OLGA RINNE
O Direito à Ira e ao Ciúme
COLEÇÃO "A MAGIA MAGIA D O S MITOS' MITOS'
Cultrix
COLEÇÃO “A MAGIA DOS MITOS”
MEDÉIA0 Direito Direito à Ira e ao ao Ciúme Ciúme Olga Rinne A figura de Medéia é uma identificação ainda válida no momento atual. Na apresentação de Eurípedes, ele representa o aspecto “feminino sombrio”, portador de valiosas energias, que só podem ser liberadas no ego de uma mulher quando esta ousa olhar para o interior dessa “sombra” e ir sem medo ao seu encontro. Nas mais antigas tradições, ela surge como a imagem oposta à mulher demasiado dócil e retraída criada pelo patriarcado, como um símbolo da dignidade, sabedoria e competência fe mininas, que as mulheres atualmente procura procuram m reconquista reconquistar. r. A partir da tragédia de Eurípedes, Medéia, que matou por ciúme os próprios filhos, tomou-se a imagem negativa da mulher. O conflito de re lação entre Medéia e o marido Jasâo, que a abandonou por causa de uma mulher mais jovem, é a imagem original de um drama que continua atual em nossos dias. Para a mulher forte e inteligente, a paixão toma-se uma fatalidade e a deusa Medéia, doadora de bênçãos, converte-se numa espo sa ciumenta, objeto de desprezo. De que modo ela retoma a si mesma e readquire a sua autoridade? autoridade? O propósito deste livro é aprofu aprofund ndar ar e responder responder com valio va liosos sos acha dos a essa ess a indagação. indagação. COLEÇÃO “A MAGIA DOS MITOS” Mülle r O HERÓI - Todos Nasc N ascem emos os para para ser ser Heróis - Lutz Müller Verena Kast Kas t SÍSIFO SÍSIFO - A Mesma Mesm a Pedr Pedra, a, Um N ovo Caminho Caminho - Verena SÊMELE, ZEUS E HERA - O Papel da Amante no Triângulo Amoroso Hans Jellouschek
MEDÉIA - O Direito à Ira e ao Ciúme - Olga Rinne Ras che PROMETEU - A Luta entre Pai e Filho - Jõrg Rasche A GRANDE G RANDE MÃE E A CRIANÇA DIVINA - O Milag Milagre re da Vida no Angel a Waiblinger Berço e na Alma - Angela EDITORA CULTRIX
MEDÉIA O Direito à Ira e ao Ciúme
COLEÇÃO “A MAGIA DOS MITOS” O HERÓI HERÓI — Todos Nascemos Nasc emos para para ser ser Heróis Heróis — Luiz Müller Kas t SÍSE SÍSEFO FO— — A Mesma Ped Pedra ra,, Um Novo No vo Caminho— Caminho— Verena Kast SÊMELE, SÊMELE, ZEUS E HER H ERA— A— O Papel da Amante no Triângulo Triângulo Amoroso Amoroso Hans Hans Jellouschek Jellouschek
MEDÉIA— O Direi Direito to à Ir Ira e ao Ciúme— Ciúme — Olga Rinne PROMETEU— PROMETEU— A Luta Luta entr entree Pai Pai e Filho— Filho — Jõrg Rasche A GRANDE GRA NDE MÃE E A CRIANÇA DIVINA — O Milagre Milagre da da Vida Vida no Berço e na Alma— Alm a— Angela Waiblinger
OLGA RINNE
MEDÉIA /
,
O Direito a Ira e ao Ciúme
Tradução MARGIT MARTINCIC DANIEL CAMARINHA DA SILVA
EDITORA CULTRIX São Paulo
Título do original: M edea ed ea D a s R ec h t a u f Z o m u n d Eife E ife rsuc rs ucht ht Copyright © Kreuz Verlag AG Zurique 1988.
Ediçio
______ A n o
1- 2- 3- 4 - 5- 6- 7- 8-9
92- 93 - 94-95
Direitos de tradução para a língua portuguesa adquiridos com exclusividade pela EDITORA CULTRIX LTDA. Rua Rua pr. Má Mário rio Vicente, Vicente, 374 - 042 70 - São São Pau Paulo lo,, SP SP - Fone: 272-1399 que se reserva a propriedade literária desta tradução. Impre Im presso sso nas oficinas oficin as gráficas gráfic as da Edito Ed itora ra Pensamento Pensam ento..
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO Encontro com Medéia ................................................
7
PRIMEIRA PARTE
A imagem de Medéia no mito e na lenda .............
21 A Medéia da Cólquida .................................................. 21 Jasão Jas ão e M e d é i a ........ ............ ....... ....... ........ ........ ....... ....... ........ ....... ....... ........ ....... ....... ........ ...... 23 Medéia e os Pelíades .................................................. 28 A M edéia edé ia c o r ín tia ti a ....... ........... ....... ....... ........ ....... ....... ........ ....... ....... ........ ........ ....... ....... ...... .. 30 M edéia edé ia no e x í l i o ....... .......... ....... ........ ....... ....... ........ ....... ....... ........ ........ ....... ....... ........ ....... ...... ... 32 M edéia edé ia na t r a g é d i a ........ ........... ....... ........ ........ ....... ....... ........ ....... ....... ........ ....... ....... ....... ... 33 SEGUNDA PARTE
Os graus da transf transforma ormação ção do m i t o .......................... Os rastro ras tross da velha velh a deusa deu sa ........ ............ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ....... ..... A m orte e a arte de c u r a r ..... ........ ...... ...... ..... ..... ...... ..... ..... ...... ...... ..... ..... ...... ...... ... M edéia como com o símbolo de tra tr a n s iç ã o ...... ........ ..... ...... ...... ..... ..... ...... ...... ..... A veste em chamas ........................ 1.......................... A esposa ciumenta/Excursão ao mundo sentimental d o p r e s e n t e ................................................................. Desaparece uma deusa ..................................................
37 37 47 54 63 68 81
TERCEIRA PARTE
O espelho escuro ......................................................... Paixão Pa ixão com co m o fatali fa talida dade de ........ ........... ....... ........ ....... ....... ........ ....... ....... ........ ........ ...... “Se não me abandonares, também não te aban ab ando dona narei rei”” ....... ........... ........ ....... ....... ........ ........ ....... ....... ........ ....... ....... ........ ....... ....... .... Heroísmo desesperado ................................................ Corinto Co rinto ou a c r i s e ........ ............ ....... ....... ........ ....... ....... ........ ....... ....... ........ ........ ....... ....... ...... O exílio ou o happy-end de uma tragédia .............
107 117 121 121 135
N O T A S ..........................................................................
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Introdução
ENCONTRO COM MEDEIA
Foi há alguns anos. Para festejar o aniversário da filha, uma das minhas amigas havia reunido um pequeno grupo de mulheres. Como convinha à ocasião, a conversa girava em torno de assuntos “femininos”: coisas vividas na hora de nascimentos, desejos infantis, recordações da próp pr ópri riaa infâ in fânc ncia ia e tam ta m bém bé m das da s mães. mãe s. D e repe re pent nte, e, fezfe z-se se por p or um inst in stan ante te silê si lên n cio ci o total. tot al. Uma Um a da? pres pr esen ente tes, s, que qu e dera à luz recentemente, acabara de dizer que pusera na filha, depois do primeiro nome, que já conhecíamos, um outro: Medéia. %
Nos N ossa sass e x p ress re ssõ õ es trad tr aduz uzia iam m os m ais ai s v aria ar iad dos s e n timentos, que iam desde a confusão e estupefação incré dula até a franca consternação. Medéia? Não era a mulher que matara os próprios filhos? Por que dar justamente esse nome à filha? — a indagação pairava no ar, embora nenhuma de nós a formulasse. Percebíamos claramente que havia muita coisa ligada à figura de Medéia, que ela não era apenas uma infanticida, mas uma mulher pode rosa, impressionante e forte, que não se conformara com a injustiça de que fora vítima. Mas esse nome tão forte 7
mente envolto numa aura de destruição não iria repre sentar uma terrível carga na vida da filha? Nesse mo mento, creio que todas nós nos demos conta de que o nome Medéia toca, ,em nossa cultura, em áreas repletas dos mais profundos tabus e de que, em nós também, estas áreas estão enraizadas em tabus: a raiva, a ira, a oposição, o poder, a violência e a vingança não cabem na nossa imagem de feminilidade. Essa experiência serviu como o primeiro impulso par p araa me d edic ed icar ar com co m m ais ai s p rofu ro fun n d idad id adee a M edéia. edé ia. Entre En tre todas as grandes figuras femininas da mitologia grega, Medéia foi a que mais inspirou, através dos séculos, a fantasia de filósofos, poetas e dramaturgos, tomando-se repetidas vezes o ponto central de espetáculos teatrais, de círculos de recitação e dramas e, mais recentemente, de filmes. Seu nome, no entanto, paradoxalmente, não desperta o reconhecimento imediato, como ocorre, por exemplo, com a bela Helena e com Cassandra. Acaso sua história é tão desagradável e incômoda, que logo pre p refe feri rim m o s esq es q uecê ue cê-l -laa ou reje re jeitá itá-la -la?? Recordemos: M edéia era uma u ma princesa da Cólquida, Cólquida, famosa pela prudência, pela arte de curar e pelos poderes mágicos. Enam orara-se de Jasão, o líder dos Argonautas Argonau tas,, que tinha ido à Cólquida para conquistar o velocino de ouro. Medéia opôs-se ao pai para ajudar Jasão, salvando a vida do herói grego. Fugiu com ele da Cólquida e o acompanhou, à Grécia, em seu navio. Quando, depois de muitos anos de matrimônio, Jasão a abandonou para casar-se com a filha de Creonte, rei de Corinto, que permitiu que este exilasse Medéia e os filhos, Medéia, cheia de 8
ira e sede de vingança, fez uma um a terrível carnificina. Matou M atou a amante de Jasão, o rei Creonte, e, para castigar Jasão, assassinou os dois filhos que tivera de seu casamento com ele. É assim que o dramaturgo Eurípides conta a história e é como a conhecemos até hoje, nas suas versões mais antigas antiga s e novas, através do do teatro e do cinem a.10 po poet etaa Eurípides, nascido por volta de 485 a.C., não “inventou” a figura de Medéia; ao contrário, ela se originou num ciclo muito mais antigo de mitos, dos quais se conser varam apenas fragmentos. Eurípides é, não obstante, o indubitável inventor da característica até hoje mais co nhecida de Medéia. Foi ele o primeiro a apresentá-la como assassina dos próprios filhos.2 Na versão de uma lenda mais antiga, Medéia teria sido a rainha, de Corinto e os coríntios, descontentes com a dominação da poderosa rainha, teriam morto os seus filhos. As tradições mais remotas rem otas são contraditórias quanto quanto à maneira de ser de Medéia, quanto à sua origem, seus atos e seu destino. Para Heródoto, ela não abandonou voluntariamente a pátria; foi raptada pelos helenos numa expedição de saque. Algumas versões imputam a Medéia os assassinatos do irmão, Apsirtos, e de Pélias, tio de Jasão, enquanto outras a absolvem e culpam Jasão. Ao lado de Jasão que, em todas as tradições, ocupa o lugar m ais destacado, heróis mais m ais fam famosos osos das epopéias gregas gregas foram relacionados com Medéia, como, por exemplo, Sísifo, Teseu e Héracles. Se, por um lado, ela enfrentou Teseu com c omoo inimigo inim igo perigoso, por outro, outro, Sísifo e Héracles encontraram nela uma protetora e terapeuta. 9
Tudo indica que a Medéia das tradições helênicas era uma personagem muito mais importante e poderosa e, acima de tudo, muitíssimo mais positiva do que a que conhecemos pela tragédia de Eurípides. O nome Medéia M ideid) id) significa (em grego Mide sig nifica “a do bom b om consel con selho” ho”,3 ,3 e, em todas as tradições, ela é apresentada como conhecedora da arte de curar e dotada de inteligência superior. Dizia-se que tinha o poder de restaurar a vida e de re juv ju v e n esc es c er e que, com co m um cald ca ldei eirã rão o m ágic ág ico, o, reju re juv venes cera o velho pai de Jasão e, mais tarde, o próprio Jasão. Na orna or nam m enta en taçã ção o dos do s vaso va soss antig an tigos os,, a m agia ag ia reju re juve vene nesscedora de Medéia era um motivo muito popular. Reconhece-se a figura de Medéia pela pequena caixa de re médios médio s ou pelo feixe feix e de ervas erv as que traz nas m ãos.4 ãos .4 Ela pode pod e ser se r enco en cont ntra rada da,, ora or a sozin so zinha ha,, com co m um a nciã nc ião o sent se ntad ado o ou de pé, ora na companhia de duas mulheres, de braços erguidos, ao lado de um grande recipiente de sacrifícios, de cujo interior salta um carneiro ou um jovem. Essas imagens nada têm de sombrio; nas cenas solenes e cheias de paz, ressoa, ao contrário, a lem brança de uma benfazeja deusa da sabedoria e da arte de curar, dotada de poder sobre a vida, sobre a morte e o renascimento. Num dos vasos, a mulher jovem e o ancião encurvado que estão ao lado do caldeirão são identificados, pelas inscrições, como “Medéia” e “Jasão”. Essa imagem é o reflexo de uma versão em que a história do casal mítico tem um final feliz: Medéia, que é imortal, rejuvenesce o esposo envelhecido. Há ainda outro emblema, que a mitologia relaciona com Medéia e que com freqüência a representa, represen ta, indicando indicand o 10
sua origem no mundo dos deuses: ela está passeando num carro puxado por serpentes aladas. É provável que, originalmente, Medéia fosse uma deusa pré-helênica da arte de curar e da sabedoria e que, com o tempo, tivesse sido minimizada, obscurecida e personificada até mer gulhar no mundo das lendas. Para Eurípides, Medéia já não era mais uma deusa, mas uma mortal que, embora sábia, poderosa e extraor dinária, fugira com o marido Jasão para Corinto, onde vivia exilada. O que induziu o poeta a pintá-la como assassina dos próprios filhos? Segundo observação de um escoliasta, que parece uma anedota, anedo ta, os corfntios corfntio s teriam subornado Eurípides, por quinze talentos de prata, para que alterasse a história dos assassínios dos filhos de Me déia, de tal modo que não lhe coubesse nenhuma culpa. Do ponto de vista histórico, esta afirmação, atribuída a Parmeniscos, poderia conter uma parcela de verdade, por que havia em Corinto, comprovadamente, cultos pré-helênicos consagrados a Medéia. Na época das cidades-Estado, esses cultos eram tidos como “bárbaros”. E plausível supor que os coríntios não tenham poupado gastos para se livrar desse estreito relacionamento com Medéia.5 Essa história do suborno leva a outras reflexões, que se relacionam também com o presente. No entender da nossa cultura, uma mãe preferiría matar-se ou deixar-se matar mata r a permitir que acontecesse algo aos próprios filhos. filhos. O infanticídio é a mais extremada transgressão a que uma mulher chegaria, o crime mais hediondo que ela prat pr atic icar aria ia.. Teria Te ria tid ti d o o dram dr amaa de E uríp ur ípid ides es a m esm es m a forç fo rçaa se Medéia não fosse apresentada como infanticida? 11
Faz parte do objetivo e sentido da tragédia grega que, no teatro, o ato da mulher impelida a extremos por um tratamento brutal e desumano provoque nos especta dores uma catarse, uma profunda emoção que sacuda, des pertando pert ando e libertando a visão vis ão para par a a situaçã situ ação o da mulher, desprovida de direitos, e para os abismos da própria alma. “Que ninguém me considere inferior e débil, amante do repouso, mas do tipo oposto...” — com estas palavras Medéia dá início à sua vingança. Eurípides é reputado o pri p rim m eiro ei ro a u tor to r a defe de fen n der de r os d irei ir eito toss da m etad et adee opri op rim m ida id a da humanidade. Servindo-se do exemplo de Medéia, apre sentou, de forma modelar, a situação das mulheres de sua época, pouco diferente da condição de escravas. Ini cialmente, o poeta desperta compaixão e simpatia por Medéia, que surge como vítima do egoísmo masculino e dos privilégios da dominação masculina. Depois, no entanto, no final da tragédia, mostra Medéia como uma fúria delirante. Em sua luta contra a injustiça e em sua sede de vingança, ela ultrapassa todos os limites da con dição humana. Não poderia a apresentação de Eurípides ser também a manifestação da fantasia do medo mascu lino? A tragédia não mostra o rumo que as coisas tomam quando uma mulher recusa o papel que lhe destina o mundo patriarcal e dá livre curso à sua ira? O compor tamento de Jasão, voltando friamente as costas a Medéia quando se lhe oferece um “melhor partido”, e a atitude de Creonte, exilando a renitente renitente primeira p rimeira mulher do futuro futuro genro junto com os filhos, eram fatos que deveríam des pert pe rtar ar sent se ntim imen ento toss de culp cu lpa. a. M as o c rim ri m e de M edéi ed éiaa não nã o tratou de reduzi-los? reduzi-los? Não era ela igualme nte tão desumana 12
quanto os próprios opressores? Depois do crime, ela se torna, pelo menos em parte, indigna da compaixão hu mana. A figura ambivalente de Medéia é o símbolo de um perío pe ríodo do de tran tr ansi siçã ção o do m atri at riar arca cado do para pa ra o patria pa triarca rcado. do. Da sua passagem, ou, mais exatamente, de seu rebaixamento de deusa da cura e da sabedoria para feiticeira pode po deros rosa, a, inte in telig ligen ente te e amea am eaça çado dora ra,, e, p o r fim, fim , espos esp osaa ciumenta e infanticida, pode-se deduzir como a femini lidade e, acima de tudo, a feminilidade dotada de poder foi desvalorizada e vista como demoníaca na mesma pro plen pl enãm ãmen ente te inst in stau aura rado, do, M edéia ed éia era a “b árba ár bara ra”, ”, a estr es tran an geira, “nenhuma das nossas”, porque as características que compõem a sua força — o orgulho, o espírito de resistência e o poder de decisão — só atuam ainda e, quando muito, no inconsciente da mulher que a sociedade patri pa triarc arcal al dese de sejo jou u e m odelo od elou. u. A verd ve rdad adee é que qu e a m ulhe ul herr ainda sente que seus direitos, sua dignidade e autoconsideração são lesados. Como, porém, interiorizou a ima gem de uma criatura pálida e frágil da cultura androcêntrica, sua raiva contra essas ofensas é expressa através da depressão e pelo ódio a si mesma. Nes N este te aspe as pecto cto,, contu co ntudo do,, algu al gum m a coi c oisa sa mudo mu dou. u. M uita ui tass mulheres rejeitam a imagem patriarcal da feminilidade e busca bu scam m uma um a nova no va com co m pree pr eens nsão ão de si mes m esm m as, as , s entin en tindo do-s -see hoje como se fossem estranhas e estivessem exiladas no mundo em que nasceram. Estamqsvivendo atualmente uma nova fase de transição, que prenuncia, com indícios não apenas destrutivos mas também produtivos, uma vi 13
rada no tempo também quanto à relação entre os sexos. A figura de Medéia é uma identificação ainda válida no momento atual; na apresentação de Eurípides, ela sim boliz bo lizaa o asp a spec ecto to “ fem fe m inin in ino o som so m b rio” ri o”,, por p orta tado dorr de d e valio va liosa sass energias, que só podem ser liberadas, no ego de uma mulher, quando esta ousa olhar para o interior dessa escuesc uridão e ir sem medo ao seu encontro; nas mais antigas tradições, ela surge como a imagem oposta à mulher demasiado dócil e retraída criada pelo patriarcado, e símbolo da dignidade, sabedoria e competência femininas, que as mulheres atualmente procuram reconquistar. O processo democrático dos dois últimos séculos prop pr opor orci cion onou ou às m ulhe ul here ress a poss po ssib ibil ilid idad adee de se inte in tegr graarem e também de lutar pelos seus direitos. Nos nossos dias, pelo menos na Europa e na América do Norte, elas não são mais vendidas como gado, tratadas como escravas, encarceradas, mantidas como incapazes, despojadas de seus bens e excluídas da cultura intelectual e de qualquer forma de exercício de influência social. Hoje o casamento não é mais a única possibilidade de existência econômica para a mulher. Graças ao desenvolvimento sobretudo dos últimos vinte e cinco anos, o mundo profissional está quase ilimitadamente aberto para ela. Temos um grau de liberdade de tamanha magnitude como jamais as nossas avós se atreveram a sonhar. No entanto, essa evolução ainda é recente quando comparada com a duração da cultura patriarcal, que continua, tanto quanto antes, androcêntrica. Os modos tradicionais de comportamento, de atitudes, de valores e normas educacionais, transmitidos através dos séculos de geração a geração, 14
continuam ainda, por muito tempo, atuando no inconsciente, ainda que, na vida do dia-a-dia, tenham perdido a força normativa e a validade, contradizendo as atitudes e intenções conscientes de um ser humano. Faltam com freqüência às mulheres as condições fundamentais, ex ternas e internas, para que realmente aproveitem a mar gem de liberdade que, teoricamente, teoricam ente, está à sua sua disposição; faltam-lhe, antes de tudo, a autoconfiança e o sentimento do próprio valor. valor. Não Nã o é fácil para a mulher m ulher viver o próprio sexo como algo positivo e de valor, encontrando os seus próp pr ópri rios os cr crit itér ério ioss d e “ fe fem m in inil ilid idad adee ”. C re resc scer er co com m o mu mu-lher, lher, numa sociedade patriarcal, p atriarcal, significava — e, continua significando — estar exposta a constantes ofensas à pró priaa d ig pri ignn id idad adee . Se ela in insi sist stir ir em pr pret eten ende derr ser se r c on onsi sid de rada um “ser humano como todos os outros”, ou seja, um ser equivalente e do mesmo nível que o homem, terá que contar — e éjissim também ainda hoje — com uma vida d e |u ta permanente pela auto-afir auto-afirmação! mação! Tudo aquilo aquilo que, na riõssa riõssa "n "nos ossa sa cuIíurãT cuIíurãT é tido c o m o '“ tipicamente feminino” — a ênfase do sentimento, a brandura, a afa bili bi lida dadd e, a cond co ndes esce cen n dê dênc ncia ia — é enca en cara rado do c o m a fraq fr aque ueza za.. Em contrapartida, as qualidades que, de modo geral, são tidas como socialmente negativas e indesejáve indesejáveis is — a pas sividade, a dependência, a submissão e a inconseqüência — são sã o m ui uito to ap apre reci ciaa d as na nass m u lh lher eree s e até ex exig igid idas as e esperadas esperad as delas. delas. As atitudes desrespeitosas desresp eitosas e depreciativas deprecia tivas contra a mulher e ofensivas à sua dignidade humana, como o assovio quando quand o ela passa, passa, os comentáriós com entáriós públicos e em voz alta a respeito das suas características físicas ou o rompimento, sem que haja insinuação para isso, da 15
aura natural de distância do corpo humano, enfim, todos aqueles expedientes que, na linguagem vulgar, se chamam chamam de “passar uma cantada” e que, no caso de se dirigir a um homem, desencadearia uma agressão física, tudo isso as mulheres deveríam entender como um cumprimento e aceitar como uma homenagem à sua feminilidade. Os ideais cristãos de amor, do matrimônio e da fi delidade há muito foram minados pela moral burguesa dual (o adultério sempre foi, de certo modo, direito consuetudinário do homem) e, nos nossos dias, dificilmente alguém ainda se sentirá comprometido com esses ideais. A liberdade sexual é, ao menos em teoria, outorgada a ambos os sexos. Não obstante, de maneira manifesta ou não, espera-se da mulher, no casamento, fidelidade, le aldade e eterno compromisso, ao passo que, ao mesmo tempo, ela deve tolerar, sem protestos, a necessidade de liberdade do homem. Tanto agora como antigamente, a educação põe diante da mulher, como os mais elevados valores, a compreensão do outro; a repressão das suas próp pr ópri rias as nece ne cess ssid idad ades es em prol pro l da rela re laçã ção o , o espír es pírito ito de sacrifício e a capacidade de assumir compromisso, en quanto ostenta, como virtudes superiores da vida mascu lina, a capacidade de se impor, a persistência (também em relação às próprias necessidades), a capacidade de se desligar e a independência. As “qualidades masculinas” e as “qualidades fem ininas” estão de tal modo polarizadas polarizadas em nossa cultura que parece quase impossível que possa haver verdadeira compreensão entre os dois sexos en quanto se identificarem com essas qualidades. As idéias que a educação transmite a homens e mulheres sobre o 16
sentido e a natureza de um relacionamento, sobre a ma turidade e uma vida plena de significado são de tal modo divergentes, que seria preçisoperguntar como se chegará algum dia a umaj genuína genu ína parc parcer eria ia^ ^ entre os sexos sex os baseada njTcbnsTderação e estima recíproca.6 A situação inicial de Medéia, que renuncia a tudo para pa ra segu se guir ir seu se u heró he rói, i, faze fa zend ndo o tudo tu do para pa ra apo ap o iá-l iá -lo o em seus se us objetivos e vendo vend o o sentido da sua própria vida em amá-lo, amá-lo, representa ainda hoje a situação típica da mulher, sobre tudo da mulher jovem. O “grande amor”, o casamento ou um compromisso semelhante, a dois, é, para a maioria das mulheres, o centro da existência e absorve grande parte pa rte das da s suas su as ener en ergi gias as,, aind ai ndaa que qu e elas ela s seja se jam m bast ba stan ante te capazes de fazer um juízo crítico dos mecanismos dos papé pa péis is da noss no ssaa cultu cu ltura ra.. C riti ri tica carr agor ag oraa a fix f ixaç ação ão no “g “ g ran ra n de amor” não significa dizer que as mulheres se tornem iguais aos homens, e devam pôr as relações humanas em segundo plano, depois do sucesso profissional, ou que devam cultivar uma sexualidade apartada dos sentimentos e recusar compromissos e renunciar a capacidades hu manas tão importantes quanto a empatia e a compreensão dos sentimentos e necessidades alheias. Significa, entre tanto, que que as mulheres mu lheres precisam livrarlivrar-se se dos sonhos son hos que, durante gerações, foram a compensação para a sua real impotência e o seu nível inferior na sociedade. A história de Medéia retrata o efeito destrutivo que a fixação no, “grande amor” pode ter. Uma mulher que vê, no seu relacionamento amoroso com o homem, um sentido ex clusivo e um conteúdo da sua vida, acaba de mãos vazias quando o seu homem hom em se devota a uma outra outra ou ela acredita 17
não estar mais correspondendo aos ideais masculinos re lativos à beleza e à atração sexual. Tendo investido todas as suas energias no relacionamento, ela agora se sente lograda. Talvez reaja com raiva e sede de vingança contra contra o homem, contra a sociedade que a impeliu para esse pape pa pel; l; mas, ma s, como co mo a e x p ress re ssão ão da raiv ra iva, a, da ira e dos do s sen se n timentos de vingança é considerada “nada feminina”, é prov pr ováv ável el que) que) ela v olte ol te sua su a a g res re s são sã o para pa ra o inte in teri rior or e caia cai a numa depressão autodestrutiva. ---------------------- - — 1 Muit Muitas mul mulher heres sent sentem em den denttro de de si a ira de Med Medéia quando a relação amorosa, razão de ser da sua vida, entra em crise; quando sofrem de ciúmes; quando começam a descobrir quem tira proveito do papel ideal da “femini lidade”, válido na na nossa cultura; e quando sentem o quan to se haviam identificado com as imagens ideais mascu linas sobre o “valor” da mulher, “pelas quais elas deve ríam ser, antes de tudo, bonitas, jovens e bem-sucedidas, ou maternais e cheias cheia s de espírito e spírito de sacrifício”.7 Justa mente na metade da vida muitas mulheres se dão conta de que têm de se livrar desses “ideais” de feminilidade, se quiserem sobreviver como seres humanos. A história do casal Medéia e Jasão pode nos dar, a nós, homens e mulheres, importantes estímulos para pen sar. Ela é como um espelho escuro em que todos nós nos deveriamos deveriamos contem plar para reconhecer como ferimos ferimos nossa condição humana, persistindo em falsos ideais. Desejo, neste ponto, percorrer mais uma vez a his tória de Medéia e, assim, tentar descobrir como a deusa “do bom conselho” e doadora de bênçãos se transformou 18
na maga funesta e, finalmente, na esposa ciumenta, e qual a relação desse processo com a definição dos papéis dos sexos que prevalece até hoje na nossa cultura. Com toda a probabilidade, houve dois ramos prin cipais da tradição de Medéia: o tessálico, que relata a história de Medéia da Cólquida, e o coríntio, que se re laciona, sobretudo, com os cultos pré-helênicos que ocorriam em tomo de Medéia e seus filhos. A maior parte par te da hist hi stór ória ia de M edéi ed éiaa e Jas J asão ão na C ólqu ól quid idaa é cont co ntad adaa na lenda tessálica dos argonautas e, de modo mais com pleto, pleto , na vers ve rsão ão de A polô po lôni nio o de R odes od es.. A vers ve rsão ão épica épi ca Corintíaca, de Eumelo, da antiga transmissão coríntia, a Corintíaca, se perdeu.8 Ao lidar com a mitologia grega, grega, uma das dificuldades reside reside em que os mitos ou fragmentos de m itos de de origens diversas, que nela se encontram fundidos, passam por um contínuo processo de interpretação, adaptação, arran jos jo s e e lab la b oraç or açõe õess liter lit erár ária ias, s, faze fa zend ndo o com que sua su a forma form a original só só seja reconhecível q uando se recorre a símbolos mais antigos e se compara os mesmos com mitos seme lhantes ou paralelos. O caráter contraditório dos frag mentos de mitos causa, na verdade, embaraços, mas é muito elucidativo quanto à transformação da figura de Medéia; por isso, não procurarei “ajeitá-lo”. Para não complicar demais a apresentação, apresentação, restringir-me-ei aos epi ep i sódios principais da história de Medéia e Jasão, deixando de lado os detalhes. A minha apresentação acompanha a Argo Ar gona naút útica ica,, de Apolô A polônio nio de Rodes,9 Rod es,9 e os resum resu m os da complex com plexidade idade dos mitos, m itos, de Karl K erény eré nyi1 i10 e Rober R obertt von 19
Ranke-Graves.1 Ranke -Graves.11 Incluo tam bém mitos mitos paralelos, que q ue ser vem de esclarecimento.
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Primeira Parte A Imagem de Medéia no Mito e na Lenda
A M edéia da Cólquida Cólquida
Medéia descende da antiga estirpe do Sol e da Lua. Em todas as tradições, Aetes, filho de Hélio, o deus-Sol, é mencionado como seu pai. Quanto à sua mãe e os seus pare pa rent ntes es fem fe m inin in inos os,, há d esa es a c ordo or do entre en tre os m itpgr itp graf afos os.. A s fontes mais remotas dão à mãe de Medéia o nome de ídia, “aquela que sabe”, ou outra denominação: lunar, Nee N eera ra,, “a “ a nov n ova” a” . Segu Se gund ndo o o utro ut ross rela re lato tos, s, a mãe m ãe de Med M edéia éia e de Calcíope, sua irmã, chamava-se Asteróidea, “a do caminho das estrelas”. Asteróidea é citada também como mãe de Faetonte ou de Apsirtos, que era meio-irmão de Medéia. A feiticeira Circe era tida, por alguns narradores, como irmã de Aetes e, por outros, como irmã de Medéia. Contam as lendas que ambas haviam sido sacerdotisas de Hécate; eram sábias, conhecedoras da medicina e do tadas de grande poder em magia, mas também sombrias
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e perigosas. Às À s vezes, porém, dizia-se que a própria p rópria velha deusa Hécate fora esposa de Aetes e mãe de Medéia e Circe. A pátria de Medéia chamava-se ch amava-se Ea e este este era também também o nome da cidade de que Aetes era regente. A ilha de Circe, situada em frente a esse país, tinha o nome de Eea. Ea, eea são sons de suspiros e queixumes, mas tam bém bé m e xc xcla lam m açõe aç õess de pa pasm smoo e ad adm m iraç ir ação ão.. O pa país ís de Eea, equiparado mais tarde à Cólquida, no Cáucaso, não deve ter sido, originariamente, um país para mortais, mas um país pa ís da luz lu z m atin at inal al,, on onde de o Sol se d eita ei tavv a à no noite ite e de des s perta pe rtava va pe pela la m an anhã hã,, ou um pa país ís do além alé m , pa para radis disíac íaco, o, oculto por trás de neblinas, como Avalon, a ilha mítica dos celtas. Segundo a narração de Apolônio de Rodes, o palácio palácio de Aetes era estupendo. No amplo pátio interno, cheio de parreiras exuberantes, havia um poço, de cujas quatro bo b o c as jo j o rrav rr avaa m vinh vi nho, o, leite, leit e, azei az eite te e ág água ua crist cr istal alin ina; a; essas ess as forças lembram os quatro rios do Paraíso. Os narradores antigos descreveram Aetes como sombrio e desconfiado, tal qual um soberano do reino dos mortos. No interior do palácio ou num bosque de carvalhos, estava escondido o velocino de puro, guardado por um gigantesco dragão que jamais jam ais dorm ia. ia. O herói Jasão Jasã o foi enviado para buscar o velocino. Só foi capaz de cumprir a sua missão e deixar o palácio de Aetes graças ao bom conselho e à ajuda da divina Medéia, do mesmo modo que Teseu só conseguiu escapar do labirinto cretense do Minotauro com a ajuda de Ariadne. 22
Ja J a s ã o e M edéi ed éia a
Jasão Jasã o veio ve io de Iolco, na Tessália; era parente de Frixo Frixo,, que, em tempos passados, trouxera o velocino de ouro para pa ra a Cólq Có lqui uida da.. No m omen om ento to em que qu e F rixo ri xo esta es tava va para ser sacrificado pelo pai, que já erguera a faca, Hermes enviou-lhe um carneiro de ouro em cujo lombo Frixo fugiu para a Cólquida. Ali, como oferenda de gratidão, sacrificou o carneiro de ouro, permanecendo até a sua morte como esposo de Calcíope, no palácio de Aetes. Eso, pai de Jasão, foi expulso do trono pelo seu meio-irmão Pélias. Jasão, originalmente chamado Diomedes, ainda criancinha foi levado para o monte Pélion para par a ser se r poup po upad ado o das da s inte in tenç nçõe õess assa as sass ssin inas as de Pélias Pé lias.. Ali foi educado, como aconteceu com muitos outros heróis famosos, pelo sábio centauro Quíron. Dizem que foi Quíron quem lhe deu o honroso nome de Jasão, “aquele que traz a cura”. Jasão estava sob a proteção da deusa Hera. Certa vez, quando caçava, ele a encontrou à beira de um rio de águas transbordantes. Hera assumira o aspecto de uma velha e Jasão, que não reconheceu nela a deusa, atraves sou o rio carregando-a nos ombros. Ao fazer isso, perdeu uma das sandálias. E foi também com um pé descalço que regressou a Iolco para exigir de Pélias a devolução do trono. Para os narradores antigos, o homem com uma só sandália era uma figura sinistra, pois tinha um dos pés num nu m o utro ut ro m undo un do,, talv ta lvez ez no m undo un do dos do s m orto or tos. s. Um oráculo profetizara que Pélias seria morto por um homem 23
com uma única sandália, e este simulou anuir à reivin dicação do trono pelo herói, mas com uma condição. Disse-lhe que o país sofria a ameaça da seca e que o espírito de Frixo lhe teria aparecido e exigido que a sua alma (o velocino de ouro) fosse retirada do palácio de Aetes e trazida trazida de volta para p ara Iolco. Iolco. Se Jasão lhe trouxesse o velocino de ouro, ele lhe restituiria a soberania. Essa heróica missão foi a razão da viagem dos argonautas e dela participaram os mais destacados heróis de todas todas as partes da Grécia. Os nav n avega egante^ nte^ receberam receberam esse nome do navio Argos, que fora construído por Atena ou com a sua ajuda. Os argonautas chegaram à Cólquida depois de uma longa viagem repleta de perigos, que os fizeram viver muitas aventuras. No palá pa lácc io de A etes et es,, M edéia ed éia foi a prim pr imei eira ra a v e r o herói Jasão e, no dizer do poeta Apolônio, “seu coração foi tomado por muda admiração”. Nos relatos antigos, Jasão se apresentou sozinho a Aetes; exigiu dele o ve locino de ouro, sendo empurrado para dentro da goela mortal do dragão. “Pelas cenas representadas em vasos, é possível possível conjecturar co njecturar (...) como Jasão logrou sair da goela do gigantesco dragão: do mesmo modo como Héracles saiu da caverna do leão de Neméia e, provavelmente, como deve ter ocorrido sempre todas as vezes que o mun do dos mortos devolveu um mortal ao mundo dos vivos. Inerte, ele está pendurado na boca do dragão. Vê-se o velocino de ouro numa árvore e também a presença da deusa Atena com a coruja, testemunhando que, apesar das aparências, o herói não está morto. Terrivelmente extenuado, ele voltara do ventre do monstro e tinha ne 24
cessidade da sua salvadora, que deveria ressuscitá-lo do seu mortal atordoamento. Nesta descrição, a salvadora é Atena. Mas, com exceção dela, dela, é Medéia Med éia que, nas pintura pinturass dos vasos, vai atrás do herói com suas ervas medicinais. Para os narradores subseqüentes, a parte mais difícil era essa morte aparente, embora de certo modo real, de Jasão, por p or m eio ei o da qual qu al ele c onqu on quis isto tou u o velo ve loci cin n o de ouro. ou ro.”” 1 Nos N os rela re lato toss m ais ai s rece re cent ntes es,, as prov pr ovas as a que qu e A etes ete s submeteu Jasão, e que foram vencidas por este com a ajuda de Medéia, tomam o lugar da luta com o dragão. Aetes possuía dois touros feroze ferozess que soltavam fogo pelas pelas ventas e tinham cabeça e cascos de metal; Jasão deveria dominá-los e pô-los na canga. Uma pomada vermelha, que M edéia oferecera ao herói diante do templo de Hécat Hécatee (para Apolônio de Rodes, Medéia era uma jovem sacer dotisa de Hécate) protegeu-o contra o sopro de fogo dos touros e deu a Jasão coragem e força sobre-humanas. Depois de dominar os touros, vinha uma competição de arado com Aetes e a semeadura dos dentes de dragão de Cadmo, que o rei da Cólquida havia recebido de Ate na. Cadmo, fundador da cidade de Tebas, também lutara contra um monstro e o vencera com a ajuda de Atena. Dos dentes do dragão, semeados por ele a conselho da deusa, brotaram os spartoi, os “semeados”, gigantes da terra, armados até os dentes. Cadmo lançou entre eles uma grande pedra; isso os fez entrar em conflito, levan do-os a matar-se mutuamente. Por sugestão de Medéia, Jasão usou o mesmo estratagema; os guerreiros lutaram entre si com as armas e Jasão combateu e derrotou apenas os últimos sobreviventes. 25
Apolônio de Rodes relata em seguida que, embora Jasão tenha passado por todas as provas, Aetes negou-se a entregar-lhe entregar-lhe o velocino de ouro, ouro, mas aconselhou-se a conselhou-se com os seus guerreiros sobre como m atar os argonautas e que i mar-lhes o navio, oculto nos juncos do rio Fásis. Tendo escutado às escondidas o conselho, Medéia abandonou o palácio na calada da noite e chamou Jasão, que estava no Argos, levando-o ao bosque de Ares, onde o velocino fora pendurado nos ramos de um carvalho sob a guarda da serpente. Com canções e ervas mágicas, Medéia fez o monstro adormecer. Jasão subiu no carvalho e retirou o velocino de ouro, que lançou um reflexo chamejante sobre a sua figura. Nas margens do Fásis, ele repetiu a prom pr omes essa sa feit fe itaa M edéi ed éia, a, dian di ante te do tem te m plo pl o de H écat éc ate, e, de levá-la como esposa para a sua pátria e de manter-se sempre fiel a ela, reforçando-a com um juramento sob a evocação testemunhai de todos os deuses. Medéia fugiu com Jasão no Argos; Aetes mandou navios em em seu encalço. N esta perseguição perseguiçã o terrível terrível o meioirmão de Medéia, Faetonte ou Apsirtos, encontrou a mor te. De acordo com algumas tradições, Apsirtos era ainda uma criança que Medéia levou na fuga e que ela esquar tejou, atirando no rio Fásis os pedaços do seu cadáver, que foram arrastados pela correnteza. (O nome Apsirtos significa “levado pelas águas”.) Originariamente, as par tes da criança divina sacrificada provavelmente foram recolhidas e recompostas, tal como a deusa Réia fizera com Dioniso ou como os deuses do Olimpo haviam feito com Pélope, que o pai, Tântalo, esquartejara. Contava-se, porém po rém,, m ais ai s tarde ta rde,, que, qu e, com co m essa es sa crue cr uell a rtim rti m anha an ha,, M edéi ed éiaa 26
teria detido seus perseguidores. Estes, para dar ao filho de Aetes um funeral digno, foram forçados a recolher os peda pe daço çoss do cadá ca dáve ver. r. Para Apolônio de Rodes, Apsirtos já era um homem adulto e hábil estrategista. Com o seu navio, ele bloqueou um braço do rio ou um estreito do mar, enquanto os outros navios da Cólquida cercaram o Argos pela reta guarda. Medéia foi levada para uma ilha próxima, con sagrada a Artemis, enquanto colquidenses e argonautas negociavam. Pelo acordo a que chegaram, os heróis po deríam prosseguir a viagem com o velocino de ouro, mas deveríam deixar Medéia na ilha (tal como Teseu deixara Ariadne na ilha Dia). Os argonautas concordaram apenas aparentemente; Medéia e Jasão tinham outro plano. Me déia fez chegar ao irmão a notícia de que fora raptada e que ele devia levá-la de volta à Cólquida. Quando Ap sirtos chegou à ilha de Ártemis, Jasão armou-llTe uma emboscada e a matou com sua espada. O exército da Cólquida se dispersou e o Argos pros seguiu viagem. No entanto, na ilha de Deméter, Deprane, os grupos hostis tomaram a se defrontar. Os argonautas haviam sido acolhidos de maneira hospitaleira pelo casal real Alcínoo e Arete. Logo depois os colquidenses apor taram em Deprane e intimaram Alcínoo a entregar Me déia, que pedira proteção à rainha Arete e nela encontrara uma intercessora. intercessora. Alcínoo, A lcínoo, querendo evitar evitar derramam derram amento ento de sangue, declarou que no dia seguinte proclamaria a sua sentença. Numa conversa noturna, Arete soube da sua decisão: só mandaria Medéia de volta à Cólquida se ela ainda não tivesse compartilhado o leito com Jasão. 27
Segundo uma antiga tradição, M edéia e Jasão tinham se amado nas margens do Fásis, na própria noite em que o herói escapara da goela mortal da serpente. Para Apolônio de Rodes, todavia, Medéia ainda era uma donzela intocada. Ao tomar conhecimento da decisão do esposo, Arete enviou um mensageiro a Jasão e, nessa mesma noite, na gruta sagrada de Mácris, celebrou-se o casa mento. O velocino de ouro foi estendido sobre o leito nupcial e a própria Hera enviou as ninfas dos rios para que espalhassem flores perfumadas na gruta e fizessem luzes flamejantes dançarem nas suas paredes. Desde en tão, esse lugar foi chamado a gruta sagrada de Medéia, segundo conta o poeta. O regresso do Argos à Tessália não foi menos cheio de aventuras e perigos do que a ida para a Cólquida. Repetidas vezes, Medéia teve de intervir com os seus pode po dere ress mágic má gicos os p ara ar a prot pr otee ger ge r de peri pe rig g os que amea am eaça çava vam m o Argos e sua tripulação. A história dos argonautas ter mina com a sua chegada à baía de Pasagai; mas, sobre Medéia e Jasão, existem ainda outras tradições.
Me M e dé ia e os Pelía Pe líade des s
Os pintores de vasos muitas vezes apresentam Me déia ao lado de um caldeirão de sacrifícios, de dentro do qual salta um carneiro ou um jovem jov em . Dizia-se D izia-se que, que, através do sacrifício em seu caldeirão mágico, ela poderia obter o renascimento e o rejuvenescimento. Os narradores já estavam familiarizados, por outras tradições, com esse 28
tipo de transformação. Os infantes divinos, Dioniso e Pélades, foram fervidos num caldeirão e transformados, desse modo, em seres novos e imortais. Segundo relatos antigos, Hélio, o deus-Sol, entrava todas as noites, ao atravessar o oceano escuro, num caldeirão de onde saía rejuvenescido na manhã seguinte. Dizem que, depois do retorno' do Argos, Medéia, com a ajuda do seu caldeirão mágico, rejuvenesceu Eso, o velho pai de Jasão, que já era senil demais para par ticipar das festividades em honra dos argonautas. Segundo outros relatos, chegando a Pasagai, perto de Iolco, os argonautas não encontraram ninguém para recebê-los ou para dar-lhes as boas-vindas. As portas da cidade estavam estavam fechadas, porque Pélias, Pélias, que mandara ma tar a família de Jasão, temia a vingança do herói. Jasão plan pl anej ejav avaa conq co nqui uist star ar Iolc Io lco o pela luta, luta , mas ma s A cast ca stos os,, o filho filh o
Detalhe de figuras negras numa ânfora ática do século VI a.C.
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de Pélias, que participara da viagem dos argonautas, re cusou-se a lutar contra o pai. Medéia ofereceu-se para tomar sozinha a cidade. Na figura de uma velha sacer dotisa, ia à testa de uma procissão de doze moças (co mitiva que lhe fora dada por Arete). Impressionados, os guardiães das portas da cidade deixaram-nas entrar. Che gando ao velho Pélias, Medéia tomou a se transformar, diante dos seus olhos, numa mulher bela e jovem. Ofe receu-se para ensinar às filhas de Pélias a magia da trans formação. Um velho bode foi sacrificado. Medéia o re talhou, cozinhando os pedaços num caldeirão e, do re cipiente de sacrifício, fez sair um cordeiro. Essa demons tração encorajou as filhas de Pélias a matar o pai, esquar tejá-lo e lançá-lo no caldeirão do qual, no entanto, nunca , mais ma is sairia. U ma das filhas, que revelara desconfiança, fora mandada por Medéia ao telhado do palácio, para ali acender uma tocha em honra da Lua. Dado o sinal, os argonautas tomaram a cidade de assalto. Depois desse ato de vingança, no entanto, Jasão renunciou ao trono de Iolco, entregando a soberania a Acastos.
A M ed éia C oríntia or íntia
A tradição coríntia fala também do par Medéia e Jasão. Os coríntios veneravam Hélio, o deus-Sol, ao qual haviam consagrado a mais alta montanha do país, Acrocorinto. Todos Tod os os regentes da cidade cidad e eram de estirpe estirpe solar. solar. Depois da morte do último “coríntio”, Medéia, neta do Sol, tornou-se a herdeira do trono; aceitou reinar em Co30
rinto e escolheu o esposo Jasão como regente. Tem-se atribuído a Medéia a fundação do santuário de Hera Acréia (Hera do Alto), dirigido também por ela como sacerdotisa. sacerdotisa. Medéia tinha quatorze filhos — sete meninas e sete ra paze pa zes; s; esse ess e núm nú m ero er o corre co rresp spon ondi diaa à prim pri m eira ei ra e fecu fe cund ndaa metade do mês lunar. Diz-se que, desgostosos com a so bera be rani niaa da estr es tran anh h a feiti fe itice ceira ira,, os corín co ríntio tioss teria te riam m assa as sass sinado essas crianças. Desde então, para expiar o crime, eles deviam enviar todos os anos quatorze crianças ao santuário de Hera Acréia, para servirem ao templo. As crianças permaneciam o ano inteiro no templo, como se estivessem no exílio ou na sepultura. “Essas crianças eram eram choradas como os mortos e se lhes ofereciam sacrifícios tal como aos deuses irados.”2 Diz-se também que a deusa Hera era amiga da sua sacerdotisa M edéia e queria queria tornar torn ar os filhos desta imortais. imortais. Medéia levava seus recém-nascidos ao templo de Hera para pa ra livráliv rá-lo loss da m orta or talid lidad adee por po r meio me io do fogo fo go sagr sa grad ado. o. (As deusas Deméter e Tétis também queriam realizar o mesmo ritual com os filhos Demofonte e Aquiles: ergue ram as crianças crianças sobre o fogo fogo para eliminar com as chamas ch amas sua qualidade de mortais. No entanto, algumas vezes apa receram não-iniciados, como Metanira, a mãe de Demo fonte, ou Peleu, o marido mortal de Tétis; não compre endendo as intenções das deusas, eles interromperam o ritual. Peleu pegou o pequeno Aquiles pelo pé e tirou-o do fogo e, como sabemos, o calcanhar do herói tornou-se o seu ponto vulnerável.) Ocorreu o mesmo entre Medéia e Jasão. Este, cheio de ira, interrompeu o ritual, abando nou Medéia e retornou a Iolco. Medéia abandonou Co31
rinto em seu carro de serpentes, depois de ter transmitido a soberania a Sísifo. Em algumas algum as narrativas, narrativas, consta que Medéia teria teria tido somente dois filhos. Estes, com a anuência de Jasão, ti nham sido apedrejados pelos coríntios. coríntios. A razão raz ão disso disso fora o golpe de Medéia contra Glauca, a quem Jasão, após dez anos de regência, dedicara seus favores pretendendo desposá-la. Por intermédio dos filhos, Medéia enviara um ■presente à rival: um vestido branco e um diadema de Çouro, que se transformaram em chamas inextinguíveis quando Glauca os colocou no corpo. Envolta em chamas, Glauca jogou-se num poço ou num rio, que desde então recebeu o seu nome.
M ed éia éi a n o E x ílio íli o
Depois de ter deixado Corinto, Medéia iniciou uma longa viagem de exílio, indo a Tebas para ver Héracles, que havia curado da demência e com quem tinha laços de amizade; mas os tebanos, não querendo acolher entre eles a estranha feiticeira, fizeram-na prosseguir em seu caminho. Medéia viveu durante muito tempo em Atenas com Egeu, tido como pai do seu filho Medos. Conta-se que quando Teseu foi a Atenas e se fez reconhecer como filho de Egeu, reivindicando o trono, Medéia tentou matar o herói com uma bebida envenenada. Ela escapou da vingança de Teseu, Teseu, esconde esc ondendo-se ndo-se numa num a nuvem e fugindo com o filho Medos. Contam que Medéia esteve na Tessália, na Itália e na Ásia Menor antes de retomar à Cól32
quida com Medos; ela ampliou o reino de tal modo que ele abrangia a Medéia superior, da qual seu filho foi eleito regente. “Essas histórias histórias e outras outras sem elhantes associavam-se associavam-se facilmente às narrativas mais antigas, que conheciam a última e definitiva chegada da neta do Sol. No Elísio ou (...) na ilha dos bem-aventurados, celebrou-se o casamen to eterno de Medéia com Aquiles.”3 Dizem que Jasão foi abandonado pela sorte após ter quebrado o juramento de fidelidade a Medéia, ato que foi testemunhado por todos os deuses. Perambulou como um forasteiro sem pátria, voltando para o Argos e deitando-se à sua sombra. Nesse momento, a proa do navio caiu sobre ele, matando-o. Segundo outra tradição, a his tória de Medéia e Jasão tem um desfecho feliz: sendo imortal, Medéia rejuvenesceu o esposo envelhecido, tal como fizera com Eso, o pai dele.
Medé M edéia ia na Tragédia Tragédia4 A tragédia de Eurípides é uma elaboração literária das lendas tradicionais sobre Medéia. O poeta trasladou o material para a sua época, adaptando-o aos conceitos que desejava des ejava transm itir. Em sua versão, vers ão, Creonte Creo nte era o soberano da cidade-Estado de Corinto; Medéia e Jasão eram seus dependentes que, fugindo de Iolco, foram para Corinto e ali viveram em exílio com os filhos. Em lugar de Glauca foi posta Creusa, a filha do rei Creonte, a 33
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quem Jasão, depois de muitos anos de matrimônio com Medéia, fazia a corte pretendendo desposá-la.
A ia — Quem dera que o navio Argos não tivesse voado além das negras Simpléga Sim plégadas das em demanda da Cólquida, e que, nos vales do Pélion, os pinheiros não tombassem, aos golpes golp es do machado, machado, p a ra dar remos aos braços bra ços dos do s homens homens insigne insigness que buscaram o Velocin Velocinoo de Ouro a pedid ped idoo de Pélias! Assim, não teria teri a a minha minha ama, ama, Medéia, navegad nav egadoo p ara ar a as fortal for talez ezas as de Iolcos, fer f erida ida no peito pe ito pel p eloo amor de Jasão. Nem, Nem, depois dep ois de convencer con vencer as filhas filh as de d e Pélias Pél ias a matar mat ar o pai, pai , habitaria habitar ia esta terra de Corinto com o marido e os filhos, alegrando com sua fuga fu ga os cidadãos cida dãos do país pa ís a que chegara, tudo de acordo aco rdo com c om Jasão. Pois Po is esta é certamente certame nte a maior maio r segurança: que a mulher não discorde do marido. Agora Ag ora tudo lhe é hostil, e aborrec abo rrece-a e-a o que mais ama. ama. É que Jasão, traindo os próp pr ópri rios os filhos filhos e a minha minha ama, ama, se aninha aninha em tálamo régio, tendo desposado a filha de Creonte, que reina no país pa ís;; e Medéia, infeliz e desprezada despr ezada,, clama pelo pe loss juramento juram entoss levantando levanta ndo a mão direita, símbolo sím bolo máximo da f i delidade, tomando os deuses p o r testemunha testemunha da recompensa que recebe de Jasão. Deprimi Dep rimida, da, sem se alimentar, alimentar, abandona o corpo cor po às suas dores e consome cons ome todo o tempo em pranto, desde des de que q ue conheceu conheceu a perf pe rfíd ídia ia do marido... A tragédia de Eurípides começa com estas palavras da aia. Para o poeta, Jasão era um fugitivo submisso que pret pr eten endi diaa tira ti rarr part pa rtid ido o do casa ca sam m ento en to com co m a filha fil ha do p o tentado (é este o significado do nome Creonte). Temendo a ira de Medéia, Creonte impôs-lhe e aos filhos o exílio. A contragosto, ele anuiu ao pedido dela de permanecer mais um dia, ameaçando, porém , mandar mand ar matá-la, se ainda fosse encontrada ao raiar da alvorada dentro dos limites 34
do país. Jasão não impediu essa injustiça, justificando-se a Medéia com estas palavras: Ser-te-ia possível habitar neste reino e nesta casa, se su port po rtas asse sess bem os desígn des ígnios ios dos podero pod eroso sos. s. P o r tuas palavr pala vras as insensatas, insensatas, serás expulsa do país. paí s. A mim pouc po uco o importa. importa. Podes Pod es continuar dizend d izendo o que q ue Jasã Ja são o é o p ior io r dos d os homens, homens, mas, mas, depois depo is do que dissest diss estee contra cont ra a casa real, tens ainda muita sorte sor te de paga pa gare ress apenas apen as com o ostracismo...
Com expressões ofensivas, Medéia acusa Jasão de infidelidade e ingratidão, fazendo-o ver que lhe devia a vida. Jasão, porém, com igual dureza, renega qualquer compromisso: Visto que tanto engrandeces os teus serviços, penso que, dentre den tre deuses deu ses e homens, homens, só à Cípride 5 devo o bom termo da minha viagem. Tens Tens o espíri esp írito to sutil, sutil, mas serse r-te te-ia -ia molesto mole sto re conhecer conhece r como com o Eros E ros te obrigou, com suas flech fl echas as inevitáveis, a salva sa lvarr minha pesso pes soa. a. Mas não vou insistir insis tir mais m ais neste ponto, pois, poi s, seja se ja como fo r que me ajudaste, está est á bem. N a verdade, recebe rec ebeste ste mais do que qu e me deste, como vou te prova pro var. r. Em p r i meiro lugar, habita ha bitass em terra grega, não num p a ís bárbar bár baro; o; conheces conhece s a jus j ustiç tiça a e sabe sa bess usar as leis, leis, não o p o d er da forç fo rça a bruta. E todos tod os os greg gr egos os perceb per cebera eram m que eras er as sábia sáb ia e, desse des se modo, alcança alca nçaste ste a fama. Se vivesses vivess es nos confins da terra, terra, não se fal f alar aria ia de ti... ti...
Depois de trocarem palavras ásperas, Jasão se des ligou definitivamente de Medéia, que só encontrou um amigo para lhe manifestar respeito: Egeu, rei de Atenas, que, regressando do oráculo de Delfos, foi a Corinto. Medéia contou-lhe a sua infelicidade e ele lhe ofereceu 35
refúgio em Atenas. Esteencontro deu forças a Medéia para pa ra tram tr amar ar a s u á vingança.! Manda Ma ndarei rei um dos do s meus serv s ervos os a Jasão Jasã o p a ra ped p edir ir-lh -lhee que venha à minha presença Quando ele chegar, dir-lhe-ei pala vras lisonjeiras: que concordo com ele, que o casamento com a filha do rei, pel p ela a qual qua l ele el e me abandonou, abandonou, também está est á bem e que tudo isso é útil e bem pensado. Rogar-lhe-ei que deixe que meus filhos filho s fiquem fiquem aqui, aqui, não que eu queira deixá-los deixá-lo s numa numa terra host ho stil il exposto exp ostoss ao escá e scárnio rnio dos do s meus meus inimigos, mas p ara ar a matar, matar, com a minha minha astúcia, a filha do rei. Mandá Ma ndá-los -los-ei -ei car ca r regado reg adoss de presentes, pres entes, p a ra que qu e não sejam banidos ban idos do país pa ís;; será ser á um fino p e p lo e um dilema dile ma de ouro lavrado. E, quando ela pega pe garr nesses enfeite enfeitess e os cingir ao corpo, corpo, terá morte horrorosa, horroro sa, assim como todo tod o aquele aqu ele que a tocar, tais são sã o os venenos venenos com que ungirei os presentes. prese ntes. Neste ponto, detenho detenho o meu discurso discu rso e choro ch oro ao pensa pen sarr na ação que terei te rei de d e prat pr atic icar ar em seguida, pois vou matar os meus filhos. Não haverá quem pos p ossa sa salvá-l sal vá-los. os. E, depois depoi s de destruir destr uir toda a estirp est irpee de Jasão, abandonar aban donarei ei o país, pa ís, fugindo fug indo do assass ass assínio ínio dos do s meus m eus adorad ado rados os filhos, depo de pois is d e realiza rea lizarr o mais sacríleg sacr ílego_do o_doss crimes. Não Nã o posso pos so,, minhas amigas, feuportar feuportar ser se r escarn esca rnec ecid ida a p elo el o i, Prossigamos. Prossi gamos. D e que qu e me vale val e viver?...
Tal como Medéia planejara, a fatalidade ocorreu; apenas Jasão ficou com vida, como Medéia desejava, por que ele devia sentir que perdera tudo, devia tomar-se tão infeliz quanto ela. Esse era o objetivo da sua vingança. No final fin al,, a tragé tra gédi diaa torn to rnaa a dese de sem m b ocar oc ar no mito. mit o. Medéia sepulta os filhos no templo de Hera Acréia, ins titui “uma festividade sagrada e consagrações (...) para o futuro, visando reparar esse desumano assassínio”. Do céu, Hélio envia seu carro de serpentes, que conduz a neta do Sol para longe da esfera do mundo humano. 36
Segunda Parte Os Graus da Transformação do Mito
Os Rastros da Velha Deusa
Na com co m pree pr eens nsão ão trad tr adic icio iona nall da histó hi stória ria da nossa no ssa s o ciedade, o desenvolvimento cultural só teve início com as cidades-Estado da antiga Grécia e com o Império ro mano. Que os precursores dessas sociedades, ou seja, as culturas superiores dos sumérios, da Pérsia antiga, do velho Egito e de Creta já representavam o apogeu e final de um desenvolvimento cultural anterior, abrangendo um perí pe ríod odo o de quat qu atro ro mil mi l anos, an os, e que essa es sa époc ép ocaa da histó hi stória ria humana — pelo menos na esfera religiosa — foi tão vigorosamente moldada pelo aspecto feminino, como a seguinte o foi pelo aspecto masculino, são fatos que só aos poucos vão penetrando na consciência da nossa cul tura.1 As muitas facetas da figura de Medéia constituem a ressonância literária de antigos cultos que, já na época da Grécia “clássica”, eram de um passado distante. Nas 37
poes po esia iass anti an tiga gass e nas na s narr na rrat ativ ivaa s dos do s m itóg it ógra rafo foss greg gr egos os e romanos, os mitos do passado se mesclaram com ele mentos de lendas e memórias históricas. O mito já se tornara um componente da tradição literária e não ex pres pr essa sava va m a is uma um a real re alid idad adee viva. viv a. As confusões e contradições — que justamente nas tradições literárias dos fragmentos referentes a Medéia tanto chamam a atenção — provêm, antes de tudo, do fato de que os narradores, intencional ou inconsciente mente, interpretavam mal as representações simbólicas não pertencentes ao sistema religioso da sua própria época, mas a um sistema anterior de referência reiigiosa, que era a veneração da Grande Deusa.2 O culto à Grande Deusa, que, durante milênios, im preg pr egno nou u oi_O oi_Ori rien ente te Pró P róxi xim m o e tod t odo o o m und un d o m edite ed iterrâ rrâne neo o europeu, surgiu juntamente com o desenvolvimento da agricultura. Foram, provavelmente, as mulheres que, ao colher frutas, raízes e tubérculos comestíveis “inventa ram” a agricultura; esta foi e continuou sendo por muito tempo o domínio das mulheres. A natureza e, acima de tudo, a terra assemelhava-se a uma mãe doadora de bên çãos e alimentos, e a capacidade de as mulheres produ zirem vida, tal como a terra, proporcionou ao aspecto feminino a primazia na ordem religiosa e social da co munidade. No universo religioso das culturas agrícolas pri p rim m ordi or diai aiss não nã o havia ha via aind ai ndaa deus de uses es m ascu as culi lino nos. s. S omen om ente te a Grande Deusa era considerada a origem de tudo o que existe. Nua, ela saíra do caos, separara o mar do céu e, com sua dança, criara Bóreas, o vento setentrional, na figura de uma serpente. A serpente enroscou-se em volta 38
dos seus seu s membros memb ros e a fecundou. Na N a figura de uma uma pomba, a deusa botou o Ovo do Mundo, que, depois de ter sido chocado, deu à luz tudo o que existe: o Sol, a Lua, os pla p lane neta tass e a Terr Te rraa com co m as plan pl anta tass e os sere se ress vivo vi vos. s.3 3 O caldeirão da transformação, símbolo de Medéia, tal como o Ovo do Mundo, é um recipiente que contém toda a vida, onde a vida velha afunda e morre e de onde ressurge a vida rejuvenescida. A imagem original desse milagroso recipiente é o útero. O segundo emblema de Medéia, o carro puxado pelas serpentes aladas, é um sím bolo bo lo da deus de usaa do univ un iver erso so,, rep re p rese re sent ntan ando do a tota to talid lidad adee do cosmo. A serpente simboliza a fecundidade da terra e da água; suas asas, o elemento ar e também o aspecto espi ritual ou as forças do céu. Do ponto de vista do mito, na atuação conjunta das duas dimensões da deusa teve origem a vida. Ambos os luminares do céu, o Sol e a Lua, eram agregados como símbolos à deusa. A Lua, no entanto, que se relacionava com a água, com os estágios do cres cimento vegetal e com os ciclos da fecundidade feminina, feminina, teve precedência em relação ao Sol. Este, pelo menos nos países mediterrâneos, levava a vegetação não apenas a crescer, mas também a murchar. Quão mágica e mis teriosa deve ter parecido a Lua aos homens da cultura arcaica! O cíclico c íclico brotar bro tar e florir, florir, madu ma durar rar e carregar carreg ar frutas, frutas, murchar e morrer da vegetação era espelhado pela Lua em nível cósmico. Como fruta madura, ela fulgura no céu, quando é Lua cheia; depois se desvanece gradativa mente até tornar-se uma foice pequena e delgada, pare cendo, na Lua nova, como se tivesse sido engolida pela 39
noite para sempre. Contudo, algumas noites depois, res surge no céu a pequena foice da Lua crescente, renascida e rejuvenescida. A goela devoradora da escuridão faz part pa rtee do sist si stem emaa de refe re ferê rênc ncia iass s im bóli bó lica cass da deus de usaa tanto tan to quanto o ventre fecundo; a morte não se afigurava uma extinção definitiva, um final sem esperança, mas um está gio de transição, uma fase de transformação inseparavelmente associada ao ciclo da vida. Também, Tam bém, no culto, culto, a morte precedia a vida renovada e rejuvenescida. Era preciso derram ar sangue para renovar magicamente a fecundidade da terra porque, para o pen samento mágico, a “essência” da força vital está no san gue. Sacrifícios de sangue e sacrifícios humanos eram oferecidos à deusa para restituir-lhe simbolicamente a dá diva da vida. Com a progressiva diferenciação das sociedades ma triarcais, também as idéias sobre a Grande Deusa passa ram a ser mais complexas; sua imagem, em analogia com as fases da Lua, assumiu a forma de uma tríade. Ela surgia como uma jovem primaveril, uma mulher madura e fecunda, como o verão, e uma velha outonal, hibernai. Dentro do cosmo — idealizado como algo composto de três partes, a deusa-jovem reinava sobre o ar e o céu; a deusa madura, do amor, sobre a terra e o mar; e a deusa anciã, sobre o inferno e o reino dos mortos. Cada aspecto da tríade podia, por seu turno, aparecer na Santíssima Trindade, porém, procurava-se sempre lembrar que, em todos os seus aspectos e formas aparentes, a deusa era sempre a Una, a imutavelmente Grande Deusa da terra e do céu.4 40
Ao lado da trifacetada deusa da Lua, surgiram as prim pr imei eira rass divi di vind ndad ades es m ascu as culi lina nass que, qu e, no entan en tanto to,, devem dev em ser entendidas pela sua relação com ela: como filho, amante ou o seu herói.5 Do ponto de vista dos mitógrafos posteriores, Hélio — p ara ar a cuja cu ja posse pos se havi ha viam am p assa as sado do as serp se rpen ente tess alad al adas as da deusa da Lua, e que ascende, na estirpe de Medéia, ao primeiro plano por ter dado o nome a essa estirpe (os helíades) — foi, a princípio, o herói do Sol, que a deusa da Lua desposara e convidara a subir em seu carro. A mitologia grega posterior refere-se ainda a estas conexões, conexões, quando chama a mãe de Hélio de Eurifaessa: “aquela que brilha ao longe”. Da genealogia dos helíades é possível também de duzir a identidade original de Medéia como deusa da Lua. A incerteza incerteza sobre o nome nom e de sua mãe e a posição dos seus parentes femininos só pôde surgir na época pa triarcal, quando os membros mem bros da estirpe estirpe eram denominados denom inados pelo pe lo pai, e não m ais pela pe la mãe, mã e, e não nã o se com co m pree pr eend ndia ia como a deusa da Lua pudesse rejuvenescer em suas “fi lhas” e como estas pudessem ser aspectos da sua aparência triádica. Todos os nomes que foram dados à mãe de Me déia — como ídia, “aquela que sabe”, Neera, “a nova”, Asteróidea, “a do caminho das estrelas” — são denomi nações naçõe s lunares, lunares, designações designaçõe s honrosas honrosa s sob as quais quais a Gran Gra n de Deusa era invocada. Também no nome da irmã de Medéia, Calcíope, “a face que brilha como o bronze”, reconhecemos facilmente a Lua cheia. E, finalmente, o nome Hécate, “cem”, refere-se ao “grande ano” do antigo calendário lunar (oito anos da nossa contagem do tempo), 41
que abrangia cem meses lunares. Em sentido figurado, o nome Hécate significa “cêntupla fecun didade” ou “cên“cêntupla colheita”. Medéia, a deusa-moça de Ea, Circe, a ninfa orgiástica (na Odisséia, ela é apresentada como a “ Senhora dos Anim ais”) e Hécate, a velha deusa da morte morte e do inferno, podem ser consideradas figuras triádicas da deusa da Lua.6 Quando, no início e meados do nosso século, os antropólogos antropólogo s pesquisaram pesquisaram asjiociedades asjiocied ades tribais que que ainda ainda não haviam tido contato com a civilização, constataram que, em várias culturas, era desconhecida a relação entre a união sexual e a geração de filhos. Atribuía-se a fe cundação cund ação das mulheres mulhe res aos ventos, aos rios ou à influência influência de espíritos. Os mitos permitem supor que o mesmo teria ocorrido nas primeiras culturas tribais do período ma triarcal. O conhecimento da relação entre o coito e a gravidez modifica a posição do aspecto masculino no culto. No lugar das filhas, como nos temposr anteriores, agora era o homem que, no culto, passava a ser o símbolo da fe cundidade e, no mito, o amante e esposo da deusa. Nos No s m itos ito s das da s cultu cu ltura rass de c a ráte rá terr m atria atr iarca rcal, l, a re re lação da trifacetada deusa da Lua com o filho-amante é apresentada com muitas variantes. Estas, porém, revelam sempre a mesma estrutura fundamental: a deusa ama um belo be lo adol ad oles esce cent ntee e o toma tom a com co m o espo es poso so.. Ela El a o cumu cu mula la de régios presentes e lhe concede brilho, poder e força radiante. Freqüentemente ela o inicia nos segredos da agricultura ou da viticultura e o manda propagar essas 42
artes na Terra, onde ele se torna um deus-herói venerado. Nos N os m itos, ito s, o herói he rói enco en cont ntra ra a m orte or te na form fo rmaa de um monstro, um animal feroz (que retrata o aspecto mortal da deusa). Seu corpo é esquartejado. Nos lugares onde o seu sangue goteja na terra, desabrocham flores e se desenvolve uma vegetação nova exuberante. A deusa la menta e chora o amante morto: ela o procura pela terra inteira e no mundo dos mortos, recolhe os pedaços dis pers pe rsos os do seu se u corpo co rpo,, torn to rnaa a uniun i-lo loss e c ham ha m a o amant am antee de volta à vida com uma forma nova e rejuvenescida. Assim recomeça o ciclo do vir-a-ser e do perecer.
----- *> Nesses mitos, reflete-se o evento central do culto das primeiras culturas agrícolas do período matriarcal. A representante terrena da deusa era a sacerdotisa ou a rai nha do clã, a qual, junto com o marido por ela escolhido, dirigia a comunidade. Tal como ocorria nos mitos, com o filho-amante da deusa, assim, no ritual, o “rei sagrado”, companheiro eleito da rainha-sacerdotisa, era sacrificado em prol da fecundidade dos campos e do gado. A relação do par era de natureza sagrada: seus estágios retratavam o mistério do crescimento, da morte e do renascimento. O eleito não desposava uma mulher mortal, mas unia-se simbolicamente à deusa; portanto, o “casamento sagrado” tinha o cunho de uma iniciação religiosa. Na época da semeadura, o par celebrava o coito ritual num lugar con sagrado à deusa, na natureza, num templo ou gruta sa grada. A caverna. sagrada de M edéia, na ilha ilha Deprane Deprane,, de que fala Apolônio de Rodes, pode ter sido originariamente um local desse culto, onde à luz de tochas era celebrada a cerimônia. A sexualidade era sagrada e fazia 43
parte pa rte do d o cult c ulto. o. O pen pe n sam sa m ento en to mític mí tico o enc e ncaa ra toda to dass as coi c oisa sass e eventos na sua relação com uma totalidade maior: o amplexo amoroso do par sagrado correspondia à união cósmica, ao abraço do céu e da terra na primavera, fa zendo brotar a nova vida. —
Na époc ép ocaa da colh co lhei eita ta ou no fim do ano an o lunar lun ar (o tempo era computado pelos ciclos da Lua, tendo um ano treze luas) sacrificava-se o rei sagrado, que era o grão de semente que, ao morrer, tornava a mergulhar na terra. As sacerdotisas da deusa, usando máscaras de animais, matavam-no. Seu sangue era dispersado para fecundar as árvores, os cereais e o gado. Seus despojos mortais eram enterrados ou queimados. A rainha, e com ela toda a comunidade, punha luto e chorava a morte do rei sagrado, até que ele — na figura do seu sucessor — ressuscitasse.
Em certos lugares, o próprio rei sagrado matava o seu antecessor e comia uma das partes nobres do seu corpo (o coração, o ombro, a coxa) para se identificar com ele. Poder-se-ia agora objetar que a prática desse ritual cruel faz parecer pelo menos questionável a atitude pa cífica e positiva atribuída às primeiras culturas matriar cais. No entanto, é preciso ter presente que esse ato intrinsecamente cruel não era ditado ditado pelo ódio, pelo impulso impulso destrutivo ou por crueldade, mas pelo sentimento reli gioso, e os homens que participavam do ritual o faziam pela pe la dedi de dica caçã ção o ao sist si stem emaa relig re ligio ioso so que qu e p erm er m eava ea va toda a sua existência.7 Tam bém os caçadores caçado res de cabeça — que existiam na Nova Guiné e nas ilhas Fidji até o início 44
do nosso século — não poderíam ser considerados “as sassinos cruéis”, mas, na melhor das hipóteses, “primi tivos”. De sua prática ritual fazia parte a apropriação da força vital do inimigo morto. Por mais difícil que seja imaginar tais coisas de um pont po nto o de vist vi staa atual, atu al, pare pa rece ce,, no enta en tant nto, o, que qu e o sacr sa crif ifíc ício io do rei sagrado teria caráter voluntário, como se o rei se empenhasse em ter a honra de morrer em prol da fecundidade do seu país, porque o esposo eleito da rainha era o vencedor de lutas rituais, dos “testes matrimoniais”, que tinham o caráter de uma iniciação. Nos mitos, esses testes se apresentavam como enigmas aparentemente in solúveis ou lutas com monstros e dragões — façanhas heróicas que também Jasão teve de realizar antes de con trair núpcias com a deusa Medéia. Depois do seu sacrifício, o rei sagrado passava a ser “imortal”, isto é, a desfrutar da veneração do culto como deus-Sol. Os assassínios atrozes que os mitógrafos post po ster erio iore ress impu im puta tara ram m a M edéia edé ia,, prin pr inci cip p alm al m e nte nt e a m orte or te e o esquartejamento do irmão Faetonte-Apsirtos, eram, originariamente, expressão dessa constelação mítico-ritual. Faetonte, “o radiante”, é uma denominação honrosa do deus-Sol; Medéia, “a do bom conselho”, é um título de honra da deusa da Lua. Na figura do irmão-amante esquartejado e sacrificado, o herói tem o nome de Apsirtos, “aquele que é levado pelas águas” e, na origem, é a própria deusa, com o seu poder de renovar a vida e de rejuvenescer, que recolhe reco lhe os seus pedaços e o ressuscita para pa ra uma um a nova no va vida vi da.. 45
As etapas de desenvolvimento por que passaram as sociedades matriarcais ma triarcais foram acompanhad acomp anhadas as também pela modificação paulatina do culto. Foram suprim idos os ritos ritos canibalescos. Os reis sagrados reinavam durante um tem po m a ior, inic in icia ialm lmen ente te du dura rant ntee o “an “a n o g ran ra n d e ” de cem meses lunares (oito anos); porém, no final do reinado, tinham de morrer. Õ sacrifício anual em prol da fecundidade do país passou a ser realizado com uma criança como substituto. O rei escondia-se numa cripta e, depois da cerimônia do sacrifício, surgia “ressuscitado” pela re pres pr esen enta tant ntee da de deus usa. a.88 Na etap et apaa segu se guin inte te,, os sacr sa crif ifíc ício ioss de an anim imai aiss sub su b sti st i tuíram os sacrifícios humanos e, finalmente, cumpria-se todo o ritual sem derramamento de sangue, sob a forma de dramas e representações vitais. O rei reinava até o fim da vida, mas, como regente, continuava sendo o re pres pr esen enta tant ntee da rain ra inha ha,, qu quee lega le gava va às filh fi lhas as o pa país ís qu quee lhe “pertencia” e do qual era o símbolo. O rei sagrado que quisesse se separar da mulher tinha de renunciar à re gência e sair do país. _
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—J> —J> A Gran Gr ande de D eu eusa sa da dass cu cult ltur uras as prépr é-he helê lênn icas ic as da Ásia Ás ia Menor e da região mediterrânea aparece na mitologia grega com muitos nomes. Do mesmo modo, os nomes das deusas que mais tarde passaram a integrar o Olimpo, como Deméter, Hera, Afrodite, Atena e Ártemis, de signavam, em sua origem, a trifacetada deusa da Lua. A grande multiplicidade de nomes provém do fato de a deusa ter sido sido venerada em diversos lugares sob diferentes designações. Além disso, davam-lhe por toda parte de nominações honrosas, que se referiam aos seus diversos 46
atributos, aspectos e funções e eram um indício da sua universalidade e divindade. A menção de todos os seus nomes constituía uma antiquíssima forma de invocação e adoração.9 É fácil pensar que a Grande Deusa teve em muitos lugares o apelido de “a deusa do bom conselho”. Só com a supremacia patriarcal é que se perdeu o caráter universal da deusa, passando as deusas “olímpi cas” a representar meros me ros aspectos isolados, isolados, que antes antes esta vam todos englobados nela. Não há nenhuma contradição no fato de Jasão estar, uma vez, sob a proteção de Atena e, outra, sob a proteção de Hera, nem quando, num mo mento, é Atena que o ressuscita da morte e, noutro, é Medéia. O herói, “aquele que traz a cura”, por devolver, com seu sacrifício, a fecundidade ao seu país, é originariamente o filho, amante e esposo da deusa da Lua.
A M o rte e a A r te de C urar ur ar
A partir pa rtir da da visão atual, atual, é particularmente particularm ente difícil difícil com com pree pr eenn de derr que q ue a Gra G rand ndee D eu eusa sa fosse fo sse v en ener erad adaa nã nãoo só s ó co como mo a mãe que ama, protege e alimenta, mas também como a goela da morte, destruidora de toda a vida, e como um pode po derr infe in ferna rnal.l. De Dem m é ter te r e H écat éc atee tinha tin ham m o ap apel elid idoo de Brimo, “a irada”; a bela Afrodite, símbolo da fecundidade, do erotismo e da felicidade no amor, recebia também o nome de Melenis, “a negra”, de Escotia, “a escura” ou de Epitímbria, Epitímbria, “ a dos túmulos”.1 túmulos” .1 Isso Isso deve parecer parecer ab surdo a um pensamento abstrato dualista como o nosso, que vê a luz e as trevas, o bem e o mal, a felicidade e 47
o sofrimento e a vida e a morte como coisas antagônicas que se excluem mutuamente. Para o pensamento mítico, todavia, o mundo não é ordenado sob a forma de anta gonismos, mas de polaridades que se condicionam reci proc pr ocam amen ente te:: a escu es curi ridã dãoo é a co cond ndiç ição ão an ante teri rior or à da luz; a felicidade é impensável sem o sofrimento, assim como a vida não pode ser entendida sem a morte. - f ~ 7 À velha deusa do do infern infernoo era associada, como sím bol b olo, o, a Lua no nova va ou “Lua “L ua n eg egra ra”, ”, às trev tr evas as de on onde de nasce nasc e a nova luz. No seu culto, a tocha que brilha na escuridão da noite teve importante papel. Como “divindade miste riosa do eterno ocaso e do eterno retorno”2 ela era ao mesmo mesm o tempo tem po aquela em que todos todos os antagonismos antagonism os eram eram eliminados. Contendo a tríade, ela era a “mãe” da deusa da primavera e da ninfa da fecundidade, aliás, idênticas a_ela» Como deusa que unia em si todas as polaridades, ela representava a eterna sabedoria. Por isso, todos os conhecimentos que o pensamento mítico relacionava com o sagrado — a profecia, o oráculo, a clarividência, as revelações secretas dos cultos e ritos e a arte de curar — esta es tava vam m tam ta m b ém asso as soci ciad ados os a os seus se us aspe as pect ctoo s de escu es cu ridão, noite e inferno. Por conseguinte, a Medéia sábia e conhecedora da medicina, a “filha” de Hécate, exibe os traços da deusa escura. A serpente era o símbolo central desta esfera da deusa, porque pertencia, por um lado, ao “ventre da Ter ra”, às trevas, à profundidadejg.„às águas primordiais, e, po p o r ou outro tro,, po porq rque ue troca tro cava va de pe pele, le, torn to rnan andd o assim as sim — na visão do pensamento mágico — a renovar-se e, final mente, porque dispunha do veneno mortal e do antídoto. 48
Por isto, por toda parte onde se trata do conhecimento, da sabedoria e da arte de curar, encontra-se o motivo da serpente. Na Grécia helênica, a vidente era chamada tam bém bé m de “ P ítia ít ia”” ; a deus de usaa com co m a serp se rpen ente te é sem se m pre pr e a deus de usaa curandeira. A deusa ctônica Deméter, a exemplo de Medéia, também" também" andou and ou num carro puxado por serpente. serp ente. En volvidas por serpentes e com serpentes nas mãos eram representadas, ao lado de Hécate, Hera, Atena, Afrodite. Os heróis da medicina, Asclépio (que os romanos cha mavam Esculápio) e Erictônio, foram representados sob a forma de serpentes. -t> O conhecimento conhecim ento dos remédios vegetais, dos venenos e dos efeitos efeitos que produzem na proporção proporção da sua dosagem, já j á era m uito ui to dese de senv nvo o lvid lv ido o nas cultu cu ltura rass m atri at riar arca cais is,, c o n forme revela claramente o fato de que o cólquico, o acônito, o salgueiro prateado e o zimbro eram relacionados com a tríade Hécate-Circe-Medéia. Essas plantas contêm substâncias antiinflamatórias analgésicas e antitérmicas ( colquicina , aconitina, ácido salicílico, óleos etéreos), que ainda hoje são utilizadas em medicina. Nos N os sist si stem em as de refe re ferê rênc ncia ia s imbó im bójic jica, a, à H era per pe r tenciam os medicamentos usados em ginecologia e obs tetrícia; ela era a “protetora das mulheres”, dela dependia a vida sexual feminina e, na figura de Hera-Eileitia, a deusa dos nascimentos, dispunha do poder de abrir e fe char, poder que ela mostrara no nascimento de Héracles. Idêntico poder também era atribuído a Hécate. Além dis so, dizia-se que ela enviava os pesadelos noturnos, a de mência e a epilepsia, e que também os curava. Nas Hecatesias, cultos dos mistérios de Hécate, ainda existentes 49
na época helênica, tomavam parte pessoas que desejavam ser curadas curad as de suas doenças.3 doen ças.3 Também Tam bém Medeia, que fora identificada com as duas deusas (nos mitos posteriores, Hécate era a mãe de Medéiae Hera a sua deusa protetora) sabia curar a demência e, com seus quatorze filhos, pode ser tida igualmente como uma deusa dos nascimentos. Os quatorze filhos representam, simbolicamente, a fecunfecundidade da deusa e de suas filhas, as mulheres terrenas. Eles traduziam a força crescente da Lua, a primeira e fecunda metade do mês lunar e do ciclo feminino. Não Nã o é certa ce rtam m en ente te po porr aca a caso so qu quee se asso as soci ciav avaa à deus d eusaa como terapeuta um ente superior “que traz a cura”: Medéia, Hera ou Atena que, originariamente, também era uma deusa das serpentes. Com Atena, que, numa pintura de vaso (o chamado vaso de Dúris), ressuscita Jasão, está relacionada a coruja como símbolo da sabedoria. Num canto, junto do corpo, Atena carrega a égide — uma bolsa bo lsa de pele pel e de cabr ca braa qu quee co cont ntém ém uma um a serp se rpen ente te.. À frente fre nte da égide está está a cabeça da górgona Medusa, M edusa, com os cabelos cabelo s serpentinos, olhos flamejantes e dentes e língua à mostra. (As três górgonas — Esteno, “a forte”, Euríale, “aquela que vagueia largamente”, e Medusa, “a pérfida”, consti tuíam uma tríade do aspecto sombrio som brio da deusa como Senhora da morte.)4 —í —í > Nu Num m do doss mitos mi tos,, diz-s diz -see qu quee Aten At enaa teria ter ia inic in icia iado do os heróis da medicina, Esculápio e Erictônio, nos segredos da arte de curar, dando-lhes o sangue da górgona Medusa. O sangue tirado do lado direito da Medusa matava; o do lado esquerdo ressuscitava. O significado mais profundo deste mito é que um homem que deseja curar os outros 50
prec pr ecisa isa prim pr imei eiro ro pa pass ssaa r pesso pes soal alm m en ente te pela pel a exp e xper eriê iênc ncia ia dos mistérios da vida e da morte. Essa antiga sabedoria era conhecida dos curandeiros xamanistas dos povos da Si béri bé riaa e do Á rtic rt ico. o. Por Po r meio me io de suas su as ex expp eriê er iênc ncia iass iniciáinic iáticas, que lhes chegavam muitas vezes de mãos dadas com graves enfermidades, privações, solidão e proximi dade da morte, eles conheciam os “caminhos da alma”, conheciam as doenças a partir do interior como um pro cesso de transformação, que não apenas se apodera do corpo, mas do homem como um todo, abrangendo o aspecto espiritual, o psíquico e o corporal.5 -t=> Nas culturas pré-helênicas, pré-helê nicas, a arte de curar cura r não estava separada da totalidade do conhecimento sagrado, que abrangia também a interpretação dos sonhos, a clarivi dência, a magia e os OTáculos. Freqüentemente, a arte de curar fazia parte de ritos e cultos conservados em segredo; neles não era permitida a participação de não-iniciados, sendo esses ritos e cultos preservados e transmitidos transm itidos pelas sacerdotisas da deusa. Em todos os lugares onde era proi bida bi da a en entr trad adaa do doss nã nãoo-in inic icia iado doss era co colo loca cada da a másc má scar araa intimidadora_ da górgona Medusa; a infração desse tabu era punida com a morte. Impossível que as próprias sa cerdotisas tenham usado as máscaras da górgona Medusa para pa ra afu af u g e ntar nt ar os nã nãoo-in inic icia iado dos. s. C on onta tam m os m itos ito s que todo aquele que via a face da górgona Medusa ficava pet p etri rifi fica cado do.. Esta Es ta histó his tória ria de deve ve ser, ser , em pa parte rte,, atri at ribu buíd ídaa ao aoss antigos cultos medicinais carregados de tabus.6 Não N ão é razo ra zoáv ável el pe penn sar sa r que q ue o tera te rape peuu ta Jasão Jas ão,, qu quan ando do pend pe ndia ia inan in anim imad adoo da b oc ocaa da serp se rpen ente te,, teria te ria sido si do inic in icia iado do por po r uma um a rep re p rese re sent ntan ante te da de deusa usa A tena te na — “ a do bom 51
conselho” — nos cultos secretos? A imagem do monstro serpentino que devora o herói era muito familiar na região leste do Mediterrâneo e foi preservada, em época poste rior, na arte órfica. Lá, no entanto, representava uma mor te simbólica, um rito iniciático: o iniciando era devorado pelo “ven “v entre tre da terr te rra” a” e era er a trans tra nsfo form rmad ado o na escu es curid ridão, ão, onde vivenciava e tomava conhecimento de coisas que modificavam a sua vida para depois renascer, purificado, como um iniciado, num nível superior de consciência.7 Os participantes de um rito de iniciação perdem, tempo rariamente, o seu eu cotidiano. Passam a ser instrumentos de forças superiores ou mais profundas que neles devem penetr pen etrar. ar. T odo od o home ho mem m inic in icia iado do nos no s mis m isté téri rios os da medic me dicina ina talvez passe a ser um “Jasão”, um herói mítico da me dicina, sendo a sua mestra de iniciação uma “Medéia”, uma conselheira divina. A idéia de que a mulher, ou melhor, o aspecto fe minino pudesse ter a função de modelo e guia para o homem, e que o pudesse levar ao conhecimento mais profu pro fund ndo o dos do s inte in ter-r r-rel elac acio iona nam m ento en toss da vida vi da não nã o era m ais ai s admissível no patriarcado, sendo ainda nos nossos dias impensável para muitas pessoas. Muitas mulheres eram educadas para pertencer a uma categoria inferior; cons ciente ou inconscientemente, elas julgavam o aspecto masculino superior e mais m ais valioso e, apesar das mudanças mudan ças no desempenho dos papéis e funções sociais dos doissexos, até hoje muitos homens são incapazes de compre ender as mulheres como seres do mesmo nível. Como se sabe, certas esferas da arte de curar, como a “cura espiritual” pela imposição das mãos e pela con 52
jura ju raçç ã o , o c onhe on heci cim m ento en to das da s erva er vass medi me dici cina nais is,, a g ine in e co co logia e a obstetrícia, eram, até a Idade Média, domínio das mulheres, sobretudo das mais idosas e experientes. Temos conhecimento de como esse antigo conhecimento foi reprimido: sua essência foi negativamente distorcida e suas portadoras acusada s de terem parte com o demônio. As ^ ‘comadres”, com adres”, as herbolárias e as parteiras parteiras da Idade Média foram queimadas como bruxas.8 Medéia, a envenenadora, a bruxa com a caldeira mágica, que induziu as filhas de Pélias a esquartejar e cozinhar o pai: Medéia, a infantiçida_(das bruxas medievais também se dizia que matavam e cozinhavam criancinhas), é a antecessora des sas vítimas de uma paranóia coletiva, que se nutria do temor que os homens tinham do “poder obscuro” das mulheres. - p - O Iluminismo Iluminismo pôs fim fim aos horrores horrores dessa dessa loucur loucura, a, mas o antigo conhecimento, a capacidade terapêutica fe minina e seus conhecimentos holísticos da medicina não foram reabilitados. A arte de curar passou à corporação dos barbeiros e cirurgiões e, em seguida, nas universi dades, à elite masculina da medicina. Esse processo cul minou no fato de a ginecologia ter passado ao domínio dos homens, e até hoje as coisas não mudaram muito. -P5 -P 5' Curar Cu rar não signific sig nificaa tão-some tão-so mente nte ser útil e ajudar; ser capaz de curar está associado à fama, à dignidade^ a considerável poder po der sobre os homens. A Medéia “m ítica” irradiava esse poder e dignidade de maneira solene. Ela era um símbolo da superação da morte, da plenitude da vida e da bênção. A Medéia legendária, que abandonou o seu reino legítimo, Aia, o país do além, por amor a 53
Jasão, não deixava de dispor desse poder, mas passava a ser um símbolo da morte. Historicamente, Historicam ente, parece tam bém que a atitude perante perante a vida e a morte teria mudado na transição da cultura matriarcal para o patriarcado.
M edéia ed éia como com o S ím b o lo d e Tran Tr ansiçã sição o No N o iníc in ício io do dese de senv nvol olvi vim m ento en to das da s c ultu ul tura rass matria ma triarrcais, houve uma revolução na história humana: a desco berta be rta da a g ric ri c u ltu lt u ra^ ra ^ U ma tran tr ansf sfo o rmaç rm ação ão revol rev oluc ucio ioná nária ria post po ster erio iorr d a s form fo rmas as de prod pr oduç ução ão e de econ ec onom omia ia,, que se tornou expressiva para a evolução cultural e que ocorreu no terceiro e quarto milênios antes de Cristo, resultou na sua mudança estrutural e gradativa extinção. Entre o ter ceiro e quarto milênios, surgiram as descobertas que le varam à invenção das primeiras “tecnologias”: o arado puxa pu xado do por po r bois bo is,, a obte ob tenç nção ão de m etai et aiss pelo pe lo proce pro cess sso o de fundição, o barco à vela, o carro de bois e a irrigação sistemática. Só essas primeiras tecnologias tornaram pos sível obter um superávit de alimentos, condição básica para pa ra a form fo rm açã aç ã o de uma um a soci so cied edad adee dife di fere renc ncia iada da pela di di visão do trabalho e para o desenvolvimento de ofícios e do comércio. Nas comunidades maiores, como as cidades-Estado criadas posteriormente, surgiu também, pela prim pr imei eira ra vez, ve z, a n eces ec essi sida dade de de plan pl anej ejar ar,, de diri di rigi girr e o r ganizar, de modo centralizado, a evolução da produção, agora mais complexa. Isso provocou a formação de clas ses e hierarquias sociais e, além disso, uma mudança 54
fundamental na história do homem: “Descobriu-se que o homem poderia ser usado como ferramenta econômica, que poderia ser explorado e escravizado.”1 —^ —^ S omen om ente te n este es te p onto on to do dese de sen n volv vo lvim imen ento to cultu cu ltural ral,, quando a produção produ ção de bens levou ao superávit e à riqueza, riqueza, é que as guerras de conquista se tornaram uma instituição “politicamente útil”. As antigas sociedades mediterrâneas se viram pela primeira vez confrontadas com a necessi dade de se defender da ameaça externa e começaram a formar uma casta de guerreiros. Ao lado dos colégios das sacerdotisas, que nas culturas matriarcais posteriores, estavam provavelmente no ápice da hierarquia social e encarnavam a autoridade religiosa, começou a formar-se, gradativamente, uma aristocracia militar masculina. Com essas transformações sociais e políticas, ocor reu uma mudança fundamental na posição cultuai e social da mulher na sociedade: “Já não era mais a fecundidade do solo a fonte de toda a vida e de toda a criatividade, mas o intelecto que criava as novas invenções, a técnica, o pensamento abstrato e o Estado com suas leis. Não era mais o ventre materno, mas o espírito que passava a ser o poder criador e, desse modo, não eram eram mais as mulheres, mas os homens que dominavam a sociedade.”2 Na verd ve rdad ade, e, essa es sa tran tr ansf sfor orm m ação aç ão não nã o se real re aliz izou ou de golpe ou num breve espaço de tempo, como se poderia deduzir das palavras acima citadas, de Erich Fromm, mas por po r um long lo ngo o e difí di fíci cill proc pr oces esso so de tran tr ansi siçã ção o de m uito ui toss graus, estendend este ndendo-se, o-se, no mínimo, ao longo de um milênio, durante o qual os remanescentes das sociedades matriar 55
cais se mantiveram teimosamente de pé. O poder do espí rito rito também não foi de imediato ime diato identificado identificado com o aspec aspe c to masculino. O mito atribuía a invenção do arado, do navio e de todas as artes mecânicas à deusa Atena.3 Um mito pos terior descreve como o poder do espírito espírito pass pa ssou ou aos ao s d e u ses se s m ascu as culi lino nos: s: Zeus Ze us devo de voro rou u M étis, éti s, a deusa da sabedoria, que estava grávida de Atena. Logo depois, o pai dos deuses foi torturado por terrível dor de cabeça. Hermes, que logo reconheceu a razão disso, per suadiu Hefesto, o deus-ferreiro, a abrir com cunha e mar telo uma fenda no crânio de Zeus. Dessa abertura vio lentamente produzida, saltou, com enorme grito e plena mente armada, a deusa Atena.4 Esse mito é um exemplo da primeira fase da acro baci ba ciaa teol te ológ ógic icaa nece ne cess ssár ária ia para pa ra negar ne gar à part pa rtee fem fe m inin in inaa da divindade a sabedoria e à parte feminina da humanidade a inteligência, e revela igualmente quanta dor de cabeça deve ter provocado nos partidários dos deuses-pais o re baix ba ixam amen ento to da G rand ra ndee D eusa eu sa e das m ulhe ul here ress a uma um a ca ca tegoria inferior. Parece plausível que a “revolução urbana” do ter ceiro e quarto milênios tenha vindo acompanhada de uma decisiva mudança da consciência: a emancipação (do eu) do constante girar nos ciclos maternos e nos ritmos da natureza; natureza; uma fase coletiva de autonomia, se se pode dizer assim, assim, em que o eu individual se separou da “ psique grupai”. Mas, por que tal processo só se tornou válido para par a o aspe as pect cto o m ascu as culin lino? o? M ais ai s decis de cisiv ivo o do que qu e o pode po derr do espírito “masculino”, na transição histórica do ma 56
triarcado para o patriarcado, era provavelmente outro fa tor: a autonomia das mulheres nas antigas culturas ma triarcais. Elas dispunham da sua própria organização co letiva de trabalho; a parentela feminina permanecia toda a vida coesa e os homens se filiavam ao clã das suas mulheres pelo casamento. Devido à constante ocupação com as guerras, os homens viram surgir uma nova opor tunidade de formar suas próprias unidades cooperativas, com nova identidade e independentes das mulheres.5 É impossível, hoje em dia, fazer faze r afirmaçõ afirmações es precisas sobre se as culturas culturas matriarcais teriam “degenerado” “dege nerado”,, pro duzindo elas próprias as forças que acarretaram a sua substituição, ou se teriam sido subjugadas por outros po vos de organização patriarcal, ou ainda se ambos os fa tores teriam contribuído para a sua substituição histórica. Na Gréc Gr écia, ia, s eg eguu n d o op opin iniã iãoo de R an anke ke-G -Gra rave ves, s, as estruturas do poder patriarcal foram introduzidas nas cul turas matriarcais a partir do exterior, desde o segundo milênio a.C. Povos pastores patriarcais invadiram, em ondas sucessivas, a península dos Bálcãs e debilitaram a tradição matriarcal. Os estranhos conquistadores ado taram em parte a cultura superior sup erior da população “ indígena” indígen a” do antigo Mediterrâneo e fundiram-se com ela. Seus deu ses tornaram-se os irmãos da deusa. Somente por volta de 120 12000 a.C., a.C., depois da derradeira grande onda de invasão (a “migração dórica”) é que a realeza patriarcal passou a ser norma na Grécia.6 Milênios nos separam da realidade da vida das so ciedades matriarcais, do período neolítico e da era de 57
bro br o n z e da Euro Eu ropa pa,, e sem se m pre pr e pe perm rman anec ecer eráá cert ce rtaa do dose se de incerteza quanto aos seus processos históricos de desen volvimento e à sua forma efetiva. A transição do ma triarcado para o patriarçado e as lutas pelo poder entre a ordem antiga e a nova se refletem nos mitos; não se pode po de,, po poré rém m , de dedu duzi zirr de dele less co com m o tudo tu do acon ac onte tece ceu, u, mas ma s como podia ter acontecido. É justamente na figura de Medéia que os níveis e fases do processo de transição se tornam, de modo especial, claramente perceptíveis. ^
Todos os heróis heróis qu quee fora foram m associa associados dos a Medéia Medéia apre apre sentam as características dos reis sagrados^ das encarna ções do deus-Sof que na lenda aparecem como heróis solares. O próprio Sísifo, que Medéia “presenteou”, dan do-lhe Corinto, era originariamente um destes heróis solares. A pedra que ele devia fazer rolarjnontanha acima simbolizava, outrora, o disco solar e a própria montanha era um símbolo do firmamento.7
Os “h “heróis eróis matriarcais”, que a deusa protegia e em cuja honra eles realizavam suas façanhas, tinham títulos em vez de nomes, como Jasão, “aquele que traz a cura”, e Héracles, “a fama de Hera”. Os mitógrafos posteriores é que fizeram de Hera uma inimiga encarniçada de Hé racles. A forma form a masculi m asculina na “hero “h eros” s” (herói) deriva de Hera Hera;; de início, um “heros” era um rei sagrado que havia sido sacrificado a Hera.8 *7
Os dois heróis, Jasão e Héracles, se assemelham e os mitos que gravitam em torno das suas figuras são, em muitos aspectos, idênticos. Ambos foram educados por Quíron, o centauro sábio e conhecedor da arte de curar, 58
sendo eles próprios tidos como “heróis da medicina”. Eles foram representados de modo semelhante, como fi guras vigorosas, de cabelos chamejantes, Héracles com a pele de leão, e Jasão com a pele de uma pantera sobre os ombros. Ambos tiveram que realizar façanhas pareci das, provas de coragem, que eram exigidas dos preten dentes às núpcias com uma rainha sagrada. Jasão teve de vencer a serpente de Aia, e Héracles, Héracles, a Hidra H idra de Lema. A significação simbólica da luta com a serpente ou o dragão é, por um lado, a representação do herói em sua função de promotor da fecundidade. O ouro da serpente, que o herói deve tomar para si, é o “tesouro da terra”, a abundância da sua força vital. Por outro lado, a luta com o dragão representa uma iniciação: ao subjugar o dragão, o herói adquire uma vida nova, superior. Ele é capaz de se defrontar, conscientemente, com o que é fe minino dentro de si e na realidade. realidade. Essa mis são dos heróis passo pa ssou, u, em toda to da parte pa rte,, dos do s m itos ito s para pa ra os cont co nto o s de fada. fada . Se se tomar “Jasão”, não como nome próprio, mas como um titulo, compreender-se-á melhor por que, tanto em Iolco como na Cólquida, ele foi submetido a provas conjugais (estes mitos não tinham, originariamente, ne nhuma ligação) e também por que, em ambos os casos, ele não tinha sido declarado soberano do país. No nível mais antigo, que se reflete no mito, não havia ainda uma soberania masculina. A rainha-sacerdotisa dirigia a co munidade como a autoridade superior. Seu esposo, o rei sagrado, cumpria importantes deveres de ordem ritual e cerimonial. Podia atuar como representante da rainha, 59
quando esta lhe dava autorização, mas era o seu “primeiro súdito” e não um soberano ou rei no sentido patriarcal. Outras características apresentadas por Jasão e Héracles na lenda identificam-nos com figuras típicas do perí pe río o do de tran tr ansi siçã ção: o: de reis re is sagr sa grad ados os e heró he róis is prot pr oteg egid idos os po p o r H era, era , A tena te na e M edéi ed éiaa tran tr ansf sfor orm m am-s am -see aos ao s pouc po ucos os em guerreiros do deus-pai Zeus, que se opunha aos di tames da deusa. A lenda apresenta Medéia em Corinto como repre sentante da deusa, como princesa herdeira e rainha que pres pr eside ide,, ao m esm es m o tem te m po, po , com co m o sum su m a-sa a- sace cerd rdot otis isa, a, o te tem plo pl o de H era. er a. P rova ro vave velm lmen ente te,, aqui aqu i també tam bém m nest ne stee caso, “Medéia” às vezes fosse o nome da Grande Deusa; isso é indicado pelo tema das “crianças no fogo”, encontrado também nos mitos em torno da deusa ctônica Deméter, e de Tétis, a deusa do mar. As histórias das crianças que foram expostas diretamente ao fogo para que sua mor talidade fosse queimada podem ter sentido diverso. diverso. Talvez se trate de lembranças remotas dos antigos e primitivos cultos das tribos neolíticas, nos quais as crianças eram sacrificadas à deusa-mãe. Ou se referiam ao costume ar caico de consagrar os recém-nascidos e protegê-los das más influências carregando-os em volta de um fogo ou segurando embaixo deles um ferro em brasa.9 No entanto, pode po dem m refe re ferir rir-s -see tam ta m bém bé m a os cost co stum umes es m odif od ific icad ados os dos do s sacrifícios nas culturas matriarcais, aos rapazes que, re pres pr esen enta tand ndo o o rei sagr sa grad ado, o, dura du rant ntee sete se te anos an os segu se guid idos os eram sacrificados e queimados na fogueira. No oitavo ano, o próprio rei sagrado devia morrer. As crianças pelo seu holocausto adquiriam direito à “imortalidade”, isto 60
é, à consideração no culto. É provável que fossem con sideradas filhos da deusa, filhos de Medéia, que eram venerados anualmente mediante ritos de luto no templo. Em relação a Héracles que, em princípio, também era um rei sagrado, contava-se que, num acesso de loucura, teria matado os filhos com flechadas, jogando-os em se guida numa fogueira. Em Tebas Teb as todos os anos se honrava honrava os filhos de Héracles com cerimônias de luto e faziam-se sacrifícios aos seus espíritos irados, a fim de conciliálos.10 Nos No s mit m itoo s que qu e narra na rram m com c omoo D emét em éter er,, Tét T étis is e Medéi Med éiaa seguravam as crianças sobre o fogo para purificá-las e torná-las imortais já se revela uma oposição ao conser vadorismo religioso que levou à abolição dos sacrifícios humanos. Uma vez foi Metanira, outra Peleu e, final mente, Jasão que, assustados e cheios de ira, interrom pera pe ram m o ritual rit ual.. O complexo de culpa ligado à morte dos filhos de Medéia é nitidamente perceptível nas tradições. Quem era responsável pelos sacrifícios? A deusa Medéia, a quem eram dedicados de dicados os cultos, cultos, ou suas sacerdotisas, que que executavam os ritos? Ou seria Jasão, o rei sagrado que, graças ao sacrifício das crianças, escapava durante sete ou quatorze anos da morte? Ou seriam os coríntios, a coletividade afeiçoada ao culto, que queria e aprovava o sacrifício das crianças? Não há com o responder respond er à pergu pergunta nta sobre o culpado, a não ser com um “todos”! — pois só foi possível o surgimento desta pergunta depois que se aboliram os sacrifícios humanos, reconhecendo que eram desumanos; ou seja, depois que o sistema religioso — e 61
com isso a consciência — se modificara dentro da cultura cultura matriarcal. Dizia-se, pela pena de Eurípides, que Medéia havia instituído “uma festa sagrada e consagrações” para expiar o “assassinato sacrílego” das crianças. Conforme re gistra uma tradição anterior, todos os anos levava-se quator ze crianças a Corinto — sete rapazes e sete meninos —, de cabeça raspada e usando roupas pretas; pretas; no santuário san tuário de Hera, eles permaneciam durante todo um ano a serviço da deusa. As pessoas choravam por elas e punham luto como para os defuntos e ofereciam-lhes sacrifícios. Nos nossos dias, chamaríamos isso de “domínio do passado” ou um trabalho coletivo de luto, o que não é nada natural numa sociedade onde se cometeram crimes desumanos, como sabemos pelo passado passa do alemão alem ão mais recente. recente. Essa, contudo, é uma associação a partir da perspec tiva do presente e não uma interpretação no sentido da história religiosa. Seria muito mais lógico supor que o culto dos “filhos de Medéia” pertencia a um nível pos terior e mais cultivado das religiões matriarcais, e que a perm pe rman anên ênci ciaa das da s cria cr ianç nças as corín co ríntia tiass no tem te m plo pl o de Hera tinha o caráter de um rito de transição, de uma iniciação na puberdade. Pelos estudos de antropólogos modernos, sabemos que na época da puberdade as crianças que par ticipam de ritos iniciáticos são isoladas do resto da co munidade. São levadas para a selva ou para uma casa de culto especial, onde vão sendo iniciadas no mundo religioso da comunidade e preparadas para a vida sexual e para seus deveres de adultos. Aos olhos da sociedade, são tidas como “mortas” porque, depois da iniciação, terão 62
novos nomes e não retomarão como crianças, mas como pess pe ssoa oass cultu cu ltura ral, l, sexu se xual al e reli re ligi gios osam am ente en te “ desp de sper erta tass ” . Os mitógrafos posteriores tendiam a reprimir toda lembrança do passado “bárbaro”, o que não se relaciona apenas com a época dos sacrifícios humanos mas com todo o sistema da religião da deusa, também na sua forma ulterior, diferenciada e altamente cultuada — e a desvirtuar a interpretação dos respectivos mitos. Assim, atribui-se a Héracles de Tebas, à guisa de desculpa, a “lou cura” que lhe teria infligido a sua antiga protetora, a deusa Hera. Nesse contexto, Medéia surge como uma figura lu minosa oposta à Hera raivosa e irada que, no mito dis torcido, atenta, desde o nascimento de Héracles, contra a sua vida. Medéia cura o herói com suas ervas mágicas. Em Corinto, onde o culto aos filhos de Medéia se manteve durante muito tempo, era evidentemente difícil destronar uma antiga deusa protetora e curadora. curadora. Também nesse caso tanto Medéia como Hera representavam, de início, muito provavelmente, aspectos de uma única e mesma deusa. Enquanto em Hera o aspecto da mãe boa e protetora foi separado e integrado à “família” dos olím pico pi cos, s, o aspe as pect cto o obs o bscu curo ro de d e Med M edéi éia, a, da deus de usaa conh co nhec ecee dora do ra da morte, fundiu-se com a figura da “estranha maga”. Jasão, seu amante e herói, passou a ser seu inimigo.
A Veste Ve ste em C h am a s
Outras etapas e características do processo de tran sição da cultura matriarcal para a patriarcal refletem-se 63
nas transformações sofridas pelo mito a respeito da veste em chamas. Imaginava-se que a atividade das deusas do destino, representadas na mitologia grega e também na romana rom ana com o uma trindade, trindade, as Gréias ou Parcas, era tecer, tecer, fiar, trançar e atar. Os produtos do seu trabalho — o fio, o tecido, o tapete ou a veste — simbolizavam o destino do homem. Para Teseu, o fio de Ariadne era o salvador da vida; mostrou-íhe o caminho para dentro e para fora do labirinto. Mas as deusas do destino também cortam o fio. Homero, na Odisséia, descreve a bela feiticeira Circe, irmã de Medéia, quando ela canta, sentada junto a um tear. A veste mágica que a deusa está tecendo pode ser tanto uma promessa de felicidade para o seu portador quanto o sinal da sua ruína. A veste branca enviada por Medéia, como presente mortal a Glauca, era originariamente a camisa branca de linho com que era vestido o rei sagrado antes de ser queimado na fogueira. Um episódio paralelo ao mito de Héracles pode elucidar este ponto: Héracles havia aban donado a esposa Mégara e cortejava íole, herdeira do trono de outro país. Apesar de ter obtido o direito à mão da noiva por ter vencido uma competição de tiro ao arco, o pai de Iole, Euritos, negou-se a dar a filha ao herói. Héracles prosseguiu seu caminho e, depois de lutar com um touro e uma serpente (as tradicionais provas de ca samento), ganhou como esposa Dejanira, uma bela ama zona que portava armas e andava num carro. Mais tarde, Héracles reuniu um exército e por vingança atacou o país de Euritos, aprisionou íole, levando-a para a casa de De jan ja n ira ir a . Enci En cium umad ada, a, esta es ta envi en viou ou p o r um m ensa en sage geir iro o a vest ve stee 64
bran br ancc a qu quee H érac ér acle less de deve veri riaa ve vest stir ir no sacr sa crif ifíc ício io.. Qu Quan ando do o herói pôs a veste, o veneno que a impregnava quei mou-lhe o corpo. Moribundo, ele se deixou transportar para pa ra uma um a m on onta tanh nha, a, on onde de foi fo i lanç la nçad adoo à fog fo g u e ira ir a .1 É fácil perceber a relação entre as histórias: Jasão também abandonou Medéia, voltando-se para Glauca; Medéia também era possuidora de uma veste mortal para oferecer e que, provavelmente, se destinava a princípio a Jasão; e ele também deve ter agido por ciúme. Nas outras interpretações do mito da veste em chamas, reve lam-se os estágios da substituição das rainhas sagradas pelo pe lo no novo vo siste si stem m a da sobe so bera rani niaa pa patri triar arca cal.l. Prín Pr ínci cipe pess de tribos helênicas desposaram as rainhas dos antigos clãs mediterrâneos para se tomarem regentes do país cuja herança se transmitia pela linha feminina. Essa uniões em part pa rtee resu re sulta ltara ram m da co coex exis istê tênc ncia ia pa pacíf cífica ica do doss imig im igra rant ntes es com a antiga população mediterrânea, mas m as em parte foram realizadas à força, como revelam os mitos, pelo poder dás "a "arma rmas, s, do roubo e do seqüestro. O episódio do mito de Héracles mostra as duas ma neiras como um rei sagrado da d a época de transição poderia prol pr olon onga garr sua regê re gênc ncia ia,, m esm es m o qu quan ando do ab aban andd on onas asse se a sua rainha ou fosse por esta repudiado: ou casando-se, segundo os ritos habituais, com a herdeira de outro país, ou, ao ser rejeitado por uma comunidade de religião con servadora, atacando-a com os seus guerreiros e raptando a herdeira. Heródoto assim escreve sobre os helenos: “... num grande navio, eles teriam chegado à Cólquida e ido até o rio Fásis; depois de terem feito ali tudo 65
que constituira a razão de sua vida, vida, teriam raptado raptado a prin cesa Medéia.”2 Se entendermos a lenda de Medéia como um reflexo de memórias históricas, a princesa herdeira da Cólquida teria sido levada para uma ilha diante do litoral (que ainda fazia parte do seu país), onde fora for çada a casar com o príncipe de uma tribo helênica. Teria este príncipe, que na lenda recebeu o nome tradicional dos heróis, “Jasão”, assassinado o irmão destinado a ser o esposo da herdeira, quando este tentava libertar a irmã e futura esposa? As atas deste crime histórico (que não era, certamente, um caso isolado) há muito estão encerradas. Voltemos à tradição coríntia. Separar-se ou divor ciar-se de uma rainha significava renunciar ao reinado, que era herança dela. Num dos graus posteriores da tran sição, representado aqui por Jasão, um regente se defende contra a sua deposição, forçando o matrimônio com a jov jo v e m sace sa cerd rdot otis isaa qu quee se de dest stin inav avaa a ser se r a rain ra inha ha no próx pr óxim imoo pe perío ríodo do de tem te m po po.3 .3 O no nom m e G lauc la ucaa (cor (c oruj uja) a) in in dica que a nova noiva de Jasão era um sacerdotisa de Atena. O que foi interpretado pelo mitógrafo posterior como um ato de ciúme da esposa pela jovem rival deve ter sido, originariamente, na verdade, a “ira da deusa”, ou seja, a encarniçada oposição de suas sacerdotisas às mudanças religiosas e políticas trazidas pelo patriarcado em ascensão. É possível que a rainha subjugada de um clã e suas sacerdotisas se vingassem do usurpador do trono, matando-o com veneno. Conta-se que Dejanira se precipitou sobre uma espa da e que Glauca teria se jogado num poço. É de se supor que, na época das invasões helênicas, algumas sacerdo 66
tisas de Grande Deusa tenham preferido a morte volun tária a se curvarem diante do casamento forçado com o líder de um exército inimigo. Emest Bornemann estabeleceu uma hipótese óbvia sobre os fatores causadores da misoginia das sociedades patr pa tria iarc rcai aiss do O cide ci dent nte: e: “O estu es tudo do da hist hi stór ória ia civil civ il tem silenciado amplamente a elevada medida em que a con cepção patriarcal da mulher foi cunhada, até os dias de hoje, pela história antiga dos gregos. A relação entre as tropas dos conquistadores e as mulheres do povo subju gado está, em quase toda parte, sob a sombra do desprezo recíproca. Onde a violência é a norma, dificilmente se pode po de e sper sp erar ar e n cont co ntra rarr com co m pree pr eens nsão ão e resp re spei eito to mútuo. mútu o. Ao invadir a península balcânica, apossando-se das mu lheres dos povos agrícolas, os gregos acrescentaram, no entanto, mais um fator agravante: escravizaram as mu lheres.”4 O fato de os conquistadores dividirem a cama com as mulheres dos povos subjugados e até se casarem com elas resultava numa mistura ambivalente de culpa, de pend pe ndên ênci ciaa e desp de spre rezz o e, por po r fim, fim , numa nu ma inca in capa paci cida dad d e trau tr au mática de admitir as mulheres como seres iguais. Em contrapartida, as mulheres que foram forçadas ao matri mônio com os invasores se negavam, às vezes durante anos, a se sentar à mesa ao lado dos maridos, ou a cha má-los pelo nome.5 A sombra do desprezo recíproco atua até os nossos dias nas relações entre os sexos. 67
A E s p o s a C ium iu m enta en ta Ex E x c u rsã rs ã o ao m u n d o s enti en tim m e n tal ta l d o pres pr esen ente te
Na tran tr ansm smis issã sãoo da lend le ndaa de M edéi ed éiaa sob so b a form fo rmaa poste po sterio rior, r, patr pa tria iarc rcal al,, a v este es te em cham ch amas as tom to m o u -se -s e o s ím bolo bo lo do ciúm ci úmee do rela re laci cion onam amee nto nt o a dois, doi s, tal com co m o o c o nhecemos até hoje, sendo um símbolo apropriado: jnão jn ão estarão com_esta roupagem as pessoas torturadas pelo Ei fers rsuc ucht ht (ciúme) 1ciúme? Ã origem da palavra alemã Eife indica a relação com o fogo, com o queimar. Até o século E ifer er era usada com dois significados: XVID, a palavra Eif no atual, atual, de esforço intenso inten so para obter determinada determina da coisa, e no de uma torturante obsessão, significado atual de Eifersucht. Eifersuch t. E ifer if er deriva do antigo alto alemão eibar, eiveri, e remonta à raiz indo-germânica ai = arder.1 Sucht ( suht ) é a antiga palavra para doença. Portanto, em sentido Ei fers rsuc ucht ht significa “doença que arde”. literal, a palavra Eife Quando estamos enciumados, não nos sentimos co mo que devorados por um incêndio interior ou atingidos por po r um vene ve neno no cáus cá usti ticc o? Dese De seja jam m os nos no s livra liv rarr dess de ssee s e n timento atroz e torturante, que nos faz parecer, aos olhos dos outros, outros, ridículos ou deploráveis, deploráveis, e aos nossos no ssos próprios olhos nos torna feios, pequenos miseráveis e sem valor. O ciúme, ciúme, no entanto, está e stá grudado em em nós e queima queim a quem quer que nos toque. Cumulamos o parceiro infiel de ob servações venenosas, que simplesmente não conseguimos reprimir. Mexemos com os nervos dos nossos amigos compassivos, porque, aos olhos deles, estamos fazendo tudo para prolongar o nosso sofrimento, e isso toma as pesso pe ssoas as impa im paci cien ente tes. s. A lém lé m disso, dis so, noss no ssos os torm to rmen ento toss p ro ro 68
vocam neles o medo de que possa acontec er algo parecido com eles. Assim, aos poucos eles se afastam e nos tor namos solitários e desesperados. Quem já padeceu alguma vez de intenso nhece as fantasias inspiradas pelo espírito de o parceiro infiel, a mulher infiel, o rival, a nova amante, os responsáv eis pela nossa tortura tortura terão de provar as dores que nós tivemos de suportar! Bem que gostaríamos de dar-lhes de presente a roupa roup a ardente que q ue nos devora vivos. vivos. O ciúme tem a marca da mesma dinâmica da Sucht, na significação atual da palavra (vício), a mesma mescla de dependência e impossibilidade de parar. O assassinato e o suicídio são as últimas conseqüências da Sucht (vício), tal como no caso extremo do Eifer-sucht (ciúme).2 Assas sinatos ligados a ciúmes dramáticos também não são raros atualmente, como se vê com freqüência nos jornais: par ceiros e rivais são esfaqueados, fuzilados, envenenados; famílias inteiras são eliminadas, as casas são devastadas e incendiadas.3 incend iadas.3 Os autores auto res desses dess es atos ato s são são não apenas homens, mas também mulheres e procedem de todas as camadas sociais. Ainda que não se trate de vida e morte, no sentido físico, o ciúme tem algo de letal, antes de tudo, para o próp pr ópri rio o cium ci um ento en to;4 ;4 não nã o se trat tr ataa d e uma um a emoç em oção ão ine in e q u í voca, claramente compreensível, mas de um acervo de sentimentos negativos e torturantes: medo de perder o amor e a intimidade; inveja da maior liberdade e do sèn~ timento mais forte de autovalorização que se imagina que o parceiro ou rival tem; dúvidas sobre si próprio; sentimento de impotência, de dependência e da própria 69
falta de valor. O ciúme é hoje o sentimento mais impo pula pu lar, r, m ais ai s pros pr oscr crit ito o e m ais ai s veem ve em e n tem te m ente en te nega ne gado do — Valéria a pena pesquisar este sentimento. Acompanhamos Medéia no seu caminho através do mito, da lenda e da história, e vimos como perdeu o caráter impessoal de deusa “do bom conselho” e mer gulhou na figura-maga fe minina,5 min ina,5 de traços predom inan temente negativos. Como feiticeira dotada de poderes so bre br e -hum -h um a n o s e de con co n heci he cim m ento en toss s uper up erio iore res, s, ela ainda ain da estava plena de poder e acima da esfera dos mortais; estava, no entanto, no mesmo nível dos heróis que agora não apoiava mais como deusa, senão como mulher que dispunha de poderes mágicos. Apolônio de Rodes conta que Hera e Atena, as deusas que protegiam Jasão e sempre intervinham quando a missão do herói ameaçava falhar, urdiram um complô no momento em que sua vida, na Cólquida, corria perigo devido à inimizade de Aetes. So mente a inteligente Medéia, conhecedora de magias, po dería salvá-lo! As deusas dirigiram-se a Afrodite para solicitar-lhe a ajuda. Eros foi enviado para atingir com suas flechas infalíveis o coração de Medéia, tornando-a assim, por paixão, aliada de Jasão. Na lend le nda, a, M edéi ed éiaa não nã o usav us avaa m ais ai s s u as forç fo rças as posi po si tivas de proteção e cura de maneira impessoal, como fizera a deusa doadora de bênçãos, mas pelo sentimento humano do amor; suas forças “negativas” não se asse melhavam mais aos aspectos mortais da deusa, necessá rios ao ciclo do ser, mas à malvadez, à perfídia e à cruel dade que nasciam do ódio e, sobretudo, do ciúme. Na tragédia de Eurípides, a figura de Medéia atinge o ponto 70
mais baixo da sua decadência. Ela passou a ser a esposa sem liberdade, dependente e ciumenta, entregue às “de cisões dos poderosos”. Na decadência da figura mítica de Medéia está refletido o processo da desvalorização e da falta de autoridade a que todas as mulheres e tudo o que era feminino estavam expostos na cultura patriarcal. Como deve ter sido o modelo oposto, matriarcal, da relação entre os sexos? Para Eurípides, Medéia era a estrangeira que veio da ordem antiga, “bárbara”. Imagi nemos com que pano de fundo Medéia entrou na socie dade das cidades-Estado da Grécia. Ignoro como eram as sociedades matriarcais existen tes no período helênico, na Ásia Menor e no litoral do Mar Negro. Para fazer surgir, diante dos nossos olhos, a imagem de uma cultura matriarcal, recorro ao relato, feito nos anos 50, pela etnóloga americana Ruth Benedict, so bre br e os zu zuni nis, s, índi ín dios os pu pueb eblo loss do sudo su does este te da A m éric ér icaa do Norte No rte.. Entre esses índios, as mulheres permaneciam a vida inteira na casa da parentela feminina e constituíam uma comunidade solidária e fechada de vida e trabalho. As casas e provisões pertenciam às mulheres e eram admi nistradas por elas. Quando um homem cortejava uma mo ça, ia à casa dos pais p ais dela e lhes lhe s manifestava o seu desejo. O pai perguntava à filha se queria casar com o pretenden te e, estando ela de acordo, a mãe preparava um leito no quarto contíguo onde os dois se relacionavam sexual mente. Assim passavam a ser considerados casados. Me diante um singelo rito, a união conjungal era ratificada; 71
no dia seguinte, a jovem lavava os cabelos do marido. Quatro dias depois, ela levava um presente para a sogra. O homem passava a habitar com a mulher e trabalhava para pa ra a pare pa rent ntel elaa dela. de la. E le n ão adqu ad quir iria ia status e prestígio por p or s e r quem qu em suste su stent ntav avaa a casa ca sa,, m as p elas el as funç fu nçõe õess ritu ri tuai aiss que exercia na sociedade e, junto a parentela da mulher, pelo pe loss filho fil hoss que tinha tin ha com co m ela. Quando tinha de desempenhar funções importantes de ordem cerimonial ou religiosa, o homem retornava à casa da mãe, onde estavam guardados guarda dos os fetiches sagrados dos seus parentes, passando ali também o tempo de me ditação. Segundo relata Ruth Benedict, os casamentos dos zunis eram, em geral, harmoniosos e duradouros. Quando uma mulher ficava insatisfeita com o casamento e queria se divorciar do marido, podia, na festa cerimonial se guinte, procurar um homem solteiro. Quando gostava de um homem, perguntava-lhe se queria desposá-la e, ge ralmente, ele assentia, porque um homem casado tinha mais valor do que aquele que ainda morava com a mãe. Depois de ter ajustado dessa maneira os seus interesses, a mulher reunia os pertences do marido numa trouxa e a colocava na soleira da porta. O homem rejeitado apanhava a sua trouxa com um grito e retornava à casa da mãe. Os parentes pranteavam com ele, porque, na aldeia, dizia-se que toda a família fora atingida pela infelicidade. Só restava ao homem aguardar ser escolhido por uma outra mulher nas festi vidades seguintes.6 72
Vejamos agora qual era a situação legal e social das mulheres nas cidades-Estado da Grécia, naquele mundo em que qu e Eurípides Eurípide s ambientou a sua M edéia e que se tornou a norma para a cultura ocidental.
Gyne, palavra grega para mulher, significava, de iní cio, “parturiente”. Para as sociedades da Grécia “clássi ca”, o valor da mulher residia, antes de tudo, no fato de que, sendo send o a mãe dos filhos do homem , dava continuidade à sua estirpe. Na vida social, a mulher representava um pape pa pell subo su bord rdin inad ado; o; ela não nã o parti pa rtici cipa pava va da vida vi da soci so cial al do homem e de seus amigos, permanecendo nas dependên cias destinadas às mulheres. Não gozava dos direitos de ple pl e na cid ci d ada ad a n ia (sem (s empr pree vinc vi ncul ulad adaa à c apac ap acid idad adee de porta po rtarr armas) e não tinha, politicamente, a menor influência. Com o triunfo dos deuses masculinos, como sacerdotisa, foi banida do culto e seu lugar foi ocupado por um sa cerdote; do mesmo modo que fora excluída do culto, foi excluída da cultura. Durante toda a vida, devia ter um tutor (primeiro, o pai, e, quando este falecia, o parente masculino mais próximo); não podia fazer negócios, apa recer em processos e não tinha bens nem herdava. Seu dote passava a ser propriedade do marido. Sem autorização do pai ou tutor, ela não podia con trair núpcias; por outro lado, não tinha nenhuma possi bil b ilid idaa d e de rec re c u sar sa r o m arido ar ido que qu e o pai lhe dest de stin inav ava. a. Se mantinha relações sexuais antes do casamento, podia con tar com severos espancame esp ancamentos ntos ou com coisa pior. pior. Apenas as filhas dos metecos* se excetuavam desta regra; por * Forasteiros sem direitos políticos. (N. da T.)
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isso, muitos dos filhos dos cidadãos mantinham relações pré pr é-co conj njug ugai aiss com elas. ela s. M ed edia iant ntee o c asam as amen ento to co com m um cidadão, a filha dos metecos adquiria uma cidadania res trita. Péricles instituiu uma lei que proibia o casamento entre os cidadãos e os metecos; essas uniões eram con sideradas concubinato e os filhos delas nascidos não ti nham direito à herança. Como, devido ao trabalho pesado e aos muitos m uitos filhos filhos,, as mulheres envelhecessem e morressem mais depressa do que os homens, achava-se que a mulher devia ser mais jovem do que o homem. Em qualquer tempo, era perm pe rmiti itido do a os ho hom m en enss ter te r rela re laçõ çõee s sexua sex uais is com c om suas su as esc e scra ra vas, vas, enquanto enqu anto que uma um a mulher m ulher que tivesse relação sexual com um escravo era castigada com a morte. Quando um homem queria se divorciar, bastava bastava pronunciar pro nunciar as palavras “eu te repudio” na presença de testemunhas, ao passo que, para a mulher, o divórcio era difícil e trazia má fama. Ela devia ir pessoalmente ao arconte, exigir o di vórcio e declarar os motivos. O adultério do homem não valia como motivo para divórcio. Em contrapartida, o adultério da mulher obrigava o homem a repudiá-la, caso contrário, ele perdia os direitos de cidadão. A única pro teção que a lei proporcionava à mulher era o direito de se queixar de “maus-tratos”. Em caso de divórcio, os filhos permaneciam, em princípio, com o marido, não importando o quanto tratara mal a mulher ou fosse cul pado pad o pela pe la sep s epaa raçã ra ção. o.77 “ Ó triste tri ste m atrim at rimôn ônio io da dass m ulher ulh eres, es, quanto mal já fizeste aos mortais!”8 Johann Jacob Bachofen escreveu: “Em toda parte, a agressão aos direitos da mulher é que provoca a sua 74
resistência e arma a sua mão, primeiro para a defesa e, depois, para a vingança sangrenta.”9 É de supor-se que Medéia conhecia os seus direitos. Ela não era filha da sociedade sob cujas leis teria de viver e não aceitou seu destino como algo natural. Não estava disposta disposta a dobrar-se e a submeter-se aos “desígnios dos poderosos”. Possuída pela fúria, levantou-se para vi bra b rarr um go golp lpee de e xter xt erm m ínio ín io,, cu cujo jo mons mo nstru truos osoo e feit fe itoo res re s soa até os nossos dias. Segundo o consenso geral, ela foi levada a cometer esse crime motivada pelo ciúme. Admitindo-se o ciúme como razão para o assassinato de Creusa, poder-se-á aceitar o mesmo motivo para o infanticídio? Medéia estava num impasse. Só lhe restava escolher entre o exílio e a morte. Estava pronta a chegar a todos os extremos para se vingar daqueles que a haviam ultra ja j a d o e rest re stab abel elec ecer er sua dign di gnid idad adee e auto au toco cons nsid ider eraç ação ão.. Não fora Medéia uma figura de palco, que, no final, retorna ao mito e revela aos mortais seu poder de deusa do além, mas, em vez disso, uma mulher de carne e osso, ela teria sido executada. E o que aconteceria aos seus filhos, os filhos de uma assassina? Ela preferiu matá-los com as pró p rópr pria iass mãos. mão s. Seu Se u crim cr imee foi tão mons mo nstru truos osoo qu quan anto to as condições em que vivia. Desde a Antigüidade as mulheres foram tidas como o sexo ciumento. A descrição da posição legal e social das mulheres, nas cidades-Estado da Grécia, mostra que elas tinham toda a razão para serem ciumentas e invejosas, invejosas, não das escravas com quem seus homens dormiam, mas 75
do direito de autodeterminação sexual que somente os homens possuíam, assim como do poder, de liberdade e do direito de dispor de si mesmos e dos privilégios mas culinos. No e n tend te nder er de E rnes rn estt B o rnem rn eman ann, n, o ciúm ci úme, e, c on onsi si derado historicamente, surge “em todas as sociedades ape ape nas depois que duas linhas bem determinadas de desen volvimento formam um nó: a ascendência através da su cessão masculina m asculina e dos ben benss hereditário here ditárioss particulares”.1 particulares” .100 Enquanto, no mundo matriarcal, o conceito de virgindade virgindade não continha nenhum significado sexual, referindo-se referindo-se tãosomente à independência e liberdade da jovem mulher, na sociedade sociedad e patriarcal patriarcal revestiu-se reve stiu-se do sentido de castidade pré p ré-c -con onju juga gal.l. Exig Ex igia ia-se -se da m u lher lh er a cast ca stid idad adee prépr é-nu nupc pcia iall e a fidelidade fidelidad e matrimonial m atrimonial como com o garantia ga rantia de que os filhos, filhos, sobretudo os meninos — os herdeiros —, fossem de fato aqueles que o homem havia gerado, medida de segurança de que o direito hereditário materno naturalmente não necessitava. Para o homem, o “outro” que dormia com a “sua mulher” era um ladrão que atentava contra a sua pro prie pr ieda dade de.. Para Pa ra a mulhe mu lher, r, cu cuja ja segu se gura ranç nçaa econ ec onôm ômic icaa e so so cial era encontrada unicamente no casamento, o marido devia tornar-se a “propriedade” mais importante, que ela defendia da rapacidade de outras mulheres desejosas de sustento. É muito plausível plausível que uma ordem social social fundada na posse e que valoriza a inveja e o ciúme do mais bemsucedido como energia propulsora, justificável para a “esca “e scalada lada”, ”, se reflita reflita na relação relaçã o entre entr e os sexo se xos.1 s.11 76
No N o enta en tant nto, o, à m ulhe ul herr do patr pa tria iarc rcad ado o ja j a m a is era per pe r mitido manifestar ciúme. O ciúme feminino era sempre incômodo, porque punha em questão a prerrogativa mas culina, a promiscuidade e, fosse ele expresso de maneira velada ou abertamente, era ignorado, repelido, severa mente repreendido ou castigado (em geral pelo fato de o homem se divorciar da mulher ciumenta). Quando, na cena final da tragédia, Jasão acusa Medéia de ter execu tado a sua terrível vingança por mero ciúme, ela reage per p ergu gunt ntan ando do:: “ C rês rê s que qu e isto seja se ja para pa ra um a m ulhe ul herr des de s graça de pouca monta?” Ao que ele retruca: “Para uma mulher sensata, sim; para ti, porém, tudo é ofensa.” Só as mulheres “imprudentes” fazem cenas. O con selho tradicional para uma m ulher “prudente”, “prud ente”, até o nosso nosso século, é que reprima o seu ciúme, tolere os “casos” do marido, realce cuidadosamente a sua aparência e seja, acima de tudo, amável. Este conselho implica que a pró pria pr ia m u lher lh er será se rá a culpa cu lpada da se o m arid ar ido o a aban ab ando dona nar. r. A s esposas ciumentas (ou as amantes, porque mesmo estas não eram poupadas do sentimento do ciúme) que foram incapazes de cultivar essa “prudência” tomaram-se de plo pl o rada ra dass ou rejei rej eita tada das. s. De modo bem diferente — ainda que nem um pouco mais compassivo — o meio ambiente reagia aos homens ciumentos. Ria-se ou zombava-se deles. O “chifrudo” era sempre uma figura objeto de troça, um perdedor, um fracassado que não dominava a mulher, sendo sempre inferior ao rival. Enquanto no ciúme feminino ocupava o primeiro plano a ameaça da perda do amor, sem esque cer a segurança, no ciúme masculino tratava-se sobretudo 77
da perda da honra; o ciúme dos homens era sinal de falta de masculinidade. Ambos os sexos eram e continuam sendo tocados pelo sofrimento central da alma, que cons titui o cerne do ciúme: a dramática queda do sentimento de autovalorização e de respeito a si mesmo. Sobre o ciúme, diz Freud: “O ciúme faz parte dos estados sentimentais que, do mesmo modo que a tristeza, pode po dem m ser se r cons co nsid idee rad ra d o s norm no rmais ais.. Q uan ua n do ele pare pa rece ce não existir no caráter ou no comportamento de um ser hu mano, justifica-se a suposição de que ele tenha sido vio lentamente reprimido e, por isso, isso, desem penha papel pap el ainda maior na vida psíquica inconsciente... Qualitativamente, pouc po uco o se p ode od e d izer iz er sobr so bree o ciúm ci úmee norm no rmal al.. Perc Pe rceb ebee-se se facilmente que ele se compõe, essencialmente, da tristeza e da dor em relação ao objeto do amor que se crê haver perd pe rdid ido, o, e da ofen of ensa sa narc na rcisi isist sta, a, até at é onde on de esta es ta é sepa se pará ráve vell dos outros fatores, e, além disso, dos sentimentos de hos tilidade contra o rival, que foi preferido, e de uma par ticipação maior ou menor de autocrítica, que pretende responsabilizar o próp rio eu pela perda do am or.”1 or.” 12 Com a alteração dos papéis dos sexos e das funções sociais do homem e da mulher, que levou, sobretudo nos últimos vinte e cinco anos, a uma mudança de atitude pera pe rant ntee o c asam as am ento en to e o com co m panh pa nhei eiri rism smo, o, e com co m a libe lib e ralização ralização da sexualidade, sexua lidade, modificou-se m odificou-se também a maneira maneira de lidar com o ciúme. Questionou-se a duplicidade da moral burguesa, que outorgava ao homem um “instinto mais forte” e, desse modo, uma dose maior de liberdade sexual, e obrigava a m ulher a arcar com o papel da pureza. pureza. O compromisso de fidelidade permanente foi substituído 78
pela pe la exig ex igên ênci ciaa de m aior ai or libe li berd rdad adee sexu se xual al.. Com Co m o, porém, poré m, as normas e imagens dos valores tradicionais continuam a agir ainda por muito tempo no inconsciente humano, mesmo quando contradizem as opiniões conscientes, a “revolução sexual” não gerou uma genuína libertação, nenhuma nova possibilidade de comunicação entre os se xos, mas apenas o agravamento da situação. O correto reconhecimento de que o ciúme está profundamente en raizado nas estruturas de poder e posse da nossa cultura degenerou numa fórmula muito simplista que deu origem a uma nova normajie atitude: o ciúme passou a ser en carado como “idéia burguesa de posse” e, assim, sequer era apresentável. Um sentimento forte não só devia ser reprimido, mas inteiramente negado, caso não se quisesse pass pa ssar ar por po r um reac re acio ioná nári rio o sem se m espe es pera ranç nça. a. Perd Pe rdeu eu-s -see a oportunidade de um amor realmente “livre” entre os se xos. Enquanto para as mulheres, educadas para o papel da pureza, continuava a ser difícil confessar a si mesmas um desejo físico que não fosse “enobrecido” pelo amor, mais facilmente os homens podiam tirar proveito da prer rogativa tradicional de promiscuidade, sem, no entanto, como noutros tempos, terem que assumir a responsabi lidade moral e/ou financeira pelas consequências. O sentimento masculino do ciúme e a relação mas culina com o ciúme passaram a constituir a norma para ambos am bos os sexos: ciúme s ignifica perda de prestígio, prestígio, sendo prec pr ecis iso, o, sobr so bret etud udo, o, evit ev itar ar a caus ca usaa do ciúm ci úm e, ou seja, sej a, não se envolver demasiado. A afirmação que desde então se ouve com freqüência freqüência — “não sou ciumento” — fortalece fortalece a sua própria normalidade emocional e sexual. A censura 79
muitas vezes manifestada, não só por homens mas também por po r mulher mu lheres es — “você “vo cê
apenas está
com ciúme” — coloca
o parceiro no devido lugar e significa que ele deve se envergonhar do seu sentimento. Durante Duran te muitos m uitos séculos, séculos, as mulheres mulhe res foram educadas educadas para pa ra não nã o se dedi de dica care rem m a si m esm es m as e aos ao s seus se us próprio pró prioss interesses, interesses, m as aos outros, interessando-se por p or eles e aten aten dendo às suas necessidades. Esta carência de “dedicação a si mesma” resulta em perturbações no desenvolvimento da autonomia e à crônica ausência do sentimento de autovalorização. Por isso, graças à dinâmica fundamental do conflito do ciúme e à queda rápida e drástica do res peito pe ito por po r si m esm es m as, as , as m ulhe ul here ress são sã o part pa rtic icu u larm la rmen ente te su su jeit je itaa s a esse es se perig pe rigo. o. Pioramos a nossa situação quando negamos e repri mimos nossos sentimentos de ciúme, porque este, tanto quanto a agressão, é, antes de tudo, um sentimento de prot pr oteç eção ão,, um sina si nall de alerta ale rta que toca to ca repe re pent ntin inam amen ente te e assinala que algo não está mais em ordem já há algum tempo, não só no relacionamento, m as também na imagem imagem que se tem de si mesmo. O ciúme tem uma dimensão e uma função de reconhecimento: com a ajuda dele, posso constatar quais mudanças em mim mesma, no meu par ceiro e na nossa relação me escaparam por eu não querer admiti-las. Diz-se com freqüência que não existe nenhum a erv erva, a, nenhum remédio reméd io que cure o ciúme, e que só resta curt curtii-lo. lo. Contudo, talvez o futuro apresente um remédio: novas 80
imagens-guias para os sentidos de “feminilidade” “fem inilidade” e “ mas culinidade”.
Desaparece uma Deusa Deu sa
Hesíodo apresenta-nos a deusa Hécate (de cuja cuja figura figura triádica faziam parte Circe e Medéia) ainda como uma deusa universal benéfica, aítamente estimada e que des fruta de grande veneração. Seu culto se difundiu sobre tudo na Ásia Menor e abrangia ritos de iniciação e mis térios de que participavam, entre outros, pessoas a serem curadas de doenças. A “hecatésia”, os mistérios de Hé cate, fundiram-se mais tarde com o culto eleusino de Deméter, cuja importância na Antigüidade está ampla mente documentada.1 Na G réci ré ciaa he helê lêni nica ca,, a figur fig uraa de Hécate Héc ate (e, a seu lado, a de Medéia) perdeu o caráter luminoso e maternal, bond bo ndos oso. o. Embo Em bora ra impu im puse sesse sse resp re speit eito, o, ela surgia sur gia co com mo a deusa lúgubre e sombria da noite e da morte, que era invocada para fins mágicos, a quem se precisam sacrifí cios à meia-noite em locais onde se cruzavam três ca minhos. Imaginava-se que a deusa tivesse três cabeças ou três corpos de transformação, transform ação, fantasia a que que se se reduzira a idéia original da trindade da deusa da Lua. Apolônio de Rodes descreve uma cerimônia de sa crifício dedicado a Hécate: Jasão a executara, segundo as indicações de Medéia, a fim de obter a proteção de Hécate Brimo — a Hécate irada — para a luta com os 81
touros fogosos e com os “homens semeados”. À meianoite, ele tomou um banho ritual, cobriu-se com uma veste escura, fez uma cova numa floresta de carvalhos e, ao lado dela, armou uma pilha de lenha. Imolou uma ovelha, fez o seu sangue correr para a cova, ateou fogo à lenha e sobre ela colocou a ovelha sacrificada. Em seguida, despejou um cálice de mel à guisa de oferenda de bebida, invocando a deusa e pedindo-lhe proteção. Medéia lhe recomendara que, depois disso, ele deveria afastar-se afastar-s e da fogueira fogue ira e não olhar para trás, trás, ao ouvir o uvir ruídos ruídos de passos ou latidos de cães. O poeta pinta o aparecimento da deusa como um evento imponente e de sombria beleza: a terra treme sob os seus passos, o brilho de inúmeras tochas ilumina a noite, serpentes se enroscam nos ramos dos carvalhos, cães uivam e latem. A religião olímpica de Zeus não conseguiu co nseguiu extinguir totalmente a dignidade e majestade de Hécate. Dizem que o próprio Zeus a temia e não ousou tirar-lhe o poder de realizar os desejos dos mortais. Como deusa, ela con servou uma posição especial, mas não encontrou um lugar na família dos deuses do Olimpo. O sistema olímpico surgiu inicialmente como um compromisso entre os conceitos religiosos dos povos do antigo Mediterrâneo Med iterrâneo e os helenos.2 heleno s.2 As divindades divind ades mas m as culinas do tempo, do trovão e do fogo, dos helenos, pas saram a ser “irmãos” das deusas, nos lugares onde se integraram na cultura do antigo Mediterrâneo. 82
Com a consolidação do patriarcado, os deuses mas culinos ganharam também poder no Olimpo. Só então Hera perseguiu Zeus com seu ciúme, passou a haver in veja das deusas entre si e entre as mulheres mortais. Só então a relação entre os sexos — também nos mitos — foi moldada pela inimizade. Embora as deusas olímpicas — então declaradas ou como “esposas” ou como “virgens” — tivessem conser vado parte da sua universalidade original, perderam, ao contrário de Hécate, o aspecto de morte e de inferno. Um deus masculino — Hades — passou a imperar no reino dos mortos. Por que era justamente a deusa sob a forma da mu lher velha — a “mãe” da tríade, representando o ciclo cósmico do vir-a-ser e do perecer — aquela que fora mais vigorosamente reprimida e, maior tarde, totalmente suplantada? Em primeiro lugar, porque na velha deusa — senh se nhor oraa da vida vid a e da m orte or te — o aspe as pect cto o do poder po der feminino teve a sua mais acentuada manifestação; fazia parte pa rte da esfe es fera ra dessa de ssa deus de usaa a tota to talid lidad adee do conh co nhec ecim imen ento to sagrado, e o poder terreno — e também político — das suas sacerdotisas baseava-se, em larga escala, na poderosa influência religiosa dos cultos. As histórias da expulsão de Medéia de Corinto, de Tebas e de Atenas mostram que o culto da Grande Deusa foi reprimido e os meios como isso aconteceu. As etapas da sua viagem para o exílio revelam onde o seu culto ainda se mantinha no período helênico: na Tessália (que, em toda a Antigiiidade, foi considerada o país “clássico” 83
das bruxas), nas colônias gregas do extremo sul da Itália, na Ásia Menor e no litoral do mar Negro, onde ainda viviam tribos tribo s matriarcais, fiéis ao antigo antig o sistema sistem a religioso. Medéia desaparece levada pelo seu carro de serpen tes e é oculta aos olhos dos mortais por uma nuvem. O retomo de Medéia à “ilha dos bem-aventurados”, que as antigas tradições relatam, a volta ao reino da aurora — süa origem —, onde habitam os heróis depois da sua apoteose apoteose — é igualmente como que um desaparecimento. A velha deusa retirou-se para a escuridão; o país para disíaco do além, esfera da sua filha, a deusa-moça, não é agora mais um mito ligado a uma realidade cultuai ou psíqu ps íquica ica,, mas ma s m era er a imag im agin inaç ação ão rom ro m ân ântic tica. a. A queda da Hécate, a realizadora de desejos, o escurecimento da Circe transformadora e o desaparecimento da Medéia conselheira expressam o fato de que os con teúdos e imagens dos valores encarnados originalmente pela tríad trí adee e o cam ca m inh in h ar co cons nsci cien ente te pe pelo lo cicl ci cloo de vida, vid a, morte e renascimento não podiam mais ser integrados na consciência. As imagens dos valores, válidas a partir de então, são cunhadas pelo mundo dos deuses-pais. A ima gem universal da deusa dividiu-se na imagem da “boa mãe” e na'da “mãe devoradora”. No de deco corr rrer er do de dese senv nvol olvi vim m en ento to da dass reli re ligi giõe õess momo noteístas patriarcais, o aspecto feminino na imagem da divindade passou cada vez mais para o segundo plano. Já dividida, a deusa foi cortada mais uma vez ao meio. Sua maravilhosa força sensoria! e sua criatividade primi tiva, que tomara possível a criação, confundiu-se com a 84
figura de Eva (outrora a deusa das serpentes) e passou a ser o “pecado “pec ado original” origin al”.3 .3 O que q ue restou resto u foi uma “dama sem o baixo-ventre”, a imagem da Madona, que nada mais continha a não ser a virgindade, a castidade e a maternidade sem sexo, para servir de imagem-guia da feminilidade positiva. Quando, mais tarde, com o desenvolvimento do pen samento científico, da teoria da evolução, da pesquisa da natureza, e com o conhecimento conhecime nto crescente, se desvaneceu desvaneceu a idéia de um deus que criara o mundo e se preocupava com cada uma das suas criaturas, a cultura ocidental, em sua totalidade, perdeu a segurança psíquica. A “perda de Deus” passou a ser fator decisivo na crise de consciência da era moderna. Na tradição do Iluminismo, essa “perda” podia po dia s er parc pa rcia ialm lmen ente te c om pens pe nsad adaa pela pel a fé na razão, razã o, que está à disposição do ser humano e pode salvá-lo da ruína espiritual e psíquica. Que aconteceu, no entanto, com as mulheres, a quem se concedia, também no reino da razão, apenas uma “cidadania restrita”? Só agora as teólogas feministas levantam a pergunta quanto aos efeitos do desaparecimento da deusa sobre a “outra metade da humanidade”. Com a Grande Deusa e a sua figura triádica de jovem independente, de mãe ma dura e fecunda e de velha sábia, as mulheres tinham com que se identificar ao longo das suas vidas e, em cada fase, tinham como extrair um sentido para a sua existên cia.4 cia.4 Visto Vis to que apenas apena s um único fragm fr agmento ento da fem inili dade — a virgindade, a castidade e a maternidade — tinha valor como modelo positivo de identificação, as próp pr ópri rias as m ulhe ul here ress tam ta m bém bé m com co m eçar eç aram am a julg ju lgaa r a ira, a 85
agressão, a imposição e o esforço em prol da autonomia como um “mal” impróprio à mulher, e a sensualidade, o gozo e a capacidade amadurecida de relacionamento amoroso com “fraqueza” e “pecado”. Em tudo o que se referisse à razão, ao conhecimento e à sabedoria, elas deviam renunciar a uma identidade própria ou tomar em pres pr esta tada da uma iden id entid tidad adee “ estr es tran anh h a”, a” , de cunh cu nho o masculi mas culino. no. A identidade feminina tomou-se ffiável; a autodesvalorização passou a ser uma doença feminina de contágio epidêmico. Não obstante, as mulheres da Nova Era talv talvez ez tenham passado melhor do que os homens pela genera lizada “perda de Deus”: já fazia muito tempo que elas haviam perdido a confiança na deusa e já estavam, até certo ponto, acostumadas a viver na solidão religiosa e não precisavam precis avam,, por po r essa ess a razão, reagir ao desaconc desa conchego hego com a mesma dose de cinismo e destrutividade dos homens. A divisão da Grande Deusa em “mãe boa” — que se integrara ao sistema de valores e à consciência da cultura patriarcal — e em “mãe devoradora” — que foi reprimida e mergulhou no inconsciente — é vista por Erich Neumann ainda sob outro aspecto. Esse autor a relaciona com a evolução da consciência no curso da história humana, que ele não considera um curso linear e histórico, mas um evento tipicamente universal, apre sentando as mesmas normas tanto para os indivíduos co mo para as culturas. Segundo a sua concepção, o conteúdo bivalente que abrange opostos, representado pela Grande Deusa, im poss po ssib ibil ilit itav avaa uma um a orie or ient ntaç ação ão da cons co nsci ciêê ncia nc ia.. A esse con co n teúdo corresponde, na personalidade, o estado de ambi 86
valência: o simultâneo ser atraído e ser repelido, que pro voca uma fascinação e a incapacidade de tomar decisões. “A consciência retoma sempre outra vez a esse con teúdo ou à pessoa que lhe corresponde ou é portadora da sua projeção e não consegue separar-se dele. Reações sempre novas são provocadas, a consciência não com preen pre ende de m ais ai s nada na da e surg su rgem em as rea r eaçõ çõee s emoc em ocio iona nais is.. Desse Des se modo, cada contéudo bivalente que simultaneam sim ultaneamente ente atra atraii e repele causa a totalidade e provoca reações emocionais porq po rque ue a cons co nsci ciên ênci ciaa se nega, nega , regr re grid ide, e, e é subs su bstit tituíd uídaa por mecanismos primitivos. Mas as reações emocionais que resultam do encantamento são perigosas, pois correspon dem a uma inundação da consciência pelo inconsciente.”5 No c amin am inho ho do herói her ói m ascu as culin lino, o, que, qu e, prim pr imeir eiro o com c omo o rei sagrado e “heros”, está a serviço da Grande Mãe e, pelo pe lo sacr sa crifí ifíci cio o da vida vi da se fund fu ndee com ela, ela , e que, na fase fas e seguinte, mata a monstruosa serpente (o aspecto devorador da mãe), liberta-se do domínio da Grande Deusa e se converte em seu “inimigo”, Neumann vê a paulatina emancipação da consciência do ser animalesco-inconsciente, em que todas as reações, de maneira indiferenciada, são unidas umas às outras. No nível nív el “ p ré-l ré -ló ó g ico ic o ” do dese de senv nvol olvi vim m ento en to da c o n s ciência, as percepções e reações somáticas, emocionais e mentais formam uma totalidade indiferenciada. No nível “mágico” ou mítico, a consciência se orienta pelas estru turas polares; contudo, o eu germinal, que começa a se separar da psique grupai, recai facilmente no ciclo de reações indiferenciadas-integrais. Os símbolos com que 87
opera o “pensamento mítico” constituem a condição bá sica para o desenvolvimento do pensamento abstrato, que distingue as reações somáticas, emocionais e mentais, se para pa ra o raci ra cion onal al do irrac irr acio iona nall e conc co nceb ebee o m undo un do e seus se us fenômenos fenôme nos em categorias categ orias ordenadas. ordenadas. Nesse N esse processo, cris taliza-se o indivíduo, que, mediante a consciência e força de vontade, é capaz de se libertar da determinação total dos impulsos instintivos. Essa teoria do desenvolvimento consubstancia, ao mesmo tempo, a apresentação do processo civilizatório, caracterizado pelo controle progressivo das emoções; das suas conseqüências negativas fazem parte a separação da consciência corporal, das emoções e dos processos in conscientes da consciência do eu racional. Os mitos e os símbolos podem representar uma va liosa ajuda, quando se trata de trazer processos incons cientes para a esfera da consciência, quando se trata de integrá-los à personalidade e de restabelecer assim a to talidade em novo nível. Faz parte das leis fundam entais referentes à estrutura estrutura da consciência, segundo Neumann, a correlação da luz, do dia e da consciência com o aspecto masculino, e a correlação da escuridão, da noite e do inconsciente com o aspecto feminino, independentemente do sexo daquele que faz essa associação. “A consciência de si como tal tem caráter masculino também na mulher, do mesmo mo do que o inconsciente tem caráter feminino no homem.”6 Erich Neumann que, no seu livro A Grande Gra nde Mãe, apresentou as complexas conexões do desenvolvimento 88
das religiões matriarcais, não pode, de modo algum, ser acusado de misoginia. Contudo, sua identificação do de senvolvimento da consciência com o caminho do herói masculino e da con sciência de si com o aspecto m asculino asculino revela a atuação da preconceituosa estrutura patriarcal. Segundo mostram os mitos, a luz, o dia, o espírito, a criatividade, o gênio inventivo e a energia também eram, originariamente, identificados com a deusa. A Lua que bril br ilha ha no c éu notu no turn rno o ou a tòch tò chaa que qu e clar cl arei eiaa a escu es curid ridão ão da noite também são símbolos da sabedoria e do conhe cimento que podem, sem dúvida, aparecer em mais do que uma única forma. Metanira lutava contra a eterna dependência infantil da consciência humana em relação ao aspecto ctônico-materno, ao perturbar Deméter no ri tual da “criança no fogo”. Igualmente Medéia, que insti tuiu um rito de consagração à guisa de expiação pelas crianças sacrificadas, já se havia libertado do círculo má gico da consciência indiferenciada-integral. Se na nossa cultura, ao que parece, a consciência também tem um caráter masculino, na mulher, isso pode ser atribuído à distribuição social dos papéis dos sexos e às condições de poder e dependência entre os sexos que foram transmitidas durante séculos. E totalmente ocioso pretender dividir capacidades mentais e psíquicas altamente desenvolvidas, como o intelecto, a compreen são, a criatividade, a intuição e a empatia, em categorias sexuais; elas são simultaneamente femininas e masculi nas; são humanas. O fato de que, dependendo das correlações especí ficas da vida que condicionam os sexos, essas qualidades 89
poss po ssam am se m anif an ifee star st ar de form fo rmas as dife di fere rent ntes es é outra ou tra ques qu es tão. Se cada sistema, tanto o “matriarcal” como o “pa triarcal”, atribui o conhecimento, a sabedoria, a criativi dade e o espírito ao respectivo sexo dominante, isso ape nas comprova que nenhum dos dois sistemas se desen volveu até a plena humanidade e que é necessário trans cendê-los. Se atualmente as mulheres estão reabilitando a Grande Gran de Deusa, trata-se, antes de mais nada, de recupe recuperar rar os valores, atitudes e conteúdos que o patriarcado, com seu caráter unilateral, negligenciou e perdeu, e que são necessários à sobrevivência de todos nós. Há outro preconceito universalmente difundido na nossa sociedade, a saber, que a cultura cristã ocidental e o desenvolvimento espiritual a ela associado seriam no seu todo superiores a outras culturas e ao seu pensamento, acima de tudo às chamadas culturas primitivas. Estabe lecer as características que fazem uma cultura parecer “primitiva” ou “culta” depende inteiramente da perspec tiva do observador e dos valores centrais que o orientam. Para um observador cujos valores centrais sejam a vida, o equilíbrio, o crescimento orgânico no seio da natureza e da cultura e a responsabilidade para com a criação, nossa civilização superarmada, agressiva, exploradora e orientada pela concorrência, deve lhe parecer extrema mente primitiva, a despeito da sua extraordinária tecno logia. Quanto à atitude em face da natureza, da vida, da velhice e da morte, e à utilização dos recursos naturais, as culturas dos “selvagens” — dos índios e dos povos árticos, assim como das decadentes culturas matriarcais — afig af igur uram am-s -se, e, ao cont co ntrá rário rio,, extr ex trem em am ente en te cultas. cult as. 90
A expulsão para as trevas e para o inconsciente da antiga deusa do vir-a-ser e do perecer trouxe à nossa cultura mais prejuízos do que proveito: de forma franca mente histérica, estamos fixados na juventude; em torno do esforço de evitar e de ocultar oculta r os sinais da aproximação da velhice formaram-se verdadeiras indústrias. Pessoas maduras, acima de tudo mulheres, não são mais consi deradas atraentes e as pessoas idosas são marginalizadas da sociedade. Não sabemos mais lidar com a morte. Ao lado da sexualidade que, entrementes, já deixou de ser um tabu, a morte é o maior tabu da nossa cultura. Ela está sendo encoberta, posta de lado, disfarçada e deslo cada para o mais longe possível da nossa vida diária. A idéia da morte provoca calafrios e depressão; evitamos o contato com doentes incuráveis e com moribundos. A medicina prolonga a vida, mesmo quando isso só traz sofrimentos sofrim entos adicionais para para o enfermo, enfermo, privando-o priv ando-o da pos sibilidade de reconhecer que precisa partir e despedir-se, com a consciência lúcida, do mundo. Em contrapartida, cultua-se a violência e a destrutividade, as imagens da guerra e as notícias sobre catás trofes divulgadas pelos veículos de comunicação, os fil mes onde cadáveres se amontam e o sangue jorra como rios, contribuem para nos distrair. Enquanto negamos, na realidade, a morte, é como se tivéssemos de nos defrontar com ela permanenteme permanen temente, nte, de modo simbólico, no sentido sentido de “força que impele à repetição”, de que Freud fala ao tratar da repressão; o reprimido é posto, constantemente, de maneira simbólica, para fora e justamente o essencial não pode ser lembrado como realidade/ 91
É provável que os adoradores da Hécate tricéfala tivessem muito mais claramente o essencial diante dos olhos do que nós atualmente: que a morte está na vida e que todos nós a temos dentro de nós, por um lado, porq po rque ue som so m os m orta or tais is e um dia en entr traa rem re m o s na reci re cicla clage gem m do ser e, por outro, porque somos capazes de matar e de destruir. Que a mulher, suave e pacífica, também disponha do amendrontador potencial de agressão e violência foi e ainda é totalmente inadmissível numa cultura dominada pela pe la co cons nsci ciên ênci ciaa m ascu as culin lina. a. Por Po r isso is so,, a ira m an anife ifest stad adaa publ pu blic icam amen ente te pe pela lass mulhe mu lheres res,, ou tam ta m bé bém m a sua su a vo vont ntad adee agressiva de se impor sempre foram rejeitadas como “monstruos “m onstruosas”, as”, “desnaturadas” e “ impróprias impró prias da mulher”. mulhe r”. Esse tabu social atua até mesmo nas mulheres e de forma perig pe rigos osa; a; as m ulhe ul here res, s, numa num a m e did di d a m aior ai or do que os homens, tendem a dirigir sua agressão oprimida e repri mida de modo destrutivo contra elas mesmas; as conseqüências disso são graves depressões e o perigo do suicídio. Nos No s an anos os cinq ci nqüe üent nta, a, no p erío er íodo do da “g “gue uerr rraa fria fr ia”, ”, surgiu toda uma série de filmes filmes ban banais ais de ficção científi científica ca que até hoje gozam de grande popularidade. Todos se guiam o modelo de um filme japonês realizado por volta de 1950 (e que representa, de certo modo, o mito que lhes deu origem): Devido a abalos atômicos, numa fossa oceânica, um monstro pré-histórico desperta: um dragão marinho, do tipo sáurio, de dimensões enormes. Ele sobe à terra, terra, arrasa arrasa arranha-céus a rranha-céus com os golpes golp es das suas garras, garras, tira dos trilhos os trens, esmigalha postes de alta tensão, prov pr ovoc ocaa um caos ca os de m orte ort e e d e stru st ruiç içãã o e de depo pois is torna tor na a 92
desaparecer no mar. O filme gira em tomo das tentativas para c om b ate at e r e e xter xt erm m ina in a r o m onst on stro, ro, que qu e sai repe re petid tidas as vezes da água e ataca a civilização; finalmente, mediante o emprego cada vez maior de armas destrutivas, se con segue vencê-lo. Na luta contra o pré-histórico dragão ma rinho — que recebeu mais tarde o nome de “Godzilla” — está refl re flee tido ti do o m edo ed o do exte ex term rmín ínio io a tôm tô m ico ic o e o “eq “ equi ui líbrio do terror” que, desde a II Guerra Mundial, passou a ser a característica típica das estratégias políticas de toda a nossa cultura planetária. A história contém, no entanto, um “remanescente mítico”, do qual é provável que nem nem os próprios prod utores do filme filme estivessem cons cientes: na figura do dragão marinho, toma a se levantar o monstro serpentino, o aspecto mortal da Hécate tricéfala, que, numa permanente guerra preventiva é sempre compelida novamente a voltar ao inconsciente. Quando Medéia, sob a forma “patriarcal”, torna a reaparecer no palco, provoca um caos de morte e des truição e, no fim, desaparece em seu carro puxado por serpentes; há nisso (como que minando a apresentação crítica da situação da mulher destituída de direitos), de maneira muito menos evidente e banal, um “falso mito”, ou seja, um clichê cultural cunhado pelo medo reprimido do aspecto feminino sombrio sobre o qual a cultura pa triarcal havia projetado a morte. O budismo tibetano, cujo mundo pictórico e simbó lico ainda está fortemente impregnado pela religião ctônica, conhece outra maneira de lidar com os demônios da destruição e da morte. O homem que encontra (espi ritualmente) as divindades iradas e sangüinárias — que 93
se apresentam com três cabeças envoltas em serpentes negras e uma guirlanda de crânios ao redor do pescoço — é acon ac onse selh lhad adoo a nã nãoo fugi fu girr de pâ pâni nico co e sust su stoo da ap apa a rição: “Não a temas. Não te deixes intimidar. Sabe que isso é a personificação do teu próprio espírito. Sendo a tua divindade protetora, não te deixes assustar.”8 É que as divindades iradas e bebedoras de sangue são apenas o oposto das divindades radiosas da sabedoria e da bon dade. “Quando se meditou sobre as descrições dessas divindades bebedoras de sangue, enquanto se estava no mundo humano, e se empreendeu algo para a sua adoração e louvor ou, pelo menos, se olhou para as suas imagens pint pi ntad adas as e para as suas su as está es tátu tuas as,, co cons nseg egui uiuu-se se... ... o rec re c o nhecimento e a libertação. Nisso reside a arte.”9 A arte — deixamos isto bem claro — está em não fechar os olhos diante dos ciclos da vida e da morte. Esta sabedoria — que se pode relacionar tanto com os indivíduos como com as sociedades, e que as religiões matriarcais já possuíam, de tal modo que a encontramos na raiz da nossa própria cultura — deveria ser libertada do degredo: não seremos dominados pelo horror, pânico e susto, à idéia da nossa própria morte, se a entendermos como uma mudança necessária. Correremos Correrem os menos perigo perigo de prejudicar ou destruir, numa alteração, a vida dos ou tras se nos defrontarmos com o potencial de agressão, violência e destrutividade inerente em nós, porque assim não precisaremos projetá-lo nos outros. E, finalmente — e isto isto vale hoje sobretudo para para as mulheres mulh eres — , teremos terem os de volta uma deusa protetora, se ousarmos encarar de olhos abertos a nossa raiva, a nossa ira ira e os nossos desejos dese jos 94
de vingança, vendo neles a imagem polar da nossa força, da nossa energia vital e da nossa criatividade. Desse mo do, poderemos nos livrar do risco de nos prejudicarmos, de destruir a nossa própria vida e de perder a nossa iden tidade. As mulheres nem sempre foram oprimidas da mesma maneira em todos os períodos da História. Seu status se alterava de acordo com as mudanças políticas, econômi cas e sociais que as sociedades européias sofreram desde a Antigüidade. Na antiga sociedade romana (que, sob muitos aspectos, assemelhava-se muito mais à nossa mo derna sociedade massificada do que, por exemplo, às so ciedades da Idade Média), M édia), tornou-se possível uma relativa emancipação da mulher que, como m ater ater famíl fam ílias ias e se nhora da casa ocupava uma um a posição de honra, honra, tinha acesso à cultura e administrava pessoalmente seus bens, caso os tivesse. Mesmo na Idade Média, que, quanto à autode terminação da mulher, deve ser de pleno direito taxada de “trevosa” “trev osa”,, as mulheres mulhe res se organizavam em corporações próp pr ópri rias as e o rgan rg aniz izav avam am as suas su as c on ongr greg egaç açõe ões, s, co com m o, po porr exemplo, as beguinas. Com o começo do Iluminismo, no século XVII, houve outra vez mais liberdade para as mu lheres e o direito de dispor de si mesmas. Significativa mente, ressurge também nessa época o tema de Medéia, com Com C om eille ei lle.1 .100 No século sécu lo XVIII, XV III, era da emancipação ema ncipação burg bu rgue uesa sa,, as m ulhe ul here ress eram er am m uito ui to m a is livre liv ress do qu quee no século XIX. É verdade que a possibilidade de elas terem uma vida mais autodeterminada estava relacionada com a sua filiação à respectiva classe (superior ou média) nor mativa. 95
Contudo, a mudança do status social das mulheres jam ja m a is resu re sult ltou ou num nu m equi eq uilíb líbrio rio socia so ciall com co m plet pl eto o entre en tre os sexos; elas permaneceram, ora de modo mais evidente, ora menos, numa posição secundária. Isso se revela, entre entre outras coisas, no fato de seus trabalhos culturais serem sempre menos considerados do que os dos homens e não terem entrado e ntrado nos “anais da história”, mas caído no esquecimento.
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Terceira Parte O Espelho Escuro
Paixão como Fatalidade
... a deusa deus a das da s mais acerad ace radas as flechas, Cípride, 1 trouxe do Olimpo Olim po p a r a os homens O pássaro simbólico de asas matizadas Que faz enlouquecer de amor, E, E, prend pre ndend endo-o o-o aos quatr qu atro o raios rai os da roda, Ensinou a Jas J asão ão um canto can to mágico mág ico Que de amor transportará Medéia, e porá por á fim ao respeito respeito filial filial.. E à saudad sau dadee da Gréci Gr écia a1 Log L ogo o a o herói heró i que qu e adora, Medéia Me déia anuncia O plano falacioso de Aetes, contra ele, E, E, misturando mistu rando aos vegetais vege tais que qu e sua a rte rt e fe z nascer nas cer um óleo dourado, o tesouro precioso livra Jasão das dores como poderoso antídoto. E os coraç cor ações ões sensíveis sensívei s jurara jur aram m se unir, unir, fe liz li z e s r
A história da feiticeira da Cólquida e do herói len dário dos argonautas — que, ao ser transmitida poste 97
riormente, foi reduzida a uma história de amor de final trágico — retrata o relacionamento dos sexos numa cul tura dominada pela consciência masculina. O relacionamento de Medéia com Jasão não corres pond po ndee à imag im agem em típic típ icaa do m atri at rim m ônio ôn io patr pa tria iarc rcal al,, no qual o homem manda e a mulher serve; em muitos sentidos, assemelha-se muito mais ao relacionamento de um casal moderno que inicia o caminho para um futuro comum numa situação de igualdade. A jovem Medéia que Jasão encontra na Cólquida não é um ser inseguro e desampa rado, mas, usando termos atuais, uma mulher inteligente e consciente de si, conhecedora das suas capacidades e cônscia do seu valor. Jasão, o navegador e aventureiro, líder dos argonautas, é dotado de todas as qualidades que formam um “jovem herói” — iniciativa, coragem, curio sidade, vivacidade, consciência de si e espírito empreen dedor —, mas tem necessidade de Medéia, que ratifica suas qualidades de herói, dá-lhe apoio e “magicamente” o ativa. De início, ele precisa mais dela do que ela dele. Na lend le nda, a, o equi eq uilí líbr brio io entr en tree nece ne cess ssit itaa r e ser se r nece ne ces s sário restabelece-se restabe lece-se através de um feitiço de amor am or dirigido dirigido contra Medéia pelo pássaro esticado sobre a roda e pelas flechas de Eros: Medéia é subjugada pelo fascínio da paix pa ixão ão.. O m odo od o com co m o esta age n ela el a é desc de scri rito to assim ass im por Ovídio: e ela contempla! Como se só agora o visse, ela mantém os olhos olho s pre p reso so s ao seu rosto; não é capa ca pazz de desprendê-los, desprendê- los, porq po rqu u e crê esta es tarr vendo o rosto rost o de um deus, deus, a louca! Quando o fora fo raste steiro iro começa com eça a falar, tomando-lhe tomand o-lhe a destra, destra , pedindo-l pedin do-lhe he ...
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humilde a ajuda e prome pro meten tendodo-lhe lhe matrimônio, matrimônio, as lágrimas brotam-lhe brota m-lhe nos olhos. “O que estou começando eu o se s e i”, i”, diz d iz ela, “conheço-o bem bem, mas o amor amo r me seduz. O meu meu dom vai te salvar; salv ar; Quando isso acontecer, cumpre a tua promessa!” E ele jura ju ra à deusa de d e três corp co rpos os p o r tudo o que é sagrad sagr ado o .4
Eurípides observa que Medéia teria tido “o coração per p ertu turb rbad ado o por po r amor am or a Jas Ja s ã o” , O vídi ví dio o fala fal a de “ louc lo ucur ura” a”.. Apolônio de Rodes conta que o titã da noite (a Lua) subia ao céu justamente na hora em que Medéia deixou secretamente o palácio para contar a Jasão os planos de seu pai. A velha deusa da Lua (que era, originariamente, a mãe de Medéia) olhou do alto para a enamorada, refletiu sobre o seu próprio amor baldado pelo belo Endimião, que dorme numa caverna sem jamais acordar, e disse: agora ago ra tu mesma estás está s plena ple na de uma paixã pa ixão o que se assemelha assemelh a à demência, e algum deus das dificuldades dificu ldades te ofe receu Jasã Ja são o p a ra ser se r teu desgo des gosto sto e sofrimento. sofrimento. Vai, pois, poi s, e ...
revigo rev igora ra o teu teu cora co raçã ção o — po p o r mais sábia sáb ia que poss po ssas as ser se r pa p a r a carregar, com muitos suspiros, o far f ardo do da dor do r.5
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As palavras da deusa da Lua, que ela diz meio para si mesma, meio para Medéia, contêm uma clara advertência; nelas ressoa, no entanto, também uma satisfação, quase que vingativa, de que agora a jovem feiticeira consciente de si irá sofrer o destino que, evidentemente, está reservado a todas as mulheres: viver na esperança de um amor que jamais se realizará. 99
Jasão fica encantado com a beleza de Medéia e com a sua irradiação, irradiação, sendo fascinad o pelos seus s eus “poderes “poderes má gicos”; mas, para descrever a sua paixão, não se recorre a metáforas de perda de controle e de equilíbrio; Medéia não aparece para ele como um perigo, mas, ao contrário, como um complemento necessário aos seus planos e ob jeti je tiv v o s . P o r que qu e a paix pa ixão ão de M edéi ed éiaa é apre ap rese sent ntad adaa com co m o uma inevitável fatalidade, associada de antemão ao pres sentimento da dor e dos sofrimentos, das frustrações e das perdas? Em nível literário, trata-se naturalmente de um artifício, que serve para introduzir Medéia como uma figura trágica. Essa apresentação desequilibrada, no en tanto, reflete igualmente uma estrutura de pensamento que nos é familiar até hoje: a definição da esfera dos sentimentos é “feminina”, enquanto a esfera da razão é “masculina”. “m asculina”. A concepção diferenciada diferenciada da paixão de de M e déia e da paixão de Jasão corresponde a uma convenção cultural válida até os os nossos dias: das m ulheres imagina-se imagina-se - e se espera - que se derretam de amor, percam a cabeça e não tenham mais controle sobre si mesmas e sobre suas decisões; mas, para os homens, dá-se o contrário; eles não devem se derreter por amor, se não quiserem passar po p o r “ afe af e m inad in ado o s”; s” ; dele de less espe es pera ra-s -see que, qu e, apes ap esar ar de toda to da a paix pa ixão ão,, cont co ntin inue uem m a s e r sen se n h o res re s das da s próp pr ópri rias as deci de cisõ sões es e não ajam contra a “razão” “apenas” por estarem ena morados! Faz parte também das tradicionais idéias de valor, que moldaram durante séculos a nossa imagem da “fe minilidade”, que o vínculo amoroso permanente com um pa p a rcei rc eiro ro seja se ja,, para pa ra a m ulhe ul her, r, o cent ce ntro ro da sua exis ex istê tênc ncia ia 100
e a razão de ser da sua vida, e que, ao contrário, tenha para pa ra o hom ho m em um luga lu garr de m e nor no r impo im port rtân ânci ciaa do que seus objetivos objetivo s externos (profissionais e de carreira). Ainda Ainda que não aceitemos atualmente com naturalidade esses pa drões de valor, nossas atitudes, no entanto, em face do amor e da parceria, estão, consciente ou inconsciente mente, impregnadas, de maneira profunda, por elas. Do pont po nto o de v ista is ta psic ps icol ológ ógic ico, o, as trad tr adiç içõ õ es são sã o m odel od elos os de identificação, transmitidos por muitas gerações e com post po stos os p rinc ri ncip ipal alm m ente en te de proc pr oces esso soss p síqu sí quic ico o s inco in cons nsci cien en tes.6 Como, Como , além disso, disso, as normas trad icionais dos papéis pass pa ssaa ram ra m , na noss no ssaa socie so cieda dade de,, com co m o se foss fo ssem em “ prop pr opri rie e dades naturais” dos sexos, é extremamente difícil deter minar quais as novas reações e maneiras de ser que são realmente autênticas. Muitas mulheres experimentam efetivamente a pai xão como um encantamento supremo de que não conse guem se eximir, um estado de confusão em que estão mesclados esperanças, expectativas de felicidade e medos prof pr ofun undo dos. s. F reqü re qüen ente tem m ente en te as m ulhe ul here ress estã es tão o de fato fat o tão ocupadas com suas histórias de amor, tão dependentes das relações amorosas que, mesmo quando estas não são satisfatórias, permanecem muitas vezes durante anos ou fases inteiras da sua vida no cerne da sua existência, absorvendo a maior parte das suas energias. Na parceria, as mulheres são com freqüência mais inseguras e pertur báv bá v eis ei s d o que qu e os home ho mens ns,, s endo en do a sua su a v ida id a m uito ui to mais ma is pre p reju judi dica cada da q uand ua ndo o a rela re laçã ção o se rom ro m pe ou quan qu ando do não se realiza o sonho de uma vida em comum. Desse modo, a paixão pode tornar-se, de fato, uma fatalidade. 101
Em que se baseia essa disposição feminina para dar tanto valor às relações amorosas? O psicanalista Fritz Riemann fala das exigências e dificuldades fundamentais do desenvolvimento da perso nalidade, nalidade, que atingem da mesma mesm a maneira ma neira am bos os sexos: sexos: o caminho para a maturidade exige, de um lado, grande dose de “retomo a si mesmo”, de ocupação consigo mes mo, que serve para esclarecer as próprias necessidades, atitudes e padrões de valor, levando assim o homem a desenvolver um eu estável e a tomar-se uma pessoa ver dadeira. Por outro lado, porém, necessitamos também do outro para podermos nos delimitar; a individuação só se pode po de rea re a liza li zarr em cont co ntat ato o com o utro ut ross sere se ress hum hu m ano an o s e também faz parte da maturidade a capacidade de “vol tar-se para os outros”, de desenvolver a compreensão e a sensibilidade intuitiva, de abrir-se para o mundo e para os outros e de se relacionar e dedicar. Visto que essas exigências fundamentais são polar mente opostas entre si, elas causam tensões e conflitos, estando acopladas a medos específicos: quando, na ex periê pe riênc ncia ia,, o impu im puls lso o de “vol “v olta tarr-se se para pa ra si m e sm o” e a necessidade de delimitar o próprio eu ocupam o primeiro plano pla no,, surg su rgee o m edo ed o de se entre en trega gar, r, que qu e é vivi vi vido do com co m o uma perda do eu ou como uma dependência. Quando a necessidade de contato e a exigência de abertura para o outro prevalece, surge o medo m edo em em face da auto-realização, manifestado como um sentimento de desaconchego, de solidão e isolamento.7 102
As tendências e medos desenvolvidos em especial por po r um ser se r hum hu m ano an o d epen ep ende dem m m uito ui to das da s impr im pres essõ sões es re re cebidas na infância, do clima educativo da casa dos pais, da realização ou não das necessidades básicas de calor, prox pr oxim imid idad adee , acon ac onch cheg ego o e segu se gura ranç nça, a, e d a rela re laçã ção o dos pais pa is um com co m o outro. outr o. M as, inde in depe pend ndee ntem nt em ente en te das dife di fe renças individuais de educação, o desenvolvimento da menina — pelo menos entre 4 e 6 anos, que é a fase de autonomia — ocorre de maneira diferente da evolução do menino. Para a primeira, primeira, que, já devido ao sexo, sexo, tem-se tem-se como idêntica à mãe, é muito mais difícil do que para o menino desfazer-se da simbiose com aquela; a menina se mantém muito mais dependente da confirmação da mãe, enquanto os passos necessários para a separação são acompanhados de um medo maior de perder o amor. Este medo poderia ser reparado na educação; contudo, na maioria das famílias, o pai não está bastante próximo da criança para que esta possa esperar também dele o natural atendimento das suas necessidades, encontrando nele a indispensável segurança, quando ela “se afasta” da mãe. “Além disso, sem verificar, a nossa sociedade tende a ver a dependência da menina e sua extrema necessidade de amor e aceitação como algo natural e a assumir a atitude com patível.”8 patíve l.”8 Não se encoraja a menina men ina — como se faz com o menino — a descobrir o mundo com a sua curiosidade e a conquistar, pelo interesse por outras coi sas, uma relativa rela tiva distância distânc ia da esfera relacionai; relaciona i; ela, porém, é educada para permanecer dentro da esfera dos relacio namentos, para interessar-se sempre pelas necessidades 103 103
do meio ambiente, e angariar amor e confirmação e, ao mesmo tempo, não esperar uma satisfação constante e completa das próprias necessidades. No N o escr es critó itório rio d e um u m amigo am igo co c o rret rr eto o r de imóv im óvei eiss muito mu ito ocupado, ocupado, tive a oportunidade de observar com o essas nor mas de educação são impostas também no dia-a-dia dos casais modernos. A esposa e a filha de cinco anos desse amigo, depois de visitar o jardim jardim zoológico, deram espon taneamente uma passada pelo escritório. A menina não cabia em si de vontade de contar ao pai suas observações e aventuras. O pai, sob a pressão de ter de atender ao pró p róx x im o e n c o n tro tr o m a rca rc a d o , con co n solo so lou u -a, -a , d ize iz e n d o que esperasse pela noite. Enquanto corria em direção à porta, voltou-se mais uma vez para a menina e disse: “Você faz hoje à noite um pudim para mim?” Ele, por certo, tencionava conscientemente mostrar-lhe que, apesar da press pre ssa, a, a leva le vava va a séri sé rio. o. M uito ui to séri sé ria, a, ela el a fez fe z que qu e sim si m com a cabeça, foi para junto da mãe e tomou-lhe a mão. Como as meninas precisam se esforçar constante mente em busca de contato e aproximação — sobretudo em busca da preciosa atenção do pai —, passando a de dicação a ser uma prenda oferecida em troca do próprio “empenho emocional”, e como são preparadas para rea lizar os desejos de aconchego dos outros, a sua própria necessidade de segurança emocional se converte paulatinamente num “sentimento proibido”.9 Muitas mães jul gam igualmente ser “mais natural” natural” que os filhos — como os pais — se afastem afastem do lar lar e se dediquem aos próprios interesses, e aceitam como algo normal eles serem cui dados por alguém e se interessarem menos pelo meio 104
ambiente familiar, fa miliar, ao a o passo que as filhas deveríam sempre estar à mão e ser o melhor espelho para o empenho emo cional cio nal da m ã e.1 e. 10 Desse modo, uma educação que aceita os papéis específicos dos sexos determinados pela tradição, como se tivessem sido criados pela natureza, canaliza o desen volvimento da personalidade e os m edos ligados às etapa etapass do amadurecimento, nos homens e nas mulheres, em di reções pré-definidas; reproduz os estereótipos culturais do homem rico de iniciativa, mas pobre de sentimentos, e da mulher, capacitada do ponto de vista da relação, mas perturbada na sua autovalorização. Naturalmente, nem todos os homens e mulheres se classificam neste quadro, e os tipos, na realidade, raramente são inequívo cos. Contud o, todas as mulheres são atingidas, atingidas, numa nu ma esca la maior ou menor, pela falta da “valorização de si mes mas”, condicionada pela educação, e, por isso, sofrem muito mais freqüentemente do que os homens do senti mento de incompletude e do medo torturante da solidão e da falta de aconchego, quando não têm uma relação amorosa sólida. Elas acreditam muitas vezes que devem fazer um esforço adicional para, em troca, receber acon chego, segurança e dedicação do homem. “Para muitas mulheres, é extremamente difícil acre ditar que o seu parceiro queira ficar com elas por vontade pró p rópr pria ia.. N ão acre ac redi dita tam m tam ta m bém bé m que qu e seu se u a m or sej s ejaa duráv du rável el e não desapareça depois da ‘lua-de-mel’. Há uma espécie de pressentimento: serão inevitavelmente rejeitadas e aband ab andon onad adas.” as.”1 11 105
Não constituem, const ituem, de modo mo do algum, exceç exc eção ão as mulheres mulh eres com as características de Medéia, ou seja, seja, as mulheres mulh eres fortes, fortes, capazes e bem dotadas, que muitas vezes reprimiram pro fundamente seus desejos de segurança emocional e, por isso, têm menos condições do que as outras de manifestar seus sonhos de aconchego. Se, por um lado, não revelam o mínimo sinal de “fraqueza feminina”, por outro, ninguém se oferecerá para protegê-las. Elas vivem a paixão dividi das, porque, porque, ao lado da esperança de felicidade, reaparecem rea parecem igualmente os sentimentos proibidos, os desejos de acon chego simbiótico, tão perigosos devido ao seu escuro re verso, e o medo mortal de serem abandonadas. Uma “mulher como Medéia”, ao enamorar-se, com porta po rta-s -see de m odo od o dife di fere rent ntee da m ulhe ul herr com co m um, um , mais" in in segura e menos consciente de si. Ela não entende mais a si mesma, age contra suas próprias convicções e vê-se exposta a mudanças de personalidade que lhe inspiram medo. Para livrar-se da fatal ameaça de ser abandonada, dirige de antemão a atenção, com exagerada exclusivi dade, para o homem, aplica seus “poderes mágicos” e toda a sua criatividade para proteger o relacionamento; ela se oferece ao homem como uma mãe que se dá abnegadamente e como “salvadora”, tudo na esperança de que — fazendo ela tanto por merecer o seu amor — ele a recompensará com a fidelidade e a constância: “O meu dom te salvará; quando salvo, cumpre a tua promessa”, diz Medéia a Jasão. O homem irá valer-se da atenção dela e tirar partido da sua ajuda e dos seus conselhos. Mas talvez ele nem queira ser salvo, sentindo-se esmagado pela competência 106 106
dela e tutelado pela sua inteligência. Talvez o seu ego de herói não seja tão estável quanto parece, porque, do contrário, ele podería refrear a excessiva atenção de Medéia e dizer-lhe que a queria, mesmo quando ela se preo cupa apenas com seus assuntos. Ele irá sabotar suas ten tativas de salvá-lo, fazendo como Jasão, enredando-se repetidamente em dificuldades para assim provar que os “poderes mágicos” da mulher são inúteis. Ou se afastará emocionalmente pouco a pouco, aceitando a dedicação e os esforços dela como algo natural, algo que a sua educação lhe ensinou. Uma “mulher “m ulher como Medéia” M edéia” fará tudo tudo para para impedir im pedir o fim de uma relação; sua atenção gravitará mais do que nunca em tomo do seu parceiro, duplicará os esforços para pa ra c he hegg ar m ais ai s p erto er to de dele le,, pa para ra esta es tarr un unida ida a ele, el e, com o que ele se sentirá acossado e se afastará cada vez mais. Chegando a separação, ela estará cheia de raiva do ingrato — foi loucura enamorar-se de um homem como aquele! aquele! — mas, sobretudo, desesperada, porque seus medos mais pro fundos se confirmaram, seus desejos não se realizaram. Ela consumiu suas energias e ei-la agora de mãos vazias. É provável prová vel que, dep depois ois um período perí odo conveniente conven iente de luto, ela venha a sonhar com um novo Jasão, com um novo herói que, finalmente, lhe proporcionará o almejado aconchego.
“Se nã não o me m e Ab andona and onares, res, também não te A band onarei”
Não Nã o seria ser ia po poss ssív ível el v e r o en enco cont ntro ro de M ed edéi éiaa e Jasã Ja sãoo de modo mais positivo? As juras que fazem um ao outro 107
não seria também expressão de uma romântica fantasia de amor, que todos carregamos dentro de nós como uma saudade e nos impele a vencer as dificuldades da vida em solidária comunhão com um parceiro amado? “Se não me abandonares, também não te abandonarei” — “jamais e nunca mais”, dizem os contos de fadas;1“farei tudo para ti” — “jamais te abandonarei” — Medéia e Jasão prometem um ao outro e, nessa promessa, está tra duzida a esperança de um amor, no qual dois entes hu manos se fundem para formar uma unidade, um amor ilimitado, que vence todos os obstáculos. É mais do que natural que um casal que inicia uma vida em comum entre, antes de tudo, numa simbiose; cada um dos parceiros se relacione exclusivamente com o outro, para lhe dar calor, aconchego e segurança. Há nisso também uma regressão temporária, que pode ter sentido e ser proveitosa, por oferecer a oportunidade de compensar os medos não superados e as experiências an teriores de sofrimento, eliminando-os. Na realidade, para que um ser humano se sinta seguro no mundo e em casa, é preciso que suas necessidades necessidade s básicas de amor, filiação filiação,, aconchego, aceitação, proteção e confiança sejam plena mente satisfeitas. Para não ser constantemente ameaçado pelo pe lo m ed edoo da fom fo m e e da pe penú núri ria, a, é p reci re ciso so qu quee ele tenha ten ha alguma vez se saciado saciado plenamente. Quando Q uando não conseguiu conseguiu isso, na infância e na juventude, ou não o conseguiu completamente, a relação do casal proporciona a segunda oportunidade de compensar essa carência e de se saciar com dedicação, segurança, proximidade e amor. 108 108
“Um aspecto importante de um bom relacionamento amoroso am oroso é o que se poder ia cham ar ‘identificação ‘identificação de nece ssidades ssida des’’, ou a união das hierarquias das necessidades fundamentais de duas pessoas numa única hierarquia. O resultado disso é que uma pessoa sente as necessidades da outra como com o se fossem as suas e, e, por isso, sente também, até certo ponto, como se as suas próprias necessidades perte pe rtenc nces esse sem m à outr ou traa pesso pe ssoa. a. U m eu expa ex pand ndee-se se então entã o para pa ra abra ab rang nger er dois do is seres se res hum hu m anos an os e, até at é cert ce rto o ponto po nto,, os dois passam a ser uma unidade numa só pessoa, para fins psicológicos.”2 Contudo, um bom relacionamento amoroso não exi ge apenas a fusão numa unidade, mas exige também que a individualidade de cada um dos parceiros seja respei tada. A vida do par se estagnaria, se permanecesse cons tantemente simbiótica. Quando chegam a determinado “grau de saciedade”, os parceiros devem tomar a se se para pa rar, r, prec pr ecis isan ando do cada cad a um dele de less v o lta lt a r a s er um eu iso is o lado. As exigências polares fundamentais do desenvol vimento da personalidade reaparecem, num nível novo, na vida comum do par. Se, antes, eram experimentadas e vividas vivid as em fases tem poralmente separadas, agora devem devem ser exercitadas constantemente, na prática, num ritmo de envolvimento e libertação mútua, em que cada parceiro pode po de enco en cont ntra rar, r, qua qu a ndo nd o n eces ec essá sári rio, o, a seg s egur uran ança ça,, m as tam ta m bém bé m a libe li berd rdad adee para pa ra dese de sen n volv vo lver er e viv vi v e r suas su as próp pr ópri rias as idéias e objetivos independentes. Encontrar o termo médio entre comunhão e auto nomia, entre “nós” e “eu”, entre proximidade e distância, é uma tarefa complexa para o par, um processo de cres 109 109
cimento que ieva tempo e exige disposição para aprender. Vencer juntos o medo da dependência e da perda do eu, por po r um lado la do,, e da soli so lidã dão o e do isol is olam amen ento to,, p o r outr ou tro, o, é o mais difícil aspecto desse processo de aprendizagem que um par tem de atravessar. Uma condição básica importante para conseguir que se estabeleça um ritmo de aproximação e distanciamento em que ambos os parceiros se sintam bem é o equilíbrio da eqüivalência eqüivalê ncia3 3 na relação do par. par. Equivalê Equ ivalência ncia não si gnifica que os parceiros devam ter em tudo as mesmas condições básicas, como origem, instrução ou funções sociais que desempenham desem penham , mas que sejam sejam do m esmo nível nível quanto à maturidade, a competência e o sentimento do próp pr óprio rio valo va lor, r, e tam ta m bém bé m que qu e se apre ap reci ciem em m utua ut uam m ente en te da mesma forma. Os papéis tradicionais dos sexos na nossa sociedade criam, de antemão, oposição a esse desenvolvimento har monioso da vida do casal. Nossa cultura não favorece a “simbiose alimentadora”; enfatiza, também na relação en tre os sexos, as estruturas de poder e dependência; po lariza, de antemão, as funções que cada parceiro deve cumprir no relacionamento e, desse modo, separa o mun do sentimental dos sexos e dificulta extremamente a co municação, em nível emocional, de homens e mulheres. Onde deveria existir franqueza, cria-se uma combi nação não confessada e mutuamente dissimulada, na qual os medos e conflitos não são reconhecidos e tematizados, mas exteriorizados ex teriorizados por m eio de determ inados papéis.4 Um dos parceiros aceita o papel do dependente que se agarra 110
(na nossa cultura, geralmente é a mulher, mas nem sem pre) pr e) e o outro, out ro, o pape pa pell do que qu e alm al m eja ej a dist di stân ânci ciaa e inde in de pend pe ndên ênci cia. a. Um vive vi ve o pote po tenc ncia iall glo gl o b al de am bos bo s os p ar ar ceiros, da necessidade de aproximação, de afeição e de emoção, e o outro se comporta de modo supercompensador quanto à racionalidade e ao amadurecimento e vive o potencial global do par no domínio da realidade e da autonomia. Observado de fora, tem-se a impressão de que um parceiro é o oposto do outro, mas suas maneiras de se comportar são apenas variantes de um mesmo conflito.5 Em Medéia, a maga, transmitia-se a imagem de uma mulher que age, mobiliza coisas e é capaz de provocar mudanças a partir da sua própria força. Por que, apesar disso, ela passa a ser tão dependente da relação com Jasão, a ponto de chegar a viver o fracasso do seu ma trimônio, em Corinto, como uma catástrofe que ameaça a sua existência? Depois de ter fugido da Cólquida com Jasão, no navio Argos, Medéia foi levada para uma ilha consagrada a Artemis, onde ficou sozinha. Esta ilha, que ainda per tence ao distrito da Grande Deusa, era um “lugar d’alma”, destinado à meditação sobre si mesmo, onde Medéia se vê diante da pergunta sobre se deve deixar Jasão pros seguir sozinho o seu caminho. Depois de uma primeira fase de intensa paixão, em que tomamos decisões espon tâneas e talvez impensadas, surge em muitas pessoas um repentino distanciamento que contém algo de ameaçador. No “out “o utro ro”” , que agor ag oraa j á se con co n hece he ce melho me lhor, r, reve re vela lam m -se, -s e, subitamente, características que não cabem na imagem idealizada do “homem dos meus sonhos” ou da “mulher 111
dos meus sonhos”, projetados durante a paixão, e que são traços de personalidade não percebidos antes ou que não queríam que ríamos os perceb perceber. er. Instala-se uma desilusão que po de, no entanto, ser convertida em algo positivo, se não se criarem mais ilusões, pois o outro é um ser humano, com fraquezas e imperfeições, e não um ente semelhante a um deus sem mancha. Se considerarmos Medéia como o eu de uma mulher e seus parentes da Cólquida como representações do seu mundo sentimental, Apsirto, que vem à ilha como liber tador, será a expressão do distanciamento crítico da sua relação com Jasã o e a sua reivindicação de independênci independênciaa e liberdade que luta contra uma dependência simbiótica em relação relaçã o ao seu herói. herói. Mas M as a ilha é também um símbolo símbolo do eu isolado, uma imagem da solidão e do ter-que-contar-consigo-mesmo que pode ser ameaçador. O libertador cai numa emboscada, ou seja, a atitude crítica em relação ao parceiro e ao relacionamento na sua forma presente é violentamente vencida. Quando a imagem ideal do par ceiro se desmonta, desvanece-se desva nece-se também a ilusão do amor infinito e sempitemo. Muitas mulheres sufocam imediatamente os primei ros sinais de sua necessidade de independência e auto nomia numa relação, porque temem ser abandonadas ao relaxar seu incessante esforço em busca de amor, ainda que por uma fração fraç ão mínima de tempo, tem po, e por po r não quererem quererem abrir mão da fantasiã~do amor sempitemo, da qual rece bem be m s egur eg uran ança ça inte in terio riorr e a usên us ênci ciaa de m edo. ed o. 112
Medéia agarra-se à fantasia do amor sempiterno, m as renuncia a tudo mais quando segue Jasão, abrindo mão do seu próprio reino, do seu passado e das suas antigas ligações^No caminho da d a Cólq u id a p ara ara" Corínto, eía usa usa várias várias vezes o s seus seu s poderes mágicos para para proteger protege r Jasão e remover os obstáculos do seu caminho. Sua ação é indireta; ela age magicamente no segundo plano, tecendo um encantamento à volta de si mesma e do seu herói e tudo que ela faz, faz para ele, com o olhar nele e no relacionamento dos dois. Não corresponderá esta imagem ainda hoje ao eu ideal de muitas mulheres? Não beatifica o a nossa cultura até os nossos dias o poder do amor fe- r minino, que triunfa, mesm o nas circunstâncias mais amea- ^ çadoras, pela abnegação, dedicação e espírito de sacrifí cio? Não é assim que tradicionalmente se celebra o “he roísmo” das mulheres na ópera e nas canções populares, na literatura “clássica” e no romance barato, no kitsch e no cinema “sério”? O papel de Medéia como salvadora totalmente dedicada é até hoje a mais importante oferta cultural de identificação para as mulheres. No entanto, esse ideal cultural tem um aspecto enormemente destru tivo: toda vez que Medéia intervém para proteger o seu amor, algo terrível acontece; cada “salvação” de Jasão termina em aniquilamento, assassinato e morte. Como ocorrência interior, isso significa que uma mulher que se entrega a esse tipo de heroísmo feminino age destrutiva mente em relação a si mesma e à sua personalidade. Ao agir em cada crise e conflito, sempre com as vistas vol tadas exclusivamente para o parceiro e a relação, inves tindo toda a sua energia nos objetivos dele e na salvação 113
do seu amor, ela mata um pedaço de si mesma, da sua força e da sua possibilidade de agir e de criar. Entre as mulheres, é tradição agir “magicamente” no segundo plano, promovendo, apoiando e encorajando os homens, mantendo longe deles tudo o que os perturba, levando para adiante as suas carreiras mediante uma co laboração compreensiva, participando dos seus êxitos e renunciando amplamente ao desenvolvimento de suas pos p ossi sibi bili lid d ades ad es pess pe ssoa oais is.. D uran ur ante te sécu sé culo los, s, o cam ca m po de a ti ti vidade das mulheres foi extremamente restrito e limitado às suas funções domésticas, como a rotina do dia-a-dia, a casa, o cuidado dos filhos. O trabalho feminino tradi cional, cional, caracteriza caracterizado do pelo ciclo do “sempre-a-mesma-coisa” “sempre-a-mes ma-coisa” e que, a longo prazo, jamais produz resultados visíveis, e não é tido, socialmente, como “realização”, porque não se lhe relaciona um equivalente em dinheiro, oferece pou cas possibilidades de confirmação do próprio sucesso e da própria importância. Entretanto, é do conhecimento geral que as mulheres podem reagir ao cotidiano deso lador e sem sentido por meio da depressão, das doenças psic ps icos osso som m átic át icas as,, de e sgot sg otam am ento en to crôn cr ônic ico o e até do a lco lc o o lismo e da dependência medicamentosa, quadro patoló gico conhecido como “síndrome da dona-de-casa”. O sentimento de ser condenado à insignificância, à impotência e à falta de atividade, isto é, a uma “impo tência vital” faz parte das mais dolorosas e insuportáveis experiências a que os seres humanos podem ser expostos, e eles farão tudo para superar esse sentimento, quer por meio de atividades excessivas, mania de trabalhar (uma forma de compensação antes “masculina” do que femi 114 114
nina) ou de drogas de todo tipo, que transferem para dentro, para a fantasia, fantasia, a desejada realização e vivacidade. “Quando um ser humano sofre por estar consciente da própria impotência e isolamento, ele pode tentar su pera pe rarr a sua su a carg ca rgaa exis ex iste tenc ncia iall pond po ndo-s o-see num nu m esta es tado do de transe extático (uma condição de ‘estar fora de si’) e, assim, retomar à unidade consigo mesmo e com a natu reza. Existem para isso muitas possibilidades. Uma de las, muito efêmera, é dada pela natureza através do ato sexual.”6 Ao contrário, uma possibilidade de longa mas ilu sória duração, de integração interior é constituída pelo sonho do amor rom ântico, que busca fazer do êxtase amalgamador do complexo amoroso um estado permanente. Para nós, mulheres, que estamos preparadas pela nossa tradição sexual a renunciar ao poder externo e a perma necer na “esfera interna”, atuando somente no nível emo cional, o sonho do amor romântico é a mais antiga droga do mundo e a mais freqüente forma de compensação para uma realidade frustrante. O sonho do herói cavalgando um cavalo branco que nos liberta do cárcere, e o do herói fulgurante que nos arrebata para o seu veleiro, jurando eterna fidelidade, e a quem consagramos a nossa vida era o que consolava nossas avós e mães, presas ao ma trimônio monogâmico, e amenizava a inveja que sentiam dos privilégios sexuais e sociais dos homens; para elas este era o substituto da falta de possibilidades de agir no mundo exterior e de encontrar através de ação e do êxito pess pe ssoa oall a a uto ut o con co n firm fi rmaç ação ão;; també tam bém m para pa ra nós, nós , nos no s dias di as atuais, este sonho ainda não foi sonhado até o fim. Evi 115
dentemente, as possibilidades possibilidades que temos de atuar no m un un do exterior e profissional, de encontrar a confirmação de uma existência que tenha sentido e de criar as bases ma teriais de uma vida independente ainda não nos deram a força suficiente para nos livrarmos da velha droga. No desdobramento das próprias possibilidades e no acesso ao mundo profissional, as mulheres encontram uma série de resistências internas e externas impeditivas. Ocorre com a maioria de nós o que se passou com Medéia: “sentim “s entimo-nos o-nos estranhas, estranhas , solitárias so litárias e ameaça am eaçadas. das. pum pum.m .mun un=. =. do que, tanto quanto antes, é dominado pelos homens”; a romântica fantasia do amor é o nosso “lar interior”, onde nos sentimos aconchegadas. Bem-aventurada Bem-aven turada me chamarão cham arão como com o sua s ua esposa es posa,, uma fa vorita dos deuses; orgulhosamente tocarei com o vértice as estrelas. Dizem, todavia, que, no meio das ondas movimen tam-se estranhas estranha s montanh montanhas, as, e que qu e Caribde, Caribde , a inimiga dos navios, ora or a sorve so rve a água, ora a vomita; vomit a; que, que, em profunde profu ndezas zas sículas sícula s late a ávida ávi da Cila cercada cerc ada p o r feroz fer ozes es cães! cãe s! Ah, Ah, mas seguro segur o firme firm e o meu amo, amo, agarro aga rro-me -me ao colo d e Jasão, Jas ão, na viagem pelos mares: no seu abraço não temo ou, se temer, será ser á somente pe p e lo pa rcei rc eiro ro .7
Retiramo-nos para esse lar interior que nos permite estar livres do medo toda vez que se torna demasiado ameaçador o caminho entre a Caribde dos nossos senti mentos, esperanças e desejos e a Cila da realidade coti diana, com suas exigências à nossa capacidade de ação. Nos N ossa sass fant fa ntas asia iass de am or pode po dem m n os ench en cher er de insu in susp spei ei-tadas energias e dar-nos coragem para empreender fa çanhas, mas também podem se tomar a nossa fatalidade, 116 116
quando amarram as nossas nossas forças, forças, prendendo-nos aos pa péis pé is trad tr adic icio ion n ais ai s dos do s sex se x o s e impe im pedi dind ndoo-no noss de d esen es en volver autonomia e auto-realização.
Her H eroís oísm m o Des D esesp espera erado do A imagem do herói conquistador e explorador, que part pa rtee para pa ra o desc de scon onhe heci cido do,, luta lut a pelo pe loss seu se u s obje ob jetiv tivos os e enfrenta todos os perigos, é igualmente, até hoje, a ima gem de identificação válida para os homens. As energias de Jasão estão voltadas para fora. Junto com seus argonautas, ele atravessa mares estranhos, vive muitas aventuras, submete-se a provas de coragem e luta po p o r p rest re stíg ígio io e poder po der.. Isto Is to é repr re pres esen enta tad d o, na vers ve rsão ão p a triarcal da lenda, pelo velocino de ouro. Jasão não se relaciona com o amor e a união do mesmo modo que Medéia; ele tem os seus argonautas, a sua “liga mascu lina”, que lhe transmite, no mundo exterior, um senti mento de segurança e de agremiação. Muitos homens têm os seus “argonautas”, aliados com quem partem para ousadas excursões de alpinismo ou de vela, juntos com quem trabalham e em cujo apoio confiam. O sentimento de agregação das “ligas masculinas” não vai tão longe quanto a intimidade da amizade entre mulheres. Rara mente os homens falam uns aos outros tão abertamente dos seus sentimentos como as mulheres quando estão jun ju n tas. ta s. F reqü re qüen ente tem m ente en te,, o e n con co n tro tr o dos d os argo ar gona naut utas as pare pa rece ce servir apenas para a confirmação recíproca da masculi nidade. 117 117
O ideal do eu do herói também tem componentes destrutivos. M uitos homens homen s sentem, sentem, como com o Jasão, o mundo masculino, ao qual parecem pertencer tão naturalmente, como um mundo profundamente hostil e perigoso. Já na infância, Jasão conhece o que significa a luta pelo poder. Em sua iniciação à idade adulta, adulta, ele assiste as siste como os “pais” mantêm encamiçadamente o trono e o tesouro. Ele se depara repetidam rep etidam ente com frentes hostis; cada dificuldade mal superada cria uma nova; cada vitória que acaba de alcançar cria novos inimigos e cada conquista é apenas a condição fundamental para novas lutas. Ele não pode confiar em ninguém: o mundo é um formigueiro cheio de homens hom ens como Pélias, Pélias, que manda os jove ns heróis heróis bus car o velocino de ouro para ele e, depois, se mobiliza contra os ambiciosos sucessores do trono. Nes N essa sass cond co ndiç içõe ões, s, não nã o se p ode od e d ar o b raç ra ç o a torcer; torc er; o medo diante d iante da dedicação e da abertura, da dependência e da perda do eu têm de crescer imensuravelmente. Num segundo plano, o “herói” precisa da mulher, que o apóia, que lhe dá coragem, que o torna forte e invencível e confirma o seu heroísmo. Mas, ao mesmo tempo, tem de negar que depende dela, pois a confissão de não estar constantemente e por força própria à altura do mundo masculino mascu lino seria seria ainda menos “ heróica”. Desse modo, tam bém bé m o hom ho m em, em , tran tr ansf sfee rind ri ndo o toda to dass a s suas su as e n erg er g ias ia s para o exterior e separando o seu eu do mundo sentimental, é impedido de desenvolver a autonomia e a auto-realização. Em nossa cultura, confunde-se freqüentemente au tonomia com um dos seus graus precedentes, a autonomia 118
e independência externa, ou ela é equiparada a idéias de domínio e poder. Entende-se com freqüência autonomia como a capacidade de se impor, de dar ênfase à própria importância de provar constantemente aos outros a sua força e superioridade. Mas, na definição de Amo Gruen, a verdadeira autonomia “é o estado de integração, no qual uma pessoa está em completa concordância com os seus próprios sentimentos e necessidades”.1 Por conseguinte, faz parte da autonomia não apenas a consciência da própria força, mas também a admissão das próprias necessidades de aconchego, agregação e amor, e da própria fraqueza e dependência. Nossa cultura está ligada, de modo unilateral, no poder, na concorrência, na competência, e no desejo de ganhar. Principalmente os homens educados para o papel de senhores obedecem confiantemente às destrutivas imagens-guias dessa cultura: “O vício do poder destrói a alma do homem. Ao per p ersi sist stir ir cega ce gam m ente en te nele, ne le, ele reba re baix ixaa a si m esm es m o e à m u lher de que necessita para confirmar a sua imagem de pode po dero roso so,, imag im agem em que, qu e, c o n scie sc ient ntee ou inco in cons nsci cien ente tem m ente en te,, se converteu na razão de ser da sua vida... Como homens, glorificamos glorificamos a m ulher amável e solíci solícita, ta, sem jam ais com pree pr eend nder er que qu e o preç pr eço o que qu e tem te m os de p agar ag ar p or isso iss o é, inevitavelmente, a desilusão e a ofensa. Os homens que rem que as mulheres lhes dêem calor, mas, ao mesmo tempo, têm medo disso. Portanto, se satisfazem com uma falsificação, deixam-se impelir para a grandeza. Em lugar do quente aconchego e da proximidade aberta, a relação com a mulher a ser um terreno onde vicejam a ‘dig ‘dignid nidad ade’ e’ 119 119
pe rman perm anen ente tem m en ente te in inte tens nsif ific icad ada, a, a s fa fant ntaa sia si a s de gr gran ande deza za sem fim e as secretas reivindicações de superioridade.”2 Existem hoje mulheres que ainda tomam parte nesse jogg o . M esm jo es m o que q ue di disp spon onha ham m , de fa fato to,, d e bast ba stan ante te ene e nerg rgia, ia, inteligência, iniciativa e criatividade, elas acham difícil [acreditar que são capazes de afgoj O único meio de par ticipar da força atuante e dos símbolos de poder, como o prestígio, o êxito e a riqueza, parece ser exaltar o ho mem, que que,, com a sua sua atitude diante d iante da vida, seus objetivos e idéias, é confirmado sem crítica, tendo fortalecidas as suas reivindicações reivindicações narcisistas. A m ulher ulhe r experimenta experimenta sua capacidade através do homem e consome nisso as suas energias. energias. Mas M as a participação no p ode oderr do homem é sempre uma ilusão, um mero sucedâneo da sua própria realização não alcançada. Por isso, a vingança encoberta das mulheres que transferiram toda a sua ambição ambiçã o para o homem consiste freqüentemente freqüentem ente ena^ insistirem em se tom t om arem dirigentes do destino d estino dele. | ‘Elas o forçam forç am a ser sempre e em qualquer situação o herói?’3^ A essa essa constelação constelação corresponde a imagem que a ve ver r são patriarcal da lenda esboça sobre a relação de Medéia e Jasão: pela sua atuação, Medéia faz de Jasão o herói. Em troca disso, ele deve prometer-lhe participação e gra tidão sob a forma de fidelidade e segurança emocional. Ela não consegue encontrar a si mesma, porque vive atra vés dele, e também não descobre as suas próprias formas nem define os seus objetivos, tanto externamente como no relacionamento, relacionamento, apesar apesa r de dispor de “poderes mágicos” e de grande dose de criatividade. 120
Ele não pode encontrar a si mesmo, porque está fixado no poder, no domínio e nos ganhos e tem de cor responder ao retrato do “herói”, extemamente e no rela cionamento com Medéia, e porque perdeu o acesso aos seus próprios sentimentos e, assim, arruinou a sua capa cidade de entrega e empatia. Cada um responsabiliza o outro pela falta de equi líbrio e pelo vazio da sua existência; cada um acredita ter sacrificado ao outro as melhores oportunidades da sua vida e, desse modo, ambos se convertem em inimigos que constantemente se desafiam mutuamente e se com batem ba tem,, em bora bo ra não logr lo grem em livrar liv rar-s -see um do outro ou tro..
Corinto ou a Crise
A falta de aconchego é, atualmente, um problema social generalizado, que abrange a problemática sexual e a transcende. Para muitas pessoas nascidas nos anos 40 e 50, a despedida do mundo da infância tornou-se definitiva, porque esse mundo não existe mais. A urba nização e a generalizada mobilidade dentro da moderna sociedade sociedade industrial industrial fez desaparecer os ag rupamentos tra dicionais que, além das famílias de origem, cuidavam do sentimento de enraizamento, de participação em algo, de prox pr oxim imid idad adee e de intim in timid idad ade: e: a com co m unid un idad adee alde al deã, ã, na qual a solidariedade se baseava, sobretudo, na prestação recíproca de ajuda, a “vizinhança”, onde as famílias com o mesmo status social ou com status semelhante convi viam durante gerações, ou o bairro bairro urbano, de c aracterís 121
ticas nitidamente definidas, por ser moldado pela classe profi pro fiss ssio iona nal. l. O fato fa to de esta es tarr agre ag reg g ado ad o a um terr te rrit itór ório io des d esse se tipo, que se podia abarcar com a vista, pode também significar a restrição da liberdade individual; por outro lado, lado, a perda dessa antiga estrutura de agregação fez com que se generalizassem os sentimentos de alheamento, de abandono e de solidão. Ambos os sexos foram atingidos por po r essa ess a perd pe rdaa de acon ac onch cheg ego. o. Em conseqüência da mudança da atmosfera política, econômica e social a partir do fim da II Guerra Mundial e do recrudescimento do movimento feminista dos últimos anos da década de 60, a separação entre o mundo “público” dos dos homens ho mens e o mundo “ privado” das das mulher m ulheres es foi largamente abolida; esse fato, ao lado da percepção de que o matrimônio patriarcal tradicional já não representava uma base de sustentação para o modus vivendi dos sexos, não só nos proporcionou maior liberdade, mas também nos trouxe uma boa dose de insegurança e confusão. Quando uma forma antiga de viver desaparece, a nova não está imediatamente ao alcance da mão. Enquanto, em outros tempos, quando entrávamos na idade adulta, a maneira de viver de um casal era algo implícito e estabelecido de antemão, hoje nos defrontamos com a dificuldade de ter de descobrir, cada qual por si mesmo, pelo pe lo m étod ét odo o de “ tent te ntat ativ ivaa e e rro rr o ” , as nova no vass form fo rm as de convivência. O fato fato de as tensões, conflitos e crises na convivência entre homens e mulheres não serem atualmente exceção, mas a regra, tem por causa as exigências que sobrecarregam o relacionamento do casal. A mulher tem de dar 122
tudo — apoio, segurança e aconchego, tudo o que anti gamente era proporcionado pela parentela e pela vizi nhança, e pelos respectivos grupos ligado aos mundos dos homens e das mulheres — e corresponder ainda ao ideal do amor perfeito e de um relacionamento sempre harmonioso. Com esse fardo de exigências excessivas, a maioria dos casais se vê sobrecarregada com tantas ex pecta pe ctativ tivas as.. Muitas mulheres que atualmente se aproximam da metade da vida foram educadas por mães que, nos anos de guerra, aceitaram, na sua terra ou no estrangeiro, “tra balh ba lho o de hom ho m em” em ” e tive ti vera ram m que qu e apoi ap oiar ar-s -see nas próp pr ópri rias as pern pe rnas as e se em anci an cip p ar à força, for ça, para pa ra m a is tarde tar de,, nos no s anos an os 50, voltar a dedicar-se ao lar. Essas mães deram freqüentemente às filhas conselhos “dúplices” para a vida: ou frisavam, conscientemente, a importância de uma forma ção profissional, de apoiar-se em si mesmas e ser inde pend pe nden ente tes, s, ou, subsu b-re rept ptic icia iam m ente en te,, deix de ixav avam am entr en trev ever er que qu e uma mulher sem marido estaria numa posição de desam paro pa ro e jam ja m a is pode po deria ria ser se r feliz fe liz,, ou dava da vam m a e nten nt ente terr cla cl a ramente que o melhor seria as filhas acharem, o mais depressa possível, um parceiro e casar, mas mostrando abertamente como elas próprias se sentiam vazias e de pend pe nden ente tess com co m o “ m u lhe lh e res re s de segu se gun n do plan pl ano” o”.. As filhas dessas mães iniciaram suas vidas com uma imagem-guia ambivalente e estavam predestinadas a de senvolver uma “síndrome de Medéia”; interiormente di vididas entre o desejo de independência e liberdade de ação e a nostalgia da segurança e do aconchego do velho papel pa pel da mulhe mu lher. r. 123
É verdade que a concepção tradicional do papel da mulher é estreita, limitada e insatisfatória, mas é a única tradição próxima de nós e que, de qualquer modo, está à nossa disposição. Por não termos outro apoio e tãosomente poucas e inseguras imagens-guias femininas, é tão difícil para nós romper com os velhos moldes de comportamento. Por isso, é mais fácil ser conscientes de nós mesmas e autônomas, quando estamos sozinhas, e, por po r isso, tom to m a m o s a cair ca ir no co com m po port rtam amen ento to ad adap apta tado do e humilde tão logo vivamos uma relação a dois. Metemo-nos nas maiores dificuldades, quando de sejamos ou temos necessidade de abrir mão da fantasia do amor romântico sempitemo, porque, dessa forma, aba temos a nossa “vaca sagrada”. sagrada ”. É que, no am or romântico romântico,, está armazenado tudo o que tradicionalmente nos garante a superioridade diante do homem e de onde recebemos a força da nossa feminilidade: a inabalável capacidade de amar, a maternidade construtiva, a infalível intuição para pa ra capt ca ptar ar os hu hum m ores or es,, sen se n tim ti m en ento toss e prob pr oble lem m as do doss o u tros, a compreensão, a capacidade de conciliação e a pa ciência. Quando o homem que amamos se devota a outra mulher mulhe r e, e, por po r essa essa e outras razões, o nosso relacionamento entra em crise e há a ameaça de separação, sentimos que o poder da nossa feminilidade, o único de que dispomos, se desfez; as propriedades e faculdades de que tanto nos orgulhávamos são radicalmente desvalorizadas e perde mos pelo menos metade da nossa identidade. 124 124
Uma perda dessas pass passaa a s er particularmente particularmente amea çadora quando nos aproximamos da metade da vida. Nes sa época, ocorre uma mudança de consciência na maioria das pessoas. Surge no campo de visão a “linha da som bra b ra”; ”;1 1 rep re p e n tin ti n am ente en te desp de spon onta ta um sent se ntim imen ento to de lim li m i tação que não conhecíamos na juventude; o finito e a morte emergem no horizonte da nossa consciência. Me tade da vida já foi vivida e as possibilidades já não são as mesmas. Faz-se o balanço: de acordo com que lei comecei a vida e o que cheguei a ser? Sob o impacto da velhice iminente, entram na nossa consciência, com nitidez e clareza toda especial, todas as chances perdidas, bloq bl oque uead adas as e não nã o realiz rea lizad adas as.. A nece ne cess ssid idad adee cent ce ntra rall de nos tornarmo to rnarmoss o que temos de ser, a realização da própria pers pe rson onal alid idad adee cons co nstit titui ui o pont po nto o cent ce ntra rall do d esen es envo volv lvi i mento de cada um. Embora Emb ora sejam os mesmos para as mulheres e homens homens de meia-idade, os conflitos básicos e as exigências feitas ao próprio potencial de crescimento psíquico podem, no entanto, ser vividos de maneiras muito diferentes. “Muitos homens são dominados pelo mal-estar de não terem conseguido fazer das suas vidas o que espe ravam e de terem de conviver com este fato por mais trinta ou quarenta anos. Eles não descobriram uma afir mação sensata para as suas vidas e para si mesmos, e tendem a imputar a culpa do seu fracasso ao matrimônio, que teria entravado seu desenvolvimento profissional e pess pe ssoa oal. l. Em casa ca sa,, ficam fic am m al-h al -hu u m orad or ados os e irrita irr itado dos. s. Se a mulher mantém uma atitude apaziguadora, eles se sen tem ainda mais aprisionados por ela na sua identidade 125 125
equivocada. No entanto, se a mulher se defende, não con cordando em ser o bode expiatório, cresce ainda mais no homem que se sente incompreendido a necessidade de uma amante compreensiva, que se compadeça dele e da sua trágica sorte.”2 O processo de mudança, na metade da vida, é, em muitos sentidos, muito mais difícil para as mulheres do que para para os homens. N essa fase, fase, a balança bala nça da equivalência do “casal tradicional” é extremamente perturbada. A mu lher se defronta muito m ais com perdas, para as" as"q quãTs ãTs não dispõe de compensaçõesTnc) mundo exterior. Nor malmente, ela se encarregou sozinha — ou, pelo menos, na maior parte do tempo — do cuidado com os filhos e a casa e, quando o homem alcançou o auge do sucesso e os filhos já cresceram e não necessitam mais tanto dela; ela está de mãos vazias, olhando com inveja para os pri vilégios vilégio s do papel pa pel do home ho mem.3 m.3 Seu trabalho, trab alho, que foi ter criado a “infra-estrutura” doméstica, prática e fundamen tal para a carreira do homem, torna-se então invisível; não deixou marcas visíveis ou palpáveis. Quando, nesse momento, o homem se volta para outra mulher, isto si gnifica, da perspectiva dela, que ele não apenas lhe nega o amor e a dedicação, mas também a defrauda dos di videndos do seu trabalho e empenho, representados aos seus olhos pelo relacionamento. Mas também as mulheres que não vivem o matri mônio tradicional talvez compreendam, ao chegar à meiaidade, que viveram de maneira insatisfatória o seu rela cionamento amoroso, que trataram os homens como se fossem espécimes necessitados de proteção e que, na 126
esperança de uma relação humana satisfatória, sempre “serviram” demais, dando tudo de si e renunciando sem pre. pre . Quan Qu ando do têm filho fil hos, s, sobr so bret etud udo o se os o s edu e duca cam m sozin so zinha has, s, têm ainda mais razão para invejar os privilégios do papel masculino e sentem muitas vezes que em ambos os cam pos po s — o prof pr ofis issi sion onal al e o m ater at erna nall — tiver tiv eram am que qu e abrir abr ir mão de importantes possibilidades. Na m aior ai oria ia das da s v ezes ez es,, a mulh mu lher er de m eiaei a-id idad adee não alcançou o status atingido pelo homem, mesmo quando teve vida profissional e renunciou a ter filhos, porque é muito demorado o processo de conscientização que lhe outorgará a necessária autoconsideração, que a fará apre ciar a própria competência e capacidade para vencer pro fissionalmente. A mulher de meia-idade tem pouca chance de ainda estabelecer uma relação satisfatória com um homem; nes ta altura, ela é vista como fisicamente menos atraente do ’ que o “homem nos seus melhores anos”, e os homens da sua idade idade voltam a atenção para mulheres mais ma is jovens. Sendo ela própria também moldada segundo as imagens de beleza da sociedade, vive a perda da juventude como se fosse fosse uma mácula. Talvez perceba também que, noutros tempos, tinha utilizado — sem ter consciência disso — a sua atração física para despertar a atenção, a dedicação e o amor do homem, percebendo então serem extrema mente restritas restritas as suas possibilidades po ssibilidades de estabelecer novos contatos. contatos. Quando Qu ando o homem com quem vive (com certidão certidão de casamento ou sem ela) lhe volta as costas e inicia uma relação com outra mulher, ela se sente prensada totalmente contra a parede. Como aprendeu a ver, na 127 127
relação amorosa com um homem, o sentido — embora não o único, mas o mais elevado — da sua existência e já j á nã nãoo po pode de m ais ai s acre ac redd ita it a r na po poss ssib ibil ilid idaa de de um no novo vo amor, principalmente por se sentir desvalorizada na sua feminilidade, sente-se diante de uma catástrofe: sua vida perd pe rdeu eu o senti se ntido do,, sua ex exis istê tênc ncia ia nã nãoo va vale le m ais ai s na nada. da. Simone de Beauvoir, em sua novela Mulh M ulher er desil de silu u dida, narra a história desse conflito clássico, da pers pect pe ctiv ivaa de Moni Mo niqu que, e, a pe pers rson onag agem em em que questã stão, o, qu quee diz: “Ou Maurice M aurice é um um patife — nesse caso, estraguei estraguei a minha vida ao amá-lo —, ou ele tinha motivos para virar-me as costas, de modo que, sem saber por que, devo me considerar uma criatura odiosa e desprezível. Ambas as poss po ssib ibil ilid idad ades es são terr te rrív ívee is.”4 is .”4 Mesmo que a sua existência exterior não esteja de forma alguma ameaçada a mulher é capaz de perceber psiq ps iqui uica cam m en ente te a sua su a situ si tuaa ção çã o co com m o u m a amea am eaça ça e x is is tencial. Uma amiga, no auge da separação, me dizia: “Fi car ao lado dele e aceitar a sua relação com outra, ou separar-me dele é como ter de escolher entre duas ma neiras de morrer.” É esta a situação com que a tragédia de Eurípedes começa. Com ela têm início, até hoje, as crises de rom pim pi m en ento to do rela re laci cioo na nam m e nto nt o do doss casa ca sais. is. A maior m aioria ia dos homens se comporta como Jasão, Jasão, pro curando encontrar na relação com a nova amante e na nova paixão, antes de tudo, a vivacidade perdida, o re juv ju v e n esc es c imen im ento to de sua forç fo rçaa e a con c onfi firm rmaa ção çã o de d e que q ue aind ai ndaa não chegaram ao fim e têm ainda novas e não exauridas 128 128
pos p ossi sibi bili lida dade dess de vida vi da.. Par P araa com c omeç eçar ar,, Jasã Ja são o nem ao men m enos os pre p rete tend ndee se sepa se para rarr da sua su a parc pa rcei eira ra.. O novo no vo amor am or é para par a ele um alívio para a rotina em que a vida com ela se transformara. Ele revive, passa melhor e se sente pleno de novas energias. Quando a mulher faz cenas, ele não entende o que, na verdade, ela quer. Ela não o apoiou sempre? Por que agora não faz o mesmo? Ela não lhe fazia ver sempre como a felicidade dele era importante para pa ra ela? el a? Por Po r que qu e agor ag oraa q u er e stra st raga garr essa es sa poss po ssib ibili ilida dade de de ser feliz? Condicionado pela sua educação, ele atra vessou a vida certo de que haveria sempre, em algum lugar, uma mulher para dedicar-lhe interesse e atenção e para cuidar das suas necessidades físicas, sexuais e psíq ps íqui uica cas. s. Q uand ua ndo o a sua s ua parc pa rcei eira ra reiv re ivin indi dica ca a sua su a gra g ratid tidão ão e lhe mostra tudo o que fez por ele, ela desperta a indig nação dele. Ela fez apenas o que fazem todas as mulheres; nada há de extraordinário nisso. Ele não a forçou a isso e, além do mais, ele também fez muito por ela, tendo renunciado a oportunidades que estariam abertas, não fos se a sua ligação com ela. Muitas vezes, ele se interessa realmente pela sua mulher e o sofrimento dela provoca nele sentimentos de culpa. E se, apesar disso, continua a manter a relação com a amante, não o faz para magoar ou prejudicar a parc pa rcei eira ra.. A nova no va aman am ante te é um enri en riqu quee cim ci m ento en to na sua su a vida e, do seu ponto de vista, a relação com a sua mulher também poderia continuar harmoniosa, se ela ao mesmo fosse “sensata”. Muitas mulheres nesta situação, no entanto, não são '“sensatas”. O seu ciúme não é — ou, pelo menos, não 129 129
é principalmente — uma reação à “infidelidade” sexual do homem (elas saberíam haver-se com isso), mas ao fato de perderem a si mesmas. Elas fervem de raiva raiva contra contra o homem que tem tanto poder sobre elas e sobre a sua vida, poder que elas mesmas lhe deram. Sentem o des pert pe rtaa r de um ódio ód io e uma um a a g res re s sivi si vida dade de que qu e jam ja m a is sen se n tiram antes com tanta intensidade. Esse ódio talvez seja reflexo dos seus próprios desejos de infidelidade e sepa ração, jamais confessados. Talvez não seja somente ódio delas mesmas, mas o ódio reprimido das suas mães e avós, no qual ainda vibra um resíduo da “ira da deusa”, raiva represada contra a falta de liberdade e contra a dependência transmitida pelas mulheres de geração a ge ração. Em sua novela, Simone de Beauvoir conta como Monique, ao saber da amante do marido, passou por todas todas as fases do ciúme: da incrédula perplexidade, dúvidas prof pr ofun unda dass em rela re laçã ção o a si m esm es m a, acus ac usaç açõe ões, s, cena ce nass e fantasias de vingança ao ódio, à raiva e ao desespero. Vendo que não consegue mais recuperar a antiga forma de relação com o marido, ela recorre a comprimidos e ao álcool, desleixa-se e, finalmente, sucumbe totalmente. Monique reconhece o seu problema central: “Perdi a ima gem de mim mim mesma.”5 Mas as forças forças destru destruidor idoras as do do ódio e da vingança liberadas nela são dirigidas por ela contra si mesma. Simone de Beauvoir encontra para isso uma imagem apropriada: Monique começa a ter hemor ragias constantes. Ela não castiga, como Medéia, os res pon po n s áve áv e is pelo pe lo seu se u sofri so frim m ento en to;; cast ca stig igaa a si m esm es m a, d er er ramando o próprio sangue. 130 130
É esta, na nossa cultura, provavelmente a maneira mais comum de as mulheres lidarem com as suas agres sões; elas as voltam para dentro, caem em depressão, destroem a própria energia vital e a si mesmas. Outras mulheres se vingam, não como Medéia, com fogo e espada, mas com outros meios. Perseguem o ho mem com o seu ódio, bombardeiam-no e à amante com ameaças e hostilidades, hostilidades, divorciam-se dele, forçam-no ma m a terialmente a entregar-lhes tudo o que ele lhes deve, deixam-no sem os filhos, impedindo-o, por todos os meios, de ter contato com eles, de vê-los e de construir com eles uma relação humana independente. Com os amigos comuns, difamam o homem, narrando repetidas vezes os seus crimes, humilham-no e o fazem passar por corrupto. Mas, Mas, atenção! Essas estratégias não são são especialidade das mulheres; no ciúme e nas crises de separação, os homens se comportam do mesmo modo e sabem muitas vezes, melhor do que as mulheres, cuidar das suas vantagens materiais, levando a melhor parte. Em contrapartida, as mulheres são com freqüência mais engenhosas na sua vingança e muitas vezes têm mais motivo para isso. Horrorizados, recuamos diante desses desenvolvi mentos destrutivos das relações a dois, dessas guerras íntimas que permitem todas as baixezas e não detêm ne nhum impulso sádico. Nelas, seres humanos que outrora se amavam tornam a vida um inferno e se ofendem, se ferem, se humilham, se exploram e se prejudicam mu tuamente; sabemos, porém, o quanto esses acontecimen tos são banais. Todos nós conhecemos a necessidade de vingança e nos sentimos culpados e envergonhados até 131
mesmo de atos vingativos comparativamente anódinos, porq po rque ue,, na noss no ssaa cult cu ltur uraa crist cr istã, ã, a ving vi ngan ança ça é estr es trit itam amen ente te um tabu. Erich Fromm define a vingança como uma reação espontânea a sofrimentos intensos e injustos infligidos a uma pessoa. A vingança é diferente da agressão normal e defensiva em dois aspectos: aspectos: “ 1. Ela se desenvolve desen volve de de poi p oiss que algu al guém ém sofr so freu eu um prej pr ejuí uízo zo e, por po r isso is so,, não nã o se trata de uma defesa contra a ameaça de um perigo; 2. Por essa razão, é muito mais intensa e frequentemente sádica, cruel e insaciável” insaciáv el”.6 .6O que qu e está na base dessa sede de vingança? Fromm explica que a vingança tem algo de arcaico, um remanescente do pensamento “mágico”: “Quando destruímos o autor do crime, o seu ato é, dessa maneira, magicamente desfeito.”7 A injustiça, suposta ou real, e a perda sofrida, não apenas provocam dor e sofrimento, mas também fazem bro b rota tarr s enti en tim m ento en toss de fraq fr aque ueza za,, de infe in ferio riori rida dade de e de se ser um joguete nas mãos do outro. Vingar-se significa, porta po rtant nto, o, ante an tess de m ais ai s nada na da,, rest re stab abel elec ecer er a auto au toco cons nsid ideeração, compensar a perda, recuperar a força e o poder, reconquistar o sentimento de ser capaz de atuar por si próp pr ópri rio o e de não nã o s e r um jog jo g u e te. te . Justamente Justamente para as mulheres — para para quem a citação citação bib b iblí líca ca “a v inga in ganç nçaa é m inha in ha,, diz di z o Senh Se nhor or”” tem te m , de certo ce rto modo, duplo significado — pode ser importante levar a sério os seus sentimentos de vingança e defrontar-se defrontar-se cons cientemente com eles. Não quero que me compreendam mal. Não estou recomendando atos de vingança, porque 132 132
eles sempre têm têm também também algo de autodestrutivo. autodestrutivo. Mas, para pa ra uma um a m u lhe lh e r que num nu m a rela re laçã ção o se entre en trego gou u dem de m a siadamente e perdeu uma parte grande demais da sua vida, pode ser necessário sentir sen tir ódio e desejo de vingança vingança e também manifestá-los, desvalorizando radicalmente o parc pa rcei eiro ro,, faz fa z end en d o-o o- o sabe sa berr o que qu e pens pe nsaa dele de le para, par a, dessa des sa forma, retirar o vigor que projetara nele e recuperar, atra vés da agressão, as energias que perdeu. A mulher não deveria, segundo o seu papel tradicional, ser demasiado conciliadora, lamentando os próprios erros e diminuindo, ao mesmo tempo, os erros e a falta de consideração do homem. Não deveria ceder, fosse a que preço fosse, à necessidade de harmonia que lhe foi inculcada pela edu cação e julgar que, “no fundo, ele não tem culpa”, porque, agindo assim, o estaria novamente tratando como se ele fosse um espécime carente de proteção e tornando a aten der o seu desejo de aconchego. Ele pode cuidar de si mesmo e sobreviverá à sua raiva. Se ela reconhecer isso, libertá-lo-á do papel de homem eternamente infantil e dependente da mãe e também libertará a si mesma do pape pa pell de m ãe etem et em am ente en te doad do ador ora, a, pode po dend ndo, o, finalm fina lmen ente te,, começar com eçar a realizar os seus próprios anseios de aconchego. aconchego. Se ela viver a sua raiva, o seu ódio e os seus impulsos de agressão com plena consciência e encarar todas estas emoções como naturais e justificadas, disso lhe advirá força para assumir o controle de sua vida e definir os pró p rópr prio ioss obje ob jeti tivo vos. s. M ais ai s tard ta rde, e, quan qu ando do tiv ti v er se reen re enco con n trado, não mais terá de condenar o homem. Poderá re conhecer a própria parcela de responsabilidade na catás trofe e dizer a si mesma que, a partir de então, se com 133 133
porta po rtará rá de m anei an eira ra difer di feren ente, te, não nã o deix de ixan ando do que qu e tornem tor nem a fazer tal coisa com ela. Na c rise ri se da m eiaei a-id idad ade, e, sobr so bree tud tu d o quan qu ando do essa es sa crise vem de mãos dadas com uma separação, o aspecto de morte e destruição des truição pode ter, ter, para a mulher, mulhe r, um significado bem be m dife di feren rente te,, de natu na ture reza za interi int erior. or. N essa es sa ocas oc asiã ião, o, muita mu itass mulheres ousam, pela primeira vez, enfrentar a solidão, a vida sem um homem, sem uma estreita relação a dois, e vivem uma experiência de morte, um caminhar no de serto, o vazio absoluto, o nada. Suas fantasias de rela cionamento e o projeto de vida nelas baseado ruíram e nada restou; a vida parece ter chegado ao fim. E bom e necessário chorar pelo que se perdeu, pela parcela de identidade feminina que agora se tornou passado. Só a tristeza permite que nos despeçamos do passado. A
Quando Medéia sepulta os filhos no templo de Hera Acraia, deusa das mulheres, isso pode significar, como evento psíquico, que ela enterra com todas as honras uma parte pa rte das suas su as poss po ssib ibil ilid idad ades es fem fe m inin in inaa s de vida vi da e de rea re a lização. Quando choramos com plena consciência pela nossa cqndição passada de ser mulher, pelas pelas nossas velhas fantasias de relacionamento, pelos nosso s sonhos, desejos e objetivos irrealizados, e sepultamos isso, com todas as honras, e não secretamente, não precisamos odiar a nós mesmas nem desvalorizar a nossa vida, considerando-a fracassada, mas aceitá-la como o nosso próprio e incon fundível destino. Desse modo, também nos reconciliamos com as nossas mães, que nos deram como dote para o nosso caminho esse papel feminino. 134
Podemos abrir mão da dualidade de querer, por um lado, independência e, por outro, de ser sustentadas pelo homem; na tristeza, podemos encontrar o nosso verda deiro Eu e adquirir o poder de estabelecer uma vez mais um novo projeto de vida. Do mesmo modo que é preciso ter-se saciado de amor, dedicação, afirmação e segurança para pa ra se sent se ntir ir à vont vo ntad adee no m undo un do,, tem te m os tam ta m bém bé m de experimentar uma vez que o fim do amor não representa a morte definitiva, que somos capazes de sobreviver à separação, à solidão e ao abandono, e que a escuridão cria nova luz e que renascemos para uma nova identidade.
O Exílio ou o Happy-end de uma Tragédia No N o final fin al da tragé tra gédi dia, a, M edéi ed éiaa reto re tom m a ao mito. mit o. S e r pent pe ntes es alad al adas as puxam pux am o carr ca rro o que qu e a leva lev a para par a o desc de sco o nhecido. Elas são o símbolo da deusa que dispõe da fecundidade ctônica das profundezas e da fecundidade espi ritual do Céu. Quando não nos dividimos mais em duas parte pa rtes, s, acei ac eita tand ndo o -nos -n os com co m o som so m os, os , c om os noss no ssos os lado la doss claros e escuros, com o nosso desejo de aconchego e o nosso poder de fazer as coisas acontecerem, curamo-nos a nós mesm as e descobrimos descobrimo s o retom reto m o à nossa integridade integridade feminina. Uma mulher que sobrevive à morte da sua relação amorosa e sepulta esse relacionamento exclusivo com um homem muitas vezes surge, depois da fase de tristeza ocasionada pela separação, com uma nova personalidade que, com insuspeitada autoconfiança, desenvolve as suas 135
capacidades e encontra novos caminhos cam inhos para a autonomia. O carro serpentino, o veículo da transformação, ou seja, de uma nova esfera de ocupação, de uma nova possibilidade de vida, aparece como que por si mesmo. O “retomo ao mito” pode ser uma ajuda valiosa na reformulação dos planos de vida; não, porém, do modo como fugimos suspirando por novas fantasias que, desta vez, estão voltadas para “trás”, para para as românticas e transfiguradas imaginações ligadas a um passado de pleno pode po derr fem fe m inin in ino, o, e sim para ress re ssuu scit sc itar ar uma um a imag im agem em de integridade feminina e criar um “mito genuíno”, novo e vivo, que se converte numa utopia real da vida feminina e se torna o veículo da nossa transformação. Pela segunda vez, neste livro, chegamos ao final da tragédia, e não é fácil dar à história do relacionamento dos sexos no patriarcado um happy-end. A mulher que caminha pela vida com uma imagem nova e modificada de si não vive num mar de rosas. Ela terá de se defrontar com resistências mais veementes do que nunca; talvez se sinta agora realmente no exílio. Mas a perspectiva de que talvez tenha de viver por longo tempo sozinha já não a encherá de medo e terror. Ela estará também pre para pa rada da pa para ra e n fren fr enta tarr no nova vass difi di ficu culd ldaa de dess e de desi silu lusõ sões es.. Talvez encontre um Héracles que a aceite com a sua identidade própria, mas este estará dividido entre a disposição de entrar numa parceria do mesmo nível e manter a “imagem de herói” que a sociedade exige dele. É possível que ela encontre um Teseu que se sinta mortalmente ameaçado, quando ela às vezes se torna “vene136 136
nosa”, e imediatamente a expulse, de espada em punho, da sua vida. No entanto, ao prosseguir no seu caminho, ela não se enreda mais na crise c rise existencia existencial, l, porque possui a força de que necessita para construir o próprio reino. “Alegra-te, Medéia, pois não há saudação mais bela do que essa para p ara se fazer faze r aos amigos” am igos”11, diz Egeu, Egeu , o seu velho amigo de Atenas, que já a apoiara no início da sua crise. Com ele, ela podia desabafar: “Que dizes? Contame claramente as tuas desgraças!” Nele, Medéia encon trou interesse, ajuda e apoio. Ele aprovou a sua identidade e soube apreciar a sua força. Ofereceu-lhe também a pos sibilidade de uma nova relação. Um “Egeu” é soberano bas b asta tant ntee pa para ra a ceit ce itaa r um u m a “ M ed edéi éia” a”.. Com Co m ele, ele , ela po pode deria ria edificar uma relação humana satisfatória, admitindo-se que ela se contentasse com o fato de que essa relação não tivesse “nada de espetacular”, e fosse capaz de re nunciar aos altos e baixos eletrizantes que antes, com todos os sofrimentos, eram tão fascinantes no relaciona mento com seu herói. O mito apresenta também mais outra possibilidade. Numa Nu ma va varia riant ntee da ve vers rsão ão tradic tra dicio iona nal,l, M ed edéi éiaa se recon rec onci cilia lia com Jasão e o rejuvenesce com seus poderes mágicos. Às vezes ocorre também o improvável: depois de uma separação e de um período de tristeza e afastamento, o casal se reencontra e uma esperança, já sepultada, revive, e uma relação já morta se transforma e rejuvenesce para uma nova vida. Nessas circunstâncias, o impulso parte freqüentemente da mulher que, através da tristeza, en controu a si si mesma m esma e irradia um nova energia e vivacidade que fascinam o homem. Ele vê diante de si uma mulher 137 137
que dispõe de um “carro serpentino” e de uma “caldeira de rejuvenescimento”, uma uma m ulher que recobrou recobrou suas fo rças vitais e criativas e reconquistou o poder sobre si mesma. Essa mulher não tornará a cair nos velhos moldes de relacionamento. relacionamento. Ela é senhora de si e não voltará a se perder.
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Notas
INTRODUÇÃO: Encontro Enco ntro com Medéia Medé ia 1. Há sobre Medéia obras literárias de Ovídio, Lucano, Sêneca e, a partir do século XVÜ, de Comeille, Cherubini, Grülparzer, von Jahnn e Anouilh, além de um filme de Pasolini, para citar apenas algumas versões. Por mais diferentes que sejam as interpretações dadas pelos autores à figura de Medéia, todos, quase sem exceção, seguem o modelo de Eurípides que retrata Medéia como “bárbara”, vingadora e infantidda. Só mais recentemente o dramaturgo George Tabori, em sua peça teatral “Medea”, e a produtora cinematográfica Dee r Sch Sc h laf la f der de r Ve Vernu rnunft nft [O Sono da Razão], Ula Stõckl, com o filme D divergiram desse modelo. Re alenc ncyclo yclopàd pàdie ie der classischen class ischen AltertumswisAltertu mswis2. Ver Pauly, Reale senschaften [Enciclopédia Real da Ciência da Antigüidade Clássica], Med éia. Pauly escreve: “A formulação da Stuttgart, 1931, verbete Medéia. lenda por Eurípides teve imensa influência sobre todas as épocas posteriores; inúmeras menções de autores gregos e romanos com provam isso, da mesma maneira que as obras plásticas.” 3. O nome Medéia (Mideia) relaciona-se lingüisticamente com o nome da deusa da sabedoria Métis (prudência) e com o nome de mulheres sábias e conhecedoras da arte de curar da mitologia grega, nomes que terminaram em -mede, como Polímede e Agámede. Na llíada, referindo-se a Agámede, Homero diz que ela conhecia todos os medicamentos que crescem na Terra erra.. “Evidentemente, todos esses ess es midoma i, palavra do grego antigo; na base nomes fazem parte de midomai, deles, há a meditação ligada à realização do pensamento; são mu
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lheres que sabem aconselhar a si mesmas e aos outros.” (Pauly, Realencyclopã Realen cyclopãdie... die... ibid.) Me deia a und die di e Peliad Peliaderv erv,, ein 4. Ver a respeito: Hugo Meyer, Medei Versuch zur Sagenforschung auf archãologischer Grundlage [Medéia e o s Pelíades: ensaio de pesquisa pesquisa de lendas sobre base arqueológica], Roma, 1980 versão revista da dissertação, Gõttingen, 1978. 5. Ver Pauly, ibid D ie friedfe frie dfertig rtigee Frau [A Mulher 6. Ver Margarete Mitscherlich, Die Pacífica], Frankfurt-a.M., 1985, pp. 82-84. 7. Ibid., p. 139. 8. Sobre Eumelos, ver Pauly, ibid O episó dio de Média com as filhas de d e Pélias que, que, neste contexto, mencionamos apenas de passagem, é uma invenção literária recente, segundo Hugo Meyer. Ver Hugo Meyer, ibid Ar goná náut utica ica,, em grego antigo, tradu 9. Apolônio de Rodes, Argo zida para o inglês por Reginald Colbome Seaton (1912), Londres, 1961. Di e Mythologie der d er Griechen Griechen [A Mitologia dos 10. Karl Kerényi, Die Gregos] (1951), Munique 1966, vol. 1, p. 151 ss, voL 2, p. 208 ss. M ythologiee [Mitologia 11. Robert Robert von Ranke-Graves, Ranke- Graves, Griechische Mythologi grega] (1955), Reinbek bei Hamburg, 1984, p. 557 ss.
PRIM PRIMEI EIRA RA PARTE PARTE A imagem de Medéia Me déia no mito e na lenda Di e Mythologie der Griechen Griechen,, ibid., ibid., vol. 2, p. 1. Karl Kerényi, Die 210.
I b id p. 217. 2. Ib I b i d p. 219 3 . Ib Medéia éia-, -, todos as citações seguintes são de edição 4. Eurípides, Med Reclam Universalblio Univer salbliothek thek n®79 n®7978 78,, em grego gre go arcaico e alemão, alem ão, StuttStuttgart, 1983. 5. Afrodite, Afrodit e, chamada Cípride, Cípride, do nome nom e do seu principal principal santuár santuário io em Chipre.
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SEGUNDA PARTE
Os graus de transformação do mito/Os rastros da velha deusa D ie Gòttin Gòtt in und u nd ihr Heros [A deusa 1. Heide Gõttner-Abendroth, Die e o seu herói] (1980), Munique 1984, p. llss. 2. Ranke-Graves, Griechische Mythologie [Mitologia grega], ibid, p. 19. 3. Pelasgisch pe lásgic gico o da da criação]; criação]; Pelas gischerSchòp erSchòpfungs fungsmytho mythoss [O mito pelás ver Ranke-Graves, ibid., pp. 22-23. 4. Ibid., p. 12ss. D ie Gòttin und ihr 5. Ver a respeito Heide Gõttner-Abendroth, Die Heros Her os [A deusa e o seu herói], ibid. Rea lencyclo yclopãd pãdie ie 6. Sobre a interpretação dos nomes, ver Pauly, Realenc der de r classischen class ischen Altertumswissenschaften, ibid., e Kerényi, Die D ie My thologie tholo gie d er Griechen [A Mitologia dos Gregos], ibid. Anato mie der de r menschlichen Destruktiv Destr uktivitàt itàt 7. Ver Erich Fromm, Anatomie [Anatomia da destrutividade humana] (1973), Reinbek bei Hamburg, 1986, p. 203.
Griechische M ythologie [Mitologia Gre 8. Ver Ranke-Graves, Griechische ga], ibid., p. 427. D ie Grosse Gro sse Mutter [A Grande Mãe] (1956), 9. Erich Neumann, Die Olten und Freiburg im Breisgau 1985, p. 261.
A morte e a arte de curar cur ar 1. Ver a respeito Ranke-Graves, ibid., e Pauly, ibid. 2. Heide Gõttner-Abendroth, ibid., p. 17. 3. Pauly, ibid., verbete Hekate. 4. Ranke-Graves, ibid., pp. 36ss, 86ss e 113ss. 5. Ver a respeito Olga Rinne (org.), Wie Aua den Geistern geweiht wurde; Geschichten, Márchen und Mythen der Schamanen [Como Aua foi consagrada aos espíritos; histórias, contos de fada e mitos xarnâmicos], Darmstadt und Neuwied 1983. 6. Ranke-Graves, ibid., pp. 155-157, p. 221.
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7. Ibid., p. 579. 8. Ver Gunnar Heinsohn e Otto Steiger, Die D ie Vernichtung Vernichtung der Weisen Frauen [O extermínio das mulheres sábias], Herbstein 1985.
Medéia Medé ia como símbolo sím bolo de transição trans ição Ana tomie ie der de r menschlichen Dest D estruk ruktivi tivitãt tãt 1. Ver Erich Fromm, Anatom [Anatomia da destrutividade humana], ibid , pp. 173-206; citação: p. 186. 2. Ibid., p. 187. 3. Ranke-Graves, ibid., p. 76. 4. Ibid., p. 37ss. Wiederbelebung ng der d er Gôttinnen? 5. Ver a respeito Susanne Susann e Heine, Wiederbelebu [Revivescência das Deusas?], Gõttingen 1987, pp. 112 e 113. O trabalho de Susanne Heine é uma crítica bem fundamentada e digna de ser lida da pesquisa feminista do matriarcado; das circunstâncias citadas, a autora extrai deduções diferentes, como a de que deve ter havido períodos e culturas em que existiu o equilíbrio social entre mulheres e homens, mas não um matriarcado no sentido de sistemas de soberania feminina, que chegariam a abranger um “período ma triarcal”, como supõe Gõttner-Abendroth. 6. Ranke-Graves, ibid., p. 16ss. 7. Ibid., p. 197. I b id , p. 43. 8. Ib 9. Ibid., pp. 82-83. 10. Ibid., pp. 425ss e 575ss.
A veste em chamas 1. Ranke-Graves, ibid., p. 522ss. 2. Hérodoto, História, cit. da edição Kroner, Stuttgart 1971, p. 2. 3. Ranke-Graves, ibid:, p. 61. Da s Patriar Pat riarchat chat (O Patriarcado), Fran4. Emest Bomemann, Das kfurt-a.M. 1975, p. 197. 5. Heródoto, cit. por Bomemann, ibidem, p. 112.
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A e s p o sa ciume ciu ment nta/ a/Ex Excu cursã rsãoo a o mundo mu ndo sent se ntim imen enta tall d o p rese re sen n te
Deut schess Wõrterbuch Wõrterbuch [Dicionário ale 1. Ver Gerhard Wahrig, Deutsche Eifersucht,t, Eifer e mão], Berlim, Nova York 1975-1984, verbete Eifersuch Deutsch Deut sches es Wõrterbuch, Wõrterbuch, de Jacob e Wilhelm Grimm, Leipzig 1854, Munique 1984. 2. Hildegard Baumgart, Eifersucht [ciúme], Reinbek bei Hamburg 1985, p. 39. D ie neue Eifersucht [O novo ciúme], Mu 3. Emest Bomemann, Die nique 1986, p. 123ss. 4. Ver Hildegard Baumgart, ibid., p. 68. D ie Grosse Gro sse Mutter Mutte r [A Grande Mãe], 5. Ver Erich Neumann, Die ibid., pp. 272-273. 6. Ruth Benedict, Urformen der Kultur [Formas primitivas da cultura], Hamburgo 1955, p. 60ss. D as Patria Pat riarch rchat at [O Patriarcado], ibid., 7. Emest Bomemann, Das p. 214ss. Medé ia. 8. Eurípedes, Medéia. Mutterrecht ht und und Unrelig Unreligion ion (Auswahl) 9. Johann Jakob Bachofen, Mutterrec [Direito mater materno no e religião primitiva primitiva (seleção)], (sele ção)], Leipzig 1926, p. 136. D ie neue Eifersucht [O novo ciúme], ibid., 10. Emest Bomemann, Die p. 75. 11. Ibid., p. 39.
Über einige neurotische Mechanismen bei Ei fersuch fersucht,t, Paranóia und Homosexu Homosexualitãt alitãt [Sobre alguns mecanismos neu róticos do ciúme, da paranóia e da homossexualidade], in Sigmund 12. Sigmund Freud,
Freud, Obras reunidas, XIII (1920-1924), Frankfurt-a.M. 1968, p. 195ss.
Desa De sapa pare rece ce uma deusa 1. Ver Pauly, ibid., verbete Hekate e também Ingrid Riedel, Demete De meters rs Suche [A Busca de Deméter], Zurique 1986. 2. Ver Ranke-Graves, ibid., p. 18ss.
de r 3. Ver a respeito John A. Phillips, Eva; von der Dâmonin [Eva: de deusa a demônio], Stuttgart 1987. 143 14 3
Gõttin zur
Traum m von Christu Ch ristuss [Um sonho 4. Ver Hildegunde Wõller, Ein Trau de Cristo], Stuttgart 1987, p. 122ss. 5. Erich Neumann, Ursprungsgeschichte des Bewusstseins, Mu nique 1974, p. 261. [História da Origem da Consciência, Ed. Cultrix, São Paulo, 1990]. 6. Ibid., p. 45. Jens eits des d es Lustprinzip Lus tprinzipss [Além do princípio 7. Sigmund Freud, Jenseits do prazer] in Gesammelte Werke (Obras reunidas), ibid., vol. XIII, p. 17. Da s Tibetanische Totenbuc Totenbuch, h, org. por W.Y. Evans-Wentz, 8. Das Liv ro Tibetano dos Mortos, Olten e Freiburg im Breisgau 1971 [O Livro Ed. Pensamento, São Paulo, 1988]. 9. Ibid., p. 209. 10. Ver Hildegard Baumgart, Eifersucht [Ciúme], ibid., p. 137.
TERCEIRA PARTE O Espelho escuro/Paixão como fatalidade 1. Afrodite, Afro dite, chamada chamada Cípride Cípride por ser ser este es te o lugar do seu princip principal al santuário em Chipre. 2. Companheira de Afrodite, a tentação personificada. Pythisch e Oden IV [Odes pitonisíacas IV]. Citado 3. Píndaro, Pythische Universalbi bliothek, na 8314, Stuttgart conforme a edição Reclam Universalbibliothek, 1986, p. 129 4. Ovídio, Metamorphosen [Metamorfoses], livro VII. Citado Universal bibliothek,, n2 356 (8), Zuriconforme a edição Reclam Universalbibliothek que/Stuttgart 1958-86, p. 213.
Argonau tica, ibid., livro IV, traduzido 5. Apolônio de Rodes, Argonautica, do inglês para o alemão pela autora. has sen? ? [Precisamos 6. Margarete Mitscherlich, Müssen wir hassen odiar?] Munique 1983, p. 33. 7. Fritz Riemann, Grundformen der Angst [As formas básicas do medo], Munique 1975, 1978, p. 13ss. 8. Margarete Mitscherlich, ibid., p. 33.
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9. Luise Eichenbaum, Susie Orbach, Was wollen die Frauen? [Que querem as mulheres?], Reinbeck bei Hamburg 1986, p. 23ss. 10. Margarete Mitscherlich, ibid., p. 31. 11. Luise Eichenbaum e Susie Orbach, ibid., p. 42.
“Se não me abandonares, também não te abandonarei ” 1. Fundevogel, Fundev ogel, conto de fada de Grimm. 2. Abraham Maslow, Motiv Mo tivati ation on und Persõnli Pers õnlichk chkeit eit (1954), [Motivação e Personalidade], Reinbeck bei Hamburg 1984, p. 225. 3. Este conceito foi cunhado pelo psicanalista e terapeuta de casais Jürg Willi. 4. Jürg Willi, Die D ie Zweierbezie Zwei erbeziehung hung [A relação a dois], Reinbeck bei Hamburg 1975, p. 59ss. 5 . Ibid., p. 59. 6. Erick Fromm, Anato An atomi miee der de r menschlichen menschliche n Destru De struktiv ktivitât itât [Anatomia da destrutividade humana], ibid., p. 310. 7. Ovídio, Metamorfoses, livro VII.
Heroísm He roísmo o deses de sesper perado ado 1. Amo Gruen, Verrat am Selbst [Traição ao self], Munique 1986, p. 17. 2. Ibid., p. 81. 3. Ibid., p. 51.
Corinto ou a crise 1.. Título de uma novela de Josef Jos ef Conra Conrad d que gira gira em tomo tom o desse tema. 2. Jürg Willi, Die D ie Zweierbeziehun Zweierbe ziehung g [A relação a dois], ibid., p. 39.. 39 3 . Ib I b id , p, 41ss.
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geb rochen henee Frau Fra u [Mulher desilu 4. Simone de Beauvoir, Eine gebroc dida] (1967), Reinbeck bei Hamburg 1985, p. 138. 5. Ibid., p. 308. Anat omie der de r menschlic men schlichen hen Destru De struktiv ktivitât itât 6. Erich Fromm, Anatomie [Anatomia da destrutividade humana], ibid., p. 306. Ibid. , p. 308. 7 . Ibid.,
O exílio ou o happy-end de uma tragédi tra gédia a M edéia, ia, o episódio entre Medéia e Egeu. 1. Eurípides, Medé
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