N.C N.Cha ham m.
370.9032
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Autor: Autor : Nunes. Nunes . Rui Rui Afonso Afo nso rln Costa Cos ta 1928 1928 Título: Historia da educação no século XVII 00048539 5124
sistema de ensino do sécu!^ tamente humanista, foi herdat i várias e profun )o da educação prática e na educacionais. Neste dor fatos mais importantes fors icia moderna, do método e> iiata repercussão no curríc almente, a constituição tífica, a começar pela ort b campo da educação prática, taláveis foram a promoção da ed iteresse peia formação feminil }ua pátria. O autor, com a si ibe inserir o exame dessas inel do Grande Século, propt visão sintética, elegante slizações educacionais.
tora Pedagógica e Ui USP tora da Universidade
no
N.C N.Cha ham m.
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Autor: Autor : Nunes. Nunes . Rui Rui Afonso Afo nso rln Costa Cos ta 1928 1928 Título: Historia da educação no século XVII 00048539 5124
sistema de ensino do sécu!^ tamente humanista, foi herdat i várias e profun )o da educação prática e na educacionais. Neste dor fatos mais importantes fors icia moderna, do método e> iiata repercussão no curríc almente, a constituição tífica, a começar pela ort b campo da educação prática, taláveis foram a promoção da ed iteresse peia formação feminil }ua pátria. O autor, com a si ibe inserir o exame dessas inel do Grande Século, propt visão sintética, elegante slizações educacionais.
tora Pedagógica e Ui USP tora da Universidade
no
História da Educação no Século XVII
Obra publicada com a colaboração da
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Reitor:
Prof. Dr. Waldyr Muniz Oliva
EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Presidente:
Prof. Dr. Mário Guimarães Ferri
Comissão Editorial: Prof. Dr. Mário Guimarães Ferri (Instituto de Biociências). Membros: Prof. Dr. Antonio Brito da Cunha Cun ha (Inst (In stitu ituto to de Biociências Biociências), ), Prof. Prof. Dr. Carlos da Silva Lacaz Lacaz (Faculdade (Facu ldade de Medicina Medic ina), ), Prof. Prof. Dr. Pérs Pérsio io de Souza Santos (Escola Politécnica) e Prof. Dr. Roque Spencer Spence r Macie Ma ciell de Barros Barros (Faculdade (Faculd ade de Educação).
Presidente:
Sobre o autor: Nasce Na sceu u em Soroca Sor ocaba, ba, em 1928. Bacha Bac harel rel e Licencia Lice nciado do em Filosofia, Filoso fia, Doutor em Educação e Livre-Docente de Filosofia e História da Edu cação pela Uniyersidade de São Paulo. Prof. Adjunto de Filosofia da Educação da Faculdade de Educação da USP. Livros publicados: A Formaç For mação ão Intele In telectu ctual al segundo segu ndo Gilberto Gilb erto de Tournai. Tourn ai. São Paulo: MEC/INEP, 1970. Gênese, Significado e Ensino da Filosofia no Sé culo XII. São Paulo: Grijalbo/EDUSP, 1974. A Idéia Idé ia de Verdade Ver dade e São Paulo: Paulo : Editora Ed itora Convivium, Convivium, 1978. História a Educação. São Histó ria da Educa Ed uca ção na Antiguidade Cristã. São Paulo: EPU/EDUSP, 1978. História da Educação na Idade Média. São Paulo: EPU/EDUSP, 1979. Histó His tó ria da Educação no Renascimento. São Paulo: EPU/EDUSP, 1980.
CIP — Brasil. Catalogação-na-Fonte Câmara Brasileira do Livro, SP
N928h N92 8h
Nunes, Rui Afonso da Costa, 1928História História da educação educação no século XVII / Ruy Afonso da Costa Nunes. — São Paulo : EPU : Ed. da Universidade de São Paulo, 1981. Bibliografia. 1. Educação - História - Século 17 I. Título.
81-1093 Índice para catálogo sistemático: 1. Século Séc ulo 17 : Ed Educa ucação ção : História Histó ria 370.9 37 0.903 0322
CDD-370.9032
Ruy Afonso da Costa Nunes Professor de Filosofia e História da Educação na Faculdade de Educação da USP
História da Educação no Século XVII
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E.P.U. E.P .U. — Editora Editora Pedagógica e Universi Universitári tária a Ltda Ltda.. EDUS ED USP P — Editora Editora da Universi Universidade dade de São São Paulo São Paulo
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Código 3026 ® E.P.U . — Editora Pedagógica e Universitária Ltda., São Paulo, 1981. Todos os direitos reservados. A reprodução desta obra, no todo ou em parte, por qualquer meio, sem autorização expressa da Editora, sujeitará o infrator, nos termos da Lei n? 6.895, de 17.12.1980, às penalidades previstas nos artigos 184 e 186 do Código Penal, a saber: reclusão de um a quadro anos e multa de Cr$ 10.000,00 a Cr$ 50.000,00. E.P.U . — Praça Dom José Gaspar, 106 — 3.° andar —• Caixa Postal 7509 — 01.000 São Paulo, Brasil Tel. (0 1 1 ) 259-9222 Impresso no Brasil Printed in Brazil
Sumário
Introdução
. . . ........................ ..................... ,. . . .......... .. ............
1
Cap. I
— A Europa no século X V I I ...................................
3
Cap. II
— Cosmorama educacional do século X V I I ...........
17
Cap. III
— A didática no século X V I I ...................................
35
Cap. IV
— A tradição escolar no século XVII ...................
51
Cap. V
— Os ora toria no s ........................................................
63
Cap. VI
— Port-Royal e a educação .....................................
77
Cap. VII — A pedagogia de L o c k e ....................................... ^
87
Cap. VIII — Francke e o Pietismo ...........................................
95
Cap. IX
— Tipos de educação no século XVII ...................
99
Cap. X
— As congregações docentes femininas .................
119
Cap. XI
— Os modelos pedagógicos do século X V I I ...........
133
Cap. XII
— Os Irmãos das Escolas C ris tã s ............................
141
.....................................................................................
153
Bibliografia
Índice onomástico .......................................................................
163
Índice analítico .................................................................................
173
IX
Introdução
De regra, pode tratar-se das idéias e dos fatos educacionais de modo direto, sem referência necessária aos acontecimentos da época, como ocorre na maior parte dos livros de História da Educação, supostos os conhecimentos mínimos de História Geral por parte de quem se devota aos estudos pedagógicos, respeitada a divisão do trabalho inte lectual, qüe recolhe em diferentes disciplinas a consideração de múl tiplos aspectos de certas sociedades em dada época, e atendendo-se à imperiosa exigência da economia de tempo da parte de quem escreve ou da economia do espaço imposta pelo interesse comercial das editoras. Sem embargo disso, pareceu-nos válido e proveitoso começar este livro por um capítulo consagrado à apresentação panorâ mica do século XVII, a fim de bem situar a floração das idéias peda gógicas e a germinação de certas instituições educacionais numa época de profunda perturbação política e de crise da consciência européia, como a descreveu tão bem Paul Hazard em sua conhecida obra La Crise de la Conscience Européenne. Acresce que, por via de regra, os nossos estudantes não formam idéia adequada do perfil histórico do século XVII nem sabem dar o devido relevo aos acidentes políticos, à gênese da ciência moderna, à constituição de nova filosofia, à res tauração religiosa da França, fatos de capital importância para a compreensão exata dos eventos educacionais e para a avaliação do seu lídimo significado e alcance. No século XVII, assim nos parece, dois aspectos essenciais da edu cação merecem especial relevo. Primeiramente, o aparecimento do esboço da pedagogia científica que só poderá constituir-se, com efeito, após a formação das ciências humanas, no século XIX, já que estas disciplinas são os seus suportes imprescindíveis. Data do século XVII a clara consciência da necessidade da didática cientificamente embasada, e nesse empenho se percebe a transposição para o ambiente escolar das preocupações metodológicas dos cientistas nas suas ativi dades de campo ou de laboratório. Ademais, com o progresso das ciências experimentais e das matemáticas, essas disciplinas novas pre cisavam ser integradas no currículo escolar, que era então predomi nantemente humanístico ou literário.
1
O segundo aspecto essencial da educação no século XVII foi a deci dida manifestação de interesse pela educação popular por obra das instituições religiosas, dentre as quais avulta a congregação docente dos Irmãos das Escolas Cristãs ou Lassalistas, fundada por São João Batista de La Salle, ao lado de outras iniciativas católicas e protes tantes em vários países. Ora, esses fatos ocorreram em determinadas regiões da Europa no contexto de importantes eventos culturais, como o surgimento da ciência experimental, a renovação do pensamento filosófico e a restauração religiosa na França, após intenso período de guerras de religião. Cumpre, ainda, lembrar que fazemos questão de dar ênfase aos aspec tos educacionais do século XVII que mais influenciaram os países latinos e que mais interessam à nossa própria história cultural. Certos livros concentram o significado educacional do século XVII na figura de Comênio, que foi, sem dúvida, um pedagogo importante, mas cujas idéias só vieram a despertar interesse no século XX, devendo ressaltar-se que a sua atuação histórica conteve-se no âmbito das nações protestantes, sem ter tido na época ressonância alguma nos países católicos. Por isso, damos a Comênio apenas um lugar e uma referência entre tantos outros pedagogos que merecem igualmente, e até mesmo ainda mais, atenção e realce.
2
Capítulo I A Europa no século XVII
O fato político mais saliente na centúria seiscentista foi o apogeu do absolutismo monárquico, máxime na França de Luís XIV, com a sua atenuação ou contraparte na Revolução Inglesa de 1688, que reco nheceu a soberania do povo. O panorama geral da Europa, no entanto, era o de um vasto campo de agramante. Lutava-se na Europa inteira, e os homens eram tangidos pela ambição das riquezas, pela vontade de poder, pela avareza e pelo ódio religioso, o que parece absurdo, pois o Cristianismo professa o amor de Deus e do próximo, condena a vingança e a pena de talião. Itália
As repúblicas e os principados italianos haviam sido nos séculos ante riores as sedes e as forças propulsoras do progresso econômico, assim como o berço e o florão do renascimento das letras, das artes e das ciências. No século XVII, a Itália inteira acomodou-se a uma espécie de nova ordem feudal, onde os nobres e os burgueses trataram de desfrutar os benesses da existência, após os êxtases culturais e os heróicos furores das centúrias antecedentes. O absolutismo dos sobe ranos espanhóis estendeu a sua comprida sombra através da península. As cidades de Veneza, Gênova e Pisa, tradicionais baluartes do co mércio marítimo, começaram a declinar de modo irreversível, e a terra italiana continuou a ser cobiçada e atacada pelas hostes do impé rio germânico, congeminado com a monarquia espanhola, e da realeza francesa. Os estados principais da Itália eram os ducados de Milão, Sabóia, Parma e Piacenza, Ferrara; Módena Mântua, Reggio, Toscana, os reinos de Nápoles, Sicília, .Sardenha, o Estado dos Presídios sob o domínio da Espanha, as repúblicas de Veneza, Gênova e o Estado Pontifício. No século XVII esses estados continuaram a viver em constantes conflitos. Portugal
No fim de 1580, o Duque de Alba conquistou Portugal para a Espa3
nha, e as duas nações passaram a constituir, sob Felipe II, a União Ibérica. Portugal recebeu benefícios administrativos sob o regime es panhol e gozou de paz e ordem internas, embora os inimigos da Espanha, holandeses e ingleses, lhe atacassem e conquistassem as colônias. A partir de 1620, principalmente, começou a periclitar a União Ibérica, decido à redução do tráfego português entre Portugal e a Índia, à perda do monopólio comercial, ao declínio do tráfico atlântico, à. queda dos preços — por exemplo, do trigo, do azeite e do carvão —, à crescente pobreza das classes mais humildes, ao au mento dos impostos e à crise econômica do Império Espanhol. Re bentaram motins populares através da Europa e, particularmente, em Portugal, em Évora e no Algarve. Graças à revolta da Catalunha em junho de 1640, Portugal pôde readquirir a sua independência a l.° de dezembro desse mesmo ano, e o Duque de Bragança, D. João, foi aclamado rei, como D. João IV. A guerra da restauração entre Por tugal e Espanha perdurou até a assinatura do tratado de paz em 1668, celebrado com a intervenção diplomática da Inglaterra. Províncias Unidas
Um dos acontecimentos políticos mais notáveis do século XVII foi a organização da República das Províncias Unidas, num território de 25.000 km2, com 1.500.000 habitantes à roda de 1600, e com 1.850.000 à volta de 1650. Cada Província tinha a sua assembléia, os Estados, o seu Pensionista e o seu Governador. A Província da Holanda dominava as outras e dela saía o Grande Pensionista e o Governador Geral. A sede dos Estados-Gerais era Haia. O Governador provinha sempre da família de Orange-Nassau, a de Guilherme, o Taciturno, herói da independência. Os orangistas apoiavam o Gover nador Geral, e os republicanos sustentavam o Grande Pensionista. Na metade do século XVII, destacaram-se os governos de João de Witt, Grande Pensionista, e o de Guilherme de Orange. No fim do século XVI, juntamente com a decadência comercial da Alemanha, avultava a prosperidade econômica da Espanha e de Portugal mas, desde 1600, os holandeses passaram a dominar os mares, e a Holanda tornou-se o país mais rico da Europa com a pesca do arenque, a produção abundante de queijos, legumes, flores, veludos, tecidos, faianças, ta baco e açúcar. No comércio internacional, os holandeses empregavam 10.000 navios e 168.000 marinheiros e, além de manterem feitorias em todas as partes do mundo, organizaram as Grandes Companhias: a Companhia Holandesa das Índias Orientais, fundada em 1602; a Companhia das Índias Ocidentais, em 1621; a Companhia do Norte e a Companhia do Levante. O Banco de Amsterdã foi estabelecido 4
em 1609. Depois de 1619, os holandeses procuraram instaurar a po lítica da tolerância. Intelectuais incompreendidos procuravam refúgio nas Províncias Unidas, como nos casos do filósofo francês René Descartes e do filósofo inglês John Locke. Além de ter sido a terra do cultivo das ciências, a Holanda celebrizou-se pelos seus pintores paisagistas e retratistas, como Rembrandt, Franz Hals, Ruysdael, Vermeer e Hooch. Alemanha
No fim do século XVI, já se manifestara a decadência da Alemanha — que, então, formava um conglomerado de pequenos Estados — em conseqüência das lutas religiosas e da ruína econômica das ci dades hanseáticas do Reno e do Danúbio, que se ressentiam com o tráfico do Atlântico e com o afluxo dos metais preciosos provenientes das Américas, enquanto os países escandinavos — Noruega, Dina marca e Suécia — prosperavam e estabeleciam intercâmbio com as nações ocidentais, e a Rússia se enredava em perturbações, após o período de expansão sob o reinado de Ivã IV, o Terrível (1 533-1584). Durante o século XVII, aumentaram as calamidades na Alemanha, com a infausta Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), em que mor reram mais de 10 milhões de pessoas, e que deixou o triste saldo da miséria resultante das destruições bélicas e das pilhagens cometidas pelos mercenários, uma das maiores pragas da época. Depois da Paz dos Pireneus, de 1659, terminou a preponderância espanhola na Eu ropa, que passou a ser substituída pela hegemonia da França de Luís XIV. Inglaterra
Após a morte de Isabel em 1603, Jaime 1 e Carlos 1 procuraram estabelecer o absolutismo monárquico. Carlos I acabou decapitado, aos 30 de janeiro de 1649, enquanto a Inglaterra passava a ser domi nada por Olivério Cromwell, que derrotou a Irlanda e a Escócia, promulgou o Ato de Navegação, em 1651, a fim de proteger o comér cio feito pelos ingleses, guerreou contra os holandeses e se tornou ditador, com o título de Lorde Protetor, em 1653. Vieram, depois, as lutas entre Carlos II e o Parlamento. Este votou em 1673 o intole rante Bill of Test, que impedia os católicos de exercerem cargos pú blicos. Formaram-se os partidos dos Tories, favoráveis ao poder real, e o dos Whigs, que defendiam a superioridade do Parlamento. Em 1688 a coroa inglesa foi confiada a Guilherme de Orange, Estatuder das Províncias Unidas. O Parlamento votou a Declaração dos Direitos em 1689 e o Ato do Estabelecimento, que vedou definitivamente o 5
governo aos candidatos católicos. Em 1707, o Ato de União ratificou a união política da Inglaterra com a ' Escócia e, com Jorge I, em 1714, começou a dinastia que governa ainda hoje a Inglaterra. Con vém assinalar que, no século XVII, se deu a expansão do comércio inglês, que decuplicou as suas transações com outros países de 1610 a 1640. Os nobres, britânicos passaram a adotar os hábitos e a menta lidade dos burgueses, cuja concepção de vida foi alentada pelo puritanismo, com a crença de que o êxito nos negócios é sinal das bênçãos divinas e de que a pobreza e a miséria são castigo dos pecados. Desse modo, o puritanismo, de inspiração calvinista, exacerbou o individua lismo burguês e contribuiu para tornar os homens ainda mais egoístas, perversos e insensíveis, e foi sob tal signo que principiaram a grande era industrial moderna e o capitalismo selvagem. Espanha
Com os imperadores Carlos V e Felipe II, a Espanha foi a maior potência da Europa, com amplo domínio no continente e nas colônias do ultramar. A sua pujança cultural, com fecundas criações nos cam pos da filosofia, da teologia, das letras, das artes e da educação, sobressaiu juntamente com a irradiação espiritual e a preeminência política. No século XVII, todavia, principiou a desagregação do vasto império espanhol e se fez notar a decadência da civilização. Como observa Bustamante, “o ano de 1598 marca um momento transcen dental na História da Espanha. Significa a transição do regime perso nalista, encarnado em Filipe II, para o do favoritismo, que caracteriza a época de Filipe III”'. O favorito de Filipe III foi o Duque de Lerma, Don Francisco Gómez de Sandoval y Borja. A corrupção instalou-se na administração pública, e a venalidade imperou no seio do funcionalismo. Um dos fatos mais salientes no início do século XVII foi a expulsão dos mouros de Valença em 1609 e, mais tarde, da Andaluzia, Múrcia, Aragão, Catalunha e Castela, fato prejudicial à agricultura espanhola. O Duque de Lerma foi alijado do poder em 1618, e com Felipe IV (1621-1665) elevou-se outro valido, o CondeDuque de Olivares. Nesse reinado assinalaram-se dois acontecimentos: a sublevação dos camponeses da Catalunha, aos 7 de junho de 1640, devido aos noVos impostos e à permanência no seu território das tropas de Castela e da Itália, e a revolução portuguesa que estalou em Lisboa a l.° de dezembro de 1640, com a proclamação como rei do 8.° Duque de Bragança, que se chamou D. João IV. A indepen dência portuguesa foi reconhecida em 1668 por Carlos II (1665'C. Perez Bustamante, Compendio de Historia de Espana, pág. 275.
6
1700), em cujo reinado se destacou, como Conselheiro do Estado e Inquisidor Geral, o jesuíta alemão Everardo Nithard, confessor da rainha. No fim do século XVII, os domínios da Espanha na Europa compreendiam os vice-reinos de Nápoles, Sicília e Sardenha, o govei.io militar do território de Milão, os Países Baixos (Flandres), as cidades costeiras de Toscana e, fora da Europa, as colônias do Novo Mundo. A corrupção administrativa e a fraqueza dos reis concorreu para a decadência da nobreza, que foi ressaltada no livro da Condessa de Aranda, Lágrimas de la Nobleza (1639). Nesse período a atividade literária conservou-se intensa, e os letrados, fidalgos ou burgueses, procedentes das universidades, constituíram verdadeira classe social, devido ao desenvolvimento da burocracia. O clero numeroso contava, segundo informações da época, com 200.000 membros, e a beneficên cia pública e a assistência social corriam por sua conta. A derrocada econômica espanhola começou no século XVII, com a ascensão co mercial dos holandeses e dos ingleses e com os atos de pirataria pra ticados por corsários da Inglaterra e da França. Sem embargo disso, a Espanha continuou a ser durante o século XVII uma das principais potências européias. A partir do século XVIII começou a difundir-se a seu respeito a lenda negra, com o evidente propósito de lhe denegrir a fama, de lhe deslustrar os feitos e a grandeza com mentiras e calú nias, como o demonstra o livro famoso de Julián Juderías, La Leyenda Negra, a respeito do conceito da Espanha no estrangeiro. França
Indubitavelmente, a nação mais gloriosa do século XVII foi a França, que se projetou de modo notabilíssimo na política européia e influen ciou o mundo com o esplendor da civilização, com a restauração da vida católica, com os seus sábios, filósofos, letrados e artistas. Assina lemos apenas os traços mais importantes dessa história da nação francesa. Durante a regência de Maria de Médicis, o Marechal de França e Marquês de Ancre, Concini, introduziu no Conselho do Rei o bispo de Luçon, Richelieu, que se tornou o maior estadista da época e pode roso ministro de Luís XIII. Richelieu enfrentou de modo decidido e corajoso os nobres ambiciosos, as intrigas palacianas; proibiu os duelos, morigerou a administração, reforçou a centralização monárquica, res taurou o exército e a marinha, aumentou as fortificações, favoreceu a Gazette de France, jornal criado em 1631 por Teofrasto Renaudot, fundou a Academia Francesa em 1635, estimulou as companhias de 7
comércio e as empresas de colonização. Montreal, no Canadá, foi fundada em 1642, e os franceses instalaram-se nas Antilhas (Guada lupe, Martinica) e na África (Senegal e Madagascar). O sucessor de Richelieu foi o italiano Cardeal Mazarino, que seu viu às voltas com a revolução da Fronda e abandonou a França em janeiro de 1651, deixando-a entre as tenazes da anarquia e de grave crise econômica e social. Luís XJV, então, ajudado por Turenne, entrou em Paris e restabeleceu o governo da monarquia absoluta e, sem ter primeiroministro, escolheu os seus colaboradores na classé da burguesia. O rei passou a contar com hábeis e ilustres auxiliares como Jean-Baptiste Colbert, ministro das finanças; o Marquês de Louvois, ministro da guerra, e Sebastião Le Prestre de Vauban, desenhista e matemático, construtor de notáveis fortificações, pois edificou ou fez reconstruir 160 praças fortes, além dos portos militares de Brest e Toulon. Vauban realizou, também, trabalhos administrativos e, enquanto Colbert one rava os camponeses, as províncias e as cidades com impostos escorchantes de que eram isentos a nobreza e o clero, ele propôs o imposto único para todos os súditos do rei na sua obra Dízimo Real, impressa em 1707 mas logo apreendida pelos esbirros, como era de se esperar. No século XVII a sociedade francesa baseava-se em profunda desi gualdade social. À volta de 1700, a população chegara à roda de 19 milhões de habitantes, após as epidemias de peste de 1628 a 1636, a guerra civil da Fronda de 1650 a 1651 e a crise de 1661-1662. O grosso da população vivia no campo, 80% ao que se calcula, e oprimidos pelos impostos excessivos, os camponeses sublevaram-se várias vezes, principalmente em 1633-1638, na revolta dos Torrados, Croquants, e em 1639, na dos Caminhantes Descalços, Va-nu-pieds, da Normandia. No início do século, as cidades mantinham-se do mesmo jeito que na Idade Média, com as suas vielas estreitas, a higiene lamentável; multidões de mendigos, gatunos e rufiões a circularem pelas ruas ba rulhentas e obstruídas por carroças e carruagens, enquanto os nobres e os burgueses compravam ou construíam casas no campo. Durante o século XVII, a cidade de Paris, imitada pelas outras, foi embelezada com praças, fontes, palacetes, igrejas e torres, e a ronda policial foi regulamentada em 1688. A nobreza compreendia os segmentos dos nobres de espada, que abocanhavam os cargos da corte, do exército, do clero e do governo das províncias; os fidalgos provincianos, nobres arruinados que viviam de pensões; e os novos nobres togados, bur gueses, médicos ou juristas, que compravam terras e funções heredi tárias nos parlamentos e tribunais. Outros burgueses ricos, comer ciantes e financistas, conseguiam também comprar títulos de nobreza. 8
O fato mais notável do século XVII na França foi o Renascimento Católico, pois só então os decretos do Concílio de Trento começaram a ser aplicados, o que não acontecera antes devido às guerras de reli gião. Essa restauração da vida católica começou após a morte de Henrique IV. O Rei Luís XIII colocou o seu reino sob a proteção da \ irgem Maria, e os nobres protestantes começaram a converter-se espontaneamente, embora mais tarde, sob Luís XIV, fossem ocorrer conversões à força, sob coerção. A renovação católica francesa do século XVII influenciou a Europa e o mundo, e o seu influxo ainda hoje perdura, já que persistem, por exemplo, muitas instituições reli giosas surgidas nessa centúria. Promoveu-se a reforma das ordens religiosas, pois muitas haviam descido a lastimável estado de degra dação, de modo que abades mundanos não cuidavam da vida regular dos seus mosteiros, onde os monges só se preocupavam com dinheiro, comilança, divertimentos e prazeres. O clero secular, por sua vez, também deixava muito a desejar, pois entre os seus membros mais afortunados campeava o mundanismo e a indiferença pela vida espi ritual do povo cristão, enquanto os padres do campo eram dominados pela ignorância e pela preguiça. Ao sopro renovador do Espírito, sur giram missionários ardorosos que percorriam as cidades e as aldeias a reavivar o espírito religioso e a discutir com os pastores protestantes, no afã intenso de salvaguardar o tesouro da fé católica. Organizaramse, outrossim, novas Congregações, como o Oratório do Cardeal De Bérulle, os Sulpicianos de Jean-Jacques Olier, a Congregação de Jesus e de Maria ou os Eudistas de São João Eudes, os Lazaristas de São Vicente de Paulo, e todas elas se dedicaram à formação do clero em seminários, à instrução da juventude, à assistência espiritual do povo. Notabilizaram-se os Lazaristas nas obras de misericórdia corporal e espi ritual e na direção de onze seminários. Aliás, São Vicente de Paulo se parou os clérigos que estudavam teologia dos adolescentes estudantes de humanidade e aspirantes ao sacerdócio, e essa iniciativa deu origem à distinção entre os seminários menores para os estudos humanísticos e os seminários maiores para os teológicos. Além das congregações citadas, nos últimos vinte anos do século XVII, os jesuítas se incumbiram de cinco seminários maiores, de modo que nunca se vira na história da Igreja tal empenho em prol da reorganização da educação do clero. A partir de 1630 começou a atuar na França a eficiente associação católica de leigos, a Companhia do Santo Sacramento, fundada pelo Duque de Ventadour junto aos capuchinhos do subúrbio de SaintHonoré. Esses leigos propunham-se levar vida devota, segundo a orientação das máximas de São Francisco de Sales, e renovar a vida católica em todas as áreas. Os seus membros colaboraram com Olier 9
e com São Vicente de Paulo. Entre eles distinguiu-se o Duque de Renty. A administração da Igreja na França passou a ser gerida se gundo os decretos do Concílio de Trento. Cuidou-se da abertura de seminários dotados de bons mestres, redigiram-se catecismos, refor maram-se as ordens religiosas dos beneditinos, premonstratenses, c<> negos regulares dè Santo Agostinho, etc., e surgiram novas ordens contemplativas, como as Visitandinas de São Francisco de Sales e de Santa Joana de Chantal, ativas como as Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo e de Santa Luísa Marillac ou mistas como a Con gregação de Notre Dame ou das Cônegas de Santo Agostinho de São Pedro Fourier e de Alix Le Clerc, etc. Muitas congregações, como ainda iremos ver noutro capítulo, dedicaram-se com afinco e proficuamente à educação da infância e da juventude. Do ponto de vista religioso, o século XVII também foi palco de acres pendências religiosas, como ocorreu com a heresia jansenista e com o problema protestante na França absolutista. O Jansenismo foi uma corrente doutrinária, um sistema teológico referente à graça e à pre destinação, cujo nome proveio do flamengo Cornelius Jansen, bispo de Ypres, falecido em 1638. Segundo São João Bosco, em sua His tória Eclesiástica, Jansênio pretendeu expor na sua obra Augustinus, publicada só em 1640, as doutrinas genuínas do santo Doutor de Hipona, mas na realidade lhes alterou o sentido e expôs a subs tância do calvinismo sob as aparências de uma doutrina estritamente católica. São João Bosco observa que Jansênio se submeteu de ante mão ao juízo da Santa Sé, e os seus sectários, que publicaram a obra, ouriçados com a sua condenação, se insubordinaram e perturbaram a vida da Igreja. Os principais representantes franceses do jansenismo foram M. du Vergier de Hauranne, de Saint-Cyran (1584-1642) e Antoine Arnauld (1612-1694). Saint-Cyran fez da abadia de Port Royal de Paris o centro irradiador da doutrina jansenista e, conforme Georges de Plinval, na Histoire lllustrée de 1’Êglise (T. II), “nesse convento de Port Royal, cerca de 1635-1636, as religiosas que pela própria vocação de seu instituto deviam se consagrar ao culto do Santíssimo Sacramento, permanecerão meses em presença da Hóstia sem poder comungar”. Do lado masculino do movimento, os leigos chamados de “solitários” de Port Royal retiraram-se no vale de Chevreuse em Port-Royal-des-Champs e abriram as “pequenas escolas”. Os jesuítas, verdadeiros paladinos da fé católica, saíram a campo e enfrentaram a nova heresia que se lhes afigurava apenas como “calvinismo recozido”. Em 1649, a Faculdade de Teologia da Sorbonne condenou cinco proposições retiradas do Augustinus, condenação que o Papa 10
Inocêncio X confirmou aos 31 de maio de 1653.* 3 Blaise Pascal entrou na liça contra os jesuítas com as suas Provinciais, escritas de 1656 a 1657, e Luís XIV destruiu inteiramente a abadia de Port-Royal-desC'hamps, destruição narrada pelo Duque de Saint-Simon em suas Me mórias* Em 1713, o Papa Clemente XI condenou novamente o janscnismo na bula Unigenitus. Constituiu-se, então, em França o partido jansenista que se ia opor ao poder real durante o século XVIII e lutar implacavelmente pela extinção dos jesuítas. O problema protestante, por sua vez, tornou-se agudo, porque os calvinistas ou huguenotes, desde o Edito de Nantes, formavam um estado dentro do Estado, com praças fortes, chefes militares e, como observa Roland Mousnier, “revoltavam-se sempre que nas lutas contra o estrangeiro o rei precisava de paz interna”4. De 1661 a 1679, Luís XIV aplicou de modo estrito o Edito de Nantes, e adotou uma política especial para com esse corpo estranho à nação. Os protestantes pas saram a ser excluídos dos cargos oficiais, e a sua conversão foi pro curada por meio da persuasão e do dinheiro. A partir de 1679, o rei mudou de procedimento e não mais respeitou o Edito de Nantes. As câmaras semi-repartidas foram suprimidas, os ’Essa primeira condenação do jansenismo foi confirmada pelo Papa Alexandre VII, a 16 de outubro de 1656, na bula A ti sanctam B. Petri Sede m, pela bula Re giminis ap ostolic i do mesmo papa, com a data de 15 de fevereiro de 1664, e trazendo um formulário para ser assinado e, por fim, pela bula de Clemen te XI, Vineam Domini Sabaoth de 16 de julho de 1705. Eis as famosas Cinco Proposições condenadas: “1) Alguns mandamentos de Deus são impossíveis de serem observados pelos homens justos, segundo as forças presentes de que dispõem, por mais que queiram e se esforcem; falta-lhes também a graça pela qual se tom em possíveis. 2) No estado de natureza decaída, não se resiste nunca à graça interior. 3 ) Para merecer o desmerecer no estado da natureza decaída não se requer no homem a liberdade de necessidade (interior), mas basta a liberdade de coação (externa). 4) Os semipelagianos admitiam a necessidade da graça preveniente interior para cada um dos atos, até mesmo para se iniciar na fé; e eram hereges, porque queriam que aquela graça fosse tal que a von tade humana pudesse lhe resistir ou lhe obedecer. 5) É semipelagiano dizer que Cristo morreu ou derramou o seu sangue por todos os homens absoluta mente”. Denzinger-Schõnmetzer, Enchiridion Sy mbo loru m Definition un Decla ralionum, 1092-1095, pág. 445; Chanoine Cristiani, L'H éresie de Por t-Roya l, pág. 119 ç seguintes. 3Após a destruição do mosteiro não ficou pedra sobre pedra: “Ensuite, on procéda à raser la maison, l’église et tous les bâtiments, comme on fait les maisons des assassins des rois, en sorte qu’enfin il n’y resta pas pierre sur pierre. Tous les matériaux furent vendus, et on laboura et sema la place; à la vérité ce ne fut pas du sel, c’est toute la grâce qu’elle reçut”. Saint-Simon, Mémoires, vol. 5, pág. 75-76. 'Roland Mousnier, Os Séculos XVI e XVII. 1. Os Progressos da Civilização Européia, pág. 194. 11
templos foram demolidos e aos protestantes foram vedadas as funções públicas e as profissões liberais. O Edito de Nantes foi revogado aos 18 de outubro de 1685, o exercício do culto protestante foi proibido e os huguenotes fugiram em massa para o estrangeiro. Essa intole rância religiosa, qua na França tinha profundos motivos políticos, foi um dos aspectos típicos da centúria seiscentista, pois os católicos na Inglaterra, por exemplo, padeceram ainda muito mais, haja vista os mártires assassinados devido à profissão de fé católica e à prática do culto, por ocasião da pretensa conjuração papista de 1678, quando foram condenados à morte 6 jesuítas e muitos católicos, depois de processos injustos e indignos. O puritanismo, exacerbado pela vitória do gênio sombrio de Cromwell, foi indizivelmente intolerante para com o catolicismo. A Irlanda foi devastada, arruinada e espoliada, e a população católica das cidades conquistadas foi trucidada sem dó nem piedade. O Bill of Test, de 1673, proibiu o acesso aos cargos públicos a quem acreditasse na Presença Real, isto é, aos católicos. De acordo com essa mentalidade, o filósofo Locke, tido por mentor do liberalismo, afirma no seu into lerante opúsculo sobre a tolerância, A Letter Concerning Toleration, que o Estado deve admitir a liberdade dos cultos, mas denegar a liber dade aos católicos e aos ateus.5 Diz Mousnier que, nos períodos do gomarismo — nome tirado do pastor Gomar, e que exprime a face mais rígida do calvinismo quanto à predestinação rigorosa — , no domínio do Príncipe de Orange, “tomam-se medidas (nas Províncias Unidas) contra os católicos, cujo culto só é tolerado em caráter indi vidual: os seus fiéis ficam proibidos de reunir-se para a missa ou para qualquer cerimônia do culto, e os padres não podem entrar no país. Além disso, concede-se licença a todo cidadão para perturbar os exercícios papistas, de dia e de noite, e instituem-se prêmios aos dela tores, penas de multa, azorrague e confisco dos bens”67 . Na tolerante Holanda, colegas do jovem Spinoza denunciaram à sinagoga as suas idéias heréticas, e os doutores da comunidade judaica excomungaram solenemente o jovem filósofo de 24 anos, aos 27 de julho de 1656/ O reinado de Luís XIV terminou de modo lastimável para a França, e a sua morte foi recebida com alívio e júbilo, conforme Saint5Locke não tem coragem de nomear expressamente os romanos ou papistas, mas descreve-os através dos preconceitos vigentes nas mentes enevoadas pelo mais denso sectarismo. Cf. A Lette r Co ncerning To leration, in Lock e, Be rkeley , Hum e (Ed. Great Books of World, vol. 35), pág. 17 e seguintes. òRoland Mousnier, Os Séculos XVI e XVII. 1. Os Progressos da Civilização Européia, pág. 296. 7Henri Sérouya, Spinoza. Sa Vie. Sa Philosophie, pág. 31-33.
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Simon.6 As dificuldades acumularam-se de 1685 até a morte do rei, cm 1715, devido às contínuas e onerosas guerras e ao completo descalabro das finanças, arruinadas ademais com a construção do pa lácio de Versalhes e com as enormes pensões pagas aos cortesãos. Levando-se em conta os múltiplos fatores culturais do século XVII, assim como a repercussão dos eventos sociais e espirituais da centúria anterior, é incontestável a afirmação de que nesse século se verificou “a crise da consciência européia”, expressão que serve de título ao famoso livro de Paul Hazard. No campo social, essa crise exprimiu-se através das contínuas guerras e das revoltas populares, como as que ocorreram na França, na Inglaterra, na Espanha, na Alemanha, etc. Aludimos a algumas das rebeliões francesas que, na verdade, abran geram de 1623 a 1675 a França inteira, e é interessante ressaltar que se trata de revoltas contra o fisco e não de lutas entre pobres e ricos. Na Inglaterra, com o avanço do individualismo burguês, os pobres rebelam-se contra o capitalismo. Além desses conflitos sociais, como a insurreição de 1607 nos Middlands contra os gentis-homens do campo, explodiu a luta entre o rei e o Parlamento e espocaram as revolu ções, que se estenderam de 1640 a 1660, de 1685 a 1688. A crise religiosa exprimiu-se na urgência da reforma católica ante a exanimação espiritual da população rural, a corrupção do clero, a decadência das ordens religiosas, as lutas entre a monarquia e os protestantes, o surgimento de heresias como o jansenismo e o quietismo, as perseguições aos católicos na Inglaterra e nos Países Baixos, as lutas da Inquisição em defesa da fé na Península Ibérica, cujas boas intenções muitas vezes se afogaram no caudal de prepotência e de injustiça, etc. No terreno do pensamento, a crise manifestou-se na oposição entre o saber tradicional e o aparecimento de novas ciências; entre o patri mônio filosófico tradicional e as novas escolas filosóficas; entre a crença na estabilidade e na inamovibilidade dos conhecimentos e a renovação científica, filosófica e literária, máxime ante o impacto das revelações propiciadas pelos descobrimentos marítimos e pelo conhe cimento da vida de povos exóticos e diferentes na Ásia e nas Américas; e, finalmente, entre a crença serena da verdade católica e as inves-8 8Luís XIV, diz Saint-Simon, só foi pranteado pelos criados íntimos e por poucas outras pessoas. Paris, farta do absolutismo, respirou na esperança de alguma liberdade e na alegria de ver terminar a autoridade de tantas pessoas que dela abusavam. As províncias respiraram e estremeceram de júbilo. Os estrangeiros ficaram encantados mas dominaram o seu gáudio, e o povo rend it grâce a Dieu, deu graças a Deus. Saint-Simon, Mém oires, T. 8, pág. 191-193.
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tidas do protestantismo iconoclasta, do ceticismo dos libertinos, do racionalismo e do materialismo. Do ponto de vista econômico, proliferaram as injustiças e as iniqüidades. Os governos lançaram sobre o povo inerme taxas extorsivas. Na França, os patrões só permitiam a ascensão profissional aos seus filhos e aos genros, reduziam as vagas para os aprendizes, encareciam os preços dos produtos de primeira qualidade, salientavam-se nas fraudes, corrompiam as bancas examinadoras, combinavam o paga mento do menor salário possível, impunham jornadas de 12 a 16 horas, diminuíam os feriados, proibiam a freqüência das tabernas, as coligações e as greves. Enfim, diz Roland Mousnier, “o século XVII é a época de uma crise que afeta o homem todo em todas as suas atividades, econômica, social, política, religiosa, científica, artística, e em todo o seu ser, no âmago de seu poder vital, da sua sensibilidade e da sua vontade. A crise é permanente, se é lícito exprimir-se assim, com violentas variações de intensidade”9. É preciso ressaltar que o século XVII foi a época da gênese da ciência moderna, com grandes avanços no campo das matemáticas e com o emprego vitorioso do método experimental que deu impulso às ciên cias da natureza, e à física de maneira especial. Na matemática, distinguiram-se Claude Mydorge com seu Tratado sobre as Cônicas (1631-1635), Gerard Desargues com seus estudos de geometria pro jetiva, o italiano Bonaventura Cavalieri, que preparou as bases do cálculo infinitesimal, com a Geometria Indivisibilium Continuorum (1635). Blaise Pascal escreveu aos 16 anos o Ensaio sobre as Cônicas e três anos depois inventou a primeira máquina de calcular. Descartes, no seu pequeno tratado de umas cem páginas, Geometria (1637), expôs os princípios da geometria analítica. Introduziu o uso dos ex poentes, explicou as raízes negativas e descobriu a análise. Newton e Leibniz inventaram o cálculo infinitesimal. Acrescentem-se a esse rol as descobertas das leis de Kepler, da mecânica de Galileu, do sistema circulatório de Harvey, da geologia de Stenon, da astronomia de New ton, dos “animálculos” de Leeuwenhoek, com o microscópio. Como diz Lenoble: “O insubstituível mérito do século XVII não é, pois, ter visto melhor um número maior de coisas do que os anteriores; mas ter encarado o mundo com novos olhos, por meio de princípios que permanecerão firmados. Daí por que podemos e devemos consi derá-lo o século iniciador da ciência moderna”10. ’Roland Mousnier, Os Séculos XVI e XVII. 1. Os Progressos da Civilização Eu ropéia, pág. 171. ,0R. Lenoble, A Rev oluçã o Cien tífica do Século XVII , in René Taton, A Ciência
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Apesar da sua notoriedade e da inteligência vivaz, Voltaire afirmou de modo desfrutável que o maior filósofo do século XVII foi Locke* “grande exemplo dessa vantagem que o nosso século teve sobre as idades mais belas da Grécia, tanto que desde Platão até ele nada existe”". De fato, o século de Luís XIV ostenta vistosa galeria filo sófica, em que figuram, além de John Locke (1632-1704), o talento superior de Descartes (1596-1650), e mais: Nicolau Malebranche (1638-1715), Baruch Spinoza (1632-1677), Godofredo Guilherme Leibniz (1646-1716), Brás Pascal (1623-1662) e Tomás Hobbes (1588-1679). Por fim, cumpre frisar que um dos traços mais expressivos da cultura seiscentista foi o cultivo do classicismo nas letras. O seu propulsor na França foi Chapelain (1595-1674), e os seus grandes representantes foram Corneille, Balzac, Pascal, Racine, Molière e Boileau. A escola preconizava o papel normativo da razão na ordenação da obra de arte, na criação da beleza e no despertar das emoções, com o fim de purificar catarticamente o homem e lhe proporcionar belas senten ças e bons exemplos. Nesse terreno, ainda, a França deu o tom na Europa.
Mod erna , 2.° volume. O Século XVII (História Geral das Ciências, T. II), pág. 10. "Voltaire, Le Siècle de Louis X IV T. II (Ed. Garnier), chap. XXXIV, pág. 143.
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Capítulo II Cosmorama educacional do século XVII
Antes de examinarmos os principais temas pedagógicos do século XVII, parece-nos de suma valia considerar vários aspectos educacio nais que, à maneira de mosaico, compõem o fundo teórico e factual em que se inscrevem os assuntos considerados neste livro. A atitude quanto à educação
Vimos de relance no capítulo anterior que no século XVII os burgue ses enriquecidos cobiçavam acima de tudo um título de nobreza para si mesmos, honraria a ser obtida a peso de ouro e a ser conseguida para as suas filhas, mediante o casamento com aristocratas pobres ou arruinados. Burgueses havia que educavam os próprios filhos nas melhores escolas, tal comõ~õs~colégios onde os filhos de ricos plebeus conviviam com os descendentes das-mais nobres fa mílias. Estes jovens burgueses viam-se desse modo igualados cultural mente aos nobres, aos quais muitas vezes superavam peía capacidade intelectual ou pelos dotes artísticos. Isso mostra que, para os burgue ses, o valor social e cultural da educação era insubstituível, e foi esse preparo intelectual que permitiu ao Rei Luís XIV contar com mi nistros e servidores fiéis e competentes à frente dos negócios do Estado e nos postos mais salientes da administração pública. Havia, contudo, certos burgueses que não puderam gozar na juventude das vantagens da boa educação num colégio e que, desejosos de imitar o estilo de vida aristocrática antes mesmo de comprarem um título de nobreza, procuravam a todo o custo instruir-se e adquirir maneiras distintas. Tal é o caso tratado por Molière em sua comédia O Burguês Fidalgo, na qual ele ridiculariza o ingêauo-e oapalvo senhor Jòfdaõ, que pa: gava a bom preço as aulas dos mestres de dança, de. música, de esgrima e de filosofia. É para notar que o próprio Molière, que tanto zombou dos novos ricos macaqueadores da nobreza, não era aristocrata, mas cursara humanidades e filosofia com os jesuítas do colégio de Clermont, mais tarde colégio Luís, o Grande, assim como direito na fa culdade de Orléans. E no entanto esse burguês genial fez as delícias 17