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RELATÓRIO DE QUALIFICAÇÃO
O sargento-mor Bento José de Oliveira: estudo sobre poder, instituições e conflitos em Sergipe d'El Rei (1748-1808)
São Cristóvão/SE Janeiro de 2014
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CENTRO DE EDUCAÇÂO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÂO EM HISTÓRIA
Wanderlei de Oliveira Menezes
O sargento-mor Bento José de Oliveira: estudo sobre poder, instituições e conflitos em Sergipe d'El Rei (1748-1808) Texto apresentado à banca de Exame de qualificação do Programa de Mestrado em História (PROHIS/UFS), como um dos requisitos para a defesa defesa de Dissertação. Dissertação. Orientador: Prof. Dr. Augusto da Silva
São Cristóvão/SE Janeiro de 2014
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CENTRO DE EDUCAÇÂO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÂO EM HISTÓRIA
Wanderlei de Oliveira Menezes
O sargento-mor Bento José de Oliveira: estudo sobre poder, instituições e conflitos em Sergipe d'El Rei (1748-1808) Texto apresentado à banca de Exame de qualificação do Programa de Mestrado em História (PROHIS/UFS), como um dos requisitos para a defesa defesa de Dissertação. Dissertação. Orientador: Prof. Dr. Augusto da Silva
São Cristóvão/SE Janeiro de 2014
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DADOS DO MESTRANDO Wanderlei de Oliveira Menezes – Matrícula: Matrícula: 201221000369 Ingresso: agosto de 2012 Previsão de conclusão: agosto de 2014 Disciplinas cursadas: PERÍODO 2012.1 2012.1 2013.1 2013.2 2013.2
DISCIPLINAS Teoria e Metodologia da História (PROH0005) Tópicos especiais em História do Nordeste (PROH0014) Historiografia Brasileira (PROH0006) Exame de Qualificação (PROH0001) Seminário de Pesquisa (PROH0007)
NOTA A B A Cursando Cursando
Participação em eventos:
III Congresso Sergipano de História (2012); Simpósio Nacional de História (2013); Encontro Nacional de Paleografia e Diplomática (2012); IV Encontro Nacional de História (2013).
Artigos publicados:
Tôponimos das freguesias de Sergipe d‟El Rei (1757) – 2012 2012 O pertubador da ordem: o sargento-mor Bento José de Oliveira (1748-1808) – (1748-1808) – 2013 2013 Os ouvidores e capitães-mores da Capitania de Sergipe na segunda metade do século XVIII (1751-1800)
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RESUMO
O sargento-mor Bento José de Oliveira: estudo sobre poder, instituições e conflitos em Sergipe d'El Rei (1748-1808) Esta pesquisa objetiva, a partir da trajetória do sargento-mor de ordenança Bento José de Oliveira (1748-1808), analisar as fragilidades das estruturas institucionais, políticas, jurídicas e militares bem como a ordem que se pretendia impor durante a segunda metade do século XVIII na Capitania de Sergipe d‟El Rei, evidenciando as estruturas formais e informais de poder. Filho de senhor de engenho da região do Cotinguiba, Bento José é acusado de praticar dezenas de crimes que inquietaram as mais importantes autoridades da Capitania no último quartel do século XVIII. Somente nos primeiros anos do século seguinte é que ele foi preso e enviado a um cárcere em Lisboa, onde faleceu. Palavras-chave: Sergipe d‟El Rei, Poder, Conflito.
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TABELAS E GRÁFICOS
Produção de açúcar da Capitania da Bahia em 1757…………………………………...27 Relação dos maiores produtores de açucar da Capitania de Sergipe em 1757… .……..33 Mapa populacional da Capitania de Sergipe em 1757…………………………………36 Mapa populacional da Capitania de Sergipe em 1775…………………………………37 Mapa populacional da Capitania de Sergipe em 1780…………………………………38 Organização militar na Capitania de Sergipe no final do século XVII…………….…..52
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SUMÁRIO
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INTRODUÇÃO ele tem mais de vinte matadores a sua ordem, uns em casa, e outros agregados, tem mandado matar [...], manda açoitar, manda dar palmatoriadas, tem cárcere privado, e se paga um a um a pataca de carceragem, dá mulheres, e as tira de seus maridos, faz pagar a quem não deve, e manda que não pague quem deve; tem mandado alçada dos seus agregados à capitania de Pernambuco a fazerem mortes; dão-se as sentenças que quer tanto no [Juízo] Ordinário, como na Ouvidoria, tiram-se as devassas que quer, e como quer, e ficam suspeitadas nas que ele é cumplice; tem roubado a [Santa Casa de] Misericórdia desta Vila [sic], e está consumindo o resto, ficando pelas terras dois anos provedor, sendo cobrador. Finalmente é impossível que se possa dizer o seu préstimo que é para tudo quanto quer e faz aqui tudo quanto quer, e é mais respeitado o seu nome que o do Príncipe Nosso Senhor [D. João VI], que aqui pouco se conhece. 1
O excerto acima foi escrito por Manoel Inácio Morais de Mesquita Pimentel, capitão-mor da Capitania de Sergipe, e endereçado ao governador e capitão general da Capitania da Bahia, Conde da Ponte, em 1806. É perceptível o inconformismo do capitão-mor contra um subalterno ligado às forças militares da capitania. O alvo das graves acusações era o sargento-mor de ordenanças Bento José de Oliveira. Hierarquicamente, um capitão-mor deveria receber a devida obediência das companhias de ordenanças e auxiliares. Porém, esse sargento-mor não lhe correspondia às expectativas. Pelo contrário, era acusado de obstruir a ação das autoridades militares e judiciárias da Capitania, constituindo um poder paralelo. Não foi apenas o capitão-mor que enviou correspondências às altas autoridades metropolitanas para se queixar dos procedimentos do dito sargento-mor. As denúncias de abuso de poder tornaram-se tão constantes, principalmente a partir da última década do século XVIII e nos primeiros anos do século seguinte, tanto que o príncipe-regente D. João VI ordenou em 1806 a prisão e devassa do aludido sargento-mor.
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Carta do Capitão-mor de Sergipe Manoel Inácio Morais de Mesquita Pimentel ao governador geral da Bahia, em 10 de junho de 1806. Arquivo Histórico Ultramarino. Brasil-Sergipe. Cx. 6, Inv. 481, Doc. 8. Fl. 02.
8 Se os contemporâneos de Bento José de Oliveira lhe imputaram uma imagem pouco lisonjeira, não é das melhores a interpretação dos historiadores sobre suas ações. Felisbelo Freire, em História de Sergipe (1575-1855), publicada em 1891, menciona o nome de Bento José de Oliveira no contexto do final do período colonial na Capitania de Sergipe. 2 Bento José é citado como peça importante na prisão do capitãomor José Gomes da Cruz, motivada pela desavença com o irmão dele, o tenente-coronel Francisco Félix de Oliveira. O capitão-mor tentou obstruir a ordem de recrutar a população da Capitania para as ordenanças que estava ao encargo dos irmãos Oliveira. Para Freire, Bento José é representado como um malfeitor, elemento desordeiro e fruto de uma sociedade moralmente corrupta, corroída por valores retrógrados, e marcada por turbulências sociais e conflitos entre as principais autoridades. 3 Esta visão servirá de base para os próximos pesquisadores e até hoje é a preponderante sobre o entendimento de suas ações na história. 4 Em 1920, Carvalho Lima Junior, o primeiro a escrever uma “crônica” sobre Bento José de Oliveira exagera na adjetivação: “Bento José, a princípio um estroina, depois um malvado, um facínora, um estelionatário, um ladrão, um déspota, um tirano, parecia atingir ás raias da loucura, á proporção que ia avançando em anos. Nada lhe embargava o passo na sua marcha devastadora” 5
Lima Júnior listou uma série de crimes cometidos por Bento José e seus protegidos. O sargento-mor é apresentado como a mais poderosa autoridade da capitania durante o final do século XVIII e começo do século XIX. Homem temido pelos
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O historiador são-cristovense informa que sucedeu ao capitão-mor José Gomes da Cruz, em 1776, ao cargo de capitão-mor, e que deixou a administração em 1782, cujo sucessor foi José Caetano da Silva Loureiro – informações equivocadas, pois Bento José nunca foi capitão-mor da Capitania, apenas sargento-mor de ordenanças. Baseado na informação de Felisbelo Freire, Liberato Bitencourt, em Ilustres Sergipanos (1912) comete o mesmo equivoco. BITENCOURT, Liberato. Ilustres Brazileiros – Sergipe. Aracaju: Typ. Jornal da Manhã, 1912. p.132. 3 FREIRE, Felisbelo. História de Sergipe (1575-1855) . Rio de Janeiro: Tipographia Perseverança, 1891. pp. 200-212. 4 Vide recentemente os textos de DANTAS (2009) e ALBUQUERQUE (2013). 5 Ibid.
9 capitães-mores e ouvidores, um “senhor de baraço e cutelo”. Por outro lado, Lima Júnior o descreve como uma figura lendária, símbolo da prepotência e dos vícios da sociedade colonial sergipana, um verdadeiro gênio criminoso. 6 Republicanos históricos, Felisbelo Freire e Lima Júnior viam o passado colonial como sinônimos de atraso, obscurantismo, trevas e prepotência dos poderosos. A República era para ambos a salvação da nação. O regime republicano era obra do civismo democrático contra um passado maléfico causado pela monarquia colonial (lusitana) e imperial (nacional). Esses dois historiadores viam o período colonial como a gênese da formação da sociedade sergipana com seus vícios que influenciam o presente. O sargento-mor Bento José fazia parte desse passado que precisava ser esquecido e superado e, por isso, foi demonizado por esses dois clássicos da historiografia sergipana. Aproveitando as pesquisas de Felisbelo Freire e Lima Júnior, Clodomir Silva publica uma síntese histórica sobre o passado colonial sergipano no Álbum de Sergipe (1534-1920), obra lançada em 1920, em decorrência do centenário de emancipação política de Sergipe (1820-1920). O sétimo capítulo, cujo título é Sergipe e o seu novo estado, os jesuítas e o confisco de seus bens. 1696-1819, é bastante rico em transcrições documentais. Bento José é citado, juntamente com Felipe de Faro Leitão, como homens que “exerciam o espirito de des ordem e tumultos [...] praticavam um espécie de ditadura, impondo-se ao capitão-mor e às outras autoridades, sua vontade, discricionariamente, não respeitando as determinações reais, nem as ordens do governador geral”. 7
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LIMA JÚNIOR, F. A. de Carvalho. Capitães-mores de Sergipe. Aracaju: SEGRASE, 1985. pp. 58-72. SILVA, Clodomir de Souza e. Album de Sergipe: 1534 - 1920 . Aracaju, Se: Governo de Sergipe, [1920]. P.42-43. 7
10 Armindo Guaraná, reconhecido pela obra póstuma Dicionário Biobibliográfico Sergipano (1925), ao biografar Antonio Muniz de Souza, importante literato do final do período colonial e primeira metade do século XIX, cita brevemente Bento José. Era Bento criticado pelo “negrume d‟alma do sanhudo sargento-mor”. De acordo com Armindo Guaraná, as peripécias de Bento serviram de inspiração para que o poeta e teatrólogo sergipano Constantino Gomes de Souza escrevesse sua obra-prima A Filha do Salineiro (1860), obra teatral que conta a história de um desditoso pai que vê sua única filha sequestrada por um malfeitor que tenta abusar da inocência da jovem.
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Na década de 30, o vigário da cidade de Laranjeiras, terra natal de Bento José de Oliveira, Filadelpho Jhonatas de Oliveira, em História de Laranjeiras Católica, não deixa de mencionar o sargento-mor. Há apenas uma única passagem, no subitem sargentos-mores, em que figura como homem de grande prestígio e assassino de uma escrava de José Alves Quaresma e de Manoel Alves, marido de sua sobrinha. Um detalhe importante é citado pelo vigário: o nome popular do famoso sargento-mor era Bento José de Laranjeiras. 9 Por décadas o nome de Bento José de Oliveira ficou esquecido. Contudo, nos anos 80, a documentação sobre Sergipe pertencente ao Arquivo Histórico Ultramarino, em Portugal, é microfilmada. De posse desse rico acervo, Maria Thétis Nunes publicou, em 1989, Sergipe Colonial I , importante obra sobre a formação histórica de Sergipe. Sete anos depois, Maria Thétis Nunes dá continuidade as suas pesquisas sobre o passado colonial sergipano e lançou Sergipe Colonial II . O livro é uma síntese das principais acontecimentos do século XVIII e início do século XIX na Capitania de Sergipe sob a ótica marxista. É a principal obra sobre o século XVIII em Sergipe. Ao se deter sobre as estruturas e dinâmicas de poder na capitania de Sergipe, Thétis descreve a 8
GUARANÁ, Armindo. Antonio Muniz de Souza. Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju, ano 3, n. 6, vol. 3, 1916. P. 147-166. 9 OLIVEIRA, Filadelfo Jonatas. História da Laranjeiras catholica . Aracaju: Ed. Casa Ávila, 1935. p. 50.
11 atuação de Bento José de Oliveira como a de um membro da elite mandonista local. Segundo a historiadora, Bento dominou a vida política de Sergipe por duas décadas 10. Maria Thétis Nunes descreveu os inúmeros processos, as reações favoráveis e contrárias de elementos das classes dominantes às ações de Bento José de Oliveira. Para ela, a derrocada e prisão de Bento José se deve a cisão da classe dominante que passa a vê-lo como um perigoso inimigo e a ação firme do capitão-mor Mesquita Pimentel. Apesar de dar especial ênfase à trajetória de Bento José de Oliveira, inserindo-a no contexto sócio político, Thétis Nunes se baseia apenas nas denúncias dos inimigos contemporâneos do sargento-mor. Em 2003, o sergipano Fernando Afonso Ferreira Júnior escreve sua tese de mestrado Derrubando os mantos purpúreos e as negras sotainas: Sergipe del Rey na crise do antigo sistema colonial (1763-1823), orientado por Fernando Novais. É um importante trabalho sobre a segunda metade do século XVIII em Sergipe. Essa tese estuda o processo de fissura do antigo sistema colonial em Sergipe, em especial as transformações administrativas e os conflitos sociais que resultariam no processo de independência nacional e local. Ferreira Júnior é de todos esses autores o que menos elevou o nome de Bento José de Oliveira ao status de grande personalidade do final do século XVIII. Bento é apresentado como mais um na estrutura social que se vale do prestígio social e das armas para ser temido. Um dos grandes méritos desse trabalho é a pesquisa em fontes manuscritas do Arquivo Público da Bahia 11. Recentemente, Bento José é mencionado como personagens relevante da cidade de Santo Amaro das Brotas em Retratos da História de Santo Amaro da Brotas. Bento aparecesse no contexto sócio-político dos primórdios da vila de Santo Amaro. É o mais 10
NUNES, Maria Thetis. Sergipe colonial II. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. pp.130-135 11 FERREIRA JÚNIOR, Fernando Afonso. Derrubando os mantos purpúreos e as negras sotainas : Sergipe del Rey na crise do antigo sistema colonial (1763-1823). Campinas, 2003. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia. Dissertação de Mestrado. 219p.
12 influente sujeito anterior ao século XIX, na opinião de Clóvis Bonfim, que lhe dedicou um capítulo. O texto é na realidade apenas uma reprodução parafraseada das informações presentes na obra de Maria Thétis Nunes e dos documentos do projeto Resgate12. Dedicamos, em 2008, um estudo especifico sobre Bento José de Oliveira. Por ocasião do I Congresso Sergipano de História, organizado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE) e Associação Nacional dos Professores Universitários de História/ secção Sergipe (ANPUH), escrevemos a comunicação oral A Capitania de Sergipe sob o ronco do trabuco de Bento José de Oliveira (1773-1806) . Nesse trabalho esboçamos uma breve biografia do protagonista desta pesquisa, dando ênfase a seus inúmeros crimes, baseados nas documentações do Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo Público da Bahia e Arquivo do Poder Judiciário de Sergipe 13. Porém, o trabalho apresenta conclusões preliminares e alguns dados já podem ser refutados pela documentação recentemente coligida. O artigo é uma pesquisa sumária e sem grandes pretensões analíticas sobre a sociedade da Capitania de Sergipe no final do período colonial. Apenas está descrito uma série de acontecimentos históricos relativo à vida do biografado em ordem cronológica. Cabe mencionar que Lourival Santana Santos é autor do artigo inédito Acima da lei e da ordem: os crimes do sargento-mor Bento José de Oliveira. Neste pequeno texto, fundamentado em documentos manuscritos do Arquivo Histórico Ultramarino, catalogado e organizado por Eduardo Castro e Almeida, Lourival Santos se atem a carreira criminosa do sargento-mor Bento José e seus parceiros. Sobre Bento destaca os processos impetrados de 1786 a 1807, focando os crimes e atrocidades em que foi autor 12
BOMFIM, Clóvis. A prisão histórica de Bento José de Oliveira e outros detentos. Retratos da História de Santo Amaro das Brotas . Santo Amaro das Brotas: s/d, 2007. p.79-93; 13 MENEZES, Wanderlei de O. A Capitania de Sergipe sob o ronco do trabuco de Bento José de Oliveira (1773-1806). I Congresso Sergipano de História: história e memória. São Cristóvão: ANPUH/SE; Aracaju: IHGSE, 2008.
13 ou cumplice, que protagonizou uma “epopeia de medo e terror que caracterizou a História social e política de Sergipe d‟El Rey no final do século XVIII” 14. Crimes, casos de violências e abusos de poder são acontecimentos sociais comuns nas mais diferentes sociedades e épocas. Portanto, não importa tanto os crimes cometidos por Bento José e seus agregados. Tais delitos só nos interessam na medida em que servirem para melhor compreensão histórica daquela sociedade. Acreditamos que o estudo da trajetória de Bento José de Oliveira pode nos revelar não só um perfil desviante, mas também os conflitos e desordens na Capitania de Sergipe do final do período colonial. Escolhemos o sargento-mor Bento José de Oliveira como indivíduo que nos revelará os conflitos administrativos da Capitania de Sergipe na segunda metade do século XVIII e não outros atores sociais do mesmo período por três motivos: 1. Número razoável de informações sobre sua trajetória profissional e pessoal, tanto em fontes primárias quanto em citações historiográficas. Bento José é dos atores sociais da Capitania de Sergipe no século XVIII que mais tem seu nome citado, mesmo que esparsamente. As valiosas informações resultantes do pedido da câmara de vereadores da vila de Santo Amaro das Brotas (1805) ao Príncipe Regente para prendê-lo e os documentos anexados ao extenso processo somente já daria uma pesquisa de fôlego sobre ele e o seu tempo. Há ainda que se destacar a quantidade de fontes sobre esse sargento-mor ainda inexploradas nos Arquivos Públicos da Bahia, Alagoas e Pernambuco e no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Em Sergipe, há no Arquivo do Poder Judiciário de Sergipe vasta quantidade de informações sobre ele e seus descendentes nos livros de notas e
14
SANTOS, Lourival Santana. Oliveira. S/D. Artigo inédito.
Acima da Lei e da Ordem :
os crimes do sargento-mor Bento José de
14 inventários das comarcas de São Cristóvão, Santo Amaro, Maruim e Laranjeiras15. 2. É um personagem que viveu boa parte da segunda metade do século XVIII na Capitania de Sergipe, pertencendo a uma das famílias de senhores de engenho e latifundiários da mais dinâmica área econômica local (Cotinguiba). Além disso, ocupou importantes cargos como o de sargento-mor de ordenanças, provedor dos ausentes e membro da comissão militar de recrutamento militar da Capitania. Diferente dos capitães-mores e ouvidores que ficavam, geralmente, curtos períodos nos cargos, Bento José vive o cotidiano da Capitania. Ele foi sargento-mor de 1775 a 1808, ou seja, por mais de três décadas. Com isso, ele viveu intensamente as disputas de poder entre as principais autoridades administrativas da capitania de meados da década de 70 do século XVIII até os primeiros anos do século XIX. 3. Só temos estudos esparsos e breves sobre sua vida. Não há nenhum estudo completo de natureza biográfica sobre esse importante personagem do passado colonial da Capitania de Sergipe. No pequeno número de referência em que seu nome é citado, há uma verdadeira demonização dos seus feitos. Bento José para a historiografia sergipana é um criminoso ousado, insolente, truculento, astuto e extremamente audacioso. É um indivíduo que carece de revisão historiográfica, que o situe dentro de seu tempo histórico, com seus valores e dilemas, ou seja, deve ser tratado como um homem de seu tempo.
15
SERGIPE. Tribunal de Justiça. Arquivo Geral. Catálogo da documentação dos séculos XVII e XVIII, da Comarca de São Cristóvão (1655/1800). Aracaju, SE: TJSE, 2000. 170 p.
15 A proposta deste trabalho é, a partir da trajetória do sargento-mor Bento José de Oliveira (1748-1808), analisar as fragilidades das estruturas institucionais, políticas, jurídicas e militares bem como a ordem que se pretendia impor durante a segunda metade do século XVIII na Capitania de Sergipe d‟El Rei, evidenciando as estruturas formais e informais de poder. Procuramos entender, especialmente, as estratégias adotadas pelas autoridades da capitania de Sergipe e suas relações com a população local. Muitos foram os casos de atritos entre as elites locais e as principais autoridades da Capitania. Por exemplo, em 1764 o capitão-mor Joaquim Antonio Pereira Serra é preso por ordem do ouvidor-geral Ayres Lobo por esse ordenar a prisão do escrivão do cartório Sebastião Gaspar Botto, amigo do ouvidor. O capitão-mor Antonio Pereira Falcato, na década seguinte, entra em atrito com o ouvidor João Batista Dacier. Já Joaquim José Martins é declaradamente inimigo figadal do ouvidor José Antonio Alvarenga Barros Freire. 16 A historiografia sergipana define essa fase como uma época florescente economicamente e bastante anárquica sob o ponto de vista administrativo e social.
17
O
número de engenhos cresce espantosamente e a economia baseada na pecuária começa a ceder espaço para a produção de açúcar, fumo e farinha, voltados ao comércio com a Bahia e com Portugal e outras partes do Império Ultramarino Lusitano 18. O sargentomor Bento José presencia a ampliação das instituições burocráticas na Capitania de Sergipe. Novos regimentos, ordenanças, câmaras de vereadores e cargos são criados nessa época. Aliado a isso temos a ocupação mais sólida das margens dos rios 16
LIMA JÚNIOR, F. A. de Carvalho. Capitães-mores de Sergipe. Aracaju: SEGRASE, 1985. P. 58-72; NUNES, Maria Thetis. Sergipe colonial II. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. pp.130-135. 17 Vide NUNES (1996), FREIRE (1891), LIMA JUNIOR (1985), SILVA (1920), FERREIRA JUNIOR (2003) 18 MOTT, Luis. Sergipe Del Rey : população, economia e sociedade. Aracaju: FUNDESC, 1986. pp.135138.
16 Cotinguiba, Sergipe e Vasa Barris, numa área conhecida por Cotinguiba 19. O sargentomor Bento José de Oliveira habitou, praticamente durante toda sua vida esta região, onde era autoridade militar e senhor de engenho e terras. O estudo de trajetórias de vida, ou biografias, é uma possibilidade legítima de compreensão do passado, sendo uma ferramenta consideravelmente utilizada pela historiografia contemporânea. Os historiadores atuais procuram “restaurar o papel dos indivíduos na construção dos laços sociais”. 20 Todavia, cabe ressaltar que não se trata aqui de narrar episódios da vida de um personagem a fim de apresentá-la como um caminho uniforme, retilíneo e coerente, nem, tampouco, uma abordagem determinista segundo a qual o contexto social define as ações dos indivíduos de forma mecânica 21. A escolha dos personagens biografados é outro ponto que a historiografia contemporânea tem chamado a atenção: não apenas os “grandes homens” da política, mas também as pessoas comuns e personagens significativos dentre de um dado contexto social. Neste sentido, Carlo Ginzburg ressalta a importância de se estender o conceito histórico de indivíduo para as classes mais baixas: “alguns estudos biográficos mostraram que um indivíduo medíocre, destituído de interesse por si mesmo – e justamente por isso representativo – pode ser pesquisado como se fosse um microcosmo de um estrato social inteiro num determinado período histórico”
22
. É fundamental
perceber as relações entre o individual e o social, entre um sargento-mor e seu contexto,
19
FREIRE, Felisbelo. História Territorial do Brazil . Vol. 1. Rio de Janeiro: Typ. Do Jornal do Commercio, 1906. pp. 306-320. 20 CHARTIER, Roger. A história hoje: dúvidas, desafios, propostas. Estudos históricos. Rio de Janeiro, Cpdoc/FGV, vol. 7, nº 13, 1994, p. 102. 21 SCHMIDT, Benito B. “Construindo biografias... historiadores e jornalistas: aproximações e afastamentos”. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n. 19, 1997. P. 12. 22 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p.27.
17 buscando perceber o personagem biografado como ser fragmentado, múltiplo e marcado por sua própria historicidade e escolhas 23. A historiografia brasileira sobre o período colonial tem produzindo importantes trabalhos sobre os mais variados temas abordados a partir de indivíduos, inclusive historiadores das mais diversas orientações teórico-metodológicas. Em O nome e o sangue: uma fraude genealógica no Pernambuco colonial Evaldo Cabral de Melo estuda a vida do Capitão-mor da vila do Cabo Felipe Pais Barreto. A partir desse homem do começo do século XVIII, o autor perscruta o sistema de discriminação racial-social do Brasil colonial, que impedia aos descendentes de judeus, negros, índios, mouros e trabalhadores braçais o acesso às funções públicas e honrarias e mercês dispensadas pela coroa. O autor mostra a trama de poder que envolve a acusação do capitão-mor do Cabo dentro do contexto de rivalidade entre as localidades de Recife e Olinda, durante a época da Guerra dos Mascates 24. Outro estudo, praticamente no mesmo marco temporal da obra anterior, do antropólogo e historiador Luiz Mott. Em 1993, Mott escreve Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil . A biografia de Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz é bastante curiosa. Ela nasce na África, donde é capturada e vendida como escrava. O seu senhor a estupra, forçando-a a prostituição. Contudo visões sobrenaturais mudam sua vida. Torna-se beata e funda uma instituição religiosa. A inquisição a persegue de forma cruel e Rosa é presa e enviada para ser julgada em Lisboa. A partir dessa mulher cativa desconhecida, Mott estuda os valores sexuais e religiosos do Brasil colonial 25. Sobre a temática da ordem e conflito tomando por base a trajetória de um indivíduo, merece especial destaque a obra clássica da historiadora Heloisa Bellotto 23
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaina. (org.). Usos & abusos da história oral . 8.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006. pp.183-191. 24 MELLO, Evaldo Cabral de. O nome e o sangue: uma fraude genealógica no Pernambuco Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. 25 MOTT, Luiz. Rosa Egipciaca : uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993.
18 Autoridade e Conflito no Brasil Colonial: o governo do Morgado de Matheus em São Paulo (1765-1775). Belloto estuda a vida e as ações de um dos mais emblemáticos administradores da Capitania de São Paulo. Nobre português, D. Luís Antônio de Souza Botelho Mourão, o Margado de Matheus, é designado em 1765 para restaurar a capitania de São Paulo, que estava anexada ao Rio de Janeiro, em virtude da forte ameaça dos espanhóis nas capitanias de Santa Catarina e São Pedro do Rio Grande e da necessidade de maior proteção na região das Minas Gerais. O Morgado de Matheus busca dinamizar a capitania e encontra fortes oponente que são responsáveis por sua deposição e, consequente, processo administrativo 26. Recentemente, Laura de Souza e Mello, em O Sol e a Sombra: política e administração na América Portuguesa do século XVIII (2006) buscou na trajetória de indivíduos célebres extratos para suas conclusões acerca da administração do Brasil colonial, a partir da Capitania de Minas Gerais, e de homens como, por exemplo, D. Pedro de Almeida (Conde de Assumar), Sebastião da Veiga Cabral, Rodrigo Cesar de Menezes, Luis Diogo Lobo da Silva e D. Antonio de Noronha 27. Portanto, conhecer o indivíduo Bento José de Oliveira nos possibilitará perceber aspectos da estrutura social e organizacional da sociedade da Capitania de Sergipe da segunda metade do século XVIII. É importante se referir que mesmo estando sujeito a todo um conjunto de regras jurídicas e morais, os indivíduos possuem liberdade de escolhas. Giovani Levi menciona que a relações entre sociedade e indivíduo é comparável a uma “jaula flexível”.
28
Homens como Bento José estavam sujeitos a
normas e sanções sociais bem como ao que Howard Becker denomina de “rótulos”. 26
BELLOTTO, Heloisa L. Autoridade e Conflito no Brasil Colonial : o governo Morgado de Mateus em São Paulo, 1765-1775. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1979. 27 SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra: política e administração na América Portuguesa do século XVIII. São Paulo Companhia das Letras, 2006. PP. 185-450. 28 LEVI, G. Uso da biografia. In: AMADO, Janaina; FERREIRA, M.M. Usos e abusos da História Oral . Rio de Janeiro: FGV, 1996. P. 168.
19 Segundo o autor, ser rotulado publicamente como desviante constitui em um fator crucial para manter um padrão neste tipo de comportamento, pois tal situação implica em consequências na identidade pública do indivíduo, levando-o a mudanças em relação aos seus grupos sociais.
29
Para aprofundarmos acerca do entendimento do contexto sócio-político da América Portuguesa, e mais especificamente, da Capitania de Sergipe d‟El R ei, faz-se necessário esclarecer o debate historiográfico contemporâneo sobre império, administração
e
poder
na
América
Portuguesa
em
dois
pontos:
centralismo/descentralismo e o dualismo Colônia-Metrópole/Império Ultramarino Português. Sobre o primeiro ponto, durante muito tempo Raymundo Faoro com seu clássico Os Donos do Poder , serviu de base para as interpretações sobre as estruturas políticas sistêmicas da América Portuguesa. Essa obra concebia um estado lusitano forte, poderoso e centralizador. Nos anos 70 do século XX, o centralismo de Faoro foi questionado. Conforme apontou Laura de Mello e Souza, grande parte dessas críticas partiu de fora para dentro (Charles Boxer, A.J.R. Russell-Wood, António Manuel Hespanha, Jack Greene e Nuno Gonçalo Monteiro), proporcionando interpretações que duvidavam do excesso de centralidade do estado lusitano no Antigo Regime, destacavam as adaptações e os ajustes locais que as instituições e os agentes régios sofriam no momento da travessia do Atlântico, e assinalavam o uso recorrente de negociação. Segundo Antonio Manuel Hespanha, o poder do Rei seria algo limitado por uma questão jurisdicional, no qual a estrutura corporativa da sociedade suprimia parcialmente este poder, pois o Rei como “cabeça” não podia governar sozinho; 29
BECKER, Howard. Outsiders: estudos sobre a sociologia do desvio. 2. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.
20 precisava assim das outras “partes do corpo”. Logo, a negociação, entre o Rei e seus súditos se fazia então necessária. 30 Assim sendo, vemos atualmente, muitos trabalhos que abordam os seus estudos numa perspectiva imperial retomando modelos formulados por Charles Boxer, para quem a especificidade mais marcante da expansão marítima portuguesa foi acima de tudo caraterizada por organizar e administrar um império no interior de tão extrema dispersão territorial.31 A análise de Boxer contribuiu para conduzir a discussão sobre as relações entre Portugal e as suas conquistas ultramarinas a um nível diferente, um nível em que o império português era visto como um todo, analisável em si mesmo, encarado como sendo constituído por um só espaço de circulação e negociação circunscrito por instituições e representações políticas. Francisco Bethencourth e Diogo Ramada Curto dirigiram a obra denominada “A expansão marítima portuguesa, 1400-1800”, sob uma perspectiva imperial, em que os padrões de colonização, as configurações políticas, as estruturas eclesiásticas e os poderes locais foram colocados num contexto global. A interação entre os portugueses e as populações locais foi analisada em diferentes contextos e, de forma sintética procuraram examinar toda a cultura imperial e colonial do mundo português, com a colaboração de autores de várias nacionalidades. Por sua pertinência, destacamos o capítulo denominado “Configurações Políticas e Poderes Locais”, em que Francisco Bethencourt rejeita a perspectiva de um império altamente centralizado, afirmando que esta abordagem impede-nos de compreender as realidades no terreno, onde as decisões tomadas pelas instituições centrais, quando não moldaram a verdadeira ação, tiveram
30
“A representação da sociedade e do Poder”. In: HESPANHA, A. Manuel (coord.). História de Portugal Vol 4: O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1993. 31 BOXER, Charles. O Império colonial português (1415 – 1825). Lisboa: Edições 70, 2001.
21 como resposta uma oposição constante dos poderes locais no que diz respeito às respostas dos desafios quotidianos 32. É no âmbito das conceituações de Charles Boxer e das coletâneas acima citadas, que o termo império será compreendido ao longo deste trabalho. Império entendido como um espaço em que as relações entre reino e colônias constituem um lugar de circulação e negociação, circunscrito por instituições e culturas políticas que o constituem. Em 1998, Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri procuraram refletir acerca das relações entre Portugal e os territórios ultramarinos, privilegiando aspectos relacionados com a política, a administração, a religião e publicaram uma História da Expansão Portuguesa, que contou com a colaboração de autores de diversas nacionalidades e com estudos pertinentes sobre administração, política e agentes. Sobre o Brasil, cabe destacar os capítulos referentes à administração e governação, escritos pelos historiadores Francisco Bethencourt e A. J. R. Russel-Wood. Em “Governantes e Agentes” A. J. R. Russel -Wood centra sua análise no “rosto humano da administração” e para tal faz uma breve introdução acerca da estrutura administrativa, das entidades às quais cabia a jurisdição sobre os problemas, questões e governação das conquistas. O autor explica, em teoria, que a administração ultramarina era algo com uma estrutura altamente centralizada e dependente de Lisboa, com Goa e Salvador a atuarem como centros subordinados e com todas as nomeações feitas pela coroa ou sujeitas à aprovação real. Mas, ao invés ocorria uma vasta descentralização da autoridade, devido a vários fatores: a distância seria um deles e outro a falta de clareza relativamente às áreas de jurisdição dos agentes, que nem sempre eram evidentes nos regimentos ou instruções que traziam de Lisboa. 32
BETHENCOURT, Francisco; CURTO, Diogo Ramada (org.). A Expansão Marítima Portuguesa, 1400-1800. Lisboa: Edições 70, 2010.
22 Neste estudo procuramos inserir na trajetória de vida do sargento-mor essa realidade institucional, e mais especificamente os mecanismos políticos do reino, com o objetivo de compreender como eram tecidos os equilíbrios, a natureza do poder e os organismos administrativos do aparelho burocrático português do Antigo Regime. Nesse aspecto, as relações entre os representantes do poder colonial se constituíam dentro de um cenário de conflito e tensão como uma característica das práticas políticas das administrações locais, onde a sobreposição das instituições entrava em choque com a imprecisão das práticas administrativas. Nesse contexto, o poder político das jurisdições constituía um importante instrumento de controle dos oficiais régios pelo poder metropolitano. Outra mudança que é possível inferir no que se refere aos estudos sobre o Brasil colonial, é a de um gradual afastamento da ideia do dualismo colônia metrópole como matriz explicativa para as relações político-econômicas e de poder que envolviam Portugal e Brasil entre os séculos XVI e XVIII. No Brasil, há já algum tempo que os historiadores têm procurado afastar-se desse dualismo. Caio Prado Júnior entendia a colonização portuguesa no Brasil visava explorar ao máximo os recursos da colônia. Nessa trilha, Fernando Novais também apoiou o seu estudo acerca do Brasil colonial na centralização precoce do Estado português. Para o historiador, dada a natureza mercantilista do antigo regime colonial, o elemento-chave da sua organização era o exclusivo metropolitano com que cada Estado-metrópole procurou reservar para si direitos de comércio sobre as suas colônias. Na sua análise, o desenvolvimento simultâneo dos estados absolutistas e das políticas mercantilistas, abrangendo a criação das colônias ultramarinas, resultou no desenvolvimento do capitalismo comercial. Para ele, a expansão portuguesa dos séculos XV e XVI foi patrocinada pelo estado. Esses dois autores entenderam o passado colonial brasileiro em
23 decorrência do desenvolvimento comercial europeu. Essa visão tem sido contestada principalmente por um grupo de historiadores brasileiros e portugueses que advogam a tese do “Antigo Regime nos Trópicos”, acentuando os aspectos tidos como arcaicos. Esta pesquisa está estruturada em cinco capítulos interdependentes. No primeiro capítulo, apresentamos o ordenamento sócio-político da Capitania de Sergipe, sua função dentro do império português e as mutações que sofreu no final do século XVIII. Pretendemos perceber como se processou a constituição da ordem social-administrativa da Capitania. Apresentamos uma visão panorâmica das principais atividades econômicas, crescimento populacional e organização político-administrativa. Como estamos estudando um militar, as estruturas militares e administrativas da capitania subalterna de Sergipe d‟El Rei na segunda metade do século XVIII, não poderia deixar de ser mencionada. O capítulo seguinte aborda as origens familiares de Bento José, seu nascimento, pais e condições que propiciaram sua entrada na carreira das armas, primeiro como praça e depois na condição de sargento-mor de ordenanças. Discutiremos a atuação profissional e o crescimento patrimonial de Bento José. O terceiro capítulo é dedicado à compreensão dos mecanismos de poder e mando informais e os conflitos e alianças entre as principais autoridades locais. Aqui procuramos entender como Bento José atuou ora do lado de potentados locais, ora de ouvidores e capitães-mores nas querelas e conchavos. Para o último capítulo, por sua vez, apresentaremos a atuação dos adversários de Bento José, a partir de 1804, e como se deu a prisão e, posterior, deportação para o cárcere em Lisboa, onde findar-se-á os dias do temido sargento-mor, e seu significado para a compreensão das relações de poder local. Uma boa leitura a todos!
24
Capítulo 1: Ordenamento político-social da Capitania de Sergipe D’El Rei 1.1 Sergipe d’El Rei: espaço político-estratégico
Bento José de Oliveira e seus antepassados viveram em uma capitania subalterna à Bahia. A ligação histórica de Sergipe com a Bahia é antiga. A fundação da capitania, em 1590, através de empreendimento militar liderado por Cristóvão de Barros, partiu de Salvador e contou com ampla participação de moradores da Bahia de Todos os Santos. O interesse em integrar o território que futuramente seria denominado Sergipe à Coroa portuguesa, afugentando a ameaça da presença francesa e debelando a resistência indígena, animava as autoridades metropolitanas na sede do governo-geral. A ambição pelos pastos dos rios Real, Piauí, Vaza-barris, Sergipe, Japaratuba e, principalmente, Rio de São Francisco, para a expansão da pecuária nos sertões de baixo estimulava religiosos, militares e aventureiros a deixarem o recôncavo em direção ao sertão meridional. 33 A realidade da Capitania de Sergipe d‟El Rei era de subalternidade desde sua fundação. Todavia, sublinhamos o fato de que essa condição deve ser entendida numa dinâmica de relação entre centro/periferia, relação esta que é móvel, sujeita à aceleração e tensões bruscas, ligadas às modificações políticas, sociais e econômicas. 34 Sergipe, basicamente, tinha funções de ordem estratégica e econômica no contexto das possessões do império português na América. Para Evaldo Cabral de Mello, A fundação da Capitania de Sergipe assegurava as comunicações marítimas e, principalmente, terrestres entre Pernambuco e a Bahia em 33
SCHWARTZ, Stuart B. O Brasil Colonial, c.1580-1750: as grandes lavouras e as periferias. In: BETHEL, Leslie (org). História da América Latina : A América Latina Colonial. V. II. São Paulo: EDUSP, 1999. P. 379. 34 RUSSEL-WOOD, A. J. R. Centros e periferias no mundo luso-brasileiro,1500-1808. Revista Brasileira de História . 1998, vol.18, n.36, pp. 187-250.
25 viagens que despendia menos de três dias, e com a possibilidade de parada na cidade de São Cristóvão, principal núcleo populacional da Capitania. A preocupação p reocupação com o acesso entre a Bahia e as demais Capitanias da parte setentrional da América Portuguesa, especialmente Pernambuco, motiva, em 1601, o governo a debelar os quilombos que estava se formando com as fugas de muitos escravos dos engenhos do recôncavo, na área próxima ao Rio Itapicuru, na fronteira entre as Capitanias de Sergipe e a da Bahia, sob a incumbência de Felipe Camarão.
35
A capitania de Sergipe era o caminho de
passagem para os dois polos mais importantes da parte norte da América Portuguesa. Era o caminho mais recomendado para aqueles que faziam a travessia BahiaPernambuco. O caminho dos sertões da Jacobina era extremamente longo, perigoso e desconhecido. Contudo, muito mais que um local de passagem, Sergipe d‟El Rei servia de fornecedor de mantimentos básicos para a população do recôncavo da Bahia e zona da mata de Pernambuco. Em 1612, o sargento-mor Diogo Campo Moreno era enfático ao afirmar que a Capitania de Sergipe “é muito proveitosa aos engenhos e fazendas de Pernambuco e Bahia para os quais vai muito gado, assim para comer, como para serviço; criam-se criam-se nestes pastos muitos bois, éguas e bons cavalos”. 36 Contemporâneo ao relato anterior, Diálogos das Grandezas do Brasil (1618), (1618), texto atribuído a Ambrósio Fernandes Brandão, definia a Capitania de Sergipe como “coisa “coisa pequena, e só abundante em gado, que naquela parte se cria em grande cópia ”.37 Durante a presença flamenga na América Portuguesa, percebeu-se claramente o papel da Capitania de Sergipe dentro do Império Ultramarino Lusitano. Em 1637, a Capitania é invadida pelas tropas holandesa que avançavam em direção ao Rio de São 35
GOMES, Flávio dos Santos. A hidra e os pântanos : mocambos, quilombos e comunidades de fugitivos no Brasil (séculos XVII-XIX). São Paulo: UNESP, 2005. P. 396. 36 MORENO, Diogo Campos. Livro que dá Razão ao Estado do Brasil . Brasília: INL, 1968. P. 49. 37 BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das Grandezas do Brasil . São Paulo: Melhoramento, 1977. P. 53.
26 Francisco para Salvador, sede administrativa da Colônia. O Conselho de Estado Português é contundente ao enfatizar a importância da Capitania expondo ao Rei D. João IV que “Também de Sergipe iam ia m os principais mantimentos para a Baía, os quais passariam a faltar se lá ficassem os holandeses”. 38 No parecer do Conde de Odemira essa situação fica mais explicita, pois argumenta na primeira observação da proposta de paz com os holandeses que “as terras terras de Sergipe eram os pastos do gado da Baía e o sustento de seus habitantes”. 39 Nas demais tentativas de acordo de paz, o território entre os rios Real e São Francisco recebeu a devida atenção dos embaixadores lusos em Amsterdam, pois “eram “ eram dos gados e mantimentos com que se sustentavam a Baía, que ficaria oprimida”. 40 Somente o padre Antônio Vieira, em 1648, teve postura diferente em relação a Sergipe: Por que damos Sergipe, que é o mesmo que entregarmos a Bahia, por que sendo os holandeses senhores de Sergipe, o ficam sendo dos gados e mantimentos de que a Bahia se sustenta. Responde-se, que Sergipe tão célebre neste tratado, hoje não é nada, e nunca foi tão grande coisa como se imagina. [...] não sendo verdadeiramente Sergipe senão uma capitania que está distante da Bahia cinquenta léguas, e o rio do mesmo nome [...] A cidade de Sergipe tinha antigamente cinquenta casas de palhoças; hoje é como outro campo. 41
A posição de Antônio Vieira deve-se, sobretudo, aos estragos causados pela presença holandesa na Capitania (1637-1645) e a estratégia de retirar todo gado e destruir todos os mantimentos por parte do conde Bagnoulo durante a retirada das tropas t ropas brasílicas. Além do mais, esse religioso acreditava que os mantimentos para o sustento
38
Consulta do Conselho de Estado ao rei de Portugal em 05 de dezembro de 1648 sobre as condições de paz com a Holanda. In: RAU, Virginia; SILVA, Maria Fernanda G. da. Os manuscritos do arquivo da Casa de Cadaval respeitantes ao Brasil . V. 1. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1956. P. 71. 39 Parecer do Conde de Odemira sobre as propostas de paz oferecidas aos holandeses pelo embaixador português Francisco de Sousa Coutinho em 10 de dezembro de 1648. In: RAU, Virginia; SILVA, Maria Fernanda G. da. Os manuscritos do arquivo da Casa de Cadaval respeitantes ao Brasil . V. 1. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1956. P. 79. 40 Ibid, p. 368. 41 VIEIRA, Antonio. Papel que fez o Pe. Antonio Vieira a favor da entrega de Pernambuco aos holandeses [1648]. Escritos Políticos e Históricos . São Paulo: Martins Fontes, 1995. P. 337.
27 da Bahia poderiam vir também de “Cairu, Boipeba e Camamu, que ficam quinze até vinte léguas para a parte do Sul”. 42 De qualquer forma, a conquista militar da Bahia e a manutenção dos engenhos do recôncavo estavam relacionadas com a situação de Sergipe. O que os Holandeses buscaram fazer foi canalizar o potencial de “apêndice” da pequena capitania para dar suporte à atividade açucareira de Pernambuco, porém as tropas luso-brasílicas lançaram por terra as intenções da Companhia das Índias Ocidentais ao empreender a tática de destruir tudo que servisse aos invasores. O gado foi levado para o Recôncavo e os canaviais queimados. Maurício de Nassau ordenou a ocupação de Sergipe “pois que até hoje dela vínhamos tirando todo gado necessário”. 43 O plano era “mandar fortificar essa praça para que no caso de um tratado de paz, possamos incluir essa capitania na jurisdição desta região [de Pernambuco]. 44
1.2 Produção econômica da Capitania de Sergipe
Stuart Schwartz associa o surgimento de Sergipe d‟El Rei à necessidade de expansão da criação de gado para novas áreas em direção ao Rio São Francisco. Sergipe era assim “um apêndice econômico dos engenhos de açúcar do Recôncavo”.
45
A partir do século XVIII, a pequena Capitania continuou a abastecer à Bahia, porém com outros produtos e sob outra lógica econômica. Em História da América Portuguesa (originalmente publicada em 1730), Sebastião da Rocha Pitta nos oferece informações breves e valiosas sobre a Capitania de 42
Ibid. p. 339. Gouvêa, Fernando da Cruz. Maurício de Nassau e o Brasil Holandês : correspondência com os Estados Gerais. Recife: UFPE, 1998. P. 110. 44 Idem. 45 SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial : o tribunal superior da Bahia e seus desembargadores, 1609-1751. São Paulo: Companhia das letras, 2011. P. 105. 43
28 Sergipe na década anterior ao nascimento de Bento José de Oliveira. Inicialmente, descreve a capital da “província de Serzipe” com sua “sun tuosa Matriz, da invocação de Nossa senhora da Victoria, Misericórdia, formosos (sic) Conventos [...] É magnifica a casa do Conselho, e Cadeia; nobres a dos moradores que havendo sido em outros tempos muitos, hoje não excedem de quinhentos vizinhos”. Sobre a administ ração, informa que “Tem Capitão-mor, que governa a Província, com Sargento-mor, e uma companhia paga de presidio”. 46 Rocha Pitta deu especial destaque a região do Cotinguiba onde “há outra Paróquia com quatro capelas [...]” e “no seu recônca vo, e no de suas vilas se contam vinte e cinco Engenhos, de donde se sai todos os anos bom número de caixas para a Bahia, de perfeito açúcar em qualidade, e benefí cio”.47 O relato de Rocha Pitta remete a uma situação financeiramente promissora não apenas do Cotinguiba, mas de toda a Capitania de Sergipe, pois além das muitas instituições religiosas tinha ainda: mais de oito mil vizinhos, que possuem cabedais, e tem muitas lavouras, sendo para todos o terreno tão dilatado, e fecundo, que faz férteis as suas Povoações, e a seus habitadores ricos, e abundantes. São pródigos os seus campos de criação de gado, na produção das sementeiras, e do tabaco. Deste gênero, da courama, e do açúcar, lhe resulta muito comércio, e ainda fora mais franco, a não serem as duas barras tão estreitas, que não dão transito, mais que a pequenas sumacas 48
Como alerta José Honório Rodrigues, Rocha Pitta era uma autoridade colonial que valorizou demasiadamente a Terra. Sua escrita é ufanista, discriminatória e preconceituosa em relação à plebe, índio e negro. Adota uma defesa dos interesses de Portugal, pois “Muitas vezes a História de Portugal substitui a da América Portuguesa, já em si tão sumariada e tão submetida”. Além de apresentar inúmeras fragilidades 46
PITTA, Sebastião da Rocha. Historia da America Portugueza : desde o ano de mil e quinhentos do seu descobrimento, até o de mil e setecentos e vinte e quatro. Lisboa: Officina de Joseph Antonio da Sylva. 1730. P. 110. 47 Idem. 48 Ibidem. P. 111.
29 factuais. Esse importante cronista do século XVIII foi por D. João V nomeado fidalgo da sua real casa.
49
De acordo com outro cronista contemporâneo ao anteriormente citado, a Capitania de Sergipe não era mais próspera pelo: escasso porto; só capaz de sumacas [...] sendo a povoação pequena, constará de quatrocentos e cinquenta vizinhos, a engrandece muito a amena fertilidade do seu contorno, em que se contam trinta e dois engenhos, algumas fazendas de gado, muitas roçarias, muitos legumes, e na Marinha superabundante cópia de pescados, mariscos, frutas e hortaliças. 50
O relato mais pormenorizado da situação econômica da Capitania podemos extrair dos dados apresentados pelo sargento-mor José Antônio Caldas. Esse engenheiro documentou diversos aspectos da administração da Capitania Geral da Bahia em 1759. Acerca da produção de açúcar em toda a Capitania da Bahia, temos o seguinte quadro: Porto de Partida
Açúcar branco (m arrobas)
Açúcar mascavo (em arrobas)
Santo Amaro (Bahia)
60.514
24.700
Matoim (Bahia)
37.755
21.817
Beira mar (Bahia)
40. 025
25.033
Mato do Seytas (Bahia)
29.233
18.576
Iguapé (Bahia)
28.377
8.686
Garajau (Sergipe)
2.871
5.052
Cotinguiba (Sergipe)
22.074
24.473
Sergipe D’El Rei (Sergipe)
4.385
2.373
185.209
130.710
TOTAL
Fonte: CALDAS, José Antônio. Noticia Geral de toda esta Capitania da Bahia desde o seu descobrimento até o presente ano de 1759 . Salvador: Tipografia Beneditina, 1951 (Edição fac-similar). p. 222-227.
49
RODRIGUES, José Honório. História da História do Brasil : historiografia colonial. 2. Ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979. P. 496-497; KANTOR, Iris. Esquecidos e Renascidos : Historiografia acadêmica luso-brasileira (1724-1759). São Paulo: Hucitec; Salvador: Centro de Estudos Baianos/UFBA, 2004, p.16; OLIVEIRA, Maria da Glória. Fazer história, escrever história: sobre as figurações do historiador no Brasil oitocentista. Revista Brasileira de História . São Paulo. V.30. n59.p.37-52. 2010. p .39. 50 FRANÇA, Gonçalo Soares da. Dissertações da História Eclesiástica do Brasil em 1724. In: CASTELLO, José Aderaldo. O movimento academicista no Brasil (1641-1820/22) . São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1969. P. 192.
30 Com base nos dados acima, é possível afirmar que de 315.919 mil arrobas de açúcar, produzido em 172 engenhos de açúcar e exportado em oito portos de toda Capitania Geral da Bahia, Sergipe d‟El Rei enviava, através de três portos, 61.228 arrobas, o que equivale a 19,38% da produção da Bahia. De acordo com José Ribeiro Júnior, no começo do século XVIII, a Capitania de Pernambuco possuía 246 engenhos, 100 a mais que a Bahia e 110 a mais que o Rio de Janeiro. A produção de Pernambuco era em média de 400 mil arrobas de açúcar anuais. Contudo, esse estudioso da Companhia de Comércio de Pernambuco e Paraiba demonstra que com a criação de uma companhia monopolizadora do comércio, em 1759, por iniciativa do Marquês de Pombal, a produção oscilou de tal forma que a hegemonia pernambucana da exportação açucareira foi abalada, principalmente pela Bahia, que durante a segunda metade do século XVIII expandiu sua produção. Sergipe foi, nesse contexto, um espaço onde a atividade açucareira ganhou força, especialmente na região entre os rios Sergipe e Cotinguiba. 51 Era pelo porto de Salvador, o mais importante da América Portuguesa, que o açúcar produzido nos engenhos de Sergipe era exportado. Uma pequena parcela da produção ia para Pernambuco, através do Rio São Francisco. O porto soteropolitano conferiu à cidade um destacado caráter comercial; foi importante veículo de integração da região ao comércio externo; e também foi a principal ligação entre o mundo rural do recôncavo, produtor primário, e o centro consumidor urbano. A importância estratégica do porto baiano fez com que este fosse por muito tempo conhecido como o porto do Brasil. No século XVIII, foi sem dúvida o principal entreposto comercial do Atlântico Sul, uma vez que a baía de Todos os Santos oferecia um abrigo seguro e grande facilidade em ser demandada pelos veleiros de longo curso. Sabendo disso, o Marquês 51
RIBEIRO JÚNIOR, José. Colonização e monopólio no Nordeste Brasileiro : a companhia geral de Pernambuco e Paraiba (1759-1780). São Paulo: Hucitec, 2004. P. 134-145;
31 de Pombal ordenou a criação da mesa de Inspeção. Conhecidas também como casas de inspeção, foram estabelecidas, em 1751, nos portos da Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco e Maranhão, com a finalidade de examinar, qualificar e regular os preços do açúcar e do tabaco, assim como conservar a extração e promover sua agricultura e comércio.52 O Marquês de Pombal também criou companhias de comércio na parte setentrional da América Portuguesa, com sede na Bahia, Pernambuco e Maranhão. Na Bahia, a Mesa do Bem comum, composta pelos comerciantes locais, propôs uma companhia para o comércio de escravos, mas que acabava por favorecer mais os interesses próprios que os da Coroa, motivo pelo qual não só a Mesa foi dissolvida como a Companhia nem chegou a ser criada.
53
Pierre Verger entendeu que a situação
privilegiada da Bahia frente ao comércio de escravos, que desde o século XVII tinha permissão para ser realizado diretamente com a África, sem passar pelo Reino, colaborou para que a tentativa fracassasse. Sua análise vem reforçar a ideia de que a Bahia e Pernambuco eram importantes centros do tráfico de escravos e que tal fato prejudicava os planos pombalinos de assumir o controle deste lucrativo comércio, uma vez que estas capitanias repassavam escravos para outras capitanias. 54 A esmagadora maioria dos escravos que trabalhavam nos engenhos de Sergipe era oriunda do comércio entre Salvador-Angola.
52
KIRSCHNER, Tereza Cristina. A administração portuguesa no espaço atlântico: a Mesa da Inspeção da Bahia (1751-1808). In: Biblioteca Digital Camões. Disponível em: http://www.institutocamoes.pt/cvc/ index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=76&Itemid=69. Acesso em: 05 nov. 2013 . 53 VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos: dos séculos XVII a XIX . São Paulo: Corrupio, 1987, p. 21. 54 Idem, Ibidem. Desde 1644 que Portugal permitia o comércio direto entre Brasil e África, este era feito por Bahia e Pernambuco, sendo que Pernambuco enviava navios em número menor que a Bahia. Antônio Carreira cita que no XVIII as minas eram o destino da mão-de-obra africana, mesmo existindo uma certa repressão das autoridades para evitar o despovoamento dos engenhos e cidades, por causa do deslocamento de escravos para aquela área, onde o preço do escravo era convidativo. Vide: CARREIRA, António. As Companhias Pombalinas. 2. ed. Lisboa: Presença, 1982, p. 231.
32 Como na Bahia não foi possível ao Reino impor uma Companhia de Comércio, por causa da resistência dos comerciantes baianos, coube a Pernambuco, grande produtor de açúcar, de fumo e exportador de couros, recebê-la. A ideia de Pombal era voltar a ter o domínio do comércio e gerar fundos para a Fazenda Real. Cabe destacar que Salvador era, até 1763, a sede do vice-reinado do Brasil. Charles Boxer (1963) relativiza o papel da “capital” do Brasil. Para esse historiador, as capitanias nem sempre obedeciam às determinações do vice-rei e era comum a comunicação com o Conselho Ultramarino, Secretaria de Estado e com os próprios monarcas. Pedro de Almeida Vasconcelos defende que a cidade de Salvador não sentiu o impacto da mudança imediatamente e continuou sendo a principal cidade da colônia e a segunda do Império português até a independência. Em 1808, com a chegada da Corte de D. João VI, Salvador ainda era mais importante comercialmente que o Rio de Janeiro para o Império Ultramarino Português. 55 A mudança da sede se deu por interferência do Marquês de Pombal, levando em consideração questões de ordem estratégica, como as tensões e lutas com os espanhóis pelo domínio da região platina e pela consolidação da ocupação do sul da colônia, assim como pelo controle da exportação do ouro das minas com a tentativa de manter a exclusividade pelo porto do Rio de Janeiro.
56
Em 1781,
Silva Lisboa afirmou que a Bahia “fornece mais carga aos seus navios, do que nenhuma outra cidade do Brasil”, saindo 40 navios de 800 toneladas ou mais para Portugal. 57 O cronista Luiz Vilhena afirmava, em 1799, que era “a praça da Bahia uma das mais comerciosas das colônias portuguesas”. 58
55
VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Salvador, rainha destronada? (1763-1823) . História (São Paulo) v.30, n.1, p.174-188, jan/jun 2011. 56 BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII , Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003. 57 INVENTÁRIO dos documentos relativos ao Brasil existentes no Archivo de Marinha do Ultramar AMU. Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Vol. XXXII (1914), p. 504. 58 VILHENA, L. S. A Bahia no Século XVIII . Salvador: Itapuã, 1969. P. 56.
33 Esses fatores e a proximidade geográfica reforçavam a subordinação da Capitania de Sergipe d‟El Rei à Bahia. Para se entender a história da capitania de Sergipe é preciso situá-la em relação de interdependência e tensão com a Bahia. A dominação da capitania maior e mais importante se fazia sentir fortemente através da cobrança de impostos e nomeação de autoridades locais.
59
O fato de se situar entre os dois principais pontos da América Portuguesa setentrional (Bahia e Pernambuco) desempenhou desde a fundação da Capitania (1590) papel importante na atuação da política metropolitana para a Capitania. Durante o final do século XVI e século XVII, a criação de gado e a produção de mantimentos levaram a Coroa portuguesa a dotar a Capitania de uma estrutura administrativa com a criação de vilas, ofícios, da Comarca (1696) e distritos militares. Durante a presença holandesa na parte setentrional da América Portuguesa percebe-se claramente o papel estratégico de Sergipe dentro do império ultramarino português e, especialmente, como ponto principal para a dominação da Bahia e seu recôncavo. Os batavos procuraram usar o território como base para expedições militares de defesa e ataque. No século XVIII, a importância da Capitania aumenta com a ampliação do número de engenhos e o crescimento do número de vilas e povoações. A população aumenta geometricamente e os impostos (dízimos, fintas e contratos) constituem numa fonte importante para as autoridades metropolitanas estabelecidas em Salvador. Contudo, era a produção açucareira responsável pelo interesse das altas autoridades da Bahia pela Capitania de Sergipe. Em manuscrito anônimo de 1802, provavelmente escrito por algum secretário do governo da Capitania da Bahia, apresenta 59
Vide: ALVES, Francisco José. A Novilha Esfolada: tributação da Bahia sobre Sergipe no século 17. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe . Aracaju, n.33. p.97-104, 2002.
34 especial destaque a produção açucareira das vilas de Sergipe d‟El Rei nos últimos anos do século XVIII e “algum” tabaco, algodão, farinha, feijão, milho, arroz, couros, gado vacum e cavalar, toucinho, porcos, aves, pedra de fogo e de amolar e couros de veados, como os principais produtos exportados para o porto de Salvador.
60
Partia, de acordo
com Vilhena (1931:500), essa produção pelos quatro principais portos de Sergipe: Rio Real, Cotinguiba, Sergipe d‟El Rei e Rio de São Francisco. Robert Southey entendeu que a Capitania de Sergipe no final do século XVIII não possuía “vantagens naturais para o comércio, como as capitanias vizinh as [Bahia e Pernambuco], tendo ficado muito atrás delas seus progressos, sem contudo conservar-se estacionária”.61 A razão apresentada pelo historiador britânico para o atraso econômico é que “Nenhum dos rios é navegável por embarcações maiores que sumacas, excessivamente perigosa a entrada de todos por causa dos baixios, penedos e tremendas ressacas. Esses óbices postos ao comércio retardaram os progressos do povo”. 62 Em Recopilação de Notícias Soteropolitanas e Brasílicas, Luiz dos Santos Vilhena nos infor ma que, nos últimos anos do século XVIII, a Capitania de Sergipe d‟El Rei era o “sertão de baixo” da Capitania da Bahia. Esse autor expõe de forma simples como era a organização do espaço produtivo da Capitania e a destinação de seus produtos. Em Sergipe d‟El Rei “os que habitam o interior do continente ocupam -se na criação de gado e os próximos à Marinha [litoral] e margens dos rios se empregam na cultura das mandiocas e de todos os legumes com que fornecem a Cidade [Salvador] e muitos engenhos” 63. Vilhena não visualiza a produção de açúcar, fumo e algodão nem a dinâmica interna da produção econômica. Como morador da capital da Capitania da 60
Descrição geográfica da capitania de Sergipe d‟El Rei em 1802. Biblioteca Nacional. Seção de Manuscritos. II – 33, 16, 3. 61 SOUTHEY, Robert . História do Brasil . Trad. Luiz Joaquim de Oliveira e Castro. V. 6. São Paulo: Obelisco, 1965. p. 301. 62 Ibid. p. 302. 63
Ibid. p. 480.
35 Bahia, percebe Sergipe como área destinada ao abastecimento de gêneros alimentícios para Salvador e recôncavo baiano. O destaque está na produção de açúcar mascavo. A produção enviada pelo porto do Cotinguiba era a terceira maior da Capitania da Bahia. Se juntarmos o açúcar mascavo enviado pelos portos de Sergipe D‟El Rei supera o que era enviado pelo porto de Santo Amaro, no recôncavo baiano. O açúcar mascavo era de qualidade inferior se comparado ao branco, mais valorizado no mercado europeu. Assim, dentre os maiores produtores de açúcar de Sergipe, em 1757, de acordo com os dados de José Antonio Caldas, temos: Posição 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15
Nome do proprietário Manoel Suzarte de Andrade Albano do Prado Pimentel Manoel de Sande Ribeiro Constantino Velho de Moura Manoel Pereira de Andrade Gonçalo Paes de Azevedo Luis Pacheco de Oliveira João Teles Barreto Francisco de Gois Teles Lourenço da Rocha Pita Manoel José de Vasconcelos João Paes de Azevedo Antonio da Costa Rocha Sebastião Pedroso de Gois José Correia de Araujo
Porto Cotinguiba Cotinguiba Cotinguiba Cotinguiba Cotinguiba Cotinguiba Cotinguiba Garajau Cotinguiba Cotinguiba Cotinguiba Cotinguiba São Cristóvão Cotinguiba Cotinguiba
Produção (arrobas) 2.653 2.571 2.543 2.437 2.197 2.170 2.110 2.055 1.960 1.946 1.866 1.756 1.715 1.640 1.620
Ocupando a terceira posição, temos Manoel de Sande Ribeiro, pai de Bento José, personagem principal desta pesquisa. Esse senhor de engenho produzia, em 1757, 2.543 arrobas de açúcar, sendo 1.443 branco e 1100 mascavo. Da relação da produção de 172 engenhos de toda Capitania da Bahia, Manoel Sande Ribeiro ocupava a posição de quadragésimo segundo. Esse resultado o colocava entre os maiores produtores da Capitania de Sergipe. Era o terceiro em quantidade total de açúcar, e apenas Albano do Prado Pimentel produzia mais açúcar branco que ele. Em relação ao açúcar mascavo produzido apenas seis senhores de engenho tinham mais açúcar mascavo nos portos de
36 Sergipe D‟El Rei que Manoel de Sande Ribeiro. Todavia, ele tinha apenas dois engenhos, o Pati e outro no sertão do Cotinguiba, e 27 escravos, número considerado pequeno em relação ao empregado nos engenhos do recôncavo baiano e Pernambuco, mas expressivo para a sociedade local. Com base na lista dos senhores de engenho da freguesia de Nossa Senhora do Socorro do Cotinguiba, principal centro produtor local de açúcar, elaborada em 1786, com o intuito de fiscalizar aqueles que não estavam cumprindo a ordem régia de plantar mandioca, percebe-se que os engenhos da Capitania de Sergipe tinham um número reduzido de escravos. Poucos senhores de engenhos tinham mais de 12 escravos.64 Não era apenas o açúcar que figurava como produto importante na economia da Capitania de Sergipe durante o século XVIII. O gado, a farinha, o algodão e outros gêneros alimentícios merecem destaque. A farinha era, depois do açúcar, o produto mais importante do comércio interno entre Sergipe e Bahia. Produzida entre os rios Piauí e Vaza- barris, o “pão da terra” fazia parte da dieta alimentar e era indistintamente consumida. Sergipe e o Recôncavo (Nazaré) e Ilhéus eram os principais centros abastecedores da Bahia e de Pernambuco. Para se ter uma ideia da dependência da produção da mandioca de Sergipe, na década de 1780, a América Portuguesa foi assolada por rigorosas secas ou o excesso de chuvas e o preço da farinha chegou a níveis elevadíssimos. A escassez gerou a revolta popular. As autoridades impuseram a obrigatoriedade dos engenhos produzirem uma determinada quantidade de farinha para cada escravo. B. J. Berickman mostra as penúrias sofridas pela população do Rio Grande do Norte (Capitania de Pernambuco) pela falta da farinha
64
Lista dos plantadores de mandioca da Freguesia de Nossa Senhora do Socorro do Cotinguiba em 1786. APEB, Secção colonial. Maço 191. Doc. 89.
37 que era exporada de Sergipe. 65 Edna Maria de Matos Antonio associa a escassez de farinha a situação de tensão entre as autoridades baiana e os produtores sergipanos. 66 Antonil inseriu Sergipe dentro das áreas produtoras de fumo nos sertões da Capitania da Bahia. Segundo ele, as áreas margeadas pelos rios Cotinguiba, Sergipe, Real e São Francisco estavam entre os principais centros de lavra de tabaco e enviavam ao porto de Salvador grandes remessas de fumo. 67 Nada que se compare à produção do Recôncavo (Cachoeira, Santo Amaro da Pitanga, Maragogipe e Sergipe do Conde). Esse cronista do limiar do século XVIII noticia que o tabaco produzido em Sergipe era recolhido em seus portos em casas destinadas para isso, e depois era conduzido em sumacas e lanchas a Salvador enrolado e encourado ou para ser beneficiado. 68 O algodão teve um crescimento mais tímido. Há menções a essa cultura desde os primórdios da capitania, contudo apenas com a guerra de independência das treze colônias inglesas (futuramente Estados Unidos) é que o produto começou a ganhar destaque. O processo de desenvolvimento da indústria têxtil na segunda metade do século XVIII e a demanda gerada com a diminuição do principal produtor (colônias do sul do atual Estados Unidos) levou Portugal incrementar a produção. O plantio do algodão não requeria grandes investimentos financeiros e era facilmente associada a outras culturas, como feijão. Os terrenos menos férteis do agreste se adaptavam bem a cultura malvácea. Porém, as dificuldades de transporte da produção eram os empecilhos
65
BERICKMAN, B. J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. P. 146-147. 66 ANTONIO, Edna M. de Matos. A independência do solo que habitamos: poder, autonomia e cultura política na construção do império brasileiro. Sergipe (1750-1831). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012. P. 31-33. 67 ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas . São Paulo: Edusp, 2007. P. 199-201 e 333. 68 Ibid, p. 334; NARDI, Jean Baptiste. O fumo brasileiro no período colonial: lavoura, comércio e administração. São Paulo: Brasiliense, 1996. P. 41.
38 ao progresso da cultura algodoeira. A falta de dados estatísticos mais consistentes não nos permite visualizar o impacto dessa cultura na economia da Capitania de Sergipe. 69
1.3 Demografia: o crescimento populacional no século XVIII
Em face dessa importância econômica e estratégica, tornava-se relevante estabelecer toda uma estrutura de poder e ordenamento sócio-administrativo para a população que desde o final do século XVI se estabelecia na Capitania de Sergipe. Por mais esparsos e confusos, os dados demográficos apontam para o crescimento da população da Capitania. Dos poucos mais de “duzentos moradores brancos, separados uns dos outros” da primeira década do século XVII ,70 a população aumentava com a edificação de vilas. De acordo com Stuart Schwartz, a população da capitania da Bahia em 1724 era estimada em 79.864 almas. Sergipe D‟El Rei tinha 7.676 moradores, sendo 1.600 homens livres, 1.856 mulheres livres, 20 criados e 4.200 escravos. Com isso, cerca de 10% da população de toda a Bahia na primeira metade do século XVIII residia em Sergipe. 71 Em 1757, conseguimos obter esses dados estatísticos: Freguesias
69
Fogos
Almas
N. Sra. Socorro da Cotinguiba
486
3.120
N. Sra. Da Piedade do Lagarto
317
2.342
N. Sra. Da Vitória da Cidade de Sergipe
312
2.247
Santa Luzia do Piauí
246
1.786
Sto. Antônio e Almas da Itabaiana
230
1.764
N. Sra. Dos Campos do Rio Real
228
1.722
FONTES, Milton de Araujo; BRAVO, Maria Auxiliadora Fonseca. O algodão em Sergipe, apogeu e crise: relato histórico (1590-1975). Aracaju: SEGRASE, 1984. P. 19-30. 70 MORENO, Diogo Campos. Livro que dá Razão ao Estado do Brasil . Brasília: INL, 1968. P. 49. 71 SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. P. 87.
39 Jesus, Maria, José e S. Gonçalo do Pé do Banco
162
1.162
Sto. Antônio do Urubu de Baixo
138
1.018
Sto. Antônio da Vila Nova
126
1.013
2.245
16.174
TOTAL Fonte: CALDAS, 1931,p. 40-41.
Em 1775, o quadro esboçava um tímido crescimento populacional. Em outro censo a população da Capitania estava assim distribuída: Freguesias
72
Fogos
Almas
N. Sra. da Vitória da Cidade de Sergipe
312
3.247
N. Sra. Socorro da Cotinguiba
486
3.120
N. Sra. da Piedade do Lagarto
317
2.342
Jesus, Maria, José e S. Gonçalo do Pé do Banco
284
2.175
Santa Luzia do Piauí
246
1.786
Sto. Antônio e Almas da Itabaiana
230
1.764
N. Sra. Dos Campos do Rio Real
228
1.722
Sto. Antônio da Vila Nova
138
1.018
Sto. Antônio do Urubu de Baixo
126
1.013
2.367
18.187
TOTAL
Fonte: Mapa de todas as freguesias a que pertencem ao Arcebispado da Bahia. AHU-Bahia. Coleção Castro Almeida, Doc. 8.750.
Vilhena calculou em 31.864 fogos e uma população de 220. 708 almas para toda as comarcas da Capitania da Bahia. Com isso, as vilas da Capitania de Sergipe representava 7,46 % do número de fogos e 8,24% da população total da Capitania da Bahia. Superava a população da Capitania do Espirito Santo (7.733), Porto Seguro
72
Os dados são obtidos através da divisão por comarca que são subdivididas em freguesias. Não compreendemos a razão de Vilhena dividir a Capitania de Sergipe d‟El Rei em duas comarcas: Vila Nova Real e Sergipe d‟El Rei. É sabido que não houve a criação da “Comarca da Bahia de Vila Nova Real”, pois os assuntos ligados à justiça do termo da Vila Nova Real do Rio de São Francisco (e a povoação de Urubu de Baixo) durante todo século XVIII estavam sob a jurisdição dos ouvidores da comarca de Sergipe d‟El Rei. Computamos os dados referentes á “Santo Amaro da Vila de Brotas”, mesmo não existindo oficialmente esta freguesia, à freguesia de Jesus, Maria, José e São Gonçalo do Pé do Banco, por pertencer oficialmente a essa circunscrição religiosa. A Vila de Santo Amaro acrescentou 122 fogos e 1013 almas.
40 (2.210) e Ilhéus (14.647), porém era inferior a da Comarca da Jacobina (21.970). A maioria da população estava concentrada em Salvador (40.922) e subúrbio (16.093). Cinco anos depois do último censo, em 1780 73, o quadro populacional se apresentava assim:
Freguesias
Fogos
Almas
N. Sra. Socorro da Cotinguiba
-
9.485
N. Sra. Da Piedade do lagarto
-
5.015
N. Sra. Da Vitória da Cidade de Sergipe
-
6.502
Santa Luzia do Piauí
-
4.605
Sto. Antônio e Almas da Itabaiana
-
5.344
N. Sra. Dos Campos do Rio Real
-
2.154
1.015
9.588
Sto. Antônio do Urubu de Baixo
-
3.272
Sto. Antônio da Vila Nova
-
5.175
TOTAL
?
51.140
Jesus, Maria, José e S. Gonçalo do Pé do Banco
Fonte: Mapa da enumeração da gente e povo desta Capitania da Bahia pelas Freguesias de suas comarcas […] em 5 de dezembro de 1780. AHU-Bahia. Coleção Castro Almeida, Doc. 10.701.
Em 1800, a estimativa populacional de Sergipe era aproximada em 55.600 indivíduos, apenas 13.217 eram brancos. O restante da população foi classificado em negros, pardos e indígenas. Outro dado curioso é que a quantidade de homens livres (36.433) é o dobro do número de escravos (18.144). O autor anônimo da descrição geográfica da Capitania de Sergipe, datada de 1802, provavelmente escrita por um secretário de estado, destaca a quantidade de vadios e mendigos (1.023) que se aproximava de 2%. 74
73
Nesse documento há menção a Freguesia da Vila Tomar (Aldeia indígena do Geru) que pertencia a Freguesia da Vila de Lagarto e por esse motivo foram somadas as 168 almas à Freguesia de Nossa Senhora da Piedade. Excluímos da contagem as 2.867 almas pertencentes à Freguesia de São João Batista do Jeremoabo, por ter sido equivocadamente integrada à Comarca de Sergipe. 74 Descrição geográfica da capitania de Sergipe d‟El Rei em 1802. Biblioteca Nacional. Seção de Manuscritos. II – 33, 16, 3.
41 A falta de critérios uniformes contribuiu para a óbvia distorção dos dados. Os párocos e demais autoridades mensuravam a população de forma variada. Em alguns censos percebe-se que crianças, escravos e indígenas não foram levados em consideração. Alguns números são estimativos. Há compreensíveis falhas pela vastidão das freguesias e dificuldade de acesso e comunicação entre as paróquias e pequenas capelas (públicas e privadas). Esses mapas estatísticos refletem bem as circunstâncias citadas. É praticamente impossível em situação normal triplicar a população em poucos anos. Os quatro censos claramente adotaram metodologias diferenciadas. É possível inferir que os dados de 1780 e 1800 parecem mais coerentes por considerar a população absoluta. Já os números obtidos em 1724, 1757 e 1775 representam a população da Capitania de Sergipe com a exclusão de negros, indígenas e menores de idade (abaixo de sete anos).
1.4 Ordenamento político-administrativo Toda essa população precisava estar submetida à rede de poder e a organização política que tinha o rei por cabeça do império. Contudo, o monarca governava os mais longínquos rincões do vasto império por meio de autoridades constituídas. Assim, as nomeações para cargos (vitalícios ou temporários) criavam uma cadeia hierárquica de poder e prestígio. Devido a diversidade de territórios e povos, os portugueses adotaram estratégias diferenciadas para dominar territórios e populações por meio de autoridades militares, administrativas, civis e religiosas. Verificamos, no entanto, que a incorporação de poderosos e das populações locais ao Império Português se dava a partir do caráter ostensivamente hierarquizado e hierarquizante que emoldurava os padrões de organização social, os estatutos de distinção e a cultura política portuguesa
42 de Antigo Regime. Isso podemos observar no caso de Sergipe d‟El Rei , pequena capitania subalterna à Bahia até 1820. Situada na parte nordeste da Capitania da Bahia, entre os rios Real e São Francisco, a porção territorial tinha por capital a c idade de Sergipe D‟El-Rei (São Cristóvão) e as vilas de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto, Santa Luzia do Piauí, Santo Amaro das Grotas, Santo Antônio e Almas da Itabaiana e Vila Nova e Geru. As vilas citadas foram criadas no final do século XVII e devidamente instaladas nos primeiros anos do século seguinte. Além delas contabilizam-se as povoações e arraiais no termo dessas vilas, alguns destinados aos indígenas como Pacatuba e Jaboatão, e outras mais populosas como Campos do Rio Real de Cima, Laranjeiras, Campo do Brito, Socorro do Cotinguiba, Simão Dias, Propriá e etc. Todas as vilas tinham, mesmo que precariamente, senado da câmara, cartório de nota e cadeia, ocupados por cargos eletivos, provisionados ou autorizados pelo Rei e Vice-Rei. As principais autoridades das vilas eram o alcaide-mor, os vereadores, juízes de órfãos, escrivães, oficiais militares e párocos. A Capitania era propriedade régia, daí a denominação de Sergipe d‟El Rei. A administração político-militar era incumbência, desde o final do século XVI, de capitães-mores nomeados por El Rei. A partir de 1763 é que o Governador e Capitão General da Bahia terá a prerrogativa de indicar o capitão-mor de Sergipe. A escolha era confirmada ou não pelo Rei. Judicialmente era administrada por um ouvidor letrado nomeado pela coroa portuguesa, desde 1696, ano em que foi criada a Comarca de Sergipe, outrora integrante da Comarca da Bahia. A delimitação da Comarca de Sergipe era sobremaneira vaga: “a qual Capitania tem de distrito vinte e cinco léguas, contando
43 perto de metade que fica para a parte da Bahia e outra de Sergipe para a parte do Rio de São Francisco, onde se divide da Capitania de Pernambuco”.
75
A Capitania Geral da Bahia estava dividida em cinco comarcas no final do século XVIII: Sergipe D‟El Rei, Bahia, Ilhéus, Porto Seguro e Jacobina. 76 De acordo com Vilhena (1931), Todos os ouvidores destas comarcas fazem vezes de corregedor com jurisdição tanto no cível, como no crime, e dos seus despachos, e sentenças se agrava e apela, recorrendo ao Supremo Tribunal da Relação, onde se discute se o agravante, ou apelante, tem ou não justiça, revogarão estes ou confirmam as sentenças dos juízes forenses, ou Ordinários, de que há muitos em cada uma das comarcas. Servem igualmente de Provedores da Real Fazenda, e tomam contas dos testamentos, arrecadação dos bens de defuntos, e ausentes, capelas e resíduos e órfãos, se em alguma parte não existe ainda algum proprietário leigo. [p. 307-308]
Ainda segundo Vilhena (1931), o Tribunal da Relação da Bahia: “toma conhecimento por apelação, ou agravo dos despachos, e sentenças dos juízes inferiores de toda a Capitania [da Bahia] estendendo-se a sua jurisdição até os Ouvidores de Pernambuco, Alagoas, Paraíba, e mais comarcas pertencentes a Capitania de Pernambuco, assim como do Reino de Angola, e Ilha de São Tomé para as revogar, aprovar ou reformar segundo os fundamentos sobre que se fundam e a justiça que assiste aos agravantes, apelantes e embargantes.” [p. 308].
Uma diferença de Sergipe d‟El Rei para as demais capitanias anexa s à Bahia era a de possuir ouvidor letrado e “despachado também por El -Rei” desde os últimos anos do século XVII (1696). As comarcas de Ilhéus, Porto Seguro e Espírito Santo tinham apenas
75
“ouvidores particulares, e não letrados” e se igualaram em matéria de
Parecer do Conselho Ultramarino acerca da criação da Ouvidoria de Sergipe, de 16 de setembro de 1695. In: AMARAL, Braz. Limites do Estado da Bahia : Bahia-Sergipe. 1 V. Salvador: Imprensa Official do Estado, 1916. p. 262. 76 VILHENA, Luiz dos Santos. Recopilação de noticias soteropolitanas e brasílicas contidas em XX cartas [...]. Ano de 1802. Salvador: Imprensa Oficial do Estado, 1921. Livro II. P. 307
44 administração jurídica a Sergipe apenas a partir da segunda metade do século XVIII, no bojo das reformas administrativas pombalinas e da “viradeira”.77 A única cidade era São Cristóvão ou, também chamada, Sergipe d‟El Rei. Era a cabeça da Capitania, igualmente denominada de Sergipe. Sendo Sergipe-cidade e Sergipe-capitania designadas indiscriminadamente com a palavra Sergipe durante séculos. Sobre essa designação, o reverendo Gonçalo Soares da França, da Academia Brasílica dos Esquecidos, acredita que se utilizava o termo Sergipe d‟El Rei para distinguir de outro Sergipe, que se dizia do Conde [Sergipe do Conde, no Recôncavo baiano].78 Essa situação também ocorria com a Capitania da Bahia e do Rio de Janeiro por serem suas respectivas capitais denominadas de cidade da Bahia e do Rio de Janeiro, respectivamente. 79 Há também documentos oficiais que chamam São Cristóvão de vila ou de forte, contudo isso se dá por desconhecimento da condição político jurídico do município. De acordo com um cronista, em 1724, São Cristóvão figurava entre as doze mais importantes cidades da América Portuguesa: “Doze Cidades são as principais destes Governos, e Capitanias: a de Belém no Pará; a de São Luís no Maranhão; a de Santiago no Ceará; a do Rio Grande, a da Paraíba, a de Olinda em Pernambuco; a de São Cristóvão em Sergipe; a de Cabo Frio, a de São Sebastião no Rio de Janeiro; a de São Paulo, a do Sacramento na nova colônia; e a famosa em que habitamos, Cidade de São Salvador, populosa, ilustre, corte metrópole, e Empório do Lusitano Brasiliense império” 80
A cabeça da Capitania ainda era pouco ocupada na segunda metade do século XVIII, pois “Não há fora da cidade lugar algum com número de casas que formem
77
Idem. FRANÇA, Gonçalo Soares da. Dissertações da História Eclesiástica do Brasil em 1724. In: CASTELLO, José Aderaldo. O movimento academicista no Brasil (1641-1820/22) . São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1969. P. 291. 79 BOXER, Charles. Idade do Ouro do Brasil (dores de crescimento de uma sociedade colonial). Trad. Nair de Lacerda. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1963. P. 123-124. 80 Dissertações Acadêmicas e Históricas, nas quais se trata da História Natural das coisas do Brasil em 1724. In: CASTELLO, José Aderaldo. O movimento academicista no Brasil (1641-1820/22) . São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1969. P. 171. Grifo nosso. 78
45 povoação, porque cada um dos habitadores tem o seu domicílio, onde cultiva as suas lavouras, ou fazendas de gado.
81
Em 1757, é registrado pelo vigário da freguesia 390
fogos e 1557 habitantes na área urbana da cidade. O termo formava a Freguesia de Nossa Senhora da Vitória.82 A Capital concentrava, de modo geral, as atividades ligadas à administração local (militar, jurídica e fazendária). O capitão-mor da Capitania e o Ouvidor/corregedor da Comarca deveriam residir em São Cristóvão e atuariam como verdadeiros “ministros do rei”. Eram, majoritariamente, naturais do Reino (Portugal) ou de outras partes do império. Raramente, administravam o local em que nasciam. Em 1757, A Fazenda Real tinha por despesas feitas pelos oficiais militares de Sergipe apenas o pagamento do soldo do capitão-mor, que auferia mensalmente 41$666,00 mil réis, anualmente somando um montante de 500$000. Já com o sargento-mor o soldo era bem inferior: 10$000,00 e por ano 120$000,00, totalizando uma despesa de 620$000 mil réis. O ouvidor-geral da comarca de Sergipe recebia um soldo de 400$000,00 anuais, inferior ao ouvidor geral da Capitania do Espirito Santo (573$333,00) e das Comarcas do Sul da Bahia (500$000,00), o que evidencia, pelo menos no plano político, uma posição hierárquica inferior entre as diferentes partes do Império. Ao que tudo indica, a área de jurisdição menor justifica a diferença de ordenados. 83 O ouvidor-geral acumulava as funções de corregedor da Comarca, e contava com um escrivão da ouvidoria, além de um tabelião e escrivão da câmara; um tabelião e
81
Descrição que fazem os camaristas do termo da cidade de Sergipe D‟El Rei aos 26 de abril de 1757. In: CAMPOS, José de Oliveira; VIANNA, Francisco V. Estudo sobre a origem histórica dos limites entre Sergipe e Bahia. Salvador: Typ. “Diário da Bahia”, 1891. p. 111. 82 CARVALHO, Pe. Manoel Coelho. Relação e mapa da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória da Cidade de Sergipe Del Rei em 1757. Arquivo Histórico Ultramarino. Conselho Ultramarino (BrasilBaía). Cx. 15, Doc. 2698. Coleção Castro Almeida. 1f; 83 Mapa da dispeza ordinária feita pela Fazenda real desta Capitania da Bahia com a folha secular e mais anexos em cada hum ano como se vê com distinção em 15 de junho de 1756. CALDAS, José Antônio. Noticia Geral de toda esta Capitania da Bahia desde o seu descobrimento até o presente ano de 1759. Salvador: Tipografia Beneditina, 1951 (Edição fac-similar). p. 231.
46 escrivão de órfãos; um escrivão da Provedoria da Comarca; um inquiridor, contador e distribuidor; um meirinho da correição e seu escrivão; outro da provedoria e seu escrivão, alcaide, carcereiro. 84
1.5 Estrutura militar: poder, território e sociedade em Sergipe d’El Rei
Como vimos anteriormente, a fundação da Capitania de Sergipe, por meio da conquista liderada por Cristóvão de Barros, é resultado de empreendimento militar, composto por infantaria e cavalaria. Uma das primeiras preocupações dos conquistadores das terras entre o Rio Real e o São Francisco era a fundação de um forte no ínterim das duas barras. O local escolhido foi a área entre os rios Cotinguiba e Sergipe. Após o lento estabelecimento dos sesmeiros esparsos pelas áreas mais ecúmenas, sob o risco de ataques indígenas, quilombola, animais silvestres ou mesmo de facínoras. A fixação mais permanente desses homens dependia, entre outras coisas, da manutenção da ordem social. Assim, era relevante o estabelecimento de órgãos institucionais como paróquias, câmara de vereadores, juízes, cadeia, cartório, pelourinho para oferecer aos moradores o mínimo possível de segurança. Por outro lado, a estrutura era mantida por meio de pagamento de impostos e contribuições voluntárias. As fragilidades militares foram facilmente percebidas com a presença dos holandeses. O pouco efetivo militar foi deslocado para defender a Bahia. De acordo com a historiografia e os testemunhos de época, a Capitania de Sergipe durante o 84
CALDAS, Jozé Antonio. Noticia geral de toda esta capitania da Bahia desde o se descobrimento até o prezente anno de 1759. In: Revista do Instituto Geographico e Historico da Bahia . Salvador: Secção Graphica da Escola de A. Artifices da Bahia. Nº 57, 1931. P. 56.
47 domínio holandês foi abandonada a própria sorte e, praticamente, despovoada, atrasando a sua “marcha civilizatória” esboçada anteriormente. Após a expulsão dos flamengos da Capitania, a situação continuava crítica. Maria Thétis Nunes chega a falar em atraso, anarquia, e estado de anomia social e situa essa fase como de grande exploração da Bahia. 85 A medida mais efetiva para que se restabelecesse a ordem na Capitania se dá com a nomeação do capitão-mor, em 1651 e, principalmente, a divisão em distritos militares.86 A Capital era a área mais guarnecida. Para as mais florescentes povoações (Itabaiana, Lagarto e Cotinguiba) são criados três distritos militares com nomeação de capitão de infantaria de ordenanças entre 1668 e 1673. Segundo Felisbelo Freire, até o final do século XVII, a Capitania estava dividida em cinco distritos militares: Rio Real, Lagarto, Itabaiana, Cotinguiba e Japaratuba. 87 Havia ainda a companhia dos homens pardos (criada em 1674) e Entrada dos Mocambos e sua, Companhia dos homens do mato.88 Os camarista de São Cristóvão clamaram as paternais mãos de Sua Majestade a criação de uma ouvidoria, em correspondência de 2 de junho de 1694, pois: “os juízes eram homens de capa e espada e os ouvidores sem ciência, nem experiência, ignoravam as leis, e eram notáveis os erros que se cometiam no Judicial, ao que conduzia não terem os ouvidores emolumentos algum de que se manter e com detrimento se valendo do cargo para vexações.”
85
NUNES, Maria Thetis. Sergipe colonial I. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. 86 Consulta do Conselho Ultramarino, sobre a petição de João Ribeiro Vila Franca para que o Rei [D. João IV], lhe confirme no cargo de Capitão Mor de Sergipe del Rey em que foi provido pelo tempo de 6 anos pelo Governador Geral do Brasil ,Antonio Teles de Meneses. AHU-Sergipe. Doc. 03. 87 FREIRE, Felisbelo. História Territorial do Brazil . Vol. 1. Rio de Janeiro: Typ. Do Jornal do Commercio, 1906. P. 299. 88 Não se sabe quando foi criada, porém em 1674 era capitão Belchior da Fonseca Saraiva Dias Moreia, em dezembro de 1674. De acordo com Felisbelo Freire a área de atuação dessa companhia era da Torre de Garcia D‟Ávila até o Rio de São Francisco.
48 Em carta-Régia de 16 de fevereiro de 1696 é criada a Comarca de Sergipe d‟El Rei e o bacharel Diogo Pacheco de Carvalho era nomeado para ser o primeiro ouvidor. Como até aquela data havia apenas a cidade de São Cristóvão, foram criadas as primeiras vilas. A portaria do governador João de Lancastre orientou ao ouvidor como proceder: Vá logo ao lugar denominada Itabaiana e Lagarto a formar duas vilas, escolhendo para isso os sítios mais acomodados e fazendo com que os moradores desta Capitania queiram fazer a Casa da Câmara e a Cadeia a sua custa. E por que me dizem que no Porto do Cotinguiba se pode fazer uma vila, Vossa Majestade, mandará chamar a casa da câmara dessa cidade os oficiais dela com as principais pessoas desse povo, para que com toda ponderação vejam se o dito porto é capaz de formar-se nela a dita vila ou se há mais lugares no distrito da jurisdição dessa capitania em que se formem outras.89
Estava aqui implícita a problemática da negociação entre o poder local e o central. A criação da Comarca de Sergipe serviu de base para o surgimento de quatro vilas (Itabaiana, Lagarto, Santa Luzia e Vila Nova). Ao que tudo indica foram indicadas a importância de elevarem-se vilas na povoação de Santa Luzia do Itanhi e Vila Nova, nas margens do Rio São Francisco. Em 1700, eram nomeadas as autoridades e começava uma nova fase na vida política administrativa da Capitania. A vila do Porto do Cotinguiba seria criada no século seguinte. Em 1720, Santo Amaro das Grotas 90 Concomitante a criação de vilas houve a criação de freguesias que tinham nas sedes da vila suas igrejas matrizes 91.
89
FREIRE, Felisbelo. História Territorial do Brazil . Vol. 1. Rio de Janeiro: Typ. Do Jornal do Commercio, 1906. P. 300. 90 BOMFIM, Clóvis; NUNES e FREIRE. 91 Infelizmente, não temos estudos mais acurados sobre a organização eclesiástica na Capitania de Sergipe. A Capitania de Sergipe pertencia ao bispado da Bahia, sediado em Salvador. Até onde sabemos o vigário de São Cristóvão foi durante todo período colonial era, na teoricamente, o vigário-geral da capitania, conforme nos informa.... Em 1676, o bispado é elevado à condição de Arcebispado e Sergipe é elevado teve sua condição anterior inalterada. Apenas em 1911, é criado o arcebispado de Sergipe, separado da Bahia. MORAIS, Péricles.
49 No limiar do século XVIII, o socorro físico e espiritual chegara de forma mais permanente aos fieis vassalos de Sua Majestade que habitavam a capital e as vilas de Sergipe. De acordo com Felisbelo Freire, na segunda década do século XVIII, novos distritos militares eram criados: Cotinguiba (1724) 92; Igreja Velha (1725) 93; Entre os rios Sergipe e Cotinguiba (1725); Santo Amaro (1726) e Urubu do Rio de São Francisco (1727). Com o intuito de conhecer com mais precisão a organização administrativa da Capitania de Sergipe D‟El Rei, D. José I ordenou ao Vice-Rei D. Marcos de Noronha em 07 de junho 1756 que exigisse das câmaras de vereadores a descrição geográfica (limites e quadro hidrográfico) de seus respectivos termos. O Vice-Rei, por sua vez, transmite a ordem ao ouvidor da Comarca Ayres Lobo. Cabia ao ouvidor da comarca à incumbência de cumprir as ordens régias o mais rápido possível. Nos primeiros meses do ano seguinte, os camaristas estavam providenciando a resposta à solicitação. No ano seguinte, os vigários das freguesias também seriam obrigados a enviar os dados acerca de suas respectivas áreas de jurisdição. Através das informações dos camaristas, vigários e capitães-mores de ordenanças se pode visualizar, mesmo com as imprecisões, a divisão administrativa da Capitania. Em 1757, a situação militar da Capitania demonstrava a preocupação em fiscalizar de forma mais intensiva a vida dos habitantes da Capitania e o crescimento populacional e de povoações e vilas que a Capitania tinha desde os últimos anos do século anterior.
92
Estava situado na área dos “sítios de Maria Matosa, Poxim Grande, pelo mesmo rio cont inuando ao engenho de N. S. do Pilar da Senhora da Conceição pelo rio Manhaga, Comandaroba mirim, estrada Real, Rio Comandaroba, Retiro, até chegar ao Sobrado”. FREIRE, p. 312. 93 Estava situado na vila da Itabaiana e “principia no sítio chamado a Fazenda d a Taborda, até a do Capunga”. Freire. P. 312.
50 O termo da vila Nova Real do Rio de São Francisco, que abrangia toda a margem do Rio de São Francisco de Xingó a desembocadura, contava com 1.133 soldados divididos em dez companhias de ordenanças e uma a cavalo. O termo da vila do Lagarto era guarnecida um terço de ordenanças, composto por sete companhias de ordenanças com 601 homens. Na área central, circundada por serras foi erigida a vila de Santo Antônio e Almas de Itabaiana, próxima à Serra homônima. O termo de Itabaiana era defendido por um terço de ordenança, dividido em seis companhias, e uma companhia de cavalaria, para 332 homens. 94 Ao termo da vila de Santa Luzia era defendida por um terço de ordenança, dividido em sete companhias, e uma companhia de cavalaria, totalizando 561 homens. 95 O termo da Vila de Santo Amaro das Brotas, de acordo com as descrições dos camaristas (1757), era a vila mais populosa e com maior número de engenhos e povoações de toda Capitania.
96
O termo era organizado militarmente por um terço de
ordenança com nove companhias, duas companhias de cavalos, somando 821 homens empregados no serviço das armas. 97 A cidade de São Cristóvão era governada por um capitão-mor (o da Capitania). Tinha trinta soldados de infantaria, tirados por destacamento da Praça da Bahia. Com cinco companhias de ordenanças que a guarnecia e três companhias de cavalaria com dois coronéis, totalizando 492 homens. 98
94
Ibidem, p. 124. Ibidem, p. 123-124. 96 Descrição da Vila de Santo Amaro das Brotas em 01 de abril de 1757. In: CAMPOS, José de Oliveira; VIANNA, Francisco V. Estudo sobre a origem histórica dos limites entre Sergipe e Bahia . Salvador: Typ. “Diário da Bahia”, 1891. p. 106-110. 97 Ibidem, p. 123. 98 Mapa da companhia de ordenanças, infantaria, cavalaria e auxiliares da cidade de São Cristóvão de Sergipe Del Rei em 20 de março de 1756. Arquivo Histórico Ultramarino. Conselho Ultramarino. BrasilSergipe. Cx. 05, Doc. 403. 95
51 Com bases nos dados acima, a Capitania era guarnecida por 3.940 homens alistados em companhias de ordenanças ou em terços de ordenanças. Em 1757, a Capitania tinha apenas o 1º Regimento de Cavalaria e Infantaria, sediado na cidade de São Cristóvão. A Vila Nova tinha o corpo de ordenanças com 10 companhias, e 01 companhia a cavalos. A Vila de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto era guarnecido o termo desta vila por um terço de ordenanças com 1 capitão-mor 99, e sete companhias das ordenanças. O termo da vila de Itabaiana era defendido por 1 terço de ordenança e 1 companhia de cavalaria com seu capitão-mor. O termo de Santa Luzia tinha um terço de ordenança e uma companhia de cavalaria com 1 capitão-mor. O termo da Vila de Santo Amaro das Brotas. De acordo com as descrições dos camaristas (1757) era a vila mais populosa e com maior número de engenhos e povoações de toda Capitania, 100 era organizada militarmente a vila por um terço de ordenança com nove companhias, sendo duas a cavalo. 101 Por último, o termo da cidade de São Cristóvão era governada por um capitãomor (o da Capitania). Em 1757, tinha 30 soldados de infantaria, tirados por destacamento da Praça da Bahia com seu sargento mor e ajudante. Eram 5 companhias de ordenanças que a guarnecia e 3 companhias de cavalaria com dois coronéis. 102 Na relação escrita pelo Capitão da Companhia de Cavalos do distrito da Cotinguiba, Antônio Pereira do lago, irmão do coronel Felipe Pereira do Lago, temos a relação dos soldados alistados na companhia de cavalos. O primeiro a ser arrolado é 99
Ibidem, p. 122. Descrição da Vila de Santo Amaro das Brotas em 01 de abril de 1757. In: CAMPOS, José de Oliveira; VIANNA, Francisco V. Estudo sobre a origem histórica dos limites entre Sergipe e Bahia . Salvador: Typ. “Diário da Bahia”, 1891. p. 106-110. 101 CALDAS, Jozé Antonio. Noticia geral de toda esta capitania da Bahia desde o se descobrimento até o prezente anno de 1759. In: Revista do Instituto Geographico e Historico da Bahia . Salvador: Secção Graphica da Escola de A. Artifices da Bahia. Nº 57, 1931. p. 123-124. 102 Mapa da companhia de ordenanças, infantaria, cavalaria e auxiliares da cidade de São Cristóvão de Sergipe Del Rei em 20 de março de 1756. Arquivo Histórico Ultramarino. Conselho Ultramarino. BrasilSergipe. Cx. 05, Doc. 403. 100
52 Manoel Sandes Ribeiro. O pai de Bento José é um dos trinta soldados alistados na companhia. 103 Em 1791, existia na Capitania dois regimentos de cavalaria auxiliar: o Primeiro Regimento, cujo coronel era Pedro Vieira de Melo, e o Segundo Regimento, comandado pelo irmão do anterior Baltazar Vieira de Melo. Esses dois regimentos representavam a tropa de linha da Capitania. Tinha cada um dos regimentos doze companhias com 486 praças. O Primeiro Regimento de cavalaria Auxiliar atendia a cidade de São Cristóvão, as vilas de Lagarto, e Santa Luzia. Em relação ao Segundo Regimento, era responsável pela defesa das vilas de Santo Amaro das Brotas, Vila Nova e de Itabaiana. 104 Em todas as vilas tinham terços de ordenanças, comandadas por um capitão-mor de ordenanças e dividida em companhias classificadas pela cor da pele em brancos, pardos e pretos, responsáveis por um distrito. Na cidade de São Cristóvão, o terço era formado por oito companhias: “na Freguesia de Nossa Senhora da Vitória da mesma cidade 1 de brancos, 2 de pardos e 1 de pretos; na Freguesia do Socorro, termo dela 1 de brancos, 1 de pardos; no Rio Poxim e Ibura seu distrito 1 de brancos, 1 de homens maritimos nas Ribeiras de Vaza Barris e Cotinguiba desta mesma Freguesia”. O terço de ordenanças da vila de Santo Amaro das Brotas era formado por onze companhias: “1 no Sítio Jordão; 1 entre ambos os rios, que se divide da Pedra Branca até o Massapê; 1 entre as duas Japaratubas; 1 na Pedra Branca da Japaratuba; 1 de matas abaixo entre os dois rios de Sergipe e Cotinguiba; 1 na Musuca; 1 no Sítio da Capela; 1 de pretos entre ambos os rios da Cotinguiba e 1 de pretos dentro da Vila.” A vila de Lagarto era guarnecida por dez companhias: “no Sítio Palmar 1 de brancos e 1 de pardos; no Bairro
103
Mapa da companhia de ordenanças, infantaria, cavalaria e auxiliares da cidade de São Cristóvão de Sergipe Del Rei em 20 de março de 1756. Arquivo Histórico Ultramarino. Conselho Ultramarino. BrasilSergipe. Cx. 05, Doc. 403. 104
Ofício do Governador Fernando José de Portugal para Martinho de Melo e Castro sobre os corpos de auxiliares e ordenanças da guarnição militar da Capitania da Bahia em 11 de junho de 1791. AHU – Bahia. Coleção Castro e Almeida. Doc. 14.394.
53 do Urubu 1 de brancos e 1 de pardos; no Bairro Simão Dias 1 de brancos; no Bairro do Brejo 1; nos Campos do Rio Rela de Serras para fora 1 de brancos e 1 de pardos; nos campos do Rio Real de cima de Serras para den tro 1 de brancos e 1 de homens pretos”. Na vila de Itabaiana, o corpo de ordenanças era formado por cinco companhias: “Dentro da Vila 1; no Campo do Brito 1; de Serras abaixo 1; no Lugar chamado Bernardo 1; no Sítio denominado o Pé do Veado 1; todas de homens brancos, ficando abolida a companhia de homens pretos por não ter as praças necessárias”. A guarnição de terço de ordenanças da vila de Santa Luzia era composta por oito companhias: 2 de brancos e 1 de pardos dentro da Vila; no Rio Piauitinga 1 de brancos; Na beira do Rio Saguim até a beira do Rio Real 1; na povoação da Estância 1 de brancos e 1 de pardos; 1 de branco no Rio Coité”. Por fim, a Vila Nova Real do Rio São Francisco era formada por um terço de ordenanças com onze companhias: “Dentro da Vila 1 companhia de brancos e 1 de pretos; no distrito do Pimdobal 1 de brancos; no distrito da Praia 1; no distrito da Pacatuba 1; no distrito das Caatingas 1; no sítio da Japaratuba 1; no Sítio da Barra do Propriá 1 de brancos e 1 de pardos; no Curral das Pedras, 1 de brancos; 1 de pardos no Porto da Folha”. 105 Sintetizando, em 1791, a Capitania tinha nos terços de ordenanças 6.274 praças paisanos, divididos em 53 companhias de ordenanças, e 972 soldados nas 24 companhias dos dois regimentos de primeira linha. Os números podem sugerir um grande efetivo militar, porém dos 7 mil homens empregados na defesa e manutenção da ordem na Capitania poucos tinham instrução militar, pois “Os seus oficiais e soldados foram escolhidos dos moradores de mais possibilidades dela ”. 106
105
Observação relativa aos corpos de auxiliares e ordenanças da Capitania da Bahia em 1791. AHU – Bahia. Coleção Castro e Almeida. Doc. 14.397. 106 Idem.
54 No final do século XVII, a organização militar estava dividida em três: a 1ª linha com as tropas da Cavalaria e Infantaria (pagas e profissionais); a de 2ª Linha, denominada Ordenanças (semi-profissionais) e a de 3ª Linha ou Auxiliares. Cada organização militar tinha sua hierarquia própria, como veremos no organograma da organização militar na Capitania de Sergipe no final do século XVIII:
Capitão-General e Governador da Bahia Capitão-mor da Capitania de Sergipe 1ª Linha (Cavalaria e infantaria): tropas pagas
2ª Linha: Ordenanças
3ª Linha: Auxiliares
Tenente-coronel infantaria
Capitão-mor
Capitão
Coronel Cavalaria
Sargento-mor
Alferes
Capitão-mor
Capitão
Sargento de número
Sargento-mor
Alferes
Cabos de esquadras
Capitão
Sargento-supra
Soldados
Tentente
Cabos de esquadras
Alferes
Soldados (tambores)
Furriel Soldados (tambores)
55
Capítulo 2 Bento José de Oliveira: de filho de senhor de engenho a sargento-mor de ordenanças
Este capítulo busca traçar as origens familiares de Bento José de Oliveira. É um esforço de investigação mais detalhado acerca da trajetória de vida desse indivíduo, partindo de alguns aspectos da sua descendência e pertencimento à elite econômica da Capitania de Sergipe D‟El Rei no século XVIII. Desse período inicial da vida de Bento José temos escassas notícias. Contudo, há consideráveis informações acerca de seus familiares. Baseando-me nesses dados, traçamos um perfil de sua origem e posição social. O registro de nascimento do personagem em estudo não pode ser localizado por não haver nas paróquias de Laranjeiras, Nossa Senhora do Socorro, Santo Amaro das Brotas e São Cristóvão nenhum livro de registro de batismo referente ao período. 107
Todavia, podemos inferir o ano de seu nascimento quando, em 1798, como
testemunha a favor de uma sentença cível de justificação do pedido do Hábito da Ordem de Cristo por José Joaquim Gomes, ele declarou ter 50 anos de idade.Nascera, portanto, em 1748. 108 Ratificando a informação anterior, Francisco José Alberto de Oliveira, guardalivros da cadeia do castelo, certifica em 2 de outubro de 1807, no livro de assento dos presos daquela cadeia que o prisioneiro “Bento José de Oliveira, sargento -mor da
107
Nas paróquias sergipanas, há registros dessa natureza apenas a partir do século XIX, com exceção da Igreja de Nossa Senhora da Piedade de Lagarto, Nossa Senhora dos Campos do Rio Real, em Tobias Barreto, e Nossa Senhora de Guadalupe, em Estância – mesmo assim os registros são das duas últimas décadas do século XVIII. 108 Sentença cível de justificação em favor do ajudante José Joaquim Gomes expedida pelo Juízo Or dinário da Cidade de Sergipe D‟El Rei em 03 de setembro de 1798. AHU.CU. BR-SE. Cx. 06, Inv. 467. Doc. 07.
56 comarca de Sergipe d‟El Rey, Capitania da Bahia, casado com Dona Josefa Maria de Sam José, filho de Manoel de Sande Ribeiro, e natural da mesma cidade de Sergipe d‟El Rey”, tinha 59 anos de idade. 109 Nasceu no engenho Paty, termo da cidade de São Cristóvão, freguesia de Nossa Senhora do Socorro do Cotinguiba, Capitania de Sergipe D‟El-Rei. Os pais de Bento José eram Manuel de Sandes Ribeiro e Ana Maria de Jesus, que declararam serem casados e brancos. 110 Manuel de Sande Ribeiro dava o nome de sertão do Cotinguiba à área que residia, apesar do seu engenho estar situado a menos de uma légua do litoral, nas proximidades do rio Cotinguiba. 111 Bento era o segundo filho do casal. O irmão primogênito, Francisco Felix de Oliveira, o acompanhará em momentos importantes da sua vida e, praticamente, o conduzirá à carreira das armas. Por não existir nos arquivos sergipanos testamento nem o inventário de seus pais não sabemos quais eram os outros irmãos dele. Os antepassados de Bento José de Oliveira habitaram a Capitania de Sergipe desde sua fundação. Sua família era uma das mais importantes da Capitania. Os Sandes se dedicaram à criação de gado e a produção e açúcar.
112
O sobrenome Sande é proveniente da região de mesmo nome e pequena cidade na região do Lamego, na parte mais a noroeste do atual Portugal. Situada na ladeira da 109
Certidão do guarda-livros da Cadeia do Castelo sobre o prisioneiro Bento José de Oliveira. AHU. CU. BR-SE. Cx. 06, Inv. 481, Doc. 24. Cabe esclarecer que a cidade de Sergipe D‟El Rei era denominada de São Cristóvão. O uso dos dois topônimos é frequente na documentação. 110 Certidão do guarda-livros da Cadeia do Castelo sobre o prisioneiro Bento José de Oliveira. AHU.CU. BR-SE. Cx. 06, Inv. 481, Doc. 24. 111 Requerimento de Manoel de Sandes Ribeiro ao Rei D. José, solicitando confirmação de carta de sesmaria em 1754. AHU. CU. BR/SE. Inv. 384, Caixa 07, Doc. 99. 112 Optamos pela expressão “potentados locais” para designar os antepassados de Bento José, pois os mesmos não se integravam no conceito de nobreza da terra por não termos localizados nenhum documento que os ligassem aos ofícios régios ou camaristas. FRAGOSO, João. Potentados coloniais e circuitos imperiais: notas sobre uma nobreza da terra, supracapitanias, no Setecentos. In: In: MONTEIRO, Nuno G. CARDIM, Pedro & CUNHA, Mafalda Soares da (Orgs.). Optima Pars – elites ibero-americanas do Antigo Regime . Lisboa, ISC – Imprensa de Ciências Sociais, 2005. p. 137.
57 Serra de S. Domingos e atravessada pelo rio Varosa, Sande é uma freguesia do concelho de Lamego. Foi vila e sede de concelho entre 1514 e 1836. 113 Um dos seus trisavôs – Pero Sandes – era proprietário de sesmaria na área do Vasa Barris, próximo ao Rio Paramopama, atualmente nas imediações do município de São Cristóvão. Através da certidão de carta de sesmaria de João Dias, de 11 de novembro de 1600, percebe-se que a presença dos Sandes no território que futuramente será denominado Sergipe remonta aos últimos anos do século XVI, provavelmente empenhados na Conquista de Sergipe em razão das doações de terra para criação de gado.114 Manuel de Sande, um dos filhos de Pero Sandes, bisavô de Bento José, juntamente com João Batista Lopes, Antônio Pereira e Sebastião Teves, denuncia as supostas arbitrariedades do capitão-mor da Capitania Ambrósio Luís de La Penha por que “os trazia atropelados só a fim de lhes usurpar certas terras, que havia 31 anos povoaram; por cuja violência andavam ausentes de suas casas”. 115 Temerosos que o Capitão-mor os prendesse, os quatro moradores enviaram correspondência ao Conde Óbidos, Vice-Rei do Estado do Brasil, solicitando que “os deixasse estar quietos nas suas terras, que haviam comprado, e sempre estiveram livremente”. 116 O Vice-Rei no intuito de não ver os queixosos vexados pelo capitão-mor ordena que os mesmos se mantenham em suas moradas e que o acusado estava impedido de prendê-los. A ordem é dada ao ouvidor-geral e oficiais de justiça. Bernardo Correia Leitão é outro a queixarse dos “maus procedimentos” do Capitão -mor. Ele envia petição ao Conselho 113
GASPAR, Jorge (coord.). Geografia de Portugal: ambiente natural e geografia humana. 4. ed. Lisboa: Estampa, 1996. p. 225. 114 Certidão de Carta de Sesmaria passada a João Dias em 11 de novembro de 1600. In: FREIRE, Felisbelo. Historia de Sergipe (1575-1855). Rio de Janeiro: Typ. Perserverança, 1891. p. 368. 115 Portaria que se passou D. Vasco Mascarenhas, o Conde Óbidos, para o Capitão-mor de Seregipe Del Rey sobre alguns moradores a quem vexava (30/09/1663). In: Documentos Históricos: portaria dos governadores gerais (1660-1670). V. 7. Rio de Janeiro: Augusto Porto e C, 1929. p. 119-120. 116 Ibid. p. 120.
58 Ultramarino denunciando os supostos abusos cometidos pela principal autoridade da Capitania.117 Sobre o avô de Bento José quase nada sabemos, a não ser o nome Tomé de Sandes e que era morador na Cotinguiba, no final do século XVII. O seu nome aparece apenas brevemente citado numa escritura de 1738.
118
A quantidade de informações sobre o pai de Bento José é bem superior comparado aos demais antepassados da família Sande. Os registros sobre sua vida vão do final da década de 30 ao final da década de 50 do século XVIII Em dois de abril de 1738, Manoel de Sandes Ribeiro adquiriu um sítio de terras por meio de escritura pública, lavrada no cartório de notas da cidade de Sergipe D‟ElRei (São Cristóvão). A propriedade é comprada após a morte de Manoel Dias Correia. A viúva, filha e sobrinha do falecido resolveu vender “a metade de um sítio de te rra na braça do Vasa Barris” pela quantia de 125 mil reis. Ao declarar residência, Manoel de Sandes se diz morador no Cotinguiba, no Paty. Eram as vendedoras suas parentas. Ana Maria de Sande era irmã do pai de Bento José, e, portanto, tia dele. Margarida Josefa de Oliveira e seu esposo Felix de Oliveira eram cunhados de Manoel de Sande Ribeiro.
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Como a propriedade foi adquirida para resolver problemas ligados a partilha de bens de herança e Manoel de Sande Ribeiro manifestou sua vontade de não ocupá-la, três dias depois, os pais de Bento José venderam o sítio que havia comprado com terras e gados por 250 mil reis e cada cabeça de gado por dois mil reis ao tenente Manoel
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Consulta do Conselho Ultramarino referente à queixa de Bernardo Correia Leitão contra o Capitãomor de Sergipe D‟El Rei em 22 de dezembro de 1665. AHU. CU-BR/SE. Cx. 01, Inv. 20. f. 1. 118 Registro de escritura de venda de um sítio de terra na Praça do Vaza-Barris que fazem Margarida Josefa de Oliveira, Ana Maria de Sandes e Ana Josefa a Manoel de Sandes Ribeiro em 02 de abril de 1738. APJES. Arquivo Permanente. Comarca de São Cristóvão. Cartório de 1º Ofício. Série Cível. Livro de notas da Comarca de São Cristóvão (1655-1769). Cx. 52. Lv. 02. f. 147. 119 Escritura de venda de um sítio de terras no Vaza Barris que fazem Margarida Josefa de Oliveira, Ana Maria de Sandes e Ana Josefa a Manoel de Sandes Ribeiro em 02 de abril de 1738. APJES. Comarca de São Cristóvão. Cartório de 1º Ofício. Livro de Notas (1665-1757) . Cx. 52, Lv. 02, fls. 146-149.
59 Rodrigues Távora. Havia no dito sítio 130 cabeças de gado, somando 260 mil réis. Negócio bastante lucrativo para o casal. 120 Percebe-se pela escritura que a mãe de Bento assina em cruz, indicando ser analfabeta, como a maioria das mulheres no Brasil colonial. Na assinatura teve que ser feito arrogo em seu nome. Já o pai era alfabetizado. Manoel de Sande Ribeiro buscou ampliar suas possessões territoriais. O Alvará de 10 de junho de 1753, expedido pelo Vice-Rei Conde de Atouguia, concedeu-lhe terras “por detrás das caatingas correndo rumo ao dito Vaza Barris, acima distante da beira do riacho da nascente de norte a sul, entre os riachos secos, chamados Cansanção e Salgado com todas as águas e pastos”.121 Pretendia destinar as terras pedidas ao Rei à criação de gado. Como houve demora na expedição da autorização régia para tomar posse da terra, encaminha requerimento ao Rei D. José I reforçando a solicitação da sesmaria “para seus gados no sertão do [rio] Vaza Barris”, cujas medidas eram: “uma légua de terra de largo, e três de comprido na parte aonde o suplicante o pediu”. 122 A justificativa que “tem gados sem ter terras bastantes para trazerem o dito gado” pesou bastante na confirmação da sesmaria. Além do mais, alegou Manoel de Sandes que a terra pedida encontrava-se devoluta. A porção de terra situava-se nas proximidades riacho Salgado e Cansanção, dois importantes afluentes do Vaza Barris, situados atualmente no agreste do Estado de Sergipe, entre as cidades de Frei Paulo, Pinhão e Carira.
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Escritura de venda que fazem Manoel de Sandes Ribeiro e sua mulher Dona Anna Maria de Jesus de um sítio de terras na Praça do Vasa Barris ao Tenente Manoel Rodrigues Távora em 05 de abril de 1738. APJES. Arquivo Permanente. Comarca de São Cristóvão. Cartório de 1º Ofício. Série Cível. Livro de notas da Comarca de São Cristóvão (1655-1769). Cx. 52. Lv. 02. f. 149- 155. 121 FREIRE, Felisbelo. História Territorial do Brazil . V. 1. (Bahia, Sergipe e Espírito Santo). Rio de Janeiro: Typ. “Jornal do Commercio”, 1906. P. 310. 122 Requerimento de Manoel de Sandes Ribeiro ao Rei D. José, solicitando confirmação de carta de sesmaria em 1754. AHU. CU. BR/SE. Inv. 384, Caixa 07, Doc. 99.
60 Em 1754, Manoel de Sandes Ribeiro continua morador no “certão da Cotemguiba”, termo da Cidade de S. Cristóvão de Sergipe Del Rei 123. Desde 1737 que temos informações que residia no engenho Paty. Deve ter sido nessa localidade que Bento José passou a infância e adolescência. Como veremos no próximos capítulos, o Paty será sua residência por prolongados anos. Na relação dos principais produtores de açúcar da Capitania da Bahia em 1757, citada no capítulo anterior, é mencionado que o porto do “Cotinguiba” é a principal área exportadora de açúcar na Capitania de Sergipe. A saída das embarcações se dava através das águas fluviais do Rio Cotinguiba, atualmente próximo a cidade de Laranjeiras, ou seja, nas vizinhanças do engenho Paty, em direção ao porto de Salvador. Segundo informação do sargento-mor José Antônio Caldas, havia trinta e um proprietários que escoavam sua produção pelo porto do Cotinguiba, produzindo em torno de 600 a 1000 arrobas anuais. 124 Os dados dos outros portos são mais modestos. O porto Sergipe Del Rei, provavelmente na barra perto da capital da Capitania, exportava a produção de açúcar de apenas oito senhores de engenhos, sendo a esmagadora maioria inferior as 500 arrobas. Cabendo único destaque a Antônio da Costa Rocha, com 1093 arrobas 125. Já o porto do Garajau, provavelmente, na barra do Rio Piauí, entre a vila de Santa Luzia e a povoação de Estância, enviava a Salvador a produção de apenas sete engenhos. Com base nesse documento, as barras de saída de embarcações eram três: Cotinguiba, Sergipe d‟El R ei e Garajau. O porto do Cotinguiba exportava açúcar de 37 senhores de engenho; e o de Sergipe Del rei de 08 senhores de engenho, totalizando o 123
Requerimento de Manoel de Sandes Ribeiro ao Rei D. José, solicitando confirmação de carta de sesmaria em 1754. AHU. CU. BR/SE. Inv. 384, Caixa 07, Doc. 99. 124 Relação dos engenhos que fabrição asucares em toda esta Capitania da Bahia, cuja averiguação se fes pelo contrato real dos dízimos para conhecimento do que anualmente rende os ditos engenhos. CALDAS, José Antônio. Noticia Geral de toda esta Capitania da Bahia desde o seu descobrimento até o presente ano de 1759 . Salvador: Tipografia Beneditina, 1951 (Edição fac-similar). p. 226-227. 125 Idem.
61 número de 35; Na barra do Cotinguiba, 22.074 arrobas eram de açúcar branco e 24.447 era mascavo; no porto de Sergipe d‟El Rei, tínhamos 4385 arrobas de açúcar branco e 2.373 de mascavo. 126 Já Garajau, enviou 2.871 arrobas de açúcar branco e 5.052 de açúcar mascavo. Com isso, o pai de Bento é um dos principais senhores de engenhos da Capitania. Era membro da elite econômica ligada à produção de açúcar que a partir do século XVIII se fortalecia com a expansão do cultivo entre os vales dos rios Sergipe e Cotinguiba. Contudo, não podemos inseri-lo no rol dos principais senhores de engenho da Bahia. Aqui é preciso fazer a distinção entre senhores de engenhos e nobre. Apesar de a fidalguia e a nobreza titular praticamente não estarem presentes na colônia, pode-se afirmar que existia uma nobreza colonial, ou melhor, nobrezas coloniais. Ela se fazia presente em outros lugares da colônia, como a Bahia, Rio de janeiro, São Paulo, Minas Gerais com os vice-reis, governadores, ouvidores e etc 127. Há também que considerar que as elites alcançavam o patamar de nobreza a partir de outros princípios caros à sociedade do Antigo Regime. Através do exercício dos “cargos honrosos da república”, podia-se, mesmo sem o sangue nobre, alcançar uma condição de nobreza, formando-se o que passou a se chamar de nobreza “civil” ou “política”, termo já incorporado na literatura jurídica portuguesa do século XVII. Ou seja, formava-se um estatuto intermédio constituído por pessoas que, através de avultados cabedais, tinham a chance de servir à monarquia – notadamente nas câmaras e nas tropas auxiliares – e assim formarem uma nobreza da terra. Junte-se a isso o “tratar -
126
Ibidem, p. 236-237. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na Colônia. São Paulo: UNESP, 2005.
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62 se à lei da nobreza” a partir da posse de cavalos e criados, que no caso do Brasil se traduzia principalmente na posse de escravos africanos. 128 Ao mesmo tempo, a nobreza colonial também se constituiu a partir da participação na chamada “economia da mercê”.
129
Homens de nascimento pouco
ilustre, reinóis ou ultramarinos, podiam prestar valiosos serviços à Coroa na conquista dos territórios coloniais ou na expulsão de invasores. Assim, os serviços prestados geravam a expectativa de recompensas, da remuneração dos serviços que poderiam vir na forma de cargos, honrarias ou outros tipos de mercês. Criava-se uma rede de reciprocidade, pois a Coroa não poderia prescindir dos serviços militares dos seus vassalos para a manutenção do império, ao passo que a participação em empreitadas militares em nome da Coroa dava aos vassalos coloniais a possibilidade de conseguirem honrarias que os alçaria à condição de nobres. Dessa forma, a nobreza da terra formavase a partir de uma identidade intimamente relacionada com os méritos de povoar, conquistar e defender as possessões ultramarinas portuguesas. Como afirmou Fernanda Bicalho, “em cidades como Olinda, Salvador ou Rio de Janeiro, as pessoas que se arrogavam o título de „principais‟ ou de „nobreza da terra‟ justificavam-no não enquanto uma categoria natural ou jurídica, de acordo com o direito do Antigo Regime, mas por meio de um discurso que valorizava sua condição de protagonistas na conquista ultramarina”. 130
128
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. O “Ethos” Nobiliárquico no final do Antigo Regime: poder simbólico, império e imaginário social. Almanack Braziliense, n. 02, 2005; SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na Colônia. São Paulo: Editora UNESP, 2005. p. 15-16. 129 Para uma análise da economia de mercê e sua importância na constituição da nobreza e na coesão entre as elites do império e a monarquia portuguesa: OLIVAL, Fernanda. As ordens militares e o Estado moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal. (1641-1789). Lisboa: Estar, 2001. João Fragoso trabalha a “economia de mercê” no Rio de Janeiro desenvolvendo a partir daí conceitos como “economia do bem comum” e “economia política de privilégios.” FRAGOSO, João. FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c. 1790-c.1840. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 130 BICALHO, Maria Fernanda Baptista. Conquista, Mercês e Poder Local: a nobreza da terr a na América portuguesa e a cultura política do Antigo Regime. In: Almanack Br aziliense, n. 02, 2005. p. 30; Para uma
63 Para Antonil, ser senhor de engenho é título a que muitos aspiram porque traz consigo ser servido e respeitado de muitos, de modo que “bem se pode estimar no Brasil o ser Senhor de engenho, quanto proporcionalmente se estimam os títulos entre os fidalgos do Reino”. 131 É possível que o prestígio do pai de Bento José não fosse dos maiores. Na relação escrita pelo Capitão da Companhia de Cavalos do distrito da Cotinguiba, Antônio Pereira do Lago, irmão do coronel Felipe Pereira do Lago, temos a relação dos soldados alistados na companhia de cavalos. O primeiro a ser arrolado é Manoel Sandes Ribeiro. O pai de Bento José é um dos trinta soldados alistados na companhia que tinha ainda por tenente José Sutério de Menezes, o alferes Gonçalo Pinto de Resende e o furriel Inácio Caetano Dorneles. 132 As primeiras informações sobre a vida de Bento José de Oliveira são fornecidas pelo capitão-mor José Gomes da Cruz por meio de correspondência oficial endereçada ao governador da Bahia, em 1776. O Capitão-mor objetivando disciplinar o sargentomor o denuncia à autoridade máxima da administração da Capitania Geral da Bahia, em correspondência repleta de gravíssimas acusações sobre sua conduta. Primeiro cita que em 6 de maio de 1773, o seu rival é querelado na Vila de Santo Amaro das Brotas, por crime de defloramento em D. Anna Isabel Telles, filha do Capitão Pedro Muniz Telles. Como meio de escapar á ação da justiça, evadiu-se para a Capitania da Bahia, aonde, em
análise da formação de uma nobreza da terra que se constituiu a partir dos méritos da conquista e de práticas típicas do Antigo Regime no Rio de Janeiro: FRAGOSO, João. “A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite senhorial (séculos XVI e XVII)”, in: FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda, GOUVÊA, Maria de Fátima (org.) – O Antigo Regime nos trópicos : a dinâmica imperial portuguesa. Séc. XVI-XVIII. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001. pp. 31-71; A nobreza vive em bandos: a economia política das melhores famílias da terra do Rio de Janeiro, século XVII. Algumas notas de pesquisa. In: Tempo – Revista do Departamento de História da UFF, Niterói, v. 8, n. 15. p. 11-35. 131 ANTONIL, André J. Cultura e Opulência do Brasil . Belo Horizonte: Itatiaia, 1997. p. 75. 132 Mapa da companhia de ordenanças, infantaria, cavalaria e auxiliares da cidade de São Cristóvão de Sergipe Del Rei em 20 de março de 1756. Arquivo Histórico Ultramarino. Conselho Ultramarino. BrasilSergipe. Cx. 05, Doc. 403.
64 24 de mesmo mês, sentou praça, voluntariamente, como soldado, na Companhia do Capitão Antonio Lobo Portugal, do 2.º Regimento, por portaria do Governador Conde de Pavolido133. Nos primeiros meses do ano de 1775 é promovido ao posto de Sargento-mor da Ordenança da Bahia, obtendo a graça de passar á guarnição de Sergipe, pois, já então, tinha elementos próprios para regressar à terra natal. O processo de Santo Amaro das Brotas já estava praticamente esquecido. Nomeado seu irmão Francisco Telles de Oliveira pelo Vice-rei Manuel de Cunha Menezes para fazer captura de recrutas na comarca de Sergipe, auxiliou-o Bento José no desempenho dessa comissão, durante a qual se portaram ambos, de modo tal, que perturbaram completamente a ordem pública na Capitania, reduzindo a verdadeiro estado de anarquia, deixando-a, além do mais, prejudicada em mais de 60.000 cruzados, empregados em negócios de seus interesses particulares. De tudo isto, deu parte ao Governador da Bahia, o capitão-mor interino de Sergipe, José Gomes da Cruz. Sabendo disto, os dois irmãos, em vez de se defenderem, julgaram-se ofendidos, e tornaram-se desobedientes ao Governador da Capitania 134. O principal motivo da desavença do capitão-mor com os irmãos Oliveira passava pelo privilégio de recrutar homens para as ordenanças. Em 1776, casa-se com Josefa Maria de São José, pois em 30 de janeiro de 1776 era passada no cartório de São Cristóvão escritura de contrato de casamento feita por
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Correspondência do capitão-mor interino da Capitania de Sergipe José Gomes da Cruz, em 27 de julho de 1776 ao governador geral da Bahia. ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA. Seção de Arquivos Colonial e Imperial, Governo Geral, Governo da Capitania. Correspondências dos Capitãesmores de Sergipe ao Governador-geral da Bahia (1767-1785). Maço 190, Doc. 23. 134 Idem.
65 Francisco Marques da Silva, como administrador de sua filha Josefa Maria de São José. 135
. Era o sogro senhor de engenhos na Vila de Santo Amaro. Então, José Gomes renovou suas queixas, que foram atendidas. Governador da
Bahia Manuel da Cunha Menezes ordenou a prisão diferente de Bento José, em 11 de Dezembro de 1775. Eis a ordem: Por estar informado que o Sargento-Mór Bento José de Oliveira tem faltado a attenção que deve a Vmc., como seu superior: Ordeno a Vmc., o chame com toda a civilidade a sua presença, e lhe intime que eu mando que elle Sargento-Mór se recolha logo a hum dos engenhos de seu pai, do qual não sahirá, sem ordem minha.136
A punição por ato de desobediência do sargento-mor durou pouco tempo. Em ofício de 9 de Março do ano seguinte, ordenou ao Governador de Sergipe a suspensão da prisão doméstica que, aliás, não passava de uma burla. Como julgo compensados os delitos em que julguei tinha incorrido o Sargento-mor dessa Capitania Bento José de Oliveira com a prisão em que tem estado por Ordem minha: Ordenado a Vossa mercê que logo que receber esta, o mande soltar, e ir a sua presença para lhe dizer que eu espero que daqui em diante, não dará ele Sargento-mor motivos que me obriguem a ter semelhante procedimento com ele.137
No dia 30, José Gomes mandou chamá-lo; mas, como pouco se incomodava ele com isto, só no dia 12, apareceu como se estivesse diante de ninguém, recebendo então, do próprio Governador a comunicação da ordem de soltura (de uma prisão que nunca sofreu). Para finalizar o pedido do governador geral, José Gomes, pediu-lhe, em nome do Governador da Bahia, que não desse mais motivo para ser novamente preso. Não obstante, requer ao Capitão-mor um mês de licença para tratar de suas lavouras, a qual lhe foi prontamente concedida. Finda a licença, a 12 de Maio, só no dia 135
Arquivo do Poder Judiciário do Estado de Sergipe, Livros de notas. Cx.02, Lv. 01. fls. 264-266; Correspondência do capitão-mor interino da Capitania de Sergipe José Gomes da Cruz, em 27 de julho de 1776 ao governador geral da Bahia. Arquivo Público do Estado da Bahia. Seção de Arquivos Colonial e Imperial, Governo Geral, Governo da Capitania. Correspondências dos Capitães-mores de Sergipe ao Governador-geral da Bahia (1767-1785). Maço 190, Doc. 23. Anexo 01. 137 Idem. Anexo 02. 136