TEMAS EM PSICOLOGIA SOCIAL
Unidade II 5 TEMAS DA PSICOLOGIA SOCIAL
Nesta unidade são apresentados alguns dos principais conceitos associados à Psicologia Social brasileira e que têm instrumentalizado as práticas de pesquisa e intervenção nessa área do conhecimento conhecim ento psicológico: representações sociais, identidade, processo grupal e novos campos para o embate ideológico: linguagem e imaginário. 5.1 Representações sociais 5.1.1 O pensamento do senso comum
Para iniciar a apresentação da Teoria das Representações Sociais (TRS), vale aqui uma pergunta: quais as relações entre o pensamento científico e o senso comum? Na tentativa de buscar uma resposta para essa questão, em um contexto de grande debate sobre a relevância do pensamento científico no pós-guerra e de como esse pensamento era assimilado – e transformado – pelas “pessoas comuns”, o francês Serge Moscovici (1986) propõe o conceito de representações sociais, apresentado pela primeira vez no trabalhoAs trabalho As representações sociais da psicanálise , em 1961.
Figura 7 - Emile Durkheim 29
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Moscovici tem como ponto de partida a ideia de representações coletivas, antes proposta pelo sociólogo francês Emile Durkheim. No entanto, ele subverte a concepção durkheimiana e indica que a representação dos objetos e teorias sobre os quais as sociedades humanas têm interesse são (re)construídos por essas sociedades em um processo contínuo apoiado, fundamentalmente, nas relações entre as pessoas e os grupos sociais. Esse entendimento de Moscovici pode pod e ser contemporaneamente associado a outras preocupações e movimentos do pensamento nas ciências sociais como sugere Arruda (2002, p.10), ao falar das relações da psicologia com outras áreas de saber: Estamos numa era de reforma do pensamento que desvela a complexidade do objeto da psicologia e a ingênua veleidade de acreditar que podemos, a partir de uma única área de saber, dar conta dele. Isto projeta a psicologia no território da interdisciplinaridade. interdisciplinaridade.
Para essa autora, seguindo o pensamento desenhado por Boaventura de Souza Santos (2010), vivemos um cenário no qual se apresentam diferentes rupturas epistemológicas, isto é, movimentos que desafiam a hegemonia do valor dos conhecimentos já estabelecidos. A primeira dessas rupturas seria a do senso comum para a ciência, quando a ciência se constitui como campo hegemônico do saber. A segunda ruptura, da qual estamos mais próximos no tempo, subverte e transforma esse entendimento, quando da passagem da ciência para o senso comum, mas um senso comum já transformado pela presença do pensamento científico e capaz de desafiar a hegemonia deste pensamento. Os interesses de Moscovici (2003) na construção da teoria teori a das representações sociais se apresentam nessa convergência. Autor que, indo além, pretende constituir teórica e metodologicamente um campo de trabalho onde se possa recuperar não apenas a importância do senso comum, mas a ideia de grupo (e de ser humano). Sinteticamente, a TRS T RS apresenta uma concepção que pretende atender a um problema crônico dentro das ciências sociais: a relação entre o pensamento científico e aquele que se refere ao senso comum, o pensamento do grupo, propondo, nesse sentido um outro problema: “os grupos pensam?” A resposta para essa pergunta não é simples porque propõe a superação de um entendimento bem estabelecido: o pensamento, para todos os efeitos é um fenômeno individual. Como falar de um grupo que pensa? Como entender algo como uma cognição social? Moscovici vai assim construir uma teoria que pretende instituir uma maneira diferenciada de conceber a realidade dos grupos, o pensamento dos grupos e, como decorrência, o comportamento e o devir dos grupos humanos. Deparando-se com o que ele entendia ser um fenômeno, antes de ser um conceito (a representação social) Moscovici (2003) evita sistematicamente na sua obra definir o que essa seja, sucumbindo a esse esforço poucas vezes. Em uma delas, ele a apresenta como sendo “uma rede de imagens e conceitos interagindo, cujos conteúdos se diferenciam continuamente através do tempo e do espaço”. espaço”. Já Denise Jodelet (2001, p.22), psicóloga francesa do mesmo grupo g rupo de Moscovici, tentou materializar materiali zar minimamente esse conceito e compreende uma representação social como: 30
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Uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. Igualmente designada como saber de senso comum ou ainda saber ingênuo, natural, esta forma de conhecimento é diferenciada, entre outras, do conhecimento científico.
Na passagem das teorias científicas para o senso comum, em um processo mediado pelo diálogo entre os indivíduos, a teoria das representações sociais redescobre nos grupos sociais uma explicação para o mundo que orienta o comportamento dos indivíduos no grupo. Considerando que as representações sociais, sendo uma teoria do senso comum e não uma teoria científica, são uma versão do senso comum, isso não lhes confere, no entanto, o status de pensamento primitivo ou menor. Ao contrário, a representação social apresenta-se como uma categoria especial de conhecimento, variando, em função de onde, quando e de quem se serve dela. Sua presença e função podem ser verificadas no cotidiano de todos nós e não implicam uma apreensão “deficiente” da realidade, mas um entendimento socialmente determinado pelas relações humanas e organiza nossa compreensão e ação no mundo. 5.1.2 Objetivação e ancoragem
Moscovici irá considerar que o processo de elaboração de uma representação social, processo que ele caracteriza como do âmbito da cognição social, pode ser compreendido por meio de dois momentos: a “objetivação” e a “ancoragem”. A “objetivação” é o processo pelo qual se tenta reabsorver um excesso de significações, materializandoas. A quantidade de significantes e indícios que um determinado grupo utiliza pode se tornar de tal maneira abundante que os sujeitos, frente a essa situação, procuram combatê-la tentando ligar as palavras a “coisas”. Aqui Moscovici entende estar a dimensão “imagética” da representação social e fez ela importância direta na sua disseminação. É possível reconhecer esse movimento, por exemplo, ao falar da representação da psicanálise. Ainda que se trate de campo complexo e que suponha uma difícil assimilação, não podemos deixar de lembrar de Freud, das práticas terapêuticas e do sofrimento mental cada vez que nos depararmos com um simples divã.
Figura 8 - Divã de Sigmund Freud (por John Mahowald) 31
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A ancoragem é o outro lado da moeda em relação à objetivação. A ancoragem ajusta o objeto representado à realidade da qual ele foi sacado, promovendo a constituição de uma rede de significações em torno do objeto e orientando as conexões entre ele e o meio social. Assim, o objeto, via representação social, passa a ser um instrumento auxiliar para a interpretação da realidade. Aqui pode-se verificar a dimensão conceitual e linguística da representação social. Para não irmos muito longe, podemos recorrer novamente à psicanálise como exemplo. É possível verificar o processo de ancoragem na associação que podemos fazer entre a prática religiosa católica da confissão e a psicanálise: ambas ocorrendo em um espaço reservado, com garantia de sigilo, possibilidade de se tratar de questões íntimas que o sujeito não traria para o espaço público. A prática psicanalítica enquanto conceito viria se ancorar, assim, no conceito já conhecido de confissão.
Figura 9 - Confessionário (por Frenkieb)
5.1.3 TRS e grupos
De acordo com Moscovici, as representações sociais são função dos grupos, de sua experiência e daquilo que os identifica, sua identidade. Assim, pode-se considerar que as representações sociais variam de acordo com determinado grupo. Isso é de tal forma importante, que seria possível reconhecer a pertença (a relação com o grupo) mediante o estudo das representações sociais. Universitários versus operários, mulheres versus homens, cada categoria social apresentaria singularidades em relação às suas representações sociais de um determinado objeto/teoria. Apesar dessa associação, Moscovici e outros estudiosos da TRS têm recolhido exemplos de como dentro de um mesmo grupo podem conviver diferentes representações sociais, o que foi chamado de polifasia cognitiva. Alguns exemplos sobre as representações sociais podem ajudar a entender essa valoração das experiências sociais e étnicas, de como o conhecimento é função da história e das circunstâncias bastante concretas que levam os diferentes grupos sociais a instituírem e recorrerem às representações sociais. 32
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O primeiro, apresentado pelo próprio Moscovici (1986), refere que a população de origem espanhola do sudoeste dos Estados Unidos possui quatro registros diferentes para classificar e interpretar as doenças: a sabedoria popular medieval do sofrimento físico, a cultura das tribos ameríndias, a medicina popular inglesa nas zonas urbanas e rurais e finalmente, a ciência médica. Tendo em vista a gravidade da doença e a situação econômica do grupo, eles recorrem a um ou outro desses registros para procurar a cura. Outro exemplo pode ser encontrado no estudo sobre populações de origem chinesa na Inglaterra e suas diferentes formas de cuidar da saúde, especialmente entre os adultos jovens. De acordo com Gervais e Jovchelovich (1998), pode-se constatar o uso de duas representações diferentes: a da medicina tradicional chinesa e a da medicina ocidental. Em função do tipo de problema e da sua gravidade os indivíduos nesse grupo buscam um ou outro desses auxílios. Não fossem apenas as grandes diferenças entre os princípios e os métodos de cada uma dessas práticas, o que chamou atenção da pesquisadora aqui é que a aparente contradição (o reconhecimento de uma prática deveria invalidar a outra) é tomada pelo grupo com “naturalidade”: afinal, trata-se de um uso que pretende ser, sempre, o melhor para resolver a questão de saúde. No que diz respeito à relação com os grupos, vale reiterar ainda outros aspectos das representações sociais. Um deles, a linguagem. As representações sociais são definidas no contexto das relações, são entidades dinâmicas, mudando de acordo com o contexto social onde se apresentam. São relativas, assim, ao grupo que delas se apropria e, mais ainda, são função também da linguagem desse grupo, e ainda de como esse grupo usa a linguagem. Outro aspecto diz respeito às relações entre as representações sociais e o comportamento do grupo. Segundo Moscovici (1986), a representação social é compreendida também como comportando a preparação para a ação, isto é, ela não tem apenas status de constructo , mas é um “instrumento” nas interrelações cotidianas. O comportamento de um indivíduo ou grupo poderá ser assim entendido como referente ao universo de representações sociais que os caracteriza, e o estudo de uma certa representação social refere esse universo em relação ao qual o grupo se orienta. Assim, para investigar as condições grupais das representações sociais, é necessário observar as questões da história e do jogo dessas representações. Seguindo o sugerido por Jodelet (1989) e Spink (1993), são especialmente importantes o entendimento não apenas dos conteúdos mas também dos processos sociais envolvidos com as representações, integrando essas duas dimensões e apelando para a história de sua produção como fonte de conhecimento. Uma chave para dar conta dessa preocupação é tomar como referência para organização e categorização do contexto, conceitos como o de tempo longo (o imaginário social), tempo curto (a situação interacional) e tempo vivido (as disposições adquiridas em função da filiação a determinados grupos sociais), indicados por Spink (1993), e que se prestam a localizar o lugar ocupado por uma determinada representação social. Dinâmica, organizadora, integradora, histórica, a representação social se apresenta e se reproduz nas conversas do dia a dia, nas esquinas, bares e praças, instalando-se de uma maneira que subverte as normas e a rigidez habituais de aprendizagem. Integrando o que é desconhecido, a representação social possibilita apontar a importância do senso comum nas ações dos indivíduos nas suas realidades. 33
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Observação
O estudo de Moscovici sobre as representações sociais da psicanálise foi o ponto de partida para o desenvolvimento da teoria. Tente identificar o uso do “senso comum” que você faz dos conceitos psicanalíticos.
5.2 Identidade 5.2.1 Identidade-metamorfose
Tendo apresentado a teoria das representações sociais e sua ligação com a caracterização dos grupos, podemos introduzir aqui o conceito de “identidade social”. A discussão sobre esse conceito, especialmente importante para a Psicologia Social , vai requerer que você tente, antes de mais nada, responder a algumas perguntas. Tente fazer isso espontaneamente, sem antes consultar nenhum texto. Primeira pergunta: o que significa “ter” uma identidade? Agora vamos à segunda pergunta: o que “é” a sua identidade? Consegue responder? Não há dúvida que, sem muito esforço, todos nós somos capazes de responder a essas perguntas e, mais ainda, ficaremos bastante satisfeitos com esses entendimentos. Afinal, todos sabem o que é a identidade. Ela está naquele documento que carregamos na carteira (associada a um número, inclusive), ela se confunde/mistura com outros conceitos psicológicos como “personalidade”, enfim, ela conta para os outros quem somos de fato. Essa ideia de identidade, que provém do senso comum, contém o princípio da permanência, da essência, de algo que pretendemos cultivar como próprio de quem somos: sempre os mesmos. Nesse caso, a identidade é um objeto que podemos “ter”, que pode ser “nosso”. Ora, sob o entendimento proposto por uma psicologia social crítica, essa concepção de permanência associada à existência de um sujeito será duramente desafiada (CIAMPA, 1983). Em uma perspectiva histórico-social, como vimos antes, os sujeitos não só são resultado daquilo que os antecedeu, das condições concretas, simbólicoimaginárias, que vieram constituindo-se socialmente, mas são também, eles próprios, sujeitos às mudanças e transformações que se realizam a cada momento. Dessa forma, embora pareça assustador, pode-se dizer que ao invés de você e eu sermos “alguém”, de fato, nós somos, isto é, estamos em constante transformação, em uma contínua metamorfose. Vamos dar uma olhada na música de Raul Seixas, “Metamorfose Ambulante” (você pode escutar a música também em ): Metamorfose Ambulante (Raul Seixas) Prefiro ser Essa metamorfose ambulante Eu prefiro ser Essa metamorfose ambulante. 34
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Do que ter aquela velha opinião Formada sobre tudo Do que ter aquela velha opinião Formada sobre tudo. Eu quero dizer Agora, o oposto do que eu disse antes Eu prefiro ser Essa metamorfose ambulante. Do que ter aquela velha opinião Formada sobre tudo Do que ter aquela velha opinião Formada sobre tudo Sobre o que é o amor Sobre o que eu nem sei quem sou. Se hoje eu sou estrela Amanhã já se apagou Se hoje eu te odeio Amanhã lhe tenho amor Lhe tenho amor Lhe tenho horror Lhe faço amor Eu sou um ator. É chato chegar A um objetivo num instante. Eu quero viver Nessa metamorfose ambulante. Do que ter aquela velha opinião Formada sobre tudo Do que ter aquela velha opinião Formada sobre tudo. Sobre o que é o amor Sobre o que eu nem sei quem sou. Se hoje eu sou estrela Amanhã já se apagou Se hoje eu te odeio Amanhã lhe tenho amor. 35
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Lhe tenho amor Lhe tenho horror Lhe faço amor Eu sou um ator. Eu vou lhe desdizer Aquilo tudo que eu lhe disse antes Eu prefiro ser Essa metamorfose ambulante. Do que ter aquela velha opinião Formada sobre tudo Do que ter aquela velha opinião Formada sobre tudo. A letra, que você muito provavelmente já escutou, refere de maneira poética esse mesmo processo de transformação pelo qual passamos continuamente, e revela, ainda, o preço que isso nos cobra: mudamos de opinião, pensamos diferente sobre a vida e sobre as pessoas, mudamos de amor. Se a nossa identidade se caracteriza pela “metamorfose ambulante”, pela mudança permanente, será preciso reconhecer que a própria palavra identidade não dá conta do que ela representa quando significa “aquilo que é idêntico a si mesmo”. 5.2.2 Identidade e ideologia
De acordo com Ciampa (1983) a ideia de identidade vai dizer respeito a uma certa existência que caracteriza cada um de nós, e refere também um lugar social pela nossa vinculação a um determinado grupo. Se dissermos que temos um nome, que somos de tal lugar, filhos de alguém, isso nos oferece uma identidade. Mas também nos apresentamos, por exemplo, como profissionais, e isso nos confere certa posição no jogo social: compartilhamos (para o bem e para o mal) a identidade de nossos colegas de profissão. O mesmo entendimento pode ser ligado à classe social (pobres e ricos), raça (brancos e negros) ou gênero (homem e mulher, homossexual, lésbica, transgênero). Dentro dessa perspectiva, a identidade corresponde a uma construção social e é, portanto, histórica. Forjada nas relações entre os indivíduos e grupos, dependente dos outros, a identidade se faz em tais relações, podemos dizer, assim, que somos nas relações, somos metamorfoses ambulantes. Ao terminar essa seção, vale destacar uma dimensão menos explorada nas discussões teóricas sobre a identidade ou na TRS, mas muito importante quando se trata das práticas de investigação dentro de uma dimensão crítica. Como modelos compartilhados nas relações cotidianas, as representações sociais participam na definição das identidades pessoais e sociais. Sob esse viés crítico, compreende-se que identidades e representações sociais estão sujeitas às condições de dominação e controle social, à influência da ideologia, e não podem 36
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ser entendidas como construídas em ambientes neutros e alheias a esses determinantes. Dessa forma, pode-se considerar as representações sociais como ideológicas e potentes para cristalizar relações concretas de dominação (OLIVEIRA; WERBA, 2002), especialmente quando se trata da identidade. Para tomar aqui um exemplo, Mattos e Ferreira (2004) ao tratarem das representações sociais que um determinado grupo pode possuir sobre moradores de rua, discutem como essas representações podem estar a serviço de instituir uma condição permanente, naturalizada. As representações sociais sobre as pessoas em situação de rua podem estar a serviço de reforçar identidades que possuem intrinsecamente um valor negativo e nesse caso seriam consideradas ideológicas, pois materializam relações concretas de dominação.
Saiba mais
Você não está convencido de que a identidade é metamorfose? Procure ler o texto de Ciampa, A estória de Severino, a História de Severina que ilustra esse processo usando poesia e realidade. 5.3 Grupos e processos grupais
Todos nós pertencemos a grupos. Determinadas concepções da Psicologia Social chegam a afirmar que nós só “somos”, efetivamente, em grupo. E você? Consegue se ver como “sendo” por meio dos grupos? Ou seria suficiente dizer que “somos”, singulares, únicos, autônomos para, então, poder pertencer a grupos humanos, especialmente aqueles dos quais escolhemos participar? A identidade historicamente construída tem como um de seus elementos mais importantes a ligação a grupos sociais. Vale aqui indicar o entendimento de Silvia Lane (2006) sobre os grupos, para os quais ela reivindica a mesma preocupação sobre a importância da história na sua instituição. As concepções tradicionais sobre os grupos usualmente os caracterizam como um conjunto de pessoas que compartilham um objetivo comum em grupo. Mas dentro de uma perspectiva social crítica seria melhor definir o processo grupal em função da sua inevitável sujeição à passagem do tempo e à inserção social. Lane insiste em tratar o grupo como processo ao caracterizá-lo como uma unidade que não se faz como permanente, que se constitui fundamentalmente de pessoas e relações, e que está inserida em um determinado contexto histórico e social. Ora, tudo isso que irá compor a concepção e a materialidade dos grupos é sujeito da passagem do tempo, isto é, muda, transforma-se, por conta dessa passagem. É por isso que se poderá, assim, falar em processo, porque o grupo só existe sendo, ele não é coisa que possa ser abstraída de sua condição histórica. 37
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Figura 10 - Os grupos sociais estão situados no tempo e no espaço.
No debate sobre a psicologia dos grupos, a literatura psicológica e sociológica trata dos grandes conjuntos humanos nas sociedades contemporâneas como “massa”, isto é, como um agregado informe de indivíduos, que não se conhecem pessoalmente, sem vínculos, sem objetivos comuns, entre os quais não se pode reconhecer autonomia, mas apenas a sujeição à ideias e opiniões produzidas em outros lugares e impostas a esses conjuntos, usualmente pela mídia. De fato, quando falamos “massa”, normalmente tratamos dela com certo desdém, afinal nesse caso as pessoas não têm nomes, não têm ligações e, ainda mais, são necessariamente dominadas, controladas. O seu comportamento, segundo cientistas sociais como Le Bon (2008), pode ser entendido como o de uma “manada”, sujeito a interferências sem a mediação da razão. A multidão reunida em grandes eventos ou em situações cotidianas nas ruas, terminais de transporte público, ou estádios de futebol, por exemplo, teria comportamento imprevisível, que se caracterizaria pela possibilidade dos indivíduos realizarem atos que, em outras situações, sem a presença da multidão, não seriam capazes. A violência dos quebra-quebras, ou em um linchamento, seria a marca desse comportamento coletivo marcado pela diminuição do funcionamento intelectual (a razão) e pela ampliação da afetividade. Freud, em Psicologia das Massas e Análise do Ego (2011), entra nesse debate a partir da discussão sobre a obra de Le Bon. Para ele, a psicologia individual não poderia ser separada da Psicologia Social , e toda psicologia é, em certo sentido, social, na medida em que se verificam nos indivíduos os traços recolhidos das suas relações sociais. Freud também considera haver entre os seres humanos um instinto gregário, chave para algo como uma mente grupal, cujo estudo da razão que sustenta o funcionamento dos grupos é parte desse trabalho. Reconhece também como as massas são influenciadas pela presença “fascinante”, hipnotizante, de um líder. As dimensões inconscientes envolvidas na constituição do grupo e da sua incidência no indivíduo ajudam a compreender fenômenos já descritos por Le Bon, como a potência do indivíduo quando se vê pertencente ao grupo, ou mesmo a submissão no grupo a entendimentos até mesmo contrários às crenças individuais. A suposição fundamental de Freud, formulada nesse texto, é de que as relações amorosas (laços emocionais) constituem a essência da mente grupal. E é nesse suporte que se encontra, por exemplo, a importância encontrada no líder. 38
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Veja como a música de Zé Ramalho ilustra essa condição de massa, associando-a à realidade brasileira, sob uma condição de controle social e de submissão do povo aos interesses alheios. Ouça a música no link Admirável Gado Novo Zé Ramalho Vocês que fazem parte dessa massa Que passa nos projetos do futuro É duro tanto ter que caminhar E dar muito mais do que receber E ter que demonstrar sua coragem À margem do que possa parecer E ver que toda essa engrenagem Já sente a ferrugem lhe comer Êh, oô, vida de gado Povo marcado Êh, povo feliz! Lá fora faz um tempo confortável A vigilância cuida do normal Os automóveis ouvem a notícia Os homens a publicam no jornal E correm através da madrugada A única velhice que chegou Demoram-se na beira da estrada E passam a contar o que sobrou! Êh, oô, vida de gado Povo marcado Êh, povo feliz! Observação
Embora o comportamento da massa esteja associado à violência, procure lembrar-se das grandes tragédias coletivas (terremotos, deslizamentos, inundações etc.) e reflita: o comportamento solidário também não pode ser associado às massas? Classificando os grupos sociais
É importante considerar que a ideia de grupo dá conta de uma variedade importante de conjuntos. Se ela se presta à caracterização da identidade profissional (o grupo de psicólogos, 39
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por exemplo) também estará presente quando falamos de pequenos grupos, quando os indivíduos estão face a face, envolvidos em uma prática social determinada, como em uma empresa (os funcionários da empresa X), na escola (os alunos ou os professores), ou em uma ação de saúde (os profissionais de saúde). Uma classificação possível é a identificada por Adorno e Horkheimer (1973), diferenciando microgrupos de macrogrupos. Os microgrupos, ou grupos primários (como a família, por exemplo) são importantes para a produção da subjetividade e para a manutenção das ideias e ideais sociais. Sua presença é praticamente universal, porque se encontram ao longo de toda a história civilizatória. Esses grupos estão vinculados à aprendizagem de uma “natureza humana”, mais propriamente, os microgrupos estão associados à socialização. A ênfase nesses microgrupos se justifica pela sua função psicossocial: o contato direto entre aqueles que pertencem a tais grupos permite a identificação entre seus membros e com o próprio grupo. Nos microgrupos os indivíduos têm experiências de si simultaneamente vinculadas às presenças de outras pessoas. Macrogrupos, ou grupos secundários, são grupos de outra ordem e não se diferenciam dos microgrupos necessariamente pelo tamanho. Neles, a privacidade dos seus membros é mais preservada. Do ponto de vista dinâmico, os microgrupos substituem progressivamente os grupos primários, contribuindo para que a socialização se faça com mais intensidade a partir dos macrogrupos. Outra fórmula para tentar classificar os grupos é tomá-los a partir de alguns elementos básicos. Um grupo pode ser considerado a partir da maneira como está organizado, dos seus objetivos compartilhados, da quantidade de pessoas que o compõe e do contato e vínculo entre seus participantes (e quanto à duração desse contato e vínculo). Mais ainda, como quinto elemento, estará no seu reconhecimento social. Vejamos alguns exemplos desses grupos a partir dessa classificação. Em uma extremidade, encontramos nas sociedades contemporâneas grandes conjuntos humanos, formados por milhares ou mesmo milhões de pessoas, que podem ser caracterizados como grupos. Pouco organizados, neles as pessoas não se conhecem pessoalmente, mal compartilham objetivos comuns. Mas, ainda assim, são reconhecidos como possuindo uma mesma identidade e não nos recusamos a prever seus comportamentos, as maneiras como podem e irão resolver as situações cotidianas. São as categorias sociais, como “as mulheres”, “os psicólogos”, “os playboys”, ou “os moradores da zona leste”. No outro extremo estão os pequenos grupos, os grupos face a face, nos quais todos se conhecem e se relacionam a partir de alguma organização, pelo exercício de determinadas funções dentro do grupo. Uma variável importante no que diz respeito ao seu funcionamento é o vínculo, isto é, as relações simbólicas e afetivas que se constroem ao longo da existência do grupo. O vínculo também é dependente da história e do contexto, atualizado nas posições exercidas dentro do grupo. O psicólogo social Pichon-Riviére (2009), propõe que se deva entender a interação entre os membros de um grupo como um vaivém de determinações, que ele representa como uma espiral dialética onde tanto sujeito quanto objeto se realimentam mutuamente, em um processo que pode ser compreendido, por exemplo, nas relações entre profissional e cliente. 40
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Lembrete
No filme O Quinto Elemento (1997), a salvação da Terra depende da construção de uma “arma” composta de quatro elementos (água, ar, fogo e terra), e que só poderia ser acionada por meio do quinto elemento: uma pessoa. Os grupos-operativos
Pensada como teoria e técnica que se presta à formação de equipes (grupos), Pichon-Riviére procurava responder basicamente a algumas questões: o que é preciso para trabalhar em grupo? Como contribuir para a elaboração de uma tarefa em grupo? Para tentar respondê-las, o psicanalista franco-argentino Henrique Pichon-Riviére propôs a prática dos grupos operativos, instituída inicialmente no horizonte do seu trabalho como profe ssor e educador. A partir das considerações de Kurt Lewin sobre grupos e da psicanálise de Melanie Klein, o interesse de Pichon-Riviére era promover dinâmicas que levassem em conta as condições sócio-históricas, isto é, o contexto social e político no qual aquele grupo se realizava, assim como o contexto institucional. A partir de uma definição mínima do que é um grupo social, isto é, um conjunto de pessoas com um objetivo comum que procuram trabalhar em equipe (BLEGER, 2007), o grupo operativo pode ser compreendido como um treinamento para trabalhar como equipe, incluída aqui a retificação das posições estereotipadas que sustentam esse grupo. Na formação de todo grupo, se passa continuamente da serialidade ao grupo. Para dar conta disso o grupo deve lidar em meio à presença de subjetividades e intersubjetividades, assim como dos afetos que as atravessam, com as diferentes histórias, experiências e objetivos presentes entre os seus componentes, com os problemas e conflitos provenientes das relações grupais e com os recursos que o grupo possui – ou virá a construir – para esses enfrentamentos. Nos termos de Pichon-Riviére, o grupo vai ser tomado como o lugar para uma teoria da ação, compreendido em um processo em que se trabalha para poder trabalhar. Uma ideia importante para a compreensão do trabalho grupal é a de ECRO (Esquema Conceitual, Referencial e Operativo) grupal. Os participantes do grupo trazem para o encontro um “esquema”, uma série de saberes, de conhecimentos e entendimentos do mundo que, no grupo, irão se atualizar, confrontando os esquemas uns dos outros. Na prática do grupo, acompanhada por um coordenador, se coloca no horizonte a possibilidade de construir um esquema comum, o ECRO grupal, que, sem suprimir as diferenças, encontra espaço para a expressão desses conflitos. Em meio à heterogeneidade dos grupos, trata-se de conduzir nesse encontro à homogeneidade da tarefa. Outro aspecto importante nas relações construídas no grupo operativo é a subversão dos papéis estereotipados e das relações entre esses papéis, como o professor-aluno, profissional-cliente, 41
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autoridade-sujeito. A “aprendizagem” do grupo deve ser compreendida como um processo contínuo e com oscilações: momentos de ensinar e de aprender. Nesse sentido ao invés do uso das expressões “ensino” e “aprendizagem” vai se construir um neologismo, isto é, inventar uma palavra que contemple uma relação horizontal entre esses dois polos, sem suprimir diferentes funções: a palavra “ensinagem” irá apontar essa novidade. As funções exercidas em um grupo, de acordo com Pichon-Riviére, constam das maneiras de, dentro do grupo, lidar com os temores envolvidos na sua instituição e manutenção. Essas funções, que não são fixas e podem circular no grupo, entre os participantes e de um encontro para outro, têm diferentes formulações, mas podem ser resumidas nas seguintes: porta-voz, bode expiatório, líder, líder da resistência, detentor do silêncio. Dentro do grupo, os participantes eventualmente ocupam esses lugares durante o embate para a elaboração das ansiedades básicas que acompanham a instituição do grupo e seu direcionamento para um projeto comum. Esse caminho pode ser descrito como possuindo três momentos: a pré-tarefa, a tarefa e o projeto. A pré-tarefa é a situação que paralisa o prosseguimento do grupo, apoiada em defesas que estruturam a resistência à mudança (protelar, gastar o tempo, movimentos que aparentam a ação, mas que na verdade não o são). Já o momento da tarefa consiste na abordagem e elaboração das ansiedades do grupo (perda da estrutura e ataque à nova situação estruturada) e emergência da posição depressiva básica (consciência dos próprios limites), o que possibilitaria estruturar a tarefa possível no tempo e espaço. Nesse sentido, o grupo percebe os elementos em jogo e pode instrumentalizá-los. Finalmente, o projeto se constitui de estratégias e táticas para produzir mudança que modificam o(s) sujeito(s) que voltam a produzir mudanças, e assim sucessivamente.
Figura 11 - O grupo, para Pichon-Riviére, é uma equipe
A trilha de Pichon-Riviere passa, como foi visto, pela psicanálise. A ação que esse profissional “movido” pela psicanálise desempenha não tem sido, nesses casos, caracterizada como “da psicanálise” ou estritamente clínica, ainda que se recorrendo a métodos que têm presença no campo psicanalítico. De fato, nas práticas com grupos, o profissional, psicólogo ou não, ocupa um lugar que não é estranho ou exterior à cena, mas, nas relações atravessadas por dimensões visíveis (simbólicas) e invisíveis, não menos efetivas no grupo. Seu imaginário atua com seu próprio corpo – história e subjetividade – como mediador. A insistência na palavra “corpo” reforça a concepção de que o mediador (palavra preferível 42
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a profissional) ocupa uma função, não faz jus ao entendimento de que essa função só é possível pela presença de alguém que a suporte. Esse entendimento é seguido por autores como o próprio PichonRivière ou o psicanalista francês Felix Guattari (2005). De acordo com esses autores, as concepções de grupo, a partir da psicanálise, que tentam explicar as dinâmicas grupais, estão alicerçadas na suposição do inco nsciente e nos seus correlatos como a dimensão pulsional e afetiva. Mudanças que possam interferir no funcionamento dos grupos implicam tratar não só dos relacionamentos propriamente ditos, mas também dessas outras dimensões. Pesquisa em Psicologia Social
Do ponto de vista metodológico, muitos e diferentes têm sido os métodos utilizados para o estudo desses temas e conceitos dentro de uma perspectiva crítica. Embora os métodos quantitativos não sejam incompatíveis com a pesquisa social, os métodos qualitativos têm sido aqueles preferencialmente utilizados nesse campo. As razões são muitas, mas podem ser sintetizadas no reconhecimento de que alguns problemas que dizem respeito às condições e maneiras como os grupos sociais compreendem, representam e se comportam, exigem uma abordagem que possa dar conta, simultaneamente, da variedade e da convergência (MINAYO, 2006). Nesse sentido, as ações de pesquisa e intervenção na Psicologia Social tenderam a privilegiar metodologias qualitativas. Por meio delas é possível aliar as preocupações com o engajamento do pesquisador e as vias para a transformação da sociedade com as demandas acadêmicas do apelo ao método que pudesse ser reconhecido como produzido dentro dos cânones científicos. Propostas no contexto de crítica ao pensamento positivista nas ciências sociais, a pesquisa qualitativa se apoia em uma epistemologia que reconhece como prática de ciência as teorias e práticas que admitem a construção de conhecimento a partir de situações singulares, marcadas pelo contexto histórico e social nas quais se apresentam. Dessa forma, desafiam a universalidade e a permanência de um conhecimento que se faz em movimento, no debate e confronto contínuo de interpretações do mundo. Assim, o pesquisador irá se apresentar, na mesma perspectiva do profissional já apresentado acima, como parte necessária do processo de construção do conhecimento, não apenas como detentor de saber acadêmico e manipulador de técnicas, mas como o “meio” composto de história, experiências, conhecimentos e princípios que necessariamente irão interferir na sua apreensão do problema investigado. Com essa participação como sujeito, ele irá se engajar em uma relação intersubjetiva, contrapondo a divisão absoluta entre sujeito e o objeto de conhecimento. O estudo das representações sociais, por exemplo, pode-se dar assim, face a esse contexto de interação entre os indivíduos, a partir da interpretação das falas dos participantes de determinado grupo, de tal maneira que o pesquisador poderá procurar no estudo da história/narrativa a representação social e o instrumental específico para o exercício de interpretação. Nesse sentido, o estudo das “dimensões históricas” do discurso se presta ao estudo das representações sociais. 43
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Algumas categorias são especialmente importantes quando se produz estudos qualitativos, entre elas a linguagem, meio privilegiado para se encontrar e conhecer o outro. Ao se falar no trabalho com grupos, outra categoria que tem exigido especial atenção é a do imaginário. A apreensão dos fundamentos dessas duas categorias é decisiva para a pesquisa e intervenção com grupos na Psicologia Social . Observação
O psicólogo Kurt Lewin dedicou-se à compreensão dos fundamentos das práticas de grupo, inspirando muitos autores. Ele é o criador da expressão dinâmica de grupos e do método da pesquisa-ação .
6 NOVOS TEMAS PARA O PENSAMENTO CRÍTICO: LINGUAGEM E IMAGINÁRIO 6.1 Linguagem Os estudos sobre a linguagem têm sido alvo de um grande número de pensadores da filosofia, sociologia, antropologia e psicologia, e mesmo das ciências da saúde, preocupados seja com a compreensão de sua origem e função social, seja buscando compreender aspectos seus neurofisiológicos e funcionais. Na linhagem teórica que vê a linguagem como prática que produz a ligação entre o indivíduo e o mundo social, há compreensões bastante diversas. O psicólogo behaviorista B.F. Skinner, por exemplo, tem uma obra especialmente voltada para o estudo e a interpretação do comportamento verbal, indicando a materialidade do falar. Em uma outra perspectiva, a sócio-histórica, tendo Vygostki e Leontiev à frente, a linguagem vai ser compreendida como produto de relações materiais e sociais e pensada como indissociavelmente ligada ao pensamento.
Figura 12 - Pessoas falando: elas representam o mundo ou são faladas por ele? 44
TEMAS EM PSICOLOGIA SOCIAL
De acordo como Kush (1989), dentro da filosofia há diferentes maneiras de se entender a linguagem. A partir de autores como Husserl, a linguagem pode ser entendida como “cálculo”. A partir de Heidegger, Gadamer e Wittgenstein, a linguagem será um “meio universal”. Basicamente, a diferença entre essas duas maneiras de compreender a linguagem está em entender que sua função pode ser ou não descrita como de representação da realidade. O filósofo alemão Edmund Husserl defende que a linguagem pode ser entendida como “cálculo” na medida em que é capaz de representar a realidade. Ela é coisa que pode ser medida, e sua relação com a realidade pode ser estabelecida matematicamente. Isso traz consequências imediatas para a sua interpretação, em práticas como o direito e mesmo para as práticas de saúde. Já para autores como o também alemão Martin Heidegger, a melhor maneira de abarcar a linguagem é caracterizando-a como “meio universal”. Em uma compreensão distante do senso comum, esses autores entendem que a linguagem não é uma ferramenta, mas ela antecede a realidade e conforma o real, que só passa a existir a partir da linguagem. Na compreensão da linguagem como meio universal, ela não apenas revela, mas institui a realidade, o que sugere uma condição muito singular: no limite nós não falamos, mas somos falados. O filósofo H. G. Gadamer (apud LIMA, 2009) sustenta esse outro lugar da linguagem afirmando que “a linguagem não é apenas um objeto em nossas mãos, mas é o reservatório da tradição em e através do qual nós existimos e percebemos o mundo”. Ele usa a metáfora do jogo para explicar a autonomia da linguagem. A fascinação do jogo está em se estar à mercê dele; assim também a linguagem nessa perspectiva, que nega a possibilidade de um controle absoluto sobre ela. Como em um jogo (jogos de linguagem) os caminhos da linguagem escapam ao nosso domínio absoluto como jogadores. O resultado é que há uma dificuldade fundamental para se tratar o mundo objetivamente por meio da linguagem; nessa dificuldade está implicado o falante, o “ser”. Outro filósofo que se dedicou à linguagem como algo que não presta a representar a realidade é Ludwig Wittgenstein. Ele usa o exemplo da dor para explicar a linguagem enquanto jogo. Segundo ele, o reconhecimento da dor – a própria dor – não se constitui em uma circunstância apenas individual, apoiada no mundo interior de um sujeito, mas depende de certa gramática. Embora aparente uma declaração indicativa de um estado interno, essa afirmação é de fato o início de um jogo de linguagem: é um pedido de reconhecimento sobre algo que se passa entre o autor e quem o escuta. Todas as operações que pretendemos fazer a partir da linguagem irão pôr em jogo a condição de “ser” de quem fala. Se o jogador é um pesquisador, de desbravador do desconhecido ele passa a ser construtor do real. Se for um profissional como na Psicologia Social , de aplicador de técnicas ele passa a instrumento da cultura. Se o jogador é um professor, além de mestre, ele será também aprendiz. A relação com a linguagem é uma tarefa coletiva, que depende da inserção social dos falantes, do lugar de onde se “fala” e de quem são seus interlocutores. Assim, o falar, o uso da linguagem não é tarefa “neutra”, mas implica consequências e, então, responsabilidades. 45
Unidade II
A concepção de linguagem que entende-a como meio universal aponta para a impossibilidade de encontrar a “verdade”, objeto por excelência da ciência; ela subverte o papel do pesquisador, do profissional e do professor, ao fazer da ciência um parente bem próximo da arte. Veja a letra da música Timoneiro , de Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho (você pode ouvir a música pelo link : ) Timoneiro (Paulinho da Viola e Hermínio Bello) Não sou eu quem me navega Quem me navega é o mar Não sou eu quem me navega Quem me navega é o mar É ele quem me carrega Como nem fosse levar É ele quem me carrega Como nem fosse levar. E quanto mais remo mais rezo Pra nunca mais se acabar Essa viagem que faz O mar em torno do mar Meu velho um dia falou Com seu jeito de avisar: - Olha, o mar não tem cabelos Que a gente possa agarrar. Não sou eu quem me navega Quem me navega é o mar Não sou eu quem me navega Quem me navega é o mar É ele quem me carrega Como nem fosse levar É ele quem me carrega Como nem fosse levar. Timoneiro nunca fui Que eu não sou de velejar O leme da minha vida Deus é quem faz governar E quando alguém me pergunta Como se faz pra nadar Explico que eu não navego Quem me navega é o mar. 46
TEMAS EM PSICOLOGIA SOCIAL
Não sou eu quem me navega Quem me navega é o mar Não sou eu quem me navega Quem me navega é o mar É ele quem me carrega Como nem fosse levar É ele quem me carrega Como nem fosse levar. A rede do meu destino Parece a de um pescador Quando retorna vazia Vem carregada de dor Vivo num redemoinho Deus bem sabe o que ele faz A onda que me carrega Ela mesma é quem me traz. Nessa letra, que faz uma bela metáfora sobre o imponderável da vida, é possível reconhecer uma proximidade a respeito da discussão sobre a linguagem como algo que ‘atravessa’ os sujeitos, isto é, não está sob seu controle, mas como o mar, controla os falantes. Imaginário e subjetividade social
As concepções de imaginário que têm sido tratadas nas ciências sociais ao longo do último século recuperam a importância daquilo que não pode ser “calculado”, como se viu acima em relação à linguagem. A dimensão humana, que possui algo de caótico e “irracional”, é tomada como centro de metodologias de pesquisa e intervenção. Isso poderá ser conferido nas práticas com os grupos e na leitura dos fenômenos sociais e institucionais. No cenário da produção científica nas ciências sociais se vê, desde o início do século XX, a tensão entre um modelo de conhecimento que busca a ordem e aquele que procura incluir a dimensão caótica, irracional e, em grande medida, incontrolável sobre o humano. Essa falta de valor daquilo que não é prontamente submetido à razão e ao controle experimental colocou ao largo do saber tudo o que não é da ciência, como as religiões, a filosofia ou os mitos. Ainda assim, a “irracionalidade” das massas (LE BON, 2008) “vinga” essa disposição que é efeito de nossa herança positivista na medida em que os indivíduos sistematicamente se comportam de maneira imprevisível e “ao largo” da razão. O antropólogo francês Gilbert Durand (2001), define imaginário como “conjunto das imagens e relações de imagens que constitui o capital pensado do homo sapiens ”. Mas esse mesmo autor reconhece que o lugar do imaginário na história dos homens tem sido sem valor. Ele tem sido identificado à desrazão e ao infantilismo social e sua função seria fomentar erros e falsidades. De fato, desde Sócrates, tudo o que se considera como “férias da razão” deve ser colocado de quarentena. 47
Unidade II
Essa associação entre imagem e (des)razão está apoiada no entendimento de que a imagem se opõe ao pensamento e, de fato, a imagem está separada de um pensamento puramente lógico. A imagem, a partir dessa crítica, é como um “ruído” do pensamento: o acompanha, mas sem ter maior importância na sua gênese. Durand (2001) recupera o valor do imaginário e das imagens, considerando que elas também detêm conhecimento, embora esse não possa ser necessariamente científico. Outro autor interessado nesse tema foi o filósofo greco-francês Cornélius Castoriadis (2007), fundador do grupo “Socialismo ou Barbárie” com Claude Lefort e Jean Laplanche no pós-guerra (1946) e da revista de mesmo nome pouco depois (1949). Castoriadis oferece um entendimento sobre a sociedade e a história que se opõe aos então pontos de vista tradicionais: o estruturalista e o funcionalista, incluindo nesse último o marxismo. A crítica de Castoriadis ao marxismo passa pelo reconhecimento da instalação de uma burocracia operária na então URSS, pela perda do caráter revolucionário da sociedade soviética e pela compreensão de que o pensamento marxista não conseguiria ultrapassar o pensamento burguês. Antes disso, seria capaz de disseminar esse pensamento e os seus modos de pensar. Para ele, a representação do capitalismo deveria buscar sentido dentro do caldo social-histórico oferecido por uma cultura ela própria “capitalista”, enquanto que o marxismo naturaliza a luta de classes e faz da teoria marxista da história sua versão definitiva: o que estiver fora da perspectiva que ela aponta ou é alienação ou barbárie. Assim, um dos problemas com a teoria marxista seria sua inobservância de outras motivações para os seres humanos que não apenas a econômica. Castoriadis se coloca na contramão de qualquer explicação determinista e cientificizada para os fenômenos sociais e contra o natural e o racional, apelando para a história e seu caos indecifrável: não explique, mas fale desse caos. Ele é contra a pré-instituição da realidade, seja por qual caminho isso se der (via marxismo, via estruturalismo, por exemplo): para ele a sociedade se autoinstitui a partir do imaginário, do social-histórico. A crítica de Castoriadis conduz à constatação de que as teorias “revolucionárias” não conseguiram, em certo momento, ceder à mistificação, isto é, elas próprias tendem a ser tomadas como “naturais”. Mesmo o apelo à razão, por sua vez, foi também incapaz de promover essa superação. Não por acaso, Castoriadis vai ser identificado entre os representantes de um “pensamento 68”, juntamente com Sartre, Edgard Morin, Jean Duvignaud, Claude Lefort e Henry Lefebvre (DOSSE, 2007). Em uma primeira aproximação do que Castoriadis irá chamar de imaginário está sua concepção sobre o imaginário radical, que pode ser compreendido como o que não é “redutível ao simbólico”, mas que a ele está necessariamente associado. Esse imaginário primeiro, raiz de tudo o quanto é simbólico – todas as expressões humanas, como as instituições, a arte, as religiões, ou a ciência – Castoriadis chama de imaginário radical. Valorizando essa dimensão, o imaginário, para Castoriadis, não faz sentido ao dizer que ele só se apresenta na medida em que uma sociedade não consegue resolver seus problemas reais. Esses problemas só são possíveis de ser identificados como tais justamente pela presença do imaginário. Por outro lado, 48
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não se pode dizer para onde uma sociedade tende naturalmente, assim como o que faltaria a essa sociedade, o que precisa lhe ser fornecida, qual o seu objeto. A definição dessas necessidades, a maneira como elas estabelecem-se, sua dinâmica de instituição e manutenção são tributárias do imaginário radical. Por ele e para ele, elas constituem-se, dentro de limites que são fornecidos pelo que é a cada tempo uma sociedade ou uma instituição – ou ainda um grupo. Tempo que não diz respeito à evolução ou simplesmente a movimento, mas em um sentido muito profundamente vinculado às ações sociais. É por elas que o tempo, também, se institui. O imaginário social, outro conceito proposto por Castoriadis é o que dá à funcionalidade de cada sistema institucional sua orientação específica, sobredeterminando a escolha e as conexões das redes simbólicas. Ele é criação de cada época histórica, sua singular maneira de viver, de ver e de fazer sua própria existência, seu mundo e suas relações com ele. O imaginário social – histórico e circunstancial – organiza a cada vez o lugar ocupado por instituições – e pelos grupos – designando as “imagens” daquelas em relação ao todo. Caracterizando as instituições sociais, ele afirma que tudo de que se fala, tudo o que se apresenta para e pelos indivíduos está associado a uma rede simbólica, um simbólico que obviamente está na linguagem, mas que também está nas instituições. Aquilo que determina uma instituição, o que se produz e o que se fala ali, não se explica perfeitamente pela sua funcionalidade, ou pelas consequências lógicas desses atos/palavras, mas a ultrapassa, isto é, comporta algo mais que escapa à ordenação simbólica. Os símbolos institucionais, aquilo que representam, não são assim instituídos apenas racionalmente e também não o são naturalmente, mesmo que apoiados de alguma forma na realidade. A partir dessa noção de imaginário se poderá pensar a respeito da ação sobre as instituições – e os grupos humanos. Eles deixam de ser meros conglomerados funcionais para serem lugares de encontro. Na instituição não estão em jogo apenas as ações possíveis para cada ator institucional, mas haveria lá toda uma dimensão imaginária – leia-se afetiva, relacional, de expectativas, medos. Quando se fala em atuar em uma instituição, é preciso atuar não apenas sobre seu organograma – que define a racionalidade daquele conjunto humano – mas também jogar sobre esse conjunto caótico que é o imaginário ali. Por fim, um jogo em que está presente o imponderável e que tem, ainda, como protagonista, o discurso – que é mais do que um conjunto de palavras – e o poder de instituí-lo. Uma discussão importante, quando se trata de ação, de práxis, diz respeito ao entendimento sobre as relações entre sujeito e objeto, razão e realidade. Entendidas para além da concepção materialistadialética, quando a objetividade de realidade é apresentada como condição do conhecimento e da práxis, essas relações não devem deixar escapar a presença e a importância do que não é apenas ideologia, mas que é desejo, da ordem do imaginário e não do simbólico. O argumento desenvolvido por Castoriadis (2007) e, em certa medida, dentro do próprio marco materialista-dialético por Gonzalez Rey (2003), aponta para os indivíduos, os grupos e a sociedade como parceiros de um movimento no qual a realidade é “reconstruída” como objetividade, mas como possibilidades de intervenção pela ação humana. Essa intervenção se dá não apenas pela regulação das relações entre esses atores (o simbólico), mas também por aquilo que se desprende dessa ação, que não tem materialidade, mas que mesmo assim dirige esse movimento e que pode ser verificado no imaginário social ou, em alguma medida, na subjetividade social descrita por Gonzalez Rey (2003). 49
Unidade II
Observação
A partir dessa discussão sobre a linguagem e o imaginário, é possível vislumbrar diferenças sobre o entendimento e o manejo de ações sociais que se pretendem transformadoras. Você consegue perceber essas diferenças? Resumo
Nesta unidade foram apresentados os principais temas conceituais da Psicologia Social crítica no Brasil e na América Latina. Por intermédio da teoria das representações sociais (TRS) verificamos como o comportamento dos grupos pode ser associado a uma dimensão não muito evidente, a do “pensamento grupal”. Esse pensamento de grupo, que Moscovici busca no senso comum como uma forma importante de conhecimento, vai interferir nas ações e também nas perspectivas dos grupos humanos. A ideia de identidade como metamorfose permite reavaliar uma concepção muito difundida na psicologia, que atribui unidade e permanência aos sujeitos. Nesse outro entendimento desenvolvido por Ciampa, a identidade é construída e reconstruída continuamente a partir das inserções e relações sociais – e nos grupos. Entre as diferentes concepções de grupo propostas nas ciências sociais e na psicologia, o reconhecimento do grupo como acontecimento histórico, isto é, o processo grupal, recupera essas mesmas ênfases nas condições sociais concretas já verificadas na TRS, sob as quais indivíduos e grupos se realizam, se comportam e se projetam para o futuro. Para todos esses conceitos não se deixará de lado as determinações ideológicas, e assim a necessidade da crítica da naturalização das relações humanas e da sociedade. Por fim, os conceitos de linguagem e imaginário trazem, da filosofia e da antropologia, novas perspectivas para a crítica à ideologia, abrindo campos em meio ao imponderável para o embate que leva à transformação social.
Exercícios
1. Escolha a alternativa correta. As representações sociais, de acordo com Moscovici, são: A) Teorias do senso comum que apresentam o “pensamento social” de um grupo. B) A maneira como cada indivíduo representa a realidade dentro do grupo. C) Formadas pela instalação no grupo de uma imagem ao invés de um conceito. 50
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D) São um fenômeno que se dá fora do tempo, constituindo a representação social como permanente. E) Um empreendimento que depende do adequado relacionamento de um indivíduo com o seu grupo social. Resposta: (A) Teorias do senso comum que apresentam o “pensamento social” de um grupo. Comentário: na alternativa (a) há a menção às representações sociais como o pensamento do grupo, enquanto nas outras alternativas estão ausentes os aspectos críticos e sócio-históricos. 2. Tendo em vista a teoria das representações sociais, associe corretamente as características das representações abaixo e os processos sociocognitivos envolvidos: 1. Atribuir características do idiota ou do vagabundo ao doente mental. 2. Entender a ação do psicólogo como um “conselho de amigo”. 3. Chamar de “pai” a Deus. 4. Associar um estetoscópio à prática da medicina. 5. Explicar a AIDS como “a peste”. A) Objetivação. B) Ancoragem. A) 1A, 2B, 3B, 4B, 5A. B) 1A, 2A, 3A, 4A, 5A. C) 1B, 2A, 3A, 4A, 5B. D) 1A, 2B, 3A, 4A, 5B. E) 1B, 2B, 3B, 4B, 5A. Resposta: (D) 1A, 2B, 3A, 4A, 5B Comentário: A resposta é a única que identifica adequadamente as dimensões imagéticas (objetivação) e conceituais (ancoragem) das representações sociais apresentadas. 3. Em relação às ideias de Antônio da Costa Ciampa, sobre identidade enquanto processo dialético, assinale a alternativa verdadeira:
A) É importante para Ciampa que o indivíduo lute para conquistar uma identidade que lhe possibilite uma satisfação permanente de suas necessidades no decorrer da vida. B) Podemos dizer que o capitalismo contribui para a cristalização da identidade do indivíduo, uma vez que parte de sua humanidade lhe é negada. 51
Unidade II
C) Tendo em vista a origem da palavra identidade, que evoca aquilo que é idêntico a si mesmo, a identidade é algo permanente que se mantém ao longo da vida dos indivíduos. D) A identidade do indivíduo deve ser compreendida a partir de um referencial cognitivo. E) A identidade é resultante das reflexões e escolhas pessoais do indivíduo que, quando alcança autonomia suficiente, é capaz de se autodeterminar, dialeticamente, construindo-se a si mesmo. Resposta: (B) Podemos dizer que o capitalismo contribui para a cristalização da identidade do indivíduo, uma vez que parte de sua humanidade lhe é negada. Comentário: esta é a única alternativa que trata dos aspectos críticos e dialéticos dessa compreensão sobre a identidade. 4. Na sua discussão acerca de identidade, Ciampa (1984) afirma que o homem vai se igualando e se diferenciando ao longo da vida, sempre em decorrência das relações estabelecidas nos mais variados grupos a que pertence. Nesse sentido podemos compreender a identidade se constituindo: I. A partir dos diversos grupos a que o homem pensa poder pertencer. II. Ao longo de uma prática social em que o homem se sente igual e diferente dos outros. III. Desde o momento da gestação do indivíduo como uma realidade biopsicossocial. IV. A partir do agir, do seu fazer, que o sujeito se reconhece como alguém (sujeito social). V. O indivíduo tem uma identidade pré-concebida herdada de seus ancestrais. Está correto apenas o que se afirma em: A) I e II. B) I e III. C) II e IV. D) I, II e IV. E) II, III e V. Resposta: (C) II, IV. Comentário: a resposta correta é a única que destaca a prática social como constituinte da identidade, segundo Ciampa. 5. Para Ciampa (1984) a identidade estrutura-se no jogo de ações e reflexões múltiplas, permeadas pelas relações sociais e pelas atividades nessas relações desenvolvidas. Portanto, podemos afirmar que: 52
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A) O indivíduo é o representante das várias determinações hereditárias em sua vida. B) O indivíduo é o representante de si mesmo com todas as suas determinações sociais. C) O indivíduo é o representante das várias determinações nacionais a ele impostas. D) O indivíduo não representa nada, mas vive sua identidade adquirida dos pais. E) O indivíduo é o representante das várias determinações sociais, mas vive apesar delas. Resposta. (B) O indivíduo é o representante de si mesmo com todas as suas determinações sociais. Comentário: só se pode falar do indivíduo como representante de si mesmo, e as determinações sociais sobre ele impostas são mais do que as determinações nacionais e não incluem as determinações hereditárias. 6. Segundo Lane (1984) estudos sobre pequenos grupos em uma perspectiva conservadora, têm implícitos valores que visam reproduzir o individualismo, a harmonia grupal e, portanto, a manutenção, a adaptação e a estabilidade; a função do grupo nessa perspectiva é estabelecer papéis fixos e portanto a identidade social dos indivíduos, garantindo assim a produtividade social dos sujeitos. Esse tipo de grupo deve ser entendido a partir: I. Da sua coesão e estruturação organizacional. II. Da sua tradição. III. Do seu caráter “a-histórico” na relação com a sociedade. IV. Da possibilidade de prover consciência crítica aos indivíduos. V. Do estabelecimento de papéis para os seus membros. Está correto apenas o que se afirma em: A) I, II e III B) I, III e V C) II, III e IV D) II, IV e V E) III, IV e V Resposta: (B) I, III e V Comentário: as afirmativas correspondem ao caráter do grupo que não o caracteriza como processo, isto é, sujeito ao tempo e ao contexto. 53
Unidade II
7. Para Silvia Lane o grupo deve ser reconhecido como processo, e a partir de uma análise dialética é que poderemos compreendê-lo como processo grupal, inserido em uma totalidade maior, tendo claro os aspectos concretos desse fato social. Em relação ao processo grupal, qual a alternativa incorreta: A) Os indivíduos estão necessariamente ligados a grupos sociais. B) O grupo é elemento fundador da construção da identidade dos indivíduos. C) A família, a classe social, o grupo de amigos, o grupo de trabalho e outros grupos a que o sujeito pertença devem ser analisados a partir de uma relação dialética homem-sociedade. D) O homem precisa ser reconhecido como síntese de muitas determinações sociais. E) Toda a análise que se fizer do indivíduo terá de se remeter ao grupo familiar, pois esse grupo é quem determina a maneira de ser do sujeito. Resposta: (E) Toda a análise que se fizer do indivíduo terá de se remeter ao grupo familiar, pois esse grupo é quem determina a maneira de ser do sujeito. Comentário: apesar da importância da família ela não pode ser compreendida como o único grupo que designa a constituição de subjetividade e identidade dos indivíduos. 8. Na perspectiva da Psicologia Social crítica brasileira e latino-americana, pode-se dizer em relação à linguagem que: A) Ela é o meio pelo qual os indivíduos são socializados, à medida que compreendem os verdadeiros sentidos das palavras. B) Bakhtin e Vygotsky são autores que defendem a separação entre a formação da consciência e as relações sociais. C) Pela linguagem os indivíduos podem escapar à influência dos fatores ideológicos. D) Para Vygotsky a linguagem é um produto social e histórico. E) As relações entre a linguagem e a consciência devem ser tomadas do ponto de vista neurocognitivo. Resposta: (D) Para Vygotsky a linguagem é um produto social e histórico. Comentário: a alternativa destaca a constituição social e histórica da linguagem, o que está presente na obra de Vygotsky. 9. Em uma perspectiva crítica, qual a alternativa correta sobre a linguagem: A) Ela é forma de expressão que transcende as relações materiais dos indivíduos. B) Ela é um código autônomo e puro capaz de promover uma socialização igualitária e democrática a todo e qualquer indivíduo. 54
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C) Ela é resultado das práticas e relações sociais que se cristalizaram a partir do trabalho do grupo visando à sobrevivência do mesmo. D) Ela possui uma condição abstrata, protegida das relações materiais e independente das visões particulares de mundo. E) Ela é produto da ação coletiva e profundamente implicada na construção do pensamento e da consciência dos indivíduos. Resposta: (E) É produto da ação coletiva e profundamente implicada na construção do pensamento e da consciência dos indivíduos. Comentário: a alternativa destaca a importância das condições sociais e relacionais nas quais a linguagem se apresenta. 10. A linguagem é uma categoria psicossocial muito importante para os autores da psicologia sóciohistórica. Isso se deve à compreensão marxista que Bakthin, entre outros autores soviéticos, desenvolveu acerca da linguagem. Essa concepção fornece ao psicólogo social “material” para a compreensão de como as dimensões sociais e psíquicas se articulam. Assinale abaixo a alternativa que não corresponde à concepção sócio-histórica de linguagem. A) A linguagem é um código abstrato, compartilhado pelos membros de uma sociedade, cujos significados são anteriores aos próprios indivíduos. B) A psicologia sócio-histórica compreende a linguagem simultaneamente como mediação da subjetividade e como produto das relações sociais e históricas de uma coletividade. C) Por sua natureza dialética, a linguagem é o veículo que objetiva as significações capazes de revelar, ao mesmo tempo, as dimensões psíquicas e sociais dos indivíduos. D) A linguagem cria e/ou repõe uma identidade social e a consciência de si no mundo. E) A linguagem é expressão das relações materiais e da vida concreta dos indivíduos. Resposta: (A) A linguagem é um código abstrato, compartilhado pelos membros de uma sociedade, cujos significados são anteriores aos próprios indivíduos. Comentário: todas as outras alternativas tratam da linguagem como espaço de mediação e de encontro, destacando seu caráter histórico e contextual.
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