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Instituto Independa Capivari • SP • Brasil +55 19 2146-1672
[email protected] www.independa.com.br 1ª Edição • Maio de 2015
ISBN 978-85-69203-01-8
Editor: Cristian Fernandes
Revisão: Izabel Braghero Projeto gráfico: André Stenico
© 2015 Romina Miranda
É permitida a reprodução parcial ou total, apenas para uso não-comercial, desde que citada a fonte, sendo vedada a criação de obras derivadas.
O QUE É CODEPENDÊNCIA?
Termo recente na área da terapia, ainda com conceitos difusos e em construção, por vezes conhecido como transtorno, por outras como doença, não utilizado cientificamente, mas totalmente popularizado, a codependência não passa despercebida. Com características que fazem com que muitas
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pessoas encontrem identificação e, muitas vezes, explicação para seus comportamentos, a cada dia ela avança para outras esferas, que até há pouco contemplavam apenas as comunidades terapêuticas para tratamento de dependentes químicos e os grupos de apoio para seus familiares.
MAS AFINAL, O QUE É CODEPENDÊNCIA? Como já mencionei, o conceito está em construção e, por isso, é um privilégio para nós podermos participar deste momento, reunindo opiniões de autores, estudiosos e, principalmente, participando do dia a dia de pessoas que, supostamente, seriam portadoras do transtorno da codependência ou teriam traços codependentes. Porém, antes de entrarmos na construção do
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conceito, elencando o que sabemos que é a codependência, é importante dizermos o que ela NÃO É. Infelizmente, no dia a dia, notamos que muitas pessoas ao se reconhecerem como codependentes, seja num grupo de apoio ou num processo terapêutico, passam a vestir a codependência como uma segunda pele. Adotam o termo como um sobrenome, usam o conceito como um legado ou até como um destino “fatal” ao qual estão fadadas até o fim de suas vidas. A frase habitual é: “..., afinal sou codependente!” Aí está! A codependência é uma série de coisas que ainda vamos juntos analisar ao longo deste livro, mas, ELA NÃO É UM DIAGNÓSTICO FATAL. Ela não é algo que limita o ser a uma série de comportamentos rígidos e imutáveis ou a um destino predeterminado. Portanto, qualquer pessoa que reconheça em si as características da codependência possui, na mesma proporção
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deste reconhecimento, a possibilidade de mutação desta condição emocional em que se encontra – a de codependente – seja já pelo motivo que tenha chegado até aí. Aceitar-se como vítima não é condição absoluta, mas apenas uma fase do transtorno, a primeira, aquela que chamamos de negação. E por falar em negação, aí está uma boa maneira de começarmos a traçar o conceito de codependência, através de suas características. E uma das principais é a negação. Quando um familiar de dependente químico conclui que o seu ente querido faz uso abusivo de drogas (de acordo com o Lenad Família 20131 isto ocorre após cerca de 5 anos da experimentação), ele venceu, na realidade, um longo processo de negação da doença de seu familiar. Este tempo todo que ele levou para “descobrir”, na verdade 1 I Levantamento Nacional com Familiares de Dependentes Químicos, realizado pela Unifesp/Uniad/Inpad. Disponível em: http://inpad.org.br/_lenad-familia/ – Acesso em: 28 abr. 2015.
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ele levou para “aceitar”, porque sempre houve indícios, mas a negação era utilizada para defendêlo da dor de encarar que o seu familiar estava fazendo uso de drogas e mais: o que fazer com isto? Então, negando, o familiar mantém tudo da mesma forma, doentia sim, mas da forma que ele conhece, que ele sabe lidar, sem crises, sem grandes tomadas de atitude para as quais ele ainda não está preparado. Agora, imaginem que após aceitar que este familiar faz uso de drogas e vencer mais uma barreira para procurar ajuda, esta pessoa ainda é confrontada com a ideia de que ela é parte do problema, ela retroalimenta esta relação disfuncional em que se instalou o abuso de drogas ou a dependência química. Ela vai aceitar isto assim, fácil? Claro que não! Quantos familiares nós ouvimos dizer: “O problema é ele, não eu”. Ou ainda: “Quem precisa se tratar é ele, não eu, por isso não vou a grupo nenhum”.
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Já foi difícil entender e aceitar o uso ou a dependência de drogas por parte do ente querido. Aceitando esta situação seria preciso fazer alguma coisa por ele. Agora, aceitando que faz parte do processo, e que também está impactado pela doença, fará com que tenha também que fazer algo por si, mudar comportamentos, cuidar de si, rever conceitos, histórias, partir para o autoconhecimento e a mudança. Quem está disposto a isto quando se encontra no “olho do furacão”? Provavelmente aquele familiar que já sofreu perdas demais em função do uso do ente querido. Aquele que sabe que do jeito que está não dá para ficar e que se entrega para toda a possibilidade de mudança para sair desta situação. Mas, para aquele que ainda não foi suficientemente impactado (de acordo com seus limites internos), ter que aceitar que de alguma forma é corresponsável por esta situação leva tempo e, em alguns casos, não chega nunca a acontecer. Infelizmente, nestas situações extremas,
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o dependente químico, quando em recuperação, tem como principal fator de risco, voltar para esta família adoecida, que não aceita a realidade e não muda comportamentos em prol da saúde e bemestar do sistema familiar. Antes de continuarmos a traçar as características da codependência, vamos voltar um pouco na história para entendermos o aspecto que abordamos neste livro. Em meados da década de 1940, nos Estados Unidos, as esposas de Bill e Bob, os fundadores de Alcoólicos Anônimos, ao perceberem que também compartilhavam dos mesmos comportamentos e que conseguiam melhorálos quando compartilhavam suas experiências, fundaram o Al-Anon, grupo para familiares e amigos de alcóolicos. Foi nesta ocasião que surgiu o termo codependência, usado para caracterizar estas esposas.
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Na década de 1970, nas Comunidades Terapêuticas de Minessota, também nos Estados Unidos, o termo volta a aparecer para designar os familiares dos dependentes químicos internados nestes locais. Na década de 1980, o termo surge na área da terapia, mas ganha um espectro bem mais amplo, não mais se relacionando somente aos familiares de dependentes químicos, mas às pessoas que por qualquer outro motivo viveram situações estressantes na família de origem que as levaram a assumir precocemente responsabilidades inadequadas para a idade e contexto cultural. As possibilidades de vivenciar situações opressoras, em ambientes hostis e lares disfuncionais não se limitam então às situações em que exista a dependência de álcool ou outras drogas, mas de uma série de outras situações em que o indivíduo fique exposto por um determinado período a uma intensa dor. Seriam estas pessoas as codependentes. Porém, neste livro, nosso
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objeto de estudo são os familiares de usuários e dependentes de substâncias psicoativas. Por isso, vamos restringir a codependência, neste texto, a este grupo de pessoas e suas vivências. Voltando às características da codependência, uma das mais determinantes, é o controle. Em 1981, a educadora e terapeuta familiar Sharon Wegscheider-Cruse introduziu o conceito de codependência como uma obsessão familiar sobre o comportamento e bem-estar do dependente, em que o eixo da organização familiar passa a ser o controle do consumo alcoólico. Após a aceitação, sem ainda saber como lidar com a situação de forma adequada, a família acredita que deve controlar, que poderá mudar a situação desta forma. Cada vez mais sem controle da situação, a família mantém a ilusão do controle sobre o uso e fica obcecada pelo comportamento de seu familiar. Que horas chegou, como chegou, com quem falou, se usou, o que usou, quanto
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usou? Começa a ditar regras disfuncionais e, na maioria das vezes, não as sustenta. Importante ressaltar que à medida que o familiar fica obcecado em controlar o comportamento do outro, ele se afasta cada vez mais de si mesmo, deixando de lado o controle de sua própria vida, perdendo aspectos de sua identidade, ficando cada vez mais mergulhado num universo fora de si, rejeitando tudo aquilo que é seu, que precisaria ser visto, cuidado, amado. Ele se autoabandona. Um paralelo importante a traçar ao longo desta leitura é o espelho que veremos refletir algumas características do dependente e do codependente. Até aqui vimos que o dependente nega a sua doença enquanto que o codependente nega a sua condição emocional, sua parcela de responsabilidade na problemática da família. Vimos também que o dependente mantém a ilusão do controle sobre a droga, achando que pode parar de usar quando quiser, enquanto
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que seu familiar acha que pode controlar o seu ente querido, o seu uso e o seu comportamento. Ambos mantêm um comportamento obsessivo com seu “objeto em questão”: a droga, no caso do dependente, e o dependente, no caso da família. Outro sentimento presente no cotidiano de um codependente, de uma forma bastante exacerbada, é a culpa. Para o familiar do dependente químico é muito difícil distinguir culpa e responsabilidade. Os pais, ao descobrirem que o filho faz uso de drogas, automaticamente se perguntam: “Onde foi que eu errei?”. Os cônjuges, por sua vez, buscam erros em todas as situações, anulando-se, colocando-se muitas vezes em situações opressoras, limitantes, humilhantes, para não se sentirem como o objeto causador do uso do parceiro. Porém, ao depararem-se com a frase: “Eu bebo porque você faz isso!”, pronto! Já assumem para si toda a culpa pelo uso do outro. A questão é que ninguém, nem pais, nem parceiros, amigos, irmãos têm culpa alguma pela
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escolha do outro em usar a droga. Por mais que os pais tenham falhado na educação, não erraram porque queriam errar, mas por não saberem fazer da forma correta ou por inúmeras outras razões que em nada tem a ver com a culpa, mas sim, e tão somente, com a responsabilidade. A diferença entre a culpa e a responsabilidade é que a culpa paralisa e a responsabilidade mobiliza. Se formos culpados, vamos ficar remoendo a situação, as mágoas, os erros, estaremos voltados para o passado. Nossos conceitos sobre nós mesmos serão cada vez mais negativos, nossa autoestima ficará cada vez pior e nos revestiremos do problema como se nós fôssemos o erro. Se nos percebemos responsáveis, lamentaremos, mas estaremos prontos para sermos também responsáveis pela mudança e poderemos, então, avançar em sua direção, afinal, perceberemos que cometemos um erro em determinado momento, em determinada circunstância, mas que agora temos a escolha de fazer diferente e
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esta responsabilidade é nossa, e somente nossa. A responsabilidade é positiva e molda o futuro. Porém, falando em responsabilidades, é muito, mas muito importante, que o familiar entenda que a responsabilidade precisa ser equilibrada, dividida entre todos os membros da família, inclusive e sobretudo, com o dependente químico. Uma das outras características marcantes da família codependente é privar o dependente químico de suas responsabilidades e das consequências de seus atos. Esposas tomam para si as despesas do lar, o cuidado com os filhos, com a casa, a preocupação em manter a relação e a família unida. Muitas vezes, mentem para os chefes de seus maridos, justificando suas ausências no trabalho por motivos diversos, quando estes estavam, na verdade, na ressaca do dia anterior. Pais pagam todas as despesas para filhos que não
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estudam e nem trabalham, mas utilizam seu tempo livre para fazer uso de drogas. Quando situações complicadas ocorrem como resultado do uso, os pais arcam com os danos, com os resultados, evitando que os filhos passem pela experiência dolorosa da consequência de uma ação irresponsável. E, quando fazem o menor esforço por algo, são recompensados com honrarias, as quais não valorizam em nada e logo as descartarão, muitas vezes, trocando-as por drogas. Exemplos? O filho é pego com drogas e deve ser levado à Justiça Terapêutica para participar de grupos de apoio e/ou prestarem serviços comunitários. Os pais chegam antes, e querem pagar para que o filho não passe pelo processo de ser penalizado pelo ato cometido. Outro exemplo: o filho passa alguns meses numa comunidade terapêutica para se tratar. Ao sair, os pais querem recompensá-lo pelo “esforço” de ter passado pelo processo terapêutico. O filho pede
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um carro, uma moto. Os pais o presenteiam. Logo o bem se tornará moeda de troca para o uso de drogas. Isso quer dizer que os pais não deverão nunca mais presentear seus filhos ou recompensá-los positivamente por comportamentos adequados? Não. Porém, as famílias codependentes normalmente estão com estes parâmetros comprometidos, querem compensar demais o que, na verdade, não é mais do que obrigação. Afinal, se você passar um período no hospital para tratar sua diabetes deverá ganhar um carro como recompensa? Ou ainda terá que voltar para casa e se adequar a uma nova dieta, a um novo estilo de vida se quiser manter-se saudável e não retornar novamente ao hospital? E não é a dependência química uma doença crônica, assim como a diabetes? Eis aí, mais uma questão: a grande dificuldade da família em entender que dependência química
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é uma doença, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, e como tal, precisa de tratamento, que inclui todo o sistema familiar impactado por ela. Estes comportamentos, aliados à falta de limites, à dificuldade em dizer não, à necessidade de agradar sempre, de ser aceito pelo outro, fazem com que o familiar mantenha um padrão de atitudes facilitadoras para com o uso de drogas de seu ente querido. Na maioria das vezes, sem saber ou sem perceber, por meio destas atitudes equivocadas, ao invés de proporcionar uma crise, uma ruptura para que surja a possibilidade de mudança, o familiar continua mantendo as coisas funcionando da mesma forma e o seu ente usuário vai só caminhando, cada vez mais, em direção às situações extremas de uso e abuso de drogas. E por falar em dificuldade em dizer não... como é difícil isto para um familiar de dependente químico. Aquilo que para quem
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está fora da situação parece tão simples, para ele é tarefa homérica. Por quê? Normalmente, o lar que propiciou o desenvolvimento da dependência química já trazia esta falta de regras, disciplinas, limites. Seja por qual for o motivo, havia a dificuldade em falar não. Ou, no outro extremo da situação, os lares que falavam muitos “nãos” não davam espaço para que eles fossem entendidos, permeando os ambientes com autoritarismo, hostilidade, frieza, onde as crianças não podiam manifestar seus sentimentos. De uma forma ou de outra, o problema estava na comunicação. E este é um grande problema nas famílias que abrigam a dependência e a codependência: os problemas na comunicação. Falta de assertividade, dificuldade em dizer não, brigas constantes, segredos de família, duplas mensagens, falta de comunicação honesta, dificuldade em expressar sentimentos e em discutir problemas.
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A necessidade de agradar , muito presente no perfil codependente, parece estar atrelada à forma que o indivíduo encontra de sentir-se útil, já que não se sente amado. Em virtude das vivências opressoras de longa data, muitas vezes desde a infância, esta pessoa entendeu que os sentimentos não tinham valor, que não deveriam ser expressos, se sentiu abandonado, inferior, rejeitado, insignificante e passou a ter vergonha de suas necessidades e carências. Com a autoestima bastante comprometida, passou a achar que não seria merecedor de amor, mas que poderia agradar aos outros sendo útil e necessário. Surge assim a necessidade de ser necessário, que motiva tantos codependentes a lutas infindáveis pela vida dos outros para que suas vidas pareçam ter sentido. Quantos, infelizmente, não se sentem vazios e perdidos quando seus entes queridos entram em recuperação, por não mais terem aquele problema para cuidar, aquela necessidade na vida de outrem?
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Neste momento teriam então que olhar para si mesmos, cuidar de si mesmos, deixar de serem necessários para os outros. Como o caminho é doloroso, muitos preferem não percorrê-lo. É neste momento que muitas esposas de dependentes em recuperação que não buscaram tratamento para si mesmas não conseguem conviver com o marido saudável, desfazem o casamento e iniciam um novo relacionamento com outro dependente químico. Você já ouviu alguma história assim? Quanto aos limites, outro foco de atenção para o tema, estes normalmente estão disfuncionais sob todos os aspectos. As famílias de dependentes, provavelmente, nunca souberam impor limites, portanto continuam a não saber durante o uso, o tratamento e, se não forem tratadas, continuarão assim por toda a vida. Aceitam situações que para a maioria das pessoas seriam absurdas, humilhantes, extremas, inaceitáveis. Porém, assim como não sabem impor limites, também não os respeitam. Invadem a vida
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do outro, sua privacidade, sempre mostrando o desejo de “cuidar” e “ajudar”. Outra característica importante do codependente que muito se assemelha à do dependente – relembrando o espelho que traçávamos no início deste livro – é a autopiedade. Sempre que nos recusamos a assumir a responsabilidade por nós mesmos, nós assumimos o papel de vítimas. É bastante comum as esposas de dependentes químicos vestirem este papel para si e para os outros, afinal, ele é o carrasco que usa drogas e ela a boa moça, que ajuda, apoia, trabalha, cuida da casa e dos filhos. Como ela aguenta? Porém, quando lembramos que no sistema familiar existe uma retroalimentação e que o comportamento de um afeta o do outro, e que há responsabilidade de ambas as partes, não existem vítimas, nem culpados, mas pessoas responsáveis pelas situações em que se encontram e capazes de mudá-las. Como durante muito tempo as famílias convivem com a culpa e não com a
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responsabilidade, elas tendem a se sentir vítimas e não donas de suas próprias vidas. No livro Codependência nunca mais, Melody Beattie aponta o Triângulo do Drama criado por Steven Karpman para demonstrar como funciona este processo também na vida do codependente que transita entre os papéis de vítima, salvador e perseguidor, as três pontas do triângulo, em questão de segundos, sem perceber. O salvador é o tomador de conta, que tudo resolve, que tudo conserta, que ajuda a todos, que não deixa que a vítima faça o que pode fazer por si mesma. Mas, rapidamente passa a ser perseguidor quando a vítima não lhe é grata pela ajuda oferecida, por não ter saído tudo como ele queria, por ter feito mais do que devia, então fica raivoso. Quando pensa que todos os esforços foram em vão, ressente-se e volta ao papel principal: a vítima. Nada dá certo para ele, nada funciona como deveria funcionar, ele é uma vítima.
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Para iniciar um processo de mudança, assumindo a responsabilidade por seu comportamento, o codependente precisa libertar-se da trama limitante dos papéis deste triângulo. Além das características marcantes, que acabam por modelar o modelo de comportamento do codependente, existem os sentimentos presentes em seu cotidiano, com os quais todos os que sofrem com a dependência química de um ente querido convivem. Estes sentimentos não estão somente descritos nos livros ou artigos dos estudiosos internacionais, mas são dados de pesquisa científica nacional, a primeira realizada com 500 familiares de dependentes químicos dos grupos de AmorExigente na cidade de São Paulo, pela Unifesp/ Uniad em 2009. Na ocasião, os familiares citaram que os sentimentos presentes em seu dia a dia eram:
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vergonha, tristeza, impotência, dor, solidão, angústia, desespero, pena, decepção, medo, culpa, da qual já falamos, e raiva.
Começando pela raiva. Quanta raiva possuem os codependentes! Raiva do outro, raiva de si, raiva do mundo. Raiva pela tristeza, pela dor, pelo medo, pela culpa. Raiva por tentar salvar e não conseguir, por não ter controle sobre o outro, raiva por ter raiva, por não saber lidar com a raiva, que vai virar ressentimento. Tanta carga emocional mal canalizada, por vezes não podendo ser expressa ou sentida, por outras, estupidamente lançada à pessoa errada, quase sempre causa estrago ao seu redor. Como uma bomba-relógio, o codependente vive prestes a explodir... ou a implodir, o que pode se tornar uma doença física ou psíquica. Já o medo, grande medo! Como ele se engrandece na vida dos codependentes. Medos reais se misturam aos imaginários. Medo de agir, de criar caso, de gerar crise, de ter que tomar
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atitude. Medo da separação, medo da intimidade, da tristeza e da felicidade. Medo que se torna angústia e que alimenta a ansiedade, dia a dia, roubando a serenidade de uma vida tranquila. A vergonha, por sua vez, é companhia constante, principalmente no início. Caminha com a negação e mesmo quando vem a aceitação, a família ainda passa anos sem procurar ajuda porque tem vergonha de falar do assunto. Na comunidade, na igreja, na família, na escola, às vezes, até dentro da própria casa, o segredo impera. O codependente se sente solitário nesta história, acha que só ele vivencia tamanha dor, tem vergonha de falar do problema, pois acha que a culpa (que ele já sente!) recairá sobre ele, mais uma vez! Infelizmente, este sentimento é responsável por mais um tempo no processo de busca por ajuda. Enquanto a doença progride, a família está mergulhada na vergonha e com ela, na solidão, afinal, constrangida, ela não busca apoio, se sente a única com tamanho problema no mundo.
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Aliadas aos sentimentos descritos estão
a tristeza, a dor, a decepção e a impotência. Quantas emoções negativas, que drenam a energia e minam as possibilidades de viver com qualidade, fazem parte do cotidiano destas famílias. Sentimentos que se não transformados, certamente darão espaço para o surgimento de doenças emocionais, o que desorganizará ainda mais o sistema familiar, diminuindo as chances de melhora dos outros membros da família. Ou seja, a doença de um cria a doença no outro.
Como parar este ciclo? Agora, de acordo com as características que pudemos analisar, com os sentimentos que sabemos fazer parte da vida de um codependente, de como ele é impactado pela doença de seu familiar, podemos, finalmente, introduzir alguns conceitos já publicados na literatura nacional e internacional. Assim, creio
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que após a construção acima, temos mais condições de entender o que é codependência dentro do conceito apresentado por cada autor. No livro Codependência nunca mais, Melody Beattie, afirma que “um indivíduo codependente é alguém que permite que o comportamento de outra pessoa o afete, e sente-se obcecado por controlar o comportamento do outro”. Neste conceito, podemos encontrar a questão da circularidade, ou seja, de como o comportamento de uma pessoa afeta o de outra dentro do sistema familiar e de como isso é impactante na família que sofre com a dependência química. Também encontramos o aspecto do comportamento obsessivo e do controle. Os assistentes sociais, especialistas em dependência química em Minessota, Ronald e Pat Potter, concluem que as famílias de dependentes químicos podem ser modelos para obter informações sobre a codependência, contudo
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outras circunstâncias familiares poderiam produzir padrões similares, particularmente famílias com problemas crônicos negados, como incesto e doenças mentais e sociais. Judith L. Fischer, PhD, e Lynda Spann, MS, ambas pesquisadoras da Texas Tech University, nos Estados Unidos, definem codependência como padrão disfuncional de se relacionar com os outros com um “foco extremo fora de si mesmo, a falta de expressão aberta de sentimentos, e as tentativas de obter um senso de propósito por meio de relações com os outros”. Para a irmandade Codependentes Anônimos, baseada no programa de 12 Passos de Alcoólicos Anônimos, codependência é a inabilidade de manter e nutrir relacionamentos saudáveis com os outros e consigo mesmo. Maria Aparecida Junqueira Zampieri, no livro Codependência – o transtorno e a intervenção em
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rede diz que a codependência tem sido definida
mais frequentemente como uma condição emocional, psicológica e comportamental, como um padrão relacional. A autora apresenta critérios diagnósticos para a classificação da codependência como um transtorno de personalidade, e vem realizando estudos para classificá-la como doença. Para Lygia Vampré Humberg, psicanalista, mestra em ciências, “a codependência deve ser encarada como uma doença crônica – assim como diabetes e hipertensão, portanto exige contínua vigilância”. “A possibilidade de desenvolvimento da dependência é da pessoa”, revelando-se na relação com um outro que tenha uma possibilidade complementar, posto que é uma dependência do vínculo dos dois”, destaca a autora em sua tese de mestrado. Nesta ideia, assim como na dos demais autores, o conceito de codependência está ampliado, não se limitando aos familiares de dependentes químicos,
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porém, mais especificamente na tese de Humberg, fica mais próximo o conceito da dependência afetiva com o de codependência, já que ela aponta como fator principal a dependência do vínculo, que necessita de um outro complementar. Diante da inviabilidade diagnóstica dos conceitos de codependência, o que podemos, com exatidão, pontuar é que estamos diante de uma condição emocional em que se destacam as relações – que variam em graus de disfunção – e os comportamentos – que são afetados por outros e afetam aos outros, se tornando estereotipados e também disfuncionais. Se estamos falando em “condição emocional”, sabemos que podemos modificá-la, transformála. Afinal, não é um diagnóstico, como falamos lá no início, é uma condição. Podemos e temos dentro de nós todas as ferramentas para sair desta condição, porém, para encontrar tais ferramentas, precisamos conhecer o caminho, ou seja, nos
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conhecer. Traçamos então, a primeira meta: autoconhecimento, que traz consigo aceitação da situação, de si, dos seus erros, acertos, condição. Percorrendo este caminho, começamos a conhecê-lo e poderemos então encontrar as tais ferramentas que nos ajudarão no processo de mudança. Importante lembrar, porém, que para iniciar esta jornada de autoconhecimento é preciso se desligar do outro – emocionalmente – para cuidar de si. Como poderemos cuidar de nós, nos conhecermos, gastar nosso tempo e energia conosco, se estamos obcecados em controlar o comportamento do outro? Também é importante libertar-se da negação e aceitar nossa condição emocional, sem culpas, sem mágoas, mas com o olhar no futuro, na possibilidade de ser e fazer diferente. Neste caminho, precisaremos perder a vergonha, entender que não estamos sozinhos, que existem
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milhares de pessoas no mundo que sofrem esta mesma dor que nós. E quando abrirmos mão da culpa, de toda e qualquer culpa, e abraçarmos a responsabilidade por nossas escolhas, por nossas vidas, teremos encontrado a caixa de ferramentas que nos permitirá, pouco a pouco, arrancar as ervas daninhas de nosso jardim – o medo, a raiva, a dor, o desespero, a angústia, a pena, a impotência, a decepção – e plantar as sementes das flores que queremos ver desabrochar em nossas vidas: respeito, amor-próprio, autoestima, paz, harmonia, limites, assertividade, união, esperança, aceitação, desapego, alegria, serenidade, amor. E, assim, plantaremos todas as outras flores e frutos que desejarmos ter no jardim de nossa existência, e faremos de nossas mazelas emocionais o adubo para a resiliência necessária na construção de uma vida saudável, equilibrada e feliz.
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A AUTORA Jornalista, escritora, terapeuta familiar e pesquisadora em famílias de dependentes químicos. Atuou como diretora de redação da Revista Anônimos, assessora de comunicação da FEAE (Federação de Amor-Exigente), apresentadora do programa Amor-Exigente na Rede Vida e do programa Uma Só Palavra na
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TV Aparecida e Net Cidade e colunista da Jovem Pan na campanha “Pela Vida, Contra as Drogas”. Foi idealizadora, coordenadora e docente do curso de Orientação e Aconselhamento de Familiares da Febract (Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas), pesquisadora da Uniad-Unifesp-Inpad no Levantamento Nacional de Familiares de Dependentes Químicos, realizado em 2013 sob a coordenação do dr. Ronaldo Laranjeira, palestrante da primeira edição do CONDEQ (Congresso de Dependência Química) e escritora da biografia de Padre Haroldo Rahm, SJ (Uma só palavra - Ed. Loyola). Atualmente é coordenadora do Programa Recomeço Família do Governo do Estado de São Paulo e coordenadora do curso de Aconselhamento e Intervenções Familiares em Dependência Química do Instituto Independa. Mais informações: www.codependencia.com.br
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