SABEMOS MUITO POUCO DE CAMÕES
Sabemos muito pouco de Camões Mal sabemos quem foram os seus pais, Quanto ao seu nascimento há discussões, Dos seus estudos não se s e sabe mais. Passou dezassete anos aos baldões Na Índia e em paragens orientais. Fazia belos versos muitas vezes. N’Os Lusíadas canta os Portugueses.
O inimigo às vezes é Castela, Que nem bons ventos traz, nem casamentos; Outras vezes são Mouros, na querela Com os Cristãos em todos os momentos, E depois, pelo mundo, ao ir à vela, São Muçulmanos sempre e aos seus intentos Camões dá nomes feios e cruéis, De que o menos cruel é «infiéis».
Quando voltou a Portugal, saiu O seu livro. Camões era tão pobre Que não se sabe como o conseguiu. Talvez tivesse a ajuda de algum nobre E ajuda com certeza ele pediu. Enfim, o livro sai e se descobre Que aquele altivo português de gema Pusera a nossa História num poema.
E assim vai n’Os Lusíadas contando Como é que Portugal se originou E teve reis que o foram aumentando, E depois como é que navegou Até chegar à Índia, mas quando Lá foi parar, na Índia não parou, E foi mais longe ainda, coisa rara!, E se mais mundo houvera, lá chegara.
Esse poema chama-se epopeia Que era uma forma usada antigamente Em que um herói levando a vida cheia De combates terríveis segue em frente E acaba vencedor, porque guerreia Em nome do seu povo e é tão valente Que em coragem e força é sobre-humano. O povo aqui é o peito lusitano.
Também é importante ter presente Que há deuses e deusas em conflito, Coisa que enche de espanto toda a gente Porque pintam o bom e o bonito Fazendo andar a história para a frente, O que para o leitor é esquisito, Pois Camões é cristão, muito cristão, Mas quanto à fantasia é bem pagão.
Para o fazer, Camões usou a oitava Que é feita de oito versos a rimar. Até ao sexto as rimas alternava, Nos dois finais a rima vai a par. Com oitavas assim, organizava Essa história que tinha de contar Em cantos que são dez e a nós, ao lê-los, l ê-los, Espanta como pôde ele escrevê-los.
O que ele aqui nos conta tem três planos: O dos deuses de outrora, céu além, O dos homens, na terra e oceanos, E no fundo do mar, deuses também. Façam o que fizerem, os humanos Vão encontrar os deuses e convém Lembrar essa maneira de fazer Uns belos versos para a gente ler.
A Dom Sebastião, que assim se chama O jovem rei de Portugal, oferece O seu poema e lhe promete a fama Que a nossa terra junto ao mar merece. Diz como navegou Vasco da Gama Mas conta a nossa História, não se esquece Do que antes sucedeu, nem dos perigos Que o mar nos fez correr, mais que aos antigos. antigos .
Às vezes é difícil a leitura Dos nomes que esses deuses pagãos tinham: Apolo ou Febo para o Sol na altura alt ura E Marte para a Guerra. Outros alinham: Baco, que é contra nós nessa aventura, E Vénus, deusa amada, a quem convinham Os feitos portugueses e que é filha Do pai Júpiter que acima deles brilha.
Neptuno é o deus dos mares, o dos ventos, Eolo, também faz aparições, E há vários outros deuses turbulentos, Velhos mitos e grandes invenções: Ulisses e Eneias são portentos De manha e luta, ardis, complicações, E há deusas, como Tétis ou Diana, Muito formosas na aparência humana.
E à nossa língua deu um brilho novo E uma moderna musicalidade, Com palavras que são de todo o povo E algumas mais difíceis, é verdade. Só de ver como o faz eu me comovo, Como ele exprime a nossa identidade, Dizendo o que se pensa, sabe e sente, De uma maneira muito cá da gente.
E há muitos outros mitos que se agitam E as Ninfas, criaturas que nos rios, Montes, vales, floresta e mar habitam E aparecem em vários desafios. São como raparigas que espevitam Nos poetas rasgados elogios. N’ Os Lusíadas bem se fala delas E são sempre, mas sempre, muito belas.
Dos chamados clássicos, Camões Muita coisa aprendeu e imitou. Um clássico só dá boas lições: É um modelo antigo que ensinou Gerações, gerações e gerações E que a nossa cultura assim marcou. Ora Camões os clássicos leu bem E os soube usar melhor do que ninguém.
Parece hoje uma banda desenhada E afinal a gente não estranha Que o Super-Homem voe, e nos agrada O Senhor dos Anéis, o Homem-Aranha, E tantos divertindo a criançada Com repentina e mágica façanha, Usando seus poderes sensacionais, Batman, Harry Potter, muitos mais…
De Homero, da Ilíada e Odisseia, De Virgílio e da Eneida e seus heróis, Tinha Camões sempre a memória cheia E muito o inspiraram esses dois: «Canto as armas e o homem» é a ideia Do começo da Eneida, o que depois A sua voz imita em altos brados: «As armas e os Barões assinalados»...
No poema, Camões introduziu Muitos termos tirados do latim: Pôs «lenho» em vez de «nau», substituiu «Véu» por «cendal» e mais coisas assim, E do mundo de outrora repetiu Antigos nomes e o fez tim-tim Por tim-tim, logo a começar então Por Taprobana, a ilha de Ceilão.
E assim ele começa anunciando O que é que vai cantar, homens e feitos Que os portugueses foram praticando Com esforço e valor de heróicos peitos, A triunfar na guerra e dominando Mares que a Neptuno eram sujeitos. Há nesse começar um grande estilo, E, acreditem, vale a pena ouvi-lo:
MOURA, Vasco Graça, Os Lusíadas para gente nova, Gradiva, setembro de 2012.