O que é semiótica? Lúcia Santaella escreveu O que é semiótica (1983, 84 p.) para a Coleção Primeira Passos, da editora Brasiliense. Trata-se de um panorama dessa recente ciência das humanidades que estabelece os limites e princípios para uma teoria geral dos signos, ainda em sedimentação e indagações em progresso. O legado do cientista e filósofo americano Charles Sanders Peirce é particularmente destacado, pois representa um homem em diálogo com 25 séculos de filosofia ocidental: o percurso para a filosofia tinha de se dar pela lógica da ciência. No âmbito da cultura, Peirce se dedicou especialmente à lingüística, à filologia e à história, alguém de incursões relevantes na área da psicologia. Foi, portanto, no universo imenso dessas teorias que veio aos poucos emergiu sua teoria lógica, filosófica e científica da linguagem, ou seja, a Semiótica, uma filosofia científica da linguagem. “Semiótica” origina-se do grego semeion, ou seja, signo. Portanto, semiótica é a ciência dos signos. Há que se distinguir duas ciências da linguagem que se desenvolveram no século XX: a lingüística, ciência da linguagem verbal, e a Semiótica, ciência de toda e qualquer linguagem. Em qualquer tipo de fenômeno, a Semiótica busca seu ser de linguagem ou sua ação de signo. Essa consciência de linguagem em sentido lato trouxe a demanda por uma ciência hábil para elaborar mecanismos de investigação e ferramentas metodológicas capazes de abarcar o domínio multiforme e variado dos fenômenos de linguagem. O postulado central de Peirce é, de fato, a noção do crescimento contínuo no universo e na mente humana. É também uma arquitetura filosófica ou o chamado edifício filosófico peirceano: Fenomenologia Ciências Normáticas: 1. a Estética; 2. a Ética; 3. a Semiótica ou Lógica, que compreende a Gramática Pura, a Lógica Crítica e a Retórica Pura; e 4. A Metafísica. Para Peirce, a instância primordial de um trabalho filosófico é a fenomenológica, no trabalho filosófico de gestar a Doutrina das Categorias, que tem por função realizar a análise extrema de todas as experiências possíveis. A fenomenologia, pelo viés peirceano, é a descrição e análise das experiências que estão à diposição para todo homem. Peirce chega à conclusão de que tudo que se dá à consciência se processa numa gradação de três propriedades que correspondem aos três elementos formais de toda e qualquer experiência: Qualidade, Relação e Representação, posteriormente fixadas como Primeiridade, Secundidade e Terceiridade, por serem vocábulos livres de associações já marcadas. A primeiridade é a consciência imediata tal qual é, a qualidade da consciência imediata, uma impressão (sentimento) in totum, indivisível, não analisável, inocente e frágil. A segundidade é a categoria que a concretude e o lidar cotidiano fazem mais familiar. Existir é, pois, experimentar a ação de fatos exteriores em sua resistência a nossa vontade. Já a terceiridade, a óbvia terceira das categorias universais do pensamento e da natureza aproxima um primeiro e um segundo numa síntese intelectual, que corresponde à camada de inteligibilidade, ou pensamento em signos, através da qual representamos e interpretamos o mundo. Um exemplo dado: o azul, simples e positivo azul, são um primeiro. O céu, como lugar e tempo, aqui e agora, onde se encarna o azul, é um segundo. A síntese intelectual, elaboração cognitiva – o azul no céu, ou o azul do céu – é um terceiro. Além de vários outros elementos e características da semiótica peirceana, há que se comentar a distinção entre Semiótica e Semiologia, diferença que não é simplesmente terminológica. Apesar de amiúde se fazer uso indiscriminado dos dois termos, as teorias associadas à tradição lingüística são postulações deveras diversas daquelas
que a teoria peirceana exige. Santaella conclui afirmando que a lingüística saussuriana surgiu de um primeiro corte nas relações que a linguagem humana mantém com todas as outras áreas dos saber nas humanidades: antropologia, psicologia, sociologia e filosofia. O entendimento da língua como sistema autônomo e objeto específico de uma ciência que lhe é própria emergiram aí. Por outro lado, a Semiótica peirceana surgiu de uma incansável jornada diversa, em que os atos e feitos humanos apresentam-se na mediação da linguagem, aí compreendida em seu sentido mais lato. Finalmente, pode-se denominar o deslocamento das tradicionais teorias do conhecimento, vez que a Semiótica peircena é uma teoria sígnica do conhecimento.