O ESTILO AFORÍSTICO DE NIETZSCHE.
Alexander Almeida Morais.
O estilo literário do aforismo é antigo. Já se encontra no antigo Hipócrates que, por volta volta de 400 a.C, a.C, escrev escreveu eu um peque pequeno no opú opúscu sculo, lo, formad formadoo por sente sentenç nças as curtas curtas e pragmáticas de cunho medicinal. Mas com a utilização moral que Sêneca fez do aforismo, passou-se quase sempre identificar o aforismo como uma certa admoestação moral ou de caráter pedagógico 1. Encontramos este modo de conceber tradicionalmente o aforismo nos Pensamentos de Pascal, nos Parerga e Paralipomena e nos Aforismo para sabedoria sabedoria de vida de Schopenhauer e nos moralistas franceses como La Rochefoucault. Estes dois
último últimoss pen pensad sadore ores, s, por sinal, sinal, influe influenc nciara iaram m Nietzs Nietzsche che muito, muito, apesa apesarr das crític críticas as de Nietzsche feita a eles. Encontramos ainda o estilo do aforismo também em um filosofo da linguagem como Wittgenstein. Entretanto, como perceberemos mais adiante, a forma como Nietzsche utiliza o aforismo em sua obra é toto genere diferente da maneira como foi usada por todos os pensadores antes dele. Isso porqueh o aforismo em Nietzsche surge com um objetivo muito específico que se confunde com o próprio desenvolvimento da filosofia de Nietzsche. O pensa pensame mento nto de Nietzs Nietzsche che é geral geralmen mente te dividi dividido do pelos pelos coment comentado adores res de sua filosofia como tendo três fases. A primeira começa com o jovem Nietzsche que escreve O nascimento da tragédia (1872) e que escreve as quatro Considerações extemporâneas
(1873-1876). A segunda fase inicia-se com o Humano, demasiado Humano – Um livro para espíritos livres e o Peregrino e sua sombra, segunda parte de Humano, demasiado humano (1876-1880). São dessa segunda fase também livros como Aurora (1880-1881) e A gaia ciência (1882). A terceira e última fase começa com o Assim falou Zaratustra
(1883-1884). Depois dela Nietzsche escreve Além do bem e do mal (1886) , , Genealogia da moral (1887) e em 1888 escreve O caso Wagner, Crepúsculo dos ídolos, O Anticristo e Ecce homo2. 1
Segundo o Dicionário de Filosofia de José Ferrater Mora: “Os aforismos filosóficos abordam quase sempre temas de caráter moral - como os aforismos dos moralistas franceses e espanhóis dos séculos XVI e XVII (...) Sua característica comum é a de apresentar pensamentos filosóficos numa forma breve, concentrada e “fechada”, de modo que cada pensamento possua relativa autonomia e, para usar uma terminologia de cunho leibniziano, possa ser considerado uma “expressão monadológica”. In. MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia: tomo I São Paulo: Edições Loyola, 2004, p. 57. 2
Sobre as fases do pensamento de Nietzsche conferir: MARTON, Scarlett. Nietzsche. Das forças cósmicas aos valores humanos. São Paulo: Brasiliense, 1990.
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Contra a opinião comum de que as obras de Nietzsche são essencialmente aforísticas e de que este estilo literário é por excelência o de Nietzsche, observamos que o aforismo não aparece nas obras da primeira fase deste filósofo, mas somente no período intermediário. E que nas obras da maturidade (caracterizada por comentadores como sua terceira fase) o aforismo surge de forma mais secundária e quase desaparece. O que queremos mostrar com este texto é que a utilização do aforismo em Nietzsche é fruto de uma mudança provocada pela própria mudança da filosofia de Nietzsche entre a primeira, segunda e terceira fases; e que portanto, o aforismo tem um caráter peculiar na linguagem nietzscheana. Neste sentido analisaremos mais detalhadamente fragmentos de Humano, demasiado humano para percebemos a mudança de “tom” e de “perspectiva” que marcam
a virada (ou as viradas) do pensamento de Nietzsche. Nietzsche desde seus escritos de juventude já nutre uma certa desconfiança com relação à linguagem desvendar a verdadeira realidade das coisas. As palavras são introduzidas de forma arbitrárias e pelo uso costumeiro acabam por serem designativas da essência daquilo ao qual se referem. Em seu livro Sobre verdade e mentira no sentido extramoral Nietzsche diz: Ponderemos ainda, em especial, sobre a formação dos conceitos: toda palavra torna-se de imediato um conceito à medida que não deve servir, a título de recordação, para a vivência primordial completamente singular e individualizada à qual deve seu surgimento, senão que, ao mesmo tempo, deve coadunar-se a inumeráveis casos, mais ou menos semelhantes, isto é, nunca iguais quando tomados à risca, casos nitidamente desiguais, portanto. Todo conceito surge pela igualação do não-igual. (...) O que é, pois, a verdade? Um exército móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram realçadas poética e retoricamente, transpostas e adornadas, e que, após uma longa utilização, parecem a um povo consolidadas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões das quais se esqueceu que elas assim o são, metáforas que se tornaram desgastadas e sem força sensível, moedas que perderam seu troquel e agora são levadas em conta apenas como metal, e não mais como moedas 3.
Esta crítica de Nietzsche à linguagem se tornará mais acentuada na fase intermediária de seu pensamento, quando ele criticará as concepções metafísicas e a moral dela proveniente, que herdamos da tradição socrático-platônica e judaico-cristã. Nietzsche procura superar as deficiências dessa linguagem tradicional dos metafísicos e moralistas
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NIETZSCHE, Friedrich. Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral . Trad. Fernando de Moraes Barros. São Paulo: Hedra, 2007, pp. 35-37.
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utilizando uma nova forma de apresentar seus pensamentos. Este nova forma estilística será o aforismo. De acordo com André Luis M. Itaparica: (...) Nietzsche sempre estabeleceu uma ligação estreita entre linguagem e moral, já que esta, concebida como artifício de mascaramento, tem um papel fundamental na postulação de valores que, longe de expressarem uma norma universal e eterna, oculta as motivações particulares de um determinado grupo no decorrer da história 4.
Em Humano, demasiado humano , Nietzsche critica a linguagem obscura e apoiada em preconceitos dos metafísicos de sua época. O diagnóstico é este: a discussões em torno da moral se apóia em valores tidos como absolutos (e, portanto, metafísicos), recebidos através da tradição e causados pela falta de sentido histórico dos filósofos: Defeito hereditário dos filósofos . – Todos os filósofos têm em si o defeito comum de
partirem do homem do presente e acreditarem chegar ao alvo por uma análise dele. Sem querer, paira diante deles “o homem”, como uma aeterna veritas, como algo que permanece igual em todo o torvelinho, como medida segura das coisas. Tudo o que o filósofo enuncia sobre o homem, entretanto, nada mais é, no fundo, do que um testemunho sobre o homem de um espaço de tempo muito limitado. Falta de sentido histórico é o defeito hereditário de todos os filósofos 5.
Um desses preconceitos dos filósofos metafísicos e moralistas é, segundo Nietzsche, a tendência a pensarem as coisas de forma dicotômicas. Ou seja, em termos de bem/mal, bom/ruim, justo/injusto e lógico/ilógico. Estes filósofos não desconfiam da possibilidade de que coisas consideradas boas, justas e lógicas de hoje tenham se originado justamente de seus opostos no passado: Hábito das oposições. – A observação inexata comum vê na natureza, por toda a parte,
oposições (como por exemplo “quente e frio”) onde não há oposições, mas apenas diferenças de grau. Esse mau hábito nos induz também a querer entender e decompor a natureza interior, o mundo ético-espiritual, segundo tais oposições. É indizível o quanto de dor, pretensão, dureza, estranhamento, frieza, penetrou assim no sentimento humano, por se pensar ver oposições em lugar das transições 6.
Este gosto por oposições não permite uma crítica dos pressupostos morais vigentes. Mas são justamente estes pressupostos que Nietzsche não aceitará e, portanto, ele estabelecerá 4
ITAPARICA, André L. Mota. Nietzsche: Estilo e Moral . São Paulo: editora UNIJUÍ e Discurso Editorial, 2002, p. 18. 5
NIETZSCHE, Friedrich. Obras incompletas. Tradução: Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p 71. (Col. Os Pensadores). 6
Ibidem, p. 128.
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uma investigação que dê conta das origens de nossos conceitos morais, sem recorrer à linguagem dos moralistas contemporâneos, já comprometidos com oposições como “certo” e “errado” ou “egoísmo” e “altruísmo”. Este novo tipo de moralista, ou melhor, de crítico da moral é aquilo que Nietzsche chama de espírito livre. E sua linguagem será a do aforismo.
Com este estilo de expor seu pensamento, o espírito livre, tentará causar uma “ruptura” no pensamento linear de seus contemporâneos, tão afeitos a pensar de forma dedutiva a partir de princípios racionais (portanto, universais e necessários) aceitos como inquestionáveis. É aqui
onde Nietzsche argumenta que não existem tais princípios, mostrando o aspecto histórico, condicionado, destes princípios que são também consideradas de forma metafísica. Podemos entender o livro Humano, demasiado humano como um projeto de leitura crítica que procura descrever o desenvolvimento histórico da civilização ocidental, na qual foram forjadas concepções morais, religiosas e metafísicas que graças às forças instintivas dos homens ou por razões políticas se estabeleceram como as vigentes. E também uma descrição de como estas mesmas concepções morais, religiosas e metafísicas acabaram entrando em crise e não mais sendo suficientes para responder aos novos questionamentos e necessidades do homem moderno. Não vamos analisar os vários conteúdos desta obra, mas observar o papel que desempenha o estilo aforístico dentro deste livro. Para Nietzsche, desconstruir a linguagem tradicional da filosofia moral só seria possível se fosse utilizado outra linguagem. Isto é evidente se observamos que para Nietzsche conteúdo e forma de uma obra filosófica não se separam. Dessa forma, o aforismo com seu modo breve de exposição, é utilizado por Nietzsche como a expressão de nova postura do pensamento e de uma nova concepção sobre o que é a própria vida e de tudo o que a implica. Não devemos cometer o erro de ver o aforismo em Nietzsche de forma fragmentária. Ele é um processo de pensamento, que o leitor é convidado a refazer ou é incentivado a produzir por si mesmo, que está associado dentro das obras de Nietzsche que são consideradas aforísticas, com um objetivo específico de crítica nietzschiana a linguagem moral e metafísica tradicional que culminará com o projeto genealógico de Nietzsche que marca o seu pensamento maduro.
Uma dos alvos das críticas de Nietzsche, como já foi dito, é a tradição moral socrático platônica. Imaginemos um encontro hipotético entre Nietzsche e Sócrates 7, para 7
Lembremos a forma de argumentação socrática nos diálogos de Platão. Neles, Sócrates ao discutir sobre o que é a justiça (como na República) ou sobre o que é o amor (como no Banquete), recorria quase sempre a levar seus interlocutores a noções que eram aceitas por quase todos. De modo que, era este núcleo comum de reconhecimento que era a ponte de sua dialética para produzir em seus interlocutores a idéia a qual lhes queria que dessem a luz. Os interlocutores de Sócrates poderiam não concordar sobre o que era a justiça, mas todos pareciam concordar que este termo era algo positivo ou contrário a algo como a injustiça. Ou mesmo, que
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exemplificarmos o que separa a linguagem do aforismo de Nietzsche da tradição de sua época:
Nietzsche: – Sócrates, você quer me convencer utilizando pressupostos herdados de sua tradição moral, que foram forjados historicamente e possuem uma genealogia específica. Mas você quer que eu os aceite como algo universal, atemporais e
necessários. Sócrates: – Então Nietzsche, dizei-me vossa opinião sobre que valores morais você considera superiores se não aceitas os meus? Nietzsche: – Bem, para isso minha linguagem não poderá se basear em seus pressupostos. Já que minha munição é diferente da sua, terei que usar uma arma diferente. Esta arma diferente de Nietzsche será justamente o aforismo. É com ela que Nietzsche procura reverter a perspectiva da moral de sua época, apontado para outros ângulos a partir dos quais se pode olhar e avaliar a situação do homem moderno. Dessa forma, entendemos o motivo (ou um dos motivos) da introdução do estilo aforístico de Nietzsche na segunda fase de seu pensamento, levando em conta que em suas obras de juventude o aforismo não aparece. Este uso do aforismo coincide com esta crítica de Nietzsche à moral e à metafísica tradicional. Compreendemos o desaparecimento gradativo do estilo aforístico na última fase de seu pensamento se entendermos também o aforismo como apenas uma preparação para a filosofia do futuro, onde haverá não só a crítica aos valores morais vigentes, mas uma transvaloração de todos os valores; e onde, o “espírito livre” dará lugar ao “além-do-homem”
(Übermensch).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
realmente existisse algo que poderia se chamar de justo e injusto em si mesmo.
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ITAPARICA, André L. Mota. Nietzsche: Estilo e Moral . São Paulo: editora UNIJUÍ e Discurso Editorial, 2002. MARTON, Scarlett. Nietzsche. Das forças cósmicas aos valores humanos. São Paulo: Brasiliense, 1990. MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia (tomo I ) . São Paulo: Edições Loyola, 2004. NIETZSCHE, Friedrich. Obras incompletas . Tradução: Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Nova Cultural, 1999. ___________________. Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral . Trad. Fernando de Moraes Barros. São Paulo: Hedra, 2007.
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