Introdução ao Direito Professor Fernando José de Pinto Bronze Universidade Lusófona
Introdução Ao Direito I FDUC
Descrição: Filosofia do Direito; Villey.
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Paulo Nader investiga o passado cultural e sonda o pensamento contemporâneo. Cada afirmativa encontra o seu adequado fundamento científico. Possuindo uma visão culturalista, situa o Direito como re...
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Maffesoli
Descripción: Analysis and ideas about some sexual orientation models (spanish)
Introdução ao estudo do direito. Fontes do direito O que são fontes do direito: São os modos de criação e evolução das regras jurídicas. Assim as leis em sentido material são sempre fontes …Descrição completa
Fichamento de Psicologia Aplicada Ao DireitoDescrição completa
Introdução ao estudo do direito. Fontes do direito O que são fontes do direito: São os modos de criação e evolução das regras jurídicas. Assim as leis em sentido material são sempre fontes …Full description
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enhum cientista vai ao encontro da realidade que quer explicar sem "informação", sem formação: é, como veremos, uma ideia falsa a de acreditar que a observação é a fonte da descoberta. Não se descobre senão aquilo que se está intelectualmente pronto para descobrir. ~-nos, pois necessário precisar que questões vamos colocar ao direito para que ele nos "diga" o que é. Estas questões não podem ser deixãO as ao acaso: elas têm necessariamente de formar as bases de um sistema de ex~ ieação;jJor outras palavras, elas têm de ter uma.-Goerência teórica, a coerência ae uma teoria Esse será o objecto da nossa primeira tarefa. Com o espírito e o "olhar" informados, iremos, então, ao encontro desse mundo jurídico que nos rodeia de maneira mais ou menos solene, mais ou menos repressiva, mais ou menos eficaz. No nosso encontro com esse mundo do direito combateremos ao lado daqueles que, para além das aparências, querem conhecer a última palavra das realidades: descobriremos, então, muitas coisas que uma observação inocente nos teria ocultado, de tal modo é verdade não haver ciência senão ciência do oculto. Essa será a nossa segunda tarefa. Será possível, nesse momento, analisar de maneira crítica as diferentes teorias que se apresentaram como outras explicações do direito. Algumas delas confessaram a sua natureza propriamente fi !osófica, outras pretenderam, mais recentemente, contribuir para a fundação de uma verdadeira ciência do direito, quando não de uma ciência pura. Estaremos em situação de poder apreciar essas afirmações à luz do que já soubermos desse mundo jurídico, das suas técnicas e da sua lógica de funcionamento. Será essa a nossa terceira e última tarefa nesta Introdução Critica ao Direito.
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INTRODUÇÃO CRíTICA AO DIREliO
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Michel Miaille
INTRODUÇÃO CRíTICA AO DIREITO 3.:1 edição
2005
EDITDRIAlE ESTAMPA
A MEUS PAIS, A LINE E A BERNARD AoS assistentes e estudantes da faculdade de direito de Argel, como lembrança de um curso de introdução à ciência jurídica sem o qual este trabalho jamais teria sido
Abstracção e abstracção . .............................•..
o idealismo dos juristas como representação do mundo . ... Os resultados epistemológicos do idealismo dos juristas . ...
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42 46 48 50 53
3. A independência da ciência jurfdica ..
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A CONSTRUÇÃO DO OBJECTO DA CIÊNCIA JURÍDICA: A ........... . ......... . INSTÃNCIA JURÍDICA.......
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1. O lugar do direito como instância de um «todo complexo com dominante», . . . . . ................................ .
68
1.1 1.2 1.3
O modo de produção da vida social. . As instâncias sociais: Base e superstrutura O determin ismo social: Uma causalidade estrutural ..
2. As características da instância jurídica (na sociedade capitalista) 2.1 2.2
2.3
Os impasses de uma defin ição do «Direito» Para uma caracterização da instância jurídica: Um sistema «normativo)) da troca generalizada entre sujeitos de direito. O Fetich ismo Jurídico ....................... . Rumo a uma definição da instância jurídica
69 72
75
86 96
A ARTE JURÍDICA E AS CONTRADIÇÕES SOCIAIS (NUM MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA) III
I. Os «fundamentos» do direito ............ .
11 2
2. As classificações jurídicas . ... 2.1 2.2 2.3
II -
Direito objectivo - direitos su bjectivos. Direito público - direito privado .. Coisas e pessoas ..
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O MAL «CONSTRUÍDO» DO SISTEMA JURÍDICO.
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1. Lógica e «alógicQ» juridica .... .. ..... .
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1.1 1.2 1.3
A lógica jurídica como lógica formal Um exemplo de contraditoriedade na lógica formal: A «alógica)) jurídica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....... . Raciocínio ou argumentação? .. .. ..... ... .
2. O quadro geral da criação de direito: As fontes do direito 2.1 2.2
Sistema das fontes do direito e formação social ... Sistema das fo ntes do direito na França co ntemporânea ...
3. As instituições jurídicas, quadros da actividade social. ... .
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A -
CRITICA DAS DOUTRINAS IDEALISTAS.
I.t 1.2
1- OS FALSOS «DADOS»DO SISTEMA JURÍDICO .
O suj eito de direito . O Estado .. A sociedade internacional . ...... . .. .
I _ O FETICHISMO DO CONTEÚDO DO DIREITO: DA TEOLOGIA À SOCIOLOGIA . . .
1. As afirmações do ideaJismojurídico . ..
SEGUN DA PARTE
1.1 1.2 1.3
TERCE IRA PARTE
CIIlNCIA E IDEOLOGIAS JURÍDICAS
84 85
225 233
Da instituição jurisdicional. Algumas outras instituições
3. 1 3.2
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186 195
197 198 207 224
A variabilidade do conteúdo do direito natural. A função do direito natural, uma função prático-social: à conquista do m~.IOdo antigo ... . .
CRíTICA DAS DOUTR INAS IDEAUSTAS OU POSITIVISTAS ..
1. A orientação do jurista realista positivista. A atitude positivista .... A escola sociológica do direito Um novo positivismo: a escola fenomenológica ..
1.1 1.2 1.3
2. A insuficiência das análises positivistas e realistas .. II _ O FETlCHISMO DA FORMA DO DIREITO: O UNI VERSO RÍGIDO DAS NORMAS . . . A _
O FORMALISMO JURíDICO: PARA UMA TEORIA PURA DO D IR EI TO . ..
1. Ciências da natureza e ciências morais: ser e dever ser .. 1.1 1.2
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2. Os impasses do idealismo.
B _
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O direito é um dado ... O direito é racional ..
2.1 2.2
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Ciências da nat ureza e ciências morais ...... . Principio de causalidade e princípio de imputabilidade.
2. A pirâmide jurídica: estática e dinâmica jurídicas .. II
267 27 1 275 276 276 279 286 290
295 299 299 300 302 303
2.1 2.2
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A pirâmide jurídica no seu aspecto estático: Normas e norma fundamentai ....... ....... ....... . A pirâmide jurídica no seu aspecto din~~i~~:' ~. f~~~~Ç~~'d~ ~i'r~i'-
Os LIMITES DO FETiCHISMO FORMA LISTA.. ....... . • • • .
À MANEI RA DE CONCL USÃO ...... ...... ...
... ....... . .. .. .
PREF AcIO
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a pensar Esta introdução ao direito foi escrita, acima de tudo, rem descob direito, de ano o primeir no nos estudantes que, ao entrar argumena estilo, o explica pação preocu Esta . jurídico o o univers
tação e as referências que se encontrarão no texto.
ditas de Não me preocupei com a existência de obras clássicas, direito do estudo ao Geral ção Introdu a (tintrodução ao direito}) (como ainda e, OSTE; DE-LAC LABOR de e AYE GRESS LA DE E de BRETH . MBEL) COULO de a ou CASE com o mesmo titulo, a obra de BONNE idos e conhec são nunca livros esses que -me mostra ncia A experiê em retomar, lidos pelo públiCO ·estudantil. Empenhei-me, portanto, surge nos ela como tal direito, ao ção introdu esta crítica, de forma quatro os agem amostr como tomei manuais do primeir o ano. E aí, s de (Leçon UD MAZEA J. e L. ., H de os os: utilizad mais manua is civil, (Droit WEILL A. 1972); droit civil, t. I , Montch restien , Paris, NNIER (Droit CARBO J. 1973); Paris, Dalloz, e, général ction introdu F., Paris, civil, t. I, introduction, les person nes, coll. Thémis, P. U. e B. STARC K (Oroit civil, introdu ction, Libraire s techniq ues,
1974);
Paris, 1972). mas a abunÉ evidente que poderiam citar-se outros trabalhos, gosto uma seu a fazer pode um er dância aqui não adianta: qualqu quiser, encono quem E o. erudiçã pura de ráfica bibliog lista longa obras a que trará muito por onde escolher a partir dos manuais e as ao direito marxist ções introdu as modo, igual De cia. referên faço existe pratisão desconhecidas pela razão muito simples de que não Claro que é iante. prinCip um de alcance ao obra a nenhum e cament réalité et dans preciso citar M. e R. WEYL (La Part du droit dans la tives du Perspec et tion Révolu 1972; Paris, , sociales s Édition , I'action a simchegam autores estes Mas 1974). droit, Edition s sociales, Paris,
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plificaçóes teóricas e a interpretações que me parecem criticáveis. Se exceptuarmos as obras escritas por não marxistas sobre a teoria marxista do direito (como K. STOYANOVITCH, La pensée marxiste et le Droit, coll. Sup., P. U. F., Paris, 1975) não restam senão inves· tigações críticas dificilmente acessíveis a um neófito, tais como B. EDELMAN, Le Droit saisi par la photographie, Eléments pour une théorie marxiste du droit, Maspero, Paris, 1973. Como em muitas outras ocasiões, o melhor é regressar aos próprios clássicos. O texto mais claro e mais interessante continua a ser o de E. B. PASUKANIS, Théorie générale du droit et Marxisme, E. D. I., Paris, 1970, e, claro, alguns textos de Marx, de Engels ou de Lénine que se encontrarão ao longo deste meu trabalho. Nestas condições, mesmo os não estudantes poderão ser interessados pela descoberta do que é o mundo dos juristas: foi também em todos estes que pensei ao escrever este trabalho, pais temos de convir que as obras de vulgarização sobre o direito são, ou muito eclécticas (como J. FREUND, Le Droit d'aujourd'hui, coU. Dossiers Logos, P. U. F., Paris, 1972) ou então claramente inconsistentes (R. LEGEAIS, Cle!s pour le droit, Seghers, Paris, 1973) . O texto que vão ler deve ser tomado por aquilo que é: uma investigação que inicia o pór em causa de uma praça forte ainda sólida. As críticas que este trabalho suscitar são benvindas para prosseguir este objectivo.
Dezembro, 1975
INTRODUÇÃO
Uma introdução crítica ao direito: este titulo, sob a sua aparente facilidade, exige algumas observações. Convém, com efeito, não nos enganarmos no objectivo. Tal objectivo é, em primeiro lugar, pedagógico: trata-se de convidar aquele que inicia o estudo do direito a uma reflexão sobre aquilo que vai fazer. Neste sentido, este projecto não foi ainda realizado em numerosas universidades em França. Vocês acabam de chegar à universidade e escolheram a unidade de ensino e investigação E. R.) * jurídica. De momento, não têm senão uma ideia bastante confusa do que pode ser o direito. Eis que chega a tempo um curso de «introdução ao direito»: ele vai certamente responder à expectativa de uma definição do vosso estudo. Desenganem-se: não haverá, realmente, introdução ao direito. Assim é feita a universidade nos seus departamentos jurídicos! É certo que há uma parte de uma cadeira, a de direito civil, que se intitula: «Introdução ao direito». Mas como mostrarei adiante, essa introdução não funciona verdadeiramente como introdução. Ser -vos-á dada tão-somente - e é já um grande trabalho - uma amostra dos conhecimentos que vão constituir o conteúdo das cadeiras que hão-de vir no primeiro ano e também em todo o curso de licenciatura. Por outras palavras, esta «introdução" surge como uma apresentação, não como uma reflexão. Há, aparentemente, alguma lógica nesta posição: como poderia um neófito reflectir sobre aquilo que não conhece ainda? Primeiro, é preciso aprender; poder-se-á, em
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E, R. , U.nité d'enseignement ct de recherche. - N.. T.
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UlIta Introdut;ão Crítica ao Direito
seguida reflectir 1. Encontra-se, então, justificado o desvio que, de uma reflexão sobre O direito, leva a uma apresentação das regras de direito. Pode começar-se imediatamente: «o direito é um conjunto de regras que ... », etc. Esta apresentação, no entanto, não é neutra, t o que vou tentar demonstrar. O que seria, pois, uma introdução crítica ao direito?
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Uma introdução
comecemos por um relembrar de vocabulário que fará compreender melhor o alcance da tarefa. Introduzir é um termo composto de duas palavras latinas: um advérbio (intra) e um verbo (ducere) 2. Introduzir é conduzir de um lugar para outro, fazer penetrar num lugar novo. ora, ao contrário do que se poderia facilmente pensar, esta deslocação de um lugar para outro, este movimento, não pode ser neutro. Não há introdução que se imponha por si mesma, pela lógica das coisas. Tomemos um exemplo para nos convencermos desta afirmação. A visita a uma casa desconhecida, sob a orientação de um guia, é sempre uma 'estranha experiência: o guia introduz-vos na casa, faz-vo-la visitar, faz-vos, de facto, descobrir as suas diferentes divisões. Mas há sempre portas que permanecem fechadas, zonas que se não visitam, e, muitas vezes, uma ordem de visita que não corresponde à lógica do edifício. Em suma, vocês descobriram essa casa ((de uma certa maneira»: essa intrOdução foi condicionada por imperativos práticos e não necessariamente pela ambição de dar um verdadeiro conhecimento do edifício. É, aliás, admissível que, se vocês conhecessem bem o guarda, tivessem podido passear sem restrições na casa, abrir as portas proibidas e visitar as zonas fechadas ao público. Em resumo, teriam tido um outro conhecimento dessa casa, porque teriam aí sido introduzidos de forma diferente. Que dizer, então, se vocês fossem um dos habitantes dessa casa? Conhecê-la-iam ((do interioT» - conheceriam os seus recantos familiares, as escadas ocultas, o desgaste produzido pelo tempo e a atmosfera íntima. Tudo se passa com se, nas três hipóteses que acabamos de imaginar, não houvesse uma casa, mas três edifícios, no fundo muito diferentes pelo conhecimento que temos deles. Este exemplo não é mais do que uma comparação, e veremos os seUS limites, mas permite compreender no início deste trabalho 1 Daqui surgem muitas vezes as propostas que tendem a instaurar uma r.eflexão sobre o direito, chamada impropriamente filosofia do direito, nos anos superiores do curso de licenc'atura ou no de pós.graduação. DepoiS de quatro anos de aprendizagem, um pouco de reflexão poderia ser interes. sante ... 2 Conduzir ,p ara dentro de, levar para dentro.
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que não há introdução em si, lógica em si mesma, irrefutável. Há introduções possíveis, cada uma com a sua racionalidade, algumas vezes com o seu interesse, e, em qualquer caso, com as suas consequências. E isto vale, por maioria de razão, quando se trata de introduzir alguém num universo social como O universo Jurídico: o direito não tem a consistência material de uma casa, não é delimitado no espaço por paredes e portas. Quando eu tomo a iniciativa de vos introduzir no direito, tomo a responsabilidade de abrir certas portas, de conduzir os vossos passos num determinado sentido, de chamar a vossa atenção para este elemento e não para um outro s. Ora, quem saberá dizer se as portas que eu abri eram as boas? Se o sentido da visita era instrutivo para o visitante? Estas questões afiguram-se-me fundamentais quando se aborda a descoberta de um lugar ,novo: é exactamente nas respostas que lhes dermos que podereis provar-me o interesse e o valor do que pretenda fazer-vos conhecer. É, pois, extremamente importante precisar o que é uma introdução. Com efeito, para retomar a imagem da visita guiada, o conhecimento que tiverdes da casa dependerá, como é evidente, do que o guia vos tiver mostrado: podereis muito bem não ter visto senão as dependências de serviço, as salas de visitas ou somente os jardins. Arriscais-vos a concluir pela importância da vida doméstica nessa casa ou, pelo contrário, pela predominância das relações sociais muito mundanas . E essa imagem que vos tiverem dado poderá marcar-vos {LO ponto de não voltardes a falar dessa casa senão em termos de cozinha ou em termos de salão. Todas as discussões que tiverdes, doravante, sobre essa casa, poderão ressentir-se desse conhecimento inicial. Finalmente, a tarefa do guia é cheia de responsabilidades, já que ela compromete um futuro imenso. E ainda, até aqui, a comparação fez-nos assimilar o guia a qualquer pessoa temível que, voluntariamente, poderia recusar-vos o acesso a certas partes da casa. Mas poderíamos peqar noutras comparações em que esta curiosa personagem desaparecesse e em que ninquém fosse responsável pelos erros da visita: quero falar, por exemplo, da descoberta que faríeis sozinhos de uma cidade desconhecida. Ninguém vos impõe ir para esta rua em vez de qualQuer outra, de ir ver este monumento em vez de um outro. Por outras palavras, segundo os vossos gostos, os vossos interesses ou vossos hábitos, vocês poderiam muito bem «escolheT», visitar igre1as em luaar de fábricas, bairros comerciais em vez de bairros residenciais. E teriam, efectivamente, descoberto a cidade, ou melhor, um certo rosto da cidade. É preciso, pois, não atribuir à nossa primeira imagem mais importância do aue a que ela ?Jode ter: a introdução num lugar novo não é o efeito de um «complot» sabiamente preparado por alguns guias 3 Tal ê a minha tarefa de guia que não é mais do que a tradução de pedagogo.
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todo-poderosos de que vocês seriam as vítimas mudas e inocentes. Se raramente constitui um mecanismo maquiavélico para fechar deliberadamente certas portas, qualquer introdução pode ser com~ parada a um itinerário cujo sentido e desenvolvimento nunca são deixados ao acaso e condenam guias e visitantes a nunca abrir certas portas interditas. Este risco é real e tanto mais insidioso quanto a nossa univer~ sidade liberal não afirma nenhuma ortodoxia precisa a respeitar: tudo é aparentemente possivel, tudo pode ser dito. Não /ui introdução oficial. Assim, todos os estudantes e a maioria dos professores podem pensar que abriram todas as portas, em desmascarar guias desonestos; trata-se de saber porque é que a visita se faz sempre no mesmo sentido, porque é que são sempre as mesmas portas que são abertas e outras fechadas. Convenha-se que estas questões não são desprovidas de impor~ tância, já que, em definitivo, é o problema do conteúdo da introdução que se encontra colocado, justamente quando nenhuma directiva impõe esta ou aquela direcção. E, no entanto, nada de tudo isso se deixa adivinhar na prática. A introdução ao direito tem todas as aparências de uma simples familiarização com a terminologia jurídica: tudo se passa como se, a partir de definições dadas a priori, se entregassem ao estudante os materiais que ele ia ter para manejar: a pessoa jurídica, o direito público e o direito privado, o contrato, a lei, as decisões judiciais e os actos dos poderes públicos e toda a tecnologia jurídica. Acaba por se ter a ideia de que, no fundo, a introdução é uma coisa simples. A quem tenha o espírito esclarecido e um pouco de boa vontade é dado, sem mais, um conhecimento imediato do mundo jurídico. Não há diversas maneiras de conhecer o direito: bastaria mergulharem, sem hesitações, nesse universo e, dominando o vocabulário e as técnicas, vocês poderiam, em breve, tornar-se juristas conhecedores. Vejamos.' Se nenhuma introdução é neutra, se todo o itinerário com~ porta a sua lógica e as suas consequências, esta impressão de um acesso imediato ao direito corre todos os riscos de ser uma falsa impressão. Vale, pois, a pena parar um pouco no limiar desse mundo novo se está em jogo a própria qualidade de todo o conhecimento que daí tiraremos. Uma última palavra. Na sequência de acontecimentos que nada têm de ocasionais - e cuja história faremos mais tarde - a intro~ dução ao direito é objecto nos programas actuais 4 de um ensino integrado na cadeira de direito civil do ano respectivo. Esta situação acarreta duas consequências importantes. Em primeiro lugar, à introdução ao direito é atribuído, excepto em algumas universidades, um 'i
1 de
O D. E. Uo' G. de 1973.
*
foi instituido pelos decretos de 27 de Fevereiro e
~arço
*
D. E . U. G., Dip16me d'études Unlversltalre.s
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Générales~ -N. T.
lugar menor. Ela não tem o estatuto de uma cadeira autónoma, com sessões de trabalhos orientadas e conduzindo, pois, a uma reflexão aprofundada. Bastaria para nos convencermos entrevistar os estudan~ tes do primeiro ano, para nos apercebermos que a introdução, a seus olhos, reveste, no máximo, carácter de uma passagem obrigatória antes de abordar. em profundidade as disciplinas jurídicas. O importante, é o que se estudará em seguida: em direito civil, em direito constitucional ou em direito internacional. Nenhuma verdadeira interrogação é formulada no início dos estudos juridicos; nenhuma dúvida sobre a validade das noções utilizadas, sobre o rigor dos raciocínios da lógica jurídica. A introdução ao direito é um certo número de páginas a saber. Não é, pois, de espantar que a presença da intro~ dução nos programas funcione como uma ausência. Cruel ausência que só alguns filósofos do direito lamentam, de forma isolada, em revistas especializadas ~! Ao fim e ao cabo, o conhecimento juridico poderia dispensar uma reflexão sobre O direito. Mas há uma segunda consequência, de igual gravidade. Sendo a introdução ao direito ensinada pelo professor de direito civil, aparece como uma parte do direito civil e não verdadeiramente como uma introdução a «(todo)) o direito. É interessante a este respeito consultar os manuais e as sebentas. Apesar de certos esforços, a lógica do direito privado predomina, O que obriga, a maior parte do tempo, os outros professores do primeiro ano a darem, cada um por sua vez, uma introdução.. ao seu ramo do direito. O estudante tem a impressão de ouvir três ou quatro vezes desenvolvimentos idênticos e, nesta abundância, se perde a intrOdução ao direito. Esta constatação é tão verdadeira que raras são as tentativas de coorde~ nação que tenham tido êxito. Frutos da interdisciplinaridade de 1968, as experiências regressaram pouco a pouco às tradições, e a intro~ dução ao direito perde o seu lugar de reflexão comum no conjunto dos problemas jurídicos. Mas há ainda mais grave do que isto: a introdução ao direito não é de todo sentida como uma necessidade. Cada um pode realizá-la numa cadeira ou mesmo não falar dela: afinal, isso não tem impor~ tância nenhuma. É preciso saber, como pertinentemente nota um professor 6 que «todos os professores podem contentar-se com a introdução do professor de direito civil, sem examinar sequer se partilham a sua opinião. Contentam-se com ela tanto melhor quanto tais
°
~ O melhor exemplo é, sem dúvida, o combate solitário de Mo' VILLEY. Ver a sua última obra: Philosophie du droit, précis DaUoz, 1975. «Perguntem sobre o que é que assenta a nossa pretensa ciência do direito, como é que se justificam os nossos métodos, quais são as fontes dos nossos coolbeclmentos quem saberá responder? ( .. . ) O jurista omite a justificação, a funda.mentação do seu método de trabalho ou a explicação de porque é que as soluções se deixam ir buscar a esta ou àquela fonte» (p. 9). :m exactamente o nosso ponto de partida. ~as não tiraremos dai as mes. mas conclusões.· 6 G. WIEDERKEHR. «Eléments de philosophie du droit dans les manuels contemporains de droit civib, Archives de philosophie du droít~ 1965, p . 244.
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introduções deixam, todas elas, uma impressão de neutralismo». Que haja ou não introdução, nada se modificará por isso nos estudos feitos nas cadeiras. Na realidade, não há verdadeirall:ente introdução ao direito no sentido em que se revela necessária uma reflexão sobre a maneira de conhecer o direito. Pode-se ficar surpreendido com esta ausência, quando é certo que, tradicionalmente, os ensinamentos ditos literários, quer se trate de literatura propriamente dita ou de sociologia, de história, a fortiori de filosofia, não se concebem sem esta interrogação sobre o seu próprio objectivo. Veremos que esta situação não existe por acaso: basta-nos, de momento, tomar consciência dela. É-nos, pois, necessária uma introdução ao direito que seja o desvendar do itinerário que vamos seguir. Em rigor, não é qualquer introdução que serve para nos fornecer esta clarificação: é por essa razão que eu qualifico esta de critica.
II,
Uma introdução crítica
Para compreender o alcance deste adjectivo, é preciso, em primeiro lugar, relembrar a ambição do projecto: introduzir o direito, claro, mas segundo um método científico. Esta precisão é plena de consequências. Com efeito, a introdução ao direito que ouvis não é desenvolvida em qualquer instituição: ela é o objecto de um ensino ministrado numa unidade de ensino e investigação integrada numa universidade. Estas instituições, são, por definição, aquelas onde se elabora e transmite o saber. Mas é preciso ver de que saber se trata: aquele que tem o nome de ciência. De facto, toda a gente sabe, mais ou menos, o que é o direito - teremos ocasião de voltar a este ponto fundamental- mas um estudante de direito pode ter o desejo legítimo de conhecer o direito melhor do que pelas instituições sociais ou familiares que o conduziram até lá: ele pode exigir que se produza diante de si a ciência jurídica. Introduzir O direito é, implicitamente, introduzir cientificamente o direito ou introduzir a ciência jurídica. Se é este o desejo do recém-chegado e, ao mesmo tempo, a ambição do professor, será, pois, necessário que nos interroguemos seriamente sobre o que é um pensamento científico. Não se trata de um luxo inútil, uma observacão filosófica sem importância, uma perda de tempo: se eu não estiver à altura de ser introduzido cientificamente no direito, é então de duvidar de todos os conhecimentos que me poderão ser ensinados. Qual é o valor de uma instituição que não conseque realizar o que ela inscreve nos seus frontões? E, se a universidade já não é o lugar onde a ciência é produzida, então para que serve ela e onde é que se poderia encontrar um conhecimento científico? Volto, pois, ao próprio qualificativo desta introdução: crítica. Primeiramente, afastemos uma interpretação que, embora cor-
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rente, não é por isso menos errada. O termo crítico não tem o significado da linguagem habitual: tomamo-lo no seu sentido teórico. Dirigir críticas é, no sentido comum, exercer sobre as coisas ou as pessoas que nos rodeiam um certo número de juízos tendentes a corrigir tal erro, a colmatar esta lacuna, a denunciar aquela insuficiência. Criticar, apesar do sentido geral da palavra, não é, no entanto, sinónimo de pôr em causa. A maior parte das vezes, as críticas não têm nada em comum com uma crítica. Com efeito, no conjunto bastante homogéneo dos professores que apresentam uma introdução ao direito, não deixam de encontrar-se tomadas de posição, juízos, em suma, críticas. Estas dizem respeito ou às opiniões de um. autor - critica-se esta ou aquela explicaçãoou às disposições das regras de direito - critica-se esta lei, aquela decisão judicial, aqueloutro decreto. O liberalismo universitário favorece unw situação destas: se as críticas são possíveis, o espírita crítico está salvo, garantia da liberdade de pensamento 7. E, no entanto, o conjunto do edifício não é verdadeiramente posto em questão; embora possamos distinguir diferentes correntes filosóficas e politicas nas cadeiras e nos manuais que tratam da introdução ao direito ii, estas surgem como variantes de uma melodia única: a filosofia idea.lista dos países ocidentais, industrializados. As críticas feitas, aqui e além, não chegam para disfarçar a profunda afinidade dessas correntes. Assim pois, uma introdução crítica não será uma introdução com críticas. E preciso t01nar o termo em todo o seu sentido: o da possibilidade de fazer aparecer o a dialéctica. Que quer isto dizer? O pensamento dialéctico parte da experiência de que o mundo é comple.To: o real não mantém as condições da sua existência senão numa luta, quer 7 Um exemplo particularmente nítido desta vontade expres:óa de «cng-agemcnb é dado pelo tratado dc H .. L. e J. MAZEAUD, Leçons de droH civiL },1:ontehrestlen, Paris, 1972, 5. a cõição, pp. 43A4: «Este ensino do direito permanece droIn.'lsiado cxclU',üvamente centrildo no estudo do direito positivo (legislação e jurisprudência). ( ... ) O ens'no do d'reito deve propor-se um outro objectivo: f8/:cr um juízo de valor sobre a regra d-c direito, estudar essa regra de lege fcrcnda. (. )j • .~ G. WIEDERKEHR, «Elémcnls de philosophie ... », artigo citado pp. 243-
-2G6. \! H. MARCUSE. Raison et révolut-ion, 1!".:ditions de Minuit, Paris, 196B. O prefác;o. «Kote :mr la dialectiquc:>, pp. 41-50 é de leitura fácil e extremamente intcre.'Jsante.
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ela seja consci ente quer inconsciente. A realidade que me surge num dado mom ento não é, pois, senão um momento, uma fase da sua realização : esta é, de facto , um processo constante. Um pensamento dialéctico é precisamente um pens amento que «compreende» esta exis t ência contradit ória. Ao contrário, designarei por positivista um pensamen to que se limite a descrever o que é vistvel, a mostrar que uma dada coisa que existe se apresenta desta ou daquela maneira, com estas ou aquelas características. A abunddncia dos det alhes que eu poderei p r oduzir sobre esta realidade, tal como ela se me apresenta, poderá dar-me dela um certo conhecimento. E, no entanto, esse conhecimento será de algum modo unilat eral, porque ficará l imitado à própria i magem do que vejo. Completamente diferente é, face ao mesmo objecto, o pens amento dialéctico ou critico: este en cara-o não só no seu estado actual, mas na totaliclade da sua exis tência, quer diz·er, tanto naquilo que o procluziu como no seu futur o. Este p ensamento pode, pois, fazer (wparecen) O que a realidade p resente me esconde act.ualmente e que, no entanto, é i gualmen te import ante. «(A realidade é coisa d i versa e 1nuito mais do que o que está. codificado ( .. .) n a l i nguagem dos factos 10 ». Tomemos u m exem.plo. F ren t e a um eui/ido, posso ultH1.pa SSar a es trita descrição, ou a unálise dos ma teri ais qu e o constituem, para mos trar de que é que esse edifício nasceu, ao tra:nsformaçõ es que podem afectá-lo na sua materialiclade ou no seu destino. Darei então dess a construção um conhecimento que, nco se limitando ao visível qu e se me impõe, p ermite apiedá-lo de uma forma complet amente diferente: qual o projecto que esse m onumen to representa, qual o trabalho que fOi n cessário para a sua construção, n~as também qual a fun ção qu~ ele de semp enll~ hoje, quais as rr:odificações que são possíveis ou ll esejdve"i.s para hoje oz! amanhã . Em suma, eu reinteg;-'o este objecto num 1m.i1Jcrso mais vasto, mais comp leto, que é o dos outros objectos e sob r etu do de outras rel'.lçõ es com acontecime ntos aparent ement e independen tes des se monument o e sem os quais, no entanto, não se pode realm.ente compreendê-lo_ Assim funci ona o que eu chamo o pensmnento crítico: ele merece este qualificativo n este sentido em que, suscitando o que não e visível, para explicar o v i sível, ele se recusa a cre r e a d izer que a realidade se linzita ao v·isfve l. Ele sabe que a r ealidade está em movimento, quer dizer, que qualquer coisa para ser apreendida e analisada tem de o ser no seu movimento interno; não se pode, pois, abusivamente reduzir o real a uma das suas manifestações, a uma das suas fases. Vê·s e que campo se abre assim à análise a partir cio momento em que ela tome es te caminho. E, especialmente, nas cWn cias que se propõem lazer o esturlo dos homens que vivem em sociedade. Com efeito, o pensamento crítico t01"1w-se então a lógica de uma t eona cientifica. D iversa.mente das tem'ias cientifi cas hahiI')
t u ai s que s e reduzem a uma técnica de inves t i gação das coisas aplicar a intel igência ao melhor recen seamen to p ossív el dos fenómenos - a teoria crítica nas ciências sociais traz uma reflexão de um género completamente diferente: ela rejl ect.e, aO mes mo t empo, sobre as condições da sua exis tência, sobre a sua situação no seio da vida social. Funciona, pois, não só por si mesma, m as definindo as suas )'clcções com o con texto em que surge 11 . Um pensamen to crítico já não pode contentar- se em descrever dado acontecimento social, tal e qual ele se oferece à observação: ele não pode deixar de o reinseri.r na totalidade do passado c do futuro da sociedade que o produziu. D e[;envolvido assim , cm todas as sua" d·imensõ es, esse acontecimento 'perde o caracl e)' chão, unidimensinnal, que a mera descriçao lhe conferia: torna·se prenhe de torlas as deterrninações que o prodn;;:ira.rn e ele todas as trcms/ormações possíveis que podem a/ec td-lo. A teoria c1'Uica permite n ão só descobrir os diferentes aspectos escondidos de uma realidade em movimento, -mas sobretudo abre, ent ão, as porias de uma n ova dimensú,o: a ria «emandpaçãw), se!J1tndo O term o de G. R aulet 1~ . R efl'Jct i ndo sobre as condi ções e os efeitos da sua. existenC"ia na vida soci al, a t eoí'ia reencontTa a sua lig-ação com a prâtica, quer dizer, com o m.undo social existente. Es ta olJ8c rvação é capita.l para o nosso objecto . Um estudo do direi to no sentido que aca bam os ele indicar ultrapassa, então, rece nseamento, a classifi cação e () conhecimento do funci onamento elas diversas noções jurídicas, da s insti tuicões e do s m eean.:i,<;:l.'~os do direito. O mundo juridic o não pode, ent ão, ser verdadeiramente conhecido, isto é, com'preen~!ido, senão cm relação a tudo o que permiti.u a sua existência e no seu f u t u ro passiveI. E ste tipo d e análise clc.<:;óloqueia o est.udo do d i.reito do seu isolamento, proi ecta-o no mundo Tea l onde ele encontra o seu lugar e a sua ra ,'?ão de ser, e, lirJando-o (I. todos os outros f enómeno s da sociedade, t or na-o solidário da mesm a histó ria social. Porque, em definitivo, trata-se de saber porque é qu e dada regra :iurícli.ca, e não dada outra, Tege da da sociedade, em daelo mom ento. Se a ciência. jurí dica apenas nos pode dizer como essa 1'egra fun ciona, ela encontra-se reduzida C!. u ma t ecnologia juridica perfeitamente insatis! atôria. Temos direito de exigir mais dessa ciência, ou melhor, de exigir coisa diversa de uma simples descri ção de mecanismos. Existe uma outra significação para est e qualificativo. Critica, a análise que elevemos ten tar é-o em relação às anális es que nos .
°
11 J. H ABERMAS, T 1I6orie ct Prat iq !MI, Payo t, p aris , l U75, tomo I. efr. p i'dácio d e G . RAULE'l', p p. 20 l' seguintes: o marxismo ê est a. <':teoria c t'ltic.."1 . p or oposi çã o à teor ia tl"~d icio n a l q ue nào r efl ecte sohr ê rl sua s lt u
1~
lb jd .. p . ·!5.
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lbid.., p. 11.
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ponto zero do conhecimento, teremos oportunidade de voltar a esta afirmação. O sab er cie ntífi co po de ser rep res en tado como um trabalho nunca termi nado para formular em termos mais exact os o Objecto e os métodos da sua investigação. O conhecimento de ho je é o ultrapassar do d e ontem, isso é bem sa bido, mas a maior parte das vezes ignorado e mal conhecido. Com efeito, uma representação e~pon:tânea da obra científica tende a deixar imaginar o avanço da c~êncza como uma trajectória unida e única em que cada autor teria vzndo aumentar e t ornar mais complexo um pensamento que, desde o pri ncipio dos t empos, se desenrolaria at ravés da história d o s homens. E sta hi stória da cii]ncia é pura e simplesmente fa lsa 13 . Os. progr~sso s cien t íficos são sem p re, segundo o termo consagrado cUJo sentzdo real se esquece, ((conquistas»: há um que ataca e outro que é vencido. O conhecimento d e hoj e é recortad o so bre o conhecimento de ont em, d e tal modo é verdade qu e desco brir em ciência não signif ica melhorar o pensamento anterior, mas 'tropor um outro modo de colocar o prob l em a. Pa ra u t ilizar apen as um exemplo, Copérn ico não m elhora o sistema de Pt olomeu.' transforma-o radi calmente, quer dizer, d estrói-o enquanto pret ensão científica e substitui-lhe tod o um ou tro u niverso H . É preciso absolutamente l emb rar que, se Galileu enco'}:tra u ma fero z oposição, é e.Tactam ente por que afirma uma concepçao do mundo que, longe de ser a conti.nuação melhorada da p r eced ente, al)?-Csenta-se como to lalmente n ova. Hoje fi cais ce rtam ent e espantados perante o obs curantism o da l qr eja of i cial qu e f orça Galileu a abjurar as suas descobertas; no entanto. não esqueçamos que a I greja e a Universidade dessa época são as instit u ições em que é ensinada e es tudada a v et'dade, a ve rda de d o conhecimento. Salvas as devidas proporções, Pasteur. alguns séculos depois, t erá de enf rentar a hos t ilidade d os «me10S cient íficos}) pouco convencidos do carácter científico d as suas descober tas. Por outras p alavras, o conhecimento científico é sempre obtido violen tamente contra um outro .c onhecimf!n t o que se afirma ciência: é neste movimento, qu e n ece sszta, por vezes, para se li bertar , d e ((qolp es de for çw>, como veremos, que se constrói e desenvolve a inteligência das coisas e d os homens. Ora, est e ensin o da introdução ao direito é precisament e r~ali~a~o numa ins tituição, a universieZa de. que é o l u gar da (me rda de» c1entzltca. Estamos todos acostumados à ideia ele que o que é dito nesse 11LQar é l ógico, explicativo, portanto (Iverdad eiro)) . Esta é a razão p ela qual vo cês pOdem dar algum crédit o ao que os p rof essores dizem: senâo, a universidade não t eria mais razão de ser. N o entanto, deixaiM. FICH~N'.r, M . PF.lCHEUX, Sur l'hi stoire des SG"Úl ll- C8S, coI. ThéoP aris. 1969, p. 51: «L e Prohl ême de I 'h~stoir e d es sci en ce~:;) . J.... A L1'!I l!SSER , P hilosophíe ct P hilosophie spontanée des sat,'ant s ( 196 7), co I. Theone , Maspero , P a r Is. 1974, pp 79 e seguintes. H Uma exposição mu ito simples desta muta ção, encontra_se I?ffi A o K OYRf: , Du 111..?'lde elos à l'unit;er8 'lnfil/i, P. U. F., P aris, 1962. L er desig n a _ da m e nte o capItulo 2 : «A Astronomia nova f' a Nova Metaf iSico ':", pp. 30 ~ segu intes. .
13
rl e. Maspero.
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-vos por
um
ins t ante, como D escw-tes n o seu destacamento militar
durante w n inverno alcm.ão. as sa ltar po r u ma duvida: e se existisse uma ouira ((verdade» poss"Í'/;el no conhecim ento elo direit o? E se o que c afi.rmado como (!Verdade» evidente pUdesse ser object o de um ataque radi cal? T alvez seja possível i r m ais longe, ou melhor , po r outro caminho, em. re lação às vias já t r açadas. Talv ez haja portas que p ossamos abrir que as doutrinas precedentes e as afirmações de hoje mantém f echadas. É ess e ult rapassar a que v os convida to da a r eflexão cientijica: e, conw qualquer ?·cflexão científica, ela reveste de algum modo o carácter ele uma aventura. Ninguém sabe o que afinal de cont as será clescolJet·to, ninguém sabe qu e difi culdades nos esperam nessa e:rpl oração. Mas vale bem, a p ena t en tar a experiên cia, m esmo se ela nos conduzir por cam.inhos sclitârios, mesmo se ela nos opuser a tu.d o o que se encon t ra ((Jwrmal771cnt eJ> dito e explicado hoje. Uma introdução crít ica, é, portant o, bem a i niciação a um esforço de refl exão C0112. todos os seus riscos e todas as suas ab erturas. Esta i ntrodução cr ít i ca r ef ere·se a um o bjecto p ar ticular: o direito.. Convem ain da precisar o sentido dest e.
III.
Uma int rodução crítica ao di reito
o
termo direito conhece as metamorjo ses de inúmeros ou l r os t er mos d o nosso vocabulár io: tem vários sentidos. Não é, em geral, uma (lificuldade int1·ansponivel, mas para o nosso trabalho pode ser u m obs táculo imp or tante. Partamos de uma evidência para mos t rar a complexidade da situação. Quando vos perguntam qual () o bjecto d os vossos es tudos e vocês res pon dem (d iro direito» (je fa is du droit ) - nas fa milias bur guesas, ([ir-se·ia ({ele está {J, tirar o curso de d i reito» (il jait san droU) vocês não querem de modo nenhum dizer que jazem regra!:i de direito, que süo au tores do d ireito! O vosso i nterlocuto r com preelideu nesse jogo de palavras que vocês estudam direito . Este lembrar da linguagem corrente mos tr a suficientemente a ambivalência d o t erm() direi,to. E le significa simultaneam ente o conjunto das r egras (ditas juríd icas) que regem o comport amento dos homens em sociedade e o conhecimento que se pod e t er d essas regras. O francês n ão tem senão u ma pa lavra para d esignar ess as duas realidades. Es ta dualidade de sentidos é apresentada h abitu almente nos m anuais e cadeiras sob a distinção el egante dos vocábulos: dircito-arte, direit o-ciência. O direito é, em p ri meiro lugar, u m con junto de técnicas para reduzir os antagonismos sociais, para pe1"mitir uma vida tão pacifica quanto pos sível entre ho mens p rop en sos às p aixões. ~ d ar conta do carácter flutuante e p ra gmático dessa arte, u ma arte de homens sensatos, como l embra sem humo r a vellw.. palavra jur isprudência. Assim, o conhecimento que se pO de t er des sa arte refle ctirá as i ncer tezas
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dessa técnica de pacifica ção social. O direit o é uma ciência? Claro. lIias não à maneira das ciências exactas. Uma ci ência aproxim ativa, de algum modo, ma s Ul1W ciência, apesar de tudo. Não é unicamente p ara honrar as inscrições f eitas nos frontispídos dos nossos edijícios que dizemos que ensinamos a ciência jurídica: é porque o estatuto oficial desse ensino é t ido como científico. {}ue quer isto ãizer? A ima· fiem que 1·apidament e se impõe a um estudante de direit.o é a divisão entre prá ticos e teóricos do di /cito. Não fa lo aqui da separação, muitas v e;zes denuncia da, entre conhecimentos teóricos e realidades práticas, entre a universidade e o mundo que a envolve: ela vale para t odas as espécies de ensino. Quero designar o ejeito particular que ela reveste nas universidades em que se ensina o direito. As ca deiras, os manuais ou os tratados apresentam-s e expressamen te co mo um re tomar da mat éria bruta dada p ela prática jurídica ou p elas d·iv ersas práticas do direi to: legislativas, administrativas, judiciárias, etc. O profe ssor em direito eleva-se ao nivel da teoria jurídica, juntando os fio s dispersos de U1n nODelo em que os prútico1> f requentcmen.te se pcrdem: com que autoridad[J a ({doutrina", designactamente os professores de direito, propõe esta uu aquela solução ao logisla dor ou ao ju iz a fim de torn ar maís coerent e este ou aquele sistema. O estudan le de direito pas.'w, aparen tement e, a maior parte do tempo a c1islmZc2rtT-Se em Tdação às contingêncúls da prática: repetiu-se freq uentemente que, saído da universida.de, saído d esse m.undo artijicial, pCl·/eitamente estruturado, l ógico e racional, l he era preciso reaprender tudo. Há mais do qu.e um passo entre a teoria jurídica c a prática elo direito : há muitas ve;.; cs um fosso . Tal processo qu e constitui o obj ecto ele um longo desenvolvimento em. âada caelcira cncontra-se pra t icamente inutiliza.do pelos julgadores; t(il mecanismo sábio, objec to de capítuLos inteligenles, enconlTa·se a nwior pa.rte das -z.; ezes alterado no dominio dos jac tos pai processos menos l·cgulaTes mas mais efícazes . E17~ smna, a ciência do áireiio ganharia em Tigor o que perd eria em actualidade. E com que cu.idado, aliás, o fo nnalismo de e.r posição e de raciocínio é tam lJém salvagua rdado. O pla.no em dua s pa.rtes, sobre qualquer t ema, dá a aparência de um domínio perfeito da questão, fi namente articularla nos seus desenvolvimentos internos ao ponto ele, para parafrasear H egel, utudo o que é real se tornar racional». Ê verdade que t.ais práticas são pTóprias do mundo universitário, co mo talen"losamente refe re L évi-Stmuss, lembrando a st~a licenciatura em filosofia J~. Claro, o es tudant e é pago na m esma m oeda pela clareza, a minúcia no r adocfnio e a perjeição lógica n este tipo dc exercício intelectual. Para além, de toda a escolástica estéril e ele toda a caricatura universitária, é verdade que é dado um certo conhecimento 1Jzetódico, aprofundado e racional dos 7necanismcs juridicos. Neste seno tido, será inútil querer negar os esforços daqueles que praticam. esta ((ci énciw! e alguns dos Tesultados a qu e chegaram. E, co m o complexo de un'iversitário a ajudar, ser íam os fortcmente tentados a penl::i
C. Lf'.:Vr·STRAUSS , Trist es
Tr():piq1~ e8l
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Plon, P arls, ] 955, I.ntrodução.
sarm o-nOs com o dete'ntores da rcverdaden te órica/ deixando para os prátic os a má compreensão ou a errada utilização das técnicas jw'íà"icas. O direiLo : uma arte, m as dominada implicitamen te pela ciência, ocupandO esta sempre o lugar de destaque. Esta concepção, que é afinal bastante tecnocraiica, convencer-nas-ia de que existe realmente uma ciência jurídica. Esta afirmação oculta, n o en tanto, uma realidade bastante importante: a r elação que existe entre ciência jurídica e arte do diieito, eu diria, a relação de depen dência da prim eira em relação à s~gund:: ; pois em deJinitivQ é isso mesmo que nos é ocultado na af~rmaçaO oficial da separaçã~ ciência-arte e da supremacia implícita da ciência sobre a arte. R etomemos as coisas na sua rai z: produzir di1·eito, quero dize?" regras de direito, é um dos f enómenos da nOssa so ciedade. Es.ta produção de reg ra s l egislativas, administratiúas, etc., está n ecessarwmente ligada - é talvez dependente, como veremos. mais tar~de ~ a todas as outras produções que a sociedade faz surgIr: produçao l1.teraria, artística, cultural, mas também produção de laços e de insti· t uições polí ticas, e ainda p rOdução de bens económicos ._ Assim sem aprof1mdar mais de momento, a produçao de r egras de direitO' apresenta-se tal como é: produçã.o de instrum:entos nec~s sários ao funcionamento e à reprodução de um certo tlpo de so~ze dade. Consequent emente, as instituições jurídicas, tanto na sue: l6gl.~a como nO seu vocabulário , pretendem coisa diversa do que dar a soc: e. dade meios de se manter? Nem mais nem menos. Podemos, entao , in terrogarmo-n os sol)re o cont eúdo exact o da rejlexão d e que a ciência vai investir eSse campo de actividad e social. po deríamos esperar que, como nos outros dominios, a ciência, não se jicando pelas aparências e não tomando as coisas ao pé da letra, desvendasse as r ealidades explicativas do real, do 1nesmO modo que o át0J?l.0 invisível explica a 11/.atéria visível na sua estrutura e na sua eVO~1!ça? Ora, esta não é a concepção, ou pelo menos a p~áti.ca, da czencza jurídica na universi dade . E sse não é, po rtanto, o dZTezto no qua~ o es tudante habitualmente é introduzido. De fact o, ele é introduz~~o nas técnicas jurídicas, t ais como a sociedade as apresenta e as prop~e e não numa rejlexão sobre essas técnicas. Não é, port anto, senao aparentemente, qlle direito-arte e direito-ciência se .~nc~ntra!n separados: t.udo SI? pas sa, na r ealidade, como se a Clencza naO fos~e aqui mais da que a auxiliar, a serviclora, d~ a~·te. E ,:ta c ons~ataç uo acarret a duas conseq uências cuja importancza e precls o medzr. Em primeiro lugar, a pretensão dos teóricos do áireito d~ construir uma ciência é, a maior parte das vezes, m!t.ito impróp.na para dar conta do que é realmente prod1!'~ido. Pcr l·azoes que teret oportu.nidade de expli citar mais tarde, a ciência jurí dica~ tal_ como é prat?,cada habitualmente, não é mais do que uma jormalzzaçao, u ma espécze de r acionalização de t exto s jurídi cos mai s ou menos homogéneos e compatí-z.;eis entre si. A ciên.cia juridica limita-se a ser uma ~presen tação, exaustiva em alguns casos, por amostragem representatwa nau-
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tros, das regr as e das instit uições. Aliás, não é por acaso que a evocação dos estudos de direito no espírito do comum dos mortais traz logo a imagem de enormes compilações e de uma boa memória necessária. D e jact o) a licenciat ura em direito pôde ser es se monumento de conhecimentos armazenado s em códigos e recolhas, sendo t odo ess e conjunto aprendido nos curs os magistrais. A dificuldade surg.e de a produção cien tifica ser hoje tal, em quantidade e em complexzdadc) que. o jurista científico fica exausto a querer in tegrar t udo no seu conheClmento. É banal constatar e denunciar o empolamento exagerado dos programas de ensino. Que dizer dos da licenciatura em direito! Cada ano traz novos problemas para analisar cada reforma acrescenta ou um capítulo ou um objec to novo. A; sim) os p rogra· mas apresentam doravan t e um aspec to, não somente sob recarregado, mas S~b r e tudo díspar. N esta acumulação, p erde-se o fio direct or e os ensznamen t os jurídicos são af litivos de tecnicism o e de detalhes. ~ que se chama investigação em ciência jurídica sofre o mesmo destmo: as teses tornam-se enormes compilações sem nenhuma demonstração; mesmo as antigas di sser tações dos diplom as de estudos superiores tendiam a igualar, pelo seu volume, a medida de uma t ese de doutoramento.' Pouca reflexão no total , nada mais do que um esf orço de ordenação, de clarificação numa sel va cada vez mais inex~ri!!"cável. !'1!do se passa como se os teór-icos t i v essem por única ambzçao classzflcar as sentenças do Tribunal de Cassação ou anotar os .ú ltimos decreto s surgidos n o J ournal officiel. E sta visão, quase cancatural, do que é a ((ciência jurídica» actualmente não é desmentida pelo esforço t entado por uns quan tos para desenvolver estudos jurídico~ mais aprofundados: em geral, a vaga tecni cista irrompeu nas anltgas faculda des de direito C01n a palavra de ordem bastante ambígua de um (regresso às realidades e às necessidades sent i das pela soci edade". Para evitar que se aprofunde o fosso existente entre universidade e sociedade, pôs-se a universidade n a escola da sociedade: en~arregada de l he forne cer os seus quadros e os seus t écnícos, ela estana do ravante votada a não encarar a sua obra senão na ~st:eita óptica de uma estrita formação profissio nal. Longe de mim a ldeta de conservar a universidade numa junção aristocrática inútil: o pro blema niío é esse e é, em qualquer caso, muito mais complexo lU . Tudo. o que quero mostrar é que a teoria dos juristas não é nunca, a mator parte das vezes, m ais do que o decalque das instituições dos me·ios e. das técr:i.cas do mundo dos práticos. Ora, se é normal que es tes crzem e u tzlzzem certas noções e certos instrumentos é curioso que essas mesmas noções e esses instrumentos se to;nem sem nen~u:na_ alt eração, os elemen tos da (liearia jurídica». Se, p or ex~mplo, a dzstznçao entre direito público e direito p rivado é simultaneamente 1(: Trata-se. n a r ealidade, de todo o problem a da função da un iv ersidade. A Il tcr a tura é abunda nte so bre este tema, sobretudo depois de 1968. Notcmo.'il um precursor : G. GUSDORF, L'Université en questiO'n.
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cómoda e ú ti l na nossa sociedade, é, em cont rapart ida) discutível que ela seja considerada como uma classif i cação fundamental da ciência juridica_ Ora, poderemos observar numerosos deslizes q.ue, do mun_do da prát i ca p ar a o que é suposto ser o na ciência, transflguram n.oçoes ou instituições que não t inham qualquer pretensão científica. F'lca-s~, azs portanto) com dü-eit o a ver entre direito-arte e direito-ciên.cia do que u ma simples relação mas sim um laço de dependéncza. Exzste uma outra conseq uência, menos apar ent e mas muito importan te, em relação à qual não podemos agora fazer mais do q~e t raçar . os contornos. O jurist a teórico, embora cr eia que é per/eztamente ln~ep~n dente na sua investigação e no seu ensino, é o joguete de uma zlusao: ele não faz mais do que (reflectin> o sist ema jurídico que jUl~~ estar a analisar, participa na sua r eprOdução. Afastemos) desde J~, u,"!:a peTniciosa querela: a boa fé ou a sinceridade do n~sso t eón.co n ao es tá em causa. Apenas conta o m ovimento que efectmament e se r ealiza. Qualquer que seja o argum ent o de boa v~ntade, se discurso ~o n osso jurista retoma, sem as criticar, as noçoes, <:s. mOdOS . de racwcinio e as instituições que são correntes ,:a p r atzca s~c~al que. o rodeia, ele coloca-se objectivamente ao servzço dessa pratzca sOelal . Fazendo i sto não só ele ai molda t odo o seu pensamento, mas também ai integ~a todos os que venham a escutá-lo e a lê-lo. M ais gra~e ainda ele deixa crer que certas t écnicas ou cert as institui ções sao unive~sais e naturais: julgando f alar r acionalidade e lógica, ele fala contingência e lógica específica de um daelo tipo social. O anel aperta-s e, então, sem que os que jalam n em os que escutam disso t enham. consciência: o discurso da ciência é um pavilhão que cobre, na realzdade, m ercadorias completamente di ferente s e às vezes pouco conle~s~veis_ É verdade como veremos mais adi an te, que esta cumpltczdade Objectiva / hoje denunciada em diversos lugares: será precis~ que as classes trabalhadoras denunciem a mistificação da p retensa lzberdade para que novas regras de direito sejam elaboradas em ma t éria de contrato de trabalho · será precisa a descolonização e o surto de r evoluções n o terceir~ mundo para que o direito i nternacional clássico seja p osto em causa nos seus fundamentos. Por outras palavras, os termos e as instit uições que eles recobriam, por t er em dur~nt e muito tempo parecido (maturais" e lógicos, deixam perceber hOJe a sua profunda solidariedade - querida ou involuntária, pouco in;-P?rt a _ com situações económicas, políticas ou sociais apenas favorav~ls a uma parte daque les qu e os utilizavam ou lhes estavam subme.t:do~. Um trabalho científico, por um lado, exige ter tomado consczencza dessa r ealidad e e) por outro lado, l eva por caminhos n OVOS o ? : osseguimento da investigação. Já não é possível continu~r ,a. utzlzzar os mesmos termos, as me smas teorias, os mesmos raClQcznzos para explicar as regras jurídicas na sua r ealidade. Já não é uma si~ples questão de coerência do pensamento, nem mesmo uma questao de honestiàade i ntelectual: a que obrigaria a consçiência a não p erpetuar um discurso que se sabe ser errado. Ê pura e simplesmente uma necessidade do p ensamento teórico, criti co, tal como o defini. Pura
n:
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e simplesm ente - e, no entanto, não chegámos ao fim das nossas difi· cu ldades. Que importa, desde que entremos neste m ovimento. Uma int r odução crítica ao direito: um programa ambicioso e, no entanto, possível. Tra ta-se, de algum modo, de fixar as condições nas quais um estudo cientijico do direit o é hoj e possível. Esta investigação l evanta, como a continuação o demonstrará ampl amente, enormes dijiculdades: este é o preço que to da a ciência paga para começar a existir. Assim, ant es mesmo de lançar um olha?" sobre o m undo jurídiCO que no s rodeia, é necessário fixa r claramente os pont os de refe rência, a orientação que vamos adoptar. Nenhum cient ista vai ao encontro da realidade que quer explicar sem «info rmação», sem jormação: é, como veremos, uma ideia jalsa a de acr editar que a ob servação é a jonte da des coberta 1 7. Não se descobre senão aquilo que se estava pronto intelectualmente para descobrir. É·nos, pois, necessário precisar que (( questões» vamos colocw' ao direito para qu e ele nos udigwJ o que é. E st as questões não podem ser deixadas ao acaso: elas têm necessariamente de jormar as bases de um sistema de explicação; por outras palavras, elas t êm de ter uma coerência teórica, a coerência de uma t eo ria. E sse será o objecto da nossa primeira l areja. Com o espírito e o (w l han, informados, iremos, então, ao encontro desse mundo jurídico que nos rodeia de maneira m ais ou menos solene, mais ou menos r ep ressiva, mais ou m enos ejicaz. No no ss o encon tro com esse 1rlUndo do direit o combateremos ao l ado daqueles que, p ara além das aparências, que· Tem conhecer a última palavra das r ealidades: descobrir emos, então. muitas «coi sas» q ue uma observação inocente nos teria ocultado, d e tal m odo é verdad e não h av er ciência senão ciência do oculto . E ssa será a nossa segunda tareja. Será possível, nesse momento, analisar de maneir a crítica as dijer en tes t eorias qu e se apresentar am como outras tantas explicações do dÜ·eito. Algumas delas confes saram a sua natureza propriament e filosóji ca, outras pretenderam, mais r ecen temente, contribuir para a fundaç ão de uma verdadeira ciência d o direito quando não de u ma ciência p ura. Estaremos em situação de poder apreciar essas afirmações à luz do que já soubermos desse mundo j uri dico, das suas técnicas e da sua lógica de fun cionamen to. Será essa a nossa terceira e última t arefa n esta intro dução crítica ao direito. Assim se explica o plano que v ou seguir: 1.:. p arte:
2.a parte: 3. a parte:
EpistemOlogia e Dh·eito. A Arte Jurídica e as Contradições Sociais. Ciência e Ideologias Jurídicas.
11 G, BACH ELARD, L e Nouvcl E.sp1'i t scient i f ique ( 1934 ), P. U. F., P aris, 1968, p. 5. F a lando do espírito r ealista cic·n.t1fico , au to r cscr-eve: «Trata-se d e um r eali smo de segunda p os ição, de um r ealismo em reacção contra a r ealidade u sual, em p olémica contra o imediato, de um r ealismo feito de razão realizada, de razão experimentada».
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PRI MEIRA PARTE
EPISTEMOLOGIA E DIREITO
o termo epistemologia aparecerá a muitos como extremamente insólito pela novidade que introduz num texto que se dirige a juristas: para quê compilúr as coisas e mistu rar não sei q ue reflexão filosófica a um trabalho de direito? Antes de r ecusar a palavra, pode ser intel'essante saber O que ela abrange e o interesse que pode apresentar para a nossa investigação. Para compreender a necessidade de uma r eflexão epü,temo16gica será útil descer à raiz do problema: esta raiz é a constatação de uma p rodução teó rica múltipla. O que é que isto quer dizer? Para compreenderem os fenómenos que 05 envolvem e os assaltam , mas igualmente para permitir a existência de uma comunicação social, os homens produzem «discursos». Chamarei discurso a um corpo coei'ente de proposições abstractas implicando uma lógica, uma ordem e a pOSSibilidade não 86 de existir mas, sobretudo, de se reproduzir, de se desenvolver, segundo leis internas à sua lógica. Este discurso diz-se abst.r acto neste sentj do em que é formulado com noções ou eonceitos e graças a m étodos de raciocínio, todos eles marcados pela abstracção. Em suma, o pensamento abstracto escapa assim à carga do concreto e eleva-se a um nível d onde os homens podem dominar, intelectualmente pelo m enos, os acontecimentos e os fenómenos nos quais se encontram mergulhados. Esta produção abstracta é , num :~ entiào, aquilo que é próprio dos homens que vivem em sociedade. i!; preciso, em seguida, assinalar a sua multiplicidade, Não é um diso::urso m as vários que vemos coexistirem, sobrepor-se, responder-se, l:ompetir no seio da sociedade. Citarei assim o discurso religioso, /) discurso filosófico, mas também os discursos técnico, económico, :mofa,lista, literário, poético, político, ideológico, cientffico ou teórico. ~~eri a falso acreditar que cada um destes discursos produzidos pela 33
vida social é afecto a um sector determinado, a um objecto especifico. Reconhecer-se-ia assim o d iscurso religioso pelo seu objecto, a relação entre Deus e os homens, e o discurso politico pelo facto de ele falar do poder. Mas esta a firmação é demasiadam en te simplificadora : n a r ealidp.de, estes discursos articulam-se uns com os outros, d e m od o q ue nenh uma fronteira pode se r t raça da, O discurso religioso fala também do poder de César e o politico não é indiferente aos problemas d e c o n s ~iencia religiosa . É pois preciso procurar noutro lado, já que afinal cada um destes discursos tem uma vocação hegem ónica, que r dizeT, tem vocação para «falar de t udQ»), para dar uma in terpret ação global da vida social. Esta conclusào reveste uma consequência imensa para o que nos preocupa: onde e como poderemos nós descobrir no emaranhado complicadO destes discursos aquele que ambicionamos escutar ou produzir, quer dizer, o discurso científico? Como reconhecer que se trata do discurso científico? A qu estão s ó aparentemente é ingénu a ou simples. Claro que, [l priori, a Ciência é diferente de tudo o que é dito sobre as coisas e o munrl0 que nos rodei2:m, Mas constatemos somcate que aqui confiamos no que é dito, no que é afirmado, no que é escrito: temoS como científico a produção declarada científica. ou proveniente de instituições ditas científicas, Ora, d o que se t rata ago ra., é de saber se, na a usência de qualquer (üabel n oficiaJ, conseguimos determinar as car acterísticas científicas deste ou daquele discurso, As coisas são m enos si!:lples do que parece: são nu meroscs os exemp los que mostram que, ~e nos vüarmos para a história, verdades científicas de hoje fora m condenadas no seu t empo como erros, Temos sempre uma situaç;ão confortável «dCPOjS)l: tudo parece de tal maneira evidente ! Mas estamos assim tão certos que t eríam os estado do lado de Copérnico no século XV ou de Pasteur no século XIX? É mesmo bastante incómodo e sintomático, aliás, por ra.zões que e~~p 1icitaremos mais à frente, que a nniversic1ade enquanto corpo, tenha, na maior parte dos casos, constituído o travão senão o tribunal dirigido contra a produção de nOvas t.eorias científicas ou contra o reconhecimento do cnrácter erróneo dos seus próprios ensinamentos. lf: pois preciSO pensar madurf.Lmcnte antes de ter certezas neste domínio, De facto, se só tivéssernos o desejo de conhecer direito como um amador pode fazer da pintura ao domingo de manhã, ou a ambição de falar sobre d ireito para alimentar umas tantas con versas ou alimentar umas tantf!.S polêmicas, se r-nas-ia indiferen te que o nosso propósito fosse pe rfeitamente sólido; mas trata-se de uma coisa completamente d iferen te ! Pretendemos ter acesso a um conhecimento cientifico do direito: dizemos que apresentamos, qu.e introduzimos a ciência jurídica, A afirmaçã o não é ambígua, é cla ra, m as a prudência, como a h onestidade, exigem que verifiquemos bem o conteúdo d esta afirmação, Não é pois supérfluo nem desn e c ess~tr io perguntar-se que condições deve cumprir uma produção t eó!'ica para m erecer a sua qualificação de cientifica., Dito de outra m aneira, é capital para a n ossa tarefa sa lJ(~ r porque é que o conhecimento que tivermos do 34
direito justifica a denominação de conhecil1!ento jurídico, A resposta tem precisamente a ver com o termo não habitual que abria esta parte: epistemologia, Pode ela de facto ser definida como o conhedmento das condições da produção científica " Contrari31nen te ao flue certos autor es afirmam 2, este objecto não é o único capitulo lla f.ilosofia que mereça interesse: é uma disciplina. auténoma ele reflexão, não sob re as ciências já constituídas - nesse caso s8Th o nome moderno da filosofia das ciências - , mas sobre as cO!1dicões n ns quais aparecem e se desenvolvem as disciplinas cientiiicas.' E portanto para uma epistemologia do direito - entenda·se d a ciênçia jurídica - que somos remetidos. Não abordamos aqui uma terra incognita: trabalhos de epl::temoI agia podem servir de pontos de r eferência., sobretudo dGsde há alguns anos, nas Ciências ditas s08iais . If; aliás c:urioso - r~12S cXDlicável - que a ciência tenha p:-aticamente passado ao bdo de tôdo este movimento e que, contrariamente a Dutras di.o::ciplinns, r..2D tenha reproduzido reflexão séria sobre as condições da sua próp ria validade, Se tirarmos as investigações mu ito partjculares e conhecidê.s de alguns especialistas ~ , é p'eciso reconhecer a extraordini:>:ia seguran ça de uma ciência que n§.o produz qualquer d uvida. sobre o seu valor, como se tudo fosse evidente. É certamente desta auto-suficWncia e da c rítica d e todos os a priori do con hecimento jurídico que é preciso partir para chega r às condições de u ma. verdadeira ciência do direito, Indicámos a~sim os obstáculos epistenlológicos cuja enunciação e análise constituem as condições pré"i~s necessárias à con.strução do objecto da nossa reflexão: o direito.
t c, G HEMPEL, Eléments d 'é-pistétno lfJ[!ie) COl ln, Pari", 19Tt. Para uma t:!rí tica mu it o interessa nt e ler: D. LECOURT, pour ttne orUtq ,~e de l'épis!érno · l ogie~ col. T héor ie, Ma spero, Paris, 1972. ') M. V rJ..,LEY, P llilosophie du droi t , Da lloz, 1H75, p , 21: ~ O q ue é que res ta a.o fil ósofo? Aos cienUstas n ão se de ixará ~eTlão quase a CTlistcmol0gia, quer dizer, u ma teOria d as ciên cias e con s truída a p a r tir das ciên cias_ ( ... ) Mas a s ciên c!n.s de t ipo moderno jama is p oderiam saU ~fa7. e r a n ossa n ecessidade d e conhecimento. ( . .. ) Ora cada um d e nós pode Cl:contl'ar em si t! n ecessidn d e d e filoso fi a». :I A r evista Archives de philoso-phte du d roit é ccr ta r.1 cntc o m e lho r exemplo d e publicação qu e 1cvanta e stes p;f oblema s: epistem ológicos. Ver, por üxemplo, os I"'. úmer os d e 1958 ( << O p A.pCl d a v ontad e n o d irei t o») , 1%9 «, Di r~ito e Histór ia) , 1960 ( .u\. T eologia cri stã e o Dire ito» ), HJ61 ( << A Reforma dos (~st ucios d e direito»), 1962 ( << O que é a filosofi a d o direito? » ), 1963 ( e:A Ultrapassa.gem do direito :!» , etc.
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I - OS OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS À CONSTITUIÇÃO DE UMA CI~NCIA JURíDICA
o conceito de obstáculo epistemológico deve-se aos trabalhos de G. Bachelard que o define como um impedimento à produção de conhecimentos científicos 1. Não se trata de modo nenhum de um obstáculo visível e consciente: bem pelo contrário, funciona a maior parte das vezes sem que os próprios investigadores tenham consciência dele. Não lhe encontraríamos tão-pouco exolicação psicológica, com fisco de desnaturar completamente este fenómeno. Com efeito. não se trata de modo nenhum de umas quantas dificuldades de ordem p~ico16gica, mas sim de obstáculos objectivos, reais, ligados à3 condições históricas nas quais a investigação científica se efectua. Assim, estes obstáculos são diferentes segundo as disciplinas e as épocas. pois testemunham, em cada uma das hipóteses, condições específicas do desenvolvimento da investigação cientifica. Convém, p2!.'a o nosso ob,iectivo, definir a especificidade dos obs~ táculos que encontramos imediatamente no momento de precisar a possibilidade de uma ciência jurídica. Tais obstáculos dependem pois, em França. hoje em dia, de toda uma história, que é ao mesmO tempo a das instituições nas quais direito é ensinado, a das instituições políticas que produzem este direito, numa palavra, a história das características da sociedade francesa. São estas que, em última análise. podem explicar as modalidades particulares destas instituições politicas ou universitárias. Proponho a título de hipótese de trabalho resumir a análise destes obstáculos sob os três seguintes títulos: a falsa transparência do d ireito ligada a uma domjnação do espírito positivista em França desde há mais de um século; o idealismo profundo das explicações
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1
G. BACHELARD, La Formation de l'esprit scientífique (1938).
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jurídicas, consequência de uma forma de pensamento que é em muito m aior escala a das sociedades subm etidas a um r egime capitalista; fi n almente, uma certa im agem do saber onde a especialização teria p rogressivamente autorizado as compartimentações que constatamos actu alm ente.
I. A falsa transparência do direito As obr as j uríd icas e mais especialmente as «introduções ao direito» r aramente se preocupam com o problem a antes d e tudo cient.ifico: a defi nição d o objecto de estudo cuja dificuld:1Cle veremoS mais tarde. Pelo contrário , com uma simplicidade desconcertante, os autore.':: contentam'se em deitar um a olhadela sobre as instituições jurídicas da nossa sociedade para dela extra.ir o conhecimento, a ciência do d ire ito. Eis como geralmente com eça a in t rodução ao direito clássico: «; p a ra não tornar pesado este trabalho ~ . A WE-ILL, Droit cil>il, D a lloz. P a ri s . 197 3, pp. 4 · ~. H. L. e J. M AZEAUD, LeqMls d e dr oH civil, op. cit., t. I. p. 1 8. ,1 J. CARBONNIER, Droit civil, P. U . F. , P a ris , 1 974, t. I . P 1 3. " VI~ r I ~'unlme n te as obras de M arty e RaynCiud ; de Planiol e Rip ert; e B. S T ARCK , Droft civil. int r odução. Libralrle T echn'Qu e, Pn.r l(; , H.I7 2 : uma Int r odw:;ão ( p . 6 a parti r do D." 5) extrema m e n te in teressa nte. mas que não :l
conduz cm segUida a ne nhuma r e novação do estudo do direito ...
E stes poucos exemplos ilustram b em o «pal'ti·pris» dos juristas, Ilue constitui a primeira dificuldade para quem quer abo:dar est_t;td~ do dire ito de u m mo do científico. De facto revela·se aqm um a pll.On do pensamento teórico tão pernicioso quanto subtil, po rque parece t~vidente, m elhor ainda: porque p a rece conforme ao ~en~amento d entífico. Pelo menos à. imagem q ue nós fazemos da ClenCIa .. Est~ atitude consiste na afirmação de que o conhecimento do di~elto e ()xtraido da experiência que dele podemos ter na no:~ a .s o~le~a?e. E:sta valorização da experiência imp lica u m a for ma de ClenCIa Jundlca chamada p ositivism o.
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1.1 O Empirismo na descaberia do Direito A aventura d.a ciência jurídi ca não é muito diferente da. das !utras ciências qualific8tlas de human as como a sociolo g·ia ou a psicologia, sob r etudo: o ponto de partida desta ciê ncia encontra-se historicamente n uma reflexão de tipo teológico ou met afisico. O que I ·' que isto quer dizer? O direito, enquanto conh ecim ento das r egr as j~rídi c as que os homens devem resp eitar no seio da sociedade não tmh a, h á a l gu ~s :;(Sculos ainda, existência autónorna : esta\·::;. integrado numa reflexa o que parecia muito mais fund.amental e muito m ais im portant.e, a teologia, quer d izer, o conhecimento d a exist éncia e das vontades ~e 1)(:1.1S face aos homens. As regras de direito (como estu daremos malS I:ll·de ) 8uarocem com o p rolongamentos desta vont ade divina. O estudo d ~ -düctto não era senão pois um capítulo da teologia, « ciência~) Ilue t endi;.., r:1:i's, a integrar todas as outras investigações ou pelo IlIenos a subo;:(1i.!-1~l -l a s. Na med ida que, por razões particulares :1. sociedade feudal, }J0l' exemplo 0, a teologia ocupava este lugar pri~j· tp.riado e desenvolvia t:.r.1 r];.scur so soberano, a ciência jurídica n aO p(7dia existi r e desenv o!ve.r-;·;2 ["('não sob a sua tutela. Daí resulta :Iq uilo a que chama remos a p rob1::miÍtica inicial da ciência juríd ica: :l p roblemática t eológica. O estudo elo dir eito não _encontra r:em o ;:(!u fundam ento nem o' seu ob jectivo na p r eocupaçao de expllcal'. o 'p le são realrnen le as r egras jurídicas, a sua função no seio da sOCIedade, o seu modo de transfo rmação. A referência do jurista não é IHlis a sociedade, o qu e é um pon to de vista relativamente mo de:-no: : 1 referência é Deus. É pois, em relação ao ensino teológico, qu~r ~l~e r , "In r elação às suas definições, às suas categorias, aos seus raCl o ~ mlOs, que o jurista vai , ele próprio, definir e raciocinar. Quer seja. em direito públiCO qua ndO se trata de analis~r as for~as do ~oder poli. I ieo, quer seja a propósito das instituiçoes do dneito p n vado refe· n'nte às pessoas e aos bens, em todo o lado se ~ncontr a o peso da II 'ulogia: o poder d o príncipe é u m cargo confmdo p or Deus, em I
em
"
Cfr. a diante, parte III, cap . 1.
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função do qual se ordena o seu exercício; a explicação das relações entre as pessoas é igualmente marcada por toda uma concepção da Criação e da sua ordem. A laicização do direit o a partir da Renascença não transformará verdadeiramente as coisas: a Deus suceder-se-á a Ra zão ou a Natureza, a metafísica substituirá a teologia. Da mesma maneira, as instituições jurídicas serão analisadas a partir de um certo número de noções, t anto a da na tureza das coisas como a d e vontade ou de equilíbrio. Por con seguinte, a ciência jurídica é governada por {(conceitos) e modos de raciocinio que lhe vêm de outro lado, de um sítio que é suposto ser o centro de t odo o p ensam ento : a abstracção metafísica. Eis rapidamente esboçn.do o quadro do conheciment o da ciência jurídica 7: isso explica de certo modo O obstáculo com que deparamos hoj e em dia. De facto, longos períodos foram precisos para que o conhecimento do direito pouco a pouco se Ilberte desta metafísico.. É preciso, aliás, acrescentar desde já que esta liberta~-<1.o é parcial e que encont ramos ainda. vestígios elestes a priori abstractos n o est udo jurídico contemporâneo. Mas é verdade que aparentemente, pelo menos, tanto a investigação como o ensino do direito revestem o c.?~rãc:t er de um estudo (:objectivQ)). Já não é necessário acreditar em Deus ou ser p a rtidário desta ou c1aqu 01a filosofia pura encetar ou prosseguir estudos de direito: as Facu1dades ele direito já não vivem à sombra das eatedrais. Compreende-se que a partir de Rgora, o empirismo tenha não só ganho terreno, mas se tenha afirmad o como a via normal do estudo cien tífico. O significado mais sirrtples do empirismo consiste em que todo o conhecimento é tido como resultado da experiência. Qualquer outro meio seria reputado de fazer apelo a noções ou a teorjas estranhas, suspeitas de filosofia. O que há de mais neu t ro, de facto, de mais objectivo, de m ais evident.e mesmo, do que a constatação das coisas e dcs instituições que nos l'odeiam? O Estado , os contratos, a instituiÇ8.0 do casamento, os trihunais 1:.80 são simples invenções do espí· rito: l1~,O são «ideias» no sentido em que alguns analisariam o sentido estótieo. o incOl1scíente ou os nt.";mcros inte~ ros. O Estaco, um contrato, um tribunal aparecem em primeiro lugar como objectos reais, se podemos dizê-lo, materialmente constatáveis. Fazem parte de um meio concreto, preciso, fora de discusEão quanto à realidade da sua existência. Um estudo científico dest2s instituições ou regras do direito deveria pois encontrar a sua génese na observação ou reconhecimento da experiência que delas se pOEsa fazer. Como conhecer o Estado? Evidentemente que não, dirá a maior parte dos autores, fazendo apelo a uma teoria do Es tado, admit ida a priori, mas sim observando o que é o Estado, tal cama ele funciona hoje em dia. Da mesma m aneira, uma explicação do contrato em direito' privado Trata· se aqui de uma slmplifi caçã.o evidente: terei oea siào ele lhe expli · citar o Conteúdo em de,'}envolvi me ntos poster:ores.
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U8..0 poderia ser senão a teorização de um conj unto de fenómenos ({ue se impõem à oh::ervação : um contrato ê um acordo entre duas
pessoas que tem por efei to cri ar obrigações jurídicas. Muitos, e não dos menos impor t antes, acrescentariam que a vida social e portanto a vida juridica são extremamente ricas em fenómenos que velhas i.corias tenderi am abusivamente a simplificar: ao rej eitar estas ideias feitas sobre o Estado, sobre os contratos ou 1:1. acção adminü:trativa, aquilo que se não d escobre! Numerosos factos que os a utores antel·iores não conheciam vieram hoj e trazer novidades e complexidade ú.s regras jurídicas . A experiência e a observação seriam pois as palavras·chave não Só do conhecimento do direito en1. geral, m as do conhecimento actualizado. a jortíori , de uma pesquisa fundamental. E no entanto estas afirmações têm o enorme inconveniente de assentar num equívoco respeitante à pnitica cientifica, especialmente ao papel da experiência no conhecimento científico. Com ris co de chocar, é preciso afirmar de imediato que um cientista não fundamenta o ~e u conhecimento na experiência. É truísmo recordar o Que é a. experiência no sentido científico: ô sempre uma {(experiência const ruída»)~. O sábio não aborda o ob jecto da sua jnvestigação com um olhar inexperiente ou inocente: ~b o rda-o j ustam ente com uma m::t~;sa de conhec:imcntos e informações que diferencia. a obserVação cient.ífica da observação vulgar. Onde o observador vulgar não vê f':en~lo formas, cores ou pesos, «verá» o sábi.o outra coisa: a aplicaç.ã.o ele um certo número de teorias respei tantes à mat.éria. Tem-se, mu itas vezes, tendên cia a esquecer esta realidade do trabalho do cientis ta: al guns m esmo, de entre os den tü:tas, afirmam com insis tência, que t udo se encon tra na experiência. Não vamos, por agora, procurar as razões pelas quais os próprios cientistas contam uma história da ciência difer ente das suaS práticas r eais!). Fixemos só o que é a prática cientifica efectiva: a experiência vem confirmar a r eflexão, ela nunca é o ponto de part.lcl.a., Assim, a abordar:cm dos fenó menos é seIDlJr€ rr.ediata, nunca hnediata. Esta mediatização é muitas vezes apres entada como sendo a intervenção dos «fI.parelhos» de observação que deformariam de algu m modo a obEervação: do microscópio às técnicas da sondagem I'm sociologia. encont.ramos ~en1pre a dificuldade de um écran, de um intermediário entre o observador e o objecto observado. Esta nbservuGão é insuficiente; na realidade, o microscópio, da. m esma maneira que a técnica da sondagem, são cristalizações de teorias dentíficas~ teoria da propagação da luz, teoria da amostra socioló-
8
o texto mais clássico e mais claro é o de E. DURKHEIM, De ,'; Reqlell
do lI' méthode sociol ogique, P. U. F., P
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1975, nomeadamente pp , 47 e
gica. o intermediário entre o obsel'vador e o ob ' t portanto, sempre, de facto, a prese~ça da teoria Jge o observado é É: _ p~rtanto, l?erfeitamente ilegítimo colocar' a observa ;;: explicação_ cientifica. E sabores, tal como m~strou :::p;nsm o nao pDd~ senão levar a disQue pode descobrir um ObSe~'lad~~t~~oc~nirOP6SItO d~ sociolog'ia lU . uma (certa. realidade)?.Esta longe d e ser euma das p«realldades)), senão . , a rte da realidad , eUm necessanamente deforma çao - d.l _ ilusória. e exempl o aJ.uda uma . c a., uma representaçao r a a com preender esta arrm' ç- S na experiência ê u m fuct ,..' ~ 1 a ao: e devo confiar A partir dest~ obse; 'a _ o que. v. . Jo o Sol andar a volta da Terra.
:~i~n:~~rt~~t~r~,:::~~~ ~~:e ~a
iSSZ~~ ~a~t~
em que a Terra é o C;n~l~(~ i~~~~e~ (~CesUe~v~i:::m;o~~d~~aS~lo~~~;~~~~ um dos elementos moveIS. Esta explicação é coerente e I caso conforme ao . . ' em qua quer ela falsa C . ~ue eu veJ o _11. E, n o entanto, sabemos hoje que . opermco tem razao contra Ptolomeu porque põe em causa a observação inocente. ' co ~~r .~xten~~ão, poderemos dizer que qualquer ciência não se pode ns 1 UII senao recusando a obser vação co u 1' viria d
é
n:
caçoe~ U.~
m~l~
li:
d
1.2 O Positivismo na explicação do Direito
o positivismo é uma. e;:'col â frente 12. conside á 1 ; a. d ou t· nn a I, como estudaremos mais , . r .. o·emos aqUI enquan to corrente d o pensamento enquanto atItude epIstemológica geral. Esta atitude define-s e por um~ . 10 P. SOROKIN, T endances et D -bo~ . . A ubler, Paris. 1959 ; ler desig'nadal . t e tres . d e la 8ocíolog18 américaine, 3Ociab , p. 222. nen e o cap ltulo 10: «O Cu lt o da física . 11 E, como p or acaso - m as nã é d c um acaso qu e se trata - esta exp llcação vem corroborar os t extc" r~' a Ter r a no centro do m undo. ~ hgiosos que, metaforicamente, colocam
12
Cfr. parte
m,
cap , 2.
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pOSlçao up8.rentemente isenta de qualquer reparo : o estudo cientifico do direito é o estudo do direito .;;:xperimentalmente constatável: o direito positivo, dit o por outras p~ lavras, as regras do direito fixad:::.s pelos homens. O estudo do direito à,eve ser relativo a todas as regras, lTIG.S deve lim itar·se só a elas. Esta afirmação parecerá inteiramente correcta; para lhe apreciar ovalar, é preciso dizer em relação a que outra corrente do pensamento se afirmou o positivismo jurídico . Este é uma reacção à dominação do pensamento jusnaturalista até ao século XIX 1.1, Para me cingir ao essencial, direi que o j usnaturalismo é a doutrIna que pretende encontrar a origem e o fim do direito na Natureza - podendo este último termo ser evidentemente compreendido em sentidos muito diferentes, como t eremos ocasião d e constatar . Assim, qualquer expli~ cação jusnaturalista r eferir-se-ia à. existência e ao valor de r egras não escritas, superiores aos homens e à sociedade, determinando aS regras jurídicas fixadas pelOS homens: o direito natural. Sabemos o uso que em direito francês foi feito deste direito natural: a Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789 é dele uma expressão particularmente clara. E m direito privado, tanto o direito de propriedade como um certo número de instituições, tais como o casamento ou a filiação, eram estudados c interpretados à. luz deste direito natural. O mesmo s:e passava com o direito internacional. Esta atitude tinha duas consequências. A primeira é que era considerado como parte da ciência jurídica o estudo das regras que não pe rtenciam cm í::8ntido estrito ao sistelna de direito que reg~Ll' lava as relações sociais. Considerando esta afirmação, seria precisO dizer que este direito natural estava já em parte representado nas regras do direito positivo, er a, pois, sua parte integrante; mas certas regras do direito natural H nem sempre tinham expressão de direito positivo, o que conduzia à segunda consequência. O jurista jusnaturalísta era levado não só a expor as regras do direito positivo, m as aind a a apreciá·las em relnç3.o ao direito nat ural. E stes juízos de valor apareceram como completamente estranhos a uma obra cientifica do século XIX. Montesquieu tinha sido, na matéria, um pre· cursor, uma vez que mostrava que as leis jurídicas eram regidas por leis científicas (designadamente em r elação à geografia, ao clima, à histó ria l r. . Os juízos de valor encontravam-se , po rtanto, submetidos prinleiramente a um a análise científica. É esta preocup ação de «espí. rito positivo» que faz progressivamente abandonar posições jusnaturalistas que aparecem como o ressurgir intolerável do espírito filosófico no seio d e uma ciência . P a rte III, cap. 1 . Veremos que a ideia de que o d ireito natural comporta
op. cil.
l~
L 'E sprit des lois (1748 ) , L a Plêiade, Paris, reed. 1910~
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Não se acredite que se trata de u ma s imples substituição d e teorias que evoluiriam assim no mundo das ideia.s: a atitude positi· vista dominante explica-se face à evolução geral da sociedade francesa .dur ante o século XIX _ A revolução d e 1789 m arca, d e certa manetra , uma ruptur a neste domínio: a um dir eito essencialmente forjado por uma história acidentada mas sempre sob a autoridade última de Deus , su cede um direito que se afirma fru to da Razão p ura. E s ta pretensi:o c:-: plicaria q ue os comen tadores deste direito aparentemente cheio d e lógica e de r acionalidade tivessem podido pensar que a simples interpretação dos textos era suficjente. A verdadeira explicação res ide, na realidade, nou tro lado : não se compreend eria p orque é que, de repente, a sedução da Razão positiva teria lançado o jusnaturalismo no limbo da filosofia. E sta mutação não faz sen tido senão r elacionada com a t ransformação das estruturas sociais e políticas da sociedade francesa. O jusnaturalismo correspondia, sob retudo no fim do séeulo X VIII, à teoria de que necessitava a burguesia ascendente para critica r a feudalidade e t ran sformar a sociedade que se opunha ainda à sua dominação. O positivismo será, a partir da codificação napoleónica (de que é uma m anifestação e não uma causa), a teoria de que tem necessidade u ma burguesia CjtJe se tornou domin ante no sistem;:l sociopolitico . Depois da escola da crítica segue-se a d a exegese! O estudo do direito transforma-se no estudo das r egr as ditadas pelo legis lador : nã-o se ensina mais direito civil, há sim um curs o de Código de Napoleão. Tem·se bem n oção de como o p ositivismo se mantém no limiar da apologia do sistema jurídico·político vigente, uma vez que ele se proibe por definição qualquer ingerência no domínio dos valores. Isto não quer dizer que o jurista nunca venha a dar a sua opinião ou manifestar a sua apreciação sobre o conteúdo do direito que ele estuda ou ensina, m as ao agir assim, ele abandonará o terreno da ciência e entrará no da moral ou da p olítica. A manu tenção na ciência jurídica exclui pois todo o «deslocam en tQ)). A ciência será positiva no sentido de ser
fundir estes dois pontos de vista . Uma coisa é a descrição teôrica do direito, outra a definição exigida pelos P?'áticos 1.G)~ ., • As r egras de dlr en o, formando um Sls tema JurHhco numa dad~ sociedade _ o direito francês contemporâneo, por exemplo - .expnmem-se at ravés dos term os e das instituições particulares . Tats termos e instituições, nascidos n<1 prática, qu er dizer , naSCIdos das necessidades próprias a uma dada organização s.odal, não t~m qualqU~~ p r etensão científica : correspondem a necessIdades ~e vlda de SOCle dade. E que d e fac to, antes de 0 5 cientis tas inte rvuem, os homens fazem das coisas rep r esentações m ais ou m enos adEquadas, em qu~l quer caso nccesEárias ao funcionamen to social. Sem esperar por te?n~ científica sobre o E st3.do, o juiz ou a troca, os homens ~aze~ VIV: l o Estado, colocam j uízes, esta bclecenl relações convenCIOnaiS. Nao sabem, no entanto, o que é O E s tado, a justiça ou a tro ca . ~as ta-Ihes poder p raticá-los e, em qual quer cas o, pod~ r falar deles. A~s~m, todoS os dias, nom eamos estas realidades que sao o E stado, O JUlZ, O cont rato sem saber , no fundo, de que é que falamos exactamen te . Co~no escr~viu um sociólogo no princíp io deste século 1), u s~n'lO ::; noçoEls nascidas da p rática e confer imos-lhes um valor que elas nao ~~m , ~cre ditando que, por ser em habituais e estarem largament~. dlf~nd:~as, s5.o verdadeiras. Daí a utili~á-las numa investiga.ção dIt.a. ~lentlflca, vai um grande passo. Ele é alegremente da d~ pelos pOSltlvls tas. No fundo, estes, tomando as coi~ as tal qual elas sao - ou com~ Fe~as par ecem ser _ constroem, ainda que o neguem. todo o seu edlhc.lO s,o:)re o conhecim en to vulgar e acabam por lhe d ar estatuto clCntlflco. As obras mais abst r actas sobre o Estado não subvertei? real_mente. o nosso conhecimento intuitivo do E stado, o que a nossa mserçao SOClal esp ontaneamente nOS deu: u ma instituição encarregada d o bem d a (~olectiv idade com as dificuldades que esta tarefa compo ~ta. Tal como p<:l ra o contrato, a fa.m ília e todas ~s instituiç ões jurídICas da nossa sociedade. I sso não significa que nao ten ham os nada a ~p.render e Ilue a licenciatu ra em d irei to não sirva para nada ! Sem duvlda , .compreendemos m ais de perto a com plexidade das coisas e as subtilezas l !l M. VILLEY, «Um a d efi n ição do d ireito», A rcMves de p hiloSop hi? du I. ·t 1"59 pp 47 e seo-uintes. Ma s n ã.o tiro a s mesmas conelusõ~s desta cntl ca , U ,· o ' d idea lISmO i:. ue o profe ssor Villey cai , quanto a mIm, no erro o . . q E D URKHE IM. L e:s Regles .... 01). cit ., pp. 15 c 8eg u :I~.tes: «Antes dos rim e i~os r udimen tos d a fís ica e d a ~uímlca, os home n s j á tm h~~ sobr e ":: f~nómenos f is:eo-químieos n oções qu e ultr~pas~avam a pur a pcreepc.;~o (.~d~ I;; ( ue de f acto, a r efl exão é an terior à c êOCla ( ... ). ? homem n a o P d V ~l' 'no melo das coisas sem delas fa zer ideias a pa.rttr da s qurus reg u la t. ~ma conduta. Só qu e, porq ue esta s n oções cslão m aIS p róx imas de nós e ",ais àO nossa a lcance do qu e as r ea lidade s a qu e corre spondem, t endemoS .,.. l llralm en le a s ubstit uí· las a estas Ul timas c a fa7.er delas a própria maté~a ,1:1::; nossas especula ções ( . . . ) . Os hom ens não esper aram o aparecl m~nto Ul a " I,~n cia RO cial, p a ra ter em ideias sobr e o dir eit o, sobre a moral, ~ a:n a, ' . K'llado , a própria sociedade, p ois não pooia m passar sem € llLs ,I! al a VIver»: 'P;li s n oções, Du rkheim chama -a s pré- Do~ões, 4:produt os de exper_ encla~ ,rep e I u b s, tirando d es ta r epetiçãO e do h á bi to q ue da.i resulta, um a e&l'ecle de I;;n'ndente e de autoridade.
• :1 01,
1.
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da arte jurídica. M as, em última análise, o nosso senso comum é
satisfeito. Encontramos sempre uma confirmação do aue podia parecer à partida como normal ou lógico. , E evidente no que vem a dar uma posição positivista: reforçar as ideias recebidas, estas noções feitas a que Bacon chamava as «pré-noções». Ora elas constituem justam ente um obstáculo epistemológiCO extremamente grave. Devemos pois desembaraçarmo-nos delas para ver as coisas tais quais elas são e não tais como no-Ias deixa ver o nosso sistema social. A partir daqui, uma explicação do d ireito não se pode limitar ao simples enunciado da constatação desta ou daquela regra: e da análise do seu funcionamento: ela tem de ver ((para a lé m » deste direito positivo, o que lhe justifica a existência e a especialidade. Vencermos este primeiro obstáculo epistemol6gico é, pois, desfazermo-nos da ideia da transparência do objecto de estudo: é aceitar que as coisas são m ais complexas do que aquilo que a observação deixa ((ver)}, é ler o complexo real sob o simples aparente. Para evitarmos este obstãculo, será, pois, preciso cons truirmm; o objecto do es tudo.
2, O idealismo jurídico
o segundo obstâculo epist,emológico assume a figura de idealismo. E ste obstáculo não pertence aos estudos jurídic os, mas assume aí um relevo muito particular. Alguns exemplos tirados dos manuais instruir-vos-ão sobre o que entendo por idealismo. O exemplo mais claro encontra-se no tratado de H., L. e J. Mazeaud. Assume mesmo um carácter polém ico bastante interessan te. O primeiro capítulo abre quase imediatamente com a apresentação d as doutrinas espiritualista e m aterialista. Assim, começa uma ciência do d ireito inteiramen te dominada por um debate metafísico: do lado dos espiritualistas, (ta justiça)}; do lado dos materialistas (
franceses que neguem que a regra · do direito pl'ossegl.l€ a realização de um ideal de justiça) i ". _ . _ g e um modo geral, o idealismo nuo assume ~sta fo.n~a. d~~ l~.a~ '~-.mrinle-se mais d iscretamente, conlO neste extl ado. ('~d"stdu, do ra , ...,~> ,• • t· A necessl '1 e regras (de conduta social) devem fazer remar a J~S Iça. '" ~~ de iustiça, quer dizer, de equ!dade e de pl'otecçao dos fruvos: eXl~te em ~todos os homens c. .. ); as r egras de conduta devem tam~em dar· .nos a segurança. p ode-se mesmo dizer que o hor:nem teI? ..m~ls neacessidade de segurança do que de justiça. (. .. ). EXIstem dlVdsas rebras tu' "'s reg'ras de direito, as regras resultantes d OS.. c~stun~.es , d e co ndu c. '" ou)} , l"ll'ocedentcs de au t 0 1'1·dH des l'el1(l'lOsaS .~ <. 2.:; r cgTds de mOI·" l '\~. l·e vr i1:; .t-" • , 's• E assim por dian te.. . à excepção de um Jean c.arbonm~r , ~al preocupado com sociologia jurídica, mas no en tanto amda mUlto .Idealista Para prova: lIAs regras de direito não ap arecem sem caus a, u m e t~ númerO de dados p rofundos (verdadeiras origens das regr~s .de c r ·d mos a regra de dIrei to direito) explicam a sua génese. Se conSl e~'ar . , ~ . ~ J. ' . q:: inscrita no artigo 205, encon t.ram os, em p rll~CH-O lu~~r, n~, Slht 0,1: um dado senti men tal, um sen timento de pledade flhai que ~e, n~o controla; depois um dado raciona!, uma consi(ler~ç.ã~ .de :qmhbno: de equivalência d e reciprocidade ( .. . ); um dado utIllta no mnda (: .. ), finalmente, um ' dado histórico :.!l)l . O autor ~est~~i pelO seu enur:clan~~ as premissas da sua demonstração. ver·se-a,. ah,~s , q.u: eS0~~' cmme. ~ autor se inclina curIos amente par a urna expllcaçao flS10 ló~,lca noutl o. passos " sem romper apesar disso. com o idealismo! l - ser 1'd,e a l'sta As dificuldades que um jurista. tem para nao : . No seu t significado m ais comum, o idealismo é uma corren:e. do pens.a~en o filosófico que se opõe aO materialismo: a car actenstlca CO~ SlS ~ e em que para um idealista, o princípio fundam ental d~ .eXPhcaçaob·~o mu~do encontra"se nas ideias, na Ideia ou _no , Esplr~to: conce'l~ o como superior ao mundo da matéria; este nao e, em ul~lma ana lse, senão o produto ou o efeito do Espírito que governa., pOIS, o mundo, segunda a expressão de Hegel. _ . 1 Os juristas não vão tão longe, ou melhor, nao preCIsam formu ar , '0 filosófica tão definida. Basta-lhes faze r prova de um uma poslça . , l' sado da seguinte idealismo muito mais discreto, que pode ser ar:a 1 .' maneira A atitude dos j uristas resulta de as n oçoes de dl!elt~ ser~~ . ~ resentadas e tratadas, nos factos, fora de um contex o s~CI.a ~:-J:~. jurista não nega a existência e o peso das estrutu:as so~ta:s, subordina-as ao seu sist ema de pensamento. Estes m ecanIsmos 111 ei('ctuais conduzem a resultados desolado res: os fe~óI?enos, por veze~ oJs m ate:: evidentes, perdem-se, enquanto que ~s Ic:.e1as se _tornam t:W1dam~nto da r ealidade. A introdução ao direIto na~ é senaO sempre a aprendizagem insidiosa desta inversão de perspectIvas. t:J. ,
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H., L., e
J~
MAZEAUD, Leçons. ') op '. cit., p, 19.,
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..
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:
19 18
• ' ,'
~1
l bid., pp. 21·22. A. WEILL, Droit ctvll, op ctt., pp. 4. 5 J. CARBONNIER , Droit civil, op . clt) P
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2.1 A bsrracção e abstracção
Pod er·se·la, à primeira vista, objectar que é impossível raciocinar sem ideias e que, aliás, a pretensão de não ficar pelos fenómenos admite bem a hipótese de se recorrer a ideias abstractas: como não ser então acusado de «idealista»? Esta objecção falha o seu objectivo: há abstracção e abstracção ou, d e outra maneira, nem todas as abstracções são equivalentes. Como o demons trei anteriormente, os homens produzem necessariamente, face aos fenómenos que os rodeiam, «ideias» pelas quais tentam apropriar-se intelectualmente de tais fenómenos , dominá-los, submetê-los, sendo capazes de os pensar. Mas há justamente várias maneiras de pensar, ou antes, há várias maneiras de conduzir o pensamento. E ste não é nunca em sociedade um «pensamento selvagem», para retomar uma expressão de Lévi-Strauss 2~. E, aliás, nem o pensam ento selvagem é desprOVido de leis d e funcionamento. Se acreditamos n este etn ólogo, e le tem uma estrutura. A forti ori, o pensamento educado, formado pelas instituições da nossa sociedade, n ão pode desenvolver-se sem respeitar certas regras. A nlaneira de p ensar em poesia não é a de um historiador, que n ão é a de um técnico de electrónica. Ora, é uma produção de ideias a um t empo espontânea - pelo menos aparentemente - e extremamente d esenvolvida de que somos os autores e muitas vezes as vítimas: chamar·lhe·emos ideologia. O que é que isto quer dizer? Os homens não podem viver em sociedade sem fazer da sua situação, dos acontecimentos e d as ins tituições que os r odeiam uma deterntinada representação em «ideias)) : estas são pois, de certa maneira, noções abstractas, tendo como objectivo permitir aos homens mover-se intelectualmente no seio da sua vida social. Para m elhor me fazer compreender, irei buscar um exemplo à psicologia m ais elementar. Todos nós somos obj ectivamente definidos por determinadas características: nasci em tal an o, em tal pais, no seio de tal categoria social; efectuei tais estudos e moro actu almente em tal bairro, etc. Para poder dominar todos estes elementos heterogéneos , devo fazer de les uma dada representação, e esta gira particularmente à volta da ideia que eu faço de mim mesmo. «Vejo-me», como se costuma dizer, de uma certa maneira: grande, bela, tímido ou mau, e 1sto, sem que esta e
C. Lt:VI.ST RAUSS, La Pensé6 sauv age, P lon, Paris, 1962 .
,_!·)10go. Este, atraves de cert.as conversas ou cert os testes ~'i , pode des,! )bl'ir·me, r ovelnr-mc de algum modo uma personalidade de que eu 11:'[0 t in I!;). consciência. A uma úmagC:l1lJ), ele vai opo r u m a {lômilisE:»)
Não d iscutirei aqu i o valor dos testes em p sicologia: admito só a
Mais exact amen te, o meu meio social confeccionou uma imagem de mim mesmo que eu interiorizo e de que penso a '3eguir ser o autor~
hipótese de qu e há determinados meios para analisar uma persor.·alidade de ItI:t.ueira rigorosa.
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ciso ainda que estas noções e estes raciocínios sejam cientificos, quer dizer, sejam produzidos de acordo com as regras próprias ao pensamento científico. Podemos agora voltar à ciência jurídica_
di sse: não quero dizer com isto de acr editar em todas estas noções, () Estado desabaria! Seria um perfeito idealismo! Digo a penas que o fl l.r'! cionamento ~:c tual do Estado, que tem ou tr as ra izes que não o tlOSSO espí rito, necessita que tenhanlOs interio1"izaào as relações sociais n ~ ais. faze:nclo-lhcs sofrer uma transformação, É isso a ideologia, :1 re'l!:lC2:1 im:i!:~i j:1 <',rla ccrn o real. E est.a ic1coiDgia dcseri11,:enha um I );;pe] ~tctivo n~l l'eproduç;~o do E .'-:.t8.d o ~.ctuu1. Estas noções, é preci~m sublinhá· lo, são m~is ou menos directaIlwnic extralda:3 da ~.: . necc:;;~.;i dades da cxisi:C:neia e do desenvolvimE!1to (I l~e
2.2 O idealismo dos juristas como representação do mundo A questão pode ser assim fonnulada: dão-nos as abstracções da ciência jurídica uma representação ideológ'ica do mundo do dücito, ou, pelo contrário, uma explicação científica? Desde já dou a resposta: a ciência juridica, tal qual ela é hoje concebida e apresentada, não é senão uma imagem elo mundo do direito, não uma explicação. Como é que se manifesta esta representação? É O que temos de procurar explicar agora, para mostrar em que é que este idealismo constitui um obstáculo epistemológico. Sobre o que é que se i'unda a ciência jurídica, tal qual ela é comummente aceite c ensinada? Sobre as instituições e, através delas, sobre as noções que a sociedade estabeleceu para realizar e reproduzir um certo modo ele funcionam ento social. As institUições juridicas podem ser ímalisadas tanto como tuna cc rtH representacão da ordem soeial, tanto como um dos fac tores de~ ta o rdem. Precisemos este ponto. Para q ue. no sistema. capHalista onde os hom ens estão profundament.e divididos em dasses antagónicas, uma viela. ~ocial ainda assim seja. passiveI. é necessário que exista uma estrutu ra política, cuja função primeira seni ordenar a desordem, reconciliar aparentemente individuos que tudo ~epara, velar pela salvaç~io p ública. Esta instituidí,o. sabemo-lo, ti o E ~.;tn do. lVIas o Estado não é só uma máquina infernal nara se rvir os fortes contra os f racos .r, : é também uma certa renresentaci3.o da unidnc'le da sociedQde, ou ainda do homem que vive n est a sociedade f:ob a figura do cidadão. Ora, e é o que muitos esquew cem às ve7.es, es ta existência da ideja de Estado é importante para O nrónrio funcionam,ento das CStt'l1tUf8 S eí3tRtRi.~. Se cada um de nós não estiver intimamente convencido da necessidade de um EEtado, quer db:er. do valor desta (aparente) função de apaziguamento e de re!!ulamentacão pacífica dos conflitos, se cada um de n ós não acrew ditar aue existe um bem comum. distjnto e superio r aos nossos intew re~ses "particubres, torna-se difícil fazer funcionar o Estado, is to é , concreta mente a ad!"!linistracão, 05 tIibunais, o exército e, de uma maneira ~e ral, tod~s as instâncias rr eIe lig-v,das. Assim se impõem, na prática e nas con scip.ncias. nocões tais como: inter esse geral, direitos e devere~ do cidadão, soberania, razão do Estado, vontade da adminis.tracão e out.r::ts tantas (expressões» sem as quais, afinal, o funcionamento da instituição estatal estaria comprom otido. Não pensem ~n
Cft". adiante, parte II, cap, L
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eu clissc u m a cojsa que eu
,tE te se, de repen te,
n~o
di~ iy.6.ssemos
• t:\, Ol'grmi,7aç5.o (1:1 vidQ ::;QCÍ81 . Como LJ, 8~:t<.1 representa0ão não tem ' lll <1.lqúe r pret:er~,(;§(J explicati'./(l.: CLpresent 2.·<;(,! bl como é: umH «imagem) I I,) Imm::l0 re81.
E sobre es te material que ,se vai fundar a ciência jurídica, mas, um pHl'ütloxO que Dr..O é s·;;f:ào aparente, ela va i acabar por subveru~:r completamente a ordem elos fadores, criando, asr::jm , as condições I Jo idealismo . Na verdade, pensam que a. ciência juridica vai nna),i sar as relações que ma nt.ém o imaginário e o real e, a partir deste trabalho, explicar :;il1111ltan(-':~ :nerlLc o funciona mento da imagem e o da vida social real? Nada C!sso! por mai:,: abernmte qu e isso pareç;a, a ciência jurídi ca. vai í omar como c'Jrta a i':1wgem que l he t r ansmite a soC'iedade e tomá-la ,wla real'idadc. A sociedade afirma-nos q ue o E stado é a instituição (' 'learrcgii o.fI do interesse geral? A ciência j ur ídica r esponde em eco ,'om uma t eori ~l in teinnnent.e fundada na noçã u d ::} interesse geral. !\ t r oca ex ; ~~e q ne os pOl"t8.dol"e~ .....d,e merendorias se encon trem, e isso 'lU condições t:~~ ntn mais fáceiS quant o mais a troca mercantil tem I tn generalizar-se'? A Ciência jurídica (e::~plica» esta t roca pela teoria do contl'::lt o, fundado 5Gbre a noção de encon tro ele duas vont ades . Vemos a que resultado conduz este tipo de «explicw::fJ,O»). O Estado j:i, não aparece como um f::mómcno social, ligado n uma história pariicv.lar, r espondendo a certas necessidades: é r eduzido ao estatuto de IHH.; ão que se e:,:pUca por uma outra noção, O interesse gera.l. A troca ":í~neralizadD. já não é mn fenómeno próprio de uma sociedade dada, i () rna·se um contrato C1'i.le se (Cxplica» pela vont3de dos contraen te s. E o munclc> subverÚdo ! Toda a representação da vida. social pro. hmida p ela sociedade «se explica» desde então por ela própria.: uma. lIodío imnlica outra e, neste universo doravante totalmente coeren te, i !teia se l;assa como num palco em que n ão apa recessem senão as IIc: rsonagens criadas pela ideologia social. E is porque podemos dize r '11H~ a ciência jurídica não é mais do que uma representaqão da vida. ':II(:ial, não tuna explicação, e q ue esta rep resentação é profundament.e iI lealista. Idea.1ist.:t esta imap:em da vida social é·o n este sentido de nenhuma Ill:"tituição j~ridiCa, ~~nhuma. noção de direito - colhida, aliás, no i Illldo da ideologia social domin3nte -_.. estar relacionada com o fenó· Illeno social que a produziu, mas com uma outra noção de direito, pr,Jr
j
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com uma outra instituição, com uma outra ideia. Os homens de tal sociedade criam tal l'egra de direito? Isso é «explicado» por u ma <üdeia de direitOl) que, avançando surdamente, acabou por se exter iorizar, Tal é afinal, sob est.e aspec t o c3.rica.tural, a ciência j'.
supostos. E, justamente, es te «agglo rnia.mento» do ensino do direito é mais grave do que parece : crê·se t er av:mç:l.C:o qL:alldo nã o se cedem um paJ.mo de te rra: crê-se falar «(3,ctuali>, e quantas vezes de m aneira brilhan te. quando se continua no fundo a referir-se aos mesm os métodos, em suma, à mesm 8, epistemologia. O idealismo profundo c incons· ciente d a maiori a dos juristas é u m obstácul o real: conduz a canse· quências cuja gravidade podemos agora medir melhor.
2.3 Os resultados epistemológicos do idealismo dos juristas
inconveniente s com «grupos de questões;:) a ceguir a cada capítulo,. multas vezes interessantes, ao lado dos quaiL'l as «leituras» de J. Mazeaud a precisar cada lição p erdem muito do scu valor na óptica que é a nossa , Note·se que H ., L. et J. Mazeaud inststem na r:.eccssidade de estud a.r a história «cuja importân cia para o jurista nunca será d e m a is sublinhar» (Leçons ... , op. cit., p. 39) - porquê então tão pouca hist ória n os desenvolvimentos dos ca pitulas que se seg uem? .
A via idealis ta tra7. consigo uma
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~I! T a.l é, em dcfiniUv o, a explicação de direito d.ada p or G. BURDEA U. Trai té de 8C'ience politique, 1957, 1. cd., T. L 27 E, aInda, é precIso evitar o optim ismo . A maior parte dos manu<~is ft
de introduGão ao di;reito não conhecem história que nfio seja a da f ormação da regra de dirello em Fra nça (H., L. d J. MAZEAUD, LeçO'll8 ... ) oVo elt., pp. 55 e s eguintes; A. WEIL!.i, Droit cidl , op. cit., pp. 46 e segu intes; J . CAR... BONNI ER, Droit ci1.ril, op. cit., pp. !l9 e segu intes ). Em consequência, os cstudos histór.icos ou sociológ icos serão m uito fracos. J. Carbonnier disfarça estes
de direito? Pela p erm anência do homem em cada uma destas socied ades , quer dize r , de uma natureza hum an a que, por definição, seria constituída pelas mesmas necessidades, as me~mas ambições e os mesmos móbeis. Este humanismo u niversalista adopta acentos m ísticos cm dados autores: «Pode o Homem satisfazer-se com qua lq uer regra? Apenas pede segurança? Há em si - e não é isto a marca da origem divina? - um sentimento forte qu e desper ta com a sua consciência.: o sentimento d ,) justiça.:!'l . E ntão, tudo pode ~er compa rado: os sistemas d e dir eito das dife['"entes sociedades teria.m em comum o facto de se aplicarem sempre a h omens que, para a lém das d ife renc,.:as culturais, não mudam profundam ente. E in t.crc:::sante notar, de p(~ssagem, o europeocentrismo de qve dão provas os nOS~3 0S jurjsLns. De facto, salvo excepção 29 é a partir do direito moderno e ocidental qu e são apreciadas as institu ições jurídicas do s outros sistemas . Est e méto do, fixan do O di.reito ocidental moderno corno llorma ele referência, traz consigo, evidente'mente, resultados curiosos: o direito s ocia}j ~ ta tran sforma-se numa carir.ntllra tant.o como os s i:o;temas ditos }).;:jmit ivos. Esta aberração deSlTIitSeara aqui a sua natur eza: ao qu erer tomar o homem ocidental p elo Homem, c O d ireito ocidental p elo Direito, nã o se pode senão re'llizar uma «explicHej:'IQ) onde todas as partkula ridarles são suprim ic1ns cm favor da E uropa ocidental. No en'wnto, se os diferentes f;;i.'itcwas ~; ()ciai s são coisa d iversa de va:r in(:6m~ fen omenais sobr.e urxJ. tema es~,;enci:d , s(: mJt:re si s Hh~;i:'tmn d ü;1::i.nções OlI oposições profundns, rüin (~ possÍvc;"l dar aQ WliTeitc))) mesmo llH~ ar e o mesmo valor - snlvo ~;;n se r cchl7:ircm ao.; dHen'm ;as lRuna análise de tal m an cil'c geral q ue n erde t.odo o interesse_ 1':, no t'lltnnt o. a isso qlte conduz; a a nrcscnt.aç:1.o idcnli.c;.tn u niversnlls ta rlo~ jurist.as: ou, p arfl, seT r'lla:!s ü reciso, 6 o nue fH.1l1ülI !.c'D
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:idênt"iGa a. f,i ITleema, e.pena:::
lon go da história. D8ste modo,
SCl'Ú po.<:: ~ .. íveJ dc.':i (l n rs jn.o::titl"lkÕ(-~3 rrllli to afasí;gdas no t.em p o emiW
sen do «antem:::;sac"iom) (Ie "insUtulr:ões Hf !tlpri ~;, .mi'oca:r ter;temu"c1h::-, à:,=~ t ime ({evo] 1H.: Eo>~ p anA. explicü:r Do sit.uação actual. O leUDi' est á. 0 0 l')"irenc.i do d:,; qUi::: a fami Fa, O cOInércio 011. O Bdado e a ::;UD. ~ldmil1is t:r:l~ão são :nC'pJ.idades JJl'e~;()nte,c; cm todas as sociedades qu::: DO suec · det;J. :riO telnpo: que, portanto, o ~~ ü;t~ina ,; Ul'ídíco 8S ('leve l.·'ag,za' d,:) 1:iXna m::m ei:ul ou c'J..~ OtItra : q1.~e, :iustnnwr.l1;e, a histô:cio. i'.wrJ (o.X).m.; "i;)~G..» H lonta ç~\i()IIHJúo d·:o~ ·::.ni,'.; h). stI t.H:Í.c.~õe~}. Aliás, a hi~ tõ:cia núo 0 ~('8~(1:úH~ntG ·lE
:;:0
H., I , et :J. j,I.t JI....<-::I<::AUD, t:..cuons . .. 7 0lJ, cU ., p. lU. .ii.. p TOpé-.!3itO d o direito, elOforço d e u m compa.l'utist& p .tr-a lléo caü'
uente err o : B.. D AVID, Lmr G'U11'18
Sy8 i.~7,l es f~e d<:l, der ~ it ;C~o
d1"Oii coníempo,·((.hw, DD.!I o~, poJ ~ti ca. G, B l\ L AN OIZR,
Pa.r[:.;, l ü70. 'l'al com o a pi·opósito Anthropoloyie !>oliNqw:, coI. S u p., p, U, F ., P aris, 19õ'l .
en s inada nas universidades j uridicas :I" m as unicamente a (his tória das i11.':;tituições)) que confirma. o postulado de as instituições terem a sua história ! No mesmo sentido a «história das ideias políticas) : o próprio título é rcve!",dor, No seu sentido luais profundo, tudo se passa como se a história fosse o luga.r de urna metamorfose p r ogressiva que, desde o inicio da humr.nidno.e a té aos nossos dia s, deE:f.mrolasse um fio ininterrupto: o de acontecime ntos que mais não seriam do que a form a de r ealidadeE, de essências, existindo em si, de toda n eternidade - é o que pudicamente se cha m a (l OS grandes problemas»; em qual quer sociedade existe o «problema do poder», o da (({amília », o da H cpa rt.ic;ão de riqu ezas), Os exemplos h istóricos mos t rar-nas -iam como cada sociedade deu uma forma particular a cada um destes prolJlemas. Visão ~w mesmo tempo t ranquilizante e pe5si.mi:-, ta. Tran quil h:ante, por quf: tende mais ou m.8DO S implicitamente a fu;: c::: crer ql1U o último cst ~;c1 0 eh, .:. instituições jurídIcas {~ um pro;;ressCJ em re! ,:çüo :1() cs L~cli() "Drececl ent~: estamos sobre uma linha ascendente ql1e S(~ Cl13r.:1 ~~ :1 r;.lm'Cl)~: da. humc:nidade. l\iÁas visão pessim is ta, nisto de cada sneicd;!de estn.r condei ~ada a rc~ol vcr problemas eternos, sem pTC~ O~ mesmos: não 11ú iluda ele novo sob O sol. Assi m, a pes. ! !" de algumas trnh t.i vas pa rf1 {(sit.ual'l) as questões de direi to hi stn)'ie;~m.1 (~ n t c ~; , ran~m(' n t.~ os ,íuristr..s fal am uma linguagem hist:(j]·i(~;I.. /\ rj t t;:!~~C indiIerc~l ~u. <::)11 ]'üla(;ã.o a i.~s t.a perspectiva cncont rn 11111:1 ()}:p.l'cs~;fí. o pe clar.)"ófÜCit l )l~ ! n eloquent.e: num trnhr:lho de d.ireito, a h istórül ._. rUz-;,c < - Ó sempre rclega dJ par;l il intrnchl(;ão, nest.e nu man ',::; lanrl que precede o tema. No fundo, a l ~:<·tó!'.i~ 11;io interc:;sn n~almp.n tc o j urist.a, porque uma óptjcé: ic:(';-:I~~ :j.;Hn~i\'r rs::t!jsi;J ó ~)ree~.sm :'le nte cpo::lta a u rna tal reflexão. Este dC.<;COllhc: 'Lt!Cnt.o d:-. hisi órin r5 Ui;) o b~;t á(;ul o rea l, come veremos (tO longo rlf's ti: r'S', l!([0, lloi~5 !"Ó l!!11fl u?we:::i nção d8S instttuiqões juríd ica;, l~m t';?l~çüO c,c.\m mn ~~ teor ia c1:-"1. hist.ória nos pode:da dar as ('.h n(.·'l~<; de l Fil con heciln';'ntn reFI] . IvI
l li ~.;t.ó T·Ü).
i\ :::: egu 1v.b r~(n lb:~qL!ê11C ia du) l:c lmi.\'m','3[·\lisnlO idEalista é ü que eu :·) l.anl() () pIuralisl"no de (-;:~p1icC:l(,:i.Í es. E,ste íen6tn 2no 6 D Jado pedagógJco na un iversidnclc 6.0 h beralism o em mak.d a poli t.icü. Post u.la qu.e
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pos~Ívf;is,
ou segun do D· linguagem própria. dos q1H~ , é eviden te, (JS s ituações ,'";âo reduzidas ao estad.o de idejas, é norn1.al que ~c su.gira a po~si h Hidade dc (nn udar dr:! ponto de visL a)). ).!: , ao moclifical'-sc O lugar do o bservador, rl'Jodi.i.'iea-se abstractamente a ObSef"i/ação e o.s Deus ,'es u.ltad os. As sim, sobre co.da qU8StÕ,O ilnporLantc a propó.'3ii:o d o d i.reii:.o, o leitor ou o auôitor arr isca"se seriamente a encontl'a:t'-Ei8 f/wc :3. u m leque aberto, lequ e de re spostas à ques tão aind a em :iberto. '-~ursos ,
«Vál'ios pOiltos de vista»). Logo
;11) Abcrdétrem os llO 3." p a rágrafo o problema das rclaçôê5 e n tre os d ifC'· 1"l.:nle!; r amos do sab er. ·01 Pa:-:l umo ten ta liva ,'Cor- J. CARBON N""f E H , Droii ál:ii, op . di"., f' o 1l1
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Não tenciono recusar abstr actamente esta multiplicidade de respostas : bastar(j, a~sinal a r- l he o carácter enganador. Com efeito, pelo facto de todas as hipóteses serem postas, a maior parte das vezes, em pé de igualdad e, nenhuma de en t re elas apresenta um interesse particular : tornam-se todas equivalentes, como tantas outras ({Í ~CiélS}) possíveis, pertinentes, críveis. Torna-se mesmo ~ fie~ l, em tais condições, saber exactamente a q ual delas dar preferenela. ~st.a abundâncja p rej udica, de cer ta f!w.nei ra. :E: que, n esta abst r~eçao, totalmente idc
Cfl'. p arte III sobre as ideologias ju r ídicas
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11(,! tra p r oposição epistemológica -
a nascida do materialismo histó.'ico . Mas a r eflexão teórica de l'.{arx é objecto ta nto de uma apre;;(mtação de ta l modo simplificada que é uma caricatura dela, como de um ({esquecimento)) ainda mais s ignificativo. Tudo se passa como ;;13 esta proposiçv.o rompesse de tal modo eom os hábitos intelectuais , ;:cmão com o interesse, que pratica mente n unca disso se trata _ /\.s provas da insu ficiência do conhecimento da. teoria marxiana do (Iireito são muito raramente confessadas pelos autores habituais : :mais preciosa ainda se revela esta reflexão vinda d e um professor J\t~o marxista: (~É preciso concoIdar com os m arxistas, está· se longe de prestar justiça a 1\1:arx na nossa filosofia do direito. Fa~emos muito barulho à volta deste ou daquele exercicio escolar deb itando sobre o di.reito as fil osofias na rl1oda, que nunca são mais do que variações do. mesma canti ga; e a forte revolução qne hT.al'x tent ou p rovocar no nosso pensamento jurídico, cem anos depois, contin ua a ser em larga (),'!cdid a desconhecida ( .. ). E, quando Marx é invocado ( ... ) ele é, o l,n ais d as vez,os, objecto de inter pretações simplificantes que fazem desapa recer o caráct2r in cisivo do seu pensamento)) :1:1. Seria em vão qu e nos espantaríamos de ve rificar que u rna teoria que, actualmente, c.i 11 ideologia oficial de mais de metade dos habitantes do planeta, seja assim desconhecida pela ou tra metade - nada h á ai que deva espantar . É que de facto a p roposição epistemológica de lVrarx inver te eompletarncnle os termos do p roblema: ela não poderia vir como uma ((ideian complementar no leque das possíveis. Ela far ia voar pelos ares este leque, colccando o problema de outra. m aneira, m ajs preci:~amen te, destru indo a rnaneiTa id ealista como ela. é actualmen te IOl'mulada. Com preende-se que um t.al desmancha-p razeres não possa i,cr lugar no conterto d os juristas à conquista d e soluções. Poder-se-ia retorquir que em boa' lógica. não é normal afastar lV1arx da ciência j urídica dado que ele não é conhecido como au tor de direito. Não obstante a sua licenciatura em d ireito , seria um econo· J'nista. l!: nesta afirmação que me parece r esidir o terceiro obstáculo epistemológico .
J . A independência da ciência j urídica Para melhor me fazer entender, vou partir de uma rea lidade que Lodos podem constatar: a das dife rentes cadeiras cuj a soma constitui ,) programa do primeiro ano da p a r te gereI de estudos u niversitários
M . V I LLE Y, «Un ouvrage récent sur Ma rx et le drolb, A rc hi-v es de
/lhiTosophie du. droi-t, 1962. pp. 329 e sego
H T omo o exemp lo da universida de onde cxe.rço actualm ente (Out ubro de HJ76 ) que está longe de con stituir um caso o rig Inal o u Isolado.
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claro (~ire'ito, ~i.vi1, direito constitucional e direito internacional), da economla polItlca e da h istória, O vo lume horário destinado a cada
uma destas disciplinas é rigorosam ente idêntico: todas as cadeiras são anu ais, q uer dizer, dão lugar .90 m esmo núme ro de horas, E s tas matéri-:s rap~ctamente aparecem p ois' Como equivalentes, ainda q ue bem d lfcr encladas pe la clivagem q ue se estabelece en tre as matérias jurídicas e as que o n 5.o são (his tó r ia e economia ), às qmüs d epressa se conf ere o carácter de «cultura geralll. Finalmente, institui-se entre estes dois blocos um a espécie de ;,l atu quo pacífico: cada uma d estas discipli nas destina-se a e leva.r o nível c a qualidade dos conhecimentos dos estudnn l.es, m as de fo rma separ ada, e con tinua a entender'se que, d~! ~lIa~quei' m udo, a. boa Jormaçüo d o um j urista. requer a sua espel:lahzaçao e, po rt
sem
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mas jur ídicos um conhecimento positivo. D e finit i va m ~nt e , a ciência j urídica conheceu uma evolução análoga à d as outras ciências: a física n asceu sobl'e as ruinas de discussões m et:::,fisicas, t al como a astronomia dos escom bros da as t rologia . A medicina não pôde desenvolver -se senão q uando suficien tem ente liberta dé!.s jnte rdiçõe!! r eligiosas e de um a concepçã.o n ão experimen tal d a arte d e cura r, Sabe-se igualmente q ue n a sua origem as matemáticas es tiveram intimamente li r.radas à mística do alr,mrismo c a religiõ es mais ou m enos secretas. l-.i;da pois d e mais no~mal: o espírito cientifico conql.lbta pouco a pouco aos obscu rantismos met afísicos novos ca m pos, Se está fora de d iscu ssão que u conheci m en to do dir eito conseguiu separar-se da teologia c d a m etafísica, é e m con tr apa r t ida mais discut.ível que a forma sob a qual a ciüncia j u rídica actual s e constituiu seja a ú n'lca possivel c sobretudo seja ve rdadeil'amentç científica. Não bas t a defi nir-se pela negativa, é n ecessúrio ainda validar uma. definição positiva, Ora, neste ponto, nem tudo é tüo simples. Na verdade, d cmons trci-o m ais atrás, a ciência jurídica. nballdonou as d ig-Tl;;;:'>õc'.; nwtafí sicas, pf!10 menos aparentemente, par a se entregar üs Ct l' t':':7 ;1;,; exteriores de um positivismo de:;cl'it ivo. Nunca. uma descriçüo .'mu;,;ti1.uiu urna (':x p1ic~l(>~rlO. A fo rrrw" porta nto, como se dá hoje a ciência do c1ir eiCo estü lOllg-e de se r satisfatória. É ü 1m:: das suas relações com ou tros aspectos do cunhecimento da vida social que eu queda. rnostraJ' ein que é qu e a.q ui se encon tra UIll obstáculo ep is"i:.f.JD101ôg:ico.
.A ciênda juridica ntl'Ibul-se um objedo: o estudo das regras de direito entendidas d e tal rnan dn ~ que COJ1 ~~titu e111 um domínio perfeiLament.e distinto e perfeitamente i,~:. o1::í.vel ele todo s os outro;; fenóinen O~j s ociais. Dito d e o u tra m n.nGi ra, o conhccim:::nto do d ireito imp]icéb U I r.\ estu do nprolv.ndado das r egras jurídicas, do seu funcio n a ment.o, à.~ s ua lógica, seUl que, paTa t.aJ, seja imperativo con hecer J.' (;ub.l1tmLe "I...'; eoncli('.ões da pro duçüo económkn, relações :~oci::üs OH re l a~: üc~j p oJii;ic ;:~ s. Tenho comseiênda d8 t ud o o que est<:l, afirmac;f,o -n0:5sa ter de abrupto - peço slmplesro cm.tc: que eHt seja comp J.'ee ncJ.i cl.~\ .~o seu ·. .·e:q.lal.:h:~tl'o sen t id o. Núü pode sel- compreendida COJl10 um. l:aZioacto ana crónico ,~m d efesa. de cnciclopcdisli"lO: é evidente q UE> hoje em db, ]l,ingl/:!m potle Sf-J:f ao mesm o t ,::'111)10 jur i.s ta, econornis La , h :isl:orladol' E;, Das .h orrw '\-'a~·as, môs o[o. Tx::ti:a,se de saber o que é eXélct ::!JJl8:i1te mu conheejr.nento real do direito: n em m,üs, fler') me no~; . Ora, 8, es te respeito, é pl'eciso r ecusar <1 t entativa ('~e ilJClhol'B.J: um eonheeünento puramente tecno lógico do direito, t:o[D. b i~ TW.I1do·o com out ras dLiciplina:; consideradas COTI'O COmpleln.eD. ta~:,~;j> a h i.stór ía, a sociologia e a.inc1a outr as, IIf.Ia.s ncrn por l::;so se Ufa o direito do seu isolamento, Estes di.ve:n;os esforços conhecel"an~ , Gspec!.almcmte d esde 18G8, uma vogD. tanto rUDjor quanto, por vez es~ ',m.e:nos Xundada., e a que se deu um cstandnrte: :J inte:!.'disciplinal'idade. :Est a descompart.ilnentação que pCl'mnneceu, aliii.s, puramente lU1.iversitá:fia, não ofe receu verdad.eiram ente bases ncvas. Se nos referi rmos à pní.-
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tica das U.E.R. jurídicas, ela não trans formou, salvo raras excepções , o es tudo e o ensino em direito ar.. Contentou-se em multiplicar alguns cursos considerados como conhecimentos de apoio, quan do não se satisfez com uma simples modificação do nome da cadeira.. Nestas condições, e apesar das aparências, a ciência jurídica continua. entregue ao seu esplêndido isolamento. Os manuais põem evidentemente a quest.ão das relações da ciência jurídica com as outras ciênelas em primeiro lugar as ciências morais, eventualmente a economia política. Em geral, as preocupações giram quase inteiramente à volta das vantagens que o j urista t iraria de «ter cOllheeimentos)) noutras disCiplinas ::1:. Esta concepção egocêntrica do jurista fortalece pois O seu isolamento. Noutros casos, a discussão descamba ii volta dos problemas práticos de uma «boa legislação»). «O jurista farEi. obra vã, se as regras que fonnula ou aplica es tão cm contradição com os dados da economia política :1,». «As indicações da ciência económica são-lhes (aos j uristas ) tão necess,Ü'ias como as ela his tória e da sociologia :UI }). A perspectiva contin ua pois a ser profundamenle ({isolacionista». Muito haveria a. dizer sob re este tema, se o quiséssemos ap rofun dar: os mesmos cu rsos professados em universidades próximas mas opostas (sendo uma consagTada às letras, outra ao direito) a ausência de relaqôes (ele trabalh o) entre universitários cujas disciplinas são próximas ou, por VC?;CS , idênticas, as surdas hostilidades entre univcr:-:idades feitas de tanta incompl'eensflO quanta animosidade, c m uitas outras. Mas nfw tenho de fazer aqui o processo da universidade: eu queria só mostrar um obst..'iculo epistemológico. Este encont ra-se todo inLciro, expresso e manlido pelas estruturas uni versitária.s actuais, na concepção de que é desejável uma anãJise isolada do d ireito , acompanhada, é certo, por alguns conhecimen tos periféricos dados por ou t ras disciplinas. :8 esta lógica «do centro e da periferia» que me parece viciosa. O erro reside no facto de tal perspectiva estar necessariamente ligada a uma compreensão tecnológica do direito e, portanto, a lima definição empirico-descritiva da ciência juridica . Expliquei-me suficientemente sobre esta definição que constitUÍ a m atéria dos obsü~culos epistemológicos procedentes. Constato simplesmente que essas dificuldades são confirmadas por um parcela-
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Quanto à l'up lUl'a ins titucio nal, conservou mail; ou menos a autonomia das antigas facu ldadcl'I de d ir eito, cu jo nome foi r\!aparccendo pouco a. pouco, sinal da. persistênciLl. dos lugares que a lei de 1861; acred itara abolir. A. WEILL, DroH civil, oj). dt .,. p. 39. Ibid., p. 29. :I~ H., L. e J. MAZEAUD. DeçOil.8 ... , OV. cit.) p. 10. O estudante apr e· ciara a maneira como os Renhor cs Mazcaud falam das relações entre c16ncia jur1dlca e cü~ncia económica. Não se trata praticamente senão de querelas entre professores das fac uldades d e direito c de ciência económica (~alguns f'cono m istas r ecusam qualquer r ela.çã,o entre tlS d uas d isciplinas e insurgem·se contra o facto de serem uma e ou tra ensinada ~ n a m esma fa culàa d e » ) o u d e a rs:umentos m oralista s ( <
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