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PETER KREEFT SÓCRATES ENCONTRA DESCARTES O Pai da Filosofia Interroga o Pai da Filosofia Moderna e seu Discurso do Método Mé todo
Tradução Traduçã o de Gabriel Ga briel Melatt Melattii
Su Sumário mário
Capa Folha de Rosto Dedicatória Introdução 1. O Encontro 2. O Argume Ar gument ntoo Centra Centrall 3. O Princípi P rincípioo 4. A Fil Filoso osofia fia é um umaa Ciência? 5. O Pl P lano Secr ecreto eto de Descartes 6. A Finalidade Finalidade do Conhecimento 7. A Busca Busca da Certe Cer tezza 8. A Razão do Novo Método 9. A Quem se Destina o Novo Método? 10. O Método 11. O Matematicismo de Descartes 12. A Moral Moral Provi P rovisó sória ria de Desca Descartes rtes 13. Primeiro Passo do Sistem a Filosófico Cartesiano: A Dúvida Universal 14. Se Se gundo Pa P a sso do Sist Sistee m a Filosófico Cartesiano: “Penso, logo existo” 15. Terceiro Terc eiro Passo P asso do do Sis Sistem temaa Filosófico Cartesiano: “O que sou” 16. Quarto Passo do Sistema Sistema Filosófico Cartesiano: O Critério de Veracidade 17. Quinto Passo do d o Siste Siste m a Fil ilosófi osófico co Cartesi Car tesiano: ano: As Provas Pr ovas da Existênc Existência ia de Deus D eus 18. Se Se xto Passo Pa sso do Sist Sistee m a Fil ilosófi osófico co Cartesi Car tesiano: ano: A Prova P rova da Existênc Existência ia do Mundo Mundo Material Mater ial 19. Descartes e o Futuro da Futuro da Humanidade 20. O Legado Legado Cartesiano Carte siano Créditos Sobre o Autor Autor Sob obre re a O bra
P ara ar a Joseph Joseph Flana Flanagan, gan, S.J. S.J.
Introdução
Sócrates e Descartes são provavelmente os dois filósofos mais importantes que já existi existira ram m , pois pois foram os que que influenciara influenciaram m de m odo mais ma is profundo profundo toda toda a filos filosofia ofia que os suce sucedeu. deu. Sócra Sócrates tes é cham c hamado ado o “Pa “ Paii da Fil Filos osofia”, ofia”, enqu e nquanto anto Descartes Descar tes é o “Pa “ Paii da Fil Filos osofi ofiaa Moderna” Moderna”.. Estas Estas duas alter alternati nativas vas filos filosóficas óficas fundamentai fundam entais, s, a cláss c lássica ica e a m oderna, tivera tiveram m em Sócrates ócra tes e Descartes, De scartes, resp re spec ecti tivam vam ente, os seus seus fundadore fundadores. s. Há pelo menos sete características comuns aos dois filósofos, e que os distinguem de todos os dem dem ais. ais. Pri Pr im eiro, ambos am bos foram fora m inici iniciadores, adores, revol re volucio ucionários nários,, pratica praticam m ente sem ningu ninguém ém que os prec pre c e desse. desse . Não Nã o houve fil f ilósofo, ósofo, além a lém dos dois, dois, que tenha dependido depe ndido tão tão pouco pouc o dos antece antec e ssores, ssore s, ao m esmo esm o tempo tem po que que tornava tornava os pensadores pensadores seguint seguintes es tão dependentes de si. si. O m étodo, étodo, as perguntas per guntas e as a s respost re spostaa s de Sócra Sócr a tes era e ram m quase que totalm ente difere dife rentes ntes das da s dos filósofos filósofos ditos ditos “pré-socrá “pré -socrátticos”; icos”; Desca rtes, por por sua sua vez, vez, tentou tentou recom rec omeç eçar ar a filos filosofia ofia toda toda do zer zero, o, como com o se os dois mil anos que o precederam simplesmente não houvessem existido. Ninguém mais na história do pensam pensam ento fez o que os doi doiss fizer fizeram am , nem tão compl com pletam etam ente quanto quanto o fizer fizeram am . Segundo, ambos começaram duvidando e questionando tudo, ou quase tudo, mesmo aqueles lugare lugares-com s-comuns uns que todo todo mund m undoo jul j ulgava gava indiscut indiscutív íveis eis.. Ambos Am bos compreendera compre enderam m que o prime prim e iro passo, pa sso, e o ma m a is im im portante, porta nte, para pa ra um m é todo verdade verda deira iram m e nte científico c ientífico é nada supor de antemão, ou, no mínimo, questionar as pressuposições, removendo os preconceitos do lado subjetivo da consciência e colocando-os no lado objetivo, onde farão parte do grupo dos exam inados, inados, e não m ais dos exam inadores. É claro que muitos filósofos concordam com isso, mas nenhum realizou este ideal de modo tão completo e original quanto os dois. Na época de Sócrates os livros eram poucos, não havia havia universid universidades ades e a tradiçã tradiçãoo filos filosófica ófica com que trabalhar era er a lim lim itada; itada; Descar De scartes tes titinha tudo tudo isso em abundância, mas resolveu duvidar de tudo, ou pelo menos tentou. Assim, ambos confiavam na experiência e xperiência dire diretta e no pensamento pensam ento indi indivi vidual dual em vez de na autoridade autoridade e na tradiçã tradiçãoo da comuni com unidade. dade. Terceiro, Terc eiro, ambos am bos fizer fizeram am da busca busca pelo conhecimento conhecim ento do e u a busca busca filos filosófica ófica central, c entral, ainda que com eu quisessem dizer coisas um pouco diferentes. O que Sócrates queria dizer com “conhece-te a ti mesmo” me smo” era e ra “con “c onhece hece a essência essência do Hom Hom em , a naturez naturezaa humana huma na universal universal”; ”; o que Descartes queria dizer era “conhece tua própria existência enquanto indivíduo”. Também Tam bém as razões razões por por que que em e m preenderam essa essa busca busca eram era m difere diferent ntes. es. A razão razão de Sócrates ócra tes era a obediência ao com ando do deus do do oráculo de de Delfos De lfos,, em cuj o tem tem plo plo viavia-se se a inscrição inscrição “C “ Conh onhec ecee-te te a ti m esmo”. esm o”. A razão de de Descar De scartes tes era er a superar o ceticismo ceticismo que acom ac ometera etera m uito uitoss dos dos m elhore elhoress pensadores pensadores da época (especialm ( especialmente ente Mont Montaign aigne) e) m ediante ediante a descoberta da única única certez ce rtezaa absolut absoluta, a, que pud pudesse esse ser usada usada como com o ponto ponto de de partida partida de uma filos filosofi ofiaa nova e m ais certa: “Penso, “P enso, logo logo exist existo”. o”. De qualquer qualquer form a, am a m bos se voltaram voltaram para o “eu”, “e u”, para a alma a lma,, a m ente, o espírit espírito, o, como com o obj obj eto de de inter interesse esse fundamental, fundam ental, m uit uito mais m ais do do que que qualquer outro filósofo. (Os únicos rivais de Descartes, neste aspecto, são Pascal, seu contemporâneo, e Agostinho, doze séculos antes; Sócrates não teve predecessores ou contemporâneos que o pudessem rivalizar.) Quarto, ambos am bos identi identificar ficaram am o e u com a alma, alm a, e não com o corpo. corpo. Ambos eram era m
“dualistas”, isto é, acreditavam que a realidade é dual (dupla): matéria (incluindo nossos corpos) e espírito (incluindo nossas almas). Não houve dualistas mais famosos que Sócrates (através de seu discípulo Platão) e Descartes. Quint Quinto, o, ambos am bos conce concent ntra rara ram m -se na questão questão epi e pist stem em ológi ológica ca,, ou o “problem “problem a crít cr ítico” ico” de “com “c omoo sabem sabem os? os?” Sócr Sócrates ates fazia fazia ess e ssaa pergunt pe rguntaa diante diante de toda afirma af irmaçã çãoo específica, enunciada por alguém a lguém,, sobre o que quer que r que fosse, fosse , enquanto enqua nto Descar Desc artes tes faz fa zia essa e ssa pergunta pe rgunta a si me m e smo sm o e a resp re speit eitoo do conhecimento conhecim ento em geral. gera l. Diferent Difere ntem em ente de Sócra Sócrates tes,, Descartes Desca rtes exigi exigiaa uma um a raz r azão ão para par a c rer re r na própria própr ia ra r a zã o antes ante s de usá-la usá -la para par a const c onstruir ruir um a filosofia, com c omoo um c a rpinteiro que verifica suas ferra fe rram m entas antes de construir construir uma um a casa. ca sa. Talvez essa questão questão tenha respos r esposta, ta, talvez talvez não. De qualquer qualquer form a, nenhum outro outro filós filósofo ofo concentrou maio ma iorr at a tenção ençã o sobre sobre a pergunt pe rguntaa “com “c omoo sabemos sabem os”” do que os dois dois.. Em sexto lugar, cada um deles criou um novo método filosófico, posto que, através de seus métodos, ambos tenham chegado às conclusões tradicionais. Nos dois casos, o novo método exigi exigiu critér critério ioss mais ma is rigoroso rigorosos, s, bem bem como com o razões razões mais m ais pre precisas cisas e mais m ais bem bem fundamentadas fundam entadas para usti ustificar ficarm m os nos nossas sas cre nças e opini opiniões. ões. Ambos Am bos,, cada ca da um a seu modo m odo,, rest re string ringiram iram o conceit conce itoo daquilo que se entendia por “razão”. Antes de Sócrates, ela incluía mito, intuição e tradição. Sem rejeitar nenhuma dessas coisas mais antigas, Sócrates exigiu algo novo: definições claras e argumentos lógicos. Descartes, por sua vez, restringiu ainda mais o conceito de “razão”; a partir dele, a “sabedori “ sabedoria” a” dava lugar lugar à “ciência” “ ciência”,, a lógica lógica filosó filosófica fica à lógica ógica científi científica ca e o m étodo étodo dialético de Sócrates (o método do “diálogo”), dava lugar ao método científico. Nenhum outro filós filósofo ofo oferece ofere ceuu um m étodo étodo que modi m odificasse ficasse tão com pletam pletam ente o pensamento pensam ento filo filosó sófico. fico. E nenhum outro outro m étodo, de nenhum outro outro fil f ilósofo, ósofo, foi tão tão universalme universa lmente nte imitado pelos filó filósofos sofos poste poste riores, riore s, quanto os deles dois. Em sétimo lugar, ambos acreditavam ter sido encarregados de filosofar por uma força divina, que agia por intermédio de um sinal sobrenatural. No caso de Sócrates, foi o oráculo de Delfos que, tendo anunciado ao seu amigo Querofonte não haver ninguém mais sábio do que Sócrates, ócr ates, induziu induziu o filóso filósofo fo a questionar questionar as pess pe ssoas oas com c om o propósito propósito de encontrar e ncontrar alguém que fosse mais sábio do que ele mesmo, induzindo-o assim a desenvolver o método socrático de filos filosofar ofar por m eio do do exam e rac r acio ional. nal. Sócrate ócr atess tam tam bém diz dizia possui possuirr um “sinal espiritual” espiritual” ou “voz divi divina” na” pessoal, a qual, qua l, ainda ainda que não o comandass coma ndassee a faz fa zer algo específico, freqüentemente freqüentem ente o im im pedia pedia de rea r eali lizzar algum algum a ação aç ão prej pre j udicial. udicial. Como Como a m aioria aioria dos cidadãos atenienses atenienses de seu tem po, Sócra Sócrates tes aspirou aspirou à carreira política, mas a “voz divina” o proibiu. Assim, em conjunto, tanto o oráculo de Delfos Apologia, defende não apenas a si mesmo, como a “voz divina” o conduziram à filosofia. Em sua Apologia me smo, m as a sua sua encrenqueira encr enqueira vocaçã voca çãoo de fi f ilóso lósofo, fo, e toda toda vez ve z que menciona m enciona a filos filosofia ofia nesse discurso discurso,, menciona também “o deus” como origem de sua vocação filosófica. Tam bém Descartes Desca rtes tornou tornou-se -se filóso filósofo, fo, ao que parece pare ce,, devido devido a uma um a inter intervençã vençãoo divi divina. na. Com vint vintee e três anos de idade idade ele j á era er a considera considerado do um gênio gênio científico, científico, e só adi a diou ou a public public a ção çã o de seus se us trabalhos traba lhos por ca c a usa da c ondenaçã ondena çãoo de Ga G a lileu. lileu. Na noite noite de 10 de novem nove m bro de 1619, Descartes teve um sonho que mudou sua vida, um sonho no qual, segundo acreditava, fora visit visitado ado pelo pe lo divi divino no Espírito Espírito da Verda Ve rdade, de, que o instruí instruíaa a filosofar filosofar.. Não Nã o é pre pr e ciso acr a cree scentar sce ntar que a m aioria aior ia dos filósofos e a m aioria aior ia das da s filosofia filosofiass não começ com eçam am assim assim . Sócra Sócrates tes e Descartes Desca rtes são, são, nesses nesses sete aspectos, aspectos, espantos espantosam am ente dife difere rent ntes es dos outros outros filós filósofos ofos,, ao m esmo esm o tempo tem po que que são espantos espantosam am ente parec par ecid idos os um com c om o outro. outro. No entanto, entanto, tam tam bém são mui m uito to diferentes um do outro, tão diferentes como as visões de mundo
anti antiga (cl (c lássi ássica) e m od oderna erna (cientí (científica), que aj ud udara aram m a fundar. fundar. Por isso isso,, um diálog diálogoo entre Sócra Sócrates tes e Descar De scartes tes é também tam bém um diálog diálogoo entre os dois dois estágios fundam entais das hist histórias órias da fil f iloso osofia, fia, da ciência ciênc ia e da civi c ivili lizzação aç ão ocident oc idental. al.
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O Encontro
DESCARTES: Eu devo estar sonhando. Estava morrendo, e agora me sinto bem vivo. Era um hom ho m em velho velho e doent doente, e, e agora m e sint sintoo jovem e saudável. saudável. Pensava estar estar deitado deitado em uma cam ca m a fria, no úmido e sombrio inverno da Suécia, e agora estou aqui, cavalgando este magnífico cavalo ca valo bra branco, nco, ao longo longo dest destaa estrada ens e nsol olar arada, ada, nest ne staa bela regi re gião ão que lem bra o sul da da França. França . E vem alguém alguém adiant adiante, e, acenando ac enando para eu e u parar. Será Será um anjo? anj o? Ah, não. não. Um anjo anj o não se se parece pare ce com aquilo . Parece mais um porco – ou um sapo – parece até Sócrates – por Zeus, que de fato é Sócrates! SÓCR ÓCRATES: ATES: Na terceira terc eira acertaste, ac ertaste, Renè. Renè. Como dizíam dizíamos os lá lá na Gréc Gr écia, ia, “à terceira terce ira é de vez”. vez”. DESCARTES: És tu... um anjo? SÓCRATES: É bastante improvável! DESCARTES DESCARTES:: E isto isto aqui... a qui... é o paraíso? par aíso? SÓCRATES ÓCRATES:: Ainda Ainda não, nã o, mas m as é o cam ca m inho. inho. DESC DESCARTES: ARTES: Tu m e foste envi e nviado ado por... Autoridade Autoridadess Superiore Superiores? s? SÓCRATES: Eu fui. DESCARTES: Então estou morto m orto.. Ou mel me lhor, meu me u corpo está. está. SÓCRATES ÓCRATES:: Teu ant a ntigo igo corpo, cor po, de qualquer form f orm a. DESC DESCARTES: ARTES: Então Então o que est e stáá cavalgando ca valgando este cava c avalo lo?? Tenho o direit dire itoo de saber! saber ! SÓCRATES: As Autoridades Superiores não me permitem responder a tais questões por enquanto. DESCARTES: E o que as tuas Autoridades Superiores querem que eu faça, então? SÓCRATES ÓCRATES:: Que desças desç as do cavalo. ca valo. DESC DESCARTES: ARTES: Ah. Tudo Tudo bem . Eis-m Eis-m e aqui. Pront Pr onto. o. E agora? agora ? Va Vais is m e conduzir conduzir ao céu? c éu? SÓCRATES: Antes preciso mandar o teu cavalo para o céu. Vai, estás dispensado! DESCARTES: E não é que sabe o caminho? Olha lá ele voando! Mas por que e u tenho de esperar? Por que o meu cavalo vai para o céu antes de mim? SÓCR ÓCRATES: ATES: Porque aqui não não come c omettem os erros; e todo m und undoo sabe que é um erro err o pôr pôr a carroça ca rroça na frente dos bois – ou Descartes antes do cavalo. DESCARTES: Pode até ser verdade que aqui não cometeis erros, mas os trocadilhos que cometeis com eteis são são dece de certo rto ter terrívei ríveis. s. E por por que estamos estam os falando portug português, uês, e não nã o francês fra ncês ou grego? SÓCRATES ÓCRATES:: Porque portuguesa portuguesa é a língua língua do aut a utor or do livro livro em e m que est e stam am os. DESCARTES: Ah. Só espero que ele não seja viciado em trocadilhos. Sabias que o trocadilho é a form a m ais baixa baixa de humor? hum or? É um tipo tipo de de doença liter iterár ária. ia. É essa essa a idéia idéia de piada que ele e le tem tem ?
SÓCRATES ÓCRATES:: Não, é a que Ele tem . DESCARTES: Quem? SÓCRATES: O Autor do autor do livro em que estamos: o Criador. DESC DESCARTES ARTES:: Ah. Talvez Talvez o meu m eu senso de humor também tam bém precis prec isee descer do cavalo cava lo.. Pare Pa rece ce que o Criador Criador transcendente transcendente rebaix re baixaa-se se a profundez profundezas as humorís hum orísti tica cass verdadeiram verda deiramente ente abi a biss ssais ais.. SÓCRATES: Ah, mas Ele já se rebaixou a profundezas muito maiores que essas... DESC DESCARTES: ARTES: Então Então Ele é um com ediante? SÓCRATES: Mas é claro! DESCARTES: Perdoe-me se pareço surpreso, e mesmo um tanto cético, mas aquele trocadilho não traz consigo a marca de um grande comediante. Não tem a graça e o estilo de um... SÓCR ÓCRATES: ATES: De um ari ar istocra stocratta francês? fra ncês? Não. É al a lguma surpre surpresa sa descobrires que Deus De us não não é um aristocrata francês? DESCARTES: Bem, não. Mas o Criador ... ... SÓCRATES: Já paraste para observar atentamente as Suas criações? Já ficaste face a face com um avestruz? Já viste suricates brincando? Ou aristocratas franceses, que seja? DESCARTES: Touché , Sócr Sócrates. ates. Tu és é s mesmo o verdadeiro ver dadeiro Sócra Sócrates tes.. SÓCRATES: Tanto quanto tu és o ver verdadeiro dadeiro Descartes. Descar tes. DESCARTES: Estás brincando comigo? SÓCRATES: Não, eu te estou testando. Duvidas da tua própria existência? DESCARTES: Não. SÓCRATES: Então não duvides da minha. DESCARTES: Para falar a verdade, já duvidei de minha própria existência, assim como da existência de tudo o mais. A dúvida universal era o primeiro passo do método que ensinei. SÓCRATES: Então não segues o que ensinaste. DESCARTES: Não, não, eu não ensinei ceticismo. Ceticismo significa duvidar de tudo o tempo inteiro. O meu método é uma resposta ao ceticismo. Uma vez ultrapassada a dúvida universal, podem os nos a rrogar rr ogar c onhecim onhec imento ento certo ce rto a respeito re speito de quaisquer idéias que, durante dura nte a experiência, se tenham mostrado incontestáveis – em primeiro lugar, a idéia de nossa própria existência. SÓCRATES: Penso ver aí uma analogia. A dúvida universal é como uma espécie de morte; a idéia da própria existência é como a alma; a indubitabilidade da própria existência é como a imortalidade da alma; e o conhecimento certo obtido dessa forma é como a Visão Beatífica do Paraíso Pa raíso;; por por fim, fim , passar passar pelo teu teu m étodo étodo filos filosófico ófico é com o uma ress re ssurre urreição. ição. Não é a ssi ssim ? DESC DESCARTES ARTES:: Isso Isso me m e pare pa rece ce um pou pouco... co... um um pou pouco co dem ais! Nunca cheguei c heguei a pensar nas coisas coisas dessa dessa maneira. m aneira. fato as concebeste? SÓCRATES: Então como de fato DESCARTES: Simplesmente como um modo de superar o ceticismo debilitante, estabelecendo assim assim um fundamento fundam ento par paraa todas todas as ciências. Como e xpliquei xpliquei no meu Discurso do Método Mé todo...
SÓCRATES: ÓCRATES: Este Este livro livro aqui, a qui, tu quere s dizer dizer?? DESCARTES: Tu o tens aí? SÓCRATES: Vê com teus próprios olhos. DESCARTES DESCARTES:: Então há livros livros no para pa raíso? íso? SÓCRATES: Quem disse que isto aqui é o paraíso? Pensei que não fizesses suposições; não é este o primeiro passo do teu método? DESCARTES: Nunca recomendei que o meu método fosse utilizado no dia-a-dia; na verdade... quem qu em sabe eu tenha tenha uma charada chara da para ti, Sócrates. Sócrates. Qual Qual a difere diferença nça entre entre Descartes e a Virgem Virgem Santíssima? SÓCRATES: Qual...? DESC DESCARTES: ARTES: É que muit m uitos os testem testem unharam unhara m a Sua Assunção, Assunçã o, poucos poucos a m inha inha suposiçã suposição. o. SÓCR ÓCRATES: ATES: Se Se o trocadilho trocadilho é a “doença lit literár er ária”, ia”, parec par ecee que é uma um a doença contagio contagiosa. sa. DESCARTES: Então isto aqui não é o paraíso? SÓCRATES ÓCRATES:: Ainda Ainda não. Não Nã o para par a ti, ti, pelo m enos. DESCARTES: Não para mim; ao contrário do meu cavalo? SÓCRATES: Ao contrário de mim. Isto aqui é o paraíso para mim, mas para ti é o purgatório. Terás, portanto, de suportar o exame racional do teu livro. DESCARTES: Ah, mas este é um purgatório muito, mas muito mais agradável do que esperava. Podes examinar à vontade, Sócrates. Lá na Terra, em minha busca pela verdade, travei inúmeros diálogos agradabilíssimos e mantive correspondência com muitos sábios; mas isto que vamos vam os fazer fazer agora é m uito uito,, mas m as mui m uito to m elhor elhor do que tudo tudo o que que j á fiz f iz.. SÓCRATES: E se estás em busca da verdade, irás para um lugar muito, mas muito melhor do que qualquer outro em que estiveste.
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O Argumento Central
SÓCRATES: Antes de começarmos o exame e avaliação do teu livro, precisamos entender as razões que tiveste para escrevê-lo. Que problema ele buscou solucionar? Deve ter sido um problem proble m a m uito uito grande, gra nde, visto visto o grande gra nde sucesso suce sso que obteve a o longo dos m uitos uitos séculos séc ulos que se seguiram à tua morte. Foi um dos livros que mais profundamente transformaram a maneira de pensar pensa r dos home hom e ns. DESCARTES: Então daqui podes ver o futuro? SÓCRATES ÓCRATES:: Não há futuro aqui, senão o eterno e terno presente. pre sente. DESC DESCARTES: ARTES: Tens ent e ntão ão o conhecim c onhecimento ento de todas todas as a s coisas? SÓCRATES: É claro que não. DESCARTES DESCARTES:: Quanto Qua nto sabes? sabe s? SÓCRATES: Tanto quanto necessário. DESCARTES DESCARTES:: Mas não nã o tanto quanto qua nto gostar gostarias? ias? SÓCRATES: Não é assim. Eis a diferença entre este mundo e o antigo: aqui não há descontinuidades, seja o intervalo entre o presente e o futuro, seja o hiato entre desejos e necessidades. DESCARTES: Então é esse o segredo de tua felicidade, tal como ensinou Marco Aurélio. Dizem e uma um a coi c oisa, sa, ele está está por aqui? SÓCRATES: Mais tarde, haverá tempo de sobra para tais indagações. DESCARTES: Mas tenho boa memória, e lembro-me de teres dito que aqui não há mais descontinuidades, não há mais intervalo entre desejos e necessidades. E eu desejo saber ond ondee está está Marco Aurélio. Aurélio. SÓCRATES: Tu não tens boa memória. Pois te esqueces de que isto aqui só é o paraíso para m im; para ti é o purgatório purgatório.. DESCARTES: Ah. Que devo fazer, então...? SÓCRATES: Por enquanto, tua tarefa é ajudar-me a explorar as questões que estão no teu livro, e não satisfaz satisfazer er a tua curio c uriosi sidade dade ace a cerc rcaa dest de stee m und undo. o. DESCARTES: Por que justamente tu é que m e foste foste envi e nviado? ado? SÓCRATES: Porque o teu livro revolucionou a filosofia, empreendimento este que eu tive a boa sorte de começar, ou melhor, de ter sido o instrumento divino para que outros o pudessem começar. Começa então dizendo, por favor, qual foi o problema que observaste no mundo e como com o o procuraste reso re solv lver er com teu lilivro. DESCARTES: Eu o farei de boa mente. E acredito poder resumi-lo mediante duas imagens: a prime prim e ira, ira , o declí dec línio nio da fil f ilosofia; osofia; a segunda, segunda , a asce a scensão nsão de todas as outras outra s ciênc ciê ncias. ias.
Ao contem contem plar plar o panorama panoram a filos filosófi ófico co diante diante de m im, enxerguei e nxerguei apenas três alter alternati nativas, vas, nenhuma delas com futuro promissor. Primeiro, havia os filósofos escolásticos do final da Idade Média, debatendo obsessivamente diferenças puramente verbais, palavreando mecanicamente suas fórmulas antiquadas, multiplicando indefinidamente um sem-número de distinções sutilíssimas e tratando abstrações como se fossem a única realidade. Segundo, havia os místicos naturais natura is:: ocultis ocultistas, tas, alquim alquim istas istas e astrólogos astrólogos.. No m eu entender, entender , tanto estes quant qua ntoo os escolást e scolásticos icos eram er am figura figurass cômicas. cômica s. As ment me ntes es filos filosóficas óficas sérias estavam estavam se tornando tornando cética céticas, s, como com o Mont Montaign aigne. e. E esta esta era e ra a terce er ceiira opção: o cet ce ticismo. icismo. Eu queria queria oferec ofe recer er uma alter alternati nativa va radi ra dica call a todas todas as três, uma que, partindo partindo da refutaçã r efutaçãoo do ceticismo, ceticismo, prossegui prosseguiss ssee em dire direçã çãoo a um a filos filosofi ofiaa realm re almente ente científi científica ca.. SÓCRATES: Que queres dizer com “científica”? DESCARTES: Este é de fato um conceito-chave. Enquanto a filosofia definhava nos remansos da estagnação, todas as outras ciências progrediam admiravelmente. Para falar a verdade, houve mais progresso científico em um único século do que em todos os séculos anteriores juntos. Então fiz a mim mesmo a pergunta óbvia: por quê? Por que este progresso tremendo não se repetiu na filosofia? E a minha resposta foi, em uma palavra: “método”. O método científico foi a maior descoberta da história das ciências, sendo a chave-mestra que lhes abriu todas as portas. Exceto as da filosofia. Foi por isso que decidi escrever o Discurso do Mé M é todo; como um experimento a fim de verificar a hipótese de que o método científico era capaz de revitalizar também a filosofia. SÓCRATES: Teu experimento me parece muitíssimo razoável. Sem dúvida compreendes a prem pre m issa issa por trás trá s dele? dele ? DESCARTES: Eu nada presumi. Era um experimento; não pressupus nenhum resultado de antemão. SÓCRATES: Mas tu presumiste que a filosofia é uma ciência, ao supores que nela poderíamos em pregar o métod m étodoo científico, científico, não é isso isso?? DESCARTES: Sim, é claro, é uma ciência no sentido amplo: um corpo organizado de conhecimentos que explica as coisas pelas suas causas e prova verdades por meio de demonstrações racionais. Eu sei que ela não é como as outras ciências, uma vez que, não possuindo possuindo ne nenhum nhum cam ca m po de a tuação tuaç ão e m parti par ticc ular, ular , toma tom a todos os cam ca m pos c omo om o seus, sem limitar-se aos dados sensíveis. Neste aspecto é como a matemática, mas diferentemente dela, a filosofia não lida com medições quantitativas. A minha esperança, no entanto, era encontrar a essência mesma do método científico, comum às ciências empíricas, às ciências matemáticas – e às ciências filosóficas. Se eu conseguisse encontrá-la, defini-la e resumir suas regras básicas, ter-se-ia então o que faltava: um único método essencial que pudesse ser aplicado à filosofia tão eficaz ef icazm m ente quanto quanto o fora às outra outrass ciências. É por isso isso que a palavra palavr a m ais importante no títul títuloo do meu m eu livro, livro, Discourse de la methode , é ustamente a palavra “ la” (“o”). (“ o”). Est Este era er a o métod m étodoo que que havia transformado transform ado todas as ci c iências e que, qu e, con c onform formee espera esperava, va, haveria haveria de transform transformar ar tam bém a filos filosofi ofia. a. SÓCRATES: Posso compreender muito bem tua esperança. Mas não podes ter deixado de perc per c e ber o quão radica ra dicall e revolucionár re volucionária ia e ra e ssa idéia. A e ducaç duca ç ã o que rec re c e beste te proporc propor c ionou extensa cultura filosófica, filosófica , e ce c e rtam rta m ente a prendeste pre ndeste que Aristót A ristótee les, o mais m ais influente filós filósofo ofo do mundo (e o mais m ais provi provido do de bom senso) senso) ens e nsiinava que cada ca da ci c iência exigia exigia um m étodo étodo dife difere rent nte, e, uma um a vez ve z que o métod m étodoo é proporcional proporcional ao objeto obj eto que que se estuda, estuda, e que cada ca da ciência c iência trata
de seu próprio objeto. DESCARTES: Tens razão. Mas tendo em vista que Aristóteles se revelara equivocado em tantos outros pontos no que diz respeito às ciências, julguei possível que ele se tivesse enganado a respeito do método também. Ou que, pelo menos, tivesse deixado algo escapar. É evidente que os métodos das ciências precisam variar de acordo com o objeto estudado, mas, entre todos esses métodos, apenas um pouco diferentes uns dos outros, não haverá algo em comum que nos perm per m ita ita c ham a r a todos de m étodos “ cientí cie ntífic ficos”? os”? Se eu fosse capaz ca paz de isolar isolar e ssa essênc essê ncia ia comum e formular seus princípios básicos, teria feito com o método científico aquilo que Aristóteles fez com os princípios da lógica: abstrair do específico o universal, e do geral o parti par ticc ular. ular . SÓCRATES ÓCRATES:: Mas Mas na verdade ver dade não é j ustam ustam ente isso o que faz f az todo pensamento pensam ento racion ra cional? al? DESCARTES: Sim, mas o meu objetivo não era apenas teórico – encontrar os princípios gerais do método que fora utilizado com tamanho sucesso nas ciências – mas também prático: tendo encontrado e formulado esses princípios gerais, eu os queria aplicar à filosofia como ninguém antes aplicara, permitindo a ela que fizesse o que nunca fizera, e que todas as outras ciências já estavam fazendo, isto é, decidir as questões em definitivo, resolver as disputas controversas de uma vez por todas, chegar a respostas inequívocas que satisfizessem a todas as dúvidas razoáveis, acabando, ac abando, dessa dessa form a, com c om as trist tristes es divi divisõ sões es entre as dife diferentes rentes escolas de pensamento pensam ento.. Vej a bem be m , no meu me u tempo tem po os filós filósofos ofos ainda ainda estavam divi dividi didos dos pelas mesm m esmís íssi sim m as questões questões que os divi dividi dira ram m no passado, passado, fosse fosse na Gréc Gr écia, ia, na época é poca em e m que vivest viveste, e, fos f osse se m ais tarde, em Roma, oma , ou ainda ainda durante a Cristand ristandade ade m edieval. Mas Mas os cientis cientistas tas já não estavam de tal forma divididos. Eles aprenderam a resolver as disputas incessantes que tiveram no passado porque descobrira desc obriram m e sta ma m a ravil ra vilhosa hosa fe f e rra rr a m enta pa para ra a cabar ca bar c om todas as a s discor discordânc dâncias: ias: o método científico. Assim, minha esperança era que, aplicando essa mesma ferramenta à filosofia, nela obtivesse os mesmos resultados. E isso seria de uma importância muito maior, visto que a filos filosofia ofia é a m ais im im portante portante das ciênci c iências as e trata da m ais im im portante portante das questões. questões. Mas Mas a fim de utilizar a ferramenta, era preciso que, primeiro, eu a isolasse e definisse. Eis o propósito do meu livro. SÓCRATES: Tu o tornaste admiravelmente claro. Poderias agora explicar a divisão do livro em seis partes, em seis narrativas? DESC DESCARTES ARTES:: Si Sim . Eis como com o as resu re sum m i no pref prefác ácio io:: “Na primeira prime ira parte par te se encont e ncontra rarão rão diversas diversas considerações relativas às ciências.” Aqui eu descrevo como vim a descobrir o método. Dou ao leito leitorr uma pequena autobi autobiografia. ografia. “Na segunda segunda [parte], [ parte], [estão] [ estão] as principais principais regras do m étodo étodo que o aut a utor or buscou.” buscou.” A busca busca que em preendi pree ndi é descrit de scritaa na Prime Pr imeira ira Par P arte, te, o tesouro tesouro que que encont e ncontre rei, i, na Segund Segunda. a. “Na terceira, terce ira, [estão] algum algum as das regras regra s da moral m oral que [o autor] autor] tirou tirou desse desse m étodo.” étodo.” Esta Esta é a minha primeira aplicação do método: à moralidade, de forma bastante preliminar e provisória. “Na quarta, [estão] as ra zões pelas quais quais o autor autor prova a exist existência de Deus De us e da al a lm a humana, huma na, que são os fundamento fundam entoss de de sua m etafísica etafísica”. ”. Esta Esta é a m inha inha segunda segunda apl a pliicaçã ca çãoo do método: à filosofia e à teologia filosófica. Mais tarde expandi este breve capítulo em um livro inteiro, as Medit Me ditaçõe açõe s. “Na quint quintaa ... [estão [estão as] a s] questões questões de fí f ísica sica que [o aut a utor] or] buscou.... buscou....”” Esta Esta é a m inha inha terceira terc eira aplica aplicaçã çãoo do méto mé todo: do: às ciências físi físicas, ca s, especialm especialmente ente à m edicina; edicina; novam novamente, ente, de m odo
bastante basta nte introdutório. “Na últi últim m a, alg a lgum umas as coisas coisas que o autor jul j ulga ga necessárias nec essárias para ir mais m ais adiante adiante na pesq pe squi uisa sa da natureza.” Neste capítulo está o meu prognóstico, previsão ou profecia a respeito do tanto que se há de reali re alizzar no futuro futuro por por est e staa m aravil ar avilhos hosaa ferra fe rram m enta. SÓCR ÓCRATES: ATES: Quão Quão perfeitam per feitamente ente claro e ordenado me m e parec par ece! e! Comece ome cem m os, os, portant portanto, o, a explorar explorar este livro livro ext e xtra raordinário. ordinário. DESC DESCARTES ARTES:: Por ond ondee queres come c omeça çar? r? SÓCRATES: Ora, pelo começo, é claro.
3
O Princípi P rincípio o
SÓCRATES: Nós, os gregos de outrora, tínhamos um ditado: “Começar bem é ter feito a metade.” Significa que o momento crucial de qualquer empreendimento é o seu começo. O velho Arquimedes dizia, “Dai-me uma alavanca suficientemente grande e um ponto em que apoiá-la, e eu levantarei o mundo.” Precisamos então, em primeiro lugar, examinar cuidadosamente o teu “ponto arquimédico”, aquele em que se apóia todo o restante do que irás dizer. DESCARTES: Tal ponto de fato existe, Sócrates. Em certo sentido, ele é todo o “sentido” da minha filosofia: uma nova fundação, uma certeza sólida em que apoiar todo o pensamento subseqüente. Tal é o meu cogito ergo sum , “Penso, logo existo.” Esta é a primeira afirmação do meu sistema filosófico. No entanto, é só na Quarta Parte do Discurso do Mé Método todo que faço um resu re sum m o deste deste sist sistem em a . SÓCRATES ÓCRATES:: Então Então há outro outro ponto de partid pa rtida, a, ponto ponto arquimé a rquimédico dico ou princípio princípio anterior a nterior a esse. DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES ÓCRATES:: E, se se o teu livro livro ref r eflete lete o teu pensam ento, o início início do do teu pensam ento encont enc ontra rarr-se-á se-á no início do teu livro, não é assim? DESCARTES: É isso mesmo. SÓCR ÓCRATES: ATES: Precisam Pre cisamos os então então exam e xamiinar m uito uito cuidados cuidadosam am ente o seu primeiro prim eiro parágraf pará grafo. o. DESCARTES: Sim. Pois ele fala da razão, que é a ferramenta com que realizamos todo o nosso raciocínio, seja em filosofia, seja nas outras ciências. Acredito que, antes de construirmos nossos edifícios, devemos examinar as ferramentas de que dispomos. Isso é verdade tanto para o trabalho trabalho mental m ental quant quantoo o é para pa ra o tra trabalh balhoo braçal. braç al. Mas como com o posso posso consegui conseguirr outra outra cópia cópia do meu me u liv livro, ro, para que eu o possa possa ler tam bém? bém ? Onde conseguist conseguistee ess e ssaa que tens aí? Oh! – uma um a cópia cópia apare a parece ceuu em m inhas inhas mãos m ãos tão logo logo a concebi em pensamento e a desejei! É assim que as coisas acontecem por aqui? SÓCRATES: Não, não todas, somente aquelas que precisam acontecer assim. DESCARTES: Eu queria saber... SÓCRATES: Sim, querias. Confissão aceita; eis aqui a penitência: deves concentrar-te no assunto em questão, isto isto é, no teu anti a ntigo go livro, livro, e não no teu novo mundo m undo.. DESC DESCARTES: ARTES: Não há tempo tem po bastante para pa ra isso? isso? SÓCRATES: Há tempo bastante para tudo aqui. No entanto, aqui ele é medido em momentos presente pre sentes, s, os quais, por sua vez, são sã o m e didos, didos, não pelo m ovime ovim e nto de c orpos m ateria ate riais, is, com c omoo o sol e a lua, mas por tarefas delegadas. O momento em que estamos é o “agora” de que foste incumbido. E este “agora” é hora de investigar o teu livro, não de satisfazer tua curiosidade. DESCARTES: Eu aceito a penitência. Investiguemos, portanto, a minha primeira sentença.
SÓCRATES: Aqui está: “O bom senso é a coisa do mundo mais bem partilhada.” Eis aqui o teu ponto arquim é dico: o bom senso é igual para par a todos. É isso isso me m e smo? sm o? DESCARTES: Sim. E este é de fato um novo “ponto de partida” para a filosofia, como a Dem ocracia ocra cia é para a Polít Política, visto visto que que iguala iguala o que a ntes ntes se pensava ser hierárqui hierá rquico co e desigual desigual,, isto é, algo de que uns poucos têm muito, e muitos têm pouco. Este é, portanto, um novo começo, uma nova raiz ou radix , e, por esse motivo, verdadeiramente “radical”. SÓCRATES: E essa coisa que, segundo teu novo ponto de partida, é igual para todos, tu a denominas “bom senso”? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES ÓCRATES:: E o que quere s diz dizer com “bom senso”? DESCARTES: Ofereço algumas expressões equivalentes. Uma delas seria simplesmente “senso comum”, pois afirmo que o “bom senso” é comum a todos os homens. Outro sinônimo aparece duas frases depois: “o poder de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso”. E, ainda na m esma frase, eu ofereç ofer eçoo mais m ais um sinô sinôni nim m o: “raz “ra zão”. SÓCRATES: Admiravelmente claro! Logo, a tua primeira declaração, que é a raiz ou radix ou “ponto arquimédico” ou princípio de tua novíssima filosofia é que a razão é igual em todos os homens.
DESCARTES: Sim. Eu democratizei a razão. SÓCR ÓCRATES: ATES: Nenhum começ com eçoo deveria dever ia passar sem questio questionam namento ento,, não concordas? c oncordas? DESCARTES: Concordo. SÓCRATES: Ainda mais um começo tão radical quanto este. DESCARTES DESCARTES:: De fato. fa to. SÓCRATES: Devemos, portanto, examinar as razões que tens para creres na veracidade deste novo começo. DESCARTES: Tu as encontrarás no restante do primeiro parágrafo. SÓCRATES: Então devemos examinar esse parágrafo com o maior cuidado, pois ele é o fulcro sobre o qual repousa a própria alavanca da filosofia moderna. Com ele seremos capazes de “alavancar” todo o resto. É o princípio do princípio do princípio. Contigo, a quem chamaram “pai da filosofia moderna”, a filosofia começa de novo. E tu começas com este livro, o qual, por sua vez, vez, começa come ça com c om est e stee parágrafo. parágra fo. DizeDize-m m e ent e ntão ão com o jus j usti tificas ficas este novo novo começo? come ço? DESCARTES: Eu o apresentei em três passos claros e distintos. (1) primeiro, fiz minha declaraç declar ação ão fundamental fundam ental de de que a raz ra zão é igual igual para todos todos os homens home ns.. (2) Em seguida, seguida, dei a raz ra zão para par a cre cr e rm os nisso. nisso. (3) P or últim último, o, e xtraí xtra í a sua c onseqüência onseqüê ncia ou c orolário. orolá rio. Estas são as três trê s coisas que afirmo no primeiro parágrafo. SÓCRATES: Tu o poderias ler, por favor? DESCARTES: (DM 1, par.1) (1) O bom senso é a coisa do mundo mais bem partilhada, (2) pois cada um pensa estar tão bem provido dele, que mesmo os mais difíceis de contentar em qualquer
outra outra coisa coisa não nã o costum costumam am desejar desej ar tê-lo mai ma is do que que o têm. têm . Não é verossímil verossímil que todos todos se enganem nesse ponto: antes, isso mostra que a capacidade de bem julgar, e distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se chama o bom senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens; (3) e, assim, que a diversidade de nossas opiniões não se deve a uns serem mais racionais que os outros, mas apenas a que conduzimos nossos pensamentos por vias diversas e não consideramos as mesmas coisas. Pois não basta ter o espírito bom, o principal é aplicá-lo bem. As maiores almas são capazes dos maiores vícios, assim como das maiores virtudes; e os que andam m uit uito lent lentam am ente ente po podem dem avançar m uit uito mais m ais se se segui seguirem rem sempre o cam inh nhoo reto, ao contrário dos que correm e dele se afastam. (Le bon sens est la la chose du monde la mieux partag partagée ée ; car c ar chacun pense en ê tre tre si bien bien pourvu, que c e ux mê m ê me qui sont sont les les plus diff difficiles iciles à contenter conte nter en e n toute toute autre autre chose n’ont point c outume d’e n désir dé siree r plus qu’ils e n ont. En quoi il n’est n’e st pas v raisem raisemblabl blablee que tous se trompent: mais plutôt cela témoigne que la puissance de bien juger et distinguer le vrai d’avec le faux, qui est proprement ce qu’on nomme le bon sens ou la raison, est naturellement égale en tous les hommes; et ainsi que la diversité de nos opinions ne vient pas de ce que les uns sont plus raisonnables que les autres, mais seulement de ce que nous conduisons nos pensées par diverses voies, et ne considérons pas les mêmes choses. Car ce n’est pas assez d’avoir l’esprit bon, mais le principal est de l’appliquer bien. Les plus grandes âmes sont capables des plus grands vices aussi bien que des plus grandes v e rtus; rtus; e t ce ux qui ne marchent marc hent que fort lente lenteme ment nt peuv ent av ance r beaucoup be aucoup davantage, s’ils suivent toujours le droit chemin, que ne font ceux qui courent et qui s’en s’e n éloignent.)
SÓCRATES: Dessas três afirmações, (1) aquela que fazes acerca da razão, (2) as premissas a parti par tirr da dass quais tu a deduziste, deduziste, (3) o c orolário orolá rio que de dela la se e xtrai, xtra i, qual das três, trê s, no teu entendim entendim ento, ento, é a m ais im im portante? portante? DESCARTES: O corolário, sem dúvida. Pois se a diversidade de opiniões nasce, não de diferenças inatas na razão, mas tão somente do uso de diferentes métodos, então o uso “do” método permitiria à humanidade, pela primeira vez na história, superar aquelas entranhadas diferenças de crença e opinião que, em todas as épocas e lugares, foram causa de guerras, sobretudo de guerras religiosas. Ninguém antes pensou que isso fosse possível. Mas agora a doença é curável curá vel porque porque a sua caus ca usaa foi f oi diagnos diagnosti tica cada da corretam corr etam ente. SÓCRATES: Compreendo. O teu método poderia trazer enormes conseqüências para o mundo. DESCARTES: Realmente. É claro que não ousei dizê-lo com todas as letras no livro. No meu tempo, tem po, os os podere poderess consti constitu tuíídos tem tem iam qualquer qualquer m udança radi ra dica cal, l, ainda ainda que fosse para par a m elhor. elhor. SÓCRATES: Tu afirmas que as diferenças de opinião não surgem de diferenças inatas na razão, diferenças estas que não se poderiam jamais mudar ou superar, mas surgem tão somente de dife difere renças nças de m étodo, étodo, o qual qual se se pode mudar. É isso mesmo? É isso tudo o que precisamos fazer: usar usar o mesmo m esmo m étodo étodo?? DESCARTES: Eu menciono dois aspectos do método científico: o fato de “conduzirmos nossos pensam pensa m entos por vias diversas diver sas ( voies)”, )” , com isto isto quero quero dizer dizer,, essencialment essencialme nte, e, métodos diversos; e o fato de “não considerarmos ( considerons ) as mesmas coisas”, isto é, não consideramos os mesmos dados. Mas podemos compartilhar os dados de que dispomos uns com os outros, como
fazem os bons cientistas; e podemos todos concordar em usar o mesmo método, isto é, o método, o método científico, como também fazem os bons cientistas. E, uma vez tendo feito essas duas coisas, teremos superado as duas fontes do desentendimento, sendo todos por fim conduzidos à mesma verdade. Não é possível compartilhar ou trocar as nossas diferenças inatas; assim, se a razão for, desde o nascimento, diferente em cada indivíduo, não haverá esperança de entendimento. Mas se, e somente se, a razão for igual para todos, poderemos ter a esperança de finalmente alcançar na filosofia aquela espécie de concordância universal que se alcançou nas outras ciências. SÓCRATES: Estou impressionado com a simplicidade, clareza e obviedade da tua idéia, bem como com a sua abrangência e poder, com a capacidade que tem de, por assim dizer, “sacudir o mundo”. DESCARTES: Muito obrigado, Sócrates. Fico profundamente grato por teres aprovado minha idéia; eu, que sempre me considerei teu discípulo e admirador, agora te vejo retribuir minha admiraçã adm iração! o! Sabia Sabia que poderia poderia cont c ontar ar contig contigoo como com o aliado aliado na guerra contra contra a irracion irra cionali alidade. dade. SÓCRATES ÓCRATES:: Não tão depre de pressa, ssa, Renè Renè.. Eu disse disse que estava impressio impr essionado nado pela sim sim plicidade plicidade da tua tua idéia e pelo seu poder. Mas nada afirmei até agora acerca de sua veracidade. DESCARTES: Julgas que é falsa? SÓCRATES: Não, como poderia saber antes de examiná-la? DESCARTES: Ah. É claro. Bem, vamos examiná-la, então. Estamos aqui para investigar o livro inteiro, não estamos? SÓCR ÓCRATES: ATES: Sim, Sim, m as um argume ar gument ntoo de cada c ada vez. vez. E primeiro prim eiro as coi c oisas sas prim prim eiras. Exam inem inem os, os, portanto, porta nto, o teu prime prim e iro a rgum e nto, o teu “ ponto arquim a rquiméé dico”, dico” , aquele aque le que diz se se r a raz ra zã o igual para par a todos: todos: será isso isso verda ver dade, de, ou não? nã o? Tu oferece ofere cess dois dois argume ar gument ntos os a favor f avor de sua verac ver acid idade. ade. Eis o prim prim eiro: (DM 1, par. 1) O bom senso é a coisa do mundo mais bem partilhada: pois cada um pensa estar tão bem provido dele, dele , que m e smo sm o os m a is difíce difíc e is de c ontentar e m qualquer qualque r outra c oisa oisa não costumam desejar tê-lo mais do que o têm. [E] não é verossímil que todos se enganem nesse ponto: antes, isso mostra que [...] a razão, é naturalmente igual em todos os homens. Posso colocar colocar o argumento argum ento em form a silo silogí gíst stica? ica? DESCARTES DESCARTES:: Pois P ois não. Afina A final,l, tu és o inventor do silogis silogism m o! SÓCRATES ÓCRATES:: A conclu conc lusão são é que a raz ra zão é igual igual em todos todos os homens. hom ens. A premissa explícita é que todos crêem possuí-la suficientemente. Perc Pe rcebes ebes qual a prem issa issa implícit implícitaa que deves de ves pressupo pressuporr a fim de provares provare s a conclusão? conclusão? DESCARTES: Certamente – que aquilo em que todos os homens, por natureza, crêem é verdade. SÓCRATES: Pois bem, e essa suposição, por sua vez, por que seria verdade? DESCARTES: Porque se deve confiar na razão humana. É justamente porque os homens a possuem todos na m e sma sm a m edida que podem os c onfiar onfia r no seu testem unho quando todos concordam a respeito de alguma coisa. Tu percebes, por certo, a consistência da minha
argumentação. SÓCRATES: Ah, mas eu diria “circularidade” em vez de “consistência”. Tu declaras que todos os hom homens ens são igual igualm m ente sábios sábios,, ou racio rac ionais nais,, porque porque crê c rêem em sê-lo; e declaras declara s tam tam bém que a sua sua crença – de que são sábios – é verdadeira porque são todos igualmente sábios. Parece, desde o princípi princ ípio, o, um a rgum e nto circ c ircular ular:: um argum ar gumento ento c ircular irc ular para par a o teu te u princípio, pr incípio, para par a o teu te u “ponto “ ponto arquimédico”. Não parece um começo muito auspicioso para uma nova filosofia cuja ambição é ser m ais crítica crítica e m ais científi científica ca do que que todas todas as anteriores! DESCARTES: Ó, Sócrates, eu não sou tão desconhecedor assim da lógica! Tu interpretas mal o meu objetivo nessa frase, na primeira razão que dou para o meu “ponto arquimédico”: não é para par a ser uma um a prova , um argume ar gument ntoo demons dem onsttrati ra tivo. vo. Eu a proponho proponho tão tão somente som ente com c omoo pista pista. Não é um raciocínio do tipo que Aristóteles e os lógicos escolásticos denominavam uma “demonstração perfe per feit itaa ”, o qual, pa partindo rtindo da dass c ausas, ausa s, vai até os efe ef e itos; itos; m a s a o c ontrário, ontrá rio, pa partindo rtindo do e feit fe ito, o, prossegue prosse gue e m direç dire ç ã o às c ausas, ausa s, c omo om o da impre im pressão ssão digital digital se vai a o de dedo. do. Ele aponta, aponta , indic indic a, direciona a atenção para aquilo que lhe causa. Se a minha declaração inicial é verdadeira – se é verdade que a razão é igual para todos – então há certas conseqüências, a começar pelo fato de os homens estarem todos satisfeitos com o tanto que lhes coube de razão, da mesma forma que estão todos satis satisfe feit itos os com o tanto que lhes coube c oube de olhos olhos e de ouvidos. ouvidos. SÓCRATES ÓCRATES:: Agora com c ompre preendo endo a tua tua lógica. lógica. Mas não nã o a tua psicologia. psicologia. DESCARTES: Que queres dizer? SÓCRATES: Tu dizes que os homens estão todos satisfeitos com o tanto de razão que lhes coube. Acho notável que tenhas tomado a satisfação consigo próprio como sinal de sabedoria. Tu, que te consideras meu discípulo! Eu a tomei como um sinal de tolice. Foi assim que interpretei o enigma do orácul orác uloo de Delfos, De lfos, que dizia dizia não haver ha ver no mundo m undo ning ninguém uém m ais sábio do que eu. Foi por causa c ausa da minha insatisfação com minha própria sabedoria – sabedoria esta que eu julgava ser zero – que fui considerado mais sábio do que aqueles que, possuindo tanta sabedoria quanto eu, estavam, no entanto, satisfeitos com ela. E agora supões que eles é que têm razão e são sábios, ao invés de diz dizeres er es que são tolos tolos e estão equi e quivoca vocados dos.. DESCARTES: Quando afirmei isso? SÓCRATES ÓCRATES:: Quando disseste: disseste: “não “nã o é veross ver ossímil ímil que todos se se enganem enga nem nesse ponto.” ponto.” DESCARTES: DESCARTES: Ah. Ah . SÓCRATES: E eis aqui o que parece ser outra ironia. Não, pior que uma ironia, um paradoxo. ão, pior pior que um paradox para doxo, o, um um a cont c ontra radi diçã ção. o. DESCARTES: Eu pensei ter tomado o cuidado de sempre seguir a boa lógica e evitar contra contradi dições. ções. O que é? SÓCRATES: Tu foste, provavelmente, o homem mais inteligente do mundo no teu tempo, não foste? DESCARTES: Visto que aqui a falsa modéstia não prevalece sobre a sinceridade, devo recon rec onhecer hecer qu quee sim sim . SÓCRATES ÓCRATES:: E não fost f ostee tu o prim prim eiro a criar cr iar est e staa nova fil f ilosofi osofia? a? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES ÓCRATES:: E esta filosofia, filosofia, não é ela baseada basea da nas na s prem issas issas que expus e xpuseste este no início início do primeiro prime iro pará par á grafo? gra fo?
DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: E não diz uma dessas premissas que nenhum homem é mais ou menos inteligente do que outro? DESCARTES: DESCARTES: Ah. Ah . SÓCRATES: Tua brilhante e original filosofia,uma filosofia que ninguém fora capaz de criar antes de ti, ti, repou re pousa sa sobre sobre a prem pre m issa ssa de que nenhum homem hom em pod podee ser m ais genial genial do do que que o outro. outro. DESCARTES: Talvez seja preciso genialidade para descobrir que a genialidade é comum a todos os homens. Eu democratizei a razão, e isso foi radicalmente novo. SÓCRATES: E o que dizer então dos homens do passado? Ao democratizar a razão, por que ignorast ignorastee a dem ocracia ocra cia dos mortos? mortos? DESC DESCARTES: ARTES: A dem ocrac ocr acia ia dos mortos m ortos?? SÓCRATES ÓCRATES:: A tradição. tradiçã o. Se Se pretendias pr etendias est e stende enderr a franquia fr anquia a todos todos os homens, hom ens, porque excluí e xcluíst stee os m ortos ortos,, que que são a grande m aioria aioria deles? DESCARTES: Eu fui sem dúvida um progressista, e não um conservador, mas isso não é contradi contradição, ção, mesmo m esmo que sej a um erro. Por P or que que j ulgas ulgas haver haver contradição? contradição? SÓCRATES: Porque começas redefinindo a razão como igual para todos os homens, mas a tua própria própr ia rede r edefiniçã finiçãoo igualitár igualitária ia da raz ra zão é um a to de eli e liti tism smo! o! Pois P ois a m a ioria dos hom e ns disc disc orda dela. DESCARTES: Tua argumentação é muito inteligente, Sócrates. Mas a minha resposta é muito simples. SÓCRATES: ÓCRATES: Estou Estou esper e speraa ndo. DESCARTES: Eu não me contradigo nesse ponto porque eu não me declaro elitista, nem mais sábio do que qualquer um. Na verdade, digo o seguinte: (DM 1, par.2) Quanto Quanto a m im , nunca nunca presumi que meu m eu esp e spíri írito to fosse fosse em e m nada m ais perf perfeit eitoo que que os do comum; com um; inclus inclusiv ivee desej de sejei ei seguidam seguidamente ente ter o pensamento pensam ento tão rápido, rápido, ou ou a imagin im aginaç ação ão tão nítida e distinta, ou a memória tão ampla, ou tão presente, como de alguns outros. SÓCRATES: Ah, mas aí estás tu de novo a te contradizer! Pois agora dizes que tua mente é inferior a a dos outros, outros, ou ou seja, sej a, que a deles é superior superior a tua; tua; logo, logo, que estavas errado err ado ao afirm a firmar ar que todas são iguais. DESC DESCARTES: ARTES: Isso não passa pa ssa de um sofism sofism a inteli inteligente, gente, Sócrates. Sócra tes. SÓCRATES: Prova-me que não passa de um sofisma. Responde à minha acusação de que te contradizes. DESC DESCARTES ARTES:: Não há contra contradi diçã çãoo algum algum a. Tu não fos f ostte capaz ca paz de m ostrar ostrar uma única única contra contradi diçã çãoo lógica entre duas frases quaisquer do meu livro. SÓCRATES: A contradição não é entre duas coisas que disseste, mas entre o que dizes e o ato m esmo esm o de dizêdizê-lo lo.. Se, Se, como c omo afirm a firmas, as, não és superior superior aos a os out outros, ros, por por que ages a ges como com o se o fosses, ignorando-os, sobretudo aos antigos, cuja sabedoria foi testada e peneirada pelo tempo? Por que inventares um começo inteiramente novo para a filosofia, um tipo radicalmente novo de filosofia?
DESC DESCARTES: ARTES: Ainda Ainda que m e cont c ontra radi diga, ga, o próprio livro livro não se contradi contra dizz, se te limitares limitare s a j ulgar ulgar o livro livro em e m vez do do seu aut a utor. or. SÓCRATES: Mesmo assim, ainda não temos razão suficiente para acreditar na tua primeira frase, no teu ponto arquimédico. Ainda falta um chão em que assentar o fulcro de tua imensa alavanca.
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A Filosofi Filosofia a é uma um a Ciênc Ciênc ia?
DESCARTES: Sócrates, devo ser sincero: estou profundamente desapontado contigo. Tens um m onte onte de refutaç re futações ões inteligent inteligentes; es; soas, soas, no entanto, ma is com o sofist sofistaa do que cient cie ntis ista. ta. SÓCRATES: Não sou nem sofista nem cientista: sou filósofo. DESC DESCARTES: ARTES: Mas Mas a filosofia filosofia é uma um a ciência; c iência; logo, logo, se és fil f ilósofo, ósofo, és também tam bém cientista. cientista. SÓCRATES: Pois bem, isso depende daquilo que entendemos por “ciência”. Dize-me, por favor, o que tu entendes. Come Comece cem m os com alguns alguns exempl exem plos os.. A lógica, lógica, para par a ti, é uma ciência? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: E o amor é uma ciência? DESCARTES: Não. SÓCR ÓCRATES: ATES: E o amor am or à sabedoria sabedoria é um am or? DESCARTES: Sim, por definição. SÓCRATES ÓCRATES:: E a fil f ilosofi osofiaa é am or à sabedoria? sabedor ia? DESCARTES: Sim, literalmente. SÓCR ÓCRATES: ATES: Então Então a ciência da lógi lógica ca acaba ac aba de provar que a filos filosofi ofiaa não é uma ciência. DESCARTES: Reconheço que o amor não é uma ciência. O amor é um je ne sais qua, um “não sei quê”. Mas a sabedoria, certamente, é uma ciência, pois é o conhecimento ordenado dos princípi princ ípios os prime prim e iros; ou tu tu negas nega s que ela e la o sej a? filosofia ia fosse SÓCRATES: Não. Nunca neguei que a sabedoria fosse uma ciência. Neguei que a filosof uma ciência, vist vistoo que que a filos filosofia ofia não é sabedoria, mas m as o am or à sabedori sabe doria. a. E o am or à sabedori sabe doriaa pertenc per tencee a o gênero gêne ro “ am or”, or” , e não ao gê gêner neroo “ sabedoria sabe doria”. ”. E o am or, por sua ve vezz, não é uma um a ciência, ciência, com o tu tu mesmo m esmo reconhecest r econheceste. e. DESCARTES: Ah, mas o amor à sabedoria pertence ao gênero “sabedoria” tanto quanto ao gênero “amor”, sendo, portanto, uma ciência, visto que a sabedoria é uma ciência. Não é sabedori sabedoriaa am ar a sabedoria? sabedoria? SÓCRATES: De fato é. A sabedoria nos instrui a amá-la. Mas o servo que é instruído não é a mesma coisa que a senhora que o instrui. O amor à sabedoria pertence ao gênero “sabedoria” tanto quanto o conhecimento de cavalos pertence ao gênero “cavalo”, ou o ato de escalar uma montanha pertence ao gênero “montanha”. Conhecer algo sobre cavalos é um conhecimento, não um um caval ca valo; o; e o am or pelos pelos cavalos é um am or, não não um cavalo c avalo.. Da mesma m esma forma, form a, o amor am or à sabedori sabedoriaa é um am or, não não uma um a sabedoria. sabedoria. DESC DESCARTES: ARTES: Sócr Sócrates, ates, suspeito suspeito que que o que estás faz fa zendo com c omigo igo não sej a nada socráti socrá tico... co... SÓCRATES: Tu queres dizer isto de dar respostas curtas e diretas ao invés de fazer perguntas longas longas e indiretas? indiretas?
DESC DESCARTES: ARTES: Sim. Sim. P or que m udaste o teu m étodo? SÓCRATES ÓCRATES:: Estava Estava apenas ape nas “m “ m edindo o vento à ovelha tosquiada” tosquiada”.. DESCARTES DESCARTES:: Suspeito Suspeito que fui genti ge ntilm lmee nte insult insultado. ado. SÓCRATES ÓCRATES:: Gostar Gostarias ias que eu e u retornasse re tornasse ao a o meu m eu est e stil iloo puro? DESCARTES: Não, a não ser quanto a isto: tu também tens sido pouco socrático por estares usando usando ter term m os com o “sabedoria”, “ciência” “c iência” e “raz “r azão” ão” sem insi insist stires ires em defini-lo defini-los. s. SÓCRATES: Pelo cão, é verdade! Mea dem ôniio Me a culpa, c ulpa, mea c ulpa, mea maxima max ima culpa! c ulpa! Que m au demôn me enganou? Absolutamente indesculpável! Bem, parece que o meu segredo foi revelado: eu estava brincando quando disse que isto aqui era o purgatório para ti, mas o paraíso para mim. Pois se fosse mesmo o paraíso, eu jamais teria cometido tamanha tolice. Não, isto aqui é purgaçã purga çãoo e purificaç purific ação ão para par a nós dois, dois, e a m bos ha haver veree m os de e rrar rr ar,, e xpondo a todos nossa estupidez. DESCARTES: Se não podes vir a concordar que a sabedoria é igual para todos, quem sabe assim admitas, pelo menos, que a estupidez o seja! SÓCRATES: Ai de nós! Nem mesmo ela pode ser igual, visto que é o oposto da sabedoria, de forma que, quanto maior a tolice de um indivíduo, tanto menor será a sua sabedoria, e quanto m aior a sabedoria, tanto tanto m enor a toli tolice ce.. Assi Assim que, se se um a é desigual desigual,, a outra outra também tam bém o será. DESCARTES: Não concordas que em todos os homens há certa mistura de sabedoria e estupidez? SÓCRATES: Sim, mas não na mesma proporção. DESCARTES: Penso que não há nenhuma discordância real entre nós dois quanto a esse ponto, Sócrates, pois o que quero dizer com este “bom senso” que é igual para todos os homens não é a mesma coisa que quiseste dizer com a “sabedoria”, que é desigual. É por isso que o adverti de que já j á est e stáá m ais do do que na hora de defin def inirmos irmos nosso nossoss term term os. os. SÓCRATES: Temo que já passou, e muito, da hora. Pois bem, dizem que tolo é aquele que aprende apre nde com a experiência, e xperiência, então então que pelo menos me nos este tol toloo aqui aprenda apre nda algo com ela. Defin Def inir ir os nosso nossoss ter term m os é o que vam os fazer fazer!! DESCARTES: Pensaste que o que eu quero dizer com “bom senso” é o mesmo que queres dizer com “sabedoria”? “sabedoria”? SÓCRATES: Sim, pois pensei que já o tivesses definido como “a capacidade de bem julgar, e distinguir o verdadeiro do falso”, definição esta que eu pensara ter compreendido e com a qual concordara. Suponho que foi essa a razão por que não insisti, como tenho por costume, em uma longa discussão preliminar acerca da definição do nosso termo-chave. Mas agora vejo que presum pre sumii err e rronea oneam m ente. ente . Retroceda Retroc edam m os então e ntão – às à s vez ve ze s é esta a única e strada para par a o progre pr ogresso sso – e perguntemo-nos o que cada um quis dizer com “a capacidade de bem julgar, e distinguir o verdadeiro verdade iro do falso”. falso”. Quisest Quisestee diz dizer “a capacidade ca pacidade de bem j ulgar ulgar e dist distin ingui guirr o verdadeiro ve rdadeiro do fals fa lso” o” a respeito respeito re speit eito, o, por por exem e xempl plo, o, de como com o curar cura r a lepra, de qual a cor dos olhos olhos de do que quer que seja ? A resp Homero, de quantos planetas existem, do porquê de os homens bons sofrerem, de quantos “seis” existem existem num m ilhar, ilhar, de a guerra ser boa em e m alguns alguns casos ou ou não, de existi existirem rem m uito uitoss deuses, deuses, apenas apena s um, ou nenhum? nenhum? Afirm Afirm as que os home homens ns pos possu suem em todos todos a m esma esm a habi ha bili lidade dade para par a j ulgar ulgar cada uma dessas coisas? DESCARTES: É claro que não. Pois somente aqueles que viram Homero são capazes de dizer
qual a cor de seus olhos. Quanto às outras questões, no entanto, creio que todos os homens possuem a m e sma sm a capacidade inata de descobrir a verdade a seu respeito, contanto que lhes sejam fornecidas as ferramentas apropriadas e que disponham de tempo. Que me dizes quanto a isso? SÓCRATES: Digo que todos os homens, de fato, possuem a mesma capacidade de encontrar a verdade; mas somente a respeito de algumas dessas questões, não a respeito de todas. Distinguiste de todas todas as outras outras a questão questão acer ac erca ca da cor c or dos olhos olhos de Homer Hom eroo – acertadam ace rtadam ente, creio cre io eu – pois pois som som ente a experiência sensível sensível pode pode nos mos m osttrar ra r a verdade aí, e somente som ente os poucos poucos hom hom ens que conheceram Homero tiveram essa experiência, de forma que, nesse caso, a maioria não se encontra em pé de igualdade com a minoria. Contudo, no que diz respeito às outras questões, o papel pape l que a e xperiênc xper iência ia sensível desem dese m penha em respondêre spondê-las las nã nãoo é o m e smo, sm o, certo? ce rto? Às vezes esse papel é inexis inexistent tente, e, como c omo na questão questão ace a cerc rcaa dos núm núm eros er os.. Em outra outrass ocasiões, ocasiões, a experiência e xperiência sensível é um elemento necessário, mas que precisa ser complementado pelo uso do cálculo matemático, como na questão acerca do número de planetas. Às vezes, a experiência sensível prec pre c isa ser se r c omplem om plem entada enta da por experim expe rimee ntos, ntos, com c omoo na questão questã o ace a cerc rcaa da c ura da lepra. lepr a. Outras Outra s vezes, ainda que se mostre necessária, a experiência sensível precisa ser complementada por uma experiência que está além do sensível, bem como pelo discernimento moral, como se vê nas questões acerca do porquê de os homens bons sofrerem, e de a guerra ser boa ou não. Por fim, a experiência sensível precisa, em alguns casos, ser complementada pela desenvoltura no lidar com conceitos metafísicos abstratos, bem como pela facilidade em realizar raciocínios lógicos bastante complexos, como se vê na questão a respeito de existirem muitos deuses, um, ou nenhum. Concordas? DESCARTES: Acho que sei o que estás tramando. Ao me interrogares sobre método, questionas minha declaração de que estou dando à humanidade “o” método para encontrar todas as verdades, ao contrário de Aristóteles, que julgava necessário existirem muitos métodos diferentes para par a c onhece onhec e r os m uitos uitos tipos dife difere rentes ntes de verdade ver dade.. Muito bem , um m é todo só pode ser testado na prática. Se o que afirmo sobre “o” método for verdade, então ele funcionará; se não for verdade, verdade , não funcionará. funcionará. Assim Assim , só é possív possível el verificar a m inha primeira prime ira afi af irm ação aç ão – aquela que está no próprio próprio títítulo tulo do meu m eu livro, livro, ist istoo é, a afirma af irmaçã çãoo sobre sobre “o” m étodo étodo – verificando a m aneira como utilizei este mesmo método no restante do livro. Façamos o teste agora mesmo, se não te importares. SÓCRATES: Se é esta a tua única suposição, quer dizer, que o teu novo método funcionará para todas as coisas, e se tal suposição sobre o método só pode ser testada por meio das várias aplicações deste mesmo método, então vamos ao teste. Mas, e se houver uma segunda suposição? E se esta suposição disser respeito à teoria, e não à prática; à verdade, ao invés de à utilidade? Nesse caso, parece-me, será preciso questioná-la, não concordas? O primeiro princípio do teu teu m étodo não é j ustam ustam ente quest que stion ionar ar todos todos os os pressupostos pressupostos?? DESCARTES: Sim. Que outra suposição é essa, que tu dizes que faço? SÓCRATES: Ora, é a que trata daquilo mesmo que estivemos investigando durante todo esse tempo! A respeito de a razão ser igual para todos os homens ou não. Foi por isso que enumerei todas aquelas maneiras diferentes de se conhecer a verdade – a respeito da matemática, da guerra, guerra , da lepra – pois pois elas par parec ecem em refutar re futar esse teu pressupos pressuposto to.. DESCARTES: Percebo a estratégia da tua argumentação. Mas não vejo como esses exemplos podem refuta re futarr o pressupos pre ssuposto to de que a raz ra zão é a m esm a para par a todos os homens. hom ens. P ois o equipamento mental necessário para descobrir a verdade a respeito de qualquer um desses
assuntos está presente em todos: experiência sensível, habilidade matemática, discernimento moral, experiência das relações humanas, poder de abstração – essas coisas são comuns a todos os hom homens. ens. As dife difere renças nças inatas são são apenas a penas dife difere renças nças de velocidade. velocidade. É isso isso que que querem quere m os diz dizer er,, ou que deveríamos querer dizer, quando falamos em graus maiores ou menores de inteligência. Alguns homens levarão mais tempo para desenvolver essas capacidades inatas, enquanto outros progre progr e dirão dirã o m a is depre depr e ssa; a lguns e m pregar pre garão ão m a ior forç for ç a de vontade na tare tar e fa, fa , enquanto enqua nto outros serão mais preguiçosos; uns, portanto, alcançarão a verdade mais depressa do que outros. Alguns poderão até mesmo necessitar de cirurgia para corrigir danos físicos ao cérebro. Mas todos podem alcançar a verdade, pois todos possuem os poderes naturais necessários para tanto, e todos todos os poss possuem uem porque porque esses podere poderess natura naturais is faz fa zem parte da nature naturezza e da ess e ssência ência humanas; huma nas; e a natureza humana está presente em todos os seres humanos, e não apenas em alguns. Essa é uma lei da lógica: a essência está presente em todos os membros da espécie, enquanto os acidentes o estão em alguns membros somente. Para falar em termos políticos, a essência é igualitária ao invés de elitista; somente os acidentes são elitistas. E a razão é a essência humana, ou parte dela. Por isso, a razão é igualitária. E esta é a minha prova daquilo daquilo que denomin denom inas as como c omo minha segunda pressuposição: (DM 1, par. 2) Pois quanto à razão, ou ao senso, na medida em que é a única coisa que nos faz homens home ns e nos dist distin ingue gue dos anim anim ais, quero quero cre c rerr que ela est e stáá por int inteiro eiro em cada ca da um; um ; e nisso sigo a opinião comum dos filósofos que dizem que há mais e menos apenas entre o s acidentes, e não entre as formas, ou naturezas, dos indivíduos de uma mesma espécie . Logo, assim assim com o os triângulos, triângulos, sendo todos todos igualm igualmente ente triangular triangulares, es, são todos todos compos com postos tos de três lados, da mesma forma os homens, sendo todos igualmente humanos, são todos racionais. SÓCRATES: A lógica da tua argumentação é impecável. DESC DESCARTES: ARTES: Podem P odem os prosseguir prosseguir ao a o restante r estante do livro, livro, então? e ntão? SÓCRATES: Não antes de aplicarmos mais um testezinho ainda à tua hipótese, se me permitires. DESC DESCARTES ARTES:: Que outro outro teste teste ainda ainda requeres, re queres, se a argume ar gument ntaç ação ão é perfeit perf eita? a? SÓCRATES: O teste da experiência. Será que ela corresponde à tua conclusão? Será que encontraremos na vida real aquilo que o teu raciocínio prediz? DESCARTES: Tu podes ver que sim. Pois é evidente que os princípios do raciocínio são conhecidos por todos. Não há uma “lógica grega” e outra “francesa”, nem uma “lógica masculina” e outra “feminina”. Há simplesmente lógica. Se todo A é B, e todo B é C; logo, todo A é necessariamente C, seja na Grécia ou na França, seja homem ou mulher, sejam A, B e C animais, anim ais, conceit conce itos, os, deuses deuses ou substâncias substâncias químicas. química s. SÓCRATES: Sim, mas o raciocínio lógico é apenas uma parte daquilo que nós antigos entendíam entendíam os por por “raz “r azão”. ão”. DESC DESCARTES: ARTES: Sem Sem dúvida dúvida precisam pre cisam os defin def inir ir os nossos nossos term os. SÓCRATES: É justamente isso o que estamos fazendo. Estudaste a filosofia de Aristóteles, não estudaste? DESC DESCARTES: ARTES: Sim. Sim. E eu e u o superei super ei e corrigi cor rigi alguns alguns de seus se us erros... er ros...
SÓCRATES: E a lógica de Aristóteles? Tu a estudaste? DESCARTES DESCARTES:: É clar c laro. o. SÓCRATES: Alegas ter corrigido algum erro seu no que se refere à Lógica? Tu por acaso inventaste uma nova Lógica? DESCARTES: Não. Não há outra Lógica, assim como não há outra Geometria além da de Euclides. SÓCRATES: Ótimo. Mas na verdade há outra geometria, uma geometria que nega o axioma de Euclides a respeito das linhas paralelas. Ela foi inventada por um russo, chamado Lobaschevsky, uns trezentos anos após a tua morte, e funciona muito bem. Contudo, é impossível haver uma Lógica Lógica que negue os axioma axiomass de não-cont nã o-contra radi diçã çãoo e identi identidade... dade... DESCARTES: Por favor, conte-me mais a respeito desse tal Lobaschevsky! SÓCRATES: Amanhã, talvez. Uma coisa de cada vez, por favor, um dia de cada vez, e um livro de cada vez. Pois bem, te recordas que, na lógica, Aristóteles distingue entre os três “atos da m ente” ente” qu quee compõem c ompõem a raz r azão, ão, elevando elevando a m ente ente humana huma na aci ac im a da dos anim anim ais? ais? DESC DESCARTES: ARTES: Claro. Claro. Isso I sso é elem e lementar entar.. SÓCRATES: Lembras de quais são os “três atos da mente”? DESCARTES: É claro. São eles: compreender o significado de um conceito, julgar a verdade de uma proposição que une dois conceitos (um deles sujeito e o outro, predicado), raciocinar quanto à verdade de uma conclusão partindo da aceitação de certas premissas. O primeiro e o terceiro atos da mente são meios de se chegar à verdade, que se encontra tão somente no segundo ato da mente, isto é, no juízo. Tanto definir termos quanto raciocinar são meios de se chegar à verdade, ao passo que somente as proposiç proposiç ões é que podem ser verdadeiras ou falsas. Os termos ou são claros clar os ou não não são, sã o, enquanto os argum ar gumentos entos ou ou são válidos, válidos, ou são falaciosos fa laciosos.. SÓCRATES: Exato. Mas, quando tu falas da “razão”, é somente ao terceiro ato da mente, ou talvez ao segundo e ao terceiro combinados, mas não ao primeiro, que te referes. Talvez a compreensão não seja a mesma em todos os homens, ainda que a capacidade de julgar e raciocinar o sejam. DESCARTES: Na verdade, a terminologia dos “três atos da mente” vem dos filósofos escolást esc olásticos icos medieva m edievais is,, não de Aristót Aristóteles. eles. SÓCRATES: Mas a distinção entre os três atos foi feita por Aristóteles, não foi? – ainda que a formul form ulaç ação ão sej sej a difere diferent nte. e. DESCARTES: Sim, mas a formulação é importante, visto como a própria terminologia pode, às vezes, servir de impedimento ao progresso. Considera, por exemplo, a terminologia de Aristóteles referente às “quatro causas”. As distinções que ele faz são válidas, mas elas atrasaram o progre progr e sso das ciênc c iências ias por séculos, séc ulos, ao insisti insistirr que a “ causa ca usa final”, f inal”, ou o propósito propósito de a lguma lgum a c oisa, era a “causa das causas” e a sua explicação suprema. A ciência saiu à caça de causas finais e encontrou somente o incerto, o questionável, o subjetivo. Somente a partir do momento em que ela pôs de de lado essas categorias e m odificou odificou a sua term inologi nologia, a, é que começ com eçou ou a progredir. Não tomo Aristóteles como autoridade, seja em ciência, seja em filosofia. Pois a filosofia pode desencaminhar a ciência. E, de mais a mais, no que diz respeito à filosofia, eu sempre preferi Platão a Arist Aristóteles, óteles, com o pensei que que fizesses fizesses tam tam bém. bém . SÓCRATES: Então vamos usar as categorias de Platão. Tu te recordas da “linha dividida” no
final do livro livro VI da República epública?? DESCARTES: Certamente. Por que a mencionas? SÓCRATES: Porque, para Platão, ela era o mapa dos níveis de conhecimento e educação, que ele depois retratou dramaticamente na parábola da fuga da caverna da ignorância para a luz da certez ce rteza, a, no começ com eçoo do Livro Livro VII. DESCARTES: A imagem mais notável da história da filosofia! E com a qual me identifico pessoalm pessoa lmente ente,, por ter te r re r e aliza aliza do eu m esm o a fuga f uga da caver ca verna na atra a través vés do m e u mé m é todo. SÓCRATES: E tu te lembras de como Platão, em seguida, detalha esses quatro estágios da educação no restante do Livro VII, estabelecendo o currículo de sua Academia, currículo este que perm aneceu anec eu por dois dois m il anos, e que foi o m apa da tua tua própria educaçã educa ção? o? DESCARTES DESCARTES:: É clar c laro. o. SÓCRATES: Podes me dizer, em linguagem clara e direta, como compreendes esses quatro estágios? DESCARTES: Começamos sem duvidar de nada, aceitando todas as aparências como verdadeiras, todas as imagens, figuras e opiniões sobre as coisas, sem questionar essas imagens querendo saber imagens de que coisas elas são. Tu vês, o primeiro passo do meu método, a dúvid dúv ida, a, é precis prec isam am ente o primeiro prime iro passo passo da da educaç e ducação ão tal como com o Platão a e ntendi ntendia: a: a exi e xigência gência de ascender um degrau acima na escada, de questionar as sombras no muro da caverna, de questionar toda a autoridade, toda a tradição e as opiniões estabelecidas, que é exatamente o que tu mesmo fizeste, Sócrates, em cada um dos teus diálogos. SÓCRATES ÓCRATES:: É verdade ver dade,, e é por isso isso que cont c ontin inuo uo a faz fa zê-lo ê- lo até hoj e, e desta vez ve z contigo. contigo. DESCARTES: Oh. Quer dizer que questionas a importância de questionar? Pões em dúvida o valor valor da dúvida, dúvida, que que é a primeira prim eira regra r egra do meu me u méto mé todo? do? SÓCRATES: Não, isso seria ir rápido demais. Nós ainda não estamos investigando as quatro regras do teu método, pois ainda não avançamos o suficiente na leitura do teu livro. Por enquanto só estamos investigando aquilo que entendes por “razão”. O primeiro nível da “linha dividida” de Platão repre senta senta o primei prime iro nível nível da da raz ra zão, e tam bém o mais ma is baixo. baixo. Confi Confiar ar em imagens, ima gens, sejam sej am elas físicas ou mentais, confiar em figuras e confiar na opinião convencional, isto é, confiar na autoridade da tradição – não é assim que todos começamos a aprender quando crianças? Podemos, mais tarde, questionar a tradição e as opiniões, mas como poderíamos fazê-lo, sem que primeiro as tivéssemos absorvido? Eu mesmo, sempre iniciei meus diálogos perguntando aos outros pelas suas opiniões, e somente depois disso começava a questioná-las. Como poderia alguém alguém avançar avanç ar ao segundo segundo estágio estágio da linha linha sem ter com eçado eç ado pelo primeiro? prime iro? DESC DESCARTES ARTES:: Tu quere queress diz dizer que mesm m esmoo a cre c rença nça ingênua ingênua nas imagens, ima gens, mesmo me smo as a s som som bras no m uro da da caverna, c averna, fazem fazem parte da “razão”? “razão”? SÓCRATES: É isso mesmo. DESCARTES: Mas aí não há distinção entre os homens e os animais, pois estes também crêem nas aparências, vivendo em função delas. Não compreendo como podes chamar isso de “razão”. SÓCRATES ÓCRATES:: É mui m uito to simples: simples: quando nós nós antigos antigos def defin inimos imos o homem hom em com o o “ani “a nim m al racional”, ra cional”, incluímos no termo “razão” todas aquelas faculdades que encontrávamos na experiência e que distinguiam os homens dos animais, mesmo coisas tão pouco “rigorosas” quanto a consciência moral, ou capacidade de distinguir entre o bem e o mal; a sensibilidade estética, ou percepção intuitiva da beleza e da feiúra; também a capacidade de ler as faces e os corações humanos de
forma intuitiva; e mesmo a consciência do sagrado, de algo a que se deve adoração, de alguma espécie de deus ou deuses. deuses. Todas Todas essas essas coi c oisas sas não passam passam de “apar “ aparências ências ime diatas”, diatas”, ain a inda da que não sejam aparências sensíve is. Na verdade, são aparências imediatas para a nossa razão. DESCARTES: Compreendo o que queres dizer. Mas, e o segundo nível da linha, a experiência sensível dos entes físicos reais no mundo, como difere da experiência dos animais? SÓCRATES: Por distinguir-se do primeiro nível, isto é, por separar a realidade das aparências. Questionamos as aparências e as testamos. No nível sensorial, testamos as figuras e as imagens através da experiência sensível direta das coisas que as produziram, ou seja, tendo visto as sombras, nós nos perguntamos pelas coisas reais que as causaram. É assim que começamos a nossa nossa educaç e ducação. ão. Os habitant habitantes es da caver c averna na olham olham em volt volta de si, si, procurando encontra encontrarr os objeto obje toss que projetam as sombras. Só fazem isso porque, espantados, interrogam a si mesmos. Eles se tornam filósofos (A filosofia começa com o espanto). Passam a buscar a verdade tão somente porque desej dese j a m vê vê-la -la.. Os a nima nim a is nã nãoo faz fa ze m isso. isso. Os a nima nim a is não se tornam torna m filósofos. A curiosid curiosidade ade deles é apenas a penas uma um a curiosid curiosidade ade prática prática.. DESCARTES: Compreendo. Dessa forma temos uma interpretação dinâmica da “linha dividida” de Plat P latão, ão, ao invés invés de um a interpretaç interpretação ão est e státi ática ca:: não não são tanto tanto os nív níveis eis em si m esmos esm os,, mas m as é o m ovim ovim ento ascendente de um para outro outro o que cons c onsti titu tuii a raz r azão. ão. SÓCRATES: Exatamente. Logo, a “razão” abrange os quatro níveis. O estudante sobe do prime prim e iro nível, isto isto é , de desde sde a s ima im a gens das c oisas, a té o segundo nível, o das c oisas em si mesmas, e daí para o terceiro, isto é, das coisas em si mesmas para as leis e princípios que as explicam. E estes princípios são os princípios da matemática e da lógica, especialmente os princípi princ ípios os que governam gover nam o tipo de rac r aciocínio iocínio que vai va i das pre pr e m issa issa s até a conclusão, conc lusão, das da s hipóte hipóte ses às conseqüências, do “se” ao “então”. E isto, creio, é o que tu queres dizer quando falas da “raz “r azão” ão” que é a m esma esm a em e m todos todos os hom homens: ens: ela é o ter terce ceiro iro nív nível el da linha linha de Plat P latão. ão. DESCARTES: Sim. É por isso que eu disse que não existe uma lógica grega e outra francesa, existe existe apenas ape nas a Lógica Lógica.. SÓCRATES: E nisso estás absolutamente certo. Portanto, o moderno método científico, que ajudaste a formular, é, em essência, a combinação destes dois níveis da linha de Platão: a experiência sensível do segundo nível e a medição matemática, juntamente com o raciocínio lógico, lógico, do ter terce ceiro. iro. DESCARTES DESCARTES:: Eu diria, a ntes, que são dois movimentos, duas exigências: primeiro, a exigência de um movimento que vá do primeiro ao segundo nível, ou seja, a necessidade de verificarmos aquelas aparências, impressões e opiniões do primeiro nível por meio da experiência sensível do segundo segundo nível nível e, em e m segundo segundo lugar, lugar, a exigência exigência de um m ovim ovim ento que que vá do segund segundoo ao terceiro terc eiro nível, ou seja, a necessidade de julgarmos a experiência sensível dos entes físicos no segundo nível por meio dos princípios e das leis da lógica e da matemática do terceiro nível. Francis Bacon enfatizou o primeiro desses dois movimentos, ou seja, a parte empírica do método científico. Eu enfatizei o segundo, ou seja, o elemento matemático. Creio re io que que o velh ve lhoo Pit P itágoras ágoras tinha tinha raz ra zão ao a o diz dizer que a m atem ática ática é a linguagem inguagem da nature naturezza, de m odo que a m edição matem m atem ática ática,, os princípi princípios os mat ma tem áticos áticos e o raciocín ra ciocíniio m atem ático ático constit constituem uem a chave c have da cer c ertez tezaa em e m todas todas as ciências físicas. físicas. SÓCRATES ÓCRATES:: Cre Creio io que que é isso isso o que Platão P latão quis quis diz dizer com o sím sím bolo bolo do fogo dentro da caver ca verna. na. O fogo é a luz da caverna, a luz que ilumina o mundo físico. Mas ela é tão somente a luz do mundo físico, físico, e não a luz luz do mund m undoo superior, superior, do mundo que que est e stáá fora da caver c averna. na. Assim, Assim, não vej ve j o como com o
o teu método matemático possa ser um método universal . Podem P odemos os fazer fazer m edições quanti quantitativ tativas as das coisas coisas física físicas, s, mas ma s não das coi c oisas sas espirit espirituais uais.. Não é possí possível vel medir m edir Deus ou a alma alm a com uma fita fita m étrica. étrica. DESCARTES: Mas ainda podemos usar o método do raciocínio matemático , obtendo, assim, certeza, e superando as divergências de opinião que têm assolado a filosofia desde os seus primórdios. prim órdios. SÓCRATES: Crês que será possível utilizá-lo depois que tivermos atingido o quarto nível da “linha”? Crês ser possível usar o raciocínio lógico-matemático para conhecer e julgar as essências das coisas? DESC DESCARTES: ARTES: Sem Sem dúvida. dúvida. Tu m esm o o fiz f izeste este – ou foi talvez P latão? – quando raciocinaste ra ciocinaste com c om Re pública ca . tanto tanto acerto ac erto a resp re speit eitoo da j usti ustiça ça,, na Repúbli SÓCRATES: No Livro I, sim. Mas lembra-te do que acontece no final: fiquei insatisfeito com a investigação precisamente por não ter alcançado o quarto nível: a compreensão da Forma essencial da Justiça. DESCARTES: Talvez tenha sido esse o motivo de Platão não ter descoberto o método científico: ele tentou fazer coisas demais, quis incluir coisas demais na “razão”. Como disseste, Sócrates, a “razão”, tanto no teu entendimento, como no de Platão, bem como no entendimento da maioria dos filósofos antigos, abrangia todos os quatro níveis da “linha”. Ao excluir os níveis superior e inferior da linha de Platão, e ao combinar os dois restantes, nós, modernos, criamos o método científico. É como agrupar soldados que estivessem dispersos pelo campo de batalha, dispondo-os em uma falange densa e compacta, de modo que, em sua “estreiteza”, obtenham maior sucesso do que que em sua sua “am “ am plit plitude”. ude”. Ou então como com o um ref r eflet letor or que, concentrando a luz luz de palco em um único único ato a tor, r, concentrass c oncentrassee nele, ne le, dessa dessa form f orma, a, toda toda a atenção a tenção da platéia platéia (por exem e xempl plo, o, enquanto enquanto Hamlet recita o solilóquio “Ser ou não ser, eis a questão”) em vez de iluminar o palco inteiro ao m esmo esm o tem tem po com intens intensid idade ade reduz re duziida. Esse Esse m étodo étodo de “estreit “ estreitar ar”” a raz r azão ão obteve obteve suce sucess ssoo notável notável em e m todas todas as ciências c iências.. SÓCRATES: Sim, realmente. Mas obterá o mesmo sucesso quando aplicado à filosofia? Ser ou não ser científico em filosofia, e is é a questão. questão. DESCARTES: Eu respondo: ser. Por isso é que escrevi meu livro. Acho que o teu querido mestre Platão estava errado ao julgar que cada um dos níveis da sua “linha” exigia um tipo de pensam pensa m ento e um m étodo difere dife rentes. ntes. SÓCRATES: Platão chegou a essa conclusão depois de muita experiência. A tua conclusão, contrá contrária ria a dele, parece pare ce ser uma um a hipót hipótese ese a priori. priori. DESCARTES: Ela não é nem uma coisa, nem outra. É uma hipótese a ser testada. E o meu livro é o teste. SÓCRATES: Então se faz necessário testar o teste. DESCARTES: Já estava na hora! Por que costumas falar durante tanto tempo sobre alguma coisa antes de faz fa zê-la? ê- la? SÓCRATES: Talvez por eu ser como Hamlet. Ou, talvez, por eu ser demasiado paciente – impaciente com a impaciência, por assim dizer. Ou, quem sabe, por não nos faltar tempo, aqui. Ou, o que é mais provável, porque desejo que nos tornemos muito mais claros e cuidadosos no
pensar pensa r do que somos som os com umente um ente.. DESCARTES: Em outras palavras, por concordares com a exigência fundamental do meu m étodo. étodo. Acho que que som som os muito muito parecido pare cidoss um com c om o outro, outro, Sócra Sócrates tes.. Que achas? a chas? SÓCR ÓCRATES: ATES: Acho que que não há raz r azão ão para par a irmos tão depressa. Quem sabe. Ao fim, fim , verem vere m os. os.
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O Plano Plano Sec Sec reto de De scartes scartes
SÓCRATES: A primeira parte do teu livro é uma pequena autobiografia intelectual, ao mesmo tempo tem po fascinante fascinante e esclarece esclare cedora, dora, na qual os leit leitores ores são conv c onvid idados ados a tomar toma r parte pa rte na hist história ória de tuas duas descobertas: da necessidade de um novo método, e do método que supriu essa necess nece ssid idade. ade. Tenho apenas apena s uma ou duas duas pergun per gunti tinhas nhas sobre sobre esta esta parte. DESC DESCARTES: ARTES: Isto Isto não m e surpreende. surpree nde. SÓCRATES: Tu dizes o seguinte: (DM 1, par. 3) Mas não receio dizer que penso ter tido muita sorte. [ A tua descoberta desc oberta dev e ter sido sido mesmo obra do acaso, e não fruto dos teus poderes intelectuais, já que, segundo tu mesmo disseste, os homens são todos idênticos quanto ao poder intelectual da razão. ]
Desde a juventude encontrei-me em certos caminhos, que me conduziram a considerações e máximas com as quais formei um método que penso ser um meio de aumentar gradualmente meu conhecimento, e de elevá-lo aos poucos ao mais alto ponto que a m e diocridade diocr idade de m e u espírit e spíritoo e a c urta duraç dura ç ão de m inha vida perm per m itam itam atingir. [ Mais adiante adiante no livro livro faze faze s menção me nção a e stes dois obstác obstác ulos à obtenção obtenç ão do conhecimento: a mediocridade da mente humana e a curta duração de nossas vidas, quando escreves , “o espírito depende tanto do temperamento e da disposição dos
órgãos do corpo que, se é possível encontrar um meio que torne comumente os homens home ns mais ma is sábios sábios e mais m ais hábeis hábeis do do que que foram f oram até aqui a qui,, creio cre io que é na m edicina edicina que se deve buscá buscá-lo. -lo.”” Mas falare falare mos sobre isso isso mais tarde. tarde. ] (DM 1, par. 3) Pois dele dele j á rec r ecol olhi hi tantos tantos frutos frutos que, que, mui m uito to em bora nos julgam julgam entos entos que que faç f açoo de m im mesmo eu tenda sempre para o lado da desconfiança e não o da presunção, [...] não deixo de sentir uma extrema satisfação com o progresso que penso já ter feito na busca da verda ve rdade. de. Acho que tenho alguma algumass perguntas, perguntas, pou pouca cass apenas, sobre sobre ess e ssaa tua “extrem “ extrem a satisfa satisfaçã ção”, o”, algo que desejei desej ei a min m inha ha vida vida intei inteira ra,, mas ma s que que nunca nunca cheguei nem perto de de al a lcançar ca nçar.. Portanto, Portanto, se puderes puderes me m e ens e nsiinar o cam ca m inh nhoo para ess e ssaa “extrema “extrem a sati satisfação” a que tanto tanto almej ei, ser-te-ei ser-te-ei eternamente obrigado. DESCARTES: Percebo a ironia, Sócrates. Julgas-me pouco sábio, até mesmo arrogante, por esperar tanto do meu método, ao contrário da tua “sabedoria”, que é o reconhecimento de não a possuir. possuir. Mas Ma s logo no parágr par ágraa fo seguint se guintee eu e u afirm af irmo: o: “todavia, “todavia , pode ocorr oc orree r que eu m e engane e ngane.” .” SÓCRATES: Fico feliz em ouvir que não crês na impossibilidade de estares errado. Certamente
deves te sentir, e com razão, “extremamente satisfeito” com tamanha humildade! DESCARTES: Lamento que não creias em minha humildade. SÓCRATES: Ah, eu creio na crença que tens em tua tua própria própria humildade. humildade. DESCARTES: Mas no próximo parágrafo eu mostro o quão humildes são de fato as minhas pretensõe pre tensões: s: (DM 1, par. 5) Assi Assim m eu propósit propósitoo não é ens e nsin inar ar aqui o m étodo étodo que que cada c ada um deve seguir seguir para pa ra bem conduzzir sua condu sua raz r azão, ão, mas m as apenas ape nas mos m ostrar trar de que maneira m aneira procurei conduzir conduzir a m inha. inha. SÓCRATES ÓCRATES:: Falaste Falaste realm re almente ente a sério isso isso aí? a í? DESCARTES: Acho que sim (parece que não consigo mentir neste lugar!). Foi por isto que dei o Me ditaçõe açõe s ao meu livro mais extenso. Por ser uma série de meditações ou título de Medit experimentos mentais a serem feitos somente por indivíduos em particular, cada um a seu tempo, na privacidade de seus próprios pensamentos. SÓCRATES ÓCRATES:: Mas Mas com c omoo esses experim expe rimentos entos podem podem ser científicos, se se são sã o tão pessoais? pessoais? DESC DESCARTES ARTES:: Porque a ciência tam bém é um em preendi pree ndim m ento indi indivi vidual dual,, ainda que, é claro, os cientistas compartilhem os resultados de seus experimentos, convidando outros indivíduos a reproduz re produzi-lo i-los. s. Foi Foi exatam ente isso o que fiz f iz,, no labora laboratóri tórioo de m inha inha própria m ente. SÓCRATES ÓCRATES:: Mas Mas a ciência ciênc ia busca verdade ver dadess objeti obje tivas, vas, univer universais sais e impessoais im pessoais.. DESC DESCARTES: ARTES: De fato fa to;; e a filosofia filosofia tam bém . O ato a to de buscar, buscar , no entanto, é subjetivo subj etivo,, indiv individu idual al e pessoal. pessoa l. SÓCRATES: É verdade. Então quando escreves: “assim meu propósito não é ensinar aqui o m étodo étodo que que cada ca da um deve seguir para bem condu conduzzir sua sua raz r azão”, ão”, tu quer queres es diz dizer isso isso mesmo? me smo? DESCARTES DESCARTES:: É clar c laro. o. SÓCRATES: Porém, quando acrescentas, “mas apenas mostrar de que maneira conduzi a minha”, não é isso o que queres dizer. DESCARTES DESCARTES:: Por P or que o dizes? dizes? SÓCRATES: Respondo a essa pergunta fazendo-te outra: tu escreveste para leitor nenhum, para alguns, ou para todos? DESCARTES: Para alguns: para todos aqueles que desejam filosofar. SÓCRATES ÓCRATES:: E esses leitore leitores, s, são todos todos convidados convidados a repetir re petir o teu experim e xperimento ento mental? m ental? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: E o que julgas haver de novo nesse teu experimento mental? Os leitores, que proveit prove itoo tira tiram m dos teus pensam pensa m entos, que não poderiam poder iam conseguir conse guir de outros, e m e special spec ial dos filósofos do passado? DESC DESCARTES: ARTES: Cer Certez teza, a, e concordânc conc ordância ia univer universal: sal: o fim das diferenç difer enças as de opinião. opinião. SÓCRATES: Esses fins, tu os considera desejáveis? DESCARTES: Certamente. SÓCRATES: E todos nós os desejamos?
DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: E porque os teus leitores hão de obter esses fins universalmente desejados através da tua filosofia, e não através das outras? DESCARTES: Nós já vimos a resposta a essa questão, Sócrates. Em uma palavra, a resposta é “o método”. Não possuo mente superior a dos outros, também não ofereço um conjunto radicalmente novo de conclusões filosóficas: provo a existência do Eu, da alma, de Deus, do corpo e do mundo, que todos nós já sabíamos existir. A diferença é que encontrei um método melhor. SÓCRATES ÓCRATES:: E o que o torna m elhor? No que dife difere re dos méto mé todos dos anteriores? anteriore s? DESCARTES: Ele é verdadeiramente científico. SÓCR ÓCRATES: ATES: E qual a diferença difere nça entre ciência c iência verdadeira verda deira e autobi autobiografia ografia verdadeira ve rdadeira?? DESCARTES: A autobiografia revela verdades específicas a respeito de um indivíduo em parti par ticc ular, ular , a o passo que a ciência ciê ncia descobre desc obre leis universa unive rsais, is, que são objetivas obj etivas e impessoa im pessoais is ainda a inda quee a busca por essas leis seja pessoal. qu SÓCRATES: Então quando dizes que escreves apenas para mostrar como conduziste os teus próprios própr ios pe pensam nsam e ntos, ntos, e nã nãoo para par a dize dize r a os outros c omo om o devem deve m c onduz onduzir ir os seus, pretende pre tendess apenas a uma verdade autobiográfica, e não a uma verdade científica. DESCARTES: É claro. No entanto, alguns quererão trilhar os mesmos caminhos que eu, e realizar os mesmos experimentos mentais, obtendo, assim espero, os mesmos resultados. Mas a decisão de seguir os princípios científicos e de buscar a verdade objetiva deve ser uma escolha subj subjeti etiva, va, pessoal. pessoal. Não vej o contradiçã contradiçãoo algum algum a niss nisso, o, ou mesmo me smo qualquer qualquer problem problem a. Tu vês? SÓCRATES: Creio que sim. Estou tentando “ler nas entrelinhas”, como se diz, para melhor compreender as tuas intenções neste livro. E penso ver, sim, uma contradição, quando leio somente o que escreveste, sem levar em conta o que não escreveste. DESCARTES: Onde? SÓCRATES: Na Segunda Parte, onde dizes novamente, desta vez com mais detalhes, aquilo que á havias dito logo no início do livro, naquela frase que estivemos examinando esse tempo todo. Para falar a verdade, o arranjo que deste às palavras na Segunda Parte parece ter sido francamente elaborado de modo a contradizer a primeira sentença do teu livro. Está no terceiro pará par á grafo, gra fo, onde e scre scr e ves: (DM 2, par. 3) Por isso isso eu não poder poderia ia de modo m odo algum algum aprovar esses tem tem peram pera m entos entos perturbadores perturbadores e inqu nquiet ietos os que, que, não sendo cham ados, nem nem por seu nascime nto nto nem por sua sua fortuna, fortuna, ao ao manejo dos assuntos públicos, não deixam de introduzir-lhes sempre, em idéia, alguma alguma no nova va reform a. [ eis aqui a palavra que era o estopim das guerras de religião no teu tempo] E, se eu pensasse haver neste escrito a menor coisa pela qual pudessem suspeitar-me tal loucura, ficaria muito aborrecido de aceitar que ele fosse publicado. Meu propósito nunca foi além de procurar reformar meus próprios pensamentos e construir num terreno que é todo meu. Se minha obra me agradou bastante e vos mostro aqui o modelo, nem por isso quero aconselhar que a imitem... e o mundo se compõe quase só de dois tipos de espíritos, aos quais [ela] não convém de modo algum. A saber, (1) aqueles que, acreditando-se mais hábeis do que são, não podem
im pedir-se pedir-se de j ulgar ulgar precip prec ipit itadam adam ente... (2) Depoi De pois, s, aqueles que, tendo tendo bastante bastante raz r azão, ão, ou modéstia para julgar que são menos capazes de distinguir o verdadeiro do falso do que outros pelos quais podem ser instruídos, devem assim contentar-se em seguir as opiniões desses, em vez de buscar por si próprios outras melhores. Ora, Ora , há alg a lgoo bastante curios cur iosoo aqui. Essas Essas duas classes de pessoas que dizes dizes não dever usar o teu método – são justamente as duas classes de pessoas que tu dizes que não existem, logo no prime prim e iro pará pa rágra grafo fo da P rime rim e ira P a rte! rte ! Pri Pr im eiro, “aqueles que que se acr a credit editam am m ais hábeis do que que são”. De acordo a cordo com o que que escreveste escr eveste no prim prim eiro parágraf pará grafo, o, não exist existee ninguém ninguém que se encaixe e ncaixe nesta descrição, descriçã o, vist vistoo que: “cada “c ada um pensa estar tão bem provido provido dele dele [do bom senso] que mesm m esmoo os m ais difí difíce ceis is de contentar contentar em e m qualquer qualquer outra outra coisa coisa não cos c ostu tum m am desejar desej ar tê-lo m ais do do que que o têm.” têm .” E logo logo depoi depoiss ainda dizes que “não é verossímil que todos se enganem nesse ponto.” Juntemos essas duas afirma af irmações ções e surge a c onclus onclusão ão de que todos todos possu possuem em o mesmo me smo “bom senso” senso” ou “capacidade “ca pacidade de ulgar e distinguir o verdadeiro do falso”, bem como estão todos cientes dessa situação e satisfe satisfeit itos os com ela. Logo, no que diz respeit re speitoo à fac f acul uldade dade do bom senso se nso ou ou raz ra zão, não nã o há ninguém que se acredit ac reditee m ais hábil hábil do que que é na reali re alidade. dade. E há m ais uma um a classe com c ompos posta ta de indiv indivídu íduos os inexist inexistentes, entes, que é o segundo grupo grupo de pessoas pessoa s ao qual qua l a leitura do teu livro não é rec re c omenda om endada: da: “aque “ aqueles les que, que , tendo bastante ba stante razão r azão (m as não a possuí possuím m os todo todoss na mesm m esmaa m edida? edida? Tu Tu diss disseste este que sim sim .) para j ulgar ulgar que são m enos capazes de distinguir o verdadeiro do falso do que outros.” Todavia, no primeiro parágrafo da Prime Pr imeiira Parte Pa rte dissest dissestee que: “a capacidade ca pacidade de bem j ulgar, ulgar, e dist distin ingui guirr o verdadeiro ver dadeiro do falso, falso, que que é propriamente propriam ente o que que se cham c hamaa o bom senso senso ou a raz r azão, ão, é nat na turalmente uralm ente igual igual em todos todos os homens home ns.” .” Mas se é igual, gual, então ningu ninguém ém é m enos capaz de raciocin ra ciocinar ar do que que o outro. outro. O arranjo que deste às palavras na Primeira Parte é repetido com exatidão na Segunda, La puissance puissance de de m odo que o leit leitor or atento, atento, ao ler est e stee parágra par ágrafo, fo, lem lem brar-se-á brar- se-á do anter anterio ior. r. “ La bien bien juger et e t dist distin inguer guer le v rai d’ave c le faux, qui est prop propreme rement nt ce qu’on nomme le bons sens sens ou aquilo que, na Prime Pr imeiira Parte, Pa rte, afirm as ser igual igual para todos todos.. Mas Mas na Segunda Segunda Parte Pa rte la raison” é aquilo dizes: “ Puis de ce c e ux qui, ayant ay ant assez assez de raison raison … pour pour juge juge r qu’ils sone moins m oins capable de Logo, algum algum as pessoas pessoas possuem possuem m enos dist disting inguer uer le vrai d’ave c le faux que quelques autres. autres. ” Logo,
raz ra zão do que outras. outra s. Visto que és homem extremamente inteligente e racional, não é possível que tão evidente contradição tenha sido mero descuido. Deve ser uma pista deixada de propósito. Mas pista de quê? DESCARTES: Sócrates, sem dúvida és inteligente o bastante para responder a essa pergunta. Em qual daquelas daquelas duas passagens passagens eu acre ac redi dito to realmente, realm ente, e qual delas delas foi escrit escr itaa apenas apena s para despist despistar ar os inquisidores, que temiam qualquer novidade que ultrapassasse a esfera privada ou que fosse oferecida ao público como uma nova “reforma”, ainda mais num tempo em que a Reforma causara a mais sangrenta guerra até então? Tu, mais do que todos, deverias compreendê-lo. Inseri esse esse parágra par ágrafo, fo, Sócra Sócrates, tes, para escapar esca par ao a o teu teu destin destino. o. SÓCRATES: É claro! Tu não terias escrito livro algum se não acreditasses que ele seria capaz de reformar os pensamentos. E não apenas os pensamentos privados, visto que o teu método é ustamente o oposto de um método privado, destinado apenas a uns poucos indivíduos; o teu é o método científico, que é público e universal. Foi esta a solução que encontraste para o seguinte
dilema: publicar teus pensamentos radicalmente novos e ser perseguido pelos tolos que tentam matar idéias matando pessoas, ou então negar à humanidade o método através do qual esses mesmos tolos poderiam ser dominados, e por meio do qual, quem sabe, até mesmo as guerras ideológicas cessariam de existir. DESCARTES: Muito bem, Sócrates. Tua perspicácia revelou minha estratégia. Eu espalhei tantas pista pista s pelo me m e u livro livro quantas qua ntas bastassem ba stassem à s raposas ra posas com c omoo tu, ma m a s que os cã c ã e s dos inquis inquisidore idoress não pudessem pudesse m e ncontrar. ncontra r. E para os bons entendedores aí vai outra pista: no começo da Segunda Parte, donde citaste o parágrafo qu quee escrevi sob sobre re “reform “re forma”, a”, descre descrevo vo a exp e xperiênci eriênciaa de ter testem testem un unhado hado devastadora devastadora guerra reli re ligi gios osa, a, causada c ausada por diferença difer ençass apaixonadas apaixonadas de opini opinião. ão. E o m eu novo m étodo, étodo, eu o ofe ofere reço ço com o ter terapia apia para quê? Como libertaç libertação ão de quê? Diferenças Difere nças de opini opinião! ão! E afirmo af irmo que estas são são curáveis, c uráveis, poi poiss são caus ca usadas adas não por dife diferenç renças as inatas inatas na raz ra zão, m as pelo uso uso de diferent difere ntes es “abordagens” “ abordagens” ou m étodos étodos.. Subt Subtra raia ia a caus ca usaa e terás er ás subtraíd subtraídoo o efeit ef eito. o. Rem Rem ova as as difere diferenças nças de m étodo étodo e acabará ac abaráss com as difere diferenças nças de opini opinião. ão. Acabe com as difere diferenças nças de opini opinião ão e terás aca a cabado bado com as guerras guerra s religi religios osas. as. Perc Pe rcebes ebes agora a gora a importância do me u liv livro, ro, e porque eu e u não poder poderia ia tê-lo publ publicado icado antes que o incidente Gali Ga lileu leu estivesse estivesse esquecido, e squecido, ou pelo pelo menos, m enos, que se tivesse tivesse am a m ainado? E porque, na ocasião oc asião de publicar publicar o livro, livro, tive tive de incluir incluir pistas pistas fals fa lsas as para pa ra os inqui inquisi sidore doress e indica indicaçõe çõess ocultas ocultas para par a os sábios? Meu obj e tivo tivo era er a ser um home hom e m bom e honesto hone sto e trabalha tra balharr para pa ra o bem c omum om um,, m as nunca nunca tive tive desejo desej o ou vo voca cação ção de m e tornar tornar um m ártir. ártir.
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A Finalidade Finalidade do Conhec imento
SÓCRATES: Agora compreendo muito bem por que escondeste objetivos tão radicais e revolucionários dos poderes políticos de então, ao mesmo tempo que sugeria esses objetivos de maneira velada aos leitores inteligentes. (sei quão pouco inteligentes os censores podem ser!) Ainda assim, revelas um bocado dessas tuas novas e radicais exigências no relato autobiográfico que faz fa zes da tua vida vida aca a cadêm dêmica, ica, em especial a tua profunda insati insatisfaç sfação ão com c om toda toda a filos filosofia ofia do passado, passa do, sobretudo sobre tudo com c om a filosofia e scolásti scolá stica ca m e dieval dieva l que os Jesuí Je suítas, tas, os m e lhores lhore s profe pr ofessore ssoress da época, te ensinaram ensinaram . DESCARTES: Ah, sim. O clero implicava com tudo o que escrevia, tentando fazer condenar meus livros pela Igreja. Mas eu só estava tentando alicerçar aquelas crenças básicas, que todos tínhamos em comum, em terreno novo e mais firme, sobretudo as duas crenças religiosas fundamentais: a crença na existência de Deus e a crença na imaterialidade e imortalidade da alma. SÓCR ÓCRATES: ATES: Coi Coisa sa sem elhante elhante acont ac ontec eceu eu comigo. c omigo. Min Minha ha fi f iloso losofia fia tam bém oferec ofer ecia ia um m étodo étodo novo, mas não um conteúdo novo. Também eu busquei um fundamento mais firme e mais racional em que assentar as crenças tradicionais – e por causa disso fui temido e mal compreendido. Eu te acompanho, portanto, no espírito de tua jornada – por enquanto, pelo menos. Sigamos, pois, adiante neste teu caminho. Escreveste o seguinte: (DM 1, par. 6) “Fui nutrido nas letras [ lettres, livros] desde a minha infância, e, convencido de que por m eio delas dela s podia a dquirir um conhecim conhe cim e nto claro cla ro e seguro segur o [ assure , assegurado, garantido, certo] de tudo o que é útil [ utile ] à vida, eu tinha um desejo extremo de aprendê-las.” Logo nessa nessa primeira prim eira frase fra se nós dam dam os com três razões razões para tua tua insati insatisfaç sfação ão com c om a fil f ilos osofi ofiaa escolásti escolástica que teus profe profess ssores ores te ens e nsin inar aram am – na verdade, ver dade, para par a tua insati insatisfaç sfação ão com c om toda toda a filosofia anterior. Tu buscavas uma filosofia baseada na experiência pessoal, e não nos livros; uma filos filosofi ofiaa que fosse certa ce rta em vez de provável e que que não fosse apenas teórica teórica,, mas ma s tam tam bém práti prá ticc a, ou útil. útil. DESCARTES: Compreendes-me perfeitamente bem, Sócrates. Compreendes também como essas três três coi c oisas sas relacio relac ionam nam-se -se ent e ntre re si? si? SÓCRATES: Creio que sim. Na tua opinião, só o conhecimento certo é realmente útil e só o conhecimento baseado na experiência, e não na confiança em autores de livros pode ser conhecimento certo. DESC DESCARTES: ARTES: Nós somos som os mesm m esm o espí e spírito ritoss irmãos. irm ãos.
SÓCRATES: Até certo ponto, pelo menos. A primeira das tuas três exigências é bastante semelhante a minha. Voltando à já mencionada “linha dividida” de Platão, o primeiro nível, que ele denominava “conhecimento das imagens”, parece-me que é como as “letras” (livros) que estudast estudaste; e; se bem que Plat P latão ão tivess tivessee em e m m ente, nesse nesse nível mais ma is baixo, baixo, apenas as ima gens físicas físicas, tais como desenhos, figuras ou o reflexo de um espelho, podemos incluir aí também as imagens mentais ou opiniões. Esse tipo de conhecimento é transmitido de uma pessoa para outra; ele depende de intermediários, bem como da tradição estabelecida e da confiança na autoridade daqueles que fundaram essa tradição. Assim como eu, quiseste ver com teus próprios olhos, conhecer por meio de tua própria experiência (fosse ela sensorial, fosse intelectual). Tu não te satisfizeste em confiar nos intermediários sem questioná-los, os quais, no teu caso, não se constituíam simplesmente de imagens, mas também de livros, professores e de toda a tradição acum ac umul ulada. ada. Essa Essa insati nsatisfaçã sfaçãoo é o primei prime iro passo para a investig nvestigaç ação ão rac r acio ional nal crítica crítica.. DESCARTES: E, assim como Platão, eu não esperava que todo mundo desse esse primeiro passo. Confiança naqueles que são os transmissores de uma tradição sempre foi o suficiente para a maioria dos homens. Eu não esperava fazer de todos os homens filósofos. SÓCRATES: Mas eu sim. Eu fui mais igualitário que Platão. Eu convidava a filosofar todos aqueles que encontrava, até mesmo o jovem escravo de Menon, que não recebera educação alguma. Eu o trouxe até o nível seguinte da “linha dividida” por meio de certa dedução m atemáti atem ática, ca, se te recordas. DESCARTES: Que leitor do “Menon” poderia esquecer este maravilhoso exemplo de educação? Creio, portanto, que nós dois também concordamos quanto à necessidade deste passo, que vai do segundo segundo ao ter terce ceiro iro nív nível, el, da experiência sensível sensível até a cer c ertez tezaa da m atem ática ática.. SÓCRATES: Sim, mas acho que discordamos no que diz respeito ao quarto nível, o mais alto, isto é, o nível da sabedoria filosófica, que consiste na intuição intelectual daquilo que Platão chamava as Formas ou essências. Era esse o meu propósito último, e o mais alto tipo de certeza, uma certeza que, ao contrário da matemática, não depende de premissas. DESCARTES: Mas os filósofos discordam sem cessar no que diz respeito à sabedoria e às essências. Logo, esse tipo de conhecimento não é m ais cert cer to do qu quee aqu a quele ele da m atemáti atem ática ca.. SÓCRATES: Penso então que discordamos sobre onde encontrar esse teu ideal de certeza. E penso tam bém que disc disc ordam orda m os quanto qua nto ao a o ideal idea l de utili utilida dade. de. Busc Busc a ste “um c onhecim onhec imee nto cer c erto to de tudo quanto fosse útil à vida”, enquanto busquei a verdade como um fim em si mesma. Buscaste um conhecimento científico logicamente certo a respeito das coisas mutáveis deste m und undo, o, a fim f im de que as pudesses pudesses usar, cont c ontrol rolar ar e m elhorar elhorar.. Fos Fostte um seguidor seguidor de Bacon, e não de Aristóteles, não só no que diz respeito ao método para obter conhecimento, mas também quanto à finalidade do conhecimento. Creste na máxima de Bacon, “conhecimento é poder”. Busca uscast stee “a conqu conquis ista ta da nat na tureza ureza pelo home homem m ”. DESCARTES: Eu dificilmente poderia esperar que compartilhasses do meu entusiasmo pela conquista conquista da natureza, Sócrates. Sócra tes. Vós, antigos, antigos, não tínheis tínheis idéia do potenc potencial ial da tecnol tec nologi ogia. a. SÓCRATES ÓCRATES:: Pot P otenc encial ial para par a quê? DESC DESCARTES: ARTES: Para Pa ra o progress progre ssoo humano. hum ano. SÓCRATES: Talvez não tivéssemos idéia mesmo, mas uma idéia que tenho muito clara é a da necessidade de se definirem os termos. O termo “progresso”, por exemplo. Que queres dizer com el e le?
DESCARTES: Explico isto mais detalhadamente na Sexta Parte do meu livro. Com “progresso” quero dizer o entendimento da natureza (em especial daquela parte da natureza que nos é mais próxima, próxim a, ou sej a, os nossos próprios própr ios c orpos) a fim de a c onquistar onquistarm m os, c ontrolarm ontrolar m os, melhorarmos e usarmos “para o alívio da condição humana”. SÓCRATES: ÓCRATES: O alí a lívio vio de quê? DESC DESCARTES: ARTES: Do sofr sofrime iment nto. o. Negas Nega s que sej a um propósito propósito honrado? honrado? SÓCRATES: Não, mas... DESC DESCARTES ARTES:: Eu sabia sabia que haveria have ria um grande “m as”. SÓCRATES: Então, com sofrimento sofrimento queres dizer dor ? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES ÓCRATES:: E a dor é o contrário contrá rio do prazer? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: Julgas que o prazer seja o bem maior? DESCARTES: Não. SÓCRATES ÓCRATES:: Então Então com c omoo pode o alívio alívio da dor ser se r o bem be m m aior? DESCARTES: Não estou dizendo que é o bem maior, mas somente que é parte de um bem m aior, aior, nom nom eadam ente, ente, a felicid felicidade ade humana. huma na. SÓCRATES ÓCRATES:: Acho que podes adiv a divinh inhar ar qual será m inha inha próxi pr óxim m a pergunt per gunta. a. DESC DESCARTES: ARTES: Que é a feli fe licidade cidade?? SÓCRATES: Sim. Não é ela a realização de todos os desejos humanos? Aceitas essa definição de felicidade? DESCARTES: É o significado usual do termo. SÓCRATES: Assim a conquista da natureza (que os homens denominarão “tecnologia”) faz aumentar a felicidade na medida em que dobra a natureza à vontade do homem, satisfazendo os seus desej os – é dess de ssaa form f ormaa que ela e la contribu contribuii par paraa a fel fe licidade? icidade? DESC DESCARTES ARTES:: Pare Pa rece ce ser ess e ssaa a conexão. SÓCRATES: E a felicidade é o bem maior? DESCARTES: Sim. Pois todos buscam tudo quanto leve a ela, e ninguém a busca como meio para par a outro fim . SÓCRATES: Nós, antigos, acreditávamos que a felicidade, ou o bem maior, consistia na conformação da alma humana à realidade objetiva – por exemplo, através do conhecimento da verdade como um fim em si mesma e da adequação de nossos desejos a esta mesma verdade por m e io das virtudes da sabedoria sabe doria práti prá ticc a , da j ustiça ustiça,, da c orage ora gem m e do c ontrole de si m e smo. sm o. Mas diz dizes es que o bem bem m aior consis consiste te em conformar conform ar a reali re alidade dade objeti obj etiva va aos desejos desej os da alma. alm a. Em outra outrass palavra palavras, s, di dizes que o poder poder é um bem m aior do que que o conhecimento conhecim ento.. DESC DESCARTES ARTES:: Não, não, eu não diss dissee que o poder poder é o bem be m m aior, mas m as que a felicidade felicidade é o bem maior. SÓCRATES: Mas julgas que o poder está mais perto do bem maior do que o conhecimento está, pois afirm af irmas as que o c onhecim onhec imento ento é um m eio pa para ra obter poder e que o poder é um m e io para par a
chegar à felicidade. DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES ÓCRATES:: Então Então nosso nosso parent pare ntesc escoo espi e spirit ritual ual é m uito uito menor m enor do que imaginas. im aginas.
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A Busca Busc a da Ce Ce rteza
SÓCRATES: Continuando tua narrativa, escreves: (DM 1 par. 6) Fui nutrido nas letras desde a minha infância, e, convencido de que por meio delas podia adquirir a dquirir um c onhecim onhec imee nto claro clar o e seguro segur o de tudo o que é útil útil à vida, vida , eu e u tinha tinha um desejo desej o extrem o de aprendê-las. a prendê-las. Mas assim assim que concl c oncluí uí todo todo esse esse curso de est e studo udos, s, ao cabo do qual é costume ser admitido na classe dos doutos, mudei inteiramente de opini opinião. ão. Poi P oiss me m e vi em baraça bara çado do em tantas duvi duvidas das e erros e rros [...] Creio re io que que devem de vemos os par parar ar por aqui a fim de invest investig igar ar estas estas duas palavras, “dúvidas” “dúvidas” e “erros”, “e rros”, já j á que resu re sum m em tua tua crít c rítiica dos dois dois mil anos de de filoso filosofia fia que te te ant a ntec eceder ederam am , e também tam bém aquilo que esperas obter com tua nova filosofia. DESCARTES: É justo. Ambas incitaram minha busca como esporas incitam um cavalo. Eu fui um cavaleiro do espírito, Sócrates – como tu. SÓCRATES: Se eram as dúvidas que te deixavam insatisfeito, o que buscavas então era o seu contrário, contrá rio, não é isso? isso? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: E qual é o contrário da dúvida? DESCARTES: A certeza, ou incontestabilidade. Era este o atributo que eu via faltar na filosofia tradicional. Muitas de suas idéias eram possivelmente verdadeiras, úteis e profundas. No entanto, não havia como eu saber se se eram era m verdadeiras, verdadeiras, ma s tão tão som som ente ente opinar . SÓCRATES: E este atributo que buscavas, a incontestabilidade, durante a tua formação, chegaste a encontrá-lo em algum lugar? DESCARTES: Sim, eu o encontrei. SÓCRATES: Onde? DESCARTES: Em uma disciplina apenas: na matemática. SÓCRATES ÓCRATES:: E chegaste che gaste a encont enc ontra rarr alg a lgum um filósofo filósofo antes de ti que acr a creditass editassee na possibil possibilid idade ade de a filoso alcança r a m esma cert cer teza, eza, ou grau de cert cer teza, eza, ou titipo de de cert cer teza eza da m atemáti atem ática ca?? filosofi fia a alcançar DESCARTES: Nenhum. SÓCRATES: SÓCRATES: Mas Ma s tu pensaste pensaste ser capaz ca paz de encont e ncontrar rar esta esta certez ce rtezaa na filos filosofia? ofia? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: ÓCRATES: Por quê? DESCARTES: Porque todos os outros filosofaram não como quem pratica uma ciência, mas como quem professa uma religião: aceitando a autoridade da tradição. Quase todos os filósofos
cristãos aceitaram ou a autoridade do “divino Platão”, ou a do “Filósofo”, o grande Aristóteles, que ensinara que cada ciência necessitava de seu próprio método e possuía seu próprio grau de certeza. ce rteza. Foi Foi essa essa a pressu pre ssuposi posiçã çãoo que eu e u pus em dúvida, dúvida, questionando questionando assim assim a quase infali infa libil bilid idade ade de Aristóteles. SÓCRATES: Por falar em “infalibilidade”, a segunda coisa na qual disseste estar “embaraçado” eram erros, certo cer to?? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES ÓCRATES:: E os erros err os resultam resultam da falibi f alibili lidade dade,, não result r esultam am ? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: E o oposto da falibilidade é a infalibilidade, não é? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: Portanto, o que buscavas era a infalibilidade, a ausência de todo o erro. E não menos em filosofia. Tu disseste que querias uma filosofia que imitasse a ciência, e não a religião; mas agora tenho a impressão que o que querias era antes conferir à filosofia a infalibilidade de uma revelação divina! Posso entender o medo que tinhas dos inquisidores. DESCARTES: Mas a razão da infalibilidade na religião é completamente diferente daquela da ciência matemática. Na religião é a autoridade divina. Em matemática é a auto-evidência de tautolog tautologias ias tais tais com o X = X ou 2+2 = 4. SÓCRATES: Entendo. Bem, continuemos com tua história: (DM 1, par. 6) Achava-me embaraçado em tantas dúvidas e erros que me pareceu não ter tirado outro proveito, ao tratar de instruir-me, senão descobrir cada vez mais minha ignorância. No entanto eu estava numa das mais célebres escolas da Europa, onde pensava pensa va deviam devia m e xisti xistirr homens hom ens sábios, se os houvesse e m a lgum lugar da Te rra rr a . Eu havia aprendido tudo o que os outros lá aprendiam; inclusive, não me contentando com as ciências que me ensinavam, percorrera todos os livros que tratavam daquelas considerações mais curiosas e mais raras e que puderam cair entre minhas mãos [...] contudo, eu não deixava de estimar os exercícios praticados nas escolas [...] O que a mim parece pare ce “curio “c urioso so e raro” rar o” é aquil aquilo que que dizes dizes logo logo adiante adiante sobre sobre cada c ada uma das disciplinas que estudaste. Pareces louvá-las por algo completamente diferente daquilo que cada uma delas delas deveria oferec ofer ecer er,, “condenando-as com a frouxi f rouxidão dão dos teus louvo louvore res”. s”. DESCARTES: Perdoa-me a interrupção, Sócrates, mas preciso esclarecer duas coisas antes de analisares o que afirmo adiante sobre cada disciplina. Em primeiro lugar, a avaliação que fiz de cada uma delas foi sincera, e não sarcástica. E em segundo, a todas faltava aquilo que eu buscava, busca va, nome nom e a dam ente, ente , a c e rtez rte za que só e ncontrara ncontra ra na m a tem á tic tic a . O que a firm o é ter encontrado um modo de estender tal certeza a todas as outras disciplinas, e isso através do meu novo método (que é o ponto discutido neste livro), e da minha filosofia, e do esforço de toda m inha inha vida vida para beneficiar a humanid hum anidade, ade, segundo penso. penso. SÓCRATES: Obrigado pelo esclarecimento. Vamos percorrer então a lista de todas as disciplinas do conhecimento humano, tais como as encontraste na universidade, observando a falta de certeza comum a todas elas:
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9.
Sabia que as línguas que se aprendem são necessárias ao entendimento dos livros antig que a gentilez gentilezaa das fábul fá bulas as desperta de sperta o espí e spírito rito;; que as ações memoráveis das histórias o alevantam e que, sendo lidas com discrição, aj ud udam am a formar form ar o juízo; juízo; que a leitura de todos os bons livros é qual uma conversação com as pessoas mais qualificadas dos séculos passados, que foram seus autores, e até uma conversação prem pre m e dita dita da, na qual eles e les nos revela re velam m tão somente som ente os melhor m elhores es de seus pensam pe nsam entos; que a poesia poesia tem delica delicadez dezas as e doçuras mui m uito to encant enca ntadoras; adoras; que a el e loqü oqüência ência tem forças força s e belezas belezas incom incompará paráveis veis;; que as matemáticas têm invenções muito sutis, e que podem servir muito, tanto para contentar os curiosos, quanto para facilitar todas as artes e diminuir o trabalho dos homens; que os escritos que tratam dos costumes contêm muitos ensinamentos e muitas exortaç à virtude virtude que são m uito uito úteis; úteis; que a teologi teologiaa ensina ensina a ganhar o céu.. cé u....
A propósito, deves ter percebido como falseaste tanto a teologia como a filosofia moral neste neste passo, pois pois ambas am bas afirmam afirm am que nos nos podem podem dar conhecimento, e m esmo al a lgu gum m as provas, provas, m as tu as louvas louvas tão tão soment some ntee por pregare pre garem m serm ões convenient convenientes! es! DESCARTES: Não falseei a filosofia moral nem a teologia que e u aprendi. Ambas careciam da certez ce rtezaa que diziam diziam fornecer fornec er.. SÓCRATES: Entendo. Então estavas mesmo “condenando com louvores frouxos” – era uma ironia, ironia, uma crít cr ítica ica disfa disfarç rçada ada de el e logio. ogio. DESCARTES: Sim. E tanto mais em relação à filosofia, que menciono a seguir. Tu hás de perc per c e ber c omo om o os seus se us argum a rgum e ntos assem a ssem elhava elha vam m -se m a is àquele à queless dos teus adversá adve rsários rios sofist sof istaa s do que que às provas autênticas autênticas com que busca buscavas vas refutá-lo re futá-los: s: 10. que a filosofia dá meio de falar com verossimilhança de todas as coisas e de se fazer admirar adm irar pelos pelos menos m enos eruditos eruditos;; 11. que a j urisprudência, urisprudência, a m edicina, edicina, e as outra outrass ciências tra trazzem hon honra rass e riq r iquez uezas as àqueles que as cultivam. De todas todas essas discip discipllinas, inas, som som ente uma um a encontrei que que m e desse desse certez ce rteza: a: (DM 1, par. 10) Comprazia-me sobretudo com as matemáticas, por causa da certeza e da evidência de suas razões; mas não notava ainda seu verdadeiro emprego, e, pensando que serviam apenas às artes mecânicas, espantava-me de que, sendo seus fundamentos tão firmes e tão sólidos, não se tivesse edificado sobre eles nada de mais elevado. Tal como, ao contrário, eu comparava os escritos dos antigos pagãos que tratam dos costumes a palác palá c ios m uito uito soberbos sober bos e m a gníficos, e rigidos a penas pena s sobre a areia ar eia e sobre a lam a. Erguem muito alto as virtudes e apresentam-nas como as mais estimáveis de todas as coisas que existem no mundo, mas não ensinam bastante a conhecê-las, e amiúde o que cham am com um nome tão belo belo não é senão uma um a insensi insensibi bili lidade, dade, ou um orgulho, orgulho, ou um desespero, ou um parricídio. parricídio.
Vej a bem , é como c omo se eu e u titivesse vesse diante diante de m im duas visõ visões, es, uma ao lado da da outra: a prime prim e ira era er a a visão visã o de belos be los palácios, palá cios, tais com o a tua filosofia m oral, ora l, Sóc Sócra rates, tes, assentados a ssentados na areia, ou mesmo nas nuvens, em vez de no chão firme; e a segunda, a de uma única fundação verdadeiramente sólida e imóvel, o raciocínio matemático, como uma rocha imensa sobre a qual se tivessem construído apenas umas poucas e humildes choupanas. Não pude resistir a tal convite: combi com binar nar as duas imagens, ima gens, tra trans nsport portando ando os anti antigos palác palácio ioss para a nov novaa fundação fundaçã o ou, em outra outrass palavra pala vras, s, levando leva ndo a nova fundaç funda ç ão até a té os anti a ntigos gos palácios. palác ios. Era isso o que eu acreditava que tivesses tentado também, Sócrates, enquanto viveste e com as ferramentas de que dispunhas à época. SÓCRATES: Que “ferramentas” queres dizer? DESCARTES: Ora, o teu novo método, obviamente, que no teu tempo causara o mesmo tipo de revolução que o meu método causara na minha época, ainda que em nível mais primitivo. Nós dois buscamos construir alicerces mais certos e exatos por debaixo dos templos de sabedoria que herdáramos de nossas culturas. Trocaste os alicerces do mito por aqueles da lógica, os da tradição pelos da razão, os da confiança na autoridade por aqueles da prova. E eu transformei a lógica, a razão e mesmo a prova em algo mais certo e mais exato, por meio dessa pista que encontrei encontrei na m atemáti atem ática. ca. Perceba que ambos tomamos consciência de três coisas como ninguém mais em nossos resp re spec ecti tivos vos tempos tem pos:: da importância do conh c onhec ecime iment ntoo para a vida, vida, esp e spec ecial ialm m ente para par a nossa nossa vida vida moral; da importância da ciência para o conhecimento; e da importância do método para a ciência. Estás Estás de acordo ac ordo com essas trê trêss teses, teses, não est e stá? á? Decerto Dece rto ensinast ensinastee a primei prime ira delas, a importância do conhecim conhecimento ento para a vida, vida, em especial para a vida vida moral, m oral, não não ensinast ensinaste? e? SÓCRATES: SÓCRATES: Ensinei. Ensine i. DESCARTES: E alguns minutos atrás dizias considerar o método científico a mais importante descoberta na hist história ória da ciênci c iência. a. Então concordas no quão quão import im portante ante para a ciência c iência ele é. é. SÓCRATES: Concordo. DESCARTES: Concordas então com minha outra tese, sobre a importância da ciência para a filosofia? Pois se concordas, então é apenas um pequeno passo para concordares também com o uso do método científico em filosofia. SÓCRATES: Eu não sei se o método científico poderá ser usado ou não em filosofia – e não o saberei até ter investigado tua tentativa de fazê-lo. Talvez funcione, talvez não. Talvez o teu novo me u novo método de pensar método salve a filosofia, ou talvez a destrua, assim como o meu logicamente destruiu a credibilidade dos antigos mitos. Com efeito, era exatamente isto o que o teu compatriota Augusto Comte ensinou, três séculos depois de ti: que na minha época a filosofia substituíra-se à religião, em vez de salvá-la (ele identificava toda a religião com o mito); e que na tua a ciência substituíra-se à filosofia, em vez de salvá-la. Por ser ateu, ele saudou essas duas mortes com entusiasmo, mas houve quem as lamentasse, e houve também quem duvidasse que qualquer dos pacientes houvesse morrido. DESCARTES: Qual é a tua opinião sobre isso tudo, Sócrates? SÓCRATES: Penso que talvez estejas certo, talvez errado. Talvez a filosofia necessite de um método tão distinto das ciências naturais quanto do mito. É uma das coisas que tentaremos descobrir descobrir ao a o avaliar avaliarm m os teu teu experime e xperiment ntoo mental m ental:: pode pode a filos filosofi ofiaa ser prati pra tica cada, da, com o procuraste
fazer, pelo método científico, ou não? DESCARTES: O sabor do pudim se descobre comendo. Descobriremos o quão palatável minha filos filosofi ofiaa é quando a exam e xamin inarm arm os. os. Até agora, tem os examin exam inado ado apenas ape nas os seus seus preâm preâ m bulos bulos.. SÓCRATES: Começas a te impacientar? DESCARTES: Não. E isto me surpreende. Durante minha vida terrena, a impaciência era vício que freqüentemente descobria em mim mesmo. Mas aqui parece impossível impacientar-se. O próprio própr io te te m po pare par e c e dife dif e rente re nte aqui. a qui. SÓCRATES: Talvez seja apenas tua atitude em face dele que se tenha tornado diferente. DESC DESCARTES: ARTES: Sabe Sabess que Agostinho Agostinho duvid duvidava ava que o tem po fosse alg a lgoo em e m si mesm me smo, o, indepe independente ndente de cer c ertta atitu atitude de m ental ou ou de uma um a m ente que o m edisse. edisse. É o tem tem po obj obj etivo, etivo, subje subjeti tivo vo ou ou am bos? bos? SÓCRATES: É força resistirmos à tentação de explorar esta estrada secundária. Haverá tempo bastante basta nte para par a isso isso m ais tarde. tar de. De volta volta a o teu livro, livro, à defe def e sa de dele le e à s tuas três trê s teses tese s – da importância do método para a ciência, da ciência para o conhecimento e do conhecimento para a vida. vida. Concordo Concordo com a primeira prim eira e com a última última,, mas m as questio questiono no a do meio me io.. DESCARTES: Por que não concordas com ela? SÓCRATES: Eu não disse que não concordava. Disse que a questionava, a fim de saber se concordo ou dis discordo. cordo. E acho ac ho que que é precis prec isoo concordar com ela em e m um pon ponto to,, pelo menos me nos.. Pois a ciência – no sentido amplo em que nós, antigos, a compreendíamos – consiste em dar boas razões, de forma a transformar a mera crença ou opinião em conhecimento. Pois bem, talvez o teu método matemático seja a melhor maneira de se fazer isso, talvez não. Talvez o meu raciocí ra ciocíni nioo não-matem não-m atem ático ático possa possa fazer m ais do que que o teu rac r acio iocíni cínioo matem m atem ático, ático, talvez talvez não. não. Mas de qualquer forma, o método continua sendo importante para a ciência e a ciência continua sendo importante para o conhecimento. E tua terceira tese, de que o conhecimento é importante para par a a vida huma hum a na, é , por forç for ç a , verda ver dade, de, visto visto que nã nãoo há nada de espec espe c ificam ifica m ente huma hum a no que não esteja estej a acompa ac ompanhado nhado dele. dele. Talvez Talvez o conhecimento conhecim ento não não sej a por si só suficie suficiente nte para uma vida moral, como pensei que fosse, mas é certamente necessário. E isso é verdade seja o conhecimento apenas um meio para se obter um fim maior, seja ele próprio a finalidade mais alta; seja o bem que ele traz um auxílio à vida, uma utilidade, como vós, modernos, tendes por hábito crer, seja ele um grande bem em si mesmo, como nós, antigos, costumávamos pensar. DESC DESCARTES ARTES:: Mas Mas ist isto certam ce rtamente ente faz fa z uma um a enorme enorm e dife difere rença! nça! SÓCRATES: Por certo que faz. De fato, faz uma diferença absoluta, pois é a questão acerca do ummum bonum , do Bem Supremo, da finalidade e do propósito últimos da vida humana. Estávam Estávam os nós, nós, antig antigos os,, cert cer tos ao crer cre r que o bem m aior é a conformaç conform ação ão de nossos nossos pensamento pensam entoss e ações aç ões à reali re alidade dade objeti obj etiva va por m eio da sabedoria e da virtude? virtude? Ou estais estais vós, vós, modernos, cert cer tos, os, ao crer que o bem maior é a conformação da realidade objetiva aos nossos pensamentos e desejos por meio da tecnologia? O conhecimento serve à verdade, como disse Aristóteles, ou ao poder, poder , com o disse disse Bacon? Bac on? Que Q ue poderia poder ia faz fa ze r m a is difere dife rença nça do que isto? isto? Mas Ma s am bos os lados concordam em que o conhecimento é primordialmente necessário, seja como um fim em si mesmo, seja como um meio de se alcançar a sabedoria e a virtude, seja como uma maneira de desenvolv desenvolver er a ciência e a tecnol tec nologi ogia. a. Mas a questão questão que desej o levantar levantar agora a gora não é se vós, vós, modernos m odernos,, estais estais certos acerca ace rca do esta questão questão é dem de m asiado asiado profunda profunda para nossa nossa capacidade ca pacidade agora – mas m as se nós nós ummum bonum bonum – esta todos, filósofos antigos e modernos, estamos certos ou errados acerca do primado do
conhecimento. DESCARTES: Estás sugerindo que o conhecimento seja talvez menos importante do que pensam pensa m os? Esto E stouu abisma abism a do com te ouvir dizer dizer isso, isso, Sócra ócr a tes, tu, entre todos os homens. Como pode tal ta l coisa? SÓCRATES: Bem, é apenas um talvez, mas um talvez que não podemos deixar passar sem exam e se quiser quiserm m os obedec obedecer er à primeira prim eira regra r egra do teu teu m étodo: étodo: nada press pre ssupo uporr e tudo tudo duvi duvidar. dar. DESC DESCARTES: ARTES: Podes Pode s exam exa m inar inar,, então. Mas qual qua l seria a alternati alterna tiva va possível? possível? SÓCRATES: Talvez aquilo em que acreditava a maioria dos filósofos da Idade Média, fossem cristãos, judeus ou muçulmanos. A maior parte deles diria, em primeiro lugar, que o conhecimento conhecim ento não é tão import im portante ante quanto quanto a caridade ; e, em segundo lugar, que o conhecimento que vem através da ciência não é tão importante, ou mesmo tão certo, quanto aquele que vem pela fé , se de fato há uma revelação divina, um conhecimento transmitido por um Deus que não pode enganar enga nar nem ser enganado. enga nado. E diria, e m terc ter c e iro lugar, lugar , que o c onhecim onhec imento ento não é tão importante quanto a sabedoria, e que a ciência não é tão importante quanto a filosofia; ainda, em quarto lugar, diria que a certeza no conhecimento não é tão necessária quanto dizes ser. DESCARTES: Então, de certo modo, eles rebaixaram o conhecimento que eu exaltei. SÓCRATES: Somente em relação àquilo que eles afirmam ser o bem maior. Mas também exaltar exaltaram am o conheciment conhecime ntoo que que tu rebaixaste. rebaixaste. DESCARTES: Quê? Como pode ser, se rebaixaram o que eu exaltei? SÓCRATES: Porque dizem que o conhecimento é mais importante do que acreditas. Tu o procura proc urass com a finali fina lidade dade de conquistar a na nature turezza por m e io da ciência ciê ncia e da tecnologi tec nologia. a. Eles diriam que o conhecimento é um fim em si mesmo; que aperfeiçoar a alma por meio da sabedoria teórica, e aperfeiçoar a vida por meio da sabedoria prática é mais importante do que aperfe aper feiçoar içoar o mund m undoo material ma terial por meio me io da tecnologi tecnologia. a. DESCARTES: Como disseste, Sócrates, essas questões são demasiado profundas. Mas eu achava que estávamos examinando meu humilde livrinho, o qual não levanta essas questões, mas somente a questão do meu novo método para obter conhecimento; é sobre os meios do conhecimento, e não sobre seus fins. SÓCRATES ÓCRATES:: Tens Tens razão, r azão, já j á vam os voltar voltar ao teu texto. Mas Mas ness ne ssee longo longo desvio não nos afastam af astam os do tema. Eu o situei em um contexto histórico mais amplo; inseri a tua sugestão tática no contexto de uma “grande estratégia”, por assim dizer. DESCARTES: Não me gabo de nenhuma grande estratégia, ao contrário do que pensas, Sócrates. Sou apenas um cientista com um novo método, um novo instrumento, um novo Organon, para além do velho velho Organon aristotélico, como o era Francis Bacon. SÓCRATES: Voltemos nossa atenção, portanto, a esse novo instrumento. Podemos começar compara com parando ndo-o -o com o antig antigo? o? DESCARTES: Por favor. SÓCRATES: Tu e Bacon pareceis ter cada um isolado uma parte do velho instrumento de Aristóteles: ficaste com a parte dedutiva e puramente racional e Bacon ficou com a parte indutiva e sensorial. Assim que, os dois séculos de filosofia que se seguiram a vós foram dominados pela questão da epistemologia, a ciência filosófica do conhecimento, e em especial
pela busca da certe ce rtezza e do m é todo a propriado propr iado para par a obtê-la, obtê- la, dividindo dividindo os filósofos em duas escolas, conhecidas como Empirismo e Racionalismo. (Por alguma razão, todos os empiristas mais importantes foram britânicos, ao passo que os racionalistas mais importantes foram todos continentais.) DESC DESCARTES: ARTES: E tu, tu, Sócr Sócrates, ates, toma ste, ste, nest ne stee debate, de bate, o m esm o parti par tido do que eu: e u: foste foste racionali ra cionalist sta. a. SÓCRATES: Não, não inteiramente. Isso é um erro, e um erro comum. Aristóteles me compreendeu melhor: ele percebeu que eu também inventara o raciocínio indutivo, cujo ponto de partida partida é em e m pírico. pírico. DESC DESCARTES ARTES:: Mas Mas nunca nunca foste foste em e m piris pirista! ta! O em e m piris pirista ta é como c omo um verm e, rast ra stej ej ando cegam cega m ente pelo chão. c hão. SÓCRATES: Sim, mas não é o puro racionalista como uma nuvem, que não toca o chão de forma alguma? Não é mais completo e mais humano ser como uma árvore, com as raízes na terra e os galhos erguidos aos céus? DESCARTES: Estás substituindo argumentos por imagens, Sócrates. Analogias não são argumentos. SÓCRATES ÓCRATES:: Concordo. Concordo. Mas as a s imagens, ima gens, com c omoo os sentidos, sentidos, nos nos most m ostra ram m algo. DESCARTES: Essa tua imagem da árvore, o que mostra para mim é que temos sido como pássaros, pássa ros, voando voa ndo por sobre a árvore ár vore da m inha fil f ilosofia, osofia, para pa ra obterm obter m os dela uma um a visão gera ge ral,l, ma mas até agora não pousamos em seus galhos. Podemos então voltar aos galhos do texto, por favor? SÓCRATES: É exatamente isso o que devemos fazer. DESC DESCARTES: ARTES: Tu só falas, fa las, mas m as não nã o faz fa zes! SÓCRATES: Tua censura é justa. Vejamos – chegáramos àquele trecho em que falas do que absorveste absorveste da sabedori sabe doriaa filos filosófi ófica ca e teológi teológica ca que te fora f ora legada pela tradição m edieval. Diz Dizes: (DM 1, par. 11) Eu revere reve renciava nciava nossa nossa teologi teologia, a, e pretendia, pretendia, como c omo outro qualqu qualquer er,, ganhar o céu; c éu; mas, m as, tendo aprendido como coisa muito segura que o caminho para lá não está menos aberto aos mais ignorantes do que aos mais doutos, e que as verdades reveladas, que conduzem a ele, estão acima de nossa inteligência, eu não ousaria submetê-las à fraqueza de meus raciocínios, e pensava que, para empreender examiná-las e ser bem sucedido, suce dido, era er a prec pre c iso contar c om alguma algum a a ssistênc ssistência ia extra e xtraordiná ordinária ria do cé c é u, e ser m ais do que que hom hom em . Esta passagem me intriga por vários motivos. Pri Pr im eiro, falas com o se já j á tivesses ivesses alcançado alcança do a cer c ertez teza, a, quando diz dizes “tendo aprendido aprendido como com o coisa coisa m uit uito segura”. Se “c erteza” erteza” é aquilo aquilo que que buscas, por por que afirm a firmas as que já j á a possu possuis is?? Segund egundo, o, diz dizes ter aprendi apre ndido do que que “o cam c am inho par paraa lá não est e stáá m enos aberto aos m ais ignorantes do que aos mais doutos”. Foi isso o que te ens e nsiinaram nara m os melh me lhores ores professores de teologia na melhor escola do mundo? – que, no que tange essa disciplina, o saber vale pouco mais do que a ignorância, e que conhecer as verdades reveladas por Deus e bem compreendê-las não aument aum entaa em e m nada as noss nossas as chances de irmos para para o céu? Terceiro, Terc eiro, diz dizes ter aprendi a prendido do “que as verdades ver dades reveladas, re veladas, que que condu conduzzem a ele, estão
acima de nossa inteligência”. Se foi isso o que aprendeste com os teólogos jesuítas, então sua doutri dou trina na era er a de que a própria própria ci c iência da teologi teologiaa a que se dedica dedicavam vam era er a imprati im praticá cável! vel! Pois teologia é “fé em busca de entendimento”. Nenhum desses teólogos era capaz de distinguir entre as verdades sobre sobre Deus e compreendê-las? O segundo, como com o diss disseste, este, é de fato f ato apreender as inac inacessí essível vel ao homem home m , mas m as o primeiro, prime iro, de acordo a cordo com o que que diz dizem vossas vossas Escr Escrit ituras, uras, não só é possíve possívell com o nece nec e ssário ssár io para par a a salvaçã salvaç ã o (ac (a c ho que está e stá em e m He Hebre breus us 11,6. Podes Pode s verifica ver ificar) r).. Quarto, diz dizes, “eu “e u não ousaria ousaria subme submettê-las ê- las à fraqueza f raqueza de m eus raciocín ra ciocínio ios”. s”. Eu me me pergunto per gunto por que ra r a zão tua humil hum ildade dade lim lim ita ita -se tão some som e nte à teologia, visto visto que em e m todas as as outra outrass ciências afirmas afirm as possu possuiir m ais conhec conheciim ento e certez ce rteza, a, e não menos. m enos. Quint Quinto, o, diz dizes que para par a ser bem suce sucedi dido do em teologi teologiaa “er “ eraa precis pre cisoo contar contar com algum algum a extraordinária extraordinária ass a ssis istência tência do céu, e ser m ais do do que homem home m ”. Então o que que m e dizes dizes das realiz re alizaç ações ões de Santo Agosti Agostinho, nho, a cuj o tratado Contra os Acadêmicos tom tom aste de em préstimo préstimo tua tua Proslogium tom refutação do ceticismo, “Penso, logo existo”? Ou de Santo Anselmo, a cujo Proslogium tom aste o argume ar gument ntoo ontol ontológi ógico co da exist existência de Deus De us?? Que, com c om efeit ef eito, o, tens tens a diz dizer acer ac erca ca de todos os outros outros teólogos teólogos da histo historia ria do Crist Cristianis ianism m o? Afirm as que eles ele s não fora f oram m bem sucedidos, sucedidos, ou que tivera tiveram m algum algum a ext e xtraordinária raordinária assist assistência ência do céu cé u e eram er am m ais do que que homens home ns?? Falharam ou eram er am deuses? Se falhara f alharam m , porque porque te serviste serviste deles? Se era e ram m deuses, como com o poderia poderia ser que não reconhece re conhecess ssem em a si m esmos esm os como com o tais? tais? – pois pois todo todoss diss disser eram am que não eram deuses, e que sua teologia não vinha vinha de nenhum nenhum a “extraordi “ extraordinária nária assist assistência ência do céu”, céu” , mas m as que usavam usavam a raz ra zão hum hu m ana para compreender com preender a revelação r evelação divi divina. na. E sexto, tua formação teológica foi assim tão pobre que chegaste a confundir teologia com religião? Pois “teologia” significa apenas “ciência de Deus”, e toda ciência é uma disciplina abstra abstrata ta e racion ra cional, al, quer quer tome suas suas prem issas issas da da fé e da revelaç r evelação ão divi divina, na, quer quer tome om e da raz r azão. ão. Mas “reli “re ligi gião” ão” é alg a lgoo concreto concre to e pess pe ssoal oal que que serve para ligar ligar um a pess pe ssoa oa com c om Deus. (O próprio próprio termo term o “reli “re ligi gião” ão” vem ve m de uma um a palavra em latim atim que signi significa fica “li “ ligaçã gação”.) o”.) A finalidade finalidade da reli re ligi gião ão é a salvaç salvação; ão; a finalidade finalidade da teologi teologiaa é a com c ompree preens nsão. ão. Não posso posso crer cr er que teus teus professore professoress fossem tão estúpido estúpidoss que confundissem confundissem as duas cois c oisas, as, ou que tu o sej sej as. Só Só posso posso concluir concluir que, que , não sendo se ndo possí possível vel que tu ou teus professo profe ssore ress fossem tamanhos tam anhos idiot idiotas, as, tu deves ter sido sido pouco honesto ao escrever esta passagem e confundiste as duas coisas de propósito. Pois este parágrafo não sob sobrevi revive ve ao exam e xamee m ais element elem entar. ar. DESCARTES: Meu livro não é sobre teologia, mas sobre filosofia, ciência e seus métodos. Se errei em teologia, quer por ignorância, quer intencionalmente, bem, então eu errei em teologia. Aceito o juízo das autoridades designadas por Deus para tanto. Mas pensei que o teu trabalho aqui, Sócrates, era somente examinar o livro de filosofia que de fato escrevi, e não o livro de teologia que não consegui escrever. SÓCRATES: Foste tu quem mencionou o assunto no teu livro, não eu. O que escreveste, escreveste, escr eveste, e tudo tudo o que que escreveste escr eveste eu e u questio questionare narei.i. DESCARTES: Então, se for preciso, retiro o que escrevi sobre a teologia– mas não o que escrevi sobre sobre a filos filosofia. ofia. Podem os exami exam inar este assunto, assunto, por favor? fa vor? SÓCRATES: Certamente. DESCARTES: Sócrates, precisas entender minha insatisfação com o triste estado da filosofia no m eu tem po. Escr Escrevi evi o seguint seguinte: e: (DM 1, par. 12)
Da filosofia nada direi, senão que, vendo que foi cultivada pelos mais excelsos espíritos que viveram desde muitos séculos e que, no entanto, nela não se encontra ainda uma só coisa sobre a qual não se dispute [ dispute ], e por conseguinte que não seja sej a duv duvid idos osaa [ douteuse ], eu não alimentava qualquer presunção de acertar melhor do que os outros. SÓCRATES ÓCRATES:: “... nela não nã o se encontra e ncontra um a só coisa coisa sobre a qual não se disput dispute, e, e por cons c onseguint eguintee que não sej a duv duvid idos osa” a” – reconhece re conhecess o pressupos pressupostto que est e stáá por trás desse desse argume ar gument nto? o? DESCARTES: É claro: que tudo que está em disputa é duvidoso. SÓCRATES ÓCRATES:: E estavas à procura procur a de algo que não foss f ossee duvidos duvidoso, o, certo? ce rto? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: Algo como 2 + 2 = 4? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: Digamos que eu argumentasse que 2 + 2 não são quatro. Isso tornaria o cálculo duvidoso? DESCARTES: Sim, se admitirmos que tudo aquilo que está em disputa é duvidoso. SÓCRATES: Assim só me resta concluir que tua busca pela certeza nunca obterá sucesso. DESCARTES: Por quê? SÓCRATES: Porque mesmo se vieres a encontrar uma verdade que seja em si mesma bastante certa, ela tornar-se-á duvidosa tão logo um único idiota a conteste. DESCARTES: Não, não, não foi isso o que eu quis dizer. Uma proposição certa não se torna tolo. incerta em si mesma só porque um tolo a contradisse. Ela se torna incerta somente para o tolo SÓCRATES: Então o pressuposto de que tudo aquilo que está em disputa é duvidoso não é verdadeiro. DESCARTES DESCARTES:: Creio que não. SÓCRATES: Então tua argumentação não tem valor algum, pois que depende de uma premissa falsa. DESC DESCARTES: ARTES: Então Então retiro r etiro esta argum a rgumentaç entação. ão. SÓCR ÓCRATES: ATES: Ent Então exi e xist stem em verdades verdade s cert cer tas m esmo esm o que que estejam estej am em discus discussão. são. DESC DESCARTES ARTES:: Si Sim , mas m as sem um m étodo étodo para tanto, tanto, como com o poder poderem em os saber saber quais quais são elas? SÓCRATES: Obviamente não poderemos, se com “método” queres dizer uma resposta à questão, “como poderemos conhecê-las?” Pois não há meio de conhecer sem um meio de conhecer. DESCARTES: Exatamente o que estou tentando dizer, Sócrates. Eu mesmo não teria expressado tão bem esse pensamento. SÓCRATES: Mas talvez existam outros métodos além do teu. DESCARTES: É claro que existem! Mas o meu fará o que nenhum outro foi capaz de fazer. SÓCRATES: ÓCRATES: Que é ...? DESC DESCARTES: ARTES: Acabar Aca bar com as discordâncias. discordânc ias. Foi Foi isso isso o que que o m étodo científico científico fez f ez e que nenhum
outro outro m étodo conseguiu. conseguiu. SÓCRATES: Vejo que este é o teu argumento central. Devemos, portanto, testá-lo; e conheço duas maneiras de fazê-lo. Uma é a crítica racional da tua argumentação, que é o que estamos fazendo agora. A outra seria observar, na história, se o teu método de fato cumpriu o que prom e tera, ter a, se os fil f ilósofos ósofos que o utiliz utiliza ram ra m c oncorda oncor dara ram m uns com c om os outros m a is do que aqueles aque les que utilizaram o meu método, ou o de Aristóteles, ou se concordaram menos; observar se por acaso, séculos mais tarde, o termo philosophi philosophia a perennis pere nnis, “a filosofia perene”, a filosofia perm per m a nente, nente , a filosofia que perm per m a nece nec e u e que ge gerou rou m ais c oncordâ oncor dância ncia,, seria ser ia a plica plicado do para par a designar a nova filosofia moderna que fundaste ou a antiga filosofia escolástica medieval que buscaste busca ste suplantar. suplantar . Mas não estam estam os aqui par paraa uma um a aul a ulaa de hist história; ória; estamos estam os aqui aqui par paraa um a liçã liçãoo sobre sobre como c omo analisar analisar o teu texto texto.. Resis Resisti tirei rei à tentaç tentação ão de pegar outra outra estrada secund sec undár ária, ia, e ret re tornarei ornare i a ele. e le. Tu mencionas m encionas a seguir seguir três fontes de conhecimento conhecim ento,, contando-no contando-noss como com o cam ca m inhast inhastee de uma para outra outra:: prime primeiiro, os liv livros ros e a tradiçã tradição, o, que que são frut f rutos os da da experiência e xperiência e dos pensamento pensam entoss de outros; depois a tua própria experiência do mundo, adquirida mediante as viagens que em preendest pree ndeste; e; e fin f inalm almente ente teus própri próprios os pensam pensamento entos, s, tua tua própria versão do “conh “c onhec ecee-te te a ti m esmo”, esm o”, reali re alizzados ao voltares-te voltares-te para par a o teu int interior: erior: (DM 1, par. 14) Eis Eis por por que, tão logo logo a idade m e perm pe rm itiu itiu sair sair da sujeiçã suj eiçãoo de m eus precepto prec eptore res, s, deixei deixei inteiram nteiram ente o est e studo udo das das letras. E, resolvendo-me resolvendo-me a não nã o mais m ais procura procurarr outra ciência, c iência, além daquela que se poderia achar em mim próprio, ou então no grande livro do mundo, empreguei o resto de minha mocidade em viajar... Mas, depois que empreguei alguns anos em estudar assim no livro do mundo, e em procurar adquirir alguma experiência, tomei um dia a resolução de estudar também a mim próprio. DESCARTES: Como tu o fizeste, Sócrates. Eu estava subindo a “linha dividida” de Platão, escapando para fora da caverna. c averna. SÓCRATES: Está na hora, portanto, de ver aonde esta subida te levou, ao começarmos a Segunda Parte do teu livro. DESCARTES: Tu pretendes deter-te em cada parte do livro tão longamente quanto o fizeste na prime prim e ira? ira ? SÓCRATES: Não. Estava apenas “preparando o terreno”, ou, para usar outra metáfora, agora quee no qu noss pusemos pusemos em m ov oviim ento, ento, já po podem demos os acelerar.
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A Razão do Novo Novo Método M étodo
SÓCRATES: ÓCRATES: Conti Continuem nuem os a leitura do teu livro: (DM 2, par. 1) Achava-me, Achava-m e, ent e ntão, ão, na Alemanha, Alem anha, para on onde de fora atraído atraído pela pela ocorrência ocorrência das guerra guerras, s, que ainda não findaram [ 1 ] e, quando retornava da coroação do imperador para o exército, o início do inverno me deteve num quartel, onde, não encontrando nenhuma freqüentação que me distraísse, e não tendo, além disso, por felicidade, quaisquer solicitudes ou paixões que me perturbassem, permanecia o dia inteiro fechado sozinho num quarto bem aquecido [ um símbolo perfeito para tua própria mente! ], onde disp dispunh unhaa de todo todo o vagar para m e ent e ntre reter ter com os m eus pensam pensam entos. entos. Entre eles, um dos primeiros foi que me lembrei de considerar que, amiúde, não há tanta perfeição nas obras compostas de várias peças, e feitas pela mão de diversos mestres, como naquelas em que um só trabalhou. Assim, vê-se que os edifícios empreendidos e concluídos por um só arquiteto costumam ser mais belos e m ais bem ordenados do que que aqueles que que m uito uitoss procura procurara ram m reform re form ar, ar , fazendo fazendo uso uso de velhas paredes construídas para outros fins. Assim, essas antigas cidades que, tendo sido no começo pequenos pequ enos burgos, tornaram-se, no correr do tempo, grandes centros, são ordinariamente tão mal compassadas, em comparação com essas praças regul re gulare ares, s, tra traça çadas das por por um engenheiro à sua fantasia fantasia numa num a planície. planície. Uma Um a imagem im agem apropriada para um novo tip tipoo de filos filosofia: ofia: uma um a nova espécie de cid c idade, ade, desprovida de acaso, tradição e mistério; um palácio de cristal feito de pura razão, todo constituído de linhas e ruas retas, projetado desde o princípio por um único homem, quase um segundo Adão. DESCARTES: Exatamente como teu discípulo Platão propôs na Repúbli Re pública ca . Ele percebeu que um estado j usto usto e rac r acio ional nal não não poderia advir advir de um a m udança gradual gra dual nos nos regi re gim m es tradicion tradicionais, ais, m as somente através de uma revolução súbita e total: quando um filósofo se tornasse rei, ou um rei, filósofo. Ele comparava isto com tingir tecido novo e branco ao invés de tecido velho e já tingido. SÓCRATES: Nos séculos que se seguiram à tua morte, isto é o que irá definir a França, em oposição à Inglaterra: revolução em nome da razão em vez de crescimento gradual dentro dos limites da tradição. E tornas evidente tua preferência pelo estilo francês quando escreves, no m esmo parágrafo: parágrafo: Assim, imaginei que os povos, que tendo sido outrora semi-selvagens e só pouco a pouco tendo-se tendo- se c ivili ivilizza do, não elabora ela borara ram m suas leis senão senã o à m e dida que a incomodi ncom odidade dade dos crime cr imess e das querelas a tanto tanto os compeli com peliuu [ 2 ] não ] não poderiam ser tão bem policia policiados dos c omo om o a queles quele s que, a c ome om e ç ar do m omento om ento em que se reunira re uniram m, observaram as constituições de algum prudente legislador.
DESCARTES: Sim, e devo lembrá-lo que a Igreja é governada à maneira francesa, não à be m ce c e rto que o estado e stado da ve rdadeira maneira inglesa, como mostro a seguir: “Tal como é bem religião, cujas ordenanças só Deus fez, deve ser incomparavelmente mais bem regulamentado do que todos os outros.”
SÓCRATES: Mais uma estrada secundária e mais uma tentação. Mas não vou discutir isso contigo agora. A História já deu seu veredicto sobre essas coisas. Mas, contin continuando uando,, resume s com cl c larez ar ezaa a fé na precedênc prec edência ia da razão sobre sobre a tradição com estas palavras, que valem quase que por uma fórmula: (DM 2, par. 1) E assim pensei que as ciências dos livros, ao menos aquelas cujas razões são apenas prováve prová veis is e que não a presenta pre sentam m quaisquer de dem m onstra onstraçõe ções, s, pois se c ompuser om puseram am e avolumaram pouco a pouco com opiniões de mui diversas pessoas, não se acham, de modo algum, tão próximas da verdade quanto os raciocínios que um homem de bom senso pode efetuar normalmente com respeito às coisas que se apresentam. ( les simples simples raisonnem raisonnemee nts que peut faire faire nature nature llem llement ent um homme de bom sens touchent touche nt ). les choses qui se se présentent ).
DESCARTES: Tenho certeza de que minha fé na razão e no homem comum, em vez de na autoridade dos ditos especialistas, faz vibrar em ti uma corda, Sócrates. SÓCRATES: Ah, e faz. Agrada-me sobretudo a tua descrição da história da filosofia, quando dizes “mas, tendo aprendido, desde o colégio, que nada se poderia imaginar tão estranho e tão pouco c rível ríve l que a lguns dos filósofos j á não houvesse dito”, dito”, frase fr ase que personi per sonific ficaa a filosofia que veio depois de ti, muito mais do que a que veio antes. Como dizem alguns, de certa idéia notoriamente absurda, “só um filósofo poderia acreditar nisso”. Quanto à tua prefe rência rê ncia pelo homem home m comum com um aos “especialist “especialistas”, as”, ist isto tam tam bém compartilho contigo. E é por isso que me surpreendo com o que dizes a seguir, pois pareces contra contradi dizzer exatam ente o que que havi ha vias as dito dito anteriorm anteriorm ente, solapando solapando a raz r azão ão m esma esm a de escrever escr everes es este livro: (DM 2, par. 3) Eis por que não poderia de forma alguma aprovar esses temperamentos perturbadores e inquietos que, não sendo chamados, nem pelo nascimento nem pela fortuna, ao manejo dos negócios públicos, não deixam de neles praticar sempre, em idéia, e ssa a palavra mais perigo pe rigosa sa no teu te u tempo, te mpo, não era? e ra? ] E se alguma nova reforma [ Era essa eu pensasse haver neste escrito a menor coisa que pudesse tornar-me suspeito de tal loucura, ficaria muito pesaroso de ter aceito publicá-lo. Nunca o meu intento foi além de procurar reformar meus próprios pensamentos, e construir num terreno que é todo meu. De modo que, se tendo minha obra me agradado bastante, eu vos mostro o seu m odelo, odelo, nem por isso isso quero quero aconsel a conselhar har alguém alguém a imit im itáá-lo lo.. Só tenho uma pergunta a respeito deste trecho: estavas falando a sério? DESCARTES DESCARTES:: Que estás está s insinuando? insinuando? SÓCRATES: Que tua intenção era que este parágrafo fosse levado a sério apenas pelos teus inimigos, não pelos teus amigos. Que não lhe davas importância, nem acreditavas nele, mas que
o escreveste apenas para despistar teus adversários. Que foi um osso que jogaste aos cães da Inquisição. Inquisição. Não N ão é isso? isso? DESC DESCARTES ARTES:: E como com o achas ac has que que eu resp re spond onder eria ia a essa pergunta pergunta se pensasse pensasse que, em vez de m eu am igo, igo, fosses talvez talvez meu me u inimigo? inimigo? SÓCRATES: Agora duvidas de minha identidade? DESCARTES: Estou pensando duas vezes, ao lembrar-me de como brincaste com teus inimigos em Atenas. Atenas. SÓCRATES: Se sou o verdadeiro Sócrates, não tens razão para temer, mesmo se eu estiver brinca brinc a ndo; já se eu e u fosse um agente age nte da Inquisição, Inquisiçã o, eu não nã o estaria e staria brincando. brinc ando. DESCARTES: Ah, mas este é justamente o tipo de argumento manhoso que Sócrates usaria. SÓCRATES: SÓCRATES: Mas Ma s não os cães da Inquisição. Então, consegui te convencer de que eu sou eu? DESCARTES: Vamos dizer que sim. SÓCRATES: Em outras palavras, não consegui. Pois se tivesse conseguido, tu não estarias ogando este joguinho de “vamos dizer que sim” comigo. DESCARTES: Sócrates, serei sincero contigo, já que este lugar parece me impelir à sinceridade. Escrevi tal passagem por que não queria acabar da mesma maneira que tu. Ser mártir não é vocação vocaç ão de todo todo mundo. SÓCRATES: É verdade. Mas morrer é é vocação de todo mundo. E com freqüência está em nossas m ãos decidi decidirr como com o irem irem os m orrer. DESCARTES: Que estás sugerindo? SÓCRATES ÓCRATES:: Dizes Dizes est e star ar contente de não teres ter es term ter m inado teus teus dias com o eu. Mas Ma s eu est e stou ou feli fe lizz de não ter term inado inado os meus me us dias dias como com o tu. tu. DESCARTES: Que raios queres dizer com isso? SÓCRATES: Tu morreste em função das exigências irracionais de um tirano, pois a Rainha da Suécia te fazia levantar tão cedo para ensiná-la, que pegaste pneumonia e morreste – como Bacon, ac on, que morreu m orreu por faz fa zer experimento experim entoss com ref r efrigeraç rigeração, ão, enchendo de gelo uma galinha. galinha. Foi Foi essa morte m orte melho m elhorr do que que a m inha, inha, ou pio pior? r? DESC DESCARTES: ARTES: Tenho Tenho a sensação sensaç ão de estar sendo insult insultado. ado. Quer Q ueres es inj inj uriar m inha inha vida, vida, insul insultando tando m inh nhaa m orte? orte? SÓCRATES: De forma alguma. Meu propósito não é te insultar, mas apenas te pedir para que, comparando com parando minha minha mort m ortee com c om a tua, te te compare c omparess a ti m esmo comig c omigo. o. DESC DESCARTES ARTES:: Não era er a m inha inha vocaçã voca çãoo morre m orrerr nas m ãos do Estado Estado.. SÓCRATES: Nem a minha. Mas ambos morremos nas mãos dele, se bem que de maneiras diferentes. DESC DESCARTES ARTES:: Nem era er a m inha inha vocaçã voca çãoo entrar para a políti política ca.. SÓCRATES: Tampouco era a minha. Como deixei claro em minha Defesa De fesa, fui chamado a filos filosofar ofar por um deus, e por est e stee m esmo esm o deus fui proi proibi bido do de m e dedica dedicarr à polít polítiica. ca . DESCARTES: Mesmo assim, é sobre política o parágrafo que pões em dúvida. E o que escrevi ali sobre não ter nenhuma reforma política em mente não foi insincero. Como disse, minha única reform a é a das idéi idéias. as.
SÓCRATES ÓCRATES:: Mas as idéias têm conseqüências. conseqüê ncias. DESCARTES: DESCARTES: Sim Sim ... SÓCRATES: E algumas delas são políticas. DESCARTES: Tu mais m ais do que que os outros deve deverias rias saber sabe r disso, disso, Sócr Sócrates! ates! SÓCRATES: Eu não estava pensando nas más conseqüências das minhas idéias, isto é, no meu ulgam ulgamento ento e execuç e xecução, ão, os quais quais não desej ava. Estava Estava pensando pensando nas boas conseqüências conseqüências das tuas tuas idéias. idéias. Elas Elas foram fora m planej planej adas? DESC DESCARTES: ARTES: Quanto à ciência, ciênc ia, sem dúvida. dúvida. SÓCRATES: Não, eu quero dizer quanto à política. DESC DESCARTES: ARTES: Que boas boa s conseqüências conseqüênc ias polít políticas icas tens em e m m ente? SÓCRATES: Uma conseqüência verdadeiramente radical: a abolição de um dos em preendi pree ndim m entos entos mais ma is queridos queridos da humani huma nidade, dade, e tam bém dos m ais irra irracion cionais. ais. DESCARTES: A guerra, queres dizer? SÓCRATES: Exatamente. Não é ela uma das constantes da história humana? DESCARTES: É. SÓCRATES: E também uma das mais irracionais? DESCARTES: Muitos discordariam desse julgamento, mas eu não. Veja só como se a justifica: “Nossas nações têm opiniões diferentes. Visto que somos animais racionais, podemos resolver essas diferenças ou com a razão humana, ou com nossa animalidade, ou por meio de ambos. este caso ca so,, podere poderem m os ou colocar colocar a ani a nim m alidade alidade a serviço serviço da rac r acio ionali nalidade, dade, ou a racion ra cionali alidade dade a serviço da animalidade. Sendo assim, façamos isto, e não aquilo. Utilizemos a razão para inventar armas ainda mais poderosas a fim de satisfazer nossa gana animal de matar. Lidemos com as diferenças do espírito por meio de nossos corpos. Resolvamos nossos problemas matando uns aos outros”. outros”. Que invenção invenção altam altam ente racio rac ional nal é a guerra! guerr a! SÓCRATES: Admiro o teu raciocínio, René, bem como tua veia satírica. Eu também prefiro “vam os raciocin ra ciocinar ar j untos untos”” a “vam os trucidar trucidar um ao outro.” outro.” E penso que que j ulgas ulgas ter ter descoberto, se é que interpreto o teu texto corretamente, um meio para o nobre fim de abolir a guerra, o qual nunca antes se encontrara. E penso que esse é o subtexto do teu livro, cujo sentido, tão radical, tiveste de deixar, por assim dizer, nas “entrelinhas”. DESC DESCARTES: ARTES: DigaDiga-m m e o que vês vê s nas ent e ntre reli linhas, nhas, Sócr Sócrates. ates. SÓCRATES: Tu esperavas abolir a guerra, mediante a descoberta e extinção de sua raiz ; pois remover a causa é remover o efeito. Tinhas consciência, no entanto, de que a guerra é resultado de uma longa e complexa cadeia causal, por isso buscaste o primeiro elo desta cadeia, e o encontraste no pensamento, nas idéias, nas disputas a respeito do que é bom e do que é mal, do que é j usto usto e do que é injus nj usto to,, do que que é verdadeiro verdade iro e do que que é fals fa lso. o. Em outra outrass palavra palavras, s, a origem origem da guerra guerr a está nas dife diferenç renças as de opinião. opinião. DESC DESCARTES: ARTES: Teus Te us olhos olhos enxerga e nxergam m longe, longe, Sócrates. ócr ates. SÓCRATES: Mas isso não exigiu visão muito aguçada da tua parte. Enxergar tal coisa é fácil, e não muito original. Original foi o teu próximo passo. Tu procuraste a origem das diferenças de opinião e a encontraste nos diferentes métodos de pensamento pensam ento.. E se eles são a causa, c ausa, são tam tam bém a cura. c ura. É por isso isso que que advogas o uso uso de um único único
m étodo, étodo, “o” métod m étodo. o. Teu méto mé todo do é essencialment essencialme ntee o m étodo étodo científi científico, co, e apl a plicado icado à m ais importante das ciências, isto é, à filosofia, poria fim às diferenças de opinião, terminando desse m odo com as guerras. guerr as. Pois as guerras guerra s mais m ais feroz fer ozes es deriv der ivam am de fil f ilos osofias ofias de vida, vida, filos filosofias ofias religiosas, filosofias éticas e filosofias políticas divergentes. Mé todo não passa de um a plataform a polít DESCARTES: Então o Discurso do Método política radical r adical – é ess e ssaa a tua conclusão? SÓCRATES ÓCRATES:: Tu não o adm a dmit itis iste te quando falam f alam os desse ass a ssunt untoo anterio anter iorm rm ente? DESCARTES: Admiti. Pois confio em ti. Assim, se na verdade és um inquisidor disfarçado de filós filósofo, ofo, agora tens evidência evidência suficient suficientee para m e condenar. SÓCRATES ÓCRATES:: Eu te te garanto, gar anto, não fazem f azemos os esse tipo tipo de coisa por a qui. qui. DESCARTES: Então falarei com franqueza, Sócrates; esta era minha grande esperança: que a conquista da paixão pela razão, que de maneira tão bela personificaste durante a tua vida, fosse reali re alizzada na vida vida com um do homem home m comum, com um, no mund m undoo int inteiro. eiro. SÓCRATES: Foi essa também a grande esperança daqueles pensadores que por dois séculos seguiram teu exemplo, a cujo movimento chamaram “Iluminismo”, a fuga da caverna da escuridão para o mundo da luz, da luz da razão. DESCARTES: Estou encantado. Enxergas mesmo longe: tu vês minha esperança, meu coração. Podes me dizer, portanto, se o meu método trouxe de fato a paz universal ao mundo? SÓCRATES: Posso. Mas não o farei enquanto não terminares de me explicar o teu livro. Pois não quero que o interpretes à luz da história futura, a qual não conhecias quando o escreveste. E se não me lembrares de fazer isso quando terminarmos, provavelmente o esquecerei compl com pletame etament nte. e. Poi P oiss mi m inh nhaa dist distraç ração ão perm anece comi com igo mesmo me smo aqu a quii nest neste m un undo do.. Parec Pa recee qu quee é uma característica que Deus estima ao invés de lamentar. 1 Descartes Desca rtes refer ref eree-se se à Guerra Gue rra dos Trinta Trinta Anos (1618-1648 (1618-1648), ), a m ais sangrenta sangrenta guerra da histó história ria até então. Em alguns principados, ela matou um terço da população, sem contar os soldados. Foi um conflito conflito reli re ligi gioso oso que pôs protestantes protestantes cont c ontra ra catól ca tólicos. icos. 2 É esta a tradição inglesa do “common-law”, e também o procedimento da Igreja para lidar com as heresias heresias à m edida edida em qu quee est e stas as surgem surgem..
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A Quem Que m se Desti De stina na o Novo Novo Mé M é todo?
SÓCRATES: O parágrafo seguinte contradiz de maneira tão aberrante o que escreveste no início do livro que não posso deixar de pensar que foi intencional, uma espécie de código que só os teus discípul discípulos os seriam capazes ca pazes de ler, ler , mas m as não nã o os teus teus inim inim igos. igos. Aqui escre esc reves ves dois textos textos sobre sobrepost postos, os, como uma fotografia em dupla exposição – ah, desculpa, esqueci que viveste antes deste invento – digamos, digam os, e ntão, com o um pa pali lim m psesto: um texto, escrito esc rito c om tinta tinta visível, visível, é para par a os c ã es; o outro, escrito com tinta invisível, é para os discípulos. DESCARTES: Dou-te os parabéns, novamente, Sócrates, por tua percepção. E agora tenho certeza de que pertences à classe dos discípulos, e não à dos cães. Pois os cães não são inteligentes o bastante para perceber a contradição, e ficam, por conseguinte, roendo alegremente os ossos que lhes deixo, ao invés de roerem os meus. Mas os discípulos encontrarão a pista, pois, na passagem que estás perscrutando, tive o cuidado de contradizer não só o espírito, mas também a letra do meu argumento fundamental, que está logo na primeira sentença do livro. SÓCRATES: Um artifício bastante perigoso, não concordas? Não poderias ter usado um disfarce m enos evidente? evidente? DESCARTES: Tu dás muito valor à inteligência dos cães, Sócrates. Eles roeram teus ossos até a m orte, orte, afinal a final;; mas ma s não roeram roera m os meus me us.. Meu código código funcion funcionou. ou. SÓCRATES: Bem, aqui está. Vamos chamá-la “o osso”: (DM 2, par. 3) A simples resolução de se desfazer de todas as opiniões a que se deu antes crédito [tu te refe re feres res aqui a qui ao primeiro prime iro e m ais im im portante portante passo do teu teu m étodo: étodo: a dúvida dúvida m etódica etódica universal], universal], não é um exem plo plo que que cada c ada qual deva deva seguir; seguir; e o mund m undoo compõe-se com põe-se quase tão somente de duas espécies de espíritos, aos quais ele não convém de modo algum. A saber, (1) daqueles que, crendo-se mais hábeis do que são, não podem impedir-se de precipitar seus juízos, nem ter suficiente paciência para conduzir por ordem todos os seus pensamentos... (2) Depois, daqueles que, tendo bastante razão, ou modéstia, para par a j ulgar que são m e nos capazes ca pazes de disti distinguir nguir o ve verda rdade deiro iro do falso fa lso do que a lguns outros, pelos quais podem ser instruídos, devem antes contentar-se em seguir as opini opiniões ões dess de sses es outros, do que que procurar procur ar por si próprios próprios outra outrass melhore m elhores. s. Na primeir prim eiraa sentença sente nça do teu livro livro decla de clara raste ste que a raz ra zão (a ( a qual qua l identifica identifica ste com c om o senso comum ou “bom senso”, e com “a capacidade de distinguir o verdadeiro do falso”) era comum a todos todos e a m esma esm a para pa ra todos todos.. Mas aqui diz dizes que alg a lguns uns homens home ns têm têm m enos dessa dessa capacidade ca pacidade do que outros. Tam bém declarast declara ste, e, na primei prime ira sentença sentença do teu teu livro, livro, que que os homens home ns estão estão todos todos satisfeitos com o tanto de “bom senso” que possuem e que “não é verossímil que todos se
enganem nesse nesse pon pontto.” Portant P ortanto, o, conforme conform e o prim prim eiro parágraf pará grafoo do liv livro, ro, a segunda classe de pessoas pessoa s descrita desc rita no “osso” “ osso” simplesm sim plesmee nte não nã o existe: ou sej a , aqueles aque les que “tendo “ tendo bastante ba stante ra r a zã o ou modéstia modéstia para j ulgar ulgar que são menos capa c apazzes de disti distingui nguirr o verdade ver dadeiro iro do fals fa lsoo do que outros”. Esta Esta é a minha postura. Portanto, visto que esta classe de pessoas inclui a mim, e já que, segundo afirma af irmas, s, ela ela não exi e xist ste, e, ent e ntão ão est e stás ás diz dizendo a m im m esmo esm o que que eu e u não exist existo. o. Quem é ess e ssee que vos fala fa la agora, agora , então? É fascin fa scinante ante dialogar dialogar com c om os mortos, mortos, mas m as qual o sentid sentidoo de conv c onver ersar sar com c om aqueles que nem m esmo esm o existem existem?? Mais tarde, m ediante ediante o teu fam oso oso “penso, logo logo exist existo”, o”, irás provar prova r a tua própria pr ópria existência, existênc ia, m as aqui a qui negas nega s a m inha. DESCARTES: Estás brincando ou estás falando a sério? SÓCRATES: Um homem não pode fazer os dois ao mesmo tempo? Entretanto, o que tenho de m ais sér sério io a dizer dizer é que parec par eces es escrever escr ever com o se se fos f osses ses duas duas pessoas. pessoas. O prim prim eiro parágrafo pará grafo soa moderno, igualitário e otimista quanto à razão humana e quanto à avaliação que cada um faz da sua própria capacidade; mas o “osso” é pré-moderno, aristocrático e pessimista tanto a respeito da capacidade racional da maioria dos homens quanto a respeito da avaliação que eles fazem de si m esmos esm os nesse nesse aspect aspec to – exatamente exatam ente com o pensava pensava Platão. Cer Certam tamente ente não é possí possível levar levar as duas passagens a sério. DESCARTES: A menos que sejas um cão procurando um osso. SÓCRATES: Compreendo. Voltemos então, como discípulos em vez de cães, ao teu programa de esclarecimento. Estavas explicando o porquê de um novo método, contando-nos de tua insatisfação com os resultados dos métodos antigos. Esta insatisfação, resumidamente, era com a “incerteza”, ou “dúvida”. Foste bastante sensível a esse tópico porque o teu tempo, como o meu, foi de diminuição do provincianismo e de contato cada vez maior com outras culturas, resultando, natura naturallm ente, em ceti ce ticis cism m o e relat re lativ ivis ism m o cultural. cultural. Afirmas, Afirm as, portanto portanto:: (DM 2, par. 4) Mas, tendo aprendido, desde o colégio, que nada se poderia imaginar tão estranho e tão pouco crível que alguns dos filósofos já não houvesse dito; e depois, ao viajar, tendo reconhecido que todos os que possuem sentimentos muito contrários aos nossos nem por isso são bárbaros ou selvagens, mas que muitos usam, tanto ou mais do que nós, da razão; e, tendo considerado o quanto um mesmo homem com o seu mesmo espírito, sendo criado desde a infância entre franceses ou alemães, torna-se diferente do que seria se vivesse sempre entre chineses ou canibais [ a propósito, vejo que em com o, até nas outra edição deste texto, lê-se, em vez de “canibais”, “americanos”! ]; e como, modas de nossos trajes, a mesma coisa que nos agradou há dez anos, e que talvez nos agrade agra de ai a inda antes de decorrido dec orridoss outros outros dez, dez, nos parece pare ce agora extravagante e ridícula, ridícula, de sorte sorte que são bem m ais o costum costumee e o exem plo plo a nos per persu suadirem adirem , do que qualquer qualquer conhecimento certo. Mas já j á não exist existia um m étodo étodo para j ulgar ulgar as a s dife difere rent ntes es opini opiniões ões e cos c ostu tum m es, transform transform ando a m era er a opinião opinião em certez ce rtezaa at a través ra vés da dem onstraçã onstraçãoo racio rac ional? nal? Estou Estou falando da Lógica. Ela fora conhecida e utilizada por dois mil anos, e acho que tive um pouco a ver com isso. isso. Foi Foi Aristót Aristóteles eles quem que m sist sistem em atizou atizou as regr r egras as dest de stee m étodo, que que eu descobrira de scobrira e utili utilizzara, ar a, no seu Organon, o prim prim eiro manual m anual de lógi lógica ca do mundo. Que há de erra er rado do com este este m étodo étodo de obter obter certez ce rteza? a? DESCARTES: Ah, sou muito grato a ti pelo teu exemplo e a Aristóteles pelos seus princípios
inestimáveis. Mas, como escrevo a seguir, “notei que, quanto à Lógica, os seus silogismos e a maior parte de seus outros preceitos servem mais para explicar a outrem as coisas que já se sabem... do que para aprendê-las.” SÓCRATES: Se estavas procurando uma Lógica que descobrisse novas verdades, porque não usaste o novo texto de lógica indutiva de Bacon, o Novum Organum ? DESCARTES: Por ter encontrado nele o mesmo problema que encontrara em tua lógica dedutiv dedutiva: a: a com c ompl plexid exidade. ade. Eu não acuso a cuso nem Aristó Aristótel teles es nem Bacon ac on de de erro er ro teórico, teórico, mas m as de um a deficiência prática, como escrevi, (DM 2, par. 6) E como com o a m ulti ultidão dão de leis fornece fornec e am a m iúde iúde escus e scusas as aos vícios vícios,, de m odo que que um estado é m ais bem dirig dirigid idoo quando, quando, em bora tendo mui m uitto pouca poucas, s, são são est e strit ritam am ente cumpridas; c umpridas; assim, em vez desse grande número de preceitos de que se compõe a Lógica, julguei que me bastariam os quatro seguintes, desde que tomasse a firme e constante reso re solu luçã çãoo de não nã o deixar deixar uma só vez vez de de obser observá-los vá-los [...] [...] SÓCRATES: Eis que finalmente chegamos ao coração do teu livro: o método científico no que tem de mais essencial, nos seus princípios mais gerais. DESCARTES: Exatamente. E os capítulos seguintes mostram a aplicação do método, primeiro à moralidade, no capítulo 3, à filosofia, no capítulo 4, à física teórica, no capítulo 5 e, por fim, à física física aplicada, aplicada , ou tecnol tec nologi ogia, a, no capít ca pítulo ulo 6.
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O Método
DESC DESCARTES: ARTES: Ei-las Ei-las aqui a qui,, ent e ntão, ão, as a s quatro re gras gra s do método: m étodo: (DM 2, par. 7) [1a] A primeira era a de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecess conhece ssee evi e vident dentem em ente com o tal; tal; ist istoo é, de evitar evitar cuidadosam cuidadosamente ente a precip prec ipit itaç ação ão e a prevenção; [1b] e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida. (DM 2, par. 8) [2] A segunda, a de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parc par c elas ela s quantas possíveis e quantas qua ntas nece nec e ssárias ssár ias fossem fosse m para par a m e lhor resol re solvê vê-la -las. s. (DM 2, par. 9) [3] A terceira, a de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos m ais simples simples e mais m ais fáce is de conh c onhec ecer er,, para subi subir, r, pouco pouco a pou pouco, co, como com o por por degraus degra us,, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem prec edem naturalm naturalmente ente uns aos out outros. (DM 2, par. 10) [4] E a última, a de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais gera is,, que eu e u tivess tivessee a certez ce rtezaa de nada na da omit om itir. ir. SÓCRATES: Essas quatro regras parecem ser muito úteis e razoáveis. Quando julgas que se deve usá-las? DESC DESCARTES ARTES:: Sem Sem pre que quiserm quiserm os pensar pensar cientificam cientificam ente sobre algum algum a coisa. coisa. Ass A ssim im como com o a tua tua lógica lógica silogí silogíst stica, ica, as a s minh m inhas as regr r egras as podem ser usadas usa das numa num a m ulti ultipl plicidade icidade infinita infinita de ass a ssunt untos. os. Elas são um modelo universal para todo o pensamento que se pretenda científico no sentido mais essencial do ter term m o. SÓCRATES: Compreendo. E acreditas que o pensamento filosófico deva ser científico no sentido m ais essencial essencial do ter term m o? DESCARTES: Certamente. Esta é uma das principais razões de eu ter apresentado meu método ao m und undo. o. SÓCRATES ÓCRATES:: E afirm af irmas as que o teu novo método m étodo pode pode nos ensinar ensinar a obter obter conhecime conhec imento nto novo. DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: E que o método antigo, isto é, a Lógica de Aristóteles, não pode fazê-lo. DESCARTES: Exatamente. SÓCRATES: Queres dizer, então, que o silogismo não gera conhecimento novo, mas apenas esclarece aquilo que já é conhecido? DESCARTES: Não estou atacando o raciocínio dedutivo em si mesmo. Longe disso. O que estou
dizendo é que o silogismo é muito menos útil para descobrir a verdade do que pensavam os filósofos escolásticos. E a razão que tenho para dizê-lo é que, em um raciocínio logicamente válido, válido, a verdade ver dade da conclusão conclusão est e stáá im plíci plícita ta na verdade ve rdade das prem issas. issas. SÓCRATES: Não é possível que alguém, mesmo sabendo que as premissas e a conclusão de um silogismo são verdadeiras, ignore que aquelas são a razão desta? Digamos, por exemplo, que certa pessoa te odeia e que sabes disso, mas não sabes o porquê. Sabes também que és muito mais inteligente do que ela. Então um amigo em comum te revela que a razão de essa pessoa te odiar odiar é porque porque tem inveja nvej a de ti. ti. Isto, Isto, para ti, ti, não seria conhecimento conhecim ento novo novo?? DESCARTES: De fato seria. SÓCRATES: Mas o teu amigo esclareceu a relação entre as proposições através de um silogismo, ou, no mínimo, de um entimema, que é um silogismo em que uma das premissas permanece subentendida, a qual, neste caso, tu já conhecias e sabias sua veracidade, a saber, que aqueles que invejam, odeiam o objeto de sua inveja. DESCARTES: É isso mesmo. SÓCRATES ÓCRATES:: E neste caso, c aso, não foi f oi um silo silogis gism m o que te deu ess e ssee conhecime conhec iment ntoo novo? DESCARTES: Poder-se-ia dizer que esse conhecimento não é conhecimento de uma nova verdade, mas de uma relação causal entre duas verdades, visto já sabermos que a conclusão do silo silogi gismo smo era e ra verdadeira. verdade ira. SÓCRATES: Mas não é da mesma forma possível que alguém, mesmo sabendo que as duas prem pre m issas issas são verdade ver dadeira iras, s, nunca venha a ligar ligar uma um a à outra pa para ra e xtrair-lhe xtra ir-lhess a conclusão? conc lusão? Neste caso, a verdade da conclusão seria, para ele, conhecimento novo. Conhecimento trazido à luz pelo silogismo. silogismo. DESCARTES: Poderias dar-me um exemplo que se aplique ao conhecimento filosófico ou teorético? SÓCRATES: Creio que há exemplo excelente num livro que deixei por aqui em algum lugar – não me lembro onde... DESC DESCARTES: ARTES: Deve ser, sem se m dúvida, dúvida, um livro livro esot e sotér érico, ico, de alg a lgum um filósofo filósofo obscur obscuro. o. SÓCRATES: Tal filósofo chama-se René Descartes e o livro é o Discurso do Método Mé todo. DESCARTES: DESCARTES: Oh. Oh . SÓCRATES: Ah, ei-lo aqui. E aqui estão as duas premissas que já compreendes com clareza e nas quais crês. A primeira diz que todo pensamento filosófico rigoroso deve seguir o teu método científico. E a segunda, que o teu método científico é o primeiro passo do pensamento filosófico rigoroso. Percebes a conclusão lógica que surge dessas duas premissas? Ou nunca ligaste uma à outra até o momento, nem nunca lhes tiraste a conclusão que agora parece te constranger (pois perc per c e bo que teu sem blante está levem leve m ente ruboriz rubor izaa do), ou sej a, que o teu próprio própr io m étodo deve avaliaravaliar-se se a si m esmo? DESCARTES: Touché. Foi um truque sutil, Sócrates. SÓCRATES ÓCRATES:: Tu não estás diz dizendo que a coerê coe rência ncia lógica lógica é um truque, estás? DESCARTES: Não. SÓCRATES: E certamente não temes que o teu método venha a frac frac assar em tal exame, ou temes? tem es? Que o que proclam proc lamas as ser a essência destil destilada ada do méto mé todo do científi científico co venha a dar provas de
ser pouco científico? E que essas provas sejam dadas pelo próprio método? Certamente não temes tem es que toda toda a tua filos filosofia ofia estej estej a baseada basea da em uma prem issa issa auto-c auto-cont ontra radi dittória? DESCARTES: É claro que não! SÓCR ÓCRATES: ATES: Ótimo. Ótimo. Então Então não tens nada a temer tem er do meu m eu exam e xame. e. DESCARTES: Não, não tenho. Mas por que critério pretendes avaliar o meu método, Sócrates? SÓCRATES: Ora, pelos critérios do próprio método, é claro. Pensas haver critério mais justo? DESCARTES: Não. SÓCRATES: Pensas, por acaso, haver critério melhor do do que esse em algum aspecto, ou que lhe seja superior ? DESCARTES: Não, não para julgar o pensamento científico... mas... SÓCRATES ÓCRATES:: Por que a hesitaç hesitação? ão? DESCARTES: Porque, se o que exiges é que o método prove a si mesmo, devo dizer que essa é uma tarefa impossível, como é impossível para um silogismo provar as mesmas regras que o fundamentam ou as premissas de que se compõe. Tal argumento seria uma “petição de princípi princ ípio”, o”, ou a falác fa lácia ia de pressupor pre ssupor aquilo mesm m esm o que se de deve ve provar pr ovar.. SÓCRATES: Concordo contigo inteiramente. DESCARTES: DESCARTES: Ah. Ah . SÓCR ÓCRATES: ATES: Pens Pe nsaste aste que eu e u não era e ra bom em Lógica? Lógica? Sabes Sabes que eu prati pra tica cam m ente a invent inventei. ei. DESCARTES: Então não exiges que o meu método prove a si mesmo. SÓCRATES: É claro que não. Exijo somente que não contradiga a si mesmo. DESC DESCARTES: ARTES: Oh. Bem Bem , não tenho medo m edo de que isso isso acont ac onteç eça. a. SÓCRATES ÓCRATES:: Então Então não nã o tens me do de m im. DESCARTES: Creio nisso. SÓCRATES: Assim, ambos aceitamos o princípio de que não se pode provar a “validade” de uma coisa pressupondo esta mesma coisa, seja ela o teu método, os meus silogismos, ou o que m ais for. DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: Então não é possível provar a validade da razão por meio de um ato da razão, pois este press pre ssupõ upõee a validade validade daquela. DESCARTES: Está de acordo com o nosso princípio. SÓCRATES: Então esta não é a finalidade do teu método: colocar tudo em dúvida, até mesmo a própria própr ia razão; r azão; exigi e xigirr provas pr ovas de nossas fe rra rr a m entas enta s me m e ntais antes ante s de const c onstruirm ruirm os nossos nossos edifícios edif ícios de idéias; nem é, depois de exigires tais provas, fornecê-las. DESCARTES: Isso seria impossível, pois é auto-contraditório. Como poderia um réu ser juiz dos outros outros réus? No mom m omento ento em que todos os atos da razão são levados a julgamento, nenhum deles pode j ulgar ou inoce inoc e ntar a si me m e smo sm o ou aos outros. SÓCRATES: Fico feliz de ver que não cometeste essa falácia, como afirmam alguns de teus opositores. Eles dizem que foste o primeiro a levantar a questão do “problema crítico”, isto é, da crit cr itica ica da própria própria raz r azão. ão. Outros, Outros, ao invés invés de de te cens ce nsurar urarem em , louvam louvam-te -te por ess e ssee m esmo esm o mot m otiv ivo. o.
DESCARTES: Eu não mereço nem o louvor nem a censura. Outros talvez acalentassem essas am bições, bições, tão elevadas quanto quanto irre irreali alizzáveis, mas ma s as min m inhas has foram m ais modestas. modestas. SÓCRATES: Voltemos então ao teu modesto método e perguntemo-nos o que o justifica, se ele não pode justificar a si mesmo. De certo não é arbitrário. Certamente, tu nos podes dar uma boa razão razão para ele. DESCARTES DESCARTES:: É clar c laro. o. SÓCRATES ÓCRATES:: Acho que podes adivinhar adivinhar m inha inha próxi pr óxim m a pergunt per gunta. a. DESCARTES: Minha resposta é tão óbvia quanto a tua pergunta, Sócrates. E ela é a seguinte: utilidade. Um método justifica-se pelos seus resultados. Um método não é uma casa, mas uma ferramenta, não é uma ciência, mas um instrumento, não é um conjunto de indicadores, mas de imperativos. Não preciso provar que ele é verdadeiro, pois não reivindica tal coisa para si, prec pre c iso apenas apena s provar prova r que é útil. útil. SÓCRATES: ÓCRATES: Útil Útil para par a quê? DESCARTES: Útil para encontrar a verdade; e encontrá-la com certeza. É nisso que consiste sua superioridade. Eu reconheço que há muitos métodos para encontrar a verdade, mas o meu método gera certeza, e é por isso que, como afirmei anteriormente, ele poderá superar as diferenças de opinião. SÓCRATES ÓCRATES:: Cer Certez tezaa a respeit re speitoo de quê? quê ? Diferenç Difer enças as de opinião opinião a respeito r espeito de quê? DESCARTES: A respeito de tudo! Escrevi esta passagem tendo em mente o maravilhoso exem plo plo que que deste ao ensinare ensinaress geom geometria etria para o escravo escra vo de de Menon: (DM 2, par. 11) Essas longas cadeias de razões, todas simples e fáceis, de que os geômetras costumam servir-se para chegar às suas mais difíceis demonstrações, haviam me dado ocasião de imaginar que todas as coisas possíveis de cair sob o conhecimento dos homens seguem-se umas às outras da mesma maneira [ isto é, dedutivamente ] e que, contanto que nos abstenhamos somente de aceitar por verdadeira qualquer coisa que não o seja, e que guardemos sempre a ordem necessária para deduzi-las umas das outras, não pode haver nada tão afastado a que não se chegue por fim, nem tão oculto que não se descubra descubra.. SÓCRATES: Nada, René? Nada mesmo? DESC DESCARTES: ARTES: Nada neste univer universo so finit finito. o. É claro clar o que não m e ref r efiro iro aos mis m istérios térios de Deus. De us. SÓCRATES: Dirias, então, de tudo quanto existe no universo, que, se é real é racional, e se é racional pode ser conhecido, contanto que usemos o teu método da maneira adequada, e que, portanto, porta nto, tudo tudo quanto exis e xiste te no universo univer so pode ser se r conhec c onhecido ido pelo te te u mé m é todo? DESCARTES: Teu silogismo é válido, Sócrates, e todas as suas proposições são verdadeiras. Sim, em princípio, tudo quanto existe no universo pode ser conhecido pelo meu método. SÓCRATES: E com “conhecido” queres dizer “descoberto”? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCR ÓCRATES: ATES: E tam bém “com “c ompree preendi ndido”? do”? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim .
SÓCRATES: E “provado”? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES ÓCRATES:: Com Com “cer “c ertez teza” a”?? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: É uma afirmação impressionante. DESCARTES: Se achas difícil crer em tal afirmação, é preciso uma coisa apenas para refutá-la: exibir ou uma verdade que não se possa descobrir, ou um conceito que não se possa compree com preender nder ou uma única única conclusão conclusão que não se possa possa provar, j am ais, pela raz ra zão bem util utiliz izada. ada. SÓCRATES: Mas não é essa uma exigência impossível de cumprir? Pois se alguém chegasse a mostrar uma única verdade, afirmando não ser possível descobri-la, o ato mesmo de mostrá-la a “descobriria” “descobriria”.. E se se alg a lguém uém viesse viesse a expo e xporr um conceit conce ito, o, afirmando afirm ando que que não se pode pode com c ompree preendêndêlo, o ato mesmo de expô-lo o compreenderia, caso contrário não seria de forma alguma um conceito, mas apenas um som sem sentido. E se alguém apresentasse uma conclusão, dizendo que é verdadeira, mas que não se pode prová-la, ele o faz porque acredita na sua veracidade e tem raz ra zões para tanto, tanto, e est e stas as raz ra zões são as prem issas issas que que provam a conclusão. conclusão. Ora, a razão, por sua própria natureza, não pode gerar o irracional. Pois tudo quanto é gerado pela razão é racional. A razão não pode produzir o que a razão não pode produzir. Isso seria um contra contra-senso -senso.. A tua tua afirm ação, aç ão, portanto portanto,, é um a tautolo autologi gia: a: é verdadeira verdade ira tão som som ente pela sua form f orm a lógica, lógica , independente indepe ndentem m e nte do conteúdo. c onteúdo. DESCARTES: Mesmo sendo uma tautologia, ela ainda assim é verdadeira. SÓCRATES: Mas não pode confirmar a validade do teu método. Que tudo quanto existe no universo é, em princípio, racional, ou seja, possível de se conhecer pela razão, isso é tanto uma verdade quanto uma tautologia. Mas que tudo que existe possa ser conhecido pelo teu mé m é todo em vez de por outro qualquer, e que coisa alguma escapa a ele – isso não é nem tautologia, nem verdade com provada. provada. Até Até agora, és apenas um vend vendedor edor com promessas. promessas. DESCARTES: Isso é verdade. Mas elas serão cumpridas. SÓCRATES: Como? DESCARTES: Pela experiência. A promessa de um resultado prático é realizada na prática; e o resultado que prometo é prático, portanto ele realizar-se-á na prática. Não é justo que tu ou qualquer qualquer outro outro exijas exij as uma um a j usti ustificati ficativa va teórica para pa ra algo que que é prático. prático. SÓCRATES: É verdade. Mas, por outro lado, nenhum método deve contradizer a si mesmo, não concordas? DESCARTES: É claro. Pensas ter encontrado alguma contradição? SÓCRATES: Talvez. Observemos mais atentamente. Afirmas que o teu método é algo que pode ser conhecido? conhecido? DESCARTES: É claro. De que outra forma poderia ensiná-lo? SÓCRATES: Mas antes já admitiste que o método não pode provar a si mesmo. DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: Segue-se então que nem tudo o que pode ser conhecido pode ser provado pelo teu método!
DESCARTES: Ah. Bem, então, eu resolvo isto restringindo minha afirmação. Todas as outras coisas podem ser provadas pelo meu método. Ele é como o sol: o sol não pode iluminar-se a si m esmo, esm o, ainda ainda que tudo tudo o mais ma is seja sej a ilum ilumin inado ado por ele. SÓCRATES: Assim evitas te contradizer. Mas penso enxergar mais um contra-senso na primeira das quatro regras do método, em que dizes aceitar como verdadeiras somente as idéias claras e dist distin intas. tas. O problem problem a é que esta esta regra r egra não parece pare ce ser nem clara nem dist distin inta. ta. Os outros outros passos não cont c ontra radi dizzem a si mesm m esmos. os. Util Utiliz izar ar divis divisão ão e análi aná lise se não nã o contraria contrar ia a regra re gra de divis divisão ão e análi a nálise. se. Avançar do mais ma is sim sim ples ples ao mais m ais complexo de de m aneira ordenada orde nada é, é, em si m esmo, esm o, simples simples e ordenado. E não há contra contradi diçã çãoo em subm submeter eter a exam e universal universal toda toda a tua filosofia, incluindo o método e a quarta regra do método, a exigência de revisão universal. Mas o prim prim eiro passo, passo, tra tratar tar tudo tudo como com o se fosse fosse fals f alsoo até que se prove verdadeiro verdade iro,, ou sej sej a, começ com eçar ar pela dúvida dúvida universal universal – isso isso de de fat fa to me m e parece pare ce contra contradi ditó tório. rio. Pois Pois tal tal preceit prec eitoo pode pode ser posto posto em dúvida, e de fa f a to foi, não por uns poucos pouc os filósofos filósofos apena a penas, s, ma m a s por quase qua se todos que vier vieram am antes de ti! ti! No ent e ntanto anto,, não tens dúv dúvid idaa de que devem os começa come çarr pela dúv dúviida. A contradição está no seguinte: declaras que a tua dúvida é universal quando não é, pois ela não duvid duv idaa de si m esma. esm a. Não Nã o pões pões em dúv dúvid idaa nem o fato de estares duvid duvidando, ando, nem nem a necessi nec essidade dade de fazê-lo. DESC DESCARTES: ARTES: Bem Bem , posso posso evi e vitar tar essa contradi contra diçã çãoo rest re stringi ringindo ndo a universali universa lidade dade da m inha inha dúvida, dúvida, assim como fiz com a afirmação acerca do poder do método. Não faz diferença, pois o método, de qualquer maneira, funciona na prática. Funciona maravilhosamente bem para tudo a não ser para par a si mesm me smo. o. SÓCRATES: Então continuas afirmando não haver nenhum objeto existente, ou verdade sobre objeto existente, que não possa ser conhecido pelo método? DESCARTES: É isso o que afirmo. SÓCRATES: E não há nada que se possa conhecer melhor por outro método? DESCARTES DESCARTES:: Não Nã o foi f oi isso isso o que e u disse disse . SÓCR ÓCRATES: ATES: Dirias Dirias então que, que, para par a se conhecere conhece rem m certas ce rtas coisas, coisas, pode pode haver um m étodo étodo melho m elhor r que o teu, ou não? DESC DESCARTES: ARTES: Digamos Digam os que eu e u diga que não. SÓCRATES ÓCRATES:: Então Então não nã o há nada na da que se possa conhec er m elhor confiando c onfiando do que que duvidando? DESCARTES: Não desde o começo. A dúvida é o melhor começo. O objetivo de começar com a dúvida é terminar com a certeza. Espero que tenhas entendido que a duvida universal não faz de mim um cético. Longe disso. Também não defendo nenhum dogma. Eu não começo com a certeza, espero apenas acabar com ela. Pois creio que, se começarmos com a certeza, acabaremos duvidando, ao passo que, se começarmos duvidando, poderemos acabar com a certeza. SÓCRATES: E isso é verdade sobre tudo quanto existe no universo? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: És tu alg a lgoo que existe existe no univer universo? so? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: Logo, também podes ser mais bem conhecido se duvidarmos de ti ao invés de
confiarmos em ti. Mas será que é assim mesmo? Será que posso te compreender melhor duvidando de ti e não confiando em ti? Será que conhecemos melhor uma pessoa duvidando de tudo o que diz respeito a ela, até mesmo da sua própria existência e da verdade de todas as suas palavra pala vras? s? DESCARTES: É óbvio que não. Eu não estou falando sobre conhecer pessoas, Sócrates, mas sobre conhecer idéias. Pessoas devem ser consideradas inocentes até prova em contrário, mas idéias devem ser consideradas culpadas até que se provem inocentes, ou melhor, falsas até que se provem verdadeiras. SÓCRATES: E isto para todas as idéias? Será que todas as idéias, na cabeça de todas as pessoas, em todas as épocas e situações conhecer-se-ão da melhor maneira possível se as tratarmos como hipót hipótese esess cientí c ientífica ficas? s? DESC DESCARTES: ARTES: É claro clar o que não, Sócr Sócrates. ates. Não Nã o estou sugerindo sugerindo que todo todo mundo m undo use use o m eu m étodo o tempo inteiro. Nunca aprenderíamos coisa alguma se começássemos por descrer em todos os nossos professores ou, durante a infância, se começássemos por duvidar do testemunho dos nosso nossoss senti sentidos. dos. O m eu m étodo étodo é apenas a penas para a ci c iência e para pa ra a fil f ilos osofia. ofia. SÓCRATES: Então ele pressupõe já termos aprendido alguma coisa através da confiança nos sentidos, bem como através da confiança em nossos pais e professores, da maneira como aprendem todas as crianças. DESCARTES DESCARTES:: É clar c laro. o. SÓCRATES: E isso é fé, em vez de dúvida. DESCARTES: No caso das crianças? Sim. SÓCRATES ÓCRATES:: Então Então o teu método m étodo da dúvida dúvida pressu pre ssupõe põe a fé. fé . DESCARTES: Não, não, ele não pressupõe a fé, como se fosse uma premissa. Ele não tem prem pre m issas. issas. SÓCRATES: Ele pode não pressupor a fé logicamente , mas a pressupõe realmente . Pois quem nunca tivesse tido fé nos sentidos ou em seus professores, jamais poderia usar o teu método. Sem passar passa r pelo pe lo cam ca m inho da fé nã nãoo se pode c hegar hega r ao a o cam ca m inho da dúvida. DESCARTES: Bem, é claro. Mas o caminho da fé não faz parte do método; faz par partte som som ente da história inicial daquela pessoa que veio a crescer o bastante para usar o método. SÓCRATES: Concordas, então, que os princípios do teu método científico não são como os da matemática, mas antes como os da cirurgia ou da arte militar? Deixe-me explicar o que quero dizer com essa distinção. Os princípios da matemática são abstratos, imutáveis e auto-suficientes, enquanto os princípios da cirurgia e da arte militar nos são necessários, merecendo nossa atenção, atençã o, apenas porque porque est e stam am os suj sujeit eitos os ao erro e à ignorância, ignorância, à fraquez fra quezaa e ao perigo. DESCARTES: Se bem compreendi tua distinção, concordo que o meu método é como aquele da cirurgia cirurgia ou da guerra. guerra . Ele Ele é práti prá tico. co. SÓCRATES: Podemos concluir, então, que a razão pela qual o teu método é útil à humanidade é semelhant sem elhantee à raz ra zão pela qual a cirurgi c irurgiaa e a arte a rte da guerra são úteis úteis?? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: E quando é que elas são úteis? Por acaso vemos utilidade na cirurgia quando estamos saudáveis?
DESCARTES: Não, só quando estamos doentes. SÓCRATES: E quanto aos exércitos e armadas, vemos nessas coisas alguma utilidade quando estamos em paz? DESCARTES: Não, só quando estamos em guerra. SÓCRATES ÓCRATES:: Então Então quando é que vem ve m os util utilidade idade no conhecime conhec iment ntoo práti prá tico? co? DESC DESCARTES: ARTES: Quando Qua ndo tem os necessid nec essidade ades. s. SÓCRATES ÓCRATES:: Necessid Nec essidade adess reais, re ais, ou imagi ima ginada nadas? s? DESCARTES: Necessidades reais, já que podemos nos enganar quanto a elas. SÓCRATES: E de fato nos enganamos. E temos necessidade desses conhecimentos práticos o tempo tem po inteiro? inteiro? DESC DESCARTES: ARTES: Não, só em e m algumas algum as situaç situações. ões. SÓCRATES: ÓCRATES: Sit Situaç uações ões rea re a is? DESC DESCARTES: ARTES: É claro. clar o. Por que a pergunt per gunta? a? SÓCRATES: Porque o primeiro passo do teu método é duvidar de tudo, inclusive da situação real e das da s suas suas nece ne cess ssidades. idades. Com Com efeito, ef eito, duvidas duvidas do mundo m undo inteiro. inteiro. DESCARTES: É verdade. SÓCRATES: Não enxergas a evidente contradição que está aí? DESCARTES: De forma alguma. Vejo contradição no ceticismo universal enquanto filosofia – pois com o poderia pode ria o cético c ético saber sabe r que não sabe? sabe ? – ma m a s não nã o na dúvida universal univer sal enquanto e nquanto m é todo. Duvidar do mundo inteiro não é ceticismo; é a maneira de refutá-lo. Serve para conhecer o m und undoo intei inteiro ro com c om m ais certez cer teza. a. É tal qual uma criança cr iança que, tendo tendo atingi atingido do a m aioridade, aioridade, deixa os pais e a família para, mais tarde, relacionar-se com eles de maneira melhor e mais adulta. ão é um a analo a nalogi giaa raz ra zoável? SÓCRATES: Parece que é. Mas em vez de nos aprofundarmos nessa questão agora, tenho outra pergunta per gunta para pa ra te fa f a ze r. DESCARTES: Por que será que isso não me surpreende? SÓCRATES: É a seguinte: é razoável falar de um único método, “do” método, para se obter certeza em todas as coisas, para encontrar uma moeda perdida, detectar ondas invisíveis de energi ener gia, a, avali a valiar ar um teste teste de língu línguaa ingl inglesa, esa, solucio solucionar nar uma equação equaç ão alg a lgébrica, ébrica, chegar chega r à Litu Lituânia ânia ou chegar chegar ao a o céu? DESCARTES: Por que não? Sem dúvida existe algo comum a todos esses problemas: sua forma lógica. SÓCRATES: Mas há também algo que os diferencia, e este algo é o seu conteúdo, ou matéria. E este conteúdo, ou matéria, que é diferente em cada problema, é o que parece exigir métodos dife difere rentes. ntes. Negas um princípio princípio tão óbvio? óbvio? DESCARTES: De forma alguma. Não digo que o meu método é o único que deva ser usado, por todo mundo, em todas as situações. Digo apenas que é o mais científico dos métodos e o mais adequado para obter obter certez ce rtezaa em e m qualquer qualquer das ciências. SÓCRATES: Então não negas que certas coisas podem ser mais bem compreendidas quando não usamos o teu método, especialmente quando não seguimos o seu primeiro passo, isto é, a dúvida
universal e tua insistência naquilo que chamas “idéias claras e distintas”. DESCARTES: Não o nego. Tenho consciência de que, quando é para conhecer pessoas e não idéias, o que com mais freqüência necessitamos é da confiança em vez da desconfiança. Tam bém pod poder eriia acre ac rescentar scentar que, no que diz resp re speit eitoo a conhecer conhece r pess pe ssoas, oas, a insis insistência tência em idéias idéias claras e distintas é antes um impedimento, pelo menos no início. Da mesma forma, o preceito que nos instrui a usar a análise antes da síntese não é adequado para conhecer pessoas, pois nossa prime prim e ira impre im pressão ssão intuit intuitiva iva pode, à s vez ve ze s, re r e velar vela r o que a análi aná lise se não revela re vela.. E há outra regra re gra do método, cujo preceito, quando se trata de conhecer pessoas, às vezes é melhor desobedecer do que obedecer: aconselho a começar do simples e avançar em direção ao complexo, mas, com freqüência, é melhor começar do todo complexo que é uma pessoa ao invés de começar com um aspecto, parte ou dimensão mais simples e mais fácil de conhecer, tal como a idade, o nome, ou o grau de inteligência. Não, meu método não foi concebido para o dia-a-dia, mas para as ciências. SÓCRATES ÓCRATES:: A filosofia filosofia é uma um a ciência? ciê ncia? DESCARTES: Sem dúvida que é. SÓCRATES ÓCRATES:: E os homens, home ns, foram fora m todos todos eles convo c onvoca cados dos a fil f ilosofar osofar?? DESCARTES: Não, pois nem todos foram convocados a pensar cientificamente. SÓCRATES ÓCRATES:: Mas não são todos os os homens home ns cham ados à sabedoria? sabedoria ? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: E não é a filosofia amor à sabedoria? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: Então todos os homens são convocados a filosofar – como tu mesmo explicaste no início do teu livro, onde apelaste a uma “razão” que era tão comum, que a denominaste “o mais bem distribuído distribuído dos dons da huma hum a nidade”. nidade ”. Na N a verda ver dade, de, negaste ne gaste haver have r quaisqu qua isquee r difere dife renç nças as inatas inata s na habil ha bilid idade ade que os homens home ns têm têm de disting distinguir uir o verdadeiro verda deiro do fals fa lso. o. DESCARTES: Talvez haja três tipos diferentes de filosofia: a filosofia à qual todos os homens são chamados, que é o teu tipo de filosofia; a filosofia reservada àqueles que desejam pensar cientificamente, como eu; e a falsa filosofia que existia no meu tempo, nas escolas medievais, que é pseudo-científica e não possui nem o apelo popular e a inteligibilidade da tua filosofia, nem o método verdadeiramente científico e a certeza da minha. Ora, Sócrates, estudei a filosofia escolástica nas melhores escolas do mundo, e ela era tão técnica e tão difícil que apenas uns poucos c onseguiam c ompre om preee ndê-la. ndê- la. Foi por isso isso que saí e m busca de um novo m é todo, um método que todos pudessem usar para pensar criticamente – como o fizeste, Sócrates. Tu também encontraste um método que todos poderiam seguir: o silogismo. SÓCRATES: Porém, quando leio o teu livro propriamente filosófico, as Me ditaçõe ditaçõe s, vejo-me diante de conceitos tão abstratos e argumentos tão difíceis que, ao contrário dos meus diálogos, playboy s e sofistas, e eu poucas pouca s pessoas com c omuns uns poderiam poder iam com pree pre e ndê-los. ndê- los. Interr Inte rroguei oguei soldados, playboys mesmo era um simples escultor. E todos me compreenderam. Pensas que poderiam fazer o m esmo esm o contig contigo? o? DESCARTES: É provável que não. SÓCRATES: Então, quanto ao aspecto excessivamente técnico, estás mais próximo da filosofia escolástica que rejeitaste do que do meu tipo de filosofia.
DESCARTES: Ai de mim; é o oposto de minha meta e intenção. SÓCRATES: Então o teu método não realizou o que tencionavas. E que método era esse mesmo? ão havia um livro livro sobre sobre ele e le por por aqui a qui em algum algum lugar?
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O Matematicismo de Descartes
SÓCRATES: Antes de explorarmos o terceiro capítulo do teu livro e os quatro princípios morais nele cont c ontido idos, s, há mais m ais um assunto assunto sobre sobre o qual eu gostar gostaria ia de te pergunt per guntar ar.. Dizes Dizes que: (DM 2, par. 12) Havendo apenas uma verdade de cada coisa, todo aquele que a encontrar sabe a seu respeito tanto quanto se pode saber... por exemplo, uma criança instruída na aritmética, que tenha efetuado uma adição segundo as regras, pode estar certa de ter achado, ac hado, quant quantoo à soma som a que exam inava, inava, tudo tudo o que que o espírit espíritoo humano huma no poderia poderia ac har. Reconheço que este é o resultado obtido pelo método das ciências matemáticas; no entanto, entanto, afirmas afirm as que, usando tal tal m étodo, étodo, o mesm m esmoo resu re sult ltado ado se repetirá r epetirá nas outra outrass ciências, e mesmo na filosofia? Se é isso o que dizes, tenho algumas perguntas para te fazer a respeito dessa afirma af irmaçã ção. o. Se Se não é, é , qual qual o senti sentido do de de col c olhere heress teu teu exem e xempl ploo da arit ar itm m ética ética,, senão para exem plifi plifica carr um princíp princípio io m ais ger geral? al? DESCARTES: É isto mesmo o que afirmo, Sócrates. E fico surpreso em ver que o questionas. Obviamente, uma proposição ou é verdadeira ou é falsa, esteja ela a falar de números ou do que quer que seja; da mesma forma, ou sabemos se ela verdadeira ou não sabemos. Qual é o problem proble m a ? SÓCRATES: Pergunto-me se isso é tudo o que entendes por “conhecer”. DESCARTES: Penso que é possível usar a palavra “conhecer” para referir-se a certas m odali odalidades de apree a preens nsão ão que não são nem científi científica cas, s, nem nem m etodol etodológi ógica cas, s, nem nem lógica ógicass – como algum algum tipo tipo de perce per cepção pção intui intuiti tiva, va, por exem e xempl plo. o. Mas Mas eu e u não cham cha m aria isso sso de “conhecim “ conhecimento ento”. ”. SÓCRATES: Mas e quanto a um conhecimento científico que progrida por método estritamente lógico, afirmas que todo conhecimento de tal espécie está submetido ao teu princípio matemático? DESCARTES: Afirmo. SÓCRATES: Então queres dizer que, quando sabes que todos os homens são mortais, e quando uma criança de cinco anos de idade sabe que todos os homens são mortais, ambos sabeis exatamente a mesma coisa. DESCARTES: Certamente. SÓCRATES ÓCRATES:: E tu tu não sabes sabe s mais m ais do que que a criança cr iança?? DESCARTES: É exatamente isso o que quero dizer. SÓCRATES: Só por conhecerdes a simples e inequívoca verdade de que todos os homens são mortais? DESC DESCARTES: ARTES: Sim. Sim. Tu entendest e ntendestee o que quero dizer dizer,, Sócr Sócrates. ates. Que há para par a questionar questionar nist nisto? o? SÓCRATES: Realmente não compreendes o que dizes mais do que a criança? Não tens um conceito conceito de “homem ” e de “m ortal” ortal” mais m ais claro e adequ a dequado ado do qu quee el e la? DESCARTES: Sim, sem dúvida os tenho.
SÓCRATES: Mas dizes que não sabes nada além do qu quee a criança sabe. DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: Então não consideras que isso seja “conhecimento”. DESCARTES: Considero que o quê seja sej a con c onhecimento hecimento?? SÓCRATES: Saber exatamente o que queres dizer com os termos da proposição que enuncias. DESCARTES: É isso mesmo. SÓCRATES: Creio, no entanto, que a maioria das pessoas considera tal coisa “conhecimento”. E eis aqui outra outra coisa coisa que é considera considerada da “conhecim “ conhecimento ento”” pela m aioria aioria das pessoas: pessoas: quando quando “sabes” que todos os homens são mortais, também sabes o porquê de ser ass a ssim im e que deve ser ass a ssim. im. Mas a criança talvez não saiba a razão, o porquê: que possuir um corpo animal é parte da natureza humana. E mesmo que o saiba, ela pode pensar, erroneamente, que isto não é necessário, mas acidental e mutável, como o fato de todos os homens que existiram até agora terem tido menos de três metros e meio de altura. Mas essas duas coisas – conhecer a razão e conhecer a necess nece ssid idade ade – tu não não as a s consid consider eras as “conhecim “ conhecimento ento”? ”? DESCARTES: Entendo o que queres dizer, Sócrates. Eu estava me referindo apenas ao “julgamento”, ou “segundo ato da mente”. Tu estás te referindo à “compreensão” e também ao “raciocínio”, que são o primeiro e o terceiro atos da mente. Se chamas a essas duas coisas “conhecimento” e eu não, é apenas questão de como usamos as palavras. SÓCRATES: Mas quando usas a palavra “saber” na passagem citada, dizendo que não há nada em uma proposição que possa ser mais bem compreendido por um adulto do que por uma criança, equivocas teus leitores se não usas o termo no mesmo sentido que eles. DESCARTES: Referia-me, porém, apenas a equações matemáticas. E quanto a elas, é assim como descrevi. A criança sabe que 2 + 2 = 4, e da mesma forma o adulto, não havendo difere diferença nça nenhum nenhum a aí a í. SÓCRATES: SÓCRATES: Mas Ma s há diferença quando, em vez de números, falamos do homem, da mortalidade, da virtude virtude e de coi c oisas sas semelhant sem elhantes, es, não há? DESCARTES: Reconheço que sim. SÓCRATES: Mas não é o propósito da tua argumentação convencer-nos de que o método matemático pode ser aplicado a tudo? Não disseste uma página atrás que as longas cadeias de raciocínios dos geômetras podiam ser aplicadas a todas as coisas conhecíveis e que não havia nada de tão distant distantee ou ocult oculto que não pudesse pudesse ser revelado r evelado por m eio delas? Isso me parece pare ce antes uma afirmação extremamente radical em vez de uma simples questão sobre como iremos usar as palavras para par a diz dizer algo que que todos todos já sabíam sabíam os ser ser verdade. verdade . DESC DESCARTES: ARTES: Sim, Sim, é isto isto o que que defe de fendo: ndo: que o m étodo matem m atem ático pode ser aplicado a tudo. tudo. SÓCR ÓCRATES: ATES: Cer Certam tamente ente com preendes pree ndes que que a m aioria aioria das pessoas pessoas discorda discorda desta afirma af irmaçã ção. o. DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCR ÓCRATES: ATES: E certam ente tens uma um a respos r esposta ta preparada prepar ada para resp re spond onder er às suas obj objeç eções. ões. DESCARTES: Que objeções? Se eles me derem razões, eu lhes responderei. Se só emitirem prec pre c onceit once itos, os, não podere pode reii refutá re futá-los. -los. SÓCRATES: Bem, digamos que eles te dessem a seguinte a razão: dissessem que o conhecimento matemático só pode alcançar um tipo de certeza que os outros não podem por causa do seu
conteúdo exclusivo: os números. Pois os números são inteiramente distintos um do outro e são a única linguagem que é absolutamente desprovida de ambigüidade, podendo ser entendidos pelas crianças pequenas tão bem como pelos adultos. Mas quando estamos a falar de coisas reais, tais como a natureza humana, a natureza animal e as virtudes, essas coisas não são distintas umas da outras como a dualidade e a triplicidade o são, nem são elas absolutamente desprovidas de ambigüidade, nem podem ser conhecidas tão bem por crianças pequenas como por adultos sábios. DESCARTES: Talvez isso seja assim só porque ninguém tentou aplicar-lhes o método matemático. Se o meu experimento mental foi bem sucedido ou não, não é algo que se pode determinar a priori, antes de se tentar realizá-lo. O sabor do pudim se descobre comendo. Não importa o quão radical seja minha proposta, nem o quanto contrarie as opiniões correntes, ela deve ser provada ou refutada mediante exame. Não concordas com este princípio? SÓCRATES: Concordo. DESCARTES: Então voltemos ao exame e ao meu livro. SÓCR ÓCRATES: ATES: É exatam ente iss issoo o que que fare fa rem m os, os, exam inando inando bre brevem vemente ente a Terce Ter ceira ira Parte. P arte.
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A Moral Provisória Provisória de Desc D escartes artes
SÓCRATES: Na Terceira Parte, dá-nos quatro regras práticas para orientarmos nossa conduta. Vou ler o que penso ser uma breve descrição do propósito das tuas quatro regras, prosseguindo depois com as regras mesmas. Avise-me, por favor, se julgares que estou omitindo qualquer coisa essencial. (DM 3, par. 1) Enfim, como não basta, antes de reconstruir a casa onde se mora, derrubá-la, ou prover prove r-se se de m a teriais ter iais e a rquitetos, ou a destrardestra r-se se a si m e smo sm o na a rquitetura, rquitetura , nem , além disso, ter traçado cuidadosamente o seu projeto; mas cumpre também ter-se provido de outra qualquer qualque r onde a gente ge nte possa aloj a lojar ar-se -se com odam e nte durante dura nte o tem po em que nela se trabalha; assim, a fim de não permanecer irresoluto em minhas ações, enquanto enquanto a raz r azão ão m e obrigasse obrigasse a sê-lo sê- lo em m eus juí j uízzos, os, e de não deixar deixar de viver viver desde então o mais feliz possível, formei para mim mesmo uma moral provisória, que consist consistiia apenas apena s em três ou quatro quatro máxima m áximass [...] (DM 3, par. 2) A primeira era obedecer às leis e aos costumes de meu país, retendo constantemente a religião em que Deus me concedeu a graça de ser instruído desde a infância, e governa gov ernando ndo-m -m e, em e m tudo tudo o mais, m ais, segund segundoo as opini opiniões ões mais m ais moderadas moder adas e [...] que fosse fosse comume com ument ntee acol ac olhi hidas das em prática prática pelos pelos mais m ais sensato sensatoss [...] [...] (DM 3, par. 3) Minha segunda máxima consistia em ser o mais firme e o mais resoluto possível em m inhas ações, e em e m não seguir seguir m enos constant constantem em ente do que que se fossem m uit uito segura segurass as opiniões mais duvidosas, sempre que eu me tivesse decidido a tanto. Imitando nisso os viajantes que, vendo-se extraviados nalguma floresta, não devem errar volteando, ora para um lado, ora para outro [...] mas caminhar sempre o mais reto possível para um mesmo lado, e não mudá-lo por fracas razões [...] (DM 3, par. 4) Minh Minhaa tercei terce ira m áxim áxim a era e ra de procurar procurar sempre antes antes vencer a m im próprio próprio do que que a fortuna, e a de antes modificar os meus desejos do que a ordem do mundo; e, em geral, a de acos ac osttumar-m uma r-m e a crer cre r que nada há que estej estej a inteiram inteirament entee em e m no noss ssoo poder, poder, exceto exc eto os nosso nossoss pensamentos pensam entos [...] (DM 3, par. 5) Enfim Enfim , para conclusão conclusão dessa moral, m oral, delib deliber erei ei passar passar em revi re vist staa as a s diversas diversas ocupações ocupaçõe s que os homens exercem nesta vida, para procurar escolher a melhor [...] DESCARTES: É de fato um belo resumo. Que queres saber a seu respeito? SÓCRATES: Se acreditas nele. DESCARTES: Pensas que menti?
SÓCRATES ÓCRATES:: Não, mas m as m e pergunto pe rgunto se se não é m ais um osso osso que ati a tira rast stee aos a os inqui inquisi sidores. dores. DESCARTES: Claro que é. Esses princípios não são radicais, como o meu novo sistema de pensam pensa m ento. Mas isso não significa significa que m enti. Conti Continuo nuo cre cr e ndo nestas quatro qua tro máxim m áximaa s. SÓCRATES: Dizes que são verdadeiras? DESCARTES: Não, mas também não são falsas. Elas não são teóricas, mas práticas. SÓCRATES ÓCRATES:: Entendo. Entendo. Então não nã o são cer c ertas, tas, mas m as prováve pr ováveis is.. DESCARTES: Correto. SÓCRATES: E não são definitivas, mas provisórias. DESCARTES: Correto novamente. Foi assim que as descrevi. Recorda-te da imagem da construção de uma casa. É preciso existir, alimentar-se, sobreviver e permanecer abrigado enquanto se constrói uma nova casa. Da mesma forma, eu também precisava levar a vida enquanto construía meu novo sistema de pensamento. Mas ainda não era possível viver de acordo com o novo sistema, somente de acordo com o antigo. É por isso que o sistema antigo parece contrariar o novo. SÓCRATES: O leitor atento certamente irá notar a contradição entre essas quatro máximas e as quatro regras do teu método, especialmente entre as primeiras regras deste e daquele. Pois a prime prim e ira regra re gra do teu m é todo é duvidar de todas as a s opiniões opiniões tra tr a dicionais, ao a o passo pa sso que a primeir prim eiraa regra re gra da tua moral m oral é ac eitar eitar essas opi opini niões ões sem sem questio questionam nam ento e viver viver de acordo ac ordo com elas. e las. DESCARTES: Certamente. Pois há uma grande diferença entre a maneira como devemos viver na cabana, enquanto construímos a mansão, e a maneira como haveremos de viver na própria mansão. SÓCRATES ÓCRATES:: E quando finalmente finalm ente a tiver tiveres es cons c onstruí truído, do, poder poderás ás viver nela? DESCARTES DESCARTES:: É clar c laro. o. SÓCRATES: Assim, a mansão, isto é, o teu novo sistema de pensamento, não é apenas uma obra de arte para ser contem contem plada, plada, mas ma s um um a casa ca sa em qu quee se pode pode morar? m orar? DESCARTES: De fato. Na verdade, será o início de uma nova vida: progresso, paz e contentam contentamento ento,, não só no pensam pensamento ento,, mas m as na Terra Ter ra.. SÓCRATES: Dois séculos depois da tua morte, outro filósofo surgirá com afirmação semelhante a tua, vindo a construir um sistema racional parecido com o teu. Ele chamar-se-á Hegel. E em outro filósofo chamado Kierkegaard ele encontrará um crítico tão acerbo de suas idéias quanto Pascal foi das tuas, ao criticar o teu sistema por ser “inútil e incerto”. E a crítica que esse Kierkegaard fará de Hegel é, em essência, que o sistema racional que este construíra era tal como um castelo sem portas. Pode-se contemplá-lo e admirá-lo, mas não se pode viver nele. Só se pode viver na humilde cabana fora dos muros do castelo, da mesma maneira que só se pode viver na chamada “moral provisória”, que esperavas algum dia transcender mediante a aplicação do teu método às questões morais, construindo assim um sistema ético inteiramente racional. Que tal sistema pode ser pensado, mas não vivido, será a crítica essencial à totalidade do moviment movime ntoo cham ado “Ilu “I lum m ini inismo”, smo” , cujo cuj o pai foste foste tu. tu. DESC DESCARTES: ARTES: Que cois c oisaa m ais intere interessant ssante. e. Mas Ma s qual é tua pergunt per gunta, a, Sócrates? Sócra tes? SÓCRATES: Compreendo que este conjunto de normas morais não foi concebido com o propósito de ser c erto, er to, ou m e smo, sm o, segundo se gundo os rigorosos r igorosos padrõe pa drõess do teu m é todo, raciona ra cional.l. Tinhas, por a caso, ca so, a e speranç sper ançaa de, no de devido vido tem po, vir a c onstruir onstruir um sistem sistem a é tico tico certo ce rto e rac ra c ional,
tendo por por base ba se o teu novo método? m étodo? DESC DESCARTES: ARTES: Tinha. Tinha. Mas não nã o tive tive a oportunid oportunidade ade de fazê-lo. f azê-lo. Morr Morrii cedo ce do dem ais. SÓCRATES: Pode ser do teu interesse, então, saber de outro homem, o qual, neste exato momento, encontra-se na fila para vir a este lugar, e que se gaba de ter feito exatamente o que planej plane j aste. aste . Se u nome nom e é Im m a nuel Ka Kant nt e o seu livro, livro, Fundamentação Fundame ntação da Me tafísi tafísica ca dos Costumes, está na minha lista para ser examinado em breve. Talvez queiras ser uma “m osqui osquinha” nha” invi invisí sível vel para escutar nossa nossa conversa quando chegar chega r a hora. DESCARTES: Nada me poderia encantar mais do que isso, Sócrates. Obrigado. SÓCRATES: Antes, porém, precisamos terminar o exame do teu livro. Isto significa que devemos examinar o resumo do teu novo sistema filosófico, na Quarta Parte. Tudo o que dissemos até agora foi mera introdução a ela – uma introdução bastante longa, devo reconhecer – e tudo o que será ser á dito dito de depois pois,, quando investigar investigarm m os, na Quinta e Se xta P artes, ar tes, as afirm af irmaa ç ões que fazes a respeito das outras ciências, poderá ser discutido brevemente. Assim que, agora, estamos prontos para o prato principal. DESC DESCARTES: ARTES: Estou Estou com água na boca, boca , Sócr Sócrates. ates. SÓCRATES: Ótimo, mas não é o suficiente. Espero, além disso, que tua comida seja de fácil digestão.
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Primeiro Passo do Sist Sistee ma Filosófi Filosóficc o Cartesiano: A Dúvida Universal
SÓCRATES: Visto como o teu pensamento encadeia-se linearmente, indo de um ponto a outro como das premissas se vai à conclusão, o teu sistema filosófico, tal como o resumiste no livro, pode ser se r dividido dividido em seis etapas: eta pas: Primeiro, a dúvida universal como ponto de partida metodológico. Segundo, tua primeira certeza, ou o “ponto arquimédico” de tua filosofia, “Penso, logo existo”. Terceiro, tua antropologia, ou a resposta que deste à pergunta “ o que sou”. Quarto, tua tua epi e pist stem em ologi ologia, a, em e m especial o teu crit cr itér ériio de vera ve racidade: cidade: as idéias idéias “claras “c laras e distintas”. Quinto, Quinto, tua tua m etafís etaf ísica ica ou teologi teologiaa filosófi filosófica ca:: as provas da e xistência xistência de De Deus. us. Sexto, tua fundamentação filosófica das ciências: a prova da realidade do mundo físico. Comecem ome cem os, os, então, então, do começo. come ço. DESC DESCARTES: ARTES: E o meu m eu com c omeç eçoo é o único único inquestionáve inquestionável.l. SÓCRATES ÓCRATES:: Pergunto Pe rgunto-m -m e se exis e xiste te alg a lgoo no mundo m undo que que sej a inquestionáve inquestionável.l. DESCARTES: Visto que és o grande questionador da História, serás a pedra-de-toque desta questão. SÓCRATES: Tenhas, portanto, a bondade de tocar o teu “inquestionável” começo nesta “pedra” que sou eu. Dize-me o que há de tão absolutamente novo nele e por que é inquestionável. DESCARTES: Posso responder às duas perguntas de uma só vez. O que é absolutamente novo é que começ com eçoo sem nada: sem supos suposiições e sem prem issas. issas. E se se não nã o há supos suposiições, não pode pode haver ha ver suposições questionáveis. SÓCRATES: É certamente verdadeiro que, se não há suposições, não pode haver suposições questio questionáveis náveis.. Rest Restaa ver apenas a penas se de fato f ato começ com eças as sem nada, como c omo dizes. dizes. DESCARTES: Crês que esteja escondendo alguma pressuposição oculta? Como poderias proválo? SÓCRATES: Não, não creio que estejas escondendo nada. DESCARTES: Então o que há de questionável em tudo questionar? SÓCRATES: Talvez o ato de tudo questionar. DESCARTES: Mas esse ato é puramente empírico. Não é uma pressuposição oculta ou uma prem pre m issa. issa. É a penas pena s um m é todo, não um cam ca m inho de vida – é a penas, pena s, se prefe pre ferir rires, es, um experimento mental. SÓCRATES: Compreendo isso. Mas mesmo sendo apenas um experimento mental, o experimentador não pode ser parte do experimento; o pensador não pode ser um dos seus pensam pensa m entos. DESCARTES: É verdade. Mas não vejo como este fato poderia lançar dúvida sobre a dúvida
univer universal sal enquanto ponto ponto de parti par tida da m etodológi etodológico. co. SÓCRATES: Examinemos detalhadamente, primeiro, o teu novo começo, tua “dúvida metódica universal”; universal”; então verem vere m os se se ela é tão universal universal quanto quanto se gaba de ser. ser . Eis aqui o texto, texto, o qual dá início início à Quarta Quar ta Par P arte te do teu livro: livro: (DM 4, par.1) Não Nã o sei se deva falar fa lar-vos -vos das primeir prim eiraa s m editações editaç ões que aí rea re a liz lize i; pois são tão metafísicas e tão pouco comuns que não serão, talvez, do gosto de todo mundo. E, todavia, a fim de que se possa julgar se os fundamentos que escolhi são bastante firmes, vejo-me, de alguma forma, compelido a falar-vos delas. De há muito observara que, quanto aos costumes, é necessário às vezes seguir opiniões que sabemos serem muito incertas, tal como se fossem indubitáveis, como já foi dito acima acima [ Terceira ma s, po porr desejar desej ar então então ocupar-me ocupar-m e soment some ntee erc eira Parte, Parte, segunda máxima ]; mas, com a pesquisa da verdade, pensei que era necessário agir exatamente ao contrário, e rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida, a fim de ver se, após isso, não restaria algo em minhas crenças que fosse inteiram inteiram ente indubi indubitável. tável. DESCARTES: Espero que compreendas, Sócrates, que não há contradição real entre a decisão de duvidar de tudo e a segunda máxima do meu código moral provisório, mesmo que ambas sejam exatamente o oposto uma da outra. Pois a atividade teórica da busca da verdade não é a mesma coisa que a atividade prática, a qual diz respeito à ação. SÓCRATES: Compreendo. Está tudo em Aristóteles, afinal. DESC DESCARTES ARTES:: E acho que tam bém compree com preendes, ndes, Sócrates, ócra tes, que que rej r ej eitar eitar como com o se fosse fosse fals fa lsaa toda a idéia minimamente questionável não é ceticismo, mas o caminho para a sua refutação. A dúvida é, de fato, universal , mas, m as, ainda ainda assim assim , é apenas ape nas uma dúv dúvid idaa metodológica . E isso significa duas coisas: primeiro, que ela não é uma dúvida vivida, posta realmente em prática (esclareci isso através da minha distinção entre teoria e prática), e segundo, que mesmo dentro do reino da teoria, ela é apenas um método, para ser usado no começo, e não uma conclusão fechada a que se chega che ga no final, final, como com o é para par a os céti cé ticos. cos. SÓCRATES: Isso também está claro, de acordo com o que acabaste de dizer. Examinemos então, detalhadam detalhadam ente, est e staa dúv dúvid ida. a. DESCARTES: Três partes da dúvida estão no Discurso, e a estas acrescentarei uma quarta, das minhas Medit Me ditaç ações ões , a fim de expor tudo mais completamente (as Me ditaçõe ditaçõe s não apareceram nas minhas mãos como o Discurso do Mé todo, visto que a nossa tarefa é somente explorar este último, mas me lembro suficientemente bem do que escrevi nas Medit Me ditaçõe açõe s para fornecer a quarta parte da dúvida, dúvida, quando quando chegarm chegar m os a el e la.) (DM 4, par. 1) [1] Assim, porque os nossos sentidos às vezes nos enganam, quis supor que não havia nada que fosse tal tal como com o eles nos nos fazem fazem imagi ima ginar. nar. Vej a bem be m , Sócra Sócrattes, nosso nossoss sentid sentidos os às vezes vezes parece pare cem m nos enganar, enganar , e quando som som os enganados, não não sabem os que que o somos som os – caso contrário não seria engano e ngano.. Por P or cons c onsegui eguint nte, e, não nã o é possíve possívell saber se se as a s coisas coisas que que percebem perce bemos os neste neste exat e xatoo mome m oment ntoo real rea lm ente ente são o que que parecem parec em .
(DM 4, par. 1) [2] E, porque há homens que se equivocam ao raciocinar, mesmo no tocante às mais simples matérias de Geometria, e cometem aí paralogismos, rejeitei como falsas, julgando j ulgando que e stava suje suj e ito ito a falhar fa lhar,, c omo om o qualquer qualque r outro, todas a s raz ra zõe õess que eu tomara até então por demonstrações. Novam Nova m ente, ente , Sócr Sócraa tes, a nossa faculda fa culdade de ra r a cional, ciona l, com o os sentidos, sentidos, não é infalí infa líve vel,l, podendo às à s vezes nos enganar enga nar.. E quando qua ndo nossos nossos próprios erros er ros nos iludem iludem , não perc pe rcebe ebem m os que somos iludidos, mas acreditamos ter encontrado a verdade. Por conseguinte, não é possível saber se as coisas coisas que até agora tem os provado m ediante ediante o raciocín ra ciocínio io não se encontra encontram m nessa nessa m esma esm a situação. (DM 4, par. 1) [3] E enfim, considerando que todos os mesmos pensamentos que temos quando despertos nos podem também ocorrer quando dormimos, sem que haja nenhum, nesse caso, que seja verdadeiro, resolvi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais verdadeiras que as ilusões de m eus sonhos. sonhos. Da m esma esm a form f orma, a, Sócra Sócrates, tes, nos lembram lem bram os de que, em sonho sonhos, s, já fomos fom os ilu iludi didos dos sobre sobre todas as coisas deste mundo, sejam elas dos sentidos ou da razão. Alguns sonhos nos parecem tão reais re ais que, que, ao despertarm os, os, nos nos mara ma ravi vilh lham am os de de saber sabe r que não foram fora m tão reais rea is assim assim , tendo tendo sid sidoo apenas apena s sonho sonhos. s. Como Como pod podem em os saber saber que não est e stam am os agora m esmo esm o vivendo vivendo um sonho sonho tal, tal, um que pareça pare ça tão ver verdadeiro dadeiro que que não o col c olocam ocam os em dúv dúvid idaa enqu e nquanto anto estam estam os nele? nele? E eis aqui a quarta parte da m inha inha dúvida, dúvida, tal como a descrevi descre vi nas Medit Me ditaçõe açõe s: (M 1, par. 12) [4] Suporei, Suporei, poi pois, s, que que há, não um verdadeiro verdade iro Deus, Deus, que é a soberana sobera na fonte da verdade, ver dade, mas certo gênio mau, não menos ardiloso e enganador do que poderoso, que empregou todo o seu esforço em enganar-me. Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as coisas exteriores que vemos são apenas ilusões e enganos de que ele se serve para surpreender minha credulidade. Considerar-me-ei a mim mesmo absolutamente desprovido de mãos, de olhos, de carne, de sangue, desprovido de quaisquer sentidos, mas dotado da falsa crença de ter todas essas coisas. Permanecerei obstinadamente apegado a esse pensamento; e se, por esse meio, não está em meu poder chegar ao conhecimento de qualquer verdade, ao menos está ao meu alcance suspender meu juízo. Eis porque cuidarei zelosamente de não receber em minha crença nenhuma falsidade, e prepararei tão bem meu espírito a todos os ardis desse grande enganador que, por poderoso e ardiloso que seja, nunca poderá im po por-m r-m e algo. algo. Porque, se um ser assim assim exist existisse, isse, ser seria ia capaz ca paz de me m e enganar e nganar de m aneira m uito uito m ais eficaz e permanente do que os meus sentidos, minha razão ou meus sonhos. SÓCRATES: Esses quatro estágios certamente seriam um experimento mental interessante para um alu a luno, no, especialmente especialm ente alguém alguém j ovem, ovem , que que est e stej ej a naquela idade idade em e m que as dúvi dúvidas das lhe lhe surgem pela prime prim e ira vez, c omo om o que espontanea espontane a m e nte, na c abeça abe ça.. P e nso que este e studa studante nte ficar fic aria ia
fascinado com um professor que lhe sugerisse ainda mais dúvidas; penso também que este estudante provavelmente tentaria responder a essas dúvidas, e que provavelmente falharia. Talvez venha mesmo a perguntar-se se de fato é verdade que ele está num sonho ou hipnotizado por um e spírito spírito m a ligno ligno – ele poderia poder ia a té m esm o ima im a ginar por um m omento om ento a sensaç sensa ç ão de para par a nóia que o ac a c ome om e teria ter ia ca c a so acre ac redit ditasse asse e vivenciasse vivenc iasse re r e a lme lm e nte esta e sta dúvida – isto seria, seria , para pa ra ele, um excitante desafio, um desafio que o levaria para muito além de um “experimento m ental” ental” m eram er am ente metod m etodol ológi ógico, co, ainda ainda que eu cre c reia ia não ter sido sido essa a tua tua intençã ntenção. o. Tu não não lhe sugeriste acreditar na dúvida seriamente, mas que a imaginasse em sua mente por um momento, como um “experimento mental”; um jovem excitável, no entanto, poderia utilizar esse experimento de maneira muito mais pessoal, maneira esta que alguns filósofos mais tarde cham ariam “exist “existencial”. encial”. DESCARTES: Não sou responsável pelo mau uso que jovens excitáveis venham a fazer de algo cujos propósitos estão claramente expressos! SÓCRATES: Não estou dizendo que és responsável nem pelo jovem, nem pelos filósofos “existencialistas” que, de maneira mais séria e deliberada, reinterpretarão a tua dúvida como existencial em vez de teórica. Compreendo que para ti o “experimento mental” é apenas um prec pre c e ito ito metodológi m etodológicc o. DESCARTES: Mas isso não o torna dispensável. O experimento mental não é apenas algo bastante basta nte útil, útil, m as é nece nec e ssário, ssár io, pois some som e nte ele pode tornar torna r m inha dúvida verda ver dadeir deiram am e nte universal. universal. Todo Todoss os out outros ros filós filósofos ofos começ com eçar aram am com algum algum a coisa; coisa; eu sou sou o primeiro prime iro a com c omeç eçar ar sem nad nada. a. SÓCRATES: Mas tu começas com alguma coisa. DESCARTES: É claro que não! Por que o dizes? SÓCRATES ÓCRATES:: Porque Por que fazes f azes alguma algum a coisa. DESCARTES: O que faço? SÓCRATES: Exatamente o que dizes fazer; começas sem nada. DESCARTES: Oh. Então concordas comigo. Passei pela pedra-de-toque. SÓCRATES: Não tão depressa. Começar sem nada, não é isto alguma coisa? DESC DESCARTES ARTES:: É um ato, uma escolha, escolha, um a decisão, sem sem dúv dúvid ida. a. Mas não é uma um a prem issa. issa. SÓCRATES: Entendo, mas eu gostaria de investigar esse ato, por um momento apenas, se não te importares. Tu o descr descrever everias ias como “a “ a decisão de cisão de duvi duvidar dar de tudo”? tudo”? DESCARTES: Exatamente. SÓCRATES: E duvidar, dirias que é o ato de rejeitar quaisquer opiniões que venhas a encontrar em tua ment m ente? e? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES ÓCRATES:: Não seria se ria isso isso pressupor pressupor a existênc existência ia dess de ssas as m esmas esm as opiniões? opiniões? DESCARTES: Bem, é claro. Mas não pressuponho que sejam verdadeiras. É preciso que distingamos entre estas duas idéias: uma, de que existe certa opinião na minha mente; a outra, de que tal opi opini nião ão sej a verdadeira. verdade ira. SÓCRATES: Ótimo. Distingamos então entre estas duas idéias: uma, de que certa opinião existe verdadeiram verdade iramente ente no teu espírit espírito, o, naquilo naquilo que que cham c hamar arííam os de de reali rea lidade dade subjeti subje tiva; va; a outra, de que
tal opini opinião ão seja sej a verdadeira, ver dadeira, verdadeira verda deira quanto quanto à reali re alidade dade objeti obj etiva. va. Ora, Ora , pareceparec e-m m e evi e vident dentee que pressupões pre ssupões a prime prim e ira delas, dela s, ou sej a , que a s tuas idéias e xistem xistem , e, por c onseguinte, que a tua e xist stee e, portant porta nto, o, que tu existes existes – aind a indaa que não nã o press pre ssuponh uponhas as a segunda idéia, a saber, que mente exi quaisq quaisquer uer idéias sej sej am verdadei verdade iras. ra s. Não pressupõ pressupões es a verdade ve rdade de idéia idéia alg a lgum umaa – exceto e xceto a destas três: a idéia de que têns idéias, e de que, portanto, tens uma mente, e de que, portanto, existes. DESCARTES: Eu provo todas essas coisas mais adiante, Sócrates. Primeiro, provo que existo, mediante o meu famoso “Penso, logo existo”, demonstrando que, de todas as idéias em minha mente, esta é a única que não pode ser falsa de maneira alguma. Depois provo que minha própria própr ia essênc essê ncia ia é a de uma um a m ente, ente , de um ser pensante. pensa nte. Então eu prossigo, explora e xplorando ndo as a s idéias idéia s na mente deste ser pensante, sem nada pressupor, e acabo descobrindo que há outra idéia que não se pode refutar de maneira alguma e que, por assim dizer, é prova de si mesma, como o “Penso, logo existo” é, e esta é a idéia de Deus. Eu ofereço argumentos perfeitamente lógicos para par a todas essas essa s coisas. Podem P odem os exam exa m inar esses esse s argum ar gumee ntos a gora? gora ? SÓCRATES ÓCRATES:: Com Comoo disse disse ant a ntes, es, não nã o precisam pre cisam os ir ir tão depress depre ssa. a. Diz D izes es que m ais adiante provas tua própria própr ia existência, existênc ia, assim c omo om o tua essênc essê ncia ia de ser pensante. pensa nte. Mas aqui, logo no iníc iníc io, no a to m esmo esm o de pôr em dúv dúviida todas todas as tuas idéias, idéias, tu tu parece pare cess pressupor essas essas mesmas coisas, ou seja, tua essência e tua existência. Pois o ato de duvidar é um ato do pensamento, e este ato existe na realidade, e todo ato real provém de um agente real; de vez que pareces pressupor, desde o início, aquilo mesmo que te gabas de ter provado mais adiante. Ora, Ora , tenho tenho certez ce rtezaa de que estudast estudastee Lógica. Lógica. Dize-m Dize-m e, por favor, f avor, como c omo é que os lógi lógicos cos denominam o procediment procedime ntoo de supor supor exatam ente aquilo aquilo que se deve provar? DESCARTES: Os lógicos denominam tal procedimento “falácia da petição de princípio”. Mas não a cometo, Sócrates. Não pressuponho a minha essência e a minha existência; eu sim sim plesm plesmente ente as utilizo a fim de duvidar duvidar de todas todas as coisas, coisas, e ent e ntão, ão, mediant m ediantee a exploraç exploração ão do ato da dúvida, dúvida, deduzo deduzo min m inha ha exi e xist stência ência logi logica cam m ente, assim assim como com o a m inha inha nat na tureza ureza de ser pensante pensante e duvidante. Começo pela dúvida, que é uma forma de pensamento, e então deduzo que para pensar pensa r é prec pre c iso e xisti xistir, r, provando prova ndo assim m inha própria própr ia e xistênc xistência. ia. Cogito ergo sum . Que pode haver de errado com esse procedimento? É óbvio que isto não é petição de princípio. Se fosse, então todo argumento o seria. SÓCRATES ÓCRATES:: Talvez não haj a petição de princípio, princípio, então. Mas... Ma s... DESCARTES: Tu sempre tens um “mas”, não tens? SÓCRATES: Sim. Tal é a minha natureza. Penso que duvido ao mesmo tempo mais e menos que tu: mais porque tenho esta dúvida quanto à tua dúvida, que não tens; e menos porque começo com a fé f é m etódi etódica ao invés invés da dúvi dúvida da metód m etódica. ica. DESC DESCARTES: ARTES: Que dúvida é essa que tens a respeito r espeito da m inha inha dúvida? dúvida? SÓCRATES: Tentarei explicar. O ato de duvidares de tudo – é uma decisão, não é? Decisão esta que os filós filósofos ofos anter anteriiores não toma ram , mas m as que tu tom tomaste. aste. DESCARTES: Está correto. SÓCRATES: Exploremos, portanto, o que significa tomar uma decisão. Tu dirias que debater-se, brac bra c e j a ndo cegam ce gam ente na escur e scuridão idão enquanto e nquanto dorm es, é uma um a decisão? dec isão? DESCARTES: Não. SÓCRATES: E quanto ao teu nascimento? Tu decidiste nascer?
DESCARTES: Não. SÓCRATES: E quanto a este livro aqui? Tu decidiste escrevê-lo? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: E quanto a responder minhas perguntas ao invés de permaneceres em silêncio – bem c omo om o respondêre spondê-las las do modo m odo com o o faz fa ze s – é isto uma um a dec de c isão? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCR ÓCRATES: ATES: Perce Pe rcebes bes então o que que é precis pre cisoo estar present pre sentee para que haj a decisão? de cisão? DESC DESCARTES: ARTES: Cre Creio io que que sim: sim : o que que deve estar presente pre sente é a inteli inteligênc gência. ia. SÓCRATES: No momento em que sonha, debatendo-se cegamente, é o sonhador criatura provida de inte inte ligênc ligência? ia? DESC DESCARTES: ARTES: Sim. Sim. Ele é um ser humano. hum ano. SÓCRATES: Mas o ato em si, é ele guiado pela inteligência? DESCARTES: Não. É uma ação instintiva. SÓCRATES: Então é necessário que a inteligência não esteja apenas presente, mas atuando, guiando guiando o ato, ato, para pod poder erm m os diz dizer er que ele é uma um a decis de cisão. ão. DESCARTES: É verdade. SÓCRATES: E a inteligência não pode atuar senão sobre um objeto determinado. DESC DESCARTES ARTES:: Também Tam bém é verdade. verdade . SÓCRATES: E quando a inteligência atua sobre certo objeto, dizemos que tal objeto é conhecido, inteli inteligid gidoo ou compre com preendido, endido, não é assim assim ? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES ÓCRATES:: Decisão, De cisão, portanto, press pre ssupõe upõe conhecim c onhecimento. ento. DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: ÓCRATES: E dec idiste idiste duvidar de tudo. DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES ÓCRATES:: Esta Esta decis dec isão, ão, portanto, pressupõe pressupõe o conhec c onhecime iment ntoo de alg a lgum umaa coi c oisa. sa. DESCARTES: Sim: o conhecimento de que possuo certas idéias em minha mente, mas não o conhecimento conhecim ento a respeit r espeitoo de serem verdadeiras verdade iras ou fals fa lsas. as. SÓCRATES: Mas disseste que duvidavas de todo o conhecimento, e mesmo assim nós encontramos um ato de conhecimento pressuposto no ato da dúvida. DESCARTES: Não diria que é um ato de conhecimento, nem que eu o tenha pressuposto. SÓCRATES ÓCRATES:: Mas se não tivesses tivesses duvidado, duvidado, tua m ente continuaria continuaria agindo da m aneira ane ira normal, norm al, isto isto é, aceitando certas idéias como verdadeiras, sem ter como prová-las, e raciocinando a partir delas como todos nós fazemos no dia-a-dia. Não é assim? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: Mas antes é preciso que pares de pensar como todos pensam se quiseres duvidar de tudo. Não é assim? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim .
SÓCR ÓCRATES: ATES: E o ato de de parar pa rar de pensar como com o todos todos pensam – é um a decisão, de cisão, não não é? é? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: E concordamos que toda a decisão pressupõe um conhecimento, não concordamos? DESCARTES: Concordamos. SÓCRATES: Então, ao que parece, é necessário pressupor algum conhecimento a fim de que possas duvidar de tudo. DESCARTES DESCARTES:: Neste Ne ste senti se ntido, do, sim. sim . SÓCRATES: Mas duvidar de tudo é decidir nada pressupor. DESCARTES: É isso o que é. SÓCRATES: Então é preciso pressupor alguma coisa antes de não pressupor coisa alguma. Assim, Assim, dá-m dá- m e a impress impre ssão ão de que o teu ponto ponto de de partida partida é logi logica cam m ente aut a uto-cont o-contradit raditóri ório. o. DESCARTES: Os escolásticos tinham um lema: “Para evitar uma contradição, faz uma distinção”. Penso ser capaz de encontrar uma distinção, em algum ponto do teu argumento, que irá me salvar, se ao menos pudermos revisar cada um de seus passos mais atentamente. Como dizes, não precisamos ir tão depressa. SÓCRATES: Eu te concedo o seguinte: façamos de conta que já fizeste esta distinção salvadora e que passaste no teste. Temos tempo sem fim aqui para voltarmos a este ponto se assim o desejares, e nossos leitores terão, também, um bocado de tempo para revisar este ponto por si mesmos. Talvez queiram acrescentar outras questões às minhas, como por exemplo: é possível duvidar das leis da lógica de uma maneira que faça sentido? Tu não as utilizas e, sendo assim, não as pressupões? Mas por ora voltemos ao texto, do qual estivemos afastados por tempo demais, como navios que já não avistam terra.
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Segundo Passo do Siste Siste ma Fil F ilosóf osófico ico Cartesiano: Cartesiano: “Penso, logo ex isto” isto”
SÓCRATES: Eis aqui a tua frase mais famosa, talvez a mais famosa de toda a história da filosofia, e o fundamento de tudo o mais que dizes. Pois sem o cogito ergo sum não podes seguir adiante. Não Nã o é isso? isso? DESCARTES: Sim. E a vantagem que a minha fundação tem sobre todas as outras é que ela é simples. É esta única frase apenas, e não aquela montanha de pressuposições questionáveis com que tu, Platão e Aristóteles começaram. SÓCRATES: Então o teu sistema filosófico é como uma pirâmide de ponta-cabeça, apoiada sobre sobre este único ponto. DESCARTES: Uma imagem arrebatadora. Mas certamente não irás argumentar a partir desta imagem, dizendo que nenhum edifício pode se sustentar sobre um único ponto, e que, portanto, nenhuma filosofia é capaz de fazê-lo. Uma pirâmide permanece em pé porque a sua ponta está no topo; se estivesse na base, ela cairia. Mas construir uma filosofia não é como construir uma pirâm pirâ m ide. A filosofia, c omo om o a geom etria, etr ia, prova m uita uita s coisas a parti par tirr de poucas, pouca s, ou m esm o a parti par tirr de uma um a só. SÓCRATES: Não, não foi isto o que quis dizer com minha analogia. DESCARTES: Que quiseste dizer, então? SÓCRATES: Que se a ponta desmoronar, todo o teu sistema desmorona. DESCARTES: Isso é verdade. Eu aceito esse paralelo. Na verdade, eu mesmo o estabeleço, nas editações, em m inha inha analo a nalogi giaa do fulcro, do “pont “ponto arqui ar quim m édico”: (M 2, par. 2) Arquimedes, para tirar o globo terrestre de seu lugar e transportá-lo para outra parte, não pedia nada mais exceto um ponto que fosse fixo e seguro. Assim, terei o direito de conceber conce ber alt a ltas as esperanças, espera nças, se for bastante bastante feli f elizz para encontrar somente som ente uma um a coi c oisa sa que seja sej a cer c erta ta e indubi indubittável. Como om o já j á foi f oi dito dito,, Arquim Arquim edes, ao descobrir a alavanca a lavanca e o seu poder poder,, ter teria ia exclam ado: “Dai-me “Dai-m e apenas a penas um um a al a lavanca suficient suficientem em ente ente grande e um fulcro fulcro em qu quee apo a poiiá-la, e eu eu moverei o mundo.” E digo que realizei a mesma coisa: encontrei um ponto fixo e indubitável ondee apoi ond a poiar ar a alavanca a lavanca de toda toda a argume a rgument ntaç ação ão filosó filosófica, fica, m ovend ovendoo assim assim o mund m undoo intei inteiro ro do pensam pensa m ento huma hum a no. SÓCRATES: Sendo assim, é absolutamente crucial para toda a tua filosofia, e para toda a filosofia moderna, na medida em que esta deriva daquela, que investiguemos tal ponto. DESCARTES: Aceito esta grande responsabilidade, Sócrates. Podes examinar; estou certo de que minha fundação permanecerá. SÓCRATES: Para examiná-la, é preciso, antes, tê-la diante de nós. Eis aqui o que escreveste no Discurso do Método Mé todo, e depois na versão mais longa, das Me dicações dicaç ões . DESCARTES DESCARTES:: Tu quere que ress dize dize r Medit Me ditaç ações ões .
SÓCRATES: Ah,sim. Desculpa. Isto é o que se irá chamar, mais tarde, de “ato falho Freudiano”. Eis Eis aqui a passagem: passagem : (DM 4, par. 1) Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade – penso, logo existo – era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia ac a c e itá itá -la, -la , sem e scrúpulo, scr úpulo, como com o o prime prim e iro princípi princ ípioo da fil f ilosofia osofia que procura proc urava va.. E aqui está a versão mais longa, das Medit Me ditaçõe açõe s: (M 2, par. 4) Eu me persuadi de que nada existia no mundo, que não havia nenhum céu, nenhuma terra, espíritos alguns, nem corpos alguns; não me persuadi também, portanto, de que eu não existia? Certamente não, eu existia sem dúvida, se é que eu me persuadi, ou, apenas, pensei alguma coisa. Mas há algum, não sei qual, enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda a sua indústria em enganar-me sempre. Não há, pois, dúvida alguma de que sou, se ele me engana; e, por mais que me engane, não poderá ja j a m a is faz fa ze r c om que e u nada sej a, e nquanto e u pensar pensa r ser a lguma lgum a c oisa oisa . De sorte que, após ter pensado bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira, todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito. Qual das das duas versões versões desejas desej as defender? defe nder? DESCARTES DESCARTES:: A segunda. segunda . SÓCRATES: E por que ela? DESCARTES: Porque na primeira versão eu tentara provar minha existência através de um argumento, de um silogismo: Cogito ergo sum , “Penso, logo existo.” Já na segunda versão, a qual proposiç ão “Eu sou, eu existo” é viria a publicar quatro anos mais tarde, o que afirmei foi que a proposiç necessariam necessariam ente ente verdadeira. verdadeira. SÓCRATES: Porque modificaste a primeira versão? Encontraste alguma falácia em tua argumentação? DESCARTES: Não uma falácia formal. O silogismo é logicamente válido. Ele é um entimema, um silogismo com uma premissa implícita, a saber, que tudo o que pensa, existe. Assim, tudo o que pensa, existe; eu penso; logo eu existo. Mas a versão francesa do argumento mostrou-me algo que a versão ver são lati latina na não mos m ostrara trara.. No francês, franc ês, bem como com o no ingl inglês, ês, o pronome pronome e o verbo ver bo são são J e pense, pense , donc je suis suis ou I duas palavras palavr as distin distintas, tas, enquanto no latim latim são uma um a só. Quando diz dizem os Je think, therefore I am , vemos o que que parece parec e ser um a fal fa lácia m aterial. aterial. Percebes, Perc ebes, Sócrates? Sócrates? SÓCRATES: Acho que sim. Creio que seja uma “petição de princípio”: pressupor na premissa aquilo que se deve provar na conclusão. DESCARTES: Sim, foi isso o que percebi também. Eu tentara provar o o “eu”, mas em vez disso, acabei pressupondo que houvesse houvesse um “eu” “e u” por trás do “penso”. “penso”.
SÓCRATES: O próximo grande filósofo a usar o teu método matemático, Baruch Spinoza, irá negar esta pressuposição. Ele não apenas notará que não provaste a existência do “eu”, mas irá também negar positivamente positivamente a existência deste “eu”, do eu individual enquanto “substância”, ou ente distinto das outras substâncias. Panteísta, ele afirmará a existência de uma única substância, a que chamará tanto Deus como Natureza. Assim, a sua versão do teu ponto de partida seria simplesmente esta: “O pensar existe”. Todavia, é impossível provar “Eu existo” somente a partir da premissa “O pensar existe”; a não ser que todo o pensar seja necessariamente atividade exerci exerc ida por por um “eu”, “e u”, que que é j ust ustam ente ente o que ele irá negar. DESCARTES: Foi por isso que, ao escrever as Me ditaçõe ditaçõe s, eu mudei a formulação deste importantíssimo ponto de partida. Se fosse para reescrevê-lo em latim, eu não diria cogito ergo um, mas cogito sive sum, isto é: Penso, ou, existo. Penso, em outras palavras, existo. Penso, ou seja, existo. É uma proposição única, e não um silogismo. SÓCRATES: Vejo outra razão para não começares com um silogismo, seja este ou qualquer outro. DESCARTES: Acho que sei o que irás dizer, Sócrates. Posso adivinhar? SÓCRATES: ÓCRATES: Sint Sintaa-te te à vontade. vontade . DESCARTES: Estou tentando refutar o ceticismo mediante meu novo sistema filosófico. E um dos mais antigos argumentos dos céticos é este: que se quisermos pôr tudo em questionamento, como faço, não podemos simplesmente aceitar uma idéia sem antes prová-la. Não é possível termos certeza de qualquer conclusão até que a tenhamos provado. Mas provar é demonstrar a verdade de uma conclusão deduzindo-a de suas premissas. Por conseguinte, é preciso questionar as premissas, exigindo provas delas. E as provas, por sua vez, necessitam de outras premissas, as quais devem ser questionadas e provadas, e assim por diante, ad infinitum . De forma que nenhum silogismo pode ser a primeira e absoluta certeza. SÓCRATES: Exatamente o que estava pensando. És um pensador muito lógico e claro, René. DESC DESCARTES: ARTES: Ora, Ora , obrigado, Sócr Sócrates. ates. Sem Sem pre pensei em nós doi doiss como com o espíritos espíritos irm irm ãos. SÓCRATES: Não foi isso o que eu disse. Disse simplesmente que és um pensador muito lógico e claro. Mas se confundes isto com sermos espíritos irmãos, então dás mostra de não seres um pensador pensa dor m uito uito lógico lógico e c laro. lar o. DESCARTES: Oh. Mas o importante é que o meu ponto de partida, da maneira como foi revi re visado, sado, é sólido sólido,, visto visto ser ser uma um a proposiçã proposiçãoo auto-evi auto-e vidente. dente. SÓCRATES: Talvez seja bom termos certeza de que concordamos quanto ao significado de “proposição auto-evidente”. DESC DESCARTES: ARTES: De fato. f ato. Pois bem, bem , deixe-m deixe- m e analis a nalisar ar esta questão segundo os conceit conce itos os básicos básicos da lógica elementar, “os três atos da mente.” Todo pensamento é composto em primeiro lugar de conceit conce itos os,, os quais quais se express e xpressam am gram atica aticalme lment ntee por m eio de palavras ou locuções, locuções, mas m as que os lógicos denominam “termos”; os termos, por sua vez, formam o sujeito e o predicado das proposições, proposiçõe s, ou sentença sente nçass de decla clara rati tivas; vas; por fim, fim , a s proposições proposiçõe s form for m am as prem pre m issa issa s e a conclusão conclusão dos argument argume ntos os.. Os ter term m os podem podem ser claros c laros ou ou obscuros obscuros,, mas m as em si m esmos esm os não não são nem verdadeiros nem falsos. As proposições ou são verdadeiras ou são falsas, ao passo que os argumentos, ou são logicamente válidos, no caso de a conclusão seguir-se necessariamente das prem pre m issas, issas, ou são sã o inválidos, inválidos, caso ca so isto isto não aconte a conteçç a.
Como om o vist visto, o, há dois tipos tipos de de propos pr oposições: ições: verdadeira verda deirass e falsas. f alsas. As proposições proposições verdade ver dadeiras iras são tam bém de dois tip tipos: os: algumas algum as são aut a uto-e o-evi videntes, dentes, enquanto outra outrass não o são. Meu ponto ponto de parti par tida da é uma um a proposição proposiçã o auto-evidente. auto-e vidente. SÓCRATES ÓCRATES:: O que torna uma um a proposiçã proposiçãoo auto-evi auto-e vidente? dente? DESCARTES: Há três respostas a essa questão: a primeira é psicológica, enquanto as outras duas são lógi lógica cas, s, ist istoo é, refe re ferem rem -se a questões questões de lógica lógica form f ormal. al. Pri Pr im eiro, propos proposição ição auto-evident auto-evidentee é aquela que sabem os ser verdadeira verda deira sem a necess nece ssid idade ade de prova, isto isto é, sem qualquer qualquer prem pre m issa. issa. Segund egundo, o, a raz ra zão de saberm os tal tal coisa coisa é porque o predi pre dica cado do não acresce acr escent ntaa nada de nov novoo ao sujeito. Exemplos de tais proposições seriam: “Dois mais dois são quatro”, “O todo é maior do que as a s partes”, par tes”, “Aquil “ Aquiloo que possui possui os os atributos atributos A, B e C possu possuii o atributo atributo B”, “X “ X é diferente difer ente de não-X”. Mas “Dois mais Y são quatro” não é auto-evidente, porque Y pode não ser dois, e neste caso ca so a proposição proposição seria fals fa lsa. a. “Gol “G olias ias é m aior que que Davi Da vi”” é uma um a proposição proposição verdadei verdade ira, ra , mas m as não é aut a uto-evid o-evidente ente com o “O todo todo é m aior do que que as a s par partes”. tes”. Golias Golias poderia poderia encolher até a té virar virar anão sem deixar deixar de ser Golias, Golias, e Davi Da vi pod poder eria ia crescer cre scer até o ponto ponto de tornar tornar-se -se um gigant gigantee sem deixar deixar de ser Davi, e neste neste caso c aso a proposição proposição “Golias “Golias é m aior que David” seria fa lsa. lsa. “Tudo “ Tudo o que é humano, francês e feminino tem útero” é verdadeiro, mas não é auto-evidente, já que se poderia remover cirurgicamente o útero de certa mulher francesa, e neste caso a proposição tornar-se-á falsa. A terceira terc eira definiçã definiçãoo de proposi proposição çã o auto-e auto-evi vident dentee é aquela cuj c ujaa contra contradi ditó tória ria é autoautocontradi contra ditó tória. ria. Se negas nega s tal tal proposiçã proposição, o, te te cont c ontra radi dizzes. Não Nã o são necessár nec essárias ias outra outrass proposições, proposições, na forma de premissas, para saberes que 2 + 2 = 4, ou que tudo o que possui A, B e C, possui necessariamente B, porque se disseres que 2 + 2 não são 4, ou que algo que possua A, B e C não possui B, tu tu imedia im ediatam tam ente te contra c ontradiz dizes. es. SÓCR ÓCRATES: ATES: Pens Pe nsoo que foi uma resp re spos osta ta admiravelme adm iravelment ntee clara, c lara, René, e logi logica cam m ente impec ável. DESC DESCARTES ARTES:: Pretend Pre tendes es agora a gora impl im plicar icar com o impecável, impec ável, com o é do teu teu feit f eitio io?? SÓCRATES: Não, eu aceito tuas três definições. Tudo o que precisamos fazer é utilizá-las a fim de ver se o teu ponto de partida do cogito sive sum é de fato auto-evidente ou não. DESCARTES: É claro que é, Sócrates. Todo mundo está certo de sua própria existência no momento em que enuncia a proposição “Eu existo”. Ninguém busca provas disto, ninguém o duvida, duvida, ninguém ninguém o contesta. SÓCRATES: Então ela passou no primeiro teste, o teste psicológico. DESCARTES: Sim, e no terceiro também, pois se eu digo que “não existo”, estou claramente me contradizendo. Tanto é assim que eu me tornaria instantaneamente motivo de piada. E visto que o terceiro terce iro teste teste é sim sim plesm plesmente ente a versão negati nega tiva va do segundo, segundo, passo passo no segundo segundo tam tam bém. bém . SÓCRATES ÓCRATES:: Não tão depre de press ssa. a. P ois a tua filosofia, filosofia, em sua totalidade, totalidade, depende de pende deste único ponto, ponto, deste “ponto arquimédico”, não lembras? Sejamos bastante cuidadosos para não deixar nada escapar aqui. DESCARTES: Que poderíamos deixar escapar? Meu ponto de partida é tão simples como 2 + 2 = 4. SÓCRATES: Bem, ainda não aplicamos tua segunda definição a ele. DESCARTES: Então vamos fazê-lo. Não tenho dúvidas de que chegaremos à conclusão de que
“eu “e u existo existo”” é por força f orça uma proposi proposiçã çãoo auto-e auto-evi vident dente. e. SÓCRATES: Toda proposição é composta de um termo sujeito e um termo predicado, não é isso? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: E qual é o sujeito de “eu existo”? DESCARTES DESCARTES:: “Eu” “ Eu”.. SÓCRATES: E o predicado? DESCARTES: “Existo”. SÓCRATES: E qual é a relação entre sujeito e predicado numa proposição auto-evidente? DESCARTES: Numa proposição auto-evidente, o predicado não acrescenta nenhum acidente ao sujeito, como acontece em “eu estou com calor” ou “as árvores verdejantes são agradáveis”, mas simplesmente reafirma a essência do sujeito, como em “eu sou eu” ou “as árvores verdejant verdej antes es são árvo ár vores”. res”. SÓCRATES ÓCRATES:: E o predi pre dica cado do aqui é “exi “e xist sto”, o”, ou “sou “ sou”, ”, isto isto é, o predicado pre dicado é a existênc existência. ia. DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: E o sujeito é “eu”? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: E este “eu” não é Sócrates, Gabriel ou Deus, mas René Descartes? DESCARTES DESCARTES:: É clar c laro. o. SÓCRATES: Ao que me parece, então, tu e Spinoza estavam bastante de acordo quanto ao panteísmo. pante ísmo. DESCARTES: Que queres dizer com isso? SÓCR ÓCRATES: ATES: Que parec par eces es confun c onfundi dirr a ti m esmo esm o com Deus. Salvo Salvo essa essa pequena confus c onfusão, ão, porém , está tudo tudo certo cer to com teu sist sistem em a... DESCARTES: Espera aí! Que queres dizer com confundir a mim mesmo com Deus? Que acusação absurda! absurda! SÓCRATES: Bem, quando dizes que “eu existo” é uma proposição auto-evidente, não estás dizendo, com isso, que o predicado faz parte da essência do sujeito? DESCARTES: Sim. É isto o que uma proposição auto-evidente é. SÓCRATES: O que estás dizendo então é que a existência, que é o predicado, faz parte da essência do teu teu “eu”, “ eu”, que é o suj suj eito? eito? DESC DESCARTES: ARTES: Sim, Sim, pois “existênc “existência” ia” é o predica pr edicado, do, e “eu” “ eu”,, o sujeit suje ito. o. SÓCRATES: Então estás dizendo que a existência é tua essência. DESCARTES: DESCARTES: Oh. Oh . SÓCRATES: Pensei que, segundo vossa teologia, isto fosse verdade apenas para Deus. É por isso que Deus não necessita de nenhum criador para Lhe dar existência, ao passo que tudo o mais necessita: a Sua própria essência é existir, enquanto as criaturas precisam de uma causa para tanto. DESCARTES: DESCARTES: Ops. O ps.
SÓCRATES: Um breve e eloqüente ato de contrição! DESCARTES: É verdade que a minha existência é contingente, e não necessária. Não preciso existir. Na verdade, antes de ser concebido, eu não existia. Minha existência, portanto, não é autoevidente neste sentido – só a existência de Deus o é. Assim, “eu sou” é uma proposição autoevidente evidente apenas para Deus, não não para as criaturas. SÓCR ÓCRATES: ATES: Agora Agora compre c ompreendes endes por que que eu e u diss dissee que, ao a o começ com eçare aress com “eu “e u sou”, sou”, declarando declara ndo ser isto auto-evidente, confundiste a tua essência com a de Deus, e o teu nome com o nome que Deus, na sarça sarç a ardent ar dente, e, revelara r evelara a Moisés: Moisés: “Eu Sou”. Sou”. DESCARTES: Não, não, não. Isto seria blasfêmia e heresia, e nada poderia estar mais longe do que pretend pre tendia. ia. De mais a mais, o “eu sou” que proponho satisfaz os outros dois critérios. Como pode critérios igualmente válidos para a mesma coisa produzirem resultados opostos? SÓCRATES: Não creio que o façam. Se examinares o terceiro critério mais detidamente, verás que a proposi proposiçã çãoo que que afi af irm a não nã o existi existire ress não é de form a alg a lgum umaa aut a uto-cont o-contra radi ditó tória. ria. Com Com efeit ef eito, o, é verdade que não o fizeste durante os muitos séculos que se passaram antes de vires à existência. DESC DESCARTES: ARTES: Os dois critérios lógi lógicos, cos, portanto, produzem produzem o m esm o resul re sultado. tado. Mas o prime pr imeiro, iro, o critério psicológico, produz o resultado contrário. Por que isso, então? Por que “Eu sou” é psicologica psicologicam m e nte auto-e a uto-evidente vidente quando qua ndo não o é logic logic am e nte? Me ditaç ações ões : SÓCRATES: Tu dás a impressão de teres percebido a resposta, quando dizes, nas Medit “que esta proposição, ‘eu sou, eu existo’, é necessariamente verdadeira, todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito .” Que existes é necessariamente verdadeiro, ou autoevidente, apenas para ti, apenas do ponto de vista subjetivo ou psicológico; mas não é autoevidente em si mesmo, nem o é para as outras pessoas. Não é auto-evidente nem do ponto de vista objetivo, nem do ponto de vista lógico. DESCARTES: Contudo, psicologicamente ou subjetivamente, o ponto de partida de minha filosofia continua sendo absolutamente certo. Qualquer pessoa pode reproduzir o meu experimento experim ento m ental. ental. A minha exi e xist stência ência não se tornar tornaráá auto-e auto-evi vident dentee para esta esta pessoa, pessoa, mas m as a sua rópria sim. SÓCR ÓCRATES: ATES: É ver verdade, dade, m as era er a isso isso o que que querias quer ias e o de que precisavas pre cisavas para começ com eçar ar teu novo novo sistema? Pretendeste criar um novo tipo de filosofia. Era tua intenção que esta filosofia fosse mais subjetiva do que as anteriores, ou que fosse mais lógica, objetiva, científica e exata do que todas? DESCARTES: Parece que criei um monstro. SÓCR ÓCRATES: ATES: Eu não cham c hamar aria ia de “m onstro”, onstro”, cham aria ar ia apenas a penas de... Exist Existenciali encialismo. smo.
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Terceiro Passo do Sistema Filosófi Filosóficc o Cartesiano: Cartesiano: “O “O que sou” (A Antropologia de Descartes)
SÓCRATES ÓCRATES:: O próximo pass pa sso, o, depois de de teres tere s provado tua exi e xist stênc ência, ia, obtendo obtendo assi a ssim m tua primeira prim eira certez ce rteza, a, será te perguntar perguntares es a resp re speit eitoo do que és. Eis como com o resu re sum m iste iste este passo passo no parágrafo parágra fo seguinte... DESCARTES: Fico feliz em ver que compreendeste que é um simples resumo; cada parágrafo Método todo sintetiza um capítulo inteiro das Medit Me ditaçõe açõe s, da mesma da Quarta Parte do Discurso do Mé form a que Santo Santo Tom Tom ás de Aquino, Aquino, na na Suma Teológica, resumiu resum iu cinco long longos os argument argume ntos os acerca ace rca da existência de Deus em cinco parágrafos curtos, enquanto na Suma contra os gentios , precisou de um espaço vinte vinte vezes vezes m aior só par paraa expor o prim prim eiro deles. SÓCRATES: Sim, mas, sendo a natureza humana do jeito que é, é a versão e o livro mais breves que geralmente se tornam populares e exercem maior influência. De qualquer forma, é o e stam am os examin exam inando ando agora. Eis aqui então a versão resumida r esumida de tua tua antropol antropologi ogia, a, a Discurso que est resp re spos ostta que deste deste à questão questão “C “ Conh onhec ecee-tte a ti mesmo” me smo”,, a questão que que tornei fam osa: osa: (DM 4, par. 2) Depois, Depois, examin exam inando ando com atenção atençã o o que eu e u era, er a, e vendo que que pod podia ia supor supor que não nã o tinha tinha corpo algum e que não havia qualquer mundo, ou qualquer lugar onde eu existisse, mas que nem por isso podia supor que não existia; e que, ao contrário, pelo fato m esmo esm o de eu pensar em e m duv duvid idar ar da verdade ver dade das outra outrass coisas, coisas, segui seguiaa-se se mui m ui evidente evidente e m ui certam ce rtamente ente que eu exi e xist stia; ia; ao passo passo que, se se apenas apena s houvess houvessee cess ce ssado ado de pensar, em bora tudo tudo o mai ma is que que alg a lgum umaa vez ve z imagi ima ginara nara fosse fosse verdadeiro, ve rdadeiro, já j á não nã o ter teria ia qualqu qualquer er razão de crer que eu tivesse existido; compreendi por aí que era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar, e que, para ser, não necessita de nenhum nenhu m lugar, lugar, nem depende de qualquer qualquer coi c oisa sa m aterial. De sorte sorte que esse eu, isto isto é, a alma, pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo e, mesmo, que é mais fácil fá cil de conh c onhec ecer er do que que ele, e le, e, ainda ainda que est e stee nada na da fosse, ela não deixaria de ser tudo tudo o que que é. é. As premissas, ao que parece, são verdadeiras. De qualquer forma, a maior parte das pessoas pessoa s concorda conc orda c om e las. A conclusã c onclusão, o, por sua ve z, pare par e ce falsa fa lsa ou, pelo me m e nos, a m aior parte par te das pessoas pessoas discordaria discordaria dela. É que o grosso grosso da humani huma nidade dade crê c rê que o que com põe a essência do hom ho m em é o corpo corpo e a alma juntos juntos. Devemos, portanto, explorar a lógica do teu raciocínio: as prem pre m issas issas provam pr ovam a conclusão? c onclusão? É um questionam e nto justo, j usto, não é? é? DESCARTES: Certamente que é. Se há algo de que me orgulho é de ser lógico. Se o meu argume ar gument ntoo não for lógi lógico, co, não presta presta para pa ra nada. SÓCRATES: Examinemos em primeiro lugar a premissa. Desconfio que muitas pessoas, especialmente aquelas mais inclinadas ao senso comum, julgá-la-iam impossível e impensável; diriam diriam que não se se pode pensar, fingi fingir, r, conceber conce ber ou acredit acr editar ar realm re almente ente que não se se tem um corpo c orpo e que abs a bsol olut utam am ente nenhum corpo ou espaços existem existem.. Que respon r esponderias derias a essas pessoas? pessoas? DESCARTES: Chamaria a atenção delas para o fato de que não só existem pessoas que fingiram
tais coisas em um experimento mental, como sugeri, mas que também existem muitas e muitas pessoas pessoa s para par a quem esses esse s pensam pensa m entos são, de fato, fa to, a verda ver dade de liter literal, al, visto visto e xistire xistirem m c ertas er tas correntes filosóficas do Hinduísmo e do Budismo cuja doutrina é justamente esta: que nada existe de fato, exceto a Mente, seja esta Mente de natureza humana ou divina; e que tudo quanto normalmente acreditamos existir fora da Mente – nossos corpos, os corpos das outras pessoas, os entes do mundo material e o próprio universo, além de todo o tempo e o espaço dentro dele, assim como toda a matéria – não passam, na verdade, de pensamentos. Muitos hinduístas crêem que tudo não passa dos sonhos de Brâman, que acontecem durante durante um ciclo kalpa, ou “noi “noite de Brâm an”, e que tudo tudo desaparece desapare ce quand quandoo Brâ Brâm m an desperta e um “dia de Brâm an” inici inicia. a. Todas as coisas, coisas, diz dizem , sendo apenas apena s sonho sonhos, s, são são “m “ m ay a”, a” , ou ilusões. Muitos budistas também crêem que tudo quanto percebemos são ilusões, mas ilusões do pensam pensa m ento humano enquanto e nquanto está está iludi iludido, do, dormin dorm indo, do, na ignorância ignorânc ia (poi ( poiss os budis budistas tas não falam fa lam em Deus). Tanto na na versão hindu hindu como com o na budist budista, a, todas essas essas ilus ilusões ões desaparece desapare cem m na ocasi oca sião ão do desper despertar, tar, seja sej a o desper despertar tar de Brâm râ m an, seja sej a o nosso nosso próprio próprio despertar. Minha Minha prem issa, ssa, portanto, porta nto, é, com c om efeito, ef eito, pensável. pensá vel. É possível desconsid desc onsidee rarm ra rm os os corpos, tanto os nossos nossos com o quaisquer outros. Mas não é possível desconsiderarmos nossas mentes. Foi isso o que acabei de provar com meu cogito ergo sum . Mesmo se todos todos os nosso nossoss pensam pensam entos entos refer ref erentes entes à m atéria sej am ilus ilusões, ões, sonhos sonhos ou enganos produzid produzidos os por um dem ônio ônio que nos hipnot hipnotiz ize, e, ainda há um pensam ento que não pode ser falso, o pensamento de que penso. Pois, para ser enganado, é preciso pensar. E isto é tão certo ce rto quanto quanto o que que demons dem onstrei trei anter anterio iorm rm ente, isto isto é, que para pensar é preci prec iso exist existir. ir. SÓCRATES: Asseguraste a tua premissa, ao que parece. Tenho a impressão, porém, de que, desta premissa, saltas a uma conclusão que a maioria das pessoas diria não seguir-se necessariam necessariam ente ente e qu que, e, também tam bém,, é, na verdade, ver dade, falsa. falsa. Pelo P elo meno me noss é o que a m aioria aioria das pesso pessoas as diria. A conclusão é esta: “compreendi por aí que era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar, e que, para ser, não necessita de nenhum lugar, nem depende de qualquer coisa material.” Daí deduzes três outras conclusões intimamente relacionadas a esta, ou corolários, dizendo o seguinte: “De sorte que esse eu, isto é, a alma, pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo e, mesmo, que é mais fácil de conhecer do que ele, e, ainda que este nada fos f osse, se, ela não deixaria de ser tudo tudo o que que é.” é .” Tua conclusão, portanto, é: 1. 2. 3. 4. 5.
Que a tua tua ess e ssência ência é toda toda pensamento pensam ento;; Que não necessi nec essitas tas de de um corpo ou de de m atéria para par a exi e xist stires; ires; Que a tua tua alma alm a é intei inteira ram m ente dist distinta inta do corpo; Que ela é m ais fácil fá cil de conhecer conhece r do que que o corpo; Que não há nada na natu na ture rezza da al a lm a que dependa do corpo, poi poiss “mesm “m esmoo se se est e stee nada fosse, fosse, a alma alm a não nã o deixaria deixaria de ser tudo tudo o que é.”
A maior parte das pessoas, no entanto, diria que estas cinco proposições são todas falsas. Chamem ham em os sua sua cre c rença nça “Aris “Ar isto tottelismo”, elismo”, apenas a penas para lhe lhe darm os um um nome. nome . Eis Eis aqui, aqui, portanto portanto,, o m odo como expo e xponho nho as cinco cinco diferenças difere nças ent e ntre re a tua ant a ntropol ropologi ogiaa e a de Aris Ar istó tótel teles es (adot (a dotada ada também tam bém por Santo Santo Tom Tom ás de Aquino, Aquino, com o acré ac réscimo scimo da imort im ortali alidade, dade, a qual Arist Aristót óteles eles omitira omitira). ). Os aris a risto totél télicos icos crêem crêe m no opos oposto to de de cada ca da uma um a de tuas propos proposições. ições. Eles Eles crêe c rêem m que
1.
2. 3.
4. 5.
Antes Antes de tudo, tudo, a essência humana, huma na, em sua sua totali totalidade, dade, não é m eram er am ente espirit espiritual, ual, mas ma s compos com posto to de corpo c orpo e alma; alm a; que a essência de todo todo ser humano hum ano inclui inclui um corpo animal anima l além de uma alma espiritual, pois é o corpo o que nos diferencia dos anjos, da mesma forma que é o fato de possuirmos uma alma espiritual o que nos diferencia dos animais. Em segundo lugar, eles crêem que, a fim de que esta essência possa existir, o corpo material, que é parte dela, também precisa existir. Isto é conseqüência lógica do prime prim e iro ponto. Tercei Terce iro, eles crêem crê em qu quee a al a lm a, mesmo m esmo sendo sendo diferente do corpo, não é distinta dele. seja, mesmo sendo a alma algo mais do que uma espécie diferente de corpo (como um elem ento quí quím m ico difere nte) nte),, ela, no entanto, entanto, não é uma um a subs substânci tância, a, ser ou entid entidade ade distinta e independente do corpo. E mesmo a maioria das pessoas que concordam contigo em que a mente seja de fato uma substância distinta do corpo, diriam, no mínimo, que ela depende do corpo para agir, como um espadachim depende da espada. Mas os aristotélicos vão mais longe, dizendo que a alma não é apenas uma substância distinta, ainda que dependente, do corpo, mas é antes a “forma” ou vida do corpo, sendo sendo a relaçã r elaçãoo entre os dois dois semelhant sem elhantee à relação re lação ent e ntre re o sentid sentidoo de um livro livro e as suas palavras. Quarto, eles crêem crê em que o corpo é mais m ais fácil de de conh c onhec ecer er do que que a alma, alm a, visto visto que todo todo aprendizado começa com a experiência sensorial corpórea, e que podemos perceber os corpos com os cinco cinco sentidos sentidos,, mas m as não as a s almas. alm as. E quint quinto, o, eles crêem crê em que se não houvesse houvesse corpo, a alma alm a não nã o seria o que é, vist visto ser ela e la “forma ou vida do corpo”. Isto, portanto, é conseqüência lógica do item três.
DESCARTES: Muito bem colocado, Sócrates. Estas cinco conclusões estão todas ligadas, podendo ser deduzidas umas das outras. SÓCRATES: A proposição número 2, pelo menos, é conseqüência da número 1, e a número 5 da número 3. A proposição 4, acerca do que é mais fácil conhecer, também é conseqüência da proposição proposiçã o númer núm eroo 1, visto visto que, se a alm a com põe toda a tua e ssência, ssênc ia, se tu és somente som ente a lma, lm a, ela e la é a única coisa conhecível em tua essência; mas se tua essência inclui também um corpo, então e le é mais fácil de conhecer, visto ser mais fácil usar os sentidos que a razão. As crianças pequenas, peque nas, com o os anim a nimaa is, tê tê m sentidos que funciona f uncionam m bem e conhec conhe c em m uito, uito, m as é só ma m a is tarde que as cri cr ianças aprendem a usar a razão. razão. Dessa forma, restam-nos apenas duas diferenças, em vez de cinco, já que as outras três são conseqüência lógica destas duas: a essência humana é toda ela pensamento? O corpo e a alma são duas substâncias distintas? DESCARTES: Aceito tua análise. És o tipo do lógico, Sócrates. Mas eu iria um passo além: penso que a segunda propos proposição ição segue-se necessariam nec essariamente ente da primeira. prim eira. Poi P oiss se se a m inha inha essência é toda toda ela pensamento, eis então o que se segue: já que somente a alma é capaz de pensar, mediante as faculdades mentais, ao passo que o corpo não pode fazê-lo (ainda que possa ser usado como instrumento da alma enquanto viver, como a espada é utilizada pelo espadachim e o ábaco pelo m atem ático), ático), segue-se que corpo e alma alm a são, necess nece ssariam ariam ente, duas subs substânci tâncias as dist distintas. intas. SÓCRATES ÓCRATES:: Por P or que seria se ria isto isto necessár nec essário io?? DESCARTES: Poderás percebê-lo claramente observando certos casos similares, ou analogias. Se só o fogo queima, ao passo que a água não o faz, é porque ambos são, necessariamente,
substâncias distintas. Se só Deus pode criar, ao passo que as criaturas não podem, é porque Deus e as criaturas são, necessariamente, substâncias distintas. Se só as plantas crescem, ao passo que as pedras não o fazem, é porque plantas e pedras são, necessariamente, substâncias distintas. Por conseguinte, se conseguir provar que a essência humana é toda ela pensamento, terei provado prova do minha m inha antropologi a ntropologiaa em sua totalidade. totalidade . Pois P ois tudo tudo se segue se gue daí. da í. SÓCRATES: Parece que é isto mesmo. Que prova tens, então, de que a essência do homem é apenas pensamento? DESCARTES: Eu a expus na primeira metade do parágrafo que leste. Posso desconsiderar meu corpo, mas não posso desconsiderar minha mente. Não posso duvidar do meu pensamento sem m e contra contradi dizzer, er , mas m as posso posso duvi duvidar dar do meu m eu corpo c orpo sem sem m e contra contradi dizzer, er , como com o no caso ca so dos dos budis budistas tas e hindus. SÓCRATES: E segue-se necessariamente daí que a essência do homem é toda ela mente, e não corpo? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: Vês qual é a premissa oculta deste argumento? DESCARTES: Sim. Que aquilo de que não posso duvidar sem me contradizer é a essência, e aquil aquilo de que posso posso duvi duvidar dar sem m e contradiz contradizer er não é a essência. SÓCRATES: Parece que é uma proposição auto-evidente. E com ela, pareces ter provado tua conclus conclusão ão de que a essência essência do home homem m é apenas a m ente. ente. Mas esta conclusão contradiz o senso-comum aristotélico de maneira escandalosa. E um dos seus seus corolários c orolários – a saber, sabe r, que o corpo cor po e a m ente são sã o duas subst substânc âncias ias dist distin intas tas – contradiz ainda ainda m ais escandalosam escandalosam ente tanto tanto o senso comum ari ar istot stotéli élico co como c omo todas todas as escol e scolas as de antropologia, psicologia e psiquiatria que virão a existir no futuro. Nem o senso comum nem as ciências do homem aceitam tua teoria das duas substâncias; tanto um como outro estão do lado de Aris Ar istó tótel teles. es. Os filós filósofos ofos aristot aristotéli élicos cos usam o term o “hilom “hilomorfis orfism m o”, ou “m atéria-e -form aism ism o”. Os psicól psicólogo ogoss cham am de “uni “ unidade dade psicoss psicossomá omáti tica ca”. ”. O senso comum cham a simplesmente de “eu”, usando a mesmíssima palavra tanto para a mente como para o corpo: “mi “m inh nha” a” ment me ntee e “m eu” corpo. corpo. Esse é, então, um ponto crucial para tua filosofia, o ponto em que entras na mais violenta contra contradi diçã çãoo com o restante restante do mundo. E se est e stiiveres vere s certo ce rto nesse nesse pon ponto to,, então terás dado à filos filosofi ofiaa uma questão questão apare a parent ntem em ente insolúvel: se a mente e o corpo são duas substâncias distintas, como podem interagir de forma tão perfe per feit itaa , que tem te m os a impre im pressão ssão de sere ser e m uma um a só coisa? A experiê expe riência ncia,, a cada ca da dia e hora, hor a, pare par e c e confirm c onfirm a r a a ntropologia ntropologia de Aristót A ristótee les e desm e ntir ntir a tua. A m e nte e o corpo cor po parec par ecee m antes relacionar relacionar-se -se da m aneira como com o o fazem fazem o senti sentido do e as palavra palavrass de de um livro, livro, e não como com o o faz fa zem o espadachim e a espada, o capi ca pitão tão e o navio, navio, o senhor senhor e o ser servo, vo, o cavalei ca valeiro ro e o caval cava lo ou o matem ma temáti ático co e o ábaco. á baco. Se Se est e stiv ivere eress cert cer to, como expl e xplicar icar ent e ntão ão as aparê apa rências, ncias, as experiências que parecem desmentir tua teoria? O problem problem a “m “ m ente-corpo” ente-c orpo” irá irá atormentar atorm entar teus suce sucess ssores, ores, dando dando ensejo ensej o a soluções soluções extravagantes e incríveis, tal como o “ocasionalismo” de Malebranche, que supunha haver dois m und undos os separ separados, ados, ment me ntes es e corpos, espíri espíritto e m atéria, e que Deus De us causaria todos todos os eventos eventos em am bos os os mund m undos os na ocasi oca sião ão de Ele Ele perceber perc eber um evento corresp corre spond ondente ente no mund m undoo opost oposto; o; se se te desse desse um tapa na cara, car a, não seria seria a m inh nhaa m ão a caus c ausaa da tua tua surpresa surpresa e do dor, r, mas m as a ação aç ão de Deus
na tua alma. Outro sucessor teu, que possuía o estranho nome de Geulincx, supunha que Deus, no instante da Criação, instituíra uma “harmonia pré-estabelecida” entre os mundos absolutamente dist distin into toss da mente m ente e da m atéria, com o doi dois relógio relógioss ajus aj usttados par paraa dar da r a m esma esm a hora. Mas haverá resultado pior do que esses quebra-cabeças intelectuais. O teu dualismo m ente-m atéria irá ato a torm rm entar a vida vida m esma esm a da Civil iviliz izaç ação ão Ocid Oc idental ental.. As duas duas catego ca tegorias rias que que propuseste, propuse ste, mente m ente de desprovida sprovida de m atéria até ria e m atéria até ria de desprovida sprovida de m ente, ente , ou substânc substância ia pensante pe nsante e substância espacialmente estendida, tornar-se-ão tão claras e distintas para os homens dessa pe nsar em civiliz civilizaç ação ão que não irão irã o só pensar em termos term os do teu teu dualis dualism m o mente-corpo, m ente-corpo, mas m as irã irãoo viver de de acordo com ele, vindo a experimentar uma alienação entre mente e corpo, espírito e matéria, homem e natureza, que nenhuma cultura anterior, em toda a história, jamais experimentara. E serás será s consider considerado ado o grande gra nde culp c ulpado ado disso disso tudo. tudo. DESC DESCARTES ARTES:: Pouco m e importa a culpa; culpa; importa-m e o erro. er ro. Ser Serei ei refutado re futado?? SÓCRATES: Ai de nós! Geralmente irão te culpar em vez de refutar. DESC DESCARTES ARTES:: Não podem podem m e cul c ulpar par sem antes refut ref utar ar.. SÓCRATES: Concordo. DESCARTES: Refute-a, Sócrates, que refaço minha filosofia. SÓCRATES: É precisamente para este fim que estamos aqui. DESCARTES: Aguardo com a respiração suspensa. SÓCRATES: Talvez tenhas que aguardar um pouquinho mais. Pois uma refutação satisfatória do teu duali dualismo smo m ente-corpo terá de ser nece ne cess ssar ariam iamente ente bastante bastante técnica e difícil difícil,, e talvez talvez não não sej a este o lugar e a hora para tanto. Em vez disso, permita-me oferecer uma refutação mais simples e fácil. Os lógicos chamam a este tipo de prova reducti reduc tio o ad absurdum . Em lugar de refutar uma teoria diretamente, se é possível demonstrar que ela leva a conseqüências lógicas tão absurdas que só podem ser falsas, então segue-se logicamente que a teoria é falsa, ainda que não sejamos capazes de saber por que é fal fa lsa, nem nem como com o refutá-la refutá-la de outra outra m aneira. É um argumento lógico perfeitamente válido dizer que se A, então B; mas B é falso, logo A deve ser fals fa lso. o. E se se B é não apenas a penas falso, falso, mas m as tão obvi obviam am ente fals fa lsoo que que chega c hega a ser abs a bsurdo, urdo, então tem tem os a prova da “re “ redução dução ao absurdo” absurdo” de que A é fals fa lso. o. Ora, Ora , a maiori m aioriaa das pessoas pessoas argumentaria argum entaria que essa é uma um a ref r efut utaç ação ão satisfató satisfatória ria de tua tua antropol antropologi ogia, a, pois pois diriam diriam ser m uit uito mais m ais cert cer to que a tua tua conclusão conclusão sej a fals fa lsaa do que que a certez ce rtezaa de quee a tua prem issa qu ssa sej a verdadeira. verdadeira. DESCARTES: Por quê? SÓCRATES: Porque a conclusão a que chegaste é a de que todos os seres humanos são duas substâncias distintas, espírito e matéria, um fantasma na máquina. E isso é tão absurdo que somente pessoas com graves transtornos psicológicos são capazes de crê-lo. DESCARTES: A maior parte das pessoas pode mesmo acreditar no que estás dizendo – não sei, eu não pesquisei a opinião de todos os indivíduos e culturas da história. Mas a verdade não se encontra contando votos. E mesmo se todas as pessoas do mundo julgassem minha conclusão absurda, para mim, Sócrates, isso não seria refutação satisfatória. Saber que minha conclusão está errada não é o suficiente. E saber que muitas pessoas, ou a maioria delas, ou mesmo todas elas, acreditam que ela está errada, não prova que está errada. Não aceito a idéia de que minha conclusão, ou seu corolário, sejam absurdos só porque a maioria das pessoas pensa que é. Foi
este tipo de pensamento que inibiu a ciência por dois mil anos: “ Todo mundo concorda com o grande Aristóteles, então não iremos questioná-lo”. SÓCRATES: Concordo, René: devemos usar provas lógicas, e não meras pesquisas de opinião. Portanto, alguém – talvez eu mesmo – precisa defender esta opinião popular e convertê-la em lógi lógica ca.. Alguém Alguém precis prec isaa descobri de scobrirr o erro er ro em teu argumento argum ento lógi lógico co apare a parent ntem em ente perfeit perf eito. o. Mas prefiro não em preender pree nder tal busca busca por enqu e nquanto anto.. Mais Mais uma vez, vez, pelo bem bem daqueles que estão estão lendo esta esta conversação, conversaç ão, gostaria gostaria de deixar de lado este este enorme e norme buraco em e m teu argume ar gument nto, o, a fim de que o leito leitorr possa possa ele e le mesm m esmoo buscar buscar a respos r espostta, em e m vez de sim sim plesm plesmente ente assisti assistirr a nós dois dois tapando todos todos os buracos. burac os. Pois penso que est e stee em preendim pre endimento ento de tapar tapa r burac bura c os será tão técnico téc nico e a bstra bstrato, to, que a m a ior parte pa rte dos le le itore itoress sentir-se-á sentir-se -á intim intimidada idada,, se bem be m que os que se dedica dedicam m à lógica lógica há al a lgum tem po quere quererão rão se ati a tira rarr nele com o uma lont lontra ra num lamaçal. DESCARTES: És tu quem manda aqui, Sócrates; e se é isso o que dizes que devemos fazer, então é isso o que faremos. Aceito tua autoridade aqui neste lugar, pois sou o examinando, e não o exam inador. inador. Poderias P oderias tu, tu, no entanto entanto,, satisfaz satisfazer er-m -m e a curiosid curiosidade, ade, respondendo-m respondendo-mee uma pergunta pergunta sobre o legado que deixei aos filósofos que me sucederam, no que diz respeito ao problema da natureza humana? SÓCRATES ÓCRATES:: Poderia. Pode ria. Qual Q ual é a pergunt per gunta? a? DESCARTES: Alguém resolveu o problema de como a mente relaciona-se com o corpo? Tenho consciência de que não deixei resposta satisfatória a essa questão. Pensei que talvez a resposta pudesse vir dos fisiologis fisiologistas, tas, que, no m e u tem po, haviam havia m de descobe scoberto, rto, na base do c ére ér e bro, a prime prim e ira glândula sem duto, a glândula pineal. pinea l. P e nsei que, por flutuar livre livrem m ente e nã nãoo estar esta r ligada ligada ao a o restante restante do corpo c orpo como com o os outros outros órgãos, órgãos, essa glândul glândulaa poderia ser a sede da al a lm a; mas m as á penso que isso foi um erro bobo, pois uma glândula, tenha ela dutos ou não, é algo puramente m aterial, aterial, de de forma f orma alguma alguma uma po pont ntee ent e ntre re m ente ente e m atéria. atéria. Ausência Ausência de dutos dutos não não é o mesmo m esmo que imaterial ima terialid idade. ade. Encontrou Encontrou alguém alguém , portanto portanto,, uma resposta resposta melho m elhorr do que a m inha inha para par a a m isterio isteriosa sa questão de como estes dois entes, absolutamente diferentes um do outro, o corpo e a mente, conseguem relacionar-se de modo tão perfeito que parecem ser um só? SÓCRATES: Não. Mas houve quem achasse resposta melhor que a tua para outra pergunta: a questão questão acer ac erca ca do porquê porquê de ningu ninguém ém ter encontrado um um a respos r esposta ta adequada a esta esta questão. Isso Isso te interessaria? DESCARTES: Bastante. SÓCRATES: Seu nome é Gabriel Marcel, e viveu trezentos anos depois de ti. Era um católico francês, como tu. Ele dividiu todas as questões filosóficas em duas categorias: a primeira, que ele chamou “problemas”, e a segunda, que ele chamou “mistérios”. Com “mistérios” ele quis dizer questões que não só ainda não haviam sido esclarecidas ou respondidas, mas que em princípio amais poderiam ser totalmente esclarecidas ou satisfatoriamente respondidas, como qualquer dos “problemas” poderia, e por causa disto: porque no “mistério” o interrogador “participa” da pergunta. per gunta. Ele e stá e nvolvido, nvolvido, e nã nãoo distanc distanciado. iado. Em outras outra s palavra pala vras, s, a verdade ver dadeira ira pe pergunta rgunta é o próprio própr io inter interroga rogador, dor, de m odo que e le nã nãoo pode torná-la torná -la obje obj e to, m a s prec pre c isa vivê-la vivê- la no a to m esmo de pergunt perguntá-la. á-la. DESCARTES: Exatamente como vivi minha existência no ato mesmo de negá-la! Acho que compree com preendo ndo o que Marcel Marc el quis quis diz dizer, er , pois pois é o m esmo esm o que eu quis quis diz dizer com o meu m eu m ais fam oso oso
argume ar gument nto, o, o cogito ergo sum . Não posso posso negar m inha inha exi e xist stência ência porque, porque, no ato mesm m esmoo de negánegá la, preciso pre ciso existir. existir. SÓCRATES: Talvez possas ver, então, como este princípio pode ser ampliado para abarcar outros problem proble m a s, c omo om o o da unidade e ntre c orpo e m ente, ente , m e smo sm o quando o corpo cor po não tem pensam pensa m ento e a m e nte não nã o possui e xtensão no espaç e spaço. o. DESC DESCARTES: ARTES: Que outros outros “m “ m istérios” istérios” ess e ssee filósofo filósofo menc m encion ionou? ou? SÓCRATES: O amor, a morte, o mal, a beleza, em especial a beleza da música, nenhum dos quais jamais recebeu explicação inteiramente clara e satisfatória. DESCARTES: Precisarei contemplar esta possibilidade, mais cedo ou mais tarde, ainda que pare par e ç a totalm ente e stranha ao m eu m é todo, espírito espírito e intenções. intenç ões. SÓCRATES: Como disse antes, das filosofias que geraste, talvez aquela que rendeu mais frutos não foi de modo algum a que pretendeste criar, mas aquela que é “totalmente estranha ao teu m étodo, espírito espírito e intenç intenções”: ões”: o Existenc Existenciali ialism smo. o.
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Quarto Passo do Sistema Filosófico Cartesiano: Cartesiano: O Crit Critéé rio de Ve racidade
SÓCRATES ÓCRATES:: Eis Eis o parágra pará grafo fo seguinte, seguinte, e o próxim próxim o argum ar gumento: ento: (DM 4, par. 3) Depois disso, considerei em geral o que é necessário a uma proposição para ser verdadeira e certa; pois, como acabava de encontrar uma que eu sabia ser exatamente assim, pensei que devia saber também em que consiste essa certeza. E, tendo notado que nada há no penso, logo existo, que me assegure a veracidade do que digo, exceto que vejo muito claramente que, para pensar, é preciso existir, julguei poder toma tom a r por regra re gra ge gera rall que a s coisas coisa s conce conc e bidas por nós m ui clara cla ra e m ui distintamente são todas verdadeiras, havendo apenas alguma dificuldade em notar bem quais são as a s que conce c oncebe bem m os nitidam nitidam e nte. DESCARTES: O próximo passo, depois de ter provado minha própria existência e essência, foi perguntar per guntar o que m a is eu poderia poder ia saber. sabe r. P a rtindo de onde m e e ncontrava, ncontra va, aonde poderia poder ia c hegar? hega r? ão me era possível usar os sentidos, pois ainda não provara que eram confiáveis. Não havia provado prova do a e xistênc xistência ia de De Deus, us, nem ne m de nenhum a outra m e nte que nã nãoo a m inha. Tudo o que tinha tinha era a minha própria mente e suas idéias. Como poderia saber quais dessas idéias eram verdadeiras? Se pud pudesse esse encont e ncontra rarr um crit cr itério ério de vera ve racidade, cidade, um crit cr itér ério io uni universal versal que pudesse pudesse aplica aplicar r a todas as minhas idéias, poderia então, por meio dele, julgá-las e distinguir aquelas que eram certam ce rtamente ente verdadeiras verda deiras das que poder poderiam iam ser falsas. f alsas. Saberia aber ia que todas todas as idéias idéias que passassem passassem neste neste rigoros rigorosoo teste teste seriam verdadeiras, verdade iras, e cont c ontiinuaria a duv duvid idar ar das que não passassem passassem . SÓCRATES: Dizes “critério de veracidade ”, mas o que queres dizer na verdade é “critério de certeza”. Quem sabe est e stej ej as confundindo confundindo as duas duas coisas? coisas? DESCARTES: Não, pois reconheço que muitas idéias podem ser verdadeiras ainda que não sejam certas. O que eu tinha era sede de certeza, como expliquei em minha breve autobiografia intelectual. SÓCRATES: Pergunto-me se essa sede era de todo saudável. Mas esta é outra questão que devemos deixar para os leitores ambiciosos investigarem. Continua. DESCARTES: Eu cria que todas as pessoas conheciam e utilizavam esse critério de maneira inata e o disse no primeiro parágrafo do meu livro, onde afirmei que a razão era inata e igual para todos, definindo-a como a habilidade de distinguir o verdadeiro do falso. Ora, para distinguir o verdadeiro do falso é necessário um critério de veracidade. Por conseguinte, se somos capazes de distinguir o verdadeiro do falso é porque possuímos tal critério. E se o possuímos, resta-me apenas apena s tra trazzer à luz luz aquilo aquilo que que j á estava present pre sente. e. SÓCRATES: E como tu o encontraste? DESC DESCARTES: ARTES: Feliz Felizm m ente, eu e u já j á o utiliz utilizar araa com c om êxito para par a encontrar e ncontrar a única única e indubi indubitável tável ce rteza rteza de que existo. Como cheguei a tal certeza? Tão somente por ter percebido de maneira evidente que cogito ergo sum era er a uma idéia idéia clara c lara e disti distint nta. a. O critério de de vera ve racidade, cidade, portanto portanto,, é a clarez clare za
e a dist distinção inção de uma um a idéia. idéia. Clarez Clare za é o lado positi positivo, vo, dist distin inçã çãoo o lado negativo. negativo. Clare Clarezza é a relaçã re laçãoo entre uma idéia e a mente. Distinção é a relação entre uma idéia e as outras. Uma idéia é clara quando é indubi indubitável, tável, e dist distint intaa quando é impossível impossível de confundi conf undirr com c om outra outrass idéias. idéias. Ora, Ora , som som ente através atravé s desse desse crit c ritér ério io é que m e cer c erti tifiq fiquei uei do cogito ergo sum . Foi assim que encontrei meu critério de veracidade. SÓCRATES: O raciocínio que prova o teu critério é, portanto, de natureza indutiva, visto como, parti par tindo ndo de um exem exe m plo em e m parti par ticc ular, ular , obtiveste um princípi princ ípioo gera ge ral: l: o critér c ritério io funcionou func ionou em um caso, funcionará, portanto, em todos os casos. DESCARTES: Ah, não, Sócrates. Raciocínios indutivos são só prováveis. Sua probabilidade aumenta à medida que aumenta o número de casos, e eu só tenho um caso, de forma que este seria o mais fraco dos argumentos indutivos. Seria, na melhor das hipóteses, pista, e não prova. É como com o argumentar argum entar que, se um cisne cisne é branco, bra nco, todo todoss os cisnes cisnes o são. SÓCRATES: Deves ter, então, um raciocínio dedutivo que prove o teu critério de veracidade. Só a dedução gera cert cer teza. eza. DESCARTES: E tenho. Depois de provar a existência de Deus, provo também que Ele é perfeito, e que, portanto, não é enganador. E provo ainda que Deus é o autor do meu ser. Ora, se se pudessem pudesse m impingi im pingirr falsas fa lsas idéias à m e nte c om tam anha clare cla rezza que não se pudessem pudesse m duvidar, Deus seria enganador. Se o uso natural e apropriado da mente tivesse, como resultado inevitável, o erro, então Deus, autor e projetista de meu ser, seria o responsável pelo erro. Já que isso não pode ser se r verda ve rdade, de, posso fica f icarr seguro se guro de não ser enganado, enga nado, desde de sde que utili utilizze c orreta orr etam m ente os dons intel intelec ectu tuais ais que que Deus me m e deu. (Assim, alhures explico que todo o erro é devido à nossa imperfeição, à nossa vontade, que insi insist stee em j ulgar ulgar sem possu possuir ir evidência evidência suficient suficientee para tanto. anto. A vontade vontade é livre, livre, m as a m ente não. Por exemplo, a vontade é livre tanto para crer que Deus é bom, como para crer que Deus não é bom bom , mas ma s a ment m entee não é livre livre para c rer qu quee Deus De us não é bom bom , nem nem para crer c rer qu quee Deus De us não é Deus, pois pois isto isto ser seriia um contra contra-senso -senso.. As idéias, idéias, com freqüência, fre qüência, nos nos vêm à m ente independentemente de nossa vontade, e as leis da lógica não são decisão nossa; mas os juízos são feit fe itos os som som ente através de uma um a decis dec isão, ão, e as a s dec decis isões ões sem sem pre impl im pliicam ca m em von vonttade. Todo o erro, er ro, portanto, porta nto, advém advé m da vontade vonta de,, que j ulga para pa ra além alé m do que perm pe rm ite ite m as evidênc e vidências.) ias.) A confiabilidade de Deus é de fato o argumento do qual se deduz o critério de veracidade. É um argumento dedutivo, e não indutivo; e por isso é certo e não apenas provável. SÓCRATES ÓCRATES:: De fato. f ato. Resta-nos Resta-nos ver se é ou não um bom argum ar gumento ento dedutivo. dedutivo. DESCARTES: É o que veremos no parágrafo seguinte, quando chegarmos às provas da existência de Deus. SÓCRATES: Mas aí está o problema: a premissa do teu argumento vem depois da conclusão. DESCARTES: Que queres dizer? SÓCRATES ÓCRATES:: Tua conclus c onclusão ão é que as a s idéias idéias clara c larass e distin distintas tas são verdade ver dadeiras. iras. DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES ÓCRATES:: E tua tua prem pr em issa issa é que Deus De us é confiável. c onfiável. DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: Mas ainda não provaste Deus.
DESCARTES: DESCARTES: Oh. Oh . SÓCRATES: E quando finalmente O provas, usas o critério de veracidade como premissa. DESCARTES DESCARTES:: Por P or que o dizes? dizes? SÓCRATES: Porque a prova que dás da existência de Deus não pode ser deduzida de nada que se observe no mundo, tal como a ordem, de onde se pode deduzir um Projetista, ou a cadeia de causas e efeitos, de onde se pode deduzir uma Causa primeira incausada – pois ainda não provaste prova ste a existência existênc ia do mundo m undo ma m a terial. ter ial. Ainda estam e stamos os em dúvida quanto à sua exis e xistênc tência. ia. DESCARTES: Isso é verdade. SÓCRATES: Assim, o único ponto de partida para provares Deus é, necessariamente, a idéia de Deus. DESCARTES: Isso também é verdade. SÓCRATES: E o teu argumento é, em essência, o seguinte: a idéia de Deus é uma idéia clara e dist distint inta, a, um a idéia idéia indubi indubitável, tável, logo logo é verdade ver dadeira. ira. DESCARTES: Essa é uma interpretação bastante inadequada de minha prova. SÓCRATES: Oh, reconheço que é. Eu não estava dando a estrutura lógica da prova – trataremos disso em seguida – mas o método, a estratégia. E a estratégia é esta: usas a idéia clara e distinta de Deus De us par paraa provar Sua Sua exi e xist stência. ência. DESCARTES: Isso é verdade. SÓCR ÓCRATES: ATES: Mas Mas também tam bém usas usas a existência existência e a veracidade vera cidade de Deus para provar a confiabili confiabilidade dade das idéias clara c larass e disti distint ntas. as. DESCARTES: DESCARTES: Oh. Oh . SÓCRATES ÓCRATES:: Acho que sabes o nome nom e que os lógicos lógicos dão dã o para par a isso. isso. DESCARTES: Raciocínio ou argumento circular. Mas tenho uma terceira prova do meu critério de cl c larez ar ezaa e disti distinção. nção. Ela também tam bém é dedutiv dedutiva, a, m as não press pre ssupõ upõee Deus. D eus. SÓCRATES: ÓCRATES: Estou Estou esper e speraa ndo. DESCARTES: Se o critério não fosse válido, eu não poderia ter obtido certeza a respeito do “ cogito”. Pois o critério está, no mínimo, subentendido nele. Ora, a certeza que o “ cogito” m e deu é válida, logo, o critério também é. Eu somente tornei explícito o critério que estava implícito. SÓCRATES: Trazer o que está implícito à luz do que está explícito... soa exatamente como a teoria da abstração de Aristóteles, a qual rejeitas como não sendo suficientemente explícita, suficient suficientem em ente m atem ática ática.. Talvez sejas sej as m ais aristo aristotél télico ico do que que pensas. DESCARTES: Reconheço que o modo como estabeleço meu critério de veracidade não é tão claro quanto o critério mesmo: Chego a ele por indução, dedução ou explicitação? Mas vês qualquer coisa de errado com o critério em si mesmo? A fim de fazê-lo, seria necessário encontrares uma idéia clara e distinta que não fosse verdadeira. Esta seria a única maneira de refutar meu critério de veracidade. Pois o que estou dizendo não é que toda verdade é clara e distinta – nós, obviamente, possuímos muitas opiniões corretas que, mesmo sendo verdadeiras, não são nem claras nem distintas – mas tão somente que tudo o que é claro e distinto é verdadeiro. SÓCRATES: Talvez tenhamos novamente de deixar uma “ponta solta” para o leitor amarrar.
Usando as definições que deste de clareza e distinção, poderá ele encontrar alguma idéia clara e dist distin inta ta que não sej a verdadei verdade ira? ra ? Pode o gênio gênio mau m au hipot hipotéti ético, co, por exem exe m plo, plo, colocar colocar na m ente do leitor uma idéia tão clara que ele não a possa, do ponto de vista psicológico, afastar ou rejeitar, e tão distinta que não a possa confundir com nenhuma outra, mas que, apesar de tudo, seja uma idéia idéia fals fa lsa? a? Mas por por ora gostaria gostaria de seguir seguir adi a diante, ante, em dire direçã çãoo ao que ain a inda da falt fa ltaa analisar analisar do teu sistema.
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Quinto Passo do Sistema Filosófico Cartesiano: As Provas da Existência de Deus
SÓCRATES: Até agora só provaste a tua própria existência enquanto mente que pensas. Não provaste prova ste a existência existênc ia de m a is na nada. da. DESCARTES: Exatamente. SÓCRATES: É necessário, portanto, construíres uma ponte desde o eu até o outro, seja lá o que for este outro. E se falhares em construir esta ponte, se falhares em provar a existência de qualquer qualquer coi c oisa sa para além de ti mesmo, me smo, acabar ac abarás ás em soli solips psis ism m o, aquele “ismo” que diz diz que tudo tudo o sole ipse, apenas eu mesmo . que existe é sole DESCARTES: Exatamente. SÓCR ÓCRATES: ATES: Sabes Sabes de que “apenas “a penas eu m esmo” esm o” é a definiçã definição? o? DESCARTES: Acabaste de dizer, Sócrates; é a definição de solipsismo, o qual irei superar mediante minha próxima prova. SÓCRATES: Sim, mas se a tua próxima prova não funcionar, não o terás superado. E talvez seja de alg a lguma uma util utilid idade ade para nós só contem contem plar plar o que seria est e stee “alg “a lgo” o” que não nã o terias superado superado – que é que o solipsismo representa. DESC DESCARTES: ARTES: Não Nã o com c ompre preendo endo o que estás insinuando. insinuando. SÓCRATES: És católico, não é? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: E um católico erudito. Leste os santos e os místicos, não leste? DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: Deverias saber então que, de acordo com alguns de vossos santos e místicos católicos, esta é a definição de inferno: puro egoísmo, pura solidão, absoluta ausência do outro. Certa mística sugere que não existe fogo material no inferno, porque, se houvesse, então existiria algo além da alma condenada, o que aliviaria o remordimento do ego em si mesmo. Ela sugere que a dor física pode ser um alívio à dor espiritual. Outro autor acrescenta que é por isso que, quando se está em profundo desespero, pode-se querer infligir dor física a si mesmo, batendo a cabeça cabeç a contra contra a parede par ede ou arrancando arr ancando os os cabelos. cabelos. DESC DESCARTES: ARTES: Ah, Sócr Sócrates, ates, isto isto é só um experim expe rimento ento mental! m ental! SÓCRATES: Compreendo. Mas é um experimento bastante sério, não é? Poderia haver um mais sério do que este? Poderia haver estado de que tivéssemos maior necessidade de salvação, mesmo em pensamento? DESCARTES: Se é o inferno, não há. SÓCRATES: Então é preciso que nos dediquemos com grande cuidado à construção da “ponte” que vai va i do eu até o outro. DESCARTES: Eu te asseguro que foi exatamente o que fiz em meu pensamento. Minha ponte é forte, porque porque ela é Deus. D eus. Dentre Dentre as mui m uittas idéias idéias em m inha inha mente, m ente, só só uma eu encont enc ontre rei, i, além da idéia de minha própria existência, que, por assim dizer, era prova de si mesma, que era
absolutamente clara, distinta e indubitável, e esta era a idéia de Deus. Eu ainda não provara a existência existência nem da matéria, m atéria, nem do tem tem po e do espaço, nem do mundo, mundo, de modo m odo que não poderia poderia provar prova r a e xistê xistê ncia de De Deus us me m e diante prem pre m issa issa s toma tom a das dessas dessa s fontes. fonte s. Mas a idéia de De Deus us não é como as outras idéias, como a idéia de uma cadeia causal, ou a idéia de uma ordem universal, as quais são questionáveis e não são auto-evidentes; a idéia de Deus, clara e distintamente definida, é a premissa pela qual consigo provar a existência real de Deus, mostrando que a Sua existência é auto-evidente. Portanto, se o solipsismo é o inferno, Deus é a ponte que me leva para fora do infer inferno no – e não há dúv dúvid idaa que uma um a ponte ponte dessas dessas é segura e confiável. SÓCRATES: Na realidade, sem dúvida, se de fato há um Deus. Mas no pensamento? É isto que prec pre c isamos isam os questi que stionar onar a gora: gora : conseguiste c onseguiste provar prova r a existência existênc ia de De Deus? us? Pre Pr e c isamos isam os exam e xam inar a s provas. prova s. DESCARTES: Há na verdade duas provas, ou duas versões da mesma prova, e não apenas uma. (Há também tam bém uma terceira erc eira prova, prova, mas m as é bastant bastantee parecid pare cidaa com c om uma um a das duas, duas, e a difere diferença nça é tão técnica técnica que pod podem em os om om iti iti-la, se não nã o te importares. importare s.)) SÓCRATES: Ótimo. Examinemos as duas provas, uma de cada vez. A primeira está no pará par á grafo gra fo seguint se guinte: e: (DM 4, par. 4) Em seguida, tendo refletido sobre aquilo que eu duvidava, e que, por conseqüência, meu ser não era totalmente perfeito, pois via claramente que o conhecer é perfeição maior do que o duvidar, deliberei procurar de onde aprendera a pensar em algo mais perfe per feit itoo do que eu. e u. DESCARTES: “Algo mais perfeito do que eu” é minha primeira definição de Deus. Uma definição mais perfeita seria a de “Ser absolutamente perfeito”, mas esta definição não é necessária para a primeira prova, como o será para a segunda. Tudo o que preciso aqui é a noção de um ser mais perfeito do que eu mesmo. SÓCRATES: Não me parece que Deus seja assim. Um ser mais perfeito do que eu mesmo poderia poder ia simplesm simple smee nte ser uma um a m ente huma hum a na superior super ior ou um a njo. nj o. Como Com o conseguist conse guistee provar prova r a exist existência ência de um ser que que m ereça ere ça o nom nom e de “Deus” a part par tir de uma um a noção tão im im perfeita? perfeita? DESCARTES: Porque, partindo desta noção imperfeita, eu continuo, na segunda parte da prova, até chegar à noção mais perfeita de um ser “que tenha em si mesmo todas as perfeições de que eu pudesse pudesse ter idéia”. Eis aqui a passagem passagem : (DM 4, par. 4) [...] e conheci com evidência que deveria ser de alguma natureza que fosse de fato m ais perfeit perfe ita[ a[... ...]] pois titirá-la rá -la do nada era er a m anifestam anifestam ente impos im possí sível; vel; e, visto visto que que não nã o há menos repugnância em que o mais perfeito seja uma conseqüência e uma dependência do menos perfeito do que admitir que do nada procede alguma coisa, eu não poderia tirá-la tampouco de mim próprio. De forma que restava apenas que tivesse ivesse sido sido pos posta ta em m im por uma um a natu na ture rezza que fos f osse se verdadeiram verda deiram ente mais m ais per perfe feit itaa do que a minha, e que mesmo tivesse em si todas as perfeições de que eu poderia ter algum algum a idéia, ist istoo é, para expl e xplicaricar-m m e numa num a palavra, palavra , que que fosse Deus. Ora, Ora , Sócra Sócrates, tes, o dado e a prem pre m issa issa de que disp disponh onhoo é soment some ntee a idéia idéia de Deus D eus em m inha inha
m ente. ente. A idéi idéiaa acont a contece ece em m inh nhaa m ente ente da m esma forma form a que as causas e os efei efe itos acont ac ontec ecem em no mundo físi físico. co. E tudo tudo o que que acont ac ontec ece, e, sej a fís f ísiico ou mental, m ental, vem vem , ou do do nada, ou de algum algum a coi c oisa. sa. Uma Um a vez ve z que, do nada, nada vem ve m , tudo tudo precis prec isaa vir de alg a lgum umaa coi c oisa. sa. Há duas possibil possibilidade idades, s, então, entã o, desta “a “ a lguma lgum a coisa” c oisa”,, podem os cham cha m á-la á- la de “ca “c a usa”: usa” : ou à causa c ausa falt fa ltaa , ou não falta, falta, algum algum a perfeição per feição presente presente na coisa coisa qu quee vem os acont acontecer ec er (vamos (vam os cham á-la de “efeito”). Mas se à causa falta alguma perfeição que vemos no efeito, então esta perfeição aparec apar eceu, eu, no efeit ef eito, o, sem caus ca usa. a. E isso sso é tão im im possí possível vel quanto quanto a exi e xist stência ência de um acont ac ontec ecime iment ntoo que surj surj a do nada, de caus ca usaa nenhuma. nenhuma . Portanto, Portanto, a úni única caus ca usaa capaz c apaz de de expl e xplicar icar satisfatori satisfatoriam am ente o efeit efe itoo que que é m inha inha idéia idéia de Deus D eus é um Deus real rea l que que sej a pelo pe lo m enos tão tão perfe per feit itoo quanto a idéia que tenho Dele. De le. Mesm Me smoo que m inha idéia de De D e us não sej se j a absolutamente perfe per feit itaa , é perf pe rfee ita ita o suficiente suf iciente pa para ra m e faz fa zer designar pelo nome nom e “ De Deus” us” qualquer qua lquer ser que corresponda a ela. SÓCRATES: Argumentas, então, que somente um Deus real pode explicar o surgimento da idéia de Deus De us.. DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: Portanto, se alguém fosse capaz de explicar satisfatoriamente o surgimento da idéia de Deus De us sem sem a nece ne cess ssid idade ade de um Deus real rea l, iss issoo im im pug pugnaria naria tua prova. DESCARTES: Impugnaria. Mas isso é impossível, como acabei de demonstrar. O menos perfeito não pode pode ser caus ca usaa do mais m ais perf perfeit eito. o. SÓCRATES: Que dirias a um pensador que declarasse explicar a origem da idéia de Deus pela necessidade do wishful thinking odoss os homens home ns desej desej am profundam profundam ente ser am ados, cuidados cuidados wishful thinking ? Todo e possuí possuíre rem m a imort im ortali alidade. dade. Porque P orque não poder poderiiam nosso nossoss corações coraç ões e m entes ter ter invent inventado ado a idéia de Deus De us par paraa alivi aliviar ar o medo m edo que sentimos sentimos da solid solidão ão e da m orte? DESCARTES: Já respondi a essa pergunta, Sócrates. Porque nossos corações e mentes, nosso desejo de amor e imortalidade e nosso medo da solidão e da morte são todos coisas imperfeitas. Sendo assim, não podem explicar satisfatoriamente nada que seja perfeito. Mas minha idéia de Deus é a idéia de algo perfeito, ou pelo menos mais perfeito do que a soma total de tudo o que está em m im. Assim Assim , qualquer qualquer explicaç explicação ão psicoló psicológi gica ca concebí conce bível, vel, valendo-se valendo-se soment some ntee do que que há ditaçõe s, ao em mim, não pode explicar satisfatoriamente esta idéia perfeita. Como digo nas Me ditaçõe explicar esse princípio da causalidade, (M3, par. 16) Agora, é coisa manifesta pela luz natural [ da razão] que deve haver ao menos tanta realidade na causa eficiente e total quanto no seu efeito: pois de onde é que o efeito pode tirar tira r sua realidade re alidade senão senã o de sua c a usa? E com o poderia poder ia esta e sta ca c a usa lha com c omunica unicar r se não a tivesse em si mesma? [ Ninguém Ninguém pode dar o que não tem. ] Daí decorre não somente que o nada não poderia produzir coisa alguma, mas também que o que é mais perfeito, isto é, o que contém em si mais realidade, não pode ser uma decorrência e uma dependência do menos perfeito. E esta verdade não é somente clara e evidente evidente nos seus seus efeit ef eitos os,, que possu possuem em essa reali re alidade dade que os fil filósofos ósofos cham am de atual[...] atual[...] mas m as tam tam bém nas idéias[.. idéias[...] .] SÓCRATES: Compreendo a lógica da tua argumentação. Mas certamente há casos que não envolvem Deus, nos quais a mente, sob a influência de coisas reais bastante imperfeitas, inventa algo inexistente, mas que é muito mais perfeito do que tudo que vemos na realidade. Por
exemplo, a idéia de um santo perfeito ou de um filósofo infalível. DESCARTES: E como tu explicarias tais idéias, Sócrates, sem violar o princípio lógico que diz que o mais perfeito não pode surgir do menos perfeito? SÓCRATES: Da seguinte maneira. Utilizando o princípio mesmo que expuseste, das idéias claras e distintas, eu distinguiria entre dois reinos claramente distintos, o reino da minha mente e o reino do mundo físico, de tudo o que está para fora da minha mente, e que poderia incluir toda a matéria, as outras mentes e Deus. Vamos chamá-los de reino subjetivo e reino objetivo, ou mundo subjetivo e mundo objetivo. Dentro do âmbito de qualquer desses dois mundos, vale o teu princípi princ ípio: o: nada na da que sej a m ais perf pe rfeito eito pode surgir do m enos perfe per feit ito. o. Idéia I déiass m a iores iore s não nã o podem pode m surgir de idéias menores, e as coisas maiores não podem, sem mais nem menos, surgir das m enores. Mas supo suponham nhamos os que que um desses desses m und undos os sej sej a m aior do que que o outro... outro... DESCARTES: É exatamente isso o que suponho na próxima prova da existência de Deus: que o mundo objetivo é maior do que o mundo subjetivo; que é mais perfeito existir como algo independent independentee da m inha inha m ente do que que existi existirr apenas a penas como com o idéia idéia dependent depe ndentee da m inha inha m ente. E é por isso isso que digo que De Deus us pre pr e cisa existir: existir: porque a idéia de De Deus us é a de um ser que tem em si tod odas as as perfei perfe ições, e a perfeição objet obje tiva é m aior aior do que que a perfeição m eram era m ente ente subj subj etiva. etiva. SÓCRATES: Vamos examinar tua segunda prova em breve. Mas, visto concordares realmente que um dos mundos é maior do que o outro (pois declaras que existir fora da mente, ou como algo independente dela, é mais perfeito do que existir como mera idéia na mente), não é impossível que um conjunto qualquer de causas imperfeitas do mundo objetivo, que é mais perfe per feit ito, o, provoque um e feit fe itoo no m undo subjetivo subj etivo que sej a m a is perf pe rfee ito ito do que qualquer qualque r c oisa oisa nele, uma idéia idéia que supere todas as outras outras idéias. idéias. Mas Mas não deixa de ser apenas apena s uma idéia. idéia. Pre P refiro firo antes ter uma só taça de vinho imperfeito, mas real, quando tenho sede, do que mil idéias perfe per feit itaa s de vinhos perfe per feit itos. os. DESCARTES: Ah, mas a idéia de Deus existe nos dois mundos, Sócrates. Seu conteúdo, ou ignificado , é apenas uma idéia – a idéia de um ser perfeito. Mas a ocorrência desta idéia é um fato fa to.. É um um a pessoa real rea l – eu mesm m esmo, o, cuja existência, existência, lem lem bra-te, bra- te, acabei aca bei de de provar – quem possu possui,i, na realidade, essa idéia. Este é um fato que precisa ser explicado por outros fatos. E o Deus que explica este fato é um fato, e não uma idéia. A mera idéia não pode gerar um fato. A mera idéia, que existe no mundo subjetivo, não pode nunca trazer à existência um fato no mundo objetivo. Assim, é preciso que expliques como é possível que eu, ser imperfeito, possua esta idéia perfeita de Deus De us.. Para colocar o argumento de maneira mais intuitiva que lógica, como poderia um mero m acac ac acoo inteli inteligente gente ter inventado inventado tam anha idéia? idéia? Colo Coloque que todas as idéias da história história universal em em um lado da da balança, e esta esta única única idéia, idéia, a idéia de Deus De us,, no out outro ro lado, e pese-as. pese-a s. Ponha, Ponha, de um lado, a geometria de Euclides, a descoberta do fogo, a domesticação dos animais, as leis da física física,, as sutil sutilezas ezas da fil f ilosofi osofiaa Escolást Esc olástica ica e todas todas as a s maiore m aioress hist histórias órias já j á contadas pelo pe loss grandes grande s contadores de histórias do mundo. Do outro lado fique apenas esta única idéia, a de um ser infini infinitam tamente ente perfe per feit ito, o, perfe per feit itoo em e m todos todos os aspecto aspec tos, s, onipot onipotente, ente, onisciente, onissapi onissapiente, ente, infinitamente amoroso, bom, belo e justo. Esta única idéia irá sobrepujar todas as outras infinitamente, como a infinitude supera toda a finitude. Ora, isso é sem dúvida uma coisa impressionante. Donde poderíamos nós, criaturas imperfeitas, ter tirado uma idéia dessas? Somos m endigos endigos carre ca rregando gando por por aí uma fortuna fortuna em e m ouro. É óbvio óbvio que é um presente, e que só poderia poderia ter vindo vindo de um doado doadorr sumam suma m ente rico. E o princí princípi pioo de caus ca usali alidade dade a que me m e refe r eferia, ria, que diz diz que toda toda a perfe pe rfeição ição que se vê no efe ito precis prec isaa est e star ar presente na causa, c ausa, ou na na soma som a total total das
caus ca usas, as, é certam ce rtamente ente tão verdadeiro verda deiro no mundo das idéias idéias quanto quanto no mundo dos dos entes entes corpóreos. c orpóreos. SÓCRATES: Acho que ainda não respondeste à minha objeção de que um ser imperfeito, no mundo objetivo, que é mais perfeito, poderia ser causa de um ser perfeito no mundo subjetivo, que é menos perfeito. Mas deixemos para os leitores aprofundarem-se nessa complicada questão, questão, e explorem explorem os a tua segunda segunda prova da existência existência de Deus. D eus. Ela é muito parecida com a mais famosa prova da existência de Deus; na verdade, a mais fam fa m osa osa prova de qualquer qualquer coi c oisa sa na hist históri óriaa da fil f ilos osofi ofia, a, talvez o mais m ais fam oso oso argume ar gument ntoo em toda toda a histó história. ria. Ele Ele foi f oi elaborado elaborado por Santo Santo Ansel Anselm m o e seria ser ia mais m ais tarde tarde cham ado “o argume a rgument ntoo ontol ontológi ógico” co”,, aquele a quele que diz diz respeito ao ontos ou ser de Deus. Eis como tu o expressaste: (DM 4, par. 5) Eu via muito bem que, supondo um triângulo, cumpria que seus dois ângulos fossem iguais a dois retos; mas, apesar disso, nada havia que garantisse haver no mundo qualquer triângulo. Ao passo que, voltando a examinar a idéia que tinha de um Ser perfe per feit ito, o, verifica ver ificava va que a existência existênc ia e stava a í inclusa, inc lusa, da m esm a form for m a c omo om o na de um triângulo triângulo está incluso ser serem em seus três ângul â ngulos os iguais iguais a dois retos. retos. DESC DESCARTES: ARTES: E agora a gora,, Sócr Sócrates? ates? Isso Isso é que é prova infalível! infalível! SÓCRATES: Porque então é um dos argumentos menos convincentes para provar Deus? Somente os filósofos parecem levá-lo a sério. Se pedires às outras pessoas que ofereçam um bom a rgum e nto para par a provar prova r a e xistê xistê ncia de De Deus, us, elas ela s nunca te darã da rãoo esse, e sse, m as algum outro, tal como a cadeia de causas e efeitos, a ordem universal, a lei moral ou os milagres. Quando o escutam pela primeira vez, todos desconfiam dele, como se estivesses realizando um truque de m ágica, tira tirando ndo um coelh c oelhoo vivo vivo de de um chapéu chapé u mort m orto, o, um um Deus real rea l de de um m ero er o conceito. conceito. DESCARTES: Explico no próximo parágrafo essa deficiência da mentalidade popular: (DM 4, par. 6) Mas o que leva muitos a se persuadirem de que há dificuldade em conhecê-Lo, e m esmo também em conh conhec ecer er o que é sua sua al a lm a, é o fato de de nunca nunca elevarem o espí espírito rito além das coisas sensíveis e de estarem de tal modo acostumados a nada considerar senão im im aginando, aginando, que que é uma um a form f ormaa de pensar particular particular às coisas coisas materiais m ateriais,, que que tudo tudo quanto não é imaginável lhes parece não ser inteligível. E isto é assaz manifesto pelo fato de os próprios filósofos terem por máxima, nas escolas, que nada há no entendimento que não haja estado primeiramente nos sentidos, onde todavia é certo quee as qu a s idéi idéias as de Deus e da alma j am ais esti estiveram . SÓCRATES ÓCRATES:: Isso nos nos tra trazz de volta volta ao teu crit c ritér ério io de verac ver acid idade ade,, as “id “ idéias éias clara c larass e distint distintas” as”,, que á examinamos, e, de modo mais amplo, ao teu racionalismo em contraste com o empirismo popular. Mas este é um assunto m uito uito extenso exte nso e que diz respeito re speito a coisas coisa s dem a is para par a que o possamos possam os exam exa m inar com proveit prove itoo agora a gora.. Talve Talvezz sej sej a de a lguma lgum a utili utilida dade de e xam inarm inar m os um dia a resposta que deram os filósofos escolásticos, especialmente os tomistas, ao desafio que lançaste acerca da idéia de Deus – uma idéia que admitem estar na mente sem ter estado nos sentidos. Como podem dizer, então, que não há nada no entendimento que não tenha estado antes nos sentidos? Eles Eles têm uma um a respos r espostta para essa questão, questão, e ela diz resp re speit eitoo à capac c apacid idade ade que temos tem os de de
abstrair as formas inteligíveis e os princípios gerais dos acontecimentos e entes específicos, concreto concre toss e m ateriais que que perce per cebem bemos os.. Mas ainda ainda que tenham os, os, neste neste lugar, lugar, uma um a quantidade quantidade de tempo infinita, os leitores que estão lendo este diálogo na Terra não têm; é preciso, portanto, optar. E opto por deixarmos novamente a investigação deste ponto tangencial aos leitores ambiciosos, pois quero voltar à tua segunda prova da existência de Deus. Ela Ela é surpre surpreendentem endentemente ente parecida pare cida com a prova que dás de tua tua própria própria exi e xist stência. ência. Nesta, afirma af irmass que que a proposi proposiçã çãoo ”eu ”e u existo existo”” é auto-e auto-evi vident dentee – pois pois,, a fim f im de negares negare s tua tua própria existência, é preciso existires – ao passo que naquela sustentas que a proposição “Deus existe” é auto-e auto-evi vident dentee – porque porque a exist existência objeti obj etiva va e rea r eall é uma perfeiçã perf eiçãoo e negar a existência existência de Deus é afirm a firmar ar que a Ele Ele falt f altaa ess e ssaa única única perfeição. perf eição. E isto isto é um a cont c ontra radi diçã çãoo lógi lógica ca,, pois pois tanto tanto o que que o crente, cr ente, que que afirm a firmaa a existênci existênciaa de Deus, quant quantoo o que que o ateu, que a nega, nega , quer querem em diz dizer com “Deus” é “o ser que, por definição, possui todas as perfeições, perf eições, ou todas todas as perfeições perfe ições concebí conce bíveis veis”. ”. E a existênci existênciaa é uma um a perfe per feiição çã o concebível. concebível. O ateísm ateísm o, port portanto anto,, parece pare ce contradizer-se a si mesmo, pois sustenta que “o ser que, por definição, possui todas as perfeições concebíveis, carece de uma única perfeição concebível, a saber, a existência objetiva e real”. DESCARTES: Fizeste um belo resumo do meu argumento, Sócrates. Como o cogito ergo sum , este não é um argumento apoiado em premissas questionáveis, pois não possui premissa alguma. É menos um silogismo que uma única proposição auto-evidente. Tu antes argumentaste, Sócrates, que ao dizer que minha própria existência era auto-evidente, eu estava confundindo a m im m esmo esm o com Deus, poi poiss estar estaria ia pressupon pressupondo do que que a existênci existênciaa era e ra m inha inha ess e ssência. ência. Poi P oiss bem, bem , ainda que a crítica fosse, naquele caso, justa – e não creio que tenha sido – neste caso ela não é crít cr ítica ica de m odo algum. algum. Poi P oiss a ess e ssência ência de Deus De us é a existência. existência. É por isso isso que que Ele não precisa pre cisa de causa para existir. Assim, a mesma razão pela qual disseste que meu argumento para minha própria própr ia exist e xistêê ncia e ra inválido – pois pois eu não nã o sou Deus De us – é a raz ra zão por que o argum a rgum ento ontológico ontológico é legí le gíti tim m o, pois pois Deus é De Deus. us. SÓCRATES: Ainda assim, grandes filósofos encontraram falhas neste argumento. DESCARTES: Por quê? SÓCRATES ÓCRATES:: Por não m enos de cin c inco co razõ r azões. es. DESCARTES: Estou ansioso para ouvi-las e refutá-las. SÓCRATES ÓCRATES:: A prime ira é de S. Tom Tomás ás de Aquino. Aquino. Ele Ele diz diz, sim sim plesm plesm ente, que não conhece c onhecem m os a essência de Deus De us e que, portant portanto, o, não não podemos podem os usá-la usá-la com o ter term m o de uma um a dem onstraçã onstraçãoo lógi lógica ca.. DESCARTES: Concordo que não conhecemos a essência de Deus. O que estou dizendo é simplesmente que a existência faz parte dela. E S. Tomás diz isso também. SÓCRATES: Em segundo lugar, ele argumenta que nem todo mundo aceita a definição de Deus como o ser que possui todas as perfeições concebíveis. Para tais pessoas o teu argumento não valeria nada. DESCARTES: De fato. Mas a cabeça dessas pessoas também não vale nada. Pois esta é a definição correta de Deus. Se um tolo definir Deus como uma cobra gigante, não esperem que eu vá ajustar meu argumento a esta falsa definição. SÓCRATES: Muito bem. Mas aí vai uma terceira crítica, também de S. Tomás. O que ele diz, essencialmente, é que S. Anselmo confunde conceitos com juízos. Quem compreende o significado do conceito “Deus”, por força compreende que todas as perfeições estão contidas nele, e que, portanto, se a existência é uma dessas perfeições, a existência estará contida nele
também. Mas. . . DESCARTES: É justamente esse o meu argumento. SÓCRATES: Mas talvez a existência “não seja uma perfeição”, como argumentaria mais tarde, no século XIX, Immanuel Kant, ao criticar o argumento de S. Anselmo e o teu. É isso, essencialmente, o que argumenta S. Tomás, ao dizer que, quando alguém aceita que o conceito de Deus De us contém contém em si o conceit conce itoo de exi e xist stência, ência, isso isso não quer dizer dizer,, necess nece ssar ariam iamente, ente, que aceit ac eitee a veracidade da proposição “Deus existe”; pois a existência não é uma essência, ao passo que todos os conceitos são essências. A existência é afirmada ou negada por um juízo, uma proposição; proposiçã o; e la não é nem o term ter m o suje suj e ito ito nem o term ter m o predica pre dicado, do, m a s a cópula, cópula , o verbo, ver bo, a relação entre o termo sujeito e o termo predicado. DESCARTES: É um argumento bastante técnico. Devemos nos aprofundar nele aqui? SÓCRATES: Não. Deixemos mais uma ponta solta para o leitor amarrar. Nós, ao contrário, vamos seguir adiante, para a quarta crítica ao teu argumento, que o censura por confundir extensão e compreensão. Pois pode ser que o conjunto das “coisas que possuem perfeição infinita” seja um conjunto vazio. Só porque podemos definir o conteúdo, ou compreensão, de uma classe de seres, não significa necessariamente que existam quaisquer seres na extensão, ou população, populaç ão, desta de sta classe. c lasse. DESCARTES: Isso é verdade no que diz respeito a todas as outras coisas, mas não no que diz respeito a Deus. Só quando se fala n’Ele é que se pode deduzir a extensão da compreensão, a existência da essência. Não é lícito argumentar que o filósofo mais perfeito que se possa conceber exista necessariamente, só porque a existência é uma perfeição concebível e um grande filósofo possuidor dela seria mais perfeito que um filósofo que não a tivesse. Pois este filósofo não é concebido como “aquele que, por definição, possui todas as perfeições concebíveis”. Somente Deus é assim. Por isso, somente Deus pode ser provado assim. SÓCRATES: Mas este argumento é também bastante técnico. Permita-me avançar à quinta crítica do “argumento ontológico”, que é talvez a mais simples de todas. O teu argumento começa pela definição do conceito “Deus” como “Ser que, por definição, tem em si todas as perfeições concebíveis”, da mesma forma que o conceito “triângulo” tem em si, por definiçã de finição, o, três trê s ângulos, cuj a som a iguala igua la a dois â ngulos retos re tos.. DESCARTES: Exatamente. SÓCRATES ÓCRATES:: E conclui conc luis, s, portanto, portanto, mediante m ediante e ssa ssa dem onstraç onstração, ão, que De Deus us existe, existe, que Deus De us possui possui existência na realidade; pois Ele tem todas as perfeições e a existência é uma perfeição (admitamos que seja, ainda que S. Tomás e Kant o contestem); logo, Ele possui a existência. DESC DESCARTES: ARTES: Não há silo silogis gism m o mais m ais certo ce rto e m ais sim sim ples ples do que est e ste. e. SÓCR ÓCRATES: ATES: Mas, Mas, mesm m esmoo assim, assim, ele pare pa rece ce conter conter uma um a falác f alácia. ia. DESC DESCARTES: ARTES: De j eito nenhum! “X possui possui todos todos os os Ys, e Z é um Y, logo logo X possui possui Z” – não nã o há aí falácia fa lácia alg a lgum uma. a. Qual das seis regras re gras de Ari Ar istót stóteles eles tu achas ac has que que ele quebra? quebra ? SÓCRATES: A primeira: que diz que um silogismo deve ter apenas três termos. O teu tem quatro; comete, com ete, portanto portanto,, a “falác “ faláciia dos quatro quatro ter term m os”. os”. DESCARTES: Se contares cuidadosamente, Sócrates, verás que há somente três. Sei que és velho e talvez talvez a matem m atemáti ática ca não sej sej a o teu teu forte, mas. ma s. . . SÓCRATES: Garanto que sei contar, talvez melhor do que tu. Pois o Deus que provas em tua
conclusão conclusão é o Deus real, rea l, e não nã o apenas a idéia idéia de Deus, D eus, certo? DESCARTES: Certo. Pressuponho apenas a idéia de Deus, não o Deus verdadeiro. Mas é o Deus verdadeiro que provo, e não a idéia. Provo a realidade a partir da da idéia. Se tivesse pressuposto o Deus real, estaria cometendo uma petição de princípio; e se tivesse provado somente a idéia de Deus, não teria provado que Ele existe. SÓCR ÓCRATES: ATES: Portanto, Portanto, o “Deus “De us”” da tua concl c onclus usão ão não é apenas apena s um conceit conce ito, o, mas m as uma um a reali re alidade. dade. DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: Coloquemos os conceitos entre aspas, para mostrar que os estamos tratando apenas como com o conceit conce itos os.. Tu não coloca colocarias rias a pal pa lavra “Deus “De us”” ent e ntre re aspas na concl c onclus usão, ão, coloca colocarias? rias? DESCARTES: Não. Como disse, se tivesse provado apenas o conceito ou a idéia de Deus, não teria provado nada. SÓCR ÓCRATES: ATES: Pois Pois bem, bem , o “Deus “De us”” com que com eças, eç as, o Deus da tua tua prem issa: issa: é Ele o Deus real? re al? DESCARTES: Não. Eu não começo com o Deus real, eu só chego a Ele no fim. Como disse, se tivesse começado com o Deus real, estaria cometendo petição de princípio, pressupondo o que devia devia provar. provar . SÓCRATES ÓCRATES:: Com Começ eças as pelo pe lo quê, então? e ntão? DESCARTES: Pela definição de Deus, aceita igualmente por crentes e ateus. SÓCRATES ÓCRATES:: Em outra outrass palavras, palavra s, pelo conceit conce itoo de De Deus. us. DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: E nós colocamos os conceitos entre aspas, não colocamos? Para mostrar que estamos estam os a tra tratá-lo tá-loss apenas com o conceitos, conceitos, e não com o real rea lidades. idades. DESCARTES: DESCARTES: Sim. Sim . SÓCRATES: Muito bem, aqui estão os teus quatro termos: primeiro o conceito de Deus, ou “Deus” (entre aspas), na premissa; segundo, a existência; terceiro, a perfeição; e quarto, Deus sem aspas, na conclusão. conclusão. DESCARTES: Oh. Mmm... acho que posso defender-me aqui também e me explicar, Sócrates, m as será necessário necessário cert cer to conhec conheciim ento ento de lógi lógica ca para acom panh panhar ar m inh nhaa defesa... SÓCRATES: Novamente opto por seguirmos em frente, deixando outra ponta solta para o leitor amarrar. DESC DESCARTES: ARTES: Com Comoo queiras. queira s. Obedeço Obede ço vossa vossa autoridade. SÓCRATES: E já que ela vem de cima, tua obediência é um bom augúrio no que diz respeito ao teu destino final, que encontrarás assim que esta inquisição purgativa tiver terminado. Adiante então, para o próximo passo.
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Sex to Passo do Sistema Sistema Fil F ilosóf osófico ico Cartesiano: A Prova da Existência do Mundo Material M aterial
SÓCRATES: Este é um argumento bastante simples e breve, mas o que ele prova é o mundo inteiro. Com ele provas finalmente que o mundo que vemos com nossos sentidos existe. Mas só consegues fazer isso depois de teres provado a existência de Deus, pois Deus é a única premissa que podes podes usar usar para chegar chega r a ess e ssaa concl c onclus usão. ão. DESCARTES: Sim, é essa a minha estratégia. Não conheço nenhum outro meio de provar a existência do mundo, uma vez que se tenha optado pela dúvida metódica universal. SÓCRATES: Que tens a dizer da crítica que com freqüência se faz dessa tua estratégia, a qual diz ser ela o contrário do funcionamento normal da mente humana? Nós começamos, desde muito pequenos, peque nos, c onhecendo onhec endo as c oisa oisa s do m undo m a terial, ter ial, pois e las nos pare par e c em as m a is óbvias; depois, mais tarde, é que pensamos sobre nós mesmos e, por último, depois de termos pensado sobre todas essas coisas, é que pensamos sobre Deus, que parece ser o menos óbvio e o mais questionável. Mas terminas com o mundo, ao invés de começares por ele; conheces Deus antes de conh c onhec ecer eres es o mund m undoo e só conhec conheces es o mund m undoo depois depois de de teres ter es conhecido o “eu”. “e u”. DESCARTES: O que tenho a dizer é que isso não é crítica de forma alguma, pois quem o diz não compreende meu projeto. Não sou um psicólogo tentando explicar o surgimento dessas idéias na m ente de uma um a criança, c riança, m as um filós filósofo ofo tentando tentando provar a exist existência do eu, de Deus De us e do mundo. mundo. Quem diz diz isso isso está está sim sim plesm plesmente ente confun c onfundi dindo ndo a ordem orde m lógi lógica ca com a ordem psicol psicológi ógica ca.. SÓCRATES ÓCRATES:: É uma respo re spost staa clara clar a e satisfatória. satisfatória. DESCARTES: Examinemos então minha prova da existência do mundo. SÓCRATES: Ela desenvolve-se, parece-me, em três etapas. Primeiro provas que Deus é bom e que, portanto, não é enganador. Daí provas que, se o mundo não existisse, Deus seria enganador. Por fim chegas c hegas à concl c onclus usão ão de que o m und undoo existe. existe. DESC DESCARTES ARTES:: É esse m esmo esm o o meu m eu argum a rgumento ento.. SÓCRATES ÓCRATES:: A primeira prim eira prem pre m issa, issa, pois, pois, prova-se prova- se assi a ssim m: (DM 4, par. 4) Para conhecer a natureza de Deus, tanto quanto a minha o era capaz, bastava considerar, acerca de todas as coisas de que achava em mim qualquer idéia, se era ou não perfeição perfe ição possu possuíí-las, e estava estava seguro de que nenhum nenhum a das que era m m arca ar cadas das por por algum algum a imperfe imper feição ição exist existia Nele, m as que todas todas as a s outras outras existi existiam am . DESCARTES: Veja bem, é a mesma definição de Deus que usei para provar Sua existência, definição esta que diz ser Ele o possuidor de todas as perfeições concebíveis. Não vejo como alguém poderia contestar isso aí. E se, só por seguir a luz natural da razão, ou seja, por usar minha mente de acordo com suas próprias regras inatas, eu fosse sistematicamente enganado, então seria Deus o responsável pelo engano. SÓCRATES: Por que O responsabilizas? DESCARTES: Porque, ao seguir os princípios que me são conhecidos de modo natural e inato,
estou seguindo seguindo Seu proj pr ojeto, eto, vist vistoo que Ele é o autor do meu m eu ser. se r. SÓCRATES ÓCRATES:: Mas ainda não nã o provaste que Ele é o autor do teu ser. ser . DESCARTES: Mas ninguém que aceite a existência de Deus pode negá-lo. Isso faz parte do conceito de “Deus” tanto quanto a idéia de que Ele é o possuidor de todas as perfeições. SÓCRATES: Mas a tua mente é imperfeita, não é? Disseste antes o seguinte: que encontras em ti m esmo esm o dúvi dúvidas das e erros, e rros, portant portanto, o, im im perfeições. perf eições. DESCARTES: É verdade. SÓCRATES: Se a mente é imperfeita, não pode ela errar na avaliação que faz de sua própria im perfeição? E tam tam bém equivo equivocar car-se -se acerc ac ercaa de quando erra? DESCARTES DESCARTES:: É clar c laro. o. SÓCRATES: E o que aconteceria se tua mente fosse tão imperfeita que, ao seguir o que chamas de “l “ luz natura natural”, l”, errasse? err asse? DESCARTES: Como já disse, Sócrates, neste caso Deus seria enganador. Porque insistes neste argumento? SÓCRATES: Quero explorar essa possibilidade, se não te importas. Crês que o cérebro é o instrumento corpóreo usado pela mente e que ele seja, em alguns aspectos, tal como um computador? DESCARTES: Um o quê? SÓCRATES: Uma máquina de calcular. Pascal, teu contemporâneo, foi quem inventou a prime prim e ira. ira . A dele e ra ba basica sicam m e nte uma um a m áquina de a dição. diçã o. Mais tarde, tar de, porém poré m , versões ver sões infinitamente mais complexas foram inventadas. Nenhuma viria a ser mais complexa do que o cérebro humano; mesmo assim, ele pode ser visto como uma complicadíssima maquina de pensar, pensa r, ou com c omputador, putador, ainda a inda que sej a, tam ta m bé bém m , muit m uitoo ma m a is do que isso. DESCARTES: Compreendo. Mas por que essa analogia entre o cérebro e o computador? SÓCRATES: Porque é preciso que alguém invente, projete e construa um computador, além de progra progr a m á-lo á- lo para par a que faç fa ç a o que deve faz fa ze r. E, se o cér c éree bro humano hum ano é c omo om o um c omputador, om putador, a m esma esm a coi c oisa sa se apl a plica ica no seu caso ca so:: sua sua ati a tivi vidade dade (que ( que é pens pe nsar ar)) é função de seu desenho int inter erno no e dos programas com que foi alimentado, o que mais tarde chamar-se-ão, respectivamente, o software are ” e o “ hardware ”. Parec “ softw Pa recee que é uma um a anal a nalog ogiia válida, válida, não não parece? parec e? DESCARTES: Digamos que sim. SÓCRATES: Pois bem, quais são as possibilidades no que diz respeito à causa ou ao projetista ou ao programador de qualquer máquina, seja ela outra máquina que não o computador, seja ela outro computador que não o cérebro humano, seja ela o cérebro humano visto como um comput com putador. ador. Poderíam Poder íamos os diz dizer er que este progra program m ador ou é confi c onfiável ável ou não não é? é? DESC DESCARTES: ARTES: É necessár nec essário io que que sej se j a ou um ou outro. outro. SÓCRATES: E o que faz deste programador um programador confiável? DESCARTES: Duas coisas, no meu entender: ele deve ser inteligente, e também deve ser bom, ou seja, benéfico, veraz. Pois se ao programador faltasse de todo inteligência, então a máquina seria programada pelo mero acaso, e ninguém confiaria nela. E se o programador possuísse inteligência, mas não o bastante dela, e se cometesse erros com freqüência, então a máquina seria programada imperfeitamente, e também cometeria erros, só por seguir seu desenho
interno. Assim, é necessário que o programador seja não só inteligente, mas absolutamente inteligente, na verdade, que seja infalível, para que a máquina projetada por ele seja absolut absolutam am ente confiável. Pode ser que, mesmo me smo assi assim , a m áquina áquina seja sej a m al ut utilizada, da mesma m esma forma form a como, c omo, com freqüê fr eqüência, ncia, utili utilizzam os mal ma l noss nossaa inteli inteligênc gência. ia. Mas desde que a utiliz utilizem em os bem, bem , desde que ulguemos somente de acordo com suas regras e de acordo com as evidências, não erraremos – no caso de a m áquina áquina ser m esmo esm o absolu absolutam tamente ente confiável. Assi Assim m , ningu ninguém ém m enos que que o Deus infa infalí lível vel deve deve ser a causa c ausa da m áquina áquina de pensar que é o nosso nosso cére cé rebro, bro, se se for f or para confiarm os de algum m odo em nosso nosso pensam ento, principalm principalmente ente no que diz diz respeit re speitoo àqueles àque les princípio princípioss lógi lógicos cos que por natureza conhecemos, tal como a lei da não-contradição, e que são tão claros e distintos que deles de les não é possí possível vel duvidar duvidar.. SÓCRATES ÓCRATES:: Exatam ente o que pensava que irias dizer dizer.. Concor Concordo do cont c ontigo igo.. DESCARTES: Mas é preciso que esse Deus programador seja não só infalível e incapaz de ser enganado, mas também que seja incapaz de enganar. É necessário que Ele seja moralmente perfe per feit ito, o, isto isto é , benéfic bené fico. o. P ois não vej o c omo om o poderia poder ia estar esta r isento da c ulpa de nos e nganar ngana r se tivesse programado nossos cérebros para tanto. E esta é a segunda qualidade do ser a que os hom ho m ens cham chamam am Deus. Deus. SÓCRATES: Concordo contigo neste ponto também, René. DESCARTES: Portanto, se Deus é a fonte da capacidade que temos de pensar e Deus não nos engana, nosso pensamento estará certo desde que não violemos seus princípios essenciais e naturais. É impossível duvidar do testemunho dos sentidos, tanto quanto é impossível duvidar do testemunho da mente. Assim, os sentidos também não nos enganam, desde que não os utilizemos de m od odoo errado erra do nem nem j ulgu ulguem em os além além do que que perm item as evidênci evidências. as. SÓCRATES: Que queres dizer com essa qualificação? DESCARTES: Quero dizer que os sentidos não nos dão juízos com o o faz a lógi lógica ca do pensam pensam ento, ento, juízos, como mas somente dados. Por exemplo, vemos um disco amarelo e brilhante no céu, ao qual cham am os sol sol.. Vem Vem os tam tam bém outro outro disco disco no céu, m uito uito m enos brilh brilhante, ante, a que cham am os lua. lua. O tamanho aparente de ambos é tão parecido que um pode eclipsar o outro. Mas se julgarmos que eles de fato têm o mesmo tamanho, estaremos julgando além do que permitem as evidências; pois a lua está muito mais próxima da terra do que o sol, e é por isso que parece parec e ser tão grande quanto ele, quando na verdade é muito menor. Outro exemplo: vemos um pau na água e ele parece quebrado, quando na verdade não está; podemos julgar que o pau está realmente quebrado, mas isto seria julgar para além do que a evidência sensorial nos mostra. Os sentid sentidos os não não nos enganam. enganam . Enxer Enxergam gamos os corretam ente, mas m as o que est e stam am os enxergando é a luz luz do pau re r e fra fr a tada pela água. água . SÓCRATES ÓCRATES:: Novamente, Novam ente, não nã o posso posso senão senã o concordar conc ordar contigo. contigo. DESCARTES: Então é preciso que aceitemos a existência do mundo material que os sentidos nos revelam re velam,, baseados na autoridade autoridade da confiabili confiabilidade dade de Deus. SÓCRATES ÓCRATES:: Se Se teus argum a rgumentos entos a respeit re speitoo de Deus De us estivere estiverem m certos. ce rtos. DESCARTES DESCARTES:: É clar c laro. o. SÓCRATES: Mas esses argumentos baseiam-se no conceito de Deus e nos princípios da lógica, que conhecemos de forma inata, tal como a lei da causalidade: o princípio que diz que o efeito
não pode pode ser m aior do que a causa. c ausa. DESCARTES: Sim, e podemos ter certeza de que esses princípios são verdadeiros, pois nossa mente foi programada por um Deus confiável. SÓCRATES ÓCRATES:: Se, Se, ao invés disso, disso, tivéssem tivéssem os sido sido program progra m ados pelo gênio m au ou pelo cego c ego aca a caso, so, não teríamos razão para confiar nesses princípios inatos, não é assim? DESCARTES: É isso mesmo. SÓCRATES: E como sabemos que não é assim que as coisas se passam? DESCARTES: Através dos argumentos que apresento acerca de Deus. SÓCRATES ÓCRATES:: Mas esses argum a rgumentos entos pressupõem os mesm m esmos os princípios princípios inatos. inatos. DESCARTES: DESCARTES: Oh. Oh . SÓCRATES: Usas os princípios lógicos, inatos e naturais, com que toda a mente humana foi progra progr a m ada pa para ra provar prova r a existência existênc ia e a c onfiabil onfia bilidade idade de De Deus; us; depois, provas pr ovas a confiabili conf iabilidade dade destes mesmos princípios invocando a existência e a confiabilidade de Deus. Estás novamente argumentando em círculos. DESCARTES: Acho que posso escapar deste círculo, Sócrates, visto que esses princípios não pressupõem pre ssupõem,, form for m al e logic logic a m ente, ente , a existência existênc ia de De Deus. us. Ta Ta m bém os ateus ate us os conhec conhe c e m . NegáNe gálos é auto-contraditório. Na realidade objetiva, é Deus a fonte desses princípios, mas no conhecimento subjetivo, os princípios são a origem do nosso conhecimento de Deus. Por meio da distinção entre esses dois mundos, o objetivo e o subjetivo, evito a circularidade. Na realidade objetiva, é Deus quem aparece primeiro; no pensamento, quem aparece primeiro são os princípi princ ípios. os. SÓCRATES: Mas a única maneira de provares Deus é pressupondo a validade dos princípios. E a única única m aneira de provares provare s a vali va lidade dade dos princíp princípiios é dem onstrá-los onstrá-los a partir partir da prem issa issa de que há um Deus confiável que os tenha criado. Penso, pois, que ainda estás argumentando em círculos. DESCARTES: Então demonstrarei os princípios sem precisar de Deus como premissa; farei como Aristóteles, demonstrando que negá-los é contradizer-se. SÓCRATES: Mas e se a própria lei de não-contradição não for verdadeira? E se estiveres sendo sistematicamente enganado por um gênio mau, que projetou tua mente para errar sem saber que erra er ra,, sem sem nem m esmo esm o ser ser capaz ca paz de conceber conce ber a possi possibi bili lidade dade de que erra e rra ao seguir seguir essas leis? leis? DESC DESCARTES: ARTES: Um a hipót hipótese ese fantasi fa ntasiosa, osa, Sócrates. Sócra tes. SÓCR ÓCRATES: ATES: De fato, f ato, mas ma s tu tu mesm m esmoo a concebest conce beste, e, René, como c omo conseqüência conseqüência do prim prim eiro passo do teu método, a dúvida universal. Lembras? DESCARTES: Pensas que a única maneira de demonstrar esses princípios é pressupondo a existência de Deus? SÓCRATES: ÓCRATES: Não, Nã o, eu e u não nã o disse isso. DESCARTES: Se houver, então, outra maneira de demonstrar os princípios da Lógica, teremos escapado esca pado do círculo. círculo. E há. Podem P odemos os demons dem onstrá-los trá-los de de m aneira indi indire reta, ta, como com o Aristó Aristótel teles es fez fe z na etafísica, ao refutar o ceticismo de Protágoras e dos sofistas; ou seja, pode-se demonstrar indiretamente a verdade dos princípios auto-evidentes ainda que não se possa fazê-lo diretamente, deduzindo-os de princípios mais básicos, pois eles são os princípios mais básicos de
todos. E a demonstração indireta consiste em mostrar que quem quer que negue os princípios fundamentais, tais como o da não-contradição e o da causalidade, na verdade os reafirma. Pois quem nega a lei de não-contradição (que diz que proposições contraditórias não podem ser ambas verdadeiras), está dizendo que proposições contraditórias podem ser ambas verdadeiras; e o contraditório de não-contradição é a contradição, de forma que quem nega a lei de nãocontradição está dizendo, na verdade, que contradição equivale a não-contradição. Assim, a lei da contradição, na qual ele diz acreditar em lugar da lei da não-contradição, na qual nós acreditamos, revela ser o seu oposto, o seu contraditório. Logo, também ele crê na nãocontradição. Negar a lei de não-contradição é afirmá-la. SÓCRATES ÓCRATES:: É uma um a dem onstraç onstração ão m uito uito inteligent inteligente, e, René, René , mas m as e se os princípios princípios que usaste nela forem também eles parte da ilusão do gênio mau? Como Pascal observou, ao discorrer sobre os princípi princ ípios os lógicos lógicos que conhec c onhecem em os de m odo inato, Não Nã o é possíve possívell saberm sabe rm os se e sses princípi princ ípios os são verdade ver dadeiros iros (salvo (sa lvo pe pela la fé e pe pela la revelação) a não ser por certa intuição natural. Ora, essa intuição natural não nos fornece nenhuma prova convincente da veracidade destes princípios. Não há certeza, exceto pela fé, quanto à questão de ter sido o homem criado por um Deus bom, por um demônio mau ou tão somente pelo acaso. E, sendo assim, é matéria de dúvida, a depender de nossa origem, se são esses princípios inatos verdadeiros, falsos ou Pe nséess 131) ince incertos. rtos. ( Pensée DESCARTES: Estou espantado de ter sido conduzido até aqui. Ao que parece, Sócrates, tu e Pascal Pa scal é que foram fora m os grandes duvi duvidadores, dadores, e não eu. SÓCRATES ÓCRATES:: Ah, o segredo segr edo foi f oi revelado, reve lado, afinal! af inal! DESCARTES: Nunca pensei que seria levado a admitir o que acabei de admitir. SÓCRATES ÓCRATES:: Foi Foi só só por teres tere s duvidado duvidado pouco pouco que levaste tanto tem tem po para perce per ceber ber o quão pouco duvidaste.
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Descartes De scartes e o Futuro Futuro da Humanidade
SÓCRATES: As duas últimas seções do Discurso podem ser analisadas ao mesmo tempo, penso, pois a Quinta Pa P a rte não é de form f orm a algum a lgumaa sobre sobr e fil f ilosofia, osofia, m a s sobre as a s ciência ciê nciass físic físic a s, que aqui a qui não nos dizem respeito diretamente, a não ser na medida em que afetam o argumento apresentado na Sexta Parte, em que fazes previsões acerca das conseqüências que a adoção do teu méto mé todo do pelas pelas ciências tra trará rá à humanid hum anidade. ade. DESCARTES: Muito bem. SÓCRATES: Esta passagem relativamente longa, no início da Sexta Parte, parece resumir tua prom e ssa fundam funda m e ntal, o pe peixe ixe que e stás tentando tenta ndo vender ve nder,, por assim dizer dizer.. Prim P rimeir eiro, o, m e ncionas nciona s a importância da tua cont c ontribu ribuiição çã o para as ciências c iências físicas: físicas: (DM 6, par. 2) [...] tão logo adquiri algumas noções gerais relativas à Física, e, começando a comprová-las em diversas dificuldades particulares, notei até onde podiam conduzir, e o quanto diferem dos princípios que foram utilizados até o presente, julguei que não podia m a ntê-las ntê- las ocultas, sem pecar pec ar grandem gra ndem e nte c ontra a lei que nos obriga a procura proc urar, r, no que depende depe nde de nós, o bem gera ger a l de todos os home hom e ns. DESCARTES: Sempre vi a mim mesmo antes como cientista que filósofo, Sócrates. SÓCRATES: Compreendo. O que me chama a atenção nesta passagem é o uso de uma palavra apenas, uma palavra bastante séria, e que não usaste antes em nenhum outro lugar – indício, ao que parece, de que tudo o que disseste anteriormente foi menos sério, menos importante que isto. DESC DESCARTES: ARTES: Que palavra, palavra , Sócrates? Sócra tes? SÓCRATES: A palavra “pecar”. Parece-me que vês o pecado contra o futuro aperfeiçoamento m aterial da humani huma nidade dade como c omo o m aior de todos todos ou, ou, pelo pelo menos, m enos, como com o o único único digno digno de m enção. ençã o. O único ponto no livro, além deste, em que fazes alguma afirmação de cunho moral é quando descreves descre ves teu teu códi c ódigo go int inteiram eiram ente provisó provisório rio e pragm ático, ático, na Par P arte te Três. DESCARTES: Quando vires algumas das conseqüências que o uso do meu método terá, entenderás por que levo isso tão a sério, Sócrates. SÓCRATES: Façamos, pois, exatamente isso. Continuas dizendo o seguinte: (DM 6, par. 2) Pois elas me fizeram ver que é possível chegar a conhecimentos que sejam muito úteis à vida, e que, em vez dessa Filosofia especulativa que se ensina nas escolas, se pode encontra enc ontrarr uma um a outra práti prá tica ca,, pe pela la qual, conhece conhe cendo ndo a força for ça e as a ções çõe s do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos cercam, tão distintamente como conhecemos os diversos misteres de nossos artífices, poderíamos empregá-los da mesma maneira em todos os usos para os quais são próprios, e assim nos tornar como que senhores e possuidores da natureza. Aqui mostras tua afinidade com Francis Bacon. Na verdade, usas praticamente a mesma expressão que ele: “a conqu conquis ista ta da natureza natureza pelo home homem m ”.
DESCARTES: Contudo, nossos métodos e epistemologia são opostos, visto que ele é um empirista, e eu e u um rac r acio ionali nalist sta. a. SÓCRATES: Mas os fins são os mesmos, e a afinidade de fins é mais profunda que a afinidade de meios, pois é com o coração que se escolhem os fins, enquanto os meios são escolhidos pela cabeça. DESCARTES: Sim, isso é verdade. SÓCRATES ÓCRATES:: É esta ent e ntão, ão, de longe, longe, a parte par te m ais importante e a m ais radical ra dical do teu livro, livro, pois pois diz diz respeito não só ao fim último de tua filosofia, mas ao fim último da vida humana sobre a Terra. Um novo fim último, ou seja, um novo bem maior, um novo summum bonum – que mudança poderia poder ia have ha verr de m ais radica ra dicall que essa? e ssa? DESCARTES: Mas os homens desde sempre anelaram conquistar a natureza, a dor, a ignorância, o sofrime sofriment ntoo e a m orte. Eu só lhes lhes dei novo novoss meio me ioss par paraa ess e ssee fim f im perene. per ene. O que há de radi ra dica call em m eu pensamento pensam ento é que ele e le funciona. funciona. Nada subtraio subtraio,, apenas acresce ac rescent nto. o. SÓCRATES: Não vejo assim. Antes, vejo algo a mais em teu livro, algo muito mais radical, algo que me m e parec par ecee não um sim sim ples ples acréscim ac réscimo, o, mas ma s um um a subtra subtraçã ção, o, ou ou pelo pelo menos me nos uma subs substtitui ituiçã ção. o. DESCARTES: Onde o enxergaste? SÓCRATES: Na passagem citada, onde dizes que “ em vez dessa filosofia especulativa que se ensina nas escolas, se pode encontrar uma outra prática”. Não é, pois, apenas questão de uma filosofia mais prática substituir outra menos prática, mas de a filosofia prática substituir a filosofia especulativa. DESCARTES: E é isto mesmo o que defendo, no que se refere às ciências. Não é meu propósito aplicá-la à teologia ou negar o valor da vida contemplativa que lá se encontra. Afinal, Deus não nos foi dado para que O usemos, mas para que O conheçamos e O amemos. Mas este mundo, segundo dizem as próprias Escrituras Sagradas de Deus, nos foi dado como um jardim, para ser lavrado e cultivado, isto é, para ser usado. Penso que a minha postura prática é o correto, quando o que que est e stáá em e m j ogo são as ciências naturais; naturais; e o m esmo esm o pensava pensava Bacon. Bac on. SÓCRATES: Mas Bacon também criticou a idéia clássica ensinada nas escolas, tanto da Grécia Antiga quanto da Cristandade Medieval, que dizia ser o conhecimento – conhecimento enquanto tal, tal, conhecime nto nto do que quer que sej a – um fim que se deve persegui per seguirr por si m esmo. esm o. É por por isso isso que se chama “ciência especulativa”: não porque é incerta, mas porque busca tão somente ver, contemplar, olhar, conhecer desinteressadamente (como bem sabes, speculum spec ulum, em latim, signi significa fica espelho). Bacon, ac on, ao contrá contrário, rio, diz dizia ia que o conhecimento conhecim ento não não deveria deve ria ser busca buscado do como com o um fim em si mesmo, mas como um meio para o fim maior de conquistar poder sobre a natureza. “Conhecime “Conheciment ntoo é poder ” era e ra o seu seu mot m ote. e. Pergun Pe rguntto-me se concordas concordas com ele. DESCARTES: Certamente concordo que conhecimento é poder, “A pena é mais forte que a espada”, espada” , e não creio cr eio que que o negues. SÓCRATES: Essa não é a questão. A questão diz respeito aos fins. O conhecimento é o meio e o poder é o fim f im?? Dos dois te te rm os do lem le m a de Bacon, Bac on, é certa ce rtam m ente o poder pode r o que para par a ele é o fim f im,, enquanto o conhecimento não passa de meio. E isso é literalmente radical, pois é um rearranjo radical dos fins últimos. DESCARTES: Como assim? Poderias explicar com mais clareza?
SÓCRATES: Acho que posso. Aristóteles ensinava, e a Cristandade inteira cria nisso, que o poder não era er a o bem m aior e que, portanto portanto,, o tipo tipo de conheci conhec im ento que que produz aumento aum ento de de pod poder er sobre sobre a natureza, o qual Aristóteles chamava techne ou “técnica”, e que os séculos vindouros cham ari ar iam “tecnologi “tecnologia” a”,, não é o tip tipoo de conh c onhec ecime iment ntoo mais m ais vali valios oso. o. DESCARTES: Posso concordar que tenha valor secundário, mas ainda assim muito grande. SÓCRATES: Para Aristóteles não era nem mesmo secundário, mas terciário; era apenas o terceiro tipo tipo mais m ais valioso valioso de de conhecime conhec iment nto. o. DESC DESCARTES: ARTES: Apenas Ape nas terceiro? terc eiro? SÓCR ÓCRATES: ATES: De fato fa to sim sim . Pois muito muito mais m ais im im portante portante que ele e le era er a o que que cham ava “conh “c onhec eciim ento práti prá ticc o”, c om o que queria quer ia dize dize r não a tecnologi tec nologiaa , m a s algo c omo om o o c onhecim onhec imento ento m oral, ora l, conhecimento de como viver melhor, de como agir, de como “praticar” a arte de viver, tanto individualmente quanto na família e no estado. É est e stee o tipo de de conhecime conhec iment ntoo que dizias dizias busca buscarr quando qua ndo te te queixast que ixastee de que os antigos antigos haviam haviam baseado o conh c onhec ecime iment ntoo das virtud virtudes es em e m fundamento fundam entoss incer incerto toss e te propusest propusestee a encontrar encontrar uma fundação fundação m ais segura segura para tal. DESCARTES: E repito, saber como levar uma vida virtuosa é ainda mais importante do que saber como conquistar a natureza, pois, como disse em uma de minhas máximas morais, devemos primeiro conquistar a nós mesmos, e só depois a natureza, de vez que nunca nos faltará poder sobre nós m e smos sm os e nossas e scolhas, e m e smo sm o sobre nossas pa paixões, ixões, se c ultivar ultivarm m os a virtude, ao passo que nem sempre teremos poder sobre a natureza. É certo que, no momento da m orte, orte, não temos tem os pod poder er algum algum sobre sobre ela. e la. SÓCRATES: Foi a promessa que nos deixaste na Terceira Parte, mas nunca a cumpriste. Tudo o que nos deste foi um código moral inteiramente provisório, destituído de qualquer senso de obrigação ou necessidade, um código elaborado tão somente para proporcionar-te o máximo de paz e c onforto onfor to enquanto enqua nto rem re m atavas ata vas o trabalho tra balho que obviame obviam e nte c onsider onsiderava avass m uito uito m a is important importa nte: e: teu sist sistem em a fil f ilosófi osófico co e científico. DESCARTES: Tenho uma justificativa para isso, Sócrates. Chama-se morte, coisa sobre a qual não temos praticamente nenhum poder. Não me foi dado tempo para cumprir minha promessa. SÓCRATES: Por acaso ignoravas que todos podemos morrer a qualquer momento? DESC DESCARTES: ARTES: Cer Certam tamente ente que não. nã o. SÓCRATES: Por que, então, não empregaste o tempo incerto de que dispunhas no estudo da ciência moral, que é mais importante, em vez de fazê-lo na pesquisa das ciências naturais e da tecnologia, que são menos importantes? DESCARTES: Porque aí é que estavam depositados os talentos que Deus me concedera; e porque muitos outros já haviam escrito excelentes tratados morais, homens mais sábios e mais virtuosos do que eu. SÓCRATES: É uma resposta razoável, parece-me. Mas neste momento não estou interessado naquilo que Aristóteles chamava as ciências práticas, ou ciências morais, mas no que ele denominava as ciências especulativas; pois, para Aristóteles, mesmo o conhecimento moral tinha uma importância secundária. Aristóteles punha o conhecimento da verdade por si mesma acima até mesmo do conhecimento da verdade para pô-la em prática na vida. DESCARTES: Uma grande tolice, a meu ver.
SÓCRATES ÓCRATES:: Sabe Sabess que raz ra zões teve ele para par a tant ta nto, o, a fim f im de que possas possas cont c ontestáestá-las? las? DESCARTES: Era simplesmente um preconceito da época, era o orgulho que tinha Aristóteles naquilo que ele e sua cultura faziam melhor, que era dedicar-se ao conhecimento puramente especulativo. SÓCRATES: Isso não é verdade. Ele deu uma razão. DESCARTES DESCARTES:: Que raz ra zão? SÓCRATES: A razão que justifica colocarmos o conhecimento moral acima do conhecimento tecnológico é a mesma que justifica colocarmos o conhecimento especulativo acima do conhecimento moral. DESCARTES: E que razão é essa? SÓCRATES: O valor daquilo que cada tipo de conhecimento melhora ou aperfeiçoa. DESCARTES: Que queres dizer? SÓCRATES: O conhecimento tecnológico aperfeiçoa as coisas materiais que fazem parte da natureza e que utilizamos para nosso proveito: coisas como a água, rodas, navios e fornos. O conhecimento moral aperfeiçoa algo muito mais importante e muito mais próximo de nós, algo muito mais íntimo, por assim dizer, que são as nossas próprias ações, nossas vidas. É por isso que o conhecimento moral é mais importante do que a tecnologia: porque nossas vidas são mais important importa ntes es que as a s vidas vidas de navio na vioss ou panelas. DESCARTES DESCARTES:: Não Nã o o nego. ne go. SÓCRATES: E é por esta mesma razão que o conhecimento especulativo é o mais importante de todos: porque o que ele aperfeiçoa nos é ainda mais íntimo, mais valioso, está muito mais próximo próxim o de nossa essênc e ssência ia do que aquilo que o conhec c onhecim imee nto mora m orall aperf ape rfee içoa. içoa . DESCARTES: Que poderia estar mais próximo de nossa essência que a vida? SÓCRATES: A própria essência – que tu mesmo identificas com o pensamento. O conhecimento especulativo aperfeiçoa a mente, engrandece o espírito, que nos são muito mais íntimos, que estão no nos nosso so âmago, âm ago, mui m uito to mais ma is do que que as ações aç ões que que pratica praticam m os. os. DESCARTES: Reconheço que há sabedoria nisso. Mas penso que deve haver uma maneira de conciliar conciliar os dois dois idea ideais is,, o antigo antigo e o novo, novo, sem sem entrar em contra contradi diçã ção; o; e até a té mesm m esmoo uma m aneira de conciliar as duas hierarquias , a antiga, que punha o conhecimento especulativo acima do práti prá ticc o, e a m oderna, oder na, que põe o prá pr á tico tico acim ac imaa do espec e speculativo. ulativo. Mesmo Mesm o que pare par e ç a c ontradit ontra ditório, ório, creio cr eio que poderem os superar superar esta cont c ontra radi diçã çãoo se puderm os dist distin ingui guirr entre dim dim ensões dife difere rent ntes, es, pontos de vista difere dife rentes ntes ou algo do tipo. tipo. SÓCRATES: Talvez. Novamente opto por deixar a questão ao leitor, para que possamos prosseguir prosse guir e anali ana lisar sar teu próximo próxim o a rgum e nto ne neste ste pará par á grafo gra fo profético. prof ético. P ois o que dize dize s é verdadeiramente radical. Eis o quão longe esperas chegar com teu novo conhecimento da natureza: (DM 6, par.2) O que é de desejar, não só para a invenção de uma infinidade de artifícios, que perm per m itiriam itiriam goz gozaa r, sem qualquer qualque r c usto, usto, os frutos fr utos da terra ter ra e todas as a s com c omodidade odidadess que nela se acham [ revertendo assim uma das conseqüências da queda de Adão, “com o m as princi principal palm m ente ente também tam bém para a conservaç conservação ão suor de teu te u rosto come rás teu pão”], mas
da saúde, que é sem dúvida o primeiro bem e o fundamento de todos os outros bens desta vida. Perc Pe rcebo ebo que és o prim prim eiro filós filósofo ofo na hist históri óriaa a eleger a saúde com c omoo summum bonum ; é estranho que um homem jovem, numa era jovem, de novidades, faça essa escolha, pois é esta a resposta que dão os velhos quando perguntados acerca do que é mais valioso: “O importante é ter saúde”. Já ouviste um jovem dizer isso? DESC DESCARTES: ARTES: Mas na frase fr ase seguinte seguinte dou m inhas inhas razõ r azões. es. Contin Continue ue lendo, por favor. f avor. SÓCRATES: Eu o farei. Pois mesmo o espírito depende tanto do temperamento e da disposição dos órgãos do corpo que, se é possível encontrar algum meio que torne comumente os homens home ns mai ma is sábio sábioss e m ais hábeis hábeis do do que que foram f oram até aqui a qui,, creio cre io que se deve procurá-lo procurá -lo na Medicina. DESCARTES: Por Medicina eu entendo não só a restauração dos corpos que estão doentes, mas a melhoria da saúde física de todos os homens, de qualquer idade ou condição. Como explico adiante: É verdade que aquela que está agora em uso contém poucas coisas cuja utilidade seja tão notável; mas, sem que alimente nenhum intuito de desprezá-la, estou certo de que não há ninguém, mesmo entre os que a professam, que não confesse que tudo quanto nela se sabe é quase nada, em comparação com o que resta a saber, e que poderíam poder íam os livra livrarr-nos nos de uma um a infinidade infinidade de m oléstias, oléstias, quer que r do espí e spírito, rito, quer do corpo, c orpo, e talvez mesmo do enfraquecimento da velhice, se tivéssemos bastante conhecimento de suas causas e de todos os remédios que a natureza nos dotou. SÓCRATES: Estás, por acaso, insinuando que... DESCARTES: Não estou insinuando. Eu o afirmo. Não há, em princípio, qualquer razão por que uma ciência aperfeiçoada não possa descobrir como aperfeiçoar a saúde, curando todas as doenças conh c onhec eciidas. SÓCRATES: Mesmo a velhice? DESCARTES: Mesmo a velhice. SÓCR ÓCRATES: ATES: Mas, Mas, se não podemos podem os nunca nunca m orrer por doença ou pela pela idade, idade, e se nunca vier vierm m os a morrer em combate nem formos assassinados, então nos teremos tornado imortais. É isso o que estás sugerindo? sugerindo? DESCARTES: Burman, certa vez, perguntou-me a mesma coisa. Foi isto o que lhe respondi em Amst Am ster erdã, dã, no ano de 164 1648: 8: Se acaso era o homem imortal antes da Queda, e se era, qual a natureza de sua imortalidade, não é questão para os filósofos, devendo, por força, ser deixada ao encargo dos teólogos. E quanto ao fato de terem os homens, antes do Dilúvio, atingido idade tão avançada, eis aí uma questão que derruba o filósofo por terra; pois pode ser que Deus tenha produzido tal coisa miraculosamente, por meio de causas sobrenaturais, sem recorrer a nenhuma causa física; ou, então, pode ser que a própria
estrutura do mundo natural tenha sido, antes do Díluvio, diferente, e que, como conseqüência do Díluvio, se tenha deteriorado depois dele. O filósofo estuda a natureza, bem como o homem, do jeito que é agora; ele não investiga suas causas em nível mais profundo que esse, pois tal está além de suas forças. Todavia, não há duvidar que a vida humana possa ser prolongada, desde que se possa conhecer a arte própria própr ia para par a tanto. P ois, visto visto com o o c onhecim onhec imento ento da a rte própria própr ia nos pe perm rm ite ite aumentar e prolongar a vida de plantas e coisas que tais, porque o mesmo não seria possível possível com c om o homem hom em ? ( Conversa com Burman, Amsterdã, 20 de Abril de 1648. ) Foi por por isso isso que escre e screvi, vi, no últi últim m o parágra pará grafo fo do Discurso do Método Mé todo, que: [...] resolvi não empregar o tempo de vida que me resta em outra coisa exceto procura proc urarr a dquirir algum a lgum c onhecim onhec imento ento da na nature turezza , que sej a de tal ordem or dem que dele se possam tira tirarr re r e gras gra s para par a a Medicina, Me dicina, m a is se se guras gura s do que as a s adotadas adota das até a té agora a gora . SÓCRATES: Bem, não tiveste tempo suficiente, não é isso? DESCARTES: Não tive, mas podes me falar das conquistas de meus sucessores? SÓCRATES: Eu te digo uma coisa: o tempo de vida médio do ser humano de fato aumentou durante durante os séculos séculos que que se seguira seguiram m à tua m orte. DESCARTES DESCARTES:: Aume Aum e ntou quanto? SÓCRATES: Nas nações que possuíam conhecimento científico, tecnológico e médico para tanto, o tempo médio de vida das pessoas chegou, depois de três séculos, a setenta anos. DESCARTES: Não é muito. Na verdade, este é o tanto de vida que, segundo a Bíblia, tinham os homens home ns no no tem tem po do rei re i Davi. Davi. A m edicina edicina não avançou a vançou mui m uito to?? SÓCRATES: ÓCRATES: Oh, bastante. basta nte. DESCARTES: E não se descobriu a cura de muitas doenças? SÓCR ÓCRATES: ATES: Descobriu-se. Descobriu-se. Mas, para cada ca da nova cura, cura , surgia surgia uma um a nov novaa doença. DESC DESCARTES ARTES:: A humani huma nidade dade não usou usou o meu m eu m étodo étodo para desenvolv desenvolver er a ciência m édica? SÓCRATES ÓCRATES:: Não, porque o teu m étodo most m ostrou-se rou-se inúti inútill para ela. Desc D escobriu-se obriu-se que só a induçã indução, o, e não a dedu dedução, ção, poderia poderia revel re velar ar as leis leis da medi m edicin cina, a, bem como com o a causa c ausa e a cura c ura das doenças. doenças. DESC DESCARTES ARTES:: Mmm . Mas a humani huma nidade dade sem dúv dúvid idaa obteve obteve enormes enorm es progressos na na m edicina. edicina. SÓCRATES: Foi provavelmente, de todos os resultados da nova ciência, o que mais benefícios trouxe trouxe à humani huma nidade. dade. DESC DESCARTES: ARTES: Fico Fico satisfe satisfeit itoo em e m saber. saber . Mas... hesito hesito em e m pergunt per guntar ar... ... SÓCRATES: Desembucha! Não tens o que esconder aqui. DESC DESCARTES: ARTES: Não houv houvee quem sugerisse sugerisse algo mais? m ais? SÓCRATES ÓCRATES:: A conqu c onquis ista ta da própria m orte, do trunfo da naturez nature za, queres quere s diz dizer? er ? DESCARTES: Bem, isto seria a vitória suprema “da conquista da natureza pelo homem”, não seria? SÓCRATES: De fato seria. E quase quatrocentos anos depois de escreveres teu livro, este sonho começa com eça a ergu e rguer-se er-se no novam vament entee do túm túm ulo. ulo.
DESC DESCARTES ARTES:: Por que usar uma um a imagem ima gem tão pavorosa? pavorosa? SÓCRATES: Vou te dizer sem rodeios, e sem te interrogar antes: porque é uma idéia pavorosa. Uma idéia que, com efeito, caso fosse implementada, seria a coisa mais desastrosa em toda a história da humanidade desde que se resolveu comer do fruto proibido. Em certo sentido, é a mesma idéia: é a idéia de esgueirar-se para além da espada fulgurante do Querubim, voltar ao Éden, comer do fruto da Árvore da Vida e imortalizar o estado em que caiu a humanidade por ter com c omiido do fruto fruto da outra outra árvore, ár vore, da que era e ra proibi proibida. da. DESC DESCARTES: ARTES: Por que seria ser ia uma um a idéia idéia tão desastrosa assi a ssim m ? P orque é impossível? impossível? SÓCRATES: Não, porque é possível. DESC DESCARTES: ARTES: Mas seria o paraíso par aíso na terra ter ra.. SÓCRATES ÓCRATES:: Não, seria ser ia o inferno infer no na terra ter ra.. DESC DESCARTES: ARTES: Fico Fico estarre estar recido cido e estupefato estupefa to de ouvir ouvir isso. isso. Não com c ompre preendo. endo. SÓCRATES ÓCRATES:: Já sentist sentistee o cheiro che iro de um ovo que não chocou? c hocou? DESC DESCARTES: ARTES: Sim, Sim, certam ce rtam ente. SÓCRATES ÓCRATES:: Então Então sentist sentistee o cheiro c heiro do m undo das tuas esperanç esper anças. as. DESCARTES: Queres dizer que fomos feitos para “sair do ovo”, para morrer e ressuscitar. SÓCRATES: Sim. DESCARTES: Um mundo, pois, que não chocasse seria um mundo de ovos podres. SÓCR ÓCRATES: ATES: Exatam Exatam ente. Mas a Graç Gr açaa de Deus De us,, que te deu essa inteli inteligência gência adm a dmiirável, rá vel, através da qual criaste o teu método e realizaste tantas outras descobertas científicas, também te deu o dom de uma morte precoce, de forma que não tiveste tempo de criar um mundo de ovos podres, ou de viver viver em um. DESCARTES: Parece que há um aprendizado misterioso, mais profundo, por que devo passar, além do exam e rac r aciional das das idéias idéias filos filosófi ófica cass do meu me u liv livro! ro! SÓCRATES: E por estares aberto a essa purgação, ela te será misericordiosamente concedida. Reza para que também seja concedida aos tolos que agora perseguem teu sonho escuro sobre a Terra.
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O Legado Cartesiano
DESC DESCARTES: ARTES: Então Então fui mui m uito to ingênuo ingênuo e otimist otimistaa quanto à natu na ture rezza do homem home m e do poder? SÓCRATES: Sim. Mas tiveste uma boa razão e uma boa desculpa. Viste os efeitos terríveis da Guerra dos Trinta Anos e esperavas ajudar o mundo a encontrar a paz através da razão. Na verdade, foi um dos objetivos mais nobres do movimento cuja paternidade é geralmente atribuí atribuída da a ti, ti, o movi m ovim m ento que que cham c hamou ou a si mesmo me smo “Ilu “ Ilum m inis inism m o”. DESCARTES: E ele obteve sucesso? SÓCRATES: Não obteve. Na verdade, durante o século XX, mais pessoas foram assassinadas por razões políticas, em guerras declaradas ou não, do que a soma da população inteira do mundo à m inh nhaa épo é poca ca.. DESCARTES: Estou absolutamente perdido. Certamente não era isso que Bacon e eu tínhamos em mente quando falamos da “conquista da natureza pelo homem”. O resultado, ao que parece, foi somente a conquista de uns homens por outros, tendo a natureza como instrumento. SÓCRATES: Foi exatamente isso o que disse um filósofo profético, chamado C.S. Lewis, três séculos depois de tua morte. O seu livro tem por título A Aboliç Aboliç ão do Home m . Mas olha quem vem lá! Não Nã o estamos estam os mais ma is soz sozinhos inhos,, temos tem os um um convidado. convidado. E acho que sabes quem é. DESCARTES: Pascal! Tu, que julgaste minha filosofia “inútil e incerta”, estás aqui para me escarnecer? PASCAL: Não, estou aqui para terminar o que Sócrates começou, para interrogar-te, a fim de que conheças melhor a ti mesmo. DESCARTES: Parece que tenho muito que aprender convosco – mas Sócrates sumiu. Ainda tínham tínhamos os tanto tanto para conversar. PASCAL: Ele voltará, eu garanto; com bastante freqüência. DESCARTES: Bem, se agora és tu quem fará o papel de Sócrates para mim, que perguntas queres que eu respon r esponda? da? PASCAL: PASCAL: Quer Queroo saber que esp e spéc éciie de benefíci benef ícios os esper esperavas avas que o teu métod m étodoo e sua apl a plicaç icação ão na ciência e na tecnol tec nologi ogiaa trouxess trouxessem em ao m und undo? o? Podes dar exem plos plos espec específi íficos? cos? DESC DESCARTES: ARTES: Por que quere que ress saber isso? isso? PASCAL: PASCAL: Para Par a que possam possam os j ulgar ulgar tuas esperanças esperanç as de acordo a cordo com a histó história. ria. DESC DESCARTES ARTES:: Pare Pa rece ce j ust usto. Bem Bem , eu esp e spera erava va o seguinte: seguinte: que que as a s gerações gera ções fut f uturas uras pudessem pudessem , em poucas pouca s horas, hora s, viaj a r rápida rá pida e fac fa c ilm ilm e nte ao a o redor re dor do m undo em e m grandes gra ndes m á quinas, em e m foguetes; fogue tes; e que elas tivessem à sua disposição fornos eficientes em que pudessem assar carne em poucos minutos, usando combustíveis baratos como gás natural, já que na minha época levava-se meio ano para para viaj viaj ar ao redor do mundo mundo e a m etade de um dia dia para cozi cozinh nhar ar uma refei refe ição. PASCAL: Fica sabendo, então, que tais foguetes de fato existiram, três séculos depois de ti, e os fornos também. Devo acrescentar, porém, que os foguetes não foram utilizados para carregar passage passa geiros, iros, mas m as bom bas, tão tã o poderosa pode rosass que uma um a só tinha tinha o poder pode r de destruir uma um a c idade inte inte ira. ira . Devo acrescentar, também, que os fornos eficientes e baratos de que falaste foram realmente inventados; no entanto, também é um fato que a nação mais culta, científica e tecnológica da
Terra os usou para cozinhar seis milhões de seres humanos inocentes dentro deles. DESCARTES: Estou espantado e estarrecido. Mas sei que não podes mentir aqui. Fico doente só de imaginar. PASCAL: Foi isto o que não conseguiste ver, René: que sois todos doentes, que a humanidade intei inteira ra é doente. A teolo teologi giaa em e m que crem cre m os chama cham a isso isso de “Pec “P ecado ado Origin Original” al” – pensavas que que era e ra apenas apena s uma fórm ula ula arca a rcana na e inúti nútil repetida repetida pelas escolas? escolas? DESC DESCARTES: ARTES: Minha Minha fil f ilosofi osofiaa estava erra er rada da desde o princípio? princípio? PASCAL: Estava. Pois o seu ponto de partida foi tua própria sabedoria, e o seu fim, a felicidade. Tua sabedoria era o novo método e as novas certezas que proclamaste; tua felicidade era o resu re sulltado que que alme a lmejj aste, a conq c onqui uist staa da natureza. natureza. Sócr Sócrates ates te m ostrou ostrou o que que havia de erra er rado do com tua tua sabedori sabe doria, a, eu e u te te m ost ostrei re i o que há de erra e rrado do com tuas tuas esperanças espera nças de feli f elicidade. cidade. DESC DESCARTES: ARTES: E qual é o ponto ponto de parti par tida da da tua tua filosofia, filosofia, Pasc P ascal? al? PASCAL: Um que é muito mais seguro, René. O ponto de partida de minha filosofia não é “sou sábio e feliz”, mas “sou ignorante e infeliz; desejo, no entanto, ser sábio e feliz”. É este o dado fundamental que serve de critério a todas as hipóteses. Se quisermos ser fiéis à realidade da vida, devem os procura procurarr uma um a fi f iloso losofia fia que expl e xpliique da m elhor elhor m aneira possí possível vel estas quatro verdades: que todos os homens buscam a felicidade; que ninguém a encontra nem é verdadeiramente feliz neste mundo; que todos os homens buscam a sabedoria e a certeza; e que ninguém as encontra neste mundo. Também que, como Sócrates descobriu, quanto mais tolos são os homens, tanto m ais crêe cr êem m eles que que são sábios sábios.. DESC DESCARTES: ARTES: Aonde um ponto ponto de parti par tida da tão pessimista pessimista poderia levar? levar ? PASCAL: Vem ver. Toma e lê meus Pensamentos Pe nsamentos .
Sócrates encontra Descartes Cop opyy right right © by Pet Pe ter Kreeft Kree ft Impresso no Brasil 1ª edição - novembro de 2012 - CEDET Títul Títuloo Origi Or iginal: nal: Socr Socrates ates Meets Me ets Desca De scartes rtes Tradução autorizada do idioma inglês da edição publicada por Ignatius Press. © 2004 2004 by Ignatius P ress, re ss, San San Francis Franc isco co Os dire direit itos os dest destaa edição pertencem per tencem ao CEDET - Centro de De Desenvol senvolvi vim m ento Profiss Pr ofission ional al e Tecnol Tec nológi ógico co Rua Angelo Vicentin, 70 CEP: EP : 13084-060 13084-060 - Cam pinas pinas - SP Telefone: 19-3249-0580 e-m e- m ail: ail: liv livros@c
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Kreeft, Kree ft, Pet Pe ter
Sócrates ócra tes Encont Encontra ra Descartes Desca rtes [recurso [re curso eletrônico] eletrônico] / Peter Pe ter Kreeft; Kre eft; Tradução de Gabriel Melatt Melattii Campinas, SP : Vide Editorial, 2012 Títul Títuloo Origi Or iginal: nal: Socr Socrates ates Meets Me ets Desca De scartes rtes e-ISB e- ISBN: N: 978-85-67394-22-0 978-85-67394-22-0 1. René René De Desca scartes rtes 2. Fil Filoso osofia fia Socráti Socrá tica ca 4. Fil Filoso osofia fia Moderna. Moder na. I. I . Peter P eter Kreef Kre eftt II. Título Título.. CDD – 194 Índice para Catálogo Sistemático 1. Descartes – 194 2. Filosofia Socrática – 183.2 3. Filosofia Moderna: Ensaios – 190.2
Sobre Sobre o Autor Autor
É profess profe ssor or de filosofia filosofia no Bost Boston on Coll College ege,, onde lecio lec iona na desde de sde 1965. Palest Pa lestra rante nte dotado dotado de humor hum or e clareza incomparáveis, ele tem sido convidado para ensinar em várias universidades, seminários e instituições educacionais e religiosas em todos os Estados Unidos. O professor Kreeft é autor de mais de sessenta livros sobre filosofia, cristianismo e apologética, incluindo Como Vencer a Guerra Cultural, Manual do Peregrino Moderno, Catholic Christianity, Fundamental Fundame ntalss of the the Faith, Faith, The The Best Be st Things Things in in Lif Lifee e a série de diálog diálogos os em que Sócra Sócrates tes int inter erroga roga
filósofos filósofos modernos, mode rnos, que agora a VIDE V IDE Editorial Editorial traz ao leitor leitor brasi bra sileiro. leiro.
Sobre Sobre a Obra
Este Este livro livro é parte de uma série de expl e xploraç orações ões socr socráti ática cass das grandes obra obrass da filos filosofi ofiaa m oderna. Os livros desta série são curtos, claros, e de fácil compreensão aos iniciantes, e introduzem as questões questões bási bá sica cass das discipli disciplinas nas fil f ilosó osófica ficas: s: metafísi me tafísica ca,, epi e pist stem em ologi ologia, a, antropologi antropologia, a, ética, ética , lógica lógica e metodologia. Em cada ca da livro livro da série, Sócra Sócrates tes encontra encontra um filós filósofo ofo moderno m oderno na eternidade, analisando analisando no mund m undoo do além as principais principais obras obras de Maquiavel, Maquiavel, Descartes, Desca rtes, Hume, Hume , Kant, Mar Marxx e Sart ar tre. re . A dialéti dialética ca de Sócra Sócrates tes é implacável implacá vel e segue dem onst onstrando ra ndo em cada ca da capí ca pítu tulo lo os erros e as as incoe incoerê rências ncias desses grandes gra ndes filósofos filósofos e suas filosofi filosofias. as.
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