UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM IMAGEM E SOM DISCIPLINA: Tópicos de Cinema na América Latina DOCENTES: Alessandro Gamo e Arthur Autran DISCENTE: Laís Lima
O CINEMA BRASILEIRO E AS TENTATIVAS DE UMA INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA.
Artigo entregue como crédito final para a disciplina Tópicos de Cinema na América Latina, ministrada pelos professores Alessandro Gamo e Arthur Autran.
São Carlos - SP Julho de 2015
RESUMO
O presente trabalho busca refletir a cerca das tentativas de construção e implantação de um modelo cinematográfico industrial nacional, tal qual o exemplo da hegemônica indústria hollywoodiana. Tendo como exemplos as três principais empresas criadas entre as décadas de 30 e 50: Cinédia, Atlântida e Vera Cruz. PALAVRA-CHAVE
Cinema nacional – Industria Cinematográfica – Cinédia – Atlântida - Vera Cruz.
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INTRODUÇÃO
Este trabalho busca entender os processos de erros e acertos acerca das tentativas de implantação dos sistemas industriais cinematográfico em território nacional. Tomando como base o período que se estende entre as décadas de 30 até o final dos anos 50. Buscaremos reflexões que envolve o processo de criação e instalação dessas empresas, bem como sua atuação no mercado cinematográfico. Durante as décadas de 30 e 50, houve no país um grande burburinho em torno da produção de filmes genuinamente brasileiros. Uma demanda crescente que se tornou fundamental após o surgimento do advento do cinema sonoro. Embora o modelo de cinema industrial não tenha tido êxito e durabilidade no Brasil, assim como teve em outros países da América Latina, a exemplo da Argentina e México, é possível notar o grande investimento e empenho das empresas aqui criadas, para uma produção de qualidade. Todo esforço empregado destas empresas, visava a equiparação com e hegemônica indústria cinematográfica de Hollywood, com seus estúdio gigantes e sistemas de amparo deste modelo cinematográfico comercial. É importante olhar para trás e lembrar historicamente, um pouco das tentativas de criação de uma indústria cinematográfica no país. Para isso é necessário observar as três principais tentativas de concepção de uma indústria cinematográfica brasileira: Cinédia, Atlântida e Vera Cruz. Essas empresas assumiram o risco em nome de um sistema de produção de “cinema de estúdio” 1, segundo afirma o pesquisador João Luiz Vieira: Na historiografia clássica do cinema brasileiro, quando nos referimos a “cinema de estúdio”, apensar de várias experiências país afora, em geral são três os nomes que, imediatamente, vêm à tona: a Cinédia – exemplo inaugural que se costuma considerar como o modelo de um desejo de estúdio de verdade, especialmente ao longo dos anos 30 e início dos anos 40 – seguida da Atlântida, na segunda metade dos anos 40 e ao longo dos anos 50 e, finalmente, da Vera Cruz, no final da década de 40 e até a primeira metade dos anos 50. (VIEIRA, 2010: 44)
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VIEIRA, João Luiz. Cadernos de Pesquisa do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro – Número Especial – Rio de Janeiro, 2010. " LIMA, Pedro. Cinema brasileiro. Cinearte Rio de Janeiro, v. IV, n 194 , 13 nov. 129. (A). ,
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Por ser uma arte cara, financeiramente falando, o cinema sempre teve um custo muito elevado, principalmente quando se refere ao modelo industrial instalado nos Estados Unidos, em Hollywood, e copiado por diversos países, inclusive no Brasil. O alto custo vinha desde a construção e manutenção dos grandes estúdios que abrigavam e davam vida aos filmes, até às películas e câmeras para gravação dos filmes, o processo de revelação dos negativos das películas, aparelhos de gravação de som, equipamentos de iluminação, manutenção de equipe técnica, elenco fixo, até o processo de reprodução e distribuição das produções. No intuito de estabelecer uma indústria de filmes com o padrão do cinema hollywoodiano, as empresas acima citadas foram fundadas afim de suprir uma carência da produção nacional de filmes, e também para reproduzir o que ditava as realizações hollywoodianas, em termos de aspectos técnicos e estéticos das suas produções. Essa preocupação e zelo pelo emprego acertado das técnicas cinematográficas de captação é algo de fundamental importância para Adhemar Gonzaga, fundador da Cinédia, que antes de criar a empresa, fundou em 1926, a revista Cinearte, da qual era crítico. Para ele, a ideia de tomadas executadas de maneira errônea, dos filmes brasileiros, realizados de forma independente, citando aqui os planos executados em locação externa, que por essa razão acabavam tendo descontinuidade fotográfica, segundo a sua acepção do fazer cinematográfico, isso era um desperdício, já que as falhas se tornavam evidentes e prejudicavam os filmes. Vale a pena lembrar que a indústria cinematográfica só se torna uma verdade na América Latina após o advento sonoro, nos anos 30. Isso quer dizer, que a produção sistemática de filmes em termos regionais, tomando como base países da América central e do sul, como México, Argentina e Brasil, só teve inicio mediante ao fato do cinema se tornar falado. Antes da década de 30, os filmes consumidos nesses países eram em sua totalidade americanos, salvo algumas produções europeias. Como os filmes exibidos aqui eram mudos, e por assim dizer, de fácil exibição, pois não haviam diálogos e suas narrativas eram construídas para guiar o olhar do espectador. Quando o cinema incorpora a fala, dentro da sua estrutura narrativa, o filme mudo perde lugar e uma necessidade de filmes falado na língua nativa nasce a partir daí. Por conta do advento do cinema sonoro, a barreira linguística se impôs entre os filmes americanos e o grande publico brasileiro, que sem sua maioria não era $
alfabetizado e não tinha noção da língua inglesa. Os diálogos que a partir do som sincronizado foram inseridos nos filmes para não mais sair deles, se configuram como uma enorme barreira entre filme e público. De encontro a este fato, nascem correntes em defesa da língua portuguesa e consequentemente um movimento proteção da cultura nacional. Um dos defensores do cinema nacional em prol ao cinema americano falado, foi o crítico de cinema Pedro Lima, parceiro de Adhemar Gonzaga na cinearte. Pedro Lima acreditava na força do cinema nacional, como instrumento de fortalecimento de uma cultura nacional, onde o povo, espectador, resistiria aos “talkies” 2, construindo assim uma força propulsora do cinema nacional. É possível notar a crença do crítico Pedro Lima, no trecho extraído de sua coluna da revista cinearte: O cinema falado em língua estrangeira não precisa de leis, nem de nenhuma barreira entre nós. Ele cairá por sí. Repelido pelo público. [...]. Só há uma salvação para Cinema. É o filme nacional. Falado, mas em língua nacional. A não ser assim é bobagem. [...]. Já foi o tempo em que o exibidor era uma barreira. Hoje eles precisam dos nossos filmes. Porque eles serão a maior fonte de renda. Nós precisamos é produzir mais. (LIMA, 129B)
É esse tipo de pensamento em torno do cinema nacional que incentiva aos investidores e amantes da arte do cinema à investir na instalação de uma indústria cinematográfica nacional. Fazendo nascer assim empresas que vão se propor a fomentar e estimular o cinema nacional, baseado no modelo
cinematográfico
industrial, tendo como modelo de base, o sistema da indústria cinematográfica hollywoodiana. Durante as tentativas de implantação de empresas que propunham um modelo de cinema industrial no Brasil, em meados do século XX, três empresas ganham destaque nacional e é a partir delas que esse trabalho tentará analisar os pontos altos e baixos destes empreendimentos. CINÉDIA
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LIMA, Pedro. Cinema brasileiro. Cinearte Rio de Janeiro, v. IV, n 194 , 13 nov. 129. (A). ,
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Antes de falar um pouco sobre a empresa Cinédia, a primeira, com o pioneirismo do modelo industrial cinematográfico, se faz necessário falar um pouco sobre seu fundador, Adhemar Gonzaga. O Jovem Adhemar Gonzaga, era filho de pais rico, por tanto portador de uma herança abastada. Antes de entrar de fato no mercado cinematográfico brasileiro, foi crítico e cronista dos impressos Palcos e Telas, Paratodos e em 1926 fundou a Cinearte. Foi
com dinheiro da herança dos país, ao qual lhe foi adiantado que
Adhemar investiu para contribuir com a edificação do cinema nacional, construindo em 1930 a empresa Cinédia. O empreendimento de Adhemar Gonzaga “logo se tornou a principal empresa brasileira” 3. Sobre a dimensão deste empreendimento, o pesquisador Arthur Autran afirma: “Adhemar Gonzaga comprou em 1929, lastreado em parte da herança que receberia do pai, um terreno no bairro de São Cristóvão e logo começou a construção do estúdio; o qual era dotado já em meados de 1930 de “palcos [de filmagem], dez camarins, escritórios e departamento técnico” (GONZAGA, 1987: 9-10). Gonzaga também se preocupou em equipar a Cinédia e além das modernas câmeras Micthell, a companhia contava com “... refletores, copiadores e reveladoras automáticas (RAMOS; HEFFNER, 2012: 167-168)” (AUTRAN, 2011)
Este forte investimento, visava o empenho de garantir às produções, o melhor suporte técnico que a Cinédia poderia oferecer naquela época. Este movimento de se tornar um polo industrial cinematográfico, é uma tentativa de se igualar aos estúdios e equipamentos de ponta usados em Hollywood. Mas mesmo com toda energia empregada para criação da Cinédia e consequentemente as suas produções, não foi o bastante para movimentar o mercado do cinema no Brasil. Mesmo com um empreendimento de iniciativa privada, a produção dos filmes realizados pela Cinédia era fraca, em termos quantitativos muito baixo e o mercado interno totalmente dominado pelo produto hollywoodiano. Embora tendo uma forte concorrência com os filmes americanos, a Cinédia tinha também, inspirada no modelo hollywoodiano, um sistema de amparo e divulgação das suas produções, que era a revista Cinearte, que era inteiramente voltada para a arte do cinema. João Luiz Vieira exemplifica o processo de funcionamento da revista: 3
AUTRAN, Arthur. Argentina Sono Film e cinédia: uma comparação. Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, 2011.
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“Ainda dentro de uma concepção e desejo de implantação e desenvolvimento de uma indústria de cinema no Brasil, também seguindo o modelo bem consolidado do cinema norte-americano, a construção de um mercado consumidor no país foi alavancado pelo que Christian Metz chamou de “terceira indústria”, ou seja, a mídia impressa, muito bem assentada por publicações especiais, com destaque absoluto para a revista Cinearte, editada initerruptamente durante duas décadas a partir de 1926. Considerada derivativa de similar norte-americana Photoplay, tanto em seu aspecto gráfico quanto editorial, seu primeiro número se autoproclamava ‘um mediador natural entre o mercado brasileiro e o produtor norteamericano’, exaltando e promovendo a universalidade do modelo de produção de Hollywood, apoiado em duas estruturas fortes e dominantes naquele cinema: o estrelismo ( star system ) e o cinema de estúdio.” (VIEIRA, 2010: 44)
O cinema produzido pela Cinédia tinha como objetivo, representar um aspecto nacional “agradável aos olhos”. Isso já era clamado pelo seu fundador Adhemar Gonzaga na revista Cinearte e foi posto em prática nas produções de sua empresa. E fica evidente nos filmes pelas escolhas de belas locações, planos pensados plasticamente, figurino e escolha de elenco. “ Um cinema de estúdio do tipo norteamericano, com interiores bem decorados e habitados por gente agradável.”
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É importante ressaltar também, que como já citado acima, que o movimento em defesa do cinema nacional encabeçado por Pedro Lima e Adhemar Gonzaga, protegia também a questão da mão de obra. Técnicos estrangeiros não eram bem vindos na indústria do cinema nacional. O cinema nacional era realizado por brasileiros, pois como defendia Luiz de Barros em seu artigo intitulado “O valor dos nossos técnicos”, os técnicos estrangeiros não teriam capacidade de entender e trabalhar com alguns aspectos pontuais do país que se diferenciavam de outros países, a exemplo da questão da luz. A fora as questões de âmbito de trabalho e ideológicas a Cinédia teve um número significante de produções. Sua primeira produção foi Lábios sem Beijos (1930), dirigida por Humberto Mauro, filme ainda mudo. O segundo filme foi Mulher (1931) dirigido por Octavio Gabus Mendes, filme sonoro. O terceiro filme da Cinédia foi Ganga Bruta (1933), dirigido por Humberto Mauro, hoje considerado um dos clássicos do cinema brasileiro mas foi uma na época de seu lançamento foi um grande fracasso de público e de crítica. $
João Luiz. Industrialização e cinema de estúdio no Brasil: A “Fabrica” Atlântida. In: Cadernos de registro do centro de pesquisadores do cinema brasileiro – Número Especial – Rio de Janeiro, 2010.
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Diante do fracasso que estava sendo o seu grande empreendimento, Adhemar Gonzaga em 1934 se associa ao norte-americano Wallace Downey, a consequência dessa associação é uma mudança significativa em diversos âmbitos da Cinédia. A começar pelos filmes produzidos, que mudaram de abordagem, e tinham temáticas carnavalescas. A produção era de baixo custo, mas o sucesso alcançado pelos filmes garantiu a Cinédia capital para produção de outros filmes que partiam do mesmo principio carnavalescos e também até, à um ou outro filme com temática diferente. Com a entrada de Downey na sociedade com a Cinédia, mudou também a estrutura mercadológica da empresa, possibilitando a diminuição dos custos da empresa e a divisão dos gastos e lucros para a continuidade do empreendimento. Sobre essa nova abordagem de negociação Arthur Autran afirma: “O seja, nesse novo modelo, em geral, a Cinédia entrava com o estúdio, os equipamentos e os técnicos contratados de maneira fixa pela produtora; enquanto o sócio pagava pela película virgem, os contratos com artistas, direitos autorais das músicas, etc.” (AUTRAN, 2011)
Claro que esse modelo de sociedade e financiamento não foi uma medida fixa, ele variava de produção para produção. E é a partir da sociedade com Wallace Downey que a Cinédia encontra o fluxo de produção industrial cinematográfica. Produzindo filmes que caem no gosto popular e com isso tendo retorno financeiro, que possibilita o financiamento de novas produções. ATLÂNTIDA
No início da década de 40, em mais um impulso afim de instalar no Brasil uma empresa cinematográfica genuinamente nacional, exatamente no dia 13 de outubro de 1941, em assembleia, foi criada a Atlântida Empresa Cinematográfica do Brasil S.A., empreendimento idealizado pelos senhores Moacyr Fenelon, Alinor Azevedo, José Carlos, Paulo Burle, Nelson Schultz e Arnaldo Faria. A proposta de funcionamento da Atlântida se diferenciava a proposta da Cinédia, nos seus primeiros anos. Em uma primeira observação, é possível notar o não investimento na construção de estúdio para abrigar a sede da empresa. A economia da companhia era baseada em produções de baixo custo e retorno significativo. Dado à
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esses fatos é possível entender um pouco da lógica da empresa segundo às curiosidades citadas por João Luiz Vieira: “Nesses primeiros anos, a ideia de um cinema de estúdio significava, na Atlântida, espaços mais ou menos improvisados localizados num barracão situado à rua Visconde do Rio Branco, centro do Rio. A direção da empresa, entretanto, localizava-se na sede do Jornal do Brasil, cujo endereço (Avenida Rio Branco, 51), dono e acionista, o Conde Pereira Carneiro, imprimiam credibilidade ao projeto” (VIEIRA, 2010: 47)
A Atlântida diferentemente da Cinédia, tinha como objetivo a produção no setor audiovisual de forma expandida. Com finalidade de se inserir no mercado de uma forma abrangente, se colocando no cenário comercial do cinema nacional, de tal maneira, para além da produção de filmes que buscavam alcançar, de certa forma, o modelo clássico do cinema norte-americano. A Atlântida tinha como propósito “a produção de filmes cinematográficos - documentários, artísticos-culturais, de longa e pequena metragem, desenhos animados, dublagens de produções estrangeiras e atividades afins.” 5 Em sua história, a Atlântida tem duas diretorias, que se distinguem pela abordagem implantada na empresa. No primeiro período, que vai de 1941 a 1947, os filmes produzidos na Atlântida tinham um viés crítico-social, a exemplo de Moleque Tião (1943), dirigido por
Paulo Burle. Em outras produções há uma preocupação com
a consciência social promovida pelo cinema, em filmes que demandam pretensões artísticas ambiciosas 6. Porém foi experimentado também, pelo mesmo grupo diretor, outros modelos de produção cinematográfica, como as Chanchadas originalizadas na Cinédia. Durante o exercício da segunda diretoria da Atlântida, com a entrada de Severiano Ribeiro, como principal acionista, a empresa tende a mudar seu posicionamento em relação ao mercado. Severiano Ribeiro era um homem de negócios, capitalista, e para ele o lucro era o seu principal objetivo. O ingresso de Severiano na Atlântida não acontece por acaso, e concomitantemente a isso ele tem o
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João Luiz. Industrialização e cinema de estúdio n o Brasil: A “Fabrica” Atlântida. In: Cadernos de registro do centro de pesquisadores do cinema brasileiro – Número Especial – Rio de Janeiro, 2010. & João Luiz. Industrialização e cinema de estúdio no Brasil: A “Fabrica” Atlântida. In: Cadernos de registro do centro de pesquisadores do cinema brasileiro – Número Especial – Rio de Janeiro, 2011.
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apoio do estado para garantir a exibição dos filmes produzidos pela empresa, conforme pontua João Luiza Vieira: “A estratégica entrada de Severiano Ribeiro como sócio majoritário da Atlântida não acontece por acaso e responde, diretamente, a seus interesses como, primordialmente, exibidor (e não produtor) de poder que era. Seus objetivos maiores, associados aos possíveis lucros a serem gerados pela produção de filmes, vinham ao encontro de uma situação que lhe era favorável, permitida pela obrigatoriedade de reserva de mercado para filmes brasileiros, o célebre decreto nº 20.493 de 24 de janeiro de 1946. Tal dispositivo determinava que os cinemas teriam que exibir, anualmente, pelo menos três filmes nacionais.” (VIEIRA, 2010: 48)
A experiência da Atlântida em termos de uma atividade industrial, forneceu conhecimento prático em relação às tentativas de implantação de uma empresa cinematográfica com dimensões industriais no cenário mercadológico nacional. Tendo de certa forma encontrado uma “formula para o sucesso”, embora a mesma não tenha sido satisfatória para seus dirigentes. As Chanchadas produzidas na Atlântida são conhecidas até hoje, e essa foi a grande marca da empresa, que serviu de entretenimento para o público até o encerramento da companhia em 1962. VERA CRUZ
No fim da década de 40, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, empreendimento paulista, foi criada em 1949. Sediada em São Bernardo do Campo, empresa criada pelo industrial e produtor Franco Zampari e o industrial Francisco Matarazzo Sobrinho. A fundação da Vera Cruz se dá em um momento de efervescência da cultura do país. Tendo como sede desta expansão a cidade de São Paulo, durante o pós-guerra. Onde as famílias dos fundadores da Vera Cruz eram detentoras de grandes fortunas e também atuavam em prol a instalação de diversos meios e mecanismo culturais no país. A exemplo do Museu de Arte de São Paulo (MASP), criado por Assis Chateubriand e Titilo Matarazzo em 1947, e o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), criado por Franco Zampari em 1948. Com o cenário do cinema nacional desacreditado pela alta sociedade paulista, e a vontade de criar um modelo cinematográfico reconhecido internacionalmente, nasce a Vera Cruz. Este empreendimento, segundo acreditavam seus criadores, pessoas
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próximas à eles, como também técnicos e personalidades importantes do cinema nacional, tinha tudo para ser o marco definitivo do cinema industrial no país. Havia muito dinheiro disponível, suporte técnico de ponta, atores e diretores, muito deles oriundos do TBC, empenhados para a solidificação da Vera Cruz. Muito embora a boa vontade e disposição dos diretores aa Vera Cruz, empenhados em criar uma empresa que de ponta, não era de conhecimento de nenhum deles o modo de funcionamento de mercado cinematográfico. Esse despreparo se torna evidente pela abstinência da Vera Cruz no processo de distribuição dos filmes, depois de pronta as produções eram passadas para as empresas norte-americana Universal e Columbia. Sobre a questão da economia audiovisual buscada pela Vera Cruz, Arthur Autran afirma: “Não se atentou para o dado central da economia cinematográfica norteamericana no período do studio system: a verticalização, ou seja, uma mesma empresa controlava produção, distribuição e exibição dos filmes nos Estados Unidos e os exportava através de suas agências espalhadas pelo mundo. Já a Vera Cruz, desde os seus primórdios, entregou a distribuição de seus filmes inicialmente à Universal e depois à Columbia. Além do modelo de produção, não se tinha na devida conta as dificuldades no estabelecimento a relação entre custos, qualidade do produto e potencialidades concretas no mercado.” (AUTRAN, 2011: 47)
A pesar do notado despreparo dos fundadores em relação ao tipo de comercio criado. A Vera Cruz foi uma empresa de sucessos significantes no meio cinematográfico. A aposta pela qualidade começou desde a aquisição de equipamentos de ponta, criação de sede à contratação de renomadas pessoas da esfera cinematográfica, a exemplo de Alberto Cavalcante, que vem da Europa para trabalhar na empresa. Os filmes produzidos pela conquistam o seu lugar no cenário do cinema nacional e alguns títulos conseguem reconhecimento internacional, os filmes O Cagaceiro dirigido
por Lima Barreto e Sinhá Moça co-dirigido por Tom Payne e
Osvaldo Sampaio, participaram de importantes festivais de cinema internacional. A Vera Cruz entre desde sua fundação em 1949 até o encerramento das suas atividades em 1954, teve altos e baixos. Desde produções muito caras que não tinham o retorno financeiro, até desentendimentos dos empregados da companhia. Tudo isso contribuiu para o declínio da empresa que nasceu a partir do sonho da edificação do cinema nacional. A situação da empresa foi de total degradação até a renúncia da
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diretoria e entrega do empreendimento para o principal acionista na época, o Banco do Estado de São Paulo. Franco Zampari perdeu todo o seu dinheiro e imóveis, nas tentativas de manter a Vera Cruz. CONCLUSÃO
Antes de tentar finalizar qualquer tipo de pensamento, a respeito da falta de sucesso nas tentativas de implantação de um sistema industrial cinematográfico, inspirado no modelo de Hollywood, é possível perceber a vontade do cinema brasileiro de encontrar o seu lugar, criar raízes, crescer e dar frutos. Independente de cada empreendimento criado. Na Argentina, o modelo cinematográfico industrial deu certo, a exemplo da empresa Argentina Sono Film, fundada em 1933 por D. Angel Mentasti. Olhando para o mercado cinematográfico do país vizinho, notamos algumas metodologias adotadas por Mentasti, afim de se salvaguardar financeiramente. Somente após três anos depois da fundação da Argentina Sono Film é que se dá a construção dos estudos da companhia, diferentemente dos exemplos aqui citados. Outra questão que distingue as abordagens adotas pelas industrias nacionais e argentina, no segundo caso é a aceitação de filmes produzidos que tiveram a aceitação popular, tendo o tango como um personagem nas produções. No Brasil, a busca por um cinema rebuscado e que fosse ao mesmo tempo autentico, atrapalha e êxito da indústria cinematográfica no país. Isso se nota nas histórias das três empresas citadas neste artigo: Cinédia, Atlântida e Vera Cruz. As três empresas em busca da formula do sucesso caem em um lugar comum. Lugar este que se baseava nas produções de baixo custo, uso da música como principal motivador das narrativas, que caiam no gosto do popular, a exemplo das Chanchadas, criada na Cinédia, explorada pela Atlântida e modelo também copiado na Vera Cruz. A cede, angústia e despreparo para criação e implantação de uma indústria cinematográfica, baseada no modelo hollywoodiano, foram os fatores atenuantes ascensão e queda destas empresas. Além, claro, da apatia do estado em relação a criação de medidas protecionistas eficazes em defesa do cinema nacional.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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