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O Natal do Peru ou : Uma questão de ponto-de-vista
-A
por Euclides
embebedados. Que carnificina! Agitou-se um pouco, revoltado:
h! Estou safo!
Fez o peru, entre um gole e outro. O raciocínio já não andava muito claro e os olhos tendiam indolentes para o estrabismo dos bêbados. Ia sorvendo os goles da cuia de cachaça que lhe deixaram. Enchia o bico e depois com o pescoço todo esticado para cima deixava rolar o líquido. Olhou para as galinhas empoleiradas dormitando e apoiou-se na tela do galinheiro para não cair.
- Por quê vocês não comem galinha como fazem o ano inteiro? Berrou esticando o pescoço. O galo, atingido, resmungou qualquer coisa lá no canto e bateu as asas. - Ou galo! Experimentem galo se querem variar! Voltou à carga o peru, num tom provocador. - Comam galinhas e galos! Empanturremse de galinhas!
- Um brinde senhoras! Proferiu com voz roufenha e pastosa sem se dar conta de que se tornava um bêbado inconveniente.
E como as galinhas se agitassem:
O silêncio da noite morna só era rompido pelo seu monólogo etílico ou pelo ocasional explodir de risadas que vinham da casa iluminada, mais adiante.
Tomou mais um gole e relembrou o pânico que sentiu horas atrás, antes que, por comodidade, comprassem o peru de supermercado. Carinhosamente apalpou as próprias penas.
Arrotou impudicamente quase ao mesmo tempo em que um champanhe espoucava na festa. Olhou para os lados da casa, aprumou-se como pode e tentou fazer uma reverência: - Meus respeitos ao cavalheiro sacrificado por mim! Disse a última palavra enevoada por um novo erupto e caiu sentado, meio escarrapachado, encostado num pedaço de pau, pensando no peru de supermercado que à última hora o substituía à mesa dos patrões.
- Nada de pessoal senhoras...
Num esforço levantou-se, experimentou um glu-glu roufenho e dirigiu-se cambaleante para o seu canto. Que porre! Ia pensando. Precisava dormir. Foi trocando os passos tropeçando e se apoiando na cerca. Deu um soluço que fez o galo abrir um olho e soltou um palavrão baixinho. A consciência ia fugindo com os vapores do álcool. O coitado do supermercado tinha até um termômetro enfiado na barriga, tinha ouvido dizer. - Diacho! Podia ser um parente...
Um calafrio lhe percorreu a espinha enquanto lembrou das histórias que tinha ouvido sobre a degola dos perus