MENTE, C ÉREBRO E CI ÊNCIA John Searle BIBLIOTECA DE FILOSOFIA CONTEMPORANEA Uma colec ção que se pretende aberta a todas as correntes do pensamento filos ófico actual, congregando os autores mais significativos e abarcando os grandes polos da filosofia actual: filosofia da linguagem, hermen êutica, epistemologia e outros
BIBLIOTECA DE FILOSOFIA CONTEMPORANEA 1. MENTE, C ÉREBRO E CI ÊNCIA, John Searle 2. TEORIA DA INTERPRETA ÇÃO, Paul Ricoeur 3. TÉCNICA E CI ÊNCIA COMO «IDEOLOGIA», Jurgen Habermas 4. ANOTA ÇõES SOBRE AS CORES, Ludwig Wittgenstein 5, TOTALIDADE E INFINITO, Emmanuel Lev ínas 6. AS AVENTURAS DA DIFErEN ÇA, Gianni Vattimo 7. ÉTICA E INFINITO, Ernmanuel Levinas 8. 0 DISCURSO DE AC ÇÃO, Paul Ricoeur 9. A ESS ÊNCIA DO FUNDAMENTO, Martin Heidegger 10. A TENS ÃO ESSENCIAL, Thornas S. Kuhn 11. FICHAS (ZETTEL), Ludwig Wittgenstein 12. A ORIGEM DA OBRA DE ARTE, Martin Heidegger 13. DA CERTEZA, Ludwig Wittgenstein 14. A M ÃO E 0 ESPIRITO, Jean Brun 15. ADEUS À RAZÃO, Paul Feyerabend 16. TRANSCED ÊNCIA E INTERLIGIBILIDADE, Ernmanuel Levinas 18. IDEOLOGIA E UTOPIA, Paul Ricoeur 19. 0 LIVRO AZUL, Ludwig Wittgenstein 20. 0 LIVRO CASTANHO, Ludwig Wittgenstein 21. QUE É UMA COISA?, Martin Heidegger 22. CULTURA E VALOR, Ludwig Wittgenstein 23. A VOZ E 0 FEN óMENO, Jacques Derrida 24. 0 CONHECIMENTO E 0 PROBLEMA CORPO-MENTE, Karl R. Popper 25. A CR íTICA E A CONVIC ÇÃO, Paul Ricoeur
MENTE C ÉREBRO E CI ÊNCIA
Título original: Minds, Brains and Science John R. Searle, 1984 Tradu ção: Artur Mor ão Capa de Jorge Machado Dias Todos os direitos reservados para a l íngua portuguesa por Edi ções 70, Lda. / Lisboa /Portugal EDIÇõES 70, Lda. Rua Luciano Cordeiro, 123-2’ Esq. - 1050 Lisboa Telefs.: (01) 315 87 52-315 87 53 Fax: (0 1) 315 84 29 Esta obra est á protegida pela lei. N ão pode ser reproduzida, no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado, incluindo fotoc ópia e xeroc ópia, sem prévia autoriza ção do Editor. Qualquer transgress ão à Lei dos Direitos de Autor ser á passível de procedimento judicial.
john Searle MENTE c érebro e CI ÊNCIA edições 70
INTRODU ÇÃO */* Fo @para,@, úm grande honra ser convidado para dar a ith tureXe 1984. Desde que Bertrand Russell iniciou a s érie em 1984, estas s ão as primeiras dadas por um fil ósofo. Mas, se dar as li ções é uma honra, constitui tamb ém um desafio. A s érie ideal das Reith Lectures devia consistir em seis unidades radiof ónicas, cada uma com a duração exacta de meia hora e constituindo uma entidade aut ónoma que pode valer por si mesma, contribuindo, no entanto, para um todo unificado composto por seis. A s érie deveria tazer-se com base no trabalho pr évio do conf èrencista, mas ao mesmo tempo deveria conter material novo e . E, de todas as coisas talvez a más dificil de rea- @@devia ser completamente acess ível a um audit ório interessado e atento cujos membros na sua maioria n ão têm qualquer familiaridade com o assunto, com a sua terminologia ou com as preocupa ções espec íficas dos seus praticantes. N ão sei se todos estes objectivos s ão simultaneamente realiz áveis, mas de qualquer modo s ão aquilo eu visei. Uma das raz ões mais fortes para querer i: as Reith Lectures foi a convic ção de que os 11
@@-'rendtados, e m étodos da moderna filosofia anal ítica podem 10, p8@r-4e à disposi ção de um audit ório muito mais vasto. Os meus primeiros planos para a vers ão em livro e= ampliar cada um dos cap ítulos de maneira a tentar vir ao encontro de todas as objec ções que eu podia imar Surgirem, da parte dos meus embirrentos colegas ósofios, pa@a n ão, mencionar os colegas em ci ência cogni” tiva, mteligencia artificial e outros campos. Em suma, o meu plano original era tentar transformar as Li ções num livro convencional com notas de rodap é e tudo o mais. Por fim, tomei uma decis ão contr ária a isso precisamente porque tal destruiria o que para num constitu ía uma das coisas mais atraentes L s érie, em primeiro lugar: a sua completa acessibilidade a quem quer que estivesse suficientemente interessado para tentar seguir os argumentos. Esses cap ítulos, pois, s ão essencialmente as Reith Lectures tal como as realizei. Ampliei alguns em favor de uma maior claridade, mas tentei conservar o estilo, o tom e o car ácter informal das confer éncias orig* * . 0 tema predominante da s érie diz respeito à relação dos seres humanos com o resto do Universo. De modo espec ífico, diz respeito à questão de como reconciliamos uma certa concep ção mentalista tradicional, que temos de n ós mesmos, com uma concep ção aparentemente inconsciente do Universo enquanto sistema f ísico, ou um conjunto de sistemas f ísicos em interac ção. Em'torno deste tema, cada cap ítulo aborda uma quest ão espec ífica: qual é a rela ção da mente com o cérebro? Podem os computadores digitais ter mentes s ó poralie t êm programas correctos com as entradas e ; ãL correctas? Qu ão plaus ível é o modelo da mente enquanto programa de computador? Qual a natureza da estrutura da ac ção humana? Qual é o estatuto das ci ências sociais enquanto .ci ências? Como podemos n ós reconciliar, se é que podemos, a convic ção da vontade livre com a nossa concep ção do Universo enquanto sistema f ísico ou um conjunto de sistemas fbicos em interac ção? 12
Enquanto trabalhava para a s érie, emergiram alguns outros temas importantes que não podiam ser plenamente desenvolvidos em virtude apenas das limita ções do formato. Quero torn á-las plenamente expl ícitas nesta Introdu ção e, ao fazC-Io, penso que posso ajudar o leitor a compreender os cap ítulos que se seguem. 0 ‘ primeiro tema é o escasso conhecimento que temos do flincionainento do cérebro humano e a medida significativa em que as pretens ões de certas teorias dependem dessa ignor ância. Como escreveu em 1978 o neur ólogo David Hubel: «0 nosso conhecimento do c érebro encontra-se num estado muito primitivo. Enquanto para algumas regi ões desenvolvemos umaesp écie de conceito funcional, h á outras, do tamanho de um pulso, acerca das quais se ode quase dizer que estamos no mesmo c estado de co Jecimento em ue nos encontr ávamos relativamente ao cora ção, antes lê cairmos na conta de que ele bombeava sangue.» E, efectivamente, se o leigo interessado pegar numa meia d úzia de livros de texto estandardizados acerca do cérebro, tal como eu fiz, e os abordar com o esfor ço de obter respostas para os tipos de quest ões que imediatamente ocorreriam a qualquer pessoa curiosa, é muito prov ável que fique desapontado. 0 que é exactamente a neurofisiologia da consci ência? Por que é que nós precisamos de dormir? Por que é que o álcool nos embebeda? Em que medida exacta as memórias est ão armazenadas no c érebro? Na altura em que escrevo, ainda n ão sabemos as respostas para qualquer uma dessas quest ões fundamentais. Muitas das pretens ões feitas a prop ósito da mente nas v árias disciplinas, desde a psicologia freudiana at é à intelig ência artificial, dependem deste tipo de ignor ância. Tais pretens ões vivem dos buracos que existem no nosso conhecimento. Na explica ção tradicional do c érebro, a explica ção que toma o neur ónio como a unidade fundamental do funcionamento cerebral, a coisa mais not ável acerca do funcionamento do c érebro é simplesmente esta. Toda a 13
enorme variedade de Inputs que o c érebro recebe - os lhoes que impressio am a re~, as ondas sonoras que o thnpano, a press ão sobre a pele que activa as termina ções nervosas para a press ão, o calor, o frio e a dor, etc. - todos estes Inputs se transformam num meio comum: padr ões vari áveis e excita ção neuronal. Al ém disso, e igualmente notável, estes padr ões vari áveis de excita ção neuronal em diferentes circuitos neuronais e diferentes condi çÕes locais no c érebro’ produzem toda a variedade da nossa vida mental. 0 cheiro de uma rosa, -a experi ência do azul do c éu, o gosto das cebolas, o penmsamento de uma f órmula matem ática: tudo isto é produzido po!padrões vari áveis de excita ção neuronal, em circuitos diferentes, relativos a condi çõ es locais difi@rentes no c érebro. .Ora, o que s ão exactamente estes diferentes circuitos neuronais e o que s ão os diversos ambientes locais que explicam as diferen ças na nossa vida mental? Em pormenor, ningu ém sabe, mas temos boas provas de que certas regi ões do c érebro s ão especializadas para certos tipos de expenencias. 0 c órtex visual desempenha um papel espec ífico nas’ experi ências visuais, o c órtex auditivo nas experi ências auditivas, etc. Suponhamos que est ímulos auditivos eram fornecidos ao c órtex visual e est ímulos visuais eram fornecidos ao c órtex auditivo. Que aconteceria? Tanto quanto eu sei, ningu ém alguma vez fez esta experiencia, mas parece razo ável supor que o est ímulo auditivo seria «visto», isto é, que ele produziria experi ências visuais, e o est ímulo visual seria «ouvido», isto é, produziria experi ências auditivas e ambos em virtude de caracter ísticas espec íficas, embora largamente desconhecidas, do c órtex visual e auditivo, respectivamente. Embora esta hip ótese seja especulativa, tem algum apoio independente se reflectirmos no facto de que um soco nos olhos produz tun clar ão visual («ver estrelas»), embora n ão seja um est ímulo óptico. 14
Um ~do tema que aparece nestes cap ítulos é o termo herdado, uma resist ência cultural a tratar a mente consciente como um fen ômeno biol ógico semelhante a qualquer outro. Isto remonta a Descartes no S éculo XVIL Descartes dividiu o Mundo em dois tipos de subst âncias: subst ãncias’ mentais e subst âncias f ísicas. As subst âncias f ísicas eram o dom ínio pró rio da ci ência e as subst áncias mentais eram a propniXde da religi ão. Existe ainda alguma aceita ção desta concep ção mesmo no tempo actual. Assim, por exemplo, a consci ência e a subjectiv ídade são muitas vezes consideradas como t ó m'adequados para a ci ência e esta relut ância em com a consci ência e a subjectividade. é parte de uma tend ência object ívante persistente..As pessoas pensam que a ci ência deve tratar dos fim ómenos objectivamente observ áveis. Ocasionalmente, em confer ências que fiz a audit órios de bi ólogos e neurof ísiólogos, encontrei muitos deles que sentiam relut ância em tratar a mente em geral e a consci ência em particular como um dom ínio adequado de investiga ção cient ífica. Um terceiro tema que pervade subliminarmente esses cap ítulos é o de que a terminologia tradicional, que temos para discutir esses problemas, é imdequada em várias maneiras. Dos tr ês termos que constituem o t ítulo, Mente., C érebro e Géncia, s ó o segundo se encontra bem definido. Por «Mente», entendo, justamente, as sequ ências de pensamentos, sentimentos e experi ências, quer conscientes quer inconscientes, que constituem a nossa vida mental. Mas o uso do termo «Mente» é perigosamente habitado pelos fantasmas das velhas. teorias filos óficas. É muito dif ícil resistir à ideia de que a Mente é uma esp écie de coisa ou, pelo menos, uma arena ou, pelo menos, algum tipo de caixa preta em que todos os processos mentais ocorrem. . A situa ção em tomo da palavra «Ci ênci» é ainda pior. Se pudesse, dispensaria alegremente esta alavra «Ci toS is
ência» tomou-se um termo honorifico e
os os tipos de
disciplinas que s ão completamente dessemelhantes da F ísica e da Qu ímica de boa vontade se denominam a si mesmas «Ci ências». Uma boa regra empirica a reter na mente é que tudo aquilo que se chama «Ci ência» provavelmente n ão o é - por exemplo, ci ência crist ã, ou ci ência militar e, possivelmente, tamb ém ciência cognit ‘iva ou ci ência social. A palavra « Ci ência» tende a sugerir muitos investigadores em batas brancas agitando tubos de ensaio e prescrutando instrumentos. Para muitas mentes, sugere uma infilibilidade de arcano. 0 quadro rival que eu quero sugerir é este : o todos n ós visamos nas disciplinas intelectuais é co ento e compreens ão. Existe apenas conhecimento e compreens ão, quer o tenhamos na Matem ática, na Cr ítica Liter ária, na Hist ória, na F ísica ou na Filosofia. Algumas disciplinas s ão mais sistem áticas do que outras, e poder íamos querer reservar para elas a palavra «Ci ência». Sinto-me em d ívida para um vasto n úmero de estudantes, colegas e amigos pela sua ajuda na prepara ção das Reith Lectures, quer na vers ão radiof óm'c'a, quer na versão editorial. Quero especialmente agradecer a Alan Code, Rejane Carrion, Stephen, Davies, Hubert Dreyfus, Walter Freeman, Barbara Horan, Paul Kube, Karl Pribram, Gunther Stent e Vanessa Whang. A BBC foi de uma ajuda extraordin ária. George Fischer, o director do departamento de palestras, foi de grande apoio; e o meu produtor, Geoff Deehan, foi simplesmente excelente. A minha maior d ívida é para com a minha esposa, Dagmar Searle, que me ajudou em todos os passos do trabalho e a quem este livro é dedicado. 16
0 PROBLEMA DA MENTE -CORPO Durante milhares de anos, as pessoas t êm tentado compreender a sua rela ção com o resto do Universo. Por raz ões várias, muitos fil ósofos sentem hoje relut ância em abordar estes grandes problemas. No entanto, os problemas persistem e, neste livro, vou abordar alguns deles. Por agora, o maior problema é este: temos uma série de imagens de n ós mesmos, provenientes do sentido comum, enquanto seres humanos, que é muito dif ícil de harmonizar com a nossa total concep ção «cientifica» do mundo f ísico. Pensamo-nos como agentes conscientes, livres, atentos, racionais num mundo que a ci ência nos diz consistir inteiramente em partículas f ísicas sem mente e sem significado. Ora, como podemos n ós harmonizar estas duas concep ções? Como, por exemplo, pode ser poss ível que o Mundo contenha apenas part ículas f ísicas inconscientes e, no entanto, que contenha tamb ém consciência? Como pode o Universo mec ânico conter seres humanos intencionalistas isto é, seres humanos que podem representar o Mundo para si mesmos? Como, 17
em suma, pode um mundo essencialmente sem signdicado conter significados? Tais problemas transbordam para outras quest ões bombasticamente mais contempor âneas: como devemos n ó s interpretar o trabalho recente em ci ência de computadores e intelig ência artificial - trabalho que visa a constru ção de máquinas inteligentes? De modo especifico, dar-nos- à o computador digital a imagem correcta da mente humana? E por que é que as ci ências sociais, em geral, não nos deram uma compreens ão de nós mesmos compar ável à compreens ão que as ciências naturais nos deram para o resto da natureza? Qual a rela ção entre as explica ções ordin árias, de sentido comum, que aceitamos acerca da maneira com as pessoas se comportam e os modos cient íficos de explica ção? Neste primeiro cap ítulo, quero mergulhar bem fundo naquilo que muitos fil ósofos pensam e consideram como o mais dif ícil de todos os problemas: qual a rela ção das nossas mentes com o resto do Universo? Este é, como certamente reconhecer ão, o problema tradicional da Mente-Corpo ou Mente-C érebro. Na sua vers ão contempor ânea, assume habitualmente a forma: como é que a mente se relaciona com o cérebro? Penso que o problema da Mente-Corpo tem uma solu ção bastante simples, e que e consistente tanto com aquilo que sabemos acerca da neurofisiologia, como com a concep ção do sentido comum acerca da natureza dos estados mentais - dores, crenças, desejos e assim por diante. Mas, antes de apresentar esta solu ção, quero interrogar-me porque é que o problema da Mente-Corpo parece t ão intrat ável. Por que é que temos ainda na Filosofia e na Psicologia, ap ós todos estes s éculos, um «problema da Mente-Corpo» de um modo que n ã o temos, digamos, um «problema da digest ão-estômago»? Por que é que a Mente parece mais misteriosa do que os outros fen ômenos biol ógicos? 18
Estou convencido de que parte da dificuldade reside erri continuarmos a falar acerca de um problema do s éculo xx coni um vocabul ário fora de moda e pr óprio do século xvii. Quando era estudante universit ário, lembro-me de me sentir insatisfeito com as alternativas que aparentemente estavam dispon íveis na Filosofia da Mente: poderia ser ou um nionista ou um dualista. Se se fosse monista, poder-se-ia ser um materialista ou um idealista. Se se fosse um materialista, poder-se-ia ser beliaviorista ou fisicalista. E assim por diante. Um dos meus objectivos para o que vai seguir-se, é tentar acabar com estas velhas categorias esgotadas. Note-se que ningu ém sente que deve escolher entre monismo e dualismo onde est á em causa o «problema da digest ão--estômago». Por que é que deveria ser diferente com o problema da Mente-Corpo? Mas, vocabul ário à parte, existe ainda um problema ou fam ília de problemas. Desde Descartes, o problema da Mente-Corpo foi abordado da seguinte forma: como podemos n ós explicar as rela ções entre duas esp écies de coisas na apar ência totalmente diferentes? Por um lado> h á coisas mentais, como os nossos pensamentos e sentimentos; consideramo-los como subjectivos, conscientes e imateriais. Por outro, h á coisas f ísicas; pensamos que elas t êm massa, como extensas no espa ço e como mteragindo causalmente com outras coisas fis ícas. A maior parte das solu ções tentadas para o problema da Mente-Corpo acabam por negar a exist ência ou, de algum modo, por minimizar o estatuto de um ou outro destes tipos de coisas. Dados os êxitos das Ci ências Fisicas, n ão causa surpresa que, no nosso est ádio de desenvolvimento intelectual, a tenta ção seja minimizar o estatuto das entidades mentais. Assim, a maior parte das concep ções materialistas da Mente de moda mais recente - como o behaviorismo, o funcionalismo e o fisicalismo - acabam por negar, impl ícita ou explicitamente, que h á coisas como as mentes, tais como ordinariamente as pensamos. 19
Isto, que tenhamos real e intrinsecamente estais it@bJectivos e conscientes, e que eles sejam re ais e t ão \irredutiveis como qualquer outra coisa Iin íverso. -,Orá, por
e é que elas fazem isso? Por que é que
acabam por negar o car ácter intr ínsecame al dos fen ómenos mentais? Se pudermos responder a esta quest ão, creio que entenderemos porque é que o problema da Mente-Corpo pareceu, durante tanto tempo, intrat ável. Há quatro caracter ísticas dos fen ômenos mentais que os impossibilitou de se inserirem na nossa concep ção «cient ífica» do Mundo enquanto feito de coisas materiais. E s ão estas quatro caracter ísticas que tomaram realmente dif ícil o problema da Mente-Corpo: s ão tão embara çosas que levaram muitos pensadores, na Filosofia, na Psicologia e na Intelig ência Artificial, a dizer coisas estranhas e implausiveis acerca da Mente. A mais importante destas caracter ísticas é a consci ência. E, no momento em que estou a escrever isto, e voc ês, no momento de a lerem, somos ambos conscientes. É um facto evidente que o Mundo cont ém tais estados e eventos mentais conscientes, mas é difícil ver como é que meros sistemas f ísicos podem ter consci ência. Como pode uma tal coisa ocorrer? Como é que, por exemplo, pode essa indígena cinzento -e branco dentro do’ meu cr ânio ser consciente ? Penso que a exist ência da consci ência deveria ser espantosa para n ós. É bastante fácil imaginar o Universo sem ela, mas se o fizermos, veremos que imagin ámos um universo verdadeiramente sem sentido. A consci ência é o facto central da exist ência especificamente humaria, o. _J] a @me
rs@ ‘yC 1 a por al
porque sem ela todos os outros aspectos especificamente humanos da nossa exist ência -linguagem, amor, humor e assim por diante -seriam imposs íveis. A propósito, penso que é algo escandaloso que as discuss ões contem20
porâneas na Filosofia e na Psicologia tenham t ão pouca coisa de interessante a dizer-nos acerca da consci ência. A segunda caracter ística intrat ável da Mente e o que os fil ósofos e psic ólogos chamam «intencionalidade», a caracteristica pela qual os nossos estados mentais se dirigem a, ou s ão acerca de, ou se referem a, ou s ão de objectos e estados de coisas no mundo diferentes deles mesmos. A prop ósito, «intencionalidade,» n ão se refere justamente a inten ções, mas tamb ém a cren ças, desejos, esperan ças, temores, amor, ódio, prazer, desgosto, vergonha, orgulho, irrita ção, divertimento, e todos aqueles estados mentais (quer conscientes ou inconscientes) que se referem a, ou s ão acerca do Mundo, diverso da mente. Ora a quest ão acerca da «Mitencionalidade» tem muita semelhan ça com a quest ão acerca da consci ência. Como e que esta subst ância dentro da minha cabe ça pode ser acerca de alguma coisa? Como é que ela se pode rej èrir a algo? Ao fim e ao cabo, esta subst ância no cr ânio consiste em « á tomos no vazio», tal como o resto da realidade material consta de átomos no vazio. Ora, como é,que, em termos grosseiros, podem átomos no vazio representar alguma coisa? A terceira caracteristica da Mente que parece dif ícil de inserir dentro de uma concep ção cientifica da realidade e a subjectividade dos estados mentais. Esta subjectividade e assinalada por um facto como este: posso sentir as minhas dores e voc ês não. Eu v ê o o Mundo do meu ponto de vista; voc ês vêem-o a partir do vosso ponto de vista. Eu sou consciente de mim mesmo e dos meus estados mentais internos, enquanto inteiramente distintos da individualidade e dos estados mentais das outras pessoas. Desde o s éculo xvii, pens ámos a realidade como algo que deve ser igualmente acessivel a todos os observadores competentes - isto é, que pensam que ela deve ser objectiva. Ora, como é que vamos acomodar a realidade dos fen ômenos mentais subjectivos à concep ção cientifica da realidade enquanto totalmente objectiva? 21
Finalmente, h á um quarto problema, o problema da causa ção mental. Todos n ós supomos, como parte do senso comum, que os nossos pensamentos e sentimentos s ão realmente importantes para a maneira como nos comportamos, que efectivamente t êm algum efeito causal sobre o mundo f ísico. Decido, por exemplo, levantar o meu braço e-vejam-o meu bra ço levanta-se. Mas se os nossos pensamentos e sentimentos são verdadeiramente mentais, como podem eles afectar algo de f ísico? Como pode algo que é mental originar uma diferen ça física? Pensamos, supostamente, que os nossos pensamentos e sentimentos podem de algum modo produzir efeitos quinuicos nos nossos c érebros e no resto do nosso sistema nervoso? Como pode uma tal coisa ocorrer? Pensamos, supostamente, que os pensamentos podem embrulhar-se a si mesmos nos axonios ou sacudir as dendrites ou esgueirar-se para dentro da membrana celular e atacar o n úcleo da c élula? Mas, a n ão ser que ocorra alguma tal conex ão entre a mente e o c érebro, n ão nos restar á justamente a concep ção de que a Mente n ão age, que é tão causalmente sem import ância como a espuma da onda o é para o movimento da onda? Suponho que se a espuma fosse consciente podia pensar para si pr ópria: «que trabalho duro é empur~ rar estas ondas para a praia e, depois, empurr á-las outra vez para tr ás durante todo o dia!» Mas sabemos que a espuma n ão tem qualquer import ância. Por que é que supomos que a nossa vida mental é mais importante do que uma espuma sobre a onda da realidade f ísica? Estas quatro caracter ísticas, consci ência, intencionalidade, subjectividade e causa ção Mental s ão o que fazem parecer t ão difícil o problema da Mente-Corpo. No entanto, quero eu dizer, todas elas s ão caracter ísticas efectivas das nossas vidas mentais. Nem todo o estado mental as possui a todas. Mas qualquer explica ção satisfat ória da Mente e das rela ções Mente-Corpo deve ter em conta todas as quatro caracter ísticas. Se a teoria de algu ém 22
acaba por negar alguma delas, saiba que deve ter havido algures um erro. A primeira tese que eu quero avan çar para «resolver o problema Mente-Corpo» é esta: Os fenómenos mentais, todos os fen ômenos mentais, quer conscientes ou inconscientes, visuais ou auditivos, dores, c ócegas, comich ões, pensamentos, na realidade, toda a nossa vida mental, s ão causados por processos que t êm lugar no cérebro. Para termos um vislumbre sobre o modo como isto funciona, tentemos descrever com algum pormenor os processos causais relativos a, pelo menos, uma esp écie de estado mental. Por exemplo, consideremos as dores. Naturalmente, qualquer coisa que agora digamos pode parecer maravilhosamente bizarra dentro de uma geração, já que o nosso conhecimento acerca do modo como o c érebro funciona est á em permanente aumento. No entanto, a firma da explica ção pode permanecer v álida, mesmo se os pormenores se alteram. Segundo a concep ç@ó corrente, os sinais da dor s ão transmitidos das termina ções nervosas sensoriais para a espinal medula por, pelo menos, dois tipos de fibras - as fibras Delta A, que s ão especializadas para sensa ções de picadas, e as fibras C, que s ão especializadas para sensa ções de queimadura e dor. Na espinal medula, eles passam atrav és de uma regi ão chamada o tracto de Lissauer e tern únam nos neur- óníos da espinal medula. Visto que os sinais sobem pela espinal medula, entram no c érebro por duas vias separadas: a via da dor de picada e a via da dor de queimadura; ambas, as vias passam pelo t álamo, mas a dor de picada localiza-se, depois, mais no córtex somato-sens ório, ao passo que a via da dor de queimadura transmite sinais, n ão, só para cima, para o c órtex, mas tamb ém lateralmente, para o hipot álamo e outras regi ões na base do c érebro. Em virtude destas diferen ças, é muito mais f ácil para n ós loca23
uma sensa ção de picada - podemos dizer com bastante exactid ão onde algu ém está a picar com um alfinete a nossa pele, por exemplo-, ao passo que as dores de queimadura e outras podem ser mais dif íceis de suportar porque activam mais o sistema nervoso. A sensa ção concreta de dor parece ser causada pela estimula ção das regi ões basais do c érebro, especialmente o t álamo, e pela estimula ção do córtex somato-sensorial. Ora, para os objectivos desta discuss ão, o ponto que precisamos de rebater é este: as nossas sensa ções de dores s ão causadas por uma s érie de eventos que começam nas termina ções nervosas livres e terminam no t álamo e em outras regi ões do cérebro. Na realidade, no tocante às sensa ções efectivas, os acontecimentos interiores ao sistema nervoso central bastam para causar dores - sabemos isto pelas dores do membro fantasma sentidas pelos amputados e pelas dores causadas mediante estimula ção artificial relativa a partes do c érebro. Quero sugerir que aquilo que se verifica com a dor é tamb ém verdade a prop ósito dos fen ômenos mentais em geral. Em termos grosseiros, e incluindo todo o sistema nervoso centkal como parte do c érebro na nossa presente discuss ão, tudo o que importa para a nossa vida mental, todos os nossos pensamentos e sentimentos, s ão causados por processos interiores ao c érebro. No referente aos estados mentais causantes, o passo crucial é o que ocorre dentro da cabe ça, e não o est ímulo externo ou perif@rico. E o argumento para isto é simples. Se os acontecimentos fora do sistema nervoso central ocorreram, mas nada aconteceu no c érebro, n ão haver á acontecimentos mentais; mas se as coisas aconteceram no c érebro como deve ser, os acontecimentos mentais ocorreriam mesmo se n ão houve est ímulo exterior (e a prop ósito, este é o principio sobre cuja base funciona a anestesia cirúrgica: o est ímulo exterior é impedido de ter os efeitos relevantes no sistema nervoso central). 24
Mas, se as dores e outros fen ómenos mentais sao causados por processos no cérebro, algu ém quer saber: o que s ão, portanto, as dores? o que é que elas s ão realmente? Bem, no caso das dores, a resposta óbvia é que elas s ão espécies de sensa ções desagrad áveis. Mas esta resposta deixa-nos insatisfeitos porque n ão nos diz como e que as dores se enquadram na nossa concep ção global do Mundo. Mais uma vez, penso que a resposta à questão é manifesta, mas exigir á algum esfor ço de deffia ção. Ã nossa primeira afirma ção - de que as dores e outros fenômenos mentais s ão causados por processos cerebrais -, precisanios de acrescentar uma segunda afirma ção: As dores e outros jen ómenos mentais s ão justamente caracterist ícas do c érebro (e, talvez, do resto do sisteina nervoso central). Um dos primeiros objectivos deste cap ítulo é mostrar como ambas as proposi ções podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Como pode acontecer que c érebros causem mentes e, no entanto, as mentes sejam justamente caracter ísticas do c érebro? Creio que o n ão conseguir ver como ambas as proposi ções podem ser simultaneamente verdadeiras impediu a solu ção, durante um tempo, para o problema Mente-Corpo. H á diversos n íveis de conflis ão que este par de ideias pode gerar. Se os fenomenos mentais e f ísicos t êm entre si rela ções de causa e efeito, como é que um pode ser uma caracter ística do outro? N ão implicar á isto que a Mente se causou a si mesma-a inc ómoda doutrM"a da causa sui? Mas, no fundo da nossa perplexidade, encontra-se uma m á com~ preens ão da causa ção. É tentador pensar que, sempre que A causa B, devem existir dois acontecimentos discretos, um identificado como a causa, o outro identificado como o efeito; que toda a causa ção funciona da mesma maneira que as bolas de bilhar tocando unias nas outras. 25
Este modelo grosseiro das rela ções causais entre o c érebro e a mente inclinamnos a aceitar uma esp écie de dualismo; somos inclinados a pensar que os eventos num reino material, o «fisico», causam acontecimentos num outro reino insubstancial, o «mental». Mas isto parece-me um erro. E o modo de eliminar o erro é alcançar um conceito de causa ção mais sofisticado. Para levar isso a cabo, afastar-me-ei, por um momento, das rela ções entre mente e c érebro, e irei observar algumas outras esp écies de rela ções causais na natureza. Uma distin ção comum em F ísica é entre as micro e as macropropriedades dos sistemas - as escalas pequenas e grandes. Consideremos, por exemplo, a secret ária a que agora estou sentado ou o copo de água que est á à minha frente. Cada objecto é composto de micropart ículas. As micropart ículas t êm caracter ísticas, ao n ível das mol éculas e dos átomos, como também ao nível mais baixo das part ículas subat ómicas. Mas, cada objecto tem também certas propriedades como a solidez da mesa, o car ácter líquido da água e a transpar ência do vidro, que s ão caracter ísticas superficiais ou globais dos sistemas f ísicos. Muitas destas propriedades de superf ície ou globais podem explicar-se facilmente por meio do comporta” mento dos elementos ao micronivel. Por exemplo, a solidez da mesa que est á à minha &ente explica-se pela estrutura gradeada ocupada pelas mol éculas de que a mesa é composta. Igualmente, o carácter líquido da água explica-se pela natureza das interac ções entre as moléculas H20, Estas macrocaracter ísticas s ão causalmente explicadas pelo comportamento dos elementos ao micron ível. Quero sugerir que isto fornece um modelo perfeitamente ordin ário para explicar as rela ções intrincadas entre a mente e o c érebro. No caso do car ácter liquido, da solidez e da transpareAncia, n ão temos nenhuma dificuldade em supor que as caracter ísticas de superf ície são causadas pelo comportamento dos elementos ao micron ível e, ao mesmo tempo, aceitamos que os fen ómenos 26
de superf ície sffo justamente caracter ísticas dos sistemas em quest ão. Penso que a maneira mais clara de expor este ponto é afirmar que a caracter ística de superf ície é causada pelo comportamento dos microelementos e ao mesmo tempo realizada no sistema que é constitu ído pelos microelementos. Existe uma rela ção de causa e efeito mas, ao mesmo tempo, as caracter ísticas de superf ície s ão justamente caracter ísticas de n ível superior do mesmo sistema, cujo comportamento ao micron ível causa essas caracter ísticas. Objectando contra o que foi dito, algu ém poder á dizer que a liquidez, a solidez e assim por diante s ão idênticas às caracter ísticas da microestrutura. Assim, por exemplo, poder íamos justamente definir a solidez como a estrutura em grade da disposi ção molecular, tal como o calor muitas vezes é identificado com a energia cin ética média dos movimentos moleculares. Este pormenor parece-me correcto, mas n ão constitui.realmente uma objec ção à análise que estou a propor. E uma caracter ística do progresso da ci ência que uma express ão que originalmente se define em termos de caracter ísticas de superf ície, caracteristicas acess íveis aos sentidos, seja subsequentemente definida em termos da microestrutura, que causa as caracter ísticas de superf ície. Assim, para tomar o exemplo da solidez, a mesa que est á diante de mim é sólida no sentido ordin ário de que é rígida, resiste à pressão, suporta livros, n ão é facilmente penetr ável pela maior parte dos outros objectos, tais como outras mesas e assim por diante. Tal é a noção de solidez pr ópria do sentido comum. E pode com um giro cientifico definir-se solidez, j á que qualquer microestrutura causa estas caracter ísticas grosseiramente observ áveis. Pode assim afirmar-se, ent ão, que a solidez é justamente a estrutura em grade do sistema de mol éculas em que a solidez assim definida causa, por exemplo, resist ência ao tacto e à pressão. Ou pode dizer-se que a solidez consiste em tais caracter ísticas de n ível superior como a rigidez e a resist ência ao tacto e à pressão, 27
e que é causavel pelo comportamento dos elementos ao micron ível. Se aplicarmos estas li ções ao estudo da mente, parece-me que n ão há dificuldade em explicar as rela ções da mente com o c érebro em termos de funcionamento do cérebro para causar os estados mentais. Assim como a liquidez da água é causada pelo comportamento dos elementos ao micron ível e, no entanto, é ao mesmo tempo uma caracter ística realizada no sistema dos microelemento, assim tamb ém, no sentido preciso do «causado por» e «realizado em», os fen ômenos mentais s ão causados por processos que ocorrem no c érebro, ao n ível neuronal ou modular e, ao mesmo tempo, realizam-se no pr óprio sistema que- consiste em neur ónios. E assim como necessitamos da distin ção micro/macro para qualquer sistema f ísico, assim, pelas mesmas razoes, precisamos da distin ção micro/macro para o c érebro. E, embora possamos dizer que um sistema de part ículas est á a dez graus centígrados ou que é sólido ou l íquido, n ão podemos dizer de qualquer part ícula dada que esta part ícula é sólida, esta part ícula é líquida, esta part ícula est á a dez graus cent ígrados. N ão posso, por exemplo, meter a m ão neste copo de água, tirar uma mol écula e dizer: «Esta. aqui é hún@úda.» Do mesmissimo modo, tanto quanto acerca disso sabemos alguma coisa, embora possamos dizer de um c érebro particular: «Este c érebro é consciente», ou «Este cérebro sente sede ou dor», nada podemos dizer de algum neur ónio particular no cérebro: «Este neur ónio tem dor, este neur óm*o sente sede.» Insistindo neste ponto, embora existam grand íssimos mist érios empm'*cos acerca do modo como o cérebro flinciona em pormenor, n ão existem obst áculos l ógicos, filos óficos ou metafisicos para explicar a rela ção entre a mente e o c érebro em termos que nos são totalmente familiares a partir do resto da Natureza. Nada é mais comum na Natureza do que serem as caractet ísticas de superf ície de um fen ómeno causadas por 28
e realizadas numa microestrutura, e essas s ão exactamente as rela ções exibidas pela conex ã o da mente ao c érebro. Voltemos agora aos quatro problemas que, como disse, se deparam a toda a tentativa de resolver o problema da Mente-Corpo. Primeiro: como é possível a consci ência@ A melhor maneira de mostrar como algo é possível e mostrar como efectivamente existe. j á fornecemos um esbo ço de como as dores s ão concretamente causadas por processos neurofisiol ógicos que ocorrem no tálamo e no c órtex sensorial. Por que é que, ent ão, tanta gente se sente 111satisfeita com este tipo de resposta? Penso que seguindo uma analogia com um problema anterior na hist ória da ci ência, podemos dissipar esta sensa ção de perplexidade. Durante muito tempo, numerosos bi ólogos e fil ósofos pensaram que era imposs ível explicar a exist ência da vida em bases puramente biol ógicas. julgavam que al ém dos processos biol ógicos deve ser necess ário algum outro elemento, deve postular-se algum élan vital para emprestar a vida ao que, de outro modo, era mat éria morta e inerte. É difícil, hoje, fazer u ‘ma ideia de quão Mitensa foi a disputa entre o vitalismo e o mecanicismo h á uma gera ção, mas, actualmente, esses problemas j á não são tomados a s ério, Por que n ão? Penso que n ão foi tanto por o mecan ícismo ter vencido e o vitalismo ter perdido, mas porque conseguimos compreender melhor o car ácter biol ógico dos processos que s ão caractenisticos dos organismos vivos. Logo que compreendemos como as caracter ísticas t ípicas dos seres vivos t êm uma explica ção biológica, j á não constitui para n ós mistério algum que a mat éria deva ser viva. Penso que considera ções exactamente similares deveriam aplicar-se às nossas discuss ões da consci ência. Em principio, que esse peda ço de mat éria, a subst ância cinzenta e branca do c érebro, com a textura de farinha de aveia, deva ser consciente n ão deveria parecer mais misterioso do que misterioso parece que este outro peda ço 29
de matéria, este conjunto de mol éculas n úcleo-prote ínicas enquadradas numa estrutura de c álcio, deva ser vivo. Em suma, a maneira de eliminar o mist ério é compreender os processos. Ainda n ão entendemos completamente os processos, mas compreendemos o seu car ácter geral, compreendemos que h á certas actividades electroqu írnicas espec íficas que ocorrem entre os neuroMos ou m ódulos neuronais e talvez outras caracter ísticas do c érebro, e esses processos causam a consci ência. 0 nosso segundo problema era: como podem os átomos no vazio ter intencionalidade? como podem eles ser acerca de alguma coisa? Relativamente à nossa primeira quest ão, a melhor maneira de demonstrar como algo é possivel é mostrar como efectivamente existe. Assim, consideremos a sede. Tanto quanto sabemos alguma coisa acerca dela, pelo menos, certos tipos de sede são causados no hipot álamo por sequ ências de explos ões nervosas. Estas explos ões, por seu turno, s ão causadas pela ac ção da angiotensina no hipot álamo, e a angiotensuia, por sua vez, é sintetizada pela renina, a qual é segregada pelos rins. A sede, pelo menos de ‘ um desses tipos, é causada por uma s érie de acontecimentos no sistema nervoso c 1entral, principalmente o hipot álamo, e é levada a efeito no hipot álamo. Ter sede é ter, entre outras coisas, o desejo de beber. A sede e, portanto, um estado intencional: tem conte údo; o seu conte údo determina sob que condi ções é satisfeita e possui todas as restantes caracteristicas que s ão comuns aos estados intencionais. Quanto aos «inist érios» da vida e da consci ência, o modo de dominar o mist ério da intencionalidade é descrever com o m áximo pormenor que nos for possivel como é que os fen ómenos s ão causados pelos processos biol ógicos, ao mesmo tempo que ocorrem nos sistemas biol ógicos. As experi ências visuais e auditivas, as sensa ções tácteis, a fome, a sede e o desejo sexual, s ão todos causados por processos cerebrais e realizam-se na estrutum do c érebro e s ão todos fen ômenos intencionais. 30
Não estou a dizer que devenios perder o sentidodos mist érios da natureza. Pelo contr ário, os exemplos que mencionei s ão todos num sentido espantosos. Aias estou a dizer que n ão são nem mais nem menos misteriosos do que outras caracter ísticas assombrosas do Mundo, tais como a exist ência da atrac ção gravitacional, o processo da fotoss íntese ou o tamanho da Via L áctea. 0 terceiro problema é: como inserimos n ós a subjectividade dos estados mentais no interior de uma concep ção objectiva do mundo real? Parece-me um erro supor que a defini ção de realidade tenha de excluir a subjectividade. Se «ci ência» é o nome do conjunto de verdades objectivas e sistem áticas que podemos enunciar acerca do Mundo, ent ão a exist ência da subjectividade é um facto cientfflco objectivo como qualquer outro. Se uma explica ção cient ífica do Mundo tenta descrever como as coisas s ão, então, uma das caracter ísticas da explica ção será a subjectividade dos estados mentais, visto que é justamente um facto óbvio que a evolu ção biológica produziu certos tipos de sistemas biol ógicos, a saber, os c érebros humanos e de certos animais, que t êm caracter ísticas subjectivas. 0 meu estado presente de consci ência é uma caracter ística do meu c ére, bro, mas os seus aspectos conscientes s ão-me acess íveis de um modo que n ão são acess íveis a voc ês. E o ‘ vosso estado presente da consci ência é uma caracter ística do vosso c érebro e os seus aspectos conscientes s ão-vos acess íveis de um modo que a mim n ão são. Assim, a exist ência da siibiectividade é um facto objectivo da biologia. É um erro’ persistente tentar definir «ci ência» em termos de certas caracter ísticas das teorias cient íficas existentes. Mas, logo que se percebe que este provincialismo é o num preconceito que e, ent ão qualquer do i * o de factos é um tema de investiga ção sistem á tica. Assim, por exemplo, se Deus existisse, ent ão esse facto seria um facto como qualquer outro. N ão sei se Deus existe, mas n ão tenho dúvida alguma de que existem estados mentais subjecti31
i;o vos, porque estou agora num e tamb ém vocês. Se o facto da subjectividade vai contra uma certa defn úção de «ci ência», ent ão é a defini ção e não o facto que teremos de abandonar. Quarto, o problema da causa ção mental para o nosso prop ósito presente é explicar como é que os eventos men~ tais podem causar eventos f ísicos. Como é que, por exemplo, algo <@mponder áveb> e «etereo», como o pensamento, pode suscitar uma acção? A resposta é que os pensamentos n ão são imponder áveis e et éreos. Quando temos um pensamento, est á efectivamente a ocorrer a actividade cerebral. A actividade cerebral causa movimentos corporais mediante processos fisiol ógicos. Ora, porque os estados mentais s ão caracteristicas do c érebro, t êm dois n íveis de descri ção -um n ível superior em termos mentais e um n ível inferior em termos fisiol ógicos. Os mesmos poderes causais do sistema podem descrever-se em qualquer um dos níveis. Mais uma vez, podemos utilizar uma analogia da F ísica para ilustrar estas relações. Consideremos o acto de pregar um prego com um martelo. 0 martelo e o prego t êm um certo tipo de solidez. Martelo feitos de algod ão em rama ou de manteiga s ão totalmente in úteis e martelos feitos de água ou de vapor nem sequer são martelos. A solidez é uma propriedade causal real do martelo. Mas, a solidez em si é causada pelo comportamento das part ículas ao nu"crom'vel e realiza-se no sistema que consiste em microelementos. A exist ência de dois n íveis causalmente reais de descri ção no c érebro, uma ao macron ível dos processos mentais e a outra ao micron ível dos processos neuronais é exactamente an áloga à existência de dois níveis causalmente reais da descri ção do martelo. A consci ência, por exemplo, é uma propriedade real do c érebro que pode causar coisas e a sua.ocorr ência. A minha tentativa consciente de levar a cabo uma ac ção como elevar o bra ço causa um movimento do bra ço. Ao n ível superior da descri ção, a inten ção de elevar o 32
meu bra ço causa o movimento do bra ço. Mas, ao n ível inferior da descri ção, uma série de explos ões neuronais inicia uma cadeia de eventos que resulta na contrac ção dos m úsculos. Tal como no caso do pregar um prego, a mesma sequ ência de acontecimentos tem dois n íveis de descri ção. Ambos s ão causalmente reais e as caracteristicas causais do n ível, superior s ão causadas por e realizadas na estrutura dos elementos do n ível inferior. Resumindo: na minha concep ção, a mente e o corpo interagem, mas n ão são duas coisas diferentes, visto que os fen ômenos mentais s ão justamente caracter ísticas do drebro. Uma Rianeira de caracterizar esta posi ção é e vê-Ia como uma asser ção do fisicalismo e do mentalismo. Suponhamos que n ós definimos o «fisicalismo, ing énuo» como a concep ção de que tudo o que existe no Mundo s ão partí culas f ísicas com as suas propriedades e rela ções. 0 poder do modelo f ísico da realidade é tão grande que é difícil ver como podemos contestar seriamente o fisicalismo ing énuo. E defmamos, o «mentalismo, ingénuo» como a concep ção de que os fen ômenos mentais existem realmente. Existem, de facto, estados mentais; alguns deles s ão conscientes; muitos t êm intencionalidade; todos t êm subjectividade; e muitos funcionam causalmente na determina ção dos eventos f ísicos no Mundo. A tese do primeiro cap ítulo pode agora enunciar-se de uma maneira muito simples. 0 mentalismo e o fisicalismo migênuos são perfeitamente consistentes entre si. Na realidade, tanto quanto sabemos algo sobre o modo como o mundo funciona, eles n ão só são consistentes, mas s ão ambos verdadeiros. 33
. II PODEM OS COMPUTADORES PENSAR? No capítulo anterior, forneci, pelo menos, as leis gerais de uma solu ção para o chamado «problema da ‘Mente-Corpo'». Embora n ão saibamos em pormenor como fiu@ciona o c érebro, conhecemos o bastante para ter uma ideia das rela ções gerais entre os processos cerebrais e os processos mentais. Os processos mentais são causados pelo comportamento dos elementos do c érebro. Ao mesmo tempo, realizam-se na estrutura que é - constitu ída por esses elementos. Penso que esta resposta se harmoniza com as abordagens biol ógicas correntes aos fen ômenos biológicos. Sem d úvida, é uma esp écie de resposta do senso comum à questão, dado o que conhecemos acerca do modo como o Mundo funciona. No entanto, é um ponto de vista de uma minoria. A concep ção predominante em Filosofia, Psicologia e Intelig ência Artificial, é a que real ça as analogias entre o funcionamento do cérebro humano e o funcionamento dos computadores digitais. Segundo a vers ão mais extrema desta concep ção, o cérebro é justamente um computador digital e a mente 35
é um programa de computador. Poder-se-ia resumir esta concep ção - dou-lhe o nome de «Intelig ência Artificial forte» ou «IA forte» -dizendo que a mente est á para o cérebro tal como o programa est á para o hardware do computador. Esta concep ção tem a consequ ência de que nada existe de essencialmente biol ógico acerca da mente humana. Acontece que o c érebro é um de entre o n úmero indefinidamente vasto de diferentes tipos de computadores materiais que poderiam apoiar os programas constitutivos da intelig ência humana. Nesta concep ção, qualquer sistema f ísico que tivesse um programa correcto com as entradas e saldas correctas teria uma mente, no mesmissimo sentido em que voc ês e eu temos mentes. Assim, por exemplo, se fiz éssemos um computador de velhas latas de cerveja com energia fornecida por moinhos de vento, se ele tivesse o programa correcto teria de ter uma mente. E o importante n ão é que ele, por tudo o que sabemos, poderia ter pensamentos e sentimentos, mas antes que deve ter pensamentos e sentimentos, porque o ter pensamentos e sentimentos consiste justamente nisto: levar a cabo o programa correcto. A maior parte dos que defendem esta concep ção pensa que n ão project ámos ainda programas que sejam mentes. Mas existe entre eles um acordo muito geral de que é apenas uma quest ão de tempo, at é que os cientistas de computadores e os que trabalham na Intelig ência Artificial projectem o hardware apropriado e os programas que serao o equivalente dos c érebros e das mentes humanas. Ser ão esses os cérebros e mentes artificiais que de todos os modos constituem o equivalente dos c érebros e mentes humanas. Muitas pessoas fora do campo da Intelig ência Artificial ficam deveras espantadas por descobrir que algu ém possa acreditar numa til concep ção. Assim, antes de a criticar, permitam que eu lhes forne ça alguns exemplos das coisas que os que trabalham neste campo efectiva36
mente disseram. Herbert Simon. da Carnegie-Mello. University diz que j á temos máquinas que podem li mente pensar. j á que n ão é preciso esperar por ai m áquina futura, porque os computadores digitais e tentes j á têm pensamentos, no mesmíssimo, sentido em que voc ês e eu temos. Ora vejam l á! Os fil ósofos preocuparam-se durante s éculos acerca de se ou n@o uma m áquina podia pensar e agora descobrimos que eles j á têm tais m áquinas na Carnegie-Mellon. 0 colega de Simon, Alan Newell afirma que «j á descobrim ós» (notem que Newell diz «descobrimos», n ão «supusemos» ou «consideramos a possibilidade», mas descobritnos) que a intelig ência é justamente uma quest ão de manipula ção de sIn@6olos f ísicos; n@o tem nenhuma liga ção essencial com qualquer tipo de material ou humidade: biol ógica ou f ísica. Antes, qualquer sistema que seja capaz de manipular s ímbolos f ísicos de modo correcto é capaz de intelig ência no mesmo sentido literal que a intelig ência humana dos seres humanos. Simon. e Newell sublinham, pela sua honra, que n ão existe nada de metaf órico nestas pretens ões; proferem-nas de um modo inteiramente literal. Freeman Dyson é citado como tendo dito que os computadores t êm uma vantagem sobre todos n ós, no tocante à evolução. Visto que a consci ência é uma quest ão de processos formais, nos computadores esses processos formais podem ocorr ã em subt âncias que est ão muito mais capacitadas para sobre-, viver num universo que est á a arrefecer do que seres como n ós, feitos de materiais h úmidos e sujos. Marvin Minsky do MIT diz que a pr óxima gera ção de computadores ser á tão inteligente que «teremos muita sorte se eles pern útirem manter-nos em casa como animais de estima ção domésticos». 0 meu preferido de sempre, na literatura das afirma ções, exageradas em prol do computador digital, vem de John MeCarthy, o inventor do termo « Intelig ência Artificia]». McCarthy diz que mesmo «m áquinas t ão simples como termostatos t êm - pode dizer-se - cren ças». E, efectivamente, segundo ele, quase toda a m áquina 37
capaz de resolver problemas tem, pode dizer-se, cren ças. Admiro a coragem de McCarty. Uma vez perguntei-lhe: «Que cren ças tem o seu termostato?»,, e ele respondeu: «0 meu termostato tem tr ês crenças - est á demasiado quente aqui, est á demasiado frio aqui e est á bem aqui.» Como fil ósofo, aprecio estas afirma ções por uma simples raz ão. Diferentemente da maior parte das teses filos óficas, elas são razoavelmente claras e admitem uma simples e decisiva refuta ção. É essa refuta ção que eu vou empreender neste capitulo. A natureza da refuta ção nada tem a ver com qualquer est ádio particular da tecnologia dos computadores. É importante sublinhar este ponto, porque a tenta ção é sempre pensar que a solu ção para os nossos problemas deve esperar alguma maravilha tecnol ógica ainda n ão criada. Mas, de facto, a natureza da refuta ção é totalmente independente de qualquer estado da tecnologia. Tem a ver com a justa defini ção de um computador digital, com aquilo que um computador digital é. Essencial à nossa concep ção de um computador digital é que as suas opera ções possam ser especificadas em termos puramente formais; isto e, especificamos os passos na opera ção do computador em termos de s ímbolos abstractos -sequ ências de zeros e uns impressos numa fita, por exemplo. Uma «regra» t ípica do computador determinar á que, quando a m áquina est á num certo est ádio e tem um certo s ímbolo na sua fita, ent ão realizar á uma certa opera çã o, como o apagamento de um símbolo ou a inipress ão de outro s ímbolo, e ent ão ocorrer á um outro estado, COMO o Movimento da fita um quadrado para a esquerda. Mas os s ímbolos n ão têm significado; n ão têm conte údo semântico; n ão são acerca de qualquer coisa. T êm de ser especificados unicamente em termos da sua estrutura formal ou sint ática. Os zeros e os uns, por exemplo, s ão simples numerais; nem sequer est ão em vez de números. Efectivamente, é esta caracter ística dos cO@nputadores digitais que os torna t ão poderosos. 38
Um e o mesmo tipo de hardware, se for apropriadamente projectado, pode utilizarse para executar um âmbito indefinido de programas diferentes. Um e o mesmo programa pode passar num âmbito indefu údo de dif èrentes tipos de harduares. Mas esta caracteristica dos programas, que se definem em termos puramente formais ou sint áticos, é fatal para a concep ção de que os processos mentais e os processos de programa s ão idênticos. E a raz ão pode formular-se de um modo muito simples. É muito mais complexo ter uma mente do que ter processos formais ou sintáticos. Os nossos estados mentais internos t êm, por defini ção, certos tipos de conte údos. Se estou a pensar em Katisas City, ou se desejo beber uma cerveja fresca, ou se estou a imaginar que vai haver uma baixa nas taxas de juro, em cada caso, o meu estado mental tem um certo conte údo mental, al ém de quaisquer estruturas ffirmais que possa ter. Isto é, mesmo se os meus pensamentos ocorrem em séries de simbolos, deve haver algo mais no pensamento do que as s éries abstractas, porque as s éries por si mesmas n ão têm qualquer significado. Se os meus pensamentos s ão acerca de alguma coisa, ent ão as séries devem ter um significado, que faz que os pensamentos sejam a proposito dessas coisas. Numa palavra, a mente tem mais do que uma sintaxe, possui tamb ém uma sem ântica. A razão por que nenhum programa de computador pode alguma vez ser uma mente é simplesmente porque um programa de computador é apenas sintático, e as mentes s ão mais do que smit áticas. As mentes s ão semânticas, no sentido de que possuem mais do que uma estrutura formal, t êm um conte údo. Para ilustrar este ponto, concebi uma certa experi ência intelectual. Imaginemos que um grupo de programadores de computador escreveram um programa que capacitar á um computador para simulara compreens ão do chin ês. Assim, por exemplo, se ao computador se puser uma quest ão em chin ês, ele conferir á a quest ão 39
com a sua mem ória ou a base de dados e produzir á respostas apropriadas para as perguntas em chin ês. Suponhamos, em vista da discuss ão, que as respostas do computador s ão tão boas como as de um falante chin ês nativo. Ora bem, entender á o computador nesta base o Chin ês, compreende ele literalmente o chin ês tal como os falantes chineses entendem o chin ês? Bem, imaginemos que algu ém está fechado num quarto e que neste quarto h á vários cestos cheios de s ímbolos chineses. Imaginemos que algu ém, como eu, n ão compreende uma Palav ía de chin ês, mas que lhe é fornecido um livro de regras em ingl ês para manipular os s ímbolos chineses. As regras especificam as manipula ções dos s ímbolos de um modo puramente formal em termos da -sua sintaxe e n ão da sua sem ântica. Assim a regra poder á dizer: «Tire do cesto n úmero um um s ímbolo esticado e ponha-o junto de um símbolo encolhido do cesto n úmero dois.» Suponhamos agora que alguns, outros símbolos chineses s ão introduzidos no quarto e ue esse algu ém recebe mais regras para passar s ímbolos cEneses Para o exterior ido quarto. Suponhamos que, sem ele saber, os s ímbolos introduzidos no quarto s - chamam «perguntas» feitas pelas pessoas que se encone tram fora do quarto e que os s ímbolos mandados para fora do quarto se chamam «respostas às perguntas». Suponhamos, al ém disso, que os programadores s ão tão bons a escrever programas e que algu ém é igualmente t ão bom em manipular os s ímbolos que muito depressa as suas respostas s ão indestingu íveis das de um falante chin ês nativo. L á está ele fechado no quarto manipulando os s ímbolos chineses e passando c á para fora símbolos chineses em resposta aos s ímbolos chineses que s ão introduzidos. Com base nesta situa ção tal como a descrevi, de nenhum modo se pode aprender chin ês pela simples manipula ção desses s ímbolos formais. Ora, o ceme da hist ória, é apenas este: em virtude da realiza ção de um programa formal de computador do ponto de vista de um observador externo, esse algu ém 40
comporta-se exactamente como se entendesse chin ês, nw de qualquer modo n ão compreende uma s ó palavra de chin ês. Mas, se a efectiva ção do programa apropriado do computador para a compreens ão do chin ês não é suficiente para nos dar uma compreens ão do chin ês, então também não basta dar a qualquer outro computador digital uma compreens ão do chin ê s. E, mais uma vez, a raz ão para isso, pode enunciar-se de um modo muito simples. Se n ão compreendemos o chin ês, então nenhum outro computador pode compreender o chin ês, por 1que nenhum computador digital, em virtude da simples execu ção de um programa, tem algo que nós não tenhamos. Tudo o que o computador tem, como n ós temos, é um programa formal para manipular simbolos chineses n ão interpretados. Repetindo, um computador tem uma sintaxe, mas n ão uma sem ântica. Tudo o que a par ábola do quarto chin ês pretende é lembrar um facto que j á conheciamos. Entender uma língua ou, sem d úvida, ter estados mentais, implica mais cio que a simples posse de um feixe de simbolos formais. Implica ter uma compreens ão ou um significado associado a esses simbolos. E o computador digital, como foi defuiido, s ó pode ter s ímbolos formais, porque a opera ção de um computador, como eu disse antes, define-se em termos da sua capacidade para realizar programas. E estes programas só podem especificar-se de um modo puramente flormal - isto é, não têm conte údo semântico. Podemos ver a for ça deste argumento, se contrastarmos o que é ser interrogado e dar respostas em ingl ês e ser interrogado e dar respostas numa l íngua em que n ão temos conhecimento de qualquer dos significados das palavras. Imaginemos que, no quarto chin ês, nos fazem tamb ém perguntas em Migl ês acerca de coisas como a nossa idade ou a hist ória da nossa vida, e que n ós respondemos a essas quest ões. Qual a diferen ça entre o caso chin ês e o caso ingl ês? Ora bem, se, como eu, vocês não compreendem chin ês e entendem ingl ês, então a dife41
rença o é óbvia. Voc ês compreendem as perguntas em ingl ês porque expressas em s ímbolos cujos significados s ão con@êcidos. De modo semelhante, quando ^ f em respostas em es voces ornec: ing1^, produzem s ímbolos que s ão significativos para voc ês. Mas, no caso do chinês, nada disso se tem. No caso do chin ês, voces simplesmente manipulam símbolos fbrinais segundo um programa de computador e n ão atribuem nenhum significado a qualquer dos elementos. Várias objec ções foram sugeridas contra este argumento por aqueles que trabalham em Intelig ência Artificial, em Psicologia e em Filosofia. Todas t êm algo em comum; todas s ão inadequadas. Existe uma raz ão óbvia por que é que elas t êm de ser inadequadas, visto que o argumento se baseia numa verdade l ógica muito simples, a saber, a sintaxe sozinha n ão basta para a sem ântica e os computadores digitais na medida em que s ão computadores t êm, por defn úção, apenas uma sintaxe. Quero esclarecer bem isto mediante a considera ção de alguns argumentos que, muitas vezes, me contrap õem. Há pessoas que tentam responder ao exemplo do quarto chin ês dizendo que todo o sistema compreende chin ês. A ideia aqui é que, embora eu, a pessoa que no quarto manipula os simbolos n ão entenda. chin ês, sou justamente a unidade central do processamento do sistema do computador. Elas afirmam que é todo o sistema, incluindo o quarto, os cestos cheios de simbolos e OS discos que cont êm os programas, e talvez outros artigos tamb ém, tomados como uma totalidade, que compreende o chin ês. Mas isto encontra-se exactamente sujeito à mesma objec ção que antes fiz. N ão há maneira de o sistema poder passar da sintaxe para a semântica. Eu, enquanto unidade central de processamento, n ão tenho maneira de calcular qual o significado de qualquer um desses s ímbolos; mas tamb ém não o consegue todo o sistema. Outra resposta de sentido comum é imaginar que pomos o programa da compreens ão do chin ês dentro 42
de um rob ô. Se o rob ô se deslocasse e m*teragisse causaI@mente com o Mundo, n ão seria isso suficiente para garantir que ele compreendia o chin ês? Mais uma vez, a inexorabilidade da distin ção semântica/sintaxe supera esta manobra. Enquanto supusermos que o rob ô tem apenas o computador por um c érebro ent ão, mesmo que se pudesse comportar exactamente como se compreendesse o chin ês, não conseguiria ainda passar da sintaxe para a sem ântica do chin ês. Vocês podem ver isso se imaginarem que eu sou um computador. Numa divis ão no cr ânio do rob ô, eu manipulo simbolos sem saber que alguns deles v êm até mim de c âmaras de televis ão, ligadas à cabeça do computador, e outras saem para mover os bra ços e as pernas do rob ô. Enquanto eu tiver apenas um programa formal de coniputar, n ão tenho maneira alguma de ligar qualquer significado a qualquer dos s ímbolos. E o facto de o rob ô estar 111serido em interac ções causais com o mundo exterior não me ajudar á a ligar qualquer significado com o s ínibolo, a n ão ser que eu tenha algum modo de descobrir esse facto. Suponhamos que o rob ô apanha um hamburguer e isso dispara e faz aparecer no quarto o simbolo para hamburguer. Enquanto eu tive apenas o s ímbolo sem qualquer corillecil-nento das suas causas ou do modo como ele ali apareceu, n ão tenho maneira de conhecer o que ele significa. As interac ções causais entre o rob ô e o resto do Mundo s ão i.rrelevantes, a n ão ser que essas uiterac ções causais sejam representadas em alguma ou noutra mente. Mas, n ão há nenhuma possibilidade de assim ser, se tudo aquilo em que consiste a chamada Mente é apenas um conjunto de opera ções puramente formais o smt áticas.
É importante ver exactamente o que se pretende e o que n ão se pretende com mencionei no princ ípio: naturalmente, todos n ós nossas cabe ças como uma 43
o meu argumento. Suponhamos que eu fa ço a pergunta que «Pode uma m áquina pensar?» Bem, num certo sentido, somos m áquias. Podemos imaginar a mat éria dentro das m áquina
de carne. E, naturalmente, todos podemos pensar. Assim, no sentido de «m áquina», a saber, o sentido em que uma m áquina é justamente um sistema f ísico que é capaz de realizar certos tipos de opera ções, nesse sentido, todos somos m áquinas e podemos pensar. Assim, de uma maneira trivial, h á máquinas que podem pensar. Mas esta não era a quest ão que nos preocupava. Assim, tentemos uma diferente formula ção. Pode um artefacto pensar? Pode urna m áquina feita pelo homem pensar? Bem’ mais uma vez, depende do tipo de artefact ó. Suponhamos que projectamos uma maquina que era indistinguivel, mol écula a mol écula, de um ser humano. Ora bem, se se podem duplicar as causas, tamb ém se presumivelmente duplicar os efeitos. Assim, de novo, a resposta a esta quest ão é, pelo menos em principio, trivialmente sim. Se se pudesse construir uma maquina que tivesse a mesma estrutura de um ser humano, ent ão presuin ívelmente essa maquma seria capaz de pensar. Na realidade, seria um ser humano de substitui ção. Ora, tentemos novamente. A quest ão não é: «Pode uma maquina pensar?», ou «Pode um artefacto pensar?» A quest ã o é: «Pode ‘ um um computador digital pensar?» Mas, mais uma vez, temos de ser muito cuidadosos em rela ção à maneira de interpretarmos a quest ão. De um ponto de vista matem ático, qualquer coisa se pode descrever como se fosse um computador digital. E isso é porque ele pode descrever-se como ilustrando ou levando a cabo um programa de computador. Num sentido extremamente trivial, a caneta que est á diante de mim, em cima da secret ária, pode descrever-se como um computador digital. Por acaso, tem at é um programa de computador muito chato. 0 programa diz: «Permanece al.» Ora, visto que nesse sentido qualquer coisa é um computador digital, porque qualquer coisa pode descrever-se como realizando um programa de computador, ent ão, mais uma vez, a nossa quest ão obtém uma resposta trivial. Naturalmente, os nossos c érebros s ão computadores digitais, porque re á44
lizam qualquer n úmero de ‘programas de computador. E, naturalmente, os nossos cerebros podem pensar. Assim, de novo, existe uma resposta trivial para a quest ão. Mas n ão era esta efectivamente a pergunta que tent ávamos fazer. A quest ão que quisemos fazer é esta: «pode o computador digital, tal como foi defu-lido, Pensar?» Isto é, o ilustrar ou realizar o correcto programa de computador com as entradas e sa ídas correctas é suficiente Para ou constitutivo do pensamento?» E para esta quest ão, diferentemente do que acontecia com as suas predecessoras, a resposta é claramente «N ão». E é «Não» pela raz ão que antes indic ámos, a saber, o programa de computador define-se apenas em termos síntáticos. Mas pensar é mais do que apenas uma quest ão de eu manipular simbolos sem sigm'ficado; implica conte údos sem ânticos significativos. Estes conte údos semânticos s ão aquilo que n ós indicamos por «signi@ficado». E importante sublinliar mais uma vez que nao estamos a f ãlar acerca de um estádio particular da tecnologia dos computadores. 0 argumento nada tem a ver com os avan ços futuros espantosos na ci ência dos computadores. Nada tem a ver com a distmi ção entre processos seriais e paralelos ou com o tamanho dos programas ou a velocidade das opera ções do computador, ou com computadores que podem interagir causalmente com o seu ambiente, ou mesmo com a inven ção de robôs. 0 progresso tecnol ógico é sempre grosseiramente exagerado, mas, mesmo eliminando o exacrero, o desenvolvimento dos computadores foi muito not ável e podemos sensatamente esperar que, no futuro, am ída se far ão progressos mais not á veis. Sem d úvida, estaremos muito mais capacitados para simular o comportamento humano em computadores do que o podemos fazer agora e certamente muito melhor do que o conseguimos fazer no passado. 0 que eu quero real çar é que, se estalilos a falar da exist ência de estados mentais ou de unia mente, todas essas simula ções são simplesmente irrelevantes. N ão ínte45
ressa a boa qualidade da temologia ou a rapidez com que os c álculos s ão feitos pelo computador. Se é realmente um computador, as suas opera ções têm de definir~se sintaticamente, ao passo que a consci ência, os pensamentos, os sentimentos, as emo ções e tudo o resto implicam mais do que uma sintaxe. 0 computador é, por defn úção, incapaz de duplicar essas caracteristicas, por mais poderosa que possa ser a sua habilidade em simular. A distin ção essencial tem aqui lugar entre duplica ção e simula ção. E nenhuma simula ção, por si mesma, alguma vez constitui a duplica ção. 0 que at é agora fiz foi dar uma base à opinião de que aquelas cita ções com que comecei esta confer ência são realmente t ão absurdas como parecem. H á, no entanto, uma quest ão intrigante nesta discuss ão e é: «Porque é que algu ém terá cogitado que os computadores podem pensar ou ter sentimentos e emo ções e tudo o mais.» Ao fim e ao cabo, podemos fazer simula ções de computador de qualquer processo do qual se possa fornecer uma descri ção formal, Assim, podemos fazer uma simula ção por computador da circula ção do dinheiro na economia brit ânica ou do modelo de distribui ção do poder no Partido Trabalhista. Podemos fazer a simula ção por computador das chuvadas nos contados à volta de Londres ou dos incendios de armaz éns no Leste de Londres. Ora, em cada um destes casos, ningu ém supoe que a simula ção por computador é efectivamente uma coisa real; ningu ém supõe que a simula ção por computador de uma tempestade, de uma trovoada, nos deixar á todos molhados, ou que a simula ção por computador de um inc êndio vai queimar toda a nossa casa. Por que diabo algu ém no seu completo juizo, havia de supor que a simula ção por computador dos processos mentais teria efectivamente processos mentais? Por meu lado, n ão sei que hei-de responder a isto, uma vez que a ideia, para falar com franqueza, me parece inteiramente louca desde o Üilício. Mas posso fazer algumas especula ções. 46
Em primeiro lugar, no tocante à mente, h á ainda muitas pessoas tentadas por alguma esp écie de behaviorismo. Pensam que, se um sistema se comporta como se entendesse chin ês, ent ão ele deve efectivamente entender chin ês. Mas j á refut ámos esta forma de behaviorismo com o argumento do quarto chin ês. Outra suposi ção feita por muitas pessoas é a de que a mente n ão é uma parte do mundo biológico, n ão é uma parte do mundo da natureza. E nisto que se baseia. A concep ção da intelig ência artificial forte, na sua concep ção de que a mente e puramente formal e que, de algum ou outro modo, n ão pode ser tratada como um produto concreto de processos biol ógicos, como qualquer outro produto biol ófico. Há nestas discuss ões, em suma, uma esp écie de dualismo residual. Os partid ários da IA cr êem que a mente é mais do que uma parte do mundo biol ógico natural; pensam que a mente é especific ável em termos puramente formais. 0 paradoxo de tudo isto é que a literatura da IA est á cheia de flilmina ções contra a concep ção chamada «dualismo», mas, na realidade, toda a tese da IA forte se baseia numa espécie de dualismo. Funda-se numa rejei ção da ideia de que a mente é justamente um fenômeno biol ógico natura- do mundo, como qualquer outro. Quero concluir este cap ítulo apresentando juntamente as teses do primeiro e do segundo cap ítulos. Ambas as teses se podem enunciar de um modo muito simples. E, na realidade, vou enunci álas com uma crueza talvez excessiva. Mas, se as pusermos conjuntamente, penso que obtemos uma concep ção bastante poderosa das rela ções entre mentes, c érebros e computadores. E o argumento tem uma estrutura l ógica muito simples, de maneira que voc ês podem ser se ele é válido ou inv álido. A primeira premissa é: i. Os c érebros causam mentes. Ora, naturalmente, isto 0 que queremos dizer é que os processos mentais Gue.
é de facto demasiado rude.
na nossa considera ção, constituem a mente s ão causa àos,’ 47
inteiramente causados, por processos que ocorrem dentro do c érebro. Mas sejamos rudes, abreviemos isto com tr ês palavras - c érebros causam mentes. E isto é justamente facto sobre o modo como o Mundo actua. Escrevamos agora a proposi ção número dois: 2. A sintaxe n ão é suficiente para a sem ântica. Esta proposi ção é uma verdade conceptual. Articula precisamente a nossa distin ção entre a no ção daquilo que é puramente formal e aquilo que tem conte údo. Ora, a estas duas proposi ções, que os c érebros causam mentes e que a sintaxe n ão é suficiente para a sem ântica, acrescentemos uma terceira e uma quarta: 3. Os programas
de computador s ão inteiramente defi-
nidos pela sua estrutura jormal ou sint ática. Esta posi ção, na minha opini ão, é verdadeira por defini ção; é parte do significamos com a no ção de um programa de computador. 4. As mentes t êm conte údos
que
mentais; especificamente,
têm conte údos sem ânticos.
óbvio acerca do modo como as mentes agem. Os E isto é para mim um facto meus pensamentos, cren ças e desejos s ão acerca de alguma coisa, ou referem-se a alguma coisa ou dizem respeito a estados de coisas no Mundo; e fazem isso porque o seu conte údo os dirige para esses estados de coisas no Mundo. Ora, a partir destas quatro premissas, podemos tirar a nossa primeira conclus ão; ela segue-se obviamente das premissas dois, tr ês e quatro: CONCLUSXO i. Nenhum programa de computador é, por si mesmo, suficiente para dar uma mente a um sistema. Os programas, em suma, n ão sio mentes e por si mesmos não chegam para ter mentes. Ora, esta é uma conclus ão muito poderosa, porque significa que o projecto de tentar criar mentes unicamente 48
mediante o projectar programas est á condenado, desde o in ício. E é importante tomar a sublinhar que isto nada tem a ver com qualquer estado particular da tecnologia ou qualqger estado particular da complexidade do programa. E um resultado puramente formal ou l ógico, a partir de um conjunto de axiomas que s ão aceites por todos (ou quase por todos) os disputantes em quest ão. Isto é, mesmo a maioria dos mais violentos entusiastas da Intelig ência Artificial reconhece que, de facto, enquanto assunto de biologia, os processos cerebrais causam estados mentais e reconhecem tamb ém que os programas se definem. de um modo puramente formal. Mas, se se juntarem todas estas condus ões com algumas outras coisas que conhecemos, ent ão, segue-se imediatamente que o projecto de IA forte é incapaz de realiz,-@ ção e de cumprimento. No entanto, j á que obtivemos estes axiomas, vejamos o que derivar mais. Eis uma segunda conclus ão:
é que podemos ainda
CONCLUS ÃO 2. A maneira como asJun ç,3es cerebrais causam mentes n ão pode ser apenas em virtude da activa ção de um programa de computador. E esta segunda conclus ão segue-se da jun ção da primeira pren- ússa com a nossa primeira conclus ão. Isto é, a partir do facto de que c érebros causam mentes e que os programas n ão são suficientes para esse trabalho, segue-se que a maneira como os c érebros causam mentes n ão pode ter lugar apenas em virtude da activa ção de um programa de computador. Ora, tamb ém considero isto um resultado importante, porque t@_m a consequ ência de que o c érebro n ão e ou, pelo menos, não é justamente um computador digital. Vimos antes que qualquer coisa se pode descrever, de um modo trivial, como se fosse um computador digital, e os cérebros n ão são excep ção. Mas a import ância desta conclus ão é que as propriedades 49
computacionais do c érebro n ão são simplesmente suficientes para explicar o seu funcionamento para produzir, estados mentais. E, efectivamente, isto deveria parecer-nos, de qualquer maneira, uma conclus ão cientifica bastante trivial porque tudo o que faz é lembrar-nos o facto de que os c érebros s ão máquinas biológicas; a sua biologia tem import ância. N ão é, como v ários praticantes da Intelig ência Artificial afirmaram, um facto irrelevante que a mente se realize em cérebros humanos. A partir da nossa primeira premissa, podemos agorra tamb ém derivar uma terceira conclus ão: CONCLUSXO 3. Tudo o mais que causou mentes deveria ter poderes causais, pelo menos, equivalentes aos do c érebro. E esta terceira conclus ão é uma consequ ência trivial da nossa primeira premissa. É um pouco como dizer que, se o meu motor a gasolina impele o carro a cem quil ómetros por hora, ent ão, qualquer motor a diesel que fosse capaz de fazer o niesmo deveria ter tamb ém uma salda energ ética, pelo menos, equivalente à do meu motor a gasolina. Decerto, algum outro sistema- poder á causar processos mentais utilizando caracteristicas quimicas ou bioquimicas inteiramente diferentes das que o c érebro efectivamente usa. Pode ser que venha a descobrir-se que, noutros planetas ou noutros sistemas solares, existem seres com estados mentais que utilizam uma bioqum'u'ca miteiramente diversa da nossa. Suponhamos que os marcianos chegaram à Terra e conclUlmos que eles t êm estados mentais. Mas suponhamos que, quando as suas cabeças fossem abertas, se descobria que tudo o que t êm dentro era apenas lama verde. Pois bem, mesmo ent ão a lama verde, se funcionasse de maneira a produzir consci ência e tudo o mais qUe é caracteristico da vida mental, deveria ter poderes causais iguais aos do c érebro humano. Mas agora, da nossa primeira conclus ão, de que os programas n ão são sufi50
cientes, e da nossa terceira conclus ão, de que qual er outro sistema deveria ter poderes causais iguais ao c ére ro, segue-se imediatamente a: CONCLUS ÃO4- Para qualquer artejacto, que pud éssemos construir, o qual tivesse estados mentais equivalentes aos estados mentais humanos, a realiza ção de um programa de computador n ão seria por si s ó suficiente. Antes, o artefacto deveria ter poderes equivalentes aos poderes do c érebro humano. 0 resultado desta discuss ão é, creio, lembrar-nos de algo que j á sabemos h á muito: a saber, os estados mentais ci, . s ão fénómenos biol ógicos,. A cons i ência, a íntencionalidade, a subjectividade e a causa ção mental fazem todos parte da nossa hist ória vital biológica, juntamente com o crescimento, a reprodu ção, a secre ção da bilis e a digest ão. 51
111 A CIÊNCIA COGNITIVA Sentimo-nos perfeitarnente confiantes ao afirmar coisas como esta: «Basil. votou a favor dos Conservadores porque gostou da actua ção da Senhora Tatcher na quest ão das Malvinas», mas n ão sabemos como proceder em afirma ções de coisas como esta: «Basil votou nos Conservavadores em virtude de uma condi ção do seu hipot álamo.» Isto é, temos explica çõ es de sentido comum para o comportamento das pessoas em termos mentais, em termos dos seus desejos, aspira ções, temores, esperan ças, e assim por diante. E supomos que deve existir tamb ém um tipo neurofisiol ógico de explica ção do comportamento das pessoas em termos de processos que t êm lugar nos seus c érebros. 0 problema é que a primeira das explica ções funciona bastante bem na pr ática, mas n ão é científica; ao passo que a segunda é certamente cient ífica, mas n ão sabemos como faz ê-la funcionar na prática. Ora, isto deixa-nos ficar, aparentemente, com um hiato, um hiato entre o c érebro e a mente. E alguns dos inaiores esfor ços intelectuais do s éculo xx foram ten53
tativas para colinatar este hiato, para obter uma ci ência do comportamento humano que n ão era justamente a Psicolo9,ia de senso comum da avozinha, mas tamb ém não era a neurofisiologia cient ífica. At é ao dia de hoje, sem excep ção, os esfor ços para colmatar essa lacuna redundaram em fiasco. 0 beliaviorismo foi o fracasso mais espectacular, mas, durante a minha vida, vivi no meio de afirma ções exageradas feitas em nome de e, eventualmente, decepcionadas pela teoria dos jogos, pela cibern ética, pela teoria da informa ção, pelo estruturalismo, pela sociologia e v á rias outras. A fim de me antecipar um pouco, vou afirmar que todos os esfor ços para colmatar a lacuna falham porque n ão existe nenhuma lacuna para colmatar. Os esfor ços mais recentes para tapar o buraco baseiam-se em analogias entre os seres humanos e os computadores digitais. Na vers ão mais extrema desta concep ção, que eu chamo « Intelig ência Artificial forte» ou apenas «IA forte», o cérebro é um computador digital e a mente é justamente um programa de computador. É a concep ção que refutei no último capitulo. Uma tentativa recente aparentada para tapar buracos é muitas vezes chamada «cogn ítivísmo», porque procede do trabalho feito em Psicologia C ógnitiva e em Intelig ência Artificial e forma a corrente principal de uma nova disciplina da «Ciência Cognitiva». Tal como a IA forte, v ê o computador como a imagem correcta da mente, e n ão apenas como uma met áfora. Mas, diferentemente da IA forte, n ão afirma ou, pelo menos, n ão tem de afirmar que os computadores t êm literalmente pensamentos e sentimentos. Se se houvesse de resumir o programa de investiga ção do cognitivismo, soaria assim: pensar é processar informa ção, mas o processamento de informa ção é justamente manipula ção de simbolos. Os computadores fazem manipula ção de simbolos. Assim, a melhor maneira de estudar o pensamento (ou, como eles preferem dizer, a «cogni ção») é estudar os programas computacionais de 54
manipula ção de símbolos, quer existam em computadores ou em, c érebros. Segundo esta concep ção, pois a tarefa da ci ência cognitiva, e caracterizar o c érebro, não ao n ível das c élulas nervosas nem ao n ível dos estados mentais conscientes, mas antes ao n ível do seu funcionamento como sistema de processamento de informa ção. E é assim que o hiato fica colmatado. Não posso exagerar at é que ponto este processo de investiga ção pareceu constitui um avan ço importante na ci ência da mente. Na realidade, segundo os seus defensores, pode mesmo ser o avan ço que finalmente colocar á a Psicologia numa base cientifica segura, agora que ela se libertou das ilus ões do beliaviorismo. Vou, nesta li ção, atacar o cognitivismo, mas quero come çar por ilustrar o seu atractivo. Sabemos que existe um n ível de psicologia mig énua, de senso comum, psicologia da avozinha, e tamb ém um mível da neurofisiologia - o n ível dos neurónios e dos m ódulos neuronais e das smapses e dos neurotransn ússores e de tudo o mais. Assim, por que é que algu ém havia de supor que entre estes dois rilveis existe tamb ém um nivel de processos mentais que s ã o processos computacionais? E, de facto, por que havia algu ém de supor que é a este n ível que o c érebro executa as fun ções que n ós consideramos essenciais para a sobreviv ência do organismo - a saber, as fun ções do processamento da informa ção? Ora bem, h á várias raz ões: primeiramente, seja-me permitido mencionar uma que é um tanto desonrosa, mas penso que é hoje muito influente. Porque n ão compreendemos muito bem o c érebro, somos constantemente tentados a usar a última tecnologia como um modelo para o tentar compreender. Na minha inf ância, asseguravam-nos que o c érebro era um quadro telef ónico. («0 que é que ele poderia ser mais?»). Diverti-me ao ver que Sherrington, o grande neurocientista britâmico, pensava que o c érebro trabalhava como um sistema telegr áfico. Freud comparou multas vezes o c érebro a sistemas 55
hidráulicos e electromagn éticos. Lelbniz comparou-o a um moinho e disseram-me que alguns dos antigos gregos pensaram que o c érebro funciona como uma catapulta. Hoje em dia, como é óbvio, a met áfbra é o computador digital. E, a prop ósito, isto quadra muito bem com as tolices geralmente exageradas que hoje ouvimos acerca dos computadores e dos rob ôs. A imprensa popular garante-nos frequentemente que estamos à beira de ter rob ôs domésticos que far ão todo o trabalho dom éstico, tomar ão conta das nossas crian ças, diverti-las- ão com uma conversa viva e que cuidar ão de nós na velhice. Isto, naturalmente, é em grande parte pura tolice. De nenhum modo estamos à beira de conseguir produzir rob ôs que possam fazer quaisquer dessas coisas. E, na realidade, os rob ôs bem sucedidos t êm sido confmados a tarefas muito restritas, em contextos muito limitados, como o das cadeias de produ ção da ind ústria autom óvel. Bem, regressemos às razões sérias que as pessoas t êm para supor que o cognitivismo é verdadeiro. Em primeiro lugar, s@p óem. que efectivamente possuem alguma prova psicol ógica de que ele é verdadeiro. H á duas esp écies de provas, a primeira prov ém das experi ências do tempo de reac ção, isto é, experi ências que mostram que diferentes tarefas intelectuais exigem diferentes quantidades de tempo para que as pessoas as possam executar. A ideia aqui é que, se as diferen ças na quantidade de tempo que às pessoas gastam s ão paralelas às diferen ças no tempo que um computador gastar á, então, isto é pelo menos uma prova de que o sistema humano trabalha com os mesmos princ ípios que um computador. A segunda esp écie de prova procede da linguistica, especialmente do trabalho de Chonisky e dos seus colegas em gram ática generativa. A ideia aqui é que as regras formais da gram ática, que as pessoas seguem ao falarem uma l íngua, são semelhantes às regras formais que um coniputador segue. Não vou dizer muitas coisas acerca da prova do tempo de reac ção, porque penso que qualquer um concorda que 56
é de todo inconclusiva e sujeita a muito diferentes interpreta ções. Direi alguma coisa acerca da prova linguistica. Contudo, subjacente à interpreta ção computacional de ambas as esp écies de prova existe uma raz ão muito mais profiinda e, creio, mais influente para se aceitar o cognitivismo. A segunda raz ão é uma tese geral que supostamente as duas esp écies de prova devem exemplificar, e reza assim: porque podemos conceber computadores que seguem regras quando processam informa ção e porque, aparentemente, os seres humanos tamb ém seguem regras ao pensar, ent ão, existe algum sentido unit ário em que o c érebro e o computador funcionam de uma maneira semelhante - e, na realidade, talvez id êntica. 0 terceiro pressuposto que subjaz ao programa de investiga ção cognitivista é já velho. Remonta a Leibm'z e, provavelmente, at é mesmo a Plat ão. E o pressuposto de que uma realiza çã o mental deve ter causas teor éticas. É o pressuposto de que se o resultado de um sistema é significativo no sentido de que, por exemplo, a nossa habilidade para aprender uma l íngua ou a nossa habilidade para reconhecer faces é uma habilidade cognitiva significativa, ent ão, deve existir alguma teoria, internalizada de algum modo nos nossos c érebros, que est á na base dessa habilidade. Por fim, h á uma outra raz ão que leva as pessoas a aderirem ao programa de investiga ção cognitivista, especialmente se t êm inclina ção filos ófica. N ão conseguem ver nenhuma outra maneira de compreender a rela ção entre a mente e o cérebro. Visto que compreendemos a rela ção do programa de computador com o lado material do computador, este fornece um modelo excelente, talvez o único modelo, que nos capacitar á a explica ção das rela~ ções entre a mente e o c érebro. j á respondi a esta pretens ão no primeiro capitulo, de maneira que n ão preciso agora de novamente a discutir. Bem, que iremos fazer dos argumentos a favor do cognitivismo? N ão creio que tenha feito uma refuta ção 57
total do cognitivismo tal como a penso ter feito da IA forte. Mas creio que, se examinarmos os argumentos que se fornecem em favor do cognitivismo, veremos que eles são muito d ébeis e, efectivamente,, uma exposi ção das suas debilidades capacitar-nos- á para compreender v árias diferen ças importantes entre a maneira como os seres humanos se comportam e o modo como os computadores fimcionam. Comecemos pela no ção do seguimento de regras. Dizem-nos que os seres humanos seguem regras e que os computadores seguem regras. Mas quero afirmar que existe uma diferen ça crucial. No caso dos seres humanos, sempre que seguimos uma regra, somos guiados pelo conte údo efectivo ou pelo significado efectivo da regra. No caso do seguimento de regras pelos humanos, os sign íficados causam comportamento. Ora, naturalmente, n ão causam comportamento por si mesmos, mas desempenham um papel causal na produ ção da conduta. Por exemplo, consideremos a regra: «Gu íe pela esquerda na Inglaterra.» Ora, sempre que venho à Inglaterra tenho que recordar esta regra. Como é que ela funciona? Afirmar que obede ço à regra é dizer que o significado desta regra, isto é, o seu conte údo semântico, desempenha algum tipo de papel causal na produ ção do que eu efectivamente fa ço. Note-se que h á muitas outras regras que descreveriam o que est á a acontecer. Mas elas não são as regras que eu, na realidade, estou a seguir. Assim, por exemplo, pressupondo que eu me encontro numa via com duas faixas e que o volante est á localizado no lado direito do carro, ent ão, poder-se- ía dizer que o meu comportamento est á de acordo com a regra: «Guie de maneira que o volante esteja mais perto da faixa central da via.» Ora, isto é, efectivamente, uma descri ção correcta do meu comportamento, mas n ão é a regra que eu sigo na Inglaterra. A regra que eu sigo é: «Guie pela esquerda.» Quero que este ponto fique completamente claro. Assim, seja-me permitido fornecer ainda um outro exem58
plo. Quando os meus filhos foram à Oakland Driving School ensinaram-lhes uma regra para estacionar carros. A regra era: «Dirija o carro para a berma rodando inteiramente o volante para a direita at é que as rodas da frente do seu carro fiquem alinhadas pelas rodas traseiras do carro que est á à f@ente. Depois, rode inteiramente o volante para a esquerda.» Ora, note-se que se eles seguem esta regra, ent ão o seu significado deve desempenhar um papel causal na produ ção do seu comportamento. Interessei-me em aprender esta regra porque n ão é urna regra que eu siga. Efectivamente, n ão sigo regra nenhuma quando estaciono um carro. Olho apenas para a berma e tento chegar-me a ela o mais que posso, sem amolgar os carros que est ão à minha frente ou atr ás de mim. Mas, aten ção, podia muito bem acontecer que o meu comportamento, visto de fora, contemplado externamente, seja id êntico ao comportamento da pessoa que est á a seguir a regra. No entanto, não seria verdadeiro afirmar acerca de nu*m que estou a seguir a regra. As propriedades formais da conduta n ão sã o suficientes para mostrar que uma regra está a ser seguida. Para que a regra seja seguida, o significado da regra tem de desempenhar algum papel causal na conduta. Ora, a moral desta discuss ão para o coglu ítivismo pode apresentar-se de um modo muito simples: no sentido em que os seres humanos seguem regras (e, incidentalmente, os seres humanos seguem regras bastante menos do que pre” tendem os cognitivistas), nesse sentido os computadores de nenhum modo seguem regras. Apenas actuam de acordo com certos procedimentos Jormais. 0 programa do computador determina os v ários passos que o maquinismo deve fazer; determina o modo como um estado ser á transformado num estado subsequente. E podemos falar metajoricamente como se se tratasse do seguimento de regras. Mas, no sentido literal em que os seres humanos seguem regras os computadores n ão seguem regras, apenas act~ como se estivessem a seguir regras. Ora, tais met áfor^ 59
são totalmente m' ócuas; na realidade, s ão até comuns e úteis na ci ência. Podemos falar metaforicamente de qualquer sistema como se ele seguisse regras, por exemplo, o sistema solar. A met áfora só se toma prejudicial quando se confunde com o sentido literal. Est á muito bem utilizar unia met áfora psicol ógica para explicar o computador. A confus ão surge quando a met áfora se toma à letra e se usa o sentido metaf órico do computador de seguir regras para tentar explicar o sentido psicol ógico do seguimento de regras, em que a met áfora se baseava em primeiro lugar. E estamos agora em condi ções de afirmar qual era o erro presente na evid ência linguistica a favor do cognitivismo. Se é, decerto, verdade que as pessoas seguem regras de sintaxe quando falam, isso n ão mostra que elas se comportem como computadores digitais, porque, no sentido em que elas seguem regras de sintaxe, o computador n ão segue de modo algum quaisquer regras. Executa apenas procedimentos formais. Temos assim dois sentidos do seguir regras, um literal e outro metaf órico. E é muito f ácil confundiros dois. Ora, eu quero aplicar estas li ções à noção de processamento de informa ção. Creio que a no ção de processamento de informa ção inclui uma confus ão maciça semelhante. A ideia é que, uma vez que eu processo informa çã o ao pensar e visto que a minha m áquina de calcular processa informa ção quando toma alguma coisa como uni dado inicial, o transforma e produz informa ção como resultado, ent ão deve existir algum sentido unit ário em que ambos estamos a processar informa ção. Mas isto parece-me obviamente falso. 0 sentido em que eu fa ço processamento de informa ção, ao pensar, é o sentido em que eu estou consciente ou inconscientemente empenhado em certos processos mentais. Mas, neste sentido do processamento da informa ção, a calculadora n ão faz processamento de informa ção porque n ão possui quaisquer processos mentais. Simplesmente imita ou simula as caracte60
rísticas formais dos processos mentais que eu tenho. Isto e, mesmo se os passos que a calculadora atravessa s ão for malmente id ênticos aos passos que eu dou, isso não mostra que a m áquina faz algo de semelhante ao que eu fa ço, pela simples raz ão de que a calculadora n ão tem fen ómenos mentais. Ao somar seis e tr ês, não sabe que o algarismo seis est á em vez do n úmero seis e que o algarismo tr ês está em lugar do n úmero tr ês e que o sinal mais est á em lugar da opera ção da adição. E isso pela simples raz ão de que ela n ão conhece coisa alguma. De facto, é essa a raz ão por que temos calculadoras. Podem fazer c álculos mais rapidamente e com maior exactid ão do que n ós podemos sem ter de atravessar qualquer esfor ço mental para o fazer. No sentido em que n ós temos de atravessar o processamento de informa ção, elas n ão o fazem. Precisamos, pois, de fazer uma distin ção entre os dois sentidos da no ção de processamento de informa ção. OU, pelo menos, dois tipos radicalmente diferentes de processamento de informa ção. 0 primeiro tipo, que eu chamarei «processamento psicol ógico de informa ção», implica estado mentais. Ou, em termos mais grosseiros: quando as pessoas realizam opera çõ es mentais, pensam efectivamente, e o pensamento implica caracteristicamente o processamento de informa ção de um ou de outro tipo. Mas existe um outro sentido de processamento de infor- ma ção no qual n ão existem quaisquer -estados mentais. Nestes casos, h á processos como se estivesse a ocorrer algum processamento mental de informa ção. Chamemos a esta segunda esp écie de casos de processamento de informa ção formas «como se» de processamento de informa ção. É perfeitamente in ócuo usar estes dois tipos de atribui ções mentais, contanto que n ão as confundamos. Contudo, o que descobrimos no cogintivismo é uma persistente confus ão dos dois. Ora, uma vez que divisamos claramente esta distin ção, podemos ver uma das mais profundas fraquezas do argumento cognitivista. A partir do facto de que eu 61
faço processamento de informa ção ao pensar e do facto de que o computador faz processamento de informa ção - mesmo processamento de informa ção que pode simular as caracter ísticas formais do meu pensamento -, n ão se segue sem mais que existe algo de psicologicamente relevante acerca do programa de computador. De maneira a mostrar relev ância psicol ógica, deveria haver algum argumento independente de que a forma «corno se» do processamento computacional de informa ção é psicologicamente relevante. A noção de processamento de informa ção usa-se para mascarar essa confus ão, porque uma express ão é utilizada para cobrir dois fen ômenos completamente distintos. Em suma, a confus ão que descobrimos a prop ósito do seguimento de regras tem um paralelo exacto da no ção do processamento de informa ção. Contudo, existe uma confus ão mais profunda e mais subtil na no ção de processamento de informa ção. Note-se que, no sentido «corno se» do processamento de infiorma ção qualquer sistema se pode descrever como se estivesse a fazer o processamento de informa ção e, na realidade, poderiamos mesmo utiliz á-lo para reunir informa ção. Assim, n ão é apenas uma quest ão de utilizar calculadoras e computadores. Consideremos, por exemplo, a água a correr pela encosta abaixo. Ora, podemos descrever a água como se ela estivesse a fazer processamento de informa ção. E poderiamos mesmo utiliz á-la para obtermos informa ção. Poderiamos utiliz á-la, por exemplo, para obter informa ção acerca da linha de menor resist ência nos contornos da encosta. Mas, n ão se segue dai que exista alguma relev ância psicol ógica a prop ósito do deslizar da água pela encosta abaixo. N ão existe psicologia alguma na ac çã o da gravidade sobre a água. Mas podemos aplicar as li ções que a este respeito tir ámos ao estudo do c érebro. É um facto ó bvio qu í@ o cérebro tem um nivel de efectivos processos psicol ógicos de Miforma ção. Repetindo, as pessoas pensam efectivamente e o pensamento ocorre nos seus c érebros. Al ém 62
disso, h á todo o tipo de coisas que t êm lugar no c érebro ao n ível neurofisiol ógico e que, de facto, causam os nossos processos de pensamento. Mas, muitas pessoas supoem que, al ém desses dois n íveis, o n ível da psicologia ingénua e o n ível da neurofisiologia, deve existir algum n ível adicional de processamento de informa ção computacional. Ora, por que é que sup õem isso? Creio que é, em parte, por confundirem o n ível psicologicamente real de processamento de informa ção com a possibilidade de fornecerem descri ções «como se» de processamento de informa ção dos processos que ocorrem no c érebro. Se se falar de água a correr pela encosta abaixo, toda a gente pode ver que isso é psicologicamente irrelevante. Mas é muito mais dif ícil ver que exactamente a mesma coisa se aplica ao c érebro. 0 que é psicologicamente relevante acerca do c érebro é o facto de que ele cont ém processos psicol ógicos e tem uma neurofisiologia que causa e realiza esses processos. Mas o facto de podermos descrever outros processos no c érebro, a partir de um ponto de vista «como se» do processamento de informa ção, não fornece por si mesmo qualquer prova de que s ão psicologicamente reais ou mesmo psicologicamente relevantes. Visto que estamos a falar da parte interna do cérebro, é muito mais dif ícil ver a confus ão, mas trata-se exactamente da mesma confus ão, que existe em supor que, por a água que escorre pela encosta realizar uma forma «como se» do processamento de informa ção, houvesse alguma psicologia oculta na água que desce pela encosta. A seguinte suposi ção que importa examinar é a ideia de que, por detr ás de todo o comportamento significativo, deve existir alguma teoria interna. Essa suposi ção encontra-se em muitas áreas e n ão apenas na psicologia cogn ítiva. Assim, por exemplo, a busca de Chomsky de uma gram ática universal baseia-se no pressuposto de que existem certas caracter ísticas comuns a todas as l ínguas e, se esm caracter ísticas s ão forçadas pelas caracter ísticas comUnS do 63
cérebro humano, ent ão, deve existir no c érebro um inteiroconjunto complexo de regras de gram ática universal. Mas uma hip ótese muito mais simples seria a de que a estrutura fisiol ógica do c érebro instiga gram áticas possi~ veis sem a interven ção de um nivel intermedi ário de regras ou teorias. N ão só esta hip ótese é mais simples, mas tamb ém a exist ência real de caracter ísticas universais da lingua incitadas pelas caracteristicas inatas do c érebro sugere que o n ível neurofisiol ógico da descri ção é suficiente. N ão precisamos de supor que existem quaisquer regras por cima das estruturas neurofisiol ógicas. Algumas analogias, espero, elucidar ão este ponto. Constitui um facto simples acerca da vis ão humana que n ós não podemos ver m ífravermelhos ou ultravioletas. Ora, acontecer á isso porque temos uma regra universal de gram ática visual que diz: «N ão veja infravermelhos ou ultravioletas?» N ão, é obviamente porque o nosso aparelho visual n ão é sensível a esses extremos do espectro. Naturalmente, poderiamos descrever-nos a n ós mesmos como se estiv éssemos a seguir uma regra de gramática visual, mas, mesmo assim, n ão estamos. Ou, para mencionar outro exemplo, se tent ássemos fazer uma an álise teor ética da habilidade humana em permanecer em equil íbrio ao carninhar, poderia parecer como se estivessem a ocorrer alguns processos mentais mais ou menos complexos, como se admitindo interpreta çõ es de diversos tipos resolv êssemos s éries de equa ções quadr áticas, inconscientemente é claro, e estas nos capacitassem para caminhar sem cairmos. Mas sabemos efectivamente que este tipo de teoria mental n ão é necess ário para explicar a realiza ção do canuinhar sem cair. De facto, tem lugar em larga medida mediante fluidos no ouvido interno, que simplesmente n ão fazem qualquer c álculo. Se rodopiarmos o suficiente para perturbar os fluidos, é provável que calamos. Ora bem, quero sugerir que grande parte das nossas realiza ções cognitivas podem muito bem ser semelhantes a esta. É o cérebro que as faz. N ão temos boas raz ões para supor que, al ém do n ível 64
dos nossos estados mentais e do n ível da nossa neurofisiologia, ainda tem lugar, de modo inconsciente, algum c álculo. Consideremos o reconhecimento dos rostos. Todos reconhecemos os rostos dos nossos amigos, parentes e conhecidos, mas sem esfor ço; e, na realidade, temos agora provas de que certas por ções do c érebro s ão especializadas no reconhecimento dos rostos. Como é que ele funciona? Bem, suponhamos que vamos projectar um computador que, como n ós, poderia reconhecer os rostos. Deveria levar a cabo uma tarefa computacional implicando uma boa dose de c álculo de caracter ísticas geom étricas e topol ógicas. Mas existe alguma prova de que a maneira como a fazemos implica c álculo e computa ção? Observe-se que, ao caminharmos em areia molhada e deixarmos uma pegada, nem os nossos p és nem a areia fazem qualquer computa ção. Mas, se f ôssemos a projectar um programa que deveria calcular a topologia de uma pegada a partir da informa ção acerca de press ões diferenciais na areia, seria uma tarefa computacional extremamente complexa. 0 facto de uma simula ção computacional de um fen ómeno natural implicar um processo complexo de processamento de informa ção não revela que o pr óprio fenômeno implique semelhante processamento. E pode at é ser que o reconhecimento facial seja t ão simples e t ão autom ático como o deixar pegadas na areia. Na realidade, se prosseguirmos consistentemente na analogia do computador, descobrimos que muitas coisas ocorrem no computador que tamb ém não são processos computacionais. Por exemplo, no caso de algumas calculadoras, se perguntarmos: «Como é que a calculadora multiplica sete por tr ês?», a resposta é: «Adicciona. tr ês a si mesmo sete vezes.» Mas se perguntarmos: « Como é que ela soma tr ês a si mesmo?», n ão existe para esta pergunta qualquer resposta computacional; é simplesmente feita no hardware. Assim, a resposta à questão é: «É assim que o faz.» E quero sugerir que para muitas habilidades absolutamente 65
fundamentais, como a nossa capacidade de ver ou a nossa capacidade de aprender uma lffigua, talvez n ão exista qualquer n ível mental teor ético suIjacente a essas capacidades: o c érebro simplesmente as faz. Estamos neurofisiologicamente de tal modo construidos que o assalto dos fot ões às nossas c élulas fotoreceptoras nos capacita para ver e estamos neurofisiologicamente de tal modo construidos que a estimula ção do ouvir outras pessoas a falar e a interac ção com elas nos capacita para aprender uma ligua. Ora, não estou a dizer que as regras n ão desempenham qualquer papel no nosso comportamento. Pelo contr ário, regras de Im íguagem. ou regras de jogos, por exemplo, parecem desempenhar um papel crucial na conduta relevante. Mas afirmo que é uma quest ão astuciosa decidir quais as partes do comportamento que s ão governadas por regras e quais as que n ão são. E não podemos supor que todo o comportamento significativo tenha suIjacente algum sistema de regras.
É este talvez um bom lugar para dizer que, embora n ão seja optimista acerca do projecto global de investiga ção do cognitivismo, penso que se podem provavelmente conseguir desse esfor ço muitas ideias, e certamente n ão pretendo desencorajar quem quer que seja de tentar provar que estou enganado. E mesmo que eu tenha raz ão, podem conseguir-se muitas ideias a partir de projectos de investiga ção falhados; o beliaviorismo e- a psicologia freudiana s ão dois casos destes. No caso do cognitivismo, tenho ficado especialmente impressionado pelo trabalho de David Marr sobre a vis ão e pelo trabalho de outras pessoas sobre « compreens ão da linguagem naturah, isto e, sobre o esfor ço de levar os computadores a simular a produ ção e a interpreta ção da linguagem humana coloquial. Desejo concluir este capitulo com uma nota mais positiva, mencionando quais as implica ções desta abordagem para o estudo da mente. Como um modo de 66
q al contradizer o quadro cognitivista, de íxem-me apresentar uma abordagem alternativa à soluçã o dos problemas que assediam as Ci ências Sociais. Abandonemos a ideia de que existe um programa de computador entre a mente e o cérebro. Pensemos a mente e os processos mentais como fen ômenos biol ógicos, que têm um fundamento biol ógico semelhante ao do crescimento ou digest ão ou à secre ção da bílis. Pensemos a nossa experi ência visual, por exemplo, como o produto final de uma s érie de eventos ue come ça com o assalto de fot ões na retina e acaba gures no c érebro. Ora, existir ão dois niveis ordin ários de descri ção na explica ção causal do modo como a vis ão ocorre nos animais. Haver á em primeiro lugar, um i úvei da neurofisiologia; um n ível no qual podemos discutir neur ónios individuais, SM'apses e potenciais de ac ção. Mas, dentro deste n ível neurofisiol ógico, descobriremos n íveis inferiores e superiores de descri ção. Não é necess ário confinar-nos apenas aos neur ónios e as sinapses. Podemos falar do comportamento de grupos ou m ódulos de neur ónios, como os diferentes n íveis de tipos de neurónios na retina ou as colunas no c órtex; e podemos falar acerca do funcionamento e ac ção dos sistemas neurofisiol ógicos em niveis de complexidade muito maiores; como, por exemplo, o papel do c órtex estriado na vis ão ou o papel das zonas dezoito e dezanove no c órtex visual, ou a rela ção @ entre o c órtex visual e o resto do c érebro no processamento dos estimulos visuais. Assim, dentro de um n ível neurofisiol ógico, haver á uma série de n íveis de descri ção, todos eles igualmente neurofisiol ógicos. Mas, al ém deste, encontraremos tamb ém um n ível mental de descri ção. Sabemos, por exemplo, que a percep ção é uma fun ção de expecta ção. Se esperamos ver alguma coisa, v ê-la-emos com muito maior prontid ão. Sabemos, ademais, que a percep ção pode ser afectada por v ários fen ômenos mentais. Sabemos que a disposi ção psíquica e a emo ção podem afectar o modo como e aquilo que percebemos. E, mais uma vez, dentro deste n ível 67
mental, existem igualmente diferentes n íveis de descri ção. Podemos falar n ão só do modo como a percep ção e afectada por cren ças e desejos individuais, mas também do modo como ela é afectada por fen ómenos mentais globais como as capacidades b ásicas da pessoa, ou a sua vis ão geral do Mundo. Mas, al ém do n ível da neurofisiologia e do n ível da intencionalidade, n ão precisamos de supor que ainda existe outro 111vel; um n ível de processos coniputacionais digitais. E n ão existe mal algum em considerarmos o n ível dos estados mentais e o n ível da neurofisiologia como processamento de informa ção, contanto que n ão façamos a confus ão de supor que a forma psicol ógica efectiva do processamento de informa ção é análoga à da «como se». Concluindo, pois: em que ponto nos encontramos na nossa aprecia ção do programa cognitivista de investiga ção? Bem, certamente n ão demonstrei que é falso. Pode muito bem vir a revelar-se como verdadeiro. julgo que as oportunidades de êxito são tão grandes como as oportunidades de êxito do beliaviorismo, h á cinquenta anos atr ás. Ou seja, penso que as suas oportunidades de sucesso s ão virtualmente nulas. 0 que eu fiz para afirmar isto, porem, foram
é apenas as tr ês coisas seguintes: primeiro, sugerir que logo que algu ém traz ao de cima as suposi ções básicas do cognitivismo a sua implausibilidade se toma transpareiite. Mas essas suposi ções, em grande parte, encontram-se profundamente radícadas na nossa cultura intelectual, algumas delas s ão muito dif íceis de estripar ou at é de se tomarem plenamente conscientes. A n únha primeira asser ção e que, logo que entendermos plenamente a natureza das suposi ções, a sua implausibilidade salta aos olhos. 0 segundo ponto que acentuei é que, efectivamente, n ão possu ímos provas emp íricas, suficientes para supor que tais Pretensoes s ão verdadeiras, pois a interpreta ção das provas existentes baseia-se numa ambiguidade em torno de certas no ções cruciais como as de processamento de informa ção e seguimento de regras. E, em terceiro lugar, apresentei 68
uma concep ção alternativa, tanto neste capitulo como no primeiro, da rela ção entre o c érebro e a mente; uma concep ção que n ão exige de n ós a postula ção de qual uer i úvel intermedi ário de processos computacionais aZor ítmicos que medeiam entre a neurofisiologia do c érebro e a intencionalidade da mente. A caracter ística deste quadro, que e importante para a presente discuss ão, e que, além do n ível dos estados mentais, como cren ças e desejos, e um n ível da neurofisiologia, n ão existe qualquer outro n ível, não se necessita de qualquer tapa buracos entre a mente e o cérebro, porque n ão existe nenhum buraco para encher. Provavelmente, o computador n ão é uma met áfora para o c érebro melhor ou pior do que anteriores metáforas
à i mec ânicas. Aprendemos tanto a prop ósito do c érebro dizendo que é um computador como ao afirmarmos que e um quadro telef ónico, um sistema telegr áfico, uma bomba de água ou uma m áquina a vapor. Suponhamos que ningu ém sabia como funcionavam os rel ógios. Suponhamos que era assustadoramente dificill imagmar como eles trabalhavam, porque, embora houvesse muitos à nossa volta, ningu ém sabia como construir um, e os esfor ços para tentar saber como funcionavam tendiam a destruir o rel ógio. Ora, suponhamos que um grupo de investigadores dizia: «Havemos de entender como funciona um rel ógio, se projectarmos uma,maquma que e funcionalmente equivalente a um rel ógio, que mede o tempo tal e qual como um rel ógio.» Assim, pois, conceberam uma ampulheta e exclamaram: «Compreendernos agora como é que um relógio funciona», ou talvez: «Se pud éssemos conseguir que a ampulheta fosse tão exacta como um rel ógio, ent ão, finalmente poder íamos entender como um rel ógio funciona.» Substituamos «c érebro» por «rel ógio» nesta par ábola e substituamos «programa computacional digital» por «ampullieta» e a no ção de intelig ência pela noção de medir o tempo e teremos a situa çao contempor ânea em muita (n ão toda!) da intelig ência artificial e ciência cogrutiva. 69
0 meu objectivo global nesta investiga ção é tentar responder a algumas das mais intrigantes quest ões acerca da maneira como os seres humanos se inserem no resto do Universo. No primeiro capitulo, tentei resolver o «problema da Mente-Corpo». No segundo, ocupei-me de algui-nas pretens ões extremas que, identificam os seres humanos com computadores digitais. No presente capitulo, suscitei algumas dúvidas a prop ósito do programa cognitivista de investiga ção. Na segunda metade do livro, quero virar a minha aten ção para explicar a estrutura das ac ções humanas, a natureza das ci ências e os problemas da liberdade de vontade. 70
IV A ESTRUTURA DA AC ÇÃO 0 objectivo deste capitulo é explicar a estrutura da ac ção humana. Preciso de fazer isto por v árias raz ões: primeiro, tenho necessidade de mostrar como é que a natureza da ac ção se harmoniza com a minha explica ção do problema da MenteCorpo e com a minha rejei ção da Intelig ência Artificial, contida nos primeiros capítulos. Preciso de explicar a componente mental da ac ção e mostrar como ela se relaciona com a componente f ísica. Preciso de mostrar como é que a estrutura da ac ção se relaciona com a explica ção da ac ção. E sinto necessidade de lan çar um fundamento para a discuss ão da natureza das ci ências sociais e a possibilidade da liberdade da vontade, que irei discutir nos últimos dois capitulos. Se pensarmos nas ac ções humanas, imediatamente descobrimos algumas diferen ças notáveis entre elas e os outros acontecimentos do mundo natural. Primeiramente, é tentador pensar que tipos de ac ções ou de comportamento se podem identificar com tipos de movimentos corporais. Mas isso é obviamente errado. Por exemplo, um e o mesmo conjunto de movimentos corporais poder á cons71
tituir uma dan ça, ou uma sinaliza ção, ou um exerc ício, ou uma testagem dos próprios m úsculos, ou ent ão nada do que foi dito. Al ém disso, assim como um e o mesmo conjunto de tipos de movimentos f ísicos pode constituir tipos de ac ções completamente diversos, assim tamb ém um tipo de ac ção pode ser realizado por um número de tipos grandemente diferente de movimentos f ísicos. Pense-se, or exemplo, no envio de uma mensagem a um anuigoP D~_ Podemos escrev ê-la numa folha de papel. Podemos escrev ê-Ia à máqumia. Podemos envi á-la por um mensageiro ou por telegrama. Ou ent ã o, podemos filar-lhe pelo telefone. E, efectivamente, cada um dos modos de enviar a mesma mensagem poderia realizar-se com uma variedade de movimentos f ísicos. Poder íamos escrever a nota com a m ão esquerda ou a m ão direita, com os dedos dos p és ou at é, segurando a caneta entre os dentes. Al ém disso, uma outra caracteristica singular das ac ções que as faz diversas dos acontecimentos em geral, é que as ac ções parecem ter preferido descri çõ es. Se vou passear para Hyde Park, h á muitas outras coisas que acontecem durante o meu passeio, mas as suas descri ções não descrevem as minhas acções intencionais, porque, ao agir, aquilo que eu fa ço depende em grande parte daquilo que penso que estou a fazer. Assim, por exemplo, estou tamb ém a mover-me na direc ção geral da Patag ónia, sacudindo o,cabelo da minha cabe ça para cima e para baixo, gastando os sapatos e deslocando in úmeros mol éculas de ar. No entanto, nenhuma destas outras descri ções parece atingir aquilo que e essencial a propósito da ac ção, acerca do que a ac ção é. Uma terceira caracteristica relacionada das ac ções é que uma pessoa est á numa posição especial para saber o que est á a fazer. N ão tem de se observar a si mesmo ou encetar uma investiga ção para ver que ac ção est á a realizar. OU, pelo menos, tenta realizar. Assim, se algu ém me disser: «Est á a tentar ir para Hyde Park?», ou «Est á a esfor çar-se por se aproximar da Patag ónia?», n ão tenho hesita ção em fornecer uma resposta, mesmo que os movi72
mentos fisicos que fa ço possam ser apropriados para qual~. quer resposta.
É também um facto not ável nos seres humanos que eles sejam capazes, sem esfor ço algum, de identificar e de explicar o seu pr óprio comportamento e o das outras pessoas. Creio que esta capacidade se funda no nosso dominio inconsciente de um certo conjunto de principios, da mesma maneira que a nossa capacidade de reconhecer algo como uma frase de ingl ês se baseia na posse de um dorrunio inconsciente dos principios da gram ática inglesa. Penso que existe um conjunto de principlos que pressupomos, ao afirmarmos coisas de sentido comum normal como, por exemplo, Basil votou nos conservadores, porque pensou que estes sanariam o problema da infla ção, ou Sally veio de Birmingliam para Londres porque julgou que aqui as oportunidades de trabalho seriam melhores, ou mesmo coisas t ão simples como: «aquele homem al ém, que est á a fazer movimentos estranhos, est á, na realidade, a afiar o machado ou a engraxar os sapatos.@> Acontece comummente que as pessoas que reconhecem a exist ência destes principios teóricos deles escarne çam, dizendo que s ão uma teoria popular e que deveriam ser suplantados por alguma explica ção mais cient ífica do comportamento humano. Desconfio desta pretens ão, tal como desconfiaria de uma afirma ção que dissesse que dever íamos su lantar a nossa teoria implicita da gramática in'orlesa, P a que adquirimos pela aprendizagem da lingua. A raz ão para a minha suspeita é a mesma em cada caso: o uso da teoria implicita é parte da realiza ção da ac ção, da mesma maneira que o uso das regras da gram ática faz parte do falar. Assim, embora pud éssemos acrescentar ou descobrir toda a esp écie de coisas adicionais interessantes a prop ósito da linguagem ou a prop ósito da conduta, é muito improv ável que possamos substituir esta teoria, que é implícita e em parte constitutiva do fen ómeno, por alguma explica ção «cient ífica» externa deste mesmo fenónieno73
pr@ Arist óteles e Descartes sentir-se-iam plenamente familiarizados com a maior parte das nossas explica ções do, coniportamento humano, mas n ão com as nossas explica ções dos fen ómenos biol ógicos e f ísicos. A raz ão habitualmente aduzida para isso é que Arist óteles e Descartes dispunham de uma teoria primitiva da Biologia e da F ísica, por um lado, e de uma teoria primitiva do comportamento humano, por outro; e que, enquanto progredimos na Biologia e na F ísica, n ão fizemos um avan ço compar ável na explica ção da conduta humana. Quero sugerir uma concep ção alternativa. Penso que Arist óteles e Descartes, a possu íam, um tal como n ós i, a teoria sofisticada e complexa da conduta humana. Penso igualmente que muitas explica çoes, supostamente cient íficas do comportamento humano, como a de Freud, empregam efectivamente mais do que substituem os pn*ncipios da nossa teoria impl ícita da conduta humana. Resumindo o que disse at é agora: existem mais tipos de ac ção do que tipos de movimentos f ísicos, as ac ções preferiram as descri ções, as pessoas sabem o que fazem sem observa ção, e os princ ípios pelos quais identificamos e explicamos a acção são também parte das ac ções, isto é, são, em parte, constitutivos das acções. Desejo agora fornecer uma breve explica çã o do que se poderia chamar; a estrutura do comportamento. Para explicar a estrutura do comportamento humano, preciso de introduzir um ou dois termos t écnicos. A no ção nuclear na estrutura do comportamento é a noção de intencionalidade. Dizer que um estado mental tem intencionalidade significa apenas que ele é acerca de alguma coisa. Por exemplo, uma cren ça é sempre uma crença de que tal e tal coisa acontece, ou o desejo é sempre o desejo de de que tal e tal coisa deveria acontecer ou, ent ão, ter lugar. 0 tencionar, no sentido comum, n ão tem uni papel especial na teoria da intencionalidade. Tencionar fazer alguma coisa é apenas um tipo de intencionalidade juntamente com querer, desejar, esperar, temer e assim por diante. 74
1 Um estado intencional como uma cren ça, ou um desejo ou uma inten ção no sentido habitual, t êm caracteristicamente duas componentes. Tem o que poderiamos chamar o seu «conte údo», que faz que ele seja acerca de alguma coisa, e o seu «Modo psicol ógico» ou «tipo». A raz ão por que precisamos desta distin ção é que podemos ter o mesmo conte údo em diferentes tipos. Assim, por exemplo, posso querer sair da sala, posso julgar que irei sair da sala e posso tencionar sair da sala. Em cada caso, temos o mesmo conte údo, isto é, que eu sairei da sala; mas em diferentes modos psicol ógicos ou tipos: cren ça, desejo e inten çã o, respectivamente. Além disso, o conte údo e o tipo do estado servir ão para relacionar o estado mental do Mundo. Ao fim e ao cabo, é para isso que temos mentes com estados mentais: para representar o Mundo a n ós próprios; para o representar como é, como gostariamos que ele fosse, como tememos que ele venha a ser, o que tencionamos fazer e a seu respeito e assim por diante. Isto tem a consequencia de que as nossas cren ças serão verdadeiras se se harmonizam com o modo como o Mundo ê; falsas, se o n ão fizerem; os nossos desejos ser ão realizados ou frustados, as nossas inten ções serão levadas ou n ão a cabo. Em geral, pois, estados intencionais t êm «condi ções de satisfa ção». Cada estado determina sob que condi ções é verdadeiro (se, digamos, for uma cren ça), ou sob que condi ções é realizado (se, digamos, for um desejo) e sob que condi ções é levado a cabo (se for uma inten ção). Em cada caso, o estado mental representa as suas pr óprias condi ções de satisfa ção. Uma terceira caracteristica que importa notar acerca de tais estados é que, por vezes, fazem acontecer coisas. Por exemplo, se quero ir ao cinema e vou ao cinema, normalmente o meu desejo causar á o genumio evento que representa, o ir ao cinema. Em tais casos, existe uma conex ão interna entre a causa e o efeito, porque a causa
é uma representa ção do gen úmio estado de coisas que origina. A causa representa e leva a cabo o efeito. Chamo 75
a tais esp écies de rela ções de causa e efeito casos de «causa ção intencional». A causa ção intencional, como veremos, revelar-se- á crucial para a estrutura e para a explica ção da ac ção humana. É, de várias maneiras, inteiramente diferente das explica ções da causa çao que surgem nos livros de textos, onde, por exemplo, uma bola de bilhar bate noutra bola de bilhar e a faz mover. Resumindo a discuss ão da íntencionalidade, h á três caracter ísticas que precisamos de ter em conta na nossa analise do comportamento humano: em primeiro lugar, os estados intencionais consistem num conte údo em certo tipo mental. Em segundo lugar deternimiam as suas condi ções de satisfa ção, isto é, serão ou n ão satisfeitas, dependendo do facto de se o Mundo se harmoniza com o conte údo do estado. E, em terceiro lugar, por vezes eles fazem as coisas acontecer, mediante a causa ção intencional para produzir uma harmonia, isto é, para produzir o estado de coisas que representam, as suas proprias condi ções de satisfa ção. ServM'do-me destas ideias, retomarei agora à tarefa principal deste cap ítulo. Prometi fornecer uma explica ção muito breve do que poderia chamar-se a estrutura da ac ção ou a estrutura do comportamento. Por comportamento, aqui, entendo o comportamento humano volunt ário, intencional. Entendo coisas como caminhar, correr, comer, fazer amor, votar nas elei ções, casar-se, comprar e vender, ir de férias, trabalhar no emprego. N ão entendo coisas como digerir, envelhecer ou ressonar. Mas, mesmo restringindo-nos ao comportamento intencional, as actividades humanas apresentam-nos uma desconcertante variedade de tipos. Precisaremos de distinguir entre comportamento individual e comportamento social; entre comportamento social colectivo e comportamento individual dentro de um colectivo social; entre fazer alguma coisa por mor de outra coisa e fazer alguma coisa por mor de si mesma. E, talvez o mais dif ícil de tudo, precisamos de explicar as sequ ências mel ódicas do comportamento ao longo da 76
passagem do tempo. As actividades humanas, ao fim e ao cabo, n ão se assemelham a uma s érie de instant âneos parados, mas mais ao filme da nossa vida. Não posso esperar responder a todas estas quest ões, mas espero sim, no fim, que o que digo se assemelhar á a uma explica ção de sentido comum da estrutura da ac ção. Se tenho raz ão, o que vou dizer parecer á obviamente acertado. Mas, historicamente, o que eu penso a proposito da explica çã o de sentido comum n ão pareceu evidente. Por uni lado, a tradi ção beliaviorista na filosofia e na psicolo-:,,ia levou multa gente a negligenciar a componente mental das acções. Os beliavioristas queriam definir as ac ções e, de facto, toda a nossa vida mental, em termos de simples movimentos f ísicos. Algu ém uma vez caracterizou a abordagem beliaviorista, e com raz ão, do meu ponto de vista, como simulando a anestesia. 0 extremo oposto na filosofia foi afirmar que os únicos actos que realizamos s ão actos mentais internos de voli ção. Deste ponto de vista, falando estritamente, jamais elevamos os nossos bra ços. Tudo o que fazemos é «querer» que os nossos bra ços se levantem. Se se levantarem, isso é muito boa sorte, mas n ão acção nossa. Outro problema é que, at é há pouco, a filosofia da ac ção era um tema bastante negligenciado. A tradi ção ocidental sublinhou insistentemente mais a import ância do conhecer do que do fazer. A teoria do conhecimento e do significado tem sido mais central para as suas preocupa ções do que a teoria da ac ção. Quero agora tentar mostrar os aspectos mentais e f ísicos da ac ção. Uma explica ção da estrutura do comportamento pode fornecer-se de um modo mais adequado, enunciando um conjunto de princ ípios. Estes princ ípios explicar ão os aspectos mentais e físicos da ac ção. Ao apresent á-los, n ão discutirei de onde é que procedem as nossas cren ças, desejos 11 e assim por diante. Mas explicarei como é que eles fig”, @, t4..’ no nosso comportamento. 77
Penso que a maneira mais simples de comunicar estes principios é justamente enunci á-los e tentar defend ê-los em seguida. Assim, aqui v ão eles. tl> Princ ípio 1 : As ac ções consistem caracteristicamente em duas componentes, uma componente mental e uma componente f ísica. Pensemos, por exemplo, em puxar um carro. Por um lado, h á certas experi ências conscientes do esfor ço quando empurramos. Se formos bem sucedidos, essas experi ências resultar ão no movimento do nosso corpo e no movimento correspondente do carro. Se n ão tivermos êxito, ainda teremos tido, pelo menos, a componente mental, isto é, ainda teremos tido uma experi ência de tentar mover o carro com, pelo menos, algumas das componentes f ísicas. Ter á havido o esticar dos m úsculos, o sentimento da press ão contra o carro e assim por diante. Isto leva ao Princ ípio 2: A componente mental é uma inten ção. Tem intencionalidade é acerca de alguma coisa. Determina o- que conta como êxito ou fracasso na ac ção; e se é bem sucedido, causa um movimento corporal que, por seu turno, causa os outros movimentos, como o movimento do carro, que constituem o resto da ac ção. Nos termos da.teoria da intencionalidade, que esbo çámos, a ac çao consiste em duas componentes; uma componente mental e unia componente f ísica. Se é bem sucedida, a componente mental causa a coniponente f ísica e representa a componente f ísica. Chamo a esta forma de causa ção a «causa çâo intencional». A melhor maneira de ver a natureza das diferentes componentes de uma ac ção é relevar cada componente e examin á-la separadamente. E, de facto, no laborat ório, e muito f ácil fazer isto. Na neurofisiologia, j á temos experi ências feitas porWilder Penfield de Montreal em que, mediante a estimula ção eléctrica de uma certa parte do c órtex motor do paciente, Penfield conseguiu causar o 78
movimento dos membros do paciente. Ora, os pacientes ficaram invariavelmente supreendidos com isso e carac~ teristicamente disseram coisas como: «Eu n ão fiz issofoi voc ê que o fez.» Num tal caso, relev ámos o movimento corporal sem a inten ção. Note-se que, em tais casos, os movimentos corporais poderiam ser os mesmos que s ão numa ac ção intencional, mas parece muito claro que existe uma diferen ça. Qual é a diferen ça? Bem, tamb ém já possuímos experi ências que remontam aWiffiam James, onde podemos relevar a componente mental sem a correspondente componente f ísica da ac ção. No caso de James, o bra ço de um paciente é anestesiado e fica pegado ao seu lado num quarto escuro, e ent ão mandam-lhe levantar o bra ço. Ele pensa que obedece à ordem, mas mais tarde fica muito surpreendido por descobrir que o seu bra ço não se levantou. Ora, neste caso, extirpamos a componente mental, isto e, a inten ção, do movimento corporal. Na realidade, o homem teve a inten ção. Isto é, podemos verdadeiramente dizer a seu respeito, que tentou de facto mover o bra ço. Normalmente, as duas componentes andam juntas. Habitualmente, temos a inten ção e o movimento corporal, mas n ão são independentes. 0 que os nossos dois primeiros princ ípios tentam articular é como elas se relacionam. A componente mental, enquanto parte das suas condi ções de satisfa ção, deve representar e causar a componente f ísica. Note-se, incidentalmente, que temos um vocabul ário bastante extenso de «tentar» e «ter êxito» e «fracassar», de «intencional» e «n ão intencional», de «ac ção» e «movimento», para descrever o funcionamento destes princ ípios. Princ ípio 3: 0 tipo de causa ção que é essencial à estrutura da ac ção e à explica ção da ac ção e a causa ção intencional. Os movimentos corporais das nossas acções são causados pelas nossas inten ções. As inten ções são causadas porque fazem acontecer coisas; mas t êm igualmente conte údos e assim podem figurar no processo do racioc ínio lógico. Podem 79
ser causais e ter caracteristicas l ógicas, porque o tipo de causa ção de que estamos a falar é a causa ção mental ou a causa ção intencional. E, na causa ção intencional, os conte údos mentais afectam o Mundo. Todo o aparelho funciona porque é realizado no c érebro, da maneira como expliquei no primeiro capitulo. A forma de causa ção que estamos a discutir aqui é inteiramente diferente da forma padr ão de causa ção, tal como é descrita nos livros de textos filos óficos. Não se trata de uma quest ão de regularidades ou de leis abrangentes ou de conjun ções constantes. Efectivamente, penso que est á muito mais pr óxima da nossa noção de sentido comum de causa ção, em que justamente queremos dizer que algo faz acontecer alguma coisa mais. A peculariedade da causa ção intencional e que ela é um caso de estado mental que faz acontecer alguma outra coisa mais e que este alg@ mais é o genu íno estado de coisas representado pelo estado mental que o causa. PrincliO 4: Na teoria da ac ção, existe uma distin ção Ip fundamental entre as ac ções que s ão premeditadas, que s ão resultado de alguma espécie de planifica ção prévia, e as ac ções que s ão espont âneas, em que fazemos alguma coisa sem qualquer reflex ão anterior. E, em conformidade com esta distin ção precisamos de uma distin ção entre inten ções anteriores, isto é, inten ções formadas antes da realiza ção da ac ção, e inten ções na ac ção., que s ão as inten ções que temos enquanto efectivamente realizamos uma ac ção. Um erro comum que existe na teoria da ac ção é supor que todas as ac ções intencionais s ão o resultado de alguma esp écie de delibera ção, que s ão o produto de uma cadeia de raciocm'io pr ático. Mas, obviamente muitas coisas que fazemos não são assini. Simplesmente fazemos alguma coisa sem qualquer reflex ão prévia. Por exemplo, numa conversa normal, n ão se reflecte sobre o que se vai dizer a seguir, simplesrtiente se diz. Em tais casos, h á decerto uma inten ção, mas n ão é uma inten ção formada antes da 80
realiza ção da ac ção. É o que eu chamo uma inten ção na ac ção. Noutros casos, porém, formamos inten ções antecedentes. Reflectimos sobre o que queremos e sobre qual é a melhor maneira de o levar a cabo. Este processo de reflex ão (Arist óteles chamou-o «raciomuio pr ático») resulta caracteristicamente na forma ção de uma inten ção prévia ou, como tamb ém Arist óteles sublinhou, por vezes, resulta na propria ac ção. PrincipiO 5: A Jorma çjo de inten ç6es pr évias é, pelo menos geralmente, o resultado de racioc ínio prático. 0 racioc ínio prático é sempre racioc ínio acerca da melhor maneira de decidirentre desejos antag ónicos. A for ça motriz que est á por detr ás da maior parte das ac ções humanas (e animais) é o desejo. As cren ças funcionam apenas para nos capacitar a representar o melhor modo de satisfazer os nossos desejos. Assim9 ‘por exemplo, quero ir a Paris e creio que a melhor maneira, depois de considerar todas as coisas, é ir de avi ão, pelo que formo a inten ção de ir por via a érea. Eis um processo t ípico e de sentido comum de raciocimio pr ático. Mas o racioc ínio pr ático difere crucialmente do racioc ínio teórico, do racioc ínio acerca do que sejam as coisas; no racioc ínio prático, porém, trata-se sempre de como melhor decidir entre os v ários desejos antag ónicos que temos. Assim, por exemplo, suponhamos que eu quero ir a Paris e que imagino que o melhor M'Odo de ir é ir de avi ão. Contudo, n ão existe maneira de eu poder fazer isto sem frustar muitos outros desejos que tenho. N ã o quero gastar dinheiro; n ão quero entrar em bichas nos aeroportos; n ão quero sentar-me em assentos de avi ão; não quero tomar refei ções de avi ão; não quero que as pessoas ponham o seu cotovelo onde eu tento p ôr o meu cotovelo; e assim por diante, indefinidamente. Por ém, apesar de todos os desejos que ser ão frustados se for a Paris de avi ão, posso ainda pensar que, depois de tudo considerado, o melhor é ir a Paris por avi ão. Isto é não só tipico do racioc ínio prático, mas penso que 81
é universal no racioc úu*o prático que ele diga respeito à decisão a prop ósito de desejos conflit ívos. 0 quadro que resulta destes cinco principios, pois, é que a energia mental que impulsiona a ac ção é uma energia que opera mediante causa ção intencional. É uma forma de energia em que a causa, na forma de desejos ou de inten ções, representa o reciso estado de coisas que causa. Ora, voitemos a arguns dos pontos acerca da ac ção que descortin ámos no come ço, porque, penso termos j á reunido pe ças suficientes para os explicar. Not ámos que as ac ções preferiam descri ções e que, efectivamente, o sentido comum nos capacitava para identificar o que eram as descri ções preferidas de ac ções. Agora, podemos ver que a descri ção preferida de uma ac ção é determinada pela inten ção na ac ção. 0 que a pessoa realmente est á a fazer ou, pelo menos, o que tenta fazer depende inteiramente do que seja a inten ção com que est á a actuar. Por exemplo, sei que estou a procurar ir a Hyde Park e n ão a tentar aproximar-me da Patag ónía, porque esta é a inten ção com que eu estou a passear. E sei isto sem qualquer observa ção, porque o conhecimento em quest ão não é conhecimento do meu comportamento externo, mas dos meus estados mentais internos. Isto explica, al ém disso, algumas das caracteristicas l ógicas acerca das explica ções que fornecemos da ac ção humana. Explicar uma ac ção é fornecer as suas causas. As suas causas s ão estados psicol ógicos. Estes estados relacionamse com a ac ção, quer por serem passos do racioc ínio prático que levou às inten ções, quer porque s ão as pr óprias inten ções. A caracter ística mais importante da explica ção da ac ção, porém, é digna de um enunciado enquanto princ ípio separado, pelo que chamemos-lhe o Princ ípio 6: A explica ção de uma ac ção deve ter o mesmo conte údo que estava na cabeça da pessoa, quando ela realizou a ac ção ou quando raciocinou em vista da sua inten ção de levar a cabo a ac ção. Se a explica ção é efectivamente explanat ória, 82
o conte údo que causa o comportamento mediante a causa ção intencional deve ser idêntico ao conte údo da explica çao do com- portamento. Sob este aspecto, as ac ções diferem dos outros acontecimentos naturais do Mundo e, em conformidade, tamb ém as suas explica ções diferem. Ao explicarmos um tremor de. terra ou um fura ção, o conte údo da explica ção apenas deve explicar o que aconteceu e porque é que aconteceu. N ão deve causar o pr óprio acontecimento. Mas, ao explicar o comportamento humano, tanto a causa como a explica ção tem conte údos e a explana ção apenas explica porque é que ela tem o mesmo conte údo que a causa, Temos, at é agora, estado a falar como se as pessoas tivessem inten ções sem conhecimento pr évio. Mas, naturalmente, isto é muito irrealista e precisamos agora de introduzir algumas complexidades que aproximar ão, pelo menos, um pouco mais a nossa an álise dos afazeres da vida real. jamais algu ém tem uma inten ção por si mesmo sem mais. Por exemplo, tenho inten ção de ir de carro.at é Oxford, a partir de Londres: posso ter isso de um modo inteiramente espont âneo mas, no entanto, devo ainda ter uma s érie de outros estados intencionais. Devo ter unia crença de que tenho um carro e uma cren ça de que Oxford est á a uma dist ância acessivel por carro. Ademais, terei caracteristicamente um dese o de que n ão haja muito já dema --tr ânsito nas estradas e que o tempo n ão este siado mau para a condu ção. Por isso (e aqui d á-se uma apro: Úmação maior à noção de explica ção da ac ção), eu n ão conduzirei caracteristicamente at é Oxford sem mais, mas irei de carro a Oxford com alguma finalidade. E se assim é, embrenhar-me-ei caracteristicamente no raciocinio pr ático - essa forma de racioc"o que leva n ão a crenças ou a conclus ões de argumentos, mas a inten ções e à conduta efectiva. E quando compreendermos esta forma de racioc ínio, teremos feito um grande passo em direc ção à compreens ão da explica ção das ac ções. Aos outros estados intencionais que fornecem ao mesmo estado intencional 83
o significado particular que ele tem, chamemos-lhes a todos a «rede da intencionalidade». E à guisa de uma conclus ão geral, podemos chamar-lhe o Princ ípio 7: Qualquer estado intencional funciona apenas como parte de uma rede de outros estados intencionais. E aqui, pelo termo «funciona», entendo que ele apenas determina as suas condi ções de satisfa ção relativas a todo um conjunto de outros estados intencionais. Ora, quando come çamos a examinar os pormenores da rede, descobrimos outro fenômeno interessante. E é que as actividades da nossa mente n ão podem consistir em estados mentais, por assim dizer, de uma ponta a outra. Antes, os nossos estados mentais s ó funcionam do modo como funcionam, porque funcionam sobre um fiindo de capacidades, compet ências, habilidades, h ábitos, maneiras de fazer coisas e atitudes gerais perante o Mundo que, em si mesmas, n ão consistem em estados intencionais. A fim de constituir a inten ção de ir de carro a Oxford, devo ter a capacidade de guiar. Mas, a capacidade de guiar n ão consiste em si num complexo total de outros estados intencionais. Exige-se mais do que um feixe de cren ças e desejos para se poder conduzir. Na realidade, tenho que ter a habilidade de o fazer. É um caso em que a minha compet ência cognitiva n ão é apenas uma quest ão de saber isso. Chamemos ao conjunto de habilidades, actos, capacidades, etc., com base nos quais funcionam os estados intencionais, «o pano de fundo da intencionalidade». E à tese da rede, a saber, de que todo o estado intencional s ó funciona como parte de uma rede, acrescentarei a tese do fundo chamemos-lhe Princ Ípio 8: A rede inteira da íniencionalidade s ó funciona sobre um fundo de capacidades humanas que em si . mesmas n ão sio estados mentais. Afirmei que muitas explica ções supostamente cient íficas da conduta tentam subtrair-se a ou ultrapassar este 84
modelo de sentido comum, que tenho estado a delinear. Mas, ao fim e ao cabo, penso que n ão há maneira de elas o conseguirem, porque esses princ ípios n ão descrevem os fen ómenos: em si mesmos constituem parcialmente os fen ômenos. Consideremos, por exemplo, as explica ções freudianas. Quando Freud elabora a sua metapsicologia, isto é, quando fornece a teoria do que est á a fazer, utiliza muitas vezes compara ções cient íficas. H á muitas analogias entre a psicologia e o elecromagnetismo ‘ou a hidr áulica e devemos ensar na mente como funcionando segundo a analogia Jos princ ípios hidr áulicos, e assim por diante. Mas, quando ele examina efectivamente um paciente e descreve a natureza da neurose de algum paciente, é surpreendente ver que em que medida as explica ções que fornece s ão explica ções de sentido comum. Dora comporta-se de determinada maneira porque está apaixonada pelo Herr, ou porque unita o seu primo que ficou doido com a Mariazell. 0 que Freud acrescenta ao sentido comum é a observa ção de que, muitas vezes, os estados mentais que causam o nosso comportamento s ão inconscientes. Na realidade, s ão reprimidos. Muitas vezes, somos r6itentes em admitir que temos certos estados intencionais, porque deles sentimos vergonha ou por qualquer outra raz ão. E, em segundo lugar, ele acrescenta tamb ém uma teoria das transforma ções dos estados mentais, sobre como um estado intencional se pode transformar num outro. Mas, com a adi ção deste ou de outros acrescentamentos, a forma freudiana de explica ção é a mesma que as formas de sentido comum. Sugiro que o sentido comum irá provavelmente persistir, mesmo se adquirirmos outras explica ções mais cient íficas do comTortamento. Uma vez que a estrutura da explica ção eve harmonizar com a estrutura dos fen ômenos explicados, os melhoramentos na explica@ ão não possuir ão, provavelmente, novas e inauditas estruturas. Neste capitulo, tentei explicar como e em que sentido o comportamento cont ém e é causado por estados mentais internos. Talvez surpreenda que muita da psico85
‘0 @a, e da ci ência cognitiva tenha tentado negar essas re Ç es. No cap ítulo seguinte, vou explorar algumas das consequ ências da minh ã visão do comportamento humano i é . para as ci ências sociais. Por que é que as ci ências sociais sofreram fracassos e conseguiram os êxitos que tiveram e o que é que delas com kaz ão podemos esperar aprender? 86
v PERSPECTIVAS PARA AS CI ÊNCIAS SOCIAIS Neste capitulo, quero discutir um dos problemas intelectuais mais inc ómodos da era presente: por que é que os m étodos das ci ências naturais n ão nos forneceram o mesmo tipo de saldo do estudo do comportamento humano, como aconteceu na Física e na Quinica? E que tipo de ci ências «Sociais» ou «comportamentais» podemos n ós sensatamente esperar de qualquer maneira? Vou sugerir que existem algumas diferen ças radicais entre o *comportamento humano e os fen ômenos estudados nas ci ências naturais. Afirmarei que essas diferen ças explicam os fracassos e os êxitos que temos tido nas ci ências humanas. De come ço quero chamar a aten ção para uma diferen ça importante entre a forma das explica ções de sentido comum do comportamento humano e a forma can ónica da explica ção cient ífica. Segundo a teoria normativa da explica ção cient ífica, explicar o fen ômeno consiste em mostrar como a sua ocorr ência resulta de certas leis cient íficas. Essas leis s ão generaliza ções universais acerca do modo como as coisas acontecem. Por exemplo, se nos 87
derem um enunciado de leis relevantes que descrevem o comportamento de um corpo em queda@ e se soubermos onde ele come çou, podemos efectivamente deduzir o que lhe, ir á acontecer. De modo semelhante, se qu ísermos explicar cima lei, podemos deduzir essa lei de alguma lei de n ível superior. Neste caso, a explica ção e a predi ção são perfeitamente sim étricas. Podemos predizer deduzindo o que acontecer á; podemos explicar deduzindo o que aconteceu. Ora, seja qual for o mérito que este tipo de explica ção possa ter nas ci ências da natureza, uma das coisas que quero sublinhar neste cap ítulo é que ela é totalmente irrelevante para nós na e2xfica ção do comportamento humano. E n ão é por( amos falta de leis p@ra explicar exemplos individ U_'ais da conduta humana. E porque, mesmo se tivessemos tais leis, elas seriam ainda in úteis para nos. Penso que facilmente posso levar os ouvintes a ver isto, pedindo-lhes que imaginem o que é que aconteceria se n ós efectivamente tiv éssemos uma «lei», isto é, uma generaliza ção universal acerca de algum aspecto do nosso comportamento. Suponhamos que, nas últimas elei ções, voc ês'votaram nos Conservadores e suponhamos que votaram nos Conservadores porque pensaram que eles fariam mais para resolver o problema da infla ção do que qualquer um dos outros partidos. Suponhamos que é um facto óbvio acerca do motivo por que, votaram nos Conservadores, tal como é um faci ‘@J L È@ente óbvio que votaram nos Conservadores. Suponhamos, al ém disso, que alguns soci ólogos pol íticos apresentam uma generaliza ção universal absolutamente sem excep ção acerca de pessoas que se ajustam à descri ção anterior - o mesmo estatuto s ócio-econ ómico, nível de rendimentos, educa ção, outros interesses e assim por diante. Suponhamos que a generaliza ção absolutamente sem excep ção assere que pessoas como voc ês votam de modo invari ável nos Conservadores. Ora, quero per~ guntar: o que é que explica a raz ão por que voc ês votaram nos Conservadores? Ser á a razão que voc ês sm*cera88
mente aceitam? Ou a generaliza ção universal? Quero afirmar que nunca aceitar íamos a generaliza ção como ca ção do nosso pr óprio comportamento. A gener enuncia uma regularidade. 0 conhecimento de uma tal regularidade pode ser útil para a predi ção, mas nada explica a prop ósito de casos individuaisda conduta humana., Na verdade, convida a ulterior explica ção. Por exemplo, porque é que todas as pessoas nesse grupo votam nos Conservadores. H á uma resposta que surge espontanea~ mente. Votaram nos Conservadores porque estavam preocupados com a infla ção - talvez haja pessoas no vosso grupo que s ão particularmente afectadas. pela infla ção e essa é a raz ão por que votam todas da mesma maneira. Em suma, n ão aceitamos uma generaliza ção como explica ção do nosso pr óprio comportamento ou do comportamento de quem quer que seja. Se se encontrasse uma generaliza ção, ela exigiria uma explica ção do tipo que nos procuramos em primeiro lugar. E, quando se trata do comportamento humano, o tipo de explica ção que normalmente procuramos é o que especifica os estados mentais - cren ças, temores, esperan ças, desejos e assim N or diante - que funcionam causalmente na produ ção a conduta da maneira por mim descrita no cap ítulo anterior. Regressemos à questão original: por que é que, aparentemente, n ão temos leis das ciências sociais no mesmo sentido em que temos leis das ci ências naturais? H á várias respostas correntes a esta quest ão. Alguns fil ósofos sublinham que n ão temos uma ci ência do comportamento pela mesma raz ão por que n ão temos uma ciência do mobili ário. Não podíamos ter uma tal ci ência porque n ão há quaisquer caracter ísticas f ísicas que as cadeiras, as M~. as secret árias e todos os outros artigos de mobili ário tenhmam em comum que lhes permitam mte rar-se num conjunto comum de leis do mobili ário. E, 3m disso, n ão precasamos efectivamente de uma tal ci ência, porque tudo q que quisermos explicar -por exemplo, porque é q , . 89
as mesas de madeira s ão sólidas, ou porque é que o mobili ário de ferro enferruja - já pode -explicar-se mediante as ci ências existentes. De modo semelhante, n ão há quaisquer caracter ísticas que todas as condt*tas humanas tenham em comum. E, ademais, as coisas particulares que desejamos explicar, podem explicar-se pela física e pela fisio- .1 logia e restantes ci ências que j á existem. Em argumentos com estes relacionados, alguns fil ósofos sublinham que talvez os conceitos para nos descrevermos a n ós e a outros seres humanos n ão se equiparem de maneira correcta aos conceitos de cim^cias b ásicas como a f ísica e a quinuica. Talvez - suger-em. eles - a ci ência humana seja como uma ci ência do tempo. Temos uma ci ência do tempo, a meteorologia, mas n ão é uma ci ência estrita porque as coisas que nos interessam acerca do tempo n ão se equiparam às categorias naturais que temos para o caso da f ísica. Conceitos meteorol ógicos como «abertas no centro» ou «c éu parcialmente nublado em Londres» n ão est ã o sistematicamente relacionados com os conceitos da f ísica. Uma express ão poderosa desta concep ção encontra-se. na obra de Jerry Fodor. Sugere ele que ci ências especiais como a geologia ou a meteorologia se ocupam das caracter ísticas do Mundo que podem pensar .se em f ísica de v árias maneiras e que a conex ão frouxa entre a ci ência especial e a ci ência mais b ásica da f ísica é também caracter ística das ci ências sociais. Assim como as montanhas e as trovoadas podem pensar-se em tipos diferentes de estruturas microf ísicas, assim tamb ém o dinheiro pode pensar-se fisicamente como ouro, prata ou papel impresso. E estas conex ões disJuntivas entre os fen ómenos de ordem superior e os fen ômenos de ordem inferior permitem-nos efectivamente ter ci ências ricas, mas n ão nos facultam leis estritas, porque a forma de liga ções frouxas admitir á leis que t êm excep ções. Outro argumento a favor da concep ção de que n ão podemos ter leis estritas que liguem o mental e o f ísico é a afirma ção de Donald Davidson. de que os conceitos de 90
racionalidade, consist ência e coer ência são, em parte, c onstitutivos da nossa noção de fen ô menos mentais; e essas no ções não se relacionam sistematicamente com as no ções da f ísica. Como afirma Davidson, n ão encontram «eco» na f ísica. Porém, esta concep ção depara com uma dificuldade: existem muitas ci ências que contêm noções constitutivas, as quais, de modo semelhante, n ão encontram eco na física, mas s ão apesar de tudo ci ências absolutamente s ólidas. A biologia, por exemplo, requer o conceito de organismo e «orgamsmo» n ão encontra eco na f ísica, mas nem por isso a biologia deixa de ser uma ci ência forte. Outra concep ção, amplamente defendida, é que as inter-rela ções complexas dos nossos estados mentais nos impedem alcan çar um conjunto sistem ático de leis que os liguem aos estados neurofisiol ógicos. Segundo esta concep ção, os estados mentais ocorrem em redes complexas e inter-relacionadas e, por isso, n ão podem registar~se sistematicamente em tipos de estados cerebrais. Mas,.mais unia vez, este argumento é inconclusivo. Suponhamos, por exemplo, que Noam Chonisky, tem razão ao pensar que cada um de n ós possui um conjunto complexo de regras de gramática universal programado nos nossos c érebros, à nascen ça. Nada h á que, a propósito da complexidade ou interdepend ência das regras da gram ática universal, as impe ça de se realizarem sistematicamente na neurofisiologia do c érebro. A interdepend ência e a complexidade n ão são, por si mesmas, um argumento suficiente contra a possibilidade de leis psicof ísicas estritas. Acho todas estas explica ções sugestivas, mas n ão creio que apreendam de modo adequado as diferen ças efectivamente radicais entre as ci ências mentais e físicas. A rela ção entre sociologia e econonu*a, por um lado, e a f ísica, por outro, é efectivamente de todo diversa das rela ções da, por exemplo, meteorologia, geologia, biologia e outras ciências naturais espec íficas, com a f ísica; e n ão precisamos de tentar explicar exactamente como é que assim 91
acontece. Idealmente, gostaria de ser capaz de fornecer um argumento, passo a passo, para mostrar as limita ções a prop ósito das possibilidades das ci ências sociais estritas e, n ão obstante, mostrar a natureza e o poder efectivos destas disciplinas. Penso que devemos abandonar, de uma vez por todas, a ideia de que as ci ências sociais s ão como a f ísica antes de Newton, e de que estamos à espera de um conjunto de leis newtonianas da mente e da sociedade. Em primeiro lugar, o que é que, em rigor, o problema deve supostamente ser? Alguém poderia dizer: «sem. d úvida, os fen ômenos sociais e psicol ógicos s ão tão reais como tudo o mais. Assim, por que é que não pode haver leis do seu comportamentoN Por que é que deve haver leis do comportamento das mol éculas, mas não leis do comportamento da sociedade? Bem, uma das maneiras de refutar uma tese é imaginar que ela é verdadeira e, ent ão, mostrar que essa suposi ção é um tanto absurda. Suponhamos que, efectivamente, tinhamos leis da sociedade e leis da Hist ória que nos capacitariam a predizer quando haveria guerras e revolu ções. Suponhamos que poder íamos predizer guerras e revolu ções com a mesma precis ão e rigor com que podemos predizer a acelera ção da queda de um corpo no vazio a n ível do mar. 0 problema real é este: sejam quais forem as guerras e revolu ções, elas implicam muitos movimentos de mole~ culas. Mas isto tem a consequ ência de que qualquer lei estrita acerca das guerras e revolu ções deveria equiparar-se perfeitamente às leis acerca dos movimentos moleculares. Para que revolu ção começasse em tal e tal dia, as mol éculas relevantes teriam de estar a soprar na direc ção correcta. Mas, se e assim, ent ão as leis que predizem a revolu ção terão de fazer as mesmas predi ções ao n ível das revolu ções e dos seus participantes que as leis dos movimentos mole~ culares fazem ao n ível das part ículas f ísicas. Assim, pois, a nossa quest ão original pode reformular-se. Por que é que as leis ao n ível mais elevado, o n ível das revolu ções, não podem equiparar-se perfeitamente às leis do nível infe92
rior, o n ível das part ículas? Mas, para vermos porque é que n ão podem, examinemos alguns casos em que existe de facto uma equipara ção perfeita entre as leis da ordem superior e as leis da ordem inferior e, em seguida, podemos ver como é que estes casos diferem dos casos sociais. Um dos êxitos perenes na redu ção das leis de um n ível às de um n ível inferior é a redução das leis dos gases - a lei de Boyle e a lei de Charles - às leis da mecamica, estat ística. Como é que fwiciona tal redu ção? As leis dos gases dizem respeito à relação entre press ão, temperatura e volume dos gases. Predizem, por exemplo, que se se aumentar a temperatura de um g ás num cilindro, se aumentar á também a press ão sobre as paredes do cilindro. As leis da mec ânica estat ística dizem respeito ao comportamento das massas de pequenas part ículas. Predizem, por exemplo, que se se aumentar a velocidade do movimento das part ículas num g ás, maior n úmero de partículas ir á embater nas paredes do cilindro e mais duramente as atingir á. A razão por que se consegue uma equipara ção perfeita entre estes dois conjuntos de leis é que a explica ção de temperatura, press ão e volume pode ser inteiramerite dada em termos do comportamento das part ículas. Ao aumentar a temperatura do gás, aumenta-se a velocidade das part ículas e, ao aumentar o n úmero e a velocidade das part ículas que embatem no cilindro, aumenta a press ão. Segue-se J ue um aumento de temperatura produzir á um aumento e press ão. Suponhamos agora, por mor do argumento, que n ão era assim. Suponhamos que n ão havia explica ção da press ão e da temperatura, em termos do comportamento das part ículas mais fundamentais. Ent ão, quaisquer leis ao n ível da press ão e da temperatura seriam miraculosas, porque seria miraculosc, que a maneira como a press ão e a temperatura prosseguissem coincidisse exactamente com a maneira como as partículas prosseguiam, se n ão houvesse nenhuma rela ção sistem ática entre o comportamento do sistema ao n ível da press ão e da temperatura e o comportamento do sistema ao n ível das part ículas. 93
Este exemplo é um caso muito simples. Assim, tomemos o exemplo um tanto mais complexo. É uma lei da «ci ência da nutri ção» que a adníÍssão de calorias iguala a sa ída de calorias, com mais ou menos dep ósito de gorduras. N ão é talvez uma lei muito fantasiosa, mas, apesar de tudo, é bastante realista. Tem a consequ ência conhecida pela maior parte de n ós de que, se se comer muito e n ão se fizer bastante exerc ício, se engorda. Ora esta lei, diferentemente das leis dos gases, n ão se baseia, de modo algum, no comportamento das part ículas. A fundamenta ção não e simples - porque existe, por exemplo, uma s érie muito complexa de processos pelos quais o alimento se converte em dep ósitos de gordura nos organismos vivos. Contudo, existe ainda um fundamento - embora complexo - desta lei, em termos de comportamento de partículas mais fundamentais. Se tudo o mais se mantiver igual, quando voc ês comem muito, as mol éculas soprar ão exactamente na direc ção correcta de modo a engordarem. Podemos agora arguir no sentido da conclus ão de que n ão haver á leis de guerras e de revolu ções do modo como h á leis dos gases e da nutri ção. Os fen ómenos do Mundo que n ós abrangemos mediante conceitos como guerra e revolu ção, casamento, dinheiro e propriedade, n ão se baseiam sistematicamente no comportamento dos elementos a um n ível mais b ásico, à semelhan ça dos fen ómenos que abrangemos com conceitos como dep ósito de gorduras e de press ão, os quais se fundamentam sistematicamente no comportamento dos elementos a um n ível mais b ásico. Note-se que é este tipo de fundamenta ção que caracteristicamente nos capacita para realizar maiores avan ços nos nIveis superiores de uma ci ência. A raz ão por que a descoberta da estrutura do DNA é tão importante para a biologia ou por que a teoria bact érica da doen ça é tão importante para a medicina é que, em cada caso, ela inant êm a promessa de sistematicamente explicar caracter ísticas de n ível superior, como os tra ços da hereditariedade e os 94
sintomas da doen ça, em termos de elementos mais fiindamentais. Mas, surge agora a quest ão: se os fen ômenos sociais e psicol ógicos n ão se fundamentam assim, por que é que não se fundamentam? Por que é que não podiam flindamentar-se? Admitido que n ão se flindamentam assim, por que é que tal n ão acontece? Isto é, as guerras e as revolu ções, como tudo o mais, consistem em movimentos moleculares. Assim, por que é ue fen ómenos sociais como guerras e revolu ções não polem sistematicamente relacionar-se com movimentos moleculares da mesma maneira que s ão sistem áticas as rela ções entre entradas cal óricas e depósitos de gordura? Para vermos porque é que isso n ão pode ser assim, temos de indagar quais as caracter ísticas que os fen ômenos sociais t êm que nos capacitam para os vincular em categorias. Quais os princ ípios fundamentais, a partir dos quais categorizamos os fen ómenos psicol ógicos e sociais? Uma caracter ística crucial é a seguinte: para um vasto n úmero de fen ômenos sociais e psicol ógicos, o conceito que nomeia o fen ômeno é também um constituinte do fen ômeno. Para que algo surja como uma cerim ônia de casamento ou um sindicato, ou propriedade, ou dinheiro, ou mesmo uma guerra ou revolu ção, as pessoas implicadas; nessas actividades devem ter certos pensamentos apropriados. Em geral, t êm de pensar que é mesmo assim. Por exemplo, para conseguirem casar-se ou comprar propriedades, voc és e outras pessoas t êm de pensar no que é que est ão a fazer. Ora, esta caracter ística é important íssima para os fen ónemos sociais. Mas nada de semelhante existe nas ci ências biol ógicas e físicas. Algo pode ser uma árvore ou uma planta, ou alguma pessoa pode ter tuberculose, mesmo se n ão pensar: «Aqui est á uma árvore ou uma planta ou um caso de tuberculose», e mesmo que ningu ém pensa seja o que for a esse respeito. Mas, muitos dos termos que descrevem fen ô menos sociais t êm de entrar na sua constitui ção. E isto t êm ainda o resultado de que tais termos possuem um tipo 95
particular de auto-referencialidade. «Dinheiro» refere-se a tudo o que as pessoas usam e pensam como dinheiro. «Promessa» refere-se a tudo o que as pessoas nitentam. e consideram como promessas. N ão estou a dizer, que para terem a institui ção do dinheiro, as pessoas devem ter esta E recisa palavra ou algum sin ónimo exacto no seu vocaul ário. Devem antes ter certos pensamentos e atitudes acerca de alguma coisa para que ela figure como dinheiro e esses pensamentos e atitudes s ão parte da pr ópria defini ção do dinheiro. Há outra consequ ência crucial desta caracter ística. 0 princ ípio definidor de tais fen ômenos sociais n ão poe quaisquer limites físicos aquilo que pode figurar como a sua realiza ção física. E isto significa que n ão pode haver quaisquer conex ões sistem áticas entre as propriedades f ísicas e sociais ou mentais do fen ômeno. As caracter ísticas sociais em quest ão são em parte determinadas pelas atitudes que em rela ção a elas tomamos. As atitudes que a seu respeito assumimos n ão são constrangidas pelas caracteristicas f ísicas dos fen ômenos em quest ão. Por conseguinte, n ão pode existir qualquer equival ência entre o n ível mental e o n ível da f ísica que seja necess ário para tomar poss íveis leis estritas das ci ências sociais. 0 passo fundamental no argumento a favor de uma descontinuidade radical entre as ciências sociais e as ci ências naturais depende do car ácter mental dos fen ômenos sociais. E é esta caracter ística que todas as analogias por mim antes mencionadas - isto é, entre a meteorologia, a biologia e a geologia negligenciam. A descontinuidade radical entre as disciplinas sociais e psicol ó31cas, por um lado, e as ci ências naturais, por outro, tam ao papel da mente nessas disciplinas. Consideremos a afirma ção de Fodor de que as leis sociais ter ão excep ções, visto que os fen ômenos ao n ível social se inscrevem frouxamente ou de um modo disJuntivo nos fen ômenos f ísicos. Mais uma vez, isto n ão explica as descontinu ídades radicais para que -eu tenho chamado 96
a atenção. Mesmo se este tipo de disJun ção se tivesse verificado at é certo ponto, é sempre poss ível que a pessoa seguinte lhe fa ça de muitos modos e indefinidamente novos aditamentos. Por suposi ção, o dinheiro tomou sempre um âmbito limitado de formas f ísicas - ouro, prata, papel impresso, por exemplo. No entanto, é possível que outra pessoa ou sociedade considere mais alguma coisa como dinheiro e, efectivamente, a realiza ção física não interessa grande coisa às propriedades do dinheiro, contanto que a realiza ção física permita. o uso do material como um meio de troca. «Bem», algu ém poder á objectar, «para termos ci ências sociais rigorosas, n ão precisamos de equival ência estrita entre propriedades das coisas no =do. Tudo o que precisamos é uma equival ência estrita entre propriedades psicol ógicas e caracter ísticas do c érebro. A fundamenta ção efectiva da economia e da sociologia no mundo f ísico não reside nas propriedades dos objectos, que encontramos
à nossa volta, situa-se nas propriedades f ísicas do c érebro. Assim, apesar de o pensamento de que algo é dinheiro ser essencial para a sua exist ência como dinheiro, contudo, o pensamento de que ele é dinheiro pode muito bem ser e, efectivamente, na vossa pr ópria explica çãó é, um processo cerebral. Deste modo, para mostrar que n ão pode haver quaisquer leis estritas das ci ências sociais, h á que demonstrar que n ão pode haver quaisquer correla ções estritas entre tipos de estados mentais e tipos de estados cerebrais e voc ê ainda n ão mostrou isso». Para vermos porque é que n ão podem e@dstir tais leis, examinemos algumas áreas onde parece prov ável que irt-mos conseguir uma neuropsicologia estrita, leis estritas r ue correlacionam fen ómenos mentais e fen ômenos neurosiol ógicos. Consideremos a dor. Parece razo ável supor que as causas neurofisiol ógicas das dores, pelo menos nos seres humanos, s ão muito Iiinitadas e especificas. Efectivamente, discutimos algumas delas no cap ítulo anterior. Em princ ípio, parece n ão haver obst áculo algum em ter97
mos uma neurofisiologia perfeita da dor. Mas, que dizer a prop ósito da vis ão? Mais uma vez, é difícil ver, em princ ípio, qualquer obst áculo em conseguirmos uma neurofisiologia adequada da vis ão. Poderiamos mesmo chegar ao ponto de conseguir descrever perfeitamente as condi ções neurofisiol ógicas para termos certos tipos de experi ências visuais. A experi ê ncia de ver que algo é vermelho, por exemplo. Nada na minha explica ção nos proibiria de obtermos uma tal psicologia neurofisiol ógíca. Mas, agora, surge aqui a parte mais dif ícil: embora pud éssemos obter correla ções sistem áticas entre a neurofisiologia e a dor ou entre a neurofisiologia e a experi ência visual do vermelho, n ão poder íamos fornecer explica ções ,ernelhant da neurofisiologia de ver que alguma coisa era dinheiro. Por que n ão? Adn- útindo que sempre que vemos que h á algum dinheiro diante de n ós ocorre algum processo neurofisiol ógico, que é que o impedir á de ser sempre o mesmo processo? Bem, a partir do facto de que o dinheiro pode ter um âmbito indefinido de formas físicas segue-se que pode ter um âmbito indefinido de efeitos est ímuladores sobre os nossos sistemas nervosos. Mas, visto que pode ter um âmbito indefinido de padr ões de estimuia ção sobre o nossos sistemas, visuais, seria mais uma vez um milagre se eles todos produzissem exactamente no c érebro o mesmo efeito neurofisiol ógico. E o que vale para a vis ão de alguma coisa como dinheiro vale ainda com mais razão para a cren ça de que ele é dinheiro. Seria absolutamente inilagroso se sempre que algu ém pensasse ter falta de dinheiro, fosse em que l íngua e cultura ele tivesse tal cren ça, tivesse o mesmo tipo de realiza ção neurofisiol ógica. E a raz46 úmica é que o âmbito de estimulos neurofisiol ógicos possiveis que poderiam produzir esta mesma cren ça é infinito. Paradoxalmente, o modo como o mental afecta o f ísico impede a exist ência de uma ci ência estrita do mental. Note~se que, nos casos em que n ão temos este tipo de interac ção entre os fenômenos sociais e f ísicos, o obs98
tículo à posse de ci ências sociais estritas n ão está presente. Consideremos o exemplo que antes mencionei, o da hip ótese de Chonisky de uma gram ática universal. Suponhamos que cada um de n ós tem inatamente programadas no nosso cérebro as regras da gram ática universal. Visto que estas regras estariam no cérebro, à nascen ça, e seriam independentes de quaisquer rela ções que o organismo tivesse com o meio ambiente, nada existe no meu argumento que impe ça a exist ência de leis psicof ísicas estritas que conectem essas regras e as caracter ísticas do cerebro, por mais inter-relacionadas e complicadas que as regras possam ser. Mais uma vez, muitos animais t êm estados mentais conscientes mas, tanto quanto sabemos, carecem da auto-referencialidade que acompanha as línguas humanas e as mstitui ções sociais. Nada, no meu argumento, impedir á a possibilidade de uma ci ência do comportamento animal. Por exemplo, poder ão existir leis estritas que correlacionem os estados cerebrais das aves e o seu comportamento de constru ção dos ninhos. Fiz a promessa de tentar fornecer, pelo menos, um esbo ço de um argumento gradual. Vejamos at é que ponto consegui cumprir a promessa. Apresentemos o argumento como uma s érie de passos. i. Para que haja leis das ci ências sociais, no sentido em que h á leis da f ísica, deve existir alguma correla ção sistem ática entre os fen ômenos identificados em termos sociais e psicol ógicos e os fen ómenos identificados em termos f ísicos. Pode haver uma complexidade igual à do modo como os fen ómenos meteorol ógicos se conectam com os fenomenos da f ísica, mas tem de existir alguma correla ção sistem ática. Em g íria contempor ânea, deve haver alguns principlos-ponte entre os níveis inferiores e os n íveis superiores. 2. Os fen ômenos sociais definem-se, em grande parte, em termos de atitudes psicol ógicas que as pes99
soas tomam. 0 que figura como dinheiro, ou como promessa, ou casamento é, em grande parte, uma quest ão do que as pessoas consideram dinheiro, ou uma promessa, ou um casamento. 3. Do que precede segue-se que estas categorias se mant êm indefinidamente abertas no aspecto Cisico. Falando de modo estrito, n ão existem limites para o que poderemos considerar ou estipular como dinheiro, ou uma promessa, ou uma cerim ônia de casamento. 4. Isto implica que n ão pode haver quaisquer princ ípios-ponte entre as caracter ísticas sociais e as caracter ísticas f ísicas do Mundo, isto é, entre os fenomenos descritos em termos sociais e os mesmos fenomenos descritos em termos físicos. N ão podemos sequer ter o tipo de princ ípios disjuntivos frouxos que temos para o tempo ou a digest ão. S. Al ém disso, é imposs ível obter o tipo correcto de principios-ponte entre os fenômenos descritos em termos mentais e os fen ómenos descritos em termos neurofisiol ógicos, isto e, entre o c érebro e a mente. E eis a raz ão por que existe um âmbito m'definido de condi ções estimuladoras para qualquer conceito social dado. E este âmbito enorme impede conceitos, que n ão estejam incrustados em nós, de se realizarem de uma maneira que sistematicamente correlaciona as caracter ísticas mentais e f ísicas. Quero concluir este cap ítulo com a descri ção do que me parece ser o verdadeiro carácter das ci ências sociais. As ci ências sociais tratam em geral de v ários aspectos de intencional ídade. A econon- úa ocupa-se da produ ção e distribui ção de bens e servi ços. Note-se que o economista em ac ção pode simplesmente tomar como garantida a intencionalidade. Pressup õe que os empres ários tentam fazer dinheiro e que os consumidores preferir ão sair-se melhor do que pior. E as «leis da economia», em seguida, referem resultados ou consequ ências sistem áticas de tais suposi ções. 100
Dadas certas suposi ções, o economista pode deduzir que empres ários sensatos vender ão onde o seu custo marginal iguala o rendimento marginal. Observe-se agora que a lei n ão prediz que o homem de neg ócios faz a si mesmo esta pergunta: «lrei eu vender onde o custo marginal iguala o rendimento marginal?» N ão, a lei não refere o conte údo da intencionalidade individual. Elabora antes as consequ ências de tal intencionafidade. A teoria da firma em microeconomia elabora as consequ ências de certos pressupostos acerca dos desejos e possibilidades dos consuInidores e empresas empenhadas na compra, produ ção e venda. A macroeconom ía elabora as consequ ências de tais pressupostos para na ções e sociedades inteiras. Mas o economista n ão tem que preocupar-se com quest ões como esta: «Que é o dinheiro realmente?» ou «0 que é realmente um desejo?» Se for muito sofisticado na economia do bem-estar, poder á preocupar-se com o car ácter exacto dos desejos dos empres ários e consumidores. Mas, mesmo num caso assim, a parte sistem ática da sua disciplina consiste em elaborar as consequ ências dos factos a prop ósito da intencionalidade. Visto que a economia se funda, n ão em factos sistem áticos acerca das propriedades f ísicas, corno a estrutura molecular, tal como a qu ímica se baseia em factos sistem áticos acerca da estrutura molecular, mas antes em factos relacionados com a intencionalidade humana, com desejos, pr áticas, estados da tecnologia e estados do conhecimento, segue-se que a economia n ão pode imunizarse à história ou ao contexto. A economia, enquanto ci ência, pressup õe certos factos hist óricos acerca das pessoas e das sociedades que em si mesmas n ão sã o parte da economia. E quando esses factos mudam, a economia deve tamb ém mudar. Por exemplo, at é há pouco, a curva de Phillips, uma f órmula que relaciona uma série de factores nas sociedades industriais, pareceu fornecer uma descri ção exacta das realidades econ ómicas nessas sociedades. Ultimamente, n ão tem funcionado t ão bem. A maior parte dos economistas 101
pensa que isso se deve a que ela n ão descrevia exactamente a realidade. Mas poderiam pensar assim: «Talvez descrevesse exactamente a realidade tal como era naquele tenipo.» Por ém, após as crises do petr óleo e outros v ários acontecimentos dos anos setenta, a realidade mudou. A economia é uma ci ência formalizada sistem ática, mas n ão é independente do contexto ou imune à História. Funda-se em pr áticas humanas, mas essas pr áticas n ão são intemporais, eternas ou inevit áveis. Se, por alguma raz ão o dinheiro tivesse de ser feito de gelo, ent ão, seria uma lei estrita da economia que o dinheiro se derrete a temperaturas superiores a zero grau cent ígrado. Mas, esta lei funcionaria apenas enquanto o dinheiro tivesse de ser feito de gelo e, al ém disso, n ão nos diz o que é que nos interessa acerca do dinheiro. Viremo-nos agora para a linguistica. 0 objectivo contempor âneo normal da linguistica é estabelecer as v árias regras - fonol ógícas, sint áticas e semânticas - que relacionam sons e significados nas v árias línguas naturais. Uma ciência idealmente completa da lingu ística forneceria o conjunto completo de regras para todas as linguagens humanas naturais. N ão tenho a certeza de se é este o exacto Objectivo da linguistica ou mesmo se é um objectivo que é possível atingir, mas, para o prop ósito presente, o importante é notar que é, uma vez mais, uma ci ência aplicada intencionalidade. De nenhum modo se assemelha à quimica ou à geologia. Tem a ver com a especifica ção dos conte údos intencionais historicamente determinados que existem nas mentes dos falantes das v árias línguas e que s ão efectivamente respons á veis pela compet ência linguistica humana. Tal como na economia, a cola que aglutina a liliguistica e a intencionalidade humana. 0 resultado deste capitulo pode agora enunciar-se de uma forma muito simples. A descontinuidade radical entre as ci ências sociais e as ci ências naturais n ão procede do facto de que existe apenas uma conex ão disJunt íva dos fen ômenos sociais e f ísicos. Nem sequer procede do facto de 102
que as disciplinas sociais t êm conceitos constitutivos que n ão encontram eco na física, nem ainda da grande comple~ )Made da vida social. Muitas disciplinas como a geologia, a biologia e a metereologia t êm essas carater ísticas, mas isso não as impede de serem ci ências naturais sistem áticas. N ão, a descontinuidade radical deriva do car ácter intrinsecamente mental dos fen ômenos sociais e psicol ógicos. 0 facto de as d éncias sociais serem potenciadas pela mente é a fonte da sua fraqueza em rela ção às ciências naturais. Mas é também precísamente a fonte da sua for ça como ci ências sociais. 0 que desejamos das ci ências sociais e delas conseguimos no seu ponto melhor s ão teorias da intencionalidade pura e aplicada. . 103
vi A LIBERDADE DA VONTADE Nestas p áginas, tentei responder ao que para mim constitui algumas das quest ões mais inc ómodas sobre o modo como nos, enquanto seres humanos, nos harmonizamos com o resto do Universo. A concep ção de n ós mesmos como agentes livres é fundamental para toda a nossa autoconcep ção. Ora, idealmente, eu gostaria de ser capaz de conservar tanto as minhas concep ções de sentido comum como as minhas crenças cient íficas. No caso da rela ção entre mente e corpo, por exemplo, consegui fazer isso, mas ao abordar-se a quest ão da liberdade e do determinismo, sou incapaz - como muitos outros fil ósofos de reconciliar as duas. Alguém pensar á que, ap ós mais de dois mil anos de preocupa ção a este respeito, o problema da liberdade da vontade estaria agora finalmente resolvido. Bem, na realidade, a maior parte dos fil ósofos pensa que ele j á foi resolvido. Pensam que foi resolvido por Thomas Hobbes e David Hume e por outros fil ósofos de miclina ção empirica, cujas solu ções têm sido repetidas e melhoradas em 105
pleno s éculo xx. Pessoalmente, penso que n ão foi solucionado. Nesta li ção, quero fornecer-lhes uma explica ção do que o problema é e porque é que a solu ção contempor ânea não constitui uma solu ção e, em seguida, concluir tentando explicar porque é que o problema certamente continuar á connosco. Por outro lado, sentimo-nos inclinados a dizer que, uma vez que a natureza consiste em part ículas e nas suas rela ções reciprocas e, dado que tudo se pode explicar em termos dessas part ículas e das suas rela ções, não há simplesmente espaço para a liberdade da vontade. Tanto quanto à liberdade humana diz respeito, n ão interessa se a f ísica é determinada, como era a f ísica newtoniana, ou se ela permite uma indetermina ção ao n ível da f ísica de particulas, como o faz a mec ânica qu ântica contempor ânea. 0 indeterminismo ao n ível das part ículas na f ísica não é, efectivamente, um apoio para qualquer doutrina da liberdade da vontade; porque, em primeiro lugar, a indetern únação estat ística ao n ível das part ículas n ão mostra qualquer'iridetermina ção ao nível dos objectos que nos afectam - corpos humanos, por exemplo. E, em segundo lugar, mesmo se existe um elemento de indeternu-na ção no comportamento das part ículas f ísicas - mesmo se elas s ão previs íveis s ó estatisticamente -- apesar de tudo, isso n ão dá por si mesmo livre curso à liberdade humana da vontade; pois, do facto de as part ículas serem determinadas apenas estatisticamente n ão se segue que a mente humana possa for çar as partículas estatisticamente determinadas a desviarem-se do seu caminho. 0 indeterminismo n ão constitui evid ência alguma de que existe ou poderia existir alguma energia mental da liberdade humana, que pode mover as mol éculas para direc ções em que de outro modo elas n ão se iriam mover. Assim, parece realmente como se tudo o que sabemos acerca da f ísica nos for çasse a alguma forma de negação da liberdade humana. A imagem mais forte para transmitir esta concep ção de determinismo é ainda a que foi formulada por Laplace: 106
«se um observador ideal conhecesse as posi ções de todas as part ículas num dado instante e conhecesse todas as leis que governam os seus movimentos, poderia predizer e retrodizer toda a hist ória do Universo.» As predi ções de um Laplace perito em mec ânica qu ântica contempor ânea podem ser estat ísticas, mas apesar de tudo n ão perinitiriam espa ço para a liberdade da vontade. Chega j á de refer ência ao determinismo. Voltemos agora ao argumento a favor da liberdade da vontade. Como muitos fil ósofos salientaram, se existe um facto da experi ência com que todos somos familiarizados, é o facto simples de que as nossas pr óprias escolhas, decis ões, racioc ínios e,cogita ções diferem do nosso comportamento efectivo. H á toda uma s érie de experi ências que temos da vida em que parece ser um facto da nossa experi ência que, embora tenhamos feito uma coisa, temos a certeza de sabermos perfeitamente bem que poder íamos ter feito alguma coisa mais. Sabemos que poder íamos ter feito alguma coisa mais, porque escolhemos algo em virtude de deterir únadas raz ões. Mas t ínhamos consci ência de que havia tamb ém razoes para escolher outra coisa e, na verdade, pod íamos ter exigido por essas raz ões e escolhido essa outra coisa. Uma outra maneira de apresentar este ponto é dizer: constitui um facto emp írico evidente que o nosso comportamento não é previs ível da mesma maneira que é predizivel o comportamento dos objectos rolando por um plano inclinado. E a raz ão por que n ão é prediz ível dessa maneira é porque, muitas vezes, poder íamos ter agido de um modo diferente de como agimos efectivamente. A liberdade humana é precisamente um facto de experi ência. Se desejarmos alguma prova empirica de tal facto, podemos sem mais aludir à possibilidade que sempre nos cabe de falsificarmos quaisquer predi çõ es que algu ém possa ter feito acerca do nosso comportamento. Se algu ém prediz que eu vou fazer alguma coisa, posso muito bem não fazer essa coisa. Ora bem, este tipo de op ção não está à disposi ção dos glaciares que se movem pelas montanhas 107
abaixo ou das bolas que rolam em planos inclinados, ou dos planetas que se movem em torno das suas órbitas elipticas. Estamos perante um enigma filos ófico caracteristico. Por um lado, um conjunto de argumentos muito poderosos for ça-nos à conclus ão de que a vontade livre n ão existe no Universo. Por outro, uma s érie de argumentos poderosos baseados em factos da nossa pr ópria experi ê ncia inclina-nos para a conclus ão de que deve haver alguma liberdade da vontade, porque ai todos a experimentamos em todo o tempo. Há uma solu ção corrente para este enigma filos ófico. egundo essa solu ção, a vontade livre e o determinismo s ão perfeitamente compativeis entre si. Naturalmente, tudo no Mundo é determinado mas, apesar de tudo, algumas ac ções, humanas s ão livres. Dizer que s ão livres n ão é negar que sejam determinadas; é afirmar que n ão são constrangidas. N ão somos for ç ados a faz ê-las: assim, por exemplo, se um homem é forçado a fazer alguma coisa porque lhe apontam uma arma, ou se sofre de alguma compuls ão psicol ógica, ent ão, a sua conduta é genuinamente não livre. Mas se, por outro lado, ele age livremente, se age, como dizemos, por sua livre vontade, ent ão, o seu comportamento é livre. Claro est á, é tamb ém completamente determinado, uma vez que cada aspecto do seu comportamento é determinado pelas for ças físicas que operam sobre as particulas que comp õem o seu corpo, tal como operam sobre todos os corpos no universo. Assim, a conduta livre existe, mas é apenas um cantinho do Mundo determi-nado - é este canto do comportamento humano detern-iinado onde certos tipos de for ça e de compuls ão estão ausentes. Ora bem, porque esta concep ção afirma a compatibilidade da vontade livre e do determinismo recebe habitualmente o nome de «compatibilismo». Penso que é inadequada como solu ção para o problema e eis porqu ê. 0 problema em tomo da liberdade da vontade n ão se põe a 108
P ló pode ia ou n ão en i roposito da exist ênci exist^ da de raz ões psicogicas internas que nos levam a fazer coisas, ou tamb ém de exist ência de causas f ísicas externas e de compuls ões internas. P õe-se antes a prop ósito de se ou n ão as causas da nossa conduta, sejam elas quais forem, s ão suficientes para determitiar a conduta de maneira que as coisas t êm de acontecer da maneira como acontecem. Existe outra maneira de apresentar este problema. Ser á sempre verdadeiro afirmar de outra pessoa que ela ria ter agido de outro modo, permanecendo id ênticas todas as outras condi ções? Por exemplo, admitindo que uma certa pessoa decidiu votar nos Conservadores, poderia ela ter escolhido votar num dos outros partidos, permanecendo id ênticas todas as outras condi ções? Ora, o compatibilismo n ão responde a esta quest ão de uma maneira que permita e conceda espa ço para a no ção corrente da liberdade da vontade. 0 que ele afirma é que todo o comportamento é determinado de uma maneira tal que n ão poderia ter ocorrido de outro modo, permanecendo id ênticas todas as outras condi ções. Tudo o que aconteceu foi efectivamente determinado. Houve coisas que foram determinadas por certos tipos de causas psicol ógicas internas (as que n ós chamamos as nossas «raz ões de actuar») e n ão por for ças externas ou conveii ço@s psicol ógicas. Assim, ficamos ainda com um problema. E sempre verdadeiro afirmar de um ser humano que ele poderia ter agido de outra maneira? A dificuldade que se p õe acerca do compatibilismo, pois, é que ele n ão responde à questão - «poder íamos nós ter agido de outro modo, permanecendo id ênticas todas as condi ções?» - de uma maneira que é consistente com a nossa cren ça na nossa pr ópria livre vontade. Em suma, o compatibilismo nega a exist ência da vontade livre, embora mantenha a sua concha verbal. Tentemos ent ão recome çar de novo. Afirmei que temos uma convic ção da nossa vontade livre simplesmente baseada nos factos da experi ência humana. Mas, at é que ponto s ão fidedignas essas experi ências? Como antes afir109
meí, o caso tip íco, muitas vezes descrito pelos fil ósofos, que nos inclina a acreditar na nossa pr ópria vontade livre, é uin caso em que defrontamos um feixe de escolhas, raciocinamos acerca da melhor coisa que h á a fazer, tomamos uma resolu ção e, em seguida, fazemos a coisa que decidimos fazer. Mas talvez a cren ça de que tais experi ências apoiam a doutrina da liberdade humana seja ilus ória. Consideremos o exemplo seguinte. Uma experi ência de hipnose t ípica tem a seguinte forma. Sob a ac ção da hipnose, o paciente recebe uma sugest ão pós-hipnótica. Pode dizer-Se-lhe, por exemplo, para fazer uma coisa absolutamente trivial e in ócua como, digamos, rastejar pelo soalho. Depois do paciente sair da hipnose, pode entrar em conversa ção, sentar-se, beber caf é e então, subitamente, afirmar uma coisa como: «que soalho fascinante existe nesta sala», ou «quero examinar este tapete», ou «estou a pensar investir em coberturas de soalho e gostaria de investigar este soalho». E, em seguida, p õe-se a rastejar pelo soalho. Ora, o interesse destes casos é que o paciente fornece sempre alguma raz ão mais ou menos adequada para fazer o que faz. Isto é, perante si mesmo, parece comportar-se livremente. N ós, por outro lado, temos boas raz ões para crer que o seu comportamento de nenhum modo é livre, que as razoes que, ele aduz para a sua decis ão aparente de rastejar pelo soalho s ão irrelevantes, que o seu comportamento foi previamente determinado, que efectivamente est á enredado numa sugest ão pós-hipn ótica. Quem quer que conhecesse os factos a respeito dele podia ter predito de antem ão o seu comportamento. Ora, um modo de p ôr o problema do determinismo ou, pelo menos, um aspecto do problema do determin ísmo, é: «todo o comportamento humano é assim?» Todo o comportament ç> humano se assemelha ao homem que age sob uma sugest ão pós-hipn ótica? Mas, se tomarmos o exemplo a s ério, parece demonstrar ser uni argumento a favor da liberdade da vontade 110
e não contra ela. 0 agente pensava que agia livremente, embora na verdade o seu comportamento fosse determinado. Mas, no plano empirico, parece-me muito improv ável que todo o comportamento humano seja assim. Por vezes, as pessoas sofrem sob os efeitos da hipnose e, por vezes, sabemos que se encontram sob a influ ência de impulsos inconscientes que n ão podem controlar. Mas ser ão elas sempre assim? É todo o comportamento determinado por tais compuls ões psicol ógicas? Se tentarmos tratar o determ ínismo psicol ógico como uma afirma ção factual acerca da nossa conduta, ent ão, parece ser inteiramente falso. A tese do determin ísmo psicol ógico é que as causas psicol ógicas pr évias determinam todo o nosso comportamento da maneira como determinam o comportamento do su .eito sob hipnose ou o viciado em heroffia. Para esta concep ção, todo o comportamento, de um ou de outro modo, é psicologicamente compulsivo. Mas, as provas dispom íveis sugerem que uma tal tese é falsa. Na realidade, agimos normalmente com base nos nossos estados intencionais - as nossas cren ças, esperan ças, temores, desejos, etc. - e, nesse sentido, os nossos estados mentais funcionam causalmente. Mas esta forma de causa e efeito n ão é determimistica. Poderiamos ter tido exactamente esses estados mentais e, apesar de tudo, n ão termos feito o que fizemos. Tanto quanto às causas psicol ógicas diz respeito, poderiamos ter agido de outra maneira. Por outro lado, os exemplos de hipnose e de comportamento psicologicamente compulsivo s ão habitualmente patol ógicos e facilmente distinguiveis da ac ção livre normal. Assim, psicologicamente falando, existe espaço para a liberdade humana. Mas é esta solu ção um avan ço sobre o compatibilismo? N ão estamos justamente a dizer, mais uma vez, que sim, todo o comportamento é deternu-nado, mas que o que chamamos comportamento livre é o tipo determinado por processos racionais de pensamento? Por vezes, os processos conscientes e racionais de pensamento n ão 111
fazem diferen ça alguma, como no caso da hipnose e, por vezes, fazem, como no caso normal. Os casos normais s ão aqueles em que dizemos que o agente é realmente livre. Mas, naturalmente, esses processos racionais e normais de pensamento s ão tão determinados como tudo o mais. Assim, mais uma vez, n ão teremos n ós o resultado de que tudo o que fazemos estava inteiramente escrito num livro de hist ória bili ões de anos antes de termos nascido e, por conseguinte, nada do que fazemos é livre em qualquer sentido filosoficamente interessante? Se decidimos chamar livre ao nosso comportamento, isso é apenas uma quest ão de adoptar uma terminologia tradicional. Assim como continuamos a falar de «p ôr do Sol», embora saibamos que o Sol literalmente n ão se põe, assim também continuamos a falar de «agir por livre vontade», embora n ão exista tal fenômeno. Uma maneira de, examinar uma tese filos ófica ou qualquer outra esp écie de tese para este assunto é perguntar «que diferen ça faria? Qu ão diferente seria o Mundo, se esta tese fosse verdadeira enquanto oposta ao que seria o Mundo, se a mesma fosse falsa?» Parte da atrac ção do determinismo, creio eu, prov ém de ele parecer consistente com a maneira como o Mundo funciona realmente, pelo menos, tanto quanto conhecemos algo acerca dele pela f ísica. Isto é, se o determinismo, fosse verdadeiro, ent ão, o Mundo actuaria da mesm íssima maneira como actua, e a única diferen ça seria que algumas das nossas cren ças a prop ósito do seu funcionamento seriam falsas. Essas cren ças são importantes para n ós, porque t êm a ver com a cren ça de que poderiamos ter feito coisas diferentemente da maneira como efectivamente as fizemos. E, por seu turno, esta cren ça liga-se com cren ças acerca da r êsponsabifidade moral e da nossa pr ópria natureza como pessoas. Mas se o libertarismo, que é a tese da vontade livre, fosse verdadeiro, parece que teriamos de fazer algumas xnudan ças realmente radicais nas nossas cren ças acerca do Mundo. Para termos uma liberdade radical, parece 112
que dever íamos postular a exist ència, dentro de cada um de n ós, de um si mesmo que fosse capaz de interferir com a orde m* causal da natureza, isto é, parece que de certa maneira dever íamos conter alguma entidade que fosse capaz de desviar as mol éculas das suas traject órias. N ão sei se uma tal concep ção é sequer intelig ível, mas decerto n ão se harmoniza com o que sabemos pela f ísica acerca do modo como fimciona o Mundo. E n ão existe a m ínima prova para supormos que dever íamos abandonar a teoria f ísica em favor de uma tal concep ção. Até agora, pois, parece que n ão chegámos a lado nenhum no nosso esfor ço para resolver o conflito entre determinismo e a cren ça na liberdade da vontade. A ciência não deixa espa ço para a liberdade da vontade e o indeterminismo na física não oferece para ela qualquer apoio. Por outro lado, somos incapazes de abandonar a cren ça na liberdade da vontade. Investiguemos ainda um pouco mais estes dois pontos. Por que é que não há espaço para a liberdade da vontade na concep ção cient ífica contempor ãnea? Na f ísica, os nossos mecanismos explanat órios básicos funcionam debaixo para cima. Isto é, explicamos o comportamento das caracter ísticas de superf ície de um fen ômeno, como a transpar ência do vidro ou a liquidez da água, em termos do comportamento de micropart ículas como as mol éculas. E a rela ção da mente com o c érebro é um exemplo de uma tal rela ção. As caracter ísticas mentais são causadas por e re álizadas em fen óm'enos neurofisiol ógicos, como discuti no primeiro capitulo. Mas deparamos com a causa ção da mente para o corpo, isto é, deparamos com a causa ção de cima para baixo, durante uma passagem de tempo; e deparamos com a causa ção de cima para baixo durante um certo tempo, porque o nível de cima e o n ível inferior ocorrem simultaneamente. Assim, por exemplo, suponhamos que eu quero causar a liberta ção da acetilcolina neurotransinissora nas placas terminais do ax Ónio dos meus neur ónios motores; posso fazer isso mediante a simples 113
decis ão de levantar o meu bra ço e, em seguida, de o levantar. Aqui, o acontecimento mental, a inten ção de levantar o meu bra ço causa o acontecimento físico, a liberta ção da acetilcolina - um caso de causa çâo de cima para baixo, se é que alguma vez houve algum. Mas a causa ção de cima para baixo opera unicamente porque os acontecimentos mentais se baseiam na neurofisiologia para se iniciarem. Assim, em correspond ência com a descri ção das rela ções causais que vão de cima para baixo, h á uma outra descri ção da mesma s érie de acontecimentos, onde as rela ções causais ocorrem inteiramente no fundo, isto é, constituem totalmente uma quest ão de neur ónios e de excita ções neuronais nas sinapses, etc. Enquanto aceitarmos esta concep ção do modo como a natureza opera, ent ão não parece haver qualquer espa ço para a liberdade da vontade, porque, nesta concep ção, a mente pode apenas afectar a natureza enquanto é uma parte da natureza. Mas, se assim é, então, tal como o resto da natureza, as suas caracteristicas s ão determinadas nos n-licron íveis básicos da F ísica. Eis um ponto absolutamente fundamental deste capitulo, deixem-me repetir. A forma de determinismo que, em última an álise, é incómoda não é o determinismo, psicol ógíco. A ideia de que os nossos estados da mente s ão suficientes para determinar tudo o que fazemos é provavelmente falso. A forma inc ómoda de determinismo é mais b ásica e fundamental. Visto que todas as caracteristicas de superf ície do Mundo s ão inteiramente causadas por e realizadas em sistemas de microelementos, o comportamento dos microelementos é suficiente para determinar tudo o que acontece. Uma tal imagem de «pernas para o ar» do Mundo adn- úte a causa ção de cima para baixo (as nossas mentes, por exemplo, podem afectar os corpos). Mas a causa ção de cima para baixo funciona apenas porque o n ível, superior j á está causado por e realizado nos n íveis inferiores. Muito bem, abordemos a seguinte quest ão óbvia. 0 que é que na nossa experi ência nos impossibilita aban@ 114
donar a cren ça na liberdade da vontade? Se a liberdade e uma ilus ão, por que é que é uma ilus@o que, aparente. mente, somos incapazes de abandonar? A primeira coisa a observar a prop ósito da concep ção da liberdade humana é que ela est á essencialmente ligada à consci ência. Apenas atribu ímos liberdade aos seres conscientes. Se, por exemplo, algu ém construir um rob ô que cremos ser totalmente inconsciente, nunca sentiriamos qualquer inclina ção a dizer que ele é livre. Mesmo se ach ássemos o seu comportamento aleat ório e imprediz ível, não din íamos que actua livremente no sentido em que nos pensamos a n ós mesmos como agindo livremente, Se, por outro lado, algu ém construir um rob ô acerca do qual nos convencemos de que tem consci ência, tal como n ós temos ent ão, seria, pelo menos, uma quest ão aberta de se ou n ão este rob ô tinha liberdade da vontade. 0 segundo ponto a observar é que não é qualquer estado da consci ência que nos fornece a convic ção da liberdade humana. Se a vida consistisse inteiramente na recep ção de percep çõ es passivas, ent ão, parece-me que nunca conseguiriamos formar a ideia da liberdade humana. Se nos imagin ássemos a n ós mesmos totalmente imóveis, totalmente incapazes de nos movermos e incapazes at é de determinarmos o curso dos pr óprios pensamentos, mas, apesar de tudo, recebendo estimulos, por exemplo, suaves sensa ções dolorosas peri ódicas, n ão haveria a menor incli” na ção para concluirmos que temos liberdade da vontade. Disse antes que a maior parte dos fil ósofos pensam que a convic ção da liberdade humana est á essenci: mente ligada ao processo da decis ão racional. Mas penso que isso e s ó parcialmente verdadeiro. De facto, ponderar raz ões é apenas um caso muito especial da experi ência que nos fornece a convic ção da liberdade. A experi ência caracteristica que nos d á a convic ção da liberdade humana, e é uma experi ência da qual somos incapazes de arrancar a convic ção da liberdade, é a experi ência de nos empenharmos em ac ções humanas volunt árias e intencionais. 115
Na nossa discuss ão da intencionalidade, concentr ámo-nos naquela forma de intencionafidade que consistia em inten çóes conscientes na ac ção, intencionalidade que é causal da maneira como a descrevi, e cujas condi ções de satisfa ção são que certos movimentos corporais ocorram e que ocorram como causados por aquela genu ína inten ção na ac ção. É esta experi ê ncia a pedra basilar da nossa cren ça na liberdade da vontade. Porqu ê? Reflictamos com todo o cuidado no car ácter das experi ências que temos, quando nos empenhamos nas ac ções humanas normais da vida de cada dia. Veremos a possibilidade de cursos alternativos de ac çã o incrustados nessas experi ências. Levantemos o bra ço ou, atravessemos a rua, ou bebamos um copo de água e veremos que em qualquer ponto da experi éncia teremos um sentido de cursos alternativos de ac ção para n ós dispon íveis. Se algu ém tentar expressar em palavras a diferen ça entre a experi ência de percepcionar e a experi ência de agir é que, na percep ção, se tem esta sensa ção: «Isto est á a acontecer-me» , e, na ac ção, a sensa ção é a seguinte: «Fa ço isto acontecer.» Mas a sensa ção- de que «fa ço isto acontecer» traz consigo a sensa ção de que «poderia. fazer alguma coisa mais». No comportamento normal, cada coisa que fazemos suscita a convic ção válida ou inv álida de que poderiamos fazer alguma coisa mais, aqui e agora, isto é, permanecendo id ênticas todas as outras condi ções. Eis, permito-me afirmar, a fonte da nossa inabal ável convic ção na nossa vontade livre. É talvez importante salientar que estou a discutir a ac ção humana normal. Se algu ém está a braços com uma grande paix ão, se algu ém se encontra numa c ólera imensa, por exemplo, perde esse sentido da liberdade e pode mesmo surpreender-se ao descobrir o que est á a fazer. Desde que atentemos nesta caracteristica da experi ência do agir, muitos dos fenômenos intrigantes que antes mencionei facilmente se explicam. Por que é que, por exemplo, o homem no caso da sugest ão pós-hipnótica n ão está a 116
a g* li ir vremente no sentido em que n ós somos livres, mesmo que ele possa pensar que está a agir livremente? A raz ão é que, num sentido importante, ele n ão sabe o que est á a fazer. A sua efectiva inten ção na ac ção é totalmente inconsciente. As opções que ele v ê dispon íveis para si s ão irrelevantes para a motiva ção efectiva da sua ac ção. Note-se tamb ém que os exemplos compatibilistas do comportamento «forçado» implicam ainda, em muitos casos, a experi ência da liberdade. Se algu ém me diz para fazer algo apontando-me uma arma, mesmo em tal caso eu tenho uma experi ência ( ‘lue tem o sentido dos cursos alternativos da ac ção nela incrustados. Se, por exemplo, recebo ordens para atravessar a rua com a arma a mim apontada, parte ainda da experi ência é que eu sinto que literalmente me é facultado em qualquer passo fazer alguma coisa mais. Assim, a experi ência da liberdade é uma componente essencial de qualquer caso do agir com uma inten ção. Assim, a experi ência da liberdade é uma componente essencial de qualquer caso do agir com uma inten ção. Mais uma vez, podemos ver isto se contrastarmos o caso normal da ac ção com os casos da Penfleid, onde a estiinula ção do c órtex motor produz um movimento involunt ário, do bra ço ou da perna. Em tal caso, o paciente experimenta o movimento passivamente, como experimentar íamos um som ou uma sensa ção de dor. Diversamente das ac ções intencionais, aqui n ão há opções inseridas na experi ência. Para vermos com clareza este ponto, tentemos imaginar que uma parte da nossa vida se assemelhava às experi ências de Penfield em grande escala. Em vez de caminharmos pela sala, sentir íamos simplesmente que o nosso corpo se move atrav és da sala; em vez de falarmos, simplesmente ouvir íamos e sentir íamos que saiem da nossa boca. Imaginemos que as nossas experi ências s ão as de uma boneca puramente passiva, mas consciente, teremos imaginado a remo ção da experi ência da liberdade. Mas, no caso t ípico da ac ção intencional, n ão existe modo 117
algum de erradicarmos a experi ência da liberdade. Ela é uma parte essencial da experi ência do agir. Isto explica tamb ém, creio eu, Porque é que não podemos abandonar a nossa convic ção de liberdade. Achamos f ácil abandonar a convic ção de que a Terra é chata, logo que compreendemos a prova para a teoria helioc êntrica do sistema solar. De modo semelhante, quando olhamos para o p ôr do Sol, apesar das aparências, n ão nos sentimos compelidos a crer que o Sol est á a pôr-se por detrás da Terra. Cremos que a apar ência do p ôr do Sol é simplesmente uma ilus ão criada pela rota ção da Terra. Em cada caso, é possível abandonar uma convic çã o de sentido comum, porque a hip ótese que a substitui explica as experi ências que levaram a essa convic ção em primeiro lugar e explica igualmente um vasto conjunto de outros factos que a concep ção de senso comum é incapaz de explanar. Eis porque deix ámos de lado a cren ça numa terra chata e o «p ôr do Sol» literal em favor da concep ção copernicana do sistema solar. Mas n ão podemos de modo semelhante abandonar a convic ção de liberdade, porque esta convic ção está inscrida em toda a ac ção intencional normal e consciente. E usamos esta convic ção para identificarmos e explicarmos as ac ções. Esse sentido de liberdade não é apenas uma caracter ística de delibera ção, mas é parte de qualquer ac ção, Seja premeditada ou espont ânea. 0 ponto nuclear nada tem essencialmente a ver com a delibera ção. A delibera ção é apenas um caso especial. Não navegamos na Terra com base na suposi ção numa terra chata, mesmo se a Terra parece chata, mas agimos no S ressuposto da liberdade. Efectivamente, n ão podemos agir e outra maneira sen ão com base na suposi ção da liberdade, pouco importando o que aprendemos acerca do modo como o Mundo funciona enquanto sistema f ísico determinado. Podemos agora tirar as conclus ões que est ão implícitas nesta discuss ão. Primeiro se a preocupa ção a prop ósito do determin ísmo é uma preocupa ção por que todo o nosso 118
comportamento é de facto psicologicamente compulsivo, ent ão, parece que tal preocupa ção é injustific ável. Na medida em que o determimismo psicol ógico é uma hipótese empirica como qualquer outra, ent ão as provas,jue presentemente temos dispon íveis, sugere que ela é . a. Assim, isto fornece-nos uma forma modificada de compatibilismo. Fornece-nos a convic ção de que o libertarismo psicol ógico é compat ível com o determinismo f ísico. Em segundo lugar, fornece-nos mesmo um sentido do «poderia ter» em que o comportamento das pessoas, embora determinado, é tal que nesse sentido elas poderiam ter agido de outra maneira: o sentido é simplesmente que, tanto quanto aos factores ps ícológícos diz respeito, elas poderiam ter agido de outra maneira. As no ções de capacidade, do que somos capazes de fazer e do que poder íamos ter feito, s ão muitas vezes relativas a algum conjunto semelhante de critérios. Por exemplo, eu poderia ter votado em Carter nas elei ções americanas em 198o, mesmo se o n ão fiz; mas n ão poderia ter votado em George WashinN ton. Ele n ão foi um candidato. Assim, h á um sentido 0 «poderia ter», em que h á para mim dispon ível um conjunto de escolhas e nesse sentido j á muitas coisas que eu poderia ter feito, permanecendo iguais todas as outras coisas que eu n ão fiz. De modo semelhante, porque os factores psicol ógicos que operam em mim nem sempre ou mesmo em geral, n ão me impelem a comportar-me de uma maneira particular, muitas vezes eu, falando em termos psicol ógicos poderia ter feito algo de diferente daquilo que efectivamente fiz. Mas, em terceiro lugar, esta forma de compatibilismo ainda n ão nos fornece nada que se assemelhe à resolu ção do conflito entre liberdade e determinismo, que o nosso nnpulso para o libertarismo radical efectivamente aceitarmos a concep ção de pernas para o exige. ar da e3@pV: çZtOfísica, e é uma concep çã o em que se baseiam os trezentos anos passados da ci éncia, ent ão os factos acerca de n ós, como quaisquer outros factos de m íveis, superiores, 119
são inteiramente e causalmente explic áveis em termos de e inteiramente realiz áveis em sistemas de elementos ao n ível, microf ísico fundamental. A nossa concep ção da realidade f ísica não oferece espa ço à liberdade radical. Em quarto e último lugar, por raz ões que efectivamente n ão compreendo, a evolu ção deu-nos uma forma de experi ência da ac ção volunt ária onde a experi ência da liberdade, isto é, a experi ência do sentido de possibilidades alternativas, está inserida na genuia estrutura do comportamento humano consciente, volunt ário e intencional. Por essa raz ão, creio, nem esta discuss ão nem qualquer outra algunia vez nos convencer á de que o nosso comportamento n ão é livre. 0 meu objectivo neste livro foi tentar caracterizar as rela ções entre a concep ção que temos de n ós mesmos como agentes racionais, livres, conscientes, atentos, e uma concep ção que temos do Mundo como consistindo de part ículas f ísicas sem mente, sem significado. É tentador pensar que, assim conio descobrimos que largas por ções do sentido comum não representam adequadamente o modo como o Mundo realmente funciona, assim poder íamos descobrir que a concep ção de n ós mesmos e do nosso comportamento é inteiramente falsa. Mas h á limites para esta possibilidade. A distin ção entre realidade e apar ência não pode aplicar-se à genuí na exist ência da consci ência, pois, se aparentemente sou consciente, sou consdente. Poderemos descobrir toda a espécie de coisas surpreendentes acerca de n ós mesmos e do nosso comportamento; mas n ão podemos descobrir que n ão temos mentes, que elas n ão contém estados mentais conscientes, subjectivos, intencional ísticos; nem poder íamos descobrir que n ão tentamos, pelo menos, empenharmo-nos em ac ções volunt árias, livres e intencionais. 0 problema que a mim mesmo pus n ão foi provar a exist ência dessas coisas, mas exan-iinar o seu estatuto e as suas implica ções para as nossas concep ções do resto da natureza. 0 meu tenia geral foi que, com certas 120
excep ções importantes, a concep ção mental ística de sentido comum de n ós mesmos é perfeitamente consistente com a nossa concep ção da natureza enquanto sistema f ísico. 121
SUGEST õES PAPLA LEITUPLA BLOCK, NED (ed.), Readings in Philosophy and Psychology, vols. i C 2, Cambridge: Harvard University Press, 1981. DAVIDSON, DONALD, Essap on Actions and Events, Oxford: Oxford University Press, 198o. DREYFUS, HuBERTL L., What Computers Can't Do: The Limits of Artificial Intelligence, Nova Iorque: Harper & Row, 1979 (revista). FODOR, JERity, Representations: Ph ílosophical Essap on the Foundations of Cognitive Science, Cambridge: MIT Press, 1983. HAuGELAND, JOHN (ed.), Mind Design, Cambridg'e: MIT Press, 198 1. KUFFLER, STEMEN W. & NiCHOLAS, JOHN G., From Neuron to Brain: A Cellular Approach to the Function of the Nervous System, Sunderland, Mass.: Sinaurer Associates, 1976. MORGENBESSER, SYDNEY &WALSH, JAMES (eds.), Free W ílI, Englewood Cliffs: Prentice-HaII, Inc., 1962. NAGEL, TiiOMAS, Mortal Questions, Cambridge: Cambridge University Press, 1979. NORMAN, DONALD A. (ed.), Perspectives on Cognitive Science, Norwood: Albex Publishing Corp, 1981. PENFIELD, WILDER, The Mystery of the Mind, Princeton: Princetom University Press, 1975. RosENZWEIG, MARK & LEIMAN, ARNOLD, Physiological Psychology, Lexington, Mass.: D. C. Heath & Co., 1982. 123
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INDICE Introdu ção
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1 - o Problema da Mente-Corpo 17
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11 - Podem os Computadores Pensar? 35 III - A Ci ência Cognitiva 53
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IV - A Estrutura da Ac ção 71
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VI -A Liberdade da Vontade ios
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V - Perspectivas para as Ci ências Sociais 87
Suge~ para Leitura
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