A Ilustre Casa de Ramires - E ça de Queiros Introdu ção A Ilustre Casa de Ramires é um romance baseado no cruzamento de duas narrativas. A primeira consiste na trajet ória de um fidalgo portugu ês (Gonçalo Mendes Ramires) cujo destino se confunde com o de Portugal. A segunda é uma novela que narra um epis ódio heróico da vida de um de seus antepassados: Tructesindo Ramires. Resumo O Romance de Gon çalo Ramires Gonçalo Mendes Ramires retorna - ap ós a conclus ão do curso de Direito em Coimbra e após uma breve estadia em Lisboa - para suas terras no interior de Portugal, pr óximas à cidade de Oliveira e à Vila Clara. A í reencontra a mesma monotonia provinciana de anos atrás. Sua irmã, Graça Ramires, est á casada com o rico e simpl ório José Barrolo, chamado pelos colegas de bacoco, num claro deboche de sua simplicidade de parvo . Os seus bons e insepar áveis companheiros, Tit ó (Antônio Villalobos), Jo ão Gouveia (Administrador da aldeia de Vila Clara) e o m úsico Videirinha - que h á muito vem escrevendo um fado, ajudado pelo padre Soeiro, sobre os feitos her óicos da ilustre casa de Ramires - continuam os mesmos. E os criados da casa, Rosa e Bento est ão a levar a vida de sempre. Acima de tudo, o oprime a mediocridade da vida provinciana e a necessidade imperativa de se impor na vida pol ítica nacional, o que lhe parece ser a ú nica saída possível para a sua condi ção de fidalgo deca ído. Dentro deste esp írito e incitado por um amigo, o Jos é Castanheiro (editor de uma revista a ser lançada em breve e chamada Anais de Literatura e de Hist ória), ele resolve escrever uma novela (A Torre de D. Ramires) sobre um velho e ilustre antepassado: Tructesindo Ramires. Assim, tendo como cen ário os restos da antiga fortifica ção medieval erguida por seus remot íssimos avós, e que se encontram na sua Quinta de Santa Irin éia, ele se põe a recontar a história de sua casa e de Portugal. Da fortifica ção resta, na verdade, apenas os escombros da velha torre, como do glorioso passado portugu ês resta apenas a recorda ção . Para tal fim Gon çalo lança m ão um poema j á escrito por um tio materno, que ele - com ajuda de outros livros de inspira ção medieval (Alexandre Herculano e Walter Scott) -vai vertendo para uma prosa na maioria das vezes banal. No entanto, a tarefa n ão é f ácil e muitas vezes se torna estafante. Paralelamente à escritura da novela, ele se envolve com as atividades do cotidiano, que passam pela administração da quinta, e é obrigado a enfrentar situa ções que demonstram a fraqueza de seu car áter. A mais marcante se d á quando ele se v ê obrigado a arrendar a quinta para um lavrador conhecido como Jos é Casco, e empenha sua palavra no neg ócio. Porém, logo em seguida um outro lavrador melhor qualificado, o Manuel Pereira , lhe oferece uma quantia maior pelo mesmo direito de arrendamento, e Gon çalo aceita a segunda proposta se esquecendo da palavra j á empenhada ao Casco. Aliás este epis ódio coincide narrativamente com um momento no qual Gon çalo conta os
feitos heróicos de seu long ínquo antepassado Tructesindo, que justamente entra num combate para n ão recuar da palavra empenhada. Aqui E ça de Queir ós, através de uma ironia fina, demonstra o car áter frágil desta aristocracia incapaz de dar continuidade à grandeza do passado portugu ês. Porém, lentamente Gon çalo caminhar caminhar á para a redescoberta destes valores her óicos de seu passado, alterando sua trajet ória pessoal. A transforma transforma ção de Gon çalo pode ser interpretada como um s ímbolo do destino Portugu ês, e traz elementos t ípicos do romance de forma ção. Outro fato tamb ém o desagrada sumamente: o sucesso pol ítico de Andr é Cavaleiro, outrora seu grande amigo, e "namorado" de sua irm ã . Gonçalo nutre por ele um ó dio que se manifesta publicamente por meio de coment ários violentos envolvendo via de regra a bigodeira do Cavaleiro. Este, por sua vez, ocupa agora o lugar de Governador Civil de Oliveira, cargo antes exercido pelo falecido pai de Gon çalo. A ruptura, sem nenhuma justificativa, justificativa, do namoro existente entre Andr é e Gracinha est á na origem desse rancor que os separa. Inesperadamente o Deputado Sanches Lucena, velho e rico propriet ário da regi ão, falece deixando toda a fortuna para a esposa D. Ana Lucena e uma cadeira vaga no parlamento. Eis a chance t ão esperada. No entanto, a indica ção para o lugar passa diretamente pela vontade do Governador Civil. Aconselhado pelo amigo Jo ão Gouveia e movido pelo interesse, ele reata sua amizade com André Cavaleiro, para assombro de toda a cidade. O que n ão se dá sem que antes ele sofra uma aguda crise de consci ência, pois tal reconcilia ção implica na aproxima ção entre o Governador e Gracinha, que ainda nutre sentimentos inconfessos pelo antigo namorado. Eis aí a sombra de um poss ível adult ério. Aliás, tema t ão caro aos romances da segunda fase de Eça de Queir ós. Com a reconcilia ção, começa a campanha de Gon çalo em dire ção ao parlamento. Por ém, em meio aos preparativos, ele surpreende um encontro furtivo entre a irm ã e o Cavaleiro. Horrorizado ele se retira para a quinta e se afasta da irm ã, do cunhado e do suposto amigo. Neste momento, Gon çalo decide retomar a sua narrativa, e passa a considerar a possibilidade de se casar com a vi úva do Lucena (agora uma mulher riqu íssima), apesar de sentir uma forte repulsa por ela. Em meio a todos estes acontecimentos, uma noite Gon çalo tem um pesadelo no qual seus remot íssimos antepassados lhe depositam no colo suas armas e o incitam a seguir-lhes o caminho da bravura. Na manh ã que sucede a este pesadelo, Gon çalo resolve sair a cavalo e reencontra reencontra acidentalmente acidentalmente um campon ês (o valent ão Ernesto de Nacejas) que j á o havia destratado duas vezes, sem que o fidalgo houvesse esbo çado a menor rea ção de revidar as ofensas sofridas, tal era o seu grau de covardia diante dos perigos da vida. Nesta manh ã, inexplicavelmente, inexplicavelmente, Gon çalo sente-se tomado de uma energia e de uma coragem que at é ent ão lhe eram desconhecidas: ele enfrenta o inimigo com viol ência, ao ponto de quase desfigurar-lhe a face com um chicote. Depois da luta ele retorna à quinta, e para sua surpresa reencontra a irm ã e o cunhado. Neste mesmo dia, ao conversar com cunhado, Gon çalo descobre que o Cavaleiro estava ausente de Oliveira h á algum tempo. E, portanto, afastado de Gra çinha. Reconciliado Reconciliado parcialmente com a pr ópria consci ência, ele retoma sua campanha pol ítica. Lentamente Gon çalo vai descobrindo a simpatia que as pessoas nutrem por sua pessoa e por sua nobre origem, sentimento que ele mal suspeitara at é então, e que lhe faz perceber que ele seria eleito mesmo sem a ajuda do Governador Civil. Chega o dia da elei ção e Gonçalo vence. Nesta mesma noite, ao contemplar o vale do alto
da torre iluminada, ele percebe com clareza a mesquinhez de seu car áter e de seus objetivos. Alguns meses depois, o fidalgo parte para Lisboa, assume o cargo e come ça a levar uma vida mundana, at é que inexplicavelmente desiste de tudo e viaja para a Zamb ézia na África, de onde retorna, quatro anos depois, rico e estabelecido.
A novela A Torre de D. Ramires Gonçalo Mendes Ramires, inspirado num poemeto é pico escrito por um tio e publicado num peri ódico de prov íncia (O Bardo), resolve contar os feitos her óicos de sua estirpe, em especial de Tructesindo Tructesindo Ramires. Este nobre antepassado de Gon çalo tudo sacrificou, inclusive a vida do pr óprio filho, para defender a palavra e a honra empenhada. Tructesindo Ramires, fiel vassalo e alferes-mor de D. Sancho, jurara a este rei defender a honra e vida da infanta D. Sancha. Com a morte do monarca abre-se uma luta pela sucess ão e pela afirma ção de D. Afonso II no trono de Portugal, e este se indisp õe com suas irm ãs D. Teresa e D. Sancha. A infanta busca ajuda e apoio no rei de Le ão e Castela (tradicionais inimigos da na ção portuguesa), e convoca o socorro de Tructesindo Ramires. Este atende prontamente ao apelo da infanta - consciente que lutar á ao lado de antigos inimigos - e manda seu pr óprio filho, Louren Louren ço Ramires, a frente de uma primeira for ça guerreira, enquanto ele pr óprio prepara um grupo fortemente armado que lhe seguir á. Lourenço é interceptado em meio da jornada por um grupo fortemente armado e comandado por Lopo de Bai ão, o Bastardo, que fora enviado por D. Afonso II, com ordens de impedir o avan ço das forças de Tructesindo. No entanto, por atr ás deste motivo aparente Lopo de Bai ão esconde um desejo de vingan ça pessoal, pois no passado ele havia se apaixonado por D. Violante, filha de Tructesindo, que havia lhe negado a dama em casamento. As duas forças se enfrentam duramente, Louren ço sai derrotado, e é feito prisioneiro pelo Bastardo, que em seguida marcha em dire ção ao castelo dos Ramires. Ao alcan çar as fortes muralhas, ele manda um arauto solicitar uma audi ência com Tructesindo. Tructesindo. Durante o di álogo Lopo de Bai ão tenta demover o velho guerreiro de ajudar a infanta e insiste em alcan çar a permiss ão de se unir a D. Violante. Tructesindo Ramires mostra-se irredut ível em rela ção as duas propostas, e o Bastardo degola impiedosamente Louren ço diante dos olhos do pai. Em seguida, foge com seus guerreiros. Tructesindo Tructesindo mantém-se quase imperturb ável diante da morte do filho, e sai em busca do covarde assassino. Em meio a persegui ção seu grupo chega a uma encruzilhada e o chefe guerreiro ordena que tr ês batedores encontrem a pista de Lobo de Bai ão. Com as informa ções trazidas por eles, D. Garcia Veigas, o Sabedor - amigo e companheiro fiel de Tructesindo - descobre a estrat égia de fuga do Bastardo. Eles tamb ém ficam sabendo que há pouca dist ância está D. Pedro de Castro, amigo do velho Ramires e partem em busca de abrigo em suas terras. D. Garcia elabora um plano de captura do traidor covarde. A estrat égia é colocada imediatamente em pr ática e obtém sucesso. Lopo de Bai ão cai prisioneiro das for ças de Tructesindo Tructesindo e é submetido a uma morte humilhante e doloros íssima: ele é amarado aos restos de uma ponte num lago infestado de sanguessugas que lentamente lhe consomem at é a última gota de sangue.
Interessante é observar que esta cena final, t ão adequada ao passado glorioso e guerreiro de Portugal, Portugal, apresenta apresenta tamb ém um claro vi és Naturalista pela crueza da descri ção de aspectos fisiológicos cru éis e repulsivos. A elabora ção estética da cena est á de acordo com os objetivos de Gon çalo ao escrever sua novela hist órica, pois ele desejava dar um forte colorido Realista à narrativa despindo-a das brumas rom ânticas nas quais seu tio havia envolvido a tr ágica história de Tructesindo Ramires. Análise da Obra
Gonçalo e Portugal: dois destinos insepar áveis A Ilustre Casa de Ramires é um romance de clara dic ção realista no qual E ça de Queir ós tenta sintetizar na figura de Gon çalo as fraquezas e as grandezas de Portugal, fazendo de seu destino pessoal uma "alegoria" daquilo que lhe parecia ser a ú nica saída possível para os impasses e contradi ções de um país outrora t ão poderoso (Idade M édia e Renascimento), e hoje (final do s éculo XIX) tão decaído. Na trajetória pessoal de Gon çalo nós encontramos uma interpreta ção corajosa da alma portuguesa contempor ânea de Eça de Queir ós. A covardia deste fidalgo, sua pusilanimidade, pusilanimidade, suas aspira ções de um futuro glorioso, suas crises de consci ência, tudo é Portugal indeciso diante de seu presente e de seu futuro. Assim, o destino de Gon çalo traduz muito daquilo que E ça de Queir ós (na fase final de sua produ ção literária) acreditava ser o caminho vi ável para o pa ís: a retomada das tradi ções e do ilustre passado portugu ês materializados na veia expansionista e colonialista da na ção, outrora um dos maiores imp érios do mundo. O navio que leva Gon çalo para África chama-se justamente Portugal, e é bom lembrar que este Ramires volta de l á enriquecido e completo na sua transforma ção iniciada na p átria após o sonho com seus antepassados lhe entregando as armas, e ap ós a vitória sobre o valent ão de Nacejas. É evidente aqui a profunda releitura da hist ória portuguesa proposta por E ça de Queirós que - após os arroubos de violenta e devastadora cr ítica presente nos romances de sua segunda fase, no quais n ão se cansava de fustigar a mediocridade da p átria - se dedica agora a descobrir um caminho poss ível para a na ção. Assim, a cr ítica queirosiana torna-se mais branda e "construtiva" porque é movida por um desejo de compreens ão sincera do destino portugu ês. O Eça de Queirós incansável, o socialista da primeira hora cede seu lugar a um aristocrata um tanto quanto c ínico e irônico, mas não de todo desencantado. Nesta fase, seu esfor ço de cren ça na nação parece, na maioria da vezes, como ideologicamente ideologicamente comprometido, comprometido, por ém suas enormes qualidades liter árias e estil ísticas absorvem o leitor para dentro da trama romanesca t ão bem urdida a partir das duas narrativas que se completam pela oposi ção e simbolizam verrossimilmente o destino de Portugal. Se na sua fase mais combativa, em especial no Crime do Padre Amaro e no Primo Bas ílio, Eça de Queir ós elabora um cr ítica contundente da burguesia lisboeta e dos ran ços da vida provinciana e de suas institui ções hipócritas e aviltantes, atacando a moral vigente e o atraso do pa ís; na sua ú ltima fase o autor vai lentamente se aproximando do universo rural, agrário e aristocr ático que marca o passado portugu ês.
Assim, ao lado do esp írito crítico que nunca abandonou o autor, surge uma idealiza ção do passado portugu ês e de suas origens gloriosas que servem ent ão de baliza para o t ão almejado futuro que ser quer tamb ém glorioso. O elogio buc ólico do campo e da aristocracia soa na verdade como Sebastianismo mal disfar çado, porém despido do misticismo e do messianismo que sempre o acompanharam. Gonçalo, filho de uma casa mais antiga que Portugal, parte em dire ção à África e de l á volta glorioso e rico, ao contr ário de D. Sebasti ão que movido por seus sonhos de gl ória acaba enterrado nas areias de deserto. Passado e presente, gl ória e decad ência, grandeza e fragilidade est ão de tal forma imbricados neste romance como est ão na vida lusitana. Esse senso das contradi ções, que marcavam Portugal na segunda metade do s éculo XIX, é a força motriz que p õe em movimento a m áquina romanesca e cria o dinamismo interno t ão rico e verdadeiro de Gonçalo. E se ao leitor parece ut ópica e sonhadora a solu ção encontrada pelo autor para o destino de seu personagem (Gon çalo = Portugal), nem por isso ela deixa de ser uma aspira ção da alma lusitana.
O di álogo entre a tradi ção e a decad ência de Portugal O romance A Ilustre Casa de Ramires foi iniciado no ano de 1894, e sua primeira publicação integral data de 1900, logo ap ós a morte do autor, que n ão chegou a completar a revisão final do texto. Tal tarefa coube ao escritor J úlio Brand ão. O tempo da a ção do romance é muito provavelmente o mesmo do tempo da escritura, ou seja, a trajet ória de Gon çalo se desenvolve na ú ltima década do s éculo XIX. Este foi um dos períodos mais crucias e humilhantes da hist ória de Portugal, principalmente por causa do famoso epis ódio conhecido como Ultimato que se deu no ano de 1890 quando a Inglaterra exigiu a sum ária retirada de Portugal de suas leg ítimas possess ões na África. A ordem brit ânica foi acatada causando no pa ís uma forte como ção p ública e uma rea ção imediatamente imediatamente xen ófoba. O Ultimato est á diretamente ligado ao avan ço imperialista e ao neocolonialismo das grandes na ções capitalistas na segunda metade de s éculo XIX, e diante destas na ções Portugal se sente impotente e destitu ído de uma verdadeira estrutura econ ômica que lhe permitisse competir em p é de igualdade. O "atraso" hist órico da na ção e sua impot ência ficou patente naquela manh ã de 11 de Janeiro de 1890, e era necess ário que Gon çalo lá fosse para trazer de novo a África de volta para Portugal, pelo menos no romance e no imagin ário lusitano. Eis A Ilustre Casa de Ramires: compensa ção simbólica de uma derrota hist órica. Este romance, como j á demonstramos, narra a trajet ória do fidalgo Gon çalo Mendes Ramires, filho de uma das casas mais nobres e mais antigas de Portugal, anterior mesmo à fundação da nação. Entre seus antepassados constam her óis portugueses presentes aos feitos mais importantes da hist ória do país e da Europa. No entanto, no in ício da narrativa, Gon çalo representa justamente o oposto deste hero ísmo e desta gl ória passada, pois nada mais é do que um fidalgo sem verdadeiro estofo moral: fraco, covarde e ambicioso, ele busca de todas as formas se projetar no cen ário político nacional. Sua maior aspira ção é conseguir uma cadeira no parlamento que lhe garantisse a estabilidade social t ão desejada. Para alcan çar seus objetivos iniciais ele é capaz de negociar e jogar com a pr ópria
consci ência e com os princ ípios morais aparentemente mais s ólidos. Porém, justamente no momento em que ele atinge os seus objetivos e consegue a t ão almejada cadeira parlamentar, lhe adv ém a aguda consci ência da mediocridade e da mesquinhez de seus desejos. Ap ós algum tempo de vida mundana e pol ítica em Lisboa, ele decida abandonar tudo. Parte para a África e depois de quatro anos retorna a Portugal enriquecido por meio do esforço pr óprio. Paralelamente a esta narrativa - e como j á demonstramos - vai sendo tecida uma outra narrativa, levada penosamente a cabo por Gon çalo, pois na sua sede de estabelecer uma reputa ção política, ele resolve consolid á-la com um perfil intelectual e liter ário digno de seus dotes morais. Assim, influenciado por um antigo amigo da faculdade em Coimbra, ele resolve escrever uma novela hist órica de sabor medieval t ão ao gosto da literatura do in ício do século XIX, cuja mat éria envolve um epis ódio heróico em torno de Tructesindo Ramires, um dos seus mais ilustres antepassados. Al ém de se cobrir de gl órias literárias, seu objetivo é recolocar em circula ção o próprio nome e sua origem nobre. Porém, toda a narrativa de Gon çalo não passa de uma vers ão em prosa, frouxa e mal elaborada de um poema escrito anos atr ás por um tio e publicado num jornal de prov íncia. Seus talentos liter ários não passam da mal dissimulada c ópia, como sua estrutura moral n ão passa de um jogo h ábil entre interesse e conveni ência social. O que surpreende ent ão o leitor neste jogo narrativo queirosiano é justamente a justaposição entre o passado e o presente, ente os " áureos" tempos e o presente deca ído. De um lado, temos a mediocridade da vida provinciana e de sua aristocracia deca ída. De outro, o passado glorioso de Portugal, mas h á muito perdido. Romance de forma ção e narrativa medieval se fundem de tal maneira que s ão elevados elevados à condi ção de uma "alegoria" do desejado destino portugu ês, que só poderia - ao que parece ser retomado por meio de uma reconcilia ção com o passado colonial da na ção. Gonçalo só se reabilita, moral e pessoalmente, quando decide abandonar Lisboa com toda a sua hipocrisia social, e parte em dire ção à África. Assim, este romance - um dos melhores do autor, do ponto de vista do estilo e da constru ção romanesca - é na verdade um elogio da Aristocracia e do Colonialismo como elementos restauradores da gl ória portuguesa, o que n ão passa de Sebastianismo mal disfar çado, e de desejo de retorno a tempos supostamente mais felizes e her óicos. A oscilação existente entre o esp írito crítico e combativo da segunda fase e o "conservadorismo" ideol ógico deste romance da terceira fase de E ça de Queirós marca bem os impasses de toda uma gera ção empenhada na transforma ção de Portugal.
Linguagem e estilo A Ilustre Casa de Ramires é um romance narrado em terceira pessoa, e apresenta um narrador onisciente que constr ói e explora com agudeza os conflitos interiores de Gon çalo Mendes Ramires. Seu distanciamento e objetividade permitem ao leitor acompanhar a lenta e progressiva progressiva transfor t ransforma ma ção do personagem em dire ção a sua reabilita ção moral e social. O narrador queirosiano conduz com efici ência o desenrolar dos meandros da consci ência do fidalgo e de seus embates com a vida, e maneja com habilidade inquestion ável uma linguagem que oscila entre diversos tons e registros que v ão do irônico até o lírico, passando pelo sat írico e at é pelo é pico, orquestrando um universo de refer ências liter árias ilustres dentro da tradi ção portuguesa e mesmo europ éia. Paródia, intertextualidade e
metalinguagem s ão pe ças fundamentais de seu jogo estil ístico. Assim, há uma recupera ção das novelas de cavalaria medievais, que por sua vez foram muito exploradas pelo romance rom ântico europeu. No romance tal recupera ção se dá numa chave cr ítica que demonstra o desgaste desta tend ência e o que nela h á de artificial e retórico. Alexandre Herculano e Walter Scott s ão matéria de recupera ção intertextual via paródia e s átira. No entanto, é percept ível que o registro sat írico e paródico que envolve a novela A Torre de D. Ramires vai sendo lentamente abandonado assumindo uma colora ção verdadeiramente verdadeiramente épica que demonstra a ades ão do narrador, e de Gon çalo, ao passado her óico portugu ês, síntese das esperan ças de um futuro regenerado. À medida que Gon çalo se transforma sua dic ção também muda, e com ela a posi ção do narrador diante da novela medievalista. Isto se d á de tal maneira, que o final glorioso apesar de violento e b árbaro - da narrativa medieval coincide com a reabilita ção de Gonçalo. Aquilo que come çara como uma mesquinha necessidade de proje ção social e política termina como um hino à nação e a seu passado glorioso que espelharia um futuro também promissor. promissor. A linguagem de E ça de Queirós apresenta uma consci ência crítica da tradi ção literária lusitana e europ éia, e espelha as contradi ções da própria nação. Assim, linguagem e representa ção estética se constituem em fun ção da representa ção do real histórico, conferindo legitimidade est ética a estrutura romanesca, mesmo quando a solução apresentada para o futuro de Gon çalo e de Portugal parece fruto de uma idealiza ção de teor claramente regressivo e conservador. Acreditar - no auge da modernidade capitalista - na fun ção redentora da aristocracia e no neocolonialismo neocolonialismo como destino hist órico de um povo é no mínimo um sonho compat ível com uma na ção j á há muito descartada da competi ção capitalista das grandes pot ências européias do século XIX. A linguagem realista e ir ônica (tra ço marcante de toda obra do autor), numa necessidade de coerência interna com o projeto ideol ógico apresentado, lentamente cede lugar a um registro é pico e restaurador que se op õe ao tom agressivo e ir ônico combativo da segunda fase de E ça de Queir ós. Idealiza ção do passado, elogio da aristocracia, defesa do neocolonialismo, ades ão à função regeneradora da nobreza s ão na verdade variantes de uma cren ça messiânica chamada Sebastianismo, e se constituem no desejo de compensa ção simbólica diante de uma realidade social e hist órica marcada por impasses consider áveis. Assim, as oscila ções aparentemente aparentemente contradit órias da linguagem deste romance s ão na verdade uma s íntese do aspecto conflitivo da consci ência do fidalgo Gon çalo Mendes Ramires e da sua fun ção de símbolo vivo dos descaminhos de Portugal. O estilo deste romance representa uma verdadeira s íntese do melhor estilo queirosiano em todas a suas oscila ções, e é fruto de um desejo sincero de compreens ão profunda do destino portugu ês e das possibilidades de supera ção do sentimento de decad ência da pátria tão caracter ístico da gera ção de Eça de Queir ós.
Glossário Antero de Quental (1842-1891). Poeta e uma das figuras centrais da Quest ão Coimbrã e do Realismo portugu ês. Suas obras principais s ão Odes Modernas e os Sonetos. Anticlericalismo. Anticlericalismo. Temática marcante na literatura realista baseada na cr ítica da hipocrisia
das institui ções religiosas, principalmente do clero cat ólico. Conferências do Cassino. Confer ências públicas pronunciadas no Cassino Lisbonense no ano de 1870, e que pelo seu teor de cr ítica social foram proibidas pelo governo portugu ês. Eça de Queir ós participou discorrendo sobre A nova literatura - o Realismo como nova express ão da Arte. Flaubert, Flaubert, Gustave (1821-1880). (1821-1880). Romancista Romancista franc ês autor do romance Madame Bovary que é considerado a primeira express ão plena do Realismo na literatura oitocentista. Esta obra trata diretamente do tema do adult ério feminino. Herculano, Alexandre (1810-1877). Grande escritor e historiador do Romantismo portugu ês. Seu romance de tem ática medieval mais famoso é Eurico, o Presb ítero. Medievalismo. Tem ática romântica baseada na idealiza ção do passado medieval europeu. Naturalismo. Naturalismo. Escola liter ária que representa um desdobramento radical do Realismo e que se caracteriza pela aplica ção de teses "cient íficas" (principalmente de natureza biol ógica e determinista) no tentativa de explica ção das complexas e contradit órias estruturas da sociedade moderna. Quest ão Coimbrã. Polêmica literária ocorrida no ano de 1865 envolvendo v ários intelectuais e escritores portugueses em torno da discuss ão sobre a oposi ção entre o Romantismo e o Realismo. Realismo. Escola liter ária da segunda metade do s éculo XIX que se op õe aos devaneios e idealizações românticas buscando analisar diretamente as grandes contradi ções da moderna sociedade sociedade burguesa e capitalista. capitalista. Romance de forma ção. Também conhecido como Bildungsroman (alem ão) e caracterizado por traçar o desenvolvimento interno de um personagem central que se embate em busca de um sentido "pleno" para a pr ópria existência em crise. Romantismo. Romantismo. Escola liter ária que predominou na primeira metade do s éculo XIX e foi marcada pela ruptura com os modelos da Po ética Clássica. Nela predomina o subjetivismo e o intenso sentimentalismo muitas vezes materializados numa tend ência escapista e evazionista na qual as contradi ções existências e sociais s ão dimensionadas por uma constante idealiza ção. Sebastianismo. Sebastianismo. Crença de origem popular que habita o imagin ário lusitano e que se baseia na morte e desaparecimento do rei D. Sebasti ão nas areias de Alc ácer Quibir no ano de 1578. Como a morte deste rei o trono portugu ês foi dominado pela coroa espanhola de 1580 a 1640, marcando o decl ínio do poderio portugu ês. A partir deste momento surge o mito de que D. Sebasti ão há de retornar e com ele gl ória de Portugal renascer á. Scott, Walter (1771-1832). Escritor rom ântico, de origem escocesa, que se dedicou principalmente ao romance hist órico de tem ática medievalista. Sua obra mais conhecida é Ivanhoe. Ultimato. Incidente hist órico deflagrado no dia 11 de Janeiro de 1890 e no qual Portugal se viu obrigado a ceder à s pressões britânicas em torno de possess ões coloniais portuguesas na África. A aceita ção, por parte do governo portugu ês, das condi ções impostas pela Inglaterra causou verdadeira como ção nacional ferindo duramente o orgulho lusitano. Zola, É mile (1840-1902). Escritor franc ês respons ável pelo desenvolvimento da Escola Naturalista. Sua obra mais famosa é o gigantesco painel romanesco intitulado Les RougonMacquart no qual se encontram romances como Germinal, Nan á e a Besta Humana.