Natureza Humana vs. Formas de Governo Ao longo da História das ideias políticas muitos foram os autores que dissertaram acerca da natureza e essência humana. Contudo, quatro deles concentraram concentrara mse neste aspecto da teoria política de maneira mais aprofundada. Dois deles tendendo para um ponto de vista mais absolutista e dois deles para uma perspectiva claramente mais liberal. Contudo, os quatro autores baseiam as suas teorias acerca da natureza do ser humano antes de lhe ser imposto factores sociais. Isto é, os quatro autores, absolutistas e liberais, analisam a essência humana antes de estes fazerem parte de um Estado Político; ou seja, antes da existência de um contrato social.
John Locke (1632-1704) John Locke é conhecido como o Pai do Liberalismo. É de igual modo o principal representante do empirismo britânico e um dos mais importantes contratualistas. Na sua obra ³Segundo Tratado sobre o Governo´, John Locke disserta sobre a passagem do Estado de Natureza para a vida em sociedade, focando-se nas vantagens e desvantagens de cada um. A natureza humana é, em Locke, boa, racional, livre e igual com direito à vida e à propriedade. Segundo John Locke, no Estado de Natureza os homens são todos iguais, nenhum homem possui mais do que outro. No Estado de Natureza não há subordinação, há antes uma total liberdade. Locke acredita que o Estado Natureza ou Estado PréSocial é aquele no qual os homens coexistem segundo as regras da razão e sem a presença de uma autoridade que julgue as suas diferenças. O homem no Estado Natureza possui perfeita liberdade para ordenar os seus actos, de acordo com as leis da natureza, sem ter que pedir autorização para agir a qualquer outra pessoa ou entidade. Cada ser humano é livre de dispor do seu corpo, mas nenhum ser humano deve utilizar essa liberdade para abusar dos outros. De acordo com Locke a violência e a agressão têm um carácter insensato e irracional, quem pratica a violência são os homens que renunciaram à razão e abandonaram os princípios da natureza humana. John Locke afirma que no Estado de Natureza cada homem tem o direito de fazer prevalecer a lei da natureza: quem prejudica o próximo é um criminoso e todos os seres humanos têm o direito de o punir. 1
Surge desta maneira o Estado de Guerra, que só terá um fim quando o último transgressor for punido. Devido aos perigos gerados neste Estado de Guerra, os seres humanos decidem renunciar ao direito de executar a justiça com as próprias mãos, entregando-o a um corpo político criado por esse mesmo pacto. A Humanidade só deixa o Estado Natureza quando consente fazer parte de uma comunidade com o objectivo de proteger os seus direitos de propriedade. Locke determina um Estado Pré-Social marcado pela paz e pela cooperação sob o domínio da razão, onde falta a garantia do respeito pelos direitos naturais, que no Estado Político ou Sociedade Política existe, graças à autoridade de uma entidade superior. O Estado de Natureza em Locke é um Estado racional onde os homens, guiados pela razão, sem entidade superior comum na terra dispõem da autoridade para julgar entre eles. Mas este Estado não é perfeito, e a fim de suprimirem-se estas falhas e estes defeitos do Estado de Natureza, e também para se evitar o Estado de Guerra, os seres humanos acordam em estabelecer uma vida em sociedade, que tem como objectivo principal a protecção dos direitos e liberdades dos homens. John Locke acredita assim que a natureza humana é intrinsecamente boa e que o Estado Social, ou a Sociedade Política apenas vem proteger e garantir o respeito pelas liberdades e direitos do ser humano. O Estado Político é concebido como uma garantia das leis, dos deveres e principalmente dos direitos naturais de cada indivíduo, como por exemplo o direito à vida, à liberdade e à propriedade privada. Na teoria política de John Locke, a principal e praticamente exclusiva função do Estado é a de preservar as leis e direitos naturais do ser humano. Nesta medida, a principal tarefa da entidade estadual será a de garantir o direito à privacidade. Onde quer que surja um conflito, este deve ser resolvido em benefício da liberdade e da privacidade.
Jean Jacques Rousseau (1712-1778) Jean Jacques Rousseau é o segundo e último autor do grupo de contratualistas liberais. Rousseau foi a figura marcante do contratualismo e do Iluminismo francês. Na sua obra, ³Contrato Social´, Rousseau discorre acerca do contrato social que dá lugar à transição do Estado Selvagem para o Estado Político. Rousseau entende o Estado Natureza ou Estado Selvagem um pouco como Platão entende a Idade de Ouro. Rousseau acredita que o Estado Selvagem é uma 2
espécie de Idade de Ouro onde os homens eram originalmente iguais e livres, bons e felizes, com o coração em paz e o corpo com saúde. O Estado Natureza é, segundo Rousseau, um Estado Pré-Social e Pré-moral onde o Homem se assume como um agente livre e dotado de perfeição. O homem do Estado de Natureza é selvagem, guia-se pelas sensações e deseja apenas o que conhece. Assim sendo, Rousseau acredita que o Estado Selvagem é o único Estado no qual as pessoas são verdadeiramente felizes e livres; sendo que contrato social é indispensável e inevitável para o desenvolvimento. Para evitar as desigualdades, provenientes da propriedade privada é então concluído o contrato social. ³O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar. O que com ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui.´ 1
No entanto, Rousseau afirma que o contrato social vai dividir a sociedade em classes, criando adversidades. Jean Jacques Rousseau vê, fundamentalmente, o contrato social como um paradoxo.
Nicolau Maquiavel (1469-1527) Nicolau Maquiavel foi o fundador do pensamento e da ciência política moderna. Maquiavel encontra-se inserido no segundo grupo de autores, isto é, faz parte do grupo de autores que se concentrou na natureza humana de uma perspectiva mais absolutista. O pensamento de Nicolau Maquiavel assume um pessimismo antropológico. Maquiavel considera que todos os seres humanos são naturalmente seres egoístas e maus. Nicolau Maquiavel acredita que a Natureza Humana é essencialmente má e que os seres humanos querem conseguir todos ganhos com o menor dos esforços. Segundo Maquiavel, a moralidade humana nasce da necessidade, uma vez que o Homem não faz o bem a não ser quando é pressionado pela necessidade. Maquiavel é acima de tudo cínico no modo como encara a natureza humana. Nicolau Maquiavel afirmava ainda que todos os homens são movidos exclusivamente por interesses próprios e egoístas, pela ambição de poder e pela propriedade material. Segundo Maquiavel, a natureza humana é corruptível e por isso a razão humana é constantemente uma razão ³pragmática, utilitarista e calculista´. Por estas razões o Homem é capaz de ser corrompido sempre que os desejos se sobrepõem. 1
Jean Jacques Rousseau 3
Maquiavel acredita que para controlar estes ³selvagens´ não há outro remédio senão um governo e um príncipe que absorvam todos os direitos e liberdades dos homens, governando através do medo e do autoritarismo. Maquiavel defendia um Estado que encontrava um fim em si mesmo, afirmando que os soberanos poderiam utilizar todos os meios ± legítimos ou não ± para garantir a conquista, a aquisição e a manutenção do seu poder. Thomas
Hobbes
Thomas Hobbes é o quarto membro deste grupo de autores que se debruçaram sobre a natureza humana. Hobbes, assim como Maquiavel, mantém um pessimismo antropológico. Thomas Hobbes foi um filósofo e teórico político absolutista. Na sua mais importante obra, ³O Leviatã´, Hobbes disserta sobre a natureza humana e sobre a necessidade de um governo e sociedades. Thomas Hobbes acredita que faz parte da natureza humana agir deliberadamente, visando sempre a satisfação dos seus desejos e a ganância. Hobbes afirma que todos os homens se odeiam naturalmente uns aos outros e que o que os move, verdadeiramente, é o medo da morte, o desejo de conservação e a luta pela vida. O Estado Natureza é situação em que se encontram todos os seres humanos fora de uma comunidade ou sociedade política, é de igual modo o Estado em que os homens disputam e decidem tudo através do direito natural e absoluto. Segundo Hobbes, o Estado Selvagem é um estado caótico, é a lei da natureza (a lei do mais forte) no seu pior. Neste Estado o homem possui os chamados direitos naturais, que consistem na liberdade dos homens de se unirem para preservar as suas vidas, fazendo tudo o que a sua razão lhes ditar. Assim sendo, no Estado de Natureza o que predomina é o direito à sobrevivência. Hobbes acredita que faz parte da natureza humana agir sempre em função da satisfação dos seus desejos e da ganância. O homem deve garantir, acima de tudo e qualquer princípio a sua própria existência. A natureza humana é destrutiva e uma cooperação de interesses próprios. Thomas Hobbes afirma que o que move os homens é a vaidade, o amor-próprio, a inveja, o desejo de mandar e de ser reconhecido por todos como superior. Hobbes acredita que os seres humanos no Estado Natureza estão constantemente numa guerra de todos contra todos, sendo que este Estado de Natureza é o sinónimo de Estado de Guerra. 4
A elaboração do pensamento de Hobbes assenta na inversão do princípio aristotélico de que o ser humano é um animal político. A passagem ao Estado de Sociedade não é, então, nada mais que o produto de uma razão utilitarista. Thomas Hobbes acredita que o governo que surgir do contrato social deve absorver todos os direitos do ser humano, para controlá-lo, educá-lo, e num plano mais distante, torná-los a todos iguais. Iguais entre si, subordinados ao governo. A
Natureza Humana Como a Razão de Governo O Governo que resultar do contrato social varia, como pudemos ver, em
características e objectivos, de autor para autor. Estes dois grupos de autores acima referidos, acreditam em concepções e formas de governo opostas. Jean Jacques Rousseau e John Locke, os liberais, acreditam que a natureza humana é intrinsecamente boa. Têm uma concepção da natureza humana boa, livre, racional e sociável, e acreditam num governo que venha providenciar apenas segurança e garantir o respeito pelos direitos de propriedade de cada ser humano. Rousseau e John Locke afirmam que o homem nasce com capacidade de raciocinar, com direito à liberdade e com bondade no coração. Assim sendo, a única coisa que falta no Estado de Natureza é de facto a protecção e a garantia dos direitos e da propriedade dos cidadãos. Os dois liberais afirmam assim que ao governo cabe única e exclusivamente a tarefa de proteger os direitos e liberdades dos seus súbditos. Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes assumem uma opinião contrária à de John Locke e Rousseau. Os dois absolutistas acreditam que a natureza humana é egoísta, má e gananciosa, e que apenas se preocupa em conseguir o que deseja como menor dos esforços. Assim sendo os dois autores concebem que a única forma de governo adequada para estes humanos é um governo que domine o Estado Social. Hobbes e Maquiavel acreditam que o governo que emergir do contrato social deve absorver todos os direitos e liberdades humanas e reinar na base da opressão. Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes acreditam, de igual modo, que o contrato social deve absorver todos os direitos para haver igualdade, é imperativo haver um Estado (sujeito) acima de tudo e todos. As formas de governo surgem então a partir das reflexões acerca da natureza humana. Cada autor, de acordo com a sua opinião acerca da natureza humana, procura encontrar uma forma de governo ideal para governar a sociedade política, instaurada 5
pelo contrato social. Os autores que concebem a natureza humana como boa e racional admitem que é necessário um governo, contudo, esclarecem que este governo apenas deve ter a única e exclusiva tarefa de garantir e proteger os direitos do cidadão do Estado Social. Os autores liberais demonstram assim que, a natureza humana é efectivamente boa e que apenas necessita de um governo limitado que se cinja à protecção dos direitos e liberdades da comunidade. Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes, possuem uma visão pessimista da natureza humana e concluem que é imperativo que do contrato social surja um governo autoritário que controle e ³eduque´ a sociedade. Os dois autores absolutistas demonstram desta maneira que o ser humano não é de todo confiável e que necessita de um governo que lhe absorva os direitos e liberdades e que o guie para um caminho melhor.
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