1 Os proj pr oje etos de pe pessqu quii sa: algu al gun n s fu n damentos ló l ógicos gi cos nece necesssár i os .
Silvio Sánchez Gamboa Ante todo, hay que saber plantear los problemas. Y a pesar de lo que se diga, en la vida científica los problemas no se plantean por sí mismos. Precisamente este sentido del problema da el carácter del verdadero espíritu científico. Para el espíritu científico cualquier conocimiento es una respuesta a una pregunta. Si no ha habido pregunta no puede haber conocimiento científico. Nada se da, todo t odo se construye. (BACHELARD,G. Epistemologia , Barcelona Anagrama, 1989: 189).
Introdução Este texto tem uma pretensão didática e está dirigido a alunos e pesquisadores interessados na elaboração de projetos de investigação científica e particularmente na sua fundamentação fundamentação lógica. Os projetos de pesquisa se caracterizam por organizarem os procedimentos para conseguir a elaboração do diagnóstico exaustivo sobre um problema concreto, localizado no mundo da necessidade humana. O mundo da necessidade por ser complexo, aberto e desafiante, exige procedimentos que exigem um rigor lógico. Esse rigor deve acompanhar os diversos passos que vão desde a localização do problema, sua transformação em questões e perguntas à elaboração elaboração das respostas para esses problemas. problemas. O diagnóstico sobre um problema se compõe de duas grandes fases ou momentos: a primeira se refere à identificação e caracterização do problema e a segunda se refere à maneira como obtemos respostas para esse problema. Entre essas duas fases se estabelece uma relação dialética de mutua implicância e elucidação e obedece a uma unidade entre momentos ou polos contrários e a um movimento de afirmação, negação e negação da negação, traçando um caminho de ida e de volta, da pergunta (ponto de partida), à resposta (ponto de chegada) e desta, de novo, à pergunta. A articulação lógica desse processo de unidade e de movimento garante o rigor epistemológico que diferencia o conhecimento científico de qualquer outro tipo de saber. Daí a importância do atendimento a esses fundamentos lógicos, já na fase de elaboração do projeto de pesquisa. Na primeira fase, da construção do problema, o projeto poderá se pautar pelos os seguintes procedimentos: a) localização da problemática concreta no mundo da necessidade (situação problema); b) identificação dos indicadores do problema ou a recuperação de dados preliminares ou antecedentes antecedentes sobre o problema; c) elaboração de um quadro de questões que oriente a busca de respostas para esse problema; d) elaboração de uma pergunta-síntese que articule o quadro de questões. Na segunda fase, da elaboração das respostas para esse problema, o projeto deverá prever a forma de obtenção e elaboração das respostas para esse problema. Essa forma de 1
Este texto, inicialmente foi utilizado como resumo de apoio da disciplina “ Pesquisa em Educação: métodos e epistemologias”, oferecida no curso de doutorado do “ Proyecto Asociado entre el Programa de Postgrado en Educación de la Universidad Estadual de Campinas (UNICAMP)/Brasil y la Carrera de Doctorado en Ciencias de la Educación de la Universidad Nacional de Córdoba/Argentina". Agradeço a seus coordenadores os professores Newton Bryan e Estela Maria Miranda a oportunidade de socializar esse texto nesta publicação, resultante do convênio.
prever ou projetar a maneira da construção das respostas se conhece como “metodologia do projeto” e poderá conter os seguintes tópicos: a) definição de fontes onde poderemos obter informações para a elaboração das respostas pertinentes ao quadro de questões e à pergunta-síntese; b) seleção de instrumentos, materiais, técnicas para coletar, organizar e sistematização das informações necessárias à construção das respostas; c) explicitação de hipóteses (respostas esperadas) ou dos possíveis resultados da pesquisa que poderão orientar as diversas estratégias da organização das respostas; e) definição de um quadro de referências teóricas que forneçam as categorias para analisar as respostas e interpretar os resultados. Esse quadro ajuda a localizar o projeto num campo epistemológico específico ou no contexto de uma área do conhecimento; f) previsão de condição para a realização do projeto (indicadores da viabilidade técnica do projeto). A compreensão dessas fases e procedimentos que explicitam o tratamento científico dos problemas exige o entendimento de alguns conceitos básicos que tentaremos expor nesta comunicação, organizada nas seguintes partes: 1) breve recuperação do contexto do surgimento da “episteme” (ciência), entendida como uma forma diferenciada e criteriosa de elaborar as respostas aos diversos problemas que desafiam ao conhecimento humano; 2) as exigências lógicas e os principais critérios do conhecimento científico; 3) os projetos de pesquisa seu conteúdo e articulação lógica; e, 4) a apresentação dos projetos e as forma de exposição. Esperamos que esta breve apresentação dos fundamentos lógicos da pesquisa possa contribuir para a compreensão da especificidade do conhecimento científico e para o aprimoramento do planejamento de projetos de investigação.
1. A necessidade histórica do conhecimento científico. Para entender a necessidade do conhecimento científico nas diversas atividades humanas nos remetemos a suas origens e a seus pressupostos histórico-filosóficos. No contexto da sociedade da Grécia antiga localiza-se a necessidade de desenvolver formas mais precisas e rigorosas de obter respostas para as indagações, as dúvidas, os problemas, as questões e perguntas surgidas no “mundo da necessidade” próprio dessa sociedade. A episteme (ou ciência) surge num contexto de grandes mudanças econômicas, sociais e políticas. Com o fim da realeza que vinha sendo organizada desde a civilização micênica (S. XII a .C) com base no poder religioso da monarquia na figura do “Rei -divino”.e início da aristocracia (S.VII a C), surgem em consequência uma série de desordens e conflitos. (Cf. VERNAT, 2002).
As questões básicas que se discutiam eram: Como estabelecer uma nova organização social diferente à ordem e suposta harmonia perdidas? Como preservar a unidade e a coesão se não existe o “rei -divino” ou a monarquia? Como formar os cidadãos para a construção da nova sociedade? A resposta surge com a organização da “Polis” embrião das atuais cidades, em substituição ao antigo “Demos” que se formava ao redor da realeza. O advento da Polis (entre os séculos VIII e VII) constitui um acontecimento decisivo. O que implica o sistema da polis é primeiramente uma extraordinária preeminência da
palavra sobre todos os outros instrumentos de poder (VERNAT, 2002, p. 53). A palavra supõe um público ao qual ela se dirige como a um juiz supremo. O público (reunido na Ágora ou espaço político) é obrigado a decidir com base na força da palavra. É na “ Ágora” onde as transações comerciais e as discussões sobre a vida da cidade acontecem e dirigem seus destinos; a resposta surge também com a instituição da democracia com a participação de todos os participantes do Estado que vão se definir como Hómoloi, ou semelhantes autônomos, sem a dependência de saberes e de poderes, originários das antigas tradições do “rei-divino”. Na “ polis” ganha supremacia o logos (“palavra”, “discurso” e “razão”) e a quele que o domina tem o reconhecimento de estar com a verdade. O logos é o critério para tudo, e com ele surge a criteriologia ou crítica às diversas formas de conhecimento como uma das regras primordiais de sistematizar, normatizar e assegurar o conhecimento que propiciasse a transformação daquela realidade. Para tanto, era necessário criticar as formas de conhecimento predominantes na sociedade fundada na realeza. Essas formas de conhecimento são conhecidas como racionalidade mítica “mythos” e o senso comum “doxa” que ofereciam respostas às múltiplas indagações colocadas pela sociedade. Nesse contexto, surgem os primeiros filósofos indagando sobre a possibilidade de obter respostas diferentes às oferecidas pelo “ mythos” e a “doxa”. Eles procuravam novas formas para elaborar respostas que oferecessem um conhecimento mais confiável e válido para a nova sociedade que se constituía. Sociedade que exigia a participação dos cidadãos e a construção de respostas validadas pela racionalidade submetida ao debate público e não de respostas advindas de forças superiores, reveladas pelo mito e impostas pelo poder da realeza e abaixadas como verdades incontestadas ou um conhecimento alternativo oferecido pela opinião do homem comum (“ doxa”) sem nenhuma sistematização ou pretensão de verificação. Buscava-se um novo conhecimento para uma nova sociedade. A “ polis” exigia algumas regras ou normas disciplinares que assegurassem a validade consensual para os cidadãos. A forma mítica do conhecimento tinha respostas para toda as questões formuladas, havia quase sempre uma lenda povoada de deuses e forças do além, que respondia às mais intrincadas questões elaboradas a partir da necessidade de desvelar os mistérios do mundo e do próprio homem. Com o surgimento dos primeiros filósofos para os quais a resposta para todas as questões relativas a um fato ou fenômeno não está nos mitos, nem nas forças superiores, situadas para além dos fenômenos, cabe, então outras alternativas, como as oferecidas pela observação direta e cotidiana dos fenômenos e pela confiança nos sentidos (“ empeiria”). Coloca-se como a alternativa o conhecimento comum (“ doxa”). Mas essas respostas também são insuficientes, entretanto, indicam novos caminhos para a busca de respostas mais confiáveis e válidas. Surge assim a necessidade de disciplinar essa busca, elaborando algumas regras básicas ou princípios lógicos para a nova forma de conhecimento denominado de “episteme” (conhecimento científico). Essas regras iniciais oferecidas pelos primeiros filósofos, nos ajudam a compreender as bases lógicas do conhecimento científico moderno e contemporâneo.
2. Especificidade do conhecimento científico Se considerarmos a tese geral de que todas as perguntas têm respostas, cabe indagar , se todas as respostas têm um mesmo grau de veracidade ou validade. A razão mítica
(religiões) oferece resposta para todas as indagações e os mistérios. Assim, as religiões oferecem, sob pena de perderem seguidores, respostas, ou mesmo explicações para todos os fenômenos, atribuindo às forças ou entidades que se colocam além dos mesmos, a capacidade explicativa ou a revelação das respostas verdadeiras, exigindo do indagador apenas a crença nessas verdades ou nas versões oferecidas pela autoridade ou a tradição religiosa ou mítica. Já o senso comum oferece sua “opinião” ou seu “palpite” sobre qualquer indagação ou mistério, sem propiciar nenhuma prova ou verificação, permitindo do indagador sua credibilidade ou não, ou sua adesão movida pela lógica do “bom senso”. Consideramos que essas resposta s são oferecidas ou elaboradas sem a preocupação com algum critério ou regra de verificação ou controle do erro. Nesse sentido são respostas “não disciplinadas”. A proposta dos primeiros filósofos gregos é pautada pela “disciplinaridade” na elaboração das respostas. A Sofia (sabedoria) como a “episteme” (ciência) buscam oferecer respostas disciplinadas e rigorosamente controladas de acordo com a lógica e o método geométrico2. A disciplina ou rigor metodológico começa no contexto do problema e na forma concreta de elaborar as perguntas. Essas condições se referem a um sujeito concreto (motivado pelo mundo da necessidade) que indaga sobre um objeto determinado, também concreto. Quem indaga sobre o quê, quais as circunstâncias, as condições, qual o contexto da problemática onde se situa o indagador, quais suas motivações, seus interesses sobre esse objeto ou fenômeno. Uma vez definido esse contexto problemático onde surgem as indagações e as perguntas é passível elaborar respostas claras e concretas. Sem essas condições de clareza e especificidade é impossível obter respostas concretas, confiáveis e válidas. Não podemos obter respostas claras a partir de perguntas confusas, dispersas ou imprecisas. Com base nessas condições e especificidades podemos obter repostas disciplinadas, de acordo com alguns critérios de confiabilidade, regras de jogo ou princípios lógicos. Esses princípios se referem aos elementos que constituem a relação entre um objeto desconhecido que motiva a indagação e um sujeito que formula as perguntas. A própria relação entre esses elementos básicos (o método) também tem seus critérios, assim como, os resultados dessa relação e as formas de articulação dos elementos anteriores numa visão de totalidade também se pautam por princípios. Em resumo, a episteme garante sua validez exigindo critérios relativos a: 1) ao objeto ou fenômeno; 2) ao sujeito; 3) à relação entre o sujeito e o objeto (método); 4) às limitações das respostas (historicidade do conhecimento)/ e, 5) à compreensão dos elementos e os processos num todo orgânico ou visão de totalidade. 2
Tanto o método geométrico, como a lógica, são tratados por Platão e Aristóteles como as condições necessárias na busca do pensamento verdadeiro. Platão adota o método geométrico dos pitagóricos como o paradigma do rigor. O método geométrico implica um percurso duplo: sair de um ponto, chegar a outro diferente e voltar ao ponto de partida. O duplo traçado de ida e de volta expressa a relação entre os processos da análise e da síntese. Assim, a análise é sempre seguida de uma síntese, que, de um lado, constitui uma verificação da análise, com o objetivo de assegurar que não se cometeu erro algum e, por outro lado, uma vez constatada a inexistência de erro, constitui a demonstração ou solução efetiva, cuja busca motivara a realização da análise. Aristóteles na lógica ou Órganon (conjunto dos escritos lógicos) que trata do instrumento do pensamento para pensarmos corretamente, (...) apresenta um dos caminhos mais importantes da ciência, os analíticos, analytikós, do verbo analýo, que significa: desfazer uma trama, desembaraçar fios, desembaraçar-se de laços, dissolver para encontrar os elementos, examinar em detalhe e no pormenor, remontar às causas ou às condições. Os analíticos buscam os elementos que constituem a estrutura do pensamento e da linguagem, seus modos de operação e de relacionamentos (CHAUÍ, 2002, p. 257).
2.1. O primeiro princípio do conhecimento científico consiste em buscar as respostas dos fenômenos nos próprios fenômenos. As respostas sobre a natureza, os fenômenos humanos, sociais, políticos e éticos estão na própria natureza física ou humana. Para obter essas respostas é preciso observar cuidadosa e sistematicamente os objetos que indagamos. Por exemplo, se pretendemos conhecer a fonte comum da qual surgiram os diversos objetos da natureza devemos procurar resposta na própria natureza. Assim diversas pesquisas oferecem hipóteses ou respostas provisórias sobre a “matéria prima” que é comum a todas as coisas, ou sobre as diversas formas que adquire uma mesma natureza. Esses primeiros pesquisadores filósofos preocuparam-se em desvendar o que é a “ physis” ou natureza? e qual o seu princípio único ou “arkhe”? Para os representantes da Escola de Mileto que atuou até 459 a.C e que teve como principais representantes: Tales de Mileto, Anaximandro, Anaximenes e Heráclito, esse principio único era respectivamente a água, o “ilimitado”, o ar e o fogo. Para Pitágoras de Crotona esse princípio não estava numa matéria específica como a água, a terra o ar ou fogo, mas, na forma que as diversas matérias adquirem, isto é, nas figuras, nas dimensões e quantidades, representadas pelo número. O conhecimento epistêmico ou científico tem uma segunda regra na busca das respostas, além de procurar as repostas no próprio objeto ou fenômeno. 2.2. O segundo princípio faz referência ao papel do sujeito e às capacidades e habilidades que ele utiliza para buscar as respostas. De acordo com os primeiros filósofos o sujeito deve deixar de lado a fantasia e as crenças impostas pelas autoridades e pelas tradições e confiar na capacidade de seus sentidos (empeiria), de tal maneira que a relação com os fenômenos ou objeto deve ser feita através da sensibilidade. Deve-se utilizar todos os sentidos para obter respostas. Olhar, ouvir, tatear, cheirar, degustar com cuidado, atenção, demoradamente, de forma sistemática para obter informações válidas para elaborar respostas às perguntas sobre os diversos fenômenos. Essa sensibilidade desde os primórdios da episteme vem sendo ajudada pela tecnologia. A tecnologia vem se desenvolvendo sob o princípio de ampliar e aguçar a sensibilidade humana. Isto é, a tecnologia, alarga as capacidades da percepção humana: por exemplo ver mais longe, de forma mais fina, mais concentrada, ultrapassando limites, obstáculos e barreiras como a falta de iluminação, (telescópios, microscópios, raios -X, aparelhos de luz infravermelha, micro-câmaras). Escutar melhor com ajuda das tecnologias tais como, radares, sonares, ultrasom. Sentir melhor através de sensores, ressonância magnética etc... Outras tecnologias, ajudam à memória e na organização de dados e de informações como o moderno computador. Mas, todas essas tecnologias, não têm sentido se por trás dela não está a sensibilidade atenta do pesquisador que interpreta os sinais, os registros e as informações. 2.3. O terceiro princípio da episteme se refere à relação concreta de um sujeito e um objeto do conhecimento. Essa relação é estabelecida pelo “método”, que significa caminho. O primeiro método científico registrado na episteme grega, foi o método geométrico. Consiste em definir um ponto de partida e um ponto de chegada para poder traçar um caminho. Entretanto, o método geométrico diferencia-se de qualquer outro caminho porque este, exige, além do ponto de partida e de chegada, a volta ao ponto de partida. Deve
conseguir ir e voltar. Deve fazer o caminho de volta. Isto é, não se perder. Nesse processo, é necessário ir articulando os passos de tal maneira que possamos voltar pelo mesmo caminho. Na medida em que o caminho ascende do particular para o geral, por exemplo, de essa forma, deve traçar o caminho da decida. Do geral para o particular. O método científico deve cuidar que os passos , sejam articulados de tal maneira que exista uma coerência lógica nos processos e permita, verificar o caminho quantas vezes seja preciso. O método deve garantir a possibilidade de conferir, reconstituir, repassar, refazer, voltar sobre a experiência , validar e revalidar. Mas, os métodos, dependem de como o sujeito aborda o objeto. Entendendo o conhecimento como resultante da relação de um sujeito que quer conhecer e um objeto a ser conhecido; a maneira como este sujeito aproxima-se do objeto para produzir o conhecimento se dá diferentemente e esta abordagem irá depender de sua formação cultural que determinou a sua visão de mundo. Essas visões de mundo tentam articular todos os elementos que compõem uma realidade ou fenômeno e influenciam os tipos de abordagens, denominadas de teórico-metodológicas. O método é o caminho para o conhecimento, considera os passos percorridos para conseguir as respostas, integra a descrição das fontes, dos instrumentos e técnicas para coleta, organização e tratamento de informações, ainda descreve as formas das análises realizadas sobre os dados e informação visando a construção das respostas. Diferentes concepções de realidade determinam diferentes métodos. Os diversos métodos podem ser agrupados em formas de abordar (abordagens), os problemas, ou de colocar os pontos de partida. A ciência moderna que trabalha com uma diversidade muito grande de métodos pode ser organizada em várias abordagens teórico-metodológicas. Por exemplo Habermas no livro Conhecimento e interesse (1982) considera três grandes abordagens da ciência moderna 3. Segundo ele, de acordo com a aproximação do sujeito em relação ao objeto esta pode ser classificada em três tipos: Abordagem empírico-analítica Esta abordagem é característica dos que apresentam uma visão idealista do mundo onde o conhecimento acontece tendo como pressuposto um objeto dado ( a priori) que “está ai” para ser percebido e conhecido inserido numa realidade estática que tem suas próprias leis cabendo ao homem apenas descobri-las (adequatio intellectus ad rei) e explicá-las. O processo de construção do conhecimento na abordagem empírico-analítica implica ‘a visão de uma realidade que pode ser recortada em partes cada vez menores e isolar essas partes e para representar esse processo utiliza um discurso hipotético-dedutivo pois parte do todo para as partes. Do geral para o particular. Esse modelo exige, para ser objetivo, o afastamento ou desidentificação do sujeito em relação ao objeto ou fenômeno estudado. Abordagem histórico-hermêutica ou fenomenológica Considera-se esta abordagem, à semelhança da anterior, também priorizada pelos que apresentam uma visão idealista de mundo. Para este tipo de abordagem o conhecimento não está centralizado no objeto e sim no sujeito ( a priori), a verdade é relativa a cada sujeito que, em relação com o objeto (adequatio res ad intecllectu), interpreta-o e explica-o ao seu modo 4. 3
Este exemplo tomado de Habermas não esgota a diversidade de classificações que tomam como referência as visões de mundo. Outras referências podem ser encontradas em SÁNCHEZ GAMBOA (2008) e em DEMO (1985). 4 Cf. Hessen, 1987.
O processo de construção do conhecimento na abordagem fenomenológica é um processo indutivo pois vai das partes para o todo. Diferentemente da abordagem empírico-analítica a abordagem fenomenológica exige a aproximação e a identificação do sujeito que se revela nos significados que interpreta na relação ao objeto ao fenômeno estudado. Abordagem dialética ou teoria crítica A abordagem dialética é característica dos que apresentam uma visão materialista de mundo; nela o conhecimento é construído por uma relação dialética entre sujeito objeto os quais estão dentro de um contexto de realidade histórica (cultura). Não é uma simples adequação e uma descoberta, mas, uma construção de algo novo que modifica ambos durante o processo. O processo de construção do conhecimento nesta abordagem conforme o nome indica, é um processo dialético que vai primeiramente do todo para as partes e depois das partes para o todo realizando a síntese e relacionando sempre ao contexto ou condições materiais históricas onde acontece a relação cognitiva entre o sujeito e o objeto. Na abordagem dialética essa relação é, ora de aproximação e ora de afastamento. Ora com predomínio do subjetivo, ora do objetivo. O mesmo Habermas (1983) desenvolve estudos que relacionam a pesquisa científica com essas visões de mundo. Em todo trabalho científico, o pesquisador está orientado por interesses relacionados com as visões de mundo e com as pretensões que os pesquisadores tem com relação ao objeto ou fenômeno estudado. Assim, ele aponta três grandes interesses que orientam o trabalho de conhecimento da realidade. Interesses que explicitaremos a seguir. Interesses que orientam os processos de elaboração do conhecimento. O que motiva o sujeito a procurar conhecer um objeto, um fenômeno ou um fato? Quais os interesses que existem por trás deste processo de busca pelo conhecimento?, Conforme vimos anteriormente Habermas em seu trabalho relativo aos interesses que motivavam as pesquisa ou a produção do conhecimento nos Estados Unidos da América classificou estes interesses, para instrumentalizar seu trabalho em três tipos, de acordo com a forma de abordagem do sujeito em relação ao objeto que são respectivamente o interesse técnico de controle, o interesse dialógico de consenso e o interesse crítico emancipador os quais respectivamente são utilizados para garantir o controle; para aprimorar a comunicação e interagir ou para transformar e emancipar. A tabela abaixo apresenta os enfoques básicos da pesquisa de acordo com Habermas; empírico analítico, histórico hermenêutico e crítico dialético; para ele, esses enfoques correspondem aos três tipos de interesses humanos que orientam a produção do conhecimento cientifico: o técnico de controle, o dialógico de consenso e o crítico emancipador.
Tabela 1 Relação entre tipos de abordagens metodológicas; interesse que motivam a pesquisa e Dimensões fundamentais da vida humana Enfoque
Interesse
Conjunto lógico
Empírico analítico
Técnico de controle
Trabalho/técnica/informação
Histórico hermenêutico
Dialógico, consensual
Linguagem/consenso/interpretação
Crítico dialético
Crítico, emancipador
Poder/emancipação/crítica
A estes três enfoques relatados anteriormente correspondem ainda três conjuntos lógicos:
O conjunto trabalho/técnica/informação está subjacente o enfoque empírico - analítico: o conjunto linguagem/consenso/interpretação está subjacente ao enfoque históricohermenêutico e o conjunto poder/emancipação/critica está subjacente ao dialético ou crítico emancipador. Esta classificação apresentada por Habermas se fundamenta na proposição que apresenta o pensamento humano como inseparável das três dimensões fundamentais da vida humana; o trabalho, a linguagem e o poder, as quais se relacionam com os três tipos de interesses humanos; o técnico de controle, o prático de consenso e o crítico emancipador. Quando é o interesse técnico e de controle que motiva a pesquisa, esta se planeja para propiciar informações que permitam manipular e controlar os objetos investigados, através de processos também controlados e objetivados. Quando o interesse prático de consenso motiva a investigação se projeta para o auxílio da interpretação e a interação dos sujeitos, quer dizer, para revelar as formas de comunicação e interação, para compreender a inter-subjetividade em relação a possíveis significados das ações ,os discursos, os gestos, os ritos, os textos, etc. para propiciar normas e atuação entre os homens e os grupos humanos. Quando o interesse crítico emancipador orienta a pesquisa, a atividade intelectual reflexiva se organiza para desenvolver a crítica e alimentar a práxis (reflexão-ação) que transforma o real e libera o sujeito dos diferentes condicionantes. Estes interesses básicos da pesquisa se apresentam igualmente nos diferentes enfoques científicos ou tendências epistemológicas da pesquisa social e educativa. O enfoque empírico analítico tem sua origem e seu desenvolvimento mais significativo nas ciências naturais e exatas e utiliza técnicas predominantemente quantitativas. Estas técnicas garantem a objetividade dos dados, de origem empírica. Os procedimentos utilizados delimitam o objeto como totalidade factual, através de técnicas de laboratório, desenhos experimentais, instrumentos de observação e de registro, se isola, disseca e congela. Uma vez delimitado o objeto como um todo empírico, isolado e dissecado, este sofre uma divisão em suas partes ou variáveis (processo analítico). Busca-se o maior número de informações possíveis, o controle rigoroso das variáveis através de formalizações matemáticas, identificam-se as causas e os efeitos, medem-se as inter-relações entre suas partes constitutivas, organizam-se e cruzam-se informações de tal forma que permitam manipular melhor o objeto; quer dizer, buscam-se as melhores condições possíveis para conseguir um máximo de manipulação e controle sobre o objeto ou fenômeno, dividindo-o progressivamente em partes menores (maior número de variáveis). O controle será mais efetivo dependendo do grau de sofisticação que ofereçam as técnicas ou instrumentos. Certamente, o interesse que orienta esses processos é o técnico de controle. O enfoque histórico hermenêutico, mais utilizado nas ciências humanas e sociais, concebe o real como fenômenos “contextualizados”, preocupa -se com a capacidade humana de produzir símbolos para comunicar significados; por isto o processo cognitivo se realiza por meio de métodos interpretativos. Os fenômenos não são isolados ou analisados, são compreendidos através de um processo de recuperação de contextos e significados. Outra suposição básica deste tipo de interpretação consiste no predomínio de elementos subjetivos próprios da interpretação. O eixo central do conhecimento não está no objeto e sim no sujeito que interpreta, que conhece, que lhe dá sentido ao mundo e aos fenômenos. O critério de verdade não reside na pretendida objetividade (ser fiel ao objeto), a verdade é resultado do consenso inter-subjetivo da comunidade científica. Seu caráter relativo (é verdade para este grupo) se faz ainda mais relativo quando o consenso ocorre em um
determinado momento, em um contexto ou em um cenário histórico específico (é verdade em um determinado grupo em determinado momento; em outro momento ou contexto é outra verdade, outro o significado), razão pela qual este enfoque se denomina também historicismo, ou histórico-hermenêutico. O interesse que comanda este processo cognitivo é o prático de consenso. O enfoque crítico dialético trata de apreender o fenômeno em seu trajeto histórico e em suas inter-relações com outros fenômenos. Busca compreender os processos de transformação, suas contradições e suas potencialidades. Para este enfoque o homem conhece para transformar e o conhecimento tem sentido quando revela as alienações, as opressões e as misérias da atual fase de desenvolvimento da humanidade; questiona criticamente os determinantes econômicos, sociais e históricos e da potencialidade da ação transformadora. O conhecimento crítico do mundo e da sociedade e a compreensão de sua dinâmica transformadora propiciam ações (práxis) emancipadoras. A práxis, elevada à categoria epistemológica fundamental se transforma em critério de verdade e de validade científica. A práxis significa reflexão e ação sobre uma realidade buscando sua transformação; transformação orientada para a consecução de maiores níveis de liberdade do indivíduo e da humanidade em seu trajeto histórico (interesse crítico). 2.4. O quarto princípio da episteme é a crítica permanente dos resultados. A crítica do conhecimento. Algumas expressões são indicadores dessa preocupação com a crítica permanente: “Duvido logo existo “duvido ergo sum” (Santo Agostinho). A dúvida metódica que precede o pensamento “ cogito ergo sum” (Descartes). Verificação, comprovação, “falsação” (Popper) Vigilância epistemológica (Bachelard). Conhecimento do conhecimento (Morin). A ciência moderna exerce uma crítica interna: confrontando, os procedimentos, os resultados e critérios de aceitação. Entretanto, parece que a crítica externa, oriunda de outras esferas do conhecimento, influenciam, em forma decisiva, nos grandes avanços do conhecimento científico. O mesmo senso comum indaga sobre os benefícios da ciência, sobre sua utilização contra a vida no mundo e a sobrevivência do Gênero humano. A ciência também é indagada sobre seus pressupostos, seus fundamentos e suas implicações sociais e éticas (a filosofia, a epistemologia e as teorias do conhecimento). 2.5. O quinto princípio refere-se à necessidade de articular o processo do conhecimento numa teoria ou numa visão de totalidade. Pesquisas feitas pelos primeiros cientistas indagaram sobre a existência de uma ordem comum e única que organiza todos os elementos da realidade (teoria) pretendia-se saber se todas as formas, dimensões e movimentos obedecem a uma lei que equilibra todos os objetos localizados no universo. Depois de muitas observações e registros, Parmênides obtém algumas respostas. Segundo ele, só o ser existe; o ser imóvel e imutável é o principio único da natureza, onde todos os objetos se localizam harmonicamente. Com Parmênides temos o
início da metafísica que concebe o mundo como um todo articulado por essências imateriais e imóveis. A aparente mobilidade dos elementos, é regulada pelas leis da estática. Parmênides afirma “que o Ser é e, o Não-Ser, não é. O Ser não está em devir, o ser não se move. O Ser é imóvel. Consequentemente se o Ser é imóvel, é imutável, sempre idêntico a si mesmo e, por conseguinte, a multiplicidade de seres é irreal e ilusória. O ser Imutável é idêntico a si mesmo, o Ser é uno.” ( CHAUÍ, 1994: 75). Para ilustrar a teoria de Parmênides seu discípulo Zenão aprese nta seus “paradoxos” onde procura demonstrar e relatividade do movimento por meio de exemplos como o do movimento de uma flecha em direção a seu alvo, onde tenta demonstrar que o movimento não existe e sim uma sucessão de momentos em sua trajetória até atingir o alvo. Entretanto, outro filósofo encontra respostas diferentes. É o caso Heráclito. De acordo com Heráclito (540-580 a.C.), tudo tem uma unidade, mas polarizada por contrários. O princípio da natureza é o movimento. Na sua visão o mundo é um eterno fluir, como um rio e a vida um eterno vir a ser. Em um de seus mais famosos fragmentos, afirma: “Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos”, ou seja, “Não podemos entrar duas vezes no mesmo rio porque suas águas não são as mesmas e nós n ão somos os mesmos.” “A vida se transforma em morte, a morte em vida; o úmido, se seca; o seco, umedece; a noite se torna dia, o dia se torna noite; a vigília cede ao sono, o sono cede à vigília; o jovem se torna velho, o velho se faz criança. O mundo é um perpétuo renascer e morrer, rejuvenescer e envelhecer. Nada permanece idêntico a si mesmo.” ( CHAUI, Marilena. 1994: 67). Surgem assim duas perspectivas ou visões de mundo opostas. A visão estática de um mundo regulado por leis fixas contidas nos fenômenos. E outra visão que concebe o mundo em processo de transformação permanente. Vemos assim que se confrontam duas grandes visões de mundo: A visão idealista de Parmênides que considera o mundo estático; com uma lei a que estamos presos onde o ser humano é igual em todo o processo histórico e onde tudo está dentro de uma caixa preta pronta para ser conhecido. A visão idealista originou as concepções fixistas nas quais predominam as leis da estática onde qualquer elemento tende ao repouso. A visão materialista de Heráclito, para o qual o mundo é dinâmico e caótico não existindo uma lei previa à qual o ser humano estaria preso, este tem condições de modificar-se com a história. A visão materialista originou concepções dinâmicas, com predomínio da dialética onde qualquer elemento tende ao movimento. Desde esses primórdios da ciência, aparece a necessidade de amparar e articular os resultados do conhecimento numa teoria que organiza as respostas obtidas a partir das indagações sobre a realidade. Essas teorias não são neutras. Todas elas implicam numa visão de mundo.
3. Os projetos de pesquisa científica Os projetos de pesquisa como anunciamos na introdução buscam organizar de forma lógica os procedimentos da investigação desde os pontos de partida ou abordagem dos problemas até a elaboração das respostas e interpretação dos resultados. Se considerarmos que a pesquisa científica tem como objetivo produzir conhecimentos sobre um determinado fenômeno, experiência, fato, acontecimento, ou problema e se ainda partimos do entendimento de que o conhecimento “nada mais é que uma resposta a uma pergunta” segundo a definição de Bachelard (1989: 189), os projetos de pesquisa deverão
atender a lógica que sustenta a produção do conhecimento que resulta da construção da relação entre perguntas e respostas. A lógica básica deve identificar as partes constitutivas desse processo. Considerando a definição anterior, esta deve se constituir de dois momentos ou fases: o primeiro se refere à construção da pergunta e o segundo se refere à maneira como obtemos respostas para essa pergunta. Entre essas duas fases se estabelece uma relação dialética de mutua implicância e elucidação que obedece a uma unidade entre momentos ou polos contrários e a um movimento de afirmação, negação e negação da negação, traçando um caminho de ida e de volta, da pergunta (ponto de partida), à resposta (ponto de chegada) e desta, de novo, à pergunta. 3.1. A primeira fase: a pergunta. Nesse momento, o projeto deverá explicitar a construção da pergunta. As perguntas poderão se originar perante o mistério, a curiosidade, a indagação, a suspeita, a dúvida com relação a um fenômeno ou objeto. As perguntas poderão surgir, também, perante saberes, informações, dados ou respostas que já temos, mas, que podem ser falsas ou admitem a suspeita da sua veracidade ou apresentam indicadores de serem limitadas ou ter falhas na sua elaboração e pertinência para determinadas situações ou condições. Em todos esses casos está presente a dúvida como elemento básico da racionalidade humana. A dúvida qualifica, o mistério, o espanto a curiosidade, a suspeita e qualquer outra forma de atitude do homem perante o mundo desconhecido. Entretanto, a dúvida como expressão qualificada da relação com o desconhecido para ter possibilidade de se transformar num processo de conhecimento deve ser concreta, determinada e específica. Alguém duvida sobre alguma coisa e em situações específicas e determinadas. Não é possível existir uma dúvida sem um sujeito concreto que duvida e sobre algum objeto específico sobre o qual ela recai. A concreticidade da dúvida acontece numa situação determinada e num momento específico. Essa dimensão de materialidade da dúvida deve se afirmar numa necessidade específica que motiva todo o processo da relação do homem com o desconhecido. Nesse sentido podemos afirmar que a origem do conhecimento está na necessidade concreta do homem perante o desconhecido. A materialidade da necessidade vivenciada por homens concretos ganha dimensões racionais quando esta se transforma em problema concreto, localizado e datado (no tempo e espaço específicos). São elementos necessários da concreticidade do problema sua localização num lugar e num tempo específicos (situação problema), a identificação de indicadores, manifestações e sintomas, assim como a recuperação de dados preliminares ou antecedentes sobre o referido problema (levantamentos e revisão de literatura). Com base nessa situação concreta e nos indicadores e antecedentes é mais plausível elaborar as indagações que, uma vez ponderadas e qualificadas irão compor o quadro de questões que orientarão a busca de respostas para esse problema. A seleção das questões qualificadas deverá se pautar pela busca da unidade que irá focar e centralizar esforços, daí a pertinência de uma pergunta-síntese que articule o quadro de questões. Esse nível de articulação e de qualificação permitirá um maior domínio racional do problema quando este ganha a forma de uma pergunta concreta, embora complexa pela articulação lógica de diversas questões e indagações. Vejamos a seguir algumas explicitações dessa fase e a ilustração de um quadro resumo. Toda pesquisa tem sentido quando surge para responder às necessidades históricas concretas da evolução e desenvolvimento da humanidade. As necessidades ganham possibilidade de superação quando racionalizadas na forma de problemas e de perguntas. Pesquisamos quando surge a suspeita, a dúvida, o conflito, a crise, a indagação. Para que a pesquisa se torne um processo concreto, precisamos localizar o campo problemático,
considerando as dimensões de espaço, tempo e movimento. Essa primeira fase, é denominada de “situação problema”. Sobre essa situação concreta elaboramos um primeiro levantamento para identificar os indicadores ou “sintomas” do problema (contexto empírico). Essa busca pode ser acompanhada de uma revisão bibliográfica sobre o problema em questão, ou sobre pesquisas que tenham abordado a mesma problemática, visando à recuperação de registros e antecedentes (contexto teórico), que poderão ser úteis na definição de novos procedimentos e estratégias e na discussão e interpretação dos novos resultados. O quadro a seguir resume esses tópicos relativos à construção da pergunta. •Contexto empírico do problema (situação problema) Indicadores do problema, sintomas, manifestações. primeiros levantamentos, registros, índices, casos significativos, exemplos •Contexto teórico do problema (Saberes acumulados, antecedentes registrados)
Situação problema Espaço: (descrição do lugar, instituição, contexto social onde se situa a necessidade e o problema a ser estudado) Tempo: (período ou duração do problema, atual ou enraizado no passado) Movimento: formas de manifestação, expressão e ocultamento do problema, aparências, e revelações Antecedentes (Revisão de literatura) Estudos anteriores sobre a mesma problemática
Uma vez localizado o problema num contexto específico e recuperados seus indicadores, é necessário traduzir essa problemática num corpo de indagações na forma de frases interrogativas. Essas indagações, no início, podem ser diversas, considerando diferentes pontos de vista e dimensões do problema (econômica, social, política, cultural, educacional, psicológica, pedagógica, administrativa, etc). As indagações múltiplas serão qualificadas, selecionando as mais significativas, as melhor elaboradas, as que articulam outras indagações. Essas indagações selecionadas se transformam nas questões que vão orientar as buscas e o processo de elaboração das respostas. Um erro muito comum nos projetos de pesquisa consiste em juntar muitas questões desconexas ou referidas de forma desarticulada as várias dimensões do problema. Para solucionar essa dificuldade, recomenda-se que as questões sejam articuladas em torno de uma pergunta síntese ou de uma questão básica. O quadro a seguir ilustra essa sequência. Quadro de questões: Situação Múltiplas indagações problema
questão 1 questão 2 questão 3 questão 4 questão 5.....6......7....
pergunta síntese ou questão básica
O delineamento desse trajeto, entre a necessidade e a pergunta-síntese, deverá ser considerado na primeira fase do projeto. Uma vez elaborada a pergunta-síntese ou questão básica que deverá conduzir a pesquisa, o projeto deve prever, os processos da elaboração da resposta. 3.2. A segunda fase: a elaboração das respostas para o problema. O projeto deverá prever a forma de obtenção das respostas para o problema concreto a ser pesquisado ou diagnosticado. Essa forma de prever ou projetar a maneira da construção das respostas se conhece como “metodologia do projeto” e contêm tópicos relativos à instrumentalização do processo e à organização e interpretação de resultados. Tais tópicos, na sua sequência lógica, consistem em: a) a definição de fontes onde poderemos obter informações para a elaboração das respostas pertinentes ao quadro de questões e à perguntasíntese; b) a seleção de instrumentos, materiais, técnicas para coletar, organizar e sistematização das informações necessárias à construção das respostas; c) a explicitação de
hipóteses (respostas esperadas) ou dos possíveis resultados da pesquisa que poderão orientar as diversas estratégias da organização das respostas; d) a definição de um quadro de referências teóricas que fornecem as categorias para analisar as respostas e interpretar os resultados. Esse quadro ajuda a localizar o projeto num campo epistemológico específico ou no contexto de uma área do conhecimento; e, e) a previsão de condição para a realização do projeto (indicadores da viabilidade técnica do projeto). Vejamos a seguir algumas especificações dessa fase e um quadro ilustrativo que resume esses tópicos relativos à previsão da construção das respostas. A metodologia do projeto se refere basicamente à previsão das fontes onde poderemos obter informações para elaborar a resposta 5. A metodologia também deverá prever os instrumentos e técnicas para coletar e organizar as informações e as formas de análise dessas informações. As escolhas e decisões técnicas dependem das condições da própria pesquisa e do acesso a tecnologias e referenciais para garantir a sua viabilidade. Essas escolhas podem ser relativas a: a) fontes: bibliográficas, documentares, vivas, observação direta ou participante, experimentais, modelos (iconográficos, ciberespaciais, metafóricos); b) instrumentos de coleta de informações e dados: fichas, questionários, entrevistas, diários de campo, gravador, vídeo, tabelas de registro, materiais e instrumentos equipamentos, protocolos, de quadro de medidas e parâmetros, modelos informatizados; c) técnicas de tratamentos de dados e informações: quantitativas (estatísticas, computacionais) qualitativas (análise de conteúdo, interpretação e análise do discurso); d) organização e sistematização de resultados. Esquemas, tabelas, índices fórmulas, teoremas, proposições silogismos, argumentações; e) hipóteses (respostas parciais provisórias que orientam a coleta e a organização de resultados). Junto com a metodologia o projeto deve indicar as categorias de análise e os referenciais a serem utilizados para a interpretação e discussão dos resultados. As categorias e referenciais dizem respeito a: a) a definição do campo disciplinar ou interdisciplinar 6: b) a definição de palavras-chave (definição de termos básicos, inclusive os utilizados no título do projeto); c) as categorias de análise (conceitos que identificam o fenômeno, objeto, evento, fato e as partes que o constituem, constructos e/ou definição de variáveis como utilizados); d) a articulação de categorias (quadro de categorias, sistemas de referências, campo conceptual); e) a apropriação e/ou a elaboração de teorias e referências para discutir resultados; f) o paradigma epistemológico, e as visões de ciência e de mundo, que constituem o horizonte interpretativo dos resultados, quando o nível de aprofundamento e qualificação da pesquisa assim o exigir. 4. A apresentação dos projetos de pesquisa ou a forma da exposição. Uma vez pensados os elementos constitutivos do projeto estes precisam ser organizados e apresentados atendendo os requisitos formais de uma comunicação científica. Depois de organizar os conteúdos relativos à necessidade histórica concreta que lhe deu origem ao projeto, sua racionalização na forma de problema e sua correspondente tradução na forma de indagações, questões e perguntas, e ainda, depois de ter previsto as condições e 5
As fontes poderão ser definidas quando esgotadas as respostas obtidas nas informações limitadas do próprio pesquisador e as coletadas nos saberes disponíveis nos sistemas de divulgação não são suficientemente seguras ou confiáveis. Nesse caso, a pergunta;”Onde poderia se obter novas informações e dados para elaborar as respostas para as questões formuladas no projeto?” poderá indicar as possíveis fontes a serem privilegiadas na pesquisa?”. 6 No caso brasileiro, alguns editais e orientações das agências de fomento sugerem a utilização da classificação das áreas de conhecimento, organizada pelo Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, (CNPq).
maneiras de elaborar as respostas e organizar a interpretação, os resultados, é possível ver as formas de sua apresentação de tais conteúdos. Essa fase final também está pautada por uma fundamentação lógica. A fase de pensar e elaborar os conteúdos é considerada, segundo os critérios lógicos da ciência, como a fase do método de pesquisa. E a fase da apresentação e comunicação é tida como a forma do método de exposição. Essas duas fases devem estar articuladas entre si e seguir uma sequência lógica. Só é possível expor o que antes foi pensado7. Daí, a importância de recuperar, em primeiro lugar, os elementos necessários para a elaboração do projeto e uma vez, “postos sobre a mesa”, organizar a sua apresentação. Na fase da exposição, é fundamental atender às formalidades, às exigências técnicas, aos critérios de rigor do trabalho científico (normas técnicas, ABNT) e às recomendações das agências de fomento, dos editais ou dos programas e/ou orientadores que aceitam ou financiam o projeto. Neste caso, o método de exposição deve considerar as condições dos interlocutores, os níveis acadêmicos exigidos e as formas de linguagem recomendadas. De acordo com essas situações um mesmo conteúdo pode adquirir diversas formas de exposição. Em razão disso não se tem um critério, ou modelo de exposição dos projetos. No entanto, se considerarmos a lógica que fundamenta a produção do conhecimento, deverá pautar também a exposição. Com base nesse pressuposto, a apresentação dos projetos de pesquisa deve conter as seguintes partes básicas: a) a exposição da necessidade, do problema, das questões e das perguntas; e, b) a metodologia a ser utilizadas para a elaborar das respostas. Além dessas partes básicas, outros elementos relativos à formalidade e aos protocolos de comunicação poderão ser considerados. Tais elementos adicionais são: justificativa do projeto; relevância social, científica ou acadêmica da pesquisa, objetivos gerais e específicos; quadro de referências teóricas que fornecem as categorias para analisar as respostas e interpretar os resultados (indicando em anexo, as referências e bibliografias a serem consultadas). Esse quadro ajudará a localizar o projeto no contexto de uma área do conhecimento e no lastro da formação de um campo científico. Além desses elementos, podem complementar a exposição, indicadores da viabilidade técnica do projeto. Esse último item deve ser atendido quando as agências financiadoras exigem a correspondência com um projeto financeiro (orçamento) que seja justificado na descrição das condições institucionais da pesquisa e a viabilidade técnica do desenvolvimento da pesquisa de acordo com o cronograma e os recursos solicitados 8. O projeto poderá considerar, também, além da viabilidade técnica, os impactos e resultados esperados ou as hipóteses de trabalho que orientam a busca de informações para elaborar as respostas. As hipóteses são consideradas como respostas parciais ou provisórias que orientam a pesquisa e que uma vez confirmadas, se transformam nas respostas buscadas ou as teses a serem confirmadas. Além dos conteúdos acima indicados, a exposição do projeto poderá conter alguns anexos, tais como, cronograma de realização que define quando desenvolver cada etapa da pesquisa, orçamentos e listado de recursos necessários ao desenvolvimento do projeto, os modelos de instrumentos e os levantamentos prévios que mostram os graus de aproximação que o pesquisador tem com problema que esta sendo pesquisado.
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Pretender cuidar das formalidades ou dos esquemas de apresentação, sem antes conferir o que será exposto é um erro muito comum apresentado nos manuais de trabalho científico que indicam as maneiras de elaboração de sumários, esquemas, quadros, referências, citações, notas e, no entanto, não indicam como se constrói uma problemática da pesquisa, nem discutem as características do conhecimento científico e a lógica que o sustenta. 8 Algumas agências de fomento discriminam dois tipos de projetos articulados entre si: projeto técnico, relativo à organização da pesquisa, e projeto financeiro, relativo aos recursos e cronogramas necessários para seu desenvolvimento.
Na tentativa de articulação desses elementos sugeridos, podemos indicar um exemplo de apresentação de projetos: CAPA (AUTOR, TÍTULO, LOCAL E DATA). FOLHA DE ROSTO (AUTOR. TÍTULO. Instituição, área, orientação. Local e data). SUMÁRIO E ÍNDICES (siglas, tabelas, figuras, quadros, anexos). RESUMOS. INTRODUÇÃO: justificativa do estudo, relevância social, científica e acadêmica da pesquisa, objetivo geral, apresentação das partes do projeto. PROBLEMA: situação problema (espaço, tempo, movimento), antecedentes (revisão bibliográfica) , indicadores (estudos preliminares) questões norteadoras, questão principal ou pergunta -síntese. OBJETIVOS: geral (relativos ao diagnóstico de um problema, fenômeno, ou objeto) e específicos (relativos às metas ou processos). Utilizar verbos ativos: caracterizar, descrever, analisar, compreender, diagnosticar, medir, dimensionar, tipificar, classificar, comparar, explicitar, revelar, sistematizar, interpretar, relacionar. Evitar objetivos de intervenção pedagógica, administrativa, extensão (contribuir, propiciar, facilitar, possibilitar, favorecer, et c.) METODOLOGIA: fontes, instrumentos, materiais, técnicas de sistematização e organização de dados, informações e resultados, estratégias, procedimentos e hipóteses de trabalho. REFERENCIAL TEÓRICO : recorte disciplinar, termos, conceitos e categorias, teorias, perspectiva epistemológica. RESULTADOS ESPERADOS (hipóteses, teses, orientações da prova) contribuições possíveis. VIABILIDADE TÉCNICA DO PROJETO : recursos, financiamentos, projeto financeiro. REFERÊNCIAS, BIBLIOGRAFIAS E LISTA DE FONTES . ANEXOS (Cronograma. Modelos de instrumentos, Roteiros. Lista de materiais. Delineamentos Experimentais. Levantamentos prévios. Orçamentos).
Finalmente, vale a pena visualizar nesta introdução aos fundamentos lógicos dos projetos a relação que eles têm com as demais fases da investigação. Visualizar o projeto no contexto amplo da pesquisa, talvez ilustre melhor sua lógica constitutiva quando integrado na visão geral da investigação. O esquema a seguir pretende mostrar essas articulações. Nele consideramos os dois momentos chaves da produção do conhecimento. No momento do projeto, a fase da construção da pergunta é enfatizada, já a elaboração da resposta é apenas anunciada ou prevista. No momento subsequente, da realização da pesquisa e da apresentação dos resultados na forma de relatório, dissertação ou teses a ênfase é dada às respostas. Nesse caso, o processo de elaboração da pergunta fica reduzido a uma introdução ou a um capítulo inicial. A organização dos capítulos será feita em torno da coleta, tratamento e organização de dados e informações, da apresentação de revisões de literatura, explicitação de categorias e a apropriação de referencias, assim como da discussão e interpretação de resultados. As conclusões, além de destacar e cotejar os principais resultados com as questões e perguntas formuladas na introdução ou capítulos iniciais, deverá expor as respostas obtidas (definitivas ou parciais) e, caso seja necessário, apresentar as hipóteses levantadas (questões parcialmente ou provisoriamente respondidas) que poderão justificar novas pesquisas. Fases 1. Projeto de pesquisa
1. Pergunta Problema: a) Situação problema (espaço, tempo e movimento), b) Indicadores, c) antecedentes, estudos preliminares, d) questões norteadoras, e) Pergunta – síntese.
2. Resposta Metodologia. previsão de: a) fontes, b) instrumentos, (ênfase na pergunta) c) técnicas, d) organização e sistematização de resultados, e) hipóteses. Referencial teórico : Definição de termos-chave, categorias de análise, Objetivos Referências para a discussão e interpretação de resultados. Justificativa 2. Relatório, Dissertação Introdução (atualização do Capítulos (elaboração da resposta) ou Tese projeto): justificativa, Apresentação e organização das problema, pergunta, objetivo e respostas,
(ênfase na resposta)
metodologia: (relatando a forma Discussão de resultados como foi realizada a pesquisa). Interpretação das respostas Conclusões e recomendações
Na visualização anterior integram-se dois momentos da investigação, a elaboração do projeto e a realização e apresentação dos resultados da pesquisa com as duas fases fundamentais que constituem a produção do conhecimento, a construção da pergunta e a elaboração de resposta. Dessa forma, é possível atender as exigências lógicas de acordo com os critérios da episteme e do método geométrico: as de revelar os caminhos (imperativo do método), e explicitar os nexos entre o ponto de partida (as maneiras e condições da pergunta) e o ponto de chegada (as formas e limites da resposta).
Conclusões A investigação ou pesquisa, entendida como um processo metódico que equivale a buscar algo a partir de vestígios ou de pistas, é uma forma de elaborar respostas rigorosas e sistemáticas para as indagações sobre os problemas que a realidade histórica de cada sociedade apresenta. Assim como na polis grega, na mudança de sociedade tribal para a sociedade democrática houve necessidade de se desenvolver novas formas de obter respostas para os problemas formulados por esta sociedade, pois o conhecimento mítico ( mythos) e o senso comum (doxa) não davam mais conta dos problemas apresentados pelo novo modelo de sociedade; hoje, diante desta nova e complexa sociedade que se apresenta com características, dentre outras, de profundas contradições e da acumulação de desigualdades, assim como de um grande volume de informações, saberes e conhecimentos, torna-se necessário rever criticamente os métodos de produção do conhecimento, buscando maiores graus de rigor científico a fim de garantir seu caráter transformador e de minimizar o risco de reduzir o conhecimento a um saber técnico passível de ser controlado por interesses que buscam a manutenção dos poderes dominantes e as atuais formas de reprodução social. A necessidade de superação das atuais condições da reprodução da vida e da superação das formas de exploração e exclusão social exige uma constante análise epistemológica dos instrumentos, das técnicas, dos métodos, das teorias e das visões de mundo que estão sendo utilizadas ou praticadas nos diversos processos da produção do conhecimento. Essa análise se valida quando se pretende avaliar o grau de coerência entre estes diversos aspectos da pesquisa e os interesses e visões de mundo que predominam na produção, apropriação e utilização do conhecimento. Uma forma de ponderar criticamente essas relações é revelando a lógica que sustenta o planejamento e a elaboração dos projetos, considerando desde a necessidade humana que suscita o conhecimento, passando pelas formas de problematização e de elaboração das respostas para essas necessidades, até os desdobramentos ideológicos decorrentes das concepções de ciências e visões de mundo implícitas nas formas de elaborar esses novos conhecimentos. A elaboração das respostas, de acordo com os critérios da episteme corresponde ao processo de produção de novos conhecimentos. A identificação das relações lógicas que fundamentam esse processo é pertinente e necessária na hora da planejar os procedimentos. O atendimento das exigências dessa lógica esclarece melhor os percursos, facilita e agiliza os passos e garante um controle sobre os erros e sobre as exigências de qualidade. O atendimento aos fundamentos lógicos permite, ainda, ponderar resultados e revelar os interesses humanos e as visões de mundo que determinam as respostas aos problemas que a realidade apresenta. Nesse sentido, a lógica torna-se um instrumental necessário e crítico no esforço da produção de pesquisas com maior grau de qualidade, com maior capacidade de produção de novos conhecimento sobre os problemas que a realidade apresenta e com maior potencial de transformação.
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