E s ta obra
n a ú lt im a da ta c a ri m b a d a
^ n p Q
tn p ç
n
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA Biblioteca
6 0 6 7 9 ÍO O /v
i
M . Q & - 0 0
Su
EDtiSc
-
(f-
Editora da Unlvarsidade do Sagrado Coraçlo
Rua Irmã Arminda, 10-50 17044-160 - Bauru - SP Tel.: (014) 235-7111 - Fax: (014) 235-7219 e-mail:
[email protected]
x
C397q Chauveau, Agnès Questões para a história do presente / Agnès Chauveau, Philippe Tétart; Tradução Ilka Ilka Stern Cohen._ _ Ba uru , SP: EDUSC, 1999
__ (Coleção História) 132 p.; 21 cm. __
m á r io <>.
07 Questões para a História do presente „/por Agnès Chauveau e Philippe Tétart Pode-se fazer uma história do presente? por Jean-Pie rre Rioux
-**51 -**51 O retorn o do político - por René Rémond — 61 Marxismo e comunismo na história recente - por Jean-Jacqu es Becker
73 Ideologia, tempo e história - por JeanFrançois Sirinelli
ISBN 85-86259-99-3 1. História -Filosof ia. I. Tétart , Philippe. D. D. Título. Hl. Série
— 93 A visão dos outros: um medievalista diante do presente - por Jacques Le Goff
CDD 901
ISBN 2-87027-458-0 (original) Copyright O 1992 Editions complexe Copyright © de d e tradu ção 1999 EDUSC EDUSC
— 103 103 Questões para as fontes do presente - por Robert Frank
Tradução realizada a partir da Ia edição 1992. DireltOl exclusivos de publi caçã o e m l íngu a p ort ugu esa para o Brasil adquiridos pela adquiridos pela
—119 Entre história e jornalismo - por JeanPierre Rioux
EDITORA DA UNIVERSIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO Rua Irmã Arminda, 10-50 CEP 17044-160 - Caixa Postal, 511 Fone (014) 235-7111 Fax (014) 235-7219 / r / / / ) Bauru - SP e-mail:
[email protected] â â é ?
F U - - 0 Ö 0
1
1 2 7
0 - 8
127 Conclusão - por Serge Bernstein e Pierre Milza
capítulo 1
QUESTÕES PARA A HISTÓRIA DO PRESENTE po r Ag nès CHAUV EAU e P hil ipp e TÉTART
* Seria vão tentarmos nos tomar nosso próprio historia dor: o historiador é também criatura histórica Jean Pau l Sartre1
O imediatismo do trabalho histórico diante da história a acontecer, do fato, a presença ainda prenhe dos fatos no que chamamos de história imediata, de história próxima ou de história do presente, colocam num erosos problem as metodológicos, epistemológicos e, em certos aspectos, deontológicos. Em sua relação com a história, na sua maneira de fazer história - de fazer a história - o homem, o ci dadão, intervêm como o cientista. Qual é então a par te de "verdade" não histórica? Qual pode ser a na tureza da deformação da análise e que elementos con correm para esta deformação? Quais são os jogos de influência entre os climas ideológicos e os contextos históricos? Qual é sua parte de responsabilidade na emergência e na afirmação dos movimentos históricos e historiográficos? Enfim, há um a responsabilidade do historiador em seu papel cada vez mais valorizado de comentarista do presente ou do imediato?
1In Situations II, Gallimard, 1964, p. 41.
7
f
Tais são as questões às quais os historiadores aqui reunidos tentarão responder e que permitirão abrir pistas a fim de apreen der a epistemologia da his tória do p resente2. Questionar a história do presente de maneira exaustiva exigiria, entretanto, um verdadeiro aprofun damento comparativo das diferentes vias de pesquisa pr óp rio s à epi ste mo log ia, à h ist ori ogr afi a ou à m et od o logia de nossa especialidade. Para ser completo, seria poi s nec es sár io de te rm in ar um pr oj eto ma is va sto qu e aproximasse e confrontasse testemunhos e análises mu ito numerosos de historiadores - um corpo tem áti co e arquivístico representativo. Tal estudo deman da ria igualmente a intervenção de não-historiadores, poi s as coisa s nã o po de m ser des cri tas so m en te de se u interior. Enfim, seria necessário considerar o indivi dualismo metodológico de cada historiador, particularismos das escolas, dimensão extranacional. Nã o é est a no ssa in ten çã o e es ta co ntr ibu içã o constitui uma afinação visando fazer o historiador pro gredir na com preensão e na prática de sua disciplina. O objetivo deste estudo não é, antes de tudo, o de lhe fornecer um instrumento teórico, mas o de propor-lhe uma percepção renovada da história do presente. Além disso, esse deveria permitir melhor mensurar a pr es en ça do hi st or ia do r e m seu tem po , ass im com o as conseqüências dessa relação, qu e nós declinaríamos de modo interrogativo: climas ideológicos, modas historiográficas, culturais, orientações científicas.
2 Sob esta fórmula não exclusiva, agrupamos a his tória imediata, a história próxima e a história do presente.
8
O ATESTADO HISTORIOGRÁFICO Comecemos por debruçar-nos sobre a historio grafia e a genealogia da história do presente. Dois ei xos determinam esta primeira observação: de um lado a dimensão epistemológica e metodológica, de outro o aspecto historiográfico, universitário e social da afir mação do presente. Para o primeiro ponto, é inevitável constatar que, no fim dos anos 70, a investigação metodológica e epistemológica voltou-se essencialmente para o es tudo d a Nova História, herdeira dos Anna les de Lucien Febvre e Marc Bloch. Se tomarmos as três obras fun damentais que balizam essa interrogação: Faire de VHistoire em 1974, La nouvelle histoire em 1978 e La teli er de Vhistoire em 1982, veremos que o presente nelas é quase inexiste nte3. Por que essa ausência? Pensamos que primeira me nte essas diferentes obras são o trabalho de medievalistas e modernistas que se interessaram sobretudo po r s eu s p ró pr ios cam po s. Ma s, an te s diss o, se m dú vi da é preciso considerar o próprio procedimento da História nova. Considerando as estruturas duráveis como mais reais e mais determinantes que os aciden tes de conjuntura, os fenômenos de longa duração como mais decisivos do que os movimentos de curto alcance, erodindo a cadeia factual com o propósito de 3 Faire de l’histoire, sob a direção de Pierre Nora e Jacques Le Goff, très volumes, Gallimard, 1974 [edi ção brasileira pela Livraria Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1976. N. do T.] ; La nouvelle histoire, sob a direção de Jacques Le Goff, Retz, 1978 (nova edição, Complexe, 1988) ; L'atelier de l ’histoire, François Furet, Flammarion, 1982.
9
substituí-la pelo sentido econôm ico e social do tempo, essa "escola" histórica ignorou freqüentemente o con temporâneo, a fortiori o presen te e imediato. Mas o problema ultrapassa largamente o dos tempos históricos. Questão de hegemonia ou exclusi vamente de escolas? Incompreensão ou desinteresse? Todos esses elementos puderam contribuir para a si tuação de ruptura entre o presente e a escola históri ca dominante, além de que, durante os anos 70, o do mínio da história do presente era, sem dúvida, muito novo, ou muito pouco cristalizado no plano editorial, po r ex em pl o, pa ra ir co nt ra esse es tad o de fat o. Entre tanto, os pais dos Ann ales tinham dado um lugar particular ao imediato, ao presente e mesmo ao pol ític o. Ma rc Bl och esc revi a: in co m pr ee ns ão do pa ssa do na sc e afi na l da ig no rân ci a do pr es en te ." Quanto a Lucien Febvre, num curso intitulado "A His tória na vida contemporânea", / ele afirmava que "a análise do presente" podia d ar "a régua e o compasso" à pesquisa histórica4. Os Annales d'Histoire économique et sociale faziam eco a essa análise. No curso dos anos 30, encontra-s e aí um a série de artigos tratand o da evolução política da Alem anha e do fascismo europeu. Assim, em 1934, aparecia um artigo de Borkenau: "Fascisme et syndicalisme". Nessa ocasião, Febvre es crevia a Bloch: "Eu adociquei algumas fórmulas para não assustar a casa editora (alusões a Arm and Collin). De resto ele (o artigo) não é nem um pouco brilhante mas evid entem ente mu ito atual"5. Este exemplo, ao
4 Peter Schõttler, Lucie Varga. Les autorités invisibles, Cerf, 1992, p. 101. O curso teve lugar no Collège de France na primavera de 1936. 5 Peter Scottler, ibid., p. 29.
mesmo tempo em que mostra a parcela de descon fiança com relação ao estudo do presente, revela bem o interesse que então se voltava para as lições de uma história do presente. Foi, portanto, a despeito de um interesse inicial convicto que a Nova História ignorou o presente, deixando-o "sob controle"- para retomar a expressão de René Rémond. Essa ignorância conheceu ainda notá veis exceções, pois foi no próprio interior da citadela, com o acordo e a participação de Pierre Nora e Jacques Le Goff, que tiveram lugar duas reflexões es senciais sobre o presen te. Provas disso são o artigo de Pierre Nora , "Le retour de l'événement", páginas ca pit ais pü bl ica da s em Faire de VHistoire, e o capítulo de Jean Lacouture: *L' Histoire immédiate", p áginas sim ból ica s pu bl ica da s em La Nouvelle Histoire (que consti tuem o único ensaio sobre a noção de imediato). As sim, em 1978, às vésperas do nascime nto do Institut d'Histoire du Temps Présent e do Institut d'Histoire Moderne et Contemporaine, só dois artigos notórios tinham sido publicados. Nesse mesmo ano, em seu pre fác io a La Nouvelle Histoire, e à época em que ocu pa va co m R en é R ém on d o nú cl eo da com iss ão qu e discutia a c riação do IHTP, Jacques Le Goff reafirmava , entretanto, que a história do presente é freqüente mente melhor feita pelos sociólogos, politólogos, al guns grandes jornalistas, do que pelos historiadores. Em decorrência dessa divisão bastante parado xal, evitou-se largamente a problemática do presente e há um desequilíbrio entre o estudo dos tempos his tóricos em geral e o do nosso tempo e das questões que lhe são inerentes. Há mais ou menos quinze anos, entretanto, essa ignorância recuou de modo singular e a aproxi mação se efetua por meio de um a interrogação meto
UNWERSIDADE FEPFflAl D E UBERLÂNDIA Biblioteca
dológica e historiográfica tomada comum : o interesse pe las m en ta lid ad es , pe lo po lít ico e p el o cu lt ur al tr an s cendend o as sociabilidades dos historiadores6. Com efeito, num movimento que não se pode dissociar dos "retornos" (retorno do fato, retorno do pol íti co) , em erg ia um a pr eo cu pa çã o cr es ce nt e co m o estudo do passado próximo e com o imediato7. Ora, esse movim ento finca raízes bem antes destes anos 80. O pós-guerra e os anos 50 tinham enterrado duas as sociações consideradas, desde os anos 20, como pro fundamente antinômicas: História e imediato, História e presente8. Trata-se pois de um movimento em pro 6 Uma transcendência que devemos igualmente aproximar da complementaridade cada vez mais marcada e voluntária da história, da sociologia, da politologia ainda que a incom preens ão de princípio persista freq üente ment e. 7 O que não significa retorno à história política posi tivista, o u u m retrocesso. 8 Não se deve, no entanto, fazer disso uma regra. As sim, a Histoire de France contemporaine, editada por Larousse em 1916 cobre o período 1871 /1913. A exem plo de outras obras, an terio res ou não, lê-se no pre fácio: "A história contemporânea é, como se disse muitas vezes, aquela que menos conhecemos. Os fa tos que lhe darão no futuro sua fisionomia destacamse confusamente, primeiro do caos de informações contraditórias e tendenciosas, e é lentamente, à luz dos documentos dos arquivos, que aparecem distin tamente as idéias mestras nas quais se inspiraram os homens de Estado e as caraterísticas da sociedade na qual eles viveram. Um autor de boa fé pode, entre tanto, expor os acontecimentos contemporâneos tal como lhe parecem e, sem pretender fazer uma obra pur ame nte objetiva, ter a pre ocupaç ão const ante de não ferir qualquer convicção."
12
fundidade, não de uma atitude científica pontual; até essa época , o interesse pelo tempo próximo nã o tinh a sido traduzido pela afirmação de um novo campo científico. Podem-se fixar algumas referências cronológi cas representativas dessa dupla afirmação do imediato e do presente. Depois que muitos universitários e in telectuais inauguraram o costume das análises ime diatas na imprensa, no centro dessa abundância de re vistas e periódicos do pós-guerra, foi a vez da Univer sidade de patente ar o presente. No meio dos anos 50, o trabalho inovador de René Rémond sobre as direi tas, por mais isolado que fosse, recebia uma acolhida favorável e emblemática. Sabe-se, aliás, qua l é o papel de René Rém ond na promoção e na defesa da história do presente. Em 1963, Jean Lacouture lançav a a coleção " A História imediata" enquanto se tomava o hábito de es tender a pesquisa contemporânea aos anos muito pró ximos (particularmente os anos 30 e o pós-guerra). No de co rr er dos an os 70, a his tor iog raf ia do pe río do po st er io r a 1945 se de sd ob rav a à m ed id a qu e alg un s dos talentos marcantes da história do político e do pr es en te ac ab av am sua s tes es. En fim , em 1978 , o CNRS decidia a criação do IHTP e do IHMC, concreti zando assim o caminho percorrido e as novas aspira ções, as novas necessidades.
OS
VETORES DE UMA AFIRMAÇÃO
Essa cronologia e essas observações historiográficas muito breves mascaram vários fatores conjuga dos que favoreceram a afirmação depois a expansão da história do presente.
13
Ness e pro ces so, o es tu do do pol ític o, o re to rn o da história política tiveram e têm ainda um papel aglutinador e dinâmico. Entretanto, o presente e o imediato não podem nem devem limitar-se à história renovada do político, mesmo que esta aja como um agente dinamizador9. Antes de tudo,^a história é mutável, e não se po de lim ita r a in te rr og aç ão so br e o pr es en te so m en te aos campos, aos métodos, às teorias do político. jQualquer obra sobre o político e a história política não po de tr az er se nã o re sp ost as par cia is. Ou en tã o ser ia necessário considerar, num movimento extensivo, que o político é a chave de tudo; mas se ele é dete r minante, a transcendência é tal entre os campos so cial, econômico, intelectual, cultural, que não nos po deríamos prender às referências epistemológicas e metodológicas propostas por um só entre eles. Deve-se, no en tanto, pond erar esse julgamento na medida em que é verdade que a história política aparece como ponto de partida e de ligação desse fe nômeno de transcendência. Aliás, em numerosas abordagens de historiadores, o político leva ao cultu ral, à opinião, etc.; inversame nte, o econôm ico e o so cial podem determinar um desvio para o político, que aglutina o presente. Cada campo conexo guarda, en tretanto , sua autono m ia.10Mais simplesmente, não se deve esquecer que os historiadores do político consti tuíram a vangua rda da história do presente. 9 Cf. René Rémond. Pour une histoire politique. Seuil, 1998, pp. 7-31. [edição brasileira pela Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1996.N. do T.] Ver igualmente a contribuição do mesmo autor nesta obra. 10 Cf. René Rémond, ibid., p. 25.
14
O retorno do político desempenhou, pois, cien tifica e intelectualmente, um papel essencial na afir mação da história do presente. Se deixamos aqui em suspenso a história do imediato, é porque ela nos pa rece antes de tudo tributária dos dois outros fatores que determinaram o desabrochar da história do pre sente: o impacto "de geração" e o fenômeno concomi tante de demanda social. O primeiro ponto é um elemento fundamental na evolução historiográfica e científica que acabamos de descrever. Como mostrava recentemente JeanPierre Rioux , a afirmação da história do presente é um fenôm eno de geração11. Quer nos coloqu emos do lado de uma história imediata para os jornalistas, politólogos, sociólogos, ou do lado da história do p resen te para os historiadores e alguns outros especialistas, nota-se um efeito "de geração" muito nítido. Um fa tor é comum às diferentes profissões: o impacto dos acontecimentos deste último século sobre os homens e sobre sua vontade de "reagir", isto é, de tenta r expli car o presente. Mas pode-se também determinar fa tores próprios a cada profissão. Para os jornalistas, adiantaremos, entre outras razões, o papel da decom pos içã o da im pr en sa no s an os 30 e o su bs eq üe nt e de sejo de propor, desde 1945, um comentário m ais rigo roso do presente, do imediato. Para os historiadores, trata-se, sobretudo, como dizíamos acima, da germi nação de um pressuposto metodológico maior: a his tória não é somente o estudo do passado, ela também po de ser, co m um m en or re cu o e m ét od os pa rt ic ul a res, o estudo do presente. 11 Cf. Jean-Pie rre Rioux, pp. 192-204 in Histoire et médias. Journalisme et journalistes français 1950/1990 ; sob a direçâo de Marc Martin, Albin Michel, 1990.
15
Essa evolução induz uma novidade essencial que não se pode omitir na observação da história do pr es en te : a co nc or dâ nc ia cro no lóg ica en tr e a "ba na lização" dos estudos tratando do período posterior a 1945 e o fato de que hoje os historiadores não" se re cusam mais a trabalhar sobre os acontecimentos que pu de ra m vive r. Essa sin gu la rid ad e no s lev a a ref let ir sobre a natureza dessa presença física do historiador em seu tempo e no seu tema. Essa questão nos ajuda na de finição da história do presente e, integrando uma di men são "da geração", permite antes de tudo refletir um percurso científico no tempo. Por enqu anto, lem br em os qu e essa co nc or dâ nc ia co rr es po nd e ao fe nô meno científico, historiográfico e institucional cujos contornos traçamos. Esta apresentação seria subjetiva, porque leva ria diretamente ao cientista ou ao jornalista, ao co mentarista, se não abordássemos em último lugar a dimensão social da afirmação da história do presente. Pois ela determinou também a evolução histórica, ao mesmo tempo que é um dos fatores de definição da noção de geração de historiadores. Esta questão de mandaria um estudo específico e nós nos restringire mos a algumas observações sobre ela. Hoje em dia, a história do presente e do im edia to é traduzida por uma vasta produção editorial, jorna lística e por uma difusão que ultrapassa os meios ex clusivamente universitários.|No momento este desen volvimento corresponde à progressão dos gêneros his tóricos que estudamos.»Assim, o crescimento editorial não data de ontem. vEla tamb ém deita raízes nos anos 50, no momento em que a situação nacional e interna cional demandava esclarecimentos.VNão nos demora remos sobre as razões desta simetria entre produção histórica e demanda social, mas devemos ao menos
16
observar que, nesse processo, o aumento e a acelera ção da comunicação, a renovação progressiva da im pr en sa e da ediç ão, a ele vaç ão do nív el de es tu do e a força dos engajamentos ideológicos, morais, dos anos 50-60, tiveram um papel determinante. A demanda social é, portanto, um vetor cen tral./ Se nos restringirmos a uma observação sobre os anos 80, vemos o extraordinário desabrochar das coleções de bolso. Algumas ja tem valor de referen cia: Seuil, Complexe, Champs-Flammarion, FolioGallimard. Elas consagram, às vezes, coleções inteiras ao presente. Nesse ponto, a evolução desde as cole ções Idées-NRF ou Kioske-Colin, duas das grandes coleções dos anos 60, é marcante tanto na forma quanto no fundo. Podemos também mencion ar os múltiplos manuais universitários e escolares que tra zem a menção "de 1945 a nossos dias", lema dos pro gramas de ensino. Notaremos de outro lado a publi cação cada vez mais freqüente das atas de coló quios,fenômeno em plena expansão, revelador da vi talidade simultânea da oferta e da demanda. A este respeito, a publicaçao quase sistematica dos trabalhos do IHTP é significativa. Enfim, não nos devemos es quecer das coleções como "UHistoire immédiate", "UUnivers historique"... Na verdade, nenhuma das grandes editoras ignora esse fenômeno. Enfim, é pre ciso citar algumas revistas: VIngtième Siècle, Les Cahiers de V IHTP , e para um público mais amplo, UHistoire ^ No qu e co nc er ne ma is es pe cif ica me nte à hi st ó ria imediata, nota-se a multiplicação das edições de compilação de artigos (Le Monde), de números espe ciais de sem anários12sobre tal aco ntecimento, presen12 Nos quais se encontram lado a lado universitários, jornalis tas e intele ctuais.
17
te ou imediato, como a publicação de obras de histo riadores ou não-historiadores sobre os problemas cru ciais desses anos. Enfim, não se pode negligenciar a dimensão ra diofônica, cin ema tográfic a13, ma s sobretu do televisi va14, dessa presen ça da hist ória do p resen te. i
O INÍCIO DE UMA REFLEXÃO Em vinte anos, portanto, a história do presente se impôs, e desde o fim dos anos 70, uma reflexão m e todológica e epistemológica foi naturalmente em pr ee en di da . Po de -se le m br ar es pe ci al m en te a jo rn a da dos correspondentes departamentais do IHTP, em 1980, consagrada aos Tempos Atuais. Lembre-se igualmente um seminário dirigido por François Bédarida na Ecole des Hautes Études en Sciences sociales. E para coroar esta curta lista, devemos lem br ar a ex ist ên ci a do Dictionnaire des Sciences Historiques dirigido por André Burguières, a única obra a consa grar algumas páginas - de comprimento desigual - aos objetos de nosso estudo: Presente, História Imediata, História Política. Estas balizas não representam a totalidade das contribuições coletivas ou individuais que ajudam a compreensão ou a definição da história do presente e 13 Dois filmes acabam de sair consecutivamente, La guerre sans nom de Bertrand Tavernier e Patrick
Rotman, que se constitui de depoimentos sobre a guerra da Argélia (o livro aparece simultaneamente pela Seuil), Diên Bien Phû de Pierre Schoendorfer. 14 Pensamos particularmente em Histoires Parallèles, apresentado por Marc Ferro no canal Sete.
18
haveria ma téria para pesquisa nesta história da epistemologia, bem como na história da evolução historiográfica. Mas, no final das contas, contin uamo s sem munição. Para o presente, não dispomos de um a refe rência como Faire de VHistoire. O mérito principal dessa obra é o de ter baliza do o terreno da maneira mais exaustiva possível, pres tando assim um eminente serviço aos historiadores de todos os períodos; é de ter, além disso, aberto a porta ao contemporâneo, abrindo um espaço para o político e para o concei to de fato15. En treta nto, esse balanço aparecia isolado num estudo voltado antes de tudo pa ra os te m po s m od er no s e m ed iev ais . | Hoje em dia, só Pour une histoire politique pode respond er à expectativa dos historiadores do presente, j Mesmo se essas respostas permanecem parciais como vimos, é quase a única baliza historiográfica e epistemológica desses dez últimos anos. Por causa dis so, a obra figura como finalização no processo de afir mação da história do político - e por extensão da his tória do presente - ao mesmo tem po em que marca a pa rt id a d e um a av en tu ra cie ntí fic a q ue co nq ui st ou daí em diante sua carta de nobreza. Convém, portanto, considerá-lo como um texto fundador. Mas no que concerne diretamente à história do imediato, só nos resta contemplar o deserto que a nós se oferece. Não há instrumento de referência, tudo está po r fazer. O estudo historiográfico, metodológico e epistemológico dos tempos atuais está apenas desbravado. Nã o p od em os fica r ni sso . A h is tó ri a d o i m ed ia to e a do 15 Jacques Julliard, "La politique", in Faire de l'histoire, Gallimard, 1974, tomo 2.; Pierre Nora, "Le retour de l'événement", ibid., tomo 1.
19
pr es en te de m an da m um a def ini çã o m ais pre cis a, em seu próprio funcionamento, a fim de ser melho r per cebidas, individualmente, e uma em relação à outra.
D O EMBARAÇO SEMÂNTICO À LEGITIMIDADE CIENTÍFICA A questão prévia a esta epistemologia da histó ria dos tempos atuais é dupla, uma vez que concerne ao mesmo tempo à pertinência da terminologia usual e à legitimidade científica das histórias das quais falamos. História do presente, história próxima, história imediata: estas três locuções não fazem referência às mesmas cronologias. Entretanto, esses três tempos históricos pertencem ao campo do "muito contemp o râneo", o do século XX amp utado de seu primeiro terço. Sob muitos aspectos, as questões que se colo cam a um são válidas para os outros dois, porque a contração cronológica, o tipo de arquivos e a nature za dos objetos, dos campos fundam um só e mesmo tema. Antes de tudo o problema concerne também à conformidade das expressões e ao valor real de cada gênero. Ele se situa mesmo numa interpelação mais embaraçosa para nós: o próximo, o presente e o ime diato são indistintamente objetos de história? A história imediata é a que mais suscita descon fiança, pois é a que parece engendrar o maior parado xo fazendo rimar dois termos contraditórios: imediato e história. Pode-se falar de uma história do imediato? Essa história é legítima? O fator cronológico não é nem suficiente, nem satisfatório para embasar uma definição de história
20
imediata. Percebe-se a dificuldade quando se quer es pec ific ar com pre cis ão o esp aço cro nol óg ico qu e cob re o imediato. E, caso se faça uma escolha, ela logo pare ce arbitrária. A noção é obstinadamente fluida: algu mas horas? algumas semanas? alguns anos? Parece que pode ser tudo isso ao mesmo tempo. Em compensação, sabemos que o princípio des sa literatura não é em nada particular aos últimos anos, nem mesmo a este século: sempre existiram análises judiciosas escritas no calor do acontecimento ou antes que seu eco se atenuasse. Mas não é um sofisma dizer: escritos no calor do acontecimento ? Para ser fundamentada, a análise, mes m o a minima, implica "tempo" necessário à consulta e à síntese dos docum entos logo disponíveis. Por conse qüência, porque o ato de escrita e análise imprim e um certo recuo em relação ao acontecimento, a leitu ra imediata pertence ao presente antes que ao imedia to em sua definição primitiva de instante. Além disso, todos os que se exercitam na histó ria imediata, jornalistas, historiadores, politólogos, so ciólogos, tendem espontaneamente a se colocar, em graus diversos, na horizontalidade cronológica e não na verticalidade sincrônica da análise pontual, verda deiramente imediata, porque tal não é o método his tórico, porque o próprio público espera um esboço do futuro e um esclarecimento do presente pela "rever be ra çã o his tór ica ". Se nos restrin girm os a essa visão das coisas, a história imediata não existe, e não passa de conse qüência de uma manipulação lingüística fundada numa antinomia. Mais precisamente, o estudo do jornalismo his tórico é instrutivo, porque a história do imediato foi
21
pr im ei ro m ar ca da pe lo selo jo rn al íst ico . De ce rta m a neira, ela é mesmo filha da imprensa. De fato, foram a pressão jornalística e a demanda social conjugadas que impuseram o princípio da história imediata a par tir da metade dos anos 50. A vida política francesa sob a IV República é n o tavelmente caprichosa; no mesmo m omento, os múl tiplos aspectos da guerra fria fornecem temas volumo sos, candentes e pertinazes. Pela intensidade dos en gajamentos inerentes à situação de precariedade polí tica, diplomática e militar, pela elevação do nível de estudo, o período se prestava, pois, ao desenvolvi men to de um a literatura cujo papel devia ser o de es clarecer a nação sobre a instabilidade governamental, sobre as guerras, sobre a descolonização, sobre as ten sões internacionais. Mas esta afirmação é igualmente inseparável dos progressos audio-visuais, da acelera ção da com unicação , do vigor da edição. Enfim, esse pe río do é t am bé m o de um a du pl a co nf irm aç ão ed it o rial e universitária: a da ciência política e da sociologia que reclamavam, ambas, uma maior capacidade de análise do presente. De fato, o procedimento da história imediata é mais parecido com as técnicas jornalísticas do que com as da ciência histórica. Os fatores conjugados que lhe deram nascimento não resultam, em primeiro lugar, do princípio inicial da história: o recuo, o desprendi mento com relação ao fato. Isto não implica , aliás, que a história imediata seja exclusivamente determi nada por essas técnicas e que não seja tributária da pe sq ui sa cie ntí fic a . Da mesma forma ela é determinada pelo estatu to dos homens que inauguraram de m aneira perene o recurso à história imediata. Dois nomes vêm natura l __
22
mente à memória, Jean Lacouture, autor de L'Egypte en mouvement (1956), do (Le) Maroc à l'épreuve em 1958, Charles André Julien, autor de L’ Afr ique du Nord en marche, publicado em 1972, depois de ter sido co-signatário (com Charles Albert Ageron) de uma Histoire de l ’Algérie contemporaine, publicada em 1964, apenas dois anos depois do acordo de Evian. De Jean Lacouture, pode-se dizer que é um jornalista-historiador. De Charles André Julien, diremos que é historiador-jornalista. Encontramos aqui essa mestiçagem metodológica. Mas como o nota JeanPierre Rioux, nem por isso há confusão de gêneros. Acontece que a ambivalência ou a ambigüidade que nasce dessa interseção leva a pensar a história imedia ta como um gênero híbrido. Essa ambivalência, no en tanto, não é própria das obras dos anos 50-60, e esse hibridismo se encontra em outras mais recentes. Assim em 1991, Solange e Christian Gras escre vem uma Histoire de la première République miterrandienne16. Eles têm acesso aos arquivos de Mauroy e Fabius; eles têm a possibilidade de constituir arquivos orais interro gando alguns "figurões" políticos; enfim, eles compulsam os dossiês de imprensa. Mas nun ca eles dta m suas fontes, suas provas, exceto aquelas que já foram publicadas. Como distinguir, então, a parcela das informações tiradas dos arquivos daquela nascida do boato, de suas próprias hipóteses ou do pré-julgamento? Problema tanto mais complicado pelo fato de que Christian Gras não é s omen te historiador e testemunha do período: ele foi também seu ator como memb ro do gabinete Mauroy. No limite,
16 Robert Laffont, 1991.
23
tanto na forma q uanto no conteúdo, a obra não se distin gue daquelas que a tinham precedido e cujos autores eram jorna listas17. O problema se coloca em termos análogos para Charles-André Julien. Ele foi conselheiro da Union Française, mem bro da SFIO, anticolonialista convicto, colaborador do Monde, e, na ocasião, associado a pu bli caç ões be m m ar ca da s à es qu er da co m o France Observateur. Se sua Histoire du Maroc permanece ainda como referência, se ela resistiu ao tempo, como diz Jean-François Sirinelli, acontece que, escrita no curso dos acontecimentos, na época do fechamento progres sivo do Marrocos, ela comporta necessariamente um certo número de falhas, esquecimentos voluntários ou não , devidos a pressões exteriores ou não, devidos, eventualmente, à pressão do tempo e ao desecadear dos acontecimentos que vai sempre mais rápido do que o historiador. No exe rcí cio da hi st ór ia im ed iat a, est e nã o é muito mais livre do que o jornalista. Estes exemplos pe rm it em col oca r be m o pr ob le m a da na tu re za e do grau de legitimidade científica desta história. Vista como objeto, a história do imediato é tes temunho. Este é seu valor intrínseco. Esse testemu nho pode tomar a forma de uma análise que, hierar quizando um a primeira vez as questões, os fatos, for nece conjuntamente arquivos, depoimentos, pistas de pe sq ui sa e esb oço s de in te rp re ta çã o. Ai nd a qu e m a n tenha um aspecto científico, a história do imediato pe rm an ec e pr in ci pa lm en te um a m at ér ia pa ra ref le -
17 Por exemplo Pierre Favier, Michel Martin Roland,
La décennie Miterrand, Le Seuil, Paris, 1990.
24
xão, como todas as histórias, é verdade, mas ao preço de uma releitura18. Esta análise formulada no calor da hora, que seja a obra de um historiador reputado, de um jor na lista experiente, e mesm o se o público pôde referir-se a ela (imediatamente ou mais tarde), deve ser consi derada antes de tudo como testemunh o, como objeto histórico. A qualidade dos autor es e a realidade da d e manda social não estão em causa, mas não são fatores de cientificidade. Certamente, aquele que escreve his tória imediata é testemunha e historiador (enquanto (d)escreve a história), ele nunca ignora o rigor cientí fico. Mas ele é igualmente ator, está em relação direta com seu tema. Ele pode ser passivo ou ativo, neutro ou engajado, e sua obra pode se tom ar tomada de po sição ideológica, moral, benevolente ou combativa. E se seu trabalho adota a forma de uma observação 18 Sobre este pont o, as opini ões de um jo rnali sta historiador e de um historiador-jornalista concor dam. Jean-Raymond Tournoux escreve: “A História escrita pelos contemporâneos é polêmica. Mas esse livro não tem a intenção de escrever toda a História de alguns acontecimentos; em compensação, sem alimentar controvérsias partidárias, ele espera trazer, para o futu ro, uma contribu ição p or me io de depoi mentos, de documentos, de precisões." In Carnets secrets de la politique, Plon, 1958, p. 1. Jacques Julliard confidencia a propósito de seu papel de cronista no Nouvel Observateur: “(...) Para além do jornal, supos to de refletir o presente imediato em sua diversidade barroca, cabe-lhe fazer as primeiras seleções, em pre ende r essa prime ira organização da atualidade, destinada a torná-la legível a nossos contemporâ neos, antes que a História por sua vez opere suas es colhas". In Chroniques du septième jour, Le Seuil,1991, p. 9.
25
científica rigorosa, de uma dedução dos fatos procu rando a maior neutralidade, esta, nós bem o sabemos, não é menos objeto da história do que a leitura dos fa tos através de um prisma ideológico, filosófico, moral ou religioso. Ni ng ué m esc ap a a es ta lei do gê ne ro . Re dig ind o Létr ange défaite em 1939, Marc Bloch é historiador, observador perspicaz19. Mas ele é igu almen te te stem u nha e ator e apesar da clarividência de suas análises, imprime, como qualquer outro, esperanças e inquie tações de seu tempo sobretudo porque não está ins truído pelo fut uro . O mesmo ocorre quando a história imediata é estudo ou avaliação da realidade. Na biblio grafia esquelética indispensável ao estudo das dissi dências socialistas da IV República, o n úm ero especial de Temps Modernes sobre as Novas Esquerdas, publica do na primavera de 1955, é central. Mas, apesar da pr eo cu pa çã o com a ob jet iv ida de e d o va lo r da rev ist a, a redação de Jean-Paul Sartre estava, bem mais que outras, ancorada em seu tempo, implicada nos deba tes contemporâneos20. Voltado para seu tempo, insuficiente ou incom pl et am en te pr ov id o do re cu rs o ne ce ssá rio pa ra da r a tal fato, a tal crise, seu verdadeiro valor, o docum ento de história imediata deve ser lido com distância. No li mite, entretanto, a dimensão analítica ou prospectiva 19 Uétrange défaite, Edition Franc Tireur, 1946. 20 Quando essa subjetividade não é reconhecida de imediato por um autor no trabalho exemplar. "Nós nos ocupamos constantemen te com nossa época; fal ta-nos qualquer recuo ou perspectiva; corramos o risco de nos enganar." Conclusão de Maurice Nadeau no prefácio de Le Roman français depuis la guerre, Gallimard, 1963, 1970 (reedição, Le Passeur. 1992).
26
das obras (ou dos "últimos" capítulos) de historiado res, sociólogos, politólogos ou de jornalistas especialis tas no presente é talvez mais justa do que a dos sim ple s "cr oni sta s", na m ed id a em qu e, pr ec is am en te , o ato histórico consiste em pôr a história em perspecti va depois de ter re tirado desta os aspectos factuais que são apenas sua trama. Apesar de sua imperfeição, de sua inexatidão virtual, a história imediata tem um a função social. Ela é o complemento da história do presente. Ambas for mam um todo. As duas são vetores da legibilidade do pr es en te pa ra um pú bli co am pl iad o e sol ici tan te: a história do imediato como a historia do presente res po nd em a essa de m an da . E nt re ta nt o, essa co ns ta taç ão não se deve prestar a confusões. Certamente, há uni dade cronológica com a história do presente. Certa mente, há uma demanda multiforme e uma resposta. Mas é preciso definitivamente distinguir o que se apu ra de uma verdadeira pesquisa histórica daquilo que não faz parte inteiramente desta: a história do imedia to pertence a essa segunda categoria. O debate terminológico é menos caloroso no que tange às duas outras expressões corren teme nte empregadas: História Próxima, História do Presente. Alguns confessam sua preferência pela primeira, ou tros defendem, ou mais simplesmente, utilizam a se gunda. Aqui as sensibilidades pessoais prevalecem so br e a es co lha se m ân tic a. Af ina l de con tas , po uc o im po rt a qu e a hi st ór ia pr óx im a lev e va nt ag em se gu nd o alguns, sobre os últimos trinta anos, e que a história do presente englobe, segundo outros pontos de vista, os cinqüenta ou sessenta últimos anos. As duas fun cionam de um m esmo modo, definem-se por caracte rísticas comuns: a natureza dos arquivos e sua forma de acessibilidade, a natureza dos métodos, o círculo
27
dos historiadores, a continuidade cronológica num sé culo. As duas possuem, além disso, o recuo necessário pa ra de sa pa ix on ar a ab or da ge m cie ntíf ica . A locução "história do presente" é, entretanto, a mais corrente, a mais reconhecida, aquela que se utiliza por convenção. O próprio nome do Institut d'Histoire du Temps Présen t traduz essa generalização. Generalização fixada porque o valor científico dessa história é doravante incontestável. Mas nosso tema não se contenta com um sim ple s at es ta do his tor iog ráf ico , edi tor ial , soci al ou u n i versitário, pois, se o balanço respondesse apenas à exi gência científica, ele não teria razão de ser: a história do prese nte deu p rovas de sua distinção21. Convém, po rt an to , qu e no s vo lte m os pa ra o hi st or ia do r pa ra tentar especificar critérios de definição diferentes da queles da própria ciência. Antes de ser analista, o historiador é homem, cidadão, ator ou espectador, e há alguns anos, tanto em seus escritos como em seus cursos, ele reivindica ou reconhece cada vez mais seu próprio pertencimento à história, - e esse olhar que n ão foi necessariam en te o do historiador, mas talvez o do inocente ou da tes temunha, engajado ou não. O estudo da história do pr es en te , a in te rro ga çã o epi ste mo ló gic a sob re se u va lor, não dizem respeito ao questionamento de sua existência social ou científica, nem à pertinência de sua denominação, mas a seu próprio funcionamento, como testemu nham as linhas seguintes:
21 Ver a contribuição de Jean-Pierre Rioux, "Peut-on faire une histoire du temps présent? "
28
"O autor destas linhas confessa que em 1944, aos cinco anos de idade, son hava prazerosamente diante das vitrines vazias das confeitarias, mas que em 1958, estudando em Paris, ele acreditava ter o que dizer contra essa guerra da Argélia que marcou dolo rosamente a entrada de sua geração na política. No ajuste de contas, lembranças felizes perturbaram-no. Ele não mais importunará seu leitor com eles, mas esse espectro de emoções o impede de almejar uma objetividade cuja fragilidade e equívoco a prática da históri a lhe revelou ."22 "Para terminar, permitiremos ao aut or falar - uma vez só - de si mesmo. A geração à qual eu pertenço ouviu apenas ecos longínquos e já abafados do segundo conflito mundial e seu despertar também não se dá, cronologicamente, sob o signo da Argélia. Por isso, essa geração de historiadores tem uma relação com o passado pré- quinta -repúb lica sem paixões, o q ue não quer dizer sem convicções. De resto, a corporação de historiadores não esperou essa nova extração de pes quisadores para calcular e demonstrar que era possí vel fazer uma história do tempo próximo oferecendo todas as garantias de rigor e seriedade. Então, por que essa declaração de princípio? De fato, por essa razão evidente mas que é preciso relembrar mais uma vez: a história dos intelectuais é, em essência, uma histó ria de forte teor ideológico, ainda mais se se pode ler nela em filigrana uma relato das grandes paixões francesas. Também o pesquisador, se baixa a guarda no exercício de seu ofício, arrisca-se, consciente ou inconscientemente, a ceder seu lugar ao moralista. (...) Nem por isso o perigo deve proibir uma reflexão(...) Uma história serena não significa uma histó ria asséptica(...): assumir a subjetividade é meio cami nho andado para con trolá-la" 23. 22 Jean-Pierre Rioux, in La France de la IV. République, Seuil, tomo 1,1980. 23 Jean-François Sirinelli, Intellectuels et passions françaises, Fayard, 1991.
29
Essas advertências falam por si. Devemos, en tretanto, completá-las a fim de compreender bem o sentido e as causas desta reivindicação pessoal - reivindi cação que toca várias gerações de historiadores asso ciados no estudo do presente. Não de ix a de ser sig nif ica tiv o qu e Je an -P ie rr e Rioux e Jean-François Sirinelli, nascidos respectiva mente em 1939 e 1944, tenham a necessidade de (se) pô r e m al er ta co nt ra os efe ito s da su bje tiv ida de , p ois é pre cis o re co nh ec er qu e es ta at itu de ca rac ter iza um a certa geração. Certam ente, eles não viveram os m es mos eventos, as mesmas tensões históricas e o dizem. Entretanto, tanto um quanto o outro, porque traba lham com as elites, com a sociedade e a cultu ra de sua pr óp ria épo ca, po rq ue fa ze m pa rt e da ge ra çã o de hi s toriadores que emancipou os campos históricos, que descobriu suas armadilhas, associam-se e insistem de liberadamente sobre as eventuais deformações, sobre as dissimulações de uma história do presente. Isto não quer dizer que outros não tenham tido essa intuição que permanece um princípio fundamental da hones tidade intelectual. \ Mas esta interrogação está ligada a duas outras novidades: o crescimento e a reputação da história cultural e intelectual, e a moda da ego-história, que pertencem, ambas, antes de tudo, a esta geração de his toriadores. Hoje em dia, a mistura das idéias, dos m é todos, dos campos e das gerações (os autores reu nidos aqui nasceram entre 1919 e 1965) é tal que este alerta contra a subjetividade dos historiadores se generalizou. É, portanto, indispensável refletir em termos de presença do histori ador em seu tema - presença direta ou indireta no tempo, presença intelectual, moral, filosó fica, ou mais simplesmente psicológica e física.
30
Se não se devem subestimar os fatores de defi nição anexos ou cone xos da história, especialmente os que pudemos evocar nestas páginas, permanece o fato de que a observação da relação física entre o historia dor e seu tema, o historiador e seu tempo, mostra que a definição de história do presente passa principal mente pela referência de uma nova relação entre o cientista e seu cam po de investigação. Essa imersão do historiador do presente em seu tema distingue-se, parece-nos, da relação natural que todo historiador tem com seu tema, seja ela passional ou não. Jamais um medievalista ou um m odenista po derá "viver" o que descreve. Ele deve recompor uma realidade que lhe escapa fisicamente. Não é senão no pr es en te , po r re ve rb er aç ão de su a rel aç ão no pr es en te, que ele pode (re)conhecer ou imaginar aquilo de que fala investindo-o de u ma presen ça física "real" . A metáfora histórica nasce da associação entre ima gens do presen te e representaçõe s do passado. Sobre este ponto, Jacques Le Goff faz uma relação demons trativa entre a representação da guerra medieval e seu valor de realidade ilustrada, encarnada pela guerra contemporânea. Uma outra questão se coloca no próprio interior da família de historiadores do presente. Os pesquisado res nascidos no meio dos anos 60 têm a m esma percep ção do acontecimento que seus mestres, a mesma rela ção física ou intelectual com o pre sente? Se não é este o caso, isto induz a evoluções fundamen tais? Sobre a forma, nada há de novo. Como nossos antecessores, nós funcionamos com uma memória dupla: direta/indireta, mesmo que ela seja cada vez mais deformante e ativada por causa do desenvolvi mento incessante da comunicação e da comemoração.
31
Pode-se, no entanto, pensar que é uma falsa si militude, pois nós não conhecemos a crise aberta, vive mos no mito de acontecimentos e engajamentos en cerrados24. Nada há em comu m e ntre a crise econô mi ca difusa dos anos 70-80 e as crises abertas dos anos 50-60. Esta diferença é decisiva quand o a conjugamos com dois fenômenos novos, correspondendo, desta vez, a nossa memória direta: o não-acontecimento e o recuo das grandes mitologias revolucionárias ou utopistas. Pierre Nora definia magistralmente "o acontecimento-monstro". Mas, para nosa geração, essa mons truosidade parece ser paradoxalmente responsável por uma banalização do fato, tornado repetitivo, derreado e sem substância. Por sua onipresença audio-visual, po r seu ca rá te r un iv er sa l e i ns ta nt ân eo , po rq ue se p o deria finalmente apelar para seu caráter de normalida de, o acontecimen to se esvazia. Nós temos u ma relação física com a história em movimento, mas ela não está mais carregada - cumulada - das mesmas representa ções nem das mesmas esperanças que há vinte ou trin ta anos porque, justamente, a história avançou. Ne sta evo luç ão , o re cu o dos ide ali sm os e o des 'iocamento do político para uma política de gestão (econômica, social, ecológica, ética, humanitária...) desempenham um papel central. Mesmo se ele é por tador de uma grande violência ou de uma simbólica histórica impressionante (Tchernobil, queda do muro de Berlim, morte de Ceaucescu, guerra do Golfo, pu ts ch co nt ra Go rba tch ev, êx od o do s alb an ese s, de s mem bramento da URSS), o acontecimento não é m ais
Investido do mesmo valor. O que não significa de modo algum, aliás, que nós não estejamos presentes a esses acontecimentos, ao contrário. Encontra-se essa ambivalência na ação hum a nitária: consciência ou implicação moral de um lado, ba na liz açã o e ges tão in st itu ci on al da ca tás tro fe de outro. Nã o se tra ta , po rt an to , de dis cu tir o va lo r re al dos fatos na história, mas sua percepç ão e as condições históricas nas e pelas quais eles são percebidos. A presença do historiador em seu tempo evolui, po rt an to , em fu nç ão da pr óp ri a his tór ia. Nã o há na da de novo nisso. Em compensação, a evolução da rela ção com o acontecimento, a mutação dos engajam en tos ou não-engajamentos intelectuais e políticos mar cam um a ruptura com as gerações precedentes de his toriadores. O contexto não é mais o mesmo. Isso ex plica , tal ve z, o de sej o de ne ut ra lid ad e e de re co lh i mento cada vez mais marcado das novas gerações: re colhimento, neutralidade que se traduzem freqüente mente em termos de pessimismo, de desinteresse ou de resignação, mas que cientificamente, seriam os fru tos do encontro entre as lições epistemológicas da his tória do presente e a evolução do contexto histórico e da percepção imediata da história. Na ho ra em qu e a qu es tã o cu ltu ra l se so br ep õe po r v eze s à qu es tã o pol ític a, co ns ta ta -se qu e a h is tó ria adota também um modo de análise centrado sobre a noção de cultura; e que a nova geração de historiado res do presente se atém primeiro a uma explicação sócio-cultural,enquanto que no seu início, seus anteces sores favoreceram em primeiro lugar o político.
24 Pensamos em particular na crise argelina, em maio de 1958, mais ainda em maio de 1968.
32
UWVERSIDADE^FEDERALDEUSERUn DR OJDÍJQteC^
33
Q uais eixos de pesquisa ? Se nos ativermos à ordem que adotamos nesta apresentação, o historiador e sua disciplina constituem um prim eiro eixo de pesquisa, e a história do p rese n te deve ser estudada por meio de três temas: os novos pr ob le ma s, os n ov os ca mp os e as no va s a pr es en taç õe s. Esta observação da renovação metodológica permiti ria definir precisamente a disciplina e apreender sua natureza substituindo-a no concerto das diferentes histórias. E para ser completo, seria necessário fazer um estudo dos lugares de sociabilidade dessa história a fim de avaliar a natureza da sensibilidade comum aos historiadores desse período. Definitivamente, tudo volta a colocar a questão da existência e da definição de um a "escola" histórica. E ainda aqui, qualquer resposta comporta seu corolá rio de interrogações. Por que a história política não se afiipiou abertamente como um a escola? Por que e como os diferentes direcionamentos históricos se aproximam e se enriquecem? Há, hoje, um desejo de homog eneização do m étodo em história25? Ora, para responder a essas questões, é preciso abrir outros caminhos além da historiografia, da me todologia, da sociabilidade, e devemos abordar o pro bl em a do percurso histórico. Como e por que se faz história do presente? Como nos tornamos historiadores do presente? Quem 25 E além, num percurso fixado na antropologia, no sentido etimológico do termo, um desejo de homo geneização, de interdisciplinaridade real entre as "ciências irmãs": história, sociologia, etnografia, sociologia.
34
é o historiador diante de seu tem po? Quais são as con seqüências dessa presença do historiador em seu tem po, e po r i sso me sm o, o qu e ele es tá pr op en so a es tu dar, com recuo ou no instante? Nes se do m ín io, a co nt rib ui çã o da eg o-h ist óri a, a vontade crescente de integrá-la como fator causal pod e ser de gr an de aju da . A re ivi nd ica ção do bl oq ue io pes soa l tr ad uz um a no va et ap a na s pos sib ilid ade s de Interpretação. E se na origem, a ego-história não é e x clusivamente feito dos especialistas em contemporâ nea- inaugurada que foi pelos medievalistas e moder nistas - nem por isso ela se torna menos importante pa ra nó s. Ma s ne ssa ob ser vaç ão do pe rc ur so dos hi s toriadores, é necessário igualmente interrogar orien tações historiográficas e climas ideológicos. Ego-história, "atmosfera" e orientações historio gráficas misturam-se no processo de pesquisa e de identificação do autor com seu tema. Jean-François Sirinelli mostra como um clima ideológico pode d eter minar as orientações historiográficas. No mesmo senti do, Jean-Jacques Becker alerta para os perigos de um a história que cederia ao peso do acontecimento rejei tando objetos históricos considerados moribundos. Uma vez que o problema da disciplina coloca a questão da relação entre o historiador e seu tema, mas também da relação entre o historiador e seu tempo, qualquer resposta seria incompleta se esquecesse o historiador, a história e a sociedade. Quer seja em sua relação com a testemunha, com o arquivo oral, o que mostra Robert Prank, quer seja na sua relação com o público, com o jornalismo, como nos descreve Jean-Pierre Rioux, o historiador é cada vez mais parte integrante do contemporâneo po rq ue a for ça da hi st ór ia pas sad ist a, fa ctu al e h ist or i-
35
cista se esfumaça diante de uma demanda social insis tente, resolutamente ancorada no presente e no modo "interpretativo". Em sua intervenção pública, a histó ria, como a medicina ou a ciência da ecologia, é um fator de compreensão do presente e vetor de opinião pa ra o co rpo soc ial. Co nv ém , po rt an to , sa be r co mo e po r qu e ess a re la çã o en tr e a ciê nc ia e a soc ied ade funciona. Como se percebe, a interrogação sobre a histó ria do presente toca "um pouco de tudo". Ela é histó rica por essência, daí a dificuldade, e até mesmo o pe rigo, de separar uma visão da outra. Quer se analisem os objetos, as formas, o método o u os objetivos da his tória; quer se observe a disciplina, ou percurso ou a função social, devem-se explorar os terreno s limítro fes e conceber uma reflexão geral sobre a história do pr es en te , sob re o h ist ori ad or . O historiador deve, pois, abstrair-se o mais completamente possível das interferências da ideolo gia e da subjetividade, estudando-as e procurando apreender verdadeiramente seu objeto além de uma acepção puramente histórica. A epistemologia da his tória do presente consiste, portanto, em interrogar a história a fim de propor novos dados que aum entarão sua capacidade de explicitação e de sug est ão26. Pôr em 26 Orientação bibliográfia suscinta ... Gilles Deleuze e Félix Guattari, Qu'est-ce que la philosophie?, Éditions de Minuit, 1991, p. I l l sq.; Reinhart Kosseleck, Le fut ur passé. Contribution à la sémantiq ue des temps historiques, Éditions de l'EHESS, 1990, p. 19 sq.; Alain Testart, Éssai d'épistémologie, Christian Bourgois,
1991, especialmente pp. 75-92, pp. 105-110; G. Gadoffre, Certitudes et incertitudes de l’histoire, PUF, 1987.
questão a história do presente não é antes de tudo louvar sua capacidade explicativa. Não é defender e Ilustrar uma nova maneira de história, é ao contrário ol)servá-la e pô-la em dúvida para melhor conhecer seu funciona men to e assegurar-se de sua validade - de sua capacidade heurística. Agnès Chauveau Philippe Tétart (Centre d'Histoire de l'Europe du vingtième siècle)
capitulo 2
PODE-SE FAZER UMA HISTÖRIA DO PRESENTE? pb r Je an -P ie rre RIOUX
Antes de adiantar uma argumentação que po deria tornar plausível uma resposta positiva a esta qu estão, é preciso estar de acordo acerca desta noção, a prior i desconcertante, de história "do presen te"1. Pois não se trata nem do "período" último de um recorte do passado para uso escolar e universitário, nem de um conceito de substituição por tempos de crise da temporalidade nas nossas sociedades invadidas pelo efêmero, nem mesmo de um paradigma regulador no caos das ciências sociais. Uma história dita do pre sen te participa de fato mais ou menos de todos esses vo cábulos. Houve, não duvidemos disso, uma boa parte de bricolage na sua construção, enquanto que aqueles que a questionam não depuseram as armas. Na Fran ça, a questão se estabeleceu no finzinho da década de 1970, qua ndo o CNRS, sem fazer alarde, criou um la bo ra tó rio , o In st it ut d'H ist oir e du Tem ps Pr és en t, cuj a missão, precisamente, consistia em refletir ativamente sobre a noção, conduzindo pesquisas específicas que resumiriam o movimento. Ela não parou de agitar os espíritos, e o dito Instituto nunca esteve resguardado das atribulações. 1 Uma primeira versão desse tjixto foi publicada em
Historical Reflections. Réfléxions historiques, 1991, vol.
17, n. 3, alfred University, Nova York, p. 297-305.
39
A formulação mais brutal da questão, aquela que suporta a carga epistemológica mais forte, é evi dentemente esta: pode o presente ser objeto de histó ria? Como de fato inscrever um presente fugaz na construção, ou reconstrução, necessariamente temp o ral ou retroativa , que elabora o historiador confron tando suas hipóteses de trabalho com a dura realida de da documentação e do arquivo recebidos? Avan çando um pouco a reflexão, percebe-se que essa dú vida remete a uma inquietação propriamente filosófi ca: o presente tem sua chance diante de uma longa duração que parece ser - toda a obra de um Fernand Braudel foi construída em cima desse "parece" - a verdadeira modulação e a respiração vital do devir humano? Por falta, sem dúvida, de ter recebido como seus colegas anglo-saxões, alemães ou italianos, uma for mação filosófica suficiente, os historiadores franceses contornaram com bastante frieza essa provocação e lhe dão muito freqüentemente uma resposta de or dem mais metodológica do que epistemológica ou m e tafísica. É verdade que um grande nome os ajuda a ul trapassar sua deficiência conceituai oferecendo-lhes o aval do bom Pai: o de Tocqueville, que enga stou so be rb am en te co m o s e s abe , o t em po cu rto da de m oc ra cia, na França e na América, no tempo longo dos An tigos Regimes. Graças a ele, os acontecimento s inau di tos e os messianismos datados que tecem um p resen te entraram nesse jogo do distinguo entre rupturas e continuidades ao qual o historiador francês se entrega com avidez e que, mais freqüentemente, faz as vezes de bagagem diante de qualquer novidade desconcer tante. Não nos espantaremos, pois, por vê-lo tratar tão à vontade a história do presente ao mesmo tempo como o término de uma periodização e a fina película
40
cronológica que deseja apenas espessar-se, mas tamliérn como um momento particularmente favorável à observação da ação do tempo passado sobre o presen lc e, enfim, como uma perm uta tangível entre m em ó ria c acontecimento.
A PROXIMIDADE E A INTELIGIBILIDADE O argumento mais freqüente invocado contra essa história é o da proximidade. A objeção, de fato, é forte. Como traduzir em termos de duração um pre sente, por definição, efêmero? Presente esse cuja pro dução, além disso, é cada vez mais, ao longo do sécu lo XX, fenômeno atual, cujos delineamentos são con fundidos nesse turbilhão denso e indistinto de mensa gens, nesse imenso rumor mundializado de um "atual" triturado, amassado, transformado sem tré gua, sob o triplo efeito da mediatização do acontecido, da ideologização do ato e dos efeitos de moda na nos sa apreensão de um curso da história? Se nosso pre sente é doravante u m a sucessão de flashes, de delírios pa rti dá rio s e d e jo gos de esp elh os , co mo sai r d ele pa ra erigi-lo, em objeto de investigação histórica? Ainda mais que o próprio historiador, acrescen te-se, imerso em seu tempo, também oscila no curso da correnteza, mergulha nessa confusão de aconteci mentos sem hierarquia nem causas aparentes e toma a sopa do dia no noticiário da TV. E se ele quiser se li vrar da onda? Logo será grande nele a tentação de simplificar seu curso p ela aplicação de algum a filoso fia curta que secará esse real desorientad or no fogo de seu voluntarismo. A armadilha assim está montada: entre a marulhagem indistinta e a simplificação abusi va, a inteligibilidade não teria nenhuma chance.
41
Admitindo mesmo que algum clarão pudesse advir de uma navegação ao acaso, no entremeio des ses recifes, a ausência de fontes completas e de docu mentos confiáveis tornaria muito vã qualqu er tentati va exploratória, acrescentam os céticos. Impõe-se, en tão, a conclusão, adocicada ou sentenciosa de acordo com o humor do detrator: que o historiador abando ne a partida, que ceda lugar aos jornalistas seriamen te documentados que produzem desde os anos 1960 uma "história imediata" sem pretensões supérfluas e mode lada por um T ournoux ou u m Lac outure2; que se contente em ler haja o que hou ver e reun ir entre eles, como materiais para uma história em gestação que ele deveria modelar, a produçã o dos sociólogos retrospec tivos, politólogos de geometria variável, economistas ruminando suas imprevisões ou etnólogos repatriados de seus longínquos rincões.
A BUSCA DE IDENTIDADE De fato, essa desistência não resolveria nada. É, pois, a própria sociedade que im pulsiona o historia dor a não desistir, que lhe sugere não tropeçar diante do obstáculo da proximidade e até mesmo utilizá-lo pa ra m el ho r salt ar. Visto qu e at or es e te st em un ha s, humildes ou não, não esperaram mais mu ito tempo e dizem alto e claro, como mostra a proliferação de de po im en to s em livr os, qu e nã o pr et en de m de ix ar con 2 Ver em particular Jean Lacouture, De Gaulle, Paris, Le Seuil, 3 vols., 1984-1986. Sobre essa "história imediata e, mais geralmente, sobre a ligação entre história do tempo presente e jornalismo, ver JeanPierre Rioux, "Entre histoire et journalisme", infra.
42
mimlr suas forças e tornar insípidas suas lembranças rtirllando privar de sentido sua experiência. Alguns Ali queimam etapas, seja produzindo uma palavra incdlatizável e logo consumível, seja fazendo-se a si incsinos de historiadores por sua con ta e risco (leia-se, por ex em plo , a feliz em pr ei ta da de Da nie l Co rdi er a pro pó sit o de Je an M ou li n3). Nã o se tr at a m ais aq ui , pe rc eb e-s e b em , de um a versão atualizada desse gosto generalizado pela histó ria ou desse ativismo das raízes, das genealogias e das celebrações patrimoniais que atacaram nossas socie dades às vésperas de um fim de século4. É antes de u m vivo desejo de identidade que nasce essa ambição de uma história atenta ao presente, cuja originalidade será ser escrita sob o olhar dos atores e cuja vocação desabrochará no balanço das temerosas especificidades do século XX. Ela será uma espécie de evangelho eterno para vivos, cujo historiador podera ser o após tolo; um depoim ento de boa qualidade científica sobre esse estranho sentimento próprio de nosso tempo, Inédito na torrente do tempo e que atrapalha tão fre qüentemente nossos contemporâneos: a consciência, dolorosa ou exaltante, de ter sido, por bem ou por mal, tomados, triturados e designados por uma histó ria catastrófica cujo curso eles jamais dominaram .
3 Daniel Cordelier, Jean Moul in. L'inc onnu du Panthéon, Paris, Jean-Claude Lattès, 2 vols., publica dos, 1989. 4 Ver sobre esse ponto Jean-Pierre Rioux, "L'émoi patrim onial", em Le Temps de la réflexion, VI, Paris, Gallimard, 1985, pp. 39-48 e, para uma comparação com antes de 1901, Chronique d ’une fin de siècle. France, 1889-1900, Paris, Le Seuil, 1991.
43
I
Duas guerras e duas crises mundiais, uma des colonização e uma gue rra fria, duas partilhas do mu n do, em 1919 e em 1945, espetacularmente arrumadas nos anos 1930 e no alvorecer dos anos 1990, subver sões tecnológicas inauditas e u m progresso galopante: é muito, com efeito, no espaço em que ma l cabem três gerações cuja expectativa de vida, aliás, aumentou sensivelmente. Assim, como estranhar que, tendo mudado para tantos vivos a relação existencial com a história - sem falar do peso inquisitório dos milhões de mortos -, o desejo de um relato linear resumido e de uma investigação explicativa da aventura tenha atin gido as consciências ?
A RECUSA DO
EFÊMERO
E essa preocupação com uma relação fiel e com a coleta do dossiê é redobrada, com todos os efeitos da rapidez adquirida pela ação generalizada da mídia, por uma espécie de vontade comovente de lutar contra uma massificação das efemérides que mantêm uma te merária amnésia n as nossas sociedades. "Aceleração da história", mundialização das questões, imediatismo de uma informação torrencial vertendo "seqüências" que fazem as vezes de acontecimentos: esses lugares co mu ns do analista apressado do século XX excitam in contestavelmente um desejo de conhecimento instan tâneo, nutrem uma inquietação surda em que se mis turam nostalgia das "belles-époques", reação de defesa diante do futuro, necessidade de continuidades marca das e sede de identidade coletiva ou nacional. A pres são social traduz assim no presente, tranfere para o pr es en te , a fó rm ul a cél ebr e qu e M ich ele t apl ica va ao pas sad o: " Eles pre cis am de um Éd ipo qu e lhe s exp li-
44
Ijur seu próprio enigma, cujo sentido não perceberam, »|iu* lhes ensine o que queriam dizer suas palavras, »r\!N aios, que não co mp reen deram . Eles precisa m de UIM Promete u, e que no fogo que ele roubou , as vozes íjllc* flutuavam geladas no ar se revoltem, transfor mem-se num som, ponham-se a falar.(...) Só então os Itiortos se resignarão à sepultura". Essa recusa do efêm ero, esta necessidade de dar KCiUldo enquanto não se acredita mais nem no pro gresso linear, acompanham-se também de uma necesnliladc de transmitir com urgência esta experiência embrionária e muito pouco loquaz às novas gerações que, também elas, virgens de qualquer memória ajui zada, arriscam-se a ser levadas no turbilhão e às quais o "mocismo" ambiente renega ainda mais qualquer capacidade de fidelidade histórica. Não ressaltamos o ba st an te , m e pa rec e, o q ua nt o no ssa s soc ied ade s r ec o meçam com essa propensão a declinar mais uma vez os grandes fatos de um presente memorável que in ventou a Atenas de Heródoto ou de Tucídides. Desde 1959 os estudantes colegiais da França deviam estudar o mun do até 1945 e, desde 1983, os programas de his tória das classes de terceiro colegial e de último ano dos liceus levam a investigação "até nossos dias" , sem que esta decisão de acender os fogos do presente nos jov ens esp íri tos po ss a se r o fr ut o de um a pr es sã o co r po ra tiv a dos pro fes so res (a nte s sac ud ido s p or essa n o vidade, e até mesmo hostis a uma nov a mudanç a dos pro gr am as de úl tim o an o em 198 9, qu e am pl ia a p a r te da história próxima): o sistema educacional, a pre ço talvez de sua desarrumação interna e de sua inca pa cid ad e a tu al de hi er ar qu iz ar val ore s e con cei tos , h o mologou, sem reagir, uma ambição social que circula va na atmosfera.
45
O BOM SENSO DO ARTESÃO É um mal ou um bem ? O debate não está fe chado, mas não faltam argumentos para resolvê-lo ousadamente num sentido positivo.Afinal de contas, os programas escolares editados por Victor Duruy em 1865 paravam no limiar do ano...1863 e os de 1902 davam conta ousadamente do Caso Dreyfus, enqu an to o último volume da grande Histoire de la France diri gida por Ernest Lavisse, publicado em 1923 por Cha r les Seignobos, integrava sem partidarismos a guerra de 1914-1918. Como não sentir além disso que uma reflexão histórica sobre o presente pode ajudar as ge rações que crescem a combater a atemporalidade con temporânea, a medir o pleno efeito destas fontes ori ginais, sonoras e em imagens, que as mídias fabricam, \ a relativizar o hino à novidade tão comum ente entoa —* do, a s e d esf az er des se im ed ia tis m o v ivi do qu e ap ris io na a consciência histórica como a folha de plástico "protege" no congelador um alimento que não se consome? A história do presente, como vemos, naceu sem dúvida bem mais de uma impaciência social do que de um imperativo historiográfico, pelo menos na França. E os historiadores do recente , nadando na indolência conceptual assinalada há pouco, mas bastante bem ga rantidos sobre suas retaguardas sociais, fizeram bonito, no final das contas, martelando o bom senso do velho artesão, metodologicamente pouco sofisticado mas pa ss av elm en te pe rc uc ien te : o ar gu m en to da "fa lta de recuo" não se sustenta, dizem eles, pois é o próprio his toriador, desempacotando sua caixa de instrumentos e experimentando suas hipóteses de trabalho, que cria sempre, em todos os lugares e por todo o tempo , o fa-
46
inoso "recuo" 5. A ambição científica constrói, a boa dislAncla, o seu objeto de estudo, m étodos de investigação
lilNlórica acertados desde Langlois e Seignobos aneste*|(im propriamente a carne de um presente alarmado, o questionamento rigoroso apazigua a desordem parti dária. Em poucas palavras: a construção de um relato histórico hierarquizará, pois, tanto a perestróika gorluilcheviana quanto a decomposição do império carolíngeo, tanto os "anos Miterrand" quanto a magistra tura de Monsieu r Fallières. r, '■■■ '■ n (L>, ',(>
A
f tyv-vvJ -> 'ir
ATUALIDADE DO TEMPO
Somos instados a não sorrir diante de tanta can dura anunciada por esses modestos pioneiros de Clio atualizada. Pois a história do presente, experimentada hoje a partir dessa argumentação considerada bem simples, contribui, no entanto, para colocar questões ba sta nt e te m er ár ia s à dis cip lin a hi stó ric a in te ir a . "Tudo o que é importante é repetido", dizia outrora Ernest Labrousse. E meio século de combates dos Ann ales para apreender o repetitivo significativo,
5 Também não nos esqueçamos que foram os histo riadores do político que sempre estiveram na van guarda da história do tempo presente. Sobre sua con tribuição, ver René Rémond (org.), Pour une histoire politique, Paris, Le Seuil, 1988. 6 Sobre estas, ver o ensaio de mise en forme histórica pontual, "Les années Miterrand (1981-1991), UHistoire, n. 143, abril de 1991, que compararemos utilmente com um puro trabalho de jornalistas, Pierre Favier e Michel-Martin Roland, La décennie Miterrand, 1. Les ruptures, Paris, Le Seuil, 1990.
47
pa ra af ir m ar a sér ie qu an ti fic ad a co mo via re al da in teligibilidade, para anunciar a longa duração portado ra do sentido oculto, forjou uma espécie de consenso débil que o estudo do presente bem que poderia atro pel ar. Pois a lo ng a du ra çã o br au de li an a ad ici on a determinismos geográficos, socio-econômicos ou antro pol ógi cos ne m se m pr e da nd o a ch av e de su a hi er ar quização, porque perseverou na idéia de que o sólido era perdurável e de que a apreensão das economias, das sociedades e das civilizações bastava para esclare cer uma leitura da história. Ora o presente, examinado sob o microscópio do historiador, faz brotar da proximidade ambiente um conjunto de argumentos mais ideal, mais cultural e mais individual, uma outra composição hierarquiza da do tempo, em que a ação combinada da personali dade (a do grande líder, tanto daquele que decide como do vencido), do acontecimento (esta "esfinge" dizia Edgar Morin7, fruto ilegítimo do capricho dos fa tos e do escândalo da mídia) e do narrativ o (a crônica massificada de um acontecido repetidamente provo cando indivíduos cada vez menos agregados) põe em dúvida o valor operatório e explicativo de um quanti ficado maciço e de uma repetição considerada com pr ob at ór ia , um e o ut ro be m en cr av ad os de sd e os an os 1930 nas boas velhas infra-estruturas do esquema marxiano, senão marxista.
7 Num número pioneiro da revista Communication, 18, 1972. Ver além disso Pierre Nora, *Le retour de 1événement , em Jacques Le Goff e Pierre Nora (org.) Faire de l'histoire, Paris, Gallimard, 1974 pp 210-228.
48
Nós viv em os no re to rn o do rec ita tiv o, do de s contínuo, do factual, do pessoal e do idealizado, num nénilo XX que, no entanto, proclamou tão forte a marcha forçada do progresso, a construção acelerada do homem novo, a densificação inelutável dos fenô menos e a inflexibilidade da lei do número: este para doxo está no bojo de uma história do presente, ele dá a ela uma singular aptidão para a provocação retros pec tiv a s ob re o t ra ba lh o do hi st or ia do r e à d es co ns tru Çclo das filosofias da históri a mu ito apressadas. Essa história, de outro lado, torna tão jubilatória e tão cientificamente oportuna a exploração de um segundo paradoxo do presente, que ilumina toda a configuração do tempo humano: o imbricamento constante, cruel e alimentador ao mesmo tempo, do pas sad o co m o pr es en te (in clu siv e sob a fo rm a de traumas, no choque de grandes eventos-datadores como as guerras mundiais, de recalque ou de balbucios da memória coletiva a propósito das guerras de descolonização, por exemplo), o trabalho do luto como condição necessária para um apaziguamento ou uma hierarquização de um presente invasivo, a ênfa se da representação do passado como parte integrante do imediato. Uma vez que ela observa tão comoda mente a presença ativa do tempo na nossa construção do contemporâneo, ela contribui sem dúvida assim pa ra m el ho r col oca r a ve lh a qu es tã o do se nti do , no mo me nto em que desabam as visões do curso das coisas. Essa história, de fato, por ser feita com testem u nhas vivas e fontes proteiformes, porque é levada a desconstruir o fato histórico sob a pressão dos meios de com unicação, po rque globaliza e unifica sob o fogo das representações tanto quanto das ações, pode aju dar a distinguir talvez de forma mais útil do que nun
49
ca o verdadeiro do falso. Pois se ela tem como missão, como toda história digna deste nome, mostrar a evi dência científica das verdades materiais diante do es quecimento, da amnésia ou do delírio ideológico, (pensemos, por exemplo, nos que negam as câmaras de gás), ela sem dúvida está mais apta a explicar do que a verdade estatística da enumeração, da qual so mos tão apreciadores; ela não evita ver em ação a ver dade psicológica da intenção, a humilde verdade do pl aus íve l, a for ça da qu es tã o da m em ór ia so bre o cu r so do tempo. Um vibrato do inacabado que anima repentina men te todo um passado, um presente pouco a pouco aliviado de seu autismo, uma inteligibilidade perse guida fora de alamedas percorridas: é um pouco isto, a história do presente.
Jean-Pierre Rioux
50
capítulo 3
O RETORNO DO POLÍTICO po r Re né RÉM OND
Nã o ins ist ire i em de m on st ra r qu e o po lít ico , os fenômenos assim chamados, retomaram, na história contemporânea, e particularmente naquela do pre sente, ainda com umente chamada de história imedia ta, Um lugar que eles tinha m perdido . Admite-se, hoje em dia, que o político também pode ser um objeto de conhecimento científico assim como um fator de ex pl ic aç ãa de ou tr os fat os al ém de si m es mo . B as i^ po r.tanto observar e considerar que é incontestável. Cita: rei dois exemplos. Primeiro a recente entrevista entre Jacques Le Goff e Pierre Lepape em que se coloca logo a questão: "Mas a crise da Nova História expressou-se , também pôr um certo núm ero de retornos, retorno da história-relato, da biografia, do acontecimento, mas sobretudo da história política" que tinha sido ma nti da sob controle pelos An nal es em proveito da história econômica e social. Outro exemplo: a longa entrevis ta publicada pelo UExpress em 6 de fevereiro de 1992, com Georges Duby, ele também medievalista. Seu in terlocutor lhe diz, a propósito da Nova história: "Con fesse que- ela conheceu também um sério revés. Por interessar-se pelas profundidades e pelos detalhes" - o que não é a mesma coisa, a questão me parece con fundir duas orde ns de realidade - "vocês acabar am por negligenciar os próprios acontecimentos". E G. Duby responde: "É verdade, é por isso que há uns d ez anos
51
voltamos ao relato político". As questões são quase tão significativas qu anto as respostas, elas atestam a idéia recebida de que o político voltou. Outros exemplos ainda? No volume de François Furet da grande Histoire de la France da Hachette, a sociedade está qua se totalmente ausente: essa história é política, quase pol íti ca de m ais pa ra m eu gos to, e eu pl ei te ar ia um re torno da história da sociedade. Emmanuel Le Roy Ladurie organiza também seu volume em torno do Estado, isto é, da fina ponta, da cúpula do político. Há, po rt an to , um a in ve rs ão da s rela çõe s, co nv er sã o no sentido geométrico da palavra, senão reliogioso e intelectual. Nã o m e de m or ar ei de ma is em re tr aç ar po r qu e pr oc ess o op er ou -s e essa rev ers ão , em qu ais ci rc un s tâncias nem por que a história política tinha caído no descrédito até tornar-se o alvo e o símbolo da história obsoleta e desusada. Também não me demorarei mais sobre as razões e as influências que favoreceram a re versão dessa tendência. Sobre este ponto, remeto-os ao livro Pour un e histoire politique, onde tentei decifrar as razões do fenômeno. É um bom exemplo das m u danças que intervêm na atmosfera . Várias observa ções de Jean-François Sirinelli trazem elementos de resposta a esta qu estão e a existência desse livro cole tivo me permitirá ser breve. Penso ser mais útil refletir sobre o significado dessa reversão, sobre seu alcance, também sobre seus limites. Pois receio que este sucesso repouse sobre um mal-entendido e que implique muitos equívocos. Dessa presunção encontrarei provas nas respostas que Georges Duby deu a seu interlocutor. Jean-Jacques Becker colocava a questão da dependência do histo riador e de sua pesquisa em relação aos fenômenos de modas. Não há fenômeno de moda? Algumas reu-
52
ulões inesperadas levam-no s a question ar sobre a pre car ied ad e do fe nô m en o, se nã o o fu nd am os na ra zão, se descuidamos de inscrevê-lo num a reflexão que seja fundamental. j Em primeiro lugar desfaçamos a confusão entre história próxima e história política. Muito freqüente mente misturamos as duas porque os mesmos histo riadores militaram pelas duas causas. Mas as duas não coincidem. O interesse pelo político não é próprio da história recente e o político não esta exclusivamente ligado à proximidade no tempo. Certamente, cabe pe rg un ta r se o pol íti co, n a su a con sis tên cia e em seu s modos de intervenção, não evoluiu bastante no de correr das eras para pedir diferentes abordagens se gundo os períodos. Está bem claro que, desde que o governo é um governo de opinião, o político apresen ta aspectos bem diferentes daqueles dos tempos em que a decisão era atributo de um pequeno número. Sofc o Antigo Regime, é o domínio do secreto, en quanto que em princípio, na democracia, ela faz par te do espaço público. Só isso já introduz diferenças singulares na abordagem. M as acontece que o político não está ligado à brevidade do prazo que separa o his toriador dos acontecimentos sobre os quais ele pousa seu olhar. De resto, os historiadores da A ntigüidade e da Idade Média contribuíram enorm emen te para o re torno do político. Uma parte da pesquisa de Claude Nic ole t tr at a do po lít ico e da cid ad an ia na Re púb lic a romana. E Claude Nicolet não deixa de ser um histo riador do contemporâneo, um a vez que desenvolveu uma reflexão sobre a idéia republicana, a fundação da República e sua filosofia inspiradora. Da mesma for ma, em história medieval, Bernard Guenée contribuiu pa ra ch am ar a at en çã o sob re o fe nô m en o do Es tad o. Adiantávamos o nome de Philippe Contamine a pro-
53
H S S H 5 S — ss fusões sobre este po nt oA ste re^ speifo T'
de Georces Dubv n„ i ' B
=
respeito, a entrevista
—
=
5
£T élZ 7 ' COnSldmi qu' as « * “ « l o ligaverdade que elas freqüentemente o estão u m bé m S í wv« x
t
o lm d L r
t u ra n o S , f
r umn“ a» «
r ^
d° P° K“ co Pod'
m i,itas vezes' a Méia * que nSClente: 05 “
m e n os d e c ul-
x s
r s
a « £ s"
:
- - r
clamaria nuances entre a história do iato e história das estruturas - a história política não se encerra ra no pnmeiro compartimento. Apesar d C da “m S da r ^ to P O I,to d a “ e™ > ° Ío quetu,“ "’ Amda que um acontecimento possa ser outra
inM
* episódio da revolução de 1830 na França [N. do T.]
que não político. Por exemplo, um crash econômico po de se r um ev en to de pr im ei ra gra nd ez a: a qu in ta feira negra de 1929 é um tipo desses, tão delimitado no tempo quanto a queda de um governo - é um acontecimento não político. Ou ainda uma catástrofe natural: o terremoto de Lisboa - e sabemos quais fo ram as incidências sobre os movimentos de idéias, no debate sobre o mal - não foi político. E Tchernobyl, que teve um papel na queda do regime comunista, é um acidente tecnológico.O acontecimento não é, pois, somente político. Há também distinções que convém lembrar periodicamente para combater os amálgamas entre o político, o relato e o acontecimento. Na reali dade, o político, assim como o econômico ou o social, inscreve-se no curto, no médio e no longo prazo. De outro lado é preciso reavaliar o papel do acontecimento: se trabalhamos sobre um período cur to ou próxim o, somos levados a atribuir a ele um a par te mais impo rtante do qu e sobre períodos afastados em que, pela força das coisas, os relevos se esfumaçam, e em qu e o olh ar percebe conjuntos mais maciços e mais monum entais. Com preender bem o fato não é reduzilo a anedotá. É necessário distinguir as duas noções: o fato não é o acidente e não se limita à superfície das coisas; ele introduzLMjaossa visão a contingência e isto iraS'grande importância. O historiador do presenteie, necessariamente mais atento.aq.Mq,.£ s\ia exgetjgnjáa. po de ser út il a t oâ os os h ist or iad or es aos qua is le m bra o p eso da co nti ng ên cia na his tóri a- O his tori ado x é sempre tentado a. introduzir a posteriori, no çle&enrjpJâr da história uma racionalidade, mesmo que ela não exista. Jean-Jacqu es Becker observava que o risco para o historiador do contemporâneo é que não há o aval da seqüência. Mas a contrario os historiadores que tra ba lh am em pe río do s so bre os qu ais se po de le gi tim a-
55
h ^ S ^ ê ^ —sssã fizeram ^É um um —
firo ÍÜâiori a âtpnrãn 3a x_+_
= S S ? á g S 3 S S i S S S ^ É ^
0ò Z £ z % z : l ^ t - ^
™
u
s
5 = ^ *5 s S £ £ S ^ ~ — r S r r " £ í5 E S 5 £ 5 " :
-
complexa que todos os sistemas. Se nos interessamos pel o p olí tico , é p or qu e ac red ita m os qu e a p ol iti ca ge m uma certa importância. Se não, por que perder tempo com ela? Já que é assim, mais vale observar a fonte de luz.do que seus reflexos. A lição da história também significou muito de monstrando que as pessoas, de Churchiü a Gorbatchev, podiam ter importância. Ela evidenciou também que fatores, que sistemas redutores apresentavam-se superestruturais, como as convicções, os sentimentos, o apego à liberdade, as crenças religiosas, o sent ime n to nacional, podiam ter um papel essencial. Uma das contribuições mais incontestáveis dos estudos de ciên cia política, em especial da sociologia eleitoral, foi a de mostrar que não havia correlação entre as posições de indivíduos na sociedade, seu estatuto sócio-profissional e suas escolhas políticas, suas convicções religio sas. Se uma certeza se impôs, é esta. Se há correlação, seria antes com as tradições de cultura, educação, do que com fatores sócio-econômicos. Tais constatações concorreram para fundam entar o retorno do político. Dito isso, o político não deve ser exclusivo. Ele não é sempre determinante e imutável. Deve-se evitar isolá-lo. Não se deve reconstituir, em proveito do. P olítico, a sacr alização da qual outros "fatore s se be ne fic iar am . Se me perm item fazer um pou co de ego-história, se eu militei pela história do político, nã o me lim i tei a isso de mod o algum, e cheguei ali por outras vias. Retomando a excelente expressão de Nicholas Rousselier em sua defesa de tese: interessei-me pelos fatos pol ític os "co m o ex pr es sã o de fat os cu ltu rai s" , com o revelador de coisas mais profundas. Foi a opinião que me levou ao político. Ela me inte ressou logo de início: meu primeiro tema de pesquisa foi o estudo da opi nião francesa sobre os Estados Unidos. Na época este
56
57
tema desconcertou os professores aos quais o expus. Cheguei ao político pelo viés da opinião, da história das ideias, das ideias vivas e não das idéias estudadas como peças de anatomia. De onde a idéia, em 1950 de me interessar pelas direitas. A expressão "retorno do político" é discutível. Como o diz Jacques Le Goff: "A expressão retorno é ambígua, fala-se dela como do retorno a uma concep ção do passado que teria sido suprimida ou com primi da pela Nova História". A expressão é imprópria e além disso desastrosa: ela pode indu zir a idéia de que é uma volta atras, e portanto, uma regressão. Como se nós vivessemos num ciclo de dois tempos. Não é a mesma pol ític a, ne m a m es m a hi stó ria polí tica , ne m a me sm a abordagem, nem inteiramente o mesmo objeto. É uma historia renovada. Foi isso que nós quisemos di zer em Pour une histoire polüique, que é um pouco um manifesto por uma nova história política, O prónrio Preciso ter u m a d e f i n i ç a o ^ ^ p l a d e s t e , a in da m a is a m pl a d o W J ac q ue s L e Goff. " co m r e f e i ç ã o . po de r . C er ta m en te o p od er é o p on to má xim o. Õ po er supremo, aquele que se exerce numa sociedade global, no interior de um território definido por fron teiras, dispondo do poder de coerção, definindo a regra com a lei e sancionand o as infrações, é o único poder que tem todos esses atributos. Mas há também a con quista e a contestação desse poder, e a relação do indi víduo com a sociedade global política - de onde o estu do de comportamentos, das escolhas, das convicções, das lembranças, da memória, da cultura. O-político toca a muitas outras coisas. Não é um fato isolado. Ele esta evidentemente em relação, também, com os gru po ss oc ia is e a s tra diç õe s do pe ns am en to .
58
Último objeto de minha intervenção, o campo do político não é definido de uma vez por todas ele e mutável. Retomo o subtítulo da jornada: o político também de geometria variável , às vezes retrátil, as vezes extensivo. É verdadeiro nas cabeças e n a s mentalidades: politização - despolitização. É verdadeiro ta mbe m pa ra os obj eto s: os pr ob le m as nã o sao os m es mo s, pr ov av el m en te um a exp lic açã o da cris e qu e at rav es sa o político, e da desafeição que o atmge: tais objetos tradicionais do político deixam de ser questões políti cas e novos problemas se colocam. Hoje em dia o po lítico concerne a tudo o que toca a existencia indivi dual: o corpo, a vida, o nascimento, a mo rte. Teríamos imaginado, há somente meio século, que caberia ao legislador dar uma definição da morte? decidir se se po de faz er com érc io de órg ãos ? Est as no va s qu es tõ es assustam os políticos. A sexualidade se torna uma questão, um debate político; o mesmo vale para a cul tura, a ética, a justiça. Vejamos o exemplo dos minis tros da Justiça. Era outrora uma funçao de confiança que se reservava a um homem político em fim de car reira. Hoje é um a função exposta: o ministro da Jus tiça está constan teme nte sob o fogo da cnttca. Evo car a seqüência dos ministros: Peyrefitte, Badmter, Arpaillange, Chalandon, Nallet, equivale a evocar um calvárioI Por quê? Não é somente o efeito da polem i ca é que hoje em d ia a opinião dirige ao exercício da ju st iç a e a su a in de pe nd ên ci a u m a at en ça o m ui to maior do que outrora. Assim, a política e mu tavel,^ o_ infprpsse que damos a ela expliça-se ^da_ co^ uB çao en tre a ev oluçã o d os fatos^e,a.dos i£ spíritos:_0_BSJÜ£0 i ^ r e ï e ^ S a n t o ' n a j o n g a d u ra çã o com o, m S & B S iS : ça. Ora, não há nad a que defina melhor affitçjgSS fiã histórica do que a percepção da dura ção e a distinçao
59
♦•■êfîtTC o Qnp fi ra p A consagrar ao político ^ SOjá bastaria para de investigação do historiad o^ lm p°rtantc no cai»Po
René Rémond
capítulo 4
MARXISMO E COMUNISMO NA HIS TÓRIA RE CE NT E po r Je an -J ac qu es BECK ER
Há quarenta anos os estudos de história eram balizados pelas obras da coleção "Peuples et Civilisations", a "Ha lphen et Sagnac", como se dizia. Os volumes do período da história moderna eram in titulados La prépondérance espagnole [A preponderância espanhola], La prépondérance françatse [A preponderância francesa], L a prépondérance anglaise [A prepond erância i n glesa]. Desde então esses títulos, em grande parte, de sapareceram. Em sua última edição, La prépondé rance anglaise, por exemplo, tornou-se Le siècle des Lumiè res [0 século das luzes], traduzindo as mudanças de enfo que do pensamento e o interesse dos historiadores... Foi assim também que a La prépondérance françatse: Luís XI V de A. Saint-Léger e Philippe Sagnac tornouse Luís XIV , depois Luís X IV et son temps [Luís X IV e seu tempo] sob a pena de Robert Mandrou. No entanto, esse esforço dos diretores do "Halphen e Sagnac" para tentar captar o que, num século, tinha sido o princi pal , ou pe lo m en os o q ue lh es ha vi a p ar ec id o co mo tal na época em que construíam sua coleção, levou-me a pe ns ar so br e o tí tu lo qu e po de ri a se r es co lhi do pa ra caracterizar o século XX daqui a algumas dezenas de anos ou daqui a vários séculos, se, então, autores su ficientemente arrojados se lançarem à edição de uma história geral da humanidade. O que lhes parecerá nesse momento na história do nosso século dever fo-
61
cahzar a atenção das gerações futuras? A guerra o pro gr ess o tec nol ógi co, a p rod igi os a ev ol uç ão da civi li zação material...? Parece-me que eles poderiam reter como titulo O século do comunismo. Não que o comunis mo ten ha sido o único evento do século XX, mas foi tóZTrm r tC T a™ntecimento mais original, mais topico, e alem de tudo ele teve seu florescimento no começo do seculo e extinguiu-se com seu fim. Esta es pé cie de un id ad e no te m po , est a re la tiv a br ev id ad e espantosa se comparamos, por exemplo, com os vinte séculos de cnstiamsmo - que permite a historiadores quas<: abarcado dura nte s ua vida , são em si mes mas uma fonte de interrogação. Pode-se dar do fenô meno uma explicação global bastante eficaz: o suces so do comunismo, depois seu fracasso são frutos do voluntansmo de u m peque no grupo, talvez de um só homem, Lenin e nao Marx, para estabelecer pela forÇa um a utopia na terra, uma utopia que sacrificou m i lhões e milhões de homens para instalar-se e tentar manter-se, mas que foi capaz de ser uma alavanca ba st an te po de ro sa pa ra qu e ou tr os m ilh õe s de h o mens se sacrificassem por ela... No entanto, desta ex pli caç ao glo bal e teó ric a ao es tu do co nc ret o dos fato s e de sua imensa diversidade, que distância! a C°m ° e™ todos os fenôme nos históricos dessa amplitude, sobretudo quando passam tal como me teoros no ceu das sociedades humanas, há uma espé cie de mistério bem amedrontador, e o que anima o historiador, mesmo se ele não o diz, mesmo se ele não o sente, e a vontade de desvendar esse mistério, de descer ao fundo dos mecanismos da alma humana pa ra te n ta r co m pr ee nd er e diz er o qu e ac on te ce u. A historia nao serve, antes de tudo, para compreender, pa ra co m pr ee nd er de m an ei ra pu ra , co m o se diz, " a ciência pura", antes que dela se possa - talvez - tirar ensinamentos.
62
Estas observações preliminares devem simplifi car a resposta à questão colocada, “Marxismo e com uTiisino na historia rccente .
^
Até uma data muito pr óx im a, e mesmo ate ago ra a história do comunismo era uma historia "quen te" Não se deve entender por isto somente um a his tória que suscita a polêmica ou que de historiadores - debates mu ito vivos P °d em ter lu gar sobre tal ou qual aspecto da guerra dos Cem ano - mas um a história inseparável do debate político, trabalho histórico era utilizado no debate político, ele era mesmo intimado a tomar l ug ar naclue1^ e ^ se não o quisesse, mesmo se pretendesse f car no seu lugar - modesto -, ele era classificado, vilipendiado, louvado pelos guardiães do templo. Como, se reto marmos nosso ponto de partida, construir pia, se m to m ar m ui to cu id ad o pa ra qu e com ^ heréticos não possam vir a trazer prejuízos a emprei tada, sem combatê-los resolutamente? Encontramos aí o correspo ndente de uma das ideias-força de Sta , segundo a qual quanto mais os sucessos do comunis mo fossem estrondosos, mais as forças hostis tendiam a agredi-lo e tom avam necessária uma repressão sem falhas, sem fraquezas e sem limites. Certamente a história nao esta ausente, a hist ria é solicitada (em todos os sentidos do termo) no combate de muitas outras forças políticas, mas o par tido comunista presumia, quanto a si, naosornene ser o proprietário de sua historia, mas amda que ela era um elemento tão imp ortante de seu discurso polí tico, que esta história - mesmo se ele nao o dizia assim ou de qualqu er outro modo - ele se dava o direito e interpre tá-la ou modificá-la em funçao das circuns tâncias; em definitivo, que esta historia nao podia ser escrita sem seu aval.
63
Esse comportamento não dizia respeito somen-
ggresso r e^ dde e“1920 « » pertencia ? ^ " 105' ““ “ “ imed1« “ : o Contanto a esse "domínio reser
Z L S Z Z T * m0Ç5° da ma‘S r
■"“ »>
J
mesma uma história arriscada, ela precisa ser feita toTn Uma mda de de Precauções; ela não dispõe de todos os arquivos, que ainda não estão "abertos" mesmo que os Arquivos não devam ser sacralizaSos é semn7eUl h e T r SíUbStÍtUtOS sejam ab und ante s, nem P facil apreciar conv eniente me nte a hie rarquia dos fatos. Esses inconvenientes, no entanto n a o sao pr0prios à histór.a do com un.smo 0 ^ vL PrOPT CqUC ° hÍstoriador do comunismo, ou d e via se conte ntar em vestir um a história "oficial" ou se PÚ bl ic as T PreSSOCS dÍretaS ° U indir etas' às denún cias
«ca e cu lm ™ rrHa'V02B dC “ma P° derosa P“líd« i!es Î f 1 “ reCamOS mais ou men° s ciernes. Basta lembrar a atmosfera do colóquio orgaem 1983 P d» Institut d'Histoire du Temps S . sem a Fondation Mtlona]e des ^ ^ pe lo C en tre de re ch er ch es d' hi st oi re des m ou ve m en ts sociaux et du syndicalisme, "O Partido comunista nos K ï ï S T HUr m in em e diri*ente com unista, fa sua de3"gloria r ' ienne FaJOn' qUeantes, tinha durante conhecido sua Lhorar de quarenta anos a
’ ?
ad° C°m ° lftul° Le P«rti communiste des années sombres ( 938-1941) sob a direçâo de Jean " ^ r ' , 9r ° mr Pr°St C Jean‘Pierre Rioux. Ed. du Seuil, 1986 e Les communistes français, de Munich a Chateaubnant (1938-1941), Presses de la FNSP 1987
64
"drôle de guerre"*, cercado de um certo número de colaboradores, cuidava atentamente^para que a vulg ta comunista referente ao penodo 1939‘194° se questionada. A presença bastante numerosa de m l it an te s, d o s qu ai s al gu n s co n fu n di am P r^ v el ^ n um colóquio de história c om um a reumao_ poliüc , deixava sentir claramente um a vontade de n ao aceitar ouvir as questões que perturbavam ^ certeza^ re-eS' tabelecidas. Jean Bouvier, que presidia a uHima ses são tinh a chegado a se pergu ntar sobre a possibilid de de escrever uma história do partido com unista^ Para se ter um a boa medida, justamente no m m ento em q ue se abria o colóquio, o partido cormiS S tin ha publicado um a obra devida . . ] « » s; tas comunistas, Francis Cremieux e Jacques Estag , chamada Sur le parti 19)9-1940 Era um longo panfle to em tom de extrema violência contra os historia res que tinham pesquisado uma realidade queo par tido comunista, durante mais de quarenta a n o s a s f farçara com obstinação, livre, por outro ^ mi,ir, enfim, toda uma série de pontos ate mente negados. Assim admitia-se que, con tranamen T a uma versão tão longamente defendida, Maunce Thorez rinha chegado à URSS no mes de outubro, de 1939 Pode -se pensar, aliás, que a violência desses ] naU stas c o J ® n ão er a s en ão a c om pe ns aç ao d * "concessões" que eles pensavam nao mais poder evitar.
* A expressão refere-se ao período compreendido e n tre a declaração das hostilidades em setembro de Ï 9 3 S e o in S da invasão à França pelos alemaes em maio de 1940.{N. do T.] 2 Coleção “La vérité vraie”, Messidor, 1983.
65
r |, ,Por hlst° na «riscad a, deve-se, pois, ente nde r a alta de serenidade necessária ao historiador, as pres sões de toda espécie, a dissimulação dos documentos as afirmações delibe radam ente falsas... "arrk A P''e! f °ú n° entanto' sublinhar, que esse lado arriscado da historia do presente não é totalm ente especifico da historia do partido comunista; mas, na nossa epoca, foi no domínio do comunismo que esta situaçao foi a mais durável e a mais constante. Nenhu ma outra organização política dispunha a tal ponto de sem rarquivos, de seus historiadores, de seus institutos de historia, de seus jornais, de suas editoras... Digamos ainda assim, num país como a Franca os desagrados em que podiam incorrer os historiado res do comunismo não eram suficientemente imporantes para impedi-los de prosseguir seus trabalhos lo * , ° coloquio 30
66
co Quantos temas históricos ficaram no l™ bo po r muitos anos, porque não interessavam mais. A_historia do comunismo estava na moda quando beirava a enxofre, ela estava no centro de um debate do qua nem sempre se sabia se era histórico ou político^ O^co munismo parece agora ser remetido a uma especie de pr é- hi stó ria . Fica mo s ali via dos qu an do fal am os de o u tra coisa I Não precisamos esconder o rosto, a hl sl° " do presente é freqüentemente um fenomeno de moda^ Essa história é oscilante entre os dois poios da pa ix ão e da in di fe ren ça , m as o his tor iad or, qu e na o se deve deixar levar pela paixão, tambem nao deve su cumbir à indiferença. No caso que nos interessa, ele deve ainda menos pelo fato de que a historia do co munismo não esperou o declínio do comunismo, m es mo que sua queda tenha mudado o contexto e as per sp ec tiv as, pa ra alç ar- se, co nt ra os ve nt os e ma res , ao nível de uma história cientifica. No n. 1 d a rev ist a Communisme, que acabava de criar3com Stéphane Courtois, Annie Kriegel escrevia: "O movim ento da pesquisa nã o se decreta: observa-se. O estudo do comunismo francês nao podia tornar-se objeto de pesquisa antes que este tivesse manifestado a estabilidade de seu núcleo constante. O procedim en to científico começa quando, para alem ^variantes, variedades e variações de um fenomeno dado, rnipoe se a necessidade de decifrar a fórmula que comanda a lógica de sua reprodução contínua" Reproduçao contínua? Podia-se ainda acreditar msso em 1982 e e dentemente mais duvidoso dez anos mais tarde. Per manece, no entanto, o essencial, que o fenomeno se "reproduziu" por muito tempo para que se possa ob3 1982. 4 p. 4.
67
servá-lo de maneira científica. A história do comunisserv ir n°nga ° SUfldente para que. se pudesse ob servar o movimento da pesquisa Hiatn Em retanto o historiador do presente e do imed ato nao dispoe dessa arma inelutável que possui o ” *manifestar uma r aç S astante õ C a longa. M TEle *deve “ nruencia particular, não se arriscar na prospecção em
t o Ele E?e deve r PreSCnK ni° ”°d' - -nelaío ép°„ sono tomar aque história tal como sem” pr ej ul ga r o f ut ur o, ta nt o ma is qu e a h ist ór ia, co mo se m e n to l« 11101053'" ° C°nteXt° 3tUaI de desmo ronamen to do comunismo não deve refletir sobre as aná lises que ele pode fazer do período anterior. ^rante muito tempo, a história do comunismo r.
£icam^ S
a “e
d0mlntoda ■*>'«“
r *ampliou í rlao de ■ *« progressivamente ela campo de sua pesquisa
tornou-se uma história do poder ou dos poderei üma alise da luta pelo poder político, mas também pelo po de r cu ltu ra l, na o se p od en do aliá s s ep ar ar re al m en dlimn?a°nr0Ut-r0;/ la t0rnou 'se' sobretudo, um estudo dan dcf Ihp 30 w° COmunismo num* sociedade dada, c h í m a d o % S Ua d lr " Sã° " s o ci et ár i^ c o m o is so fo i
T S nacional. ddade a r i ^ao n quadro a rdagens' em geral deram priori
risrar? Bsrsa1°pçâ0 ? el° n aciona l era ind ispensá vel e a r riscada Indispensável, pois como conhecer a realidade
S i"
,a sem aprofunda' - —
»d al em M SM impiantaf“ - ™ «d grupo t ™ Ó V regía°' Arriscada, en-
tretanto, porque isto podia conduzir a uma espécie de d es vi o s o do ló gi co . o e s tu d o s od o ló g ic o d o K e n o comumsta produziu trabalhos admiriveis, mas e ” * ° cado acreduar que toda a explicação histórica se en
68
contra nessa abordagem. É o objeto da polêmica que, num a obra recente, Histoir e p oli tiqu e et sciences sociales , opõe Marc Lazar a B ernard Pudal a proposvto do livro deste último Prendre parti. Pour u ne sociologte histonqu e T p c t . No estilo complexo, que é para alguns uma das diferenças entre a historia e a aenc ia p oi , Bernard Pudal entrega o segredo do fenom eno co munista na França: a "fabricação" de um corpo de per man ent es q ue, s eg un do ele, " i n v e n t ; o u c r e ram" o partido comunista. É um estudo realmente m teressante, de base biográfica até mesmo a ^ ro p o lo ^ ca Seu ponto crítico não esta na atençao dad a a esse corpo d e pe rm an en te s qu e t in h am ig ua lm en te ch am ad o^ a aK n çã o do s h is to ri ad or es d o — s mo p el o lugar primordial que ele ocupa - e que permite me mo em certa medida ao fenômeno comunista sobrevi ver - mas, como o faz notar Marc Lazar, eles nun ca ti nham imaginado que o comunismo na França tinha " 5 o - c 3 e i n ve n ta d o" p o r e ss es p e rm a n en t es . A ciência política, sempre ávida por uma modelizaçao, dava um elemento de explicação, mas nao a explica cão O corpo de perman entes não explica as variações de adesão Sua existência tamb ém não permitiu con quistar este ou aquele setor operário, ° gráfico,... sempre mantido remtente ao comunismo. Além disso, se bastasse fabricar um corpo de pe rm an en te s ,u e . po r su a vez, oartido comunista, como é que o modelo nao funcio nou em países em que os operários eram, tanto qu an to na França, excluídos das esferas dirigentes e onde, 5 Sob a direção de Denis Pechanslri, Michel Pollak, Henry Rousso, Éd. Complexe, 1991. 6 Presses de la Fondation nationale des Sciences politiques, 1989.
69
entretanto, o desenvolvimento do com unismo foi fra co. Esse modelo na o serve para todos os casos, nem é pas sív el de fu nc io na r p ar a q ua lq ue r épo ca. Esse ad m i rável instrumento foi capaz de frear o declínio do par tido comunista na França, mas não de impedi-lo Esse corpo de permanentes foi a coluna vertebral de um movim ento comunista, ele não a criou. É justamen te n r^ r~ a 7 atUra Pd ° Criador- AIém disso' essa mter pr et aç ao lev av a di re ta m en te a "n eg ar o fili açã o do PCF ao movim ento com unista internac ional"7. Uma abordagem nacional e sociológica do fenômeno co mu nista nao deve obscurecer o fato de que se trata de um fenomeno internacional cujo modelo, o "enxer to veio do exterior (o exemplo mais concreto disso é nelo vCí eV1ZaÇa°'' d° S partidos ^m un ist as decidida pe lo V c ong res so da In te rn ac io na l8). Um a ab or da ge m exclusivamente nacional é mutiladora, na m edida em que todos os partidos comunistas foram constituídos riaT e ÚnÍC° COm ada Pta ÇÕes nec essá e, alias, limitadas, em função das condições políti cas, sociais, econômicas de cada país. Tanto é assim que, no auge do comunismo, ao menos no nível da di reção, um dirigente comunista não se encontrava des locado passando de um partido a outro, com exceção da língua e amda assim ... h ° decIínio do comunism o, as originalidades dos diferentes partidos se acentuaram, justamente po rq ue a au to ri da de da Un ião Sov iét ica se en fr aq ue -
H pc
c l n T t PermÍtÍU tem ar Uma tÍpol°8ia dos Pa«idos no^ ode r)35 eUr°peus9(com exceÇão daqueles então
7 Marc Lazar, p. 121.
- partidos islandês e italiano, relativamente prós pe ros ma s cujo s laço s com o co m un ism o sov iéti co e S n o comunismo em geral são cada vez mais « - partidos cipriota, português, grego, bastante resistentes ao desgaste, mas cujo arcaísmo e de algum modo ligado ao arcaísmo das sociedades nas quais eles se estabepartidos francês, espanhol, finlandês, sueco: falência ligada à incapacidade de se questionar sobre as mutações da sociedade. Toda uma série de partidos comunistas euro pe us cu ja m arg in ali za çã o é an tig a (n or ue gu es , mg es, suíço, holandês, belga, dinamarquês) escapaa possibi lidade de análise real, sendo o ultimo o partido com nista da Alemanha federal (DKP) cuja existencia e quase simbólica. . c„r o~ Para o estudo do fenomeno comunista, surge assim um a via particularm ente promissora a^da com pa ra çã o d os p ar tid os na cio na is en tr e si. N ao se t ra ta de um estudo no nível internacional e bastante simpli cado, refle tindo grosso modo a ideologia simplificad ra da "mão de Moscou”, mas da valise concreta do fenômeno comunista em países comparaveis. A ob recente de Marc Lazar, Ma ison s rouges. Les p art ts comu nistesfrangais et italien de la Libération à nosjour", e um bo m ex em pl o dess es. Nã o se dev eri a, le va do pe lo ím pe to , co ns id era r que a queda do comunismo permite à historia do co munism o começar. Evidentemente não e nada disso Essa história, mais do que no passado tem chances de po de r se r fei ta lon ge dos pr oj et or es da mo da , ela d põ e ai nd a de im en so s ca nte iro s de pe squ isa , e de campos de pesquisa, digamo-lo com prudência, be
S Junho-julho de 1924.
9 Communisme, ns. 11-12, 1986.
70
10 Aubier, 1992.
71
astk Tii Um C°meÇO 6 Um fim- Aliás' cas° ^ assistisse a um ressurgimento do comunismo, pode-se considerar, prudentemente, que seria um fenômeno de natureza bem diferente. ~ fEu dfvia / aIar do "marxismo" e percebo que ao o fiz. Nao ha, então, nada a dizer? Há, na Univer-
capítulo 5
IDEOLOGIA, TEMPO E h is t ó r ia
po r J ea n- Fr an ço is SIRINELLI
i n Í tu í a d a X ^ P u bl ic am r ev is ta intitulada actuei. Existe, portanto, uma corrente que acredita na atualidade de Marx. marvisiTm1?3^ ^ 6’ ^ Preciso *azer a distinção entre o marxismo-leninismo que foi uma adaptação ou, por es, uma criação nova do marxismo por Lênin e Z l n e T comunista OS ' S£U eStUd° SCSCParapropriamente do e stud ° d ° fenoneno - e on ã° marxismo dito. As analises de Marx continuam interessantes e uteis para certos aspectos da história do século XIX e do começo do XX, mas tiveram um papel ambíguo na istonografia dos últimos cinqüenta anos. Simplifica das, adotadas de modo mecânico e em muitos casos inconsciente (quantos autores ficariam surpresos que se possam descobrir em suas obras análises de caráter marxista), elas tiveram um papel não negligenciável numa forma de esterilização do trabalho histórico pr et en de nd o su bm et er to da a an áli se das soc ied ade s e nZTnH PratlCa™ente a um único tipo de explicação negando, ou m elho r, rejeitanto o pano de fundo das explicações da evolução das sociedades e do comportamemo dos homen, que são, por exemplo, o espintual, a ideia naaonal...
tifí • iA hÍSt?ria imediata libertada de uma bússola ar tificial so pode gan har com isso.
Jean-Jacques Becker
72
A questão que me foi colocada pelos organiza dores desta jorna da de estudos é imp ortante Mas devo confessar minha perplexidade no ^m e n to de responder a ela, pelo menos por duas razoes. De um lado, sob qual registro ten tar e s b o ç a r uma resposta. O tema, de fato, tem a ver com a historiografia mas tam bé m co m ep ist em olo gia - um a vez q u e c o m o te la d e fundo deste encontro , trata-se especialmente do es tatuto da história do presen te -, com a metodolog ia , em suma, com a concepção da história que sustenta a abordagem de cada praticante, e da filosofia da histo ria implícita ou explícita, que nutre frequentemente seus objetivos e seus métodos. De outro lado, sobre a questão das relações entre climas ideologicos e orien tações historiográficas, é possível, em primeira insta n cia apoiar dois raciocínios exata men te opostos, um ti“ ria argumentos em favor da existência de correia-
1 Um subtítulo em forma de questão acompanhava, de fato, o título que me era proposto: Como um cli ma ideológico pode influir sobre as onentaçoes hist o riográficas." Para responder a isto, afirmemos que , conforme o desejo dos organizadores, conservei nes ta contribuição escrita o conteúdo mas tambem o es tilo de minha comunicação oral.
73
t à ofracão argelina sua tintura própria.2É tam-
E = r r = = = pre sid iu p r °
rv an a *lue ° cI™ a "ide oló gic o" qu e
mais amplamente no m ovimento das idéias da época
ídeolog . , observMeur, por exemX : C e " v a L nte.en 6 . n e n o s d e s ^ ã o
deP° iS Chamar™ “ de ^
" * ” £ £ , " £ £ «undo descreve.se desde então
s ão i n d i s c u t S
ePOCaS ' “ i n di ví d“ “ - “ * e fe it os
nr> ^ fadI avaJiá-los? Quatro dificuldades pelo m e nos, podem ser enumeradas de saída
há menos de uma década por Pierre Goubert. Quan 7o a esta larga parte do século XX que eu vivi sinto-a sobretudo através de minhas lembranças, mmha? ^ a ções vivas e minhas duras análises; nunca tem che g^ do à idéia de escrever uma historia com elas, mesm 2 Quando de uma jornada de J t i tu t d'histoire du temps r * en^ ^ ^ 2 Í A* 1q«8 sobre os intelectuais e a guerra da Argena, histori.dores presentes
£
^
“
ó8i?
a su m a * ^
9?0 f n Í ,Stonadores- nascidos no curso dos anÓs
S ip T r e “
74
r &
d í a r r d° " m d°
r r r r ”“ ‘ “
í í ^
r r a
r s ^
^
Complexe 1991). Sobre os problem as de geraçao, nemüto^me remeter em especial a um de meus arti gos sobre o tema, “Geração e historia pobüca. Vingtième siècle. Revue d'Histoire, n. 22, abnl-junho de 1989.
75
0 0 6 7 9 / 0 °
que com brevidade, e confesso compreender mal como outros ousaram, senão por vaidade, por interes se, ou por gosto pela facilidade"’. É o valor dos trabamos de historia do presente que dará uma resposta. Observemos somente que as supostas relações entre os climas ideológicos e as orien taçõe s historiográfic as nao sao apenas matéria para reflexão e para jornadas de estudos. Elas continuam a entabular processos e nutrir polemicas, processos, é verdade, cada vez mais raros e polemicas cada vez mais atenuadas. Uns e ou tros, no fim das contas, não constituem senão uma imagem retm iana daquilo que foi, no passado, o esta tuto - ou antes a ausência de estatuto - da história do pr es en te 4. Ma s a ve rd ad eir a dif icu lda de, no qu e se re3 Pierre Goubert, Initiation à Vhistoire de la France, Paris, Tallandier, 1984, p. 9. 4 Numa epoca - não tão longínqual - em que a his toria política, igualmente, sofria de um tal estatuto mcerto: ha menos de trinta anos, por exemplo, um relatorio publicado pelas edições do CNRS formulava um diagnostico segundo o qual 'a política não apare ce mais quase nada, nos trabalhos recentes consagra dos aos tempos modernos e contemporâneos, senão na analise do comportamento dos grupos sociais quando das grandes consultas eleitorais ou das mu danças de regime" e "praticamente desapareceu dos trabalh os relativos à Idad e Média "(Jean Glenisson em La recherche historique en France de 1940 à 1965 Pans, Editions du CNRS, 1965,p. XXXVI.) Sobre essa concomitanaa entre a revivescência da história polí tica e o reconhecimento da história do presente permito-me remeter o leitor, em complemento ao pre sente texto, a minha contribuição - i e r etour du politique - Comment écrire l ‘histoire du temps présent JR°.™a ^ de est udos em hom enag em a François Bedarida, 14 de maio de 1992, a publicar.
76
fere ao estudo dessas relações, está provavelmen te em outro lugar. Ela reside na constatação de que ess asr ^ lações não são unívocas. Pode acontecer, de fato, que seiam as orientações historiográficas que, po r sua vez, modelam um clima ideológico ou ao menos con ri bu em pa ra m ol dá -l o. Assi m, a osc ilaç ao da hi st or io grafia da Segunda G uerra mundial, no limiar dos anos 1970, era certamente em parte produto de um contex to5- mas essa oscilação, por sua vez, pesou so re um certo número de grandes debates cívicos e sociais da segundametade dos anos 1970- e desempenhou, assim, um papel na constituição de um contexto ideo lógico dessa década. _ Mesmo enumeradas essas dificuldades, e preci so seguir adiante. Retomando o enunciado proposto, "Ideologia, tempo e história", eu procederei em duas fases. Primeiro questionarei o papel do contexto histórico, do "tempo" do historiador, depois a influencia do clima ideológico. Teremos compreendido, a propo sição não recairá sobre o estatuto da historia do pre sente, objeto de uma outra contribuição, mas sobre as relações do historiador com seu presente.
5 Cf. a obra de Henry Rousso apontada na nota seguinte; cf. tamb ém Jean-Pierre Azema, Vichy et la mémoire savante: quarante-cmq ans d'historiographie" in Vichy et les Français, sob a di reção de Jean-Pierre Azéma e François Bedarida, com a colaboração de Denis Pechansky e Henry Rousso, Paris, Fayard, 1992, pp. 23-44. 6 Henry Rousso, Le syndrome de Vichy. De 1944 à nos jours, 2. ed.. Le Seuil, coleção "Points", 1990.
77
O " TEMPO" DO HISTORIADOR
"
/! O historiador trabalha sobre o passado, mesm o /que proximo, isto é, sobre o que está abolido. Não que ele conceba sua prática unicamente como uma espécie de retorno das cinzas do passado a um presente ! que s,e ria totalmente desconectado daquele. Bem ao contrano, esse historiador, qualquer que seja sua es pe cia lid ad e cro nol ógi ca, be be em se u pr es en te e, lo n8u f ensar que "é de nenhum tempo e de país ne nh um ”, ele sabe que está ligado por múltiplas fibras a seu tempo e a comunidade à qual pertence . Podería mos, de sobra, multiplicar os exemplos. Limito-me aqui a constatação, significativa, do impacto da guer ra sobre a obra de grandes historiadores, trabalhando de resto, em domínios cronológicos afastados uns dos outros. Em dezembro de 1991, Philippe Contamine, quando da cerimônia de sua recepção no Instituto, as sinalava explicitamente em seu discurso que, perten cendo a geração da guerra da Argélia, e tendo servido na Argélia, esse episódio de sua vida tinha tido um pe so na esc olh a d e se u te m a e s eu ca m po de est ud o: a guerra dos Cem Anos7. A correlação entre o historiaor e sua própria história - mesmo se esta só consti tui um parâmetro - é, portanto, real aqui, e o fato é
L ?hlIlP/ e C°ntamine' Guerre, Eta t et société à la fin du Moyen Age. Etudes sur les armées des rois de France, 1337 1494, Paris, La Haye, Mouton, 1972, XXXVIII - 75 7 p Como síntese dos amplos e fecundos trabalhos de Philippe Contamine, poderemos reportar-nos a seus capítulos no tomo I da Histoire militaire de la France pubhca da sob su a dir eção (Paris, PUF, 1992).
78
tanto mais notável quanto não diz respeito a um his toriador do presente, mas a um medievahsta . Outro exemplo, Antoine Prost, que, na intro dução de sua tese dedicada aos antigos combatentes na sociedade francesa do entre-guerras, diz também até que ponto sua participação na guerra da Argélia teve um papel em seu interese e depois na com preen são de um a ou tra geração do fogo5, aquela da G rande Guerra. No calor desse conflito, também, forjaram-se fortes reflexões de historiadores. Relendo, por exem plo , a li ção in au gu ra l d e L uci en Fe bv re na Um ver sid a-
8 A primeira frase da introdução de sua tese j a evo cava por antífrase, "a experiên cia vivida : Se eu deixo de lado o essencial, ou seja, o papel das expe riências vividas, o peso dos problemas contemporâ neos, na origem desse livro coloca-se a leitura de A arte militar e os exércitos na Idade Média na Europa e no Oriente Próximo "(Estado e sociedade..., ref. cit., p.
influência do livro de Ferdinand Lot não foi, portan to mais decisiva, de fato, que suas "expenenci as vi vidas" - sem dúvida Philippe Contamine pensa t am bém na de seu pai Henry Contam ine, grande espe cialista em história militar e antigo combatente na Grande Guerra - nem mais decisiva que o impac to dos "problemas contemporâneos". 9 Antoine Prost, Le anciens combatants et la societe française 1914-1939, vol. 1, Histoire, Paris, Presse de la Fondation nationale des sciences politiques, 1977. A introdução ( Op. cit., p. 1) começa com estas palavras "É preciso confessá-lo? A idéia desta obra nasceu na Argélia". E o autor relata: "Por mais breve e limitada que tenha sido, minha experiência argelma me per mitiu imaginar o que foi, na sua rea idade vm da a guerra de 1914" (ibid.). A mesma palavra, portanto, que Philippe Contamine, "experiência".
79
de de Estrasburg o no reinicio de 19 1910, comp reend ese melhor por que , dez anos mais tarde, e no decur so dos anos 1930, os Ann ales trouxeram um firme in teresse pela história de seu tempo. , . . A Portanto' um fato incontestável: o contexto historico influi sobre as orientações historiográficas, e isso quaisquer que sejam os períodos estudados. Mas as relações entre u m e outro n ão se restringem a tal intluencia. Tambem a observação desse contexto históri co ajuda o historiador na sua compreensão dos fenô menos que estuda. Permito-me, a esse respeito, intro duzir uma nota pessoal nesse texto. Para a preparação de min ha tese, eu trabalhei sobre os alunos dos cursos que preparam para a École Normale Supérieure e normalistas dos anos 1920, isto é, com jovens que eu pe gava com a idade de 18 a 20 anos e que seguia em seus engajamentos cívicos, no curso dos anos 1930 quando eles tinham entre 25 e 35 anos“. Ora, os onze anos de preparo dessa tese fizeram com que eu traba lhasse sobre esses jovens intelectuais qu ando tinha entrC 2a C? 6 an0S- Havia' P°rta nto, já uma concom itân cia de idade, observação em si banal se não se acres centa que essa tese foi preparada en tre 1974 el985 pe rí od o qu e viu su rgi r a pa rt ir de 197 9 um a "se gu nd a guerra fria". É a época em qu e a União Soviética pare ce ir de vento em popa, nas relações de força geoestrategicas (Jean-François Revel, Comment les démocraties 10 Lucien Febvre, "L'histoire dans le monde en rumes", aula de abertura do curso de história moder na na Universidade de Estrasburgo em 4 de dezem bro de 1919, Revue de synthèse historique, t. XXX n 88 fevereir o de 1920, pp. 1-15. ' ' ' 11 Jean-François Sirinelli, Génération intellectuelle Khagneux et normaliens dans l'entre-deux-guerres, Paris Fayard, 1988 (tese defendida em 1986).
80
finisse nt,19 83) , e em que a Europa do Oeste oscila en tre uma atitude de firmeza - instalaçao dos mísseis Pershing - e tentações de fraqueza. Ora, os jovens in telectuais sobre os quais eu trabalhava tmham sido, nos anos 1930, confrontados com a ascensao do fenomeno totalitário e com as provocaçoes hitlenanas. Diante desse duplo desafio, providos de um a especie de ba ga gem ge né tic a pac ifis ta he rd ad a de seu s en ga ja mentos da década precedente, eles se encontrarao di lacerados entre fidelidades tornadas contraditórias. Se gurame nte, o contexto histórico no qual eu circulava e a correspondência de idade com os atores estudados me ajudaram a compreender e perceber melhor a in tensidade dos importúnios aos quais foram submetidos esses atores. Nes se i nv en tá ri o de rel açõ es en tr e co nt ex to hi s tórico e historiografia, a prática comemorativa é crudal. De certo modo ela é, de fato, um fenomeno de contexto histórico, uma vez que a decisão de come mo rar é um a decisão política. Ao mesm o tempo ela engendra, por indução, orientações histonograficas que podem, por sua vez, influir sobre o contexto cívi co, ou, pelo menos, contribuir para esclarece-lo. Na sua contribuição ao primeiro tomo das atas do coloquio internacional organizado em 1990 pelo Institut Charles d e Ga ulle12, Pierre Nora insistia na densid ade do fenômeno comemorativo em três ou quatro anos: milênio capetíngeo, bicentenário da revoiuçaoem 1989, centenário do general de Gaulle em pr op ós ito des se ce nt en ár io , ele m os tra va ta m be m como um a reflexão histórica sobre o gaullismo, vivih-
12 Pierre Nora, "L'historien devant de Gaulle" em De Gaulle en son siècle, 1.1., Dans la mémoire des hommes et des peuples, Paris, La Documentation française - Pion, 1991, pp. 172-178.
81
cada pela efervescência comemorativa, podia desem bo ca r n u m "di agn ós tic o so bre a id en ti da de po lít ica da França e finalmente (em) uma m aneira nova de enca rar as relações dos franceses com o poder e su a própria representação, numa palavra, com seu passado, seus sonhos e sua memória". A comemoração, produto diferenciado - de uma história, pode estimular e reno var um a historiografia que por sua vez pode influen ciar na história ou, pelo menos, na representação que dela se fazem os franceses. O rastro de um aconteci mento ou o rastilho da ação de um h omem de Estado são amplificados pela comemoração e, assim reativa dos, podem agir de novo, indiretamente e por canais complexos, sobre a história de seu te mp o.13 Tudo o que expus acima demonstra, de um lado, que o papel do presente no ofício do historiador é inegável, mas que, de outro lado, as relações presente-historiografia não são unívocas. E, portanto, em vez de formular votos piedosos para que surja uma ciência histórica que, tal como um a pepita, poderia ser limpa da ganga lamacenta da história circunvizi nha - votos estes que estariam mais para o feitiço -, mais vale assumir o que chamamos comumente de subjetividade. A consciência dessa subjetividade per mite ao mesmo tempo freá-la - o historiador, insisti mos nisso, dominando seu "tempo" com seu "ofício", no sentido técnico do termo - e como vimos, utilizarse dela quando pode ajudar na reflexão histórica. Há, po rt an to , de fat o, um a esp éci e de dia lét ica a m an te r com o contexto histórico.
13 Sobre a produção suscitada pelo centenário de De Gaulle, cf. o recenseamento ao mesmo tempo que a análise propostos por Oscar Rudelle, L'année De Gaulle en France", Tocqueville Review, 1992, a publicar.
82
Com a condição, seguramente, de saber abs trair-se quando u m "tempo" mal dominado pelo his toriador leva ao risco de induzi-lo ao erro, falseando a pe rs pe cti va . Ass im, no lim iar dos ano s 1950 , qu an do a direita francesa parecia uma corrente durável e, tal vez, definitivamente enfraquecida, René Rémond fa zia,’no mom ento de começar La Droite en France, esse esforço de abstração com relação à percepção comum da ma ior parte de seus con temp orâneo s14. E quando, em junho de 1951, a direita moderada obtém mais de uma centena de deputados na Assembléia e volta a ser um ator essencial do jogo político, é na con tra-corrente de uma outra opinião difundida, a do enterro defi nitivo da clivagem esquerda-direita, que ele precisará ir. Assim Jean-Jacques Servan Schreiber escrevia em 1953, a propósito dessa clivagem: "Fora os parlam en tares, mais ninguém compreende o que isto quer di zer. Na verdade, é um a língua morta" (Le Monde, 24 de ja ne ir o de 195 3). O h is to ria do r é t am bé m aq ue le qu e, às vezes, não dá crédito automaticamente às crônicas de uma morte anunciada, sabendo por experiência que os fenôm enos históricos são, salvo fratura revolu cionária ou militar, de forte inércia e, portanto, de combu stão lenta 15. Quan do o "tempo" no qua l ele cir14 A obra foi escrita "entre 1951 e 1953"(cf. o "Pre fácio da quarta edição", Les droites en France, Paris, Aubier, 1982, p. 9). 15 A observação continua válida para uma outra Histoire des droites, minha e de Eric Vigne, coletiva, co meçada em 1987-1988, num momento em que nu merosos observadores concluíam pela provável co bert ura do fosso entr e esque rda e d ireita (cf. sobre este ponto minha introdução geral no tomo I dessa Histoire des droites en France, a publicar, com os dois outros tomos, no outono de 1992 pela Gallimard).
S E f, - . “
■
ü t s r r r - * " — eSC°la “ " i o X e m
C c w p i g u r à ç õ e s id e o l ó g ic a s t e n d ê n c i a s HISTORIOGRÁFICAS i d e o I ó Í o r Spe, í d 0 l T ° q u e s e i ns er em os cI ím as cias nJ L fe ' m em 'gualmente nas tendênr q ua la ue r i ^ T ^ * hÍSt0ri8rafia? A nte s m es mo sitiva Uma . , f gaçao' PeIa Wgica a resposta é po sitiva. Uma ideologia, com efeito, fornece uma grade inteleo bíida0dr Und°' SUStentada Por princípio de pl tó a m e n í * P ° rt an t° t3m bé m' « p l íd ta ou im -
h I t J S frnnt
dasehis,ÓIia' Desde T L T U ' e'T qua P<>r essên cia, con -•
um «1 s e Z o T h i s t ô í há T “ “ “ ' °U £ * - pata
"*
« c u + r jr s s r z r : ^
Ideologias que impregnam uma sociedade e as nreo cupaçoes científicas do historiador. P Na o d ese nv olv ere i, no en ta nt o, o ex em pl o t ón i co do marxismo, tratado, aliás, no decorrer desta ior ~ Há * * « n t e . Z S ad a Z ^ eS*"dOSemre uma ‘deologia em posição de forte r S S r ™ de,em r da • ‘ ^ 4 l« u d e “ s res ,o aküm â* “ his,OTM« « pedindo, de
Z aL m Z , PeSqU‘Sa aProf™
d™n'fica, aqui no rica au am TS “ complexa, de fato, mas tão iV ”Sm“ emos é ■>caso da influência maurrass,ana. Na medida em que a Action Brançaise
84
ntais atenta convence do
contrário: por outros canais que não as e^ na8e universitárias, a Action Française foi, no entre gu ras um pólo historiográfico impo rtante. Pele eco e nela difusão de seus Grandes Études Histories, a L vra ria Arthème Fayard era um vetor essencial daquela. A í s t e respeTto hlve ria um belo estudo de historia polí tica e cultural a desenvolver, sobre esse lugar, em tor no do papel desempenhado por Pierre G axotte. E a fluência de um homem como Jacques Bamville, ate . 1936 deve ser reavaliada e provável sua mo rte em 1936., deve s leitura , por
S,historia Scaoe Stínee a'-,i scompete, = noSdespertar S ímeicc S . capenng . / , ^ js com a Sorbonne várias ct,= históricas sairão, de resto, alguns historiadores híb d ^ d e g r an de talento: Philippe Ariès, segur ament e, ou Raoul Girardet. E Poder-se-ia vaç ão em outros domín ios que nao a his toria, em
pe cia l com Ge org es Du m éz il17. 16 philippe Ariès, Uh historien du laboração de Michel Winock, Pans, Le Semi, 1980^ 17 Em abril de 1920 aparece o primeiro numero Revue universelle, cujo diretor é Jao*ucs , . rhpf e Henri Massis. Publica-se nela espe
85
;.
, Para £u em se dedíca a registrar as relações entre
é a S d fm a í“ ’ — ^ ' ° e ainda mais significativo,
da “ SIÓIia e“ n ™ k a
uma vez que o ambiente
jdeolo gico engloba, certamen te, a esfera da ec^ nom k E a literatura sobre o tema é superabundante. Remeteremos, por exemplo, em razão de sua publicação recente, a um artigo de Hubert Bonin cujo início lembra com conhedmento de causa que «a história e c < 5 £ ca nao e 'neutra', pois reflete as correntes de pensad
o
que atravessam a sociedade"'«: aos anos 1960 e
, urante os quais numer osos historiadores da economia, nutndos de marxismo, atacavam ainda ex 19 8 o T ente °U na°' ° Capitaíismo' sucederam os anos 1980 que viram, paralelamente à corrosão do marxismo, desenvolv eremse pesquisas que, por vezes reabi eS
1 t am en te 3 em pr esa e a e co n° m ia de
Z T â ii industnettes
m r al
f COm° U rêsistible déclin des sociétés de François Caro n é, nesse sentido um
^a nr i
St0nografíco significativo. Da mesma forma
e^ h ltó r ia ^ T Asse.mbléia GeraI dos especialistas m historia contemporanea do ensino superior e da
pes qu isa , em no ve m br o de 1991, n a qu al Fra nço is S
^
T
2
^
2
Mto u m a ,re s c o d a h lst“
^
*
as con“
Essas relações entre ideologia e historiografia perceptíveis num certo número de domínios, o são gualmente na obra de vários grandes historiadores
U D é b a ^ ^ ' *MT le ? entrePrise dans 1'histoire", T of ' -• 67' novembro-dezembro de 1991, pp i67. 185, ataçao p. 167. ^ 19 Paris, Perrín, 1985.
86
contemporâneos. Em Paris-Montpellia E m m a n u d L e Roy Ladurie conta sobre um itinerário intelectual e científico levando o jovem professor agregado do hce de Montpellier, em suas pesqmsas sobre os « m poneses do Languedoc na época moderna, a passar Marx para Malthus. Mas ele narra também u ma evo lução política e ideológica paralela, marcada pela aderào ao comunismo e depois pela sua rejevçao em 19 56 “. outro exemplo, cronologicamente mais proxtmo: a reflexão atual de Maurice Agulhon sobre a Re pú bli ca , su a im ag éti ca e s eu s sím bo los 2 be m com o so br e su a hi st ór ia re ce nt e23, in sc rev e-s e ce rta m en e no pr ol on ga m en to de su a ob ra an te ri or sob re a a c u lt o a cão da democracia republicana no seculo XIX, mas também é nutrida po r um a meditação implícita sobre a cidadania e sobre a identidade republicana que, 20 Emmanuel Le Roy Ladurie Paris-Montpellier, PCPSU 1945-1963, Paris, Gallimard, 1982. 21 Sobre o choque de 1956 sobre essa geração inte lectual, que contava vários historiadores postenormente levados a adquirir grande notoriedade, d. Jean-François Sirinelli, Intellectuels et passions françaises, Fayard, 1990, capítulo VIII, "Un aut°™ne 1956" Para um outro depoimento descrevendo par ticularmente um itinerário político e um percurso científico, cf. Annie Kriegel, O que j ’ai cru comprendre Paris, Lafîont, 1991, especialmente a terceira parte, “En communisme" e as paginas da quarta parte de dicadas à "histori adora" e à "professsora . 22 Maurice Agulhon, Mariann e au combat e Marianne au pouvoir, com o subtítulo L’imagerie et la symbolique républicaines de 1789 à 1880 puis de 1880 a 1914, Pans, Flammarion, 1979-1989. 23 Maurice Agulhon, LaRéPubli^ Z ^ m l h Z e François Miterrand (1880 a nos jours), Pans, Hachette, 1990.
87
mesmo se não é suscitada por ela, insere-se em nossa terrogaçao coletiva de fim de século em to rno da cri se do mod elo rep ublic ano 24. Ao impacto das configurações ideológicas na pr od uç ão hi sto rio grá fic a ac res ce nt a- se P2 a “
M u" n d f t^ S
é ° SaÇÕeS" ktÍVaS *
uma »odedade.
Cão n ' por Vezes' sensível nessa pro du ção O sucesso atual da história cultural, que conhece ma abertura em história contemporânea depois de * n 0b re “ L f eXpIlCa'se Provavelm ente, de resto nela do m f enCla dCSSeS d° ÍS fat0res- De um ]ado, o recu o ca ™ ° engendrou uma libertação historiográfi ca das supe restrut uras", relegadas até então ao plano e secreções do substrato sócio-econômico o único digno de interesse. A esse resneitn , w * ' •' ymco nartiiViü r. , • . respeito, a historia cultural partilha com a historia política essa reabilitação indu
da por uma deglaciação ideológica. Mas só o fator
n t “ í”iCa “ “ W de outro lado hiSS“sea S S T éE necessa cultural. no perguntar-se, essa bonança nao é igualmente o reflexo de uma in
quietação, cujos debates fazem eco largamente ha guns anos. Não cabe aqui registrar os sintomasde tal inquietação e particularmente a crise de identidade Hns intelectuais que dela decorre . Sendo assim, essas correlações entre um a epoca e as tendências historiográficas que dela se desdo br am , são , às vez es, m ui to co mp lex as interpretação dos progressos recentes da historia das e te T é por exemplo, um bom reflexo dessa comple x i d a d e ’ Esses progressos são inegáveis. Pouco tempo d è p l d« seu nascimento, o Insttm. d-ffistoire moderne et contemporaine (CNRS) publicava em 1980 um «GUia de pesquisa" dedicado à Prosopographie des elites françaises (XV I - XX siecles)™, cuja leitura, doze ano s de p o i / T á be m co nt a das cur ios id ade s co nv er ge nte s qu e despertavam então sobre essas elites. Na mesma data, a Association for the study of modern and contemporary Prance consagrava na Grã-Bretanha seu “ loquio fundador às "Elites en _no s m ais ta rd e, o In st it ut d'H ist oi re du Tem ps P re se nt tcNRS) e a École française de Rome organizavam um
deínfção°eCoT ÍVa “ f 1“ *3 com inquietação sobre a Esta rL Ug3r cultura em nossa sociedade a Esta, marcada por uma potencialização da imagem e
^
diiluente ue™c Vdo de„Po rhfrr Slcultural. T eMeDe onde uma surda inobjeto
25 ,sobre
i : e‘r « s . u X
r s L
'
p m T S v U d , Notre Sücte
• £ £
"
1
”
S irinelli, ' l a ü n d es m t d l c a u d i i r W . s ^ K ™ '
ïc uf oaddesde e re Poo KPeC tiVa dCSSeda modd° ^ b República li c a n o emrf um i. secuto, enraizamento terceira
88
tomo XXVIII, 153-161. , , 26 Prosopographie des ° Guia de pesquisa, IHCM, Pans, CNRS, 1980. 27 Jolyon Howorth e Philip G. Cemy (dir.) Elites in P r a n T Origins, Reproduction and Power, Londres, Prances Pinter, 1981.
europ éenne des sciences sociales,
89
encontro cientifico franco-italiano consagrado às eli tes nos dois países28. Depois virá o tem po da s teses de fendidas sobre esse tema, aquelas, por exemplo, de François-Charles Mougel e de Christoph e Charle res pe ct iv am en te em 198 3 e 19 86 ” Pr ogr ess os ine gáv eis , po rt an to , de no ss o co nh ec im en to das eli tes fra nce sas ou estrangeiras, mas difíceis de interpretar. De um lado, esse interesse científico pelas elites, depois de dé cadas em que as "massas" estiveram no coração da historia social, e bem revelador da mudança de para digma teoló gic o- Mas, de outro lado, alguns desses trabalhos sobre as elites mostram o impacto de uma historia muito sociologizante, particularmente com a
28 Les élites in Francia e in Italia negli anni quaranta, Mélangés de l'Ecole Française de Rome - Moyen Age-Temps Modernes, tomo 95, 1982,2. 29 François-Charles Mougel, Elites et système de pouvoir en Grande-Bretagne 1945-1987, Talence Presses Universitaires de Bordeaux , 19 9 0 188oTç Pnn e pPans, élites de la République Cha iïFayard, ' Leî 1987. Ioo0Î900, 30 A mudança de paradigma ideológico e o desbloquao concernente às elites também tiveram prova velmente um papel no florescimento recente da his toria dos intelectuais. Mas acresce-se a isso provavel mente o "contexto histórico", na segunda metade dos anos 1970, a crise dos intelectuais franceses que banaliza ndo pouco a pouco o lugar desses intelecais no espelho social, deixa de fazer dele um objeto mtimidador para o historiador. Não retomo aqui a analise ja feita sobre esses pontos em minha contri buição, Les intell ectue ls", em Pour une histoire Politique, sob a direção de René Rémon d, Paris Le Seuil, 1988, pp. 199-231.
influência da obra de Pierre Bourdieu . Ora essa in fluência e essa obra são, por vezes, interpretadas como uma forma se não de neomarxismo, ao menos de reinserção de fortes determinações ou correlaçoes socio-econômicas na análise. A avaliação de um contex to ideológico é, pois, sempre complexa e as modifica ções nesse domínio devem ser observadas com cuida do, uma evolução aparente num sentido podendo es conder um outro, circulando em sentido inverso. O historiador é bem de seu tempo e de seu país. Para um jornalista de televisão que o interrogava re centemente sobre a objetividade em historia, o histo riador americano Eugen Weber respondia maliciosa mente que não havia objetividade, so profissionalis mo 31 Através do anglicismo da resposta, o proposito e claro: não há senão o "ofício". Só ele permite ao histo riador, calçado pelas regras do método e do rigor que devem permanecer as suas em todas as circunstancia de sua prática e em todos os períodos estudados, utili zar, nessa m esma prática, as diversas temporalidades os ritmos diferentes segundo os objetos estudados - e ma nter relações de geometria variável com seu prop no "tempo". Em outro s termos, pôr-se a escuta do prese n te para iluminar uma volta para o passado, mas evitar os efeitos não dom inados do eco entre esses dois ní veis. Quan do tais efeitos vêm interferir sem controle entre o passado e o presente, mais tarde o julgam en to do futuro revela-se impiedoso, pois todas as obras muito impregnadas de presente, ou nas quais o pre sente é mal controlado pelos autores, mal passam a ramp a da posteridade. Nada envelheceu tanto por exemplo, como algumas histórias militantes no domi31 Caractères, FR3, 31 de janeiro de 1992.
90
91
° h ,s tM a d ” - «—
Jean-François Sirinelli
capítulo 6
A VISÃO DOS OUTROS: UM MEDIEVALISTA DIANTE DO PRESENTE po r J ac qu es LE G OFF
O presente me interessa antes de tudo como ci dadão, como homem do presente, mas diante dos acontecimentos, dos fenômenos, dos problemas im po rta nt es , m in ha rea çã o é a de um hi sto ria do r, de um aluno de Marc Bloch. Esclarecer o presente pelo pas sado e o passado pelo presente. O passado do qual m e ocupo essencialmente é, evidentemente, aquele do meu saber e de minha prática de historiador, isto é, a Idade Média. Com certeza, não esqueço que "minha" Idade Média ultrapassa largamente o período tradicio nalmen te chamado Idade Média, em particular desde os programas escolares e universitários do século XIX: do fim do século V ao fim do XV. Eu acredito numa longa Idade Média, que iria do fim do século II até a Revolução Francesa, a Revolução Industrial, mas me aterei à Idade Média tradicional. De qualquer manei ra, considero a continuidade histórica desde a Anti güidade até nossos dias. Mas sem que eu me coloque também clara men te a questão: houve na Idade Média fenômenos históricos que esclarecem o presente imediato, o que se passa hoje me perm ite melhor com preender o que aconteceu na Idade Média? Essas duas questões com pl em en ta re s co ns ti tu em pa ra m im um a esp éci e d e l ei tura instintiva da história imediata e de minha refle xão sobre ela.
93
reflejT ó W a“ ? vl t r;
* "í*”
*■ »
-r.se, c e n a J n t ^ Z ™ ^ ^ ^ também conexas que sãn a h ,duas Preocupações
do do m o v i m e n t o p , historia e o estuma nas; não há histór ia mU
< -.« W eà ,sitnarSr. n t Z i rur i e Z c concerne ê r n “ ao r acon“" “ tecimento me coloco mais pa rõcu lal™
J ra“sta'™
Gostaria de tasisãr ” 'bre õ u o l T j
do pres ente , do hoie (P hp u~ esse aSuühão outro discurso ) é ni™ •ma ' mas este s^ria um t ó r r ^ ,nlnh* flexão de,! S m e nt e m in ha s i n t e r n e t j re to ma r co nstan te Média para confirmá-las ou corrigi -las e^no t os especialistas do p esent e da T ^ ' P " * po uc o co mo re co rr o l “ , St0 na ,m ed ia ta um aos economistas ou aosjuristas° Não*' ^ *ocid,08os' entre tanto pois o sentiw a completamente,
“ “ 05 “““ “
Dou alguns exempte
P rimeiro o s a c o n t e c im e n t o s reiaçâo .T aIguIls ;‘S a pontos ^ r cmais  Lou t u “ quanto
r r om
de comparação. O primeiro problema evidente é que é preciso recolocá-la nas relações entre cristãos e mu çulmanos na longa duração. É preciso remontar às cruzadas? As cruzadas foram um argumento para a resistência e a propaganda iraquiana, o que poderia modificar minha leitura das cruzadas? Considero-as como um pseudo-acontecimento sem grande alcance na longa duração, mas se elas fazem parte negativa mente da memória coletiva muçulmana, isto muda a importância histórica das cruzadas. Em seguida, o lu gar de Israel: é ele, nesse caso, o sucessor do império latino de Jerusalém considerado por Prawer como um estado colonial? No domínio econômico as motiva ções econômicas das cruzadas foram fracas na Idade Média. Hoje a importância do petróleo é enorme. No domínio m ilitar não há um desequilíbrio tecnológico nas cruzadas. São Luís em Joinville é prova disso, os Cruzados ocidentais temiam o fogo-grego lançado pe los muçulmanos sobre os exércitos cristãos. Hoje a enorme superioridade dos ocidentais em mísseis in verte a situação. Mas foram dois problemas que pro vocaram em mim o historiador da longa duração. Diante da Guerra Santa, o Djihad dos muçulmanos, a noção que tinham os cristãos, de guerra justa porque dirigida contra os infiéis, não mudou hoje? Não há mais referência e a noção de agressor como justifica ção tornou-se essencial. Minha segunda preocupação expressou-se em termos do ofício. Quais foram, como foram recolhidas as fontes de informação? Para os be ligerantes primeiro, para os jornalistas em seguida, enfim para os telespectadores. Que diferença haverá entre as fontes da história imediata e as do historiador do futuro?
95
Fa t o s,d o c u m e n t o s,mídias A reflexão aqui nasceu da paród ia de processo e execução de Ceaucescu. Que método pa rt J ar de tica de uma emissora, de um programa de televisão po de -s e en ca m in ha r? Nã o ob ed ec em elas ta m bé m às questões comuns do historiador: quem? quando? o nd e? co m q ue fim ? 0 q ue é q ue ^ a Nã o é pre cis o pe di r ma is crí tic a e ho ne st id ad e cntica aos jornalistas, historiadores do imediato? Mai->geralm ente o historiador não deve notar e talvez, deplorar que, como bem o mo strou Pierre rifem °f m ei°S dC comu nicaÇão privilegiam o fato, ° fato' como se viu, por exemplo, em 1968’ E Preaso louvar o esforço dos bons jornalistas po r f aze r m te rv ir um a ce rta es pe ss ur a h ist ór ica . Ma s é pre cis o de pl or ar a fal ta de cu lt ur a hi stó ric a da m ai or pa rt e del es, ma s tam bé m , é bo m diz ê-l o, de m ui to s economistas e políticos, atores eminentes da história imediata. Quando os economistas recorrem à história e em geral para invocar os teóricos e as teorias: o col ber tisx no, os fi sio cr at as , A da m Sm ith , Ri ca rd o, Malthus, ou para remontar no mínimo à crise de 1929. Nao ignoram eles as crises do Antigo Regime tao bem analisadas po r Labrousse e Meuvret e cujo esu o e amd a esclarecedor, não ignoram eles os proble mas monetários em perspectivas históricas? Sabem que o descredito das desvalorizações remonta à Idade moeda? °nde ^
96
Pare°em como fabricação de má
Fenômenos de fundo
o que me inquieta e me interessa mais e o mtegrismo. O que é legítimo pôr nessa etiqueta? Parece-me que mesmo que os integrismos religiosos apre sentem grandes diferenças, é preciso considerar em conjunto, integrismo cristão, integnsmo judaico e i tegrismo muçulmano, ainda que este seja o mais im po rt an te e o ma is in qu ie ta nt e. Ma s o qu e diz er dos to talitarismes religiosos e ideológicos, da intokranci^ Nã o é pre cis o re m on ta r a sua s rai ze s m edi ev ais ? Na o se deve considerar que o confronto entre ortodoxia e heresia emitiu intolerâncias duplas? As heresias dua listas, opondo fundamentalmente bem e mal, nutri ram até hoje as intolerâncias mamqueistas. De ou_r lado a ortodoxia, que suscitou a partir do seculo XIII a Inquisição, não desempenhou um papel determin te na instalação da tortura, nos costumes judiciários pol icia is oc ide nta is, n a b us ca da con fis são ? Se e la co n duziu à confissão individual,suscitou o procedimento inquisitório e marcou fortemente o direito penal que não consegue ainda hoje desembaraçar-se dele Para compreender bem a gênese de todas essas intolera cias e repressões, não é preciso remontar,com o histo riador inglês R.I,.Moore, autor de The Birth of a Persecuting Society ,aos séculos XII e XIII? Dois pontos m e parecem especialmente impor tantes: para as religiões baseadas em escrituras, a im po rt ân ci a pa ra li sa nt e de um a le it ur a e de u m a ap lic a ção literais do texto sagrado. Creio que a evolução da exegese bíblica foi uma das razões do florescimento e do sucesso do Ocidente, fazendo desaparecer vanos tabus da literalidade. Quando, na virada do seculo _XIX pa ra o XX, p ro du z- se a q ue re la M od er ni sta , a f acça
97
favor de uma interpretação adaptada à evolução his tórica da E scritura já havia ganho há muito. Inversamente, uma desvantagem do pensadÍeM°H°Cldental fOÍ ° Ímpacto' a Partir do fim da Ida de Media, particularmente na Espanha, da noção de pu re za , qu e al im en to u um a ide olo gia do sangue. De onde o erro de Giscard numa declaração feita a des pe ito da hi sto ria .
F e n ô m e n o s d e m e n t a l id a d e e DE SENSIBILIDADE j l ° r ex™ pl°' a usura- O delito da usura existe amda hoje. Ele e condenado e há definição do limite das taxas de lucro acima do qual o lucro é usurário e miúdo r i w PrÍm Íd0' MaS é u m asPecto m uito miudo da atividade econômica. A usura contempo râ nea n ao recobre mais, como no século XIII, operações
s n h T n 5 da~VÍda eCOnÔmÍca' d0 Pré-capitalismo e, dos hirt s na na°sociedade renT e maÍS dos judeu cristã. 30 Problema candente A evolução é, talvez, ainda nítida nas atitudes dos ocidentais com relação à m orte e aos mortos. Para as epocas do Antigo Regime, Philippe Ariès falou em morte domesticada; hoje a m orte não é mais domestim Í ' ?„SJ 1VOS Procuram ignorá-la, camuflá-la. Na Idade Media, a morte súbita era a pior das mortes, po is tra zi a o risc o de su rp re en de r o m or to em est ad o de pecado mortal. Hoje, ela é considerada como a me lhor das mortes. Na Antigüidade, os mortos tinham um lugar essencial na cidade. Nicole Loraux, estudio sa da oraçao fúnebre em Atenas, mostrou o lugar dos mortos no sistema da cidade grega, da polis. Na Idade
98
Média, na sociedade cristã, de uma outra maneira os mortos ainda conduzem a sociedade. Peter Brown mostrou que os santos eram mortos muto espectai . Michael Lauwers demonstrou que os mortos eram anCCStNo domínio judiciário, indicam-se evoluções semelhantes, inversões semelhantes. A embriaguez na Idade Média era uma circunstância atenuante nos de litos e crimes. Hoje em dia, dirigir em estado de em bri ag ue z é um a cir cu ns tân ci a ag ra va nt e. ^ Um tema revelador para o historiador, a crom ca do quotidiano revela a construção de práticas e mentalidades de longa duração desde a Idade Media, o boato e a reputação, o procedimento mquisitono (e não mais acusatório) que conduz ao poder exorbitan te do juiz de instrução são um a heran ça do seculo XII e a dificuldade atual em corrigir esses excessos explica-se em grande parte pela interiorização, a ancora gem dessas práticas, nas mentalidades e na sensibi 1dade há séculos. , , , É preciso, ainda que seja banal, sublinhar as três grandes diferenças que a meu ver existem entre a história imediata e a história de períodos anteriores É necessário especialmente considerar essas diferenças no ensino e na vulgarização da historia, onde sua ig norân cia ou seu desprezo podem fazer estragos. A esse respeito, a história ime diata é o utra e difícil. 1. Por causa dos documentos e das fontes. As fontes são superabundantes, é difícil domi ná-las, apesar do recurso à informática. Muitas fontes ficam inacessíveis muito tempo. As fontes da história imediata não são imediatas. Os meios de comunicação constituem um novo tipo de fontes muito importante e muito particular, e
99
dao lugar a manipulações inéditas contra as quais a critica das fontes ainda não está muito estabelecida a a , Sena mtere ssante estudar as transformações li gadas a supressão do sermão como meio de comunícan ov os m ei os ^113 “ M éd ia ' ° - p i m e n t o dos novos meios de com unicação, da imprensa à televisão É preciso, enfim, sublinhar os limites dos oro'
E rt L fo ? T eto da ^ « “»en ia çã o. O h s òri» rf» b PT “ “ P°de ‘»'"T» «" os atores da ■ta S á ™ M eSC"la Socia1' mas a h‘s«ófia o film,* maiS 1S qUC existem- A fotogra' ° .flJím e ' ° cassete, multiplicaram as fontes audio visuais do historiador e, no entanto, um acontecimen to excepcional que se produziu sob os olhos de milha s a s s h L t ^ í ™ 6 m í lh ÕeS de te Ie sPe cta dores, o as eni1 Z / J-RKennedy (1963), permaneceu um r qUant° qUe ° assassínio da maior parte dos grandes homens assassinados no passado nos entre gou seu segredo através de simples fontes escritas. soa! / ' A SegUn?a diferen?a da implicação pes soal, da inevitável subjetividade que se impõe na histona imediata. O historiador preso entre seu eneaia
«tem r mmuita u t o 1dificuldade dffic' Id í Ver objetividade empr°"ssionaI conciliá-los da honestamente Mesmo se o passado desencadeia snas p at ef e para tem poesta ^ á objetivamente obi‘ t'° mar tempo
• ** ** %
P”Esses S presente. problemas
?aTsÔ eCUlT em e a« * * £ £ £ é em " ' o " “ “0 reCeMeS ” * m“ MlS
que aconteceu depois. Sobre esse tem aten tou m ad efesa do emprego do futuro historico que e pura e sim pie sm en te^ a conf issã o ho ne st a do co nh ed m en to qu e tem um historiador do futuro real daquilo de e um meio de exposição útil e legitimo. Com a condi ção b em entendido, de que o emprego do futuro his orico não signifique que se considera o fu tu ro ic » , teiramente determinado pelo passado. A esse aspeito o caso da história imediata, privada do « nh ea m en t do futuro e do depois permite ao taston ador de toda énocas apreciar melhor o peso do acaso, a liberdade contro lada mas real dos hom ens, as escolhas a^divers dade limitada, mas existente, das Posslb^ “ ' ói Nã o te nt ar ei aq ui diz er po r qu e pre fir o hi st on
a m tem poran ea". ^
^
^
^ his,orladores ^
h is tó ri a i m ed ia ta sã o o s o ut ro s. Ma s n os ^ t e“ ° ainda assim à mesma tribo, temos o mesmo oficio. O oue espero dos historiadores da difícil histona im edia ta inclusive dos jornalistas, que, se fizerem bem se ofído são verdadeiros historiadores da histona unedla*a ' í ; r „ a,Ip ° i S f ò acontecimento, com uma pr of un di da de hi stó ric a su fic ien te e p er tm en en te . manifestar quanto a suas fontes o espmto c tico de todos os historiadores segundo os métodos adap taí°nSão sTco nten tar e m descrever e contar, mas
3. A ignorância do futuro. n3K ,Quf r reconheçam ou não, os historiadores do pas sad o sao m un o aju da do s pe lo fat o de qu e sa be m o
100
"
T
i S
S
- os fatos, distinguir o ^
dente do fato significativo e importante, fazer do
do passado reconhecê hc PCI nilIirä aos histo riadores •esra-to numa C a d Î a ^ T °mm ,amb™ to quai todos os h ls S d ö ^ T ' nUma Probl«> «c a na
trora « * »
c
™
' * "* * »«-
capítulo 7
QUESTÕES PARA AS FONTES DO PRESENTE po r Ro be rt FRANK
Jacques
Le Goff Falar da especificidade das fontes do presente não é tarefa fácil, pois existe uma ambigüidade funda mental. Trata-se de refletir sobre as fontes de "nosso tempo", que logo será um tempo passado, permane cendo nosso? ou sobre aquelas que são específicas do "presente", enquan to tal, tempo renovável à medida que o tempo passa? No primeiro caso, pensamos em fontes novas - o audiovisual, a imagem, o som - que ainda são novas neste fim do século XX, mas não o pe rm an ec er ão po r m ui to tem po , po r for ça de ba na li zar-se, e não o serão mais para os futuros historiado res de "seu" tempo. Decidi não falar disso, pensando que Jean-Pierre Rioux voltaria a esse tema em sua re flexão sobre os meios de comunicação. No segundo caso, trata-se de fontes que estão marcadas pélõ pró pri o pr es en te , in er en te s a ele, qu al qu er qu e sej a a época: os depoimentos de testemunhas vivas, as fon tes orais. Aí há a contemporaneidade intrínseca entre o historiador e a testemunha, ou entre o historiador e o ator. É desta especificidade que gostaria de falar. Nã o é m in ha in te nç ão faz er a hi st ór ia da "h is tória oral". Digamos simplesmente que a expressão vem do inglês "oral history", e que os anglo-americaíos tiveram algum avanço sobre a França. Basta re>ortar-se ao livro do britânico T hompson, The voice of
103
the Past 1, assim como à obra do historiador Philippe Joutard, Ces voix qui nous viennent du passe' publicado em 1983, onde se trata do "atraso” francês, "atraso" que desde esssa época foi recuperado. Desde seu nascimento, e por vocação, o Institut d Histoire du Temps Présent mediu a importância e a urgência de uma reflexão a desenvolver sobre esse tema. Jean-Pierre Rioux organizou em 1980 uma mesa redonda sobre os problemas de metodologia em história oral, cujos debates foram publicados num su pl em en to do Bull etin de 1'IHTP1. Seis anos mais tarde, uma outra mesa redonda "Questions à l'histoire ora le" foi organizada por Michael Pollak, Danièle Voldman sob a direção de Jean-Pierre Rioux e publi cada nos Cahiers de l'IHTP, n. 4, junho de 1 987. Além disso, a sociedade francesa tornou-se ávida por histó ria oral, e os historiadores estão submetidos a uma forte demanda sodal. Os ministérios, as empresas e
1 Paul Thompson, The Voice of the Past. Oral History, Oxford University Press, 1978, 257 p. (2. ed 1988 314 p.) 2 Philippe Joutard, Ces voix qui nous viennent du passé, Hachette, 1983, 268 p. Ver também: Chantai de Tourtier-Bonazzi (dir.), Le Témoignage oral aux archives. De ta collecte à la communication, prefácio de Jean Favier, Archives Nationales, 1990, 100 p. A bi bliografia relat iva à qu estão das fontes orais é muito abundante para que se possa dar conta dela aqui. Um balanço (mais de 300 títulos) será efetuado pelo Institut d'Histoire du Temps Présent, na ocasião da publicação p róxim a de um guia das font es orais, c o mandada pelo Ministério de l'Équipement. 3 IHTP, Problèmes de méthode en histoire orale.Table ronde, 20 jui n 1980, Paris, 1981.
104
muitas instituições querem conservar sua memória, isto é, escrever sua história, recorrendo, com a ajuda de historiadores, à pesquisa oral junto a atores e teste munhas sobreviventes. A Previdência social4, o Seviço histórico do Exército do Ar cumpriram um trabalho pi on ei ro ne ss e do m ín io. Po de -se cit ar ig ua lm en te o Quai d'Orsay, que constitui arquivos orais sob a di reção de Maurice Vaísse, da mesma forma que o Comitê para a história econômica e financeira da França sob a direção de Florence D escamps5. Sobre a questão da história oral, existe um ver dadeiro debate, em primeiro lugar sobre os vocábulos empregados. Convém conservar essa expressão "his tória oral" que nos vem do inglês? Ela apresenta o in conveniente de sugerir uma história unicamente fun dada na pesquisa oral, uma história militante, con vencida da superioridade do "oral" sobre os arquivos escritos, na medida em que a palavra é assim dada ou devolvida aos simples e humildes. A tendência hoje e pr ef er ir a ex pr es são "fo nte s ora is" , qu e te m a v an ta gem de banalizar o procedimento: todo historiador do muito contemporâneo tem naturalmente, sem fazer muito alarde, o recurso às testemunhas orais, que ele registra em fitas magnéticas. Quando essas fontes são
4 Dominique Aron-Schnapper, Danielle Hanet, Sophie Deswarte, Dominique Pasquier, Histoire orale ou archives orales? Rapport d'activité sur la constitution d'archives orales pour l’histoire de la Securité sociale,
Association pour l'étude de la Securité sociale, 1980, 114 p. 5 Ver Etudes et Documents, III, Comité pour 1histoire économique et financière. Imprimerie Nationale, 1991.
105
depositada depositadass junto a um organismo, organismo, para ser consultá veis, veis, imedia tame nte ou segund o um prazo fixado, elas elas se tornam "arquivos orais". Para além das palavras, subsiste um outro deba te, do qual se diz que começa a ficar velho e sem ob jet iv o, e q ue , no en ta nt o, re ssu rg e co ns ta nt em en en te : qual é a confiabilidade da fonte oral? Esta será a pri meira questão que farei, a questão da prova. Dela de correm uma segunda, a da memória, e uma terceira, a do estatuto do historiador diante das testemunhas.
A
QUESTÃO QUESTÃO DA PROVA
A história é, entre outras coisas, um inquérito quase no sentido policial do termo, com indícios, de po im en to s e te st em un ha s. O de po im en to ora l nã o constitui constitui necessariamente necessariamente uma prova, mas pode ser uma boa contribuição para a busca da prova ou das pro va s. A fo nt e esc rita , ta m bé m , co ns id er ad a co mo mais nobre. j Entretanto, se comparamos fonte escrita escrita e fonte oral, oral, não se deveria acreditar que de um lado a fonte é pu ra , na tu ra l - a f on te escr ita -, e q ue do ou tr o tr at am os com uma fonte impura, porque construída. De fato, não é aqui que se encontra a oposição. A fonte escrita é também uma fonte construída, e também tem seu grau de impureza. O relatório de Prefeito é escrito pelo Prefeito, que faz a síntese dos relatórios escritos para ele, por pessoas das quais se po de im ag in ar o laç o de de pe nd ên ci a qu e co m ele mantêm; o Prefeito escreve a um ministro com o qual também ele se se encontra num a relação relação hierárquica hierárquica pa rti cu lar . A es cr itu ra nã o é liv re e nã o há pu re za es pec ífic a da fo nt e esc rita .
106
Existe, no entanto, uma diferença essencial com relação à fonte oral: o Prefeito Prefeito escreve seu relató rio para o ministro do Interior e não (na medida em que é raro que escreva para se inserir nas pregas da história) para o historiador. Este não é nem o destina tário direto nem o autor da fonte escrita. O mesmo não acontece com o depoimento oral, que é - como disse Jacques Ozouf - "u ma fonte provocada" pelo h is toriador. Quando o historiador, ou o arquivista, inter roga a testemunha, ele mesmo constrói a fonte, e seu usuário é ao mesmo tempo a seu modo o produtor. Nes se se nti do , há o i m ed ia tis mo en tr e a c on st ru çã o da fonte oral e o historiador que a provoca. Existe uma o utra particularidade. A fonte oral é pri vil égi o do hi st or ia do r do pr es en te , se nd o qu e os historiadores dos períodos mais antigos não têm essa chance de ter o que Philippe Joutard chama de "laço carnal" carnal" com a testemunha. Poder-se-ia Poder-se-ia evidentemen te son har com u m diálogo entre Jacques Le Goff Goff e São São Luís, esperando que todas as televisões do do mu ndo fos sem convocadas. Seria uma boa ideia de programa, mas essa ficção ficção não seria história oral. Se há contemporaneidade entre o testemunha e o historiador, existe em compensação uma distância temporal entre a ação de testemun har e a ação conta da pela testemunha. É certo que, na construção da fonte oral, há solicitação da memória daquele que de põ e. A m em ór ia co mo fo nt e pa ra o h is to ria do r - v er e mos logo que a memória não é somente uma fonte pa ra o hi st or ia do r - é in su bs tit uí ve l em m ui to s casos , mas ela é também geradora de erros, de mitos, de mi tologia e, evidentemente, o historiador tem muito o que fazer para corrigir e desmistificar. Gostaria de dar alguns exemplos concretos. Etienne Failloux e Dominique Veillon, em seu inqué
107
rito sobre a Libertação da Norm andia6, andia6, tiveram depo i mentos extraordinários, insubstituíveis, dentre os quais o de uma senhora que lhes descreveu descreveu com mui ta vivacidade coisas que eles não poderiam ter de ou tra forma. Mas esta mesma senhora volta um mo me n to a 1940 e evoca os desfiles alemães, que descreve quase em detalhe . Mas ela fala a propósito deles em "capacetes de ponta" ... Basta dizer que essa senhora tem uma certa idade, que conheceu as duas guerras e que evidentemente confundiu as imagens de ambas. Mas o que é importante- e aí, o trabalho do historia dor não deve se limitar a apontar erro - é que nesse mesmo depoimento, ela mesma explica que o com po rt am en to "c or ret o" dos al em ãe s em 194 0 dev e, se m dúvida, ser criticado à luz da experiência da guerra de 1914-1918. 1914-1918. Em outros termos, termos, há o encavalamento das imagens entre os dois conflitos, mas há ao mesmo tempo consciência da espessura do tempo, da necessi dade de comparar as duas épocas, o que para o histo riador é de um interesse interesse m uito grande. Daniel Cordier, na mesa redonda à qual fiz alu são, interveio de modo relativamente crítico com rela ção às fontes orais7. orais7. Ele Ele observava q ue elas podiam dar uma porção de informações sobre certos aconteci mentos, mas uma porção enganosa. Sobre o caso de Caluire - a prisão de Jean Mo ulin em 1943 em Lyon ele julga que esse acúmulo de fontes orais no tempo, 6 Etienne Fouilloux, Dominique Veillon, "Mémoires du débarquement en Normandie", in François Normandie 44, IHTP- Albin Michel, Bédarida (dir.), Normandie 1987, p. 214 e segs. Moulin. L'inconnu L'inconnu 7 Ver também Daniel Cordier, Jean Moulin. du Panthéon. Une ambition pour la République, juin ju in 1899 juin 1936 1936,, Tomo 1, J. C. Lattès, 1989, pp. 294-303.
108
de 1943 até hoje, põe o historiador em pistas tão nu merosas quanto falsas. Se ele pensa poder aproximarse da verdade, é graças a dez dez ou doze docu mento s es critos, critos, e considera que o depoim ento oral não só não serve serve para nada como ainda embaralha com pletamen te as cartas. Jean-Jacques Becker, nessa mesma mesa re donda , fez uma intervenção, cujo título resume com pl et am en te su a crít ica fu nd am en ta l da fo nt e ora l: "A desvantagem do a posteriori ". Por definição, essa fonte pr ov oc ad a é co ns tr uí da dep ois do ac on tec ido . Je an Jacques Becker assinala que se há um erro material, o historiador, como bom profissional, pode corrigi-lo. Mas o que dizer dos sentimentos, das emoções expres sas a posteriori ? Como pode o histo riador diferenciar as duas coisas? A que tempo elas se conjugam? Perten cem elas elas à época do depoimento depoimento ou ao mom ento con tado pela testemun ha? D iante desse desse problema, problema, o his toriador pode se encontrar desarmado. Além do mais, a memória não é somente construção mas, mas, reconstru ção, ção, através da duração que separa o momen to rem e morado do mo mento do relato. relato. O "atraso francês" teve ao menos a vantagem de fazer os historiadores historiadores franceses refletirem mais lon gamente , o que lhes perm itiu evitar alguns defeitos da história oral militante, isto é, uma história que só se fundamenta sobre as fontes orais, sacralizadas e con sideradas como as únicas válidas. É evidente que o historiador deve, ao con trário, banalizá-las e tomá-las tomá-las como são, a saber as fontes às quais convém aplicar o méto do histórico clássi clássico: co: fazer sua crítica crítica interna, co tejá-las entre si, e com as fontes escritas. À atitude hipercrítica, os praticantes da pesqui sa oral têm respostas realmente interessantes. Reto marei em especial às últimas respostas trazidas nos
109
Études et documents em que Patrick Fridenson toma a defesa das fontes orais de modo eloqüente8. Inspiran do-se em artigos de Nathalie Carré de Malberg e de Florence Florence Descamps9 Descamps9 publicados publicados no m esmo núm ero, ele mostra em que as fontes orais são insubstituíveis, não somente para cobrir lacunas, mas também para apreender todo um sistema sistema de informações. informações. Se diante diante de uma testem unha ou ator, tenta-se tenta-se compreender suas motivações motivações (por que um ho mem se torna inspetor de finanças? para retomar o exemplo dado por Nathalie Carré de Malberg), as fontes escri tas raramente trazem explicações. O estudo da moblidade profissional ou geográfica, geográfica, a análise do percurso de uma carreira, a reconstituição das redes de rela ções, profissionais e mundanas, dificilmente se fazem a partir de fontes escritas. Uma longa e freqüentemen te enfadonha pesquisa oral é necessária para encon trar todos os fios dessa sociabilidade. Em segundo lugar, vantagem fundamental e central, as fontes orais revelam melhor do que as fon tes escritas a complexidade dos mecanismos da toma da de decisão. Não há tomada de decisão única, mas todo um feixe de elementos conduzindo a esta. A pes soa que mais importou num a decisão decisão não é necessa riamente o ministro que assinou a sentença ou man
8 Patrick Fridenson, "Avant-propos", Etudes et Docum Document ents, s, III, op. cit., pp. I-VII. 9 Ver na mesma publicação, o artigo de Nathalie Carré de Malberg: "Pourquoi devient-on inspecteur des finances, de 1919 à 1946?", Etudes et Documents,111 op. cit., pp. 293-403; e o artigo de Florence Descamps: "Les archives orales du Comité pour l'histoire économique et financière ou la fabrication des Documents, III, op. cit., pp. 511-538. sources", Etudes et Documents,
110
dou adotar o decreto. Ainda aí, as fontes escritas não ba st am pa ra re co ns tit ui r a re de de pre ssõ es, a m ea da de influências e a cadeia de decisões. Insubstituíveis, as fontes orais o são igualmente quando as fontes escritas são inexistentes. A história oral militante prevaleceu. Os militantes ou "integristas" da história oral opunham a história das elites vis ta através das fontes escritas (vimos, aliás, que elas são insuficientes) insuficientes) à história das massas e de todos aqueles que não tinham tido a palavra e não tinham deixado vestígios. vestígios. Evidentem ente, nesse caso, a pesquisa oral é pr im or di al pa ra re ss uc ita r essa s m em ór ia s há ta nt o tempo ou muito freqüentemente mudas. Mas, ainda um a vez, ela deve ser cruzada com outras fontes escri tas. Pois, como o diz Jean-Jacques Becker, se as fontes orais contribuem para cobrir os brancos da história, elas não devem servir para cobrir esses esses vazios vazios com fal sas informações. De fato, conviria fazer uma tipologia dos depoi mentos e das testemunhas. Não há somente a oposi ção ente elites e massas, entre os tomadores de deci são de um lado, a quem se pedem , entre outras coisas, coisas, mesmo se eles derem um "relato de vida", informa ções precisas através de um a grade relativam ente fe chada de questões, e do outro lado testemunhas da bas e, com as qu ai s a en tre vi sta po de ser m en os "d ire tiva". tiva". De fato, fato, convém também tratar diferentemente as épocas contadas: a Segunda Guerra mundial (com Vichy, a colaboração, a Resistência...) e a guerra da Argélia, Argélia, por exemplo, são de tal forma períodos de requestionamento coletivo coletivo e individual individual que um a teste m unha não pode falar dela delass de uma m aneira comple tamente simples. É grande o risco de defender pro reconstrução, a mem ória domo. Em seu mecanismo de reconstrução, assume uma função de desculpabilização e, portanto,
^
aDAD\ ? S c a E U EE R Ll,IW
11 111
de mitificação, e mesmo de mistificação. O trabalho crítico do historiador não se faz, pois, da mesma ma neira segundo as diferentes questões de memória.
Questões para a memória A memória é uma fonte para o historiador, e a pr im ei ra qu es tã o qu e ele de ve se fazer , pa ra te nt ar re constituir os fatos, é a de saber até que ponto ela é ou não confiável. Mas a memória é tam bém p ara o histo riador, tomada globalmente, com suas verdades e mentiras, suas luzes e suas sombras, seus problemas e suas certezas, um objeto de estudo. Sociólogos como H albwachs10 e mais rec ente men te Gérard Namer se perguntaram sobre a noção de mem ória coletiva11. É tamb ém u m campo novo e imenso para a pesquisa histórica. Depois de ter passa do a memória no crivo da crítica e ter assinalado suas fraquezas, o historiador deve analisar os erros e os mi tos que ela veicula, tomá-los tais como são, colocá-los em perspectiva histórica, em poucas palavras, fazer sua história. É uma grande sorte para o historiador do pr es en te , gra ças às te st em un ha s qu e in te rro ga , po de r fazer a arqueologia da memória coletiva. Assim, ele pode contribuir para fazer a história objetiva do subjetivo. Em outros termos, quando o "sujeito" ou a testemunha se engana, desenvolve mi tos, o historiador tem o direito de ficar satisfeito e o 10 Maurice Halbwachs, Les cadres sociaux de la mémoire, PUF, 1975, 298 p. (rééd.); La mémoire collective, PUF, 1968, 205 p. (reed.) 11 Gérard Namer, Mémoire et société, Librairie des Méridiens, 1987, 242 p.
112
dever de tirar partido disso, descascando esses defei tos, procurando no que eles são significativos numa época, ou em duas épocas - o tempo rememorado e o tempo do ato de rememoração - assim como na dura ção que os separa. Os lapsos, esquecimentos, não-ditos, silêncios, esforços de ocultação são tam bém obje tos de história e devem ser analisados. Essas palavras pe rt en ce m ao m es m o reg ist ro, m as são , no en ta nt o, separadas por nuances. O silêncio não é esquecimento. Um deportado que não quer falar da deportação nem por isso a es\ queceu. Ou o que ele tem a dizer procede do indizí\ vel,ou seu pudor comanda, por toda espécie de razões. O esquecimento não se reduz à ocultação. Na ocultação, encontramos uma vontade de esconder, de cobrir a fonte de luz para deixar na sombra um obje to que nem por isso é esquecido. A operação pode ser efetuada por memórias individuais, pelas memórias de grupo ou, mais ainda, pela memória oficial. O es quecimento é uma noção mais larga: pode haver essa vontade, mas pode haver também simplesmente re calcamento no inconsciente. Cabe ao historiador re constituir esse trabalho da m emória da testemunha. O historiador do presente tem uma sorte fantás tica quando pode ter acesso a depoimentos de uma mesma testemunha em momentos diferentes. Tome mos o exemplo dos resistentes que foram interrogados uma primeira vez entre 1945 e 1950 no decorrer do inquérito realizado pelo Comitê de História da Segun da Guerra mundial, e que p uderam ser depois inqueridas por toda espécie de historiadores, inclusive aqueles do IHTP, nos anos 1980. As diferenças entre as duas séries são significa tivas. Em 1945-1950, a maio r parte dos resistentes diz não te r ouvido o "apelo" do general De Gaulle. Alguns
113
anos mais tarde, sob a V República, essas mesm as tes temu nhas afirmam, então, ter entrado na resistência graças ao apelo do 18 de junho. Há, pois, um deslize, uma reconstrução da memória, ao mesmo tempo in teressante e tributária da época no curso da qual essas testemunhas se expressam. Mas ao mesm o tempo, enco ntramos nesses dife rentes d epoimento s frases similares, expressões idênticas.A mem ória congelou. Ela criou para si mecanismos de linguagem e automatismos verbais, e o historiador deve tentar datar o momento dessa cristalização. É apaixonante fazer essa história da memória. Temos o exemplo da memória da deportação. Michael Pollak12mostra como ela ficou por muito te mpo silen ciosa, por que ela não se revelou e expressou senão muito tardiamente. A partir de depoimentos, ele assi nala en tre os deportados a parcela do indizível e expli ca por que esse indizível pode m uda r de natureza, mas só muito tarde. Uma tese recente, a de Annette Wieviorka Déportation et génocide: mémoi re et oubl i 13 parece entrar em contradição com essas conclusões. Ela mostra que esses depoimentos foram muito mais numerosos no imediato pós-guerra do que se acreditava. A opinião é que não estava pronta para receber esse tipo de dis curso. Em outros termos, para Annette Wieviorka, não há indizível do lado da emissão da mensagem, mas antes má recepção da parte da sociedade do mo mento. Esta não estava pronta em 1945 para "rece 12 Michael Pollak, L'expérience concentrationnaire. Essai sur le maintien de l’identité sociale, A.-M. Métailié, 1990. 13 Annette Wieviorka, Déportation etgénocide. Entre la mémoire et l’oubli. Pion, 1992, 506 p.
114
be r" , p or qu e nã o co m pr ee nd ia o in im ag in áv el. Os in s trumentos conceptuais que permitiriam a apreensão do fenômeno do genocídio não existiam. Annette Wieviorka apóia-se em fontes escritas para mostrar que entre 1943 e 1948 a representação essencial, in clusive entre os judeus da França, não é a de Aus chwitz, mas a de Buchenwald. A distinção entre os campos de extermínio, como Auschwitz, e os outros campos, não era aind a feita, e não podia, portanto, ser pe rce bid a, m es m o po r u m gr an de nú m er o de de po r tados. O vocabulário do pós-guerra é significativo a esse respeito. Buchenwald parecia ser o símbolo do horror. Quando alguém emagrecia, diziam-lhe: "Pare ce que você saiu de Buchenwald". O símbolo de Aus chwitz virá mais tarde. Finalm ente, as problemáticas de Michael Pollak e Annette Wieviorka não são incompatíveis, elas se completam. As fontes escritas mostram que o "dito" foi mais freqüente desde 1945. Mas a emergência do "dito" não prova que ele representa mais do que a pa rt e im er sa do ind izív el. Só o de po im en to ora l po de esclarecer essa face oculta, da m esma forma q ue pode revelar as fraquezas da recepção social e a incomunicabilidade entre os deportados e a sociedade do ime diato pós-guerra.
A
QUESTÃO DO ESTATUTO DO HISTORIADOR DIANTE DA TESTEMUNHA O diálogo entre o historiador e a testem unh a é complexo. Ele se situa numa contradição permanen te entre a cumplicidade e a tensão. Há, às vezes, conflito silencioso entre o portador do vivido, que pensa ter direitos em nome desse vivido, e o historiador que,
115
torna ndo o fato inteligível, vai intelectualizá-lo. A testemun ha ou o ator pode se prevalecer de sua supe rioridade sobre o historiador que não conheceu o acontecimento: "Mas senhor, o senhor não estava lá, o senhor é m uito jovem para ter conhecido aquilo". Um dos mais belos exemplos é esse diálogo en tre um importante militante da Resistência e um a his toriadora. O militante empolga-se num momento e diz: "Senhora, eu faço a história e a senhora conten ta-se em escrevê-la." Essa reação é ainda mais inte ressante porque quando a historiadora submete-lhe o texto da gravação, o militante fica espantado, conven cido de jamais ter pronunciado tal frase. O historiado r do presente dialoga com sua pró pr ia fo nt e e t ra ba lh a, po rt an to , "sob vig ilâ nci a". Dess e diálogo, dessa cumplicidade conflitual, pode surgir um trabalho extremam ente fecundo. De um lado, a teste munha ou ator mostra simplesmente seu ponto de vista, um ponto de vista parcial no sentido ótico do termo, se não parcial no sentido ideológico. O histo riador está lá para tentar com preender o que há de re pr es en ta ti vo ou nã o no de po im en to . O hi st or iad or deve explicar, selecionar para hierarquizar. Há, por tanto, desde o início, fonte possível de desacordo en tre os interlocutores. Mas de outro lado, em seu trab a lho de intelectualização, não há mais lugar para o vi vido, o historiador tem possibilidades de ter passado ao largo de numerosas realidades. Se a testemunha não se reconhece no trabalho do historiador, este tem o dever de reconsiderar sua cópia, seja para confirmar as conclusões desta, desta vez com todo o conheci mento de causa, seja para combiná-las, modificá-las ou corrigi-las.
116
O historiador deve, de uma maneira ou de ou tra, levar em conta essa emoção que pode perceber na testemunha, mesmo co ntinuando seu ofício de histo riador que consiste em selecionar, hierarq uizar e criti car. Ele deve estabelecer menos uma distância entre a testemunha e ele do que um distanciamento entre o depoimento e seu trabalho historiográfico. Em outros termos, há imediatismo entre o his toriador do presente e a testemunha, e é preciso tirar pa rt id o dis so. Mas o de ve r de hi st or ia do r con sis te em criar uma mediação entre o depoimento e ele. Eis por que a noção de "história imediata" é sem dúvida criticável. A mediação é necessária. Ela deve ser construí da, e passa pela reflexão crítica sobre o tempo e pela colocação do depoimento na perspectiva da espessura da duração, aquela do passado próximo, mas tamb ém menos próximo e longínquo. É essa consideração do longo termo que faz a diferença fundamental e ntre a "história do presente" e o trabalho sobre a "atualida de", entre o historiador e o jornalista.
Robert Frank (Institut d'Histoire du Temps Présent - CNRS)
capítulo 8
ENTRE HISTÓR IA E JORNALISMO po r Je an -P ie rre RIOUX
Eu não acho que uma "história do presente" te ria podido afirmar-se nitidamente na França há alguns anos se antes não se tivesse produzido paralelamente / um encontro, provocador mas frutífero, entre historiadores sedentos de atualidade e jornalistas em busca de legitimidade histórica. Esta afirmação, sei por expe I riência, desagradará aos guardiãos - de todas as idaí des - dos templos da ciência histórica, que subord i nam toda extensão do território da disciplina à de sua ( própria rede de influência, que m antêm a reflexão epistemológica em fogo muito baixo comparando a amplitude das honoráveis teses que orientam ou elai boram, e que atiram sem remorsos naqueles que perl turbam a sesta. A seus olhos, o historiador do presen te é um ingênuo, um marginal, agitador por defeito e impotente por vocação. Esse acúmulo de erros intem pes tiv os ba st ar á pa ra de squ ali fic á-l o se ele nã o to m ou a precaução de simplificar as regras. Mas, se ainda por cima ele freqüenta as salas de redação ou passa por mu ito "midiático", sua conta será alta. fQue r dizer que \ o diálogo entre Tíistôria no presente e jornalismo re troativo faz não somente o historiador universitário I que o pratica correr alguns riscos, mas que pode tam I bé m de sn ud ar cr ue lm en te al gu ma s fra qu eza s int ele cí tuais ou hu ma nas da confraria de seus "caros colegas". Mas não se fala mais nisso. Pois, repito, esse diálogo é /
119
| essencial, é preciso enco rajá-lo e é sobre ele que é in-j '^dispen sável refletir Hyremente.. J ... Lembraremos antes de tudo que esse encontro, essa discussão, podem sempre passar por perturbado res ou ilegítimos, pois as profissões do jornalismo e da história cresceram separadamente, há um século e meio, e, pouco a pouco, delimitaram seus respectivos territórios numa indiferença recíproca. O jornalista, quer tenh a os papéis de repórter, de redato r ou de cronista, é um Sísifo do efêmero que “escreve para o esquecimento", dizia justamen te Henry Béraud em 1927 em Le Flân eur salarié. Sua missão quotidiana consiste em forçar a atenção do leitor ou do ouvinte ^ para cada "papel", em mergulhar sem enfado na tor rente ininterrupta de acontecimetnos confusos que faz a atualidade, em vencer a angústia da pequena mo rte diária - a página de jornal é destina da ao lixo, a pa la vr a e a im ag em vo am se m de ix ar tra ço ta ng ív el e são pouco arquivadas - redobrando de profissionalis\ mo, só com o risco de acreditar que ele trabalha para I o futuro ou de sonhar em editar um dia em volume seus trechos escolhidos. / O historiador, este se mov e com odam ente des de o fim do século XIX em seu triplo papel de sábio mo derno exercido na crítica das fontes, de grão-sacerdote da memória nacional e de intelectual em pleno exercício. Ele mantém uma discussão permanente com seus confrades e m ciências sociais, constrói e eri ge a distância seu objeto de estudo e lhe dá assim um estatuto científico, procura sempre inserir o aconteci mento singular na cadeia de um tempo significativo, tenta distinguir o perdurável do efêmero,relata os fa tos sem ser perseguido pela hora do "fechamento", lembra , quando se oferece a ocasião, sua fidelidade aos grandes princípios de gestão da Cidade. Ele esco......
120
lhe o momento, torna objetivo seu propósito, preten de dar sentido, enquan to que o jornalista é o hom em apressado que relata fatos juntados, que acredita en tregar a vida em estado bruto, mas que a simplifica e desfigura mediatizando-a em jato contínuo, que reco lhe material de qualquer jeito e inventa fontes sem po de r tra tá -la s. Esse duplo posicionamento, que se explica pe la hi st ór ia da s si tu aç õe s in co nt es tá ve is, das qu ais muitos historiadores sentem saudades e que eu aca bo de de sc re ve r m al ca ri ca tu ra nd o, foi m od ifi ca da desde os anos 1960. E foram jornalistas que toma ram a iniciativa e atravessaram as fronteiras como desbravadores. Tentei fazer em outro lugar1um a his tória dessa intervenção, que a corporação universitá ria, é óbvio, ignorou ou desdenhou e, em conse qüência, estudou muito pouco. O essencial não foi que o Nizan da Chronique de septembre tenha ousado dizer, em 1939, que o redator diplomático era um "historiador do imediato" ou que o Camus de Cotnbat e de Actuelles tenh a ido longe demais depois da Liber tação em sua célebre fórmula, "O jornalista é o his 1 Ver Jean-Pierre Rioux, "Histoire et journalisme. Remarques sur une rencontre'em Marc Martin, dir. Histoire et médias. Journalisme et journalistes français (1950-1990), Paris, Albin Michel, 1991, pp. 192-205. Ver igualmente dois de meus artigos bem anteriores. "Les métamorphoses d'Ernest Lavisse", Politique aujourd'hui, novembro-dezembro de 1975, pp. 3-12 e "L'histoire saisie par les médias". Esprit, setembro outubro de 1979, pp. 20-24. Ver, por fim, do lado da imprensa, Yves Lavoinne, "Le journaliste, l'histoire et l'historien (1935-1991)", Réseaux. Communication, technologie, société, n. 51, janeiro-fevereiro de 1992, pp. 41-5 3.
121
toriador do instante": foi em 1962, quando Jean Lacouture lançou nas Editions du Seuil sua coleção "A História imediata" que o passo foi dado, muito ale gremente e sob o aplauso dos leitores. Desde então, duas gerações de homens de imprensa que tinham crescido nos anos 1930 e participado das provas dos "anos negros" e da descolonização, a de Bromberger e de Tournoux, depois a de Amouroux, Rouanet, Viansson-Ponté, Fontaine, Nobécourt, Planchais, Paillat ou o próprio Lacouture, começaram a dizer be m al to em se us liv ros e a rti go s qu e o j or na li st a nã o se contentaria mais em registrar o eco da atualidade, que ele saberia produzir material elaborado e exercer seu olhar crítico, que ele se daria o direito de fundar uma história "imediata" que inseriria "o aconteci men to mal esquadreado" cuspido pelos telex - a ex pr es sã o é de L ac ou tu re - n u m pe rc ur so re tro sp ec tiv o e num a problemática de interações entre o passado e o presente. O real vivido e midiatizado seria passado no crivo do método e da duração. Essa ambição jornalística vinha na hora certa e florescerá no curso dos "sixties". Foi, então , que se pe rc eb eu ma is cl ar am en te - e qu e foi vi go ro sa m en te criticado na ocasião, sobretudo, em m aio de 68 - o pa pe l d eci siv o d os m eio s d e co m un ic aç ão n a t ran sc riç ão , na representação e até na produção do acontecimen to e, portanto, n a respiração da História, depois na im pl an ta çã o tã o rá pid a de um a "c ul tu ra de ma ss a" da qual Edgar Morin deu a primeira descrição para uso francês em 1962 em UEsprit du temps. Desde 1958, a coleção "Ce jour-Ià" publicada por Robert Lafont tinha vendido muito bem d ocumento oscilando entre histó ria e jornalismo, inspirado no m odelo americano. Des de 1959, os primeiros volumes da coleção "Kiosque", pu bl ic ad a po r A rm an d Co lin m os tra va m to do o in te
122
resse histórico do estudo da imprensa. O observador e o observado, concluiu-se, agiam doravante um sobre o outro, e o próprio acontecimento tinha se tornado pol issê mic o: um nú m er o cél ebr e de Communications em 1972, em boa parte devido a Edgar Morin e Pierre No ra, ac ab ou de co nv en ce r al gu ns ra ros pe sq ui sa do res de que a história "imediata" podia ter introduzida sub-repticiam ente uma tensão dolorosa e promissora no trabalho do historiador, despojado de um lado de bo a p ar te de su a ac ui da de vis ua l s ob re o p re se nt e e d e outro lado solicitado, ao mesmo tempo, pela antropo logia e pelo estruturalismo que iam mais longe do que as virtudes de uma longa duração bastante imóvel em toda análise do passado2. Desde então, os jornalistas retomaram a luta, fortalecidos com as novidades de seu ofício. Uma das mais importantes para nosso propósito foi, sem dúvi da, o domínio da abundância documental no trabalho das redações: através da informação das bases, dos ba nc os de dad os e d a p ró pr ia fab ric açã o d o "pa pel" qu e se pode alimentar quase à vontade no "doc", na pes quisa mais avançada e multiplicada junto aos corres po nd en te s locai s, da fab rica ção do doss iê em estil o news, da exibição da memória arquivada do jornal que dá consistência a seu propósito, pela fama também dos suplementos que ajudam a relativizar a atualidade e a refletir sobre ela, o exame da atualidade tornou-se uma crônica durável, tomou um a textura e um a espes sura que o aproximam mais de um produto histórico. Aliás, a importância logística, depois o triunfo em audiência das formas radiofônicas e televisivas da pro fis são , a pr eo cu pa çã o ta m bé m em ga ra nt ir a qu al quer preço a fidelidade de um público, levaram fre 2 "L'Evènement", Communications n. 18, 1972.
qüentemente a considerar qualquer scoop* como "his tórico", qualquer intervenção excepcional sobre um lugar privilegiado - com os benefícios e riscos desse tipo de operação, dos quais Berlim e Timisoara deram exemplos opostos em novembro-dezembro de 1989 como uma contribuição à marcha da História, como uma autenticação do acontecimento projetado na in timidade dos lares. De administrador do efêmero, o jo rn al is ta pô de to rn ar -s e, às veze s, um m ed ia do r qu e se interessa bem m ais pelo vivo do que p elo inteligível e não está longe de pretender instalar-se num papel de mestre de cerimônias, senão de demiurgo. Sua his tória “imediata” encheu-se da vibração de um "vívi do" produzido, relatado e consumido sem ter que sair do dispositivo circular do meio termo. Tantas iniciativas jornalísticas acabaram por abalar alguns poucos historiadores. Primeiro porque a pe ne tr aç ão de alg un s del es no s m ei os de co m un ica çã o na década de 1970, com best-sellers e passagens em Apostrophes como prova, tinha favorecido o diálogo, e depois porque, ao mesm o tempo, duas gerações uni versitárias, a que tinha vinte anos na época da Liber tação e aquela da guerra da Argélia, tinham delegado e depois instalado solidamente algum as de suas crias, jo ga nd o "n os doi s ca mp os "3, n a cr ôn ica da im pr en sa , na emissão de rádio, na produção de séries para a te levisão, a empresa editorial misturando profissionais
* furo de re portagem. Em inglês no original. [N. do T.] 3 Ver por exemplo Annie Kriegel, "Professeur et édi torialiste au Figaro: les conditions de légitimité d'un statut en partie double" em Marc Martin, dir .,op, cit., pp. 174-191, e o prefá cio de Jacq ues Julia rd, Chroniques du septième jour, Paris, Le Seuil, 1991.
124
de imprensa e intelectuais. Mas, sobretudo, porque uma história lançou-se , com suas magras forças, no começo dos anos 1980, à exploração do "presente". Certamente essa história não cultivou encon tros muito freqüentes com a história "imediata" e, por isso, apre ndeu mu ito pouco com ela, enquan to privi legia o diálogo com o sociólogo ou o politólogo, o eco nomista ou o etnólogo, o expert prestigioso ou o hu milde narrador. Ela preferiu se ater à observação ati va das questões de memória ou à participação em co memorações ao invés de encarar a crueza ostensiva e as dimensões novas do acontecimento. Ela deixou a análise histórica sem a mediação, seja a da ascensão do individualismo ou a do retorn o do nacional. Ela su pe ri nv es tiu na ex pl or aç ão do s esc om br os de 39 -45 ou da colonização, lamentou pela impossibilidade de acesso a algumas fontes, apressou-se, aceitou ser apon tada pelos trocistas. Mas, de um jeito ou de ou tro, essa história tomou emprestado e interiorizou, mais do que se diz, algumas boas receitas da impren sa. Na escolha de seus temas, im pelida pela atualidade e submetida à pressão das testemunhas e dos atores que desejam que sua experiência seja rememo rada num a produção ou n um a co-produção históricas. Em suas práticas de pesquisa de campo e no uso do grava dor. No estilo mais conciso de sua escrita e na cor, por vezes, mais cam biante de seu relato. Em suma, em seu contacto permanente com a exigência dos vivos e a impetuosidade do atual. Ainda uma palavra. Nesse encontro, mal po voado e pouco afirmado do lado da história, há pouca confusão de gêneros e essa retidão se deve à honra da corporação de historiadores. Certamente houve dife rença ou igualdade neste ou naquele aspecto, entre "história imediata" e "história do presente" (sobre a
125
guerra da Argélia, por exemplo). As escorregadas, no entanto, não foram freqüentes. Entre o jornalista tor nado na ocasião, para retomar a palavra de Pierre Rouanet, um "memorialista da vida" e o historiador ao qual a prática do ofício, retruca René Rémond, en sinou "a dar ao fato todo seu lugar e nada mais que isso", o confronto foi pequeno, mas se desenrolou na clareza dos papéis e, no final das contas, parece ter sido estimulante para todos. Mesmo se a história, que seja "do presente", permanece uma disciplina do rela tivo que tenta colocar racionalmente em música a marcha do tempo, e nquanto que a história "imediata" se contenta em ressuscitar, incansavelmente e com altivez, a vida que vai e vem.
Jean -Pierre Rioux
126
Co
n c l u s ã o
po r Ser ge BERN STEIN e Pi err e MILZA
No fin al des se qu es ti on am en to sob re a hi stó ria do presente, afirmemos primeiro muito claramente nossa convicção: a história do presente é primeira mente e antes de tudo história. Sem negar as especificidades que a marcam e sobre as quais retornaremos, importa considerar que por seus objetivos, seus méto dos, suas fontes, a história do presente não difere em nada da história do século XIX. Em outros termos, a identidade do objeto entre o jornalista e o historiador do presente não deve ser ilusão. O jornalista (o bom jo rn al is ta ) esf orç a-s e p ar a re co ns tit ui r e exp lic ar a s eu leitor a trama dos eventos quotidianos que o assaltam e faz trabalho útil de informação. O historiador tenta restituir a evolução na duração que permite com pr ee nd er p or qu e pro ces so ch eg ou -se à sit uaç ão p re sente: ele se dedica a descrever as estruturas cujas transformações dão conta da emergência factual de fe nômenos cuja gênese se situa sempre a médio ou lo n go prazo. Assim fazendo, o historiador do presente está mais próximo por suas preocupações de seu confrade do século XIX, da Revolução ou dos tempos m odernos do que daqueles que perseguem com talento os fatos do dia ou da véspera e que restituem a crônica inteli gível e seletiva dos fatos que constituem a trama de uma informação moderna. Como os outros historia-
127
dores, o historiador do presente está preocupado com o peso esmagador do passado, às vezes remoto, no qual se situa o princípio de toda explicação histórica. Como eles, ele é obrigado a cercar uma m ultiplicidade de fontes para aí encontrar o necessário confronto en tre múltiplas abordagens que, sozinhas, legitimam a veracidade do fato, tecido inexcedível de toda reflexão histórica. Ainda como eles, ele é obrigado ao rigor na análise, ao conhecimento do contexto indispensável pa ra esc lar ec er e re lat ivi za r as inf or m aç õe s dos do cu mentos, à prudência da síntese que não pode ser esta ble cid a se nã o ao fin al de um a sól ida de m on st ra çã o. De resto, como distinguir a fronteira cronológica que separa uma história (do passado) de uma história do pr es en te ? Dig am os cl ar am en te qu e ess a fr on te ir a é mutável, variável, e que nenhuma definição parece capaz de convencer: a data de 1939 é, sem dúvida, im po rt an te , m as te m os ce rte za de qu e a Se gu nd a G ue r ra mundial representaria melhor a ruptura entre o pa ssa do e o pr es en te do qu e o cr es cim en to ec on ôm i co, por exemplo? A existência de testemunhas ainda vivas é, sem dúvida, um fator determinante, mas que não garante de modo algum o caráter presente dos acontecimentos que eles viveram; quanto à afirmação segundo a qual seria definido como presente o perío do vivido pelo próprio historiador, ela parece tão arb i trária quanto tributária da visão felizmente ultrapas sada de um a história positivista cuja objetividade seria garantida pela ausência de implicação pessoal do his toriador no objeto que ele estuda. A nosso ver, e o fato reforça nossa afirmação inicial, não existem clivagens pe rm it in do se pa ra r um a hi st ór ia do pa ss ad o de um a hsitória do presente porque não há entre elas nen hu ma solução de continuidade.
O que não significa de modo algum que a his tória do presente nã o tenh a especificidade. A nosso ver, a primeira e mais importante é que , situando-se na emergência de fenômenos de longa duração no seio do presente , ela tem por função principal modi ficar permanentemente o significado destes, mudando as perspectivas segundo as quais os consideramos, pr oc ur an do no pa ssa do no vo s ob jet os de es tu do em função das preocupações do presente, abandonando objetos julgados obsoletos. Diremos que o longo aban dono que conheceu a história política não tinha re la ção com a influência mais ou menos direta do marxis mo no plano intelectual, que considerava negligenciá veis as superestruturas, para abandonar-se à fascina ção das infra-estruturas consideradas capazes de cons tituir a chave universal das explicações das socieda des? E a moda atual da história cultural, não ensina sobre nossa sociedade contemporânea, ávida por per ceber os sinais mais sofisticados de representação das normas sociais dando conta dos valores como motiva ções da ação? Segunda especificidade da história do presente, a abundância de instrumentos documentais capazes de fornecer fontes ao trabalho do historiador e que contribui para modificar a própria natureza da noção de arquivos. Da abundância das publicações de toda ordem à profusão das fontes audiovisuais, passando pel o de po im en to ora l, o hi st or ia do r do pr es en te é u m pri vil egi ad o co m re laç ão a se us con fra des , poi s ele pr at ic am en te jam ais co rre o riso de se en co nt ra r pr i vado dos documentos necessários para seu trabalho. Mas a moeda tem seu reverso. A profusão exige esco lha e classificação e o rigor do ofício histórico é aqui ainda mais indispensável que alhures. Como não se afogar sob uma montanha de palavras ou imagens,
129
sem conhecimento aprofundado do contexto, sem um método seguro de abordagem dos documentos, sem o sentido do essencial? Para fontes novas, novos méto dos: a análise das imagens, fixas ou m utáveis, decorre de métodos próprios. O depoimento oral não poderia se restringir à pura e simples transcrição das declara ções de testemunhas. A imprensa também não é um pu ro e sim ple s ref lex o da op ini ão, m as o re su lta do de uma mediação em que o conhecimento do meio de comunicação é essencial. Isto significa que se a histó ria do presente é mesmo história, é u ma história par ticu larm ente delicada para se construir e analisar. / Do mesmo modo, e como demonstrou a jorna/ da de estudos do presente, a m etodologia específica desse período da história está ainda em construção. Sem dúvida, e há muito tempo, foi andando que os historiadores do presente fizeram o caminho e realiza j ram trabalhos que servem de alicerce para a reflexão j qu e ho je se esbo ça. Ma s o te m po dos se nh or es Jo ur \ dain da história do presente está talvez terminado ; eis \que vem o da análise epistemológica e metodológica.
Serge Bernstein Pierre Milza (CHEVS - FNSP)
Sobre o Livro Formato-. 14x21 cm Man cha: 22,5x34,5 paicas Tipologia: Meriden Roman 10 (texto), Meriden Roman 12 (titulos) Papel : 75g/m2 (miolo), Cartão Supremo 250g/m2 (capa) Fotolito da capa : STAR PLUS Gráficos e Editores Impressão: Document Center DocuTech 135 (miolo), São João (capa) Acabamento: Document Center Perfect Binder Tiragem: 1.000
Equipe de realização Coordenadora Executiva Luzia Bianchi Revisão José Romão Mariza Inês Mortari Renda Catalogação Valéria Maria Campaneri Projeto Gráfico Cássia Leticia C arrara Dom iciano Diagramação Angela dos Santos Luiz
Nossos Distribuidores no Brasil Sio PAULO Bauru Livraria da EDUSC NikolaDanailof (014)235-7310 Rua Irmã Armlnda,10-50 17044-160-Bauru -SP
Distribuidoraloyola de Livras (atacado) JaiT Canizela (011) 287-0688 RuaCons.Ramalho,692 0 1 3 2 5 -0 0 0 -São Paulo-SP
DistribuidoradeLivras C0LIBA Ltda. Paulo,EllsabeteouLuiza (014) 227-0067 RuaAnhanguera, 1-29 17013-190-Bauru-SP Campinas Editora da UNICAMP Célio (0 1 9 ) 788-1094 Rua Caio Graco Prado, 50 13083-970-Campinas -SP Ribeirão Preto Livraria eDistribuidora Cultura de Ribeirão Preto CelmaSerrano (016) 610-6277/ 610-0519 Rua CamposSalles,78414015-110-Rib.Preto -SP São Paulo - Capital Livraria UNESP Emílio (OU) 252-0630 Alameda Santos, 647- térreo 01419-001-São Paulo-SP
PrimeiraLinhaDistribuidora e Livraria Ltda Fábio (011) 255-3852 RuaSabará,483Higienópolis 0 1 2 3 9 -0 1 1 -São Paulo-SP
Loja 1 Rua Senador Feijó, 120 (OU) 232-0449
Umuarama Livraria Apoio LCArrudaLivros A/c: Sr. Luiz Carlos (044) 622-8042 Av.RoIândia, 4397, Bloco BUnipar 87502-170-Cx Postal 37 Umuarama -PR
Lo|a2 RuaR
(011) 255-0662
Loja.3 Rua QuintinoBocaiuva, 234 (011) 3105-7198
RIO DE JANEIRO Rio de Janeiro OdissâaDistribuidoradelivres GeovanneMazolli (021) 351-7432 MBrázdePina,104-s.505 21070-030-RiodeJaneiro -iy SANTACATARINA
PARANÁ Curitiba LivrariadoChainEditora Ênlo (041) 264-3484 Rua General Carneiro, 441 80060-150-Curitiba -PR
Livraria eEditoradoEleoteno Eleotério (041) 324-0308 RuaAmintas deBanos, 144lojal 80060-200-Curitiba -PR Londrina
UnireisidadeEstadualde Londrina AdelinaR.M.Sewino (043)371-4691 ^ CampusUnivasitario-C.R 6001
86051-990-Londrina-PR
Blumenau EditoradaFURB JorgeB.deOliveira (047) 321-0300 Rua Antônio da Veiga, 140 bloco T-sala 117 89012-900-Blumenau -SC Itajaí Editora daUniversidadedo ValedoItajaí-UNIVALI OsmardeSouza (047) 341-7645 Rua Uruguai, 458-C E 360 8 8 3 0 2 -2 0 2 -Itajaí-SC Florianópolis
deSantaCatarina LuizA.Purificada (048) 331-9408/331-9605 CampusUrmasitárioTrindade 88010-970-Florianópolis-SC