1
O significado de “significado”
Hilary Putnam A li lingu nguage agem m é a primei primeira ra grande grande área área da capac capacida idade de cognit cognitiv ivaa humana humana que está está começando a obter uma descrição que não é exageradamente super simplificada. Graças ao trabalh trabalhoo dos lin linguis guistas tas transform transformacio acionais nais contempo contemporâne râneos os 1, está está send sendoo cons constr truí uída da um umaa descrição muito refinada de algumas linguagens humanas. Algumas características destas linguagens linguagens parecem ser universais ser universais.. Quando essas características características deixam de ser “específicas da espéc espécie” ie” – “não “não expli explicá cávei veiss por algun algunss fundam fundamen entos tos gerai geraiss de util utilida idade de funci funciona onall ou simplicidade que poderiam se aplicar a sistemas arbitrários e que servem às funções da linguagem” linguagem” – podem lançar alguma luz sobre a estrutura da mente. Enquanto é extremamente difícil dizer o quanto da grande estrutura assim iluminada mostrar-se-á ser uma estrutura unive uni versa rsall da linguagem, linguagem , em opos oposiç ição ão à estr estrut utur uraa univ univer ersa sall das das estr estrat atég égia iass inat inatas as de 2 aprendizagem , o legítimo fato de que esta discussão pode acontecer é testemunho da riqueza e generalidade do material descritivo que os linguistas estão começando a fornecer, e também testemunho da profundidade das análises, mesmo se as características que parecem ser candidatas candidatas “específicas da espécie” da linguagem linguagem não estejam na superfície da consciência consciência ou nas características fenomenológicas da linguagem, mas permanecem no nível da estrutura profunda. O mais sério problema de todas essas análises, até onde interessa ao filósofo, é que não dizem respeito ao significado das palavras. A análise da estrutura profunda das formas linguísticas dá-nos uma descrição incomparavelmente muito mais poderosa da sintaxe das linguagens naturais que aquilo que tínhamos feito antes. Mas a dimensão da linguagem associada associada com a palavra “significado” está, apesar da inundação usual das tentativas heroicas mal orientadas, quando muito, no escuro em que sempre esteve. Neste ensaio, quero explorar a razão pela qual isto ocorre. Em minha opinião, a razão pela qual a semântica está em pior condição que a teoria sintática é que o conceito précientífico sobre o qual está assentada – o próprio conceito pré-científico de significado – está em situação muito pior que o conceito pré-científico pré-científico de sintaxe. Como é usual em filosofia, filosofia, as dúvidas céticas sobre o conceito não ajudam a clarificar ou melhorar a situação, tanto quanto as asserções dogmáticas de filósofos conservadores de que tudo está realmente bem neste que é o melhor de todos os mundos possíveis. A razão pela qual o conceito pré-científico de significado significado está em má configuração não será elucidada elucidada por algum argumento geral, cético ou nominalista, afirmando que significados não existem. Efetivamente, o resultado de nossa discussão será que significados não existem do modo preciso em que tendemos a pensar que eles existem. Mas elétrons também não existem do modo em que Bohr os pensou. Aqui está
Publicado originalmente em Language, em Language, Mind, and Knowledge, Knowledge, Minnesota Studies in The Philosophy of Science, vol. VII, 1975, p. 131-193, K. Gunderson, ed., University of Minnesota Press. Também em The Twin Earth Chronicles: Twenty Years of Reflection on Hilary Putnam’s “The Meaning of ‘Meaning’”, ‘Meaning’” , Andrew Pessin e Sanford Goldberg, eds., New York, M. E. Sharp, 1996, p. 3 – 52. 1 Os que contribuíram para esta área são, atualmente, muito numerosos para serem listados: os pioneiros foram, obviamente, Zellig Harris e Noam Chomsky. 2 Para Para uma discus discussão são dessa dessa questã questãoo ver meu “The “The 'Innat 'Innatene eness' ss' Hypoth Hypothesi esiss and Explan Explanato atory ry Models Models in Linguistics”, Synthese 17 (1967), 17 (1967), p. 12-22.
2
toda a distância no mundo entre esta asserção e a asserção de que significados (ou elétrons) “não existem”. Falarei, em grande maioria, unicamente sobre o significado de palavras mais do que sobre o significado de sentenças porque sinto que nosso conceito de significado-palavra é mais defeituoso que o nosso conceito de significado-sentença. significado-sentença. Mas comentarei brevemente os argumentos de filósofos como Donald Davidson, que insiste que o conceito de significado palavra deve ser secundário e que o estudo do significado-sentença deve ser primário. Uma vez que olho as teorias tradicionais tradicionais sobre o significado significado como mitos aceitos (note que o tópico “significado” é um tópico discutido na filosofia para o qual não existe literalmente nada, exceto “teoria” – literalmente nada que pode ser rotulado ou mesmo ridicularizado como “visão do senso comum”), será necessário discutir e tentar desenredar uma quantidade de temas acerca dos quais a visão recebida está, em minha opinião, errada. O leitor me ajudará na tarefa de tentar deixar essas questões claras se gentilmente assumir que nada está claro doravante. 1. Significado e extensão
A extensão de um termo, na linguagem lógica costumeira, costumeira, é simplesmente o conjunto de coisas para as quais o termo é verdadeiro. Assim, “coelho”, no sentido mais comum do inglês, é precisamente o conjunto de coelhos. Entretanto mesmo esta noção – e é a noção menos problemática neste assunto nebuloso – tem seus problemas. Fora os problemas inerentes da noção aparentada de verdade, verdade, o exemplo precedente de “coelho” no sentido mais comum do inglês ilustra tal problema: falando estritamente, não é um termo, mas um par ordenado, consistindo de um termo e de um “sentido” (ou uma ocasião de uso, ou algo mais que distingue o termo em um uso do mesmo termo usado de modo diferente), que têm uma extensão. Outro problema é o seguinte: um “conjunto”, no sentido matemático, é um objeto “sim/não”; qualquer objeto dado ou pertence definitivamente a S ou definitivamente não pertence a S, se S é um conjunto. Mas palavras, na linguagem natural, não são, em geral, “sim/não”: sendo cauteloso, existem coisas para as quais a descrição “árvore” é naturalmente verdadeira e coisas para as quais a descrição “árvore” é naturalmente falsa, mas existe uma grande quantidade de casos na fronteira. Pior, a linha entre os casos nítidos e os casos de fronteira é, ela própria, difusa (fuzzy). (fuzzy) . Assim a idealização envolvida na noção de extensão – a idealização envolvida na suposição que existe uma coisa tal como o conjunto das coisas para as quais o termo “árvore” é verdadeiro – é realmente muito rígida. Recentemente, alguns matemáticos têm investigado a noção de conjunto difuso – isto é, a noção de um objeto para o qual outras coisas pertencem ou não pertencem com uma dada probabilidade probabilidade ou um dado grau, preferivelmente preferivelmente ao pertencer “sim/não”. Se alguém realmente desej desejaa formal formaliz izar ar a noção noção de exten extensão são aplic aplicada ada a termo termoss na li lingu nguage agem m natur natural al,, seria seria necessário empregar “conjuntos difusos” ou algo similar, no lugar de conjuntos no sentido clássico. O problema de uma palavra com mais de um sentido é tratado, de modo padrão, tomando cada um dos sentidos como uma palavra diferente (ou ainda, tratando a palavra como carregando subscritos invisíveis, assim: “coelho 1” – animal de certo tipo; “coelho 2” – covarde;
3
como se “coelho 1” e “coelho 2”, ou qualqu qualquer er out outra ra coisa coisa,, fosse fossem m palav palavras ras int intei eiram ramen ente te diferentes). Isto novamente envolve duas idealizações rígidas (pelo menos duas, que são): supor que as palavras têm, de modo discreto, muitos sentidos, sentidos, e supor que o repertório inteiro de sentidos está fixado de uma vez por todas. Paul Ziff, recentemente, investigou a extensão para a qual ambas estas suposições distorcem a situação real na linguagem natural 3; contudo continuaremos a fazer estas idealizações aqui. Agora considere os termos compostos “criatura com coração” e “criatura com rins”. Assumindo que todas as criaturas com coração possuem rins e vice-versa, a extensão destes dois termos é exatamente a mesma. Mas eles diferem obviamente em significado. Suponha que exista um sentido de “significado” no qual significado = extensão, mas deve haver outro sentido de “significado” no qual o significado de um termo não é sua extensão, mas algo mais, digamos o “conceito” associado com o termo. Chamemos este “algo mais” a intensão do termo. O conceito de criatura com coração é naturalmente naturalmente diferente do conceito de criatura com rins. Assim os dois termos têm diferente intensões. Quando dizemos que eles têm diferentes “significados”, significado = intensão. 2. Intensão e extensão
Algo como o parágrafo precedente aparece em toda exposição padrão das noções de “intensão” e “extensão”. Mas não é de todo satisfatório. Porque não é satisfatório, num certo sentido, é o objetivo de todo este ensaio. Mas alguns temas podem ser colocados logo no início: antes de tudo, qual evidência existe de que “extensão” é um sentido da palavra “significado”? A explicação canônica das noções de “intensão” e “extensão” é algo da forma “em um sentido ‘significado’ significa extensão e em outro sentido ‘significado’ significa significado”. significado ”. O fato é que, enquanto a noção de extensão é muito precisa, relativa à noção lógica fundamental de verdade (e sob a idealização rígida observada acima), a noção de intensão é tão imprecisa quanto a noção vaga (e, como veremos, confusa) de “conceito”. É como como se algu alguém ém expl explic icas asse se a noçã noçãoo de “pro “proba babi bili lida dade de”” dize dizend ndo: o: “em “em um sent sentid idoo ‘probabilidade’ ‘probabilidade’ significa frequência, e em outro sentido significa significa tendência”. tendência ”. “Probabilidade” nunca significa “frequência”, e “tendência” é tão obscura quanto “probabilidade”. Na falta de clareza, a doutrina tradicional de que a noção de “significado” possui a ambiguid ambiguidade ade extensão extensão/in /intens tensão ão tem determina determinadas das consequ consequênci ências as típ típicas icas.. Muitos Muitos filósofo filósofoss tradicionais pensaram dos conceitos como algo mental . Assim, a doutrina de que o significado de um termo (isto ( isto é, o significado “no sentido de intensão”) é um conceito levou à implicação implicação de que signi signifi ficad cados os são enti entidad dades es menta mentais. is. Frege Frege e mais mais recen recentem tement entee Carnap Carnap e seus seus seguidores, seguidores, entretanto, rebelaram-se contra o que chamaram de “psicologismo”. Sentindo que significados são propriedades públicas – que o mesmo significado pode ser “apreendido” ( grasped grasped ) por mais de uma pessoa e por pessoas em tempos diferentes – eles identificaram conceitos (e, portanto, “intensões” ou significados) antes com entidades abstratas que com entidades mentais. De qualquer modo, “apreender” estas entidades abstratas foi ainda um ato psicol psicológic ógicoo indi individu vidual. al. Nenhum Nenhum destes destes filósof filósofos os duvidou duvidou que compreen compreender der uma palavra palavra 3
Isto é discutido por Ziff em Understanding Understanting (Ithaca, NY: Cornell University Press, 1972), especialmente cap. VIII.
4
(conhecer sua intensão) fosse apenas questão de estar num determinado estado psicológico (algo de modo que conhecer como fatorar números em alguma cabeça fosse apenas questão de estar num estado psicológico muito complexo). Em segundo lugar, o exemplo já desgastado dos termos “criatura com rins” e “criatura com coração” mostra que dois termos podem ter a mesma extensão e ainda assim serem diferentes diferentes em intensão. intensão. Mas foi tomado como óbvio que o contrário é impossível: impossível: dois termos não podem diferir em extensão e ter a mesma intensão. E o que é mais interessante, nenhum argumento já foi oferecido para esta impossibilidade. Provavelmente, reflete a tradição dos filósofos filósofos antigos e medievais que assumiram que o conceito conceito correspondente a um termo fosse apenas uma conjunção de predicados e, portanto, o conceito correspondente a um termo devesse sempre preencher uma condição necessária e suficiente para cair na extensão de um termo4. Para filósofos como Carnap, que aceitava a teoria verificacionista do significado, o conceito correspondente a um termo proporcionava (no caso ideal, em que o termo tinha “significado completo”) um critério para pertencer à extensão (não apenas no sentido de “condição “condição necessária e suficiente”, suficiente”, mas no sentido forte de modo de reconhecer reconhecer se se uma coisa dada cai na extensão ou não). Assim estes filósofos positivistas foram perfeitamente felizes em reter a visão tradicional neste ponto. Dessa forma, a teoria do significado estabeleceu-se sob duas pressuposições indubitáveis: 1. Que conhece conhecerr o significa significado do de um termo termo é apenas apenas uma quest questão ão de estar estar num determinado estado psicológico (no sentido de “estado psicológico”, no qual estados de memória e disposições psicológicas são “estados psicológicos”; ninguém pensou que conhecer o significado de uma palavra fosse um estado contínuo de consciência, naturalmente); 2. Que Que o sign signif ific icad adoo de um term termoo (no (no sent sentid idoo de inte intens nsão ão)) dete determ rmin inaa sua sua extensão (no sentido de que mesma intensão implica mesma extensão). Eu argumentarei que estas duas pressuposições são podem ser conjuntamente satisfeitas por qualquer qualquer noção, noção, deixando deixando indeterm indeterminad inadaa qualquer qualquer noção noção de signifi significado cado.. O conceit conceitoo tradicional de significado é um conceito que repousa sobre uma teoria falsa. 3. “Estado psicológico” e solipsismo metodológico
4
A tradição cresceu porque O termo cuja análise provocou toda a discussão na filosofia medieval foi o termo “Deus”, e o termo “Deus” foi pensado ser definido através da conjunção dos termos “bom”, “poderoso”, “onisciente”, etc. – as assim chamadas “perfeições”. Entretanto, havia um problema, porque Deus era suposto ser a Unidade, e a Unidade era pensada excluir Sua própria essência, que era complexa de algum modo – isto é, “Deus” foi definido através de uma conjunção de termos, mas Deus (sem aspas) não podia ser o produto lógico de propriedades, nem podia ser a única coisa que exemplificasse o produto lógico de duas ou mais propriedades distintas, distintas, porque mesmo este tipo altamente abstrato de “complexidade” continuava ser incompatível com Sua perfeição de Unidade. Este é o paradoxo teológico com os quais os teólogos judeus, árabes e cristãos debateramse violentamente por séculos (e.g ( e.g . a doutrina da Negação da Privação em Maimônides e Tomás de Aquino). É divertido que teorias de interesse contemporâneo, tais como o conceptualismo e nominalismo, foram primeiro propostas como solução para o problema da predicação no caso de Deus. É também divertido que o modelo favorito da definição em todas estas teologias – o modelo de conjunção de propriedades – ainda sobrevive, pelo menos através de suas consequências, na filosofia da linguagem dos dias atuais.
5
A fim de mostrar isso, precisamos clarificar a noção tradicional de um estado psicológico. Em um certo sentido, um estado é simplesmente um predicado binário cujos argumentos são um indivíduo e um tempo. Assim, ter 1,5 metros de altura , estar com dor , conhecer um alfabeto, e mesmo estar a mil milhas de Paris são estados. (Note que o tempo é usualmente deixado implícito ou “no contexto”; a forma completa de uma sentença atômica destes predicados seria “ x tem 1,5 metros de altura no tempo t ”, “ x está com dor no tempo t ”, etc.). Na ciência, entretanto, é costume restringir o termo “estado” a propriedades definidas em termos de parâmetros do indivíduo e que são fundamentais do ponto de vista de uma dada ciência. Assim, ter 1,5 metros de altura é um estado (do ponto de vista da física); estar com dor é um estado (pelo menos do ponto de vista da psicologia mentalista); conhecer um alfabeto pode ser um estado (do ponto de vista da psicologia cognitiva), embora seja difícil dizer qual; mas estar a mil milhas de Paris não pode naturalmente ser chamado um estado. Num certo sentido, um estado psicológico é simplesmente um estado que é estudado ou descrito pela psicologia. Neste sentido pode ser trivialmente verdadeiro dizer conhecer o significado da palavra “água” é um “estado psicológico” (do ponto de vista da psicologia cognitiva). Mas isto não é o sentido de estado psicológico que está na pressuposição (1) acima. Quando os filósofos tradicionais falaram sobre estados psicológicos (ou estados “mentais”), fizeram a pressuposição que podemos chamar de solipsismo metodológico. Este pressuposto é o de que nenhum estado psicológico, assim propriamente chamado, supõe a existência de qualquer outro indivíduo além do sujeito a quem o estado é atribuído. (De fato a pressuposição foi a de que nenhum estado psicológico pressupõe a existência mesma do corpo do próprio sujeito: se P é um estado psicológico, assim propriamente chamado, então deve ser logicamente possível para uma “mente desencarnada” estar em P). Esta pressuposição é assaz explícita em Descartes, mas está apenas implícita em toda da psicologia filosófica tradicional. Claro que fazer esta pressuposição é adotar um programa restritivo – um programa que deliberadamente limita o alcance e a natureza da psicologia para convir a determinadas preconcepções mentalistas ou, em alguns casos, convir a uma reconstrução idealista do conhecimento e do mundo. Entretanto, às vezes, não fica anunciado quão restritivo é o programa. Um estado psicológico comum, ou vários deles, como estar com ciúmes deve ser reconstruído, por exemplo, se a pressuposição do solipsismo metodológico for mantida. Pois, em seu uso ordinário, x está com ciúmes de y implica que y exista, e x está com ciúmes do olhar de y para z implica que y e z existam (bem como x, é claro). Assim estar com ciúmes e estar com ciúmes do olhar de alguém para outro alguém não são estados psicológicos permitidos pela pressuposição do solipsismo metodológico. (Nós os chamaremos “estados psicológicos em sentido largo” e referimos aos estados psicológicos que são permitidos pelo solipsismo metodológico como “estados psicológicos no sentido estrito”). A reconstrução requerida pelo solipsismo metodológico seria reconstruir ciúme de modo que eu possa estar com ciúmes por minhas próprias alucinações, ou por ficções de minha imaginação, etc. Somente se assumirmos que estados psicológicos no sentido estrito têm um grau significativo de fechamento causal (de modo que restringir a nós mesmos a estados psicológicos em sentido estrito facilitará o estabelecimento de leis psicológicas) é que há algum sentido em engajar-se nesta reconstrução, ou em fazer a pressuposição do solipsismo metodológico. Mas, em minha opinião, os três séculos de falhas da psicologia mentalista são evidências tremendas contra este procedimento.
6
Seja como for, podemos agora estabelecer mais precisamente o que afirmamos ao fim da seção precedente. Sejam A e B quaisquer dois termos que diferem em extensão. Assumindo (2) eles devem diferir no significado (no sentido de “intensão”). Assumindo (1), conhecer o significado de A e conhecer o significado de B são estados psicológicos no sentido estrito – pois foi como construímos a pressuposição (1). Mas estes estados psicológicos devem determinar a extensão dos termos A e B tanto quanto os significados (“intensões”) fazem. Para ver como isto ocorre, tentemos assumir o oposto. Naturalmente, não pode haver dois termos A e B tais que conhecer o significado de A seja o mesmo estado que conhecer o significado de B, mesmo porque A e B têm diferentes extensões. Pois conhecer o significado de A não é apenas “apreender ( grasping ) a intensão” de A, qualquer que seja esta; é também conhecer que a intensão “que alguém entendeu” é a intensão de A. (Assim, alguém que sabe o significado de “roda” presumivelmente “entende a intensão” de seu sinônimo alemão Rad ; mas se ele não sabe que a “intensão” em questão é a intensão de Rad ele não diz “saber o significado de Rad ”). Se A e B são termos diferentes, então conhecer o significado de A é um estado diferente de conhecer o significado de B quer os significados de A e B sejam os mesmos ou diferentes. Mas, pelo mesmo argumento, se I 1 e I 2 são as diferentes intensões e A é um termo, então conhecer que I 1 é o significado de A é um estado psicológico diferente de conhecer que I 2 é o significado de A. Assim, não pode haver dois mundos possíveis, logicamente diferentes L 1 e L2 tais que, digamos, Oscar está nos mesmos estados psicológicos (no sentido estrito) em L 1 e em L2 (em todos os aspectos), mas em L 1 Oscar compreende A como tendo o significado I 1 e em L2 Oscar compreende A como tendo o significado I 2. (Pois, se assim fosse, então em L 1 Oscar poderia estar no estado psicológico conhecer que I 1 é o significado de A e em L2 Oscar poderia estar no estado psicológico conhecer que I 2 é o significado de A, e estes são diferentes e até mesmo – assumindo que A tem apenas um significado para Oscar em cada mundo – estados psicológicos incompatíveis no sentido estrito). Em resumo, se S é o tipo de estado psicológico que temos discutido – um estado psicológico da forma conhecer que I é o significado de A , no qual I é uma “intensão” e A é um termo – então a mesma condição necessária e suficiente para cair na extensão de A “funciona” em todo mundo logicamente possível no qual o falante está no estado psicológico S. Pois o estado S determina a intensão I, e pela pressuposição (2) a intensão preenche a condição necessária e suficiente para a pertinência na extensão. Se nossa interpretação da doutrina tradicional da intensão e extensão é justa para com Frege e Carnap, então toda a questão psicologismo/platonismo se parece como uma tempestade numa chaleira, no que diz respeito à teoria do significado. (Naturalmente, é uma questão muito importante até na filosofia geral da matemática). Pois, ainda que os significados sejam entidades “platônicas” ao invés de entidades “mentais”, na visão de FregeCarnap, “apreender” aquelas entidades é presumivelmente um estado psicológico (no sentido estrito). Além disso, o estado psicológico determina de forma única a entidade “platônica”. Assim tomar a entidade “platônica” ou o estado psicológico como o “significado” poderia parecer uma questão de convenção. E tomando o estado psicológico como sendo o significado dificilmente se poderia ter a consequência temida por Frege, a de que significados deixassem de ser públicos. Estados psicológicos são “públicos” pois diferentes pessoas (e mesmo pessoas em diferentes épocas) podem estar no mesmo estado psicológico. Na verdade, o
7
argumento de Frege contra o psicologismo é apenas um argumento contra identificar conceitos com particulares mentais, não com entidades mentais em geral. O caráter “público” de estados psicológicos implica, em particular, que se Oscar e Elmer compreendem a palavra A de modo diferente, então eles devem estar em estados psicológicos diferentes. Pois o estado mental de conhecer a intensão de A ser, digamos, I é o mesmo estado, quer para Oscar, quer para Elmer. Assim dois falantes não podem estar no mesmo estado psicológico em todos os aspectos e compreender o termo A de modo diferente; o estado psicológico do falante determina a intensão (e, portanto, pela pressuposição (2), a extensão) de A. É esta última consequência das pressuposições (1) e (2) tomadas em conjunto que afirmo ser falsa. Nós afirmamos que é possível dois falantes estarem no mesmo estado psicológico (no sentido estrito), muito embora a extensão do termo A no idioleto de um seja diferente da extensão do termo A no idioleto do outro. A extensão não é determinada pelo estado psicológico. Isto será mostrado em detalhes nas seções posteriores. Se isto está correto, então existem dois caminhos abertos para alguém que quer resgatar pelo menos uma das pressuposições; desistir da ideia de que estados psicológicos (no sentido estrito) determinam a intensão, ou desistir da ideia de que a intensão determina a extensão. Nós consideraremos tais alternativas mais tarde. 4. Os significados estão na cabeça?
Agora será mostrado que os estados psicológicos não determinam a extensão com a ajuda de uma pequena história de ficção científica. Para o propósito dos seguintes exemplos de ficção científica, suporemos que em algum lugar da galáxia existe um planeta que chamaremos Terra Gêmea. A Terra Gêmea é muito parecida com a Terra; de fato, as pessoas na Terra Gêmea até mesmo falam o inglês. De fato, exceto pelas diferenças que especificaremos em nossos exemplos de ficção científica, o leitor pode supor que a Terra Gêmea é exatamente como a Terra. O leitor pode supor que tem um Doppelgänger – uma cópia idêntica – na Terra Gêmea, se quiser, embora minhas histórias não dependam disso. Embora algumas das pessoas na Terra Gêmea (digamos, aquelas que chamam a si mesmas “americanas” e aquelas que chamam a si mesmas “canadenses” e aquelas que chamam a si mesmas “inglesas”) falem o inglês, existem, não surpreendentemente, mínimas diferenças que agora descreveremos entre os dialetos do inglês falado na Terra Gêmea e o inglês padrão. Estas diferenças dependem de algumas particularidades da Terra Gêmea. Uma das particularidades da Terra Gêmea é que o liquido chamado “água” não é H 2O, mas um liquido diferente cuja fórmula química é muito longa e complicada. Eu abreviarei esta fórmula química simplesmente como XYZ. Suporei que XYZ é indistinguível da água em condições normais de temperatura e pressão. Em particular, seu gosto é como a água e também mata a sede. Além disso, suporei que os oceanos e lagos da Terra Gêmea contêm XYZ e não água, que chove XYZ na Terra Gêmea e não água, etc.
8
Se uma espaçonave da Terra visita a Terra Gêmea, então a primeira suposição será a de que “água” tem o mesmo significado na Terra e na Terra Gêmea. Esta suposição será corrigida quando for descoberto que “água” na Terra Gêmea é XYZ, e o terráqueo da espaçonave relatará algo como segue: “Na Terra Gêmea a palavra ‘água’ significa XYZ” (A propósito, é este tipo de uso da palavra “significa” que conta para a doutrina de que extensão é um sentido do “significado”. Mas note que, embora “significa” não signifique algo como “tem como extensão”, neste exemplo, não se poderia dizer “Na Terra Gêmea o significado da palavra ‘água’ é XYZ” a menos, possivelmente, do fato de que “água é XYZ” fosse conhecido por todo falante adulto do inglês na Terra Gêmea. Nós podemos considerar isto em termos da teoria do significado que desenvolveremos abaixo; neste momento, nós apenas observamos que o verbo “significa” algumas vezes significa “tem como extensão”, mas a nominalização de “significado” nunca significa “extensão”). Esta suposição será corrigida quando for descoberto que “água” na Terra é H 2O, e o terrestre gêmeo da espaçonave relatará: “Na Terra5 a palavra ‘água’ significa H 2O” Note que não há problema com a extensão do termo “água”. A palavra simplesmente tem dois significados (como dizemos): no sentido em que é usado na Terra Gêmea, o sentido de águaTG, o que nós chamamos “água” simplesmente não é água; enquanto no sentido que é usado na Terra, o sentido de água T, o que os terráqueos gêmeos chamam “água” simplesmente não é água. A extensão de “água” no sentido de água T é o conjunto de todas as porções consistindo de moléculas H 2O, ou algo assim; a extensão de água no sentido de água TG é o conjunto de todas as porções consistindo de moléculas XYZ, ou algo assim. Voltemos o tempo para 1750. Naquele tempo, a química não havia sido desenvolvida nem na Terra, nem na Terra Gêmea. O típico falante do inglês da Terra não sabe que água consiste de hidrogênio e oxigênio, e o típico falante do inglês da Terra Gêmea não sabe que “água” consiste de XYZ. Seja Oscar 1 um típico falante do inglês da Terra e seja Oscar 2 sua contraparte na Terra Gêmea. Você pode supor que não existe crença que Oscar 1 tenha sobre água que Oscar 2 não tenha sobre “água”. Se quiser, pode mesmo supor que Oscar 1 e Oscar 2 são os mesmos em aparência, sentimentos, pensamentos, monólogos interiores, etc. Outra vez a extensão do termo "água" era tanto H 2O na Terra em 1750 quanto em 1950; e a extensão do termo "água" era tanto XYZ na Terra Gêmea em 1750 quanto em 1950. Oscar 1 e Oscar 2 compreendiam o termo "água" diferentemente em 1750 embora eles estivessem no mesmo estado psicológico, e apesar de que, dado o estado da ciência naquele tempo, tivessem que aguardar suas comunidades científicas por cinqüenta anos para descobrir que eles entendiam o termo "água" diferentemente. Assim a extensão do termo "água" (e, de fato, seu “significado” no uso intuitivo, pré-analítico, daquele termo) não é em si mesma uma função do estado psicológico do falante.
5
Ou melhor, ele relatará: “Na Terra Gêmea [o nome terrestre gêmeo para a Terra – HP] a palavra “água” significa H2O”.
9
Mas, pode-se objetar, porque aceitaríamos que o termo "água" tenha a mesma extensão em 1750 e em 1950 (em ambas as Terras)? A lógica dos termos de espécies naturais como "água" é uma questão complicada, mas segue-se um esboço da resposta. Suponha que aponto para um copo de água e diga “este liquido é chamado água” (ou “isto é chamado água", se o marcador “liquido” ficar claro no contexto). Minha “definição ostensiva” de água tem a seguinte pressuposição empírica: que o corpo do liquido que estou apontando preenche uma determinada relação de ser o mesmo (digamos, x é o mesmo liquido que y, ou x é o mesmo -L que y) para com a maioria da matéria-prima que eu e outros falantes em minha comunidade linguística temos, em outras ocasiões, chamado "água". Se esta pressuposição é falsa porque, digamos, estou, sem saber, apontando um copo de gim e não um copo de água, então não pretendo que minha definição ostensiva seja aceita. Assim, a definição ostensiva conduz para o que deve ser chamada uma condição suficiente e necessária passível de ser anulada: a condição necessária e suficiente para ser água é preencher a relação mesmo-L para com matéria-prima no copo; mas isto é a condição necessária e suficiente somente se a pressuposição empírica for satisfeita. Se não for satisfeita, pode-se dizer, então, que uma série de condições de “desistência” é ativada. O ponto chave é que a relação mesmo-L é uma relação teórica: quer algo seja o mesmo liquido ou não, isto pode acarretar uma quantidade indeterminada de investigação científica. Além disso, ainda que uma resposta “definida” tenha sido obtida através da investigação científica ou através da aplicação de algum teste “do senso comum”, a resposta é algo que pode ser anulado: a investigação futura pode reverter mesmo o exemplo mais “determinado”. Portanto, o fato de que um falante inglês em 1750 ter chamado XYZ de "água", enquanto ele ou seus sucessores não chamaram água de XYZ em 1800 ou em 1850, não significa que o “significado” de "água" mudou para o falante mediano no intervalo de tempo. Em 1750 ou em 1850 ou em 1950 pode-se ter apontado para, digamos, o liquido do Lago Michigan como um exemplo de "água". O que mudou foi que em 1750 poderíamos ter pensado de modo equivocado que XYZ preenchia a relação mesmo-L com o liquido no Lago Michigan, enquanto em 1800 ou em 1850 poderíamos ter sabido que não (eu estou ignorando, obviamente, o fato de que o liquido do Lago Michigan fosse, naturalmente, somente água em 1950). Modifiquemos agora nossa história de ficção científica. Eu não sei se alguém pode fazer caçarolas e panelas de molibdênio; e se alguém pode fazê-las completamente de molibdênio, não sei se elas podem ser distinguidas facilmente das caçarolas e panelas de alumínio. (Eu não sei nada mesmo, ainda que tenha adquirido a palavra “molibdênio”). Assim, eu suporei que caçarolas e panelas de molibdênio só podem ser distinguidas de caçarolas e panelas de alumínio por um especialista. (Para enfatizar o interesse, eu repito que isto poderia ser verdadeiro para tudo o que sei, e a fortiori poderia ser verdadeiro para tudo o que sei em virtude de “conhecer o significado” das palavras alumínio e molibdênio). Nós iremos supor que molibdênio é comum na Terra Gêmea como é o alumínio na Terra. Em particular, iremos assumir que caçarolas e panelas de “alumínio” são feitos de molibdênio na Terra Gêmea. Finalmente, assumiremos que as palavras “alumínio” e “molibdênio” são “ comutadas” na Terra Gêmea: “alumínio” é o nome de molibdênio e “molibdênio” é o nome de alumínio. Este exemplo partilha algumas características com o exemplo anterior. Se uma espaçonave da Terra visitou a Terra Gêmea, os visitantes da Terra provavelmente não suspeitariam que caçarolas e panelas de “alumínio” na Terra Gêmea fossem feitos de alumínio, especialmente quando os terráqueos gêmeos dissessem que eram. Mas existe uma
10
importante diferença entre os dois casos. Um metalúrgico terráqueo poderia dizer facilmente que o alumínio era “molibdênio”. (As aspas na sentença precedentes indicam usos dos terráqueos gêmeos). Enquanto em 1750 ninguém na Terra ou na Terra Gêmea poderia distinguir água de "água", a confusão com alumínio e “alumínio” envolve somente uma parte das comunidades linguísticas envolvidas. O exemplo toca o mesmo ponto do exemplo precedente. Oscar 1 e Oscar 2 são falantes padrões do inglês da Terra e do inglês da Terra Gêmea, respectivamente, e nenhum deles é químico ou metalúrgico sofisticado, então não pode haver diferenças em seus estados psicológicos quando eles usam a palavra “alumínio”; apesar disso, diremos que “alumínio” tem a mesma extensão que alumínio no idioleto de Oscar 1 e a extensão molibdênio no idioleto de Oscar 2. (Também diremos que Oscar 1 e Oscar 2 significam coisas diferentes por “alumínio”, que “alumínio” tem diferentes significados na Terra e na Terra Gêmea, etc.). Novamente, vemos que o estado psicológico do falante não determina a extensão da palavra ( ou do significado, falando pré-analiticamente). Antes de discutir este exemplo adiante, deixe-me introduzir um exemplo científico ( não ficção). Suponha que você seja como eu e não pode distinguir um olmo de uma faia. Nós ainda dizemos que a extensão de “olmo” em meu idioleto é a mesma que a extensão de “olmo” em qualquer outro idioleto, viz., o conjunto de todos os olmeiros, e que o conjunto de todas as árvores faia é a extensão de “faia” em nossos idioletos. Assim “olmo” em meu idioleto tem a mesma extensão de “faia” em seu idioleto (como é o caso). É realmente crível que esta diferença em extensão tenha trazido alguma diferença em nossos conceitos? Meu conceito de olmo é exatamente o mesmo que meu conceito de faia (eu fico vermelho em confessar). (Isto mostra, a propósito, que a identificação do significado “no sentido de intensão” com conceito não pode estar correta). Se alguém heroicamente sustenta que a diferença entre a extensão de “olmo” e a extensão de “faia” em meu idioleto é explicada pela diferença em meu estado psicológico, então podemos sempre refutá-lo construindo um exemplo “Terra Gêmea” – apenas sejam as palavras “olmo” e “faia” comutadas na Terra Gêmea (o modelo “alumínio” e “molibdênio” foi o exemplo prévio). Além disso, eu suponho ter um Doppelgänger na Terra Gêmea que é molécula por molécula “idêntico” comigo (no sentido em que duas gravatas podem ser “idênticas”). Se você é um dualista, então suponha que meu Doppelgänger pensa o mesmo que eu ao verbalizar pensamentos, que tem os mesmos dados dos sentidos, as mesmas disposições, etc. É absurdo pensar seu estado psicológico um pouco diferente do meu: outra vez, ele “significa” faia quando diz “olmo”, e eu “significo” olmo quando digo “faia”. Corte a torta do jeito que você quiser, mas significados não estão na cabeça! 5. Uma hipótese sociolinguística
Os últimos dois exemplos dependem de um fato da linguagem que, surpreendentemente, parece nunca ter sido considerado: existe divisão do trabalho linguístico Dificilmente podemos usar palavras tais como “olmo” e “alumínio” se ninguém possuísse uma maneira de reconhecer olmos e alumínios; mas nem todos, para os quais a distinção é importante, têm a habilidade de fazer a distinção. Mudemos o exemplo: consideremos ouro. Ouro é importante por muitas razões: é um metal precioso, tem valor monetário, tem valor simbólico (é
11
importante para muitas pessoas que a aliança de “ouro de casamento” que usam realmente consista de ouro e não apenas pareça ser ouro), etc. Considere nossa comunidade como uma “fábrica”: nesta “fábrica” algumas pessoas têm o “trabalho” de portar anéis de ouro de casamento, outras pessoas têm o “trabalho” de vender anéis de ouro de casamento e outras pessoas ainda têm o trabalho de dizer se algo é ou não realmente ouro . Não é necessário, nem eficiente, que todos portem um anel de ouro (ou uma abotoadura de ouro, etc.), ou discutam o “padrão ouro”, etc., ou ocupem-se em comprar e vender ouro. Nem é necessário, nem eficiente, que todos que compram e vendem ouro sejam hábeis em dizer se algo é ou não realmente ouro numa sociedade em que esta forma de desonestidade é incomum (vender ouro falsificado) e na qual se pode facilmente consultar um especialista em caso de dúvida. E certamente não é necessário, nem eficiente, que todos aqueles que têm a oportunidade de comprar ou portar ouro sejam hábeis a dizer com alguma confiabilidade se algo é ou não realmente ouro. Os fatos precedentes são apenas exemplos da divisão mundana de trabalho (num sentido lato). Mas eles engendram uma divisão do trabalho linguístico: todos, para os quais ouro é importante por alguma razão, têm que adquirir a palavra “ouro”; mas não têm que adquirir o método de reconhecer se algo é ouro ou não. Isso pode ser deixado a uma subclasse especial de falantes. Todas as características que são geralmente pensadas estar presentes em conexão com um nome geral – condições necessárias e suficientes para pertencer a uma extensão, modos de reconhecer se algo está na extensão (“ criteria”), etc. – estão presentes na comunidade linguística considerada como um corpo coletivo ; mas o corpo coletivo divide o “trabalho” de conhecer e empregar estas várias partes do “significado” de “ouro”. Esta divisão do trabalho linguístico fundamenta-se na divisão do trabalho não linguístico e a pressupõe. Se apenas as pessoas que sabem como dizer se algum metal é realmente ouro, ou não, têm alguma razão para ter a palavra “ouro” em seus vocabulários, então a palavra “ouro” será como a palavra "água" foi em 1750 com respeito à subclasse de falantes, e os outros falantes apenas não querem adquiri-la de qualquer modo. E algumas palavras não exibem qualquer divisão de trabalho linguístico: “cadeira”, por exemplo. Mas com o crescimento da divisão de trabalho na sociedade e o aparecimento da ciência, mais e mais palavras começam a exibir este tipo de divisão do trabalho. "Água", por exemplo, não exibe, de qualquer modo, nenhuma anterioridade para o aparecimento da química. Hoje é obviamente necessário para todo falante ser capaz de reconhecer água (com confiança, sob condições normais), e provavelmente todo falante adulto reconhece as condições necessárias e suficientes de que "água é H 2O" mas somente uma quantidade de adultos pode distinguir água de líquidos que superficialmente se assemelham à água. No caso de dúvida, outros falantes confiariam nos julgamentos destes falantes “especialistas”. Assim o modo de reconhecer que estes “especialistas” possuem, através deles, torna-se patrimônio do corpo coletivo linguístico, mesmo que não seja o modo de reconhecer de cada membro do corpo, e desta maneira o fato mais raro sobre a água pode tornar-se parte do significado social da palavra enquanto for desconhecido para a maioria dos falantes que adquire a palavra. Parece-me que este fenômeno da divisão do trabalho linguístico é muito importante para uma investigação da sociolinguística Para tanto, gostaria de propor a seguinte hipótese:
12
HIPÓTESE DA UNIVERSALIDADE DA DIVISÃO DO TRABALHO LINGUÍSTICO: Toda comunidade exemplifica o tipo de divisão do trabalho linguístico descrito: isto é, possui pelos menos alguns termos aos quais os “criteria” associados são conhecidos apenas para um subconjunto de falantes que adquirem os termos, e cujo uso por outros falantes depende de uma cooperação sub-estruturada entre termos e falantes em subconjuntos relevantes. Seria interessante, em particular, descobrir se povos extremamente primitivos apresentam, algumas vezes, exceções a esta hipótese (que poderia indicar que a divisão é um produto da evolução social), ou se a exibem. No último caso, pode-se conjeturar que a divisão do trabalho, inclusive do trabalho linguístico, é um traço fundamental de nossa espécie. É fácil ver como este fenômeno dá conta de alguns dos exemplos dados acima da falha das pressuposições (1) e (2). Sempre que um termo está sujeito à divisão do trabalho linguístico, um falante “mediano” que o adquire, não adquire nada que fixa sua extensão. Em particular, seu estado psicológico individual certamente não fixa a extensão; é somente o estado sociolinguístico do corpo linguístico coletivo ao qual o falante pertence que fixa a extensão. Nós podemos resumir esta discussão indicando que existem dois tipos de ferramentas no mundo: existem ferramentas como um martelo ou uma chave de fenda que podem ser usadas por qualquer pessoa; e existem ferramentas como um navio a vapor, que requerem a atividade cooperativa de um número de pessoas para serem usadas. Palavras têm sido pensadas em demasia no modelo do primeiro tipo de ferramenta. 6. Indexicalidade e Rigidez 6
O primeiro de nossos exemplos de ficção científica - "água" na Terra e na Terra Gêmea em 1750 não envolve a divisão do trabalho linguístico, ou pelo menos não a envolve da mesma maneira que os exemplos de “alumínio” e “olmo”. Não havia (na nossa história) quaisquer “especialistas” em água na Terra em 1750, nem quaisquer especialistas em "água" na Terra Gêmea. (O exemplo, entretanto, pode ser construído para envolver a divisão do trabalho através do tempo. Eu não desenvolverei aqui esta maneira de tratar o exemplo). O exemplo envolve coisas de fundamental importância à teoria da referência e também à teoria da verdade necessária, que agora discutiremos. Existem duas maneiras óbvias de dizer para alguém o que nós significamos por meio de um termo de espécie natural tal como "água", ou “tigre”, ou “limão”. Pode-se dar a chamada definição ostensiva – “este (liquido) é água”; “este (animal) é tigre”; “esta (fruta) é limão”; na qual os parênteses são usados para indicar os “marcadores” líquido, animal e fruta, que podem ser explícitos ou implícitos. Ou se pode dar uma descrição. No último caso, a descrição dada consiste tipicamente de uma ou mais marcas junto com um estereótipo 7 – uma descrição padronizada das características da espécie que são típicas, ou “normais” ou, por 6
O conteúdo desta seção foi apresentado numa série de conferências que dei na University of Washington (Summer Institute in Philosophy) em 1968, e numa conferência na University of Minnesota.
13
qualquer razão, estereotípica. As características centrais do estereótipo geralmente são os criteria – características que, em situações normais, constituem modos de reconhecer se a coisa pertence à espécie ou, pelo menos, condições necessárias (ou condições probabilísticas necessárias) para pertencer à espécie. Nem todos os criteria usados pela comunidade linguística, enquanto corpo coletivo, estão incluídos no estereótipo e, em alguns casos, os estereótipos podem ser muito fracos. Assim (a menos que eu seja um falante muito atípico), o estereótipo de um olmo é apenas aquele de uma árvore antiga comum. Estas características são, de fato, condições necessárias para pertencer à espécie (eu digo “necessárias” no sentido vago; eu não penso que “olmos são árvores antigas” seja analítico), mas elas estão longe de constituir uma maneira de reconhecer olmos. De outro lado, o estereótipo de um tigre nos habilita a reconhecer tigres (a menos que ele seja albino, ou está presente alguma outra circunstância atípica), e o estereótipo de um limão geralmente nos habilita a reconhecer limões. No caso extremo, o estereótipo pode ser apenas o marcador: o estereótipo de molibdênio pode ser apenas o fato de que molibdênio é um metal . Consideremos ambas as maneiras de introduzir um termo no vocabulário de alguém. Suponha que eu aponto um copo de liquido e diga “ isto é água”, a fim de ensinar a alguém a palavra "água". Nós já descrevemos algumas das pressuposições deste ato, e o modo pelo qual esta espécie de explanação do significado pode ser frustrada. Tentemos agora clarificar como considerar este ato. No que se segue, tomaremos a noção de “mundo possível” como primitiva. Fazemos isto porque sentimos que, de vários modos, a noção faz sentido e é cientificamente importante mesmo que seja necessário fazê-la mais precisa. Assumiremos posteriormente que, em pelo menos alguns casos, é possível falar de algum indivíduo existindo em mais de um mundo 8. Nossa discussão inspira-se fortemente no trabalho de Saul Kripke, embora as conclusões fossem obtidas independentemente. Sejam W 1 e W 2 dois mundos possíveis nos quais eu exista e nos quais este copo existe e nos quais eu estou dando uma explicação do significado, apontando para este copo e dizendo “isto é água”. (Eu não assumo que o liquido no copo é o mesmo nos dois mundos). Suponhamos que em W 1 o copo está cheio de H 2O e no mundo W 2 o copo está cheio de XYZ. Também suponhamos que W 1 é o mundo real e que XYZ é a matéria-prima tipicamente chamada “água” no mundo W 2 (desse modo a relação entre falantes do inglês em W 1 e falantes do inglês em W 2 é exatamente a mesma relação entre falantes do inglês na Terra e falantes do inglês na Terra Gêmea). Assim, pode haver duas teorias acerca do significado de “água”:
1. Pode ser verdadeiro que “água” fosse relativa a um mundo, mas constante em significado (isto é, a palavra tem um significado relativo constante). Nesta teoria, “água” significa o mesmo em W 1 e W 2; apenas água é H 2O em W 1 e água é XYZ em W 2.
7
Veja meu “Is Semantic Possible?”, em H. E. Kiefer e M. K. Munitz, eds., Language, Belief, and Metaphysics (Albany, NY: State University of New York Press, 1970). 8 Esta pressuposição não é realmente necessária no que segue. O que é necessário é que a mesma espécie natural possa existir em mais de um mundo possível.
14
2. Pode ser verdadeiro que água é H 2O em todos os mundos (a matéria-prima chamada “água” em W 2 não é água), mas “água” não tem o mesmo significado em W 1 e W 2. Se o que foi dito antes sobre o caso Terra Gêmea for correto, então (2) é naturalmente a teoria correta. Quando eu digo “ isto (o liquido) é água”, o “isto” é, por assim dizer, um “isto” de re, isto é, a força de minha explanação é que "água" é tudo o que preenche uma determinada relação de equivalência (a relação que chamamos mesmo-L) com a porção de liquido referida a “isto” no mundo real . Nós poderíamos simbolizar a diferença entre as duas teorias como a diferença de “escopo” da seguinte maneira. Na teoria (1), é verdadeiro o seguinte: (1’) (Para todo mundo W) (Para todo x em W) (x é água = x preenche a relação mesmo-L à entidade referida a “isto” em W) enquanto na teoria (2): (2’) (Para todo mundo W) (Para todo x em W) (x é água = x preenche a relação mesmo-L à entidade referida como “isto” no mundo real W 1) (Eu chamo diferença de “escopo” porque em (1’) “a entidade referida como ‘isto’” está no interior do escopo de “Para todo mundo W” – como a expressão “em W” deixa explícito, enquanto em (2’) “a entidade referida a ‘isto’” significa “a entidade referida a ‘isto’ no mundo real ”, e tem assim a referência independente da variável ligada “W”). Kripke chama designador “rígido” (numa dada sentença) se (naquela sentença) se refere ao mesmo indivíduo em todo mundo possível no qual o designador designa. Se nós estendermos a noção de rigidez aos nomes de substâncias, então podemos expressar a teoria de Kripke e a minha dizendo que o termo "água" é rígido. A rigidez do termo "água" segue do fato de que quando eu dou a definição ostensiva “isto (liquido) é água” eu pretendo (2’) e não (1’). Podemos também dizer, seguindo Kripke, que quando eu dou a definição ostensiva “isto (liquido) é água”, o demonstrativo “isto” é rígido. Kripke foi o primeiro a observar que esta teoria do significado (ou do “uso”, ou do que seja) da palavra "água" (bem como outros termos de espécies naturais) tem consequências surpreendentes para a teoria da verdade necessária. Para explicá-la, introduzimos a noção de uma relação através dos mundos. Uma relação binária R será chamada através dos mundos quando é compreendida de tal modo que sua extensão é um conjunto de pares ordenados de indivíduos que não estão no mesmo mundo possível . Por exemplo, é fácil compreender a relação mesmo peso que como uma relação
15
através dos mundos: para compreender isto veja que, e.g., se x é um indivíduo no mundo W 1 que tem 1,50 m de altura (no mundo W 1) e y é um indivíduo no mundo W 2 que tem 1,50 m de altura (no mundo W 2), então o par ordenado pertence à extensão de mesma altura que. (Uma vez que um indivíduo pode ter alturas diferentes em diferentes mundos possíveis nos quais existe, estritamente falando não é o par ordenado que constitui um elemento da extensão de mesma altura que, mas o par ordenado x-no-mundo-W 1 , y-no-mundo-W 2). Similarmente, podemos entender a relação mesmo-L (mesmo liquido que) como uma relação através dos mundos compreendendo que o liquido no mundo W 1, que tem a mesmas propriedades físicas importantes (em W 1) que o liquido em W 2 possui (em W 2), preenche a relação mesmo-L com respeito ao último liquido Então a teoria que temos apresentado pode ser resumida dizendo que a entidade x, num mundo possível arbitrário, é água se, e somente se, preenche a relação mesmo-L (construída como uma relação através dos mundos) com a matéria-prima que nós chamamos "água" no mundo real . Suponha, agora, que eu ainda não tenha descoberto quais são as propriedades físicas importantes da água (no mundo real) – isto é, eu ainda não sei que água é H 2O. Eu posso ter maneiras de reconhecer água que são bem sucedidas (claro, posso fazer um pequeno número de erros que não serei capaz de detectar até um último estágio em nosso desenvolvimento científico) mas não sei a microestrutura da água. Se eu concordo que um liquido com as propriedades superficiais de “água” mas com diferente microestrutura realmente não pode ser água, então minhas maneiras de reconhecer água (minha “definição operacional” por assim dizer) não podem ser olhadas como uma especificação analítica de o que é ser água. Melhor, a definição operacional, como a definição ostensiva, é simplesmente o modo de apontar um padrão – apontar a matéria-prima no mundo real tal que para x ser água, em qualquer mundo, x preenche a relação mesmo-L com os membros normais da classe de entidades locais que satisfazem a definição operacional. “Água” na Terra Gêmea não é água, mesmo se satisfaz a definição operacional, porque não preenche a relação mesmo-L com a matéria-prima local que satisfaz a definição operacional, e a matéria-prima local que satisfaz a definição operacional, mas tem uma microestrutura diferente do resto da matéria-prima local que satisfaz a definição operacional também não é água, porque não preenche a relação mesmo-L com os exemplos normais da “água” local. Suponha, agora, que eu descubra a microestrutura da água – que água é H 2O. Neste momento estarei habilitado a dizer que a matéria-prima na Terra Gêmea que antes interpretei erradamente como água não era realmente água. Da mesma maneira, se você descreve, não outro planeta no universo real, mas outro universo possível na qual existe matéria-prima com a fórmula química XYZ que passa no “teste operacional” para água, teremos que dizer que a matéria-prima não é água, mas tão somente XYZ. Você não descreveu um mundo possível no qual “água é XYZ”, mas tão somente um mundo possível no qual existem lagos de XYZ, pessoas bebendo XYZ (e não água) ou o que quer que seja. De fato, uma vez que tenhamos descoberto a natureza da água, nada conta como um mundo possível no qual água não tem aquela natureza. Uma vez que tenhamos descoberto que água (no mundo real) é H 2O, nada conta como um mundo possível quando água não é H 2O. Em particular, se uma afirmação “logicamente possível” é aquela que vale em algum “mundo logicamente possível”, não é logicamente possível que água não seja H 2O.
16
Por outro lado, podemos perfeitamente imaginar ter experiências que poderiam convencer-nos de que (e que poderia ser racional acreditar que) água não é H2O. Neste caso, é concebível que água não seja H 2O. É concebível, mas não é logicamente possível. Ser concebível não é prova de possibilidade lógica. Kripke refere-se a sentenças que são racionalmente não revisíveis (assumindo que existam) como epistemicamente necessárias. Às sentenças que são verdadeiras em todos os mundos possíveis ele simplesmente refere-se como necessárias (ou, algumas vezes, “metafisicamente necessárias”). Nesta terminologia, a questão pode ser estabelecida como segue: uma sentença pode ser (metafisicamente) necessária e epistemicamente contingente. A intuição humana não tem acesso privilegiado à necessidade metafísica. Desde Kant houve uma grande divisão entre os filósofos que pensavam que todas as verdades necessárias eram analíticas e filósofos que pensaram que algumas verdades necessárias eram sintéticas a priori. Mas nenhum desses filósofos pensou que uma verdade (metafisicamente) necessária poderia deixar de ser a priori: a tradição kantiana foi tão culpada quanto a tradição empirista em igualar necessidade metafísica e epistêmica. Neste sentido, o desafio de Kripke à doutrina recebida foi para além da oscilação usual empirismo/kantismo. Entretanto, neste trabalho, nosso interesse é a teoria do significado, não a teoria das verdades necessárias. Aproximações relacionadas a Kripke foram feitas em termos da noção de indexicalidade 9. Palavras como “agora”, “isto”, “aqui”, já há algum tempo foram reconhecidas como indexicais, ou espécime-reflexivas (token-reflexive) – isto é, têm uma extensão que varia de contexto a contexto ou de espécime a espécime. Para estas palavras ninguém sugeriu a teoria tradicional de que “intensão determina a extensão”. Para tomar nosso exemplo da Terra Gêmea: se tenho um Doppelgänger na Terra Gêmea, então quando penso “eu tenho uma dor de cabeça”, ele pensa “eu tenho uma dor de cabeça”. Mas a extensão do espécime particular “eu” no seu pensamento verbalizado é ele mesmo (ou sua classe única, para ser preciso), enquanto a extensão do espécime “eu” em meu pensamento verbalizado sou eu (ou minha classe única, para ser preciso). Assim a mesma palavra “eu” tem duas diferentes extensões em dois diferentes idioletos, mas não se segue que o conceito que eu tenho de mim mesmo é de qualquer modo diferente do conceito que meu Doppelgänger tem de si mesmo. Assim sendo, temos sustentado que a indexicalidade estende-se obviamente para além das palavras indexicais e morfemas ( e.g ., os tempos dos verbos). Nossa teoria pode ser resumida dizendo que palavras, como "água", têm um componente indexical não mencionado: "Água" é a matéria-prima que preenche uma relação determinada de similaridade à água aqui em volta. Água, em outro tempo e em outro lugar ou mesmo em outro mundo possível, tem que preencher a relação mesmo-L para com nossa "água" a fim de ser água. Portanto, a teoria (1) de que palavras têm “intensões” que às vezes são conceitos associados com as palavras dos falantes; e (2) que intensão determina extensão, não pode ser verdadeira de palavras de espécies naturais como "água" pela mesma razão que a teoria não pode ser verdadeira de palavras obviamente indexicais como “eu”. Entretanto, a teoria de que palavras de espécies naturais são indexicais, como "água", deixa em aberto dizer que "água" no dialeto da Terra Gêmea tem o mesmo significado que "água" no dialeto da Terra e uma extensão diferente (que é o que normalmente dizemos sobre 9
Estas aproximações foram feitas em minhas conferências de 1968 na University of Washington e University of Minnesota.
17
“eu” em diferentes idioletos), e por isso mesmo desiste da doutrina de que “significado (intensão) determina extensão”; ou dizer, como escolhemos fazer, que diferença de extensão é ipso facto uma diferença no significado de palavras de espécies naturais, e por isso mesmo desiste da doutrina de que significados são conceitos, ou, obviamente, entidades mentais de algum tipo. Todavia, para ser claro, a doutrina de Kripke de que palavras de espécies naturais são designadores rígidos e nossa doutrina de que são indexicais são duas maneiras de fazer a mesma coisa. Nós amavelmente endossamos o que Kripke disse quando escreveu: Suponhamos que fixamos a referência de um nome por uma descrição. Mesmo se assim fazemos, não fazemos o nome sinônimo da descrição, mas, ao invés disso, usamos o nome rigidamente para referir ao objeto assim nomeado, ainda que falando em situações contrafactuais, em que a coisa nomeada poderia não satisfazer a descrição em questão. Ora, aquilo que penso é de fato verdadeiro para aqueles casos dos nomes em que a referência é fixada por descrição. Mas, de fato, também penso, contrariamente à maioria dos recentes teóricos, que a referência de nomes é raramente fixada, ou mesmo nunca fixada, por meio da descrição. E, por isso, eu realmente não entendo o que Searle diz: “Não é uma descrição única, mas antes um feixe, uma família de propriedades que fixa a referência”. Eu entendo que propriedades, neste sentido, nunca são usadas 10. 7. Sejamos realistas
Desejo agora contrastar minha visão com uma que é popular, pelo menos entre os estudantes (parece acontecer espontaneamente). Para esta discussão, tomemos como nosso exemplo uma palavra de espécie natural, a palavra ouro. Nós não faremos distinção entre “ouro” e as palavras cognatas em grego, latim, etc. e focaremos “ouro” no sentido de ouro no estado sólido. Com esta compreensão, sustentamos que: “ouro” não mudou em extensão (ou não modificou significativamente) em dois mil anos. Nossos métodos de identificar ouro foram se desenvolvendo para métodos incrivelmente sofisticados. Mas a extensão de crus no dialeto grego de Arquimedes é a mesma extensão de ouro em meu dialeto de inglês. É possível (e suporemos ser o caso) que existiram peças de metal que não poderiam ter sido afirmadas não ser ouro antes de Arquimedes; assim existiram peças de metal que não poderiam ter sido afirmadas não ser ouro nos dias de Arquimedes, mas que podem ser distinguidas de ouro muito facilmente com técnicas modernas. Seja X tal peça de metal. Naturalmente X não pertence à extensão de “ouro” no inglês padrão; minha visão é que não pertencia à extensão de “ crus” na Grécia Ática também, embora um grego antigo pudesse equivocar-se em tomar X por ouro (ou melhor, crus). A visão alternativa é que “ouro” significa qualquer coisa que satisfaça a “definição operacional” contemporânea de ouro. “Ouro”, uma centena de anos atrás, significou satisfazer a “definição operacional” de ouro em uso uma centena de anos atrás; “ouro”, agora, significa 10
Veja “Identity and Necessity” de Kripke em M. Munitz, ed., Identity and Individuation (New York: New York University Press, 1972), p.157.
18
satisfazer a definição operacional de ouro em uso em 1973; e “ crus” significou satisfazer a definição operacional em uso de crus da época. Um motivo comum para adotar este ponto de vista é um determinado ceticismo sobre a verdade. Na visão que estou defendendo, quando Arquimedes afirmou que algo fosse ouro (crus) ele não estava apenas dizendo que tinha características superficiais de ouro (de fato, em casos excepcionais, algo pode pertencer a uma espécie natural e não ter as características superficiais de um membro daquele tipo natural); ele estava dizendo que tinha a mesma estrutura invisível geral (a mesma “essência”, assim dizendo) que qualquer peça de ouro local. Arquimedes poderia ter dito que nossa peça hipotética do metal X era ouro, mas ele poderia estar errado. Mas quem pode dizer que ele poderia estar errado? A resposta óbvia é: nós poderíamos (usando a melhor teoria hoje disponível). Para muitas pessoas ou a questão ( quem diria?) é chatice, e nossa resposta não é chatice, ou nossa resposta é chatice e a questão não é chatice. Por quê isto? A razão, eu creio, é que as pessoas tendem a ser ou fortemente antirrealistas ou fortemente realistas em suas intuições. Para uma intuição fortemente antirrealista faz pouco sentido dizer que o que está na extensão do termo “ crus” de Arquimedes é determinado usando nossa teoria. Pois o antirrealista não vê nossa teoria e a teoria de Arquimedes como duas descrições aproximadamente corretas do mesmo reino fixado de entidades independentes de teoria, e ele tende a ser cético sobre a ideia de “convergência” na ciência – ele não pensa que nossa teoria é uma descrição melhor das mesmas entidades que Arquimedes estava descrevendo. Mas se nossa teoria é apenas nossa teoria, então usá-la para decidir que X está ou não na extensão de “ crus” é tão arbitrário como usar a teoria Neandertal para decidir que X está ou não na extensão de “ crus”. A única teoria que não é arbitrária para usar é aquela que o próprio falante subscreve. O problema é que, para um antirrealista rigoroso, verdade não faz sentido exceto como uma noção intrateórica 11. O antirrealista pode usar a verdade intrateórica no sentido de uma “teoria redundante”; mas ele não tem as noções de verdade e referência disponíveis extrateoricamente. Mas extensão está ligada à noção de verdade . A extensão de um termo é exatamente aquilo para o qual o termo é verdadeiro. Melhor que tentar reter a noção de extensão através de um operacionalismo embaraçoso, o antirrealista deveria rejeitar a noção de extensão, tal como ele faz com a noção de verdade (em qualquer sentido extrateórico). Como Dewey, por exemplo, ele pode voltar à noção de “assertibilidade garantida” no lugar de verdade (relativizada ao método científico, se ele pensa existir um método científico fixado, ou para o melhor método disponível no tempo, se ele concorda com Dewey que o método científico desenvolve-se por si mesmo). Então ele pode dizer que “X é ouro ( crus)” foi uma asserção garantida no tempo de Arquimedes e não é uma asserção garantida hoje (de fato, esta é a afirmação mínima, no sentido de que representa o mínimo em que o realista e o antirrealista podem concordar), mas a asserção de que X estava na extensão de “ crus” será rejeitada como sem significado, assim como seria rejeitada a asserção de que “X é ouro (crus)” era verdadeira. É bem conhecido que o operacionalismo ingênuo não pode dar conta, com sucesso, do uso real dos termos científicos ou do senso comum. Versões relaxadas do operacionalismo, 11
Para uma discussão desta questão, veja “Explanation and Reference”, em G. Pearce e P. Maynard, eds. Conceptual Change (Dordrecht: Reidel, 1973).
19
como a versão de Carnap da teoria de Ramsey, se não dão conta, concordam com o uso científico real (principalmente por causa das versões relaxadas do acordo com qualquer uso possível!), mas às custas de fazer a comunicabilidade de resultados científicos um milagre. Para além disso, o fato é que os cientistas usam termos como se os criteria associados não fossem condições necessárias e suficientes , mas aproximadamente caracterizações corretas de algum mundo de entidades independentes da teoria, e falam como se as últimas teorias na ciência madura fossem, em geral, melhores descrições das mesmas entidades que nas antigas teorias. Em minha opinião, a hipótese de que isto é correto é a única hipótese que pode responder pela comunicabilidade dos resultados científicos, pelo fechamento de teorias científicas aceitáveis sob a lógica de primeira ordem, e por muitas outras características do método científico 12. Mas não é minha tarefa argumentar isto aqui. Minha questão é que, se nós estamos usando as noções de verdade e extensão de uma maneira extrateórica (isto é, olhando estas noções como definidas para sentenças bem assentadas na linguagem de outras teorias, mais do que na nossa própria teoria), então devemos aceitar a perspectiva realista às quais estas noções pertencem. A dúvida acerca de se nós podemos dizer que X não está na extensão de “ouro” tal como Jonas o usou é a mesma dúvida que aquela de saber se faz sentido pensar a sentença de Jonas, “X é ouro”, como verdadeira ou falsa (e não apenas “asserção garantida por Jonas e asserção não garantida para nós”). Enquadrar a noção de verdade, que é essencialmente uma noção realista, com algum preconceito antirrealista adotando uma teoria indefensável de significado é não progredir. Um segundo motivo para adotar uma abordagem operacional extrema é uma aversão a hipóteses não verificáveis. À primeira vista pode parecer como se estivéssemos dizendo que “X é ouro ( crus)” fosse falso no tempo de Arquimedes embora Arquimedes não pudesse em princípio saber que fosse falso. Mas esta não é exatamente a situação. O fato é que existe uma quantidade de situações que nós podemos descrever (usando a teoria verdadeira que nos diz que X não é ouro) na qual X poderia ter-se comportado de modo muito diferente do resto da matéria-prima classificada por Arquimedes como ouro. Talvez X pudesse ser separada em dois diferentes metais quando fundida, ou poderia ter diferentes propriedades de condutividade, ou poderia vaporizar-se numa temperatura diferente, ou o que quer que seja. Se nós tivéssemos feito os experimentos com os olhos de Arquimedes, ele poderia não ter sabido a teoria, mas poderia ter sido capaz de checar a regularidade empírica de que “X comporta-se diferentemente do resto da matéria-prima classificada como crus em muitos aspectos”. Eventualmente ele poderia ter concluído que “X não podia ser ouro”. A questão é que mesmo se algo satisfaz os criteria usados para identificar ouro num determinado tempo (isto é, reconhecer se algo é ouro), poderia comportar-se diferentemente em uma ou mais situações do resto da matéria-prima que satisfaz os criteria. Estes não podem provar que algo não é ouro, mas levantam a hipótese de que pode não ser ouro, mesmo na ausência da teoria. Agora, se vamos informar para Arquimedes que ouro tem tais e tais estruturas moleculares (exceto para X), e que X comporta-se diferentemente porque tem uma estrutura molecular diferente, existe alguma dúvida de que ele concordaria conosco de que X não era ouro? Em qualquer caso, parece-me ridículo preocupar-se por causa de coisas que podem ser verdadeiras (num dado tempo) e não podem ser verificadas (naquele tempo). Em qualquer visão razoável, seguramente existem coisas que são verdadeiras e não podem ser 12
Para uma discussão brilhante de algumas dessas questões, veja de R. Boyd “Realism and Scientific Epistemology” (não publicado: cópia xerox distribuída pelo autor, Cornell Department of Philosophy).
20
verificadas em qualquer tempo. Por exemplo, suponha que existam infinitas estrelas duplas. Deveríamos ser capazes de verificar isto, mesmo em princípio?13 Até agora lidamos com as razões metafísicas para rejeitar nossa abordagem. Mas alguém poderia discordar de nós dos fatos empíricos acerca das intenções dos falantes. Isto poderia ser o caso se, por exemplo, alguém pensasse que Arquimedes (no Gedankenexperiment descrito acima) dissesse: “não é questão se X não age diferentemente de outras peças de ouro; X é uma peça de ouro, porque X tem tais e tais propriedades e que são todas tomadas como ouro”. De fato, enquanto não se determinar que palavras de espécies naturais na Grécia Antiga têm as propriedades das palavras correspondentes no inglês de hoje, não pode haver dúvidas sérias acerca das propriedades do ouro. Se colocarmos preconceitos filosóficos à parte, então acredito que bem poderíamos perfeitamente saber que nenhuma definição operacional proporciona uma condição necessária e suficiente para a aplicação de qualquer palavra. Podemos dar uma “definição operacional”, ou um feixe de propriedades, ou o que seja, mas a intenção nunca é “fazer o nome sinônimo da descrição”. Melhor, “nós usamos o nome rigidamente” para nos referirmos a coisas que partilham a natureza que normalmente possuem as coisas que satisfazem a descrição. 8. Outros sentidos
O que analisamos até agora é o sentido predominante de palavras de espécies naturais (ou melhor, a extensão predominante). Mas palavras de espécies naturais possuem, normalmente, vários sentidos. (Ziff já sugeriu que elas possuem um continuum de sentidos). Parte disto pode ser explicado com base na nossa teoria. Ser água, por exemplo, é preencher a relação mesmo-L com determinadas coisas. Mas o que é a relação mesmo-L? X preenche a relação mesmo-L com y apenas nos casos em que (1) x e y são ambos líquidos, e (2) x e y concordam em propriedades físicas importantes. O termo “liquido” é, por si mesmo, um termo de espécie natural que não tentaremos analisar aqui. O termo “propriedade” é um termo de largo espectro que analisamos em trabalhos anteriores. O que queremos enfocar agora é a noção de ser importante. Ser importante é uma noção de interesse relativo. Normalmente as propriedades “importantes” de um liquido ou sólido, etc., são aquelas que são estruturalmente importantes: as que especificam do que o liquido ou sólido, etc., é feito, ao final das contas – partículas elementares, ou hidrogênio e oxigênio, ou terra, ar, fogo, água, ou o que seja – e como eles estão arranjados ou combinados para produzir as características superficiais. Deste ponto de vista, as características de uma porção típica de água consistem de H 2O. Mas pode ser importante falar que existam impurezas; assim, num contexto, “água” pode significar água quimicamente pura, enquanto noutro pode significar a matéria prima do Lago Michigan. E um falante pode, às vezes, referir-se a XYZ como água, se está usando-o como água. De novo, normalmente é importante que água seja o estado 13
Veja meu “Logical Positivism and the Philosophy of Mind” em P. Achinstein, ed., The Legacy of Logical Positivism (Baltimore: John Hopkins Press, 1969); e também meu “Degree of Confirmation and Inductive Logic”, em P. A. Schilpp, ed., The Philosophy of Rudolf Carnap (La Salle, IL: Open Court, 1962) e meu “Probability and Confirmation” (programa de rádio para a Série Filosofia da Ciência da Voz da América, Primavera, 1963); reimpresso em A. Danto e S. Morgenbesser, eds., Philosophy of Science Today (New York: Basic Books, 1967).
21
líquido; mas algumas vezes isto não tem importância, e alguém pode referir-se a uma única molécula de H 2O como água, ou à água a vapor como água (“água no ar”). Mesmo alguns sentidos que até agora deviam ser olhados como pouco “desviantes”, podem preencher a relação definida em um sentido preciso. Por exemplo, posso dizer “você viu os limões” significando os limões de plástico. Um caso menos desviante é esse: nós descobrimos “tigres” em Marte. Isto é, eles se parecem com tigres, mas têm uma química baseada em silicone, no lugar de uma química baseada em carbono. (Um exemplo notável de evolução paralela!). São os “tigres” marcianos tigres? Depende do contexto. No caso desta teoria, como no caso de qualquer teoria que é assimétrica à maneira que as pessoas têm pensado previamente, incompreensões estão fadadas a aparecer. O que já apareceu é o seguinte: um crítico tem sustentado que o sentido predominante de, digamos, “limão” é aquele no qual alguma coisa com as características superficiais de limão (um número suficiente) é limão. O mesmo crítico sugeriu que ter a estrutura invisível – o código genético – de um limão é necessário para ser um limão somente quando “limão” é usado como um termo da ciência. Ambas as contestações parecem-me permanecer num malentendido, ou, talvez num par de mal-entendidos complementares. O sentido literal, no qual qualquer coisa com as características superficiais de um limão é necessariamente um limão, longe de ser o caso dominante, é extremamente desviante. Assim, algo poderia ser um limão se fosse visto como limão, com gosto de um limão, mesmo que tivesse uma química baseada em silicone, por exemplo, ou mesmo se um microscópio eletrônico revelasse ser uma máquina. (Mesmo se incluirmos o crescimento “como um limão” nas características superficiais, isso não exclui o limão siliconado, se existirem “limoeiros” em Marte. Nem mesmo exclui o limão-máquina; o limoeiro pode ser uma máquina também!). Ao mesmo tempo, o sentido no qual ser um limão tem algo a ver com o código genético de um limão, não é o mesmo que o sentido técnico, (se existe um, o que eu duvido). Eu tomo o sentido técnico como se “limão” fosse sinônimo de uma descrição especificada do código genético. Mas quando nós dizemos (para mudar o exemplo) que algo para ser água tem que ser H2O, nós não significamos, como já deixamos claro, que o falante deve saber disso. É somente se confundirmos necessidade metafísica com necessidade epistêmica que se pode concluir que as condições de verdade (metafisicamente necessárias) de ser água é ser H 2O, e então "água" deve ser sinônimo de H 2O – neste caso é certamente um termo de ciência. E similarmente, mesmo através do sentido predominante de “limão”, no qual para algo ser um limão tem que ter o código genético de limão (eu acredito), não se segue que “limão” é sinônimo de uma descrição que especifica explicitamente o código genético ou qualquer outra coisa. A confusão de pensar que existe um sentido importante de “limão” (talvez o predominante), no qual ter as características superficiais de um limão é, pelo menos, suficiente para ser um limão, é mais plausível se, entre as características superficiais, se inclui ter fertilização cruzada com limões . Mas a característica de ter fertilização cruzada com limões pressupõe a noção de ser um limão. Assim, mesmo se se puder obter uma condição suficiente desta forma, tomar isto como inconsistente com a caracterização oferecida aqui é cair num círculo vicioso. Além disso, a caracterização em termos de limão, pressupõe “características superficiais” (como ser fértil no cruzamento com limões), não condições de verdade que poderiam habilitar-nos a decidir que objetos em outros mundos possíveis (ou que
22
objetos, um milhão de anos atrás, ou que objetos um milhão de anos-luz daqui) são limões. (Além disso, não penso que esta caracterização, que é circular, seja correta, mesmo como condição suficiente. Eu penso que se poderiam inventar casos nos quais, algo que não fosse um limão, fosse fértil no cruzamento com limões e olhado como limão, etc.). Novamente, se pode tentar excluir o caso de limões-máquinas (máquinas-limões?) com “crescimento” em limoeiros-máquina (máquinas-limoeiro?) dizendo que “crescer” não é realmente crescer . O que é correto; mas é correto porque crescer é um verbo de espécies naturais, e precisamente o tipo de abordagem que nós temos apresentado se aplica a ele. Outro mal-entendido que poderia ser evitado é o seguinte: tomar a abordagem que desenvolvemos como implicando que os membros da extensão de uma palavra de espécie natural necessariamente têm uma estrutura invisível comum. Poder-se-ia apresentar porções de liquido que chamamos “água” sem características físicas comuns exceto as superficiais. Em tal caso, as condições necessárias e suficientes para ser “água” poderiam ser a posse suficiente de muitas das características superficiais. Incidentemente, a última afirmação não implica que água poderia falhar em ter uma estrutura invisível (ou que água poderia ter sido qualquer coisa exceto H 2O). Quando dizemos que poderia ser apresentada água sem estrutura invisível, o que queremos dizer é que o liquido sem estrutura invisível (isto é, muitos diferentes tipos de líquidos, sem nada em comum exceto características superficiais) poderia ser olhado como água, ter gosto de água, e ter preenchido os lagos, etc. que são realmente cheios de água. Para encurtar, poderíamos ter estado na mesma situação epistemológica com respeito a um liquido sem nenhuma estrutura invisível por um certo tempo, como se o liquido fosse realmente água. Compare isto com Kripke acerca da “estante feita de gelo” 14. Há, de fato, muitos desses casos. Por exemplo, algumas doenças têm apresentado não ter estrutura invisível (a única coisa que o paradigma dos casos têm em comum é um feixe de sintomas), enquanto outras têm uma estrutura comum no sentido de uma etiologia ( e.g . tuberculose). Algumas vezes, ainda não sabemos; existe uma controvérsia ainda pairando sobre o caso de esclerose múltipla. Um caso interessante é o caso do jade. Embora os chineses não reconhecessem a diferença, o termo “jade” aplica-se a dois minerais: jadeíta e nefrita. Quimicamente, existe uma notável diferença. Jadeíta é uma combinação de sódio e alumínio. Nefrita é feito de cálcio, magnésio e ferro. Essas duas microestruturas muito diferentes produzem as mesmas qualidades de texturas únicas! Voltemos ao exemplo da Terra Gêmea, por um momento; se H 2O e XYZ fossem abundantes na Terra, então deveriam ser um caso similar a jadeíta/nefrita: seria correto dizer que existem dois tipos diferentes de “água” . No lugar de dizer “a matéria-prima na Terra Gêmea apresentada não era realmente água”, deveríamos dizer “a matéria prima na Terra Gêmea apresentada era XYZ, um tipo de água”. Resumindo tudo: se existe uma estrutura invisível, então esta geralmente determina o que é ser um membro da espécie natural, não apenas no mundo real, mas em todos os mundos possíveis. Posto de outro modo, determina o que pode, ou não pode, ser contrafactual supor sobre a espécie natural (“água poderia ser inteiramente vapor?” sim / “água poderia ser XYZ” 14
Veja “Identity and Necessity” de Kripke.
23
não). Mas a água local, ou o que seja, poder ter duas ou mais estruturas invisíveis – ou, então, muitas “estruturas invisíveis” torna-se irrelevante, e características superficiais tornam-se as decisivas. 9. Outras palavras
Até agora temos usado apenas palavras de espécies naturais como exemplo; mas as considerações que temos feito aplicam-se também a muitos outros tipos de palavras. Aplica-se à grande maioria dos nomes bem como a outras partes do discurso. Consideremos, por um momento, os nomes de artefatos – palavras como “lápis”, “cadeira”, “garrafa”, etc. Na visão tradicional, estas palavras são certamente definidas por conjunções, ou possivelmente feixes, de propriedades. Qualquer coisa com todas as propriedades em conjunção (ou muitas propriedades suficientes no feixe, ou no modelo de feixe) é necessariamente um lápis, cadeira, garrafa, ou o que seja. Além disso, algumas das propriedades no feixe (no modelo de feixe) são usualmente asseveradas como necessárias (no modelo de conjunção de propriedades, todas as propriedades na conjunção são necessárias). Supostamente é necessário ser um artefato, bem como pertencer a um tipo com determinada finalidade padrão – e.g . “lápis são artefatos” e “lápis devem ser usados na escrita” são supostos ser necessários. Finalmente este tipo de necessidade assevera ser uma necessidade epistêmica – de fato, analiticidade. Novamente nos engajemos na ficção científica. Desta vez usaremos um exemplo imaginado por Rogers Albritton. Imagine que, algum dia, nós descobrimos que lápis são organismos. Nós os cortamos e os examinamos com um microscópio eletrônico e vemos no máximo o tracejado invisível de nervos e outros órgãos. Espionamo-los, e os vimos desovando, e vimos a prole crescer até chegar a lápis adultos. Descobrimos que esses organismos não estão imitando outros lápis (artificiais) – não existem e nunca existiram quaisquer lápis, exceto tais organismos. O estranho, para sermos cuidadosos, é que haja inscrição em muitos desses organismos – e.g. registrado na Alfândega, DELUXE Nº 2, made in USA – e talvez sejam organismos inteligentes, e esta é sua forma de camuflagem. (Também temos que explicar porque ninguém atentou para os lápis manufaturados, etc., mas isto é claramente um mundo possível, em algum sentido). Se isto é concebível, e eu concordo com Albritton que é, então é epistemicamente possível que lápis pudessem ser organismos. Segue-se que lápis são artefatos não é epistemicamente necessário no sentido mais forte e, a fortiori, não analítico. Entretanto, sejamos cuidadosos. Mostramos que existe um mundo possível no qual lápis são organismos? Penso que não. O que mostramos é que existe um mundo possível no qual determinados organismos são a contraparte epistêmica de lápis (a frase é de Kripke). Para retornar ao instrumento da Terra Gêmea: imagine desta vez que lápis na Terra são apenas o que pensamos que são, artefatos manufaturados para se escrever, enquanto “lápis” na Terra Gêmea são organismos à la Albritton. Imagine, além disso, que isto é totalmente insuspeito pelos terráqueos gêmeos – eles têm exatamente as mesmas crenças sobre “lápis” que temos. Quando descobrimos isso, não diríamos: “alguns lápis são organismos”. Nós estaríamos mais
24
inclinados a dizer: “as coisas na Terra Gêmea que passam por lápis não são realmente lápis. Elas são realmente uma espécie de organismo”. Suponha agora a situação como no exemplo de Albritton, tanto na Terra quanto na Terra Gêmea. Então poderíamos dizer “lápis são organismos”. Assim, se os “lápis-organismos” na Terra Gêmea (ou outro mundo possível) são realmente lápis, ou não, é uma função de se os lápis locais são organismos ou não. Se os lápis locais são apenas o que nós pensamos que são, então um mundo possível no qual existem lápis-organismos não é um mundo possível no qual lápis são organismos; não existem mundos possíveis nos quais lápis são organismos nesse caso (que é, claro, o real). Que lápis são artefatos é necessário no sentido de verdadeiro em todos os mundos possíveis – metafisicamente necessário. Mas não se segue que é epistemicamente necessário. Segue-se que “lápis” não é sinônimo de qualquer descrição – nem mesmo vagamente sinônimo de uma descrição vaga. Quando usamos a palavra “lápis”, pretendemos referir ao que quer que tenha a mesma natureza dos exemplos normais de lápis locais no mundo real. “Lápis” é apenas um indexical como "água" ou “ouro”. De um certo modo, o caso dos lápis tornando-se organismos é complementar ao caso discutido alguns anos antes 15 de gatos que se tornam robôs (remotamente controlados de Marte). Em Katz (a aparecer) 16, Katz argumenta que nós descrevemos mal este caso: que o caso poderia ser melhor explicado como ocorre que não existem gatos neste mundo . Katz admite que nós devemos dizer “Gatos não eram animais, mas robôs”, mas ele argumenta que esta é uma sentença semanticamente desviante que é glosada como “as coisas que eu referia como ‘gatos’ não eram animais, mas robôs”. A teoria de Katz é, entretanto, má linguística Antes de tudo, a explicação de como podemos dizer “Gatos são robôs” é simplesmente uma explicação proposta de como podemos dizer qualquer coisa. Mais importante, a teoria de Katz prediz que “Gatos são robôs” é desviante, enquanto “Não existem gatos no mundo” não é desviante no caso descrito, mas o fato padrão. Então, eu não nego que existe um caso em que “Não existem (e nunca existiram) quaisquer gatos no mundo” seria o padrão: nós devemos (falando epistemicamente) descobrir que estamos sofrendo de uma alucinação coletiva. (“Gatos” são como elefantes cor de rosa). Mas no caso que descrevi, “Gatos vêm a ser robôs remotamente controlados de Marte” é certamente não desviante, e “Não existem gatos no mundo” é altamente desviante. Incidentemente, a abordagem de Katz não é apenas má linguística; é também ruim como reconstrução racional. A razão pela qual não uso “gato” como sinônimo de uma descrição é certamente que conhecemos o bastante sobre gatos para saber que eles não têm uma estrutura invisível, e é uma boa metodologia científica usar o nome para referir rigidamente a coisas que possuem aquela estrutura misteriosa e não para o que acontece satisfazer uma descrição. Naturalmente, se sabíamos a estrutura invisível, poderíamos moldar uma descrição em termos desta; mas não deste modo. Neste sentido, o uso de palavras de espécies naturais reflete um importante fato sobre nossa relação com o mundo: saber que existem tipos de coisas com uma estrutura invisível comum, mas não temos ainda conhecimento para descrever todas essas estruturas invisíveis. 15
Veja meu “It Ain’t Necessarily So”, Journal of Philosophy 59 (1962), p. 658-671. J. J. Katz, “Logic and Language: An Examination of Recent Criticism of Intensionalism” [em K. Gunderson, ed., Language, Mind and Knowledge, Minnesota Studies in Philosophy of Science, VII (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1975)]. 16
25
A visão de Katz, entretanto, tem mais plausibilidade no caso de “lápis” do que no caso de “gatos”. Pensamos conhecer uma condição necessária e suficiente para ser um lápis, embora uma condição vaga. Assim é possível fazer “lápis” sinônimo de uma descrição vaga. Nós devemos dizer, no caso de “lápis são organismos” ou “lápis devem ser organismos” ou “não existem lápis no mundo” – isto é, devemos usar “lápis” ou como uma palavra de espécie natural ou como uma palavra de “critério-único” 17. De outro lado, devemos duvidar que existam quaisquer palavras de critério-único de verdade na linguagem natural, fora de contextos estipulativos. Não poderia ocorrer que pediatras não sejam doutores, mas espiões marcianos? Responda “sim” e você abandonou a sinonímia de “pediatra” e “doutor especializado em cuidar de crianças”. Parece que há uma forte tendência para palavras que são introduzidas como palavras de “critério-único” para desenvolver um sentido “de espécie natural”, com toda a concomitância de rigidez e indexicalidade. No caso de nomes de artefatos, o sentido de espécies naturais parece ser predominante. (Há uma piada sobre um paciente prestes a sair de um asilo para doentes mentais. Os doutores fizeram perguntas por algum tempo e ele tinha dado as respostas de um pessoa com perfeita saúde mental. Os médicos decidem dar alta e ao fim da entrevista um dos médicos pergunta casualmente, “o que você deseja ser quando sair?” “Um bule de chá”. A piada não seria inteligível se fosse literalmente inconcebível que uma pessoa pudesse ser um bule). Há, entretanto, palavras que retêm um caráter puro de no máximo um critério. São as palavras cujo significado deriva de uma transformação: caçador = pessoa que caça. Não apenas a abordagem dada aqui se aplica para muitos nomes, mas se aplica para outras partes do discurso. Verbos como “crescer”, adjetivos como “vermelho”, todos têm características indexicais. Por outro lado, algumas palavras sincategoremáticas parecem ter mais de um critério. “Todo”, por exemplo, pode ser explicado assim: O exército cercou a cidade pode ser verdadeiro mesmo se a divisão A não tomou parte no cerco. Todo o exército cercou a cidade significa que cada parte do exército (de tipo relevante, e.g . a divisão A) tomou parte na ação indicada pelo verbo 18. 10. Significado
Vejamos agora o que dissemos a respeito da noção de significado. Até agora temos visto que a extensão de um termo não é fixada pelo conceito que o falante individual tem em sua cabeça, e isto é verdadeiro porque a extensão é, em geral, fixada socialmente – há uma divisão do trabalho linguístico bem como uma divisão do trabalho “real” – e porque a extensão é, em parte, determinada indexicalmente. A extensão de nossos termos depende da natureza real das coisas particulares que servem de paradigma 19, e sua natureza real não é, em geral, completamente conhecida do falante. A teoria semântica tradicional deixa de fora exatamente 17
A ideia de palavra de “critério-único”, e a teoria de analiticidade baseada nesta noção, apareceu em meu “The Analytic and the Synthetic” em H. Feigl e G. Maxwell, eds., Minnesota Studies in the Philosophy of Science, vol.3 (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1962). 18 Este exemplo veio de uma análise de Anthony Kroch (em sua tese de doutorado no MIT, 1974, Departamento de Linguística).
26
duas contribuições para a determinação da extensão – a contribuição da sociedade e a contribuição do mundo real! Nós vimos, no início, que o significado não pode ser identificado com extensão. Contudo não pode ser identificado com “intensão”, se intensão é um conceito do falante individual. O que devemos fazer? Existem dois caminhos plausíveis que poderíamos tomar. Um caminho seria reter a identificação de significado com conceito e pagar o preço de abandonar a ideia de que significados determinam a extensão. Se seguíssemos esse caminho, poderíamos dizer que “água” tem o mesmo significado na Terra e na Terra Gêmea, mas diferentes extensões. (Não apenas uma extensão local diferente, mas uma extensão diferente global . O XYZ na Terra Gêmea não é a extensão dos espécimes de “água” que eu profiro, mas está na extensão dos espécimes de "água" que meu Doppelgänger profere, e isto não apenas porque a Terra Gêmea está longe de mim, mas uma vez que as moléculas de H 2O estão na extensão dos espécimes de “água” que profiro não importa quão longe de mim eles estejam no espaço e no tempo. Também, o que eu posso contrafactualmente supor ser água é diferente do que meu Doppelgänger pode contrafactualmente supor ser “água”). Enquanto este é o caminho correto a seguir para uma palavra absolutamente indexical como “eu”, parece incorreto para as palavras que temos discutido. Considere “olmo” e “faia”, por exemplo. Se estas são “comutadas” na Terra Gêmea, então seguramente não poderíamos dizer que “olmo” tem o mesmo significado na Terra e na Terra Gêmea, mesmo se o estereótipo de uma faia (ou de um “olmo” como ele chama) de meu Doppelgänger é idêntico ao meu estereótipo de um olmo. Melhor, deveríamos dizer que “olmo” em meu idioleto Doppelgänger significa faia. Por esta razão, parece preferível tomar um caminho diferente e identificar “significado” com um par ordenado (ou possivelmente uma n-upla ordenada) de entidades, uma das quais é a extensão . (Os outros componentes do “vetor significado”, por assim dizer, serão especificados mais tarde). Fazendo isto, fica trivialmente verdadeiro que significado determina a extensão (isto é, diferenças em extensão são ipso facto diferenças em significado), mas se abandona totalmente a ideia de que se existe uma diferença no significado que meu Doppelgänger e eu atribuímos a uma palavra, então deve existir alguma diferença em nossos conceitos (ou em nossos estados psicológicos). Seguindo este caminho, podemos dizer que meu Doppelgänger e eu significamos coisas diferentes quando dizemos “olmo”, mas isto não é uma asserção sobre nossos estados psicológicos. O que tudo isto significa é que os espécimes da palavra que ele profere têm uma extensão diferente dos espécimes da palavra que eu profiro; mas estas diferenças em extensão não são reflexos de qualquer diferença em nossas competências linguísticas individuais, consideradas em isolado. Se isto é correto, e penso que é, então o problema tradicional do significado divide-se em dois problemas. O primeiro problema é dar conta da determinação da extensão. Uma vez que, em muitos casos, a extensão é determinada socialmente e não individualmente, devido à divisão do trabalho linguístico, acredito que este problema é, propriamente, um problema da sociolinguística Resolvê-lo envolve explicitar, em detalhes, exatamente como a divisão do trabalho linguístico funciona. A chamada “teoria causal da referência”, introduzida por Kripke para nomes próprios e estendida por nós para palavras de espécies naturais e termos de 19
Eu não tenho em mente a noção “esvoaçante” de “paradigma” no qual qualquer paradigma de um K é necessariamente um K (na realidade).
27
magnitude física 20, é tema desta área. Dado que, em muitos contextos, atribuímos para os espécimes de um nome que eu profiro qualquer referente que atribuímos aos espécimes do mesmo nome proferido por uma pessoa a partir de quem eu adquiri os nomes (assim é que a referência é transmitida do falante aos falantes, começando dos falantes que estiveram presentes na cerimônia de nomeação, ainda que nenhuma descrição fixada seja transmitida) este é simplesmente um caso especial de cooperação social na determinação da referência. O outro problema é descrever a competência individual . A extensão pode ser determinada socialmente, em muitos casos, mas nós não atribuímos a extensão padrão aos espécimes de uma palavra W proferida por Jones sem importar como Jones usa W. Jones precisa ter algumas ideias particulares e habilidades em conexão com W a fim de tomar parte na divisão do trabalho linguístico Uma vez que desistimos da ideia de que competência linguística tem de ser tão forte para realmente determinar a extensão, devemos começar o estudo numa moldura nova da mente. Em conexão com isto, é instrutivo observar que nomes como “tigre” ou “água” são muito diferentes de nomes próprios. Alguém pode usar o nome próprio “Sanders” corretamente sem conhecer nada sobre o referente, exceto que se chama “Sanders” – e que pode mesmo não ser correto. (“Era uma vez, há muito tempo atrás, numa Sexta-feira, o Ursinho Pooh vivia numa floresta sozinho sob o nome de ‘Sanders’”). Mas não se pode usar a palavra tigre corretamente, salvo per accidens, sem saber um bom número de coisas sobre tigres, ou pelo menos sobre determinada concepção de tigre. Neste sentido, conceitos têm algo a ver com o significado. Como o estudo do primeiro problema é propriamente um tópico da sociolinguística, o estudo do segundo problema é propriamente um tópico da psicolinguística Agora nós tomamos este tópico. 11. Estereótipos e comunicação
Suponha que um falante sabe que “tigre” tem um conjunto de objetos físicos em sua extensão, mas não mais. Se ele possui competência linguística normal com respeito a outros temas, então poderia usar “tigre” em algumas sentenças: por exemplo, “os tigres têm massa”, “os tigres ocupam espaço”, “dê-me um tigre”, “aquilo é um tigre?”, etc. Além disso, a extensão socialmente determinada de “tigre” nestas sentenças seria a padrão, isto é, o conjunto dos tigres. Ainda assim não poderíamos contar tal falante como “conhecendo o significado” da palavra tigre. Por quê não? Antes de atentar para a resposta, reformulemos um pouco a questão. Nós falaríamos de alguém como tendo adquirido a palavra “tigre” se ela fosse hábil a usá-la de tal maneira que (1) seu uso passa desapercebido (isto é, pessoas não dizem dela coisas como “ela não sabe o que é um tigre”, “ela não sabe o significado da palavra ‘tigre’”, etc.); e (2) seu modo geral de estar situado no mundo e na sua comunidade linguística é tal que a extensão socialmente determinada da palavra “tigre” em seu idioleto é o conjunto dos tigres. A cláusula (1) significa, grosseiramente, que os falantes tomados na hipótese do parágrafo precedente não 20
Em meu “Explanation and Reference” em Pearce e Maynard, Conceptual Change.
28
contam como tendo adquirido a palavra “tigre” (ou seja qual for). Falaríamos deles, em alguns casos, como tendo parcialmente adquirido a palavra; mas vamos protelar isto por um momento. A cláusula (2) significa que falantes na Terra Gêmea, que têm os mesmos hábitos linguísticos que nós, contam como tendo adquirido a palavra “tigre” somente se a extensão de “tigre” em seu idioleto é o conjunto dos tigres. O resultado das seções precedente deste artigo é que não se segue que a extensão de “tigre” no dialeto da Terra Gêmea (ou idioletos) é o conjunto de tigres meramente porque seus hábitos linguísticos são os mesmos que os nossos: a natureza dos “tigres” da Terra Gêmea é também relevante. (Se os organismos na Terra Gêmea têm uma química de silicone, por exemplo, então seus “tigres” não são realmente tigres, mesmo que eles pareçam tigres, embora os hábitos linguísticos da situação do falante da Terra Gêmea correspondam exatamente àqueles dos falantes da Terra). Assim, a cláusula (2) significa que, neste caso, nós decidimos dizer que os falantes da Terra Gêmea não adquiriram nossa palavra “tigre” (embora eles tenham adquirido outra palavra com mesmas letras e pronúncia). Nossa razão para introduzir este modo de falar é que a questão “ele conhece o significado da palavra ‘tigre’?” está influenciada pela teoria de que adquirir uma palavra é vir a possuir uma coisa chamada “significado”. Identifique esta coisa com um conceito e voltamos à teoria de que a condição suficiente para adquirir uma palavra é associá-la com o conceito correto (ou, mais geralmente, estar no estado psicológico correto com respeito à palavra) – a teoria que todo este tempo tentamos refutar. Assim, portanto, nós “adquirimos” palavras mais do que “aprendemos seu significado”. Agora vamos reformular a questão com a qual esta seção começou. O uso do falante descrito não passa desapercebido, embora não seja tal que nos faça atribuir uma extensão não padronizada para a palavra “tigre” em seu idioleto. Por que não passa desapercebida? Suponha nosso falante hipotético apontando para uma bola de neve e perguntando “aquilo é um tigre?”. Como é óbvio, não há muito do que falar sobre tigres com ele. Para ser claro, ouvimos pessoas “comunicando” todo dias que não conhecem nada do que elas estão falando; mas o sentido no qual um homem aponta para uma bola de neve e pergunta “aquilo é um tigre?”, não é apenas que ele nada sabe sobre tigres, mas está para além do sentido no qual um homem pensa que Vancouver vencerá a Copa Stanley, ou que a Guerra do Vietnã ocorreu para ajudar os Vietnamitas do Sul; aquele homem não sabe nada do que está falando a ponto de surpreender-nos. O problema de pessoas que pensam que Vancouver ganhará a Copa Stanley, ou que a Guerra do Vietnã ocorreu para ajudar os Vietnamitas do Sul, é o sentido que, obviamente, não pode ser remediado pela adoção de convenções linguísticas; mas não saber do que se está falando no segundo sentido, o sentido que nos surpreende, pode ser evitado intimamente por nossas convenções da linguagem. O que eu sustento é que aos falantes exige-se saber algo sobre tigres (estereotípicos) a fim de contar como tendo adquirido a palavra “tigre”; algo sobre olmos (ou, de qualquer modo, sobre seu estereótipo) para contar como tendo adquirido a palavra “olmo”, etc. Esta ideia não deveria parecer tão surpreendente. Antes de tudo, não permitimos que pessoas dirijam em autoestradas sem que primeiro passem em alguns testes para determinar que elas têm um nível mínimo de competência; e não comemos com pessoas que não aprenderam a usar uma faca e um garfo. A comunidade linguística também tem seus padrões mínimos com respeito à sintaxe e à “semântica”. A natureza deste nível mínimo exigido de
29
competência depende fortemente, entretanto, da cultura e do que está em questão. Em nossa cultura, aos falantes exige-se conhecer como os tigres se parecem (se eles adquirem a palavra “tigre”, isto é virtualmente obrigatório); não se exige conhecer os detalhes mais sutis (tais como o contorno de uma folha) com os quais um olmo se parece. Aos falantes do inglês, suas comunidades linguísticas exigem que sejam aptos a falar de tigres a partir de leopardos; não se lhes exige que sejam aptos a falar de olmos a partir de faias. Isto poderia facilmente ser diferente. Imagine uma tribo indígena, a quem chamamos Cheroquoi, que tem palavras, digamos uhaba’ e wa’arabi para olmos e faias respectivamente, e que seja obrigatório conhecer a diferença. De um Cheroquoi que não pudesse reconhecer um olmo diríamos não conhecer o que é um uhaba’ , não conhecer o significado da palavra “uhaba’ ” (talvez, não conhecer a palavra, ou não ter a palavra); apenas de um falante inglês que não tem ideia de que tigres são listrados poderia ser dito não saber o que é um tigre, não saber o significado da palavra “tigre” (claro, se ele pelo menos conhece que tigres são felinos grandes devemos dizer ele conhece parte do significado, ou parcialmente conhece o significado), etc. Então a tradução de “ uhaba’ ” como “olmo” e “wa’arabi” como “faia” seria, em nossa visão, somente aproximativamente correta. Neste sentido existe uma dificuldade real com a tradução radical 21, mas esta não é a dificuldade abstrata da qual Quine está falando 22. 12. O que são estereótipos
Eu introduzi a noção de “estereótipo” em minhas conferências na University of Washington e no Minnesota Center for the Philosophy of Science em 1968. O artigo publicado subsequentemente “ Is Semantic Possible?” seguiu a argumentação e neste ensaio quero novamente introduzir a noção e responder algumas questões que têm sido levantadas. Na fala ordinária, um “estereótipo” é uma ideia convencional (que pode ser incrivelmente inexata) (frequentemente maliciosa) com a qual um X se parece, ou age como, ou é. Obviamente, estou lidando com algumas características da fala ordinária. Não estou tratando com estereótipos maliciosos (salvo quando a linguagem for por si mesma maliciosa); mas estou lidando com ideias convencionais, as quais podem ser inexatas. Estou sugerindo apenas que uma ideia convencional está associada com “tigre”, com “ouro”, etc. e, além disso, que este é o único elemento de verdade na teoria do “conceito”. Nesta visão, para que alguém conheça o que significa “tigre” (ou, como já decidimos dizer, para que adquira a palavra “tigre”) é exigido saber que o estereótipo de tigre é listrado. Mais precisamente, existe um estereótipo de tigres (pode haver outros) que é exigido como tal pela comunidade linguística; é exigido haver este estereótipo e conhecer (implicitamente) o que é obrigatório acerca deste. Este estereótipo deve incluir as características de listras se sua aquisição for contada como bem sucedida. 21
O termo é devido a Quine (em Word and Object . Cambridge, MA: MIT Press, 1960): significa tradução sem indícios partilhados da cultura ou sem cognatos. 22 Para uma discussão da suposta impossibilidade da única tradução radical correta, veja meu “The Refutation of Conventionalism” (a aparecer em Nous [8 (1974), p. 25-40] e também, numa versão mais longa, na coleção editada por M. Munitz a ser publicada por New York University Press sob o título Semantics and Philosophy).
30
O fato de a característica ( e.g . listras) estar incluída no estereótipo associado com a palavra X não significa que é uma verdade analítica que todos os X’s têm aquela característica, nem que a maioria dos X’s têm aquela característica, nem que todos os X’s normais têm aquela característica, nem que alguns X’s têm aquela característica 23. Tigres de três pernas e tigres albinos não são entidades logicamente contraditórias. Descobrir que nosso estereótipo foi baseado em membros não-normais ou não-representativos de uma espécie natural não é descobrir uma contradição lógica. Se tigres perderem suas listras não poderiam, por causa disso, deixar de ser tigres, nem borboletas necessariamente deixariam de ser borboletas se perdessem suas asas. (Falando estritamente, a situação é mais complicada que isso. É possível dar a uma palavra como “borboleta” um sentido no qual borboletas deixariam de ser borboletas se perdessem suas asas – digamos através de mutação. Assim, se pode encontrar um sentido de “borboleta” no qual é analítica a sentença “borboletas têm asas”. Mas o sentido mais importante do termo, eu creio, é aquele no qual a falta de asas nas borboletas ainda as faz borboletas). Neste ponto, o leitor pode surpreender-se sobre qual é o valor da comunidade linguística de ter estereótipo, se a “informação” contida nos estereótipos não é necessariamente correta. Mas isto não é realmente um mistério. A maioria dos estereótipos, de fato, captura as características possuídas pelos membros paradigmáticos da classe em questão. Mesmo quando os estereótipos estão errados, o modo no qual eles estão errados lança uma luz na contribuição normalmente feita pelos estereótipos para a comunicação. O estereótipo de ouro, por exemplo, contém a característica ser amarelo, apesar do ouro quimicamente puro ser próximo do branco. Mas o ouro que vemos na joalharia é tipicamente amarelo (devido a presença de cobre); assim, a presença desta característica é útil mesmo no ramo dos negócios. O estereótipo associado com bruxa é seriamente mais errado, pelo menos se tomado com importância existencial. Acreditar (com importância existencial) que bruxas entram em pactos com o Demônio, que causam doenças e mortes, etc., facilita a comunicação somente no sentido de facilitar a comunicação interna para a teoria das bruxas. Não facilitaria a comunicação em qualquer situação na qual o que é preciso é mais concordância com o mundo que concordância com a teoria de outros falantes. (Estritamente falando, estou falando do estereótipo que existiu na Nova Inglaterra trezentos anos atrás; hoje, bruxas não serem reais é, por si mesmo, parte do estereótipo, e os efeitos perniciosos da teoria das bruxas são neutralizados desse modo). Mas o fato de que nossa linguagem tenha alguns estereótipos que mais impedem do que facilitam nossa lida com o mundo e com os outros somente aponta para o fato de que nós não somos infalíveis, e como poderíamos ser? O fato é que, dificilmente, poderíamos nos comunicar com sucesso se muitos de nossos estereótipos não fossem adequadamente exatos como são. 13. O “significado operacional” dos estereótipos
Uma questão enganadora é esta: até onde a noção de estereótipo é “operacionalmente definível”? Aqui é necessário ser extremamente cuidadoso. Tentativas nas ciências físicas 23
Isto foi argumentado em “Is Semantic Possible?”.
31
para especificar literalmente definições operacionais para termos têm falhado notoriamente; e não existe razão para tentar ser bem sucedido em linguística quando se falha na física. Algumas vezes os argumentos de Quine contra a possibilidade de uma teoria do significado parecem reduzir-se à demanda por definições operacionais em linguística; quando for este o caso dos argumentos, eles serão ignorados. Mas frequentemente acontece que termos que devem ter definições operacionais não estão no mundo real, mas em circunstâncias idealizadas. Dar estas “definições operacionais” tem valor heurístico, como as idealizações frequentemente fazem. Somente quando erramos além da idealização conveniente é que a definição operacional causa danos. Assim podemos perguntar: o que é a “definição operacional” de um enunciado de que uma palavra tem um estereótipo assim e assado, sem supor que a resposta a esta questão conta como uma abordagem teórica do que é ser estereótipo. A abordagem teórica do que é ser um estereótipo progride em termos da noção de obrigação linguística; uma noção que acredito ser fundamental para a linguística e que não tentaremos explicar aqui. O que significa dizer que, quando se diz que ser listrado é parte do estereótipo (linguístico) de “tigre”, é obrigatório adquirir a informação que os estereótipos de tigres são listrados quando se adquire a palavra “tigre”, no mesmo sentido de “obrigatório” no qual é obrigatório indicar se se está falando de leão no singular ou leões no plural quando se fala de leões em inglês. Descrever um teste experimental idealizado desta hipótese não é difícil. Introduziremos uma pessoa que podemos chamar um confederado da linguística. O confederado será (ou pretende ser) um adulto cujo domínio do inglês é geralmente excelente, mas que, por alguma razão (foi educado numa cultura alienígena? Veio de um monastério?), tem falhado totalmente em adquirir a palavra “tigre”. O confederado dirá a palavra “tigre” ou, melhor ainda, apontará para ela (como se ele não estivesse seguro em pronunciá-la) e pergunta “o que esta palavra significa?” ou “o que é isto?” ou alguma outra pergunta. Ignorando quais coisas que estão erradas com o experimento na prática, o que nossa hipótese implica é que os informantes poderiam normalmente dizer ao confederado que os tigres são, inter alia, listrados. No lugar de contar com confederados, poder-se-ia supor o linguista estudando crianças aprendendo inglês. Mas crianças aprendendo sua língua nativa não são quase ensinadas como muitos filósofos supõem; elas aprendem, mas elas não são ensinadas, como enfatizou Chomsky. Ainda, algumas vezes crianças fazem questões como “o que é um tigre?” e nossa hipótese implica que, nestes casos, os informantes também poderiam dizer-lhes, inter alia, que tigres são listrados. Mas um problema é que os informantes são normalmente os pais, e existem caprichos de tempo paternal, temperamento, e atenção a serem considerados. Seria fácil especificar a grande quantidade de implicações “operacionais” adicionais de nossa hipótese, mas fazer isso não teria valor particular. O fato é que nós mesmos somos falantes competentes completos do inglês, com bastante bom senso do que são nossas obrigações linguísticas Pretender que estamos na posição de marcianos com respeito ao inglês não é o caminho da claridade metodológica; após tudo, foi apenas quando a abordagem operacional foi abandonada que a linguística transformacional floresceu numa ciência elegante. Portanto, se alguém fosse perguntar-me pelo significado de “tigre”, eu sei perfeitamente bem o que diria a ele. Eu diria que tigres são felinos, diria algo sobre seu tamanho, que são
32
amarelos com listras pretas, que vivem na selva (algumas vezes), e que são ferozes. Poderia dizer outras coisas também, dependendo do contexto e de sua razão para a pergunta; mas os itens acima, salvo, possivelmente, o pouco sobre a floresta, julgaria dizer como obrigatório. Eu não tenho experiência em saber que isto é o que eu observo como obrigatório dizer. Estou seguro que, aproximadamente, isto é o que os demais falantes julgariam também como obrigatório dizer. Naturalmente, existem algumas variações de idioleto para idioleto; a característica de ter listras (fora das relações figura-fundo, e.g ., são listras pretas num fundo amarelo, que é o modo como as vejo, ou listras amarelas sobre um fundo preto?) seria encontrada em todos os idioletos normais, mas alguns falantes podem julgar a informação de que tigres (estereotipicamente) habitam selvas como obrigatória, enquanto outros não. Alternativamente, algumas características dos estereótipos (ser-como-um-grande-gato, listras) podem ser olhadas como obrigatórias, e outras como opcionais, no modelo de determinadas características sintáticas. Mas nós não perseguiremos esta possibilidade aqui. 14. Os “Dois dogmas” de Quine revisitados
Em “Dois dogmas do empirismo” Quine lançou um poderoso e salutar ataque à distinção correntemente em moda analítico-sintético. A distinção desenvolveu-se até ser uma verdadeira devoradora filosófica de homens: analítico igual a necessário igual a não revisível em princípio igual a qualquer verdade que o filósofo desejou explicar em outro lugar. Mas, nós acreditamos que o próprio ataque de Quine foi muito longe, em determinados aspectos; algumas classes limitadas de sentenças analíticas podem ser salvas 24. O que é mais importante é que o ataque foi construído, pelo próprio Quine e outros, como implicando a queda da noção de significado, a partir da queda da distinção analítico-sintético. Enquanto deixamos claro que concordamos que a noção tradicional de significado tem vários defeitos, nosso projeto neste ensaio é construtivo, não destrutivo. Vamos revisar a noção de significado, não enterrá-la. Assim será útil ver como os argumentos de Quine se saem contra nossa revisão. Os argumentos de Quine contra a noção de analiticidade podem ser reduzidos basicamente aos seguintes: nenhuma significação de comportamento pode estar ligada à noção de analiticidade. Seu argumento (novamente simplificando tudo) foi que, basicamente, havia somente dois candidatos para o índice comportamental da analiticidade, e ambos são insatisfatórios, embora por diferentes razões. O primeiro índice é a centralidade: muitos filósofos contemporâneos chamam uma sentença analítica se, de fato, alguma comunidade (digamos, os graduados de Oxford) afirmam-na imune à revisão. Mas, Quine persuasivamente argumenta, imunidade máxima da revisão não é prerrogativa de sentenças analíticas. Sentenças que expressam leis fundamentais da física ( e.g . conservação da energia) podem gozar do comportamento de imunidade máxima da revisão, embora dificilmente fosse costumeiro ou plausível classificá-las como analíticas. Quine, entretanto, não conta com a mera classificação implausível de todos os enunciados que são altamente relutantes em sua situação como analíticos; ele aponta que “imunidade da revisão” é, na história real das ciências, uma questão de grau. Não existe tal coisa, na prática real da ciência racional, como imunidade absoluta da revisão. Assim, identificar analiticidade com imunidade à revisão seria alterar a noção em duas maneiras fundamentais: analiticidade tornar-se-ia uma questão de 24
Veja “The Analytic and the Synthetic”
33
grau, e não existiria tal coisa como uma sentença absolutamente analítica. Este seria o ponto de partida da noção clássica de analiticidade da Carnap-Ayer e outros. Quine sente que se isto é o que nós queremos dizer, então seria menos equivocado introduzir um termo diferente, digamos, centralidade. O segundo índice comportamental é ser chamado “analítico”. Com efeito, alguns filósofos tomaram como a marca da analiticidade que informantes treinados (digamos, os graduados de Oxford) chamem a sentença de analítica. Variações deste índice são: que as sentenças sejam dedutíveis das sentenças numa lista finita, no topo da qual alguém que preenche a relação ancestral de estudante-graduado para Carnap imprimiu as palavras “Postulados de Significado”; que a sentença seja obtida de um teorema da lógica substituindo sinônimo por sinônimo. A última dessas variantes parecia promissora, mas Quine lançou contra ela a questão: “qual o critério de sinonímia?”. Um critério possível seria: palavras W 1 e W2 são sinônimas se, e somente se, o bicondicional ∀(x) (x está na extensão de W 1 ↔ x está na extensão de W 2) for analítico, mas isto leva-nos a um círculo vicioso. Outro poderia ser: palavras W1 e W2 são sinônimos se, e somente se, W 1 e W2 são intercambiáveis (isto é, palavras que podem ser comutadas) salva veritate em todos os contextos de uma classe adequada. Mas Quine convincentemente mostrou que este propósito também leva-nos a um círculo vicioso. Assim o segundo índice reduz-se a este: uma sentença é analítica se ela, ou alguma expressão, ou sequência de pares ordenados de expressões, ou conjunto de expressões, relacionados à sentença de determinadas maneiras específicas, está na classe de todos os membros os quais os informantes treinados aplicam um determinado ruído: o ruído ANALÍTICO, ou o ruído POSTULADO DE SIGNIFICADO, ou o ruído SINÔNIMO. No fim das contas, esta proposta faz de “analítico”, etc. ruídos inexplicáveis. Embora Quine não discuta isso explicitamente, é claro que tomar a interseção dos dois índices de comportamentos não seria mais satisfatório; explicar a analiticidade de uma sentença como consistindo em centralidade mais ser chamada ANALÍTICA é apenas dizer que sentenças analíticas constituem uma subclasse das sentenças centrais sem dizer, de qualquer modo, em quê consiste a excepcionalidade da subclasse. A conclusão de Quine é que a analiticidade é centralidade mal concebida ou não é nada. Muitos filósofos têm embarcado na malvadeza do poderoso argumento de Quine abusando da noção de analiticidade, às vezes confundindo com um suposto grau mais alto de centralidade. Confrontado com as alternativas de Quine, eles têm elegido identificar analiticidade com centralidade, e pagado o preço de classificar sentenças olhadas obviamente como sintéticas, como “o espaço tem três dimensões”, como analíticas, e o preço da obrigação de manter a visão de que existe, depois de tudo, algo com não revisibilidade absoluta na ciência apesar da evidência impressionante do contrário. Mas esta linha pode ser explodida unindo os argumentos de Quine com um importante argumento de Reichenbach. Reichenbach (1965, p. 3125) mostrou que existe um conjunto de princípios, cada um dos quais Kant poderia ter aceitado como sintéticos a priori, mas cuja conjunção é incompatível com os princípios da reatividade geral e da covariância geral. (Estes incluem indução normal, a continuidade do espaço, e o caráter euclidiano do espaço). Um kantiano pode consistentemente afirmar o que puder sobre a geometria euclidiana; mas então a experiência pode forçá-lo a desistir da indução normal ou da continuidade do espaço. Ou pode afirmar a indução normal e a 25
H. Reichenbach, The Theory of Relativity and A Priori Knowledge (Berkeley: University of California Press, 1965).
34
continuidade do espaço; mas então a experiência pode forçá-lo a desistir da geometria euclidiana (isto acontece mesmo quando o espaço físico não é homeomórfico com qualquer espaço euclidiano). Em seu artigo em Schilpp (1951) Reichenbach dá essencialmente os mesmos argumentos de uma forma levemente diferente 26. Aplicada ao contexto presente, o que isto mostra é que existem princípios tais que os filósofos cultuam, da noção exagerada de analiticidade, e, em particular, filósofos que identificam analiticidade com não revisibilidade (máxima), classificados como analíticos, mas cuja conjunção tem consequências empíricas testáveis. Portanto, ou se deve desistir de uma vez por toda da identificação de analiticidade com centralidade, ou se deve desistir da ideia de que a analiticidade é fechada sob conjunção, ou se deve acreditar na infeliz consequência de que uma sentença analítica pode ter consequências empíricas testáveis (e, portanto, que uma sentença analítica pode vir a ser empiricamente falsa). Não é à-toa, a propósito, que as sentenças classificadas por Kant como sintéticas a priori fossem classificadas por esses empiristas da última hora como analíticas; seu propósito em inchar a noção de analiticidade foi, precisamente, dissolver o problema de Kant de identificar o a priori com analiticidade e então, por sua vez, identificar analiticidade com verdade por convenção. (Este último passo foi também criticado por Quine de modo devastador, mas a discussão disso nos levaria longe demais do nosso tema). Outros filósofos tentaram responder a Quine distinguindo entre sentenças e enunciados: todas as sentenças são revisíveis, eles concordam, mas alguns enunciados não o são. Revisar uma sentença não é mudar nossa opinião sobre o enunciado formalmente expresso por aquela sentença; no caso, a sentença (significando o objeto sintático junto com seu significado) depois da revisão não é, de fato, sinônima da sentença antes da revisão, isto é, a revisão é um caso de mudança de significado e não mudança de teoria. Mas (1) isto se reduz, por sua vez, à proposta de explicar analiticidade em termos de sinonímia; e (2) se existe uma coisa que Quine contribuiu de modo decisivo para a filosofia, foi a compreensão de que mudança de significado e mudança de teoria não podem ser separadas nitidamente. Não concordamos com Quine em que mudança de significado não pode ser definida afinal, mas não se segue que a dicotomia “mudança de significado ou mudança de teoria” é sustentável. Descobrir que vivemos em um mundo não-euclidiano deve mudar o significado de “linha reta” (isto aconteceria no caso – não razoável – em que o postulado das paralelas fosse parte do estereótipo de ser reta); mas não seria uma mera mudança de significado. Em particular não seria uma mudança de extensão: assim não seria correto dizer que o postulado das paralelas fosse “verdadeiro no sentido anterior das palavras”. Do fato de que abandonar uma sentença S envolveria mudança de significado, não se segue que S é verdadeira. Significados não podem conformar o mundo; e mudança de significado pode ser forçada por descobertas empíricas. Embora não estejamos tentando explicar a noção de analiticidade, neste trabalho estamos tentando explicar uma noção intimamente relacionada, a noção de significado. Assim poderia parecer que os argumentos de Quine iriam contra nossa abordagem. Chequemos isto. Em nossa visão, existe um sentido perfeitamente bom no qual ser listrado é parte do significado de “tigre”. Mas não se segue, em nossa visão, que “tigres são listrados” seja analítico. Se uma mutação ocorrer, todos os tigre podem ser albinos. A comunicação 26
H. Reichenbach, em P. A. Schilpp, ed., Albert Einstein: Philosopher-Scientist (Evantons: Library of Living Philosophers, 1951)
35
pressupõe que tenho um estereótipo de tigre que inclui listras, e que você tem um estereótipo de tigres que inclui listras e que eu sei que seu estereótipo inclui listras, e que você sabe que meu estereótipo inclui listras, e que você sabe que eu sei... (e assim por diante, a la Grice, para sempre). Mas isto não pressupõe que qualquer estereótipo particular seja correto, ou que a maioria dos nossos estereótipos permaneçam corretos para sempre. Obrigatoriedade linguística não é um índice de não revisibilidade ou mesmo de verdade; assim pode-se afirmar que “tigres são listrados” é parte do significado de “tigre” sem ser pego na armadilha dos problemas da analiticidade. Então, os argumentos de Quine contra identificar analiticidade com centralidade não são argumentos contra identificar uma característica como “parte do significado” de X com ser obrigatoriamente incluída no estereótipo de X. O que resta dos argumentos de Quine acerca dos “ruídos”? Naturalmente, a evidência do que as pessoas dizem, incluindo observações metalinguísticas explícitas, é importante na “semântica” como o é na sintaxe. Assim se um falante aponta para um molusco e pergunta “aquilo é um tigre?”, as pessoas são passíveis de gargalhar. (Quando param de sorrir) podem dizer “ele não sabe o significado da palavra ‘tigre’” ou “ele não sabe o que são tigres”. Tais comentários podem ser úteis ao linguista Mas não estamos definindo o estereótipo em termos de tais comentários. Dizer que ser “como-umgrande-gato” é parte do significado de “tigre” não é meramente dizer que a aplicação de “tigre” a algo que não é como-um-grande-gato (e também não é um tigre) poderia provocar determinados ruídos. É dizer que falantes adquirem a informação de que “tigres são comoum-grande-gato (à maneira do estereótipo)” quando adquirem a palavra “tigre” e que podem sentir-se na obrigação de garantir que aqueles a quem ensinam usar a palavra da mesma forma o farão. Informação acerca das habilidades mínimas exigidas para entrar na comunidade linguística é informação significante; nenhuma circularidade do tipo criticado por Quine aparece aqui. 15. Tradução radical
O que nossa teoria não faz, por si mesma, é resolver a qualquer preço o problema de Quine da “tradução radical” (isto é, a tradução de uma cultura/linguagem absolutamente estranha). Não podemos traduzir nosso Cheroquoi hipotético em inglês comparando estereótipos, porque descobrir o que é o estereótipo de wa’rabi, por exemplo, envolve traduzir discursos Cheroquoi. De outro lado, o embaraço de que cada palavra em Cheroquoi encontraria sua imagem em inglês sob a função tradução, até onde se aplica o estereótipo (ou o faz aproximadamente, uma vez que, em muitos casos, não se pode alcançar comparações exatas), põe um embaraço severo à função tradução. Uma vez que tenhamos sucesso no vocabulário básico do Cheroquoi, podemos começar a extrair estereótipos, e estes servirão para extrair traduções futuras e para checar a correção interna das partes da função tradução já construída. Mesmo onde podemos determinar estereótipos (relativos, por exemplo, a uma tentativa de traduções do “vocabulário básico”), isso não é suficiente. Assim as palavras alemãs Ulme e Buche têm o mesmo estereótipo que olmo; mas Ulme significa “olmo” enquanto Buche
36
significa “faia”. No caso do alemão, o fato de que Ulme e “olmo” sejam cognatos, poderia apontar para a tradução correta (embora isto esteja longe de ser à prova de defeitos – em geral, palavras cognatas não são sinônimas); mas no caso do grego não temos pistas para que as duas palavras xa e ptela signifiquem olmo e faia; poderíamos apenas ter encontrado um grego que poderia falar de olmos a partir de faias (ou de oxya a partir de ptelea). O fato ilustra que aquilo que o linguista deve tentar descobrir pode não ser as disposições dos falantes típicos para concordar ou discordar; por causa da divisão de trabalho linguístico; frequentemente, é necessário ao linguista acessar quem são os especialistas com respeito a oxya, ou wa’rabi ou gavagai, ou o que seja, antes de fazer adivinhação sobre a extensão socialmente determinada de uma palavra. Então esta extensão socialmente determinada e o estereótipo de um falante típico, apesar dele não ser especialista, funcionarão, bem como agirão sobre a função tradução. A descoberta de que o estereótipo de oxya é extremamente diferente do estereótipo de “olmo” desqualificaria a tradução de oxya por “olmo” em todos os contextos, salvo os extensionais; mas a descoberta de que a extensão de oxya não é sequer aproximadamente a classe dos olmos ensejaria o abandono conjunto da tradução em todos os contextos. Notar-se-á que já alargamos a totalidade dos fatos contados como evidência de uma função tradução para além da base ascética que Quine permitiu em Word and Object. Por exemplo, o fato de que falantes digam assim e assado quando os “confederados” da linguística apontam para a palavra oxya e perguntam: “o que isto significa?” ou “o que é isto?” ou o que seja, não é permitido por Quine (como algo que o linguista pode “saber”) sob o fundamento de que este tipo de “conhecimento” já pressupõe ter traduzido a questão “o que esta palavra significa?”. Entretanto, se Quine está desejando assumir que alguém pode, de alguma forma, adivinhar as palavras que significam concordância e discordância na linguagem estranha, não parece de todo não razoável supor que se pode de algum modo conduzir um falante nativo ao fato de que não se entendeu a palavra. Não é necessário que se descubra uma locução na linguagem estranha que signifique “o que esta palavra significa” (oposta a: “não entendi esta palavra” ou “estou embaraçado com esta palavra”, etc.). Talvez apenas dizendo a palavra oxya, ou o que seja, com um tom de embaraço, fosse suficiente. Porque seria o embaraço menos acessível ao linguista que a concordância? Estamos tomando vantagem também do fato de que a segmentação em palavras veio a ser linguisticamente universal (e existem mesmo testes para a segmentação de palavras e morfemas que são independentes do significado). Naturalmente não há razão determinada para permitir que o linguista profira todas as sentenças e peça concordância e discordância, enquanto se recusa permitir a ele proferir palavras e morfemas num tom de embaraço. Eu repito, a reivindicação a ser alcançada não é que alargar a base de evidência desta maneira resolve o problema da tradução radical. O que se faz é adicionar obstáculos à classe dos candidatos admissíveis para a tradução correta. O que acredito é que, alargando a classe dos obstáculos, pode-se determinar uma tradução única, ou a única tradução que temos na prática. Mas obstáculos que vão além da própria teoria linguística terão que ser usados, em minha opinião; também haverá obstáculos sobre quais os tipos de crença (e conexões entre crenças, e conexões de crenças à cultura e ao mundo) que podemos razoavelmente imputar às pessoas. Discussões desses assuntos serão adiadas até um outro trabalho.
37 16. Uma crítica da teoria semântica davidsoniana
Numa série de publicações, Donald Davidson evidenciou a sugestão interessante de que uma teoria semântica da linguagem natural poderia ser modelada naquilo que os lógicos matemáticos chamam definição de verdade para uma linguagem formalizada. Despida de tecnicalidades, o que esta sugestão afirma é que pode haver um conjunto de regras especificando (1) para cada palavra, sob quais condições a palavra é verdadeira de alguma coisa (palavras para as quais o conceito de uma extensão faz sentido; todas as outras palavras serão tratadas como sincategoremáticas); (2) para sentenças maiores que uma única palavra, uma regra é dada especificando as condições sob as quais a sentença é verdadeira como uma função do modo em que é construída de sentenças mais curtas (contando palavras como se fossem sentenças de uma palavra, por exemplo, “neve” como “isto é neve”). A escolha de sentenças de uma palavra como o ponto de partida é minha interpretação do que Davidson pretende; em qualquer caso, ele pede que se comece com um estoque finito de sentenças curtas para as quais as condições de verdade são afirmadas diretamente. A intenção de (2) não é que haveria uma regra para cada sentença não manuseada sob (1), uma vez que isto exigiria um número infinito de regras, mas que haveria uma regra para cada sentença tipo. Por exemplo, numa linguagem formalizada, uma das regras do tipo (2) poderia ser: se S é (S 1 & S 2), então S é verdadeira se, e somente se, S 1, S 2 são ambos verdadeiros. Note que, no exemplo dado há pouco, as condições de verdade especificadas para sentenças da sentença tipo ( S 1 & S 2) especifica o significado de “&”. Mais precisamente, especifica o significado da estrutura (–– & ––). Este é o sentido no qual a definição de verdade pode ser uma teoria do significado. A argumentação de Davidson é que a teoria completa do significado pode ser dada desta forma. Não há dúvida de que regras do tipo ilustrado podem dar o significado de algumas palavras e estruturas. A questão é: que razão há para pensar que o significado da maioria das palavras pode ser dada, deixando todo o resto? A dificuldade óbvia é esta: para muitas palavras, uma definição de verdade extensionalmente correta pode ser dada, mas que não é a teoria do significado da palavra. Por exemplo, considere “Água” é verdadeira de x se, e somente se, x é H 2O. Esta é uma definição de verdade extensionalmente correta para “água” (rigorosamente falando, não é uma definição de verdade, mas uma definição “da verdade de” – isto é, uma definição de satisfação-nosentido-de-Tarski – mas não seremos incomodados com tais refinamentos aqui). Pelo menos, a definição é extensionalmente correta se ignorarmos o problema de que água com impurezas é também chamada “água”, etc. Ora, suponha que a maioria dos falantes não saiba que água é H2O. Então de modo algum esta fórmula diz-nos algo sobre o significado de “água”. Deve ser interessante para um químico, mas não conta como uma teoria do significado do termo “água”. Ou, conta como uma teoria da extensão do termo “água”, mas Davidson está prometendo mais do que isso. Davidson está muito ciente desta dificuldade. Sua resposta (em conversas, de qualquer modo) é que precisamos desenvolver uma teoria da tradução. Como Quine, ele considera ser este o problema verdadeiro. Relativizado a tal teoria (relativizado àquilo que nós sabidamente ainda não temos), a teoria faz o seguinte: nós queremos um sistema de definições de verdade que é simultaneamente um sistema de traduções (ou traduções aproximadas, se não se pode
38
obter a tradução perfeita). Se tivéssemos uma teoria que especificasse o que é ser uma boa tradução, então poderíamos jogar fora a definição acima de “água” como desinteressante sob o fundamento de que x é H 2O não é uma tradução aceitável ou mesmo uma tradução aproximada de x é água (numa comunidade pré-científica), mesmo se água = H 2O ocorre de ser verdadeira. Isto se torna perigosamente próximo de dizer que uma teoria do significado é uma definição de verdade mais uma teoria do significado. (Se tivéssemos presunto e ovos, teríamos presunto e ovos – se tivéssemos presunto e se tivéssemos ovos). Mas esta fábula é mais maligna que promissora, tal como vejo. Um segundo argumento de Davidson é que a teoria da tradução que nós ainda não temos é necessariamente uma teoria cujas unidades básicas são sentenças e não palavras sobre o fundamento de que nossa evidência em linguística necessariamente consiste em concordar ou discordar de sentenças. Palavras podem ser manuseadas, Davidson argumenta, tratando-as como sentenças (“água” como “isto é água”, etc.). Como este projeto ambíguo de construir uma teoria do significado na forma de uma teoria da verdade forçada por uma teoria da tradução testada pela “única evidência que temos”, a disposição dos falantes para usar sentenças, porta-se de acordo com a visão que estamos defendendo aqui? Nossa resposta é que tal teoria não pode ter sucesso, em princípio. Em casos especiais, tal como a palavra “e” em seu sentido verifuncional, uma definição de verdade (rigorosamente falando, uma cláusula na qual os lógicos chamam uma “definição de verdade” – a soma total de todas as cláusulas da definição indutiva de “verdade” para a linguagem particular) pode dar o significado da palavra ou estrutura porque o estereótipo associado com a palavra (se se quer falar de estereótipo no caso de uma palavra como “e”) é tão forte que realmente constitui uma condição necessária e suficiente. Se todas as palavras fossem como “e” e “solteiro” o programa poderia ter sucesso. E Davidson certamente faria uma importante contribuição em apontar que a linguística tem que lidar com condições de verdade indutivamente especificadas. Mas na grande maioria das palavras, os requisitos de uma teoria de verdade e os requisitos de uma teoria do significado são mutuamente incompatíveis, pelo menos no caso inglês-inglês. Mas o caso inglês-inglês – o caso no qual tentamos dar uma teoria expressiva do significado de palavras em inglês que é ela própria expressa em inglês – é certamente o caso básico. O problema é que, em geral, as únicas expressões que são coextensivas de X e têm aproximadamente o mesmo estereótipo de X são expressões contendo o próprio X. Se jogássemos fora tais definições de verdade (rigorosamente falando, cláusulas, mas eu continuarei usando “definição de verdade” para cláusulas individuais e para todo o sistema de cláusulas, por simplicidade) como “X é água” é verdadeira se, e somente se, X é água sob o fundamento de que elas não dizem nada sobre o significado da palavra “água”, e jogássemos fora definições tais como “X é água” é verdadeira se, e somente se, X é H 2O
39
sob o fundamento de que o que eles dizem é errado como uma descrição do significado da palavra “água”, então seríamos deixados com nada. O problema é que nós queremos W é verdadeira de X se, e somente se, ––– para satisfazer as condições (1) de que a cláusula seja extensionalmente correta (na qual ––– é para ser pensada como uma condição contendo “x”, por exemplo, “x é H 2O”); (2) que ––– seja uma tradução de W – na nossa teoria, isto significaria que o estereótipo de W é aproximadamente o mesmo do estereótipo associado com ––– ; (3) que ––– não contenha o próprio W , ou variantes sintáticas de W . Se tomarmos W como, por exemplo, a palavra “olmo”, então não há nenhuma maneira de preencher simultaneamente todas as três condições. Qualquer condição da forma acima que não contenha “olmo” e que seja extensionalmente correta conterá um ––– que é absolutamente terrível como tradução de “olmo”. Mesmo quando a linguagem contiver dois sinônimos exatos, a situação é melhor. Assim “Urze” é verdadeiro se, e somente se, x é tojo é verdadeira, e assim também o é “Tojo” é verdadeiro se, e somente se, x é urze – isto é uma teoria do significado de “tojo” e “urze”? Note que a condição (3) é precisamente aquilo que os lógicos não impõem sobre suas definições de verdade. “A neve é branca” se, e somente se, a neve é branca é o paradigma da definição de verdade no sentido lógico. Mas os lógicos estão tentando dar a extensão de “verdadeiro” com respeito a uma linguagem particular, não o significado de “a neve é branca”. Tarski até poderia ter afirmado que ele estava dando o significado (e não apenas a extensão) de “verdade”; mas ele nunca afirmou que estava dizendo alguma coisa sobre o significado de “a neve é branca”. Pode ser que aquilo que Davidson realmente pensa é que a teoria do significado, em qualquer sentido sério do termo, é impossível, e que tudo o que é possível é construir funções de tradução. Se for assim, ele deveria pensar que a única “teoria do significado” possível para o inglês é aquela que diz “‘olmo’ é verdadeiro de x se, e somente se, x é um olmo”, “‘água’ é verdadeiro de x se, e somente se, x é água”, etc., e raramente algo iluminado como “ S 1 & S 2 é verdadeiro se, e somente se, S 1, S 2 são ambos verdadeiros”. Mas se a “teoria” de Davidson é apenas o ceticismo quineano sob o disfarce de uma contribuição positiva para o estudo do significado, então é um osso duro de roer. A alegação de que as únicas evidências disponíveis para o linguista são as disposições dos falantes com respeito à totalidade das sentenças é, além disso, vazia sob uma interpretação, e plenamente falsa sob a interpretação que não é vazia. Se disposições para dizer determinadas coisas quando inquiridas sobre palavras individuais ou morfemas ou estruturas sintáticas estão incluídas na disposição para usar sentenças, então a restrição a disposições para usar sentenças não parece jogar fora nada que seja interessante. Sob a
40
interpretação não vazia, o que Davidson está dizendo é que o linguista não pode ter acesso aos dados que os informantes (incluindo o próprio linguista) têm quando lhes perguntam sobre o significado de uma palavra ou morfema ou estrutura sintática. Nenhuma razão foi dada de por quê o linguista não pode ter acesso a tais dados, e é claro que os linguistas reais confiam intensamente nos testemunhos dos informantes sobre tais assuntos, no caso de uma linguagem estranha, e em suas intuições sobre os falantes nativos, quando estudam suas linguagens nativas. Em particular, quando estão tentando traduzir uma sentença completa, não há razão porque não deveríamos nos guiar por nosso conhecimento das propriedades sintáticas e semânticas dos constituintes de cada sentença, incluindo a estrutura profunda. Como vimos, existem procedimentos para obter informação sobre constituintes individuais. É notável que o procedimento que Quine e Davidson afirmam seja o único possível – ir da sentença completa para as palavras individuais – é o oposto do procedimento sobre o qual foi baseado todo o sucesso atingido no estudo da linguagem natural. 17. Crítica da semântica californiana
Quero, agora, considerar uma abordagem da teoria semântica iniciada pelo falecido Rudolf Carnap. Uma vez que não desejo ser embaraçado em questões textuais, não atribuirei a forma particular da visão que estarei descrevendo a algum filósofo particular, mas simplesmente referirei a ela como “semântica californiana”. Nós assumimos a noção de mundo possível . Seja f uma função definida sobre o “espaço” de todos os mundos possíveis cujo valor f ( x) em qualquer mundo possível x é sempre um subconjunto do conjunto de entidades em x. f é chamada uma intensão. Um termo T tem significado para um falante X se X associa T com uma intensão f T. O termo T é verdadeiro de uma entidade e em um mundo possível x se, e somente se, e pertence ao conjunto f ( x). No lugar de usar o termo “associado”, Carnap tendeu a falar de “apreender” ( grasping ) intensões; mas, naturalmente, o que ele pretendia não era apenas que X “apreende” a intenção f , mas que ele apreende que f é a intensão de T – isto é, que ele associa f com T de alguma maneira. Naturalmente este quadro do que é compreender um termo discorda da história que contamos neste trabalho. A réplica do semanticista californiano seria a de que a semântica californiana é uma descrição de uma linguagem ideal ; que a linguagem real é vaga. Noutras palavras, um termo T em uma linguagem real não tem uma intensão precisa única; tem um conjunto – possivelmente um conjunto difuso – de intensões. Contudo, o primeiro passo para descrever a linguagem natural é estudar cuidadosamente a idealização na qual cada termo T tem exatamente uma intensão. (Em seu livro Meaning and Necessity, Carnap emprega uma formulação aparentemente diferente: uma intensão é simplesmente uma propriedade. Uma entidade e pertence à extensão de um termo T apenas quando e tem qualquer propriedade que está na intensão de T . A formulação em termos das funções f descritas acima evita tomar a noção de propriedade como primitiva). A primeira dificuldade com esta posição é o uso da noção completamente inexplicada de apreender uma intensão (ou, em nossa reformulação desta posição, associar uma intensão com um termo). Identificar intensões com entidades conjuntistas f supre uma compreensão
41
“concreta” da noção de intensão no estilo matemático corrente (relativo às noções de mundos possíveis e conjunto), mas ao custo de fazê-lo muito difícil ver como se poderia ter uma intensão na mente, ou o que é pensar sobre algo ou “apreender” algo ou “associar” algo com algo. Eu não direi que pensar uma intensão é usar a palavra ou o substituto funcional para a palavra (e. g . o análogo de uma palavra no “código cerebral”, se, como parece ser o caso, o cérebro “computa” um “código” analógico e possivelmente apropria-se da linguagem; ou uma forma de pensamento tal como um quadro ou um símbolo privado, nos casos em que estes são empregados no pensamento) que se refere à intensão em questão, uma vez que referência (isto é, estar na intensão do termo) tem sido justamente definida em termos de intensão. Embora a caracterização do que é pensar uma entidade abstrata como uma função ou uma propriedade é certamente correto, no presente contexto é patentemente circular. Mas nenhuma caracterização não circular desta noção fundamental da teoria foi fornecida. A dificuldade está relacionada com a dificuldade geral na filosofia da matemática apontada por Paul Benacerraf 27. Benacerraf observou que as filosofias da matemática tendem a ficar entre a cruz e a espada: ou considera o que são os objetos matemáticos e, pois a necessidade da verdade matemática e falham em considerar o fato que as pessoas podem aprender matemática, podem referir a objetos matemáticos, etc., ou, ao contrário, eles consideram os últimos fatos e falham em considerar os primeiros. A semântica californiana considera que intensões são, mas não proporciona nenhuma abordagem que não seja completamente circular de como é que podemos “apreendê-las”, associá-las com termos, pensá-las, referi-las, etc. Carnap pode não ter notado esta dificuldade por causa de seu verificacionismo. Em seus anos iniciais, Carnap pensou compreender um termo como possuir a habilidade de verificar se qualquer entidade cai na extensão do termo ou não. Em termos de intensões: “apreender” uma intensão importaria, então, em possuir a habilidade de verificar se uma entidade e em qualquer mundo possível x pertence a f ( x) ou não. O último Carnap modificou esta visão, reconhecendo que, como Quine afirma, sentenças enfrentam o tribunal da experiência coletivamente e não individualmente. Não há coisas tais como o modo de verificar se um termo T é verdadeiro de uma entidade, em geral, independentemente do contexto de um conjunto particular de teoria, hipóteses auxiliares, etc. Talvez Carnap tivesse sustentado que a antiga teoria estava correta para uma classe limitada de termos, os assim chamados “termos observacionais”. Nossa própria visão é a de que a teoria verificacionista do significado é falsa em sua ideia central e para termos observacionais, mas nós não tentaremos discutir isso aqui. Em qualquer caso, se alguém não é um verificacionista, então é difícil ver a semântica californiana, de qualquer modo, como uma teoria, uma vez que a noção de apreender uma intensão ficou totalmente inexplicada. Segundo, se assumirmos que “apreender uma intensão” (associar uma intensão com um termo T ) supõe estar em um estado psicológico (no sentido estrito), então a semântica californiana está comprometida com os princípios (1) e (2) que criticamos na primeira parte deste trabalho. O estado psicológico de um falante determina a intensão de seus termos que por sua vez determinam a extensão de seus termos. Seguiria que se dois seres humanos estão inteiramente no mesmo estado psicológico, então necessariamente atribuem a mesma extensão a todos os termos que empregam. Como vimos, isto está totalmente errado para a linguagem natural. A razão pela qual isto está errado, como vimos acima, é em parte porque a 27
Paul Benacerraf, “Mathematical Truth”, Journal of Philosophy 70 (1973), p. 661-678.
42
extensão é determinada socialmente e não apenas pela competência individual. Assim a semântica californiana está comprometida com o tratamento da linguagem como algo privado – ignorando totalmente a divisão do trabalho linguístico A extensão de cada termo é vista, por esta escola, como totalmente determinada por algo na cabeça do falante individual por si mesmo. Uma segunda razão de que isto está errado, como nós também dissemos, é que a maioria dos termos é rígida. Na semântica californiana todo termo é tratado, de fato, como uma descrição. O componente indexical do significado – o fato de que nossos termos referem-se a coisas que são similares, em determinadas maneiras, a coisas que designamos rigidamente, a estas coisas, à matéria que chamamos “água”, ou o que seja, aqui – é ignorado. Mas e quanto à defesa de que não é uma linguagem real aquilo que o semanticista californiano está preocupado, mas com uma idealização na qual “ignora-se a vaguidade”, e que os termos da linguagem natural podem ser mais bem pensados associados com um conjunto de intensões do que com uma intensão única bem definida? A resposta é que uma palavra indexical não pode ser representada por uma família vaga de palavras não indexicais. A palavra “eu”, para tomar um caso extremo, é indexical , mas não vaga. “Eu” não é sinônimo de uma descrição; nem é sinônimo de um conjunto difuso de descrições. Similarmente, se estamos corretos, “água” não é sinônimo, nem de uma descrição, nem de um conjunto difuso de descrições (intensões). Similarmente, uma palavra cuja extensão é fixada socialmente e não individualmente não é a mesma coisa que uma palavra cuja extensão é vagamente fixada individualmente. A razão pela qual minha “apreensão” individual de “olmo” não fixa a extensão de olmo não é que a palavra é vaga – se o problema fosse simples vaguidade, então o fato de que meus conceitos não distinguem olmos de faias poderia implicar que olmos são faias, como uso o termo, ou, de qualquer modo, casos de fronteira de faias, e que faias são olmos, ou casos de fronteira de olmos. A melhor razão é que a extensão de “olmo” em meu dialeto não está fixada pela quantidade de “apreensões” ou de não “apreensões”; está fixada pela comunidade, incluindo os especialistas, através de um processo complexo de cooperação. Uma linguagem que exemplifica a divisão do trabalho linguístico não pode ser aproximada com sucesso por uma linguagem que tem termos vagos e nenhuma divisão de trabalho linguístico Cooperação não é vaguidade. Mas, alguém poderia replicar, não se poderia substituir nossa linguagem real por uma linguagem na qual (1) termos fossem substituídos por termos coextensivos que não fossem indexicais (e. g . “água” por “H 2O”, assumindo que “H 2O” não é indexical); e (2) nós eliminássemos a divisão de trabalho linguístico, fazendo todo falante um especialista em qualquer tópico? Nós responderemos a esta questão de forma negativa; mas suponha, por um momento, que a resposta fosse “sim”. Que significado isto poderia ter? A linguagem “ideal” não poderia ser similar à nossa linguagem real em nenhum sentido; nem a diferença poderia ser uma questão de “vaguidade da linguagem natural”. De fato, todavia, não se poderia efetuar a substituição, pela boa razão de que todas as palavras de espécies naturais e de magnitude física são indexicais da maneira em que temos descrido, “hidrogênio”, e, portanto “H 2O”, tanto quanto “água”. Talvez os termos de “dados dos sentidos” ( sense-data) não sejam indexicais (fora os termos para a própria pessoa), se tais existem; mas “amarelo” como uma coisa predicada é indexical pela mesma razão que “tigre”;
43
mesmo se algo parece ser amarelo pode não ser amarelo. E não ajuda dizer que coisas que parecem ser amarelas em circunstâncias normais (para observadores normais) são amarelas; “normal” aqui é exatamente a característica que chamamos indexicalidade. Simplesmente não há razão para acreditar, em princípio, que o projeto de reduzir nossa linguagem à linguagem não indexical poderia ser efetuado. A eliminação da divisão do trabalho linguístico poderia, eu suponho, ser efetuada “em princípio”. Mas, se a divisão do trabalho linguístico é, como eu conjeturei, um universal linguístico, que interesse haveria na existência possível de uma linguagem que carece de uma característica constitutiva da linguagem humana? Um mundo em que todos são especialistas sobre qualquer tópico é um mundo no qual as leis sociais são quase inimagináveis de tão diferentes do que são agora. Qual é a motivação de tomar tal mundo e tal linguagem como modelo para a análise da linguagem humana? Casualmente, filósofos que trabalham na tradição da semântica californiana recentemente começaram a modificar o esquema para superar estes defeitos. Assim sugeriram que uma intensão pode ser uma função cujos argumentos não são apenas mundos possíveis, mas, talvez, um mundo possível, um falante, e um contexto não linguístico de proferimento. Este mundo poderia permitir a representação no modelo de alguns tipos de indexicalidade e alguns tipos de divisão do trabalho linguístico Como David Lewis desenvolve estas ideias, “água”, por exemplo, teria a mesma intensão (mesma função) na Terra e na Terra Gêmea, mas uma extensão diferente. (De fato, Lewis conserva o pressuposto (1) da discussão na primeira parte deste trabalho e desiste de (2); nós escolhemos desistir de (1) e conservar (2)). Não há razão pela qual os modelos formais desenvolvidos por Carnap e seus seguidores, assim modificados, não poderiam ser valiosos. Nosso interesse aqui não foi na utilidade do formalismo matemático, mas na filosofia da linguagem subjacente nas versões anteriores desta visão. 18. Marcadores semânticos
Se a abordagem sugerida aqui está correta, então existe uma grande quantidade de trabalho cientifico a ser feito: (1) encontrar que tipos de itens podem aparecer nos estereótipos; (2) trabalhar um sistema conveniente para representar estereótipos; etc. Este trabalho, entretanto, não é trabalho que possa ser feito pela discussão filosófica. É antes a província da linguista e da psicolinguística Uma ideia que eu acredito que pode ser valorosa é a ideia de um marcador semântico. A ideia vem do trabalho de J. Katz e J. A. Fodor; nós modificaremos a ideia um pouco neste trabalho. Considere, por exemplo, o estereótipo de “tigre”. Este inclui características tais como ser um animal; ser como-um-grande-gato, ter listas pretas sobre um fundo amarelo (listas amarelas sob um fundo preto?); etc. Ora, existe algo muito especial sobre a característica animal . Em termos da noção de Quine de centralidade ou universalidade, e l a é qualitativamente diferente de outras características. Não é impossível imaginar que tigres podem não ser animais (podem ser robôs). Trocando em miúdos, eles sempre foram robôs; nós não queremos contar uma história sobre os tigres sendo substituídos por robôs, porque os robôs poderiam não ser tigres. Ora, se não fossem sempre robôs, deveriam ter-se tornados
44
robôs, o que é mais difícil de imaginar. Se tigres são e sempre foram robôs, estes robôs não devem ser tão “inteligentes” ou, ainda mais, nós não podemos ter um caso no qual tigres não são animais – nós podemos, antes, ter descrito um caso no qual alguns robôs são animais. O melhor é fazê-los robôs “semi dirigidos” – digamos, ter um operador em Marte controlando cada movimento remotamente. Trocando em miúdos, eu repito, é difícil, e é curiosamente intricado pensar o caso para começar, porque é fácil cometer o erro de pensar que é “logicamente impossível” para um tigre não ser um animal. De outro lado, não há dificuldade em imaginar um tigre individual que não é listado; deve ser um albino. Nem é difícil imaginar um tigre individual que não seja como um gato grande: deve ser horrivelmente deformado. Nós podemos mesmo imaginar a totalidade da espécie perdendo suas listas ou tornando-se horrivelmente deformada. Mas tigres cessando de ser animais? Grande dificuldade novamente! Note que não estamos cometendo o erro que Quine corretamente criticou de atribuir uma não revisibilidade absoluta de sentenças tais como “tigres são animais”, “tigres não podem mudar de animais em algo mais e ainda serem tigres”. Naturalmente, podemos descrever casos forçados nos quais estas sentenças podem ser abandonadas. Mas sustentamos que é qualitativamente muito mais difícil revisar “tigres são animais” do que “todos os tigres têm listas” – de fato, a última sentença certamente não é verdadeira. Não somente fazer características tais como “animal”, “coisa viva”, “artefato”, “dia da semana”, “período do tempo”, ligadas com enorme centralidade com as palavras “tigre”, “molusco”, “cadeira”, “Terça-feira”, “hora”; mas também fazê-las parte de um importante e amplamente usado sistema de classificação. A centralidade garante que itens classificados sob estes títulos virtualmente nunca têm de ser reclassificados; assim estes títulos são os naturais para usar como indicadores categoriais numa multidão de contextos. Para mim parece razoável que, assim como na sintaxe usamos marcadores como “nome”, “adjetivo” e, mais estreitamente, “nome concreto”, “verbo tomando uma pessoa como sujeito e objeto abstrato”, etc., para classificar palavras, assim em semântica estes indicadores de categorias poderiam ser usados como marcadores. É interessante que quando Katz e Fodor originalmente introduziram a ideia de marcador semântico, eles não a propuseram para exaurir o significado – que nós chamamos o estereótipo – em uma lista de tais marcadores. Mais propriamente, os marcadores foram restringidos para indicadores categoriais de alta centralidade, que é o que propomos. As características restantes foram simplesmente listadas como um “distintivo”. Seu esquema não é facilmente comparável ao nosso, porque eles queriam os marcadores semânticos mais os distintivos para sempre dar uma condição necessária e suficiente de pertencimento à extensão de um termo. Uma vez que todas essas coisas – marcadores e distintivos – representa o que todo falante implicitamente conhece, eles comprometeram-se com a ideia de que todo falante implicitamente conhece uma condição necessária e suficiente de pertencimento à extensão de “ouro”, “alumínio”, “olmo” – que, como mostramos, não é o caso. Mais tarde, Katz quis ir além disso, e pretendeu que todas as características constituem uma condição necessária e suficiente analiticamente de pertencimento à extensão. Neste ponto ele renunciou à distinção entre marcadores e distintivos; se todas as características têm, por assim dizer, o grau infinito de centralidade, por que chamar algumas de “marcadores” e outros de “distintivos”? Do nosso ponto de vista, sua distinção original entre “marcadores” e “distintivos” estava correta –desde que não se caia na ideia de que o distintivo (junto com os marcadores) dá uma condição
45
necessária e suficiente, e a ideia de que qualquer destas é uma teoria da analiticidade. Nós sugerimos que a ideia de marcador semântico é uma contribuição importante, quando tomada como sugerimos aqui. 19. O significado de “significado”
Agora podemos resumir o que foi dito na forma de uma proposta acerca de como se pode construir a noção de “significado”. Nossa proposta não é a única que pode ser desenvolvida com base nestas ideias, mas pode servir para condensar alguns dos maiores pontos. Em acréscimo, eu sinto que recobre muito do uso costumeiro da fala do senso comum e da linguística que provavelmente estamos aptos a preservar de modo conveniente. Já que, em minha visão, as pressuposições (1) e (2) listadas na primeira parte deste trabalho são profundamente incrustadas no significado ordinário da fala, e estas pressuposições são conjuntamente inconsistentes com os fatos, nenhuma reconstrução será feita sem alguma consequência contra-intuitiva. Resumidamente, minha proposta é definir “significado” não tomando um objeto que será identificado com o significado (apesar de que possa ser feito no estilo usual conjuntista se se insiste), mas especificando uma forma normal (ou, preferivelmente, um tipo de forma normal) para a descrição do significado. Se nós sabemos como uma “descrição da forma normal” do significado de uma palavra deve ser, então, até onde estou interessado, nós sabemos o que é significado, em qualquer sentido cientificamente interessante. Minha proposta é que a descrição da forma normal do significado de uma palavra seria uma sequência finita, um “vetor”, cujos componentes certamente incluiriam o seguinte (deve ser desejável também haver outros tipos de componentes): (1) marcadores sintáticos que se aplicam à palavra, e. g ., “nome”; (2) marcadores semânticos que se aplicam à palavra, e. g . “animal”, “período do tempo”; (3) uma descrição de características adicionais do estereótipo, se houver; (4) uma descrição da extensão. A seguinte convenção é parte desta proposta: os componentes do vetor representam a hipótese sobre a competência individual do falante, exceto a extensão. Assim a descrição da forma normal para “água” pode ser, em parte:
MARCADORES SINTÁTICOS
Nome de massa; Concreto;
MARCADORES SEMÂNTICOS
Tipo natural; Líquido;
ESTEREÓTIPO
Sem cor; Transparente; Sem gosto; Mata a sede; etc.
EXTENSÃO
H 2O (dar ou dizer as impurezas)
46
– isto não significa que o conhecimento do fato de que água é H 2O está sendo imputado ao falante individual ou mesmo à sociedade. Significa que ( nós dizemos) a extensão do termo “água” como eles (os falantes em questão) usam é de fato H2O. A objeção “quem somos nós para dizer que é de fato a extensão de seu termo” foi discutida acima. Note que isto é fundamentalmente uma objeção à noção de verdade, e que a extensão é relativa a verdades e herda os problemas inerentes. Chamemos duas descrições equivalentes se são a mesma, exceto quanto a descrição da extensão, e as duas descrições são coextensivas Assim, se o conjunto variável descrito nas duas descrições é, de fato, a extensão da palavra em questão, e os outros componentes na descrição são caracterizações corretas dos vários aspectos da competência que representam, ambas as descrições contam como corretas. Este é outra maneira de mostrar que, embora usemos uma descrição da extensão para dar a extensão, nós pensamos do componente em questão como sendo a extensão (o conjunto), não a descrição da extensão. Em particular, a representação das palavras “água” no dialeto da Terra e “água” no dialeto da Terra Gêmea poderia ser a mesma, exceto que na última coluna da descrição da forma normal da palavra “água” da Terra Gêmea teria XYZ e não H 2O. Isto significa, em vista do que foi dito, que nós estamos atribuindo a mesma competência linguística aos falantes típicos da Terra/Terra Gêmea, mas, entretanto, uma extensão diferente da palavra. Esta proposta significa que tomamos a pressuposição (2) de nossa discussão anterior. Significado determina a extensão – por construção, por assim dizer. Mas (1) é deixado de lado; o estado psicológico de um falante individual não determina “aquilo que ele significa”. E acredito que na maioria dos contextos isto concordará com o modo como falamos. Mas há um paradoxo: suponha que Oscar é bilíngue em inglês e alemão. Em nossa visão, em sua coleção total de dialetos, as palavras “faia” e “ Buche” são sinônimos exatos. As descrições das formas normais de seus significados seriam idênticas. Mas ele pode muito bem não saber que são sinônimos! Um falante pode muito bem ter dois sinônimos em seu vocabulário e não saber que são sinônimos! É instrutivo ver como a falha da aparentemente óbvia “se S 1 e S 2 são sinônimos e Oscar compreende S 1 e S 2, então Oscar sabe que S 1 e S 2 são sinônimos” está relacionada com a falsidade de (1), em nossa análise. Note que se escolhermos omitir a extensão como um componente do “vetor significado”, que é como compreendo a proposta de David Lewis, então teríamos o paradoxo de que “olmo” e “faia” teriam o mesmo significado, mas extensões diferentes! Em qualquer teoria materialista, acreditar na proposição é processar alguma representação daquela proposição, seja uma sentença em uma linguagem, uma peça do “código do cérebro”, uma forma de pensamento, ou o que seja. Materialistas, e não somente materialistas, são relutantes em pensar que se pode acreditar em proposições nítidas. Mas mesmo materialistas tendem a acreditar que, se alguém acredita numa proposição, a representação que se emprega é imaterial (perdoem o trocadilho). Se S 1 e S 2 são representações que estão disponíveis para mim, então se acredito na proposição expressada por S 1 sob a representação S 1, devo também acreditar na representação S 2 – pelo menos, eu devo assim fazer se eu tenho qualquer reivindicação de racionalidade. Mas, como vimos, isto não está correto. Oscar pode acreditar que isto é uma “faia” (se tem um signo na qual que diz “faia”), mas não acreditar que isto é “ Buche”. Não é somente porque a crença é um processo