TODOROV, Tzvetan. Memória do mal, tentação do bem : indagações sobre o século XX. São aulo: !r", #$$#. %Ser& a 'e'(ria, se')re e necessaria'ente, u'a coisa boa, e o es*ueci'ento, u'a 'aldição absoluta+ O )assado )er'ite co')reender 'elor o )resente, ou, na 'aioria das vezes, serve )ara ocult&-lo+ Todas as )r&ticas do )assado são reco'end&veis+ ortanto, as 'e'(rias do século serão, )or sua vez, sub'etidas a e"a'e. /). 0#1 “submeter ao exame” as memórias da Folha Folha sobre o golpe e o regime. Regi' Regi'es es totalit totalit&ri &rios os do século século XX revela revelara' ra' a e"ist2nc e"ist2ncia ia de u' %)erigo %)erigo antes antes insus)eito: o de u' do'3nio co')leto sobre as 'e'(rias. %4os )a3ses de'ocr&ticos, a )ossibilidade de acessar o )assado se' sub'eter-se a u' controle centralizado é u'a das liberdades 'ais inalien&veis, ao lado da liberdade de )ensar e de e")ressar-se. e")ressar-se. /). 05$1 %6es' %6es'oo assi', assi', o estatu estatuto to da 'e'(r 'e'(ria ia nas socied sociedade adess de'oc de'ocr&t r&tica icass não )arec )arecee de7initiva'ente garantido. 8...9 a valorização da 'e'(ria e a si'ultnea acusação acusação contra o es*ueci'ento di7undira'-se nestes ;lti'os anos 7ora de seu conte"to original. /). 0501 %... estar3a'os condenados < 7utilidade do instante e ao cri'e do es*ueci'ento. =o' isso, de 'aneira 'enos brutal 'as, e' ;lti'a an&lise, 'ais e7icaz, )or*ue não suscitaria nossa resist2ncia, 7azendo de n(s, ao contr&rio, agentes consentidores dessa 'arca )ara o es*ueci'ento, os >stados de'ocr&ticos conduziria' suas )o)ulações ao 'es'o alvo dos regi'es totalit&rios, ou se?a, ao reinado da barb&rie. /). 0501 %gen %gener eral aliz izad ados os dess dessaa 7or' 7or'a, a, o elog elogio io inco incond ndic icio iona nall da 'e'( 'e'(ria ria e a di7a di7a'a 'açã çãoo ritual3stica do es*ueci'ento se tornara' )or sua vez )roble'&ticas. 8...9 @ )reciso co'eçar )or reconecer as grandes caracter3sticas deste 7enA'eno co')le"o, a vida do )assado no )resente. )resente. /). 0501 !conteci'entos !conteci'entos )assados nos dei"a' dois ti)os de rastros: Raastros %6nésicos B na 'ente dos seres u'anos. Rastros %no 'undo B sob 7or'a de 7atos 'ateriais, 'arcas vest3gios. Se *uiser'os %reviver este )assado no )resente, é )reciso realizar u' trabalo *ue )assa )or u'a u'a série de eta)as: eta)as: /eta)as da le'brança1 le'brança1 1) Estabel Estabeleci eciment mento o dos fatos: fatos: %@
a base sobre a *ual deve' re)ousar todas as construções ulteriores. Se' esse )ri'eiro )asso, não se )ode se*uer 7alar de u' trabalo sobre o )assado. /). 05#1 %!inda assi', não basta buscar esse )assado )ara *ue ele se inscreva 'ecanica'ente no )resente. De todo 'odo, subsiste' a)enas alguns sinais, 'ateriais e )s3*uicos, da*uilo *ue aconteceu: aconteceu: entre os 7atos e' si 'es'os e os sinais *ue eles dei"a', desenrola-se desenrola-se u' )rocesso de seleção *ue esca)a < vontade dos indiv3duos. 8...9 de todos os sinais dei"ados )elo )assado, escolere'os s( reter e s( consignar alguns, ?ulgando-os, )or trabalh lho o de sele seleçã ção o é u'a u'a razã razãoo ou )or )or outr outra, a, dign dignos os de ser ser )er) )er)et etua uado dos. s. >sse >sse traba necessaria'ente necessaria'ente secundado )or outro, de dis)osição e )ortanto ierar*uização dos 7atos assi' estabelecidos: estabelecidos: alguns serão destacados e outros, lançados < )eri7eria. /). 05C1
%! recu)eração do )assado )ode interro')er-se nesse )ri'eiro est&gio. 8...9 o estabeleci'ento dos 7atos é, e' si 'es'o, u' 7i' digno de esti'a. /). 05C1 %! di7erença entre a )ri'eira e a segunda 7ase no trabalo de a)ro)riação do )assado é a *ue e"iste entre constituir os ar*uivos e redigir a ist(ria )ro)ria'ente dita. =o' e7eito, u'a vez estabelecidos os 7atos, é )reciso inter)ret&-los, isto é, essencial'ente, relacion&-los uns aos outros, reconecer as causas e os e7eitos, 7or'ular se'elanças, gradações, o)osições. !*ui rea)arece', 'ais u'a vez os )rocessos de seleção e co'binação. /). 0551 2) Construção do sentido:
%Verdade e' novo sentido: %não 'ais u'a verdade de adequação, de corres)ond2ncia e"ata entre o discurso )resente e os 7atos do )assado 8...9, 'as u'a verdade de elucidação, *ue )er'ite a)reender o sentido de u' aconteci'ento. /). 0551 %O estabeleci'ento dos 7atos )ode ser de7initivo, ao )asso *ue a signi7icação deles é constru3da )elo su?eito do discurso e, )ortanto, suscet3vel de 'udar. 8...9 ! construção do sentido te' )or ob?etivo co')reender o )assado e *uerer co')reender B tanto o )assado co'o o )resente B é )r()rio do o'e' /). 05E1 Observadas as duas )ri'eiras 7ases do trabalo de re'e'oração )ode'os concluir: %a 'e'(ria não se o)õe absoluta'ente ao es*ueci'ento. Os dois ter'os *ue 7or'a' contraste são a su)ressão /o es*ueci'ento1 e a conservação a 'e'(ria é, se')re e necessaria'ente, u'a interação dos dois. ! reconstituição integral do )assado é coisa i')oss3vel. 8...9 ! 'e'(ria é 7orçosa'ente u'a seleção: certos detales do aconteci'ento serão conservados, outros, a7astados, logo de in3cio ou aos )oucos, e )ortanto es*uecidos. or isso é tão e*uivocado ca'are' de %'e'(ria a ca)acidade *ue t2' os co')utadores de conservar a in7or'ação: 7alta a esta ;lti'a o)eração u' traço constitutivo da 'e'(ria, a saber, o es*ueci'ento. /). 05F1 %a 'e'(ria é o es*ueci'ento: es*ueci'ento )arcial e orientado, es*ueci'ento indis)ens&vel. /). 05F1 terceiro est&gio da vida do )assado no )resente, %instru'entalização dele co' vistas a ob?etivos atuais. /). 05F1 %!)(s ter sido reconhecido e interpretado, o )assado ser& agora utilizado. @ assi' *ue )rocede' as )essoas )rivadas, *ue )õe' o )assado a serviço de suas necessidades do )resente, 'as ta'bé' os )ol3ticos, *ue rele'bra' os 7atos do )assado )ara alcançar ob?etivos )r()rios. >' geral, os istoriadores )ro7issionais re)ugna' ad'itir *ue )artici)a' deste terceiro est&gio a )artir do 'o'ento e' *ue 7aze' reviver os aconteci'entos e' sua 'aterialidade e seu sentido, eles )re7ere' considerar ter'inada a )r()ria 'issão. =laro, tal recusa a *ual*uer uso é )oss3vel, 'as eu a considero e"ce)cional. /). 05F-0E$1 3)
Aproeitamento:
%dese?o de agir no )resente, de 'udar o 'undo, e não s( de conec2-lo. %! utilização *ue se )ode 7azer do )assado 'otiva aberta'ente ações )ol3ticas, 'as ta'bé', de 'aneira 'enos 7lagrante, as *ue )ara'enta' co' os trun7os da ci2ncia. 8...9 ! ci2ncia, é claro, não se con7unde co' a )ol3tica ainda assi', a )r()ria ci2ncia u'ana te' 7inalidades )ol3ticas, e estas )ode' ser boas ou '&s. /). 0E$1
4a )r&tica, os tr2s est&gios coe"iste' si'ultanea'ente. >' geral, não se co'eça )ela coleta desinteressada dos 7atos, 'as )or sua utilização. %@ )or ter e' vista u'a ação no )resente *ue o indiv3duo busca, no )assado, e"e')lo suscet3veis de legiti'&-la /). 0E$-0E01 Di7erentes 7ases coe"iste'. %G& *ue a 'e'(ria é seleção, 7oi )reciso encontrar critérios )ara escoler entre todas as in7or'ações recebidas e esses critérios, tena' ou não sido conscientes, ta'bé' servirão, segundo toda verossi'ilança, )ara orientar a utilização *ue 7are'os do )assado. /). 0E01 LIG! " #!$" F"$" % &$!'$()*#I+ ,$ !I+-$*!. !E"!EM#$%A", %&"!'(&A'(E", C'MEM'(A'(E"*
Vest3gios do )assado se 'anté' no )resente a )artir de alguns discursos: o da teste'una, do istoriador e do co'e'orador. !estemunha: %indiv3duo
*ue convoca suas le'branças )ara dar u'a 7or'a, )ortanto u' sentido, < sua vida, e constituir assi' u'a identidade. /). 0E01 vest3gio solit&rio %istoriador: %re)resentante
da disci)lina cu?o ob?eto é a reconstituição e an&lise do )assado e, de 'odo 'ais geral, toda )essoa *ue )rocure realizar este trabalo escolendo co'o )rinc3)io regulador e co'o orizonte ;lti'o não 'ais o interesse do su?eito, 'as a da verdade i')essoal. /). 0E01 %O contraste entre a teste'una /de sua )r()ria vida1 e o istoriador /do 'undo1, u' ani'ado )or seu interesse, o outro )ela )reocu)ação co' a verdade, )arece inco')leto. =ontudo, a teste'una )ode acar *ue suas le'branças 'erece' entrar )ara a es7era );blica, )ois seria' ;teis < educação dos outros e não a)enas < sua )r()ria 7or'ação. 4esse 'o'ento, ele )roduz u' %de)oi'ento, *ue ve' concorrer co' o discurso ist(rico, es)ecial'ente ?unto ao grande );blico. /). 0E#1 !s duas )osturas são co')le'entares, o %de)oi'ento enri*uece o discurso do istoriador. %=o'o a teste'una, o co'e'orador é guiado sobretudo )elo interesse 'as, co'o o istoriador, )roduz seu discurso no es)aço );blico e a)resenta-o co'o dotado de u'a verdade irre7ut&vel, distante da 7ragilidade do de)oi'ento )essoal. /). 0E51 Comemorador:
4o caso dele, 7ala-se sse discurso re7lete a i'age' *ue u'a sociedade ou u gru)o dentro da sociedade *uere' dar de si 'es'os. /). 0E5-0EE1 =o'e'oração te' seus locais )rivilegiados: a escola, os 'eios de co'unicação, os artigos da i')rensa.
%Se' d;vida, a co'e'oração se ali'enta de ele'entos trazidos )elas teste'unas e )elos istoriadores 'as não se sub'ete aos teste de verdade *ue são i')ostos a este e <*ueles. /). 0EE1 %en*uanto teste'unas e istoriadores )ode' 7acil'ente co')letar-se uns aos outros, entre istoriador e co'e'orador & u'a di7erença tanto de ob?etivos *uanto de 'étodo, *ue di7icil'ente co')atibiliza as )osições deles. Tal o)osição 'erece ser sublinada tanto 'ais *uanto o co'e'orador gostaria de bene7iciar-se da i')essoalidade de seu discurso /de 7ato, ele não est& 7alando de si 'es'o1 )ara dar-le u'a a)arencia de ob?etividade, )ortanto, de verdade. 6as não é assi'. ! ist(ria co')lica nosso coneci'ento do )assado a co'e'oração a si')li7ica, ?& *ue seu ob?etivo 'ais 7re*Hente é o de nos 7ornecer 3dolos a venerar e ini'igos a abo'inar. ! )ri'eira é sacr3lega, a segunda sacralizante. /). 0EE1 Re'e'oração: tentativa de a)reender o )assado e' sua verdade. =o'e'oração: ada)tação do )assado 'bora inevit&vel, a co'e'oração não é a 'elor 'aneira )oss3vel de 7azer o )assado viver no )resente: o homo deomcraticus )recisa de outra coisa *ue não i'agens )iedosas. Iuando, )or sua vez, ela se congela e' 7or'as i'ut&veis cu?a 'odi7icação, *ual*uer *ue se?a, )rovoca acusações de sacrilégio, )ode'os ter certeza de *ue a co'e'oração serve 'ais aos interesses )articulares dos )rotagonistas do *ue < elevação 'oral deles. /). 0EJ1 +#-AME$!' M'(A
%=olocar o )assado a serviço do )resente é u'a ação. ara ?ulg&-la, não basta le )edir u'a verdade de ade*uação /co'o )ara o estabeleci'ento dos 7atos1 ou u'a verdade de elucidação /co'o )ara a construção do sentido1 é )reciso avali&-la e' ter'os de be' e de 'al, )ortanto, e' critérios )ol3ticos e 'orais. ois é claro *ue ne' todas as utilizações do )assado são boas, e *ue o 'es'o aconteci'ento )ode ocasionar lições 'uito diversas. /). 0EJ-0EK1 -(A$E" (EA!'" .Os 7atos *ue constitue' o )assado não v2' a n(s e' estado bruto a)resenta'-se sob
a 7or'a de relatos. /).0JE1 Relato ist(rico não é 'oral'ente neutro concerne a dois )rotagonistas: o agente e o )aciente. %O )assado é 7eito de eventos ';lti)los, de signi7icação indeter'inada são os atores do )resente *ue decide' dotar esses eventos de u' valor indubit&vel. /). 0JL1 =ulto
<
'e'(ria.
Mnaugura-se
na
>uro)a
u'
'useu
)or
dia
%São tantos os aconteci'entos not&veis co'e'orados a cada ano *ue a gente se )ergunta, co' )reocu)ação, se resta' dias su7icientes )ara *ue neles se )roduza' novos aconteci'entos. /). 0LF1
%>ssa )reocu)ação co')ulsiva co' o )assado não se e")lica )or si 'es'a, e e"ige ser inter)retada. 4e' se')re o culto < 'e'(ria serve
%! 'e'(ria )oder ser tornada estéril )or sua 7or'a: )or*ue o )assado, sacralizado, não nos evoca nada alé' dele 'es'o )or*ue o 'es'o )assado, banalizado, nos 7az )ensar e' tudo e e' *ual*uer coisa. 6as, alé' disso, ne' todas as 7unções *ue se 7az esse )assado assu'ir são igual'ente reco'end&veis. ! evocação do )assado é necess&ria )ara a7ir'ar a )r()ria identidade, tanto a do indiv3duo *uanto a do gru)o. Se' d;vida, u' e outro ta'bé' se de7ine' )or sua vontade no )resente e seus )ro?etos de 7uturo 'as não )ode' dis)ensar-se dessa )ri'eira evocação. % /). 0FE1 Folha
Mdentidade B 'ovediça e ';lti)la, não é ;nica e r3gida. %6as os o'ens, assi' co'o os gru)os, vive' no 'eio de outros o'ens, de outros gru)os, e )or isso não basta a7ir'ar *ue cada u' te' o seu direito de e"istir tabé' é )reciso ver co'o essa de7esa de si in7lui sobre a e"ist2ncia dos outros. Os atos *ue re7orça' a identidade do indiv3duo ou a do gru)o )ode' ser-les ;teis, 'as, e' si 'es'os, não t2' valor 'oral s( o )ossue' a*ueles atos *ue traze' )roveito a outre'. ! )ol3tica da identidade não se con7unde co' a 'oral da alteridade. /). 0FE1 M'(AME$!E C'((E!'
6oralizador B %a*uele *ue se orgula de identi7icar )ublica'ente as 'ani7estações do be' e do 'al. Ser 'oralizador não signi7ica e' absoluto ser 'oral. /). ##E1
6oralizador, *uer sub'eter-se ao critério do be', %nisso ele obté' o necess&rio reconeci'ento de sua e"ist2ncia e a con7ir'ação de seu valor. /). ##E1 %O *ue de7ine o 'oralizador não é o conte;do de suas convicções, 'as a estratégia de sua ação. >le vive de consci2ncia leve e 'anté'-se ani'ado )or a*uilo *ue se ca'a e' ingl2s sel/0righteousness. Se convoca a 'e'(ria, e e' )articular a 'e'(ria do 'al, é )ar 'elor dar lições aos seus conte')orneos. /). ##E1 %O 'oralizador conte')orneo convoca então a 'e'(ria e' dois casos: )ara louvar os bons ou )ara estig'atizar os 'aus. /). ##J1 Folha lou1ou e estigmatizou os mesmos atores. Moraliador*
%@ essencial'ente nos 'eios de co'unicação *ue se e"erce o 'oral'ente correto, ainda *ue,
*ue sabe 'oldar a o)inião );blica no sentido de suas convicções, graças a esse inco')ar&vel instru'ento de )oder, co' o *ual os escritores do )assado não )odia' sonar: os 'eios de co'unicação, televisão, r&dio, i')rensa. ara agir co' e7ic&cia, o 'oralizador deve )or sua vez 7azer-se %intelectual, ?ornalista, dis)or de u'a tribuna *ue le )er'ita in7luenciar os leitores ou os ouvintes. /). ##F1