MARTINA, Giácomo. História da Igreja: de Lutero à nossos dias . Vol IV - A era contemporânea. contemporânea. São Paulo: Loyola, 1997. Fichamento
A eleição de Ângelo Roncalli Roncalli dia 28 de outubro outubro de 1958 foi recebida recebida com surpresa na Itália. O papa já levou d. Tardini a aceitar o cardo de Secretário de Estado para garantir a contribuição de um possível opositor e para receber ajuda nos meandros curiais. O papa em seu primeiro discurso ressaltou a sua missão religiosa e pastoral. Constituiu rapidamente muitos cardeais, entre eles Montini. Em 25 de janeiro de 1959, na Basílica de São Paulo anuncia um plano preciso: um sínodo romano, um concílio ecumênico e a atualização do Código de Direito Canônico. A decisão sobre o Concílio foi inteiramente pessoal do papa, graças a uma lúcida visão da situação histórica. Difícil determinar a consciência do papa do que havia de vir, mas sabemos de seu desejo firme de instaurar um diálogo com a humanidade. Pelas genéricas respostas recebidas por carta de poucos cardeais, percebeu-se a perplexidade da hierarquia ao saber do Concílio. Em junho de 1959 d. Tardini enviou “aos quase 3 mil bispos de todo o mundo, aos superiores das várias ordens, às universidades e faculdades católicas, o convite de apresentar as prop ostas para o concílio” 1 O Sínodo Romano de fevereiro de 1959 a janeiro (e junho) de 1960 manteve o cunho conservador e nunca foi posto em prática na diocese do papa. Para a reforma do Código foi instituída uma comissão especial em 1963, mas tudo foi adiado para depois do Concílio. Três acontecimentos sucessivos mostram tendências opostas na cúria: 1) a nomeação cardinalícia do padre Agostinho Bea, jesuíta que ajudara na encíclica Divino Afflante Spiritu, cardeal que mostrou uma grande abertura ecumênica e que q ue contribuiu para o nascimento do secretariado para a unidade dos cristãos.; 2) No mesmo ano de 1959 o papa ordenou a retirada do adjetivo pérfidos que acompanhava a palavra judeus na oração da sexta-feira santa. 3) Publicação em 1962 da Veterum Sapientia, solene exaltação do latim como língua da Igreja e da instrução teológica. Em 5 de junho de 1960, com o motu próprio Superno Dei nutu se inicia a preparação real do Concílio com a criação de 11 comissões, sendo um delas central tendo como secretário Pericle Felici, que depois foi o secretário do Concílio. No natal de 1961 o Concílio foi oficialmente convocado para o ano seguinte por João XXIII. Em agosto de 1962, foi assinado o regulamento conciliar. Aos membros com direito de voto, se somavam os peritos, nomeados pelo papa e alguns observadores das Igrejas Cristãs separadas (sem direito a votos). Cada padre conciliar não podia falar mais de dez minutos e os textos só seriam aprovados com a maioria de dois terços.
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A liberdade dada para a elaboração dos esquemas provocou uma multiplicação dos textos e uma orientação tradicional. Isso se pode perceber, por exemplo, na oposição de dois textos sobre a liberdade religiosa, um elaborado pelo cardeal Bea (direito de seguir a própria consciência) e outro por Otavianni (defesa dos valores do séc. XIX). O material preparado era muito amplo, e faltava-lhe uma ideia central arquitetônica, como afirmou Montini. De fato o papa havia lido os esquemas, mas só reservou os direitos de revê-los nas “últimas discussões e na preparação da aprovação definitiva deles” 2. Não queria dar a impressão de estar pressionando as comissões. Impressionou muito o papa a carta pastoral do cardeal Suenens, arcebispo de Mechelen, que considerava o Concílio como evento e como Mistério. O papa intensificou as relações com o cardeal que propôs um projeto mais orgânico, em que os trabalhos deveriam se concentrar na igreja sob dois aspectos : “a sua vida e problemática interna e a sua relação com o mundo contemporâneo” 3 A abertura do Concílio
No dia 1 de outubro de 1962 estavam presente na sessão inaugural 2540 padres conciliares. Quase todas as dioceses estavam representadas. “ Não só na história da Igreja,
mas pode se talvez dizer em toda a história, uma assembléia (sic) se apresentou tão numerosa e com caracteres tão universais”4. Como característica importante do Concílio Vaticano II, podemos afirmar a grande proporção entre votos vencedores e vencidos na aprovação dos documentos. Se no Concílio Vaticano I a proporção era 3 para 1, no Vaticano II era 9 para 1. Essa minoria era marcada pela linha conservadora, muito influente na preparação do Concílio, e a maioria era de uma linha mais aberta e inovadora, que dominou o Concílio. Antes do Concílio o próprio d. Felici e João XXIII pensaram que o Concílio seria breve, mas na própria noite de abertura o papa anunciou não saber quando acabaria o concílio. Seu discurso inicial foi marcadamente otimista. O primeiro período do Concílio
Em primeiro lugar, os cardeais pediram que se adiassem a votação dos membros das comissões conciliares para que se desse tempo para os padres se conhecerem melhor. Avisados de que a discussão se iniciaria pelo esquema da liturgia, percebeu-se um desconforto expresso em carta pelo cardeal Montini ao secretário de Estado Cicognani, aludindo que o Concílio não devia ser divido em blocos, mas formar um todo orgânico. A discussão, já acesa sobre o esquema da liturgia foi mais grave sobre as fontes da revelação, se opondo a posição a favor da clara distinção entre Escritura e Tradição e a que 2
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declarava formar essas uma única fonte.
Pediu-se também que o texto sobre as
comunicações sociais fosse reduzido. O esquema sobre o ecumenismo parecia feito para irritar os ortodoxos e determinou-se que fosse refeito. O esquema sobre a Igreja também se viu num combate entre progressistas e tradicionalistas. O Primeiro período do Concílio se encerrou em 8 de dezembro com a positiva impressão do episcopado em relação à sua real participação. Dia 11 de abril de 1962 é lançada a Encíclica Pacem in terris, destinada (pela primeira vez) a todos os homens de boa vontade. Nela o papa declara a possibilidade e a conveniência da colaboração entre forças católica e forças de outra inspiração. De um papa a Outro: continuidade
No dia 3 de junho de 1963 morre João XXIII. Após um rápido conclave de três dias (19-21 de junho) foi eleito o cardeal Montini que assumiu o nome de Paulo VI, pessoa multidotada . Já no dia seguinte confirmou a continuação do Concílio, anunciando seu reinício para 29 de setembro. Paulo VI foi responsável por uma série de mudanças em vista de agilizar os trabalhos do Concílio: caráter estável da comissão de coordenação, secretariado para as religiões não cristãs, maior concentração e redução dos esquemas (de 70 para 17), admissão de ouvinte leigos, com a possibilidade de fala em certos casos. A alocução de abertura do Concílio foi calorosa, mostrando porém uma maior concretude determinação em relação ao discurso de João XXIII (mais espontâneo). Os trabalhos de do segundo, terceiro e quarto períodos: 1963-1965 —Os problemas de fundo. A crise de setembro-novembro de 1964
Dia 4 de dezembro de 1963f oram aprovados a Constituição Sacrosanctum Concilium
e o decreto Inter Mirifica. O esquema relativo à Igreja teve uma votação em
relação às orientações de fundo, causando certo problema apenas sobre o diaconato permanente. O decreto sobre o ecumenismo apenas encontrou dificuldade no capítulo sobre os judeus, com resistência dos bispos filo-árabes. Grande importância teve o relatório do bispo de Smedt, definindo a lib erdade religiosa como “o direito da pessoa humana ao livre exercício da religião segundo os princípios da própria consciência e a imunidade de qualquer coação externa nas próprias relações com Deus ”5. Assim se defendeu o texto das acusações de contrariar a doutrina anterior contrária a uma falsa concepção de liberdade religiosa. O terceiro período iniciou em 14 de setembro e finalizou em 21 de novembro de 1964. Foi o período mais conturbado, com a minoria tradicional, chefiada pelo cardeal Larraona procurando “corrigir” em pontos substanciais as teses do concílio. Graças a discutida relação entre papado e episcopado, que os tradicionais alegavam estar sendo
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imposta como uma doutrina nova e não madura, Paulo VI mandou redigir uma nota prévia, esclarecendo a colegialidade. Depois disso aprovaram-se a Constituição Lumen Gentium, e os Decretos Orientalium Ecclesiarum e Unitatis Redintegratio. No quarto período que se estendeu de 13 de setembro a 8 de dezembro de 1965 averiguou-se uma corrida contra o tempo, caracterizando um período de trabalho exaustivo. Dia 28 de outubro aprovou-se a declaração sobre a relação da Igreja com as religiões nãocristãs (Nostra Aetate). Depois de tentativas de grupos isolados para a não aprovação da declaração sobre a liberdade religiosa, aprovou-se a Dignitatis Humanae em 7 de dezembro. Também nesse dia aprovaram-se as Declarações Dei Verbum e Gaudium et Spes. Neste mesmo dia sete de dezembro aconteceu um feito histórico para a Igreja universal, a declaração simultânea do bispo de Roma e do patriarca de Constantinopla do cancelamento das excomunhões mútuas. Os principais documentos conciliares
O concílio promulgou quatro constituições, nove decretos e três declarações. O texto de Martina nos temas mais importantes. Na Sacrosanctum Concilium se deteve sobre a natureza da liturgia, enfatizando a participação comunitária dos fieis, mantendo a língua latina, mas permitindo as línguas vulgares. Pede-se a simplificação do rito da missa e dos outros sacramentos. A Lumen Gentium ressalta a natureza e função do episcopado, declarando-o insubstituível corresponsável do governo da Igreja, juntamente com o papa. A noção da Igreja como Povo de Deus também é importante enquanto ressalta a participação de todos os fieis e enfatiza a dimensão histórica da Igreja. A Gaudium et Spes complementa essa ideia ao afirmar que a Igreja compartilha as felicidade e tristezas desse mundo, mas que não está vinculada a nenhum sistema político ou ideológico. A declaração Nostra Aetate faz quatro afirmações importantes: afirma os especiais vínculos entre judeus e cristãos, o chamado divino do povo hebreu, a necessidade de promover o mútuo conhecimento e estima entre as duas religiões, além de afirmar não se poder atribuir indistintamente a todos os judeus atuais e até mesmo aos do tempo de Jesus a culpa pela morte de Jesus. O antissemitismo era condenado e renegado. A Dignitatis Humanae defende a liberdade religiosa, fundamentada na dignidade da pessoa humana. Admite a liberdade psicológica (capacidade dada por Deus), mas nunca usa o termo liberdade moral para não cair no indiferentismo e entender todas as religiões como iguais. Reconhece, portanto, a liberdade de culto público, mas também os limites dessa liberdade que é sempre ilícita quando viola os direitos dos outros. Afirma também que na Igreja sempre esteve presente a doutrina (como sabemos, não a práxis) de que ninguém deve ser obrigado a abraçar a fé pela força. É um texto que lida com aspectos complexos, mas que exige a liberdade para todas as confissões. Devemos lembrar que o passado não
pode ser condenado apressadamente, mas se deve levar em contas o contexto histórico e cultural. Os dois protagonistas: João e Paulo. O significado histórico do Vaticano II
A figura surpreendente de João XXIII foi interpretada de maneiras diversas. Em primeiro lugar se deve levar em conta que provavelmente todos esperavam dele um papa de transição. Mas o que ele fez ficou marcado para sempre na história da Igreja. Alguns veem em sua convocação do Concílio as atitudes de um homem ingênuo e imprudente. Outros como um homem que fez uma escolha com plena consciência e clareza. O que podemos dizer dele é que era um homem conservador, mas não radical, que sempre procurava o essencial além do contingente. Tinha percebido a necessidade de aproximar a Igreja do mundo moderno e de retomar um diálogo interrompido. Não queria iniciar uma nova época, mas apressar o lento e secular caminho da Igreja. Paulo VI como João XXIII era um homem que amava o nosso tempo, movido sempre pela convicção de que Cristo é necessário para este mundo. Sua atuação no Concílio tem interpretações conflitantes: 1) teria enfraquecido a inspiração inicial de João XXIII; 2)Seria ele o salvador providencial da assembleia; 3) Não seria o salvador do Concílio, mas o que apoiou a assembleia ecumênica. De fato, essa última tem respaldo, pois o papa não sufocou a assembleia e a presidência, permitindo uma unanimidade cordial nas votações. O Concílio Vaticano II fechou a época pós-tridentina e abriu um novo curso. Mostra o rosto da Igreja de um modo mais complexo e articulado, apresentando-se pobre materialmente, pastoralmente e culturalmente. Mostra a prontidão em reconhecer as posturas de alguns membros e perceber as riquezas presentes em outros ritos. Demonstra uma confiança no homem, dando uma imagem mais completa dele. A moral pós-conciliar, sem abandonar a proibição da contracepção, vê com mais simpatia a paternidade responsável e o valor do indissolúvel amor. Resolve se deter em formar as consciências, tarefa muito mais trabalhosa que responder prontamente aos questionamentos. É uma Igreja solidária com o mundo a aberta ao diálogo.