podermos dizer o seguinte: Uma frase composta da forma "p e q" é verdadeira se e somente se "p" é verdadeiro e "q" é verdadeiro. É evidente que nessa explicação do significado da forma sentencial "p e q" a palavra "e" ocorre de novo. Isso não significa contudo que essa explicação seja sem valoL Pois ela mostra como a verdade da frase complexa depende da verdade das frases componentes. Pode-se contudo perguntar se essa explicação do significado através da indicação das condições de verdade é de fato uma explicação completa. Temos de deixar aqui a questão em aberto.
Na lógica, frases da forma "Se p, então q" também são concebidas como conexões puramente verofuncionais. A definição lógica dessas frases pode também ser tornada inteligível se se pensa na propriedade básica das frases "se-então" da linguagem ordinária. Se usamos uma tal frase, damos a entender que a frase toda "Se p, então q" é verdadeira apenas se, sendo "p" verdadeiro, "q" também for verdadeiro. Excluímos portanto que "p" seja verdadeiro e "q" falso. Como veremos em seguida, o uso de uma frase "se-então" na linguagem ordinária não implica apenas essa exclusão de uma determinada combinação dos valores de verda-
Frases que estão formadas com "não" são também funções de verdade. Comojá vimos, a palavra "não" serve para formar a negação de um enunciado, para contradizê-h O que é caracte-
de de "p" e "q". Devido a razões com as quais ainda entraremos em contato, parece razoável que na lógica se fique limitado a esta condição mínima da função da verdade e que se defina o "se-então" de tal modo que uma frase da forma "Se p, então q" signifique apenas que, pressuposto "p" como verdadeiro, "q" não é falso; e isto quer dizer: uma frase dessa forma só é falsa se "p" for verdadeiro e "q" for falso; ela é verdadeira se "p" for verdadeiro e "q"forverdadeiro; e ela também é verdadeira se "p" for falso, independentemente de "q" ser verdadeiro ou falso. A forma "Se p, então q" definida deste modo verofuncional é caracterizada como implicação material. Esse conceito deve ser nitidamente diferenciado do conceito de implicação analitica ou lógica, introduzido no capítulo 3. Este último conceito deve ser entendido do seguinte modo: Se "q" é implicado logicamente por "p", isso significa que é impossívelque, se "p" forverdadeiro, "q" seja falso, e que estamos por isso autorizados a inferir "q" de "p". Face a isso, a implicação material "Se p, então q" significa apenas que essa frase é falsa se "p" é verdadeiro e "q" é falso. Assim, por exemplo, a frase "SeLondres está na Inglaterra, então o mar é salgado" é uma implicação material verdadeira, pois "p" é verdadeiro e "q" não é falso. Aqui não existe, por um lado, nenhuma necessidade e, por outro, nem uma relação refe-
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rente ao conteúdo nem uma relação formalentre as duas frases componentes, também não existindo portanto nenhuma possibilidade de se inferir, a partir da verdade de uma, a verdade da outra. Pode-se, no entanto, definir a implicação lógica justamente com auxilio da implicação material. Pois vimos que "q" estará implicado logicamente por "p" se for impossível que, se "p" for verdadeiro, "q" seja falso. Isso significa contudo que essa implicação lógica existe se e somente se o que se segue é válido: '''Se p, estão q' é analiticamente verdadeiro"; e neste caso o "Se p, então q" tem o sentido da implicação material. Tão logo uma implicação material é asserida como não apenas faticamente verdadeira, mas sim como analiticamente necessária, cai por terra a falta de conexão interna entre as duas frases, falta de conexão esta presente entre os valores de verdade das frases componentes de uma implicação material. É que no caso da afirmação da analiticidade é produzida justamente uma relação interna entre os significados das frases. No caso da equivalência, passa-se algo de semelhante ao que ocorre na implicação. Fala-se de equivalência lógica ou, de modo mais geral, de equivalência analítica quando dois enunciados têm o mesmo significado, i. é, quando se pode dizer a priori que, se um enunciado for verdadeiro, o outro também o será, e vice-versa. A equivalência lógica consiste portanto em uma implicação lógica recíproca. Isso significa então o seguinte: "p" e "q" são logicamente equivalentes exatamente se for válido que '''Se p, então q, e se q, então p' é logicamente verdadeiro". Do mesmo modo que a implicação lógica pode ser definida com auxilio da implicação material, a equivalência lógica se ergue, de modo totalmente análogo, sobre uma equivalência material. Dois enunciados "p" e "q" são materialmente equivalentes se tanto "Se p, então q" como também "Se q, então p" são válidos, i. é, se eles têm o mesmo valor de verdade. Expressando-se esse fato em uma única frase, ele pode também ser formulado do seguinte modo: "p se e somente se quando q". A dependência do valor de verdade das frases complexas verofuncionais com respeito ao valor de verdade de suas frases componentes pode ser representada claramente através das tabelas de verdade que Wittgenstein introduziu no Tractatus. Usamos "p", "q", "r", etc. como variáveispara frases e introduzimos
do mesmo modo símbolos para as expressões "e", "ou", etc., os quais podem ser caracterizados como conectivos lógicos: não-p
IP e q
Ip ou q
Ise p, então q
quando q
-, p (p,- p) Ip 1\ q (p.q, pq)
IP se e somente se,
/PVq
Ip:J (pq) q
I:;q)
Uma vez que o emprego dos símbolos lógicos não é uniforme, sendo diversos sistemas simbólicos utilizados por diversos lógicos, são ainda indicados entre parênteses alguns símbolos que podem ser freqüentemente encontrados em livros de lógica. Usaremos ainda as abreviações "V"para "verdadeiro" e "F" para "falso".Podemos agora escrever uma lista de todas as combinações possíveis dos valores de verdade das frases componentes "p" e "q" e, ao lado, o resultado para o valor de verdade da frase composta. Para "-, p" há apenas duas possibilidades, a saber: a de "p" ser verdadeiro ou a de "p" ser falso:
V F
p
I
F V
~p
Para as restantes funções de verdade, se nos limitamos à composição a partir de duas frases, haverá quatro combinações possíveis dos valores de verdade das frases componentes: p V V F F
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q V F V F
pl\q
V F F F
pvq V V V F
V F V V
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p:Jq
p=q V F F V
Com auxílio das tabelas de verdade pode-se agora ver com facilidade que relações de implicação existem entre uma frase complexa verofuncional e suas frases componentes ou entre frases complexas com vários conectivos lógicos. Havíamos visto no final do capítulo 6 que, no caso das frases gerais, a forma lógica dessas frases traz consigo determinadas implicações. A forma lógica das frases tratadas agora é caracterizada pela ocorrência de palavras formais como "e", "ou", etc., cujo significado consiste no fato de se determinar como a verdade da frase toda depende dos valores de verdade de suas frases componentes. Ora, isso significa que há relações lógicas de implicação entre as frases complexas verofuncionais e suas frases componentes. Com base na regra do significado de "p e q", por exemplo, é imediatamente válida a seguinte implicação: "p e q" implica logicamente "p", já que está excluído o caso em que, sendo "p e q" verdadeiro, "p" seja falso.
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Pode-se, do mesmo modo, por meio das tabelas de verdade, mostrar implicações e equivalências lógicas entre frases complexas com vários conectivos lógicos; p. ex. pode-se mostrar que de "p /\ q" segue-se logicamente "p v q; pois, como mostra a tabela, "p /\ q" é verdadeiro apenas no caso único em que "p" e "q" são ambos verdadeiros, e neste caso "p v q" é igualmente verdadeiro. Portanto está de novo excluído o caso (impossível de ser verdadeiro) em que o primeiro membro fosse verdadeiro e o segundo falso. Mas "p v q" é ainda verdadeiro em dois outros casos e, por isso, embora ele seja, com efeito, implicado logicamente por "p /\ q", ele não é, contudo, logicamente equivalente a "p /\ q". Equivalências lógicas já podem ser estabeleci das também entre os esquemas simples de frases com apenas duas variáveis sentenciais, esquemas aos quais nos limitamos até agora. Podem-se definir, através de equivalências, os diferentes conectivos lógicos reciprocamente uns através dos outros. É suficiente o uso de dois desses conectivos, p. ex. "e" e "não", já que os outros podem ser definidos através deles, sendo então dispensá-
veis. Assim "p v q" pode ser substituído por "-,(-, P /\ -, q)" e "p :) q" pode ser substituído por "-, (p /\ -, q)". Tornemos esse ponto um pouco mais claro a partir do segundo caso.
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1
Poderíamos nos apoiar inicialmente no fato de as condições de verdade da implicação material estarem definidas justamente de modo que ela só é falsa no caso em que a frase antecedente "p" for verdadeira e a frase conseqüente "q" for falsa, sendo "-, q" neste caso verdadeiro; i. é, a possibilidade "p /\ -, q" nãodeve
ocorrer,ou, dito de outro modo, "-, ( p /\ -, q)" tem que ser válido. Podemos agora também proceder de modo a partirmos
dos doisesquemas"p:) q" e "-, ( p /\ -, q)"e, com auxíliodas tabelas de verdade, mostrarmos que eles são logicamente equivalentes, i. é, têm as mesmas condições de verdade. As condições de verdade para "p:) q" já estão em nossa tabela; obtemos as condições de verdade para o segundo esquema se aplicamos as regras dos sinais de negação e conjunção. Nesse caso calculamos inicialmente a expressão entre parênteses e aplicamos em seguida ao resultado o sinal de negação. p V V F F
q V F V F
pq V F V V
p-,q V V F F
P/\-.q
F V F V
F V F F
P/\-.q F V F F
-.(p/\-.q)
V F V V
Pode-se ver, portanto, que ambos os esquemas possuem efetivamente as mesmas condições de verdade: eles são verdadeiros exatamente para as mesmas atribuições de valores de verdade para "p" e "q" e, do mesmo modo, são falsos para as mesmas atribuições. Por conseguinte demonstramos que os dois esquemas são logicamente equivalentes, que portanto é válido o seguinte: "É logicamente necessário: p :) q == -, (p /\ -, q)". De acordo com o mesmo procedimento por meio das tabelas de verdade pode-se verificar agora, com respeito a cada esquema da lógica dos enunciados, se ele é válido. Caracteriza-se como esquema da lógica dos enunciados toda formalização de uma frase na qual apenas as frases componentes são substituídas por variáveis e na qual a negação e os chamados conectivos ocorrem como constantes; caracteriza-se, ao contrário,
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como esquema da lógica de predicados um esquema no qual os termos gerais da frase são também substituídos por variáveis. Um esquema da lógica de enunciados é, p. ex., o esquema "(p /\ q) V (p /\ -, r)v (-, p /\ r)v (-, p /\ s) V(-, q /\ r)v (-, r /\ -, s)". Esse esquema contém quatro variáveis sentenciais "p", "q", "r" e "s". Enquanto que no caso de duas variáveis tivemos de considerar apenas quatro casos, no caso de três e no caso de quatro variáveis ocorrem respectivamente oito e dezesseis possibilidades diferentes de combinação dos valores de verdade. A tabela de verdades para o esquema citado teria portanto dezesseis linhas. Quem quiser se dar ao trabalho de calcular a aplicação
progressivadas condiçõesde verdadeválidaspara "-,", "A"terá,
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.,,,
como resultado, o fato de esse esquema ser realmente válido; e isto significaque toda frase complexa dessa forma, frase na qual substituímos as variáveis por frases componentes correspondentes, é logicamente válida. As tabelas de verdade possibilitam, então que se tenha, para aquele grupo das frases logicamente verdadeiras que são logicamente verdadeiras com base em sua estrutura lógico-enunciativa, um procedimento de decisão, i. é, um procedimento pelo qual pode-se vir a saber se elas são logicamente verdadeiras, se são, portanto, verdadeiras independentementede seu conteúdo. A razão de podermossaber isto facilmente neste caso está no fato de a verdade da frase inteira depender apenas das combinações possíveis dos valores de verdade das frases componentes e de essas combinações poderem ser totalmente representadas por meio das tabelas de verdade. Agora já estamos também em condições de compreender melhor que a definição da implicação material que, a partir da linguagem ordinária, nos parecia sobretudo estranha, possui na lógica uma boa razão. Pois o "se-então"da implicação materialse presta exatamente como uma interpretação da conexão entre frases em dois contextos importantes para a lógica. Em primeiro lugar, como já vimos, trata-se da conexão de frases que ocorre
no interiorde uma implicaçãológica: "É logicamentenecessário: 'Se p, então q'''. O segundo contexto no qual a implicação material se apresenta como uma interpretação são as frases singulares implica-
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das logicamente pelas frases gerais. Uma frase geral "(x)(se Fx, então Gx)"implica logicamente "Se Fa, então Ga", "Se Fb, então Gb" etc. (cf.capo6, p. 75s).É evidente que o "se-então" contido nessas frases singulares deve ser concebido como o sinal de implicação material, como é facilmente esclarecido através de exemplos. Tomemos a frase universal "(x)(se x é um gato, então x é um animal)"; isso implica logicamente: "Se a é um gato, então a é um animal". Se admitimos que a frase antecedente é verdadeira, então a frase conseqüente será verdadeira. Se admitimos que a frase antecedente é falsa,então a frase conseqüente pode ser evidentemente ou verdadeira(se a não forum gato, mas sim um animal de outra espécie) ou pode ser falsa (se a não for um animal). Isso corresponde contudo, por sua vez, exatamente às condições de verdade da implicação material. 7.2. Por outro lado, foi indicado na p. 87s que justamente o sinal da implicação material se diferencia,quanto ao significado, de uma maneira relativamente marcante da expressão análoga "se-então" da linguagem ordinária.Porisso queremos considerar brevemente a relação dos conectivos lógicos com as expressões da linguagem ordinária a eles correspondentes. No caso da palavra "não", a fixação lógica de seu significado corresponde, de modo bastante exato, ao significadodessa palavra na linguagem do dia-a-dia; por isso pode-se dizer neste caso que a fixação de seu significado na lógica também contribui para uma clara compreensão de seu emprego na linguagem ordinária. Quanto às outras constantes lógicas, a analogia a expressões correspondentes da linguagem ordinária é em certos casos relativamente estreita, mas em outros casos também mais fraca. Um parentesco relativamente estreito existe entre a constan-
te lógica"A" e o "e"da linguagemordináriao qualconectafrases inteiras umas com as outras3.O significadobásico de um enunciado do dia-a-dia da forma "p e q" está no fato de ele só ser verdadeiro se ambas as frases componentes são verdadeiras.
3. Muitas frases nas quais a palavra "e" está não entre sentenças, mas entre elementos intra-sentenciais são também, de acordo com sua forma semãntica, frases complexas da forma "p e q"; p. ex., "Maria e Pedra são louros" tem a forma "Maria é loura e Pedra é louro". A palavra "e" tem contudo ainda um segundo significado se ocorre, p. ex., em um enunciado como "Maria e Pedra conversam", o qual não pOde ser decomposto em "Maria conversa e Pedra conversa", sendo, ao contrário, um enunciado relacional com um termo geral de dois lugares e um par de dois tennos singulares.
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Contudo outras condições talvez tenham ainda importância no falar cotidiano. Iríamos nos espantar com a asserção "Berlim é uma cidade grande e 3 + 4 = 7", pois exigimos certamente, além da verdade das frases componentes, uma certa relação ente as mesmas no que toca seu conteúdo. Além disso, o "e" da linguagem ordinária expressa freqüentemente uma sucessão
aceitáveis porque, ao recorrermos a determinadas regularidades gerais, podemos justificar nesses casos a passagem da suposição hipotética da frase antecedente para o que é dito na frase conseqüente; p. ex., em (a)recorremosà lei causal de que a água ferve quando é aquecida durante um tempo determinado, em (b) à frase analítica de que o dia seguinte à sexta-feira é caracterizado como sábado, em (c) talvez a um conhecimento geral sobre o caráter de Maria, i. é, ao fato de podermos contar a tal ponto com ela que ela só não vem quando está de fato doente. Recorremosassim, para a fundamentação de frases condicionais singulares - como (a), (b)e (c) -, a determinadas frases condicionais gerais que expressam regularidades, i. é, a frases com a forma '''Se p, então q' é logicamente necessário" (implicação formal)ou '''Se p, então q' é fisicamente necessário" ou "'Se p, então q' é certo", ou a frases semelhantes. Se perguntarmos sobre as condições de verdade desses enunciados, então será evidente que elas não podem ser indicadas por meio de tabelas de verdade; elas têm, ao contrário, que ser esclarecidas de outra maneira (sobre o significado de tais enunciados sobre regularidades, cf. capo 14). Eis a razão por que frases condicionais da linguagem ordinária, que pressupõem uma relação de fundamentação entre a frase antecedente e a frase conseqüente, não se deixarem reduzir a uma implicação material definida puramente com base nas funções de verdade5. Em segundo lugar, usa-se uma frase condicional "se p, então q" normalmente apenas quando ou não se conhecem ou se quer deixar em aberto os valores de verdade de "p" e "q". Se se conhece, como em (1)e (2),a verdade de "q", então geralmente "q" será afirmado diretamente, não se fazendo a afirmação hipotética ou condicional "se p, então q", que seria nesse caso desnecessariamente fraca. E se o valor de verdade de "p" é conhecido, não se usam na linguagem ordinária frases do tipo "se-então",
temporal.Para uma conjunção"p 1\ q" que só é verdadeirase "p" e "q" foremambos verdadeiros, a ordem de "p" e "q" é indiferente. Se, por outro lado, por exempl04,a frase "Elesse casaram e tiveram um filho" é verdadeira, isso não significa que a frase na qual essas duas frases componentes aparecem na ordem inversa será também verdadeira.
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É especialmente problemática a equivalência da forma verofuncional "p~ q" com as frases da linguagem ordinária da forma "se p, então q" as quais podem ser caracterizadas como frases condicionais. O significado da implicação material "p ~ q" deve ser entendido de modo que uma tal implicação será falsa se p for verdadeiro e q falso, e será verdadeira para as outras três combinações possíveis dos valores de verdade das frases componentes. De acordo com isso (1)"SeParis está situada na França, então a grama é verde" é uma implicação material verdadeira; e o mesmo vale para (2) "Se Paris está situada na Inglaterra, então a grama é verde" e para (3)"SeParis está situada na Inglaterra, então a grama é azul". Essas três frases condicionais não seriam contudo usadas no falar do dia-a-dia; e é discutível se, caso alguém as usasse, nós as caracterizaríamos como verdadeiras ou como sem sentido. O fato de não usarmos normalmente tais frases possui duas razões. Em primeiro lugar, usamos frases "se-então" na linguagem natural de tal maneira que elas não são meramente verofuncionais, expressando adicionalmente um tipo qualquer de relação de fundamentação entre os dois enunciados componentes. Desse modo, aceitamos na linguagem ordinária como significativas as seguintes frases condicionais: (a) "Se você colocou a água no fogo há 10 minutos, então ela agora está fervendo"; (b) "Se hoje é sexta-feira, amanhã será sábado"; (c)"SeMaria não vier, então ela está doente". Consideramos essas frases condicionais como
5. Deve-se indicar que há outros tipos de frases condicionais na linguagem ordmária que não possuem condições de verdade adicionais, mas sim condições de verdade diferentes das da implicação material, e que também não asserem uma relação de fundamentação; p. ex.: a frase "Se ele estava embaraçado, ele não se mostrou como tal" é simplesmente verdadeira se a frase conseqüente for verdadeira; e isso significa que ela, diferentemente da implicação material, é falsa se a frase antecedente e a frase conseqüente forem ambas falsas. Cf. Strawson, Introduction to Logjcal Theory, p. 89.
4. Este exemplo é dado por Strawson, Introduction to Logjcal Theory, p. 80.
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as quais sugeririam que estamos incertos sobre o valor de verdade de "p", mas sim frases complexas com outras expressões conectantes de frases6.Por exemplo, uma vez conhecida a verdade das duas frases componentes, não diríamos "Se o ferro é um metal, ele é maleável"; usaríamos, ao invés, a formulação "Porque o ferro é um metal, ele é maleável". Essa formulação dá a entender que tanto "p" quanto "q"são verdadeiros e que existe uma relação de fundamentação entre "p" e "q". Ao invés de usar a implicação material verdadeira "Se a argila é um metal, ela é maleável" com a frase antecedente falsa e a frase conseqüente verdadeira, usaríamos na linguagem ordinária uma estrutura sentencial concessiva, por exemplo: "Embora a argila não seja um metal ela é maleável". E, ao invés de usar uma implicação material verdadeira com a frase antecedente e a conseqüente falsas - p. ex., "Se a madeira é um metal, ela é maleável" -, poderíamos na linguagem ordinária usar uma frase condicional chamada irreal ou contrafactual, como "Se a madeira fosse um metal, ela seria maleável". 7.3. Vemosportanto que alguns pontos se opõem à equivalência entre o uso das frases condicionais na linguagem ordinária e o uso da implicação material tal como definida pela lógica7.As
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frases condicionais da linguagem ordinária são um exemplo de frases complexas; mas não dependem (ou não dependem apenas) do valor de verdade de suas frases componentes. Com isso chegamos à questão sobre a forma semântica daquelas frases complexas que não podem ser compreendidas como verofuncionais, cujo valor de verdade não depende ou não depende exclusivamente do valor de verdade das frases componentes. Frege tratou detalhadamente de taís frases complexas na segunda parte de seu artigo "Über Sinn und Bedeutung". Já tratamos de passagem de um tipo de frases compostas que não são (apenas) verofuncionais(p. ex., já se mencionaram as frases causais, i. é, frases da forma "p, portanto q" ou, o que aproximadamente vai dar no mesmo, "porque p, q". Frege esclarece o significado de frases dessa forma através do exemplo "Porque o gelo é especificamente mais leve que a água, ele flutua na água". Ele diz que temos nesta frase não apenas doís, mas sím três componentes: (1) O gelo é especificamente mais leve que a água; (2) Se algo é especificamente mais leve que a água, então ele flutua na água; (3) O gelo flutua na água.
6. Sobre o que se segue, cL Tarski, lntroduction of Deductive Sciences, 25.
to Logjc and to the Methodology
7. Podem-se extrair desse fato duas conseqüências. Ou pode-se dizer que mesmo o significado das referidas frases complexas da linguagem ordinária deve ser compreendido puramente como verofuncional, sendo que os aspectos de seu uso que não se adequam a isso não pertenceriam á semântica das frases, sendo, sim, condições para que o proferimento de tais frases em situações concretas de fala seja relevante ou adequado. Ou pode-se dizer que a explicação verofuncional também indica um núcleo importante do significado das mencionadas frases da linguagem ordinária, sendo contudo os aspectos adicionais tratados também um componente da semãntica dessas frases. É discutivel qual dessas duas concepções é a mais adequada. A primeira concepção é defendida, p. ex., por Frege, "Über Sinn und Bedeutung", p. 60, e por Quine, Methods of Logjc, § 3; a segunda por, p, ex., Strawson, lntroductjon to Logjcal T'heory, p. 83. Talvez a resposta não tenha que ser homogênea. Por exemplo, com referência a frases da linguagem ordinária da forma "p e q", a primeira concepção se mostra como evidente (em todo caso nas situações em que o "e" não expressar também uma seqüência temporal), i. é, poder-se-ia dizer neste caso sem hesitações que a exigência de que ambas as frases componentes devam se relacionar conteudisticamente não se funda no significado dessa forma sentencial, surgindo apenas quando se pergunta que proferimentos são adequados na comunicação. E poder-se-ia dizer, por outro lado, que para as frases da linguagem ordinária da forma "Se p, então q" a segunda concepção se apresenta como evidente, pois pertence às condições de verdade dessas frases o fato de ser apresentado na frase antecedente qualquer tipo de razão ou causa para o que é dito na frase conseqüente.
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"O terceiro pensamento não precisou ser apresentado explicitamente, já que está contido nos dois primeiros. Por outro lado, nem o primeiro e o terceiro nem o segundo e o terceiro juntos formariam o sentido de nossa frase. Vê-se agora que na frase subordinada 'porque o gelo é especificamente mais leve que a água' tanto nosso primeiro pensamento quanto também uma parte de nosso segundo estão expressos. Por isso ocorre que não podemos substituir nossa frase subordinada simplesmente por uma outra com o mesmo valor de verdade; pois com isso nosso segundo pensamento também seria alterado e o valor de verdade deste também seria facilmente atingido" ("Über Sinn und Bedeutung", p. 63).
Podemosentão dizero seguinte:umatal frasecausalé, por um lado, verofuncional,já que ela depende do valor de verdade das duas frases componentes as quais têm que ser ambas ver-
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dadeirasno casodesta formasentencial(1ó!e 3ó!frasesdeFrege); ela possui, por outro lado, ainda uma outra condição de verdade, indicada na 2" frase de Frege: não é suficiente que "p" e "q" sejam ambos verdadeiros, mas sim que "q" tenha que ser verdadeiro justamente porque "p" é verdadeiro e não por uma outra razão. O que está dito em "p" tem que ser a razão ou a causa para o que está dito em "q". Um outro exemplo para esse tipo de frase complexa seria o uso na linguagem ordinária da forma "p e q", o qual implica uma sucessão temporal, ou - para usar formas sentenciais nas quais isso está explícito - frases complexas como "p, depois q" ou "depois que p, q". Para que uma tal frase complexa seja verdadeira, todas as três condições que se seguem têm que estar preenchidas: (1) "p" ser verdadeiro; (2) "q" ser verdadeiro; (3)o que é dito em "p" ser temporalmente anterior ao que é dito em "q". A primeira e a segunda condição são condições verofuncionais,mas, devido à terceira condição, o significado de tais frases vai além de um significado meramente verofuncional.
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Travamos então conhecimento com dois tipos de frases compostas: primeiramente, com aquelas frases complexas cujo valor de verdade depende exclusivamente do valor de verdade de suas frases componentes; trata-se das frases chamadas funções de verdade; em segundo lugar, com aquelas cujo valor de verdade também depende, com efeito, do valor de verdade das frases componentes, mas depende, além disso, de um outro elemento. Mas há também um terceiro tipo de frases complexas, nas quais o valor de verdade das frases componentes não realiza nenhum papel para a verdade da frase inteira. Consideremos, p. ex., uma frase como "Pedroacredita que Melbourne está situada na África"ou "Maria espera passar na prova fi. é, que ela passe na prova]". Não se trata aqui de composições do tipo até agora considerado, pois não se pode perguntar separadamente qual o valor de verdade das frases componentes; o primeiro componente "Pedro acredita" não contém uma frase completa de modo a se poder perguntar qual seu valorde verdade; como formulaFrege, este componente não expressa um pensamento completo. Pode-se, com efeito, a partir do segundo componente, formar uma frase principal inteira a qual expressaria um pensamento
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completo e teria conseqüentemente um valor de verdade; mas esse valor de verdade da frase-"que" não importa no presente contexto. Desse modo, o primeiro exemplo é verdadeiro se é de fato o caso que Pedro acredita naquilo, independentemente de aquilo em que ele acredita ser verdadeiro ou, como nesse caso, falso. O valor de verdade da frase complexa não depende aqui do valor de verdade da frase-"que", mas sim do sentido desta última (usando a terminologia de Frege: de seu pensamento); isso pode ser mostrado pelo fato de a frase inteira permanecer
verdadeirase substituímosa frase-"que"por outras frases que exprimam o mesmo pensamento, mas nem sempre permanecer verdadeira se a substituímos por outras frases-"que" com o mesmo valor de verdade. Essas frases complexas não são portanto compostas de acordo com a maneira até agora por nós tratada, segundo a qual as frases componentes eram sempre completas no sentido de poder possuir um valor de verdade; a frase-"que" está agora, ao contrário, no lugar de um componente sentencial, do objeto gramatical. Considerando-se de um ponto de vista semântico, lidamos aqui com enunciados relacionais com um predicado de dois lugares como"... acredita..." e um par ordenado de duas expressões-sujeito, sendo que, no entanto, há a peculiaridade de apenas uma expressão-sujeito estar no lugar de um objeto concreto, estando a outra no lugar de um objeto abstrato, 8 de um pensamento. Há finalmente frases complexas que, de um ponto de vista gramatical. possuem a mesma forma de "Pedroacredita que p", mas cuja forma semântica é mais complicada. Se consideramos
8. Com vistas à completude, deve ser indicado que há ainda um segundo tipo importante de frases complexas nas quais a frase subordinada está apenas no lugar de um componente sentencia!. Tomemos de novo um exemplo mencionado por Frege, a saber: a frase "Quem descobriu a forma elíptica das órbitas dos planetas morreu na miséria". Aqui é válido não apenas para um, mas sim para ambos os componentes, o fato de eles não expressarem nenhum pensamento completo, de eles não poderem possuir valor de verdade. Ao invés disso, tem-se a frase no seu todo como sendo uma frase predicativa singular. A frase subordinada "Quem..." é o sUjeito e "morreu na miséria", o predicado. I. é: a frase inteira tem a mesma forma semântica que "Kepler morreu na miséria" e apresenta apenas a peculiaridade gramatical de que o sujeito não se mostra através de uma única palavra, mas sim através de uma frase subordinada.
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uma frase como "Pedra sabe que Melbourne está situada na Austrália", então neste caso, como diz Frege, a frase-"que" deve ser tomada de um modo duplo, a saber: por um lado, de tal modo que seu valor de verdade contribua para o valor de verdade da frase inteira, e, por outra, de tal modo que seu sentido ou pensamento também contribua para este valor de verdade da frase toda. A frase inteira é então verdadeira se, primeiro, "Pedroacre-
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dita que Melbourne está situada na Austrália" é verdadeiro e, em segundo lugar, se "Melbourne está situada na Austrália" é verdadeiro; pais com "ele sabe" damos a entender algo de diferente do que com "ele acredita", a saber: damos a entender que aquilo em que ele acredita é verdadeiro; por isso o fato de o enunciado da frase-"que" ser verdadeiro é um componente das condições de verdade da frase inteira. Mas, além disso, pertence às condições de verdade da frase inteira o fato de existir uma relação determinada entre Pedro e o pensamento contido na frase- "que" e, com relação a este aspecto, é o sentido da frase subordinada que importa para a verdade da frase inteira.
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INDICAÇÕES
TIERMOS6IERAIS~ CONCIEITOS~ CLASSES
Nos capítulos 6 e 7 vimos que o significado de frases não simples remete, de diversas maneiras, dependendo de cada caso, ao significado de frases mais simples. De acordo com a concepção atual. esse reenvio deve ser compreendido do seguinte modo: Pressupõe-se que compreender uma frase enunciativa significa saber do que depende sua verdade. O reenvio consiste portanto no fato de o valor de verdade da frase não simples (seja geral,
BffiLIOGRÁFICAS:
seja complexa)depender de Frege, "Über Sinn und Bedeutung", p. 50s. Quine, Methods of Logie, § 3. -"
Strawson, IntrodueUon to Logieal Theory, capo 3. Waismann, Logik, Spraehe, Philosophie, capo 18.
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A formamais simplesde tal
dependência se dá quando o valor de verdade de uma frase complexa depende, de um modo determinado, dos valores de verdade de suas frases componentes e quando o valor de verdade de frases gerais depende, de um modo determinado, do valor de verdade de frases predicativas singulares. Essa concepção atual se diferenciada concepção tradicional. segundo a qual as frases gerais seriam, também no sentido semântico, um tipo de frase predicativa e o significado das frases complexas se comporia, de algum modo, do significado de suas frases componentes. Esse reenvio do significado de todas as outras frases a frases predicativas singulares mostra serem estas as frases enunciativas elementares; ou ele mostra serem os enunciados predicativos singulares as unidades elementares do discurso assertórico. Já vimos no capítulo 6 que, no que toca essas frases enunciativas elementares, é sensato dizer que compreendemos o significado das mesmas se compreendemos sua condição de verdade; e isso significa neste caso: uma frase que tem a estrutura semântica "Fa" (e algo análogo é válido para "Rab") é verdadeira, se
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Univ. São Judas Tadeu Rua Taquari. 546 Tel. 6099.1999 - R. 1349
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(1) o termo geral "F" convém ao objeto a, ou (2)ou o objeto a cai sob o conceito no lugar do qual está "F", (3)o porobjeto "F". a é um elemento da classe que está determinada
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Essas três formulações são equivalentes; elas se diferenciam apenas pelo fato de em (1) se falar meramente da expressão lingüística (do termo geral), enquanto que em (2) e (3) faz-se referência àquilo no lugar de que está essa expressão, sendo que essa referência difere segundo se tome (2) ou (3). Temos portanto que nos entender acerca da relação entre esses três conceitos termo geral, conceito, classe. A frase predicativa singular consiste de dois membros, um termo singular (ou, mais de um, no caso dos enunciados relacionais) e um termo geral; e, enquanto que no caso do termo singular estar claro no lugar de quem ele está, a saber: no lugar de um objeto (geralmente) concreto, isso não é tão claro no caso do termo geral. Diferenciam-se objetos concretos e objetos abstratos. Objeto é tudo o que é algo (fala-se também de "entidades"). Objetos concretos são aqueles que podem ser identificados, no espaço e no tempo, como objetos materiais ou acontecimentos. Objetos abstratos (ou também chamados 'ideais') são aqueles que não são identificáveis deste modo. Exemplos de objetos abstratos são: números, Proposições (enunciados, pensamentos no sentido de Frege) e também classes. Conceitos não são, é certo, objetos concretos; então, ou bem são objetos abstratos ou são entidades, não são algo (mas como pode haver algo que não seja algo?). Essas dificuldades que surgem no caso de classes e sobretudo no caso de conceitos já mostram por que muitos preferem falar apenas de expressão lingüística de termo geral. Essa concepção é caracterizada como "nominalismo"; existe, segundo essa concepção, apenas o "nome", a expressão lingüística, e não o chamado "universal", um algo universal no lugar do qual o nome estaria. Trata-se aqui portanto da disputa dos universais. No que se segue serão mencionadas algumas das . etapas histó:{Ícas mais importantes da reflexão sobre 'conceitos' f
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8.1. O primeiro a atentar para esse problema foi Platão. Em seus primeiros diálogos, Sócrates faz determinadas perguntas do tipo "o que é...?": o que é belo, o que é corajoso, o que é justo, etc.? É evidente que uma tal pergunta é, nestes casos, ambígua. A pergunta "O que é belo?" pode ser entendida como uma pergunta visando, como resposta, a uma enumeração de objetos belos e é inicialmente compreendida equivocadamente deste modo pelos parceiros de diálogo de Sócrates; Platão contudo a entende como uma pergunta sobre o que é (significa)ser belo (cf. Hipjas major 287d s). PIatão caracteriza o que ele tem em vista também do seguinte modo: O que é o belo, o que é o belo em si? Busca-se - como diríamos hoje - a definição do conceito. Dizia Platão: temos que diferenciar com respeito a cada termo geral entre, por um lado, os muitos F, i. é, muitos objetos belos que podem ser mais ou menos belos e que podem ser belos em um momento e em seguida ser outra vez não-belos, e, por outro lado, entre o F em si, a beleza, que é una e inalterável e não é perceptível pelos sentidos, chamado por Platão de a "idéia (jdéa)"('o contemplado'). As idéias são desse modo entes nãosensíveis (na terminologia atual: objetos abstratos). Platão caracterizou a relação ente a coisa particular que tem tal ou tal qualidade e a qualidade ela mesma (a idéia) como uma relação de participação (méthexís). O próprio Platão já antecipou, em seu diálogoParmênjdes, a crítica aristotélica a essa concepção (131a s): Como pode uma única idéia, sendo uma única e sem se despedaçar, estar presente nas muitas coisas que dela participam? 8.2. Aristóteles usa o termo "eidos" (traduzido em latim por "forma"e "species") e fala também simplesmente de "o universal" (tôkathólou) (traduzido em latim por "universale").Ele rejeita a concepção das idéias como entidades autônomas, existentes, segundo Platão, desprendidas do ente sensível, i. é, existentes como as próprias coisas particulares - só que seriam suprasensíveis. A oposição entre a concepção platônica e a concepção aristotélica foi, na Idade Média, formulada como oposição entre unjversaliaante res (os universais existiriam anteriormente e independentemente dos objetos concretos) e unjversaJjajn rebus (eles existiriam apenas nas coisas concretas). Pode-se contudo
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pôr em dúvida se essa concepção dos "universaliain rebus" é de fato uma alternativa ou apenas uma ilusão1.A objeção do despedaçamento - de que se falou no final do parágrafo anterior parece ser válida de modo ainda mais reforçadocom respeito aos "universalia in rebus". Deve-se então criticar Aristóteles por ter assumido, perante Platão, uma posição meramente negativa: os universais não devem existir como entidades autônomas; mas ele não diz como eles devem ser então compreendidos. A única questão aqui é de fato a seguinte: Existem universais ou não existe nenhum universal? E, se existem, isso significa serem eles entidades próprias? 8.3. A concepção platônica e a aristotélica foram reunidas sob o rótulo de realismo (dos universais).(Os universais existem de fato).Na Idade Média houve duas alternativas a essa posição: por um lado, o nominalismo (os universais não existiriam; existiriam apenas as expressões lingüísticas); essa posição se depara com a dificuldade de ter de esclarecer como uma expressão que, enquanto tal, é apenas um objeto concreto, pode ter a função de um termo geral sem, contudo, se referir a um universal; por outro lado, o conceitualismo, segundo o qual os universais não existiriam de fato na realidade, mas sim apenas na mente, no pensamento: eles seriam gerados no pensamento por "abstração". Nossa palavra "conceito" é uma tradução de "conceptus".
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8.4. A concepção conceitualista foia que se impôs no início da modernidade. Ela corresponde à concepção psicológica da lógica. A lógica de Port-Royal fala de idéias universais (idées universelles)obtidas por abstração. Domesmo modo, Lockefala de "abstract ideas" e Kant entende por conceitos "representações universais" (Logik, § 1; cf. também CRP,B 377). Deve-se atentar para o fato de que a palavra "idea" tem, no início da modernidade, tanto em latim como em francês e inglês, o mesmo significado da palavra alemã "Vorstellung(representação)", não tendo mais nada a ver com o significadoplatônico de "idéa".
8.5. Antes de abordarmos as dificuldades da concepção conceitualista, deve-se mencionar um aspecto da teoria do conceito da Lógica de Port-Royalque se tornou historicamente importante. Em I, 6 é traçada a diferenciação entre compréhension ('conteúdo') e étendue ('âmbito') de um conceito (d. também Kant, Logik, § 7). O conteúdo conteria todos os atributos de um conceito; p. ex., o conceito de bezerro contém, entre outros, os atributos "animal", "mamífero", "ruminante". O âmbito conteria tudo o que cai sob o conceito. É pouco claro, com respeito a este ponto, se por "âmbito" deve-se entender os conceitos subordinados ou os objetos aos quais o conceito é aplicável. Frege apontou para o fato de que esta diferença entre conceitos subordinados e objetos aos quais o conceito é aplicável não é uma diferença gradual, mas sim uma diferença lógica bem demarcada2. Um conceito superior (Oberbegriff)é aplicável apenas aos objetos que caem sob ele e não ao conceito a ele subordinado (Unterbegriff)(não se pode dizer: "O conceito 'bezerro' é um animal");B é um conceito subordinado a A se tudo o que cai sob B cai também sob A. sendo que a recíproca não é válida. Hoje em dia a expressão âmbito (extensão) de um conceito é usada de modo inequívoco para o conjunto dos objetos que caem sob ele (o conjunto de todos os bezerros forma o âmbito do conceito 'bezerro'). Com respeito ao outro conceito, ao conceito de conteúdo, o lógico inglês Hamilton substituiu no século XIXo termo "comprehension" pelo termo "intension". Daí a diferença atual entre extensão e intensão. Contudo não se fala mais de extensão e intensão do conceito, mas sim de extensão e intensão do termo geral, e diz-se freqüentemente que a intensão é o conceit03.O que importa aqui é sobretudo que dois termos gerais podem ter a mesma extensão (i. é, eles convêm exatamente aos mesmos objetos, têm o mesmo âmbito, determinam o mesmo conjunto ou classe) e podem ter, no entanto, intensões diferentes (eles
2. Frege, "Über Begriff und Gegenstand" , p. 75s. 1. Cf. Stegmüller, "Das Universalienproblem
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3. Cf. p. ex. Carnap, Meaning and Necessity, § 4. Carnap não fala de conceitos, mas sim de "propriedades".
einst und jetzt", p. 205s.
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estão no lugar de dois conceitos diferentes, i. é, têm significados diferentes; e isso quer dizer que seria pensável que seus âmbitos fossem diferentes, embora eles de facto não o sejam). Um exemplo são as palavras "ruminante" e "ungulado": elas têm a mesma extensão, mas não a mesma intensão.
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8.6. Devemosnos perguntar agora se o conceitualismo escapa às dificuldades nas quais o realismo dos conceitos havia caído. Uma vez que a dificuldade com respeito aos universais consistia na relação entre o universal por um lado e as coisas particulares concretas por outro, não é, em primeiro lugar, claramente visível que essa dificuldade já se deixe solucionar pelo fato de o universal se constituir, agora, no pensamento. Em segundo lugar, pergunta-se se a psicologização do universal não traz consigo até mesmo dificuldades adicionais. Essas dificuldades se tornam visíveis sobretudo no tratamento que Locke dá às "abstract ideas". Pode-se representaralgo universal. p. ex., um triângulo em geral? Este seria então, diz Locke (Essay Concerning Human Understanding,livroN, capo7, § 9),a representação de um triângulo que não fosse nem obtusângulo nem retângulo nem acutângulo, mas que fosse, sim, "tudo isso e nada disso ao mesmo tempo". Essa concepção, publicada em 1690,foisubmetida em 1710a uma crítica aniquiladora na íntrodução do TreaUse Concerning the Principies of Human Knowiedge, de Berkeley.Berkeleyindica que só se pode representar sempre algo determinado; não haveria portanto representações abstratas; e, assim, Berkeleyse vê forçado a recorrer,face ao conceitualismo, ao nominalismo. 8.7. O problema foi retomado novamente por Husserl na segunda de suas Logische Untersuchungen (1900/01)("Aunidade ideal da espécie e as teorias modernas da abstração". Husserl esclarece que tanto Locke quando Berkeleypressupõem ilegitimamente que, no caso da representação de algo universal,teríamos a ver com uma representação sensível, uma representação da imaginação. Seria certamente absurdo querer representar o conceito universal de triângulo na imagínação poís isso significaria pensar o universal como se fosse um particular que cai sob o universal. o que seria de fato absurdo. Trata-se na verdade,
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segundo Husserl, de uma forma de representar de nível mais elevado, de um representar não sensíve14.Com essa concepção, Husserl retoma novamente Platão no interior da tradição do conceitualismo. Há para ele, como para Platão, "objetos universais" (ibid., §§ 1-2), só que estes se constituem, diferentemente de Platão, apenas no pensamento (em um ato de pensamento que ele caracteriza como "abstração eidética"). Contra essa concepção de Husserl pode-se perguntar o seguinte: 12como se podem comprovar essas representações de nível mais elevado? Uma tal aceitação só pode ser, em última instância, uma pressuposição não passível de justificação (com relação à qual Husserl apela certamente para a evidência)5;2Qas mesmas objeções que são válidas contra Platão são válidastambém contra Husserl. Deve-seperguntar sobretudo como se pode, segundo essa concepção, pensar o significado de uma frase predicativa singular. Uma vez que o termo geral deve estar no lugar de um objeto universal, tem que se tomar como válido que a frase predicativa singular expressaria uma determinada relação sintética entre o objeto universale aquele objeto no lugar do qual está o sujeito da frase. Com isso nos encontramos de novodiante da dificuldade referida no capítulo 6 resultante do fato de a concepção tradicional compreender o significado da frase predicativa singular como uma composição. O problema atual- como se devem entender conceitos adequadamente - e o problema do capítulo 6 - como se deve compreender o significado de uma
4. Uma indicação importante nesta direção, indo mesmo mais adiante do que Husserl, mas tendo permanecido uma indicação, é a teoria de Kant dos conceitos como esquemas. i. é. como regras da sintese. "O conceito de cão significa uma regra segundo a qual minha imaginação pode esboçar de modo geral a forma de um animal de quatro patas. sem estar limitada a uma forma particular qualquer, que me é dada pela experiência, ou mesmo a uma imagem possível qualquer que eu exibiria jn concreto" (CRP,B 180). O que Kant caracteriza aqui como "imagem" é toda representação da imaginação. Kant escapa à objeção feita a Locke, pelo fato de o conceito estar no lugar de uma regra e não de uma imagem. 5. De modo mais detalhado em Tugendhat, Vorlesungen zur EÍnführung jn dÍe sprachanalytische Philosoprue, preleção 11.
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frase composta por um termo singular e um termo geral - estão diretamente correlacionados6.
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8.8. Husserl não havia se dado conta de que o artigo de Frege "Funktion und Begriff", publicado dez anos antes das Logische Untersuchungen, abrira uma perspectiva totalmente nova para a compreensão tanto dos conceitos quanto da semântica das frases predicativas singulares. A nova idéia de Frege está no fato de se conceberem palavras conceituais (termos gerais) como um tipo de expressão funcional. Frege parte inicialmente da situação dessa questão na matemática. Tomemos, p. ex., a função (o próprio Frege usa essa palavra de outro modo) y = Y? Depen-
dendo daquilo por que nós substituímos o x, obtemos um ou outro valor para y. Frege diz então que a verdadeira expressão
funcionalé simplesmente"( )2", i. é, umaexpressãocomum
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espaço vazio, uma expressão incompleta. Se substituímos o espaço vazio por uma expressão numeral. obtemos uma expressão que é completa na medida em que ela se refere a um número determinado, e este é então o valor da função para o argumento substituído no lugar vazio. Se, p. ex., inserimos a expressão "3" Ila expressão funcional "( )2",teremos então a expressão comPleta (3)2que se refere ao número 9. Por meio de "(3f" referimoIlos ao número 9, só que como uma função determinada de um Outronúmero, o número 3. Isso também pode ser estendido a expressões não matemáticas. Ao invés de falar da cidade de Berna, posso, p. ex., me referir à mesma cidade como uma determinada função de uma outra coisa, caracterizando-a, digaIIlos,como "a capital da Suíça". A expressão "a capital de ( )" é Umaexpressão funcional do mesmo modo que "( f", só que com
6. Husserl pensou isso do seguinte modo: A frase "O castelo é vermelho" é verdadeira se o castelo está composto com 'o vermelho' na maneira aqui em questão (e de modo análogo Platão teria dito: Se o castelo 'participa' do vermelho). Mas isso pressupõe que nós compreendemos em que consiste "a composição na maneira aqui em questão" ou, respectivamente, a "Participação". A posição contrária é a seguinte: Essa cOmposição ou participação só pOde ser definida se se remonta á verdade da frase. A frase acima deve ser então invertida: o castelo está composto com o vermelho se o enlU1ciado expresso em "O castelo é vermelho" é verdadeiro. Essa questão é exposta de mOdo mais preciso Philosophie, p. 67s. em Tugendhat, Vorlesungen zur Emführung m rue sprachanalytjsche
a diferençade que, agora, os argumentos são países e os valores, cidades, enquanto que no primeiro caso tanto os argumentos quanto os valores eram números. Em ambos os casos, tanto os argumentos quanto os valores são objetos (o que pode ser visto pelo fato de as respectivas expressões serem termos singulares). Através dessa abordagem funcional,Frege mostra como termos singulares mais complexos seriam funções de outros termos singulares. Não parece sensato dizer que o objeto no lugar do qual está a expressão "a capital da Suíça" (i. é, Berna) seja composto de Suíça e do objeto no lugar do qual está a expressão "a capital de"; mas é, ao contrário, sensato dizer que, se essa função é completada pelo argumento no lugar do qual está a expressão "Suíça",o objeto (Berna)é referidocomo valorda função no lugar da qual está a expressão "a capital de ( )". Frege substitui deste modo uma concepção segundo a qual o termo singular complexo estaria no lugar de um composto por uma concepção funcional. Ora, vimos que a idéia de um composto leva a um beco sem saída justamente no caso das frases inteiras compostas de um termo singular e um termo geral. Haveria então para Frege algo mais compreensível do que estender a abordagem funcional, que ele havia aplicado com tanto sucesso a termos singulares complexos, também a frases predicativas singulares? Tomemos uma frase qualquer, p. ex., "Bach é um compositor". Frege compreende agora também o termo geral como expressão funcional. i. é, como uma expressão com um espaço vazio: "( ) é um compositor". Enquantoque, no caso anterior, resultou, dependendo de qual referência objetual nós colocávamos no espaço vazio, uma expressão para um outro objeto, resultará agora, dependendo de qual referência objetualnós colocamos no espaço vazio, uma frase verdadeira ou falsa. Se completamos "( ) é um compositor" com "Bach", obtemos algo verdadeiro;se completamos"( ) é um compositor" com "Kant", obtemos algo falso. Frege se expressa a esse respeito do seguinte modo: Se a expressão funcional é um termo geral, então os valores possíveis da função são valores de verdade. Dessa maneira Frege consegue também compreender o significado da fra-
se predicativainteira de modoa que esta não mais esteja no 108
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T lugar de um composto (i. é, de um composto de um objeto individual com um universal); o que se tem é o fato de a verdade da frase depender do termo singular em função do termo geral, compreendido como expressão funcional. Compreender uma tal frase significa, como no caso de toda frase assertórica, conhecer a condição sob a qual ela é verdadeira, e essa condição consiste, nesse caso, exatamente no que foi antecipado nas três formulações da p. 102. 8.9. Mas agora deve-se colocar a questão sobre qual dessas
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três formulações seria a fundamental. Segundo Frege, seria a segunda. É que Frege parte do fato de que as expressões funcionais, embora elas sejam expressões incompletas (necessitantes de complementação, insaturadas) e enquanto tais não estejam no lugar de objetos, estariam contudo também no lugar de algo. Aquilo no lugar de que está a expressão funcional é chamado por Frege de função, sendo que, se a expressão funcional é um termo geral, a função é chamada de conceito. Frege é então um platonista na medida em que também para ele todo termo geral está no lugar de algo, de um conceito. Com efeito ele se diferencia quanto a esse ponto da tradição moderna clássica, pois para ele os conceitos não devem ser compreendidos de modo conceitualista, sendo, sim, antes, algo totalmente objetivo, como eram para Platão. E ele se diferencia de toda a tradição através de sua concepção funcional da frase predicativa. Essa concepção possibilitou-lhe a seguinte elegante formulação:Uma frase "Fa" é verdadeira se o objeto a cai sob o conceito F. Uma outra diferença é sua idéia de o conceito ser, com efeito, algo, mas não ser um objeto. As duas frases anteriores mostram que a concepção de Frege também leva a dificuldades. Pois: primeiro, não seria absurdo falar de algo que não é um objeto (i. é, que não é um algo, cf. p. 102)?E segundo: falar,como Frege, de uma relação em que um objeto cai sob um conceito não necessitaria - do mesmo modo que falar,como Husserl, de uma relação de composição ou falar, como Platão, de uma relação de participação - um esclarecimento? Essas dificuldades explicam por que na filosofia analítica atual se retomou, em geral, a uma concepção nominalista.
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8.10. Contudo um nominalismo só é defensável se não se satisfaz com a declaração negativa de que nós teríamos apenas sinais verbais. Temos que tornar inteligível, também de modo positivo, como um sinal verbal pode ter a função de um termo geral sem se referir a algo universal. Wittgenstein deu uma tal explicação através de sua concepção de que o significado de uma expressão verbal, em geral, e de um termo geral, em particular' consiste em seu modo de uso. Wittgenstein fez a seguinte pergunta: como nós explicamos a alguém o significado de um termo geral como, p. ex., "vermelho"? Não é através de remetermos essa pessoa ao conceito no lugar do qual este termo estaria, pois isto não poderíamos fazer: conceitos, mesmo que eles existam, não são algo para o qual se possa apontar. Explicamos a alguém a palavra "vermelho", quando lhe mostramos o modo de uso desta palavra, e fazemos isso por meio de exemplos positivos e negativos. O fato de o outro saber usar a palavra da mesma maneira mostra que ele compreendeu a explicação. Para isso não é necessária a hipótese adicional de que ele tenha que representar algo universae. Uma vez tomado como aceito que essa concepção é correta (quanto a isso pode-se naturalmente discutir), pode-se agora reformular nominalisticamente a teoria funcional do significado da frase predicativa proposta por Frege. Isso é feito ao se reconhecer a formulação (1) da p. 102 como a formulação primária: Uma frase "Fa" é verdadeira se o termo geral "F" convém ao objeto a.
Poder-se-ia perguntar como a expressão "convém" é aí entendida. Seguindo-se o método acima indicado, como, p. ex., a palavra "vermelho" é usada, explica-se justamente através de exemplos o que significa "vermelho" convir ou não convir a um objeto.
7. Cf. Wittgenstein, Investigações filosóficas, §§ 65-73; Tugendhat, Vorlesungen zur Einführung in clie sprachanalytische Philosophje, preleção 11; Karnlah/Lorenzen, Logjsche Propadeutik, capo 1, § 2.
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8.11. Assim como fizemos no capítulo 2, p. 24, definindo o enunciado (ouproposição) como o que é comum a todas as frases enunciativas de mesmo sentido, podemos definir também agora o conceito como aquilo que é comum a todos os termos gerais usados de um mesmo modo (tendo nessa medida o mesmo sentido). Se "vermelho"e "rouge" são usados do mesmo modo, eles estão no lugar do mesmo conceitos. Podemos (e, dado o caso, temos que) falar também, agora, de conceitos, mas, se nos é perguntado qual é o conceito que visamos, podemos responder a essa pergunta apenas na medida em que remetemos à expressão lingüística correspondente. Foi mostrado na p. 102 que objetos abstratos são aqueles que não podem ser identificados no espaço e no tempo. Podemos agora complementar positivamente este enunciado negativo: objetos abstratos são aqueles que só podemos identificar recorrendo a expressões lingüísticas. Podemos agora também definir a relação fregiana do "cair" de um objeto "sob" um conceito, relação esta que permaneceu pouco clara no próprio Frege9: a cai sob o conceito F = def. O termo geral "F" convém ao objeto a. "
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Um conjunto C é idêntico a um conjunto C' se ambos contêm exatamente os mesmos elementos. Esse princípio é caracterizado como princípio da extensionalidade. Ele corresponde àquilo que foi exposto no final de 8.5. Dois termos gerais que possuem um modo de uso diferente, i. é, que estão no lugar de dois conceitos diferentes, podem, de acordo com esse princípio, estar no lugar do mesmo conjunto ("ungulado", "ruminante"). Isso pressupõe que os conceitos estejam, por sua vez, definidos de modo intencional. como é comum hoje em dia (Fregeos havia definido de modo extensional). 8.13. Pode-se ainda perguntar: De acordo com a redução, realizada em 8.11, dos conceitos ao modo de uso dos termos gerais, será que a estranha concepção de Frege de que um conceito não é um objeto ainda permanece válida? Devem-se diferenciar as expressões "vermelho" (ou "é vermelho") e "o vermelho". A primeira é um termo geral concreto,i. é, um termo geral) aplicável a objetos concretos; o segundo é um termo singular abstrato, i. é, um termo singular que está no lugar de um objeto abstrato - de um universal. O fato de o vermelho ser um objeto abstrato é também reconhecido por Frege 11. Mas ele valorizao fato de também o predicado "é vermelho" estar no lugar de algo, e esse algo (i. é, o conceito no sentido de Frege) não poderia ser nenhum objeto já que ele seria "essencialmente predicativo". Frege só pôde imaginar sua concepção funcional - que na verdade se orienta pela linguagem - de maneira que tudo no plano lingüístico tivesse um correspondente objetivo, i. é, as expressões funcionais também estariam no lugar de algo que, no entanto, não pode ser um objeto. A duplicação daí resultante de essências abstratas (primeiramente os conceitos essencialmente predicativos e em segundo lugar os objetos abstratos nos quais estes conceitos têm que ser "transformados" se o termo singular abstrato a eles correspondente for usado) é supérflua e levou Frege a dificuldades desnecessárias12.
8.12. A formulação (3), mencionada na p. 102, tem que recorrer além disso a duas outras formulações. Só podemos introduzir classes (conjuntos) por meio de conceitos ou de termos gerais. Um conjunto é uma coleção ou uma classe de objetos de tal modo que de qualquer objeto está determinado se ele é ou não é umelementodessa classe ("Conjunto", "coleção", "classe" são expressões equivalentes). Cada termo geral determina um tal conjunto; p. ex., o termo "vermelho" determina a classe de todos os objetos vermelhoslO. 8. Cf. Lorenzen, Methodjsches 9. Cf. Tugendhat, p. 194s.
Denken, p. 35s.
Vorlesungen zur Elnführung ln dje sprachanalyUsche Philosophje,
10. Poder-se-ia pensar que se pode definir um conjunto por meio da enumeração de seus elementos, ao invés de por meio de um termo geral. Assim poder-se-ia ter em vista o conjunto que consiste de Ruth e Eva. Não é contudo suficiente dizer que os elementos desse conjunto são Ruth e Eva; pois, se deve ser determinado acerca de qualquer objeto se ele é um élemento desse conjunto, deve-se então dizer: os elementos desse conjunto são Ruth e Eva e nenhum objeto que não seja idêntico a Ruth ou Eva. Isso acarreta contudo esse conjunto consistir de todos os objetos aos quais o termo geral "é idêntico a Ruth ou Eva" convém.
11. Frege, "Über Begriff und Gegenstand",
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p. 71.
12. Cf. sobre esse ponto Searle, Speech Acts, capo 5, § 1.
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INDICAÇÕES
BmLIOGRÁFICAS:
Frege, "Funktion und Begriff". Wittgenstein, Investigações filosóficas, §§ 65-73. Lorenzen, Methodisches Denken, p. 30-36. Tugendhat, Vor]esungen zur Einführung jn die sprachanalytjsche Phi1osophie, preleção 11.
9~ TERMOS SJ1N6ULARES
No capítulo 6 vimos que um enunciado predicativo singular é verdadeiro se o termo geral convém ao objeto no lugar do qual está o termo singular. No capítulo 8 foi então abordado o significado de um componente de tais enunciados, o significado do termo geral; sua função consiste em classificar o objeto no lugar do qual está o termo singular e, deste modo, diferenciá-Ia de outros objetos. A função do termo singular consiste, de acordo com essa formulação provisória, no fato de ele estar no lugar de um objeto. A questão sobre o significado dos termos singulares seria então a questão sobre o que significa mais exatamente uma expressão estar no lugar de um objeto. Devemos atentar inicialmente para o fato de a palavra "objeto" ser usada na filosofiaem um sentido mais amplo do que na linguagem ordinária. Na linguagem ordinária entendemos por "objeto" sobretudo coisas materiais; e mesmo assim nem todas as coisas materiais são tidas como objetos, pois não caracterizaríamos pessoas ou talvez seres vivos em geral como objetos. De acordo com o uso deste termo na filosofia,pessoas e outros seres vivos também seriam incluídos entre os objetos, sendo ademais não apenas os objetos materiais, mas também, conforme já vimos em parte, objetos abstratos como números, estadosde-coisas e conceitos considerados na filosofia como objetos. Um objeto - nesse sentido amplo como a expressão é usada na filosofia- é justamente tudo aquilo no lugar de que podem estar termos singulares em enunciados predicativos singulares, ou, como se disse no capítulo 8, tudo para o qual se pode usar a palavra "algo". Mas vamos limitar-nos aqui àqueles termos sin-
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guIares que estão no lugar de objetos materiais, excluindo a problemática dos acontecimentos e dos objetos abstratos. Há três tipos diferentes de tais termos singulares. Primeiramente, nomes próprios como "Pedro" ou "Paris". Em segundo lugar,pronomes como "isso", "ele", "aqui", etc., que são chamados expressões dêiticas ou expressões dependentes contextualmente (cf. cap. 2, final); L é, uma frase como "Ele vem" é uma frase dependente contextualmente com a qual só se pode fazer um enunciado que é verdadeiro ou falsocom o acréscimo de uma situação determinada. Em terceiro lugar, há termos singulares como "a capital da França", "oautor da fliada", etc.,os qumssão caracterizadoscomo descIÍções deflnidas, por estarem no lugar de um objeto de modo a dar uma descriçãoou uma caracteristica do mesmo. Pronomes demonstrativos como "isso" ocorrem no mms das vezes ligados a uma expressão descritiva,p. ex, "esse livro".
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A tradição orientou-se basicamente pelos termos singulares do tipo nomes próprios, pois estes eram considerados como os fundamentais e se pensava que nesse caso a relação entre o termo singular e o objeto poderia ser compreendida do modo mais simples; apenas a partir de Frege existe a opinião que os nomes próprios têm justamente o modo de uso mais complicado e pressupõem os outros tipos de termos singulares. Examinemos, como exemplo da concepção tradicional, a teoria de Mill, pois Mill elaborou detalhadamente essa concepção, e em seguida consideremos o desenvolvimento posterior. 9.1. Mill1chama todos os termos, tanto os singulares quanto os gerais, de nomes. Podemos contudo nos limitar à sua concepção dos termos singulares, caracterizados por ele como nomes individuais. Mill traça a importante diferenciação entre a denotação e a conotação de um nome. Uma expressão é denotativa quando ela se refere a algo, quando ela está no lugar de um objeto. Ela é conotativa quando, além de se referir a algo, "expressa algo conjuntamente". Descrições definidas têm tanto .
1. Mill, A system af Lagi.c, capo 2, §§ 1-5.
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uma denotação como uma conotação; p. ex., a expressão "a capital da França" se refere a (denota) a cidade de Paris e faz isso ao expressar uma de suas propriedades, a saber: o fato de ela ser capital da França. Nomes próprios, ao contrário, têm apenas uma denotação, não tendo uma conotação; o nome "Paris" se refere à cidade de Paris, mas sem dar a entender uma propriedade do objeto referido. Comose deve compreender, de acordo com essa concepção, que um nome próprio está no lugar de um objeto? O nome próprio não possui, segundo Mill, nenhuma conotação; temos portanto, por um lado, o objeto e, por outro, o símbolo lingüística, o nome que deve estar diretamente coordenado ao objeto. Poder-se-ia tentar pensar essa coordenação de modo que o nome fosse preso de alguma maneira ao objeto real, p. ex., do mesmo modo que os nomes de navios são pintados nos mesmos. Essa analogia, no entanto, não se sustenta, pois o nome pintado ou preso não se distancia do objeto ao qual ele está preso, enquanto que nós, ao contrário, podemos também usar o nome próprio como símbolo lingüístico, mesmo quando o objeto no lugar do qual ele está não se encontra diante de nós. Além disso, se prendêssemos o nome em algum objeto, não estaria claro se coordenamos o nome ao objeto inteiro ou, p. ex., apenas à parte sobre a qual o nome está colado. De mais a mais, há nomes como "Odisseu" que não estão no lugar de objetos reais, mas sim no lugar de objetos fictícios, não se tendo neste caso nada a que pudéssemos prender o nome. Mill soluciona essas dificuldades dizendo que o nome não é coordenado ao objeto, mas sim à idéia do objeto que está permanentemente armazenada em nossa consciência e pode ser reatualizada a cada vez que ouvimos ou usamos o nome. Com isso poder-se-ia também escapar ao segundo problema, pois pode-se dizer que podemos construir objetos fantasiasos na consciência sem que haja algo a eles correspondente na realidade. Pode-se caracterizar a concepção de Mill, segundo a qual a coordenação entre nome e objeto consiste de uma associação entre símbolo e idéia, como concepção psicológica dos nomes próprios. Essa concepção leva contudo a dificuldades. A idéia não pode ser simplesmente uma idéia do objeto nomeado no sentido
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usual de uma imagem intuitiva, pOisuma tal imagem é sempre uma imagem determinada na qual tenho o objeto diante de mim tal como ele aparece em um ponto temporal determinado de sua existência e a partir de uma perspectiva determinada. O nome próprio se refere, contudo, ao objeto, no lugar do qual ele está, durante toda a duração da existência do objeto e em todos os modos de aparecer ou se dar. A concepção tradicional tenta dar conta desse problema ao dizerque as idéias não seriam imagens concretas, mas sim idéias não sensíveis de objetos. Mas agora fica pouco claro,primeiro, o que seriam tais idéias não-sensíveis.
9.3. A concepção segundo a qual nomes próprios estão ligados a descrições é também defendida por Russe1l4Se tomamos a frase predicativa singular "WalterScott é um homem", então o nome "Scott" não é, segundo Russell, verdadeiramente um nome próprio, mas sim uma descrição disfarçada, p. ex., "oautor de Waverley".Contudo, diferentemente de Frege, Russell é de opinião de que uma tal descrição é um termo singular apenas gramaticamente e não de acordo com sua função semântica. Russell parte neste caso do problema dos nomes ou descrições definidas vazios, i. é, dos nomes que não caracterizam um objeto real, p. ex., "O atual rei da França é calvo". Russell vê, neste caso, um problema porque, uma vez que os termos singulares estariam no lugar de um objeto, teríamos que dizer que a descrição do exemplo está no lugar de um objeto que não existe. Ele sugere portanto que frases contendo um nome próprio ou uma descrição definida como sujeito gramatical sejam compreendidas de modo a terem a seguinte forma semântica: "Scott é um homem" significa "Há exatamente um x para o qual é válido o seguinte: x é o autor de Waverleye x é um homem". O fato de nos referirmos a um objeto particular está expresso nessa formulação através da expressão "há exatamente um x", enquanto que a descrição não aparece mais como sujeito, mas sim como termo geral. Essa concepção de Russel tornou-se conhecida como Teoriadas descriçõesdefinidas(Thearyaf Definite
Em segundo lugar, não se vai muito longe ao se apelar, com vistas à explicação do significadode um nome próprio,para uma tal idéia não-sensível à qual ele deveria estar coordenado, pois tais idéias, ao contrário dos objetos reais, não são acessíveis aos outros falantes2
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Vê-se então que nem a concepção de que o nome seria, por assim dizer, preso a um objeto real nem a concepção psicológica segundo a qual ele seria associado a uma idéia do objeto podem esclarecer o tipo de relação existente entre nome e objeto. 9.2. Ao contrário de Mill para quem os nomes são apenas denotativos, não possuindo nenhuma conotação. Frege defende a concepção de que nomes próprios têm tanto uma denotação i. é, estão no lugar de um objeto (Frege chama o objeto, de um modo um pouco equivocante, de significado do nome) - quanto também uma conotação - i. é, um significado (Fregechama isso de sentidof Assim, p. ex., o nome "Aristóteles"está no lugar de um objeto, a saber: de Aristóteles, mas de tal modo que a relação entre o nome e o objeto é produzida com auxilio de descrições definidas, p. ex., "o aluno de Platão". Os nomes próprios não são portanto, segundo Frege, os termos singulares básicos; eles remetem, antes, em seu uso, a descrições definidas.
Descriptians).
Frege e Russel defendem então a posição de que os nomes próprios da linguagem comum não estão simplesmente no lugar de objetos; a relação nome-objeto é, antes, mediada por descrições. Levanta-se contudo a questão sobre como deve ser compreendido o fato de descrições poderem se referir a objetos. Ora, já na exposição dos termos gerais, quando o fracasso das explicações tradicionais se tornou visível, colocamos a questão sobre o significado destas expressões de uma maneira diferente, a sa-
2. Sobre a critica da teoria tradicional dos nomes baseada na noção de idéia ou representação, ct., mais detalhadamente, Tugendhat, Vorlesungen zur Eillführung ill dje sprachanalytjsche Philosopme, p. 384-387. 4. ct. Russel, "On Denoting"
3. Veja Frege, "Über Sinn und Bedeutung".
como também The Philosophy of Logjcal Atomjsm,
cap.6.
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ber: com base em Wittgenstein, se colocou a questão sobre o modo de uso deste tipo de expressão. Essa maneira de formular o problema pode ser igualmente aplicada no caso dos termos singulares. Isso significa termos que refletir sobre a seguinte questão: se termos gerais são usados em frases predicativas singulares para classificar e diferenciarobjetos, para que então são usados termos singulares, que função eles têm? 9.4. Uma posição que se orienta deste modo pela questão acerca da função ou do modo de uso dos termos singulares encontramos em Strawson, inicialmente em seu artigo "On Referring" e posteriormente, de modo mais completo, em seu livro Individuais. Strawson começa o ensaio "On Referring" com uma critica à teoria das descrições definidas de Russell. A controvérsia entre Russell e Strawson5foi objeto de muita atenção. No entanto, ela não atinge as questões verdadeiramente decisivas6. Sendo assim, é mais importante investigar a própria posição positiva de Strawson. Strawson torna claro que, ao usarmos uma frase predicativa singular, nos referimos (a expressão inglesa é "to refer", razão pela qual os termos singulares são às vezes também caracterizados como expressões referenciais),por meio do termo singular, ao objeto particular do qual o termo geral é predicado, i. é, que, por meio do termo singular, destacamos, separando-o dos demais (em alemão herausgreifen, em inglês to singie out) o objeto que visamos. O falante, através do uso do termo singular, coloca o ouvinte em condições de identificar o objeto sobre o qual se fala. Com a expressão "identificar o objeto" quer-se dizer que o ouvinte discerne qual de todos os objetos de um dado âmbito é aquele do qual o termo geral é predicado. Já que colocamos de lado termos singulares abstratos, o âmbito em questão é o das coisas materiais no espaço e no tempo. O fato de o termo singular ter a função de destacar um particular, separando-o de todas as coisas de um âmbito, é um aspecto
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totalmente desprezado na teoria tradicional. A teoria tradicional pressupôs que teríamos uma coordenação direta entre signo e objeto. Se, ao contrário, tomamos como ponto de partida a questão do uso lingüístico dos signos, então fica claro que o fato de um termo singular estar no lugar de um objeto se passa de modo que o falante, por meio do termo singular, destaca um entre todos os objetos de um âmbito, dando a entender ser esse o objeto por ele visado. A questão do uso lingüístico mostra então que o termo singular não está simplesmente coordenado ao objeto, mas, ao invés, se refere a ele, identificando-o cornoeste em oposição aos demais. 9.5. Consideremos como identificamos em um caso particular o objeto no lugar do qual está o termo singula{ Isso vai depender da espécie do termo singular. Já que o termo singular destaca o objeto na medida em que ele o diferencia de todos os outros, é de se supor que se comece com descrições definidas que identificam objetos através de suas propriedades. Tais descrições não são freqüentemente isentas de equívocos; quando digo "Ogato preto com urna mancha branca no pescoço está fora de casa há dois dias", ainda não está claro com isso qual gato eu tenho em mente, pois há muitos gatos aos quais essa descrição convém, i. é, porque a descrição é dependente de um contexto. Descrições como "a montanha mais alta", as quais possuem um papel de menor importância na práxis lingüística efetiva, não são, ao contrário, dependentes de um contexto. Contudo, mesmo essas descrições definidas inequívocas não identificam evidentemente, no sentido estrito, o objeto visado. Uma frase da forma "Aquiloque é F é G" diz na verdade apenas o seguinte: "O objeto que tem a propriedade F, qualquer que ele seja, é G". Pode-se sempre continuar a perguntar de que objeto se está falando; p. ex., pode-se perguntar qual é a montanha mais alta. Essa pergunta pode ser respondida ao se levar quem fez a pergunta a uma montanha determinada de modo que ele aponteentão para a montanhadizendo: "É essa aí". Essa iden-
5. Russel responde às objeções de Strawson em seu artigo "Mr. Strawson on
Referring" . 7. Cf., sobre o que agora se segue, Tugendhat, Vor]esungen zur Einführung ín dje
6. Cf.Tugendhat, Vor]esungenzur Eínführungín die sprachanalytjsche Philosopme, p. 384-387.
sprachanalytjsche
Philosophie, preleções 23-26.
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tificação, na qual o objeto visado é dado à percepção, pode-se chamar de identificação indicadora ou ostensiva. Poder-se-ia agora pensar que a palavra "isso" fosse um nome no sentido da teoria tradicional, i. é, um termo singular que poderia ser coordenado diretamente e sem a mediação das descrições a um objeto dado à percepção. Mas não é enquanto nome que coordenamos a palavra "isso" ao objeto. Podemos dar um verdadeiro nome próprio a um objeto em uma situação perceptiva; p. ex., podemos apontar para uma montanha e dizer "Isso se chama Monte Evereste"; mas seria absurdo apontar para a montanha e dizer "Isso se chama 'isso'us. A palavra "isso" tem, antes, um modo de uso totalmente diferente. O característico desse modo de uso é que a palavranão está anexada a um objeto determinado, referindo-se, sim, ao objeto visado a cada vez na situação perceptiva, referindo-se portanto a diferentes objetos, dependendo da situação perceptiva. Por outro lado, poderíamos, através de um outro pronome, p. ex., através de "aquilo que era então visto lá", nos referir, em uma outra situação onde ele não fosse mais perceptível, ao mesmo objeto para o qual podemos apontar aqui e agora através do uso da expressão "isso que é visto aqui e agora". A palavra "aquilo" expressa então uma relação espácio-temporal entre a situação atual do falante e a situação perceptiva tornada distante nesse meio tempo, situação na qual a palavra "isso" foi usada. Algode semelhante é válido para pronomes pessoais: a palavra "eu" não é o nome próprioda pessoa que a profere; ela é, antes, usada de modo a se referir em cada situação àquele que justamente a emprega, i. é, a uma pessoa a cada vez diferente; se, ao contrário, uma outra pessoa quiser referir-se àquele que empregou a palavra" eu", então ela não usará "eu", mas sim a palavra "você" (se ela quiser dirigir a palavra a ele) ou "ele" (se ela quiser falar sobre ele a terceiros). Temos assim todo um sistema de pronomes de modo que um pronome desse tipo referir-se-ia, dependendo da situação, a um objeto a cada vez diferente e que referir-nos-íamos ao mesmo
8. Cf. Wittgenstein,
Investigações
filosóflcas, § 38.
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objeto por meio de diferentes pronomes, dependendo da relação espácio-temporal entre a situação do falante e a situação perceptiva originária. Mas, mesmo através da identificação por meio de expressões dêiticas, a questão acerca de qual entre todos é o objeto visado não está ainda definitivamente respondida. E isso se deve a duas razões. Primeiro. Se, no caso do exemplo da montanha, conduzirmos alguém de olhos vendados para diante da montanha e então lhe tirarmos à venda dizendo-lhe "É esta" e, ao retomar, lhe vendamos de novo os olhos, então ele continua, em um certo sentido, não sabendo qual é a montanha. Ele sabe, com efeito, qual o seu aspecto, mas outras montanhas podem ter exatamente o mesmo aspecto, e por isso ele, tendo retomado, não estará em condições de reencontrar a montanha. E, mesmo que seus olhos não estivessem vendados, ele, sob certos circunstâncias - i. é, se ele não conhecesse pontos fixos no espaço por meio dos quais se pudesse orientar -, não poderia identificá-Ia. Em última instância, portanto, só quando a localização espacial e (no caso de objetos que, diferentemente da montanha, se movem no tempo) temporal de um objeto é dada em um sistema espácio-temporal fixoé que o objeto é identificado através de um termo singular, de modo a se destacar inequivocamente um particular entre todos os outros. Descrições que não dão um aspecto interno do objeto, indicando, sim, uma posição espácio-temporal, - p. ex., "aquilo que no ponto temporal tI se encontra no lugar 11"-, têm desse modo um papel fundamental na identificação de objetos concretos. Pode-se dizer que tais descrições indicadoras da posição de um objeto em um sistema espáciotemporal fixo são descrições objetivamente localizadoras. Contudo, tão fundamentais quanto essas descrições objetivamente localizadorassão igualmente as descrições subjetivamente localizadoras, i. é, as expressões dêiticas como "esse aqui que estou vendo agora", já que só podemos, por sua vez, utilizar a localização objetiva se pudermos enquadrar nossa própria posição no sistema objetivo. Segundo. Se alguém, apontando em uma direção determinada, diz "Isso aqui é feio", então, embora ele tenha apontado para um âmbito espacial determinado, não está imediatamente
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claro o que ele está visando. Talvezhaja ali, para onde ele aponta, uma cadeira, e o ouvinte não sabe se ele tem em mente a cadeira ou talvez apenas o encosto da cadeira. Necessitamos então neste caso de descrições que indiquem o tipo de objeto, para que possamos mostrar que objeto queremos delimitar na seção espácio-temporal em questão. Essa função não pode ser realizada por qualquer tipo de expressão predicativa. Se, ao invés de dizer "Isso é feio", se diz "Esse vermelho é feio", não se garante com isso que um objeto particular seja delimitado na situação de uma maneira inequívoca; suponhamos que se aponte de novona direção da cadeira que é totalmente vermelha; será que se tem em mente com a expressão "esse vermelho"a cadeira inteira ou apenas a pequena seção para a qual está dirigido o dedo de quem aponta? Há contudo um tipo de expressão por meio do qual podemos conseguir essas delimitações. "Cadeira" seria, p. ex., um tal predicado. Ele contém critérios da delimitação espacial do objeto, i. é, critérios para se delimitar que parte da seção apontada pertence ao objeto e que parte não pertence, i. é, critérios para se determinar qual a configuração espacial do objeto. Desse modo, através do uso de uma descrição definida como "esta cadeira" e não através do mero "isso", pode-se delimitar o objeto visado face aos outros; e o uso de tais expressões torna igualmente claro que se tem em mente o objeto e não uma de suas partes, p. ex., a cadeira e não o encosto, pois o predicado "cadeira" não convém ao encosto da cadeira. Tais predicados que contêm critérios de delimitação espacial e, através disso, critérios para se poder contar objetos concretos, são chamados de predicados sortais9. Poder-se-ia fazer a objeção de que tais predicados seriam em última instância dispensáveis, pois também seria possível delimitar o objeto visado na situação perceptiva pelo fato de se limitar a situação a exatamente aquele âmbito espacial que é
9. Cf. Frege, GrundJagen der Anthmetik, sortal"
ainda não ocorre).
§ 54 (onde contudo Sobre a problemática dos predicados
a expressão "predicado sortais,
Strawson, Individuais, p. 168s; Tugendhat, VorJesungen zur Einführung Jytische Philosophie, preleção 26, p. 453-461.
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cf. além disso
in die sprachana-
ocupado apenas pelo objeto visado e pelo objeto visado inteiro. Pode-se fazer isso de modo a se traçarem com o dedo as fronteiras espaciais do objeto ou a se fornecerem essas fronteiras através de descrições definidas, objetivamente localizadoras. Contudo, já vimos que só se identifica realmente um objeto se forpossível referir-se a ele também a partir de outras situações, se for possível enquadrá-lo espácio-temporalmente. Contudo as situações espácio-temporais não existem de um modo qualquer enquanto tais; só podemos diferenciarestas situações porque há nelas objetos que caem sob predicados sortais, contendo estes predicados os critérios de delimitação espacial. E só podemos ter uma relação recíproca e sistemática de localizações subjetivas, como também um sistema espácio-temporal objetivo,porque há objetos que existem durante um tempo relativamente longo (para situações espaciais objetivas necessitamos de objetos que - relativamente aos demais objetos do sistema - não se movam, e, para situações temporais objetivas, de objetos que reapareçam no mesmo lugar em intervalos regulares). Com os predicados sortais podemos, diferentemente do que ocorre com a palavra "isso", nos referir a objetos concretos como sendo aqueles objetos que percorrem um caminho contínuo no espaço e no tempo. É apenas por meio de predicados sortais que podemos, p. ex., fazer enunciados como "O objeto S, que se encontrava no tempo tI no lugar 11é o mesmo que aquele que se encontrava no tempo t2 no lugar 12".
É evidente, portanto, que o significado de termos singulares é um significado de tipo complicado. Usamos termos singulares para mostrar qual entre todos os objetos é aquele do qual o termo geral é predicado em enunciados predicativos singulares. A totalidade com referência à qual se torna possível a identificação de um objeto particular no sentido estrito é a totalidade dos objetos que estão ordenados em um sistema espácio-temporal objetivo. O fato de podermos identificar um particular nessa totalidade pressupõe o uso de expressões dêiticas, descrições objetivamente localizadoras, e predicados sortais como aspectos igualmente fundamentais e dependentes uns dos outros. 9.6. Só quando o modo de funcionamento complicado dos termos singulares de tipo descrições definidas expressões dêiti-
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cas for esclarecido deste modo, pode-se compreender o significado de nomes próprios, i. é, do tipo de expressões que a tradição considerou corno os termos singulares mais simples. Já mencionamos a concepção de Frege acerca dos nomes próprios segundo a qual eles identificariam o objeto no lugar do qual estão, de tal modo que uma descrição definida estaria ligada a eles; "Aristóteles"estaria, p. ex., ligado à descrição "o aluno de Platão". O próprio Frege levanta a objeção de que essa concepção seria problemática para os nomes próprios da linguagem usual. pois diferentes falantes conectarão diferentes descrições a um mesmo nome próprio. A concepção de Frege foi por isso melhorada por outros filósofosde forma que um nome próprio não estaria ligado a urna descrição, mas sim a todo um feixe de descrições, e que o nome identificaria então inequivocamente um objeto se um conjunto suficientemente grande desse feixe de descrições se aplicasse exatamente a um objetolO.Esse feixe de descrições deve indicar pprtanto o significado do nome próprio.
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Já que, corno vimos, nem todas as descrições são realmente adequadas para a identificação de um objeto, outros autores11 defendem a tese de que o significado de um nome próprio não consiste em um feixe de quaisquer descrições, mas sim naquelas descrições que indicam a localização do objeto no espaço e no tempo. Já que, no entanto, parece ser válido intuitivamente que o significadode nomes próprios não consiste em descrições, defende se finalmente a concepção de que nomes próprios particulares não têm o mesmo significado da descrição, mas que o significadoou o modo de uso do tipo de expressão indica o nome próprio para o uso de descrições12. 9.7. Contra todas essas variedades de teorias acerca dos nomes próprios, segundo as quais os nomes próprios estariam, de um modo ou de outro, conectados a descrições, Kripkedefendeu
10. CL Seade, "Proper Names"; Wittgenstein,
Investigações
filosóflcas, § 79.
11. CL p. ex. Zink, "The meaning of Proper Names". 12. CL Tugendhat,
Vorlesungen zur Einführung in dje sprachanaJytjsche Phjlosophje,
p. 147,473.
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em Naming and Necessity a tese de que nomes próprios não teriam nenhuma significação, estando sim simplesmente no lugar de um objeto. Ele recorre explicitamente a Mill, que havia defendido exatamente esta tese. Opondo-se à concepção segundo a qual um nome próprio particular poderia ter o mesmo significado que quaisquer descrições, Kripke argumenta do seguinte modo: Se nós damos um nome a um objeto, p. ex., batizamos urna criança com um nome determinado, então esse nome é justamente usado de formaa se referira esse ser humano em todos os pontos temporais de sua existência e em quaisquer modos de se dar. Dai nenhuma descrição definida é essencial para o uso do nome; se o ser humano em questão tivesse feito coisas totalmente diferentes das que ele efetivamente fez, se portanto a ele conviessem outras descrições definidas diferentes daquelas que a ele efetivamente convêm, ele ainda seria, apesar de tudo isso, o mesmo ser humano (isso é válido para descrições que dão um aspecto interno do objeto corno também para descrições localizadoras: se, p. ex., Aristóteles não tivesse se decidido pela filosofia,a descrição "o aluno de Platão" não conviria a ele e se, ao invés de ir para Atenas, ele tivesse permanecido em seu lugar natal Estagira, a descrição "a pessoa que fixou residência em Atenas em 360 aC" não conviria a ele; mas evidentemente ele seria, apesar disso, o mesmo homem e, se é assim, o nome próprio "Aristóteles" permaneceria aplicável a ele). Em conexão com sua crítica das teorias dos nomes próprios que foramapresentadas até aqui, Kripkedesenvolveubrevemente uma proposta própria. Nomes próprios seriam expressões com as quais objetos são 'batizados' no início de sua existência ou em um ponto temporal determinado. Para poder batizar o objeto, i. é, para poder coordenar-lhe um nome, ternos que poder identificá-lo de um outro modo, ou bem pelo fato de podermos apontar para ele em uma situação perceptiva ou bem pelo fato de podermos identificá-lo por meio de urna descrição definida.Essas descrições, contudo, servem apenas, como diz Kripke,para o estabelecimento da referência do nome, i. é, do objeto a que ele deve se referir; elas não constituem o significado~o nome. Tão logo o nome próprio é introduzido em uma situaçao de ba-
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jeto, temos que poder identificá-Ia de um outro modo, seja que possamos apontar para ele numa situação perceptiva, seja que possamos destacá-Ia entre os demais através de uma descrição que, como foi visto, tem que ser em última instância uma descrição localizadora. Em seguida o nome continua a ser usado pelos falantes da língua, mesmo na ausência do portador, e é transmitido a outros falantes; e o objeto percorre um caminho no espaço e no tempo e com isso novas descrições definidas tanto espácio-temporais como também de outros tipos passam a convir a ele, descrições estas que não convinham a ele no momento do batismo. Para identificar o objeto no lugar do qual está o nome, temos portanto que, em última instância, regressar na série dos usos do nome até o momento do batismo do objeto, e então percorrer o caminho do objeto através do espaço e do tempo até o momento temporal em que o termo geral em nosso enunciado convenha a ele. Do mesmo modo que a identificação do objeto na situação de batismo já exige que possamos usar predicados sortais, o perseguir o caminho espácio-temporal do objeto também faz o mesmo tipo de exigência; pois esses predicados contêm os critérios por meio dos quais podemos constatar se o objeto que percorreu continuamente durante um tempo determinado um caminho determinado no espaço ainda é idêntico ao objeto ao qual o nome próprio foi atribuído na situação de batismo.
tismo, ele é transmitido dos falantes originários para outros falantes que podem adotar e usar o nome sem que conheçam o próprio objeto referido ou descrições que a ele convêm. Se um desses falantes posteriores quiser identificar o objeto no lugar do qual está um nome próprio determinado, então ele tem que proceder de forma a regressar na cadeia de usos do nome até a situação de batismo na qual o nome foi introduzido. Daí essa teoria de nomes próprios ser às vezes chamada de teoria histórica ou causal de nomes próprios. 9.8. Tanto a crítica de Kripkeàs concepções anteriores como também sua proposta positiva contêm pontos importante. Deve,
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se contudoatentarpara o fatode Kripke,a partir de sua crítica, poder concluir que nomes próprios não teriam nenhum significado apenas pelo fato de ele utilizar um outro conceito de significado diferente do que utilizamos até aqui. Kripkeentende por significado de expressões apenas seu significado descritivo. Se, ao contrário, continuamos a entender por significado dos termos singulares seu modo de uso em enunciados predicativos singulares, resulta uma outra conseqüência. A fim de compreender o significado de um nome próprio não se tem, com efeito, que dispor de descrições identificadoras daquele objeto no lugar do qual está esse determinado nome próprio; mas tem que se saber no geral como nomes próprios são usados para identificar o objeto do qual algo é predicado. Se se toma por base esse conceito de significado, então as objeções de Kripkenão atingem aquela versão da teoria dos nomes próprios, mencionada no final do item 9.6,versão esta que afirma que nomes próprios particulares não têm nenhum significado no sentido de um significado descritivo, mas que o tipo de expressão nome próprio tem um significado no sentido da função semântica ou do modo de uso. Como vimos, o próprio Kripke aponta para o fato de que o modo de uso de nomes próprios é dependente do modo de uso dos termos singulares de tipo descrições definidas e dos termos singulares dêiticos. Contudo, Kripke apenas insinuou o modo dessa dependência. Podemos no entanto unir suas sugestões com o que as teorias semânticas dos termos singulares, que consideramos acima, esclarecem. Kripke aponta com razão para a dificuldade da "situação de batismo". Para poder batizar o ob-
Nomes próprios não são portanto as expressões identificadoras mais simples; seu significado só pode ser tornado inteligível se já se conhece o modo de uso dos outros tipos de termos singulares. Nomes próprios identificam objetos de tal modo que neste tipo de identificação o uso de expressões dêiticas, de descrições objetivamente localizadoras e de predicados sortais já esteja pressuposto. Podemos agora também ver por onde a teoria tradicional se orientava quando ela dizia que nomes próprios seriam expressões que estariam direta e imediatamente coordenadas a objetos. Ela se orientou pela situação de batismo na qual um nome determinado é introduzido. Nessa situação pode-se dizer, com efeito, que o nome é coordenado ao objeto para o qual se aponta. Isso pressupõe contudo que já se compreenda o que significa um nome estar no lugar de um ob-
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jeto, que portanto já se conheça o modo de uso de nomes próprios. O fato de um nome próprio ser coordenado a um objeto significa ele ser coordenado ao objeto como a algo particular (1) que tem uma localização determinada no espaço e no tempo, localização esta que o singulariza entre todos os demais objetos, (2)que percorre um caminho contínuo no espaço e no tempo, e (3) que cai sob um predicado sortal determinado por meio do qual ele pode ser fixado como idêntico através de seu caminho pelo sistema espácio-temporal. Agora também podemos esclarecer por que a coordenação entre nome e objeto permanece válida sem que o nome necessite estar preso ao objeto. Isso se explica pelo fato de o objeto poder ser identificado através do nome enquanto ele permanecer em continuidade espácio-temporal com aquele objeto que foi batizado com este nome, sendo que o que permite constatar essa continuidade é o fato de o predicado sortal adequado continuar a lhe convir. INDICAÇÕES BmLIOGRÁFICAS: "
Mill, A System of Logjc, capo 2, §§ 1-5. Frege, "Über Sinn und Bedeutung", p. 40-43.
~ J" I ! . ."
Russel, The Phflosophy of Logjcal Atomism, capo 6. Quine, "On What There Is". Strawson, "On Referring". - InelMeluals. Donnellan, "Reference and Definite Descriptions". Kripke, Naming anel Necessity. Tugendhat, Vorlesungen zur Einführung m me sprachanalytjsche Phflosopme, preleções 20-26 e 28.
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tO~ IDENTIDADE
Vimos no capítulo 9 que, em um enunciado predicativo singular, o termo singular desempenha a função de identificar o objeto que é classificado através do termo geral, i. é, a função de distingui-Ia como diferente de todos os outros. Podemos identificar objetos porque eles são unidades diferenciáveis de outras, unidades que podem se manter como idênticas através do tempo. Como vimos, essa possibilidade de nos referirmos a objetos concretos se funda no uso de expressões que localizam algo no espaço e no tempo e no uso de predicados sortais. Não podemos perder de vista este resultado quando nos perguntamos, agora, pelo significado do conceito de identidade. 10.1. O conceito de identidade é usado em dois sentidos. Primeiro, no sentido de identidade qualitativa; segundo, no sentido de identidade numérica. Fala-se também às vezes de igualdade ao invés de identidade. Já Aristóteles chama a atenção para a diferença entre identidade numérica e qualitativa: "Costumamos falar de "mesmo" com respeito ao número ou com respeito à espécie (...). Com respeito ao número, são um aquelas coisas cuja matéria é uma única (...). Com respeito à espécie, são o mesmo coisas que são muitas, sendo contudo indiferenciáveis quanto à espécie, como p. ex., homem e homem ou cavalo e cavalo. É que todas as coisas que caem sob a mesma espécie são ditas ser o mesmo no que toca à espécie" (Tópicos 103a8s;Metafisica 1016b32s).
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jeto, que portanto já se conheça o modo de uso de nomes próprios. G fato de um nome próprio ser coordenado a um objeto significa ele ser coordenado ao objeto como a algo particular (1) que tem uma localização determinada no espaço e no tempo, localização esta que o singulariza entre todos os demais objetos, (2)que percorre um caminho contínuo no espaço e no tempo, e (3) que cai sob um predicado sortal determinado por meio do qual ele pode ser fixado como idêntico através de seu caminho pelo sistema espácio-temporal. Agora também podemos esclarecer por que a coordenação entre nome e objeto permanece válida sem que o nome necessite estar preso ao objeto. Isso se explica pelo fato de o objeto poder ser identificado através do nome enquanto ele permanecer em continuidade espácio-temporal com aquele objeto que foi batizado com este nome, sendo que o que permite constatar essa continuidade é o fato de o predicado sortal adequado continuar a lhe convir. INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS: ..' "
Mill, A System of Logic, capo 2, §§ 1-5. Frege, "Über Sinn und Bedeutung", p. 40-43. Russel, The Phflosophy of Logicai Atomism, capo 6. Quine, "Gn What There Is".
.",
Strawson, "Gn Referring". - Individuais. Donnellan, "Reference and Definite Descriptions". Kripke, Naming and Necessity. Tugendhat, Vorlesungen zur Einführung in die sprachanalytische Phflosophie, preleções 20-26 e 28.
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tO~ IDENTIDADE
Vimos no capítulo 9 que, em um enunciado predicativosingular, o termo singular desempenha a função de identificar o objeto que é classificado através do termo geral, i. é, a função de distingui-Ia como diferente de todos os outros. Podemos identificar objetos porque eles são unidades diferenciáveis de outras, unidades que podem se manter como idênticas através do tempo. Como vimos, essa possibilidade de nos referirmos a objetos concretos se funda no uso de expressões que localizam algo no espaço e no tempo e no uso de predicados sortais. Não podemos perder de vista este resultado quando nos perguntamos, agora, pelo significado do conceito de identidade. 10.1. G conceito de identidade é usado em dois sentidos. Primeiro, no sentido de identidade qualitativa; segundo, no sentido de identidade numérica. Fala-se também às vezes de igualdade ao invés de identidade. Já Aristóteles chama a atenção para a diferença entre identidade numérica e qualitativa: "Costumamosfalarde "mesmo"com respeitoao número ou com respeito à espécie (...). Com respeito ao número, são um aquelas coisas cuja matéria é uma única (...). Com respeito à espécie, são o mesmo coisas que são muitas, sendo contudo indiferenciáveis quanto à espécie, como p. ex., homem e homem ou cavalo e cavalo. É que todas as coisas que caem sob a mesma espécie são ditas ser o mesmo no que toca à espécie" (Tópicos 103a8s;Metafisica 1016b32s).
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Se a e b são, de acordo com o número, uma única coisa, se eles são, como disse Aristóteles, uma mesma unidade material, então estam os lidando com a identidade no sentido estrito a qual é caracterizada como numérica. Em um sentido mais fracopodese também dizer que a é o mesmo que b (em português deverse-ia dizer preferivelmente, nesse segundo caso, "igual a" ao invés de "o mesmo que") quando a e b são dois objetos distintos, sendo contudo iguais quanto a uma (ou várias) propriedade(s). Essa relação entre a e b é caracterizada como identidade qualitativa. Aristóteles se orientou na passagem citada pelo caso particular da igualdade relativa ao predicado da espécie. Mas a igualdade pode evidentemente também existir, do mesmo modo, com respeito a outras propriedades. Podemos portanto dizer de modo geral: Dois objetos a e b são iguais com relação a um parâmetro P demarcador dos âmbitos e fronteiras de aplicação de um certo predicado se, no que toca a esse parâmetro, eles caem sob o mesmo termo geral. Um caso importante da identidade qualitativa é aquele em que lidamos com objetos que são realizações de um mesmo tipo. Exemplos deste caso são objetos produzidos em série, p. ex.: carros do mesmo modelo ou várias cópias de uma escultura, entre outros; eles concordam entre si quanto à forma, ao tamanho e freqüentemente também quanto ao tipo do material. Será que poderíamos encontrar, entre tais objetos que, sendo realizações do mesmo tipo ou modelo, seriam, idênticos qualitativamente, dois deles que, embora numericamente diferentes, fossem absolutamente iguais com respeito à qualidade, i. é, que não concordassem entre si apenas com relação à sua forma e talvez com relação a algumas outras propriedades, mas sim com relação a todas as suas propriedades? Isso seria, de modo geral, improvável devido à complexidade dos objetos concretos, ao grande número de suas propriedades. Mesmo se pensamos em objetos muito simples, p. ex., em esferas produzidas em série, tendo o mesmo tamanho, a mesma cor e o mesmo material, não podemos garantir uma identidade qualitativa em um sentido absoluto, por um lado porque nossa precisão de medições é limitada, por outro porque mesmo esses objetos simples possuem numerosas propriedades variáveisdevido a circunstâncias exter-
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nas complexas, sendo que teríamos que abarcar com a viscada uma destas propriedades em particular. O conceito ~o igualdade qualitativa absoluta é portanto um conceito-limitee Podemos tratar dois objetos como qualitativamente idênticos' com respeito a determinadas finalidades práticas, quando ele~ concordam aproximadamente entre si com relação às propriedades relevantes; pode-se contudo sempre, em princípio,salientar que eles se diferenciamcom respeito a algum aspecto. Se não podemos provar a existência de uma identidade qualitativa absoluta, podemos tampouco, inversamente, excluir com certeza absoluta que existam objetos que sejam qualitativamente iguais em um sentido absoluto - i. é, eles não apenas se mostrariam como iguais com respeito à nossa verificaçãomomentânea, mas, antes, nunca se poderia constatar uma diferença entre eles. 10.2. Leibniz tentou definir o conceito de identidade numérica justamente por meio do conceito de uma identidade qualitativa não mais relativa. De acordo com essa concepção, dois objetos devem ser numericamente idênticos se, e somente se, eles não podem ser diferenciadospor meio de nenhuma propriedade (esse é o chamado princípioda identidade dos não diferenciáveis (principiumidentitatis indiscernibilium). Ditocom outras palavras: "a = b" significa "(F)(Fa == Fb)"(a chamadaleideLeibniz). Isso implica a tese de que não pode haver objetos numericamente diferentes que sejam iguais com respeito a todas as suas propriedades, i. é, que sejam qualitativamente idênticosem um sentido não-relativo. Ora, vimos, ao tratarmos da função de identificação dos termos singulares, que há pelo menos um aspecto segundo o qual objetos qualitativamente iguais, embora numericamente diferentes, têm sempre que se diferenciaruns dos outros, a saber: a localização espácio-temporal. Contudo,a variável "F" na lei de Leibniz deve, segundo Leibniz,ser substituída apenas por termos gerais referentes a propriedades internas do objeto e não por termos referentes a suas relações com outros objetos. Não se pode então entender como a identidade numérica poderia, desse modo, ser explicada por meio da identidade qualitativa absoluta. Pois, de acordo com o que foi dito no parágrafo anterior, não se pode em princípio excluir que haja ou pudesse haver objetos qualitativamente idênticos apesar de numericamente diferentes.
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A lei de Leibniz não pode ser portanto empregada como explicação ou definição da identidade numérica. Pois é pouco claro o fato de a equivalência afirmada ser válida em ambas as direções. É certo apenas que "a = b" implica "(F)(Fa == Fb)", i. é, que, se a e b foram numericamente um, eles têm que concordar entre si com respeito a todas as propriedades, enquanto que a implicação inversa parece duvidosa. No que concerne à identidade qualitativa, podemos portanto assegurar que essa igualdade está essencialmente relacionada a propriedades, ou a uma, ou a várias, ou, no caso-limite, a todas as propriedades. Aristóteles formulou claramente na passagem citada qual a lógica dessa igualdade: a e b são iguais com respeito à propriedade F se a e b caem sob o termo geral "F". 10.3.Deixemos agora de lado o conceito de identidade qualitativa e voltemo-nos para o conceito, filosoficamente mais interessante, de identidade numérica. Há dois tipos de enunciados de identidade numérica. Primeiro, enunciados de identidade da forma "a=a": a verdade desses enunciados pode ser conhecida a priori por meio.de sua forma semântica, mas esses enunciados são evidentemente triviais. Há um outro tipo de enunciados de identidade que não são triviais desse modo, a saber: enunciados da forma "a=b".Mas o que é exatamente asserido com um enunciado desse tipo? Não se pode querer dizer que dois objetos diferentes, a e b, sejam idênticos, pois dois objetos diferentes um do outro não podem ser numericamente idênticos. Esta questão nos coloca diante da situação que Wittgenstein descreve do seguinte modo no Tractatus: "Dizer de duas coisas que elas são idênticas é um absurdo, e ao se dizer de uma única coisa que ela é idêntica a si mesma não se diz nada" (5.5303).Frege tenta resolver esse dilema e dar uma explicação sensata acerca dos enunciados informativos de identidade da forma "a=b" na primeira parte de seu artigo "ÜberSinn und Bedeutung": "Aigualdade*desafiaa reflexãoatravésde perguntas que estão ligadasa elae não podemser respondidasfacilmen-
* Uso essa palavra no sentido de identidade é o mesmo que b' ou 'a e b coincidem'.
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e compreendo
"a=b" no sentido de 'a
te. Será que ela é uma relação? Uma relação entre objetos? Ou entre nomes ou sinais de objetos? Admiti esta última possibilidade em minha Begriffschrift. As razões favoráveis a essa interpretação são as seguintes: a=a e a=b são evidentemente frases com valores cognitivos diferentes: a=a é válida a priori e deve ser chamada, segundo Kant, de analítica, enquanto que frases da forma a=b contêm freqüentemente extensões muito valiosas de nosso conhecimento e não podem ser sempre fundamentadas a priori. A descoberta de que um novo sol não nasce a cada manhã, de que, ao contrário, é sempre o mesmo sol que nasce, foi certamente uma das mais ricas em conseqüências na astronomia. Ainda hoje reconhecer como o mesmo um pequeno planeta ou um cometa não é sempre algo evidente. Se quiséssemos ver na igualdade uma relação entre aquilo a que os nomes 'a' e 'b' se referem, então a=b pareceria não poder ser diferente de a=a, caso a=b seja verdadeiro. Com a=b seria expressa uma relação na qual cada objeto está consigo mesmo, mas na qual nenhum objeto pode estar com um outro objeto. O que se quer dizer com a=b parece ser que os sinais ou nomes 'a' e 'b' se referem à mesma coisa, e então seria justamente daqueles sinais que se estaria falando; estaria sendo asserida uma relação entre eles. Mas essa relação existiria entre os nomes ou os sinais apenas na medida em que eles nomeassem ou se referissem a algo. Tratar se ia de uma relação mediada pela conexão de cada um dos sinais com o mesmo referente. Essa conexão é contudo arbitrária. Não se pode proibir a ninguém de tomar qualquer evento ou objeto produzido arbitrariamente como sinal para o que quer que seja. Sendo assim, a frase a=b não concerniria mais ao objeto ele mesmo, mas sim apenas aos sinais pelos quais nos referimos a ele; através dessa frase não expressaríamos então nenhum conhecimento efetivo. Mas é justamente um conhecimento que queremos expressar em muitos casos quando usamos a=b. Se o sinal 'a' se diferencia do sinal 'b' apenas enquanto uma forma material extema, mas não enquanto sinal, i. é, não no que diz respeito ao modo como ele se refere a algo, então o valor cognitivo de a=aseria essencialmente idêntico ao de a=b, caso a=b seja verdadelIo: Só haverá uma diferença entre estas duas frases seda diferença de sinal corresponder uma diferença no mo o
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de se dar daquilo a que os sinais se referem. Sejam a, b, c as retas que ligam os ângulos de um triângulo com os meios dos lados opostos. O ponto de interseção de a e b será então o mesmo que o ponto de interseção de b e c. Temos portanto várias caracterizações para o mesmo ponto e essesnomes ('ponto de interseção de a e b', 'ponto de interseção de b e c') indicam ao mesmo tempo o modo de se dar e, por isso, um conhecimento efetivo está contido na frase "ponto de interseção de a e b = ponto de interseção de b e c. É então fácil de se ver que, a um sinal (nome, ligação de palavras, sinal escrito) está ligado, além do objeto referido (que poderia ser chamado de referente do sinal), ainda aquilo que eu gostaria de chamar o sentido do sinal, no qual está contido o modo de se dar. Desse modo, o referente das expressões 'o ponto de interseção de a e b' e 'o ponto de interseção de b e c', em nosso exemplo, seria o mesmo, mas o sentido de cada uma das expressões seria diferente. O referente de 'estrela da tarde' e 'estrela da manhã' seria o mesmo, mas não o sentido" (p. 40s). J
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Frege parte portanto dos enunciados de identidade da forma "a=b", p. ex., "Aestrela da tarde é a estrela da manhã", enunciados que, diferentemente-dos enunciados de identidade triviais da forma "a=a", possuem um valor cognitivo e não são normalmente fundamentáveis a priori. Ele tem em vista inicialmente duas concepções sobre os enunciados informativos de identidade. (1)Tratar-se-ia de uma relação entre aquilo a que os sinais "a" e "b" se referem, i. é, de uma relação de um objeto consigo mesmo. Essa concepção é, com efeito, correta, mas é incapaz de apreender o específico dos enunciados informativos de identidade. (2) Tratar-se-ia, como o próprio Frege havia aceito na Begriffschrjft (§ 8), de uma relação entre os sinais. O enunciado "a=b" significaria então que "a" e "b" referem-se ao mesmo objeto. Frege rejeita essa possibilidade com o argumento de que o estabelecimento de quais sinais nós conectamos a um objeto seria arbitrário, de modo que o enunciado, entendido dessa maneira, "não concerniria mais ao objeto ele mesmo, mas sim ape-
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nas aos sinais pelos quais nos referimosa ele; através dessa frase não expressaríamos nenhum conhecimento efetivo". Frege sugere ~ortanto uma terceira possibi~ida_deque, segundo lhe parece, nao estana exposta a essas objeçoes e que poderia explicar o fenômeno dos enunciados informativos de identidade. (3) À diferença entre os sinais "a" e "b" corresponde uma diferença no "modo de se dar do objeto referido". Aqui Frege introduz sua diferenciaçãoentre sentido e referênciade um sinal diferenciação para a qual já havíamos apontado no capítulo 9: Um sinal lingüística como "a estrela da manhã" se refere a um objeto, a saber: o planeta Vênus (a "referência"de Frege), e este sinal se refere ao objeto pelo fato de ele o visar em um modo determinado de se dar, de ele possuir um sentido determinado. Enunciados informativos e significativos de identidade são possíveis pelo fato de termos singulares de sentidos diferentes poderem se referir ao mesmo objeto. Eles expressam por um lado, do mesmo moda que os enunciados triviais de identidade, a relação de um objeto consigo mesmo. Eles fazem isso contudo de
tal modoque o sinalrelacionalde doislugares "=" é completado por dois termos singulares diferentes, os quais identificam o objeto de duas maneiras distintas; e, uma vez que os enunciados não triviais de identidade contêm esses dois modos de identificação' eles possuem um valor informativo. 10.4.As expressões "a" e "b" em "a=b" são constantes individuais, i. é, nomes próprios. O modo como Frege compreende esses enunciados depende de sua concepção acerca dos nomes próprios, segllndo a qual nomes próprios teriam o mesmo significado que descrições definidas. Vimos contudo, no capítulo 9, que essa teoria de que nomes próprios conteriam uma descrição é implausível e é criticada com razão por Kripke. Kripkecritica portanto também a concepção fregiana acerca dos enunciados de identidade que contêm nomes próprios, concepção esta baseada na teoria das descrições. Kripke se interessa sobretudo pela questão sobre se enunciados de identidade são necessários ou contingentes. Ele emprega neste caso, como já indicamos no capítulo 3, o conceito de necessidade como não significando a mesma coisa que o conceito de analítico ou a priori; ele caracteri~a como necessário, antes, aquilo que não teria podido ser
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diferente, aquilo que é verdadeiro em todos os mundos possíveis,
enquanto que ele emprega o conceito de a priori aproximadamente no sentido em que o introduzimos, i. é, ele o reserva para aquilo que não é conhecido empiricamente, mas sim através da reflexão sobre significados verbais. Uma das razões para essa separação entre necessidade e aprioridade é justamente a concepção de Kripkeacerca dos enunciados de identidade: "Os enunciadosde identidade são necessáriosou contingentes? Essa questão tem sido objeto de controvérsiana filosofiarecente. Primeiro,todos concordamque descrições podem ser usadas para se fazerem enunciados contingentes de identidade. Se é verdade que o homem que inventouos óculosbifocaisfoio primeiroministrodos correios dos Estados Unidos - que estes são uma e a mesma pessoa -, isso é verdadeiro de modo contingente. Isto é, poderia ter sido o caso que um homem tivesse inventado os óculos bifocais e um outro tivesse sido o primeiro ministro dos correios dos Estados Unidos. Assim, quando você faz enunciados de identidade usando descrições - quando você diz '0 x tal que fx e o x tal que yx são um e o mesmo' -, isso pode ser certamente um fato contingente. Mas os filósofos se interessaram também pela questão acerca dos enunciados de identidade entre nomes. Quando dizemos 'Hesperus é Phosphorus' ou 'Cícero é Túlio', será que isso que estamos dizendo é necessário ou contingente?" (Nammg and Necessity, p. 97s). "Primeiro, é correto que alguém possa usar o nome 'Cícero' para se referir a Cícero e o nome 'Túlio' também para se referir a Cícero sem saber que Cícero é Túlio. Assim parece que nós não sabemos necessariamente a priori que um enunciado de identidade entre nomes é verdadeiro. Daí não se segue que o enunciado expresso desse modo seja um enunciado contingente se ele for verdadeiro (Foi a isso que eu dei ênfase em minha primeira
preleção). Há uma intuição muito forte que nos leva a pensar que, se não se pode saber algo por meio de raciocínioa priori,então eletem que ser contingente: ele teria podido se apresentar de um outro modo; penso contudo que essa intuiçãoé falsa.
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Suponhamos que nos referimos duas vezes ao mesmo corpo celeste, uma vez como 'Hesperus' e uma outra vez como 'Phosphorus'. Dizemos: Hesperus é aquela estrela que está ali à tarde; Phosphorus é aquela estrela que está ali pela manhã. Na verdade Hesperus é Phosphorus. Será que existiriam circunstâncias sob as quais Hesperus não teria sido Phosphorus? Supondo-se que Hesperus seja Phosphorus, tentemos descrever uma situação possível na qual ele não tivesse sido Phosphorus. Bom, isso é muito simples. Alguém passa e nomeia duas estrelas cliferentes com os nomes 'Hesperus' e 'Phosphorus'. Isso pode mesmo ocorrer sob as mesmas condições em vigor quando nós introduzimos os nomes 'Hesperus' e 'Phosphorus'. Mas será que essas são circunstâncias sob as quais Hesperus não é Phosphorus ou sob as quais ele não teria sido Phosphorus? Parece-me que não são. Ora, eu sou evidentemente levado a dizer que não, pelo fato de eu dizer que tais termos como 'Hesperus' e "Phosphorus', quando usados como nomes, são designadores rígidos. Eles se referem, em todos os mundos possíveis, ao planeta Vênus. Portanto, também no mundo possível em que estrelas diferentes foram chamadas respectivamente de 'Hesperus' e 'Phosphorus', o planeta Vênus é o planeta Vênus, não importando o que uma outra pessoa qualquer tenha dito nesse outro mundo possível. Como nós devemos descrever essa situação? A pessoa não pode ter apontado duas vezes para Vênus, tendo-o chamado, em um caso, de 'Hesperus' e, no outro, de 'Phosphorus', como nós fizemos. Se ela tivesse feito assim, então 'Hesperus é Phosphorus' seria verdadeiro também nessa situação. Ela não apontou talvez em nenhuma das vezes para o planeta Vênus - pelo menos não apontou em uma das vezes para o planeta Vênus, digamos que tenha sido quando ela chamou o corpo celeste de 'Phosphorus'. Podemos então neste caso dizer certamente que o nome 'Phosphorus' poderia não ter se referido a Phosphorus. Podemos mesmo dizer que poderia ter sido o caso que Phosphorus não estivesse na mesma posição em que ele estava quando o encontramos pela manhã - que uma outra coisa estivesse lá e até que sob certas circunstâncias esta outra coisa fosse chamada 'Phosphorus'. Mas esse ainda não é um caso em que Phosphorus não seria Hesperus. Poderia haver um mundo
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possível, uma situação contrafactual possível em que 'Hesperus' e 'Phosphorus' não fossem nomes das coísas cujos nomes eles efetivamente são. Se alguém determinou a referência desses nomes através de descríções identíficadoras, ele poderia até mesmo ter usado as mesmas descrições identificadoras que usamos. Mas esse continua a não ser um caso em que Hesperus não fosse Phosphorus. País não poderia ter havido um tal caso, dado que Hesperus é Phosphorus" (p. 101s).
Tentemos fazer ressaltar as teses de Kripke.Kripkeaceita a concepção de Frege para aqueles enunciados de identidade nos quais os dois termos singulares que completam a expressão re-
lacional"=" são descrições;ele aponta ao mesmotempopara o
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fato de esses enunciados de identidade serem contingentes, i. é, não necessários. O fato de, p. ex., o corpo celeste que vemos ali pela manhã ser o mesmo que vemos lá à tarde poderia também ser falso. Os nomes próprios, ao contrário, se referem, segundo Kripke,ao objeto simplesmente e independentemente de modos determinados de se dar. Kripkeusa, ao invés dos nomes "estrela da manhã" e "estrela da tarde" aos quais poder-se-ia facilmente conectar determinadas descrições, os nomes "Phosphorus" e "Hesperus" porque neste caso não se é tentado a associar descrições aos mesmos (não se é em todo caso tentado a isso se ocasionalmente não se sabe grego). A referência desses nomes foi então, com efeito, estabelecida por meio de uma descrição que, como vimos na abordagem dos termos singulares, contém, no caso básico, um predicado sortal e uma expressão dêitica (p. ex., "o corpo celeste que você vê ali agora"), mas essa descrição não é o significado do nome. O nome "Phosphorus" está no lugar, como diz Kripke, de um objeto determinado em todos os mundos possíveis, i. é, determinado independentemente dos modos de se dar nos quais ele a cada vez se dá, e o mesmo se passa com o nome "Hesperus". No caso desses dois nomes, o objeto no lugar do qual eles estão é o mesmo, e esse objeto não poderia ter sido um outro diferente do que ele é, e portanto, de acordo com Kripke, é necessário que Phosphorus=Hesperus, embora não possamos conhecer a priori essa identidade, já que os nomes não têm nenhum significado que pudéssemos investigar. O significado dos enunciados de identidade "a=b" que con-
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têm dois nomes próprios diferentes corresponde portanto gundo Kripke, em última instância, ao significado dos enu~ sedos triviais de identidade da forma "a=a", já que eles c~la estes, expressam "a relação de um objeto consigo mes~o" %0 108). . 10.5. Se ficamos apenas com essa informação, não se torna claropor que usamos enunciados de identidade com nomes próprios e por que tais enunciados podem ser informativos1.O fato de podermos fazer enunciados informativos de identidade, empregando dois nomes próprios, está inicialmente no fato de um e o mesmo objeto poder ter vários nomes próprios. Isso é por sua vez possível porque objetos concretos são entidades complexas possuindo partes espaciais e uma extensão temporal e podendo portanto ser coordenados a nomes em diferentes pontos temporais e a partir de diferentes perspectivas. Já que não perseguimos a maioria dos objetos continuamente através do espaço e do tempo, pode ocorrer que batizemos duas vezes o mesmo objeto sem notar que se trata do mesmo objeto. Como se pode então constatar se se trata do mesmo objeto ou de dois objetos diferentes, i. é, se um enunciado de identidade com dois nomes próprios é verdadeiro ou falso? Vimos no capítulo 9 como se encontra o objeto no lugar do qual está um nome próprio, a saber: por meio da regressão através da série causal de comunicações até a situação de batismo na qual o nome foi coordenado a um objeto que é identificado na situação de batismo através da expressão "esse F" (sendo "F" um predicado sortal). Se quisermos agora, p. ex., verificar o enunciado de identidade "Hesperus é Phosphorus", temos então inicialmente que, com referênciaaos dois nomes próprios, ir até o objeto na situação de batismo na qual ele recebeu o nome. Isso nos leva, no exemplo de Phosphorus, a uma situação de batismo na qual foi dito: "Esse corpo celeste que você está vendo ali agora, e que você também vê ali todas as manhãs, se chama
1. Sobre esse ponto, cf. também Quine, "Identity, Ostension and Hypostasis". como também Methads af Lagjc. § 35.
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'Phosphorus''', e para Hesperus a uma situação na qual foi dito: "Esse corpo celeste que você está vendo ali agora, e que você vê ali também todas as tardes, se chama 'Hesperus"'. Se quisermos vir a saber se Hesperus e Phosphorus são o mesmo corpo celeste ou dois corpos diferentes, evidentemente só podemos proceder de modo que persigamos continuamente no espaço e no tempo o objeto tal como ele se dá em uma das duas situações de batismo a fim de verificarse a outra situação de batismo está ou não está também situada nesse contínuo caminho espáciotemporal do objeto. Se as duas situações de batismo estão incluídas no caminho contínuo do mesmo F, então o enunciado de identidade é verdadeiro.
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Embora nomes próprios não tenham o mesmo sentido de descrições nem sequer o mesmo sentido de descrições que consistam de determinações espácio-temporais e de predicados sortais, enunciados informativosde identidade entre nomes próprios não podem ser esclarecidossem referênciaàs descrições contendo sortais, do mesmo modo que os nomes próprios não podem ser introduzidos sem elas. O sentido de um enunciado de identidade informativo "a=b" não pode ser simplemente reduzido ao fato de o objeto ao qual os dois nomes se referem ser idêntico a si mesmo. Os dois nomes nos enviam a duas situações de batismo, as quais não são constituídas de tal forma que tivéssemos diante de nós, em cada uma delas, um objeto completo apresentado em todos os seus aspectos e pudéssemos verificar se os objetos são um único ou dois objetos diferentes. O que temos a cada vez diante de nós na situação de batismo é um estágio espácio-temporal de um objeto do tipo F. Não nomeamos contudo o estágio espácio-temporal, mas sim o objeto como algo que podemos ter por certo ser uma unidade complexa no espaço e no tempo. É justamente pelo fato de termos sempre diante de nós apenas seções espácio-temporais de objetos, embora concebamos os objetos como unidades complexas com um caminho espáciotemporal contínuo, que enunciados informativos de identidade entre nomes se tornam possíveis. Eles não dizem que os dois estágios espácio-temporais de um objeto F, estágios estes que temos diante de nós nas duas situações de batismo, são idênticos, mas sim, antes, que essas seções espácio-temporais são
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dois componentes da existência contínua do mesmo objeto que pode ser perseguido com base no predicado sortal F. Desse modo, chegamos a uma explicação unitária dos enunciados informativos de identidade. Eles expressam a identidade de um objeto consigo mesmo de tal forma que o objeto é referido por meio de dois termos singulares que o identificam através de diferentes modos de se dar. No caso dos enunciados de identidade com descrições, podem ocorrer quaisquer modos de se dar; no caso de enunciados de identidade com nomes próprios, trata-se de modos particulares de se dar, a saber: de estágios espáciotemporais. Enunciados triviais de identidade da forma "a=a" representam um caso-limite de enunciados de identidade, caso este que é com efeito significativo,embora não possua nenhum conteúdo informativo. Tais enunciados ainda expressam apenas a relação na qual um objeto sozinho se encontra consigo mesmo e com nenhum outro objeto. O sentido de tais enunciados pode talvez ficar mais claro a partir do caso negativo, de enunciados da forma"a t:-b". Este enunciado negativo asserindo a ser diferente de b tem o seguinte sentido: a é um objeto numericamente diferente de b, i. é, lidamos no caso de a e b com dois objetos. Agora pode-se dizer o seguinte: assim como a é diferente de todos os outros objetos, do mesmo modo ele é idêntico a si mesmo; e isso significa que ele é numericamente o mesmo, i. é, que ele é um objeto contável como um. O enunciado que assere algo ser idêntico a si mesmo corresponde portanto ao enunciado que assere ser este algo um objeto particular delimitado. INDICAÇÕES
BIBLIOGRÁFICAS:
Frege, "Über Sinn und Bedeutung", p. 40s. Quine, "Identity, Ostension and Hypostasis". Wiggins, Identity and Spacio-Temporal Continuity. Kripke, "Identity and Necessity". - Naming and Necessity. Wiggins, Sameness and Substance.
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existe". Será que com isso ainda dizemos algo sobre o senhor N.N.? Mas, se dizemos, não pressupomos então que ele existe? Sendo assim, parece que não é o simbolismo lógico que causa dificuldades. Nossa compreensão natural da noção de existência não é transparente. ~
EXISTÊNCIA
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11.1. Sobre a história prévia
No capítulo 6 chegou-se à conclusão de que frases gerais particulares têm o caráter de frases existenciais: "Algumasformigas são venenosas" significa o mesmo que "Há formigasvenenosas" ou "Existem formigas venenosas". No simbollsmo da lógica moderna esse "existir" aparece no chamado quantificador existencial: "Há unicórnios" = "Existem unicórnios" é simbolizado por "(::Ix)(unicórnio x)". Levanta-se agora a questão sobre se esse é (apenas um sentido particular de "existência" ou se com isso se apreende o sentido daquilo que compreendemos em geral por "existência". Se aquilo que temos em mente por "existir" é retratado adequadamente pelo quantificador existencial, devemos concluir que a palavra "existir"em frases como "Existemunicórnios" é, com efeito, gramaticalmente um predicado, mas não é semanticamente um predicado (cf. 6.3). Isto porque o quantificador existencial não é nenhum termo geral. Além disso não seria mais sensato dizer de um indivíduo que ele existe (é),pois o quantificador existencial só pode ser ligado a um termo geral. Será que isso não viria se opor à tentativa de se traduzir adequadamente por meio do simbolismo lógico nossa compreensão de "existência"? Pois, aparentemente, é sobretudo de indivíduos que predicamos a existência. Mas será que isso é de fato correto? Não é sensato dizer "eu existo", "eu sou", "isso existe", "isso é"? Então a negação destas frases também teria que ser sensata. Que tipo de sentido teria uma frase como "Eu não existo",? Poder-se-ia pensar que a dificuldade estivesse no significado peculiar de "eu" (e "isso"). Mas também encontramos dificuldades no caso de uma frase como "Osenhor N.N. não
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Diferenciou-se na tradição entre ser enquanto cópula (ser relativo: uma determinação é colocada relativamente a uma outra coisa) e ser no sentido absoluto, onde dizemos de uma coisa simplesmente que ela é (ser no sentido de "ser aí (Dasein)"ou de "existência'f Diferenciou-seem uma coisa entre essência (o que a coisa é) e existência (se ela é). Essa tradição só começa a surgir contudo na Idade Média. Aristóteles ainda não possuía esse conceito de existência. A necessidade de se falar da existência de indivíduos só surgiu, com efeito, no contexto de duas questões teológicas: (1)Comrelação a Deus, a questão é evidente: ele existe? Temos, assim se dizia, um conceito de Deus (uma representação de sua essência), mas será que ele existe? (2)É Deus que confere ser aos indivíduos (ou que lhes confere existência)2. Ambas as questões sugerem uma diferenciação entre dois níveis do ser: o do meramente possível e o do realmente sendo. Quanto a (1): Deus é algo de possível em minha representação, mas será que ele é real?Quantoa (2): Os indivíduos são inicialmente meras possibilidades que só por meio de Deus são convertidos em ser. Uma importância particular foiatribuída nesse contexto à chamada "prova ontológica de Deus". Ela tem sua origem em Anselmo de Cantuária. Na versão pela qual foi renovada por Descartes3, ela tem a seguinte forma: o conceito de Deus é o conceito de uma essência perfeita. Esse conceito
1. Kant, "Der emzig mógliche Beweisgrund zu emer Demonstration des Daseins Gottes", p. 73. 2. Cf. Glison, L'être et J'essence, capo 3. 3. Descartes. MeclitaUones de prima philosophja, 5' meditação.
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abarca, portanto, téLmbém a existência. No pensamento
que se
rocha, convêm os predicados pensados conjuntamente num hexágono,,4.
tem de Deus já está então implicada a existência. Portanto, ele existe.
Kant antecipa aqui a concepção atual segundo a qual "existir" não só não é um predicado real, mas, visto semanticamente, não é sequer um predicado, podendo ser expresso através do quantificador existencial. Frases como "Unicórnios existem" são equivocantes, pois elas podem dar a impressão de que predicamos dos (possíveis) unicórnios a existência. O que se quer dizer
Em sua refutação desta prova de Deus diz Kant na CRP (B 626s): "Ser não é evidentemente nenhum predicado real, i. é, um conceito de algo qualquer que pudesse se acrescentar ao conceito de uma coisa. [H']A frase 'Deus é onipotente' contém dois conceitos que possuem seus objetos: Deus e onipotência; a palavrinha 'é' ainda não é um predicado por si mesma, mas sim apenas o que o predicado põe com respeito ao sujeito. Se tomo o sujeito (Deus)conjuntamente com todos os seus predicados (entre os quais está também a onipotência) e digo: 'Deus é' ou 'Um Deus é', não acrescento nenhum novo predicado ao conceito de Deus, mas apenas ponho o sujeito em si mesmo com todos os seus predicados, e, para dizer mais explicitamente, ponho o objeto tal como concebido em meu conceito. Ambos têm que conter exatamente o mesmo conteúdo, e portanto o fato de eu pensar o objeto de um conceito como pura e simplesmente dado (através da expressão: ele é) não pode acrescentar nada mais ao conceito do que expressa a mera possibilidade. E desse modo o real não contém nada mais do que o mero possível contém".
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com tais frases torna-se mais claramente compreensível se as reformulamos a partir do que é indicado por Kant e então dizemos: a certas coisas na natureza convêm os predicados que são pré-requisitos para que caracterizemos algo como um unicórnio. Kant, portanto, aponta aqui para o fato de que frases existenciais devem, na verdade, ser concebidas como frases particulares.
Essa concepçãoparece concludentepor uma razão que é indica da aqui por Kant e que é mais decisiva que as fundamentações que são comumente dadas na literatura atual. Kant escreve o seguinte antes da citação mencionada acima: "Por isso, para mostrar a correção dessa frase sobre a existência (Dasein) de uma tal coisa, não se investiga o conceito do sujeito. [...1Diz-se: eu a vi ou eu ouvi falar dela por aqueles que a.viram";
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Já encontramos portanto em Kant a concepção de que a existência não é um predicado no sentido não gramatical. Certamente' o que se quer dizer aqui com isso é meramente que a existência não é, por sua vez, uma determinação conceitual tal como pressupõe a prova ontológica de Deus. Contudo Kant também opera aqui com a noção de que a existência é algo que se acrescenta à coisa que é inicialmente pressuposta como algo de possível. Em um tratado anterior que se ocupa igualmente da prova de Deus, Kant já dera um passo mais adiante: "A expressão 'Um unicómio marinho é um animal existente' não é portanto uma expressão totalmente correta; corretaé, inversamente,a expressão 'A um certo animal marinhoconvémos predicados que penso, comoformando um todo, num unicómio'. Não: Hexágonosregulares existem na natureza, mas sim: A certas coisas na natureza, como aos alvéolos de abelhas ou aos cristais de
Kant pressupõe aqui que nós só compreendemos a semântica de uma tal frase se nos perguntamos como podemos "mostrar" sua "correção" (verdade). Para verificar se a frase "Unicórnios existem" é verdadeira, não investigamos os (possíveis) unicórnios a fim de verificar se o predicado da existência convém a eles; investigamos, sim, os animais do mundo real a fim de verificar se alguns deles são unicórnios. Comparemos as duas frases (1) "Ovelhas balem" e (2) "Ovelhas existem". Parayerificar a verdade de (1), temos que observar ovelhas. Para verificar a verdade de (2), não faz sentido observar ovelhas, pois não podemos observar as possíveis ovelhas e, se
4. Veja nota 1.
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observamos as ovelhas reais, já pressupomos sua existência. A verdade de (2),não obstante, se funda na observação, mas não na observação de ovelhas.
11.2. A concepção de Russell sobre frases existenciais O locus classicus para a concepção moderna de frases existenciais é o ensaio de Russel "On Denoting" (1905).Russell fez uma exposição mais simples de sua concepção em suas preleções sobre ThePhilosophyof Logical Atomism (1918)(cf.também sua introduction to Mathematical Philosophy, § 16). Uma apresentação da idéia essencial, apresentação esta digna de ser lida e isenta das muitas negligências de Russell, se encontra em Quine, nas primeiras páginas de seu ensaio "On what there is". Exposições resumidas são encontradas em Carl e Specht.
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A razãopor que Russellpensava que a possibilidadede se compreender a palavra "existe" como predicado deveria ser rejeitada está nó fato de que, se não se fizesse isso, seríamos forçados a falar de objetos não existentes (esta é também a razão decisiva para Quine). Já vimos que esses objetos não-existentes eram concebidos na tradição pré-kantiana como objetos RQssíveis. Russell teve contato com a concepção tradicional a partir do modo como ela havia sido defendida pelo filósofoaustríaco Meinong e como o próprio Russell a havia defendido ainda em seus Principles of Mathematics (1903). Russell compreendeu Meinong como se estei:lfirIllaSS~uando perguntamos sobre um objeto 'A se ele existe ou não, -então sempre 1á ressupomos que ele seja em um certo sentido, pois, não fosse assim, não poderíamos sequer falar dele. Fica em aberto se ~le ~ ,existe,mas ele tem que ser de algum modq; e Russell,juntamente com Meinong, pensou em caracterizar esse ser como "subsistência". Na verdade a concepção de Meinong era um pouco diferente. Ele afirmava que podemos falar de objetos sem lhes imputar algum tipo de ser. Eles possuem portanto um "extraser". Essa posição é um pouco difícil:não parece sensato, como pensava Meinong, falar de um objeto ao qual não se atribui ne-
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nhum tipo de ser. E tampouco parece sensato atribuir a um objeto um certo ser apenas para que se lhe possa ou atribuir ou negar a existência. Pode-se contudo perguntar se essas seriam as razões realmente decisivas para que não se conceba o "existe" como predicado ou se a razão verdadeiramente decisiva não seria, antes, a mencionada no final de 11.1. Russell procede em três passos. O primeiro concerne a frases existenciais g.erais("Unicórniosexistem"); o segundo, a frases ~éÍÍciais indi\lictuaiscem descrições ("O autor da Iliadaexiste");õ terceiro, a frases existenciais com nomes próprios ("Homero existe"). .Ele usa neste caso a palavra "existe" em um selltrdõatemporal. "Homem existe" não significa "Homeroexiste agora", mas êim "Homem existe em qualquer que seja a época" (ele.existe ou existiu ou existirá). r - _Oobjetivo da argumentação de Russell é o de mostrar que ~õdos esses casos a p_alavra"existir" não é compreendida semanticamente como predicado, mas sim como operador existência1 Isso ê fácil de se mostrar para frases existenciais gerais. -Russell defende aqui de modo totalmente explícito a concepção que se encontrava em linhas gerais no tratado de Kant "Der einzig mogliche Beweisgrund zu einer Demonstration des Daseins Gottes,,5.
É muito simples transferir essa concepção para enunciados existenciais individuais no caso em que o termo singular é uma descrição definida. Se "Unicórniosexistem" quer dizer o mesmo que "Entretodos os objetos há alguns que são unicórnios", então é de se supor que "O autor da Iliadaexiste" deva ser compreendido de modo que com essa frase se queira dizer "Entre todos os objetos há um que escreveu a Iliada".-l:joJormaU§mo simbólico-ternos que levar em conta aqui o fato de não se estar mais falando de "alguns: (pelo menOS-nTn), mas sim de "um" (exatamente um). Isso é feito do seguinte modo: (~x) [Fx A y) (Fy =>
5. Cf. também Frege, GrundJagen der Arithmetik, § 53. Uma exposição completa do conceito de existência se encontra no texto póstumo de Frege "Dialog mit Pünjer über Existenz" .
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Y=x)].Deve-se repertir outra vez: essa concepção possui todas as vantagens que a concepção correspondente das frases existenciais gerais já possuía: não necessitamos mais falar de um autor da Iliadaque seja possível ou subsistente ou extra-existente, autor este que nós investigaríamos a fim de saber se ele possui ou não a existência. Como agora tratar a frase "Homero existiu"? Nesse caso Russell recorre à concepção de Frege segundo a qual um nome próprio se baseia em descrições. Se perguntamos se Homero existiu, queremos aproximadamente perguntar se existiu uma (única) pessoa à qual convém aqueles predicados que ligamos ao nome"Homero",i. é, p. ex., se existiu uma (única pessoa que escreveu a Iliadae a Odisséia.Russell escreve resumidamente o seguinte: "Há uma grande quantidade de filosofias que partem do fato de que a noção de existência é, por assim dizer, uma propriedade que se pode atribuir a coisas e que as coisas que existem possuem essa propriedade e as que não existem não a possuem. Isso é sem sentido, quer se pense em tipos de objetos quer se pense em objetos individuais. Se, p. ex., digo 'Homero existiu', tenho em vista por 'Homero' uma descrição, p. ex., 'o autor dos poemas homéricos',e afirmoque essespoemasforamescritospor um homem, afirmação esta muito questionável; mas se pudesse apanhar a pessoa que realmente escreveu esses poemas (supondo-se que uma tal pessoa tenha existido), então seria sem sentido dizer dessa pessoa que ela existiu: não seria falso, mas sim sem sentido, pois é apenas de pessoas caracterizadas por uma descrição que se pode dizer significativamente que elas existem,,6.
A correção desta última afirmação de Russell parece se confirmar pelo fato de que, quando não falamos de uma pessoa (ou de um objeto qualquer) por meio de uma descrição ("o tal e taL"), podendo, antes, apontar para ela (ou, conforme o caso,
6. Russell, Logic and Knowledge, p. 252.
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ele) ("esse..."), não parece ser mais sensato dizer que ela não existe e portanto também não parece ser sensato dizer que ela existe. - Ou será que ainda seria sensato? Primeiro: Será que não posso apontar para algo sobre o qual estou incerto se ele é apenas uma quimera minha ou se é um objeto real? Como se deve então compreender a frase "Isso é/é realmente? Cf. 11.3.2. E, em segundo lugar: Mesmo que não pareça sensato dizer "Eu (não) existo", não é contudo sensato dizer "Eu (não) existirei"? Cf. 11.3.3.
11.3. Questões em aberto As questões por último mencionadas já mostram que a teoria de Russell não resolve de modo algum todas as dificuldades referentes ao termo "existe". Mesmo que se considerea concepção de Russell convincente em seu âmbito central. ela deixa várias questões em aberto, questões que são controversas na literatura desde então e que, em parte, ainda quase não estão esclarecidas. No que se segue devem ser indicados três complexos de problemas. 11.3.1. Existência interna e externa. Vimos no capítulo 6, nota 6, que o uso dos quantificadores pressupõe, a cada vez, um âmbito de objetos mais abrangente, âmbito este que está implicado no "x". Se digo "Para todos os x ou para alguns x é válido...", então se coloca a seguinte questão: Qual é o todo que se tem em mente com "x"? Se dizemos, p. ex., "Cada coisa: se ela é uma formiga, ela é venenosa", qual é o todo que a expressão "cada coisa" abarca? Todos os animais? Ou todos os objetos no espaço e no tempo? Ou será que poderíamos falar, de modo ainda mais geral, de todos os objetos em geral? Toda pergunta sobre a existência não deve ser compreendida em relação a um âmbito determinado de objetos? Se perguntamos, p. ex., se existem unicórnios, então isso parece querer dizer que perguntamos se, entre todos os objetos materiais, existem alguns que são unicórnios. Podemos eventualmente limitar o âmbito pressuposto de objetos e dizer, de modo igualmente válido, que o âmbito pressuposto de objetos é o de animais. Mas será que podemos estendê-Ia à vontade? Será que podemos conceber o âmbito de 151
objetos de tal modo abarcante que a ele pertençam, além dos objetos espácio-temporais, também os objetos abstratos? Tanto uma resposta positiva quanto uma resposta negativa a esta questão levam a dificuldades. Supondo-se que respondêssemos positivamente à questã07. Ora, havíamos visto no final de 11.1que a condição de verdade de uma frase existencial remete a um âmbito de objetos que pode ser investigado com vistas a que se verifique se o termo geral contido nessa frase convém a alguns objetos. Parece sensato encarar como um âmbito de investigação ou de verificaçãoo âmbito de todos os objetos espácio-temporais ou mesmo o âmbito de todos os números, mas não o âmbito de todos os objetos em geral. Parece portanto haver vários âmbitos abarcantes de objetos, âmbitos estes que não caem mais sob um âmbito único.
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Carnap parte dessa pressuposição, por último mencionada, quando ele diferencia questões existenciais "internas" e "externas"s. Uma questão existencial interna significa uma questão sobre a existência no interior de um âmbito de objetos, p. ex. "Existem unicórnios?" (no âmbito de objetos espácio-temporais), "Existe um número primo entre m e n?" (no âmbito dos números). Tais frases existenciais internas deveriam ser compreendidas do modo como Russell as esclareceu. Frases existenciais externas, ao contrário, seriam frases que concernem à existência de todo um âmbito de objetos, p. ex., "Há números" = "Números existem", "Há objetos materiais", "Há conceitos". Como deve ser então compreendida nesses casos a palavra "existe" (ou "há")? Se ainda se quisesse manter o sentido elucidado por Russell - i. é, se ela correspondesse ao operador existencial-, teríamos que pressupor aquele âmbito de objetos mais abarcante aceito pela concepção acima rejeitada. Essa pressuposição parece, justamente a partir da presente colocação do problema, altamente implausível,pois não é sensato dizer que podemosinvestigaros objetos em geral a fimde vir a saber se
7. Do mesmo modo Guine, cf. From Lagjcal Pamt af Vjew, p. 105. 8. Cf. Camap, "Empiricism, Semantics and Ontology".
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alguns deles são números. Será que "existir" possui então nesse caso um outro sentido? A questão não está esclarecida9.
11.3.2.EJdstênciaimagináriae real. Há, além do mundo real, mundos de estória e de romance, mundos de fantasia, mundos de sonhos. Esses mundos estão relacionados ao mundo real em um duplo sentido. Primeiramente, são pessoas que sonham, têm fantasias, narram estórias. Em segundo lugar, o que é narrado, fantasiado, etc., é, em suas estruturas, análogo ao mundo real: são como-se-fossem-mundos. Um discurso que se quer ficcional contém as mesmas estruturas de enunciação de um discurso que se quer real: frases predicativas, frases existenciais, etc. Tomemos, p. ex., a narração da fliada. Nessa estória fala-se de váriaspessoas. No mundodessa estória "há" essaspessoas,p. ex. Agamêmnon. Esse "há" pode ser compreendido completamente no sentido de Russell: entre todas as pessoas que ocorrem nessa estória, há exatamente uma que se chama "Agamêmnon". Enquanto que a questão sobre se há no mundo real uma pessoa determinada remete à observação, a questão sobre se Agamêmnonexiste ("ocorre")na fliada deve ser verificadasimplesmente no texto. Surge agora, contudo, um problema particular se passamos de um mundo de fantasia para o mundo real. Podemos, p. ex., perguntar "Agamêmnon existiu (realmente)?" Aqui "existe" é usado em um sentido enfático, sentido que, primeiro, se refere exclusivamente ao mundo real e, segundo, contrasta o que existe no mundo real com aquilo que existe em um mero mundo de fantasia. Parece neste caso que atribuímos a existência como predicado a um objeto que está inicialmente pressuposto em um modo de ser mais fraco (ao Agamêmnon que aparece na Iliada). Como mostrou AlstonlO,isso é apenas uma ilusão. Devemos nos perguntar novamente qual é a condição de verdade do enunciado "Agamêmnon não ocorre apenas no poema; ele existiu
9. A mais recente investigação que se dedicou a essa questão é a de Zimmermann, Der "Skandal der Philosaphje" und die Semantik. 10. Alston, "The Ontologica! Argument Revisited".
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realmente". Como constatamos a verdade desse enunciado? Não a constatamos ao investigar o Agamêmnon do poema e pergun-
tar se a ele pertencea existênciareal, mas sim ao investigara história real e perguntar se ocorreu nela uma pessoa que correspondesse ao Agamêmnon do poema. De modo análogo ter-se-ia que tentar responder à primeira das questões colocadas no finalde 11.2. "Seráque isso é apenas um objeto de meus sonhos ou de minha imaginação ou ele existe na realidade?" é uma questão que é respondida através da observação do mundo real. 11.3.3. Existêncja temporal. No item 11.2 foi indicado que Russell usa a palavra "existe" em um sentido atemporal. Com isso é, contudo, deixado fora de consideração um componente essencial daquilo que temos em mente com "existir". Como pode ser compreendido esse componente? É mais uma vez aconselhável orientar-se, com vistas ao esclarecimento do sentido do enunciado em questão, por aquilo que suas negações significam. A negação de "H. existe (atemporalmente ou, conforme o caso, em qualquer que seja a época)" é "H. não existiu em nenhuma época", e isso significa, de acordo com a explicação de Russell dessa frase, "Não é o caso que, entre todas as pessoas (que existiram em alguma época), se encontre um H.". A negação de "H. existe (agora)"é, ao contrário, "H. não existe agora", e isso sugere a seguinte frase: "H. existe em um outro momento temporal". Diferentemente da existência, p. ex., de um número, é característico da existência de um objeto material que o objeto surja (i. é, comece a existir) em um momento temporal ti determinado, esteja presente no espaço durante um período de tempo tHn determinado e desapareça (i. é, cesse de existir) em um momento temporal tn. A existência no sentido temporal se aplica portanto a um estar presente no espaço durante um tempo determinado. Essa formulaçãosugere que se conceba esse "existir" no sentido temporal como um predicado de dois lugares que está no lugar de uma relação entre o indivíduo e um (ou vários) momento(s) temporal(ais).Isso significa que, ao falarmos de "existência", dois conceitos diferentes estariam aí ligados, um que (seguindo Russell) deve ser expresso através do quantificador existencial e um segundo que está no lugar de uma relação.
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Mas uma tal concepção fracassa devido à mesma dificuldade que atinge a concepção tradicional de frases existenciais. É que, se dizemos de Pedro H. que ele existiu (viveu),de 5 de julho de 1896até 7 de fevereirode 1944,o que se pode dizerdele antes e depois dessas datas? Será que devemos dizer: ele ainda não vive (existe) ou ele não vive mais? Mas o que ele fazentão? Essa questão se insinua evidentemente ao se falar de uma tal maneira; ela conduziria contudo a que todos os objetos materiais antes e depois de seu estar presente no espaço vivessem um tipo qualquer de quasi-existência. Essa reflexão aponta para o fato de que o "existe" temporal não está no lugar de uma relação e que ele não é nenhum termo geral, nem um termo de um lugar, nem um termo de dois lugares. Pois a aplicação de um termo geral a um objeto sempre pressupõe que já possamos identificar o objeto independentemente desta aplicação. Isso contudo não é possível no caso da existência temporal. Um objeto não é primeiramente o objeto que ele é, estando em seguida presente no espaço em tempos determinados; ele se constitui como o objeto identificável que ele é apenas nesse estar presente. Por conseguinte, se confirma também para a existência temporal a tese básica de Russell de que "existe" no sentido lógico-semântico não é um predicado. Mas como esta existência temporal deve então ser compreendida positivamente? Isso ainda não está até hoje esclarecidol1. INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS: Russell, The Phflosophy of Logical Atomism, capo 5.
11. Para uma tentativa de resposta a essa questão, cf. Tugendhat, "Existence in Space and Time". A existência temporal, assim é a tese do ensaio, também só pode ser compreendida com auxilio do quantificador existencial que, neste caso, é certamente tão modificado que a frase geral que toma a forma "Nesse lugar há agora exatamente um F, e esse é chamado 'Pedra'" forneceria o fundamento para a frase singular "Pedra está presente aqui". Se Pedra morre, ele não perde a existência (e conseqüentemente permaneceria ainda de algum modo como não existente), mas: não há mais após a sua morte em nenhum lugar no espaço um objeto que esteja em continuidade com aquele que tinha sido caracterizado como Pedra.
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Moore, "ls Existencea Predicate?" Quine, "On What There is". Carnap, "Empiricism, Semantics and Ontology". Alston, "The OntDlogicalArgument Revisited". Specht, Sprache und Sejn.
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Carl, Existenz und Praclikation.
Tugendhat, "Existencein Space and Time".
SER, NEGAÇÃO, AFIRMAÇÃO
Zimmermann, Der"Skandalder Philosopme" und cliesemantik.
12.1. Existência, identidade e cópula Os conceitostratadosnas duas últimasseções - existência e identidade - se referem tradicionalmente a duas significações de "ser". Expressamos frases de identidade na maioriadas vezes com a palavra "é". "A estrela da tarde é idêntica à estrela da manhã' é uma formulaçãoprolixa de "Aestrela da tarde é a estrela da manhã". O fato de, por outro lado, podermos dizer "é" ao invés de "existe" é menos evidente. Pode-se todavia também dizer, ao invés de "Deus existe", "Deus é" e, ao invés de "Eu existo", "Eu sou"; mas em outras frases existenciais a transcrição por meio de frases com o verbo "ser" parece artificial em português: "Unicórniossão?" Comparemos o uso da palavra "é" nas seguintes frases: (1)Deus é. (2)A estrela da tarde é a estrela da manhã (a=b). (3)A estrela da tarde é um planeta (Fa). Em (1)o termo "é" é gramaticalmente o predicado, mas vimos no capítulo 11que semanticamente ele não é um predicado. Em (2) e (3), ao contrário, ele é gramaticalmente apenas uma parte do predicado (do sintagma verbal). É importante observar agora que ° termo "é" em (2)se diferencia semanticamente do termo "é" em (3).Em (2)há de ambos os lados termos singulares; em (3) há um termo singular apenas de um lado, havendo do
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outro lado um termo geral. Deve-se portanto caracterizar como cópula apenas o "é" em (3).Uma frase da forma (3)dá a entender que um objeto (a) cai sob um conceito (F);uma frase da forma (2),ao contrário, dá a entender que o objeto referidopor meio de "a" é idêntico ao objeto referido por meio de "b". Pode-se substituir o "é" em (2), mas não o "é" em (3), pela expressão "é idêntico a". Nesta última expressão ocorre de novo a palavra "é" e ela tem neste caso o mesmo sentido que em (3): ela é agora urna mera cópula que é complementada pelo termo geral de dois lugares "idêntico a"l. A necessidade de diferenciaçãoentre esses dois significados de "é" foi reconhecida pela primeira vez por Platão em seu diálogo Sofjsta. Na filosofiaanterior dos chamados sofistas a falta de clareza sobre essa diferenciaçãolevoua paradoxos.Argumentava-se, p. ex., do seguinte modo: "Sócrates é um homem; Glaucon é um homem; então Sócrates é = Glaucon" (essa argumentação se baseia na suposição de que o "é" nas duas premissas significa "é idêntico a"). Dizia-se também que em urna frase predicativa qualquer (p. ex. "Sócrates é calvo")o que é expresso pelo predicado (a calvície) é diferente do que é referidopelo sujeito (Sócrates); e, ao se supor que o "é" da cópula possui o sentido de identidade, concluía-se o seguinte: então Sócrates é idêntico a algo que é diferente dele, e isso seria uma contradição. Reflexões desse tipo já haviam levado Parmênides - o primeiro a refletirsobreo ser e o ente - a dizer: só pode haver um único ser sem determinações. A mesma mistura entre cópula e identidade se encontra também novamente em Hegel: "Ojuízo é uma relação idêntica entre sujeito e predicado"z. Sendo assim, todo juízo predicativo expressaria, também para Hegel, uma identidade de não-idênticos e conseqüentemente urna contradição; só que ele extrai desse fato a conseqüência oposta à de Parmênides: a contradição pertence ao ser.
12.2. A ontologia Desde Aristóteles e, de certo modo, desde Parmênides, há urna tradição segundo a qual a questão básica da filosofia é a questão sobre o ser. Em nossa época essa questão "ontológica" ("antologia": ciência do ente) foi retomada sobretudo por Heidegger3. Como se chegou a essa concepção de que a questão básica seria a questão sobre o ser? Heidegger remete à determinação de Aristóteles: "O ente é o que há de mais gera1"4.Disso segue-se que a filosofia, se ela se compreende como ciência universal, tem que tematizar em primeiro lugar esse conceito de ser ou ente. Mas em que medida esse é o conceito mais geral? A explicação mais natural parece ser a seguinte: de tudo e de cada um pode-se dizer que ele é. Aqui "ser" é entendido portanto no sentido verbal; ele se expressa no "é". Ora, se tudo é, então segue-se que tudo é sendo ou que tudo é ente. Pode-se portanto, como faz Heidegger, falar do ser do ente. Ser parece ter aqui, contudo, o sentido de existência, pois, se se diz de cada um "ele é", estamos lidando evidentemente com o sentido de existência do "é". Mas há ainda uma segunda explicação. Heidegger a exprime do seguinte modo: O ser (ente) é o conceito mais gera15.Essa foi com efeito a concepção usual da antologia medieval; essa concepção não pode ser entendida de modo imediato; pois devese perguntar o seguinte: o que o "é", seja ele entendido corno existência ou como cópula, tem a ver com os conceitos? Com efeito só se pode compreender essa concepção historicamente. Para Aristóteles o sentido básico da palavra "ser" é aquele que se expressa na cópula. Aristóteles classificou6todos os predicados (ou termos gerais) em uma série de gêneros supremos, chamados por ele de categorias (O termo "categoria
3. Heidegger, Sem und Zeit, § 1. 1. Cf. as exposições elucidativas em Frege, "Über Begriff und Gegenstand", 2. Hegel, Wfssenschaft
der Logik, t. 1, p. 76.
p. 68.
4. Aristóteles, Metaffsica m, 4, 1001a21. 5. Heidegger, Sem und Zeft, § 1. 6. Cf. Aristóteles, Metafisica v, 7.
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advém de Aristóteles e significa para ele, inicialmente, "predicado"). As categorias mais importantes são: substância (p. ex., "cavalo"),qualidade (p. ex., "marron"), quantidade (p. ex., "2m de altura"), relação (p. ex, "pai de Pedra"). As categorias são portanto para Aristóteles os tipos supremos de termos gerais ou de conceitos. Será que ainda se pode, assim ele perguntou, subsumir esses tipos supremos, por sua vez, a um conceito universal? A resposta foi: sim e não; não, pois não há nada de conteudístico que seja ainda comum a eles; e, contudo, sim, pois com todo conceito é dito, via cópula, algo sobre um objeto; todo conceito expressa desse modo uma determinação do ser. Todo conceito está no lugar de um sendo-deste-modo de algo. Se portanto Aristóteles diz que o ente seria o que há de mais geral, ele entende por ente não os objetos (caso em que o "ser", como se disse acima, estaria no lugar da existência), mas sim suas determinações' e, neste caso, "ser" estaria no lugar da cópula. Na Idade Média não se atentou mais para essa relação com o "é" da cópula e, desse modo, com o enunciado inteiro. Pensou-se, antes, todo conceito como um conteúdo representacional, e caracterizou-se como ens (ente) aquilo que é comum a todos os conceitos no sentido de conteúdos representacionais. Assim, Tomás de Aquino diz o seguinte (De veritate I, 1): "Aquilo que o entendimento concebe como o mais conhecido e aquilo a que ele reduz todos os conceitos é o ente". E Duns Scotus: "O objeto primeiro de nosso entendimento (ou: o conteúdo representacional mais geral) é o ente (primum obiectum intellectus nostri est ens)"7 Aqui foi perdida a ligação com a palavra "é". Lidamos apenas com uma construção filosófica. Hegel se liga a essa tradição medieval quando caracteriza o ser como o "imediato indeterminado"s.
12.3. Há um sentido unitário da palavra "ser"? Negação e força assertórica É compreensível que Heidegger, face a essa tradição solidificada, declarasse que se deve perguntar mais uma vez pelo sentido do ser. Ele recorreu nesse caso novamente à palavra "é" e insistiu que se deve aceitá-Ia em todas as suas diferentes significações9.É curioso que Heidegger tenha pressuposto como evidente que a palavra "ser" possui, em suas diferentes significações, um sentido unitário. Contudo ele nunca mostrou em que consiste esse sentido; ele sequer levantou essa questão. O fato de o "ser" ("ente")ter diferentes significações foimostrado inicialmente por Platão (v. 12.1)e depois por Aristóteles (Metafisica V, 7), mas quase em nenhum texto da história da ontologia foi feita uma tentativa de mostrar que esses significados deveriam ser colocados de algum modo sob um conceito, não representando uma multiplicidade aleatória de sentidos dessa palavra. (Sabemos contudo, com respeito a esse fato, que há línguas que não possuem nenhuma palavra para a cópula e outras nas quais o termo para a existência não é o mesmo termo que para a identidade, etc.) Uma exceção se encontra em Kant. Ele escreveu o seguinte: "Oser-ai (Dasein)é a posição absoluta de uma coisa e se diferencia, por isso, também de todo predicado que, enquanto tal, é posto sempre meramente com relação a uma outra coisa. O conceito de posição é totalmente simples e coincide com o de ser. Mas algo pode ser pensado comoposto de modomeramenterelacional[...], e então o ser que é a posição dessa relaçãonão é outra coisa senão o conceito de ligação em um juizo. Se se considera como posta não apenas essa relação, mas a coisa em e para si mesma, então esse ser é o ser-aí (Dasein)
9. Cf. Heidegger, Sem und Zeit, p. 6s; Kant und das Problem deI Metaphysil<:, § 40. 10. Kant, "Der einzig mogliche Beweisgrund zu einer Demonstration des Daseins Gottes", p. 73.
7. Duns Scotus, Ord. I. dist. 3, pars 1, q. 3, n. 137. 8. Hegel, Wjssenschaft
" 10.
deI Logil<:,t. 1, p. 66.
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É o caso que p == É verdade que p == p. Nãoé o caso que p == É falso que p == não-p.
Por ser-aí Kant entende "existência". Sua tese é portanto a de que o "é" no sentido da cópula corno posição relativa e o "é" no sentido de existência cornoposição absoluta caem sob o mesmo conceito unitário de posição. Surge então de imediato a questão sobre o que se entende, por sua vez, por este conceito. Kant diz que esseconceito não é mais explicável.É de se supor, contudo, que o conceito de posição seja visto em relação ao conceito de negação. O unitário dos dois significados de "é" consistiria então no fato de ambos serem passíveis de negação através da palavra "não". Essa interpretação parece se conformar bem com toda a tradição ontológica, pois esta sempre tematizou "ser" em relação a "não-ser". Além disso, é evidente que o "é" no sentido da identidade, o qual não é considerado aqui por Kant, também é passível de negação. Por outro lado, contudo, deve-se agora atentar para o fato de que a possibilidade do uso da palavra "não" ultrapassa amplamente as três formas sentenciais das frases existenciais, das frases predicativas e das frases de identidade. Isso não foi observado pela tradição porque ela se limitou, corno vimos, no essencial, a frases predicativas. Para abranger também aquelas frases predicativas nas quais nenhuma cópula ocorre, Aristóteles havia apontado para o fato de que se poderia sempre reformularfrases verbais corno "Elenada" em "Ele é nadante" (MetafisjcaV, 7). Mas o que devemos fazer com frases compostas que são, igualmente, passíveis de negação? Nessa questão parece vir-nos auxiliar um outro significado da palavra "é" para o qual Aristóteles igualmente já chamou atenção (MetafisjcaV, 7): o "ser" no sentido de ser verdadeiro. Esse uso da palavra é totalmente evidente em um diálogo: urna
Essas relações vêm confirmar que o que é negado quando se nega urna frase qualquer é sempre o ser no sentido do ser verdadeiro. Isso pressupõe no entanto que possamos falarde um ser no sentido do ser verdadeiro em toda frase assertórica "p", e
não apenas no caso da forma"É o caso que p". Asequivalências acima indicam que o ser no sentido de ser verdadeiro, que está explicitamenteexpressoem "É o caso que p", ou "Éverdade que p", está implicitamente contido em toda frase. O fato de haver um tal ser contido implicitamente em todas as frases assertóricas pode ser tornado claroa partir do princípio da contradição. Este pode ser formulado de maneira totalmente geral, do seguinte modo: "Éimpossível que algo seja e não seja". Essa formulação parece se referir apenas a frases existenciais, mas o princípio da contradição também é evidentemente válido para todas as frases asse~tóricas. A formulaçãomencionada tem que ser portanto compreendida do seguinte modo: é impossível que algo seja e não seja o caso. Isso também pode ser evidentemente formulado assim: se se afirma e se nega algo ao mesmo tempo, não se diz nada (cf. capo4). Essa formulação indica que o ser veritativo implícito no uso de uma frase assertórica é a "força assertórica"ll com a qual a frase é usada. Já apontamos no capo2, p. 22, para o fato de que pertence a toda frase assertórica urna pretensão de verdade. Essa pretensão de verdade seria idêntica à sua força assertórica. Desse modo, somos levados à concepção de que a negação não se refere àquilo que Kant caracterizou corno posição, mas sim a algo mais geral, que pode ser caracterizado comoasserção (ou também afirmação). Essa concepção parece ser também confirmada pela diferenciação tradicional entre juízos afirmativos e negativos. Pode-se também, evidentemente, compreender a palavra "posição" nesse sentido amplo de afirmação,mas nes-
pessoadizqualquercoisae urna outraresponde:"É assimmesmo"; isso significa evidentemente "Isso (que você disse) é verdadeiro". A palavra "é" tem esse mesmo sentido quando a
colocamosantes deurnafraseassertóricaqualquere dizemos"É o caso que p"; isso tem evidentemente o mesmo sentido que "É verdade que p". Vimos anteriormente que o que é negado é sempre a frase inteira. A negação de urna frase (seu oposto contraditório) é aquela frase que é verdadeira quando a primeira frase é falsa. Negar urna frase equivale então a dizer que ela é falsa. Desse modo, as seguintes equivalências são válidas:
11. Essa expressão advém de Frege; cf. seu anigo "Die Vemeinung".
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te caso ela seria compreendida de um modo mais abrangente do que Kant a compreendeu (mais abarcante do que se ela abrangesse apenas existência e cópula).Levantam-se agora as seguintes questões: 1"Será que somos realmente forçadosa aceitar em toda frase um momento de asserção (e com isso um ser implícito no sentido de ser verdadeiro)?2" Em que relação estão a negação e a asserção uma com a outra? 3" Será que os sentidos de "ser", até então mencionados, podem ser concebidos como casos especiais do ser no sentido de verdade, de tal modo que este representaria um sentido unitário e abarcante de ser? Sobre a primeira pergunta. No parágrafo citado no capo2, p. 22s, Frege aponta para o fato de que a toda frase assertórica corresponde uma frase interrogativa de mesmo conteúdo, e, a partir desse fato, conclui: "Devem-se então diferenciardois tipos de elementos em uma frase assertórica: o conteúdo - que ela tem em comum com a correspondente pergunta sobre uma frase - e a asserção".O conteúdoé aquiloque Fregetambémchama de pensamento. O pensamento, expresso por uma frase, é portanto o mesmo que o que a pergunta correspondente expressa. Falta a ele a força assertórica. Podemos compreender, ou seja, "apreender" (como diz Frege no texto acima) pensamento que são expressos através de frases assertóricas sem, de nossa parte, asseri-Ios. Frege levou em conta em seu simbolismo essa diferenciação, de forma que ele não toma o símbolo sentencial "p", como fizemos até agora, como representante de uma frase assertórica completa; este símbolo estaria, ao invés, meramente no lugar do conteúdo (pensamento) de uma tal frase. Para caracterizara forçaassertórica,Fregeinventouo sinal)artificial"0-". Nosim-
bolismode Frege,é apenas em conexãocomesse sinal ("o- p") que um símbolosentencial está no lugar de uma frase assertórica completa. Pode-se perguntar com que direito uma tal diferenciaçãonão encontrável na linguagem natural é realizada na linguagem artificial. Para fundamentá-Ia pode-se, primeiro, indicar a relação sistemática entre frase assertórica e frase interrogativa, podendo esta relação ser reproduzida simbolicamente do seguinte modo: a todo "o- p" corresponde um "?p". Em segundo lugar, ocorrem também na linguagem natural expressões sentenciais às quais
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falta a força assertórica: (a) Pode-se dizer que a reformulação de uma frase "p" em que "p" (istoé, p. ex., "chove"em "que chove") consiste justamente no fato de se retirar da frase a força assertórica; isso fica claro, pois quando completamos "que p" com "é verdade" ou "é o caso", obtemos uma expressão que significa o mesmo que a expressão originária "p" (cf. a equivalência p. 162s). (b) Frege apontou para o fato12de que frases assertóricas que ocorrem como frases componentes em disjunções e em frases condicionais são usadas sem força assertórica. No simbolismo de Frege uma frase como "Se neva, o jogo não se realiza" é, assim, representada por "o- (p :::>q)"; seria falso representá-Iapor "o- p " o- q". Na linguagem natural existe portanto uma convenção (que certamente não é expressa através de sinais próprios) segundo a qual frases que ocorrem como frases componentes em disjunções ou em frases condicionais perdem sua força assertórica. Sobre a segunda pergunta. Na tradição, afirmação e negação foram vistas como dois pólos de igual valor. Pensava-se (a) que havia uma distinção clara entre juízos afirmativos e negativos e (b) que a negação devia ser entendida paralelamente à afirmação; se, contudo, a afirmação consiste na força assertórica, deveria, segundo essa posição, haver tanto uma força afirmativa quanto uma força negativa. Ambas as opiniões ((a)e (b), foram refutadas por Frege em seu ensaio "DieVerneinung". Quanto a (a),escreve Frege: "Considerem-se as frases 'Cristo é imortal', 'Cristo vive eternamente', 'Cristo não é imortal', 'Cristo é mortal', 'Cristo não vive eternamente'. Onde temos aqui um pensamento afirmativo e onde temos um pensamento negativor13 Leve-se também em conta que toda frase universal é equivalente a uma frase particular negativa e vice-versa. É válida a seguinte equivalência:
(x)Fx== -,
(::Ix) -,
Fx e (::Ix)Fx== -, (x)-, Fx (cf.também o
quadrado dos opostos no capo 5). O fato de uma frase ser em si
12. Frege, "Die Verneinung", p. 66. CL também Geach, "Assertion". 13. Frege, "Die Verneinung", p. 62.
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pensamento de Frege, e o que ele entende por "força ilocucionária" corresponde ao conceito fregiano generalizado de força assertórica. Ao invés de contrapor apenas frases interrogativas e frases enunciativas, podem-se também considerar os imperativos e as frases de desejo correspondentes. Searle dá como exemplo as frases15: (1) Sam fuma habitualmente.
positiva ou negativa só parece ser sensato para o caso daquelas frases predicativas singulares onde o predicado não está apenas delimitado face a um outro predicado contraditório (como em "mortal", "imortal"), mas sim face a uma série de predicados (como "vermelho" face a "azul", "verde", etc.). No geral não se pode dizer que uma frase seja em si negativa; pode-se, sim, dizer que ela é negativa relativamente a uma outra, a saber: àquela que é falsa se ela forverdadeira. A negação não representa portanto uma classe de frases, devendo, ao contrário, ser compreendida como uma operação que é aplicada a uma frase e produz como resultado o fato de, agora, ser asserido que a primeira frase é falsa (isso corresponde à explicação da negação por meio das tabelas de verdade, d. capo7). Quanto a (b), Frege indica14que a negação também ocorre em frases componentes de frases condicionais, portanto em contextos nos quais a frase não possui nenhuma força assertórica. Daí se segue que o negar pertence ao pensamento e não é um tipo próprio de força assertórica negativa. Se negamos uma frase, não negamos sua afirmação; o que fazemos é afirmar sua negação. Isso é um resultado de grande importância. Ele mostra ser falsa a suposição natural de que a posição (ou afirmação) e negação se comportariam uma face à outra como pólos opostos.
Segue-seque todo empregode uma frase assertórica-
(2) Sam fuma habitualmente? (3) Sam, fume habitualmente! (4) Se ao menos Sam fumasse habitualmente! Todas essas frases possuem o mesmo conteúdo proposicional, mas uma força ilocucionária a cada vez diferenciada. Po-
dem-se simbolizaras três primeiras frases do seguinte modo: ">que neguemos tanto a fraseassertórica quanto também a imperativa.Obtemos então, com relaçãoa
p", "?p", "!p". Suponha
nosso exemplo, as frases "Samnão fuma habitualmente" e "Sam, não fume habitualmente!" Do mesmo modo que nas frases originárias se tinha o mesmo conteúdo proposicionalo qual estava, uma vez, asserido, e outra, ordenado, assim também, no caso das frases negativas, é o mesmo conteúdo proposicional - que Sam não fuma habitualmente - que é ora asserido, ora ordenado. O "não" pertence portanto ao conteúdo proposicional e não à forçailocucionária. Domesmo modo que um enunciado negativo não é o oposto de uma asserção, mas sim a asserção de um oposto, assim também um imperativo negativo não é o oposto de uma ordem, mas sim a ordem de um oposto. Uma proibição é uma ordem para que não se faça algo.
indife-
rentemente se ela contém ou não uma negação - é uma asserção. Expresso no simbolismo de Frege: a palavra "não" nunca está situada antes do sinal de asserção, mas sim, sempre, atrás dele. Esse resultado pode ser ainda confirmado ao se incluir em nossa consideração também frases não-assertóricas. A diferenciação de Frege entre conteúdo (pensamento) e forçaassertórica foi assumida de modo generalizado na teoria dos atos-de-fala, especialmente por Searle, através da diferenciação entre "conteúdo proporcional" e "forçailocucionária". O que Searle entende por "conteúdo proposicional" é o idêntico ao conteúdo ou
Será que era então errôneo supor uma conexão entre posição (afirmação) e negação? Não. A conexão aparece apenas de modo diferente do que se supôs tradicionalmente. Para a força assertórica (do mesmo modo que para a imperativa) é constitutivo que ela se refira a um conteúdo que seja no todo essen-
15. Searle, Speech Acts, capo 2.1.
14. Ibid., p. 65-67.
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cialmente negável. Isso se mostra no fato de que a força assertórica consiste em uma pretensão de verdade e esta só pode se referir a algo que possa ser verdadeiro ou falso (possa ser ou não ser deste modo). Mas será que não há um não-ser no sentido de ser-falso que estivesse polarizadamente contraposto ao ser no sentido de ser-verdadeiro? A pretensão de verdade permanece contudosempreo abarcante.Se dizemos"É falso que p", então esse enunciado de que "p" é falso ergue, por sua vez, uma pretensão de verdade. Sobre a terceira questão, i. é, sobre se o ser no sentido da verdade pode ser visto como o significado abrangente de ser. Com base no que acima foi dito tem que se responder negativamente a essa questão. O ser no sentido da existência, da identidade e da cópula representam estruturas que pertencem ao conteúdo proposicional. A questão sobre se haveria um significado unitário de "ser" desaparece portanto de modo negativo. Pode-se dizer meramente que há na maioria das línguas indoeuropéias uma palavra - "einai" em grego, "sein" em alemão, etc. - na qual vários significados (modos de uso) estão conectados - existência, predicação, identidade, força assertórica -, significados que representam diferentes estruturas fundamentais do discurso assertórico, estruturas estas que são interdependentes16 (Nãose podem empregar frases predicativas singulares "Fa" se não se podem também empregar frases de identidade "a=b", e todo emprego de um termo singular "a" remete a uma frase existencial, e todas essas frases têm que poder ser proferidas com força assertórica). Heidegger elucidou a questão sobre o sentido de "ser" também do seguinte modo: é a questão "sobre a possibilidade de apreender aquilo que nós todos, enquanto homens, já e continuamente compreendemos,,17.Ele defendeu a tese de que em toda compreensão o "ser" já é sempre compreendido. Para Hei-
degger a universalidade da questão sobre o ser não consiste portanto no fato de que se pode dizer de tudo (i. é, de todos os objetos) que ele é, mas sim no fato de que o ser se refere a todo compreender. Essa questão sobre a estrutura de todo compreender parece sensata (e também parece sensato pretender que ela seja a questão filosóficacentral), mesmo que seja incorretoque haja uma palavra- "ser" - que caracterize a estrutura de todo compreender (ou o possibilitante de todo compreender). INDICAÇÕES BffiLIOGRÁFICAS Frege, "Die Verneinung". Geach, "Assertion". Tugendhat. Vorlesungen zur Ejn[ührung m cliesprachanalytjsche Phflosopme, preleções 3 e 4.
16. Isso foi mostrado de modo penetrante por Kahn, The Verb "be" in Ancient Greek, v. especialmente capo 8. Cf. sobre isso também a resenha de Tugendhat em Philosophische Rundschau (l977). 17. Heidegger, Kant und das Problem der Metaphysik,
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§ 40.
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18~ VERDADK
13.1. Orientação prévia O que significa "verdadeiro", "verdade"? Essa pergunta nos remete, por um lado, às várias teorias tradicionais e recentes que se depararam com a questão sobre o que deveria ser entendido por este conceito e, por outro lado, ao uso efetivo dessa palavra na linguagem pré-filosófica.Este segundo aspecto é a instância última, pois as teorias filosóficas ergueram, por sua vez, a pretensão de esclarecer justamente o conceito que se apresenta em nosso uso pré-filosófico das palavras "verdade", "verdadeiro". Por vezes, contudo, tradições filosóficas inteiras se orientam apenas por uma fórmulafilosóficadada de antemão. Aqui existe então o perigo de que, na interpretação desta fórmula,se perca a ligação com nossa compreensão natural. O contexto central do emprego pré-filosófico da palavra "verdadeiro" se liga, sem dúvida, a enunciados. P. ex., alguém narra algo e nós perguntamos: "O que ele está dizendo é verdadeiro - ou falso?" A verdade neste sentido é portanto uma propriedade de enunciados (ou de proposições ou de juízos, dependendo de onde se dê a ênfase principal - cf. capo 2). A verdade relativa a enunciados permaneceu portanto na história da filosofia em grande parte em primeiro plano (exceções são Hegel e Heidegger), e ela deve, desse modo, compor o tema principal deste capítulo. Contudo o uso natural da palavra "verdade" não se esgota na verdade de enunciados. Há dois outros aspectos do significado deste termo para os quais deve se atentar.
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Primeiro. Falamos de "verdadeiro" não apenas no contexto de enunciados particulares, mas também usamos este termo para seqüências de enunciados. Lidamos freqüentemente, tanto na linguagem ordináriaquanto sobretudo na ciência, com assuntos complexos e, quando perguntamos "O que se passa na verdade com isso e aquilo?" ou quando dizemos "Relate-me 'toda a verdade' sobre esse acontecimento", não é suficiente que se responda com enunciados verdadeiros; o conjunto de enunciados com o qual se responde tem que estar conectado de algum modo e tem que ser relevantepara o assunto; a esta verdade não se contrapõe a falsidadede um discurso assertórico, mas sim sua parcialidade. Segundo. Usamos a palavra "verdadeiro" não apenas com relação a enunciados, mas também com relação a coisas, p. ex. quando se fala de ouro verdadeiro, respectivamente, falso ou de um amigo verdadeiro, respectivamente falso. O contraste aqui em questão é o contraste entre realidade e ilusão. O ouro verdadeiro é o ouro real; o ourofalso é o ouro ilusório: algo que apenas parece ser ouro. Esse uso do termo "verdadeiro"referente a coisas está evidentemente em ligação com a verdade de enunciados: Um objeto a que parece ser F é um objeto tal que, quando o julgamos a partir de seu aspecto aparente, nos induz ao enunciado falso "Fa"1. Pode-se encontrar às vezes a diferenciação entre "verdade" e "correção". Freqüentemente não se tem em mente nada de muito claro com essa distinção. Tem-se em vista, antes de mais nada, os dois significados de "verdadeiro" mencionados por último: quanto a aplicação do termo "verdadeiro"a coisas, não se pode substituí-Io por "correto (richtig)"(embora se possa a rigor
1. Não há uma bibliografia padrão sobre esses dois aspectos do conceito de verdade. Uma tentativa problemática se encontra em Tugendhat, "Wissenschaft und Wahrheit". Sobre verdade e relevãncia, cf. também Popper, Conjectures and Refutations, p. 228s. Há uma concepção tradicional de "verdade da coisa" (no sentido de "ouro verdadeiro") presente, p. ex., em Hegel e também em Heidegger, segundo o qual a verdade consiste na "adequação do objeto com seu conceito". Essa concepção é falsa. O ouro falso não é o ouro que não se adequa com seu conceito, pois já que ele não é ouro, seu conceito também não será ouro. Cf. contra essa concepção a explicação no texto.
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também falar de um "amigocorreto (richtig)");e tampouco podese, na expressão 'toda a verdade', substituir "verdade"por "correção". Pode-se dizer eventualmente que uma exposição parcial consiste de proposições puramente corretas e que, no entanto, a exposição não é verdadeira (embora disséssemos, também neste caso, que não se expôs a coisa 'corretamente'). Comopredicado de enunciados a palavra "verdadeiro" pode, contudo, ser sempre substituída por "correto". Mas isso não quer dizer que verdade, neste caso, signifique simplesmente correção, pois a palavra "correto" tem também outros modos de uso (um comportamentocorreto= conformea regras). Pode-se portanto dizer apenas que os campos de significadode "verdadeiro"e "correto" se superpõem parcialmente.
13.2. A teoria da redundância; verdade e verificação As duas explicitações da verdade de enunciados mais importantes na filosofiaanalítica são a teoria da redundância que remonta a Ramsel e a chamada teoria semântica da verdade, de Tarski; a mais importante explicação tradicional da verdade é a chamada teoria da adequação ou da correspondência. Essas três concepções mantêm uma certa relação entre si. Tanto Ramsey quanto Tarski se apóiam na formulação originária da teoria da adequação em Aristóteles. Esta explicação diz o seguinte: 1) "Dizerque o que é não é ou que o que não é é, é falso; (dizer),ao contrário,que o que é é ou que o que não é não é, é verdadeiro"(MetafisicaN, 7, 1011b26s). Aristóteles parte aqui da pressuposição de que se tem que diferenciar entre enunciados positivos (nos quais se diz algo ser o caso) e enunciados negativos (nos quais se diz algo não ser o caso). Como esta pressuposição (como vimos no capo 12)não é
pertinente, podemos resumir as duas partes de sua explicação do seguinte modo: 1)Um enunciado de que algo é o caso é verdadeiroexatamente se ele é o caso (e falso exatamente se ele não é o
caso). Esta formulaçãopode ser ainda mais fortemente reduzida ao dizermos simplesmente: 2) (Um enunciado de) que p é verdadeiro
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p.
Com (2) é expressa, agora, uma equivalência já obtida no capítulo 12. Essa equivalência é analiticamente verdadeira: podemos transformar todo enunciado "p", independentemente de qual for sua estrutura, em "que p é verdadeiro". A chamada teoria da redundância afirma contudo que o significado da palavra "verdadeiro"se esgotaria na equivalência (2): sempre que dizemos de um enunciado que ele é verdadeiro, podemos, ao invés disso, usar simplesmente o próprio enunciado. A palavra "verdadeiro" é portanto redundante, supérflua. Contra isso pode-se objetar que não se pode aceitar simplesmente a equivalência (2), devendo-se perguntar em que ela se funda. Somos então reenviados àquilo que no capítulo 2, p. 22s, foi caracterizado como a pretensão de verdade de todo enunciado: é apenas pelo fato de uma pretensão de verdade estar inserida implicitamente em todo enunciado que se pode também tornar explícita esta pretensão através da formulação "que p é verdadeiro". Mas o que existe nesta pretensão de verdade? Poder-se-ia caracterizar isso inicialmente de um modo informal como a referência do enunciado à realidade. Se alguém diz "p", então ele pretende que as coisas se passem na realidade tal como ele as disse. Esse "tal como" é escamoteado se se interpreta a explicação aristotélica apenas no sentido de uma possibilidade de se substituir analiticamente "p" por "que p é verdadeiro"
2. CL Ramsey, "Facts and Propositions". Sobre a discussão da teoria da redundância, cL a coletânea Truth, organizada por Pitcher.
==
.
Aproximadamente na mesma direção desta objeção se encontra também a seguinte crítica: toda explicação da palavra "verdadeiro" permanece vazia se ela não mostra como podemos vir a saber se um enunciado é verdadeiro. Contra esta crítica é
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está retomada do seguinte modo: "adequação do conhecimento com seu objeto,,6. A indeterminação das expressões empregadas nesta fórmu-
com freqüência formulada a seguinte contra-objeçã03: não se deve confundir o conceito ou a definição de verdade com o critério de verdade. E não se deve confundir verdade e verificação.
Ia levou,na tradição,sempre que esta se baseou apenas nesta fórmula,e não mais no uso efetivoda palavra"verdadeiro",a
O que certamente não deve ser confundido são os predicados "verdadeiro" e "verificado"(= "reconhecido como verdadeiro"), sobretudo porque "verificado" é um predicado implicitamente relacional: uma proposição 'é verificada por uma ou várias pessoas. Ela pode ser reconhecida como verdadeira por algumas pessoas e não por outras. Ela pode contudo, evidentemente, ser verdadeira sem que sua verdade seja reconhecida por alguém. Disso não se segue no entanto que possamos compreender o que significa um enunciado ser verdadeiro independentemente de compreendermos o que significa verificar um enunciado. Vimos no capítulo 6 que é válido, sem exceções, o fato de só compreendermos um enunciado se sabemos o que é o caso se ele for verdadeiro; e isto significa, além disso, que nós só o compreendemos se sabemos como ele deve ser
teorias fantásticas. Noidealismo alemão a verdade foiexplicada, com base nessa fórmula, como a unidade do sujeito com o objeto; e por "unidade do sujeito com o objeto" pode-se entender qualquer coisa possível, não tendo isso mais nada a ver com a verdade. A concepção da adequação do pensamento com a coisa só pode ser aceita para ser discutida como uma possível interpretação de verdade se não se compreende a expressão "pensamento" de um modo subjetivo no sentido do pensar, mas sim objetivamente como o pensado, i. é, como o pensamento no sentido fregeano. Isto porque a questão é sobre se o que é dado a entender - o conteúdo do enunciado - se adequa à realidade. Assim, poder-se-ia tentar, a partir da fórmulada adequação, fazer a seguinte formulação mais exata: (3)O estado-de-coisas (o pensamento) que p, asserido por um enunciado,é verdadeirose e somente se elese adequa ao estado-de-coisasreal correspondente(ao fato correspondente).
verificado. A isso corresponde o fato de só compreendermos um
predicadose dispomosde um critériopara vir a saber se esse 111>
111,
predicado convém a um objeto. Uma explicação de um predicado que não contivesse um critério cognitivo permaneceria vazia. Se isso é válido para os predicados em geral, então isso também tem que ser válido para o predicado "verdadeiro".
Essa concepção de que haveria dois estados-de-coisas (um, visado ou asserido por um lado; outro, real por outro), estadosde-coisas que devem de algum modo se 'correlacionar' e, no caso da verdade, devem, ademais, se 'adequar', fracassa devido à impossibilidade de se resgatar as noções a que tal concepção recorre, a saber: as noções de 'correlação' e de 'adequação'. Não se pode indicar qual seria o estado-de-coisas real 'correlativo' ao estado-de-coisas asserido quando se tratar de uma asserção falsa. Se a asserção for, ao contrário, verdadeira, então o estadode-coisas asserido se adequa ao real não apenas de um modo
Será que a teoria da adequação pode auxiliar nesse ponto?
13.3. A teoria da adequação4 A formulação clássica da chamada teoria da verdade como adequação ou correspondência é formulada do seguinte modo: veritas est adaequatio rei et intellectus5. Em Kant essa fórmula
3. Cf. Carnap, "Wahrheit und Bew8.hrung". 4. AB exposições em 13.3 correspondem de modo considerável a passagens em Tugendhat, Vorlesungen zur Einführung in dje sprachanalytische Philosophie, p. 250-252.
6. Kant, CRP, B 82.
5. Tomás de Aquino, De venta te, qu. 1, art. 1.
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qualquer; o estado-de-coisas asserido é neste caso o estado-decoisas reaC. Isso leva à seguinte nova formulação: (4) O estado-de-coisas (que p) asserido é verdadeiro se e somente se ele é um estado-de-coisas real (umfato).
tratos( estados-de-coisas) (i. é, à propriedade de serem reais, ou seja, de serem fatos). Essa reflexão leva a que se formule adverbialmente a referência à realidade, ao invés de se formulá-la como uma propriedade; e assim resulta a seguinte reformulação:
Nessa formulação não se fala mais de dois estados-de-coisas; é o mesmo estado-de-coisas que é asserido que, se ele for verdadeiro, é real e que pode então, por esta razão, ser caracterizado como fato. Com isso teríamos agora, ao mesmo tempo, uma explicação que elucidaria o emprego do termo "fato". Esta explicação corresponde à concepção de Frege segundo a qual um fato deve ser definido como um pensamento verdadeiros.Isso também corresponde à nossa compreensão normal da palavra: "É um fato que chove"tem o mesmosignificadode "É verdade que chove". A formulação (4) é discreta. Mas será que ainda se pode resgatar através dela aquilo que era originariamente visado com a teoria da adequação, a saber: o fato de a referência do enunciado à realidade ser tornado inteligível e de se dispor de uma indicação de como podemos constatar que um enunciado é verdadeiro? Isso só pode ser afirmado se o lado direito da equivalência (4) puder ser compreendido como o critério de verdade. Mas isso significaria o seguinte: para se constatar se um estado-de-coisas que p asserido é verdadeiro, teríamos que investigar se se pode atribuir a ele a propriedade de ser um estadode-coisas real, ou, com outras palavras: se ele tem a propriedade de ser um fato. Contudo é o oposto que ocorre: o critério para o lado direito da equivalência é o lado esquerdo: chamamos um estado-de-coisas que p de um fato se o enunciado forverdadeiro. Não podemos então formularo critério de verdade do lado direito de modo que ele remetesse a uma propriedade de objetos abs-
(5) Que p é verdadeiro realmente p, p. ex.: "Que chove é verdadeiro se e somente se chove ==
realmente"
.
O defensor da teoria da redundância pode contudo tentar tirar proveito deste ponto. Ele faria valer sua posição argumentando do seguinte modo: Podemos dizer "Choverealmente" exatamente quando podemos dizer simplesmente "Chove". Com isso a última tentativa, acima mencionada, de formulação da teoria da adequação parece se reduzir à fórmula da teoria da redundância, i. é, à equivalência (2). Será que este últimopasso é concludente? É com efeito correto que também podemos sempre dizer, ao invés de "realmente p", simplesmente "p". Contudo empregamos a palavra "realmente" a fim de salientar um contraste particular, o contraste entre "realmente" e "presumidamente".É este contraste particular (e, dado o caso, a 'adequação') entre o presumidoe o real que a teoria da adequação tinha em vista e que é posto de lado na teoria da redundância. Teríamos portanto que encontrar um caminho para interpretar o lado direito da equivalência (5)de tal modo que se obtenha uma alternativapara a equivalênciavazia (2).
13.4. A chamada definição semântica da verdade de Tarski Podemos apresentar aqui apenas alguns aspectos fundamentais da teoria de Tarski9.Este também parte explicitamente
7. A idéia de uma comparaçãode um estado-de-coisasasserido com o fato correspondente traz consigo, além disso, a pressuposição inadmissivel de que fatos se encontrem no mundo. O mundo (nosso mundo espácio-temporal) consiste não de fatos. mas sim de objetos concretos. 8. Frege. "Der Gedanke", p. 50.
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9. Cf. o tratado de Tarski "Der Wahrheitsbegriff in den forrnalisierten Sprachen". Tarski fez uma breve exposição de sua concepção em 1944 no artigo "The Semantic Conception of Truth and the Foundations of Semantics". Uma apresentação simplificada da teoria de Tarski se encontra em Stegmüller, Das Wahrheitsproblem und die Idee der Semantik.
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da definição aristotélica (1). Ao contrário da interpretação da teoria da redundância, ele chega contudo à seguinte interpretação: (6) "p" é verdadeiro
==
(7)não pode pretender ser uma explicação geral da palavra "verdadeiro" para uma língua determinada. (7)não dá nenhuma indicação sobre as condições sob as quais todas as frases da língua seriam verdadeiras. Tarski caracteriza (7) portanto como um mero esquema pelo qual devemos nos orientar. Ele exige que a definição de verdade por ele buscada seja de tal forma que dela possam ser derivadas, de acordo com (7), todas as equivalências válidas para todas as frases particulares da língua em questão. A possibilidade mais simples poderia ser vista como consistindo em que se indique em particular as condições de verdade para cada uma de todas as frases e se alinhem estas condições em uma disjunção abarcante. Mas isso é impossívelporque, embora uma língua possua com efeito palavras em número finito, ela
p.
Tarski pressupõe portanto que aquilo de que dizemos ser verdadeiro ou falso é a frase (i. é, "p" do lado esquerdo) e não o enunciado ou, conforme o caso, o estado-de-coisas (que p). (Cf. sobre esse ponto, capo 2). A expressão "p" é um nome - uma expressão referencial- da frase correspondente. Mas é uma mera convenção - que, de resto, só pode ser seguida na linguagem escrita e não na falada - referir-se a um símbolo através do fato de se colocar este símboloentre aspas. Daí Tarskipoder, usando a formulação que se segue, expressar de um modo mais geral o que se quer dizer com (6). (7)X é verdadeiro
==
contém contudo frases em número infinito (já que a composição em frases complexas é iterável à vontade).
p,
A solução encontrada por Tarski é aproximadamente a seguinte: 1" As frases são designadas por descÜções estruturajs gramaticais. Pressupõe-se tratar-se, neste caso, de uma língua artificial, na qual a estrutura gramatical corresponde, de um modo inequívoco, à estrutura semântica (d. sobre isso capo 6, p. 77s). 211Com base nisso é possível que se dê uma defjnjção recursjva de "verdadeiro". Já vimos nos capítulos 6 e 7 que a verdade de determinadas frases estruturalmente mais complexas remete à verdade de determinadas outras frases. Isso torna possível uma explicação recursiva e progressiva da condição de verdade de todas as frases ("todas as frases": Tarski se limita às únicas frases relevantes para a lógica, i. é, às frases 'extencionais' - verofuncionais -, cuja verdade depende apenas da verdade de outras frases; d. sobre este ponto capo 7, p. 84s). Essa explicação é aproximadamente a seguinte: (1)Se uma frase possui a estrutura "p /\ q", então ela será verdadeira se e somente se "p" for verdadeiro e "q" também for verdadeiro.
onde "X"deve ser substituído, a cada vez, por (qualquer)expressão que se refira a uma frase e, do lado direito, "p" deve ser substituído pela própria frase. Enquanto que (2) era trivial e (6) parecia, em todo caso, ser trivial, é evidente que (7)não é mais trivial. Isso se torna especialmente claro se a linguagem na qual (7)está formulado não é a mesma linguagem à qual pertence a frase referida a cada vez por "x". Chama-se então a linguagem à qual "x" pertence de linguagem objeto, e a linguagem na qual (7) está formulado de metalinguagem. A explicação (7), acima, tem que ser então modificada de modo que em (7)"X"esteja no lugar de uma caracterização metalingüística de. uma frase da linguagem objeto e "p" esteja no lugar de uma tradução dessa frase da linguagem objeto em uma metalinguagem. Tomemos como linguagem objeto o inglês e como metalinguagem o português! Então (8)seria um exemplo de (7): (8)A frase em inglês que consiste das duas palavras "it" e "rains" é verdadeirase e somente se chove. Pode-se dizer que em (8)é formulada, na língua portuguesa, a condjção de verdade de uma determinada frase particular do inglês. (8) diz o que significa para esta frase ser ela verdadeira, ou mais precisamente: sob que condição esta frase é verdadeira. Também se torna claro em (8)- que é um exemplo de (7)- que
(2) Se uma frase possui a estrutura "-, p", então ela será verdadeira se e somente se "p" for falso. (3) Se uma frase possui a estrutura "::Ix0 [xl", onde "0 [xl" significaria que na expressão "0" ocorre a variável "x", então ela será verdadeira se e somente se pelo menos uma
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para línguasformalizadas- i. é: para cálculoslógicos-, e poder-
das frases, que se diferencie de "0 [x]" pelo fato de, ao invés de "x", ocorrer um termo singular, for verdadeira.
se-ia ainda completar dizendo que ela também só parece ser significativa para um cálculo lógico. Pois em um cálculo lógico pressupõe-se lidar com um sistema de sinais inicialmente não interpretados. O que os diversos passos da definição de Tarski possibilitam é o fato de ela atribuir significado às frases de um cálculo tornadas inicialmente corno não interpretadas; e isto é feito na medida em que ela indica as condições de verdade das frases. Por meio desse procedimento o cálculo recebe o que, nesse meio tempo, foi chamado na lógica de urna 'interpretação'. Essa interpretação tem lugar em uma metalinguagem que evidentemente não é outra senão nossa própria linguagem ordinária. Sendo assim, a definição de Tarski parece fornecer apenas urna tradução: ela coordena aos sinais da linguagem-objeto os sinais já compreendidos de nossa linguagem. O fato de esta definição não ser trivial estaria apenas no fato de lidarmos com duas linguagens. E, quanto à questão sobre o que compreendemos por "verdadeiro" com relação à nossa própria linguagem, estaríamos tão pouco bem informadosquanto no início. Essas reflexões parecem também mostrar que a teoria da verdade de Tarski é com efeito apenas urna teoria do significado: ela atribui aos signos apenas significados e a questão sobre corno então os signos interpretados se refeririam à realidade permanece em aberto.
Estes itens correspondem às explicações dadas no capítulo 6, p. 79s, e no capítulo 7, p. 87. Os conectivos sentenciais restantes e o quantificador universal não precisam ser considerados porque os primeiros podem ser definidos por meio de "1\" e "não" e "(x)Fx" é equivalente a "(-, ::Ix)-, Fx". A formulação do terceiro item foi elaborada de tal modo que "0 [x]" possa conter, por sua vez, outros quantificadores e variáveis. Chega-se então, no final de tudo, a frases predicativas (ou relacionais) singulares. Para estas é válida a seguinte explicação: (4) Se uma frase está estruturada de tal modo que ela está composta de um termo singular e um termo geral, então ela será verdadeira se e somente se o objeto a que o termo singular se refere cai sob o conceito no lugar do qual está o termo geral. Esse quarto ponto é complementado por duas listas: na primeira, todos os termos singulares da linguagem-objeto são coordenados aos objetos (designados através de uma metalinguagem); na outra, todos os termos gerais da linguagem-objeto são coordenados aos conceitos (designados através de uma metalinguagem) . Essas quatro explicações juntamente com as duas listas representam a definição recursiva da verdade para a língua em questão (supondo-se ser ela extensional; caso não seja, deve-se dizer que isso é válido para sua parte extensionaI). Com base nessa definição pode-se indicar finalmente, para toda frase particular, em urna série finita de passos, sob qual condição ela é verdadeira.
Essas reflexõeslOsão contudo apenas parcialmente corretas. Comecemos com o último ponto! A alternativa, pressuposta por este último ponto, entre urna teoria da verdade e urna teoria do significado não existe de fato. Já vimos no capítulo 6 que compreender o significado de urna frase assertórica significa exatamente saber sob que condições ela é verdadeira. E, se se enfatiza que por verdade de urna frase entendemos, de algum modo, sua 'referência à realidade', então tem que se aceitar que essa 'referência à realidade' já está contida na compreensão de urna frase
Levanta-se agora a questão sobre o que se ganha com urna tal explicação de "verdadeiro" e sobre se essa explicação realiza aquilo que a teoria da adequação intencionava realizar, a saber: colocar em evidência a referência à realidade que parece estar contida na palavra "verdadeiro". À primeira vista, a definição de Tarski parece produzir apenas muito pouco. É natural que se façam as seguintes reservas: o próprio Tarski era de opinião de que sua definição só era viável
10. Elas correspondem aproximadamente à concepção defendida em Tugendhat, "Tarskis semantische Definition der Wahrheit und ihre Stellung innerhalb der Geschichte des Wahrheitsproblems im logischen Positivismus".
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relativamente defensáveis (3)e (4)está no fato de que ela tentava conceber a referência do enunciado à realidade através de sua adequação (3)ou identidade (4)com um fato. Fatos não são contudo objetos que ocorrem no mundo espácio-temporal; chamamos fato a um pensamento se este é verdadeiro. O conceito de fato é por isso insatisfatóriopara servir corno critério de verdade. Para formular o critério de verdade de uma frase predicativa singular não podemos dizer: "Fa" é verdadeiro se o estado-de-coisas de que a é F é real, mas sim apenas "Fa" é verdadeiro se a é realmente F. Investigamos a fim de saber se o predicado "F" se aplica realmente a a, e não, o estado-de-coisas de que a é F a fim de saber se ele é real. Mas essa formulação,evidentemente, só é possível para a última definição parcial. No caso dos enunciados de estrutura mais elevada, não sendo eles enunciados sobre um objeto, a questão aparece de outro modo. O erro da teoria da adequação tradicional estava em que ela queria fornecer uma formulação unitária para enunciados de todas as estruturas.
(Wittgenstein: "Compreenderurna frase significa saber o que é o caso se ela for verdadeira", Tractatus 4.024).Além disso, não é correto que a definição de Tarski não seja trivial apenas pelo fato de ela conter a diferenciação entre linguagem-objeto e metalinguagem; e não é igualmente correto que ela seja significativa apenas para cálculos não interpretados. Isso se torna claro tão logo se formulemas quatro definições parciais da definição recursiva de tal modo que a linguagem-objeto e a metalinguagem coincidam: explicamos, então, para as várias estruturas sentenciais de nossa própria linguagem, de que depende, com respeito a cada frase dessa estrutura, sua verdade. É exatamente isso que foi dito nos capítulos 6-8 acerca do significado das frases de várias estruturas (cf.as duas primeiras definições parciais com o capo7, p. 87, a terceira definição parcial com o capo6, p. 79s, a quarta definição parcial com o capo 8, p. 101).Também podemos elucidar o significado das frases de nossa própria linguagem ao indicarmos sob que condição elas são verdadeiras. O fato de a definição recursiva de Tarski (apesar de certas dificuldades, sobretudo a) porque a linguagem ordinárianão mostra uma correspondência tão simples entre estrutura gramatical e estrutura semântica e b) porque ela é apenas em parte extencional) ser também aplicável à linguagem natural foi mostrado pela primeira vez por Davidson em seu artigo "Truth and Meaning" (1967).
Gostaríamos de tentar elucidar ainda por outro lado o que foi dito no parágrafo anterior. Heidegger, baseando-se em Husserl, definiu a verdade de enunciados de tal modo que um enunciado é verdadeiro se ele "mostra o ente tal corno ele é em si mesmo" (Sein und Zeit, p. 218).O que se entende aqui por "o ente"? Será que ele é o estado-de-coisas que corresponde ao enunciado inteiro ou o objeto sobre o qual o enunciado diz algo (i. é: o objeto no lugar do qual está o termo singular)? Pode-se facilmente tornar claro que a formulação totalmente elucidativa "tal como" só é adequada se se tem em mente a segunda destas possibilidades. Se o enunciado "Abola é vermelha" é verdadeiro, então a bola é mostrada através dele tal como ela é (ou, conforme o caso, tal como ela é "em si mesma" ou como ela "realmente" é); é, ao contrário, sem sentido dizer que esse enunciado mostra o estado-de-coisas de que a bola é vermelha tal como ele é (em si mesmo). O estado-de-coisas não pode ser mostrado assim ou de outro modo; ele é simplesmente o estado-de-coisas que é expresso nesse enunciado, e é um fato (se o enunciado é verdadeiro) ou não é um fato. Está então também claroque a formulação
Quer-se ainda saber o seguinte: onde nesta definição a referência à realidade se mostra tangível? A resposta é: na referência a objetos na quarta definição parcial. Essa resposta pode provocar a réplica: Será que então apenas frases predicativas singulares possuem urna referência à realidade? Não, mas elas são as únicas que possuem uma referência direta à realidade; a referência à realidade das outras frases consiste no fato de que e no como as três primeiras definições parciais remetem à quarta. É esse justamente o sentido de que verdade é um conceito a ser definido apenas recursivamente. Só agora pode se tornar visível o ganho real da definição de verdade de Tarski face à teoria da adequação na sua forma tradicional. A razão pela qual a concep-
ção tradicional havia fracassado mesmo em suas formulações
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de Heidegger só é adequada para o caso particular em que se lida com um enunciadopredicativo singular.Um enunciado complexo ou geral não é verdadeiro se ele mostra o objeto tal como ele é, já que ele não é, de modo algum, um enunciado sobre um objeto. Isso não significa que ele não tenha uma referência a objetos, mas sim que sua referência a objetos é mediada pela definição recursiva de verdade.
termos singulares e geraisll. O que aqui se faz necessário já foi mostrado no capítulo 8, p. 111, e no capítulo 9: Para sabermos no lugar de que objeto está um termo singular, temos que poder identificar esse objeto, e, no caso dos objetos espácio-temporais, isso significa: poder identificá-Ias espácio-temporalmente. Saber no lugar de que objeto está o termo singular significa conhecer sua regra de identjfjcação. Vimos no caso dos termos gerais que se sabe o que um termo geral significa quando se aprendeu por meio de exemplos como ele é usado, e isto significa ao mesmo tempo: quando se dispõe de um critério de como se deve decidir se o termo geral convém a um objeto. Compreender o termo geral significa dispor de sua regra de uso. Agora podemos formular a quarta definição recursiva da verdade de Tarski do seguinte modo: .
Pode-se agora ainda levantar a seguinte questão: mesmo se a referência à realidade é tangível na quarta definição parcial, nela não está contida nenhuma indicação de comovir a saber se um enunciado é verdadeiro. Esta definição de verdade também não pretende dar uma tal explicação. Tarski está entre aqueles teóricos que pensam poder esclarecer o significado de "verdadeiro" de modo totalmente independente da questão sobre como se pode vir a saber se um enunciado é verdadeiro. Contudo, no final de 13.2, foi feita a exigência de que uma explicação satisfatória de "verdadeiro" tem que conter uma indicação de como se pode vir a saber se um enunciado é verdadeiro.O fato de isto estar faltando em Tarski se liga ao fato de ele também não indicar, para os termos singulares e gerais, como se poderia vir a saber no lugar de que objeto ou, conforme o caso, no lugar de que conceito eles estão. Ao invés disso, uma definiçãoda verdade no sentido de Tarski recorre, neste momento, às listas introduzidas atrás da quarta definição parcial, nas quais aos termos singulares e gerais da linguagem-objeto são simplesmente coordenados, através de formulações metalingüísticas, os objetos ou, conforme o caso, os conceitos (p. ex.: "the sun" está no lugar do sol; "red" está no lugar de vermelho; etc.). Enquanto que as quatro partes da definição recursiva da verdade mantiveram seu sentido quando deixamos de lado a diferenciaçãoentre linguagem-objeto e metalinguagem, esse "manter o sentido" não se aplica, evidentemente, às duas listas. Seria sem sentido dizer: "o sol" está no lugar do sol. Com esta explicação continuamos sem saber no lugar de que objeto está a expressão; só saberíamos no lugar de que objeto ela está se já o soubéssemos antes de receber esta explicação. Temos portanto que deixar de lado as duas listas e dar uma outra explicação do significado dos
(4a) "Fa" é verdadeiro se e somente se, sendo seguida a regra de identificação de "a", "F" é, de acordo com sua regra de uso, aplicável ao que se obteve seguindo-se a regra de identificação. Com isso obtém-se agora uma explicação da palavra "verdadeiro" para frases predicativas singulares, explicação esta que indica ao mesmo tempo como se pode vir a saber se uma tal frase é verdadeira (A frase "A prefeitura de Schóneberg é vermelha", p. ex., é verdadeira se e somente se o termo geral "vermelho" é aplicável, de acordo com sua regra de uso, àquele objeto que é identificável como a prefeitura de Schóneberg). Com base nisso também é possível uma reformulação da teoria da adequação na qual a palavra "adequada a" passa a ser de novo aceita: (9)Uma frase enunciativa "p" é verdadeira se e somente se, sendo seguido o procedimento exigido pelas regras que constituem seu significado, se é levado ao resultado que se adequa (é idêntico) ao resultado antecipado na asserção.
11. A concepção esboçada a seguir está apresentada de modo mais completo em Tugendhat, Vorlesungen zur Eillführung ill dje sprachanalytjsche Philosophje, p. 484s.
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deverem se tornar operacionáveis, então ela não está em nenhuma contradição com a teoria da adequação. (b) A Teoriaconsensualda verdadeque já existiuna Antiguidade vem sendo defendida recentemente por Habermas13. Ela diz que o consenso (o assentimento) de todos os sujeitos cognoscentes seria o critério da verdade. Mas algo como objetividade pertence ao sentido de frases enunciativas e portanto também ao sentido de verdade. Se dizemos "As coisas estão desse modo", então isso pode se mostrar, a partir de uma outra perspectiva, como meramente ilusório, comofalso; esse fato tem como conseqüência que a asserção inicial "Ascoisas estão desse modo" tem que ser retirada. Algo não pode ser verdadeiro para um e falso para o outro, senão "verdadeiro" seria um predicado de dois lugares. Daí resulta que todos, se eles reconhecem algo corretamente, teriam que concordar.Visto desse modo, contudo, o consenso de todos é uma conseqüência do conhecimento correto e não seu critério. Se o consenso fosse, como afirma a teoria consensual, o critério da verdade, então essa concepção está exposta à objeção de que não é o consenso fático que pode ser normativo, pois é pensável que todos se enganem. Só pode portanto se tratar do consenso que resulta do seguir as regras de fundamentação relevantes para um enunciado. Estas regras são contudo, como vimos por último, as regras semânticas normativas para a teoria da adequação compreendida de modo correto, e é evidente que todas as pessoas que seguem as regras semânticas, justamente na medida em que elas seguem as mesmas regras, chegam ao mesmo resultado. O consenso enquanto tal só pode ser relevante para o caso em que não podemos fundamentar de modo suficientemente objetivoum enunciado ou uma teoria. Mas nesse momento o consenso é então uma decisão coletiva de se aceitar algo, e não pode pretender ser uma funda-
(9) é válido para todas as partes da definição recursiva da verdade, mas (9)não se sustenta sobre os próprios pés já que ele reenvia, ao referir-se às regras de significado, à definição de verdade.
13.5. Outras teorias da verdade Vimos em 13.2-4 que a teoria da redundância, a teoria da adequação e a teoria semântica da verdade possuem uma relação interna. Além dessas teorias também foram sugeridas no século XX outras concepções do que significa um enunciado ser verdadeiro, sobretudo a teoria pragmática da verdade, a teoria consensual da verdade e a teoria da coerênda. Em parte estas concorrentes da teoria da adequação só puderam ser recomendadas como válidas pelo fato de a teoria da adequação estar muito pouco clara em sua versão tradicional. Isso é sobretudo válido para a teoria pragmática e a teoria consensual. (a) A teoriapragmática pode ser hoje considerada como es-
gotada. Ela foiexposta por James em um artigo muitopouco claro12.Por um lado, diz que seria útil se orientar por enunciados verdadeiros. Isso significaria: enunciados verdadeirospertencem pragmaticamente a um contexto de utilidade. Isso pode também ser formulado do seguinte modo: é prejudicial não se orientar pela realidade. Essa posição contudo não é controvertida e não concerne ao sentido do conceitode verdade. Este só é apreendido por esta teoria quando, como é igualmente propostopor James, o conceito "útil"assume exatamente o lugar do conceito "verdadeiro". Isso é contudo absurdo, já que "útil" é um predicado de dois lugares (algo é útil para S) e "verdadeiro"é um predicado de um lugar. A questão sobre se algo é útil para S é, por sua vez, uma questão sobre a verdade ("é verdade que ---7"),mas apenas uma entre outras questões sobre a verdade. Se se entende por um conceito pragmático de verdade o fato de os predicados empregados
12. Cf. Jarnes, "Pragmatism's
mentação. A teoriaconsensualencobrea diferençaentre questões a serem decididas por um fiat coletivoe questões passíveis de fundamentação.
13. CL Habermas, "Wahrheitstheorien".
Conception af Truth".
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Mas, neste ponto, Quine, com base em Duhem, deu passo adiante16.Quine se opõe à pressuposição feita pelo empirismo tradicional de que há frases de observação puras que poderiam ser verificadas isoladamente de uma vez por todas. Para Quine, ao contrário, mesmo nossas frases predicativas singulares mais simples contêm, tanto no uso do termo singular quanto no uso do termo geral, suposições sobre regularidades, i. é, suposições teóricas. A exigência de consistência, mencionada no parágrafo acima, não concerne portanto apenas a teorias, mas também às frases individuais, já que estas implicam, por sua vez, teorias. Quine afirma que todas as frases empíricas são, tanto em relação à sua verdade quanto (ambos os aspectos se conectam) com relação a seu significado, independentes. Se novas observações são feitas, os enunciados feitos até então têm que ser corrigidos, mas fica em principioem aberto se a correção tem lugar mais na "periferia" (nas frases de observação) ou mais na parte interna da teoria. A verdade com a qual se lida na verificação de toda frase é em última instância a verdade de todo o sistema. A teoria da adequação não seria desse modo apenas complementada pela teoria da coerência, mas sim entremeada de tal modo que ela teria que ser concebida de um novo modo. A concepção de Quine parece, até hoje, não estar ainda elaborada de modo apropriadamente concreto.
(c) Enquanto a teoria consensual afirma que o critério de verdade de um enunciado consiste no fato de todos os sujeitos cognoscentes poderem assentir a este enunciado, a teoria da coerênciaafirma que o critério de verdade de um enunciado consiste em sua concordância(coerência)com todos os outros enunciados. Essa teoria foi defendida inicialmente no hegeleanismo inglês e remonta de certo modo ao próprio Hegel com sua tese "Averdade é o todo,,14.Poder-se-ia dizer que a lógica de Hegel representa de facto uma teoria da coerência da verdade: toda frase recebe sua legitimação por ela ocorrer em uma posição determinada no sistema filosófico. A teoria da coerênciapura e radical parece ser absurda como teoria da verdade para frases empíricas, já que ela exclui a experiência como instância. Sendo assim, ela só raramente foi defendida nessa forma rigorosa15.Contudo, se não se fala de uma teoria da coerência que deva substituir a teoria da adequação, mas sim de um ponto de.vista coerentista que deva completar o ponto de vista da adequação, obtém-se um aprofundamento importante do pensamento sobre a verdade: Consideramos até agora apenas enunciados individuais. Em 13.1,no entanto, já se apontou para o fato de que lidamos o mais das vezes com assuntos complexos que só podemos apreender "tal como são neles mesmos" (cf. a formulação de Heidegger citada na p. 183) através de um conjunto de enunciados. Um importante caso especial de tais conjuntos de enunciados são as teorias científicas. Em uma teoria, como em geral em todo conjunto de enunciados expressos todos juntos com uma única pretensão de verdade, é condição necessária (embora não suficiente) para sua verdade o fato de eles serem consistentes uns com os outros. Seja então aqui aceito que por coerência deva ser entendido apenas consistência (ausência de contradições).
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14. Hegel, Phanomeno]ogje des Gejstes, p. 21. 16. Quine, "Two Dogmas of Empiricism", § 5-6.
15. P. ex., Neurath, "Soziologie im Physikalismus".
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te, do conceito de necessidade. Aristóteles diferenciadois significados principais de "possível"l: primeiramente, a possibilidade que, conforme ele diz, é predicada de algo, atribuindo a este um poder; em segundo lugar, a possibilidade que não é predicada de algo atribuindo-lhe um poder, e isto significa: "possível" no sentido de "não necessariamente falso", presente na expressão "é possível que". Com respeito ao primeiro significado, à possibilidade que se refere a um poder, pensa-se em expressões de possibilidade que atribuem um poder ou uma capacidade a um objeto. Usamos frases como, p. ex., "Madeirapode ser queimada (é queimável)", "Pedro pode nadar", nas quais é atribuido um poder causal ou uma capacidade de ação a uma coisa ou pessoa. Esse modo de se falarde possibilidade ou de um poder (k6nnen) pode ser interpretado como se o poder fosse um componente do predicado, i. é, como se possuíssemos certos predicados que não atribuem quaisquer propriedades, mas sim poderes (Verm6gen) ou capacidades. Limitemo-nos apenas a apontar para esse conceito de possibilidade que exprime um poder (k6nnen). Não podemos abordá-Io aqui já que ele nos levaria para muito além de nosso quadro de problemas atual. Vamostratar, então, no que se segue, segundo significado de "possível", distinguido por Aristóteles, a saber: com a expressão "é possível que" ou, no caso do conceito de necessidade, de modo análogo, com a expressão "é necessário que".
t4~ NECESSIDADE E POSSUBIUDADE
No tratamento de problemas anteriores, deparamo-nos várias vezes com o conceito de necessidade. No capítulo 3, ao se introduzir o conceito de analítico, indicou-se que frases analíticas são um tipo determinado de frases necessárias, e que poderia também haver, além destas, um outro tipo de frases necessárias. No capítulo 10, travamos conhecimento com o conceito não-analítico de necessidade de Kripke, conceito este que até agora só pudemos determinar de modo muito vago. Falamos de possibilidade no contexto da problemática da existência, onde refletimos sobre se seria sensato falar de objetos possíveis - ou sobre como se deveria compreender um discurso que fale de objetos possíveis. Teremos portanto que nos perguntar duas coisas: lQ qual é a estrutura semântica de enunciados de possibilidade e de enunciados de necessidade?; e essa pergunta significasobretudo o seguinte: do que se predica ser possível ou ser necessário? 2Qque tipos de enunciados de possibilidade e que tipos de enunciados de necessidade existem? i. é: quais os significados que as expressões "possível" e "necessário" possuem, e como esses significados devem ser explicados?
14.2. Possibilidade e necessidade como modalidades Possibilidade e necessidade neste sentido são caracterizadas tradicionalmente como as modalidades do juízo. Vimos no capítulo 5 que, no tratamento da concepção tradicional do juízo, se distinguia entre quantidade (todos/alguns) e qualidade (afirmação/negação) do juízo (cap. 5, p. 56s). Aristóteles - a quem remonta essa distinção, embora não essa terminologia -
14.1. Possibilidade no sentido de poder (Vermõgen) Reflexões elaboradas sobre as duas questões são encontradas pela primeira vez em Aristóteles. Aristóteles desenvolveu uma teoria minuciosa sobre a possibilidade e se ocupou também de modo igualmente detalhado, embora menos sistematicamen-
1. Veja Aristóteles, Metafisica V, 12.
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havia ainda classificado os juízos de acordo com um terceiro aspecto deixado de lado no capítulo 5 (Kant tem uma classificação semelhante, CRP,B 95). Ele diz que um juízo pode exprimir ou a realidade, ou a necessidade, ou a possibilidade da aplicação de um predicado P relativamente a um sujeito S2.Aristóteles apresenta, além dessa determinação relacionada a frases da forma "S é p", ainda uma outra determinação, um pouco diferente, da modalidade, sendo que esta segunda determinação pode ser estendida a outros tipos de enunciados. Aristóteles diz que as expressões "é necessário que", etc. qualificam o "é" veritativ03.Poder-se-ia com efeito dizer que a modalidade da realidade, i. é, a expressão "é realmente assim que", é simplesmente o próprio "é o caso que" - i. é, o "é" veritativo - enfatizado. Diferentemente do que se passa na teoria tradicional do juízo, a qual considera a realidade como uma modalidade, a teoria modal moderna não coloca o simples "é o caso que" entre as expressões modais. Há importantes razões para essa diferenciação entre "é assim que", por um lado, e "é necessário/possível que", por outro lado. Ambos os tipos de expressões são com efeito operadores sentenciais, i. é, expressões que estão na frente de frases substantivadas "que p", mas há diferenças decisivas quanto às propriedades lógicas: a) "Não é o caso que p" tem o mesmo significadoque "é o caso que não-p". "Não é necessário que p (que chova amanhã)não tenha o mesmo significadoque "é necessário que não-p (que não chovaamanhã)". b) "É
o caso que o número9 é ímpar"é um enunciado
verdadeirocujaverdadepermanece resguardadase substituirmos as expressões parciais por outras expressões que se refiramao mesmo objeto (que tenham a mesma extensão), mas tenham um outro sentido (tenham uma outra intenção).P. ex., a verdade do enunciadopermanece resguardadase substituirmoso termosingular"9"pelo
2. Aristóteles, Analytjca priora 25als.
termo singular "o número dos planetas", termo este que se refere ao mesmo número, embora tenha outro sentido. Ao contrário deste caso, a verdade de "É necessário que o número 9 seja ímpar" não permanece resguardada se procedermos à mesma substituição, pois não é necessário, mas sim acidental, que a quantidade dos planetas seja exatamente 9, sendo portanto ímpar.
Esbarramos em fenômenos semelhantes aos mencionados em (a) e (b)no contexto dos enunciados complexos da forma "Eu creio que p" onde se dependia, no caso da substituição, igualmente do sentido das expressões parciais (cap. 7, p. 98), e podemos portanto dizer que as frases da forma "É necessário que p", do mesmo modo que as frases da forma "Aacredita que p", são estruturas não-verofuncionais ou que elas, como às vezes também se diz, constituem contextos intencionais. Já Aristóteles considerou os operadores modais em sua lógica e na lógica contemporânea se ampliou a lógica dos enunciados (e às vezes também a lógica dos quantificadores) com os operadores "é necessário que" ( O ) e "é possível que" ( O). Possibilidade e necessidade podem ser definidas uma pela ou-
tra: "É possívelque p" tem o mesmosignificadode "Nãoé necessário que não-p" e "É necessário que p" tem o mesmo significado que "Não é possível que não-p". Se se amplia o aparato lógico com esses dois operadores modais de possibilidade e necessidade, então se obtêm novas possibilidades de inferência lógica. Para mencionar apenas as duas mais básicas: "O p ::> p" é uma inferência válida, pois, se é necessário que p - i. é: se
é necessariamenteverdadeiroque p -, entãosegue-sedeste enunciado também o enunciado mais fraco de que é verdade que p. Alémdisso,é também válido "p::>Op", i. é: se algoé verdadeiro, ele também tem que ser possível(possivelmenteverdadeiro). Possuímos agora uma compreensão aproximada da forma lógica dos enunciados modais. Eles consistem de um operador modal e de uma proposição, sendo que o composto não é um composto verofuncional.A tarefa do operador modal é neste caso a de modificar o "é" veritativo: "é necessário que" seria, por assim dizer, um "é" veritativo reforçado; "é possível que" seria
3. Aristóteles, De Í1Jtelpletatione 21b26s.
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tudo o que não pode estar de outro mod04.Comecemos com a investigação daquele significado de "necessário" que é aceito, se não por todos, pelo menos pela maioria dos filósofos,a saber: a necessidade analítica. Quanto a este conceito de analítico, podemos retomar uma série de pontos com base nos capítulos anteriores.
um "é" veritativo atenuado. Temos que nos perguntar agora o que significa exatamente, face ao simples "p" ou "é o caso que p", em tal enunciado mais forte ou, conforme o caso, mais atenuado. Como, conformevimos, possibilidade e necessidade podem ser definidas reciprocamente uma pela outra, limitar-nosemos, no essencial. a um dos conceitos, ao de necessidade.
14.3. A problemática do conceito de necessidade
14.4. Necessidade analítica
Como já foi mencionado no início, é aceito na maioria das vezes que podemos falarde necessidade em vários sentidos. Os dois sentidos mais importantes são o de necessidade analít,icae o de necessidade causal. Podemos tomar como um terceiro sentido o conceito de Kripkede necessidade introduzido intuitivamente, conceito este que ele caracteriza como conceito metafísico de necessidade. O conceito de necessidade foí e é um conceito controverso na díscussão filosóficacontemporânea. Não é apenas controverso como devem ser explicados seus diferentes significados, mas também se se pode falarsígnificatívamente de uma necessídade. A maioría dos filósofosaceita que se fale significativamente de necessídade analítíca; contudo freqüentemente não se aceita que se fale de uma necessidade causal. Assim Wittgenstein, p. ex., se volta no Tractatuscontra o conceito de necessidade causal ao escrever: "Não existe nenhuma coação para que algo tenha que ocorrer porque uma outra coisa ocorreu. Só há necessidade lógica" (6.37).Temos portanto que nos perguntar a seguir não apenas como os significados de "necessário" freqüentemente diferenciadosdevem ser entendidos, mas também com que direito eles são compreendidos como significados justamente da expressão "necessário". Para tanto precisamos de um critério provisóriodaquilo que temos em mente por "necessário". Podemos nos orientar por nosso entendimento prévio intuitivo do significadode "necessário", entendimento este que foi caracterizado por Aristóteles de tal modo que necessário seria
enunciadossobreo mundo- i. é: são enunciados com os quais
Enquanto que os enunciados que usamos habitualmente são asse rimos que tal e tal coisa realmente ocorre e os quais podem ser verificados através da experiência (aposteriori)-, enunciados analíticos são casos-limites de enunciados: eles não dizem nada sobre o mundo - i. é: são enunciados cuja verdade ou falsidade está estabelecida, antes, através de seu significado e é portanto conhecida não empiricamente, mas sim a priori (cf. cap.3, p.36). Uma frase empírica como "Choveu ontem" pode ser verdadeira ou falsa e, quando estabelecemos em um caso determinado que ela é verdadeira, podemos ainda sempre dizer que ela também poderia ter sido falsa. Uma frase analítica como "Solteiros são não-casados" não possui essas duas possibilidades; essa frase não somente é verdadeira, mas também é necessariamente verdadeira; não podemos dizer que ela também poderia ter sido falsa. Inversamente, "Solteirossão casados" é não apenas falso, mas sim necessariamente falso, i. é: é impossívelque esta frase seja verdadeira; não podemos dizer que as coisas poderiam ocorrer de outro modo, que a frase poderia portanto ter sido verdadeira. Podemos, portanto, evidentemente aplicar a enunciados analiticamente verdadeiros o critério intuitivo de necessidade, mencionado acima, o critério de que "Ascoisas não podem ocorrer de outro modo". Em que se funda contudo essa necessidade?
4. Veja Aristóteles. Metafisjca V. lO15a34-36.
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Vimos que enunciados analiticamente verdadeiros são enunciados cuja verdade se funda em seu significado (cap. 3 p. 35) ou cuja negação implica uma contradição (cap. 3, p. 35). Podemos portanto dizer que a necessidade presente nos enunciados analíticos se funda em última instância no princípio da contradição. Enunciados que infringem o princípioda contradição são analiticamente falsos ou impossíveis porque, como vimos no capítulo 4, com eles é dito algo, e o dito é imediatamente riscado, porque não se diz nada com eles. E isso significa que a necessidade do próprio princípio da contradição está de algum modo no fato de que ele contém a condição mais geral para o uso significativo de expressões lingüísticas, i. é: ele contém a condição de que uma expressão não pode ser usada ao mesmo tempo de acordo com uma regra determinada e em desacordo com essa regra, i. é: a condição de identidade do significado verbal. Isso não significa que não possamos alterar a regra de uso de uma expressão. Isso significa apenas que não podemos usar uma expressão determinada contrariamente a essa regra enquanto a regra para o uso da expressão estiver estabelecida desse modo, enquanto os limites de uso estão traçados desse modo. Poderíamos alterar a regra e usar a expressão de acordo com uma nova regra. Mas com isso seria também alterado o significado dos enunciados nos quais essa expressão ocorre. P. ex.: o enunciado analítico "Vermelhoé uma cor" é necessariamente verdadeiro se usamos as expressões parciais em seu significado usual. Contudo, se, p. ex., mudamos o significado da expressão "vermelho" de tal modo que ela signifique o que até hOjea palavra redondo significava, então não ocorre que o enunciado até
então analítico- o qualtomamoscomosendonecessário,como
14.5. Necessidade causal Falamos na linguagem ordinária de necessidades naturais ou de leis naturais e dizemos sobre certas coisas ser impossível elas poderem ocorrer,já que elas violariam as leis naturais. Leis naturais são certos enunciados universais nos quais propriedades causais determinadas de modo universal são atribuídas a coisas materiais naturais (p. ex. "Tudo o que é feito de açúcar é solúvelem água")ounos quais é expressa a seqüênciaregularentre dois tipos de acontecimentos (p. ex. Sempreque relampeja,troveja").Mas será que lidamos aqui realmente com necessidades, com estados-de-coisas que não podem ocorrerde outromodo? Hume5havia defendido a concepção de que leis naturais são simplesmente enunciados sobre co-ocorrências regulares de acontecimentos. Sabemos a verdade dos exemplos que acabamos de mencionar através da experiência, através da observação de muitos casos particulares; e Hume argumenta que não podemos observar nenhuma necessidade de conexão entre acontecimentos' mas apenas a regularidade. O fato de considerarmos leis naturais como necessárias tem, segundo Hume, razões psicoló" gicas: o fato de termos observado uma certa regularidade leva a que formemos a firme opinião ou a expectatIva de que as coisas ocorram deste modo sempre e universalmente. Isso significaria que as regularidades causais são, com efeito, algo em que confiamos, mas que elas não são contudo necessárias. Ao lado da concepção de Hume de causalidade, que também é defendida com variações ainda hoje, há uma série de outras teorias que vão mais adiante do que a concepção humeana de causalidade. Dessas orientações muito variadas será realçada aqui apenas uma, contendo pontos especialmente importantes6. A concepção de Hume de leis naturais parece ser
não podendo portanto ser falso - se torna falso, mas sim que o significado e com isso a identidade do enunciado se alteram: obtemos um outro enunciado igualmente analítico e, para sermos precisos, um enunciado analiticamente falso,i. é: um enunciado impossível de ser verdadeiro. Portanto um enunciado analiticamente verdadeiro, enquanto for esse enunciado determinado, não pode ser falso,i. é: ele é necessariamente verdadeiro.
5. Cf. Hume, An EnquiIy Concerning Hurnan UnderstandingVIL 6. Uma visão de conjunto sobre as diferentes orientações se encontra em WOlf, Moglichkejt und Notwencligkejt bej Anstoteles und heute, § 21.
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fraca demais,pois não consideraríamos,evidentemente,todas as regularidades que podemos observar como leis naturais; se, p. ex., alguém observasse que sempre ao entardecer, às 7 horas, as lâmpadas da rua acendem, então ele não consideraria esse fato como uma lei natural. Hume não nos dá nenhum critério de como podemos diferenciar regularidades acidentais de regularidades que ocorrem segundo leis. Um critério que foi diversas vezes sugerido diz que obedecem a leis naturais aquelas regularidades observadas que possuem um papel em nosso sistema total de explicações científicas da natureza7,sendo que tais explicações causais são dadas de tal modo que a regularidade é fundamentada através do tipo e da estrutura dos objetos e materiais que ocorrem nas regularidades8. A regularidade observada de que, p. ex., o açúcar se díssolve em água seria encarada portanto como uma regularidade baseada numa lei natural porque ela pode ser explicada a partir da estrutura química do material açúcar e porque essa explicação está inserida em todo um sistema de explicações científicas as quais produzem uma conexão entre fenômenos observáveis e propriedades estruturais de materiais e coisas. Será que, a partir desse componente explicativo contido nas leis causais, se segue que elas sejam enunciados necessários? Parece com efeito que leis naturais obtêm desse modo um componente conceitual.Em nosso sistema de explicações científicas da natureza, o fato de, p. ex., algo que tem a aparência de açúcar não se dissolver em água seria explicado alegando-se que este algo possui uma outra estrutura química diferente da do açúcar, e não caracterizamos como açúcar algo que tenha uma estrutura química diferente da do açúcar9. Há portanto um sentido claro em que é necessário (não pode ocorrer de outro modo) que, p. ex., o açúcar seja solúvel em água; é necessário porque não
7. Cf.p. ex.Strawsan,IntroductJon
to LOgjcal Theory, p. 245.
8. Cf. p. ex. Guine, "Necessary Truths".
aplicaríamos o termo geral "açúcar" a algo que não fosse solúvel em água. Ao se falar de uma tal necessidade em conexão com leis naturais, parece que se está falando da necessidade analítica, baseada nas regras de uso dos termos da ciência da natureza. Não encontramos, ao contrário, até agora, uma necessidade especificamente causal ou ligada a leis naturais, e um tal conceito de necessidade causal também parece não fazer sentido. Assim subjaz a nosso sistema de explicações da ciência da natureza, p. ex., o fato universal de que materiais e coisas com a mesma estrutura interna apresentarem o mesmo comportamento causal. Isso acontece fática e universalmente, mas não há nenhuma razão para se afirmar que é necessariamente assim, que não poderia ser de outro modo. A menos que haja, por sua vez, uma razão conceitual: a razão de que, se não fosse assim, nós não mais poderíamos aplicar nosso aparato conceitual da ciência da natureza usado até aqui, aparato esse consistindo de conceitos como causalidade, coisa material, estrutura de coisas, etc. Mas o fato de podermos continuar a aplicar esse aparato conceitual não é garantido pelas necessidades naturais, sendo, antes, simplesmente algo em que nós confiamos.
14.6. Modalidades epistêmicas Nos casos em que confiamos na verdade de um enunciado, mas não podemos excluir em última instância a possibilidade de que viesse a ocorrer algo díferente, não se usa o enunciado "É necessário que p", mas sim o enunciado "É certo que p". A expressão "É certo que p" e a expressão a esta correspondente "É possível que p" são caracterizadas como operadores modais epistêmicos.Enquantoque "É necessário que p" implica "É verdade que p", não se pode inferir de "É certo que p" a verdade de "p", pois com o enunciado "É certQ,que p" não se diz que as coisas não podem ser de outro modo, mas sim apenas que, com base no estado de conhecimento no qual nos encontramos no momento do proferimento, tudo indíca que "p" é verdadeiro.
9. Cf. p. ex. Madden, "A Third View af Causality", p. 180s.
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Empregamos os operadores modais epistêmicos freqüentemente com referência àqueles enunciados que não podem ser verificados nem através da observação nem através da derivação lógica, mas que podem ser fundamentados através de outros procedimentos. Um exemplo importante são os enunciados so-
bre acontecimentosfuturos.Se alguémdiz "É certo que já vai chover", então ele não pode verificar seu enunciado através da observação do acontecimento futuro; ele se baseia, antes, em observações que ele pode fazer agora como também em leis da natureza por meio das quais certos acontecimentos determinados podem ser derivados das observações. Mas mesmo se as leis da natureza, de que ele se serve nesse caso, são enunciados necessários, só se pode atribuir ao enunciado sobre o futuro, derivado por meio dessas leis, a modalidade epistêmica da certeza. Pois o acontecimento previsto tem lugar em uma situação real complexa sobre a qual toda uma série de fatores causais tem influência e à qual portanto várias leis naturais têm que ser aplicadas; e não se pode excluir que a pessoa em questão tenha deixado de considerar fatores relevantes da situação ou que ela talvez desconheça uma das leis naturais que desempenham um certo papel no caso em questão.
14.7. Necessidade metafísica (Kripke) Até agora não encontramos nenhum emprego sensato de um "é necessário que" tendo como significado central "não pode ser diferente de" que não se referisse a uma necessidade analítica ou a uma necessidade fundada em uma necessidade analítica. Ora, vimos no tratamento dos enunciados de identidade (cap. 10, p. 138)que Kripkeusa um conceitode necessidadeque, segundoele, não seria o conceito analítico de necessidade e que ele caracteriza como necessidade metafísica. Ele esclarece esse conceito de necessidade justamente através do significado central de "necessário" - significado êste do qual nós também partimos -: necessário é o que não poderia ser diferente ou não poderia ter sido diferente; segundo Kripke,ficamos sabendo se algo é, nesse sentido, necessário por meio de reflexões intuitivas sobre mun-
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dos possíveis, i. é: sobre situações contrafactuais (Naming and Necessity, p. 35s). Ora, no caso da necessidade analítica, estávamos em condições de explicar em que se funda o fato de enunciados analiticamente verdadeiros não serem apenas verdadeiros, mas sim serem necessariamente verdadeiros. Kripke,ao contrário, nos envia, quanto a seu conceito de necessidade metafísica, apenas a nossas intuições, sem explicar o que significa exatamente ou em que se funda o fato de aqueles enunciados, que seriam necessários em seu sentido, só poderem efetivamente ser verdadeiros. Mas talvez possamos obter uma explicação a partir da exposição de seus exemplos. Um tipo de exemplo que Kripkemenciona são os enunciados de identidade nos quais os dois termos singulares são dois nomes próprios diferentes. Quanto a esses exemplos, colocamos em dúvida a concepção de Kripke de que eles seriam necessários: o fato de as duas seções objetuais espácio-temporais que temos diante de nós, nas situações de batismo em que introduzimos os dois nomes, pertencerem a um mesmo objeto pode ser verdadeiro ou falso. Examinemos então o segundo tipo de exemplo dado por Kripke.A este tipo pertencem frases como "Gatos são animais", "Ouro é um metal". De modo intuitivo, diríamos sobre essas frases que elas são necessárias. Mas suporíamos normalmente, além disso, que elas são necessárias porque são analíticas. Kripke contudo defende, no caso de predicados sortais como "gato" e de termos para materiais naturais como "ouro", a mesma concepção que ele defendeu com relação aos nomes próprios. Ele diz que eles não têm nenhum significado (descritivo), sendo, antes, introduzidos de modo que o termo é coordenado, em uma situação perceptiva, a alguns exemplares de tais coisas ou materiais naturais, de modo que um tal termo, a partir de então, caracteriza fixamente, i. é: em qualquer mundo possível, coisas ou materiais do mesmo tipo (p. 122s, 127s).Diferentemente dos nomes próprios que não têm efetivamente nenhum significado descritivo, o negar um significado descritivo aos termos sortais e aos termos que se referema tipos de materiais parece, inicialmente, implausível. Em segundo lugar, se, p. ex., "gato" é um nome de espécie sem significado,torna-se pou-
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co claro o que nós devemos pensar quando refletimos se gatos teriam podido também não ser animais.
INDICAÇÕES BmLIOGRÁFICAS
Kripke dá indicações para esta questão, indicações estas que não vêm apoiar sua interpretação metafísica, apoiando antes uma interpretação analítica da necessidade em questão. Ele diz que "Gatos são animais" é necessariamente verdadeiro porque, ao se pensar que eles são animais (e não, p. ex., robôs), têm-se em mente que eles possuem uma estrutura interna determinada, a saber: aquela dos seres vivos de um determinado tipo (p. 121);isso significa que, mesmo se nenhum termo indicando características externas devesse estar relacionado de modo necessário com o predicado sortal (do que se pode duvidar), termos indicando características estruturais internas estaria contudo necessariamente relacionados a ele.
Hughes/Gresswell, An IntroductJon to Modal Logic. Kripke, Naming and Necessity. White, Modal Thinking. Wolf, Moglichkeit und Notwendigkeit bei Arlstoteles und heute.
O que devemos considerar é, portanto, se gatos que possuem uma certa estrutura de ser vivotambém teriam podido, em uma situação contrafática, não possuir essa estrutura. Kripke chega ao resultado de que essa possibilidade não existe, de que os seres vivos gatos não poderiam ter sido, p. ex., demônios com a aparência externa de gatos. Mas por que não? Por que meios essa possibilidade está excluída? Evidentemente por causa do tipo de traçado de fronteiras que se manifesta nas regras de uso de nossos termos sortais para coisas e materiais naturais, i. é: por causa da circunstância de que nosso critério decisivo para a possibilidade de uso de termos para espécies e materiais naturais é o tipo de estrutura interna do objeto ou do material. Sendo assim, a necessidade pretensamente metafísica se mostra como um caso determinado da necessidade analítica, como aquele caso determinado em que a necessidade não se funda no significado de expressões quaisquer, mas sim especialmente no significado de nossos termos para espécies e materiais naturais. Só encontramos portanto um significado de "necessário" em que o critério intuitivo de que as coisas não poderiam ocorrer de outro modo pode ser resgatado de uma maneira fundamentada, a saber: a necessidade no sentido analítico.
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