7
I,'
r
f,"
f~,
~
EOl1§C Editora da Unlvartldada do Sagrado Coração
Mary Louise Pratt
f:.' . r' ~\
~"
~ (\~ I.~l ~..'~.:
\IU\C l'
I
1 (." \ \,o--
t~ ~
ff
Os olhos do
•
,
lmpe,rlC~
relatos de viagem ...., e transculturaçao
r:
COO1'detlação Editorial
/;
Irmã ]acinta TUi'Olo Garcia
I:
i'
Assessoria Administrativa
I, I
Irmã Teresa Ana SofiJ tti
i
Assessoria Comercial
I:
Irmã Áurea de Almeida Nascimento
!
,,
I:
i
I
j, .
Coordenação tia Coleção Ciências ,,'iociais
Luiz Eugênio Véscio
~i" I,~ I
Tradução
!
J~zio
Hernani Bonfim Gutierre
"
!
I~ (
Revisão técnica
i
Maria Helena Machado
Carlos Valero
.di.
c:tencJaS SOCIaIs
li
li
o
(I
•
;
_..c.ªI21tuJQ.2_ .. ,.
.
~_~"'''~' ,--1.~--""~
..,,
. . . conSClenCla
! "
, :1
-"1'-'--.....---,.
,1~!~!lC~~, "
planetária, interiores (Elepo~k)~~mpreen(1er uma viagem pelo mundo em li\'ro~, , se f;.r,zer mestre da geografia do universo pelr)s mapas, albs l' , , mensura~Qes de nossoS matemáticos, Pode viajar por terra com nossos historiadores, pelo mar com os Pode circu navegar o com Dampier e Rogers, e, ao fazer isso. nül vezes mais do que rodos os m"rinheiros iktrados. (f1!1I1/ellli/ll
'(Daniel Defoe, 11Je Comp/eat
(1750)
A paesiH mio está mais em moda, Todos passaram a hrincar dc' scr geômetra ou físico, Sentimento, imagifw~'~lO c ;\s gra,:;ls banidos .. , A líteratura est{1 nf'rf'cendo ante nossos ",cínrios olhll" (Volta ire , C\na a Cicleville. 1(, de abl'iI de 17.~'i
A
européia desta história começa no ano cu ropeu 1735, Ao menos este é o ponto em que a narrati· va começará a história leva outros vinte ou trinta para realmente deslanchar. No ano de <;lCorrem dois e eventos de certa forma Um foi a publicaçào do S)JstemCl Natll me (() Sis/ema do No·
I
Ar! IlIlclprel:l!ioll, nl26 ,,\
l':m()I1, l(j(Íq
ferênd" " li
'{JI'rf'SI>OII{!('II(;e
de Volt"jr<\
\'01.
rv,
41
i,:,
.
,.
'
ciência e sentimento, 1750-1800
tureza), de Carl Linné, no qual o naturalista francês estabe
lece um sistema classifica tório que :visa categorizar todas as formas vegetais do planeta, fossem conhecidas ou des conhecidas dos europeus, O outro foi a inauguração da pri meira expedição científica internaçional da Europa, um es forço conjunto visando determinar de uma vez por todas a forma exata da Terra, Como pretendo argumentar, estes eventos, e sua coincidência, sugerem a importante magnitu de das mudanças no entendiment9 que as elites européias tinham de si mesmas e de suas· ~elações com o resto do mundo. Este capítulo se volta para emergência de uma nova versão do que gosto de chamar "consciêncÍ
ª
~."--
_ -1
42 -
ciência, consciência planetária, interiores
haviam permanecido assim por mais de dois séculos, A oh
sessão:da corte espanhola de proteger suas colônias (k toela
influência e espionagem estrangeiras era legenebria. Após
perder10 controle do tráfico de escravos para a Grã-Breta
nha em 1713, a Espanha havia se tornado mais temeros~\
que nunca em relação às incursões em seus
econômicos e culturais. Quanto mais se torn:\
varri os
colônias, mais receosos ficava;11 os espanl,óís. "A
dos espanhóis", escreveu o cors8rio britflnico
gunda década do século "consiste procurar;: por todos os meios e form~IS as vastas .riquezas daqueles extensos domínios mãos.'" O conhecimento dessas riquc!.
f)hsemalioI/S())llbeColIIllr!.u/l ••• 1.II (/lId Ia//IS DIlI'ÍII,íi his CC/piioilV in ,/ohn l'inkerton ("li,·, '. ·(})·(I,~<'\ (/11/1
in ali Paris World, London, Longman el alll, \01. i-\, I MI.". p. M. Frézier ;1 Voyage lO Ibe ""ou/h Sea cmd (iIO!l,l anel Penl in Years 1712. /7/3 e 1711, lradu!.ido do .,:\,;1 glês c editado por London, Lonah Bowyer. l717, l"l'Lki,
(\ 111
,\:l
(ô
,. ciência e sentimento, 1750-1800
-'----_.--------
4
Ovalle. No que se refere ao interior da América hispânica, mesmo relatos antigos eram mais confiáveis que conjecturas ccntemporâneas , ccmo a descrição que faz Betagh de UO! terremoto no in~er!or que "levantou áreas inteiras e as arras tou para milhas dali. "5 No caso da expedição La Condamine, a coroa espaI _ nhola pôs de lado o seu famoso protecionismo. Avido por alicerçar o seu prestígio e mitigar a "lenda a respei to da crueldade espanhola, V aproveitou a oportuni, dade para agir como um ilustrado monarca continental. expedição Condíçôes estabelecendo os limites acordadas e dois espanhóis, Antonio de Ulloa e ge Juan, agregados para assegurar que a pesquisa não desse lugar à espionagem - o que prontamente aconteI ceu. Da mesma forma, praticamente tudo o mais erra do. A expedição La Condamine foi 1..Im empreendimento tão árduo que mais de sessenta anos Sy passariam antes que qualquer coisa semelhante fosse outra vez tentada. 6 Rivali dades dentro do contingente francês rapidamente cindiram 0.5 vínculos de colaboração. A cooperação internacional deu lugar a interminável disputa com autoridades coloniais sobre o que poderia ou não ser visto, medido, desenhado ou quais amostras poderiam ser recolhidas. A certa altura, toda a expedição foi mantida em Quito por oito meses, acu sada de planejar o saque dos tesouros incas. Os estrangei men ros, com seus estranhos instrumentos, suas surações - da gravidade, da velocidade do som, alturas e distâncias, cursos de rios, altitudes, pressões barom~tricas, eclipses, refmçôes, trajetórias das estrelas eram objeto de contínua &uspeita. Em 1739, o médico do grupo foi assassi
--I 'I ~
,1
1
1
4, Alonso de Ovalle - An Htsloricaf Relútion (~/ lhe Kingdom of Chile em Pinkerton, op, cito vol, 14, pp, 30-210, 5. Beragh, op. cit" p.S. 6, Mínha analise nesse ponto faz uso d()~ trabalhos de Victor Von Hagen - South Amerlca Calted Them, New York, Knorf, 191'1; lfélêne - Introdução a Voyage sur L íimazone de La Condamine, Paris, Maspero, 1981, pp.5-27: Edward J. Goodman - Tbe fJxp/orers of South Amerim, New York, Macmillan, 1972,
cíênciu, conscifncia planetária, interiores
,,,_.,
nado após ter se envolvido numa entre duas rosas f;unílias em Cuenca; no Equador; LI COl1daminc p' lI' pouco escapou do mesmo destino, Uma batalha iudicial f()i travada por r'nais de um ano sobre se a de poderia ser afixada sobre as pirâmides triangulares eh expc dição fleur de lys perdeu), A é'xploração do interior eS(;J va provando ser um pesadelo político aineb ma ior cio a sua precedente marítimn, Os pesadelos logísticos da cio interit lI' eram tambçm novos, e a expedição La ConclamÍne n:lO foi poupada de nenhum deles, Os rigores do clima allclino e J viagem por terra provocaram enfermidades continuadas, •. I danificados, Derda de eSDécimes, cJck'mos de anotações n;lOJhados, frus o grupo francês se desintegrou clbendo a cada um encontrar sua própria maneira de voltar para C;IS~l I, ' ou, então, permanecer abandonado na América cio Sul. A.in da qUe 'a expedição sul-americana tivesse tido inído UI1l ~ln() antek del sua contrapartida enviada para o Artiol, . damente uma década transcorreu antes que os
bre~iventes começassem sua tortuosa volta pnra a
Há muito, a questão do formato da Terra bavLl siclo decidi,
da (Newton ganhou).
Além de informação sobre outros assunto.", () grup() sul-americano trouxe para casa desconfon:i veis sohr,' a política e o (anti-) heroísmo da ciência. O l11atcm:lti(;,) Pil'l re Bouguer retornou primeiro e ficou com ;1 glória ele rcl~ll;lr o ocorrido à Academia Franrpça de Cíencí~l", La CondamÍlll: em 1744, via e foi aclam:ldo pur sua inC' dita jOiI1ada amazônica. Por meio de uma Glmp:l nha contra Bouguer, La Condamine conseguiu se firmar por toda a Europa como o príncipal da expcdíç:\u, En .. quanto isso, Louis Godín, o lideI' nominal c:a expedicão, es tava lentamente percorrendo o caminho de volta, a Espanha, em 1751, foi-lhe devido a continuou n Hll suas pcsqu O naturalista Joseph de foi m:ll1d:lc!O t'mhl .'ias na Nova at~1771, >'
j (
'~
":1
f'.--·
'''-,-_~_
,\;-,
ciência e sentimento, 1750-1800
de Quito, completamente louco. O jovem técnico Godin des Odonnais alcançou Caiena, onde esperou dezoito anos por sua esposa peruana (voltaremps à trdjetória desta mulher ma:.s adiante), retomando finalmente para a França em Dos outros, nada mais se ouviu. A cooperação da Espanha com a expedição La Conda mine constitui evidência flagrante do ipoder da ciência para elevar os europeus acima de suas mais intensas rivalidades nacionais. O próprio La Condamine celebrou este impulso continental no prefácio a seu relato da viagem, no qual con gratulou Luís :XV por apoi?r a Coop~râÇão científica entre as nações consorciadas, mesmo quando, simultaneamente, em guerra contra elas: "Enquanto os exércitos de Sua Majestade moviam-se de um confim a outro da Europa," afirmOl~ La Condamine, "seus matemáticos, disp~rsos por toda a Terra, trabalhavam em Zonas Tórridas e Frígi'jlas, para o av
, ~j
:i
.
~~~e de la Condamine - A Succint Abridgi!ment a made withín the Inland Parts of Suuth-America, Lonclon, E. ()f
1748, p.iv. Esta é a primeira tradução em Inglês de seu Relatiun abrégié d'un voyage fait dans l'íntérieur de l'A mérique meridionale (1745) (ecl bras.: Ralato abreviado de uma viagem pelo interior da América meridio nal, São Paulo, Cultura, 1944J.
cíêncía" consciência planetária, interiores a compeuçao el~tre as naçoeq cOntinuou a ser () !1l()lor (1:1 c\ -
'
,.1.
~
.
pansao europela no extenor. Num aspecto, a expedição La Concbmine t'oi unI su cesso verdadeiro: elhquanto relato. As hist(írí"s L' texlOS ela provOcou, circularam por toda a Europ~1 pm em circuitos escritoS e orais. De fato, o corpo de textos sultante daexpecliçào La Condamine sugere hcm () alc:lllr,"l' e a vadedade dos relatos de viagem produzidos el11 mea(b~
do sécülo ),.'VIII, relatos que, por sua vez, trouxcr:l111 outr:lS
partes Ido mundo para as imaginações cios euro~)I:us. [11ll
breve inventário dos relatos da expedi~'ào 1.<1 Condanlím'
pode ajudar' a sugerir o que significa falar sohre relatos'e zonas de contato neste momento da llistcíria, O matemático13ouguer, o primeiro a retornar, escreV('u seu relatório para a Academia Francesa de CiC:nchl,s em ]7-H, num,) Narrativa Ab,'eviada de urna Viagenl (I() PCI'/I, Dl' cio, a ~oz do cientista predomina neste retllo. e;ill"LllLlrandn· se o discurso em torno das VlI.}.!;LI...'-R' etc. Entretanto, quando sua viagem se volt:l r1:lr:1 i) interior, a narrativa científica de Bouguer se c urna história de sofrimentos e privaçôes qUl' !lll:S11l0 leitura se torna comovente. No ponto em que a aéarllpa no topo da gelada cordilheira elos Ande."i, IXlssagl'I1,' sobre frieiras hemorrágicas e escravos ameríndios ll1on'(:mlt 1 peb do frio se confundem com cas sobre a cio calor do corpo. Sobre as minas, Bou guer relaw apenas boatos, observando que '.i] natureza do país" torna difícil que outras detas sejmn encon tradas, e também que "os índios são sábios I) bastl!1te par:l não serem muito pre3tativos neste tipo de "caso fossem bem-sucedidos, estariam a quase insuportüvel exploração de seu do porção ínfima dos rendimentos." " Bouguer t:unl)em pro duziu um livro técnico sobre a expedicão
re
la terre.
i
1
I
Pierre Bouguer - Ali
I'inkerton, ojJ. Cil., vol! ,i,
c!la \,"(:}YI/!{' lu
!~('J'U
(I
1.'111
::1
:\
!
n'
e sentimento, 1750-1800
ciência, consciência planetária, interiores
---_.~
FigA. A expedição La Condamine fazendq mensurações. Extraído de
Mesure des !rois premiers degres du Méridie'n dans I'Hémispbere Austral
(Mensuraçào dos Primeiros Três Graus do Meridiano no liemiftério
Austral), de Charles de la Condamine, Paris, lmprimerie Roya!. 1751.
La Condamine também pl.lblicOll seu relatório para a
Academia Francesa, sob o título Breve Narrativa das Viagens
através do Interior na América C;o Sul (745), o qual foi mui
to lido e amplamente traduzido. Talvez porque Bourguer já
tivesse falado d2 palte andlna da missão, o relato de La Con
damine se volta principalmeme para sua extraordinária via
gem de volta, descendo o Amazonas e suas tentativas de re-.
gistrar seu curso e afluentes. O texto é escrito essencialmen te não como um relatório científico, mas no gênero popular da literatura de sobrevivência. Ao lado das navegações, os doIs grandes temas da literatura da sobrevivência são os so frimentos e perigos, de um lado, e as maravilhas exóticas e as curiosidades, de outro. Na narrativa de La Condamine, o drama das expedições do século XVI na região Olellana, Raleigh, Aguirre - é recapitulado com todas as suas associa ções míticas. Ao adentrar na selva, La Condamine se encon.. tra "nu.:n novo mundo, longe de tedo comércio humano, so bre um mar de água fresca ... Lá me encontrei com novas
plantas" novos animais e novos homens."') Ele ~'T"~"""
como· já haviam feito todos os seus precursores, sobre a ]0 calização 'do El Dorado e a existência das amazonas, as
,I .:. quais, ainda que bem possam ter existido, muito provavel rnente':tenh,am hoje em dia abandonado seus costu mes mevos."lO A selva permanece sendo um mundo de fascina ção'e perigq.1l certan'lente' Âinda'q\Je a Breve Narrativa de 1745 mais conhetida das obras de La Conda:rliI1t', ele tamhém P(, blicol! copios:Jmente em outrns gêneros, todo." l'lcs basl'~ld( viagens americanas. Sua "Cal1a ' ,1
em Cúcnca" surgiu em 17tí6, seguida por um:l flisl(i
ria do,." Pirâmides dé Quito (1751) e por um rt'l:ltórlo a
d~l! Mer.s/traçâo dos Primeiros Três Grel/Is do J[(,l'idüIIlO
, Pe'I' . o resto die sua vida, ele se empenhou na e em pblêmkas sobre um leque de temas científico::: relacio nados ã América, incluindo os efeitos do (amplamente utilizada por missiomírino; eSIX\' nhóis),a existência das Amazonas, a geografia cio Orenoco (' do RíoNegro. Ele esCreveu sobre a borracha. que arrcsentoll aos cientistas europeus, o curare e seus antídotos e a neles,· siclade d~ pflclrôes europeus comuns de mcnsuraçüo. Os cs ctitos científicos especializados de La Cone!:lmine d:lO a ml' (lida de quanto a ciência veio articular os contatos curolx'lI.~ com a fronteira imperial e cio quanto foi articulada por t'le.~. Foram os dois espar,hóis JlI~1Jl l' .llloa elaboraram o único relato extensivo da por Ulloa, a pedido do rei de lica do Sul veio a público na Espanha em 1747. v sua tLI feita por John Adams, mereceu cinco cdi~ <: Ullqa .1, nem cié!lei:l. 1ll'11I litcr:ltu está escrito num estil() que gosto (Iv de cívica". Virtualmente iSl'nto de La Condal'linc, ofJ,
Cil,
p.24.
Ir). IbícL, p.51.
11. Evident<:lllente, ainda C;, A nwís recente re-l'11cc·I1;IÇ·", tI:! I'r<
amazom:s é 1?1I1111Í1/,f, lhe ..1//!C/ZOII, ele
1<:II1l'. 't'\\·
Ymk,
l{:111l'.
House, J 989
,~!I
o
ciência e sentimento, 1750-1800
quer rodeio de entretenimento, o livro é um enorme com pêndio de informações acerca de muitos da geo grafia colonial espanhoía e da vida nas espanholas ' -.....'...'-LV, é claro, minas, mações estratégicas. É um trabalho "estatístico", no sentido original do termo, isto é, "uma investigação sobre o estado de um país" (Oxford English Dictionary). Adams louvou o tratado por sua confiabiHdade emj ,contraste com os "pom posos narradores de curiosidades maravilhosas,"12 uma alu são à literacura de sobrevivência e~gerd, e provavelmente a ta Condamine, em particular. ]uan e Ulloa também endereçaram a seu rei um se gundo volume, clandestino, intitul;:tdo Noticias secretas de América (Nntícias secretas da Am<1rica), que dissertava criti camente sobre vários aspectos da colonial espanho llmuito la e, como um cOmentarista obselvou, que não foi dito nos trabalhos dos Não foi senào nos primeiros anos, <;lo Império Espanhol entrou em seu obra caiu :las mãos dos ingleses e Junto ao catálogo de textos da La Conda mine que foram publicados, existe, I um rol de escritos que não :J foram Est~ inclui, por exempto, o trabalho de ]osepb de ]ussieu, () naturalista que permaneceu na América do Sul e continuou a exercer sua profissão por outros vinte anos. Quando ele afinal enlouqueceu e teve de ser reembarcado de Quito para a França, os que o enviaram, ao que parece, perderam de vista o baú que continha o tra de toda a sua vida de Apenas um estudo, sobre os efeitos do quinino, veio a ser publicado - sob o nome de La Condamine! O restante dia em Quito. A mais apab:onante e duradoura história que adveio da expedição La Condamine foi um relato oral
john~~~l~S
-1,2. Prefácio a VOy(lge ton, op. cit., vo~. 14, p.313. 13. Von H~\g"n - op. cit., p.300.
f', "--~- -,,--_.
lo
Sowh
AII/('ric(1
ciência, consciência planetária, interiores
apenas parcialmente. É lima história de sobrevivência herói não é um homem de ciêncb eurupcu, IJUS Llllla IlIU lher euro-americana, IsabeIa Godin des Odor.ais, da aristo peruana, que se casou com um membro da expe(li com quem teve quatro filhos. () (;Sr~i' Tia men t () do grupocientífíco, seu G1arido rumou para Caiena. onde passou dezoito anos tentando obter gem para a França para si mesmo e sua família. Após a tLÍ mor~e de seu quarto e último filho, Mme. Godin, ago ra já c9m maIs de quarenta anos, tomou uma ousada deci são. Acompanhada por um grupo que incluía seus irm;los, sobrinho e numerosos criados, partiu para se juntar a seu esposo atravessando os Andes e descendo o Amazonas pela mesma rota que fez de La Condamine um herói. O de sastre se. seguiu. Consta que, amedrontados pela varíoLi. seus guias indígenas desertaram, e todos, incluindo seus il' sobrinho e criados, morreram após definharem por dias na selva. Mme. Godin, em delírio, gr:lclu~d mente voltou sozinha até o rio, onde foi resgatada por ill erm canoas que a levaram até o Com il COSI profuJ1cbnCIlll' emocionante, suas complexidades irresistíveis, elmo pare cem freqüentemente ser sempre que prot:lgoni:;tas femini coloniaL A históri:l nas aparecem na prosa sobre
a isto. O amor, a e :l :;C'l\";l tral1SfOflll
(747), em l'inker 1'L Luí~ Goclin eles Odollnb Carla M. la anexada li Ahrh(r;ed Nmnllil'i? em Pinkerlon,
C()Il,Llll1íllL',
,
u/l. cil.
51.
1)
e sentimento, 1750-1800
ciência., consciência planetária, interiores --,.,:,,-, ..~-----~.~ .
mulher guêrreira que os europeus .haviam criado para sim bolizar para si mesmos a Amériql. Ao mesmo tempo, sua saga a destrói enquanto objeto sexual: Mme, Godin emerge Como uma versão real da arruinada princesa Cunégonde, do Cândido. Inversões simbólicas abundam na história, O co mércio de ouro, por exemplo, tem sua direção revertida, A certa altura, Mme, Godin oferece duas de suas correntes de ouro para os índios que salvaram a sua vida na selva, inver tendo o paradigma da conquista, Para sua fúria, os presen res foram imediatamente tomados pelo padre residente e substituídos pela quintessência da mercadoria colonial: teci dos, Por tais deliciosas ironias, não admira que a amazona de Mme. Godin tenha feito carreira e circulado por toda a Europa por mais de cinqüenta anos, A carta de vinte nas seu marido representa um traço modesto de uma exü,tência vital dentro da cultura oral.
~.; ~ ..Jwn"t-IAf''f''t,,,,,u rn·,p',·~J..:""Ii<'T~)"} u"'''''':..r·.....,."... ,k.' .
-ütapete além da orla Textos orais, textos escritos, text~s perdidos, textos se cretos, apropriJ.dos, abreviados, traduzidos, coligidos e giadosj cartas, relatórics, histórias de sobrevivência, descri ção cívica, narrativa de navegação, monstros e maravilhas, tratados medicinais, polêmicas acadêmicas, velhos mitos reencenados e invertidos - o "corpus" La Cond~~mine ilustra o múltiplo perfil dos relatos de viagem nas fronteiras de ex pansão da Europa em meados do século XVIII, A expedição mesma é de interesse neste contexto C0l110 uma instância precursora e notoriamente malsucedida daquilo que logo se tornaria um dos mais ostentados e conspícuos instrumentos europeus de expansão, a expedição científica internacional. Na segunda metade do século XVIII, a expedição científica torn'lr-se-ia um catalisador das energias e recursos de intrin cadas alianças das elites comerciais e intelectuais por toda a Europa, Igualmente relevante é que a exploração científíca haveria de se tornar um foco de inte-nso interesse oúblico, e
---~._ .. ~~.
Fig.5. fenômenos naturais da América elo Sul, tais COlllO vi,;[os peb l':\La Condamine. Embaixo, 11 () nJilr',o de neve e em o canto haí:-:(J. :1 dirciu, 1"l'[lW.'C'I··1.1 o "renomeno do arco da "obre \·I1l'(l.'I:I~ d:ts 11l' )111.1 nhas;' acima, 2t direit;l, ilUotra'se o "fenômeno do IIICO-ir!'. Iriplo. á'I(' primeira vez em Pambamarca e :JosteriOrJ11l'llll' CllI \·'·lli", montanhas," EXlr:lído /(e/acióll bi'i/e)l'ica de/rio/i' fi lo .llIlcn«(I ridíonat, deJorge Juan e Amonio de U!lo
fonte de alguns dos mais poderosos aparal(),~ KI(:'()I()gll'(),~ l de idealização, por meio dos quais os cicladl'rus el1f'()pell~ relacionaram com outras paltes do mundo. Estes l' palticularmente os relatos de viagem, sào o lema 11 ser tra":l' lhado em Para os propósitos deste estudo, a expediç~o La COll damine também possui um significado pois foi dos primeiros exemplos uma nova tendênci~l !lO que e à documentação dos interiores conli refere à em contr,tste com o paradigma marítimo que' ocupado o centro do oalco por trezentos anos, No:; últimus
;-.)
:).)
:,
ciência e sentimento, 1750-1800
- - -...-._-,-----..., '"-"'"~-,-.
ciência,
consci~ncia
planeUíria, interiorps
",:,-_,_.
anos do século XVIII, a exploração do interior havia se transe formado no objeto principal das energias e imaginaçãp ex~ pan8ionisas. Esta mudança teve con~qüências significativas para os relatos de viagem, exigindo·c dando vazão a novas fonuas de conhecimento e autoconhecimento europeus, no vos modelos para os contatos eurom~\ls além-fronteiras e noc vas formas de codificação das ambições imperiais européias, Em o espi'lo francês Frézier c~n$iderava impossível a exploração interior do Peru dado Rl1e "os viajantes devem carregar até mesmo suas próprias qUlfas, a menos que açei tem deItar-se no f:hão, como os natiyos, sobre peles de ove·· lha, tendo o céu por teto,"15 Para o prefaciador inglês do re lato de Ulloa, trinta anos mais tarde, a exploração do interior é: um passo ~ ser forçosamente dado: I!Que idéia poderíamos ter de um tapete turco", pergunta, "se 'observarmos apenas as berras ou suaorla?"16 Ao redor de ;.1792, o viajante francês Saugnier viu isto como uma questão de justiça glolx;l: o inte rior, tanto quanto a costa da África, "merece a honra" da visi taçãc européia. 17 Em 1822, Alexànder Humboldt
"nâo haverá de ser pela navegação costeira que poderemos
descobrir a direção das cordilheiras e sua constituição geoló
gica, O clima de cada região e sua influência sobre as formas e hábitos dos seres organizados." Para seu tradutor inglês, a questão era de ordem estética: "Em geral, as expedições ma rítimas têm uma certa monotonia que vem da necessidade se falar continuamente da navegação numa linguagem técni ca A história das jornadas por terra em regiões distantes é muito mais apropriada para incitar (; interesse geral."'R Como portanto, a expedição La Condamine de uma era de viagens científicas e interior que, por seu turno, sugere mudan'00
15, Frézíer, np. cit., p.lO. 16 .....dams, 01'. cit., p.314. 17. Messrs. é Blisson - Vo.vages to the Coas! ofAfrica (1792). Negro U. P., 1969. é tradução em inglês do original francês de 1792 Re .lation de plusiers voyages à la côte d 'À./rlque. 18. Alexander von Humboldt Persortal Narratiue of Cf Voyage to lhe Equinoctíal Regiom, tradução para o inglês de Helen Maria Williams, London, Longman et alU, 1822, voI. I, p.vií:
na concepçüo CJue tem a Europa ele si Il1l'SIll:1 c (1(' .~\I:I.' :\ .globais. Não obstante seus calamitosos expediç1l,o aparece .como precursora. Enquanto relato. exerriplifica; <:onfigurações de relatos ele viagem que, 11:1 ,11edida em que formas burguesas de autoridade ganhavanl impuls~), seriam radicalmente reorganizados. (O seguinte examinm'áestas transformações nos cclatos de via gem na África Meridional.) Na segunda metade do século XVIII, muitos viajantes-escritores vãc se dissociar de tr:Jcli tais como a da literatura de sobrevivê nrí cívica OU narrativa de navegação, pois se novo projeto de construção de conhecimento da história segul1 A emergência de3te de do evento de ] que prometi discutir: a ças
Sistema da Natureza, de Lineu.
o sistema a expeOlçao La Condamine
<-,Sl;IV;1
cruzam'. )
o Atlan~lCO em nome da ciência, um naturalist:! succo de \'in te e oito anos levava ao prelo a sua primeir:l grande contri ao O l/aturalista se chamava Cad LinnG ou, l'Ill
Linnaeus, e o livro tinha por título ,~vslC'n1(/ !V{/Ilil'(/(! (() Sistema da Natureza). Encontrava-se aí uma criaç~lO cxtr,I()[,' -dinária que teria profundo e duradouro il11p:lCto 11:10
'1'
discuss~io
19, A de Lineu e d;\ bístória natural das seguintes fontes: Heins Goerke Ceci.) - Li,ll1a('iI'.
~
~
~
~
. ---.- --V~
:'ir)
. ciência e sentimento, 1750.180('
-----------------------
r'
I
I
te e seis) configurações básicas de estames, pistilos etc. fo ram identificadas e distribuídas de acordo com as letras alfabeto (veja:..se ilustração 6). Quatro parâmetros visuais adi cionais completavam a taxonomia: númeto, forma, posiçào e tam:mho relativo. Todas as plantas da Terra, argumentava dis Lineu, poderiam ser inseridas neste simples sistema tinções, incIuindo aquelas ainda desconhecidas pelos euro
peus. Tendo sua origem nos esforços c1assificatórios anterio
res de Roy, Tournefort e outros, a abordagem de Lineu tinha
uma simplicidade e elegância ausente em seus antecessores.
Combinar o ideal de um sistema c1assificatório de todas as
plantas Com uma sugestão concreta e prática, de como cons
truí-lo, constituía um tref.1endo avanço. Seu esquema
considerado, mesmo por seus críticos, como algo que .impu
nha ordem ao caos - tanto ao caos da natureza como ao da botânica anterior. "O fio de Ariadne em botânica', afirmou Lineu, "é a classificação, sem a qual só existe o caos. "lO Como veio a se verificar, o Sistema de 1735 foi ape nas um primeiro passo. Enquanto Condamine abria seu caminho pela América do Sul, Lineu aperfeiçoava seu siste ma, dando-lhe forma final em suas duas obras capitais, Phi lo:;ophia Botanica (1751) e Species Plantarum (753). É a estes trabalhos que a ciência européia deve a nomenclatura botânica padrão que atribui às plantas o nome de seu gêne ro, seguido por sua espécie e por qualquer outra diferença
de Denver Líndley, New York, Scribner's, 1973; Tore Frangsmyr (ed.) - Llnnaeus: The Man and bis Work, Berkeley, California U. P., 1983; Gun nar Broberg Ced.) - Línnaeus: Progress and Pmspects in Lirmaean Re searcb, Pitt:;burgh/Stockholm, 1980; Daniel Boorstin - The Disco1!erel's. New York, Random House, 1983 (ed. bras.: Os descobridores, Rio de ja neiro, Civi!izaç?io Brasileira, 19891; Henry Stee1e Coomager - The Empire ofReason, New York, Doubleday, 1977; pJ. Marshall e GJyndwr WilJiams Tbe Great Map q/Mankind, Cambridge, Harvard U. P., 1982; Edward DlJdJeye Maximilian É. Novak (eds.) - The Wild Man Witbín, Pittsburgh, P:ttsburgh li. P., 1972; Michel Foucault - The arder r!! Tbings, New York, Pantheon, 1970 Cedo bf"'
ciência, 'c'onséiêncía planetária, interiores ---~--.-,
essencial que as distinga de tipos adjacentes. Sistemas par:l Ielos foram também propostos para animai:; c minerais. O sistema lineano sintetizou as aspir;\(,:ões contint'll tais e transnacionais da ciência européia discutidas anterim mente no contexto da expedição La Conclamine. Lineu, de liberadamente, restaurou o latim em sua cisamente, porque nào era língua nacion
. de de seu sistema por todo o continente. P;I
em oarticular pelos te continentais em amplitude e incençJo. r\bs s() () .';iS!<:I1LI de Lineu constituiu um empreendimeilto t'lIrOpl:lI con~· trução do saber numa escala e atrativo sem Suas páginas de listas em latim podem p;trecer L'st:ítiC1S l' abstratas, mas o que fizeram e foram concebidas pam fazé' foi colocar em movimento um projeto a ser realizauo n() mundo da forma mais concreta possível. Na medida elll que sua taxonomia se difundia por toda a Europa na segun da metade do século, seus "discípulos" Cpoi.' eles assim se denominavam) espalhavam-se às dúzias por todo o globo, por mar e terra, executando aquilo que Daniel Boorstin chamou de "estratégia messiânica" 21 Acordos com as companhias ultramarinas de comércio, especialmente Companhia Sueca da índia Oriental, franquelvam passa gens para os estudantes de Lineu, que começaram a Sê eles, locar por toda palte coletando plantas e insetos. n,pc1inl preservando, fazendo desenhos e tentando mente levar tudo isso intacto de volta para Glsa. i\ informa caso mortllS. ção era veiculada em livros; os eram inseridos em coleções de história n:ltural que se naram passatempos importantes para pessoas ele recursos em todo o continente; se vivos, eram em em cldadc.~ botânicos que também começaram a e propriedades particulares, ao longo ele tmb ;1 21. Boorst;n,
cil.,
p.
;)7
.'
ciência e sentimento, 1750-1800
consciência planetárta interiores
~-_._,....---_.
I i
t
Kalm, pupilo de Lineu, foi para a América do Norte, em
1747, Osbeck para a China, em 1750, Lofling para a Améri
ca do Sul, em 1761, enquanto Solander juntou-se à primei
ta viagem de Cook, em 1768, Sparrman à sua segunda, e;11
1772 (consulte~se capítulo 3 a seguir), e assim sucessiva
mente. As palavras do próprio Lineu para um colega em
J 771 expressam a a excItação e o caráter mundial
do empreendimento: Meu :: luno Sparrman acabou de zarpar para o Cabo da Boa Es perança, e outro de meus Thunberg, deve acompanhar
uma embaixada holandesa o Japão; ambos são competentes
naturalistas. O ainda está na Pérsia, e meu
Falck se encontra na Tartária. Mutis está fazendo esnlêndirl,,<
cobertas botânicas no México.
de novidades em Tranquebar. O jJlUlt:33UI
nhague, está publicando o registro das
Suriname por Rolander. As descobertas
l".1o logo m.andadas para o
É como se ele estivesse falando de embaixadores e
de um império. O que pretendo aflqnar é, evidentemente,
que, de uma forma muito significativa, ele efetivamente es
tava. Assim como a Cristandade havia inaugurado um tra
balho global de conversão religiosa que se verificava a cada
contato com outras sociedades, assim também a história na
tural iniciou um esforço de escala mundial que, entre ou
tras coisas, tornou as zonas de contato um local de traba
lho tanto intelectual quanto manual, e lá instalou a distin
ção entre estes dois. Ao mesmo tempo, o projeto de siste
matização de Lineu tinha uma dimensão marcadamente de
mocrática, popularizando a pesquisa científica de um modo
sem precedentes. "Uneu", como colocou um comentarista
contemporâneo, acima de tudo um homem para o não
profissional". Seu sonho era que, "com seu método
nasse possível, para qualquer um que o sistema, dispor qualquer planta de qualquer lugar do
mundo em sua classe e ordem corretas, se não em seu gê 22 Citado em ibid., p.444.
--_. ._._-----~
fosse
conJ1ecicla :Interiormente
pela e os relatos de viagem jamais seriam ( metade do século XVIll, fosse uma primariamente científica ou nào, fos:ic () viajante um cientista ou não, história I1
a
(J
como ou digressões formais Contudo, se firmou o projeto classifica tório e catalogação da própria natureza se LOrnaram podendo constituir uma seqüência ele evento" ou mesmo estruturar um enredo, Poderi:l!11 fOrJll~lr :1 base narrativa de todo um relato. Dl' um ângulo pai ticular, o que se conta é ;1 história dos europeus o prr) cesso de urbanização e industrializaçào, :'l proclIr:1 clt' reLI' não exploradoras com a natureza, mesmo que [:1 is cc estivessem sendo destruídas por l'Jcc: el11,l~US centros de poder. Como procurarei most!':II' [lO jlll)' ximo capítulo, o que também está em cl:t!)()J':lC10 l; ~1I11:1 23, Sten Límlrol], cil.)
"Linnal'u.\:11 his Europco:lI1 C'H1h',1 ,. ":11 I\n 'il"!',"; ,
f)~)
~-,
ciência e sentimento, 1750-1800
-'----------
ciência!_ consciência planetária, interiores ~_'~_"1_""'
_____ 'c"
---
11.
narrativq Ide "anticonquista", na qual o natur;dist:l natur;!I i Z? 4 p~ópria presença mundial e ;l autoricLlde do burgut's europeu", EsLL narrativa nan.lr'llista mantcri: ' um:! t'nOrll1l' força ideológica por todo () século XIX, te' , l'll1:111l'CC !11ui to presente hoje em clia, entre nós, O sistema lineano é apenas uma vertente' cios eSCJlle mas classific;ltórios totalizadores que se aglutinall1 em me:l cios do ,século}.'VIII na disciplina "história mturnl" A vers;lo definitiva do sistema de Lineu surgiu paraJcLtl11cnte a obras igualmente ambiciosas como a Hístoire No til /'clle c1e~ Buft'ol1, que começc)U a ser publicada ctn 1749, ou /'(/lI/;lle" de.;' plantes (1763), ele Aclansun, Mesmo que l'stcs :tlltorC,S tc' nhan1 proposto sistemas rivais, com diferen~',ls suhsl;mti\'as em' relação ao ele Lineu, os debates entre eles perl11:tIll' cerain baseados no projcto totalizante e cl:tssificlleírio qUl' c1istingtle 'este período, Tais esquemas constitul'm, C0!l10 oi 1 serva Gunnar Eriksson, "estratégias alternativas r"iLl :t re~tli zação um projeto comum a toda a história t"latural cio se', culo XVIII, a representação fidedigna do plano d~l própri;l naturez~,"2'1 Eil1 sua d8ssica análise do pensamento do sécu lo XVIII, The _Order (f 17Jings (970), Miclll'1 !'oucnilt eles, creve assim tal projeto: "Dada sua estrutur;l, ;1 gr;lndt' vari(' (!;ide de 'seres que ()l'UP,Il11 a superfície elc) glc)l)o pode' SC'I elistribuída tanto na seqüência de Ulml lingu:tgcl11 t1escriti\:1 quanto no campo de uma mathesis que POcle'I'ia :1 illC!:1 S(,I uma ciência geral da orelem,"'; Falando cl:t hist(lri:l n:ttur:11 C01110 algo que processa "uma descrição do \-isí\'l.J", :1 a n:i lise de Foucault salienta () caráter verb;t1 c1l',~i:l empl'"s:!. ,I
ii.
de
I,
qual, como afirma,
Fig,6, O sistema de Lineu para a identificação dao plantas por meio de! seus componentes de reprodução, Esta ilustração de Georg D, Eh ret surgiu pela primeira vez na ec!iç;io Leielen, ele 1736, elc ~ua SP'ê cies Plantarum,
1
j
~
j
J,
:j
I
:1
I:
'i
I-
i
~~--
, __~_6~_
lem comu cOllcliç(IO lil' sua possihilid;llk -,I -,Ifillltlacl,' d,l, ("i\,:' e da lingu:lgem com a representação: ',1:1, 1,1',1 c:\i,';lc- ell,!1l:111,' tarefa apl'n,'I.' n;1 i11ectilLI cm que as cois-I,'; ',' ,I.' p:d;I\T
l
:!.-1_ Gunnar I'rikss()!1, '-Tlic ilo(:lnical SUl'l''-'" (li' 1,illl"l('lI_S_ Tlll .\'1'('('1 "I' Ol'ganizatiol1 anci ]'ulllicit{' LllI 13r(lb~lg, UI), cll __ Jl (Ú 25, Foucau!t, ()p- cll, [1,1:/;
tii
"
çiência e sentimento, 1750-18QO ""~~,-_._~._-----~
..
~._~- '._-~-'
servaçôes, e, as coisas observadas, tào perto quanto possível das palavras. '6
Sendo um exercício não apenas de correJaçào, mas também de redução, a história na~ural 1\<;"Ul11/S" a área total do visível a um sistema .de variáveis valorl;S podem ser designados, se nào por uma quantidade, ao meno~; por. uma descrição perfeitamehte clara e sePlpre finita. É, portanto, possível estabelecer o sistema de identidadc~ e a ordem das diferenças existentes entre entidades naturais,"
Embor.a os historiadores naturais muitas vezes se con siderem engajados na descoberta de algo já exL'ltente (o pIa no da natureza, por exemplo), de um ponto de vista con temporâneo, seria antes questão de um "novo campo de vi são estar sendo constituído em toda a sua densidade. Se a história natural foi inquestfonavelmente constituí da dentro e por meio da linguagebrt', foi também um em da vida preendimento que se concretizou em vários material e social. A crescente capacidide tecnológica da Eu ropa foi desafiada pela demanda por. melhores meios de pre servação, transporte, exposição e documentação de C ...,'JCL,' mes; as especializações artísticas do desenho em botânica e zoologia se desenvolveram; tipógraf~ls foram levados a apri morar a reprodução relojoeiros eram procurados para inventar e provera manutenção de instrumentos; em pregos foram criados para cientistas em expedições coloniais e postos coloniais avançados; redes de patrocínio financia vam as viagens científicas e os escritos subseqüentes; socie dades amadoras e profissionais de todos os tipos prolifera vam local, nacional e internacionalmente; as coleções de his jardins tória natural adquiriram e valor botânicos tornaram-se espetáculos públicos de larga e () trabalho de supervisioná-los transfofl1íou-se no sonho do Jl..'lturalista. (Buffon veio a ser o mantenedor do jardim real.
-t-~6. Ibid., p.J32.
27. Ibid.,
28 Ihid., p.l32
_.~--~-
1
interiores
.. "
devotou sua vida JO SeU pr()[il"lCl Não .se encontrar mais vívido comprov:11 que o conhecimento existe nâo C(Jmo ('"Lítico fatos e isoladas, ma;, como :tl i\' icl:i de a verbais e EvidentemeJl:ite, a empresa em'ulvi:\ de suportes lingüísticos. Militas formas ele fala e leitura veicularam o conhecimento 11,\ ('Sret':l P\'J! llicl. l' criararne sustentaram seu valor. A autoridade da ciênci:l csLI va envolvida Imais diretamente nos textos clesnítivo:; como .os incontáveis botânicos em torno das várias nomenclaturas e taxonoJ11ias, Os rclall)" jornalísdcos e a narrativa de viélgem, contuclo, eram res essenciais entre a rede científica e o público europeu mah amplo, eram agentes centrais na legitima~';Io da :lLllUncb, Ide científica e de seu projeto global, ao lado de outl';!S forma,.; de ,ler o mundo e habitá-lo. Na segunda metade I viajantes-cientistas haverian: de desenvolver mas cle'discurso que se distinguiam incisi\',1i1 1 ntt' qdc LaConchlminé h:wia herdado n8 primeir; l1et:lclt, Meu argumento é que a um projeto europeu de novo tipo, uma n< )v:\ foI'! n:\ que se poderia chamar de consciência : I Por três os supOltes europeus c!e
Jci11l:! de
conhecirnento tinham construído o Estes termos deram
em termos da projetos totalizadores ou planetários. Um serí
53
ciência e sentimento, 1750-1800
ciência,: consciência planetária, irlteriores .. ___··__..· "'-
_W_~~"
rias de suas nações mantinham possessõeE:e colônias. "29 A cir cunavegação e a cartografia, então, já haviam ensejado aquilo que se poderia chamar de sujeito europeu mundial ou plane tário. Seus contornos são esboçados com desenvoltura e liaridade por Daniel Defoe na passagem constante da primei ra epígrafe este capítulo. Como as palavras de Defoe deixam patente, este sujeito histórico mundial é europeu, homem,3ü secular e letrado; sua consciência plall1etária é produto de seu contato com a cultura impressa, infinitamente mais "comple taili.." que as experiências vivenciadas por marinheiros. A sistematização da naturez:;"· na segunda metade do século hav<=ria de firmar ainda mais poderosamente a auto ridade do prelo e, assim também, da, classe que o controla va. Ela parece cristalizar imagens do mundo de tipo bastante diferente daquelas propiciadas pelas imagens anteriores de navegação. A história natural mapeia não a estreita faixa de uma determinada rota, não as linhas ,onde terra e água se,en contram, mas os' "conteúdos" internos daquelas massas de terra e água cuja extensão constitui, a superfície do planeta. Estes vastos conteúdos seriam conhecidos não por meio de linhas finas sobre um papel em branco, mas por representa ções verbai:: que por sua vez são condensadas em nomen claturas ou por meio de grades rotuladas nas quais as enti dades são inseridas. A totalidade finita destas representações ou categori;ls constitui um "mapeamento" não só de linhas costeiras ou rios, mas de cada polegada quadrada, ou mes mo cúbica, da superfície terrestre. A "história natural", escrc veu Buffon em 1749,
a
.,
1
I i
sidaele do espírito humano; sua toralidade " l
Ao lado deste uni verso totalizador, ce o velho costume lin'Jr!() ?t n;Jvl~pacào ele se espaço~ ~m l)ranco dos In3pas com c1esenllOS icônicos dl' curiosidades e perigos regionais arnazon;lS no Amazonas. no Caribe, camelos no Saar8, elefantes na Índi:l, assIm por Da· mesma forma o ,mapeamento sistemático da cstú correlacionado ~l crescente busca ele nxursos exploráveis, mercado:: ,.; terras para coloníLlr. t;ll1lo quanto O' mapeamento marítima está Ija~Hln ;1 Drocur~l de m tas oomél"cio. Diferentemente do gação, todavia, a história natural concebeu () mundu COlllO um caos a partir do qual o cientista prodllzio Lima Oldem, I Não portanto, uma simples questão de do tal como tele era. Para Aclanson (1763), o mundo n~ltural sem o concurso do olho ordenador do cientista seri;1 •
1
•
vista em toda a sua extensão, é uma Hí."tória imensa, encampan do todos os objetos que o Universo nos apresenta. Esta prodigio sa multiplicidade de Quadrúpedes, Pássaros, Peixes, Insetos, Plantas, Minerais etc., oferece um vasto espetáculo para a curlo
t
--,-,."",,,~-
29. Citado em Marshall e WilUams, op. cit.. p 48. 30. Isto não quer dizer, evidentemente, que não havia mulheres naturrl listas - elas certamente existiam, ainda que sua particípaç.ão na esfera profissional fosse limitada e qut' não estivcssem inicialmente entre os dis dpulos destacados para o desempenho de miss
mescla de seres que _ o ouro est~ mesclado com outm I1ll'l:d.
lO"l
a pedra~ .com a terra; lá, ,1 violera creSCe lado a I:ldu ,'OI1l UIll valho. Entre estas plantas, também, vaguei:l () n.;p til e o in::seto; os peixes são fundidos, dizer, com () elemento aquoso no qual navegam, e com as p[;II1l:1S que' l'I'l'.';Cl'11l nas profundezas das águas ... Esta mescla é d'dl\':ll11Cnle 1:[\ l gene" ralizada e multifacerada que parece ser um:! (1:1, (I:! n:Hllft'Z:1
Tal perspectiva pode ll:llu" ocidentais do final do ;lS inlvrvCIl reza camo ecossistemas auto-reguladores qut::
çôes humanas levam ao GlOS. A história n;ltlJ
icrvenção humana (principéIlmcnte intclcl'tu:l
cornpu~",esse a
".(jp1Yl
n"
~istPlll~lS
XVllI
"I
ai':'
'.":
:\ I Citado c'm (;:1)', ,,/!, cil. I'p·l '\2".,
:52. Citado (:111 ('''\lelull, 0/' 1'11., p. 1.',:-1.
I
!
-t
Ir---.----------
~
(Si)
I
ciência, consciência planetária,
apropriado no interior junto a seu nome secular europeu. O próprio Lineu, ao teve a seu crédito a introdução de novos itens àD listagens. Análises da história natural, tais como a de Foucault, nem sempre salientam as dimensões transformadoras, e apropriadoras de sua concepção. Uma a uma, as formas de vida do planeta haveriam de ser extraídas do emaranhado de seu ambiente e reagrupadas conforme os padrões europeus global e ordem. O olh.1r (letrado, masculino, eu :-opeu) que empregasse o sistema, poderia tornar familiar ("naturalizar") novos lugares/novas 'v ;;jões imediatamente após contato, por meio de sua incorporação à linguagem do sistema. As diferenças de distância são eliminadas do quadf0: no que se referisse a mimqsas, a Grécia seria indis tinguível d:::'. Venezuela, África OcidE'ntal ou Japão; o rótulo "picos graníticos" poderia ser aplicado identicamente à Euro·· pa Oriental, aos Andes ou ao oeste americano. Barbara StaE ford menciona aquele que provavelmente é dos exemplos mais extremos dessa realocação semântica global: um trata do de 1789, escrito pelo autor alemão Samuel \Vitte, afim1a va que toji:lS as pirâmides do mundo, do Egito às Américas, eram na verdade "erupções basálticas".\3 O exemplo é ficativo, pois evidencia o potencial do sistema de subsumir a históría e a CUltUr'd à natureza. A história natural não apenas extraía os e,~pécimes de suas relações orgânicas e eO:)lc,gH:as um com o outro, mas também de seus lugares nas econo· mias, histórias, sistemas simbólicos e sociais de outras popu lações. Para La Condamine, na década de 1740, antes que o proJeto classificatório tivesse se firmado, saber dos natura listas coexistia com os mais valíosos conhecimentos locais, :t'.;otando profeticamente que "a diversidade de plantas e ár'· vores" no Amazonas "encontraria
°
°
t'
33.
B~';~fford
1987, p.lO.
Voyage in/o Subslance, Clmbridge, M. L T. Prcss,
interiort~.s
tos anos, tanlo para () mais laborioso elos bOl:lnicos. para mais, d~ um desenhistél," ele prossegue uma digressão que havena ele ser rraticarnl;nlc nos meios científicos, nO final do século: Mcryci()f'Jo
"destas plantas,
trabalho
p:II
dislriblliç~() elll
;;lI:!
cada UJ1U em sell :lpropriado gênero e () 1111" 1'lIlú" ría se adício17armos a isso um exame das I';!'II/(/e> IIIrifmídll3 , eles pelos nat[uos do [Im exame que ;wIIlÍJi!(//'('llIIellle qZIje mais II/n/i a uossa Cltel/lJIO UIII f.l1I.alClller áre{/ 1'.\111110.
A
rompeu plantas e animais onde quer nuo tem "a natureza era uma imensa de ohietos n~lpassava em revista como um Teve ele um precursor nesta firdu:l "55 Ao invocar a imagem clt: inocência como muitos outros c()!TH:ntarist:1S, m'to :1 ) "CI' por ter-se·ia bumanos, especialmente os europeus, aprt'sen wram, desde () início, um problema para os sistCll1:111i::lc!O· Adão nomem e classificar a si I11\'SI 11()( J'~m Gl~() estaria o naturalista suplantando ])cus~ Li,'í.:lI j:í saída parece ter res[1ondido afirmativamente :1 ,-'st:\ ql1l'~~ tão _ consta haver ele certa vez afirmado quJ Dl'US h:I\·i:t que ele bisbilhotasse Seu gnhinete secreto.'"
-\
..
54. La Condamine, op. cit, p.37; os itálicos são mc·!l.' 55. LÍlldroth, up cil., p.2S.
36. Barba,,! Linctwth , num en\lnciado enigmático. CO!1wrtc' .1 inocl'l1cl'l um fato da m!ture7.a. sustentando que "A d() I"l'i.llo n"lo donal de
Vi,1)W111
(no /'in,]l
cio século XVII!)
vlll p'lrIl' :lO
cios eXr!or,lc!ores e do público de retornnr lIlll,t :ll'rc'c:I1S:'((' se J11ític~ da Terra t:ll como poderia ter sido ou C0!l10 f"i dc,cnlwru que a conscíênci,! humana tivesse !lel:l '1I1arecido·· 01) cU. IH 11)
,7. Commager. 01'· di, p.7.
(H" '} i
,
ciência e sentimento, 1750-1800
,,.
Para grande desconforto de muitos, inclusive do Papa,ele fInalmente incluiu as pessoas em sua classificação dos ani mais (o róchlo"homo sapiens é de,su"j- autoria). Suas de~crí ções, contudo; diferem daquelas de, Qutras criaturas_ Inicial mente, Lincu colocou entre os quadfÚpedes uma categoria isolada bomo (descrita apenas pE;la frase "conhece-te a ti mesmo") e traçou uma única distinç~o entre bomo sapiens e homo mcnstrosus. Já em 1758, o bomo sapiens havia sido classificado em seis variedades, cujas principais característi cas são sumariadas em seguida: a) Homem selvagem. QuadfÚpede, b) Americano. Cor de cobre, colérico espesso; narinas largas; semblante rude; barba rala; alegre, livre. Pinta-se com fina~ linhas vermelha,;. Guia-se por costumes. i c) Europeu. Claro, sangüíneo, muscuJoso;cabelo ~ouro, castanho, ondulado; olhos azuis; delicado, perspicaz, in',entivo. Coberto por vestes justas. Governado por cJ) Asiático, Escuro, melancólico, curos; severo, orgulhoso, cobiçoso. Coberto por vestimentas sol tas, Governado por opiniões. , e) Mricano. Negro, fleumático, rela,xado. Cabelos negros, cres pos; pele acetinacJa; nariz achatado, lábios túmidos; engenhoso, indoiente, negligente. Unta-se com gordura. Gove' nado pelo capricho.lI!
Uma categoria final, "monstro", incluía anões e gantes (os gigantes da Patagônia ainda eram uma forte realidade), da mesma forma que os "monstros" como os eunucos. A categorização cios humanos, como se pode notar, é explicitament{~ comparativa. Dificilmen te se poderia ter uma tentativa mais evidente de "natura lizar" o mito da su[)erioridade européia. Exceto monstros e homens selvagens, tal classificação pouco modificada em alguns dos textos escolares de hoje em dia.
3H. John G. Burke, "The Wild MlIn'~ cit., pp.266-7.
/ ..._,..,
,--r~
, l'll1
I>udley (~ Novak,
Ci/!.
Evidentemente, o mapeamento associado ;1.S naveg:\ era 11< ções tatribérn exerceu o poder de nomear. De processo de nomear que os projetos e sé combinavam, no sentido em que os emissários rcivindlcl vam o rrtundo pelo batismo de marcos e for:' ficas com nomes eurocristàos. Mas mesmo a.'; ,1111, é Céi-ro qUl' o nomear da história natural é mais dirctan1l.:'11 te transformador. Ele extrai todas as coisas do recolocà numa nova estrutura de conhecimento CtÓ· pousk precis~a:mente naquilo que a distancia do tico, Aqb:, o nomear,. o representar e () reivindicar si'to todos a nicsrna coisa; o nomear dá origem ~I realidack' da mdem. De uma outra DerSDectiva, contudo, ;\ llÍslú'ia llatm:1 i nào é Se vê a si mesma, ela nào exerceri,t qualquer unrxlCto no ou sohre O mundo. A "conversão" da natureza hl'ut,l ,)ystenw.naturao, seria um ato, I 'I. . · trato, a1go que nao exercena . certamente nào sobre alm'ls. Em navegador e o conquistador, o coletor-n,ttur:tlisw lln~;l "i gura benigna, freqüentemente simpática, podere" clt' transformação se limitam aos contextos c!ol11c;stico» ,lo dirn ou da sàla da lhe no próximo capítulo, d figura do natur:!Ii:iI:1 1l'1l1 I sua clt' ('011 llt'C i menta assume ,Ispectos decididamente nú< 1 rú [in 1,' !ei h L';' por Lineu em sua própria inugcli1 de :\ri:\(ln" seu fio até a saída do labirinto do \linolauro. c!r, Neste pomo, encontramos ,Ima il1()(,L'll1C l não instauraria os naturalistas eram vistos como :1L:~i!i:tr(::;
\i,
(i!]
.
,:: '~... ~-;;~
~onsciência
cjência e sentimento, 1750-1800
planetária, interiores
plantas constituiria o próprio fundamento de toda pública, dado ser aquilo que alimenta vesre Ul11"d
eco!1omi:\
. Ao mesmo tempo, os interesses da ciência lê cio CO!11l:r cio era& cuídadosamente mantidos separados. , . I " montadas em nome da ciência, como as de Mares do Sul, nos anos 1760 e 1770, freqi.icnternel1tc. nheclv· cÚlm a determinações secretas para que estivessem ~t(l'nlas ; 1, ; oportunidades comerciais e a perigos potenciais. O Llto c!l; tais ordens haverem existido, ainda secretas, lIiclencia ~l dial~tic~ ideol'ógica entre empreendimentos cie;1tíficos e merçiais. Por um lado, o comércio era visto em em relação ao caráter abnegado da ciênci'l. Por outr<\ auc que ambos refletiam e mútu,as,.. :'Um comérc~o bem ajustado", afinna\
F:'
Fig. 7. Os quatro tipos antropomórficqs da esquerda para a direíta, o trogJpdita., o homem de cayda, (1 sátiro e o pigmeu. Veicu lado origin
lor e importância de qualqüer paí!" pois é por esta fonte que podemos conhecer tudo o que de produz.".l9 Na intro dução a um novo compêndio de viagens em De Brosse louvou a nova "possibilidade de se aumenl;l:' a ra com o novo mundo, de enriquecer o velho mundo com toda a produção natural e toda a mercadoria utilizável do Novo. ",0 Em 1766, o resenhista de um livro de viagens, es crito por um dos ah,lOos de julgava as viagens dos homens de ciência como superiores àquelas dos "homens de fortuna", tanto em termos literários quanto comerciais: As pesquisas do naturalista, em particular, não apenas lhe dào
prazer individual, como sào proveitosas para outros;
mente as investigações do botânico, cujas descohertas e conquis
tas têm constantemente levado a conseqüências das mais signifi
Mais
cativas para ~: permuta e intere,;se comercial de seu que is~:o, o célebre Lin,eu ousa afirmar que o conhecill1f:nto das
+-._--_. . I
39. Adams, op. cit., p.310. 40, Citado em Staffürd, op. cit.. p.22.
,1" _ _ _ • • 0
70
1'<1
domínio no que se refere a plant~l.'i, animais e n' j nerais embora não a pessoas - os sistenus se de maneira idêntica tanto à Europa como il Asia, ;1 41. Resenha de Vovages (md 'Ih/ve!, iH lhe Li]I'''I/I. ,Ie' 11:"",,/'1\11.'1. Monthly Rev!cw, Nova St"l'Íe, 1'01. :3'), 17()6, pp.f2 . .1. 42. Anders Sparrlll,il1 Voyage /(i lhe capc li!' C/poli! lu!"', and 1. Rohinson, 17W5. ".,di!.
,'Iil
7
~
,
_
,
"
e
.
"
·
"
~
.
_ _•__ ,,
às Américas. A sistematização da natureza representa não apenas um discurso sobre mundos não europeus, como ve nho discutíndo, mas um discurso urbano mundos não um discurso burguês e letrado mundos não e rurais. Os sistemas da natureza eram tanto no interior das fronteiras européias em seu ex terior. Os herborizadores estariam tão na campestre d~ Escócia ou do Sul da quanto no Ama zonas ou na África meridional. Na Europa, a sistematização da natureza surgiu num momento erh que as relações entre centros urbanos e áreas rurais estavam mudando rapida mente. As burguesias urbanas começaram a intervir numa nova escala na economia agrícola, procurando racionalizar o processo produtivo, aumentar 0$ lucros, intensificar a ex ploração do trabalho camponês e administrar a produção de limentos que os centros urbanos dependiam completa mente. O movimento do fechamento de terras (enclosure movement)· foi uma da~; incervenções mais reti rando camponeses da terra e lançando-os nas. cidades ou em' comunidades de posseiros. Começaram nesta época as tentativas de se aperfeiçoar cientificamente a criação de ani mais domésticos e colheitas. H Qualquer forma de sociedade de subsistência parecia tão atrasada :em comparação a mo delos que buscavam a formação de excedentes de produ ção, quanto carente de "aperfeiçoamento". Em J750, o co mentarista francês Duelos, em suas Considerações sobre os castumes deste século, sustentava que cem milhas da capital estão cem anos seu modo de p~nsar e agir", uma visão que tudiosos do Iluminismo constantemente reoroduzem sem quei> tionar. 44 Na medida em que se aprofundavam as diferenças en tre os modos de vida urbano e rural, os camponeses euro
i
I
I
I,
, \
t
.,
'\
.
consciência nlanet.:'íria. interiores
cíêr:lcia e sentimento, 1750-1800
t-·43. Para um estudo detalhado enfocando o século XIX, consulte-se Bar riet Rítvo 'lhe Animal Estate, Cambridge, !larvard U. P., 1987. 44. G<1y, op. cito , Gay evidentemente IfabathQ dentro d:l ideologb do Iluminismo, sem questionar seriamente qlle o próprio []lIIllÍ· nÍ&mo encar(jU como seus "avanços".
peus Pflssavam a ser conSlOeraoos samenlc 11 111 pouco nos primitivos que os habitantes do Amazol1~IS Da mcsJtl;1 forma, O sistema da natureza anulou formas camponcs,ls li cais de saber dentro da Europa, exatamente como as ind no exterior. Sten Lindroth associa ,I :lhord,lgeJl1 doell men'tal e totalizadora de Lineu COfn procedimentos dn bUI()
tr,\ ri ação na Europa conl1eClmellto sua popülaçào do que os suecos; um milhào c meio cidadãos suecos en:im todos ele;; registr;l<Íos n;l:; CO]UIl;I" estatísti'cas adequadas como nascidos, morto,';. Glsat!( doe'ntes etc";; De fato, os rótulos Iineanos COl110 gênero v se assemelham notavelmente aos nomes l' sohrem mes requeridos dos cidadãos - Lineu s;; rder;;t ,lOS n()nw.~ genéricos como "a oficial de noss,1 IcrübliGl l)()t~lIll ca."'\ó Ainda que a sistematiza cão da natureza tenhl nreced do o advento da forma (líneanos) e os princípios que en-1C1 5 11 Padronização e produção em por deÍXadC1J sua marca na peças sobres::,alentes para armas de fogo. Outras advêm da organização militar, a qual, exatamente por es::;;t época começou a padronizar uniformes, 111:1;IO/)r;ls. discipli na, e assim por diante. Tais analogias tornam-se ainda mais sugestivas quan do se leva em conta que a burocracía e a Illilitarizacão S80 os instrumentos centrais do imoério. t' o na a ser assim até os dias :Ie - e ta l\'ez :t 5
-I
';5, Líndro!ll, O/i. (:11 .. p.l1, ';6. r(JllC~lUI\. oI' (:11., p.llj I. ·17. UnclrOlh, 0/). di.. p.l0
7;3. ""r---~- --
--
ciência e sentimento, 1750-1800
~t
1t
,~·u
'r
.!
I ~
I
1
I
I
~
~ :1
;)
:1 I
~
ra, enquanto você o lê -, em Soweto e na margem ociden tal'do Jordão, pedras estão sendo atiradas contra veículos blindados por povos subjugados e desarmados.) Os estudos acadêmicos sobre o Iluminismo, resolutamente eurocentra dos, têm freqüentemente negligenciado o papel dos agres sivos empreendimentos coloniais e comerciais europeus como modelo, inspiração e base de testes para formas de disciplina social que, re-importadas pela Europa no século XVIII, foram adaptadas para a constrl!ção da ordem burgue sa, A sistematização da natureza coincide com o apogeu do tráfico de escravos, o sistema de plantatiol1s, o genocídio colonial ga América do Norte e na África do Sul, as rebe liões de escravos nos Andes, Caribe, América do Norte e noutras partes. É possível reverter a direção do olhar linea no, ou daquele do viajante de Defoe, de forma a se obser var a Europa a. partir da fronteira imperial. Neste caso, sur gem outras formas iluministas de padronização, burocracia e normalização. Pois o que seriam o trático de escravos e o sistema de plantations se não maciços experimentos em en genharia social e disciplina, produção em série, a sistemati zação da.vicla humana, a padronização de pessoas? Experi mentos estes que se mostraram mais rentáveis do que jamais sonhado por qualquer europeu. (A riqueza que fomentou a Revolução Francesa foi criada em Santo Domingo, que du rante os ano') 1760 era o lugar até então mais produtivo da Terra.) A agricultura baseada em ptantatíons se constitui cla ramente num elemento crucial para a Revolução Industrial e a mecanização da produção. E, similarmente, mesmo no início do século XVII, não havia burocracias semelhantes às burocracias coloniais, para as quais a Espanha forneceu um sofisticado exemplo. Historiadores econômicos por vezes rotulam os anos 1500-1800 como período de "acumulação primitiva", no qual, por meio da escravidão' e monopólios protegidos pelo
e~tado, as burguesias européias foram capazes de acumular
o c:apital necessário para desencadear a Revolução Indus
trial. Pode-se, na verdade, pensar sobre o que haveria d~
tão prlmitivo nesta acumulação (da mesma form;.t como se
177'!. '1',~_'_-_'_----+
>'.\,
dênda, consciência planetália, :nteriores
pode imaginar o que haveria de tão avança elo no mo avançado) mas, como for, houve efetivamente um:l ele cok acumulação, Na esfera da cultura, os muito~ çoes que foram montadas neste período c1esenvuln,:r~1l11-Sl' em partê como a imagem dessa acumulação e C0ll10 SU~I k gitimação. A sistematização da na,ureza leud esr~l clt' acumulação a um extremo totalizante e, ao IllC311 temj1( molda çLcaráter extrativo e transformador do lismo il'" clustrial e os mecanismos de ordenação que est,lv;lill CO!l1e , a sociedade urbana de m;issa.'·· 11,1 a hegemonia burguesa. Como construto j( uma imagem do mundo apropriada e n.:'utiL;:lda a 1';\ tir ele uma perspectiva européia unificada. Tanto na Europa quanto nas frentes externas de expall S~10, .esta prodUÇ~IO de conhecimellto n~tO express:1 CO!H.'XÔCS COm relaçoes mutáveis trabalho ou de rroprieclade. ou com aspiraçõc>s territoriais. Este, contudo, é Unl a.specto co mentado indiretamente por teorias contemporànea.s sobre ;1 estrutura do Estado mcderno. O Estado, sustenta Nicos Pou lantzas, sempre se retrata "numa imagem topológica ele ext,' rioridade", como se estivesse separado da economi:l: "Eo quanto objeto epistemológico, o Estado é concebido como se tivesse fronteiras imutáveis fixadas por meio ele sua exc!u:;úl> dos domínios atemporais da economia. QU~Il1c1() o da expansão européia volta-se para as áreas continentais af~1.s tadas da costa, pard a "abertura" das interiores, tais concepções estarão tanto dentro da em suas frentes de expansão. Os capítulos a analbar:!o mais aprofundadamente como tais elas e displltaclas na literatura de viagem r; de
{;S. Nicos Poulantzit.') - SItUe, POlue}; SucialislI1, LOI1CI"n. \'"c,(J. 1()'8, P j (ed. bras,: () E'tado, u p(Jde/~ o socialismo, Rio í:II:<>iro, (;'J:d. 1')1'\il).
7fi
___,rJtJ:2it1Jlo.
ªªI:f_ª-pdo a anticonquista
por ycze, as :luwri(\adl's da de escr,lvos ,,' Lltilizaclo CÓI110 um tipo de hordel. o principal
Cunin et alii
des~;ls
AfriclIl I li'I'11")' (F)"';-iJ
de dísrlll"hk''i
l'
dc,'iordC:1l1
P:II;I
observar oSI,e!,ílorços da ép(~ça envid;ldos por drio,'i co'" nlzadores para aperfeiçoar os animaio dom(',licos do
(George M, Thea I - A Hislm:)!
o
capítulo anterior apresentou tecentista d:l natureza como um
;-';l'
;l
eul'OpcU de
L O material sobre a históriu su!-,lfríc8nél foi extraído d;ls sc:gllillll" 1'(111' tes: Chinweizu 7he 1171'S! anti lhe Resl ()f U~, I17bile I)red{l!ols, !3Iock l)ers emd the AfríCCl'l'l Elite, New York, Vimage, I'hillp ClIIlin. ;)[c'I'ln Feierrnan, Leonard Thompson e ]an v:msina - A/í'i((/I1
Litde, Brown, 1978, especialmente cêlni,ulos 9
The Coloniall::mpires: A
l'
10;
1),
K.
' ,
London, Macn'lillan, 1982 . ediçào, 19(5); Vernon Forlws- I'jolle';
Travellers of Smllb Africa: A Geographic,J{ COmnlC'II/(IIT II!)(JI/ [{ollh's,
coreis, O!Jserua!iuJ'/s mui Opinlorls of Trcl/lel!er,; (/{ Ibe (,{I/i(', 1 C')()_
Cape Town, A. A, Boekerna, 19(i'); M,try Gunn (' L, I,:, (n(lel I!o!tlllic, II
Bxploratie,n AJríca, Cape Town, A. A. Bockcill:i, J. C"(Jtp
M. Theal- lfi5!Ory cmd (l A/i'íCCl S()iI!b /.(1/111)(',11. \'()h fi e !lI (,Hé 179\), I,ondon. AJleIl & Unwill, IH')!. ,cl'dil;tt!" ,'lltIH) "1lrica ] 795. Capetown, Strtlílc 1%1
,
,
v.· ;
77
,~~""1;~Á>-,""
....... ',' ,_, .... ,... _""""-_-.:J1hil:.i
-..............
~-,~_
.. _..... .
.'
ciênciá e sentimento, 1750-1800
trução do conhecimento que criou .um novo,tipo de cons ciência plane~ária, eurocêntrica. Cobrindo a superfície do globo, ela enquadrou plantas e animais enquanto entidades discretas em termos visuais, subsurpindo-as e realocando-as numa ordem de feitura européia, finita e totalízante. Talvez devêssemos ser mais precisos no tocante à nomenclatura empregada: "européia", nesta acepção, se refere antes de tudo a uma rede de europeus alfabetizados do nOite, prin cipalmente homens dos níveis mais baixos da aristocraçia é: da média e alta burguesia. "NatureLJa" significa antes de tudo regiões e ecossiscemas que não eram dominados por "euro peus", emb()ra incluindo muitas regiões da entidade geográ fica conhecida como Europa. O projeto da história natural determinou vários tipos de práticas se;nãnticas e sociais e, dentre elas, a viagem e o relato de víagemestavam entre asma!s virais, Para os obje tivos deste livr
':/.,. ---- .. ~
.
78
narrando a anticonquísll "",,",,"~"~-~._.-"~-'
O presente capítulo procurará ilustrar mais concreta· mente 9 ,impacto da história natural e da ciência mundial so bre o relato viagé]m. Por meio ele um conjunto de exem plos, ,pretendo expor como a hist6ria natural forneceu meios para a narração de viagens internas e de que visavam não a descoherta de novas rol
7~ I
r .~.
ciência e sentimento, 1750-1800
,--
>I
t1;·
"l. I "
!í ~
J
íI
fi
i~
f • i
/\~~----
aqui. Coetzee prossegue pejo exame de como a proble mática européia da representação persiste na literatura dos séculos XIX e XX na África do Sul, da mesma forma que tentei fazer para o caso da América espanhola no ca pítulo 7. A literatura sobre o Cabo da Boa Esperança é parti cularmente fértil para o estudo das transformações discur sivas no relato de viagem, pois o Cabo foi um lugar onde a viagem científica, o impulso de expansão para o interior, e as instáveis relações de contato que estes engendraram, atuaram conspícua e dramaticamente. A "grande era" da viagem científica está usualmente associada às expedições de Cook, Bougainville e outros aos mares do sul, inicial mente organizadas próximo à passagem de Vênus marítimas efetiva meridiano, em 1768. Estas mente inauguraram a era da científica e do relato de viagem científico. Mas, ao tempo, elas marcaram um fim: o da última grande fase da navegação de explora ção européia. Cook descobriu e mapeou a costa do continente não cartografqdo - a Austrália. De certa forma, preparou o cenário para a i10va fase da exploração de ter ra firme. O Cabo da Boa Esperança foi um dos poucos lu gares na iJrica em que europeus do norte tiveram acesso ao interior continental. Era um ímã tanto para colonos como para exploradores ansiosos deixar suas marcas. Era um lugar onde a colonização do interior entrou em confli to aberto C01T', o mercantilismo de base marítima e onde a competição entre as européias concretizava-se em guen'as. Nas primeiras décadas do século XIX, enquanto a expansão para o interior prosseguia, a África meridional se tornar um posto de teste canônico também haveria para a ;:nissào civilizatória nos trabalhos da London Missio nary Society (Sociedade Missionária Londrina) e de sua in controlável estrela, David Fundada em pela dias Orientais como um porto de suprimento para navios co merciais, a Colônia do Cabo provou ser um ponto de vital para os mais variados viajantes europeus. A população
-------t§-º-
a anuconqwl;La _ _ _ _..- - - - - , . - -
~_0.
"._..____
"~
••
ros supria os navios com Vulnerável a e dependente ela pecuarista a de carne fresca, a curou, inicialmente minimizar sua inserção n~l ploraç ã 9 cio trabalho aborígene. Uma propOSl
nheiros aportados, mulheres africanas ou (Até 1685 não havia proibições em relação ao casamento ter-racial; neste ano, o casamento entre europeus e africanos foi proscrito, mas não aquele entre europeus e Em 1689, o número dos colonos foi substancialmente aumenta do por 150 dissidentes huguenotes holandeses, que trouxe' ram consigo a Igreja Holandesa Reformada. Em 1699. :t po
2, Optei peb utilização da nomenclatura empreg;lda flor Cunin e! alii (consulte-se nota 1) que se refere aos povos afriGll10S pelos 110l1WS de origem indígena e nao pelas nomenclaturas coloniais "llrDpC>ias, .">ssim, não ser em citações, as pessoas a qL.e a literatum I l'opéi:1 Chll\11,[ ,Iv "hotentotes" S~IO aqui meOCi()I1:1d:ls como khoikl\()[': ilS 1')()s'lllím:l[i"" serüo citados ('orno lkung; I"; "kaffirs" ser:lo c!WI1I:It!():i ell' llgllni: [1.1 maior parte das vezes [) termo tradicional "bôer" foi sull,;tituido pel'l C::--.
pressão ceJl1teniporfine,1 "africânder"
8
ciência e sentimento, 1750-1800
-+
pulaç-lo de cidadãos livres (bôer), ~ncestrais dos atuais afri cânderes, era de pouco mais de 1.'000 homens, e '~ão espedfícada de es cdanças, possuindo uma quantidade . . I cravos. Um sép.llo mais tarde, era).11 17.000, com mais de 26.000 escravo~. Hoje são dois milh6es:l O da sociedade agro-pastoril africânder de - e a corrente guerra de raças sul-aft;icana - já estava defini do por volta de 1700. A prisão da Ilha de Robben, onde Nel son Mandela e os fundadores do Congresso Nacional
no foram mantidos durante a década, de 60, foi constmícla
em 1657 para hotentotes "que assaltassem ou roubassem um
cid::tdão."4 Basícamente fora do control~ da administração da
CompanhIa e freqüentemente em choque com os interesses
se desenvolveu de
úesta, a sociedade de cidadãos acordo com suas próprias linhas de expansão, forçando seu
caminho para o interior, usualmente conflito e circuns
tancialmente em aliança com a liderança autóctone khoi khoi. Apoiaciospor cavalos (cuja posse era, por vetada aos indígenas africanos), armas de fogo (que, por lei, os co lonos europeus eram obrigados a ter) por alianças estraté gicas com gn:pos rivais, os europeus gradualmente '"",rp'nl jaram o poder indígena, desmantelando estmturas sócio-eco nômicas locais. Epidemias de varíola em 171.3, 1755 e 1767 enfraqueceram a posição aborígene. Gradualmente, os khoi khoi ficaram cada vez mais restritos ao papel de trabalhado res de subsistência, pastoreando o gado bôer ao invés do seu próprio. Por volta de 1778, o novo governador, Von PIat tenburg, relatou não ter encontrado comunidades autônomas na Colônia do Cabo. O que não quer dizer, evi dentemente, que a sociedade local e. a resistência autóctone à colonização tenham acabado ambas continuaram em formas que discutirei mais extensamente Desde sua chegada, os europeus no Cabo montavam periodicamente expedições para a exploração do interior. Um dos primeiros objetos de típico do século
e
t·-;. C~rtin
et a.'it, op. cit., p.295. 4. Theal, op. cit., vol. m, reimpressão de 1964, p.68.
XV1I, um impeno produtor de ouro, conhecido como Monomotapa, aparentado com o Eldorado, por tanto procurado nas Américas.' Nâo se acredita primeiras expedições tenharr alcançado qualquer descobc ta de valor, nem produzido, na era da narrativa ele navega· livros de viagem. Não foi senâo após o início do século XVIII que a literatura européia sobre fi mer'·liona] realmente surgiu, sendo A situação atual do Cabo da JJo. c;\· de Peter Kolb, 1.11'" de seus primeiros
_peter kolb e a defesa dos hotentotes publicado em alemão em 1 o livro de Kolb foi tr:! para o holandês (1721), (1731) e mantendo-se como uma das principais fontes im pressas sobre a África meridional, ao longo da primeirZl me tade do (, Matemático de formação, fora 111<1nel:l do para o Cabo, em 1706, por um patrono prussiano par:1 pesquisa astronômica e Ainda que sua missão fosse científicl, o tdato d, do mesmo modo que o ele La Concbmine n:1 :'I1ll'r i C<1 do Sul, nào o foi. Seu livro, COml) o de La Condamitw difere em vários aspectos daqueles escritos do outro !ac l( das linhas definidas por Lineu. Ele se concentra 'i. Verificou-se afinal que MO!lornotapa era um IU.!.;'lr rl'al 1llt!111 , . ,éculos XIW.e~XIV, um grm1(le estado miner;lcl"r de' um, l. pelos hiswriadores modernos de Grande Zimb'II1\':c'. 1,:I\'í,' .'c' ,·U1,,(J!íd.(
do no vale do Zambe;d " entn\do em longo coni'litn t()m il cara do metal nos séculus XVI e XVII , entrando. ['DI lllc"1I1:1 l'l ca, em declínio. Seus rernaJl(~,centes re,lgrllp;tr
L"
182
.,
--.-~- ~_.
().
.' ciência e sentimento, 1750-1800 '1---'" - - - - - - - - - - - . -...~
,~-
mente, como a página-título alerta,s6bre "Uma AVALL4ÇÃO
Palticular das .várias NAÇÕh'S dós;HIQ7ENTOTES; Sua· Relí
gião, Governo, Leis, Costumes, Cedmõnias e Opiniões; Sua
Arte de Guerra, Profissões, Linguagem, Caráter &c., conjun
tamente a Uma Pequena AVALL4ÇÃO da COLÔNIA HOLAN
DESA no CI'.BO."* A narrativa de Kolbconsiste especialmen
te em uma descrição etnográfica vívida da sociedade e de
formas de vida khoikhoi, no moddltradidonal de descrição
de maneir~~ e costumes. Mesmo qule S('lJ relato seja basea
do no que Kolb descreve como anos de contato com gru
pos muito diferentes de hotentotes, este contato em si não
é relatado, nem b são as viagens de Kolb ao interior. Kolb
estava escrevendo antes que paradigmas narrativos para as
VIagens e explorações no interiore.fl1ergissem nas últimas
décadas do século. Em 1719, os paradigmas de navegação
ainda persistiam: a única parte de sua experiência que Kolb
aprese:lta como narração é a sua viag~m de seis meses em
direção ao Cabo.. Mantidas as conveqções da narrativa de
navegação, g viagem é contada comol uma perfeita história
de sobrevivência, com tempestades, doença, água salobra e
ameaça de ataque em alto-mar.
Como previsto por seu título, a narrativa de Kolb in
clui capítulos sobre as formas khoikhoi de governo, religião,
cerimônias, economia doméstica, gerenciamento do gado,
medicina e assim por diante. É fácil admitir a vivacidade da
descrição, mas não é tão simples subscrever sua precisão.
Kolb afirma que "assumiu a Regra de jamais acreditar em
qualquer Coisa que não tenha visto, dentre aquelas que se
possam ver," mas, just:lmente na sentença seguinte, ele sus
tenta ter visto "que Negros nascem Brancos" e só mudam de
cor vários dias mais tarde!7 No entanto, seu relato é inegavel
mente a mais substantiva fonte sobre a população indígena
do Cabo no período considerado. Citemos uma passagem rc·
presentativa, para mostrar algo do sabor de sua escrita:
t·~. Ibid., ~:;~,• N.T.: Aqui, como em outr0s pontos do texto, proclll'ci manter a trans
crição original das maiúsculas e do itálico.
j I
lJ
{,r'--·· ,....._,.,._-_.
I~
da edição francesa de A
Boa Espemnçu
du cap de
silllil~'âu 1I1IIal
do Ccl/)"
BOll11C-H'jJ('I'ilIICC. Am~tL:r,
dam, Jean Camffe, 1741), Peter Kolb. "A História", di!. "prcpara-;;e para escrever :lquilo que lhe cia, que S~; apresenta ,J ci mesma com "ua vIsa Ren.an I'ilfagístm. No p:InO de fundo Boa Esperança; e sobre uma nuvem, a dia Oriental, su"tentael:! oclu tleus do Comércio
ll:J
Wi
-_....._-...,
e sentimento, 1750-1800
Para a preparação da Manteiga, ell'ls usam, em Lugar de uma Ba tedeira, uma,Pele de Animal Sclvage.m, disposta na Forma de um SJ.co, a Paitf com Pelos no Interior. Neste Saco, eles derramam o Leite o bastante para enchê-lo pela metade. Eles então amarram o Saco; ·e. .dúas Pessoas, Homens ou :Mulheres, segurando, um numa Ponta,; outro na Outra, sacodem o Leite animadamente para frent~.~para trás até que ele' se transforme ",m Manteiga. Elés então â colocam em Potes, para untar seus Corpos e E~tan dartes, àup~m vendê-Ia para os Europeus; pois os Hotentotes, a t. menos que a Serviço dos Europeu's,nào comem Manteiga, I
A última sentença é significativa, pois coloca "os Eu ropeus" na mesma estrutura que "os Hotentotes", num de interação diária que se processa toclo o tempo. em zonas de contato. Tal' interação terá pouca:. expressão nos autores subseqüentes. Abbservação de Kblb sobre a manteiga re 'Ósual do intercâmbi6 e valores culturais verte' a eurocoloniais. Encontramos aqui OSI europeus consumindo um alimento ql}~os africanos rejeitam como não comestí vel; os·e1.lropeuS·;éstão comprando um produto manufatura do dds:~frican6§:e não o vendendo para eles. Quem seriam os bárbâ~os, q~em os civilizados? Quem seria o mercado, quem os 'inercadores? I " I, ; Pode-se provavelmente atribuir:t;,LÍs manipulações de perspectiva ao polêmico intento de Kolb de resgatar os khoi dos estereótipos negativos estabelecidos por autores precedentes. Kolb ataca seus antecessores por "sua Irrespon sabilidade e Precipitação nas Caracterizações que fizeram dos Hotentotes, cujas Memes e Maneiras, embora bastante as descreveram."9 Com um vis, não são tão vis quanto humanismo não encontrado em escritores ulteriores, Kolb mantém que os hotentotes são acima de tudo seres culturais. Ê incisivamente crítico em relação às afirmações segundo as quais lhes faltaria a capacidade para a crença re ligiosa, afirmações evidentemente sustentadas por escritores cristãos que procuravam uma explicação para a total falên 8. Ibid., p,ln 9. Ibid, p.37.
,/'~-~--~'
narrando a anticonquista ---~
-
........ ..
_~
...
da da ação missionária no Cabo. Em sua réplica. 1\:0111 enf~i tiza a profundidade cio com~)fomisso dos khoikhoi J SlI:i própria religião - em outras palavras, insiste em que eles clv vem ser compreendidos pelos europeus em termos idêntico:; aos q\lç os europeus entendem a si mesmos. Sem neg:\l' a !'l' pugnância ql1e muitas dos khoikhoi .suscitavam !1( eurQpeus, rejeita de diferen,,':ls l'SSl'i1l'Í:1Í.' Cjll. tornàm l "natural" para os europeus com os arriem( ),.; de formas diferentes aue mantêm entre si. A pass;lgem tran, de mantcig:l. por prossegJe com a condenação ga "vileza" do prOlluto l' . . I imunsiq.s condiÇJÕes em que e elaborado - mas o segufntç condena igualmente os europeus que o COIllIX;Ul1 em graQdes quantidades. Estranhos e freqCtcl1tvll1l'nll' J'l'pul sivos, os, khoikhoi, conforme o retr<1to fomt'cíclo por Kolh. , nào sâo um povo conquistado, nem ele advog;l SU:l ce)\1e]llb ta". Na. terdade, quando descreve as relaçôes que mantem comos'colonos holandeses, tràça uma imagem idealizada de . duas que, após iniciclis, estaheleceram "o mais solene Compromisso" de não mais gLlerre~lrem. ma:;. eXlstire'm , , como uma Confederação (' c!cfe!1(il'n':ll1~."l' contra inimigos comuns. manter sua perspectiva interativ:\. ,.; j'C'I:lto (Ie Kollí. em com notavelmente c1ialógica. Os indivíduos klloíkhoí S:IC) Iml vezes citados (em!JoJ'<.l em sua prórna 1:1) ou j'('. prese;ltados t~!lando por si mesmos em reSp().~I:l i'!s qlll'SIC'l"..; do autor sobre suas e costumes; ele bto, Kolh rcvdl uma fascinação particular pelas dentro da zona de contato. Logo no início ele seu texto. e;; plicita o que se poderia chamar de uma perspecti\'a de C(l!í' tato por meio de uma extensa história sohn' um t:tlentos\l empresário khoikhoí, chamado Claas, que se tornoll um in termediário entre europeus e habitantes indígelJas, caSU:1 mente entrando em conflito com ambos. Um:l outr:l históri:1 inicial discorre sohre um menino, criado por holandeses l.' mandado para () exterior, que retornou para . !lm';( mente, à sociedade aborígene. É na insistência cle Kolb sobre a COllK'l1'illUhili(bde (b.~ I
'
:
87
ciência e sentimento, 1750-1800
sociedades khOlkhoi e européia que reside a limitação de sua abordagem. Sua estratégia para a defesa dos khoikhoi não consiste em mostrar que eles são iguais aos europeus ele não acredita), mas em mostrar que são genuínos seres an tropológicos em termos europeus. Contrariamente às afirma ções de seus detratores, eles efetivame;nte podem ser descri tos com base no completo arsenal deçategorias com o qual os europeus C'
i
10. J. M. Coetzee - White Writing: On the CU/fure ofLetters in South /ifri·
ca, New Haven, Yale U. P., 1988, p ..32, Coetzee também parece
aqui se chocar contra os llmites de sua própria estrutura conceitual. A visão
ternativa de "ócio" a que ele parece se referir llesre ensaio <: aquela de Adão após a Queda, um paradigma cuja idealizaç:ào e eurocentrismo ele claramente reconhece.
,.'..,"------- .
.
188 ~.
-~ ~---r
narrando a anticonquista
própria estrutura conceitual."lO Tanto a análise de Peter Kolh quanto as análises contra as quais ele escreveu, exibem eSl:l profunda ,limitação. Ernfins do século à medida que modernas ca tegorias r~cistas emergiam, que o íntervencionisn,o europeu se tornavà crescenteme~te militante e a socie&lde era fissuiada e desmantelada pelos colonos, a posição hu manista de Kolb desapareceu enquanto oossibiHehcle (Iis cursiva. Os "hotentotes" deixaram de ser mesmo descritíveis, por europeus em termos de categori;\~ como governo, profissões, opiniões ou caráter (como no tí tulo de Kolb). De fato, a classificação feita por Lineu dos manos (cf. p. 68), em ]759, eliminou exawmente categorias com a frase depreciativa "governados pelo capri cho". Como outros comentaris~as observaram, mesmo as fi losofias européias que valorizavam formas n:lO européias de neste período, apresentavam uma propensão a assimi lar esta atitude reducionista: nos enfoques europeus, ,'lS no bres selvagens americanos e polinésios paradisíacos eram prc; valorizados justamente por Sl,::~ ausência de fissões,' leis e instituições. 11 Kolb escreveu antes que esta fé', dução'global das sociedades de subsistência à natureza hotl vess.e sido adotada. Finalmente, e previsivelmente, o tratamento ela t\.:1'r:1 do espaço na análise de Kolb se afasta radicalmente c1aqul' le assumido em obras posteriores. Em retrospecto, a ;lust'n cia daquilo que viria a se tornar a história natural e do ;\1'1 é conspícua no trabalho de Kolb, Quando ela ocor re, os termos em que ocorre são muito diferentes seguidos por escritores classificadores, nns-lineanos. A des do interior do Cabo, por crição variedade, mas não mostra nenhum sinal de inmulso clisní
Como muitas ',eze" se nota, tais leitur,ls Ué parecem relktir :.15 ansiedades dos próprios da ínstituc;onali7,;lçào e racionalização dl' suas pr()pri vamcnte, c ,nlto-entendimento ocidental opera um outro que, efetivamente. (- () própri() t'l!rO[X'!1.
n~'\() l'ilfupeb'-,
WI;tPO;1
sot'!\,:(I:l<,Il's. ,'\() i!1\'l'n\'~'H) (Il
8>1 I~,
11'
ciência e sentimento, 1750'-1300 ·'I-----------·---··.~·
narrando a anticonquist,a
. &::7:f'uit:eI. d~ .2Iõtt-entxns.
Fig,9, "Como os hotentotes carregam e cuidam de suas o equipamento para fumar tabaco", da tradução francesa de 1741 obra de Peter Kolb A situação atual do Cabo da Boa lióperança (Des cription du cap de Bonne-Esperance, Amsterdam, Jean Catuffc, 174]),
_...__ ..._~~
Fíg,lO, "Vilas e Cabamls dos Hotel1t0leS", d:l lradll~,',l() Ir:lIKt's:l dI.' 1741 da obra de Peler Kolb ri SiílWçâo atual do C(lI)() rI,1 lioll
(DesCI'iptio/1, dI< ca{J de 13onne-Kçpemnce, r;41).
i\m,lvr(\;ll1\, ,k:lfl (:;1
9J
,.
Ciênc~..:..:-=-ntime~, 17150-1800
minador ou c!assificatório: As Planícies e os Vales sào todos
Pradarias, onde a Na tureza' su,ige com tal Profusão Encantos que maravílha os Olhos -qu~:f1observam. Elas conjo -que sorriem em todo lugar: sãO' sempreadomadas por lindas Arvpres, Plantas e Flores, algu maS delaitilo singulares e atraentes Forma e Beleza, toçlas tão Olorosas, 'que enchem os Olhos cbIh incrível Prazer e o Ar com o mais d~ce dos Aromas. Entre i enas' estão o Aloés e outras cu riosas ÁrVores medicinais e Abundantes Ervas com Qualidades médicas."
em
cwêj's de que jamais tive notícia", Kolb termina seu "urm ou duas ro volume com uma apaVOf(ln t 2 exposiçào Execuçoes", Uma das história::; envolve o destino de um gru po escravos tentaram e, no processo, assas : : ) . sinaram um' europeu, "cortaram sua Barriga, arrancaram !' j suas -Entranhas e as penduraram nos arbustos mais mos." r.anturaclos e condenados, eles for,ll11 tor!ur:ldll.<; ;I!(; :1 morte:
de
dos homcns
A linguagem empregada conQrma a caracterizaçcio de
James Turr.--:r da descrição seiscentisra do panorama como um "composto", "não o retrato de um lugar individual, mas urna constmção ideal de motíft espe'cífícos. Seu propósito, é expressar (\ caráter de uma região _ou a idéia geral de uma bo,a-terra."13 Como na narrativa Condamine, tos particulares da fauna e flor:l si:io mencionados no texto de Kolb por seu exotismo, seu potencial como medicamen to ou seu papel dentro dó modo de vida dos indígenas. Por exemplo, os dois retratos botânicos mais elaborados que Kolb constrói, complementados por gravuras, são subs tândls que os próprios khoikhoi prezam, a folha da dacha (cannabis) e a raiz de Kanna (ginseng). Não há traço do projeto desClitivo tatalizador europeu Mesmo que Kalb rejeite distinções essenciais entre af!'icanos e europeus, uma outra estrutura hierárquica atra vessa seu mundo humanista: o escravismo. Embora comba tendo estereótipos reducionistas os khoikhoi (que não eram possuídos como escravos), Kolb manifestamente escreve a partir do interior de um mundo pré-abolicionista. Sua descrição da Colônia do Caoo principia com casas e igrejas e- termina com senzalas e estábulos. São os eScravos que continuamente levam a sociedade e o discurso de Kolb à desordem. Descrevendo os escravos da África ocidental no Cabo como "os canaD1as mais intratávcis, vimmtivos e 12. Kolb, 13. ]ames
- Tbe Polittcs 01 Landscape_ Ruml Scenery mui Society
in English Poetry 1630-1660, Cambridge, Harvard U. P., 1979, p:10.
92
-
-
fOr;lI11
I'cit()s "m
CO!"I:,-,
enforcada. üs Hest:ll1tes
c-Otn \-:1'
for:\ll1 CUIll
ferros em
111';1.'>;1
l h
nilo l11ostr;!I' ('1';1111 qUl'lll-:ldos que o executor lhes illll)Ul1h:,
ral Eu, Pierre Reviere ... 1\ reconhecerão sua I e sensadorlalist:-l sobre tortur,l que gação de formas institucionais de controle soei;\ I C()1ll0 a" clínic13,e escolas- Kolb express:l qU:dqUlT d\'~, com discurso', emhora as llisu-)ri,l:> :-;( {(lI tur,\s de escravos efetivamente ÍntclTomTXl111 ,,' Írr( )!lll);ml 111) - seu texto A di!llé't1s1'io palavras, mas a silencio::':l que é dão parece s(:'[' lima perturb~lç~10, uma ocasíJo P,II':I (j"l'llS,1 contic1o c norm:i1i/JL!n, ) , In." últimas Clt'Cilb.' do Sl\'U!l'.
--lI
14, Kolb,
op_ cu. p.2:l.
',5_ Michel
fOUCll1lt ,,- J Piene [(criêre, /)ou'J/g S/ml,fi"I")",,d Iill' .1 {nlhel: Síster and my Brolher, Ne'" York, l'"n'h~ol1, 19-:-') ITI':I
Janr'íro, Graal. ]982)
)
.'
ciência e sentimento, 1750-1800
narrando a antíconquista
._-----"-
menos contido e normalizado. Nos escritores posteriores de viagens ciem1fiças, o sensacionalismo e a escravidão virtual m.ente desaparecem, como desaparece .'1 maior parte dos dramas sociais de qualquer espéci~.Por outro lado, como procurarei mostrar no capítulo segt'lin'te, ambos encontram uu:. novo lar nos relatos de viagem 'sentimentais, muitos dos quais se aliam a causa abolicionista. Nesse contexto, a lin guagem sensacionaasta sobre a dor, utilizada por Kolb para reasseverar a escravidão, é estrategicamente transformada numa intensa retórica de protesto. Em suma, ai narrativa de pela antece de tanto o Sistema da Natureza rnf'nr.< dae'x . ploração e viagem da expansão européia. Também um momento história sul-afrkana. Quando da anos de contínua presença não haviam uma conquista local, e a hegemonia nativa ainda se manti nha. COf.tudú, a d.ominação era sugerida, especial mente por a'lueles livros contr
,--~.. ~"uralizando
a zona de anders sparrman e paterson
o fim do século XVIII foi uma época de crise e re volta nó Cabo da Boa Esperança. Quanto m
para sé va ria necessário p:JfZL que povo , como Cu rtin et alh o a st'us próprios interesses e a COtlst . pría sociedade. Leis de passe, como as suspcns;l.~ n:l 1\1 J'I~ ca do Sul em 1987, já est8vam em vigor na clécad:l de Gmpos Nguni continuavam a se opor à incursão AfricflI1~ der além do rio, e estes continuavam a ser fust igad,. s pe los indígenas em seu meio, especialJ11l'l1tc (],~ I\,;U Eles tinham ~~'- se preocup:lr com outro nômeno da zona de contélto, os assim chamados "band()~; mistos" de khoíkhoi. !kung, escraV('S fugidos, cu nos, e o renegado branco ocasion,l!.1"
16. Curtin ,li
l. ,____. _....
. ____
194 --+-.__.
p.29H.
n!í
ciência e sentímento, 1750c1800
I
narra:tdo a anticonquist.a _ _....
J.~.,
_ _ _ , .•.•
-------~
Apesar dos distúrbios do período, pelos fins do sécu lo XVIII, a difusão da sociedade dos colonos estava tornan do a viagem para o interior no sul da África cada vez mais exeqüível para os europeus. O florescimento da história na tural tornou-a gradualmente mais desejável e a emergência de novos paradigmas narrativos fizeram com que tais via gens fossem cada vez mais adaptadas à escrita e 8 leitura. Estas mudanças estão claramente registradas na obra de dois viajantes dos anos 1770 - o sueco Anders Sparrman (: o inglês William Paterson. Pupilo de Lineu, Sparrman foi mandado para a África meridional em 1772 como um naturalista que ganharia a vida como professor particular. Mais tarde, naquele mesmo ano, ele se juntou à segunda expedição de Cook ao redor do mundo, reassumindo seu trabalho no Cabo dois anos de pois e lá permanecendo até 1776.Cçnsiderado como "o pri meiro relato integralmente pessoal de viagens no extremo interior da África Meridional, "17 o muito citado Viagem ao Cabo da Boa Esperança,18 de Sparrman, foi publicado em sueco em 1783, aparecendo numa tradução alemã em seguida por quatro edições inglesas a paltir de 1785, e tra duções em holandês e francês em 1787. Paterson era filho de um jardineiro escocês e foi man dado ao Cabo, na qualidade de coletor botânico, pela con dessa de Strathmore. Foi descrito como "o primeiro a escre ver e publicar em inglês um livro inteiramente devotado à descrição de experiências em primeira mão de uma viagem na fi.frica do Sul"19 j sua Narratíve of Four Voyages in the Land ofthe Hottentots and the Ka.ffirsJ° (Narrativa de quatro I
t
196
víagE:ns rtC;~ terra dos hotentotes e dos elll 1789, sendo que uma :segunda edição Em l781, agora tenente inglês, Paterson que bfít~nico ~I Colônia do Clbo, o que levou ;) que sua~ viagens haviam sido motivadas por
em ill ('
ak~l1l;\
I(:'n 11;1 111
Patcr:;;on iclentiliGl1l1-sc: l'YPIICltClJ1lt'tlll' COlll uma nova era de exploraçào do interior e de CiC'ill in cas' paJticula lTllel1te no tocante ~1 África. E~( Tl'\l'I1lI() seu prío prefácio, Paterson se define como contr~rio aos ('onqtlistaclorcs e víajémtes pois. SI h tenta ele, nenhum deles tinha sido capaz de:' e:'111ctllll'r a a ambiç~lO jamais tenha instil,ldu !lOS . do mundo o desejo cle estender seus imperios :lll.<; Af~ica, mesmo que o comércio não tenha <\lraído hOl11ens p~ILl () exame de um país cuja aparência exterior n:lo o(~j:l de !1lodo gum cap
Estes novos homens süo evidentemente ()s :l:J[LlLlli~I:l.' O prefaciador inglês de Sparrman também () qU:llilicl Cl1l11(l um inovador, observando que "de bto, o rel:1l0 qUl' ( do perfil cio paú; ser medida, como novo", íá que dos se poderia esperar" que fornecessem lal i nforlll:I Ç;'l(), Como seria de se esperar, ambos estt'S :lll[On:s disl:l!1 ciam-se claramente da liter,ltwa anedótica de sohrevivêllci:l
17. Forbes, op. cit., p.46. . 18. Anders Sparrman - A Voyage to Ibe Cape of Good Hope, Landon, G. and]. RobhltiOn, 1785, vol. I, reedição, New York, ]ohnson Heprint Cor poration, 1971. 19. Forbes. op. clt., p.46. 20. Lt. Guillaume Paterson - Retation de quatre voyages dans ft?s pays eles Hottentots et dc;ns ta Caflrerie, traduzjdo por M. T. 1101"", Paris, Letelier, 1790. Desaforrunadamente, não tive acesso 'à edição original em inglês da narrativa de Patersonj as traduções do francês são rninlYds. Em 1980,
anos 1950) in! publicada em Joanesburgo, PreparadlJ Verl1O[\ S Fllr bes e John Rourke (Paterson's Cape Tral'e{s 1777-79, JO:1l1<:shurgo, llrc:n· thurst Prefs, 1980), volume inclui r,otas meticulos:ls, m:I]l:IS. suplementares e muitas das lâminas coloridas origin;tis. Em scu cSI:ldo original, o manuscrito difere muito da Narralive -td:l, tI'li iUSlilk:1I1-' do-se a minha p"r utilizar () texto francês. 21. PatersOll , op. cll" p.5.
uma luxuos? edição do manuscrito original de Paterson (descobelto nos
22, Sparrn1an op. cit.) p.vi
r-
j
't)7
('
I '
"
ciência e sentimento, 1750-1800
n"rr""r/,, a anticonquista ----'".~~"""--
e do discurso sensacionalista sobre monstruosidades e ma ravilhas. Na verdade, fundamentam sua autoridade so., tal contraste. O prefácio dei Paterson alJsteram(;nte anuncia que seu livro "não é um romance sob a pele de um livro de viagem", ao passo que Sparrman avisa ao leitor que "muitos dos prodígios e aparições incomuns sobre os quais tenho sido freqüentemente questionado '" não serão encon trados em meu diário," Ainda que "homens com um só pé ê, com efeito, Cíclopes, Sereias, Trogloditas e semelhantes se~es imaginários tenham quase que cido nesta era iluminada," lembra ~""'''rrrn Sares tinham sido culpados sas", particularmente em relação aos é dirigida principalmente a Petbr Kolb). Ambos estes emissários llneanos organizam sua narrativa por meio do empreendi~ento cumulativo e ob servacional de documentar a geografia, a flora e a fauna. O encontro com a natureza e sua conversão em história natural constituem o palco da narração. O procedimento p-arece Lão óbvio que é difícil imaginá-lo como uma ino vação. Como se poderia esperar, a paisagem nestes nào é mais emblemática ou composta, mas pecífica e diferenciada. A passagem a ilustra como a o sistema da natureza do relato de viagem de Paterson;
numerosos a ponto de desconcertar o nflo-iniciado. Em . ela semelhante, encontramos Sparrman afirmando:
Muito tarde da noite chegamos à fazenda de nos:;o condutor, apra-· zivelmente situada no outro lado do rio Borr. Este rio e[~! ladeado, a' intervalos, por belas e altas montanhas, cujos picos l' encostas emprestavam ao cenário uma variedade encantadora. Nos declives de algumas delas viam-se gmtas e cav<:rn:!s, que cenalllen te não existiam desde sua origem, mas eram n:.sultajo elas vicissi tudes e mudanças a que todos os naturais estào sujeitos."
páginas de tais benignos regis;ros sào suficien do nalll['alista COI1l0 tes para novamente sugerir a Adão sozinho em seu jardim. Onde, poder-se-ia per~lIntar, estão todos? A paisagem é descrita com!) in;lbitacla, devol!: ta, sem .hi.stória, desocupada até mesmo jantes, A atividade de descrever a ra e estrutura uma narrativa a-social na qual a presen ça humana, eurooéia ou africana. é absolutamente aindaI e , parecem desa parecer do o é claro, explica que ele possa andar por toda pane como aprouver, e que nomeie as coisas com o seu notne' ou o de amigos de seu país natal. A certa altur:l. numa ilho, ta deserta, Sparrman se dcscreve "alheio 80 estlldo hot;ltli co - nas mesmas vestes que Adão usou em seu esudo 11:1 tural". Nos termos incorporados naturalista, a au!()rí(l:! de e legitimidade da autoridade sào inconlestáve'is - uma visão indubitavelmente atraente leÍlort'S l'!II'UpCU:i do tempo, o mundo humano é natu ralizado, como pano de fundo para a busca du 11 qlla nto d, naturalista. Nos relatos tanto de como é norrn8lmente () caso, o grupo em \'i:lgc1l1 constitui um microcosmo das co!onÍ;1 is. visto (]v relance em passagens ocasionais. Fora do ~nglllu do olhar atente., para a paisagem, servos khoikboi se rnovimcntllll
Quando passou o calor do dia, mmamos para o Nordeste, através de uma região extremamente árida, mantendo a imensa cadeia de montanhas à nossa direita; quarenta milh;ls adiante avis(amos ou tra cadeia de montanhas à nossa esquerda. Ainda que esta área seja extremamente árida em aparência, ela apresenta abundância de plantas da classe das euforbiáceas, de mesembriântemos e de várias espécies de gerânios."
A linguagem é intensamente visual e analítica. Itálicos lineanos espalham-se pelas páginas, ainda que nunca tão
ri,
23. Ibld., op. dt., pp.xv-xvi. 24. Paterson. op. dt., p.23 .
.r---
...~t, ...
..
_--~-
tt'
'I'
t
I
l-.. . ;;,--::.parm~-::,
op.
c/I .•
p.12R. D;)
'~
"
dênCia e sentimento, 1750-1800
narrandú a anticonquista ---~
e
f I,
I.I
para dentro para fora das margens da história, levando água, carregando bagagens, tocando o gado, roubando be bidas alcoólicas, guiando, interpretando, procurando carre tas perdidas. Referidos apenas corrio \.um (uns)!o(s)/meu(s) hotentote(s) (ou simplesmente orpitÍdos, como em "nossa bagagem chegou no dia seguinte?, todos são intercambiá veis, nenhum. é distinguível pelo nome ou qualquer outra característica, e sua presença,sua d~ponibílíté e estado su balterno, são tidos como certos. (Paterson: "Na manhã se guinte, havendo encontrado uma povoação hotentote milhas adiante, tomei um de seus habitantes como g~lia. Afora sua presença fantasmagórica como membros do "grupo", os !d~oikhoi habitam uma seara distinta nos textos destes livros, çmde são apresentados enquanto objetos de descrição etnogclfica formal. Sparrman lhes dedica uma gressão descritiva de trinta páginas n'9 meio de seu livro, en·, quanto Paterson os coloca numa nota de catorze páginas em seu primeiro capítulo, em meio a n0ti'lS menores sobre o vea·, do-do-cabo e a zebra. Estes retratos . etnográtkos pós-Iinea nos dos khoikhoi se afastam da déscrição feita por Peter Kolb de ,maneiras que expressam esquematicamente o avan· ço dos interesses colonialistas. Muito simplesmente, enquan to Kolb descreveu os khoikhoi primariamente como seres culturais, estes dois textos da década de 1780 os apresentam antes de tudo como corpos e acessórios. A estratégia etno gráfica de pergunta e resposta de Kolb é subst~tuída, em Sparrman e Paterson, pelo escrutínio visual enquanto meio de obtenção de conhecimento. O retrato de Sparrman dos hotentotes começa por cinco páginas devotadas às partes do corpo, especialmente as genitais/7 quatro às vestimentas, três aos orname'1tos. Kolb também escreveu sobre corpos e ge nitais, 1'0 entanto, em seu discurso, os corpos eram entida des formadas ou, no jargão moderno, estabeleCidas oela cul
t~ ~'alerson,':''J.
clt" p,196, 27, Ao longo dos sécdos XVIII e XIX, e também no século XX, a geni.rá lia dos hotentotes foi objeto de infindáveis, usualmente de bates e discussões por toda a Europa, () tema e fantasia principal veio
/.t....~.' - .........----.
11O~
.--~
..
_"~-~~.
tura. Ao descrever, por exemplo, uma cerimôni,l 1J:! qU;lI J() vens meninos tinham (supostamente) um de seus testículos removidos e substituído por uma bola de gordura de a príricipal reação de Kolb é a de frisar repetidamente a fi l neza ,e precisão com que a operação é !cuado Cf co!?u. Sparrman, por seu turno, observa que os homens hotentott's têm dois testículos e, com base em sua pról lría nega a existência do procedimento descrito por Kolh, ü efei· to é <1 dfsculturação dos cada vez mais Nào é necessário que se diga que a di111en,<10 c1ial(lgica da narrativa de r<;:olb contrasta com os aparatos descritivos C:;(;'I ricos ,de Paterson e Sparrman, As vozes índígcn,ls quase ca são ~itadas, reproduzidas ou mesmo invent:ldas neste,s es critos dI? final do SéC~llo :ArvIII; os atributos intelectuais e es analisados por Kolb são negados pralicamente pon Quando Sparrman faz um comentário sobre :1 cannahts, ele explicitamente não pretende discutir o seu lu gar nos ,costumes indígenas, mas sugerir que os colonizado res "a ptilizem em panos p::lra lençóis, na oroducão de sacos, lonas, cprdame e outros artigos. "2H : Inteiraçlos da atual crítica acadêmica ao discursu dos colonizadores, os leitores contemporâneos facilm\?nte rel:1 cionamesta criaçào de um corpo sem discurso, desnudo, biologizado com a força de trabalho desenraizada, da e disponível, que os colonialistas europeus tão C!eSlll11
ser a questão sobre se as I11ulheres khoikhoi pOS5uí;lI11 pm c1l'Il1c:nto gl" niral "adicional" que veio a ser chamado de "avenral hOlc'!lloll'" "TeSle" !11unhas" dos dois lado.s envolvidos no debate Sr\() nu llll'l'(lSCIS. c' " dl'h:i' te repre~centa sem dLlvida um dos mais sórdidos G'I,jtu!os hiq()l'ill d" imaginárío colonial desumanizado da Sanlkl' L Gilm:ll1 c'-'l\!ll:! gUlls aspectos de:iLa milologi,1 sexual enl Bodll'>, \Vilill' 1,,,dll'S: 'I(), \Varei an Icol1ography 01' l''('mall! Sexuallty in Lare Nil1l'il'l'I1II,-Cl'l1llln iVledicíne, 'mel Liter~lrllre" in HCllJy Luis (;;Ht~ Ceci,) .- liilCl.'. Wl'Ílillg Wirl Difference, Chictgo, Chicago n p" l<)H(Í. O anigo Li" CIIJl1C1n 3cen,rdamCnll' crim:ado por reproduzir l'Xal:Il1Il'l1lt' 'I ,lillll'11S'Ú) fÍl:a que está procurando condenar. C"n,"\llte ,SL(, por (,.'\l'1111'1, 1, a
de Houston Baker II Gílman outlO,s na mesma , p.26'S, 28. Sparrm:m. ojJ
COIc'iânl'I;,
101
"
'1
i
'1' í
Ii
ciência e sentimento, 1750-1800
exterior. Poder-se-ia argumentar que os relatos de Sparrman e Paterscn· simplesmente refletem mudanças que os próprios povos khoikhoi haviam experimentado durante as cinco décactas ' de intervenção colonial desde K:olb. Suas for mas de vida' tradicionais tinham sido, afinal, permanente mente despedaçadas. No entanto, a concordância entre es tes textos vem ,já do fato de retratarem os povos africanos não como objetos de mudanças históricas em suas formas de vida, mas como indivíduos sem ql~alquer forma de vida, . I seres sem cultura .(sans moeurs, .na versão ff'"d.ncesa de Paterson). Qu:aísquer mudanças qu~ porventura tenham ocorrido, tendem a não ser express~s fomo mudanças, mas sim "naturalizadas" como ausências lacunas. A descrição de Sparrman apresenta a si mesmfl: ~omo verdade atempo ral e, sempre que as duas entram conflito, simplesmen te rejeita a veracidade da narrativa ,anterior de Kolb, Assim como os khoikhoi são desterrados ~I extraídos da paisagem em que vivem -, são também retír~dos de sua economia, cultura e história. Estes são procedtnientos que a ação da história natural torna simples e, de fat9, obrigatórios. Assim, a anticonquista "subscreve" a apropd~ção colonial, mesmo quando rejeita a retórica, e provavelhlente a prática, da con quista e subjugação. Enquanto deixa rigidamente à parte os povos IllUlgc: nas africanos, Sparrman, em particular, freqüentemente dra matiza suas interações com os colonos africânderes (bôe res), de cuja assistência ele também depende. Aqui, a vra que dá lustro e idealiza as relaçôes entre colonos e via jantes é "hospitalidade". Os encontros dos viajantes com os africânderes são regularmente ajuizados, tendo por base o apreciado cenário burguês do rude e humilde campônio, re pa.rtindo al-egremente seus víveres com o homem ilustrado da metrópole, cuja superioridade essencial é ainda que suas fragilidades sejam desprezadas. Sparrman e Paterson raramente, se é que alguma vez o fizeram, men cionam as práticas de troca que estruturavam mais concre tamente suas relações com oS colonos. Era costumeiro, por exemplo, que a assistência dos colonizadores africânderes I
em
I':"~----'--~
comida\ alojamento, gado, selVentes fosse p;lga em pól vora e munição, substâncias difíceis de armazenar e de ch ter em áreas remotas, e das a invasào colonizadnJ'a de~ total e sistematicamente, Nos relatos de viagem, esta troca não. é mencionada, talvez pelas mesmas razôcs que tão pouco é dito a respeito dos usos qUt' teria tal Imlt1içJo. As complexidacles da vicb na zon;1 ele C()i1tato silo LGUlIU...:m expostas apenas ele relance, A pohn:~za dos colon(),~ africânderes freqüentemente confunde categorias - t,1 nto Sparrm:;l.11 quanto Paterson contam ter se aproximado de (:1 banas africanas que afinal percebem ser lares de colonos europeus. Nas áreas mais remotas, solitários europeus itim' rantes ~ào encontrados movimentando-se de um lugar para outm, cruzando os limites da dife:rença. Ambos os autores sobre alianças sexuais e casamentos transraciais n:1o apen:ls o caso ,comum de hOlljlens europeus e concubin,ls africanas, mas t!\l1lilbém de urna mulher que dá à luz o filho de um arpante africano; de um europeu que se casa C0111 uma m:ulher tribal por verdadeiro amor, A violência e (k,~ tmiçào da zona de corrtato também são tn,(S apenas em suas e111 traços nos corpos ou anedotas: uma mulher terida h{l anos por \1111:1 !'kcb !'lI químana, um homem cuja mdher e filhos 1()],;1111 l1l(lr!OS. Ull) chefe de quem se tinha tinido as tClT,lS, )' lito l' lc't1,-:()1 entre trabalhadores afric~'lIS p~1 [IÚl'S ropeus permanecem Oi! mencionados, mas n;IO Por
nha genocida contra os da por meio de um,l descrição melhante a uma receita, de como os bôeres caça aos bosquímanos, No livro de Sparr'''' do colono muitas vezes drama ideológico essencial ú autoridade do naturalista: () dv sua forma de saber sobre outra:; Cjllt' ~',
-1-";9
Jbid., p,202.
HJ:\
ciência e sentimento, 1750-1800
narrando a anticonquísta
"uma rica e viúva de cinqüenta e dois <1I10S de idade," Ao chegar, Sparrman tenta ocultar seu chapéu infestado de bichinhos para não alarmar sua anfitriã. Ele, é rr
.~
Pig.n. frontispício da tradução inglesa de 1785 de Viagem ao Cubo da Boa Esperança, de Sparrman, representando o "Panorama do C:lmpo no Cabo da Boa Esperança".
As interações de Sparnnan com os africânderes frequente mente representam choques entre o conhecimento campo nês e a ciência. Significativamente, Sparrman impõe o termo "camponês" aos africânderes em geral, mesmo os abastados, os quais certamente não aplicariam o termo a si mesmos. Em muitas anedotas, os africânderes são tratados com prezo ou ridicularizados especificamente enquanto n~ses. Uma série divertida de anedotas enfatiza o contraste entre as visões da natureza mantidas pelo colono e aquelas do naturalista. Num dia particularmente fértil na coleta de espécimes, Sparrman nota que sua caixa de insetos está cheia e ele é :'forçado a colocar toda a profusão de moscas e insetos em tomo da aba de (seu) chapéu, ",lO Procurando um lugar para se hospedar, é encaminhado para a casa de
t-;.-
lbid ,
p.61·
Ao citar a frase afridmer kleine lli SjXlrrman nha a substituição verbal que constitui i'ua ll1issilo enquan, to naturalista. Ele fornecerá os nomes "corretoi''' O aspecto multiglóssico é poderoso, rois a frase afric:-lner alinha a pa troa africânder e seu criado africano na cmegori;l elos nüo inicüidos cientificamente, Na continuação da ~l ex plicação de Sparrman é ben-,-sucedida, mas uma nO\;1 pl:'l formance faz-se necessária pouco quando cheg:l numeroso grupo de amigos e parentes da viúva, Nm'an1l'll e rrofissiona; é hu te a distância entre conhecimento l moristicamente apresentada: "Eles tin -ull1 visto de insetos antes, mas quando examinaram minha de plantas e encontraram nela não apenas bém grama e pequenos ramos de arbustos e árvores. n;'I() puderam conter seu riso ante visàu tão Sparrman está inquestionavelmeIlle t.ol11hando e!c- ~i mesmo nesta anedota, tanto quanto atribuindo a seus anfitriôes. Esta autozombmía l' consistentl' com a relação que e.:;ses dois escritorei' pós-lim:';111os l'stahl' lecem entre eles e seus leitores, Quando CH'!1t ua IllWlltl' (b ;uHiCOII( l' aparece, o aUlo-ohliterado
51 Ibid" p,(d_ 32, ibid" pN;
or
.'
e sentimento, 1750-1800
I I I I
freqüentemente rodeado por uma aura não de autoridade, a ane mas de inocência e vulnerabilidade. Sob este dota de Sparrman sobre a viúva é reveladora. Deixando de lado o potencial erótico convencional da cena (jovem sol teiro I viúva rica), o escritor a transforma em paródia de dra Sparrman ma edipiano. Infantilizando-se a si rotiza a viúva ao comentar sua fragilidade e explicitar, ao in vés de apenas insinuar, sua idade. Ao se esforçar para n~lO falar com a boca cheia, o menino-Sparrman procura possuir a mãe-viúVa por meio de palavras, utilizando especifica mente o discurso da história naturaL" () momento é, claro, interrompido por outras pessoas que a requisitam, pessoas a quem Sparrman é incapaz de assustar ou impressionar. So cialmente, tanto quanto sexualmente, Sparrman leva a efei to umaanticon.quista. Nada disso é muito grave, pois a pessoa que realmen te importa é seu pai na Suécia, à espera do retorno de seu fllho. Diversamente de antecessores, como o conquistador e o caçador, a figura do naturalista-herói assume, mente, uma certa impotência ou androgeniaj muitas vezes ele se retrata em termos infantis ou adolescentes. A pro aspectos dução de conhecimento do naturalista tem decididamente não fálicos, talvez aludidos pela própria imagem feita por Líneu de Ariadne seguindo seu fio até a acima). Serpean saída do labirinto do Minotauro (cf. p. do pelos campos, olhando, coletando, inlprovisando, do :loque quer que encontrem, os discípulos de Lineu não se assemelham integralmente a Dr. Frankensteins ou a Pro meteus, ladrões de fogo. (Os devaneios do caminhante soU tárict, de Rousseau, inclui um famoso retrato do autor her borizando num longo manto turco. 33) Os heróis naturalistas não são, mulheres - ne nhum mundo é mais androcêntrico do que aquele da histó ria natural (o que não quer dizer, evidentemente, que não tenham existido mulheres naturalistas). A estrntura paternal
t-·-
N.T.: -:;-bras.: Brasília, Editom da UnB, 1995, 33. Agradeço a Elizabeth Cook por trazer este ,exemplo à minha atenção.
106
de díscipulado é sobejamente evidente. !preside em casa ao lham pelo mbndo à busca das peças pletarão. A imagem de Adão no jardim rril11orcli~iI (~ UJl1.! imageiTI qlle a criação de Eva. Como os seus livros muitas vezes sugerem, o impulso' que lí.:'v~1 (1~ li neanos 'ao exterior envolve uma escolha. C0!110 :1 do 1)1 Frankénstein, contra a vicia conjugal heleros~exll~!I l' ~l~ Im! lheres. A ausência de Eva é indubitavelmc.:nlt' um:1 rrc('o!l' I ' díçàq para a infantilídacle e inocê'1cia de Ad
cadosnão têm qualquer valor em si - eles ,,~I(1 mer'll11<.:nte
instâncias de si mesmos, de seu e ele Sll:l
espécie. O prefácio de Paterson frisa o contmste entre a COI)
quista e 'a anticonquista Simultane~ln1emc. ele fC\'C
la sua conexão. Nos "sertões" da África. escr\:'vc,
o naturalista encontrará um vasto campo pUfa
~1I,\~ ()h,.;"r\';\\'('", e lá descobrirá objetos que, por sua imensa variedade, ""rijo pazes de satisfazer todos os seus gOStos; lá tmlo,'i ( objetos em seu estado natural, e discl'rnirií no,' sl'lvagl'll'i
hotentotes as virtudes que talvez tenha, em V;\o. ellU)!l'
traI' nas sociedades civilizadas. Tomado por tilis senli!lwnloS, l'
muito excitado pela de uma terra cujos pmcllltos no,
são desconhecidos, a Inglaterra com a resoluç,10 de fazer urna curiosidade que. se nâo uista CO/1/01ílil pom Cl de, é CiO menos inocente (itálicos meus),"
,Que emaranhado pod~ ser encontrado nestas poucas sentenças' Por um lado, a de inocên, cia e desinteresse, por outro, o vocabulário ele e deseio au~()centrado. De um lado, um eu demandante (mas 34, Paterson. op, cito
p,"),
107
r
[!
ciência e sentimento, 1750-1800 ----._'-,...
narrando a antie()nquista ........"'".... _.'-,
_--------
culino) com necessidades a serem ~atisfeitas, e, ao mesmo tempo, um eu receptivo (feminino)! ~utopenetrado por senti mentos. O orOjeto diferenciador e cumulativo da ciência ex plicitament~ ~eajusta àquela out~d f6rma de diferenciação e acumulação que é chamada de 'Çà~to. O conhecimento é identificado a6 consumo (como Sparrman à mesa de jantar viúva) e à satisfação de um desejo auto-reprimido. ' Na literatura da fronteira imÇjerial, a inocência CÇlilS pkua do naturalista, suponho, adq1Jire significado em sua relação com uma assumida culpa p'ela conquista, uma cul pa da qual a figura do naturalista ~ternamente procura se esquivar, e que eternamente menciofla, nem que ape nas para distanciar-se dela mais uma vez. Ainda que os via jantes estivessem testemunhando as' realidades cliárias ela zona de contato, mesmo que as instituições do expansio nismo tenham: tornado possíveis sti~s viagens, o discurso' de viagem que a história natural produz, e que é produzi do por ela, repousa sobre um grande' desejo: uma forma de tomar posse sem subjugação OH viol'ência. Tal anseio alcan ça seus extremos no último relato sul-africano que me pro ponho considerar: As Viagens ao Interior da África Meri dional nos anos 1797 e 1798, de John Barrow, livro lan~a do em Lonclres em 1801.
Jlrranhões na face do país, ou o que o sr. barrow viu na terra dos bosquímanos
-------~~-_
ram :sua invasão do território controlado pelos povos .Eles' também continuaram a se ressentir relutância da Companhia em apoiá-los. Em n11ia' enviou um landrost, ou administrador, para conter a ,crescente ,militância africânder. Ele permaneceu nc 'apenas'uns poucos meses e, pouco depois, um ataque ;,1'1:; cânder contra os nguni proV(j",UU um levante geral sem pn' ceddntes de africanos contra europeus. 3> Enmre2ados khoi khoi e escravos !k1.lng se rebelaram em se juntaram aos nguní, fornecendo mas roubadas de seus palrôes europeus, Eles for;lln cil'\';lS tadOl'arnente empregados contra os colonos ;lfric! ndercs. :1 quem () governo cLi colônia pouco par;1 prolegcr. africânderes reagiram á aclministracào col()nial C' ('111 a mas áreas proclamar Inceneza e violência persistiram por m\Jitos anos, num p(jríodo em que os problemas financc:iros da nhia Holandesa das Índias Orientais limitavam sua , dade de reação, Em 1795, a Colônia do Cabo foi tomad:1 pela Grã-Bretanha (sob o pretexto de que eSlava em de cair sob o controle dos que, sob viam rel::entemente conquistado os P,iÍses Baixos) Os colo nizadores britânicos sul-africanos ingleses de hoje) co meçaram a chegar, evidentemente mal recehidos pelos afri cânderes, A Colônia foi devolvida aos holandeses em lHO,"', retomada pelos britftnícos em 180(>, e dchnitiv:II11CIlIC enio, sob o jugo britânico em 1815, J0I111 13arrmv, dipl0111ata de carreira, chegou ;;tO Cabo c1ur:ll1te () período do co~tJll()le britflniCo como secrel;írlo novo governador colonial, Lorde J\kClrtlll'\' McCanney ),
As viagens de Barrow no lJ1lerior da Colônia do Cabo
foram originadas por um período de explosivas rupturas nas relações Ínternas entre a Companhia elas índias Orientais, a sociedade colonial africânder e os potentados indígenas, conjuntamente à escalada da agressão externa ela França e da Inglaterra. A tentativa de se conter a expansão européia no rio Fish não foi bem sucedida e os africânderes continua.
,__,_~,~o~.
VI
dirigentes cLt Companhia, estabelecer o rcconllCcil11(,111() ,11 presença britânica entre as pOplllaÇ()t~S a!'riclIldcl'l'S L' II genas ié', al('m disso, cloCUI11l'nt:lJ' ";1 LIcc cio n:lí.,
l
35, Curtin el uNi,
Oj),
pp.,'OI (" ss.
(): I
l
'j'
'I;
ciência e sentimento, 1750-1800
I,
Diferentemente de Kolb, Paterson e Sparrman, Barrow estava viajando oficialmente em nome de um em preendimento territorial eurocolonialista. Em suas narrati vas de viagem, ,a retórica de anticonquista do naturalista quase supera o papel de um relatório oficial, visando a le gitimação da ocupação britânica dCll Cabo. No que pode parecer um paradoxo, o relato de Barrow faz apenas re ferências muito limitadas aos ângulos inilitares e diplomá ticos de sua missão. Ele escreve ilim pouco no padrão de Sparrman e Paterson, como naturalista, geógrafo e etnó grafo. Estes discursos aparecem Cle forma extremamente institucionalizada no texto de Barrow, e são conectados à expansão imperial de maneira mais explícita que nos es critos de Sparrman ou Paterson, talvez porque Barrow estivesse escrevendo como representante oficial (um se cretário, de fato), ou talvez por conta de seu próprio tem peramento. Como seus predecessores, o relato de Barrow em ge ral separa os africanos da África (e' os europeus dos africa nos), relegando os primeiros a retratos etnográficos enseja dos pela narrativa da viagem. A narrativa de Barrow consis te numa supeqlbundância de descrições da natureza e da paisagem, uma, catalogação carente de emoções daquilo a que Barrow, ele Lambém, gostava de se referir como "a face do país". A passagem seguinte é ilustrativa:
I!
--------
1
o dia seguinte, atravessamos o rio Great Fish, ainda qu~ nàc, sem alguma dificuldade, posto que as ribanceiras eram altas e íngre mes, a corrente, forte, o leito, rochoso e as águas, fundas, Algu mas belas árvores, salgueiros-da-babilônia, ou uma variedade da quela espécie, ladeavam o rio nesta área, O lado oposto apresen tava um lindo campo, com muit:Is matas e cursos d'água é pro fusamente coberto de grama, entre a qual crescia em grande abundância uma espécie de'índigo, aparentemente o mesmo des crito pelo Sr. Masson como candicans, A primeira noite que acampamos na regiào dos kaffir estávamos próximos a um córrego chamado Kowsha, que deságua no rio Great Fbh. No dia seguinte passamos pelas vilas de Malloo e Tooley, os dois chefes e irmãos que havíamos visto em Zuure Vddt, vilas estas encantadoramente situadas sobre duas eleva ções que afloram do citado riacho, Também pa~samos por diver-
I"~--- ··----..-I~Q..
narrando a anti conquista sos povoados localizados .lO longo d8s 1ll.1I'g<-'ns cio G ,Iengb l' Sl/as ramificações, e no dia seguinte chegamos ~I Uill I'io de 1l1~I,t.;· nitude muito considerável chamado Kdskallllll:l. '"
E' assim prossegue pela maior p,Hte cle'ÍOO p:ígi[1:1o;, um tipo de narrativa estranha, extremamente conticla, qLle parece fazer todo o possível para minimi-":~lI' ~l prcscI1\';[ humana. Em geral, o que é narrado é um:1 sC:'q('[('>nci:l ele' vistas ou lugares, Detalhes visuais são intL'rcaLlclos com informação técnica e dassificatória, Tende-~e :1 formar 1.I[]1 quadro' panorâmico salpicado por termos estéticos, miti gando o que de outra forma seria um vocabulário integral mente insensível. Os viajantes são, sobretudo, apresenta dos como um tipo de olho coletivo móvel no qual sào rc gistradas as vistas/paisdgens; enquanto ngentes, su:[ pre sença é muito reduzida, Na passagem mencionada, por excn1plo, o grande esforço do grupo para Cl'lIZ8r o rio nào é narrado ou dramatizado em termos humanos, e sim expresso de maneira bastante indireta como uma enumc ração I dos traços do rio responsáveis pela dificulc\adc, Prioridades heróicas são eliminadas; os protagonislas eu J'opeus :excljJem-se de sua própria história,r N~IO há nem mesmo traços ele qualquer coleta de espécinics
-1--'-~6.-JOhn
J3armw -
An ACCOUllf
01 Traz'e!s
illlo ':'
flll['/'/""
0/ SOl!
than All'ica Ílz lhe Ye{lrs J 797 (lI/c! 1798, Lo IllI "" , C:1l1l'11 ."1e1 li,l vies, 1801; l'C'l:'c1içào, New York, Johnsoll l\eprilll Corpor:II""" l'l"c' pp,IS>O-l. U1l1a sC'qLiê'nci~1 d:lS l'rCiue!s veiu ~l llll l'lll l~\) I C()!ll() l!ln
"'segundo
VOlUlllC,
A n~'I()
:-;("1'
qU~lndu
incliclllo, [()d,l>
.1."
cit;I\.:(')l',"'; "';,1('
provenientes do vol. I.
37, Barrow mantém ~I "uto-,eliminaçào Illesmo qUClllcl" 11:11'1':1 1110111\-"11'"
de drama e grande perigo pessoal. que floderial1l alc:lilpr flollloS elrClIll;l·
ricos extrerno.'-i. Ao cJe:,crl~v\...·r C()nlO se processou :\ rl1g~\ (Il' 11111 Illcl?nclj()
na Inat2.~ serüo dS G\ITOçaS, u gado, os eles t: o teITL'110 qUl' J"L'gi:->lrarj() ,1
crise, ao pélSSO que a t'xperiênci:! lHJlnan~l (. fUki
S8ínlos lltll pouco do calltinho que Il:'vava :10 lUg.l r llL' oIldL' prO\'iIlh,l fumaça; contudo, estando ~IS carroças a sot~l\'enl(), t.: d~ldo llLlt.' ;\ \'(.'11
H
tania se intensificou, antes que percebêssemc,s estavaJll elas ',lO Jlleio do incêndio; e a fumaça estava t~o dellsa e ante LiU" il:iCJ podLill10S ': 'I o grupo em toda a sua extens"", O.s bois, tendo .sido LJUC'lillCldos 11;1' palas, tornaraIll-se ingovem(Jv('is e fugiram a galopl', l'lll grande COil· fusão, os cachorros ganian"J,
t'
houve griwria ger~l!. t\ ftll1lac\ l'r~\
SUr()
111
-,
•..~f,
I. ciência e sentimento, 1750-1800
Os moradores do campo, fossem africanos indígenas ou colonos bôeres, aparecem na narrativa principalmente , como elementos do panorama. Os povoados ngu:1i mencio nados acima, por exemplo, são menos relevantes no discur so que os rios e Cursos de água, e não se fornece qualquer siGal de seus habitantes. A história, que motiva a presença de Barrow e determina seu itinerário, não tem qualquer pa pel constitutivo no texto. A travessia do rio Fish é descrita sem qualquer menção ao significado político do rio CGmo fronteira da p~netração africânder . ainda que seu estatuto de fronteira constitua a verdadeira razão para que Barrow o esteja atravessando. As Montanhas Nevadas são ultrapassa das sem que haja qU8Jquer referência à sua significação como a principal base para a atividade guerrilheira antieu ropéia - fonte de considerável apreensão para todos os via logo descrever uma jantes no local. Noutra faixa de "campo selvagem, inabitado", Barrow efetivamente afirma que :1 região havia anteriormente sido "uma das divi sões mais povoadas do distrito", ora despovoada em conse qüência do "escandaloso conflito entre o campesinato e os kaffirs."38 Mais tarde, Barrow diria que havia "propositalmen te evitado" a discussão política em seu relato, em parte por discrição, e em parte porque "concluí, então, que havia uma única opinião a respeito do real valor do Cabo da Boa Es perança. "39 Asstn, o drama na narrativa de Barrow não é produ zido pela história, nem pela agência dos próprios viajantes, mas pela face variada do país tal como ela se apresenta a si cante; as chamas ardiam em ambos os lados das carroças, o que, es pecialmente para aquelas que cominham uma quantidade de pólvora, era muito alarmante... , Por várias mílh;ls, a face do campo era uma [o· lha de fogo, e o ar estava obscurecido pela nuvem de fumaça. (Barrow, op. ciI" p.195) Tão suprimida é a presença humana que a sintllxe faz com que as carro
ças se alarmem pelas chamas, e nâo as pessoas que est.ão em perigo de
ser destroçada:; pela explosão!
;38. Barrow, op, cU" p.165,
39, Barrow, Travels, vol. lI, p,3.
~~'''',--''.''
.,_-t!12,
Ii Jl
mesrna acs guagem de Barrow sugere a priação que est{1 inscrita nesta de outra form~l :ll)('r' ta e ,passiva, O olho "determina" o que ele :lbr:1I1ge em S~'lI olhar; as montanhas e vales "se mostram", "apre"entam UIll cenário"; o país "se abre" para os visiWrHt'S i\ Cll é absolutamente incont<-'suc!:l, Ao IllCSl1lC) !l:'mpo, ,1 perscrutador olho europeu parece' imporClll(, par~1 S(), bre ou com este cenário que se ()rerl'C~' ;\ si I11C.' nào incliviclu
,,,))'1 ,,"·l,';r)
térmicas e cidas para explicar a presença ele minerais, dos pântanos, as direções das cacl::ias de cursos de rios, Experimentos são propriedades ocultas - o mundo não é aos olhos, como o é para o colecionador linca:lO. to discurso, a explicação acrescenta unia c1ínwns;'l() de pn'· fundidade à superfície encoberta da termi 1i11t':111~1 Ela também gera novoS poderes planetários para () te da história natural, agora de posse de um olho 11ltcl'Í( encarregado de decifrar aquilo que Alexancler \ ()!1 HUIll boldt (o mestre cio lTlodo ci1~lln:lria ck' da natureza. Qud é a relac:'lo que ~lr\i(,llb estes novOs poderes de explicação ;IS forca., multI." li:l IJO.
BmTOW, op. ciI.,
pp.J2'5-6.
.)
.)
e sentimento, 1750-1800
,I
nologia ind ustrial e ao faminto ímpeto empresarial recém surgido na Europa durante estas últimas décadas do século? Deoomdo de lado as profundezas ocultas, não é sur preendente encontrar um emissá.do de uma potência imI perial européia preocupando-se acima de tudo com a finição do território e com o rastreamento de perímetros, especialmente na África meridional! ond~ a posse de terri tórios tornou-se parte da I=xpansionista. Na n8.r-· rativa de Barrow, mais que na de seus predecessqres, o olho que, numa acepção espacial,i examina as potenciali ciadcs, sabe também estar examinando as perspectivas num sentido temporal - as possibilidades de um futuro co lonial são codificadas como recursos ,a desenvolver, exce dentes a ser comerciados, cidades a construir. Tais perspectivas são o que torna a informação relevante numa descrição. Elas fazem com que uma planície seja "boa", torna relevante que um pico seja "granítico" ou um vale "bem arborizado". As descrições visuais pressu põem - na turalizam - um projeto transformador incorporado pelos europeus, Freqüentemente, tal projeto explicitamente afIo ra no texto de Barrow, nas expectativas de "aperfeiçoa mento" cujo valor é comumente descrito como estético. Um lugar na Baía de Algoa é descrito como "a mais bela posição que se pode imaginar para uma pequena vila pes queira"; não muito longe dali encontra-se um vasto pânta no "que por meio de uma simples drenagem poderia ser convertido num belíssimo prado";"1 a descoberta de miné fio contendO chumbo sugere "uma valiosa aquisição para a colônia", espedalmente porque ela foi feita num lugar onde uma cidade mineira poderia ser facilmente fundada," Em seus momentos mais pragmáticos, Barrow não é aver so a dlscutir o nível de preços de mercadorias ou o valor da presença militar britânica enquanto um nwrcado para a produção local. Afora estas manifestações explícitas, o "es pírito britânico de aperfeiçoamento" pcrmeia o texto de
t
41. Ibid., pp.132-7. 42. Ibid., p.}lO.
l narrando a anticonquista _ _ ....,.
_____
~
4'~.~
Barrow; suas prescnçoes emammdo de Llm~l fonte d<:: Plí atrás do e inocente "eu" Ê úlrefa dos ba1tedores avançados cio to" ci:lpi~alista caracterizar que encontram como "Iliío , aperÍe.íçoado" e, mantendo a terminologia da , .. aberto a "perfeiçoamenros. As devem ser apresent te pontCj', a separação textual de e pessOf1S. de rc sobre habitantes e relatos sobre seus h:lhít;,lS, a sua lógica, O olhar apel'feiçoador europeu bitats dtf sub.sistência, como apenfs em termos de um futuro capitalista c de Sl'U PPll'J1 daI para a produçãO de comt:rci;diz.;í veis. Do ponto de vista de seus habitantes, ObVÍ
nhedmento Não os habitats devem ser apresentados como vazios e' não aperfeiçoados, mas os habitantes tamhém. Para o olhar aperfeiçoadof, as potencialidades do futuro nial são Ijustificadas com base nas ausências e tlCun;L~ cLt vil!;! 'no presente. Para Barrow, o presente africano aperfeiçoado inclui não apenas os 1,1",;1,10,,; (h"rpnrntp< (bosquímanos) e os nguni exploradores e competidores tanto quanto os africanos devem ser
l. :\
Sll~l
\,,111;1
n;UT
Um verdadeiro C:1I11pon(,., Ilol,tndê's, Oll h,',<'I ((I llll
.)
'I \t;'~r--'---
~i .. , ~
,ciê11cia e sentimento, 1750-1800
í· d
I,i'
apen~ls o que lhe é necessário, mtJ,s praticamente toda comodidade da vida poderia ser produzida pela ele não goza de nenr-uma delas. Ainda que possua em abundância, faz muito p6UCO uso do leite ou da Em meio ao mais favorávd solo e clima para o cultivo vinhas, ele não bebe vi nho. Três vezes ao dia sua mesa é atulhada de montes de carne ,de carneiro, boiando na gordura de rabos de ovelha. Sua casa por estacas e turfa"" ou é aberta até o teto, ou cobe~tl\ Os assentos de suas cadeiras de tiras de couro cru. As janelas não têm vidros.
I.
i! I
prossegue por duas Numa' leitura este retrato poderia ser um canto de
louvor ao nobre selvagem e à vida simples. Assertivo de
mais para que possa ser chamado de etnográfico, o retra to
termina com uma significativa muda,nça de terminologia (os
WiJicos são meus):
.( uma reJt'lç;lO clJ
e 00 trabalho em favor de uma maneira de vin'l os frutos da terra fossem usufruídos na medida Clt) em que o trabalho fosse evitado e o lazer e o ócio fossem uma e a ll1eSIll:l coisa."" O parâmetro de compar~lção de B:lrrow p:lra n" ca,mT)OlneSes africanos" (donos de eSCr~IV()s) são. como s(' ria, de se esperar em 1801, "os trabalhadores pobres ela I n glaterra", cuja su perioríelacle em relação aOs "uro-;! frica 11( residia de alguma forma no fato de que lias por sem;l na estavam condenados a uma fain~1 de doze hor;l~ para um pedaço ele pilo para sua f:lmilia .. ciclos, ou sos de se trabalhadora
Com a mente destituída de qualquer tipo de preocupação ou rer1c
xão, entregando-se excessivamente à de qualquer ape··
tite sensual, o campônio africano cresce desproporcionahn;:nte, até
ser lev:ldo pela primeira moléstia i!lflamatória que o acomela. H
l~lll
que Ilarn.l\\ ícl ;1
correlatos sobre
no Caribe, tais como o ck )ohn Sredm;lll. mente condenavam os bôeres nos mesmos termos que usa
será discutido no capítulo 5 e que Barrow ha vam para condenar os hotentotes, w~ando como
via lido. Na América espanhob, um t1uxo chave "indolência" e "preguiça". Ambos os grupos,
de viajant~s de ingleses, no início do século XIX. estavam sujeitos à intencional euro zombariam ela sociedade crioula hispano-americana ela peus no tocante às formas de vida tradicionais da África me ,- mesma forma que Barrow c(mtra os afridll1deres ridional, fossem elas dos africanos ou dos
Os paralelos não são se o' capítulo euro-africanos colonizadores. Os bôeres su 1800, a estava tão imensamente gere apresentavam um desafio particular para os
na América do SuL como na África meridional. O valores burgueses europeus, precisamente porque, na qua
Barrow fones entre as dUJs, lidade classe colonial dominante, com acesso virtualmen
a Colôni:l do te ilimitado à terra e trabalho ILrre, tinham os meios apro
.lU priados à consecução dos ideais europeus de acumulação,
ao posto consumo e enriquecimento por meio do trabalho e, no en escolheram nào alcançá-los. A seu ver,
+1. Coetzec, aos observadores europeus a possibilidade de que "sob
'í5. Barrow, 46. cf. (,oetzet:, op, voiul11e de 1\.11"'(\\\ 1",( rilO
't. .
43. Ibid, pp.76-7 .
.
_--~
o retorno do domíniO holandêS ao Cli)o, continua n aUC[11l' deres ele forllla (onsic!enive!t1wn l e mais <:,,[('11";1,
;l<"
,,1'1'1<';111
11 í'
.'
ciência e oonttrnant ..... 1750-1800
narrando a anticonquista amargo e penetrante, é ruel(> o que o reill(l \t'gl't~ll lhes I'C,CIY;I
, À .procura destes ,bens, [oeb a sunerfície eb "hní,';" Dj'()xíI1111 11<'
Horn:' A história viria a corroborá-lo. Alguns dos generais
britânicos que reconquistaram o Cabo para a Grã-Bretanha gr~lpO foi _.~~ .. A"I" em 1806, foram para a Argentina meses mais tarde partici inicial torn:l par do ataque britânico a La PIata .. passagem povo a subjugado. isto é, apresentando-o O principal objeto de interesse etnográfico das Via jeitos" num coletivo eles, se resume ail1cb mal~ J uni gens de Barrow não são os khoih:hoi, mas os !kung, mais icônico' ele ( ,>,,,,p(';mp n'I Repetindo a usual divisão textval de trabalho, Barrow descritivas têm atuado par:1 ,101'1ll:1 apresenta os !kung num retrato etnográfico de dezesseis pá pam I' seus tr
n
outro, o IYlrr;lt!t)!. p:lr:1 aternporal que t< )(1:1.'-
usá-lo como oportunidade para refletir sobre como estes aparatos padronizados do relato de viagem prodUZiam temas não europeus para a audiência doméstica do imperia lismo. Eis aaui um trecho: Por inclinação (o bosqtiímano) é vivaz e alegre; e, COlHO pesso'l, ativo. Seus talentos estào bem acima da mediocridade: (' ;ivesso ao ócio c raramente permanece sem emprego. Geralmente COIl finados a suas choupanas de dia, por temor de serem surpreen· didos fazendeiros, :.algumas vezes dançll11 em noite, de lu;\ cheia até o raiar do soL ". As pequenas trilha,'; drculafC',s em tor no de su~ cabanas são pova mento. Sua alegria é 'anto mais surpreendente quando se obser va que as migalhas que procura para sua sub,istênda s~o obrÍ das com perigo e fadiga. Ele nilo cultiva () solo, nem cria e sua região produz poucos bens natur;ús apropri
Barrow, 01'. cil., p.17 e p.1, respectivamente.
---~~~?
".~l·\IS"
"Ele"
um;!
uma lísta clt' diferente
l:,!1t1(i:lcle .\/1 i
características.
situada
llU!11;l
cio nes Fahian utilízou a neidade" pma se referir
.,
'.1:-
11 ( I1
ile 111 pc I ri'
I
I
41i. liJid., pp.2H:i-·í, dos
í)
livro de IkllTO\\ 1.lmhé:fll ;11,lul
khoikho! r,hc;rcIlloit.:;';)
l"\'tI ;! I r l'~
t' ngull'l \ !-..;1!
llll
e sentimento, 1750-1800
to temporal." 9 Esta é uma velha prática textual que efetiva mente comp/ementa os processQS de des-culturação e des-territoríalizaçào discutidos antel;iurmente, Sob o aspecto gramatical, ocorrem na passagem cita da dois poutos em que o presente'etnográfico" aremporal da descrição normativa é interrompido por uma narrativa no pretérito, As trilhas em torno das cabanas dos bosquímanos eram prova de sua inclinação para a dança, e , dada a sua procura de raízes, a superfície das vizinhas foi ras pada, De um mouo fantasmagórico, estas duas instâncias de verbos no passado se referem retrospectivamente a urna ocasião ou ocasiões de contato entre Barrow e os bosquímanos, O que eles encontro c(,m eles, mas com os tracos aue deIXaram na sagem - cs arranhões na "face do A voz nOlmalizadora e elos retratos etnográficos de maneiras e costumes é distinta da do narrador, mas a ela, Ambas tem a chance la do projeto global da história natur;'ll: lima apresenta a r(::r ra como paisagem e território, potencialidades; a outra apresenta os habitantes indígenas como corpos fugidios, igualmente rastreados conforme suas potencialida des, Conjugadamente, elas desmantelam a rede sócio-ecoló gica que as precedia e instalam uma ordem discursiva eurocolonial cujas formas territoriais e visuais de autoridade são aquelas do estado moderr:o, Apartados da paisagem em disputa, os povos indígenas são abstraídos da história que está sendo feita - uma história na qual os europeus tencio nam reinseri-Ios como reservatório de trabalhu explorddo, deixar de notar que, em Neste contexto, não se contraste com a ociosidade detectada em africânderes e Barrow encontra nos !kung as mesmas qualida des que valoriza na classe trabalhadora inglesa, Eles são avessos ao ócio e de trabalham duro por LIma pequena recompensa p,lra Ot) ;ng/eses, raíze~ amargas
"y ..
nflo obstante sua to de BaJTow ~l o elogio aos !kung, O que CJuer que os modos de viver (in,.; sido antes do século XVII, por volu da dos europeus, ,Iparent;:~rnentc FI eram Uill;l gerante e mohilizada, odiada pl'los khoikhoj C0!l10 seh';1 gcns e maldosos, Est<:; foi um mito que os colol1os l'llJ'()PCll~; assumiram, aliando-se aos khoikhoi (:m C;lJll de repress30 conWI aquek povo "Sl'1 \';lgcm ' a vida pastoril", CO!110 foi dito Uo '1\'q:lCIlIC· constantes queixas ,~l)hrl' :lS "lic Ire'" li:1 CO!1l
)CIi"'ll1wntê
().~
ele rculí;I(.';'\(
I,
elll pn)moçuc;) ur.: ,';lei L:1.'1l< Icíd:1
Paterson descrevem :1;; e ataqu('
l(:('llíC;IS qlll JCI11lp~1
IXlr:\
mais remotas, (eleS não vivenll11 etermU1H.:'1 posto habitat "nat.ural", o deserto de Kalah;l álente, mesmo :1 éroca de Sparn\1an e P~ltl'rS()ll, nidades haviam se rornac!<) trarem, tão bem escondidos L'q:l\'am (};) SOhrl'\i\'l'nl .\ guns !kung, todavia, foram forçados a Llzcr p~lrtC cI:t CC()!1() mia pa3toril européia, por meio de métodos mente criticados pelos viajantes, Enquant() :1 !vi lI;1 ((l\ll!':!' :1 cscravizaçi}() dos I\I10ikl1oi, p('r!llili~l ljl:l' (l," e assim foi feit,), t'mho)':1 ele, constantement<:' escap:lssem, Sparrman dl'p[()r;l lIlll europell,';:
(l
1;1j)1()
,k'
LI( l,'
hl'
a sSl.::g li 1';1 I' que' :\ 11l:'tl' :1111 49, Johannes Fabian Time and lhe Olher: flow Autbropo!ogy Makes Its Object, New Columbia U. P, 1983 p.3'5,
,---~~~
ta
é
accir;lsse a ('t)cravi7:l,':'i!l
I.' ('\Ir, , .
,I I
ciência e sentimento, 1750-1800
peu.'; em troca da proximidade de"seu filho. Esta prática foi adaptada de técnicas para a captura de animais. '0 No final do século XVIII, os !Rüng haviam deixado de ser uma ameaça séria e haviamadquiriclo o estatuto de povo conquistado. Nos escritos europeus, começaram a aparecer não como selvagens malévolos, mas dentro de um novo estereótipo sentimental, como vítimas benignas, ingê nuas e infantis. Barrow é um dos escritores que inaugura iam este e.·;tereótipo, como na passagem citada acima, Num episódio da narrativa, ele encontra na casa de um coman dante africânder uma família !kungque havia acabado de ser capturada pelos invasores africànderes, O resumo cb conversaçâo mantida por Barrow com o homem cativo apresenta um marcante contrasle em relação à retórica pre ponderante em seu livro, Ao invés de transformar o outro numa informação, Barrow procura expor sua perspectiva C::: vaiorizar sua experiência da perse,guição colonial: Ele no:; descreveu a condição de seus compatriotas como verda.. deiramente deplorável. Afirmou que' por vários meses todos os anos, quando a geada e a neve os impediam de promover suas excursões contra os fazendeiros, seu sofrimento devieb ao frio e carência de alimentos era indescritível: que freqüentemente assis tiam a morte de suas mulheres e filhos por inanição, sem que eles pudessem lhes dar qualquer consolo, A boa estação lhes trazia pouco alívio à sua mis~ria, Eles se sabiam odiados por loda a hu manidade e que a própria nação que os circundava era um ini migo planejando sua destruição, Não havia sopro de vento fada lhando as folhas ou canto de pássaro que nào fosse tomado como anüncio de perigo,"
No entanto, não se colocav;:j em dúvida que o locutor fosse absorvido pela estrutura de poder ~urocolc;nial. Ele já o havia sido, de acordo com os olhos de Barrow: "Preten dia-se', assim termina o episódio, "que este homenzinho nos acompanhasse; mas como ele parecia mais inclinado a honrar seus compromissos com suas mulheres, foi-lhe per mitido seguir suas inclinações maritais" (itálicos meus),
t";~evo ~:::51.
-------!~~-
J31ITOW,
observação a Harriet RilVO, op, cit" pp,24J-2,
, Ao final, o engajamento humanitário ck' !3~lIT()\V C()lll os !kung o leva até o outro lado ela anticonquisl;l cícnlíCil';l. onde se rompe ,'Sua retórica visual e objetívista, O r'-'primído volca a seu textd rlüm episódi~) com o qu;ll chego ~\o fi I11 cll',~ te alentado capítulo, Fascinado pelos 'kung, 13~\ITOW Jl:,'lO quer nada mais que vê-los em seu estado "I1Jlur;l!", ,\ perseguição aos !kung h;lvia sido tão ,J,ramIL' CjlIC ;1 llI1icI ['()J', ma de contatCl com suas comunidades er;\ ;1 ele' lill'r;l!I11l'IllL' invadi-Ias, Apenas por meio de um culposo ;11() dc CC)Jlqlll.~ ta (in:va.;;ão) poele o inocente ;lto dt' antiuJIlqlIisl:1 (olklri,," desempenhado, Em nome do olhar, Barj'()\\' relul;lIlll'I11L'11I',' contraia alguns fazendeiro,'; ;lfric:lllderes 1'.ir:1 LI/,'!' L':\,ll.l mente isso, Empunhando ;lS ferramentas lLI ','I )11L!LlI'>l:1 -- ,I; mas e cavalos - eles penetram 8 noite, soh ;1 L'()ncl;c;'\I) ('SI;, belecicLJ por Barrow ele que nenhum tiro ['IlSSC (k,~rcriclL) I não ser por revide, A aventura parece 11'J' ,ido Ir;ilII11;:liL,1 para ele, uma verdadeira descida ao inferno, ul[a dl'~,l'ríc'l I contrasta dramaticamente com o testo ~o !ino, () ;1l;lljUl' IH) turno à "horda" faz irromper na superfície do texlo 1;11110 ,I linguagem da conquist
Seria difícil exagerar o quão C0I11pk'I:1I11l'111l' l",l',' episódio destoa do resto do texto de B:m'()\\, E :1 l'l 11 il';1 cena noturna no trabalho, a única instânci;1 dt' di:llogo cli reto, a única ocasião em que Barrow dramatiza a ~i mc:, mo como um participante, () único arroubo ele CJ11ocão, ;1 única explosão de violência, uma das pouc\.'; CC::'J1a~ 011llc
'i -"-'~;,-Ibid"
p,272.
I
,)') , ......d
1 t
cíência e sentimento, 1750-1800
- ----------
povos e lugar coincidem, e a única vez que Barrow ques tlona sua insegurança a respeito de seu ambiente. Um dos poucos episódios dramáticos no livro de Barrow, é o úni co em que o sujeito locutor se divide, surgindo tanto quanto obse:vador como observado. O que parece provo car a crise é o fato de que Barrow opta por exercitar seu "direito" assegurado pelo Estado para "legitimar" a da, não, contudo, para defender a si mesmo ou seus con cidadãos, mas simplesmente para dar uma olhada, para satisfazer sua 'curiosidade. A ideologia que constrói o ver como inerentemente passivo e a curiosidade como ino cente, não pode ser sustentada, e a ordem discursiva de Barrow SI'! 'rompe, juntamente com seu discurso moral hu manitário. Nesse rompimento, insere-se um contra-discur sosenÚmentaL, Barrow extravasa de modo confessional: "Nada", diria 'mais tarde, "poderia ser mais indefensável, posto que cruel e injusto, do que o ataque promovido por nosso grupo à vila."53 Estilo confessional, porém não transformativo, a per da da inocência por parte de Barrow não produziu um novo ego nem frovas relaçôes de discurso. Sua descida ao no colonial seria repetida muitas vezes pelos escritores sub seqüentes. Um século mais tarde, quando a Europa seten,· tdonal havia criado sua própria lenda negra sobre a odio sa luta genocida pela África, aquela descida tornar-se-ia a história canônica sobre a Europa na África: a queda. de uma perspectiva ensolarada, para o coração das trevas.
__pós-escrito histórico
narrando a anticonquísta
Cabo para os interesses comerciais e militares britânicos. Seus argumentos podem ter sido efetivos, pois, em 1806, :l Grã-Bretanha de fato retornou o Cabo pela de Barrow marcou começo pelo domínio britânico, que foi em 1815, Os britânicos comprometendo-se, desta forma, a ajuebr os contra os nguni. A resistência nguní continuou ao século XIX; foram travadas guerras em 1819, 11154,.'), 1846 1877-8. novas leis tentaram estélbelecer a sull· jugação indígena. "Em 1809", rl(~ acordo com ., relato ríco canônico de CUl1ín ct aNi, "o estatuto Jc g:!l dos khoi khoi e de outros povos de pele escura nào escclvil.;lc!OS foi definido de tal forma que a maior parte delc:-> foi obrigaeb a trabalhar para os europeus, ainda que usufruíssem de :11 guma proteçào por possuírem contratos ele lr:lb,t1ho escritos e acesso aos tribunais," O truque inventado pelos bô<::'re:; para escravizar os bosquímanos foi 'Em lRI2, no; proprietários de terra europeus foram alltorizado.~ lutcLtr as crianças que haviam sido criadas em suas fazendas Em uma determinação que também imohilizava seus pais 1820, 5.000 colonos britânicos aportaram ,com eles, européia: a lv1issionária Londrina Society], que estabeleceu Ui1l,] n,'si:-;têl1 eia humanitária a alguns dos abusos mais hruuis, O ao lado ela de viagem, é o tema do
capítulo,
Em 1803, a Grã-Bretanha devolveu a Colônia do aos holandeses, uma perda que afligiu tanto Barrow a dI'! ele abandonar tudo durante [rês meses para compor um segundo volume de suas Viakens. evidenciando o valor do Ibid., p,291.
.: ,____.----P
24 ,
'54 Curtin e!
cil..
p.:', II
[:2;1