Adriano de Oliveira RA: 122821 Disciplina: O inconsciente, o social e o político em Freud e Lacan P.E.P.G. em Psicologia Social
Professora: Miriam Debieux Rosa
RESENHA: FREUD, S. Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921). E-book, pp 04-40. Tradução de Paulo César de Souza. Editora Cia. das Letras
Na vida psíquica do ser individual, o Outro é via de regra considerado enquanto modelo, objeto, auxiliador e adversário, e portanto a psicologia individual é também, desde o início, psicologia social, num sentido ampliado, mas inteiramente justificado. S. Freud
Em Psicologia das Massas e Análise do Eu, de 1921, Freud busca desenvolver uma maneira própria de pensar a então denominada “psicologia das massas” à luz do pensamento psicanalítico, numa tentativa de elaborar hipóteses mais consistentes para explicar o comportamento individual em contextos grupais, já de entrada recusando a separação entre psicologia indivídual e social. Inicia seu texto com uma extensa retomada do pensamento de Le Bon, especialmente a respeito das considerações deste autor sobre a “alma coletiva”, ou
dito de outro modo, sobre a influência da massa sobre a vida psíquica dos indivíduos. Cabe lembrar que para Le Bon, esta influência é necessariamente negativa, na medida em que produziria um tipo de regressão dos indivíduos a estados primitivos de relação humana, em que imperariam a estupidez e os impulsos irracionais. Neste ponto, Freud compara algumas teses explicativas de Le Bon sobre o funcionamento das massas das explicações psicanalíticas sobre o inconsciente e sobre as neuroses. Mesmo reconhecendo a importância da contribuição de Le Bon para o entendimento da “alma coletiva”, Freud pond era que se faz
pertinente considerar tantas outras manifestações de formação de massas que aparecem de maneiras distintas daquela descrita por Le Bon, além de demonstrarem-se insuficientes suas explicações em termos de sugestão e contágio, e também no que tange à função do líder na massa. Freud se vale também de outros autores que abordam a questão, com destaque para as ideias de McDougall, que oferece algumas soluções possíveis a partir daquilo que ele chama de “fator de organização”.
Este autor diferencia multidão (crowd) de massa (group), entendendo que a primeira se caracteriza pela ausência do fator de organização, enquanto que a segunda se caracterizaria pela presença de algo em comum entre os indivíduos, “um interesse partilhado num objeto, uma orient ação afetiva semelhante em determinada situação”. Ao descrever também um “aumento de afetividade provocado no indivíduo”, o já
conhecido contágio de sentimentos, McDougall defende a necessidade da formação de massa responder a algumas condições para garantir sua organização, que, em resumo, trata-se de dotar à massa das características individuais, superiores, através da delegação a determinados indivíduos a realização de tarefas intelectuais. Após as considerações sobre as referências no debate a respeito do fenômeno na época, Freud introduz o que poderíamos denominar de hipóteses psicanalíticas em torno do desenvolvimento de uma psicologia das massas. Parte do fato fundamental de que a vida anímica sofre influências do meio social, e salienta que o interesse do presente estudo é buscar uma explicação psicológica para essas mudanças que o indivíduo apresenta no interior da massa, que não se apoie em termos vagos como prestígio, sugestão, contágio, ou imitação. 1
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Passa a operar com alguns conceitos psicanalíticos, já aplicados nos estudos das psiconeuroses, na tentativa de oferecer a possibilidade de novas leituras no campo da psicologia das massas. O primeiro deles é o conceito de libido, sugerindo uma primeira hipótese: de que a massa, ou a alma coletiva, se sustenta através das relações de amor (no sentido amplo e sexual do termo). Freud decide por escolher formações de massa que ele considera bastante organizadas, duradouras e artificiais, tomando por exemplo a Igreja e o Exército, para dar curso à sua pesquisa. Entra em cena o papel do líder na massa. Faz notar que, nos exemplos citados, cada indivíduo liga-se libidinalmente ao líder (Cristo, general), e aos demais componentes do grupo, ainda que de maneiras distintas; os laços afetivos com o líder parecem mais determinantes que os laços dos indivíduos entre si. Está em jogo, aqui, a ilusão de que o líder ama a todos e a cada um, da mesma maneira. Outra questão levantada por Freud sobre esse ponto diz respeito à limitação do narcisismo que se produz a partir do amor ao outro. Cabe destacar aqui a observação feita por Freud de que Nas relações sociais entre os homens ocorre o mesmo que a investigação psicanalítica descobriu no curso de desenvolvimento da libido individual. A libido se apoia na satisfação das grandes necessidades vitais e escolhe como seus primeiros objetos as pessoas que nela participam. Tal como no indivíduo, também no desenvolvimento da humanidade inteira é o amor que atua como fator cultural, no sentido de uma mudança do egoísmo em altruísmo. (p. 17)
Aqui já se apresenta uma pista sobre uma possível finalidade da formação de massa, especialmente aquelas que têm caráter mais duradouro: a autopreservação. Porém, Freud continua questionando-se sobre qual o tipo de ligação que se estabelece no interior da massa. Logo assevera que se trata de “instintos amorosos que se acham desviados de suas metas originais”. Comparativamente ao
que já havia sido investigado até então no campo psicanalítico, estaríamos diante daquilo que fora descrito como graus de enamoramento, ou seja, fenômenos nos quais se estabelece um desvio do instinto sexual de sua finalidade. Mas, para além deste tipo de investimento de objeto, Freud indica a existência de outros mecanismos de ligação afetiva, ainda que insuficientemente conhecidos, fundamentais para a pesquisa em questão, que são as identificações. E neste ponto do trabalho, Freud detém maior atenção. Em linhas gerais, a identificação comparece neste trabalho de Freud enquanto um conceito chave para compreender a ligação recíproca dos indivíduos na massa, na medida em que expressa a mais primordial forma de ligação afetiva a um objeto, e que pode aparecer tanto através da relação dos indivíduos com algo comum e afetivamente importante como por uma via em que a identificação se forja como substituto da relação libidinosa com o objeto, através da introjeção do objeto no Eu. Deste último mecanismo citado – a introjeção do objeto no Eu – decorre as formulações de Freud sobre a noção de Ideal do Eu, (já trabalhada por ele em outros momentos: “Introdução ao Narcisismo”, “Luto e Melancolia”), instância que seria fruto da divisão do Eu provocada pelas influências
do meio, das exigências que são colocadas ao Eu, que estabelece com o Eu uma relação conflituosa e que tem por função a auto-observação, consciência moral, censura do sonho e principal influência na repressão. Freud prossegue explorando outras relações mútuas entre o objeto e o Eu: o enamoramento e a hipnose. No caso particular do enamoramento, dá especial atenção ao processo de idealização que pode se operar neste tipo de relação, no qual reconhece a ausência de crítica do Eu em relação ao objeto amado. Não é incomum, nestes casos, que o objeto amado seja colocado no lugar de um ideal não 2
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alcançado pelo próprio Eu. No que se refere à hipnose, Freud aproxima-a do enamoramento, fazendo a ressalva de que, aqui, descartam-se os impulsos sexuais diretos. O que interessa deste momento do texto é sublinhar sob quais aspectos tais relações, o enamoramento e a hipnose, oferecem elementos para compreender a constituição libidinal de uma massa, e ao que parece está relacionada à existência simultânea de impulsos propriamente sexuais, de um lado, e à inibição da finalidade sexual nas relações objetais, de outro. A partir destas considerações iniciais, Freud sugere uma primeira explicação para a constituição libidinal de uma massa: (...) é uma quantidade de indivíduos que puseram um único objeto no lugar de seu ideal do Eu e, em consequência, identificaram-se uns com os outros em seu Eu . (p.22)
Aqui, Freud reconhece que o percurso realizado até então dá conta de apenas parte da questão, ao dar especial relevo à relação dos indivíduos com o líder e sem dar a devida atenção ao fator da sugestão mútua. Assim, como via possível de explicação, Freud apoia-se inicialmente na ideia de instinto gregário de Trotter, que este autor define como uma tendência natural do indivíduo em juntar-se
em unidades cada vez mais abrangentes. Mas, Freud é cauteloso ao reconhecer a dificuldade em traçar uma ontogênese do instinto gregário, e faz uma ressalva quanto ao argumento de Trotter quando este afirma, por exemplo, o caso da criança que se angustia quando se vê sozinha. Para Freud, o fato da criança se angustiar ao perceber-se sozinha não é indicativo de uma natureza gregária, justamente porque não é a presença de qualquer outro que fará a angústia cessar, mas sim a presença da mãe e/ou de pessoas familiares à criança. A presença de um estranho pode, inclusive, também produzir angústia na criança. Em contrapartida, Freud argumenta que o sentimento social se sustenta “ na inversão de um
sentimento hostil em um laço de tom positivo, da natureza de uma identificação” , no sentido de que os indivíduos se identificam uns com os outros em razão de seu amor pelo mesmo objeto, em vez de rivalizarem entre si. Aqui ele se distancia do enunciado de Trotter de que o homem é um animal de rebanho, e afirma que antes, o homem é um animal de horda, na medida em que necessita ser conduzida por um chefe. Retoma, então, o mito da horda primeva como paradigmático para a compreensão do funcionamento da massa, propondo algumas aproximações: da relação que se estabelece entre os indivíduos na massa e o seu líder com a relação da horda com o pai primordial – que seriam da mesma qualidade da hipnose conforme descrita por Ferenczi (a hipnose seria análoga ao fenômeno de massa); e do fenômeno de sugestão explicado em termos de ligação erótica, admitindo o pai primevo como ideal da massa, “que domina o Eu no lugar do ideal do Eu”.
Por fim, Freud destaca como principal contribuição da psicanálise para a compreensão do fenômeno de massa: 1) a diferenciação entre Eu e Ideal do Eu e; 2) o duplo tipo de ligação que por ela é possibilitada: identificação e colocação do objeto no lugar do Ideal do Eu. Finaliza o texto buscando desenvolver a hipótese da separação do Eu e do Ideal do Eu, que se daria a partir da entrada do sujeito no social, e seus desdobramentos para a elaboração de uma psicologia individual.
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