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Especial
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fevereiro 2009 ano II ficina
Erotismo O irresistível poder do desejo
SAMIZDAT 13 fevereiro de 2009
Henry Alfred Bugalho
Obra Licenciada pela Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil Creative Commons.
Revisão Geral
Todas as imagens publicadas são de domínio público ou royalty free.
Edição, Capa e Diagramação:
Joaquim Bispo
As idéias expressas e a revisão das obras são de inteira responsabilidades de seus autores ou tradutores.
Autores Caio Rudá Carlos Alberto Barros Giselle Natsu Sato Guilherme Rodrigues Henry Alfred Bugalho Joaquim Bispo José Espírito Santo Marcia Szajnbok Maria de Fátima Santos Maristela Scheuer Deves Pedro Faria Volmar Camargo Junior Zulmar Lopes Autores Convidados Isidro Iturat Leo Borges Mariana Valle Textos de: Anaïs Nin António Botto Dalton Trevisan Paul Éluard
Imagem da capa: http://www.flickr.com/photos/ ssh/9639429/sizes/o/
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Editorial Lembro-me de quando era adolescente e eu e meus amigos tínhamos de contrabandear revistas eróticas, que ficavam escondidas em fundos de armários ou embaixo da cama. A internet tornou tudo mais fácil e qualquer busca no Google traz milhões de imagens, vídeos e textos. O erotismo é parte da vida cotidiana de todos nós, é um aspecto inegável da nossa natureza humana. Reprimida, na maior parte do tempo, mas inextinguível. Sem dúvida que boa parte daqueles que chegarão a esta edição especial erótica da SAMIZDAT estarão em busca de satisfação física. Este é um objetivo mais que legítimo, apesar de não ser exatamente a intenção da revista ou dos autores. Mas a nossa grande esperança é que também consigamos atingir o verdadeiro apreciador da literatura erótica, e principalmente, aquele que gosta de toda literatura; pois assim como o erotismo faz parte de nossas vidas, ele também pertence à escrita e à Arte. Escrevemos para os olhos de todos, bem como para os olhos dos poucos. Henry Alfred Bugalho
Sumário Por que Samizdat?
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COMUNICADO SAMIZDAT Especial - Humor
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ENTREVISTA Maria Isabel Moura
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Henry Alfred Bugalho
MICROCONTOS
Henry Alfred Bugalho Joaquim Bispo Pedro Faria Caio Rudá Giselle Natsu Sato
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RECOMENDAÇÕES DE LEITURA Lolita, de Vladimir Nabokov
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Meninas Malvadas
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AUTOR EM LÍNGUA PORTUGUESA As Loucuras do Minotauro
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António Botto
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CONTOS De Encantamentos e Feitiços
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O Corruptor
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Henry Alfred Bugalho Alian Moroz
Dalton Trevisan
Volmar Camargo Junior Henry Alfred Bugalho
António Carpinteiro
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Maria de Fátima Santos
Ninguém está a ver!
46
Uma Noite
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Joaquim Bispo
Guilherme Rodrigues
A Sinfonia
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Marcinha se revolta
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Ecdise
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Dona Sonia e o ponto G
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Autor Convidado No Elevador
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O Jardim dos Amantes
72
10 indrisos eróticos
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TRADUÇÃO A Mulher de Véu
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Deitar com Ela
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TEORIA LITERÁRIA Erotismo, para além do sexo
90
CRÔNICA As Mulheres na Literatura Erótica
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Auto-ajuda
98
Zulmar Lopes Pedro Faria
Marcia Szajnbok
Giselle Natsu Sato
Mariana Valle Leo Borges Isidro Iturat
Anaïs Nin
Paul Éluard
Henry Alfred Bugalho
Giselle Natsu Sato Joaquim Bispo
A doçura desta dor Joaquim Bispo
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POESIA Laboratório Poético e Erótico
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Minha Cria
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Um punhado de versos pretensamente eróticos
104
Transa
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Teu corpo
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oI
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Primeira vez
108
SOBRE OS AUTORES DA SAMIZDAT
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Volmar Camargo Junior Carlos Alberto Barros
Caio Rudá de Oliveira
Maria de Fátima Santos José Espírito Santo José Espírito Santo
Maristela Scheuer Deves
SEÇÃO DO LEITOR Agora o leitor da SAMIZDAT também pode colaborar com a elaboração da revista. Envie-nos suas sugestões, críticas e comentários. Você também pode propor ou enviar textos para as seguintes seções da revista: Resenha Literária, Teoria Literária, Autores em Língua Portuguesa, Tradução e Autor Convidado. Escreva-nos para:
[email protected]
Por que Samizdat? “Eu mesmo crio, edito, censuro, publico, distribuo e posso ser preso por causa disto” Vladimir Bukovsky
Henry Alfred Bugalho
Inclusão e Exclusão
[email protected] Nas relações humanas, sempre há uma dinâmica de inclusão e exclusão. O grupo dominante, pela própria natureza restritiva do poder, costuma excluir ou ignorar tudo aquilo que não pertença a seu projeto, ou que esteja contra seus princípios. Em regimes autoritários, esta exclusão é muito evidente, sob forma de perseguição, censura, exílio. Qualquer um que se interponha no caminho dos dirigentes é afastado e ostracizado. As razões disto são muito simples de se compreender: o diferente, o dissidente é perigoso, pois apresenta alternativas, às vezes, muito melhores do que o estabelecido. Por isto, é necessário suprirmir, esconder, banir.
Foto: exenplo dum samizdat. Cortesia do Gulag Museum em Perm-36.
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A União Soviética não foi muito diferente de demais regimes autocráticos. Origina-se como uma forma de governo humanitária, igualitária, mas logo
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se converte em uma ditadura como qualquer outra. É a microfísica do poder. Em reação, aqueles que se acreditavam como livrespensadores, que não queriam, ou não conseguiram, fazer parte da máquina administrativa - que estipulava como deveria ser a cultura, a informação, a voz do povo -, encontraram na autopublicação clandestina um meio de expressão. Datilografando, mimeografando, ou simplesmente manuscrevendo, tais autores russos disseminavam suas idéias. E ao leitor era incumbida a tarefa de continuar esta cadeia, reproduzindo tais obras e também as p assando adiante. Este processo foi designado "samizdat", que nada mais significa do que "autopublicado", em oposição às publicações oficiais do regime soviético.
E por que Samizdat? A indústria cultural - e o mercado literário faz parte dela - também realiza um processo de exclusão, baseado no que se julga não ter valor mercadológico. Inexplicavelmente, estabeleceu-se que contos, poemas, autores desconhecidos não podem ser comercializados, que não vale a pena investir neles, pois os gastos seriam maiores do que o lucro. A indústria deseja o produto pronto e com consumidores. Não basta qualidade, não basta competência; se houver quem compre, mesmo o lixo possui prioridades na hora de ser absorvido pelo mercado. E a autopublicação, como em qualquer regime excludente, torna-se a via para produtores culturais atingirem o público. Este é um processo solitário e gradativo. O autor precisa conquistar leitor a leitor. Não há grandes aparatos midiáticos - como TV,
revistas, jornais - onde ele possa divulgar seu trabalho. O único aspecto que conta é o prazer que a obra causa no leitor. Enquanto que este é um trabalho difícil, por outro lado, concede ao criador uma liberdade e uma autonomia total: ele é dono de sua palavra, é o responsável pelo que diz, o culpado por seus erros, é quem recebe os louros por seus acertos. E, com a internet, os autores possuem acesso direto e imediato a seus leitores. A repercussão do que escreve (quando há) surge em questão de minutos. Ao serem obrigados a burlarem a indústria cultural, os autores conquistaram algo que jamais conseguiriam de outro modo, o contato quase pessoal com os leitores, o diálogo capaz de tornar a obra melhor, a rede de contatos que, se não é tão influente quanto a da grande mídia, faz do leitor um colaborador, um co-autor da obra que lê. Não há sucesso, não há gran-
des tiragens que substitua o prazer de ouvir o respaldo de leitores sinceros, que não estão atrás de grandes autores populares, que não perseguem ansiosos os 10 mais vendidos. Os autores que compõem este projeto não fazem parte de nenhum movimento literário organizado, não são modernistas, pósmodernistas, vanguardistas ou q ualquer outra definição que vise rotular e definir a orientação dum grupo. São apenas escritores interessados em trocar experiências e sofisticarem suas escritas. A qualidade deles não é uma orientação de estilo, mas sim a heterogeneidade. Enfim, “Samizdat” porque a internet é um meio de autopublicação, mas “Samizdat” porque também é um modo de contornar um processo de exclusão e de atingir o objetivo fundamental da escrita: ser lido por alguém.
SAMIZDAT é uma revista eletrônica ensal, escrita, editada e publicada pelos m integrantes da Oficina de Escritores e Teoria Literária. Diariamente são incluídos novos textos de autores consagrados e de jovens escritores amadores, entusiastas e profissionais. Contos, crônicas, poemas, resenhas literárias e muito mais.
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Comunicado
SAMIZDAT Especial
Humor
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O lugar onde
1 - Todos os colaboradores fixos do E-Zine podem participar e sugerir autores colaboradores; 2 - Também serão aceitos textos enviados voluntariamente por autores externos, para as seguintes seções do EZine: a - Resenha de Livros; b - Teoria Literária ou do Humor; c - Autor convidado (prosa ou poesia); d - Traduções; e - Crônicas;
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f - charges, ou caricaturas. 3 - Serão selecionados, ao todo, entre 3 e 5 textos para cada uma das seções acima, mas a edição do E-Zine possui o direito de selecionar mais ou menos obras. 4 - Não há limites de palavras, mas como se trata duma publicação voltada para o meio digital, solicita-se que não sejam enviados tex-
a boa Literatura é fabricada
tos mais extensos do que umas 2500 palavras. 5 - Por se tratar duma obra de divulgação, não serão pagos direitos autorais. A publicação e a distribuição do E-Zine não acarretará, tampouco, em custos para os autores participantes. 6 - A SAMIZDAT Especial - Humor será publicada durante o mês de maio no blog, e na edição em .PDF em 1 de junho. Por isto, solicita-se aos autores interessados que entrem em contato até o final de abril, através do e-mail
[email protected]
Indicando, no assunto do e-mail, SAMIZDAT Especial 4, e em qual seção o texto se enquadra (ver item 2).
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Estamos preparando a quarta edição do SAMIZDAT Especial, contemplando o gênero Humor.
Abraços a todos, Equipe da SAMIZDAT www.revistasamizdat.com
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Entrevista
Maria Isabel Moura Maria Isabel Moura nasceu na Covilhã, em 1955. Nas suas palavras, cresceu e aprendeu a magia da leitura na aldeia dos Trinta, em plena Serra da Estrela; o resto dos estudos, correndo a geografia portuguesa: em Sintra, com a sua serra e neblinas, num palácio onde reis e rainhas arrastaram saias, paixões, sofrimentos, loucuras e exílios; em Espinho, com o mar feito fúria, comendo ruas e casas e deixando maresias e poemas no ar; em Lisboa, onde se deixou perder, encantada, pelas calçadas de uma cidade vestida de rosa. Reside actualmente em Guimarães, cidade em que as pedras ainda têm a medida dos sonhos... É colaboradora do Jornal do Fundão. Trabalha em parceria com Matos Costa, seu ilustrador constante e companheiro de vida... Obra publicada: Vinte maneiras diferentes de contar a mesma história – Prémio Nacional de Conto Manuel da Fonseca 1998; Todo o começo é involuntário, com prefácio de Urbano Tavares Rodrigues, Editorial Teorema, 2001; Vou dar pontapés na Lua, contos infantis, Edições Afrontamento, 2004.
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Devido ao tema a que este número da revista é dedicado, a entrevista de Maria Isabel Moura gira à volta do livro Todo o começo é involuntário, descrito como um romance erótico que foge ao tom comum na literatura portuguesa. Porque escreveu este livro? Maria Isabel Moura – Pelo prazer da escrita,
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como se escrevem todos os textos…, e porque, pessoalmente, considero a literatura erótica, a infantil e a policial as mais difíceis e queria saber até que ponto eu as conseguia dominar. Sabemos que o considera “apenas” erótico. Não acha que a crueza carnal de alguns trechos (http://www.geocities. com/arsenio_grilo/moura.html), aconselharia a
admiti-lo como pornográfico? Estes anos depois, como acha que foi qualificado pelos leitores? MIM – E como falar da vida sem crueza carnal? Como descrever uma guerra, uma fome, sem ser cruento? E depois destes anos todos, estranhamente, não tenho ecos nenhuns dos leitores... Importa-se com a distinção entre erotismo e pornografia? Como definiria cada um destes géneros? A diferença está no “que” se diz ou no “como” se diz? MIM – Importo e muito!! É como a diferença entre brejeirice e ordinarice. A segunda ofende os ouvidos e o intelecto; a primeira é divertida, convoca o riso e a alegria. O erotismo é aliciante, criativo, leva o leitor a recriar o que lê. A pornografia é facial, sem margens imaginativas e as personagens movimentam-se sem depois nem antes. Qual é a função da literatura erótica, na sua opinião? MIM – A mesma função de toda a literatura: abrir a alma, abrir as comportas do sonho, da vida, do mundo, do estarmos aqui, agora e vivos! Que honra, esta de estarmos vivos.
Na sua percepção, o que diferencia a literatura erótica escrita por um homem daquela escrita por uma mulher? MIM – Creio, e aqui entro no campo das incertezas, que a escrita masculina preocupa-se menos com os porquês. Que na literatura erótica feminina é muito importante saber o que motiva as personagens.
MIM – Neste livro, é através de toda a violência e sexo, que se matam os fantasmas de toda uma vida e se renasce. De modo que sim, estão lá todos esses elementos...
Na descrição da obra pela editora, é mencionado que a sua escrita se aproxima da “de Sade, de Henry Miller, de Anais Nin”. Concorda com isso? MIM – Como poderia não estar? São três ícones Li numa entrevista (http://www.arlindo-cor- da literatura erótica e era exactamente o que eu reia.com/061102.html), que preferiu abordar as estava a tentar escrever. fantasias masculinas às femininas. Não sendo Na já citada entrevista, homem, recorreu a que encontrei este trecho: fontes para saber dessas fantasias? Que há de diferente entre “fantasias MTH – Sente-se mais femininas” e “fantasias perto, literariamente, masculinas”? do Henry Miller ou da Anais Nin? MIM – Onde fui buscar as fantasias masculinas? MIM – A Anais Nin é Pois, vampirizando todas mais poética e eu espeas confidências, todas as ro ter posto neste livro conversas, todas as vidas alguma poesia, portanto que por mim passaram. E sinto-me mais perto da não é essa a vocação do Anais Nin. escritor, a de vampirizar as vidas alheias? Não apenas no seu livro, mas também O filósofo Georges Bana prosa de ficção de taille traça uma relação outros autores que já entre sexo, violência e tenha lido, quando morte – todas são insacontece a aproximação tâncias de transgressão entre prosa e poesia? da normatividade, de MIM – As palavras são liberação da nossa aniuma coisa muito engramalidade. çada, têm textura, cor, Identifica estes elemen- sabor... e quando um tos na sua escrita? texto em prosa consegue que a paisagem para lá
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da janela seja a de dentro dos nossos olhos, entrámos na poesia. Falando da sua obra: como se processa a poesia na sua prosa? Está no todo da obra (o que qualifica todo o romance como uma grande metáfora) ou está em alguns pontos em que a narrativa se dilui em expressão poética? MIM – Neste livro, a escrita processa-se em ondas, depois de um trecho o mais cruento possível, segue-se a acalmia poética. Foi um processo voluntário. Ao contrário, na literatura infantil, tento que todo o texto seja poético. Numa época dominada por imagens, pelo cinema, pelos vídeos no YouTube, existe espaço para o erotismo em palavras? Ou, melhor dizendo, para quem escreve? MIM – Para começar, para mim mesma. E, espero, desejo, anseio, que o espaço da literatura continue a existir. A palavra escrita deixa todo o espaço aberto para o sonho, para o raciocínio, para a recriação. No fundo, para uma liberdade que os audiovisuais não dão. Como é a recepção das suas obras entre os
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leitores e a crítica portuguesa? A forte herança católica de Portugal é um obstáculo a ser superado pelos autores de literatura erótica? E de leitores e críticos brasileiros – ou, ao menos, não-portugueses – já recebeu algum comentário? Sabe como foi a receptividade deste seu romance fora de Portugal? MIM – O estranho deste livro é a discrição com que tem caminhado. Não tenho praticamente ecos nenhuns, o que me tem espantado francamente. Na altura do lançamento, e exactamente por causa da herança católica, esperava algum escândalo, mas fez-se um enorme silêncio. Talvez este silêncio seja bem mais significativo do que todas as polémicas. A publicação dum livro deste cariz criou obstáculos às suas posteriores publicações? E à sua vida pessoal? MIM – Precisamente devido ao enorme silêncio que se fez à volta deste livro, não senti problemas de espécie alguma. Creio que o facto de ser prefaciado por Urbano Tavares Rodrigues tenha influência. Tenciona escrever mais livros na linha deste? Existe mercado para o erótico?
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MIM – Existirá sempre um mercado para o erótico, já que sexo é vida e queremos estar vivos. Quanto a eu escrever outros livros eróticos, não sei... para já brinco com micro-relatos, e vasculho a minha infância naquilo que chamo o Alfabeto das Saudades... Qual foi o maior obstáculo que teve de superar para consolidar a sua carreira literária? Quais são os grandes desafios para um escritor, actualmente? MIM – Os desafios são os mesmos de sempre: ter leitores. E nem sequer quero entrar na polémica de editor, distribuidor, escritor... Isso dá de imediato o cansaço de todas as respostas, de todos os debates...
Coordenação da entrevista: Joaquim Bispo Perguntas feitas por: Henry Alfred Bugalho Joaquim Bispo Maria de Fátima Santos Volmar Camargo Junior
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Microcontos
A Visita Henry Alfred Bugalho
Espiando Henry Alfred Bugalho Era um voyeur. Brincava sozinho, vendo a vizinha trocar de roupa. Numa noite, ela abriu toda a cortina, acenou para ele e se despiu.
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Brochou.
A passageira alegre Henry Alfred Bugalho Tinha orgasmo duas vezes ao dia. Tremelique do ônibus indo e voltando do trabalho.
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- Deixa eu abrir tua blusa. - ... - Que peitinhos bonitinhos. - ... - Que pele macia. - Tio, a mãe ‘tá vindo! Eles se aprumam. - E aí, o que vocês estão conversando? - A Lili estava me contando sobre a escola. Pelo que posso ver, essa minha sobrinha é ótima... aluna.
Acto falhado Joaquim Bispo Antes de se deitar, Fábio resolveu dar-se o mimo de uma pequena ceia. Pôs a mesa com todos os requintes, sem esquecer o guardanapo. Pegou no atiçador e começou a espevitar o tição da lareira, enquanto pensava em Susana. Com o corpo dela no pensamento, fechou os olhos e esqueceu-se que continuava a atiçar o fogo. Um momento foi quanto bastou. De súbito, percebeu que o leite ia levantar fervura, mas só quando foi por fora tomou consciência que Susana não estava lá para o conter. Derramou-se todo. Acabrunhado, foi-se deitar ainda com fome.
O segredo Joaquim Bispo Catarina não se calava, enquanto não matasse a curiosidade: – Só te perguntei se tinhas alguma cunha, porque é sabido que o Vasconcelos apenas admite louras altas para a secção dele. Ora tu, morena e redondinha, como é que conseguiste entrar? Tu não me leves a mal. É que parece que havia louras a concorrer … Marília, já cansada de dar respostas evasivas à amiga, decidiu que era hora de lhe revelar o segredo. Abriu a malinha de mão e mostrou o conteúdo, onde sobressaía um objecto ovóide cor-de-rosa de cinco por três centímetros. – Este ovinho é a resposta – concluiu, com um sorriso seguro. – Não compreendo. Um ovo de plástico? O que é que isso tem que ver? – Este ovinho é um vibrador de uso interno, sem fios. É comandado por este controlo remoto de sete velocidades. Uso-o para as faltas do Pedro, e também por desfastio no emprego. Devias comprar um. É silencioso, não se dá por ele, mas mexe-se dentro de nós, vibrando ou pulsando, conforme a velocidade. Quando vou a uma entrevista com um homem, ponho-o dentro de mim, como um tampão, e, na altura, ligo-o na velocidade dois. Há muito tempo que descobri que os homens não lhe resistem. Um humedecer de lábios, um mexer no cabelo, podem ser interpretados como manobras de manipulação, por um homem experiente; a excitação branda que este ovinho provoca no meu corpo não tem defesa. Por detrás do brilho genuíno no meu olhar, o homem, de alguma maneira, capta a onda de prazer sensual que o meu cérebro activado emite. É fatal.
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Microcontos
Ejaculação Precoce Pedro Faria - Adorei o jantar hoje... gostaria de subir pro meu apê? - Ahhhhhhhhhhhhhhh...
Contos Precoces Caio Rudá Sonho erótico Acordou melado.
Necrofilia O corpo jazia. Os libidinosos saprófagos comiam-no despudoradamente.
Transæ Caio Rudá Passada uma década, ela lá, sentada com o namorado. Seu corpo havia ganhado mais curvas e mais volume; meus olhos, mais volúpia. Seios cabíveis em minhas mãos despudoradas, fina cintura e pernas longas e ousadas vestidas num short de palmo e meio, convite ao sétimo pecado capital. O namorado, um sujeito não muito bonito. No máximo um peitoral estufando uma ridícula camiseta rosa. Sua vantagem deveria ser o sexo: ou bem dotado ou bom deitado. E eu, com tais dádivas agraciado. Tê-la, apenas uma questão de oportunidade. Esperei até que ela fosse ao banheiro, unissex como se previamente definido por Asmodeus. Copo no balcão, em delírios lascivos a segui. Dentro da cabine, sua vasta pélvis encaixada em mim, de surpresa. Sem reação. Gostou. Minhas mãos nas coxas largas. Virou-se e arriscou apalpar-me. Descoberto o volume. Esboços de gozo no sorriso. Calças abaixo, pênis para cima. Mais que macias, mãos mágicas, fazendo crescer, inchar, enrijecer. Não fosse o som da descarga ao lado, ela não teria sido espantada. Da minha mente.
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A filha da carola e seus pecados Giselle Natsu Sato A filha da carola e seus pecados Após a morte da mãe, vivia assombrada pelo medo. Temia o fardo dos pecados que carregava. E as pragas da defunta carola. Na missa de sétimo dia, reuniu forças e foi ao confessionário. Tremia, o lenço na testa enxugando o suor contínuo. Desistiu. Naquela noite, o puteiro festejou o retorno de ‘’Maria Boqueteira’’.
Prova Final Giselle Natsu Sato Era exibida, obscena e descarada. Puxou o tecido, roçando de leve a pele nua. Insinuou a mão sentindo a umidade. Separou as pernas, deslizou o corpo na cadeira até a beirada. Com a ponta do sapato, dava impulso, balançando as coxas e quadril. Totalmente exposta, primeira fileira, sala lotada e prova final. O professor deixou a turma sozinha e saiu às pressas. Calmamente, ela tirou o papelzinho com a cola e copiou as respostas.
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Recomendações de Leitura
Lolita
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de Vladimir Nabokov
Henry Alfred Bugalho
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Nunca é fácil se aproximar dum livro como “Lolita”, de Vladimir Nabokov. Abrimos suas páginas repletos de opinões prévias, de preconceitos, de interpretações herdadas de outros ou da nossa experiência com as adaptações cinematográficas. Eu já assisti às duas versões para o cinema, a de 1962, dirigida por Stanley Kubrick e com roteiro do próprio Nabokov, e a mais recente, de 1997, com Jeremy Irons no elenco.
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Nenhuma das duas impressionam, nem pela história, nem para quem busca o elemento erótico. O filme de Kubrick é contido - não se poderia esperar mais da época -, enquanto a última versão é fraca. Felizmente, Nabokov e sua “Lolita” são muito maiores do que o estrago feito pelo cinema. Logo nas primeiras páginas, nas primeiras linhas, temos as doses iniciais de genialidade de Nabokov. A escrita magistral deste autor russo-americano extrapola qualquer adaptação, é irreprodutível. O narrador da obra é Humbert Humbert, um intelectual francês obcecado por ninfetas. Ele se muda para os EUA e, na casa da sua senhoria, conhece a filha dela, Dolores Hayes, ou
Lolita, para os íntimos. Lolita tem apenas 12 anos e, aparentemente, é uma adolescente como outra qualquer: deslumbrada pelos galãs de Hollywood e mascadora de chiclete. Imediatamente, Humbert se apaixona por ela, se é que a fixação do protagonista pode ser considerada paixão. Antes de tudo, Humbert tem um desejo carnal incontrolável pela menina. Humbert se casa com Charlotte, mãe de Lolita, apenas para poder se aproximar ainda mais da garota. A morte de Charlotte liberta Humbert e o permite finalmente se tornar amante de Lolita. Ambos partem numa viagem pelos EUA, de costa a costa, vagando por hotéis de beira de estrada, fugindo para poderem viver uma existência condenada pela sociedade. Humbert é muito racional, apesar de seu comportamento passional; ele sabe que o relacionamento entre um homem e uma menina de 12 anos é condenável e durante todo o romance ele tenta se justificar: apresenta vários argumentos e inúmeros casos semelhantes no curso da História e, por alguns momentos, até chega a convencer o leitor.
A primeira parte do romance possui alguns trechos eróticos, mas de maneira alguma a escrita de Nabokov se torna vulgar. Através de metáforas, duma escolha quase absurda pela palavra certa, o autor contorna seu objeto e sublima o comportamento execrável do protagonista. Na segunda parte, as cenas eróticas quase desaparecem e inicia o afastamento entre Humbert e Lolita, que culiminará com a fuga da menina e o assassinato que arruinará a vida de Humbert. Qualquer um que assistiu aos filmes sobre “Lolita” conseguirá visualizar o desenvolvimento do enredo, mas apenas a leitura permite o acesso ao maravilhoso estilo literário de Nabokov. A princípio, Lolita é apresentada a nós quase como uma vítima da lascívia de Humbert, porém, aos poucos, o quadro se inverte e Humbert se converte na presa de Lolita, submetendo-se a todos os caprichos da menina. Contudo, do mesmo modo que o romance de Machado de Assis “Dom Casmurro” nos lança questionamentos sobre a fidelidade de Capitu, sem nos permitir uma resposta conclusiva, posto que a narração é feita a partir da visão do protagonista, Ben-
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tinho, em “Lolita” também não podemos ter certeza até que ponto a narração de Humbert é fidedigna. Humbert sempre se dirige a nós leitor e a um juri imaginário; ele se defende; ele justifica seus atos; por isto, não podemos esperar que ele esteja nos contando toda a verdade, mas sim apenas a verdade que ele quer que vejamos.
O erotismo de Nabokov não se funda em cenas sexuais, mas sim no confronto entre tabu e desejo, entre vontade e repressão, entre permitido e proibido - é o conflito que todo ser humano tem de empreender, seja para aceitá-lo ou reprimi-lo.
Lolita Autor: Vladimir Nabokov Editora: Vintage
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Há uma crítica burra que alega ser “Lolita” uma apologia à pedofilia. Isto seria equivocado, se não fosse uma crítica absurda. Nabokov está longe de defender sexo com menores; a crítica do autor é muito mais profunda, atinge as
bases da hipócrita sociedade americana, desmantela a fachada dos costumes, do puritanismo. O fato é que se “Lolita” fosse um mero panfleto pedofilista, o romance dificilmente teria se tornado um dos maiores clássicos da literatura do século XX.
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Recomendações de Leitura
Meninas
Malvadas Alian Moroz
É possível escrever um texto erótico e ao mesmo tempo, preservar o bom gosto? Usar a sensualidade como aliada e contar boas histórias? Giselle Sato, diz que sim. Vai além: propõe espiar pelo buraco da fechadura e deixar a inibição de lado. Reais ou imaginárias, a escritora não revela. Existem pistas, detalhes do cotidiano, o que torna a leitura muito interessante. Se o leitor se identificar com algum personagem, é livre para seguir em frente. Para a escritora, sexo vai muito além do físico, está na imaginação de cada um. O que torna tudo permitido. Traições, vinganças, fetiches, taras, romance e fantasias. Cenas do dia-adia, desejos escondidas no fundo da gaveta. São retratos que formam um álbum delicioso. Vibrante e atual. Sexo é um tema que abre
um mundo de opções. Ao logo da história esteve presente em todas as formas de arte. O proibido, o que está oculto por trás dos panos, é o que nos excita. Aquilo que existe muito além do obvio, age como o impulso. Somos naturalmente atraídos.
Basta dar uma olhada com atenção. Quem sabe, sentadas em algum café, por trás do livro Meninas Malvadas, observando o entre e sai das pessoas... Apresentação feita. Deite, role e deleite-se. É diversão garantida, o prazer é todo seu.
Meninas Malvadas é um livro erótico. Dentro do estilo ágil da escritora apresenta enredos temperados com humor, terror, suspense e dramas. As personagens deste livro, se ainda não sabem o que querem, estão descobrindo o caminho. São mulheres ousadas, conhecem o próprio corpo e desejos. Levam a camisinha na bolsa e escolhem os parceiros, sem medo de ser feliz. Sônia, Jana, Angel e tantas outras...Em comum, a audácia de saber como se goza. Onde estão estas mulheres fantásticas, que abraçam o mundo com as pernas e amam pequenas maldades?
Meninas Malvadas Autor: Giselle Natsu Sato Editora: Temátika Publicação: 2008
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Autor em Língua Portuguesa
As Loucuras do
Minotauro
Dalton Trevisan
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— Sabe que toda família curitibana tem um louquinho fechado no porão?
da blusinha branca, já se defende.
É você. — ... — Me conte a tua vida. Disse que trabalha desde os onze anos. O que aconteceu nos últimos dez?
— Assim não.
— Pensou na minha proposta?
— Primeiro a mãe veio morar aqui. Viúva, uma tropa de filhos. De oito sou a terceira. Ela não se acostumou. Daí eu fiquei. Como um traste esquecido.
— Aí que se engana. Cada peitinho é diferente. Um tem o bico mais escuro. Outro durinho e rosado. O teu deve ser assim.
— Não vim aqui para isso.
— Morava com quem?
— De fato. É que a assinatura na procuração não confere.
— Na casa de outra menina.
— ... — Não. Sente no sofá. Aqui é melhor. — Estou com pressa doutor. — É loiro natural teu cabelo? — Clareio com xampu.
— Uns rabinhos que inventei. Para enfeitar. Só de nervosa. Pego na mãozinha — ela deixa. — O que eu quero é isso. Por mim ficava a manhã inteira. Namorando você. Mãozinha dada. É o que me basta. Longe o olhinho azul, quem está enjoada de ouvir elogio. Me achego e beijo a face — sem pintura, que maravilha. Fagueira penugem de nêspera madurinha. — Na boquinha? Bem de leve. — Não. — Hoje está cheirosa. Perfumou-se para vir aqui. Mais indiferente que pareça. — É francês. — Nem precisa. Já viu macieira iluminada em flor toda suspirosa de abelha?
— Pagava com meu trabalhinho. Na vida nada é de graça. Daí fui mudando de emprego. E hoje aqui estou. Sofrida e triste. — Esses anos terão sido difíceis. Não quer ou não gosta de falar? A palma de tua mão está úmida. Será de aflita? Os dedos entrelaçados, vez em quando os aperto — uma em cinco ela responde. — Acho que sim. — De mim não tenha medo. — E hei de ter? — Já que não fala de tua vida. Me conte como você é. Que mãozinha linda. Quanto você tem de quadril? — Não sei. Afagando e medindo coxa acima. — Calculo uns noventa.
— Como será que é? Muita vontade de ver o biquinho. — Igual ao das outras.
— Nunca reparei. — Sabe que um é mais pequeno que outro? Será o teu esquerdo? — ... — De uma, o seio raso da taça de champanha. De outra, bojudo copo de conhaque para aquecer na palma da mão. — ... — Pensou na minha proposta? Umas poucas de concessões. — Como assim? — Primeiro pego na tua mão. O que já deixou. Isso é bom. Me faz tanto bem. Não me contenho e agarro uma e outra. — Depois te apalpo. Aqui. Em delírio apalpo a coxa trêmula. — Daí te beijo. Não esse beijinho na face. Um turbilhão louco de beijos.
— Emagreci bastante.
E dou um, dois, três. De leve, para não assustar.
— E o teu peitinho? Posso pegar?
— Enfim um beijo de língua. Que você retribui.
Alcanço o primeiro botão
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Dardejo a lingüinha de lagartixa sequiosa debaixo da pedra.
— ...
— Sabe o que é acabar?
— Uma empadinha recheada de camarão e premiada com azeitona preta.
— ...
— ...
— Sabe ou não?
— Já viu canarinha branca se banhando de penas arrepiadas na sua tigela florida?
— Para mim é terminar alguma coisa.
Como está me vendo assim eu fico: todinho vestido. De colete abotoado e gravata. — ... — Até de óculo. Só tiro o paletó. Nenhum perigo para você. — ... — Em troca dessa alegria lhe ofereço um prêmio. Duas notas novas.
— Não é bem isso. Os livros dizem orgasmo. A parte mais gostosa do ato sexual. Já experimentou?
— ...
— Não sei o que é.
— Assim eu encabulo, doutor.
— Quer experimentar hoje?
— No meio das pernas um botão chamado cli-tó-ris. Ali é que meu dedinho ia bulir.
— Por que não agora? Já está aqui. Tão fácil. Até chovendo. Mais aconchegante.
Cada vez mais afrontada e afogueada.
— Hoje, não.
— Será que é fria? Ou não achou quem te entendesse. Te iniciasse com doçura e paciência. Sabe o que eu faria? — ... — Te ajudava a baixar essa calça azul. Abria as tuas pernas. E com este dedinho acordava o teu vulcão. — Credo, doutor. Interessada, quem sabe. Um tantinho incrédula. — Nunca mais seria a mesma. Chamaria você de nuvem, anjo, estrela. O que alguém jamais disse a ninguém. Sabe, Maria? — ... — Você é a redonda lua verde do olho amarelo... — Nossa, doutor. — ...que, aos cinco anos, desenhei na capa do meu caderno escolar. — ... — Mimosa flor com duas tetas. Dália sensitiva com bundinha.
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— Você faz de mim uma criança com bichas que come terra.
— Depois te beijava da ponta do cabelo até a unha encarnada do pé. Cada pedacinho escondido de teu corpo. Afastava essa coxa branquinha de arroz lavado em sete águas. E me perdia no teu abismo de grandes lábios de rosa.
—... — Próxima vez eu resolvo.
— Você que sabe. Só não creio na tua frieza. Tudo me diz que é moça fogosa. Essa boca vermelha e carnuda. É de quem gosta. Mais uma coisa, anjo. Enquanto eu falava, o teu narizinho abria e fechava. — ...
Agora a mãozinha quente e molhada.
— Veja. Como está fremente.
— Sou homem de certa idade. Com a minha vivência faria você sentir prazer até no terceiro dedinho do pé esquerdo. De tanto gozo sairia flutuando pela janela sobre os telhados da praça Tiradentes.
— Ninguém te diz nada? O noivinho não te canta?
— ... — E virgem, se quiser, você continua. —... — Juro que te respeito.
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— ...
— Cantar, todos cantam. Eu sei me defender. — Por que a cisma da virgindade? Se gosta dele, algum mal em deitar no sofá? — Prefiro assim. Ele é ciumento. Sempre está brigando. — Monstro moral. Só quer para ele. Já provou beijo de noventa segundos?
— Não contei. — Ao teu noivo falta imaginação. Fico um dia inteiro olhando você. De joelho e mão posta. Louvado essas graças que Deus te deu. Agora um beijinho. Na boca. Seguro o rosto, forcejo, ela resiste. — Ah, ingrata. Que tamanho o teu pé. Isso você sabe. — Trinta e cinco. — Bonitinho deve ser. Aposto que sem joanete. Sabe que as moças se masturbam? Você não tem experiência? Todas têm. De noite pensa num rapaz bonito e brinca com o dedinho. Nunca fez isso? Sem resposta. — Teu noivo é bonito? — Nem tanto. — Então algum artista famoso. Deixa ler a palma da mão. De repente muito curiosa. — Este xis é uma boa notícia. Que não esperava. — O quê? — Rolar comigo no tapete. Nem sorri. — Você não sonha, amor? — Todos sonham. Eu, ter o meu cantinho. — Não é isso. De olho aberto. Visões eróticas. Em toda família... — É tarde. Preciso ir, doutor. -- Então me dá um abraço. Assim.
Envolvo-a nos braços. Ela não corresponde. — Ai, me deixa. Beijar essa carinha mais santa. E osculo as duas faces rosadinhas.
Um detetive... Uma loira gostosa...
Um assassinato...
— Agora a tua vez. Um furtivo beijo. Seco, unzinho só.
E o pau comendo entre as máfias italiana e chinesa.
— Aqui o teu presente. — Não posso, doutor. -— Sabe que toda família curitibana... — Sou moça de princípios.
O Covil dos Inocentes
— ...tem um louquinho fechado no porão? — Cruzes, doutor. Ó maldito Minotauro uivando e babando perdido no próprio labirinto. — Me trate de você. Doutor já não sou. Apenas um doidinho manso. De paixão cativo.
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Indecisa, morde o beicinho. — De mim o que vai pensar? Guarda na bolsa as duas notas. E concede o primeiro sorriso. Conto extraído da revista Playboy, Dezembro/1982.
Fonte: Releituras
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Autor em Língua Portuguesa “
— Não vou responder às perguntas simplesmente porque não posso, é verdade; sou arredio, ai de mim! Incurávelmente tímido (um pouco menos com as loiras oxigenadas!).” Já se escreveu e se comprovou que os demais vampiros não podem encarar, sem pânico, um crucifixo. Ou réstias de alho, água corrente cristalina... Dalton não pode ver um jornalista. Vendo, foge, literalmente foge, apavorado. Suas raras fotos surgidas na imprensa foram feitas às escondidas, como a que utilizamos para ilustrar esta página. Nascido em 14 de junho de 1925, o curitibano Dalton Jérson Trevisan sempre foi enigmático. Antes de chegar ao grande público, quando ainda era estudante de Direito, costumava lançar seus contos em modestíssimos folhetos. Em 1945 estreou-se com um livro de qualidade incomum, Sonata ao Luar, e, no ano seguinte, publicou Sete Anos de Pastor. Dalton renega os dois. Declara não possuir um exemplar sequer dos livros e “felizmente já esqueci aquela barbaridade”. Entre 1946 e 1948, editou a revista Joaquim, “uma homenagem a todos os Joaquins do Brasil”. A publicação tornou-se porta-voz de uma
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geração de escritores, críticos e poetas nacionais. Reunia ensaios assinados por Antonio Cândido, Mario de Andrade e Otto Maria Carpeaux e poemas até então inéditos, como O caso do vestido, de Carlos Drummond de Andrade. Além disso, trazia traduções originais de Joyce, Proust, Kafka, Sartre e Gide e era ilustrada por artistas como Poty, Di Cavalcanti e Heitor dos Prazeres. Já nessa época, Trevisan era avesso a fotografias e jamais dava entrevistas. Em 1959, lançou o livro Novelas Nada Exemplares - que reunia uma produção de duas décadas e recebeu o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro - e conquistou o grande público. Acresce informar que o escritor, arisco, águia, esquivo, não foi buscar o prêmio, enviando representante. Escreveu, entre outros, Cemitério de elefantes, também ganhador do Jabuti e do Prêmio Fernando Chinaglia, da União Brasileira dos Escritores, Noites de Amor em Granada e Morte na praça, que recebeu o Prêmio Luís Cláudio de Sousa, do Pen Club do Brasil. Guerra conjugal, um de seus livros, foi transformado em filme em 1975. Suas obras foram traduzidas para diversos idiomas: espanhol, inglês, alemão, italiano, polonês e sueco. Dedicando-se exclusivamente ao conto (só teve um romance publicado: “A Polaquinha”), Dalton Trevisan acabou se tornando o maior mestre brasileiro no gênero. Em 1996, recebeu o Prêmio Ministério da Cultura de Literatura pelo conjunto de sua obra. Mas Trevisan continua recusando a fama. Cria uma atmosfera de suspense em torno de seu nome que o transforma num enigmático personagem. Não cede o número do telefone, assina apenas “D. Trevis” e não recebe visitas — nem mesmo de artistas
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consagrados. Enclausura-se em casa de tal forma que mereceu o apelido de O Vampiro de Curitiba, título de um de seus livros. “O “Nélsinho” dos contos originalíssimos e antológicos, é considerado desde há muito “o maior contista moderno do Brasil por três quartos da melhor crítica atuante”. Incorrigível arredio, há bem mais de 35 anos, com com um prestígio incomum nas maiores capitais do País. Trabalhador incansável, fidelíssimo ao conto, elabora até a exaustão e a economia mais absoluta, formiguinha, chuvinha renitente e criadeira, a ponto de chegar ao tamanho do haicai, Dalton Trevisan insiste ontem, hoje, em Curitiba e trabalhando sobre as gentes curitibanas (“curitibocas”, vergasta-as com chibata impiedosa) e prossegue, com independência solene e temperamento singular, na construção e dissecação da suprarealidade de luas, crianças, amantes, velhos, cachorros e vampiros. E polaquinhas, deveras.” Em 2003, divide com Bernardo Carvalho o maior prêmio literário do país — o 1º Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira — com o livro “Pico na Veia”. fonte: Releituras
ficina
A Oficina Editora é uma utopia, um nãolugar. Apenas no século XXI uma vintena de autores, que jamais se encontraram fisicamente, poderia conceber um projeto semelhante. O livro, sempre tido em conta como umas das principais fontes de cultura, tornou-se apenas um bem de consumo, tornou-se um elemento de exclusão c ultural.
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Autor em Língua Portuguesa
António Botto António Botto (1897-1959) nasceu no Casal de Concavada (Abrantes). O pai trabalhava nos barcos que atracavam nesse ponto do Tejo, pelo que é natural a sua intimidade com o rio e a sensibilidade à natureza que revela nos seus poemas. Com cerca de onze anos, foi para Lisboa na companhia dos pais, que se instalaram no bairro de Alfama, cuja atmosfera popular se reflecte também na sua poesia. Trabalhou em livrarias e foi funcionário público. Descrevem-no como magro, de estatura média, «dandy», e como tendo «um sentido de humor sardónico, incisivo, uma mente e língua perversas e irreverentes, e sendo um conversador brilhante e inteligente.» Colaborou em quase todas as revistas literárias de vanguarda – Contemporânea, Athena, Águia e outras que o levaram a uma grande massa de leitores, como a Ilustração, a Portucale, a Magazine Bertrand
e a Civilização. Frequentava o café Martinho da Arcada, local de encontro eleito por vários intelectuais da época. Com Fernando Pessoa elaborou uma Antologia de Poemas Portugueses Modernos. Em 1947 exilou-se no Brasil, para fugir às perseguições homófobas de que foi vítima, morrendo atropelado no Rio de Janeiro em 1959, onde vivia na mais dolorosa miséria. Por entre a sua vasta obra, que inclui teatro e contos para crianças, é mais conhecida a obra poética, em que avulta Canções, publicada em 1921, que foi causa de agitação nos meios intelectuais portugueses e de condenação nos meios religiosamente conservadores da época, por ser uma obra explicitamente pederasta. «Homossexual assumido (apesar de ser casado com Carminda Silva), a sua obra reflecte muito da sua orientação sexual e no seu conjunto será,
provavelmente, o mais distinto conjunto de poesia homoerótica de língua portuguesa.» Além desta obra, publicou: Cantigas de Saudade (1918), Canções do Sul (1920), Motivos de Beleza (1923), Curiosidades Estéticas (1924), Piquenas Esculturas (1925), Olimpíadas (1927), Dandismo (1928), Ciúme (1934), Baionetas da Morte (1936), A Vida que te Dei (1938), O Livro do Povo (1944), Ódio e Amor (1947), Fátima – Poema do Mundo (1955), Ainda não se Escreveu (1959). No Brasil, a antologia Bagos de Prata foi publicada pela Olavobrás, editorial de Curitiba. Pesquisa: Joaquim Bispo
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Andava a lua nos céus
Que pelos céus caminhava.
A linda noite sombria.
Andava a lua nos céus Com o seu bando de estrelas
Aproximou-se; e em delírio Procurou avidamente E avidamente beijou A minha boca de cravo Que a beijar se recusou.
Deram-se as bocas num beijo, Um beijo nervoso e lento... O homem cede ao desejo Como a nuvem cede ao vento
Na minha alcova Ardiam velas Em candelabros de bronze Pelo chão em desalinho Os veludos pareciam Ondas de sangue e ondas de vinho Ele, olhava-me cismando; E eu, Placidamente, fumava, Vendo a lua branca e nua
Arrastou-me para ele, E encostado ao meu ombro Falou-me de um pajem loiro Que morrera de saudade À beira-mar, a cantar... Olhei o céu! Agora, a lua, fugia, Entre nuvens que tornavam
Vinha longe a madrugada. Por fim, Largando esse corpo Que adormecera cansado E que eu beijara, loucamente, Sem sentir, Bebia vinho, perdidamente Bebia vinho..., até cair.
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Ouve, meu anjo Ouve, meu anjo: Se eu beijasse a tua pele? Se eu beijasse a tua boca Onde a saliva é mel?... Tentou, severo, afastar-se Num sorriso desdenhoso; Mas aí! A carne do assassino É como a do virtuoso. Numa atitude elegante, Misterioso, gentil, Deu-me o seu corpo doirado Que eu beijei quase febril. Na vidraça da janela, A chuva, leve, tinia... Ele apertou-me cerrando Os olhos para sonhar… E eu lentamente morria Como um perfume no ar!
Anda vem... Anda vem..., porque te negas, Carne morena, toda perfume? Porque te calas, Porque esmoreces, Boca vermelha – rosa de lume? Se a luz do dia Te cobre de pejo, Esperemos a noite presos num beijo. Dá-me o infinito gozo De contigo adormecer Devagarinho, sentindo O aroma e o calor Da tua carne, meu amor! E ouve, mancebo alado: Entrega-te, sê contente! – Nem todo o prazer Tem vileza ou tem pecado! Anda, vem!... Dá-me o teu corpo Em troca dos meus desejos... Tenho saudades da vida! Tenho sede dos teus beijos!
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Não é ciume o que eu tenho Não é ciúme o que eu tenho. É pena, Uma pena Que me rasga o coração. Essa mulher Nunca pode merecer-te; Não vive da tua vida, Nem cabe na ilusão Da tua sensibilidade, - Mas é bela! Tu afirmas E eu respondo que te enganas A beleza Sempre foi Um motivo secundário No corpo que nós amamos; A beleza não existe, E quando existe não dura. A beleza Não é mais do que o desejo Fremente que nos sacode... - O resto, é literatura. Conheço bem os teus nervos; Deixaram nódoas de lume Na minha carne trigueira; - Esta carne que lembrava Laivos de luz outonal, Doirada, sem consistência, A aproximar-se do fim... Eu já conheço o teu sexo, Tu já gostaste de mim. A frescura do teu beijo E o poder do teu abraço, Tudo isso eu devassei...
Inédito Nunca te foram ao cu Nem nas perninhas, aposto! Mas um homem como tu, Lavadinho , todo nu, gosto! Sem ter pentelho nenhum com certeza, não desgosto, Até gosto! Mas... gosto mais de fedelhos. Vou-lhes ao cu
Não é ciúme o que eu tenho; Mas quando te vi com ela Sem que me vissem, chorei...
Dou-lhes conselhos, Enfim... gosto!
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Contos
De encantamento
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os e feitiços Volmar Camargo Junior
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João, chamado João Bico-doce, tinha um poder mágico. Sempre que olhava nos olhos de uma mulher, e a ela dissesse “Olá, minha boneca”, no tempo e no tom de voz corretos, a tal jogava-se em seus braços, levava-o ao canto escondido mais próximo e, ali mesmo, dava vazão aos seus instintos de fêmea. Se ele proferisse qualquer outra palavra, ou as mesmas com uma entoação diferente, o encanto não funcionava. Como efeito colateral, João ficava alguns dias afônico, e a mulher, sonhava com lagartixas. Um dia, chegou à cidade uma certa Margot, criatura deslumbrante, capaz de provocar no mais recatado dos homens uma avassaladora e incontrolável ânsia de estar entre suas pernas – ou onde mais a curiosidade permitisse. Naturalmente, a notícia chegou aos ouvidos do insaciável João Bico-doce. Tendo feito de tudo para encontrá-la, João percorreu os lugares aonde os boatos o levavam. “Viste a tal?”, perguntava ele, ao que os perguntados respondiam suspirosos, “Ah, divina Margot...”, que era o mesmo que um sim. Para João, o pior foi ter andado a cidade toda, de inferninho em inferninho, de boate em boate, de bar em bar, e de todos os notí-
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vagos, ébrios, desvalidos, viúvos, policiais, qualquer um – segundo sua própria opinião – muito menos digno que ele, ouvir o mesmo regozijo tardio, quase um novo gozo, “Ah, divina Margot...”. A cisma de João Bicodoce com a misteriosa e cobiçada Margot chegou a um ponto que ele, que até então nunca havia achado necessário, gratificou a si mesmo por muitas horas, ora com a mão direita, ora com a esquerda, imaginando-se a penetrar a “maldita divina Margot”, por trás, que era como ele gostava de fazer. E fez isso com tanta intensidade, com tanto afinco que, após seis vezes ter derramado o gozo pela casa, desfaleceu, totalmente sem forças. Mal sabia ele que Margot também estava informada da existência do garanhão, e que a fama de sua lábia irresistível, e quem poderá dizer, também de seus atributos de homem, ultrapassara os limites da cidade. Também ignorava João o fato de que ela, a “divina” Margot, o estava arrastando para uma armadilha. Dias depois, tendo recuperado vigor suficiente para ir até o boteco da esquina tomar um café preto, eis que João Bico-doce encontrou, sentada a uma das mesas, ninguém menos
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que a própria, a criatura que lhe estava roubando o sossego. Mesmo sem nunca tê-la visto, pelas tantas e repetidas vezes que lhe ouviu a descrição, soube sem ter dúvidas de quem se tratava. E, mentalmente, congratulou a capacidade de observação dos convivas e à sua própria imaginação: a mulher não devia em nada à imagem que fazia dela – a quem, em sonho, fizera gemer como uma gata no cio. (Para a preservação da saúde dos nossos leitores, e evitar que nossas leitoras possam sentir-se menosprezadas, deixo-os à vontade para imaginar Margot como uma Vênus, uma Afrodite, uma Sherazade, ou como a encarnação do que possa ser a mulher mais apta a fazer um homem querer tê-la como amante, ou, caso contrário, jogar-se de um viaduto.) Num instante de ímpeto, desses em que os homens parecem receber uma carga extraordinária de coragem, da mesma que os faz abrir túneis nas montanhas, mandar foguetes ao espaço e pedir aumento de salário, João aproximou-se de sua musa. Puxou a cadeira oposta, sentando-se com malimolência diante dela; eram os preparativos para a dança do acasalamento. Passando de leve o indicador na ponta da língua e
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endireitando a sobrancelha, João sentiu subindolhe pela garganta as palavras de seu encantamento. Então, quando já penetrava no minúsculo vácuo entre “Olá” e “ minha boneca”, Margot revidou: era uma contra-mágica. Dessas coisas que Deus fez por acaso e que acabam dando muito certo, a mulher foi munida das armas que, ao natural, são equivalentes muito mais eficazes que as usadas pelos machos, e que para eles, só funcionam depois de muito treino, como é o caso do “bico-doce” de João. Pois, Margot, sem contrariar o que se dizia dela, era “divina”. E como uma força da natureza, Margot deu aquela mexida no cabelo, seguida daquele olhar, meio de viés, inquisitivo, perscrutador e convidativo, aquele ligeiro abrir e fechar de lábios como quem engole o último naco de sorvete, deixando os lábios levemente umedecidos daquele jeito. Claro está, todas as mulheres fazem isso desde o primeiro casal – que só foi expulso do paraíso por causa dessa, ou melhor, daquela mexida no cabelo. Mas, para Margot, a divina, tais eram os movimentos ritualísticos de seu feitiço. E João, como se podia esperar, foi enfeitiçado. Sem se importar com o dono do boteco, livraram-
se das roupas e, apoiados na mesa, João Bico-doce e Margot, a divina, amaramse como só dois amantes tão peculiares, dotados de poderes mágicos fariam. Digo amaram-se, porque foi exatamente o que fizeram nos primeiros trinta minutos. Mas, nas vinte e quatro horas seguintes, depois que a multidão aglomerou-se dentro e fora do boteco, de um jeito que nenhum carro pôde passar na rua, João e Margot fizeram coisas para que amar é um delicado eufemismo. Era sim, amor, mas era coisa muito humana também. Nenhuma baixeza, que se diga, porque entre quatro paredes nada pode ser baixo desde que se esteja de acordo. E aos que observavam, com admiração, algumas vezes aplaudiam, outras vezes arregalavam os olhos, outras riam, outras até se emocionavam, era a inspiração que precisavam para os dias, os anos que se seguiam. João Bico-doce, quando sentia que sua fêmea arrefecia, dizia-lhe como só ele sabia dizer, sussurrado ao ouvido, “Olá, minha boneca”. E ela, quando sentia que seu vigor diminuía, bastava, ainda sentada e cavalgando nele, encará-lo e abrir os lábios como quem diz “vem”, daquele jeito. E assim foi, por um dia inteiro, no piso xadrez, em cima das toalhas também xadrez de todas as mesas,
no balcão entre os potes de ovos coloridos, na pia do banheiro, escorados nas paredes do boteco, entre quatro paredes, de portas escancaradas, cercados pela multidão agradecida que não arredou pé antes que, entre os seios molhados de Margot, João deixasse cair uma última e tímida gota. O sol já nascia outra vez, e as pessoas, que nem lembravam ter perdido um dia inteiro de trabalho, seguiram suas vidas normalmente. O dono do bar ofereceu ao casal um revigorante café pingado por conta da casa, o que foi gentilmente negado. Nus, Margot e João foram andando até a casa dele, pelo asfalto que ainda não havia começado a aquecer. Sem acender as luzes ou abrir a janela que dava para o mar de telhados, deitaram-se na cama de solteiro, e, muito juntos, como só os enamorados conseguem, dormiram por dias a fio. Ela sonhou ininterruptamente com simpáticas e multicoloridas lagartixas que caminhavam pela cidade, tornando-a muito mais alegre. Ele, como acontece aos que dormem vencidos pela exaustão, balbuciou não poucas vezes, com a voz rouca, quase inaudível: “Ah, divina Margot...”.
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Henry Alfred Bugalho
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Jef Harris - http://www.flickr.com/photos/jefharris/3120316831/in/set-72157611350230863/
Contos
Eu escovava os dentes, quando minha mulher escancarou a porta do banheiro, puxou-me pelo braço e me estapeou a cara com um jornal enrolado.
sar de nunca ter sido adepto daqueles velhos preconceitos machistas, este fato me diminuía diante dela, mesmo que este apoucamento nunca fosse verbalizado.
— Que isto, ‘tá louca? — encolhido, eu me defendia das investidas.
Recebi com egoísta alegria a notícia da demissão de Júlia. Estávamos fodidos, privados da maior parte da nossa renda, minha esposa deprimida, contas atrasadas, a filha tendo de ser transferida dum ótimo colégio particular para um colégio estadual, mas fui assolado por uma satisfação incomum, enfim, eu estava por cima da carne-seca em minha própria casa. Também vislumbrei a oportunidade de, a longo prazo, contornarmos a situação e termos, tanto Júlia quanto eu, uma vida muito melhor.
— Seu canalha, desgraçado! — e, desenrolando o periódico, esfregou-o na minha testa — estou indo para a casa da minha mãe. Trêmulo, perplexo, apanhei o jornal e li a manchete da primeira página. Professor depravado abusa de aluna. E havia uma foto, não muito definida, onde eu aparecia beijando uma menina. Eu poderia correr atrás de Júlia e resmungar a afirmação mais utilizada por quem foi pego no flagra: “Não é nada disto que você está pensando!” Poderia, mas não fiz. A surpresa de ver-me tornado celebridade de maneira tão inusitada privou-me de qualquer reação. Sentei-me no piso do banheiro, chorando e rindo de raiva. As coisas não eram tão simples de serem explicadas. Cagadas nunca possuem lógica, sempre ocorrem numa sucessão sem explanação racional, e foi deste modo que me enredei nisto. Eu lecionava na rede pública, recebendo aquele notório salário de miséria, estava frustrado, necessitando dar um passo além. Ganhava menos da metade do ordenado de Júlia e, ape-
O e-mail dum amigo me convenceu a tentar a vida noutra cidade. Há três anos, ele ensinava num colégio interiorano e dizia-me estar satisfeito, bom salário e vida pacata. Contava-me também ter aberto uma vaga para professor da minha área e que, se eu desejasse, ele poderia entregar meu currículo nas mãos do diretor. Conversei com Júlia e nos entusiasmamos com a idéia. Rafaela, minha filha, desaprovou a mudança, temia perder contato com as amigas, mas quando expusemoslhe nossa real situação, ela compreendeu que era isto ou a bola de neve das dívidas que se acumulariam. Mudamo-nos em janeiro e, dois meses depois, assumi meu cargo na escola. As condições eram diametralmente opostas às quais eu estava acostumado na rede pública. Por ser a única instituição
de ensino privado da cidade, a maioria dos alunos pertencia ao mais alto estrato social daquele fim-de-mundo. A infra-estrutura surpreendia, contudo, a arrogância da molecada também não ficava muito atrás. Mas ao pesar prós e contras, na minha concepção, ainda valia a pena termos nos arriscado. Adianto que não sou nenhum homem bonito — passei dos trinta e cinco, mechas grisalhas nas têmporas e um pneuzinho incômodo —, mas também não sou de se jogar fora. Tive dias melhores, mas anos de casamento, um emprego estressante e uma filha adolescente põem qualquer um pra baixo. Digo isto porque bem sei do fetiche, se é que posso definir assim, existente em relação a professores. Talvez seja parte da posição de autoridade e saber, duma figura sapiencial, provedor de conhecimento, em oposição à burrice do mundo cotidiano. Assim, atire a primeira pedra quem nunca foi apaixonada por um professor! E comigo não era exceção: mesmo na rede pública, eu estava habituado a receber bilhetinhos, comentários jocosos das menininhas, coraçõezinhos no canto do quadro-negro ao chegar em sala-de-aula. Nunca, mas nunca mesmo, levei a sério tais investidas. Ética profissional acima de tudo, mesmo que algumas das alunas possuíssem atributos suficientes para porem à prova esta ética. Não me lembro exatamente quando passei a reparar em Talita. Ela era
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aluna do terceiro ano, Ensino Médio, não se destacava pela inteligência, mas também não compunha o grupo dos bagunceiros. Meu único problema com ela era a incapacidade da menina em ficar quieta e, por isto, logo memorizei seu nome: — Por favor, Talita, dá para parar de conversar? — e ela me fitava melindrada, mascando chiclete em desafio. As provas bimestrais chegaram. Ao aplicar a avaliação na turma dela, alunos todos concentrados, meus olhos buscavam qualquer movimento suspeito (não que eu fosse muito rigoroso com alunos colando) e, acidentalmente, pousaram em Talita. Ela, cabisbaixa, cabelos loiros ocultando parcialmente seu rosto, maxilar movimentando-se no mascar do chiclete, caneta BIC oscilando nos dedos nervosos. Então, avistei a outra mão sobre a coxa, pele lisinha, e, obscurecida pela saia, na vão das pernas entreabertas, a calcinha branca. Contemplei a descoberta por dois ou três segundos, mas refugiei-me no meu livro de chamada. Porém, as faltas, notas e nomes de alunos não me detiveram, assim, voltei a buscar as coxas adolescentes e o tesouro de algodão entre elas. Três meses de abstinência de sexo possuem este poder de tornar algo tolo, infantil, no maior dos estimulantes eróticos. Faz-nos imaginar o que estaria por debaixo da peça íntima, imaginar carícias, faz o coração bater mais depressa e a respiração se acelerar. Das pernas, ascendi a vista ao rosto de Talita e encontrei os olhos azuis dela me
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encarando, marotos, talvez lendo meus pensamentos, pois a mão que repousava sobre a perna começou a brincar com a barra da saia, subindo-a uns poucos centímetros, e ela passou abrir e fechar os joelhos, revelando e escondendo o que atraía minha atenção. Fingi indiferença, apanhei um livro e simulei estar absorto na leitura, mas, vez ou outra, não resistia e meu olhar era atraído por este jogo de Talita. Às vezes, ela estava concentrada na prova, sorrisinho safado; noutras, cuidando-me, como se dissesse: “eu sei de tudo”. O tempo da prova acabou. Os alunos vieram e empilharam os papéis sobre minha mesa. Percebi que a prova de Talita estava quase toda em branco: — Estava difícil? — perguntei. — Acho que não — ela respondeu — Mas eu estava pensando em outras coisas... — e sorriu para mim. Fiquei sem reação, reduzido ao jovem que um dia eu fora, sem traquejo para conversar com garotas, que não sabia como se aproximar delas. — Hum — resmunguei. — E você, professor, em que pensava? — Em nada, Talita — respondi sem graça. Eu não conseguiria mensurar como aquilo me afetou. À noite, sonhava com as pernas de Talita; de dia, mal me concentrava nas minhas atividades. As manhãs que se seguiram foram angustiantes, ter de entrar na sala da
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garota e engolir a vergonha de me achar um tarado. No entanto, a reação da menina me tranqüilizou, simplesmente me ignorava, o que, apesar de doloroso para as expectativas por mim alimentadas, era a melhor atitude possível por parte dela. Estava quase me esquecendo de tudo, mas, no final duma aula, Talita surgiu na minha sala e me disse: — Professor, posso conversar com você? Os alunos já haviam se retirado e, enquanto eu recolhia meu material, aquiesci: — Estou com um sério problema, professor, e não sei o que devo fazer. Pensei que poderia ser algo relacionado às notas dela, pois o desempenho dela era de regular para baixo. — Eu sei como é, Talita, a fase pela qual você está passando é barra, mas vai passar. Acredite em mim, também fui adolescente e também não gostava de estudar. — Não tem nada a ver com estudo, professor — ela molhou os lábios com a língua. Um péssimo sinal, pensei. Ela se aproximou, mas recuei um passo. — Tive medo de vir até aqui... — ela acrescentou, achegando-se ainda mais. Eu até continuaria recuando, porém fui prensado entre Talita e minha mesa. Os pequenos seios dela se encostaram em meu tórax — Tive medo da sua reação. Eu queria que ela se calasse, quer dizer, estava morrendo de curiosidade para ouvir o resto, mas tinha certeza de
que nada bom sairia dali. — Acho que estou apaixonada por você, professor — e, ao terminar esta sentença, os lábios delas quase tocavam o meu. Ela fechou os olhos e aguardou um beijo meu como resposta. Esquivei-me lateralmente, apanhei minha pasta e retruquei: — Isto vai passar! Eu também já me apaixonei por professoras — ri, trêmulo do pé à cabeça, e sumi da sala de aula, sob o olhar incendiado de Talita, dedo indicador acariciando o lábio inferior. Depois disto, minha vida se tornou um inferno (no melhor sentido da palavra). Onde quer que eu fosse, deparava-me com Talita; simplesmente, não havia mais lugar seguro para mim. E eu perdia o fôlego, a voz, o rebolado. Nunca antes uma mulher me desmontou como ela, e nem mulher de fato ela ainda era, apenas uma garota, somente um ano mais velha do que minha filha Rafaela, fato que levantava uma série de questões morais às quais eu me recusava a confrontar. No intervalo das aulas, com a imagem de Talita na mente, eu corria ao banheiro para me masturbar, tentar me livrar daqueles pensamentos que me consumiam. E como os bilhetinhos, as piscadelas, as declarações de amor de Talita não cessaram, resolvi que deveria criar coragem e fazer aquilo que a natureza, aquele nosso resquício animal, me impelia. — Encontre-me no estacionamento, depois da aula — sussurrei no ouvido dela.
Os instantes que aguardei no meu carro, tenso, tamborilando com os dedos no volante, me devastavam. Nenhum sinal dela. Concluí que Talita era idêntica à maioria das mulheres: elas lançam a isca, mas, na hora da fisgada, puxam o anzol pra fora d’água, deixandonos boquiabertos, chupando dedo. Elas querem se sentir desejadas, e fim de papo. Mas eu estava enganado, pois, cuidando o seu redor para se certificar de que ninguém a via, Talita apareceu e pulou para dentro do meu carro. Ria de emoção. Mal trocamos palavras no trajeto até chegarmos num local ermo, a alguns quilômetros da cidade, na beira dum riacho, onde poderíamos ter alguma privacidade. Assim que desliguei o motor, Talita saltou do banco do passageiro e se sentou no meu colo, beijando-me desesperadamente, deslizando as mãos por meu torso, desafivelando meu cinto e lutando para me livrar das calças. Eu respondia na mesma altura, apesar de um pouco atônito com a agilidade da moça: — Se esta for sua primeira vez, pode deixar que eu vou com calma... — comentei, querendo parecer gentil. — Minha primeira vez? Você só pode estar brincando, né, professor! — Talita quase gargalhou na minha cara, sem deixar, no entanto, de prosseguir na tarefa de nos libertar das roupas. Transamos durante o dia inteiro e, apesar de um pouco decepcionado, talvez ferido na minha hombridade e na ilusão de querer ser o primeiro na vida duma mulher, não podia reclamar
da experiência. Após tantos anos acostumado com uma mesma mulher, um mesmo corpo, que já não tinha a mesma forma de antes, tomado por estrias por causa da gravidez, flácido, sem a mesma agilidade e vigor, deparar-me com uma garota no auge físico, tudo no lugar, pele irretocável, cheiro de frescor, que fazia de tudo em todos os lugares, era rejuvenescedor, fazia-me sentir mais homem. Menti para minha esposa, afirmando que, à tarde, eu realizaria trabalho voluntário no colégio, alfabetizando jovens e adultos. As esposas são um bicho esperto, farejam de longe uma mentira, mas acatam-na para preservarem um relacionamento estável. Nada me tiraria da cabeça que Júlia, desde este primeiro instante, percebeu a minha mudança, a presença no meu corpo do odor de outra pessoa e que, ao contrário de antigamente, quando eu quase suplicava por uma trepadinha no chuveiro ou antes de dormirmos, agora eu nem me aproximava mais dela, mesmo quando era dela a iniciativa. As mulheres percebem; Júlia fingiu ter acreditado em mim, e eu fingi ter acreditado que ela havia acreditado. Logo, oficialmente, eu dava uma de bom samaritano, porém, na realidade, eu gastava as tardes com Talita num motel. Mas as escapadas para motéis começaram a nos entediar, passamos a nos encontrar em locais mais arriscados, em público, transando em banheiros de restaurante e provadores de loja. A excitação era tamanha que atingimos o ápice
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ao fazermos sexo no banheiro do colégio. Quanto mais perigoso, melhor. Não sei onde estava com a cabeça quando deixei a situação sair de controle. O modo de conduzirmos nosso relacionamento apontava para o desfecho que estava por vir. Qualquer boçal perceberia o tipo de envolvimento existente entre Talita e eu, mas ninguém tinha coragem para nos desmascarar, até aquela maldita foto aparecer no jornal. A sociedade na qual vivemos é regida por normas e leis hipócritas: tudo é permitido enquanto não for a descoberto. Bastou uma foto para pôr tudo a perder. Primeiro, a cena da Júlia, quando ela esfregou o jornal nas minhas fuças. Depois, uma ligação do diretor da escola, manifestando a insólita declaração: — Porra, professor, se você quer comer uma aluna, tudo bem, mas seja discreto, professor. Esta não é a primeira vez que isto ocorre, mas um escândalo deste não podia cair nas minhas mãos. Agora quem terá de tomar uma providência para solucionar este pepino será eu. Você já deve imaginar que serei obrigado a demitilo. Os filhos-da-puta dos pais de alunos vão comer meu fígado! Quer dizer, eu recebia uma confirmação de que sexo entre professores e alunos era costumaz, desde que não caísse na boca do povo. Talvez, até este diretor já tivesse a sua cota de menininhas nas costas. Foi neste instante que parei e refleti sobre o que eu havia feito de errado, e percebi que seria
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crucificado por puro falso moralismo. A própria Talita havia me confidenciado que, antes de mim, ela já havia transado com cinco rapazes diferentes e com uma moça, ou seja, aos dezesseis anos ela havia tido mais parceiros do que eu com quase quarenta; minha avó se casou aos quatorze anos e pariu uma dúzia de filhos; Charles Chaplin só traçava ninfetas; dizem até que Maria, a mãe de Jesus, quando se casou com José, contava com apenas doze anos. Exemplos não me faltariam e eu já tinha até uma solução para este escândalo: em poucos anos, Talita seria maior de idade, nós nos casaríamos e tudo se resolveria. Não posso dizer que eu a amava, mas certamente estava apaixonado e era dominado por um desejo incontrolável. Não poderíamos exigir mais do que isto. Mesmo estando proibido de entrar no colégio, aguardei na saída, à espera de Talita, mas não a vi. Dirigi, então, até a casa dela, mas jornalistas a cercavam, todos querendo uma nesga da manchete. Liguei no celular da menina, mas fui atendido secamente: — Não posso falar com você, professor. Ainda não viu a merda que aconteceu? Entendi a reação dela, afinal de contas, estávamos todos sob pressão. Júlia saiu de casa, levando consigo Rafaela. Não posso dizer que isto me abalou, nosso casamento já estava com os dias contados há anos e, se não fosse este escândalo, seria outra razão, talvez mais frívola, talvez mais grave. Após alguns dias, os re-
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pórteres debandaram da casa de Talita e foi aí que encontrei uma oportunidade para conversar com ela, numa noite em que os pais dela saíram para ir à missa. Supus que Talita deveria estar de castigo em casa, punida pelos transtornos causados. Bati à porta e foi ela quem a abriu. Ao me ver, assustou-se: — Vai embora, professor. Não posso conversar com você. No entanto, não obedeci. Entrei e tranquei a porta. — Serei breve, Talita. Vim pedir para você fugir comigo, podemos nos casar e apagar tudo de errado que aconteceu. — Casar com você? — ela riu, mãos na cintura — Não seja ridículo! Até parece que eu me casaria com um velho! Isto foi uma tremenda duma contradição, ela não se casaria com um velho, mas transava com um. Expus-lhe este meu pensamento. — São duas coisas diferentes, professor. Tudo não passou duma aposta com minhas amigas. — Como assim? — fiquei sem rumo. — Eu contei para minhas colegas que você estava espiando por debaixo da minha saia. Elas duvidaram. Falei que você estava louquinho por mim e que me comeria se eu quisesse. Elas duvidaram. E aí fizemos uma aposta. — Mas por que ficou comigo tanto tempo? — eu suava, minhas mãos tremiam e era como se um torno espremesse meu cérebro.
— Porque era legal. Todas elas ficaram babando quando descobriram. Não era ruim, professor, mas agora acabou. Já estou até saindo com outro rapaz, um surfista, pelo menos ele agüenta o tranco mais do que você. Só ontem trepamos seis vezes... Sempre me considerei um indivíduo racional, com comportamentos sensatos, com objetivos bem definidos. Nunca havia tipo um colapso emocional, nem arroubos de paixão, nem nada que me tirasse do meu casulo de racionalidade. Contudo, não existe nada mais ofensivo para um homem do que ter seu desempenho sexual menosprezado — “filho-da-puta”, “desgraçado”, “retardado” são ofensivos, mas “brocha”, “viado”, “corno” não são somente ofensas, são capazes de fazer um homem questionar toda sua existência. — Cale sua boca, sua vadia! — eu segurei Talita pelo braço. — Você quer que eu minta, professor? Então, eu minto: você é o gostosão, o machão, o pau mais duro do planeta! — e o tom de ironia dela era tão doloroso que eu tinha vontade de me jogar no chão e chorar. Mas não fiz isto, a ação que tomei foi imprevisível para mim; segurei os cabelos dela e a arremessei contra a parede, abrindo-lhe um talho na testa. Surpresa, aterrorizada, ela, mãos apoiadas na parede, olhou-me de esguelha, sangue lhe escorria pelo sobrolho, descendia pelo nariz. Seria fácil eu me virar e sair dali, deixando-lhe uma cicatriz como recordação minha, mas não, eu precisava de mais, minha vingança
não seria completa assim. Avancei contra ela, socando mais uma vez a cabeça dela contra a parede. Ela ameaçou gritar, mas suprimi os ganidos com uma das mãos, enquanto a sufocava com a outra. Talita reagia, arranhando-me o rosto e o pescoço, mas eu era mais forte e a subjuguei. Ela não tentava mais gritar, por isto, só me dediquei a estrangulála. Demorou um minuto ou dois até ela deixar de se mover, os olhos voltados para cima, boca arreganhada. Não posso, nem devo, esconder que senti prazer neste ato, acaso mais do que quando transava com ela. Uma impressão de superioridade, de poder, de força me consumia, quase uma identificação com o divino. A Deus era reputado o poder de criar e destruir; naquele momento, eu me igualava a Ele, destruindo o Universo em menor escala, privando da vida uma de suas criações (talvez a mais imperfeita delas) pelo mero capricho de conservar a supremacia. Manifestou-se a verdade que Raskolnikov entreviu: alguns nascem ordinários e, para eles, as regras valem; outros são extraordinários, e estão para além do bem e do mal. Levantei-me e me preparei para partir, mas refletindo um pouco, percebi que pela cena do crime facilmente chegariam até mim. Na verdade, quase nada eu poderia fazer para ocultar minha autoria no assassinato: impressões digitais por todos os lados, na porta, na parede, e sabe mais lá onde; fibras das minhas roupas, pegadas, meu sangue e pele nas unhas de Talita, talvez testemunhas, e um motivo, eu tinha um
motivo e nenhum álibi. Mas, numa única e incongruente reação, eu apanhei o cadáver pelas pernas e o arrastei para fora, jogando-o no porta-malas do meu carro. Pouco me importei se alguém estava vendo. Dirigi para oeste, lancei o corpo de Talita num rio, amarrado a um pedregulho. Creio que chegarei à fronteira em umas sete ou oito horas. Dirigirei durante a noite, a notícia do assassinato somente se espalhará pela manhã, nos telejornais, só então me tornarei realmente um procurado. Quando meu nome estiver na boca de todos, escandalizados com o crime bárbaro, com o pedófilo, corruptor de adolescentes, depravado, assassino, eu terei desaparecido no Paraguai. Arranjarei um emprego, tentarei me virar com meu parco espanhol, conhecerei uma chinoca e terei filhos com ela. E, um dia, quem sabe, eu volto para esta cidade desgraçada e mate também o escroto que me fotografou com Talita, e o repórter sem caráter que arruinou minha vida. Não por causa da foto do beijo, pois era apenas um mero beijo, igual e insignificante a todos os demais dados em Talita. Só o perdoaria se a foto minha fosse do instante em que espiei a calcinha da menina; este sim foi o momento crucial, responsável por tudo. Se eu tivesse de ser acusado de algo, a única acusação plausível seria esta: ter encontrado as pernas dela aberta, convidando-me. De nada mais sou responsável.
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Contos
António carpinteiro Maria de Fátima Santos
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Carpinteirava como se a plaina, deslizando na madeira ainda quase verde, fosse mão em corpo de mulher. Ficou-lhe a plaina zanzando doida, sem tino ele no alisar a madeira sobre o banco. E aquele raio de sol que entra pela clarabóia e ele sentindo o quente que era a perna dela, mais coxa do que perna, apertando o seu corpo. Era sempre assim ao outro dia de uma noite com Maria Elisa: a plaina deslizando sem que a orientasse o mandar de António. Distraído, ele que tinha por costume chegar na bicicleta bamba que pintara de vermelho. Haviam de ter combinado uns dias antes, ou à boca do momento de ficarem juntos: um bilhete enviado por mão de garoto a troco de um punhado de bolotas, umas pevides ou uns grãos salteados em areia quente. Um bilhete designando o dia, como por exemplo: “quarta-feira”; lacónico, sem preâmbulos nem finais apaixonados. Maria Elisa não escreve dia de mês, nem hora: era naquela quarta feira, sabia ele e sabia ela e por isso bastava escrever, assim, cada bilhete. À hora combinada, que era http://www.flickr.com/photos/jpujo/2285582061/sizes/o/in/set-72157603810786563/
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sempre depois de estar dormindo o povoado, ela ouvia (e estava certa que só ela ouvia) o guinchar cada vez mais guinchando: era a bicicleta dele, era António que pedalava. “O meu homem”, como Maria Elisa o chamava, nua sobre a cama, doirada dos mares onde passara o mês das férias. António percebera-a doida do seu corpo num dia em que consertava uma tábua solta no soalho do quarto: este, onde se encontram, furtivos, sobre o tapete de Arraiolos que Dona Apreciação bordou em noites de invernia. Maria Elisa suada, corada, as tranças castanhas quase desfeitas sobre o corpo nu. Ela e António carpinteiro, a quem sobrou, na pressa de ter-se inteiro nela, uma peúga preta com os elásticos lassos, calçada no pé esquerdo. Nuzinho, deitado de barriga, António tem nádegas rijas: um rabo chocolate que é a cor do carpinteiro e nem férias de mar ele teve. Todo pele e osso excepto aquele pedaço do seu corpo. Em rodando a noite, ou que seja no início, ou ela o repete, Maria Elisa segura-lhe o pénis, lambe, morde, goza de vê-lo
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dobrado do tamanho que trazia pedalando: e triplicado, ri-se ela assim pensando, de quando ele aplaina madeira de pinho ainda verde, dobrado o corpo magro no banco da oficina. António que chegara a mando do bilhete, entrado pela varanda que dá para o jardim do quarto onde Maria Elisa o aguarda, virgem, que é como sua mãe a sabe: Dona Apreciação que a tem noivada com o filho do Senhor Garcias desembargador e dono de vinhas e montados. Casamento com data marcada para sete de Outubro. Num ritmo arfante enrolam-se os corpos deles no cone de luar que entra pela janela na noite aparvalhada, de húmido e de quente, de um mês de Agosto terminando. Maria Elisa e António, na acepção crua da palavra, fodem. Pela noite dentro, na casa silenciosa, o que eles fazem é uma luta para encontrar o desejo de cada um no outro: a sua carne desvendada poro a poro, descoberta em cada interstício, cada dobra de pele. Enquanto isso, o relógio da torre dá badaladas de um quarto. O verde luminoso no mostrador
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do relógio sobre a cómoda, marca cinco menos um quarto. Maria Elisa quase a ter outro orgasmo. “ O último”, pensa ela, que Maria Elisa teme que seja essa uma noite com ponto final. Cresce o ritmo do seu corpo sobre o corpo de António. Desfaz-se o que sobra das tranças. Penetram-se o sexo dela e o sexo dele. O cabelo esvoaça como se fora véu, como se fora teia. Embaraça-se. Tocalhe o traseiro: o rabo dela, rechonchudo, grande. O rabinho casto nas saias de pregas que Maria Elisa veste quando ajoelha na Igreja. Dona Apreciação ao lado da filha, orando ambas. Dirão da sua virgindade os deuses e os santos. E ali no quarto, diriam que Maria Elisa está rezando ajoelhada no sobrado. Dobrado em dois, o corpo que deve ser guardado, casto, para o esposo. É o que diz o padre Frederico nas sessões de preparação para o casamento. Maria Elisa geme, o rabo endoidado, apertado, instado pelas mãos do carpinteiro, tomado pelo sexo dele, mordido dos seus dentes, ratado das unhas longas que ela roça, crava pelos corpos de um e outro no desespero do desejo.
Batem seis longas badaladas. Nenhum deles ouviu bater as cinco, e nem os quartos tal foi o que não tem como se conte em palavra, seja ela escrita, seja ela falada, e nem que fosse imagem explicaria cada um deles no seu corpo e no corpo do outro. Cada um deles a tropeçar na madrugada, a lutar contra o sol que há-de levantar-se e encher a casa e fazer deles simplesmente Maria Elisa, filha devotada de Dona Apreciação, viúva de Visconde, prometida ao filho do Senhor Garcias; e António, mulato, carpinteiro de móveis e arranjador de portas e de tábuas de soalho.
Decote que deixa ver o cruzado das maminhas: virgens, como juraria, se fosse isso preciso, Dona Apreciação ciosa de sua filha resguardada para aquele casamento ou outro de igual interesse que ela tivesse desejado: ela, a mãe ansiosa da resposta que tarda menos de um segundo, mas faz pairar na Igreja um silêncio de dúvida sem que cada um por si lhe encontre fundamento, mas que causa uma impressão como se houvesse algo.
Apenas António não receia. Num ar de quem espreita à porta da sacristia onde conserta uma gaveta perra, ele sabe que A bicicleta parece que Maria Elisa dirá o desejanão faz ruído quando do sim. Olha-a demoraAntónio parte, já quase a do. Obriga-a que o note: luz da alva despontando: que Maria Elisa, enquanto e no entanto ele vai peda- poise os olhos no pano lando… do altar e balbucie o sim, sinta as suas mãos entrando-lhe pelo decote, - Aceita por marisoltando-lhe as fitas do do… – início da pergunta que o padre faz no véu que jogará sobre o quase marido: engenheisacramento. ro, comerciante ou doutor Faz-se silêncio na nave de leis, ele será apenas o da Igreja onde o filho marido. do Senhor Garcias vai a Que ela diga sim casar com Maria Elisa. enquanto António lhe Demora na resposta a desabotoa cada botão noiva de branco: vestido do vestido de noiva, lhe com decote mais ousado rasga o saiote e lhe pedo que desejou a mãe. netra o corpo numa foda
louca, rodopiando ambos entre os convidados, rolando unidos sobre o tapete vermelho da nave principal. António retira-se. Vai completar o serviço que faz na sacristia. Maria Elisa olha fixamente o altar em sua frente. Fixa a renda com anjos e cachinhos de uva. O padre hesita e quase que repete: - Aceita… Mas detém-se: a boca num esgar como se o padre visse Maria Elisa e o carpinteiro despedindose, como se ele soubesse que António estava ali ofertando ela para o filho do Senhor Garcias, para que ele se faça seu marido. A nave da Igreja respira de alívio: Maria Elisa disse. Ela fala bem alto para que António oiça: - Sim, aceito. Maria Elisa ouve, e só ela ouve, o guinchar da bicicleta que se afasta.
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Ninguém está a ver! Joaquim Bispo João era tímido, muito bom rapaz, mas, como miúdo metido consigo, engendrava muitos esquemas, nem todos isentos de perversidade. Nestas férias, trazia uma ideia fisgada. Alimentava a tentação de ver a tia despida. Respeitava-a, tratava-a como tia, que era, mas não podia evitar espiá-la e imaginar as formas curvas de geometria variável que se lhe moviam por debaixo das roupas. Uma vez por outra, já se tinha masturbado a espreitá-la por detrás das vidraças da casa de banho, enquanto ela dava de comer
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às galinhas no terreiro fronteiro à casa da quinta ou realizava outra actividade na qual punha a sua graça de mulher. *** João tinha dezassete anos e um caldo hormonal a espicaçar-lhe as entranhas e a desfear-lhe a face. Era alto, magro e um pouco desengonçado. Fosse pelo seu aspecto desconchavado e demasiado borbulhento ou pela sua timidez crónica, o certo é que não conseguia grandes avanços com as raparigas. Deslumbrava-se a memorizar a curva do seio das
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colegas, na Secundária, e a violar-lhes, com o olhar, alguns recessos mais íntimos, nem que fosse um pedaço de recatado pescoço atrás da orelha sob o manto de cabelos. Desforrava-se em casa, a rememorar esses lampejos de céu. Era um masturbador compulsivo. A masturbação era o consolo de todos os aborrecidos tempos mortos e de todas as frustrações da sua pouco interessante vida. Excitava-o a ideia de se deleitar sexualmente junto de outras pessoas, sem que alguém suspeitasse. Imaginava que
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Contos
inventava uma maquineta que o masturbasse com os vagares que tivesse programado, enquanto ele, impávido e de mãos bem à vista, estivesse sentado numa esplanada, ou viajasse no Metro e, casualmente, percorresse com os olhos as mulheres à sua volta. Quando tomou conhecimento que já existia tal apetrecho à venda nas sex-shops, só não o comprou por não caber dentro das calças sem denúncia óbvia. As férias foram destinadas como nos outros anos: faria três semanas de praia em Agosto com os pais, em casa dos tios de Viana do Castelo, e depois iria mais três semanas para casa da tia Isabel na Golegã. A tia vivia sozinha numa quintarola, que explorava, a poucos quilómetros da vila. Era uma mulher arruivada, de estatura mediana e formas arredondadas, bonita e ainda jovem, de uns trinta e poucos anos. Quando o marido fora para França há três anos e por lá ficara com uma francesa, tivera que meter mãos à obra e, entre criação e horta, lá se ia aguentando. Dia sim, dia não,
vinha uma carrinha buscar o que houvesse: hortaliças, fruta, frangos, coelhos, ovos e queijos. A ajuda habitual do sobrinho no fim de Verão vinha a calhar, porque, além dos habituais trabalhos campestres, era o período de maiores colheitas. Para João, era um período de grande liberdade ao ar livre, longe dos pais, e a maioria dos trabalhos estava longe de ser aborrecida. Tinha algumas tarefas por conta dele. Ordenhar as cinco cabras da tia, de manhã e à noite, era uma delas. Fora ele mesmo que a escolhera. Apertar as tetas pontiagudas das cabras, que lembravam as maminhas espetadas das colegas, não se podia chamar trabalho. Deleitava-se a sentir a sua consistência e, geralmente, demorava mais que o necessário para a tarefa. Em certas tardes, no crepúsculo de mais um dia quente, enquanto se comprazia com a esquerda na ordenha das cabras, ordenhava-se também com a direita, e havia momentos em que a sincronia era total, e o resultado semelhante. Na hora de maior calor, não se trabalhava fora de
casa. Ele aproveitava para ir até ao pego do riacho que bordejava a propriedade da tia e, se já tivesse feito a digestão, dava uns mergulhos. Depois, deitava-se a secar, a gozar as carícias estimulantes que o sol aplicava ao seu corpo, a sentir alguma erecção confortante por dentro dos calções. Certa vez, sobreveio-lhe uma ideia. Atravessou a ribeira para o melancial do vizinho e escolheu uma melancia exposta ao sol, cujo pé seco indicava que estava madura. Com o inseparável canivete, retirou uma rodela da casca até atingir uma superfície conveniente da polpa, onde espetou dois dedos a criar um início de galeria. O seu pénis erecto acabou de a romper, num arrebatamento de quentura a que uma ou outra pevide conferia uma estimulação extra. Imaginou que a vagina de uma mulher devia ser assim, quente e apertada, só que sem pevides. As experiências boas são para repetir, só o preocupava que o vizinho notasse a diminuição do melancial. Certa vez, lembrou-se que Saramago também tinha deambulado por estas paisagens em liber-
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dade solitária, quando vinha passar as férias com os avós paternos, ali perto, na Azinhaga. Os seus olhos de adolescente também terão olhado para as melancias quentes com pensamentos lúbricos? Ou a sua mente criativa de futuro escritor terá congeminado outras maneiras mais engenhosas de gratificar os sentidos e apaziguar o corpo? Este ano, João alimentava o desejo de ver a tia nua. Ela era muito bonita, tinha olhos cor de mel e uma boca pequena bem desenhada num rosto cheiinho e, apesar de já ter trinta e três anos, o seu corpo parecia tão jovem como o da sua professora de Português, que tinha vinte e seis. Andava sempre de blusas leves e largas onde as mamas, apesar do sutiã, se deslocavam ao sabor das tarefas campestres que executava. Era muito excitante e, basicamente, era por elas que João arquitectara um plano arrojado e pouco ético. Quando faltava uma semana para regressar a Lisboa, tomou coragem para o pôr em prática. À noite, a meio da novela da televisão, João foi
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arranjar o copo de café com leite, para cada um, com que habitualmente aconchegavam o estômago antes de deitar. O que chamavam café não passava de uma mistura de cevada, mas era reconfortante. Desta vez, João tirou uma cápsula farmacêutica do bolso, abriu-a e despejou o conteúdo num dos copos. Bebericaram-nos, enquanto assistiam a mais um bocado da novela que a tia gostava. Desta vez, Isabel começou a ser invadida por um sono invencível. Antes que se ficasse a dormir, despediu-se e foi deitar-se. O coração de João estava acelerado. Comprara uma caixa de hipnóticos a um colega, lera a bula e confirmara que uma cápsula produzia um sono profundo de umas quatro a seis horas, que não deixava lembrança. Agora os dados estavam lançados. Deixou passar três quartos de hora, para dar tempo ao medicamento, depois dirigiu-se ao quarto dela. – Tia! – chamou a confirmar. – Tia Isabel! Apurou o ouvido. Nada. Entrou no quarto cautelosamente e acen-
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deu a luz. Isabel dormia de lado, voltada para si e estava coberta apenas com um lençol. Aproximou-se e ficou a admirá-la. Os cabelos arruivados derramavamse pela almofada, o rosto adormecido enternecia, o morro da anca alteava o lençol, logo após o vale da cintura. Sentou-se na beira da cama. Era tão estranha esta situação. Estava ainda tenso, mas aos poucos ia ficando mais descontraído. Puxou o lençol até desnudarlhe os braços. A tia tinha uma camisa de dormir cor-de-rosa que arqueava à altura do peito. Esticouse para espreitar por aquele decote invulgarmente amplo. As mamas pareciam imensas. Ficou um momento absorto na contemplação daquela visão tão desejada. Depois, com cuidado, empurrou o corpo da tia até ficar deitado de costas. Puxoulhe a camisa de dormir para cima, até descobrir o peito. «Uauh!» Os bicos grossos e rosados sobre os montes branquíssimos eram mais perturbadores que alguma coisa que já tivesse visto. Sentiu o incómodo do seu pénis tenso mas dobrado dentro das calças. Puxou-as na cintura, meteu a mão
e endireitou-o. Depois de um momento, apeteceulhe tocar aquelas mamas. Quando arquitectara o plano, só pensara em ver a tia nua. Mas, porque não tocar-lhe? Abriu ambas as mãos e colocou-as sobre as mamas da tia. Depois, demorou-se a experimentar-lhes a consistência e a macieza. Apertou-as. Eram macias mas densas. E bem maiores do que as suas mãos conseguiam abarcar. Ao vê-la vestida, nunca imaginara que fossem tão grandes. Depois desceu os olhos pelo ventre alvo da tia. Descobriu-lhe as ancas e as coxas. A tia tinha uma cuequinha branca, com um debrum às florinhas. Devia tirar-lha? Levantou-a na barriga. Uma púbis ruiva e de pêlos lisos desarmou-o. Apesar da tia ser arruivada, sempre imaginou que tivesse uma púbis de pentelhos pretos e revoltos, como a sua. Não se atrevia a tirar a cueca à tia. Afastou-lhe as coxas. Eram robustas e lisas. Pousou a mão direita sobre a zona da vagina. Cedia à pressão. Era tão diferente de apalpar as suas calças cheias, agora ainda mais repletas. Estava quente e muito macia. Desviou para o lado a nesga de pano que
a cobria. «Oh, my God!» Uma pequena abertura rosada e entreaberta fê-lo suster a respiração. Era tão inexplicavelmente bonita. Nenhuma ameaça transmitia, antes uma aceitação incondicional. Ali estava o paraíso dos homens. Mexeu-lhe com delicadeza a experimentar a suavidade da carne. Aqueles lábios abriam-se só com a acção de dois dedos. Sentia-a húmida. Experimentou meter o dedo médio. Deslizou suavemente para dentro do corpo da tia. Como era quente, húmido e brando! Nesse momento a tensão do seu corpo ultrapassou o ponto de não-retorno. Fechou os olhos a tentar fruir as duas sensações concorrentes mas coligadas no seu descontrolo, porém, o êxtase do orgasmo venceu e obrigou-o a ceder-lhe toda a atenção, até as convulsões abrandarem. Não esperava, não tinha previsto este descontrolo. Sentia-se todo molhado dentro das calças. Compôs as roupas da tia o melhor que pôde, voltou a colocála deitada sobre o lado direito, cobriu-a, apagou a luz e saiu. Foi à casa de banho e limpou-se, mas não lavou a mão direita.
Ia guardá-la para o dia seguinte. Na verdade, quando acordou, uma erecção mais intensa que a habitual e a lembrança da noite anterior foram estímulos mais que suficientes para tirar uma meia da mesa-de-cabeceira e cumprir uma gostosa consolação. Desta vez com a mão esquerda, que a direita aplicou-a sobre o nariz, sentindo o perfume inebriante da vagina iniciática. Com o corpo da tia em mente, tão presente como na noite anterior, em breve o fundo da meia travou o fruto do seu corpo mais uma vez levado ao engano. Todo o dia pensou se havia de repetir a façanha da noite anterior. À medida que pensava, mais se lhe tornava admissível tentar foder a tia. Era feio da sua parte, mas para ela era indiferente. O que ela não sabia, não a podia incomodar. Isabel acordou com a vaga sensação de ter sonhado com o ex-marido, mas não conseguia focar a lembrança. Tinha a ideia de ter ficado, de repente, com muito sono, na noite anterior e não se lembrava de se ter deita-
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do. Durante todo o dia foi matutando naquele súbito desejo de dormir. Uns olhares furtivos do sobrinho levaram-na a pôr a hipótese inverosímil de ter sido drogada por ele. Com que objectivo? Resolveu ficar muito atenta. À noite, quando João foi preparar a beberagem do costume, Isabel ficou a controlá-lo pelo reflexo difuso na porta da cozinha. Então, confirmou que o sobrinho tirava qualquer coisa do bolso e fazia o gesto de a sacudir sobre os copos. Não podia beber daquele café! Quando João se sentou a seu lado no sofá e lhe estendeu o copo, Isabel levantou-se anunciando: – Vou pôr um bocadinho de vinho do Porto e natas; queres? – Não, tia, obrigado! Isabel moveu-se com diligência e precisão. Vazou o copo na pia, silenciosamente, resguardando-se do reflexo que denunciara o sobrinho, pôs um pouco de leite do frigorífico, encheu com coca-cola, acrescentou natas de pacote e por fim juntou o vinho do Porto. No sofá em frente do televisor, enquanto sorvia aquela bebida de aspecto
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similar à esperada, Isabel olhava para o ecrã, mas a sua cabeça estava a processar decisões. Que fazer? Tinha uma enorme curiosidade sobre o que o sobrinho andaria a fazer lá por casa enquanto ela dormia drogada. João, entretanto, esforçava-se por conter o nervosismo. A simples ideia de estar prestes a encontrar-se com o corpo de uma mulher à sua disposição, poder explorá-lo à vontade, sem olhares desdenhosos nem reticências humilhantes, excitava-o. Talvez fosse este o dia tão esperado em que «perderia os três», que já o embaraçavam perante a experiência alardeada pelos colegas. Dez minutos depois, Isabel fingiu cabecear e foi-se deitar, como na noite anterior. Antes de se juntar a ela, João foi à casa de banho aliviar a tensão. Não queria falhar o objectivo com uma ejaculação adiantada. Sentou-se na sanita, acariciando-se com gestos lentos, enquanto, de olhos fechados, recordava o corpo da tia. Pouco depois, um jorro inundou a «boneca» de papel higiénico com que envolvera a cabeçorra
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retesada do seu membro. Vestiu o pijama e esperou ainda mais meiahora. Depois, entrou no quarto de Isabel que, deitada e voltada para a porta, de olhos fechados mas de atenção bem alerta, fingia dormir profundamente. Não esperava que ele entrasse no seu quarto, mas tencionava prosseguir a farsa até saber o que o sobrinho andava a tramar. João acendeu a luzinha da mesa-de-cabeceira que, protegida pelo abajur, derramou uma claridade suave sobre a cama. A tia estava linda a dormir tão suavemente como na noite anterior. Tocou-lhe os cabelos. Acariciou-os. Eram macios e levemente ondeados. Cheirou-os. Exalavam uma fragrância inebriante. Encostou o seu rosto ao da tia. Era a mesma macieza e quentura que guardava como lembrança das despedidas e dos reencontros. O seu pescoço cheirava a feno e a malmequeres. Deitou-se de corpo esticado encostado ao da tia e abraçou-a. Manteve-se assim por minutos, apenas a aspirar o aroma floral da tia, a sentir o seu corpo tenro cheio de ondulações, e a imaginarse um dia casado com
ação, ora… Antes isso! Não podia era admitir que estivera acordada. Depois de João a ter apalpado toda, a ter despido, e ter beijado até alguns pontos sensíveis que ela desconhecia, o corpo de Isabel estava abandonado e rendido. Notou divertida alguma falta Então, as coisas comede prática, quando João çaram a passar-se muito rapidamente. João passou pôs um preservativo, não sem dificuldade. Seria a a acariciar o contorno primeira vez? Seria ela corporal da tia. As suas que iria «tirar os três» ao mãos percorreram a linha da cintura e da anca sobrinho? Sentiu um orgulho contraditório nesta e depois da coxa. Isabel honra inesperada. Quanhesitava no que fazer. Se do o sobrinho entrou em reagisse, como ficaria a si, abandonou qualquer relação familiar? João pensamento que não fosavançava por recônditos se a fruição do momento. que não imaginara tão «Santa Maria!» Há quanto excitantes: a dobra sob o tempo! João foi entrando joelho, a nádega, a pase assestando todo o foco sagem do tronco para a na sensação celestial de mama. Isabel não podia mergulhar num oceano estar mais confusa. Por quente e profundo, onde um lado, achava eticamente asqueroso o que o apetecia rir e gritar e abraçar o corpo amado. sobrinho estava a fazer, por outro, agradavam-lhe Nunca tinha experimentado tal sensação de algumas carícias que a deixavam paradoxalmente plenitude. Parecia que a vaidosa. Tinha deixado ir maior parte de si tinha entrado naquele túnel as coisas longe de mais. mágico. Sentia-se enorDesmascarar a situação, me. Demorou-se no mais agora, traria demasiados constrangimentos. O que fundo da sua tia. Depois sentiu a urgência. Tinha é que podia acontecer se continuasse a fingir? Uma querido ir devagar, saborear, mas agora o corpo queca do sobrinho? Sem pedia-lhe pressa. Iniciou o embaraço do reconhemovimentos de vaivém, cimento mútuo da situuma mulher assim, e a dormir encostado a ela. Isabel aguardava. Estranhava este comportamento, mas ao mesmo tempo, não lhe era completamente desagradável este terno amplexo masculino que há tanto tempo não sentia.
cada vez mais rápidos e perturbadores. Era a única maneira de aproveitar, porque o seu pénis já pulsava em ejaculações rápidas e potentes. «Wow!» Como é que aquilo podia ser ainda melhor do que todos os orgasmos que já tivera?! Sentiu um enorme reconhecimento para com a tia. Sem ela, ainda agora era um estúpido virgem. Depois, iniciou a delicada tarefa de repor tudo como se lá não tivesse estado. Lançou um último olhar terno à tia, saiu e pouco depois adormecia cansado e feliz. Isabel sentiu o paroxismo do sobrinho e conformou-se. Já estava meio esquecida de como era ficar a meio caminho; ali, felizmente, não precisava de fingir o orgasmo. Depois dele sair, ajeitouse e começou a acariciarse com um dedo, depois dois, enquanto a mão esquerda apertava ora uma ora outra mama, mas não conseguiu realizar-se. Parecia que faltava algo. As poucas vezes que se masturbava, era no duche, com a água quente do chuveiro a lamber-lhe o corpo, mas hoje não podia arriscar denunciar a sua vigília. Quando pressentiu que João ador-
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mecera, levantou-se e, silenciosamente, foi ao pote dos chouriços, retirou um painho de tamanho adequado, limpou-o bem do azeite e voltou para a cama. Um quarto-de-hora depois, a conjunção do volume, da lubrificação oleosa, e das rugosidades naturais do enchido concluíram o que o sobrinho tinha iniciado. Durante toda a manhã, Isabel pensou no que devia fazer. Podia simplesmente mostrar que não bebia o copo de café, frustrando os planos do sacaninha. Mas também podia continuar a fingir que o bebia. O que a impedia de aproveitar as fodas do sobrinho? Perfeitas ainda não eram, mas… A cavalo dado… Nem sequer precisava de se esforçar; ele fazia tudo. Em rigor, nem andava a foder com o sobrinho. Sem ninguém a ver, sem o João a saber da sua vigília, a situação não tinha esse pecadilho social. Ele é que andava a foder a tia. Só a incomodava estar ali de perna aberta, feita morta. Apesar de tudo, gostava de se mexer mais. Quando ele saiu para dar um mergulho no
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pego, a meio da tarde, foi vasculhar-lhe as coisas à procura da droga. Estava numa das bolsas laterais da mochila. Era Flunitrazepam, um medicamento hipnótico usado como tratamento da ansiedade e da insónia. A bula afirmava que induzia o sono de forma rápida e intensa. Como efeitos colaterais referia a amnésia para os eventos ocorridos sob a sua influência e avisava para o perigo de vida que corria quem o associasse ao álcool. «Filho da puta!» Sem ofensa para a irmã. Tinha-a deixado beber o vinho do Porto e não dissera nada. O dia de João foi de redenção, um dia em que todos os temores e incertezas sexuais tinham desaparecido. Todo o dia andou radiante e até cantarolou a caminho do pego. Nem se lembrou das melancias. Decidira rapidamente que nessa noite foderia outra vez a tia, mas agora com mais experiência. À noite, quando João pousou os copos de café na mesinha de apoio do sofá, Isabel decidiu que não queria andar a foder «à Bela Adormecida». Pediu:
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– João abre-me aquela garrafa de jeropiga que era do tio, se fazes favor. O saca-rolhas está na gaveta da esquerda. Apenas João saiu, Isabel trocou os copos e esperou. Depois deitou um gole de jeropiga no copo de onde iria beber. Passado um bocado, João cabeceava. Isabel ainda tentou que se fosse deitar, mas ele, vergado pelo sono, reclinou-se no sofá e ali ficaria vestido até de manhã, se não fosse o coração de tia de Isabel. Foi buscar uma mantinha e o pijama dele, despiu-o, mas, quando se preparava para lhe vestir o pijama, parou a admirar o pequeno pirilau dele, de cabecinha rosada meio escondida pelo prepúcio, repousando sobre o escroto escuro e enrugado pela testosterona. Custava a creditar que aquilo, que agora parecia um batom em expositor de ourivesaria, fosse o mesmo que na noite anterior tão plenamente a preenchera. Sentou-se na beira do sofá, pegou-lhe e baixoulhe o prepúcio. A cabecinha cor-de-rosa fez-lhe pensar que um pénis era como se fosse um clítoris enorme. Tinham sorte
os homens; o seu sexo era todo clítoris. Aquele, entretanto, crescera e não parava de crescer na sua mão. Em pouco tempo tinha um tamanho que ela achou até acima do que pensava ser normal. Era um órgão mágico, o pénis dos homens. Fazia o milagre da triplicação com apenas algumas manipulações. Ficou duro e tenso encimado por uma glande lisa e brilhante. Parecia uma ameixa vermelha madura mas firme. Encostou-lhe a face. Era muito suave como a pele de um bebé. Passou-a nos lábios, deixou deslizar aquela cabeça túrgida para dentro da sua boca. Era como se metesse uma ameixa ou um alperce inteiros na boca. Apertou as pernas, sentindo a lubrificação em curso. Conforme a ideia lhe surgiu, começou a pôla em prática. Meteu as mãos por debaixo da saia e tirou as cuecas. Depois, escarranchou-se sobre o sobrinho, um joelho de cada lado sobre o sofá. Pegou naquele batom cabeçudo, apontou-o à boca do seu corpo, passou-o duas ou três vezes nos lábios a retocar a maquilhagem e depois deixouse ir. Foi-se sentando e recebendo aquele malan-
dro que não sossegava nem com o dono adormecido. A sensação era sempre nova; só quando voltava a experimentá-la é que reconhecia a lembrança dos momentos maravilhosos anteriores. O que se seguiu tinha a dolência auto-controlada de uma masturbação e a verdade carnal de um pénis verdadeiro. Nunca tinha tido a oportunidade de se deixar vir, sem pressas, num pénis ao seu dispor. Perdeu a noção dos muitos minutos que iam passando. Tinha que arranjar um homem para todos os dias, pensou, envolta na névoa de prazer. E, já agora, que desse uma mãozinha na quinta. Havia de avaliar as intenções do Inácio, o rapaz da sua idade que vinha buscar hortaliças na carrinha. Tinha sempre uma graça ou um piropo disfarçado e parecia ter um rabo firme. Com a sua face barbada no pensamento, deliu-se em fluidos vaginais e espasmos pélvicos, longamente. «Virgem Santíssima!» Um gole de baba soltou-se-lhe da boca para o peito ossudo do sobrinho. O patético da situação e o contentamento do corpo fizeramna rir-se sem controlo,
por um momento. Que loucura um orgasmo! No dia seguinte, João não encontrava explicação para a soneira repentina. Se calhar, tinha trocado os copos sem querer. Ou a tia o fizera. Teria desconfiado de alguma coisa? Reclamou por ela lhe ter vestido o pijama, mais para lhe ver a reacção, mas Isabel não desarmou: – Eu andei contigo ao colo, João, e já vi mais homens nus. Não te ia deixar a dormir vestido. Vivo no campo, mas em minha casa sempre se usaram pijamas para dormir. Pelo sim pelo não, João resolveu não voltar a tentar drogar a tia. Daí a dois dias, chegaram os pais a buscá-lo e a passar o fim-de-semana. Voltou para Lisboa cheio de auto-confiança. Agora, estava convencido que era só isso que lhe faltava para engatar uma «chavala» da sua turma que era linda linda como a tia.
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Contos
Uma Noite Guilherme Rodrigues
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O lugar onde
– Boa noite, querida. – Quem está aqui? Qual é seu nome? – perguntou assustada.
O que era? Não era, não era. Continuou dominada por este ser sem ser. Não importava, queria mais, muito mais. Uma grande explosão no céu desfez tudo num instante. – Vou embora. – Não, não vá. Fique comigo.
– Que importa meu nome e quem sou se temos uma noite linda somente para nós?
– É hora de ir. Preciso.
Com medo e frio, ficou calada. Não havia respostas.
Foi-se da mesma forma que chegou.
Sentiu uma mão morna e leve esfregar-se em uma de suas pernas, mas não era uma mão, não era nada, apenas sentia. Não via nada. Sentia sua presença.
a boa Literatura é fabricada
com as mãos e mordia os lábios.
– Não o verei mais? Não voltará?
A mulher, vertiginosa, chorou...
http://www.flickr.com/photos/ooocha/2630360492/sizes/l/
Era uma noite fresca e estrelada. A lua cheia clareava parte do quarto escarlate. O vento suave esvoaçava as cortinas grenás. De robe de cetim e sentada na poltrona, pensando na vida e fumando um cigarro. Quando, de repente, sente um calafrio. Algo diz:
Desde então a noite passou para um tom melancólico e romântico.
foto? Marta Madness
Era bom e gostava. Deliciava-se. Nunca tinha sentido nada igual. Deixou-o prosseguir. Por toda a noite ficou se contorcendo e gemendo. Arranhava, apertava os lençóis
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Zulmar Lopes
A Sinfonia
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Contos
Saiu do banho e dirigiuse para o quarto se enxugando. Mirou-se no espelho, contemplando aquilo que a natureza fora com ela
generosa. Coxas roliças, barriguinha sarada em horas de malhação, peitinhos durinhos, apessegados, e a bunda incomensurável, de primeira grandeza, bunda brasileira, redonda, rotunda, cuja liliputiana marca do biquíni desenhava uma seta invadindo o rego, como que sinalizando o ânus que seu macho tanto apreciava. Atirou-se na cama, nua, o corpo úmido marcando os lençóis, desenhando em sua superfície um bem pouco santo sudário. Na cabeceira, um tubo do seu lubrificante predileto. Deitada de costas, pernas abertas, besuntou a cona enquanto pensava se deveria dar prosseguimento ao que seu homem tanto queria. Amava-o sem sombra de dúvidas, contudo, aquilo lhe parecia uma insanidade. Mas era o desejo dele e ela, escrava da paixão, não tinha o direito de lhe negar.
Um misto de excitação e receio invadiu seu espírito enquanto ela introduzia, centímetro, por centímetro, o celular encomendado pelo seu homem dentro da vagina, protegido por um preservativo. Marcelo Escorpião, traficante mais perigoso da cidade, 400 anos de cana, teria o que tanto ansiava naquela visita íntima semanal. Quando o celular sumiu por inteiro dentro do seu esconderijo, ela suspirou aliviada e foi se vestir. Só não contava em se tornar notícia em todos os meios de comunicação do país. Até no estrangeiro ouvi-se falar dela, pois se esquecera de desligar o aparelho. Os guardas do presídio, atônitos, deram voz de prisão àquela mulher vestida como se estivesse indo ao um templo evangélico quando, durante a revista, ouviram sua vulva tocar a nona sinfonia de Beethoven. http://www.flickr.com/photos/hidden_treasure/2474163220/sizes/l/
Deixou a água do chuveiro percorrer todo o seu corpo, massageando a pele bronzeada. Em seguida, munida de um sabonete barato, lavou-se com esmero, dando atenção à vulva intumescida que em minutos seria ocupada por aquilo que seu amado desejava. Sorriu marotamente, brincado com os pentelhos duros, espessos, que ele a proibira de depilar. “Se um dia você aparecer aqui com esta buceta raspada, tu morre”, ameaçou-a inúmeras vezes. Ela até pensou em fazer uma depilação artística para agradá-lo, esculpindo na penugem negra um coraçãozinho ou mesmo uma fruta que seu amado apreciasse, mas, ordens eram ordens e não convinha a ela discutir.
O lugar onde
a boa Literatura é fabricada
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Contos
Marcinha se revolta Pedro Faria
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“Ele vai ver, aquele viado” -, pensa Marcinha, enquanto sai do quarto de hóspedes da casa do namorado, à meia noite. Ela tinha tido todo o trabalho de treinar maneiras de fazer striptease, e o babaca do Lúcio lhe chamara de puta quando ela lhe mostrara! Mas agora ela, que tinha passado esse fim de semana na casa do namorado dormindo no quarto dos hóspedes e se enfiando na cama de Lúcio para trepadas noturnas, sabia como se vingar.
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Caminhou silenciosamente pelo corredor do segundo andar, onde ficava seu quarto, e chegou até o quarto de Lúcio. Olhou muito bem para a porta, proferiu alguns insultos, e avançou para a porta seguinte. Para o quarto de César, irmão caçula de Lúcio, que tinha 18 anos, dois a menos do que ela e três a menos do que seu namorado. Ela abre a porta, e para sua surpresa, César estava acordado, se masturbando vendo vídeos de sacanagem na internet. Ao ver Marcinha parada na porta, César quase arranca o próprio pau do corpo. - Márcia, o que, eu, espera... – Ele balbuciava coisas sem sentido, obviamente assustado e constrangido. Por sua vez, Marcinha sorri, ao ver que não teria metade do trabalho que pensava que teria.
- Shhhh, calma – diz ela, sussurrando com uma voz sensual. – Deixa eu te ajudar. César, sem saber o que fazer, não diz nada enquanto Marcinha se aproxima. Ela se ajoelha diante dele, olha para a tela do computador. No vídeo, uma morena sensual pagava um boquete a um jovem, que aparentava ter a idade dele. - Gosta disso? Ele assente, ainda calado. Ela agarra o pau dele, que mesmo com a situação se mantinha duro, e começa a massageá-lo. - Humm, que pau grosso! Deve ter um gosto ótimo. Ela passa a língua, da base até a cabeça. César treme de prazer. - Sim, ele realmente é muito bom! Ela faz então um boquete sensacional, se esforçando como nunca tinha se esforçado. Ela lambe a cabeça, faz sucção, lambe o saco enquanto masturba o pau. Num certo momento ela tira a camisa e esfrega os seios no pau dele, abaixando sua cabeça e lambendo a dele. Chupava como se aquele fosse o último caralho do mundo, e ela estivesse o homenageando. César nesse ponto já agarrava a cabeça dele, forçando-a contra si, fazendo seu pau alcançar a garganta. Marcinha aceitava, e gemia a cada movimento de sua língua experiente. Ao primeiro
sinal de que César gozaria, ela enfia o cacete dele bem fundo, recebendo em sua boca toda a porra do irmãozinho de seu namorado. Exausto e satisfeito, César se solta em sua cadeira. Marcinha olha para cima, bem nos olhos dele, sorri um perfeito sorriso de puta, dá um beijinho e uma lambida na cabeça do caralho dele, se levanta e sai, fechando a porta atrás de si. Ela vai até a cozinha se preparar para a segunda parte de seu plano. Saindo da cozinha ela vai até o quarto dos pais de Lúcio. Ela sabia que seu José e dona Sônia estavam tendo problemas, e dormiam em camas separadas. Ela vagarosamente abre a porta do quarto deles. Lá dentro, seu José dormia na cama mais próxima da porta. Marcinha nota que ele dormia apenas de cueca. Ela se aproxima dele, olha para a outra cama para garantir que dona Sônia ainda dormia. Então, ela se deita ao lado de José, beijando seu pescoço e acariciando seu pau por cima da cueca. Ele acorda assustado, mas Marcinha olha em seus olhos e lhe faz um sinal para ficar calado. Ele assente. Ela então tira sua calcinha e fica por cima dele. Ela se agacha, tira o pau dele de dentro da cueca e começa a masturbá-lo. Quando ele fica duro, ela
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o passa na entrada de sua boceta molhadinha, e fica o esfregando contra seu clitóris. José ensaia um gemido, mas ela diz a ele para não gemer, porque senão sua esposa acordaria. Ele concorda, e aproveita silenciosamente. Quase não consegue manter seu silêncio quando Marcinha senta completamente sobre ele, fazendo seu caralho ir bem fundo naqueva rachinha apertada dela. Ela sobe e desce lentamente, lambendo e mordendo seus lábios. Ela pega as mãos dele e as coloca em seus seios, já fora da camisa. Acelerando o ritmo, ela acha que não vai conseguir não gemer, mas se segura. Depois de alguns minutos de cavalgada, ela se levanta e abocanha o pau dele, sentindo o gosto de sua boceta, chupando com voracidade, até ele rapidamente gozar em sua boca. Como fizera com seu filho mais novo, ela sorri para José, e dá um beijinho na cabeça de seu pau, antes de se levantar e sair. De novo ela vai até a cozinha para se recompor. Voltando para o quarto de Lúcio com um objeto na mão, ela passa por uma porta aberta. Olhando em seu interior, ela vê Bernardo, o pai de dona Sônia, um senhor de 65 anos, dormindo de barriga para cima. Ela se impressiona com o volume em sua cueca: Era maior do que o de Lúcio, César e seu José. Notando que tinha mais uma chance de vin-
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gança, ela põe o objeto no chão e entra no quarto. Hipnotizada pelo tamanho do caralho do velho, ela tira sua cueca e começa a chupá-lo, não acreditando como uma pica podia ter aquele tamanho. Ela tenta enfiar o cacete o máximo possível dentro de sua boca, mas só consegue até um pouco mais da metade. O velho acorda, e vê a moça lhe chupando. - Eu sabia que você era uma putinha. Pode chupar, lambe essa pica, sua piranha. Excitada pelas palavras de Bernardo, ela chupa com mais força e mais vontade. Passados alguns minutos, ele a pega, a vira de costas, arranca sua calcinha e enfia de uma vez só seu pau na bucetinha dela. Ela solta um gemido um pouco mais alto, mas não se importava. Estava bom demais. O velho enfiava sem dó, ela achava que seria rasgada ao meio. E enquanto o fazia, a xingava de piranha, de puta, de vadia, de boqueteira. E tudo isso apenas a excitava mais. Vendo que iria gozar, Bernardo a tira daquela posição e lhe dá seu pau para ela chupar. - Chupa! Eu quero gozar na sua boca agora. Ela aceita, depois de ter gozado três vezes com aquela pica dentro dela. Ela chupa, e ele goza rapidamente em sua boca, um volume enorme de porra.
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Ela olha para ele satisfeita, lhe dá a já tradicional lambidinha na cabeça do caralho, e sai. Bernardo volta rapidamente a dormir. No corredor, ela pega o objeto que carregava, um copo, e vai até o quarto de Lúcio. Entrando, ela acende a luz. Ele acorda assustado, e vê Marcinha na porta, segurando um copo cheio até a metade de um líquido branco. - Vê isso, seu viado? –, diz ela, tentando manter a voz baixa para não acordar a casa toda. – Eu dei pro seu irmão, pro seu pai e pro seu avô. Só queria te dizer isso antes de ir embora, seu corno moralista! Ela então bebe o copo cheio com a porra de três gerações, bate a porta, e vai embora, enquanto Lúcio, mais dormindo do que acordado, murmura insultos antes do sono lhe arrebatar novamente e lhe dar mais algumas horas de paz, até acordar e perceber que aquilo não tinha sido um pesadelo. Não tinha como ser. O copo sujo de gozo ficara sobre sua escrivaninha. Rio de Janeiro Janeiro de 2008
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Contos
Marcia Szajnbok
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Abriu os olhos e iniciou a contagem regressiva: 30, 29, 28... Quando pensou – “zero!” – o despertador tocou. Sorriu, orgulhoso da própria precisão. Tomou a agenda, já aberta na data correta sobre o criadomudo, marcou a lápis um pontinho e, no canto da página, contabilizou 1567: um mil e quinhentos e sessenta e sete dias - há quase cinco anos, seu relógio biológico mantinha-se absolutamente exato!
passos. Divertia-se em fechar os olhos em alguns trechos do caminho e, apenas pelo controle numérico, adivinhar onde estava. “Bingo!”, festejava consigo mesmo sempre que acertava. E acertava sempre. Por isso, aquela manhã de quarta-feira foi um verdadeiro divisor de águas em sua vida matematicamente controlada.
Sem acender as luzes, pegou roupas limpas. A monotonia dispensava iluminação: todas as camisas eram brancas, todas as cuecas cor da pele, as calças e as meias eram pretas, sem detalhes. O café da manhã tampouco comportava surpresas. A mesa já ficava sempre pronta na noite anterior, a torradeira a postos, café-com-leite, pão e manteiga.
Após atravessar a avenida, deveria seguir 44 passos e então virar à direita. Decidiu fazer ali a brincadeira dos olhos fechados. Foi seguindo, firme e convicto, 43, 44... e bateu de cara num obstáculo! Demorou alguns segundos para compreender que aquilo era um tapume. Surgido da noite para o dia, fechava o acesso à rua onde trabalhava. Destacado do fundo roxo e preto, o aviso amarelo ordenava “Desvio”, a seta autoritária apontando para a esquerda.
O percurso de casa ao trabalho era sempre feito a pé. Da porta do apartamento ao elevador do prédio de escritórios, 648
Atônito, não se movia. Estava ali, mergulhado no próprio desamparo, quando ouviu a risada. Bem a seu lado estava
a moça, rindo. Como jamais falava com estranhos, apenas dirigiu a ela um olhar interrogador: está rindo do quê? E ela, que falava muito, e sempre, até mesmo quando não tinha interlocutor, foi respondendo à questão não proferida: - Machucou? A gente tem que tomar cuidado. Nesta cidade todo dia aparece um buraco novo, ou um poste, ou um muro. Outro dia, eu estava indo para casa e... Sem conseguir prestar atenção a tudo o que ela dizia, foi se deixando levar apenas pelo tom de sua voz melodiosa e alegre. Era uma moça bonita, morena, esguia, os olhos transbordavam expressão. - Você vai ficar aí parado? Vem, vamos tomar um café. E ele foi. Sem contar os passos, sem saber exatamente para onde, deixouse ir com ela. As palavras lhe escapavam. O que o mantinha como que hipnotizado eram os movi-
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mentos. Ela andava gingando o quadril, movia as mãos enfatizando as frases, arregalava os olhos, jogava o cabelo para trás com um movimento serpenteante do pescoço. Estava impressionado com aquele corpo – tudo nele comunicava. No balcão da padaria, ela pediu: dois cafés. Puros? Sim, puros. E ele apenas assistiu à cena, esquecido por um momento de que, até então, sempre pedia um pingado. Saboreou o amargo da bebida quente, e o cheiro que subia da xícara misturouse ao perfume da moça e ao aroma de pão recém assado.
desmaiar. Uma espécie de formigamento percorrialhe todo o corpo. Tentava se concentrar: não perca o controle, não perca o controle... O estômago se contorcia, o mundo todo girava. Não conseguiu evitar. O vômito veio num jato. Sujou os próprios sapatos, o balcão da padaria, os pés da moça. Todos os olhares, enojados, reprovavam-lhe severamente aquele ato. Tinha ganas de gritar, de justificar, de explicar que não fizera aquilo de propósito, que sentia muito, que nunca passara por uma situação como aquela...
Nunca passara por uma situação como aqueTalvez tenha sido o la. Esse pensamento reexcesso de cafeína e de verberava Via-se menino olfato, talvez o exagero de comportado, adolescente expressividade que emacontido, adulto regrado. nava daquela moça, ou Sempre tivera o esmero o burburinho emocional de manter tudo em orque o invadia naquela dem, a casa, o armário, os manhã atípica. O malestudos, a vida. E agora, estar surgiu de repente. isto! De que adiantara Começou a suar frio, tanto esforço? Para que esfregava as mãos proservira ter aberto mão de curando a porta com o tanta coisa? Dietas balanolhar. Tinha ímpetos de ceadas mesmo diante do sair correndo, mas achasorvete mais apetitoso, va que, se levantasse, iria a recusa automática a
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todos os desafios que lhe haviam proposto, a pontualidade levada germanicamente a sério. Nenhum amigo íntimo demais, não se pode confiar muito nas pessoas. Nenhum enamoramento, a paixão nos desvia do bom equilíbrio. Nenhuma explosão de ira, a violência nos aproxima dos seres irracionais. Nunca passara por uma situação como aquela. De fato, nunca passara por situação nenhuma. E agora, toda a assepsia da vida parecia ter ido por água abaixo, mergulhada no mais prosaico dos produtos que um corpo humano pode produzir. Foi, novamente, o riso da moça que o acudiu. - Ressaca em plena quarta-feira? Mal, hein?! Conduzido por ela, entrou no cubículo escuro e malcheiroso que era o banheiro da padaria. Havia apenas o vaso sanitário e uma pia minúscula, sem sabonete, papel higiênico ou toalhas. Abriu ao máximo a torneira, esperando um
jato de onde só saía um filete de água. Precisava apenas lavar a boca, mas tinha necessidade de limpar-se por inteiro. Começou pelo rosto e cabelo. Depois, tirou a camisa e jogou água fria no peito. Mecanicamente, foi se despindo por completo, molhando todo o corpo. Comprazia-se da sensação provocada pela água escorrendo sobre a pele. Aquela limpeza sem sabão lembrava mais um batismo que um banho. Tremia, um pouco de frio, um pouco não sabia do quê. Do lado de fora, a moça se impacientava. Bateu e, sem esperar resposta, entreabriu a porta. Quando deu com o homem nu, arregalou um pouco os olhos, sorriu maliciosamente e entrou. Antes que ele tivesse tempo de dizer ou fazer qualquer coisa, a moça já havia levantado a saia, tirado as roupas de baixo, e se pendurado em seu pescoço, enlaçando-o com as pernas pelo quadril. A cena insólita era bonita: um casal jovem, amando-se assim, de
improviso, em pé, como bichos. Pareciam se conhecer de longa data, tanto que os gestos se entendiam. Não havia lugar para palavras. Apenas movimentos, toques, sensações. Ao final, ainda ficaram ali abraçados, conectados um ao outro, em silêncio, tentando, cada um, reter no próprio corpo a memória do gozo do outro. Foi ela, novamente, que pôs a vida em marcha. - Melhor você se recompor. Quase num movimento único, vestiu-se, beijou-lhe de leve o rosto, e saiu. Menos de cinco minutos depois, também ele retornava ao mundo real. Não deu muita importância aos risinhos de canto e aos olhares divertidos que trocavam os funcionários da padaria. Procurou-a junto ao balcão, na calçada, do outro lado da rua. Nada. Desaparecera no meio da correnteza humana que se deslocava pela avenida no meio da manhã. Pensou que estava bem
atrasado para o trabalho, e que nunca antes havia faltado a nenhum compromisso profissional. No céu azul, nenhuma nuvem. Deixou-se ir, anônimo no meio da turba, sem saber exatamente para onde os passos o levariam. Viu-se refletido na vitrine de uma loja. Diante da estranha sensação de reconhecimento e perplexidade, sentiu vontade de rir. De início, até procurou conter-se, mas depois deixou o riso vir. Veio tímido, depois foi crescendo, explodiu numa crise de gargalhadas, daquelas que fazem os olhos se encherem de lágrimas. Os passantes olhavam, curiosos, e quanto mais se via observado, mais gargalhava. O dia estava lindo. Queria caminhar. Estava livre, e naquele instante lhe bastava isso: caminhar e sentir o calor do sol.
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Contos
Dona Sonia e o ponto G Giselle Natsu Sato
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Finalmente descobri o mundo da internet. Depois de ter presenteado todos os netos, comprei um laptop bem bonitinho e cheio de recursos. Li por acaso os casos quentes que acontecem on-line e queria experimentar. Apesar de não ser uma mocinha, sou bem fogosa. Desde que o falecido partiu desta para
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melhor, ou pior, amargo uma sede de quase dez anos. Fogo eu sempre tive, mas a família decidiu que estou idosa e não posso mais ter desejo. Minha vida agora são filhos, netos e toda a chatice que abomino. Não suporto novelas e não sei tricotar. Em um site bobo de
http://www.flickr.com/photos/gianita/21707279/sizes/o/
encontros, vi a chance de sair da rotina e satisfazer a curiosidade. Meu interesse foi crescendo, conforme as conversas aconteciam. Muitos eram inteligentes, educados e interessantes. Mas sempre puxavam papo sobre sexo e a conversa terminava quente. Assim que me identifiquei com alguns, selecionei e comecei a me soltar. Juro que era apenas uma brincadeira sem maiores pretensões. Mas não posso negar que se transformou em um vício. Cheguei correndo das compras e fui ver quem estava on-line. Não estava muito cheio, normalmente as coisas acontecem de madrugada. Em compensação, mal entrei começaram a chamadas... Depois do perfil que criei, era só sentar e ficar esperando os peixes comerem a isca. Primeiro, roubei as fotos da minha filha mais nova usando um biquíni mínimo. Coisa antiga de dez anos atrás e dei uns retoques. Em seguida, menti a idade descaradamente, dos maus vividos cinqüenta e oito anos, descontei vinte e fiquei
no lucro. Aceitei muitos novos amigos e a coisa ficou tão boa que teve até uma mulher interessada. Não descartei qualquer hipótese. Sou muito curiosa. O garoto de 25 anos com cara de bebê entrou na tela. Papo bobo, perguntas sem graça e fui obrigada a ajudar. Onze e meia, sábado o que ele queria com uma senhora? Falar sobre o tempo.... O menino era muito tímido, em meia hora estava pelado diante da câmera, falando as maiores barbaridades. Assisti tudo até a última gotinha. Logo em seguida, o show terminou sem nem boa noite. Excluí o mal educado. O segundo amiguinho da noite era o solitário carente aproveitando o sono da esposa. Também queria exibir os dotes. O recurso de câmera ficou claro no meu apelido: Soninha webcam. Mais explícito impossível. O mal casado tinha problemas visíveis de dimensões mínimas. Pediu que eu ligasse minha câmera e mostrasse os seios. Claro que não
podia fazer isto e ele desistiu. A esta altura, eu já estava teclando com meu paquera virtual, falando obscenidades e me masturbando loucamente: - Se estivesse aí, te fazia gozar na minha boca. Ele ficava repetindo mil vezes as mesmas coisas e comecei a fantasiar... Se ele estivesse naquele instante comigo, deitados no tapete macio, meia luz e o ar impregnado de tesão. O que eu não faria com aquele homem! Viajei na voz macia e podia sentir o gosto daquela pele suada. O cheiro dele eu sabia, acabei comprando o perfume que ele garantiu usar. Meu peito quase explodia em uma dor urgente. Olhos grudados na tela do PC, estremeci de prazer e gozamos juntos. Ele saiu imediatamente e eu fiquei ‘’off ‘’alguns segundos. Este era especial, quase diário, sentia como se fosse um compromisso. Sempre esperava por ele e quando não aparecia ficava um pouco triste. Nunca vou ver pessoalmente qualquer um deles e não me incomodo nem um pou-
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co. Nos meus sonhos, eles criam vida e são amantes perfeitos. Uma e meia da manhã recebi um e-mail delicioso de um coleguinha, várias fotos dele, nu, em poses variadas. Engraçado como as pessoas são loucas enviando fotografias e falando toda a vida. Logo em seguida, comecei a conversar com um homem com o apelido de Carinhoso e Sedutor. Ele tinha um papo envolvente, conversamos um pouco sem falar sobre sexo. Ele queria que eu participasse, disse que a câmera estava quebrada e ele insistiu:
luzes e direcionei o foco para a parte inferior do corpo. Era minha primeira vez e estava excitadíssima. Agradeci o hábito da depilação mensal. Ele elogiou e pediu que eu focalizasse bem cada detalhe. Não sei o que ele conseguia enxergar com a luz tão baixa, mas ele estava animado. Os dedos deslizaram para o meio das pernas e deixei que ele ditasse as regras: - Quero que toque de leve, só por cima... Assim, sem pressa, agora vai usar só um dedinho e roçar o grelinho. Aumenta a luz um pouquinho, meu amor?
Pronto, aquele homem - Se não quiser mostrar lindo me chamando de o rosto, fique à vontade. Mas é bem melhor a dois, “meu amor”, desmontou a resistência. Joguei a luz minha linda. quase em iluminação - Eu gosto de olhar, é ginecológica e esperei. Já uma opção pessoal não sentia a umidade natural me exibir. aumentar só pensando no que viria: - Se você se satisfaz desta forma, não está - Linda, minha flor mais aqui quem falou. branquinha e delicada. Ok? Eu apenas sugeri, Quase sem pelos e do mas a decisão é sua, meu jeito que eu gosto. Agora amor. vamos brincar um pouNão sei o que deu na minha cabeça, diminuí as
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quinho. Vou pedir e você acompanha, pode ser?
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Ele ia mandando e eu obedecia sem o menor pudor. O anonimato garantia a coragem de me expor e partilhar com o desconhecido meus desejos. Os dedos entravam e saíam, apertavam e buscavam pontos que ele dizia conhecer bem. Foi quando toquei pela primeira vez o pedacinho de carne, logo na entrada da vagina, tateando senti a pele mais áspera que o normal. Ali friccionei e senti um prazer agudo e doloroso. As solas dos pés queimavam e a sensação forte subia pelas pernas. Senti que era uma agonia sem fim aquele toque. Foi tão súbito e intenso que me desmanchei em gemidos altos. Já nem olhava a tela e pouco me importava o que ele fazia. Precisa gozar ou morreria. O orgasmo mais incrível chegou sofrido e pouco a pouco, cresceu e me engoliu. Perdi o fôlego completamente entregue... Totalmente mole e satisfeita, vi que meu parceiro também estava se recompondo. Fiquei imaginando porque um homem tão bonito usava
a internet: - Oi, meu lindo, não consegui te dar muita atenção. - Que isso? Soninha, você foi maravilhosa, fiquei excitado só te ouvindo gozar.
ganda bem direta e sem disfarces. Divulgo meus dotes no amor. Mostro meu jeito e acho que dá certo.
A GUI
Nova York
- Muito esperto o mocinho. Até me interessei, mas não sou exatamente...
- Já imaginava, Soni- Posso te fazer uma nha, e não tem a menor pergunta? Acho que não importância. Vou mandar devo ser a primeira, mas... meus contatos. Não deixe de ligar. Beijos, querida, - Olha, querida, você preciso dormir e você está curiosa sobre a mitambém. Boa noite, linda! nha aparência e vou ser bem direto. Sou acompaFiquei um bom tempo nhante e não gosto de ser olhando os números na chamado de garoto de tela. Lentamente peguei a programa. Minhas clienagenda e anotei. Definites são bem selecionadas tivamente, era um caso a e a coisa acontece de ou- se pensar com carinho. tra maneira. Tenho nível Sair do virtual e cair na superior, fiquei desemreal parecia uma propospregado e descobri que ta irresistível. Além do posso ganhar bem mais mais, ele era um profisdesta forma. sional e eu já tinha ex- Nossa! Tudo assim de supetão me pegou desprevenida. Você parece um homem interessante. Infelizmente, continuo não entendo as razões do que aconteceu agora.
Henry Alfred Bugalho
para Mãos-de-VAca
O Guia do Viajante Inteligente www.maosdevaca.com
perimentado a amostra grátis. Suspirei profundamente e pensei em lingeries e quartos de motel. Nem sabia mais como era isso... Bendita internet!
- Normalmente a grande maioria que gosta deste recurso são pessoas solitárias. É minha propa-
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Autor Convidado
No Elevador Mariana Valle
Mariana Valle Escrevendo desde os 12 anos, essa carioca frequentou oficina literária e traduziu sua adolescência em poesia, mas, ao entrar no mercado de trabalho, abandonou a escrita. Foi apenas em 2007, aos 33 anos, quando largou o emprego como jornalista da TV Globo, que Mariana se reencontrou com a literatura e lançou o blog www. marianavalle.com, com seus poemas, contos, artigos e crônicas, como a irônica série “Sorria, você está na Barra”, que dá nome a seu primeiro livro, lançado em 2008.
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Era um belo dia de verão. Daqueles que só a cidade maravilhosa sabe produzir. Com o corpo fervendo sob o comportado tailleur de marca, ardia no peito de Daniela uma vontade irresistível de andar nua. Mas, embora sonhasse com uma praia, ela estava indo para o trabalho. E pra variar, atrasada. Por
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isso, ao entrar no elevador, mirou-se no espelho a fim de dar os últimos retoques na aparência. Como acontece com todas as mulheres quando se olham no tal vidrinho refletor, Daniela esqueceu do mundo à sua volta. Aliás, esqueceu até do motivo que a tinha levado ao elevador: ir para a garagem para pegar o
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carro. Por isso, Dani não apertou sequer um botão, mas mesmo assim, o elevador pôs-se a descer. E parou no quarto andar. Gabriel, o vizinho boa vida que insiste em mostrar os músculos peitorais e abdominais muito bem esculpidos no seu traje informal, short e chinelo, entrou e deu um sorriso acompanhado de um “bom-dia”. Ela, com tal visão do paraíso, lembrou-se do inferno de dia que a esperava: muito trabalho, broncas do chefe, aquela reunião maçante com o cliente mala... Melhor nem lembrar! Daniela então esticou o braço para apertar o 3G, mas levou um baita susto ao ser interrompida por aqueles músculos morenos. Gabriel apertava o botão de emergência, aquele botão que a gente sempre sonhou apertar um dia para ver como é.
çar o vizinho e ainda por cima no elevador! Fingindo inocência, afinal de contas um fingimento de vez em quando não faz mal a ninguém, ela lançou um “O que houve?”. O vizinho respondeu com um beijo tão ardente que Daniela tinha a impressão de estar queimando nos caldeirões do inferno, não fosse aquele beijo o ato mais divino que experimentara.
A essa altura, já não era mais possível fingir surpresa ou consternação e ela deslizou as mãos por aquela barriga de tanquinho e parou com os dedos na borda superior do short. Foi beijando centímetro por centímetro daquela pele, desde o pescoço até o short, que rapidamente foi tirado com as afoitas mãos de Daniela. O membro de Gabriel estava totalmente ereto e ela Esta era a sua oportunão via a hora de senti-lo nidade. Daniela sempre dentro de si. O vizinho, suspirou ao ver aquele por sua vez, resolveu vizinho e sempre teve despi-la com a pressa de curiosidade em saber um faminto que come como seria transar no elevador. Ela só não podia um banquete após dias de jejum. imaginar que iria unir dois desejos num só: tra-
Os dois corpos escorregaram para o chão, ele por baixo, ela por cima, e assim, encaixados, dançaram num ritmo que começou como o balanço de um barco flutuando por ondas calmas. Pouco a pouco, a maré foi se tornando violenta e, num instante, já lembrava um mar revolto pela tempestade. As ondas iam e vinham de tal maneira intensas que Daniela estava prestes a explodir de prazer num grito. - AAAAAHHHHHHH! - Calma - responde o vizinho - apertei sem querer o botão de emergência, mas consegui matar a barata. Viu? Estamos são e salvos, e assim você não vai se atrasar para o trabalho. Tenha um bom dia! Daniela demorou alguns segundos para se recompor e, quando conseguiu encarar a barata morta no chão, uma lágrima escorreu lentamente pelo seu rosto. Ela não chorava a morte do bicho e sim porque ali morria talvez a única oportunidade de realizar seu desejo.
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Autor Convidado
Leo Borges
O Jardim dos
Amantes
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Eu lembro de meus oito anos, quando vi pela primeira vez Samira, a vizinha de frente. Ela tinha o triplo da minha idade, era casada, feições árabes; não era só linda, era encantadora. De noite eu ficava admirando pela janela aquela magnífica mulher, buscando ângulos para melhor admirá-la. Pra mim ela era a fada das histórias infantis que tomou vida, uma entidade que abençoava a todos com seu charme, beleza, carisma. Quando voltava da escola eu passava no jardim próximo à sua casa, arrancava uma flor e parava à porta da minha rainha para oferecer-lhe, como uma inocente oferenda de um guri apaixonado. Muitas vezes o marido atendia e achava graça naquilo. Chamava Samira e mostrava a cena. Eu ficava vermelho, mas não perdia a oportunidade de receber um beijinho na testa da minha dançarina. Sim, dançarina. Por vezes a via dançando um ritmo que, muito depois fui saber, se chamava ‘dança do ventre’ para seu marido. Muitos poderiam achar que ele era sortudo por ter aquela dádiva em casa, mas eu, mais que qualquer outro, tinha a certeza de que ela dançava para mim. Do cárcere do meu quarto, via seu corpo ondulando, ornado com adereços nos bra-
ços, um véu no rosto. Seus trajes reluziam quase tanto quanto sua pele, mas muito menos que seus olhos. Nessas horas eu fazia o jogo das pétalas com alguns crisântemos vagabundos que eu pegara no jardim. O bem-me-quer vencia sempre, mostrando o presságio tão natural quanto a vivacidade daquela dança. Minha mãe era mulher religiosa, mas não se importava com meu ingênuo “namoro” com Samira. Até que certo dia ouvi uma conversa dela com uma outra vizinha em que ela falava da minha Sam. O som daquele nome despertou minha atenção e parei escondido para tentar entender melhor. Minha mãe falou que Samira tinha um amante. Eu ri baixinho e achei engraçado, porque na verdade ela não tinha ‘um’ amante. Ela tinha ‘vários’. Pelo menos na minha lógica de menino eu pensei assim, achando ingenuamente que a palavra amante tinha a ver com a palavra amor, ou seja, coisa boa. Ora, como Samira era uma pessoa querida por todos ali, todos eram, conseqüentemente, seus amantes! Saí alegre acreditando firmemente que eu também era amante de Samira. Nesse dia eu fiquei feliz, mais feliz que em todos os outros.
Então, numa certa tarde em que ela estava conversando com minha mãe, paradas perto do jardim onde colhia as flores, eu corri para perto e disse, todo animado: “Samira, eu também sou seu amante!”. - Que amante o que, moleque! – gritou ferozmente minha mãe. Não sei como o safanão que ela me deu não desgrudou minha cabeça do meu pescoço. Rodopiei zonzo. Ao recobrar o equilíbrio, chorando, vi Samira me defendendo, brigando com minha própria mãe, dizendo que ela nunca poderia ter me batido daquele jeito. Corri pra casa, pro quarto, pra debaixo da cama, perdido em meu mundo que, definitivamente, não tinha nada a ver com o mundo adulto. Mas o fato de Samira ter me defendido de uma possível injustiça fez minha admiração por ela crescer e a dor serenar. A partir daquele momento eu tive certeza de que ela era, de verdade, minha amante. Dez anos se passaram. Durante esse tempo, minha mãe deixou de falar com Samira, de convidá-la para meus aniversários. Ela não fez mal nenhum para Samira, mas fez mal para mim. Não pude mais entregar minhas flores para ela
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e nem enamorá-la pela janela. Que mundo estranho o dos adultos! Tempo de incongruências onde “amante” significa “ódio” e “amor” um sentimento proibido, rechaçado com violência, aos cascudos e pontapés. Com dezesseis comecei a namorar uma menina da minha idade. Aqueles namoros de mãos dadas, igreja aos domingos, cinema às vezes. Famílias conservadoras, devotas. Aos dezoito, ficamos noivos. Não era o que eu queria, mas era muito mais conveniente para todos. Eu não gostava de Suellen, a minha noiva. Eu saía com ela, mas não a conhecia, não tinha intimidade sequer para ofertarlhe uma margarida vadia. Seria até traição, pegar uma flor do meu santuário e dar para alguém que não fosse a minha Sam. Samira continuava nossa vizinha e, ainda que eu não levasse mais flores para ela, era essa, sim, a minha verdadeira mulher, não só dos meus desejos, mas da minha vida. Foi então, numa tarde muito chuvosa em que eu estava voltando do trabalho na papelaria, que um carro parou ao meu lado. Eu estava com a mochila sobre a cabeça tentando me proteger inutilmente da água que caía abundantemente do céu, quando vi o
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vidro do carona descendo. Era Samira. - Entra! – ela disse. Meu coração bateu forte ao vê-la. Ela estava linda como sempre num vestido branco que realçava sua pele morena. Perguntou algumas coisas e fui respondendo, alegre por estar perto dela. Indagou se minha mãe estava mais calma. Perguntou por minha noiva, o que me deixou ansioso. - Nunca mais recebi flores suas – brincou, descontraindo. Fiquei sabendo que o trajeto que ela fazia para voltar do trabalho passava pelo meu. Então, as caronas começaram a se tornar freqüentes. Ela me deixava dois quarteirões antes de nossas casas para minha mãe não ficar sabendo. Minha mãe não mais me batia, mas qualquer aproximação com Samira era visto como uma tentação diabólica. Tão ingênua a minha mãe! Era Samira, na verdade, meu anjo da guarda e era impressionante como ela me passava vibrações boas, fluídos que traziam calma e ao mesmo tempo amor. Eu gostava de estar perto dela, de conversar com ela, de saber sobre sua vida. Numa das vezes
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em que apareceu para me buscar um vendedor ambulante de flores que passava por perto percebeu e mandou: “não vai levar flores pra sua amada?”. Eu ri da situação e comprei dele aquilo que sempre havia dado pra ela. Quando entrei no carro ela levou um susto, mas vi que adorara a surpresa. O relógio marcava pouco mais de seis da tarde. - Vamos por um outro caminho hoje. O trânsito por aqui está muito ruim – disse. Eu não sabia que existia outro caminho. O atalho pareceu longo demais, até que percebi que na verdade ele não existia. Fiquei perplexo quando ela parou o carro na entrada de um motel. Eu não imaginava que aquilo fosse verdade. Talvez fosse mais um outro sonho dos tantos que eu já tivera com ela. Mas se fosse realidade era uma realidade esquisita, porque, para minha eterna angústia, ela era casada. - Avisei a ele que vou chegar mais tarde. Depois você liga pra sua mãe e pra sua noiva e dá uma desculpa. Você vai aprender que em sua vida íntima ninguém deve se meter, nem sua noiva, nem sua mãe,
nem sua futura esposa. Isso se chama liberdade. Minha cabeça ficou dando voltas. Eu tinha vontade de ter aquela mulher desde meus sete, oito anos de idade, desejos impossíveis de um garoto que finalmente se realizava. Coisa de difícil compreensão. Tentações, flores, traições, pecados. Liberdade. Suellen não entenderia bem isso. “Bem vindo ao mundo adulto”, pensei, nervoso enquanto seguia cadenciado os passos de Samira até o quarto do motel. Meu coração batia forte, numa mistura de medo e ansiedade, vontade e repressão. Nunca tinha estado em um quarto daqueles e achei interessante toda aquela sofisticação, a piscina com uma pequena cascata, o teto com iluminação escondida em penumbra. Mas o melhor foi o jogo sensual que Samira fez ao se despir. Parecia dançar para mim a tal dança do ventre que antes eu era obrigado a compartilhar com seu esposo. Seus 34 anos se revelaram juvenis, talvez mantidos pela seiva das flores que eu lhe dava quase diariamente. - Sou virgem – declarei. - Eu imaginava – disse ela sorrindo com olhos.
Como vizinha de frente ela conhecia minha vida de garoto regrado pela mãe conservadora. Ela disse para que eu não me assustasse, porque tudo o que iria acontecer era para o nosso prazer. Ela tomou a iniciativa de me abraçar. Pude sentir aquela cintura que por dez anos viviam desfilando em minha frente, separada de mim por uma rua e um jardim. Logo senti finalmente o sabor gostoso de sua boca enquanto suas mãos varriam minhas costas. Aquilo era uma loucura, sem dúvida! Mas uma loucura que eu não abriria mão, não naquele instante. Sentei na cama, orientado por ela. O nervosismo atrapalhava minha concentração e, por isso, meu pau não estava totalmente duro. Sam, vestida apenas com uma fina calcinha azul turquesa, era a representação máxima de meu desejo. Senti um arrepio que percorreu todo o meu corpo quando ela tocou minha glande com seus lábios. Não tardou para que meu pau crescesse tudo o que podia dentro de sua boca. Como era gostoso aquilo! O máximo que Suellen fizera comigo foi uma punheta batida rápida e sem direito a gozo na sala de casa. E agora aquela boquinha
mágica brincava comigo, tão dançarina quanto sua dona. A língua ficava girando, massageando a glande com uma suavidade mística. Não conseguia contemplar bem a face de Samira porque seu cabelo impedia uma visão apurada, mas isso não importava, pois sua chupada já dizia tudo, mostrava o que eu não podia enxergar. Durante alguns minutos ela mamou devagar, sem pressa. Eu estava quase gozando quando ela, experiente, parou, pressentindo isso. Fomos para o centro da cama e ela tirou sua última peça de roupa. Ficamos vestidos apenas com nossas alianças, a dela na mão esquerda, e a minha na direita. De forma instintiva, comecei a mamar seus peitos, que eram fartos, do tamanho ideal para meu deleite. Ouvi seus primeiros gemidos quando passei minha mão por sua buceta já bastante molhada, enquanto minha boca descia por seu corpo, sem descolar, visitando o umbigo delicado. Mesmo nunca tendo tido um contato com uma mulher daquela maneira, parecia que éramos amantes há muito tempo. Tudo acontecia sem mancada, sem erro, sem interrupção. Os atos eram leves, encaixados, simples, necessários.
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Não demorou e eu estava passeando com minha língua nas adjacências de sua virilha, maravilhado. Mesmo de olhos fechados encontrei sua bucetinha pulsando interessada. O aroma lembrava o das flores do jardim de nossa rua, de nossas vidas. Lambia aquela carne quente ouvindo os gemidos de Samira, que soavam como canções, ruídos sem nexo que eram mais honestos que um “eu te amo”. Coloquei a língua para dentro, tirando rápido. Não sei se fazia certo, mas o certo nessas horas é um acordo mudo entre os envolvidos. E nesse nosso acordo não havia engano, só certezas. - Vem que você vai virar homem comigo agora – disse. Uma revolução que não daria para descrever aconteceu dentro de mim quando senti meu pau tocando sua buceta totalmente receptiva, tão úmida quanto feliz. Samira me abraçava com força ao tempo em que jogava suas pernas por
sobre minhas costas. Aquilo fazia com que eu entrasse nela com mais vontade, sem receios nem hesitações. Minha mãe tinha razão! Samira não era minha amante, era muito mais que isso. Seus gemidos se transformaram em gritos ratificando seus sentimentos. Ela não mais mexia, dançava sob mim, rebolando, instigando, querendo tudo, como uma puta totalmente fora de si. Sua verve árabe era traduzida no gingado de seu quadril, executando uma dança do véu ou algo parecido. O pau entrava e saía já com ardor, impregnando o quarto com cheiro de sexo, de carne, de alma entregue. Como era gostoso comer aquela mulher, torná-la minha amante. Um sonho infantil que agora se realizava. - Mete que você é meu, mete que você é meu – gritava ela e eu acreditava mais do que nunca naquilo, pois sentia que ela era minha também, e que sempre havia sido.
dentro de uma mulher foi tão contagiante que acabei perdendo a noção da situação e pedindo ela infantilmente em casamento. Por sorte ela demorou para se recompor, para voltar ao normal e nem entendeu o que eu disse. Ali nós éramos mais que amantes, mais que cônjuges ou mais que namorados. Desisti do noivado com Suellen, arranjei um trabalho que me desse maior suporte financeiro, de maneira que eu não dependesse tanto da minha mãe. Mantenho o caso com Sam até hoje. A diferença de idade em nada atrapalha e, sempre que possível, nos vemos, apesar de ela continuar casada. Por vezes pergunto a ela se vamos continuar eternamente juntos nessa vida nem tão secreta, mas certamente incrível, no que ela sempre responde: - A eternidade sempre acaba, mas a liberdade não. Essa só acaba quando não houver mais flores no jardim.
Meu primeiro gozo
Léo Borges nasceu em setembro de 1974, é carioca, servidor público e amante da literatura. Formado em Comunicação Social pela FACHA - Faculdades Integradas Hélio Alonso, participou da antologia de crônicas "Retratos Urbanos" em 2008 pela Editora Andross.
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ficina No mês de novembro, foi lançado o A udiobook com contos de membros da Oficina da E-TL. O CD foi produzido por Alian Moroz.
Conteúdo 1 - "Vovô Caneco", de Alian Moroz 2 - "O Menino Binário", de Carlos Barros 3 - "Coleção de Botões", de Giselle Sato 4 - "Noite Estrelada", de Guilherme Rodrigues 5 - "A Vingança de Bento Julião", de Henry Alfred B ugalho 6 - "Os Ratos", de Joaquim Bispo 7 - "Esmeralda, Jade e Rubi", de José Espírito Santo 8 - "Fissuras Íntimas", de Leo Borges 9 - "A Palhinha", de Maria de Fátima Santos 10 - "A Última Revolta de Jesus Cristo", de Rogers Silva 11 - "Com Carinho, Isolda", de Volmar Camargo Junior
As faixas do audiobook podem ser baixadas gratuitamente no enredeço abaixo: http://oficinaeditora.org/2008/11/29/audiobook-da-oficina/
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Autor Convidado
10 indrisos eróticos Isidro Iturat
EL CIMBREO El movimiento parte en espiral de la concavidad entre omoplatos cuando camina la hembra hipersensual. Baja a la nalga y danza la cadera como danza en Brasil o en Senegal, y el macho, loco, mira y se exaspera. Ya en el Edén un árbol movió así su fruto, y Eva dijo a Adán: “Es pera...”.
Mis ojos ven el norte a través de tu nuca, los tuyos otean sures, a través de la mía; mi espalda son dos senos que incipientes despuntan; cuatro pulmones se superponen, y ausculta dos corazones que bombean en la misma tórax y cuatro sierpes que en el vientre se acunan. Llega mi sexo al norte, al sur el tuyo excita; y el desplazarse es danza del aquí, y todo, y ultra.
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SAMIZDAT fevereiro de 2009 Miguel A. Garcia
LEDA EN EL ESTANQUE ¡Ah, qué hermoso cisne! ¡Qué plumaje tiene! ¡Mira, viene, viene!... ¡Qué dócil, qué cálido, qué suave, qué afable! (y qué acariciable...). ¿Qué hace entre mis piernas? ¿Qué hace?... ¡qué!... ¡ah!...
CÓPULA POR UNA MANADA DE TOROS Ella, decúbito supino, será penetrada por el primero por detrás. El segundo instala en el febril yoni la linga, que, erguida, demanda dar placer. Boca en la tercera verga, y no separa la lengua el tacto con el glande. Luego, ella ama con ambas manos a otros dos sus dos cerbatanas... La que conozca el arte oculto hallará el nirvana (esta destreza se consigue sólo con la práctica).
Vestida eres la mujer decente, ser de costumbres que cuida el hogar, como era en el siglo precedente. Desnuda eres bestia sorprendente, de caderamen-río-serpear por fuera, avis rara iridiscente, y adentro ardor que hasta ahora no se vio. Sin decir nada me miras, y yo...
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MENAGE A T... Justine se come la verga de Paul. Morena, lleva la marca del sol en los pezones, y en el caracol. Justine recibe la verga de Etienne en...”¡animal!” y “¡cabrón!” y... “¡qué bien!...”. La cama es mar de saliva y semén. Justine, la diva lasciva de Paul. Justine, la perra sumisa de Etienne.
SUEÑO DE LA FLOR DE LOTO Soñé: una mujer de color de azafrán. Soñé a la mujer de las joyas de jade, del loto danzante en el pubis de pan. Me dijo: “El rocío que posa en mi flor el sol lo calienta y se endulza de amor, repite quien prueba de este licor”. De pétalos rosas quedé embriagado... aguardo sin sueño ya el nuevo sopor.
CICCIOLINA Y EL BOA CONSTRICTOR Hoy el perro no, el burro tampoco, ¡hoy el boa, el boa, el boa constrictor! (tiene fría la sangre, pero da calor). ¡Psss! ¡psss! ¡psss! ¡boa! ¡boa!... tu cola me gusta pues conforme entra... aumenta el grosor (tienes fría la sangre, pero das calor). Y si me hipnotizas, y tu lengua bífida me lame... ¡ay, boa! ¡me darás calor!
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SAMIZDAT fevereiro de 2009 Miguel A. Garcia
BALADA DE LAS DOS HERMANAS La hermana mayor besa con su boca a Juan, el pastor. Un caballo en la cuadra se desboca. La hermana menor ha oído el temblor y no tiene poca gana de ser yegua ni de ser mayor. La hermana mayor sabe ya de amor. La hermana menor relincha y se toca.
RETRATO DE INTERIOR EN VERSO: MUJER DESNUDA APOYADA EN LA VENTANA Puesto que no sabrían mis manos retratarte con los pinceles húmedos y su policromía habré de usar palabras para inmortalizarte: el sol posee tus senos, tus nalgas la penumbra, eres la media luna que en la mitad del día de fuera a adentro tienta, de dentro a afuera alumbra. Así de hermosa eres la invocación del arte: cuerpo, amor, aire, ensueño... la obra se vislumbra.
Isidro Iturat nasceu em Vilanova i la Geltrú, Espanha, em 1973. Escritor e professor de língua e literatura espanholas. Reside em São Paulo desde 2005. Expressa-se poeticamente através do indriso, a forma criada e "batizada" por ele mesmo, que já ganhou muitos adeptos, alguns aqui na SAMIZDAT.
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Tradução
A Mulher de Véu Anaïs Nin
http://www.flickr.com/photos/artsilva/1879658945/sizes/o/in/set-72157610882778092/
tradução: Henry Alfred Bugalho
Certa vez, George foi a um bar sueco que gostava e se sentou a uma mesa para desfrutar duma noite ociosa. Na mesa ao lado, ele notou um belo e elegante casal, o homem educado e bem vestido, a mulher toda de preto, com um véu sobre a face resplandecente e brilhantes jóias coloridas. Ambos sorriram para ele. Eles não diziam nada um ao outro, como se fossem velhos conhecidos e não precisassem conversar.
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Todos os três observavam a atividade do bar — casais bebendo juntos, uma mulher bebendo sozinha, um homem a procura de aventuras — e todos eles pareciam estar pensando as mesmas coisas. Enfim, o homem bem vestido iniciou um diálogo com George, que agora teve a oportunidade para observar melhor a mulher e a achou ainda mais bela. Mas justamente quando ele esperava que ela partici-
passe da conversa, ela disse algumas poucas palavras a seu companheiro que George não pode captar, sorriu e se foi. George quedou-se desanimado. Seu prazer naquela noite havia partido. Além disto, ele tinha apenas alguns poucos dólares para gastar e não podia convidar o homem para beber consigo e talvez descobrir um pouco mais sobre a mulher. Para sua surpresa, foi o homem quem se virou para ele e disse: — Se importaria em tomar um drinque comigo? George aceitou. A conversa seguiu de experiências com hotéis no sul da França para a confissão de George de que ele estava curto de grana. A resposta do homem sugeriu que era extremamente fácil de se conseguir dinheiro. Ele não prosseguiu em dizer como. Forçou George a confessar um pouco mais. George tinha uma fraqueza comum a muitos homens; quando estava com humor expansivo, adorava contar seus feitos. Ele o fez numa linguagem envolvente. Insinuou que assim que punha o pé na rua, alguma aventura se lhe apresentava, que nunca lhe faltava uma noite interessante, ou uma mulher interessante. Seu companheiro sorria e ouvia. Quando George terminou de falar, o homem disse: — Era isto que eu ima-
ginava, no momento em que o vi. Você é o sujeito a quem procuro. Estou diante dum problema imensamente delicado. Algo absolutamente único. Não sei se você já teve muitas relações com mulheres difíceis, neuróticas — Não? Percebo-o por suas histórias. Bem, eu tenho. Talvez eu as atraia. Neste momento, estou na mais intricada das situações. Mal sei como sair dela. Preciso de sua ajuda. Você diz precisar de dinheiro. Bem, eu posso sugerir uma maneira razoavelmente agradável para consegui-lo. Ouça com atenção. Há uma mulher que é rica e absolutamente linda — na verdade, irretocável. Ela poderia ser amada com devoção por qualquer um que ela quisesse, poderia se casar com qualquer que quisesse. Mas por algum perverso acidente de sua natureza — ela gosta apenas do desconhecido.
um tanto infeliz, e ainda assim impelido a contar esta história. Ele prosseguiu:
— Mas todo mundo gosta do desconhecido — George disse, imediatamente pensando em viagens, encontros inesperados, novas situações.
George estava num turbilhão de curiosidade agora, com visões da mulher que vira no bar assombrando-o, vendo a cada momento a boca reluzente e os olhos flamejantes dela por detrás do véu. O que ele havia gostado, particularmente, era o cabelo dela. Gostou de cabelo espesso a cair-lhe pelo rosto, um fardo gracioso, cheiroso e rico. Era uma de suas paixões.
— Não, não do jeito dela. Ela se interessa apenas por um homem que ela nunca tenha visto antes e que nunca verá novamente. E, por este homem, ela fará qualquer coisa. George consumia-se para perguntar se a mulher era aquela que estava sentada à mesa com eles, mas não ousou. O homem parecia estar
— Eu tenho de cuidar da felicidade desta mulher. Eu faria qualquer coisa por ela. Devotei minha vida a satisfazer-lhe os caprichos. — Compreendo — George disse — eu me sentiria do mesmo modo em relação a ela. — Agora, — disse o elegante desconhecido — se você quiser vir comigo, poderá talvez resolver suas dificuldades financeiras por uma semana e, incidentalmente, seu desejo por aventura. George corou de prazer. Deixaram o bar juntos. O homem chamou um táxi. No táxi, deu a George cinquenta dólares. Então disse que seria obrigado a vendálo, porque George não deveria ver a casa para onde iria, nem a rua, pois nunca repetiria esta experiência.
A corrida não foi muito longa. Ele se submeteu amistosamente a todo o mistério. A venda foi re-
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tirada de seus olhos antes de ele deixar o táxi, para que não atraísse atenção do taxista ou do porteiro, mas o desconhecido contava, sabiamente, que o brilho das luzes da entrada cegariam George completamente. Ele não conseguia enxergar nada a não ser luzes brilhantes e espelhos. Foi conduzido a um dos interiores mais suntuosos que jamais vira — todo branco e espelhado, com plantas exóticas, mobília extravagante coberta em damasco e um tapete tão fofo que seus passos não podiam ser ouvidos. Ele foi dirigido por uma sala atrás da outra, cada uma em diferentes nuances, todas espelhadas, que perdeu toda a noção de perspectiva. Por fim, chegaram à última. Ele se engasgou de leve. Estava num quarto com uma cama canopeada posta sobre um tablado. Havia peles no chão e brancas cortinas vaporosas nas janelas, e espelhos, mais espelhos. Ele estava contente por poder suportar estas repetições de si, reproduções infinitas dum belo homem, para quem o mistério da situação havia dado um brilho de expectativa e prontidão que ele nunca conhecera. O que isto poderia significar? Não tinha tempo para se indagar. A mulher com que ele havia estado no bar adentrou o quarto, e assim que ela entrou, o homem que o trouxera desapareceu.
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Ela havia trocado de vestido. Vestia um estonteante vestido de cetim que deixava seus ombros desnudos e que era suspenso por uma alça. George teve a impressão de que o vestido cairia com um único gesto, descobrindo-a como uma cintilante bainha, e que por debaixo apareceria sua pele reluzente, que brilharia como cetim e que seria igualmente suave para os dedos. Ele havia dito para si em silêncio. Ainda não conseguia acreditar que esta linda mulher se oferecia para ele, um total desconhecido. Envergonhou-se também. O que ela esperava dele? Qual era sua busca? Tinha ela algum desejo irrealizado? Ele tinha apenas uma única noite para dar todos seus dons de amante. Nunca mais a veria novamente. Poderia ser ele aquele a descobrir o segredo da natureza dela e possuí-la mais de uma vez? Ele imaginava quantos outros homens haviam vindo a este quarto. Ela era extraordinariamente amável, com um toque de cetim e veludo. Seus olhos era negros e úmidos, sua boca fulgurava, sua pele refletia a luz. Seu corpo era perfeitamente harmonioso. Ela tinha as linhas incisivas duma mulher singela unidas a uma provocativa maturidade. Sua cintura era delgada, que proporciona a seus
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seios uma proeminência ainda maior. Suas costas eram como de uma dançarina, e cada contorno intensificava a riqueza de seus quadris. Ela sorriu para ele. Sua boca era macia, carnuda e estava entreaberta. George se aproximou e pousou a boca nos ombros nus dela. Nada poderia ser mais macio que sua pele. Que tentação a de puxar o frágil vestido de seus ombros e expor os seios que distendiam o cetim. Que tentação despi-la imediatamente. Mas George sentia que esta mulher não poderia ser tratada tão sumariamente, que ela requeria sutileza e engenho. Nunca ele havia dado a cada um de seus gestos tanta consideração e arte. Parecia determinado a empreender um longo cerco, e como ela não havia dado sinal de pressa, ele se demorou sobre os ombros nus, inalando a tênue e maravilhoso olor que vinha do corpo dela. Poderia tê-la tomado ali mesmo, de tão potente que era o encantamento que ela lançava, mas antes ele queria que ela fizesse um sinal, queria que ela estivesse excitada, e não tenra e maleável como cera em seus dedos. Ela aparentava uma incrível frieza, obediente, mas sem sentimento. Nenhum arrepio em sua pele, e apesar de sua boca estar entreaberta para beijar, ela não correspondia.
Permaneceram lá, perto da cama, sem falar. Ele deslizou suas mãos por sobre as curvas acetinadas do corpo dela, como se para se familiarizar com elas. Ela permanecia imóvel. Ele lentamente se pôs de joelhos, enquanto beijava e acariciava o corpo dela. Seus dedos sentiram que, sob o vestido, ela estava nua. Ele a conduziu até a beirada da cama e ela se sentou. Ele retirou os chinelos dela. Susteve os pés dela em suas mãos. Ela sorriu para ele, gentil e convidativamente. Ele beijou-lhe os pés, e suas mãos correram por sob as dobras do vestido longo, sentindo as pernas suaves até as coxas. Ela abandonou os pés às mãos dele, mantendo-os pressionados contra seu peito, enquanto as mãos dele corriam para cima e para baixo por debaixo do vestido. Se a pele dela era tão macia na extensão das pernas, como seria então perto de seu sexo, ali onde é sempre a mais macia? As coxas dela se uniram, pressionadas, de modo que ele não pudesse continuar a exploração. Ele se levantou e debruçou-se sobre ela para beijá-la numa posição reclinada. Enquanto ela se deitava, as pernas se abriram ligeiramente. Ele movimentou as mãos por todo o corpo dela, como se para excitar cada parte dela com seu toque, acariciando-a novamente dos ombros aos pés, antes
de tentar deslizar sua mão entre as pernas, mais abertas agora, de modo que ele quase pode alcançar o sexo dela. Com seus beijos, os cabelos dela se tornaram revoltos e o vestido caiu de seus ombros e descobriram parcialmente seus seios. Ele retirou todo o vestido com a boca, revelando os seios aos quais ele ansiava, tentadores, intumescidos e da mais delicada pele, com os mamilos rosados tais quais duma jovem. A submissão dela quase o fez querer machucá-la, para estimulá-la de algum jeito. As carícias o estimulavam, mas não a ela. O sexo dela era cálido e macio para seu dedo, obediente, mas sem vibrações. George começou a pensar que o mistério da mulher jazia em ela não ser capaz de se excitar. Mas isto não era possível. Seu corpo prometia tanta sensualidade. A pele era tão sensível, a boca tão carnuda. Era impossível que ela não sentisse. Agora ele a acariciava continuamente, oniricamente, como se não tivesse pressa, aguardando que a chama a incendiasse. Havia espelhos todo ao redor deles, repetindo a imagem da mulher deitada ali, os seios para fora do vestido, seus belos pés nus pendendo para fora da cama, as pernas ligeiramente apartadas sob o vestido. Ele precisava rasgar o
vestido completamente, deitar-se na cama com ela, sentindo todo o corpo dela contra o seu. Começou a puxar o vestido para baixo e ela o ajudou. Seu corpo emergiu como o de Vênus surgindo do mar. Ele a ergueu, para que ela se deitasse totalmente na cama, e sua boca nunca cessava de beijar cada parte do corpo dela. Então, algo estranho aconteceu. Quando ele se inclinou para deliciar seus olhos com a beleza do sexo dela, roseado, ela teve um calafrio, e George quase gritou de alegria. Ela murmurou: — Tire suas roupas. Ele se despiu. Nu, ele conhecia seu poder. Ele ficava mais à vontade nu do que vestido, porque ele havia sido um atleta, um nadador, um andarilho, um escalador de montanhas. E ele sabia então que isto poderia agradá-la. Ela olhou para ele. Estaria ela satisfeita? Quando ele se inclinou sobre ela, estava ela mais receptiva? Ele não conseguia determinar. A estas horas, ele a desejava tanto que não conseguia esperar para tocá-la com a ponta de seu sexo, mas ela o impediu. Ela queria beijar e manusear o sexo dele. Ela se lançou sobre ele com tamanha avidez que George se viu com as nádegas dela perto de seu rosto e podia beijá-la e acariciá-la à vontade.
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Neste momento, ele estava tomado pelo desejo de explorar e tocar cada recôndito do corpo dela. Ele apartou a abertura do sexo dela com seus dois dedos, e deleitou seus olhos com a pele brilhante, com o delicado mel a fluir, com os pelos se encrespando ao redor de seus dedos. Sua boca se tornou mais e mais ávida, como se houvesse se tornado um órgão sexual, capaz de satisfazê-la tanto que, se continuasse a acariciar a carne dela com sua língua, ele alcançaria um prazer totalmente desconhecido. Enquanto ele mordiscava sua carne com tal sensação deliciosa, sentiu novamente que ela tinha calafrios de prazer. Ele a afastou de seu sexo, temendo que ela pudesse vir a experimentar todo seu prazer meramente ao beijá-lo e que ele fosse impedido de se sentir dentro dela. Era como se eles dois houvessem se tornado vorazmente famintos pelo gosto da carne. E suas duas bocas se fundiam uma na outra, buscando as línguas inquietas. O sangue dela agora fervia. A vagarosidade dele parecia ter causado isto, enfim. Os olhos dela brilhavam, sua boca não conseguia largar o corpo dele. Então ele finalmente a tomou, enquanto ela se oferecia, abrindo sua vulva com os adoráveis dedos, como se não aguentasse mais esperar. Mesmo então eles suspenderam o prazer
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deles, e ela o sentiu em silêncio, encerrando-o. Então ela apontou para o espelho e disse, rindo: — Olhe, parece até que nós não fazemos amor, mas sim que você apenas está sentado sobre seus joelhos, e você, safadinho, você esta com ele dentro de mim todo o tempo, e até tem calafrios. Ah, não posso mais suportar isto, fingir que não há nada dentro de mim. Está me consumindo. Mete agora, mete! Então ela se jogou sobre ele para que ela pudesse rebolar sobre seu pênis ereto, obtendo desta dança erótica um prazer que a fazia gritar. E, ao mesmo tempo, um relâmpago de êxtase rompeu através do corpo de George. Apesar da intensidade do sexo, quando ele partiu, ela não perguntou seu nome, não pediu que ele voltasse. Ela lhe deu um leve beijo nos lábios quase doloridos e o mandou embora. Por meses, a memória desta noite o assombrou e ele não conseguia repetir a experiência com nenhuma outra mulher. Um dia, ele encontrou um amigo que havia acabado de ter recebido prodigamente por alguns artigos e que o convidou para um drinque. Ele contou a George a espetacular história duma cena que testemunhara. Ele estava gastando dinheiro abundantemente num bar quando um dis-
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tinto homem se aproximou dele e sugeriu um agradável passatempo, observar uma magnífica cena amorosa, e como o amigo de George era um voyeur declarado, a sugestão foi recebida com imediata aceitação. Ele foi levado a uma casa misteriosa, para um apartamento suntuoso e, foi escondido numa sala escura, de onde ele pode ver uma ninfomaníaca fazer amor com um homem potente e particularmente bem dotado. O coração de George parou. — Descreva-a — ele disse. O amigo descreveu a mulher com a qual George havia feito amor, até mesmo o vestido de cetim. Ele também descreveu a cama canopeada, os espelhos, tudo. O amigo de George havia pagado cem dólares pelo espetáculo, mas havia valido a pena e durou por horas. Pobre George. Por meses, ele teve precauções com mulheres. Ele não conseguia acreditar em tal perfídia, em tal encenação. Ele se tornou obcecado com a ideia de que todas as mulheres que o convidavam para seus apartamentos escondiam algum espectador detrás duma cortina. Conto extraído da obra “Delta de Vênus”.
Anaïs Nin nasceu na França. Seu pai foi o compositor Joaquin Nin, que cresceu na Espanha, mas que havia nascido em Cuba, e para onde retornou. Sua mãe, Rosa Culmell y Vigaraud, era de ascendência cubana, francesa e dinamarquesa. Anaïs Nin se mudou para os Estados Unidos em 1914, depois de seu pai ter abandonado a família. Nos EUA, ela frequentou escolas católicas, abandonou os estudos, trabalhou como modelo e dançarina e retornou à Europa em 1923. Anaïs Nin estudou psicanálise com Otto Rank e clinicou por um tempo como analista leiga em Nova York. Ela foi paciente de Carl Jung por um período também. Ao encontrar dificuldades para conseguir publicar seus contos eróticos, Anaïs Nin ajudou a fundar a Siana Editions na Franca, em 1935. Em 1939 e com a deflagração da Segunda Guerra Mundial, ela retornou a Nova York, onde ela se tornou uma celebridade entre a comunidade do Greenwich Village. Uma figura literária obscura por quase toda sua vida, quando os diários dela - mantidos desde 1931 - começaram a ser publicados em 1966, Anaïs Nin surgiu diante do olhar público. Os dez volumes de “O Diário de Anaïs Nin” ainda são bastante populares. Eles são mais do que simples diários; cada volume possui um tema e foram escritos provavelmente com a intenção de serem publicados. Cartas que ela trocou com amigos íntimos, Henry Miller entre eles, também foram publicadas. A popularidade dos diários trouxe interesse para os romances publicados anteriomente. “Delta de Vênus” e “Pequenos Pássaros”, originalmente escritos em 1940,
foram publicados após sua morte (1977, 1979). Anaïs Nin é conhecida também por seus amantes, que incluem Henry Miller, Edmund Wilson, Gore Vidal e Otto Rank. Ela foi casada com Hugh Guiler, de Nova York, que aceitava seus casos. Ela também teve um segundo casamento, bígamo, com Rupert Pole na Califórnia. Ela anulou o casamento por volta da época em que ela estava conquistando fama mundial. Ela estava morando com Pole, quando de sua morte, e ele viu a publicação da nova edição dos diários delas, sem cortes.
As ideias de Anaïs Nin sobre as naturezas “masculina” e “feminina” influenciaram a área do feminismo conhecida como “feminismo da diferença”. No fim da vida, ela se disassociou das formas mais políticas do feminismo, acreditando que o auto-conhecimento através da redação de diários era fonte de liberação pessoal. Fonte: http://womenshistory.about. com/od/anaisnin/a/anais_nin.htm
http://collagesofabsurdistan.files.wordpress.com/2008/07/nin_32.jpg
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Tradução
Paul Éluard tradução: Marcia Szajnbok
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Paul Éluard (1895-1952) ganhou notoriedade como «O Poeta da Liberdade », por referência a sua atividade política junto ao Partido Comunista na França dos anos 30, e pela força com que seus poemas anti-nazistas circularam clandestinamente durante a Segunda Guerra, encorajando em muitos momentos as ações da resistência francesa. Há, entretanto, uma outra vertente de sua obra, igualmente importante, constituída pelos poemas de amor e erotismo. Sua primeira mulher, Gala, tornou-se a musa inspiradora de Salvador Dali. A segunda, Nusch, encarnou a companheira perfeita, nos anos que são os mais felizes de sua vida. Seus poemas eróticos representam mais um aspecto do caráter libertário de sua obra, sempre concebida como veículo de conscientização política para seus leitores.
Coucher avec elle
Deitar com ela
Pour le sommeil côte à côte
Para o sono lado a lado
Pour les rêves parallèles
Para os sonhos paralelos
Coucher avec elle
Deitar com ela
Pour l’amour absolu
Para o amor absoluto
Pour le vice pour le vice
Para o vício depravado
Pour les baisers de toute espèce
Para trepar de todo jeito
Coucher avec elle
Deitar com ela
Pour un naufrage ineffable
Para um naufrágio inefável
Pour se prostituer l’un à l’autre
Para se prostituir mutuamente
Pour se confondre
Para se confundir
Coucher avec elle
Deitar com ela
Pour se prouver et prouver vraiment
Para se provar verdadeiramente
Que jamais n’a pesé sur l’âme
Que jamais pesou
Et le corps des amants
Quer na alma, quer no corpo dos amantes
Le mensonge d’une tache originelle
A mentira de um pecado original
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Teoria Literária
Erotismo, para além do sexo
Henry Alfred Bugalho
http://www.arterotismo.it/AgostineCaracci/car07.jpg
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O ser humano sempre tentou se distanciar dos demais animais. Aristóteles afirmava que “o homem é um animal dotado de fala”, mas recentemente se descobriu que várias outras espécies de animais possuem comunicação, às vezes bastante complexas; Marx encontra o cerne da humanidade em seu caráter social, mesmo que também haja intricadas relações sociais entre outros animais; outros intelectuais buscam o “ser humano” na crença em uma divindade, ou na Economia, ou nas Artes — George Bataille, em sua obra “Erotismo”, afirma categoricamente que o homem é um “animal erótico”. Provavelmente, nenhum destes fatores individuais serve para nos distinguir das demais espécies; talvez tenhamos de pensá-las em conjunto, sendo o homem um animal que, em seu desenvolvimento, agregou uma série de valores e características e, por causa delas, distanciou-se de sua natureza instintiva, a ponto de renegá-la. Mas nosso objeto de investigação será esta última asserção sobre o erotismo. De fato, o sexo, a cópula, o acasalamento por si não é um ato eró-
tico, é uma prática de reprodução. Apesar de sua relação com o ato sexual, o erotismo e sexo não são sinônimos. Entende-se o erotismo como uma representação estética do sexo. Desde muito cedo em nossa História, o ser humano representa o corpo e as funções sexuais; as formas grotescas, exageradas, com que o corpo é recriado através de esculturas ou pinturas pré-históricas, ou durante a Antigüidade, parecem pretender estimular o receptor e excitá-lo, muitas são símbolos de fertilidade, mas várias tendem a apresentar o corpo humano e o sexo como objetos de desejo.
acima: a Vênus de Willendorf, escultura feminina feita entre 24 mil e 22 mil anos a.C. a esquerda (oposta): gravura de Agostino Carraci, pintor italiano do século XVI. abaixo: ilustração do Kama Sutra.
O erotismo, ao contrário do ato sexual, não visa estimular apenas os sentidos, mas principalmente a imaginação. O sexo é um ato físico (e por vezes mecânico) que culmina no gozo e relaxamento; o erotismo é uma prática simbólica, cujo prazer deriva da preparação, do adiamento, da incompletude, do irrealizável e indizível. A excitação proveniente do erótico começa antes do sexo, ou paralelamente, pois prescinde dele, e se estende para depois. Seu
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objetivo é o prolongamento do estímulo, ao invés da satisfação dum clímax.
Erotismo e tabu É fundamental compreendermos que erotismo não existe sem tabus. Os tabus são interdições sociais de atos, palavras, objetos, ou assuntos considerados ofensivos numa comunidade. O primeiro a trabalhar exaustivamente o tema foi Sigmund Freud (18561939); segundo ele, as origens dos tabus são desconhecidas e transcendem o âmbito das religiões, são provenientes, possivelmente, de sociedades pré-religiosas. O incesto é identificado como um dos tabus uni-
versais, ou seja, no cerne das interdições sociais, a primeira delas relacionase ao sexo. Apesar de as razões por detrás da proibição do incesto serem bastante pragmáticas, estimular a exogamia (Claude Lévi-Strauss), o que permite um sistema de trocas entre famílias e incentiva uma maior harmonia social, deste primeiro tabu sexual derivaria uma série de interdições: nudez, falar sobre sexo, restrições sexuais, repúdio aos órgãos sexuais, entre inúmeras outras. Em parte, o apelo do erotismo reside nesta proibição, neste constrangimento em torno da sexualidade, duma prática condenada ao ambiente privado e regida por normas de conduta aceitáveis.
Pornografia e erotismo, ou a historicidade do erotismo Um dos primeiros problemas que surge, ao se discutir o erotismo, é a eventual distinção entre “erótico” e “pornográfico”. Via de regra, definese erótico como aquela representação sutil, ou que subentende o sexo, enquanto que o pornográfico seria uma reprodução crua, ou até exagerada, do coito. Certamente que nenhuma resposta definitiva pode ser dada sobre o assunto, pelo fato de que o limite entre um e outro situa-se num ponto-cego, num campo bastante discutível. Na verdade, erotismo e pornografia dependem de três fatores principais:
Dois afrescos encontrados na cidade de Pompeia.
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1 – o fator histórico; 2 – o fator social, e 3 – o fator subjetivo. Acredito que o fator histórico seja o preponderante na hora de traçarmos este horizonte. Assim como em outros gêneros, tais quais o terror e o humor, o erótico depende muito do contexto histórico no qual está inserido. Em épocas de maior licenciosidade, como em Roma antiga ou durante os movimentos de liberação sexual da década de 70, erotismo e pornografia tenderam a se aproximar. Por outro lado, a disseminação do Cristianismo, a partir do século I d.C., reforçou um conjunto de condenações morais em torno da sexualidade. O fator social também está intimamente vinculado ao assunto, pois tanto as classes superiores quanto as mais baixas tendem a ser mais libertinas (pelo que indicam as pesquisas de Alfred Kinsey), seja porque acreditam estar acima das normas seguidas pelos demais, seja pelo desconhecimento ou repúdio a elas. Os intelectuais iluministas atacaram ferozmente, por exemplo, a hipocrisia do clero europeu, que apregoava
normas morais, mas que na prática as violavam, ou a aristocracia corrompida e devassa. Deste modo, a compreensão do que é “pornográfico” ou “erótico” também depende do nível social, da formação religiosa (há religiões mais tolerantes ao sexo do que outras), do país de origem e da formação educacional. Enfim, o fator subjetivo,
acima: ilustração da obra “Justine” de Marquês de Sade, publicada em 1791.
que provém diretamente dos dois primeiros fatores, é aquele pertinente ao foro íntimo de cada indivíduo, que julga, de acordo com sua própria experiência e vivência, os limites da moralidade. Deste modo, temos um espectro de interpretações que nos impede de
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Apesar de o erotismo possuir várias formas de manifestação, seja cotidianamente, enquanto elemento das práticas sexuais dos indivíduos, ou seja de modos mais extraordinários, como dos êxtases místicos de religiosos (associação feita por Bataille), o meio mais corriqueiro ainda costuma ser através da Arte.
firmarmos, categoricaa mente, onde começa e acaba o “erótico”. Enquanto autores como Marquês de Sade, D. H. Lawrence, Nabokov ou Henry Miller foram considerados pornográficos por seus contemporâneos — por vezes até sofrendo sanções, como aprisionamento ou censura —, e em nossa época a literatura deles é erótica (mesmo que possa ser considerada pornográfica por alguns leitores), não temos garantia alguma de que aquilo por nós considerado pornográfico hoje será classificado, no futuro, como erótico.
Arte e erotismo Nossa primeira conceituação de erotismo estabeleceu um vínculo entre estesia e sexualidade.
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O erotismo está presente no cinema, nas artes plásticas, na fotografia, na dança, na música, na televisão e na literatura. Estamos em constante contato com o erotismo, sendo as artes visuais as principais detentoras deste filão. Cenas eróticas chocam, ao mesmo tempo em que atraem. Anúncios publicitários tendem a associar seus produtos à sexualidade; cenas eróticas na TV aumentam a audiência; na salinha escura do cinema, a cena erótica causa incômodo, todos seguram a respiração, na tentativa de disfarçar a excitação. A imagem possui um poder difícil de ser recriado em outros formatos. A imagem é instantânea, é através da visão que temos o conhecimento imediato do mundo. No entanto, foi a Literatura que produziu os melhores e mais duradou-
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ros resultados. Um texto erótico não fornece, pela própria natureza da leitura, seus segredos de uma só vez. O leitor precisa explorá-lo linha após linha, palavra por palavra. Esta delimitação permite o autor controlar a excitabilidade do que diz, confere-lhe o poder de ditar o ritmo, de estabelecer como e quando deflagrará o estímulo, a cena erótica. Alguns preferem uma escrita direta, utilizando um jargão mais vulgar, outros optam pela sutileza, por um léxico eufemístico. A qualidade não reside nestes pólos, mas sim como o autor se articula através deles. Mas talvez a grande importância do erotismo resida naquilo a que ele se contrapõe: o erótico é a contraparte da normatização imposta a nós pelo trabalho e pela rotina, é uma de nossas válvulas escape. O erotismo é um momento de libertação; é aquele instante no qual as amarras dos tabus, da moralidade, do permitido, do convencional se afrouxam. Uma vida de puro erotismo seria insustentável, mas uma sem erotismo algum seria insuportável.
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Crônica
As mulheres
na literatura erótica Giselle Sato
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O lugar onde
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Houve um tempo em que escrever textos mais picantes eram feitos quase heróicos. Escritoras ousadas simpatizantes do gênero, arriscavam em doses homeopáticas burlar os costumes da época. Podemos citar várias e nem todas foram editadas em vida. Não vou martelar na tecla enfadonha deste período da história. Prefiro falar em como a falta de liberdade influenciou o trabalho destas mulheres. Ocultas por conta do preconceito elas se entregaram à intensidade. Foi um período extremamente frustrante, mas a sensação do proibido agiu como estímulo para que a voz reprimida criasse vida no papel. E foram versos, romances e pensamentos genuínos, gritos sufocados e canalizados na literatura. A visão feminina prima pelo conjunto prazer e sentimento. Não que seja um privilégio, gosto de pensar que seguimos a emoção sem reservas e temos a sutileza como aliada. Quando a idéia vai tomando forma, personagens e tramas parecem exigir vida própria. Um texto erótico tem toda a cadência e flui em busca da resposta do leitor. Existe um cuidado em descrever formando um conjunto completo. Em cada ângulo um pou-
co do partilhar e acolher. A essência feminina é naturalmente doadora. Recebe, abastece, guarda e nutre. Em comum todas estas escritoras não tiveram medo de partilhar a percepção do sexo. Sem pudor descreveram sensações até então sugeridas e algumas nem imaginadas. O orgasmo feminino não era assunto que se discutisse. Imagino que as mulheres tinham acesso aos livros e liam as escondidas, suspirando em cada verso e imaginando pra si o prazer sugerido. O importante é que a voz não estava calada, ainda que apenas sussurrasse delícias, apregoava a liberdade da satisfação. Estas escritoras pioneiras são referência para a nova geração de autoras do gênero erótico. Ainda existe o tabu sobre as minúcias e o cuidado para não cair na pornografia grosseira. Mas a grande maioria não está preocupada em mascarar o texto. É um caminho novo que está abrindo com algum receio. Mas o mercado é curioso e imprevisível. A libido foi despertada e já não precisamos esconder as preferências. De qualquer maneira foi uma longa estrada e hoje finalmente as portas estão abertas.
a boa Literatura é fabricada
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Crônica
Auto-ajuda fotos: Joaquim Bispo
Joaquim Bispo
Sabemos, caro leitor, como você gostaria de estar sempre sempre in, infelizmente, as limitações humanas obrigam-no a estar out, a maior parte do tempo. Para essas longas horas, que nunca mais acabam, para esses dias que se transformam em semanas, este consultório sensual dá-lhe algumas dicas para não morrer de inanição sensorial. 1. Se você é dos que gosta de um beijo bem chupado e repenicado, experimente o beijo do cano do aspirador. É inesquecível. Mas não exagere, que a sua mulher pode desconfiar de tanta vontade de aspirar a casa. 2. Se você faz longas viagens, nem sempre em companhia galante, não se acabrunhe. Meta a mão fora da janela, em concha, virada para a frente, aumente a velocidade para 120 e desfrute de longos minutos da consistência de um seio na sua mão. Pode apertar, que a ilusão é convincente. Se o tempo estiver quente, tanto melhor. Não há conversa chata dos acompanhantes que o impeça de fruir o seu gesto inocente.
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3. Se a sua mulher vai fazer pastéis de massa tenra, filhós ou outra receita que obrigue a amassar farinha, ofereça-se para amassar. A lisura e a consistência da massa transmitem ao seu tacto a ilusão de carnes tenras de uma mulher, só que, com massa, você pode dar livre curso às mãos sem medo de magoar. Desfrute, mas não dê a entender que gosta mais de amassar que de comer. 4. Se é obrigado a fazer longos passeios a pé, compre um cacho de uvas e consuma-o bago a bago. Enquanto acaricia um entre os dedos, faça rebolar outro nos lábios antes de a língua brincar com ele, como faz com os mamilos da sua mulher. Distrai e faz bem à saúde. 5. Se é época de diospiros, use e abuse. Compre daqueles bem maduros, muito moles. Retire-se para a privacidade que o acto pede, mergulhe de boca aberta na sua polpa deliquescente, e sorva conjuntamente as estruturas gomosas que lhe conferem uma ilusão vulvar. A sofreguidão desse cunnilingus desvairado vai deixar-lhe o rosto lambuzado, mas há certas coisas que não são adequadas para comer à colher. Nunca deixe, caro leitor, de estar atento ao que o rodeia: uma protuberância numa árvore, um tufo vegetal numa praia, o perfil de uma paisagem. O mundo está cheio de oportunidades para você estar sempre on.
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Crônica
Joaquim Bispo
A doçura desta dor http://libraridan.files.wordpress.com/2008/07/st-theresa-in-ecstasy-cornaro-chapel.jpg
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Este conjunto escultórico é obra do magistral Bernini e encontra-se numa pequena igreja de Roma. Chamase O êxtase de Sta. Teresa (1647-1652) e representa o episódio de amor místico experimentado por Santa Teresa de Ávila (1515-1582), também conhecido por «Transverberação de Sta. Teresa». Foi a própria que relatou o seguinte: Ao meu lado esquerdo apareceu um anjo em forma corporal. Não era alto mas baixo e muito belo. E a sua face estava tão afogueada (…). Vi na sua mão um longo dardo de ouro, na ponta do qual julguei ver uma pequena chama. Pareceu-me que o fazia entrar de momento a momento no meu coração e que ele me perfurava até ao fundo das entranhas; quando o retirava, parecia-me que as arrancava também e me deixava toda abrasada com um grande amor de Deus. A dor era tão grande que me fazia gemer e, no entanto, a doçura desta dor excessiva era tal, que era impossível querer vê-la terminada, e a alma já não se contentava senão com Deus. A dor não era física, mas espiritual, se bem que o corpo aí tivesse a sua parte. Era uma tão doce carícia de amor entre a alma e Deus (…).
amor místico, no relato de Sta. Teresa. É bem evidente o abandono físico da freira perante o anjo, como o abandono da mulher aluada perante o homem desejado. O rosto do anjo reflecte aquele doce júbilo que qualquer homem sente no momento anterior à posse da mulher rendida. O dardo não pode ser mais simbólico, na sua rigidez fálica e na sua ponta penetrante. O gesto delicado da mão
esquerda do anjo a levantar o hábito descomposto da freira, como quem afasta uma última peça de roupa íntima, eleva a sensualidade do conjunto a um nível nunca esperado num altar. E, no entanto, que melhor ícone para venerar que as doces penas do tesão ou a experiência transcendente e sublime de um orgasmo?!
Como a muitos analistas contemporâneos, não escapou a Bernini a vertente do amor sensual aliado ao
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Poesia
LABORATÓRIO POÉTICO e erótico
Volmar Camargo Junior
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Sedução em ti escorro, me derramo e aquieto http://www.flickr.com/photos/meliah/84482294/sizes/o/
murmuras algo feito quente e macio dá-me teu núcleo noturno e delicado como os tolos que seduzes e a cada hora, maldita, bendita, ora me abandonas e novamente amanhã se vais, respiro o que restar de teu hálito espalho em mim um fio de teu suor
Entrega-se Mostra-se vil Frágil, febril, Tão hábil quanto inutilmente Entrega-se inteira Paulatina, imprecisa Insensível e intensamente Mutável, muda, imóvel, Livre, enfim, completamente.
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Poesia
Minha cria Carlos Alberto Barros
Feita alta maré, Sou bem mais que dama... Te incendeio a cama, Te lambuzo as pernas. Tudo em mim se enerva, Ao sugar-lhe a rama Que, em riste, inflama Meu licor-mulher.
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Beba-o com fé, Dentro, em mim, descamba. E com a língua em samba, Faz gemer tua Eva. Meu quadril, eleva; Abra-o em duas bandas. Morda forte em ambas. Cante minha ré. Beije-me os pés, Os meus dedos lamba, Vem, me deixe bamba. E me faça ébria; De teus lábios, serva; De teu membro, ama. Em meus seios, mama: Minha cria és!
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Poesia
Um punhado de versos pretensamente eróticos Caio Rudá de Oliveira
Lapso a razão é débil: subjaz aos instintos atiçados dilui-se no sangue fervente exala no aroma dos corpos perece ao pré-gozo e retorna... quando o prazer são ecos
Utopia No rosto, um semblante de vitória No peito, um sentimento de satisfação No passado, a virgindade Na verdade, uma fantasia de adolescente
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pelo quarto
Transa
Poesia
Que topete esse A gente transar com a criada Ela de meia Ela de liga Ela sem mais veste que a barriga Ela sem mais roupa que a pelagem Ela galgando a gente Ela cheiinha de pelo na virilha Ela peludinha debaixo da axila Ela pesada Ela querendo mais do que fodendo Ela pedindo - lambe -passa na dobra do cuzinho -passa no debaixo do peito Ela insistindo - Lambe, menino, lambe Ou você acha que é só ir fodendo? E a gente quase vomitando E a gente de pau em riste lambendo dobras suadas em azedo Que topete esse A gente poder sair gabando prós meninos “hoje eu fodi ela duas vezes”
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Maria de Fátima Santos
Poesia
Teu corpo
José Espírito Santo
És morena beleza, natureza tesa que tenta Fogo intenso aceso sem qualquer fio e pavio Forte corrente e nós teu sinuoso leito de rio És chama que inflama na cama e me chama Calor forte que logo me aquece e enlouquece Rumo perdido por teu corpo percorrer sem GPS Quando subimos e descemos juntos o desejo No prazeroso completar de “puzzle” encontrado Nesse meu no teu a meio de percurso encaixado Quando devagarinho, devagar, depressa Colamos e percorremos juntos o caminho Depressa, depressa, devagar, devagarinho...
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oI
Poesia
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José Espírito Santo
Vem Vamos meter teu ó que espera húmido, molhado e quente, fremente em meu I extenso que já está pronto, com ponto e em ponto e vamos colar, fazer bem bom sem palavra nem razão Sempre diferente sempre, talvez por trás, talvez de frente, sempre distinto único alto abaixo, Bach fuga, contraponto, um oI pleno, gostoso e intenso, cheio de tesão
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Poesia
Primeira vez Você me fez ser mulher Me fez sentir diferente Ficaram meus lábios doloridos E no corpo, um prazer dormente. Foi somente aquela noite Agora nos vemos, é um ´oi´ E confesso que fico enciumada Vendo outra de ti acompanhada Mas eu não sinto rancor. Pois não te amo, é verdade Embora ficarás sempre em mim na saudade Daquela primeira vez...
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Maristela S. Deves
SA OS M IZ
SO BR E
A D S E R O T U A S O E R SOB
T A D Z I M A S
SOBRE OS AUT
ORES DA
SAMIZDAT SOBRE OS AUTORES DA
SAMIZDAT
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TORES
DA
Dênis Moura é paulistano de pia, cearence de mar e poeta de amar. Viaja tanto o céu estrelado quanto o ciberespaço, mais com bits de imaginação que com telescópios. Pensa que tudo se recria a cada Big Bang, seja ele micro, macro ou social. Luta pela justiça, a paz e a igualdade, com um giz na mão e uma pistola na outra. É Tecnólogo a sonhar com Telemática social, com a democracia participativa eletrônica, onde o povo eleja menos e decida mais. Publica estes dias sua primeira obra, um Romance de Ficção Científica, e deixa engavetadas suas apunhaladas poesias. É feito de bits, links e teia pra que não desmaterialize, o clique, o blogue e o leia!
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SOBRE
s erto Barro esenhisCarlos Alb estinos, d d r o n e d o mado, , filh ástico for l Paulistano p a t s i t r l como empre, a profissiona a d i ta desde s v a u s eu rasComeçou á deixou s j , escritor. o ã t n e turais, , desde entros Cul C e educador e s a l o c edagógiG’s, Es sticos e p í t tro por ON r a s o h l fluência traba m forte in ê t através de e u q s a ganiza riênci lmente, or a u cos – expe t A . s o t s, estuda escri ra criança a sobre seus p o ã ç a r t e escreve ilus a da Arte i oficinas de r ó t s i H m ção e pós-gradua internet. cações na i l b para pu il.com ador@hotma carloseduc pot.com nome.blogs http://des
Giselle Sato Giselle Sato é autora de Meninas Malvadas, A pequena bailarina e Contos de Terror Selecionados. Se autodefine apenas como uma contadora de histórias carioca. Estudou Belas Artes, Psicologia e foi comissária de bordo. Gosta de retratar a realidade, dedicando-se a textos fortes que chegam a chocar pelos detalhes, funcionando como um eficiente panorama da sociedade em que vivemos.
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s Guilherme Rodrigue Estudante de Letras na ado Universidade do Sagr de Coração, em Bauru, on tre Nu . sempre morou guas, grande paixão por Lín , Literatura e Lingüística ca áreas em que se dedi . cada vez mais
Joaquim Bispo Ex-técnico de televisão, xadrezista e pintor amador, licenciado recente em História da Arte, experimenta agora o prazer da escrita, em Lisboa.
o Henry Alfred Bugalh a pela UFPR, com É formado em Filosofi ra e pecialista em Literatu ênfase em Estética. Es as atro romances e de du História. Autor de qu . coletâneas de contos Nova York, com sua Mora, atualmente, em sua cachorrinha. esposa Denise e Bia, .com
henrybugalho@gmail
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Marcia Szajnbok Médica formada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, trabalha como psiquiatra e psicanalista. Apaixonada por literatura e línguas estrangeiras, lê sempre que pode e brinca de escrever de vez em quando. Paulistana convicta, lo. vive desde sempre em São Pau
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José Espírito Santo Informático com licenciatura e pós graduação na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, trabalha há largos anos em formação e consultoria, sendo especialista em Bases de Dados, Sistemas de Gestão Transaccional e Middleware de “Messaging”. A paixão pela escrita surgiu recentemente, tendo no ano de 2007 produzido os livros “Esboços” (contos) e “Onde termina esta praia” (poesia). Vive com a família em Port ugal em Alverca, uma pequena cidade um pouco a norte de Lisboa.
r Deves Maristela Scheue pequena ciGaúcha nascida na eçou a sonhar dade de Pirapó, com logo aprendeu em ser escritora tão ipalmente, cona ler. Escreve, princ suspense 110 SAMIZDAT fevereiro 2009 s gêneros mistério, tosdeno s. 110 ônica e terror, além de cr
[email protected] http://www.riodeescrita.blogspot.com /
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Caio Rudá hoje Bahiano do interior, Psicoda tu Es mora na capital. deral Fe logia na Universidade dia da Bahia e espera um o. Enentender o ser human e, vai tec on ac quanto isso não fidi co escrevendo a vida, de ên ist cia. cando o enigma da ex do, prêNão tem livro publica e sequer mio, reconhecimento Mas a. duas décadas de vid tencial como consolo, um po . asseverado pela mãe
Pedro Faria Estuda Matemática na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, músico amador e escritor quando dá na telha. Nascido e criado no Rio.
[email protected] http://civilizadoselvagem.blogspot.com/
Maria de Fátima Santos Nasceu em Lagos, Algarve, mas tem Angola, onde viveu a adolescência, como a sua mãe-terra. Licenciada em Física tem sido professora de Física e Química. Com poemas em vários livros, em co-autoria, é às pequenas histórias, que lhe voam no teclado, que chama “meus contos”. O blog Repensando (www.intervalos. blogspot.com ) tem sido seu parceiro e motivador na escrita dos últimos anos. Escreve pelo gosto de deixar que as palavras vão fazendo vida. Escreve pelo gozo.
Volmar Camargo Junior é gaúcho. Formado em Letras pela Universidade de Cruz Alta, não leciona por sua própria vontade. Entrou na ECT em 2004, e desde então já morou em meia dúzia de “Pereirópolis” pelo Rio Grande. Atualmente vive com a esposa Natascha em Canela, na Serra Gaúcha. Dividem o apartamento com Marie, uma gata voluntariosa e cínica.
[email protected] http://recantodasletras.uol.com.br/autores/vcj Zulmar Lopes Zulmar Lopes é carioca. Forma do em jornalismo pela Universidade Gama Filho, trabalha como assessor de imprensa. Alm a provinciana e coração suburbano, encontra-s e provisoriamente exilado na cosmopolita Copac abana, bairro fonte de inspiração de personage ns e situações que compõem seus con www.revistaamizdat.com 111 tos. Escreve para fugir do marasmo.
Também nesta edição, textos de
Caio Rudá
José Espírito Santo
Carlos Alberto Barros
Marcia Szajnbok
Dênis Moura
Maria de Fátima Santos
Giselle Natsu Sato
Maristela Scheuer Deves
Guilherme Rodrigues
Pedro Faria
Henry Alfred Bugalho
Volmar Camargo Junior
Joaquim Bispo
Zulmar Lopes
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