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TEXTO E LINGUAGEM Coleção dirigida p or Maquira Maquira Osak abe, Maria Laura Mayrink-Sabinson c Raquel Salck Fiad
A coleção destina-se princip pri ncipalment almentee a professores do ensino médio, na área de língua e literatura. As obras prete pre tende ndem m contr con tribui ibuirr para a atuação na sala de aula, trazendo resultados de pesquisas e propo pr opondo ndo métodos muitas vezes vezes inovado inovadores, res, sempre com sólido embasamento teórico.
CAPA Projeto gráfico Alexondre Martins Fontes Ilustração Rex Design
REDAÇÃO REDA ÇÃO E TEXTUALIDADE
REDAÇÃO E TEXTUALIDADE * Maria da Graça Costa Vai
martins Martins Fontes
SUMÁRIO
A p r e s e n ta ç ã o ................................................................
VII
PRIMEIRA PARTE PRESSUPOSTOS
Texto e textualidade
CAPITULO J ................................................
3
CAPITULO 2
Como avaliar a textualidade? ..............................
17
SEGUNDA PARTE R E L A T O D E UMA A N Á L I S E C A P I TU L O 3
As co nd içõe s de p ro d u ç ã o
.....................................
43
C A P I TU L O 4
A coerênc ia, a coesão e a in formativid ade: breve e s t u d o q u a n ti ta t iv o ................................
53
CAPITULO 5
A coerência, a coesão e a informatividade: análise qualitativa ................................................
59
CAPITULO 6 c o r p u s ..................................
111
Uma visão global do
Conclusão ..................................................................... 121 Noias .............................................................................. 129 B i b l i o g r a f i a ...................................................................
131
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Copyright O 1991. Ijvm n a M anm \ Fkmtt% FAttofa lid a .. Sâo M/wfe /*i/ n /j presente edição. 1T ed ição /v y/
3! edição 2006 2! tiragem 2009 iVrpa n^ã*) do original M úu rict o Buh hítza r L eal Reviw s g rá fic as Ed unn io Ang elo Batista M au r i m t tUilthnzar Leal Produção gráfica GrrnIJo Abe s
l>ados Internacionais ck ( aUfci&v*’ na Pubbcaçáo (C IP» iC áfm ra Brasüdna do 1j\ru . SP. Braâl) Co m i Vai.
Mana da Gi as,a
Kedaçãn e textualiiladc / M ana d a (Jraça Cm ta Vai. - 3* ed Paulo M ania s Fontes. 2006 . - (Tcxio c linguagem»
SAn
ISBN 85-336-2*40-2 I Português - R edação 2 . Ked açjo flaleratunO 1 Titulo. II Sér»e 0 6 8407
___________________ _______________________ CDI>-X 0 H
índices pu ra catalogo sistemático: I RedaçAo Liicratu ra S0 K 2 . Texto : ProduçJko : Rctom a 808
Todos os direitos desta edição para a lingua iwrtuguesa resenados à IJvraria Martins Fontes Editora lida. Rua Ctmxelheiro Ramalho. 330 01325 OPO Sá o Paulo SP Rrasil Tel
APRESENTAÇÃO
A lingüística textual, desenvolvida so bre tud o na Eu ro pa a pa rt ir do final da décad a de 60, tem se dedicado a estud ar a natu rez a do texto e os fa tor es envolvidos em sua pr od uç ão e recepção. Es sa teoria, na medida em que busca esclarecer o qu e é e co m o se produz u m texto, merece ser co nhecida e consid erada p o r quem se interessa pe lo trabalho com a expressão escrita na escola. Este livro pro cu ra cond en sar algumas das no ções mais relevan tes da te oria e relacioná-las com os r esulta do s de um a análise de cem redações ela b o r a d a s p o r ca n d id ato s ao c u rso de L etras d a UFMG no vestibular de 1983, na tentativa de es tabelecer um diagnóstico e levan tar algumas s u gestões pa ra o ensino esco lar de red açã o1.
PRIMEIRA PARTE
PRESSUPOSTOS
CAPITULO I
T E X T O E T E X T U A L ID A D E
1.
O que é texto
Para se com preen der melhor o fenômeno da produção de textos escritos, im p orta entender previam ente o que caracteriza o texto, escrito ou oral, un idad e lingüística com unic ativa básica, já que o que as pessoas têm para dizer umas às ou tra s não são palavras nem frases isoladas, são textos. Pode-se de finir texto ou d isc ur so como ocor rência lingüística falada ou escrita, de qualq uer extensão, dotada de unidade sociocomunicativa, semântica e formal. Antes de mais nada, um texto c uma uni dade de linguagem em uso2, cumprindo uma função identificável num dado jogo de atuação 3
a) o pragmático, que tem a ve r com seu f un cioname nto enquanto atu açã o informacional e comunicativa; b)o semãntico-conceitual, de que depende sua coerência; c) o lorm al, que diz respeito à sua coesão. 2. O que é textualidade Chama-se textualidade ao conjunto de ca rac terísticas que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma seqüência de frases. Beaugra nde e Dressler (1983) apontam sete fato res responsáveis pela textualidade de urn dis cu r so qualquer: a coerência e a coesão, que se rela cionam com o material conceituai e lingüístico do texto, e a intencionalidade , a aceitabilidade, a situacionalida.de, a informatividade e a intertexmalidade, que têm a ver com os fatores pragmá ticos envolvidos no process o sociocomunicativo. 2.1. Coerência e coesão A coerência resulta da configuração que as sume m os conceitos e relações subjacentes à su perfície textual. É considerada o fator fundamen tal da textualidade, porque c responsável pelo sentido do texto. Envolve não so aspectos lógicos e semânticos, mas também cognitivos, na medi da em que depende do partilhar de conhecim en tos entre os interlocutores. Um dis cu rso é aceito como coerente quando 5
apresenta uma configuração conceituai com pa tível com o conhecimento dc mundo do reccbedor. Essa questão é fundam ental. 0 texto não sig nifica exclusivamente por si mesmo. Seu senti do é con struído não só pelo pro du tor como tam bém pelo reccbedor, que precisa d eter os conhe cimentos nec essários à sua interpretaç ão. O pro dutor do discurso não ignora essa participação do in ter lo cu tor e co nt a com ela. É fácil verificar que grande parte dos conhecimentos necessários à com pre en são d os textos Aão vem explícita, mas fica depen dente da capa cidad e de pressup osição e inferência do recebedor. Assim, a coerê ncia do texto deriva de sua ló gica interna, resu ltan te dos significados que sua rede de conceitos e relações põe em jogo, mas tamb ém da compatibilidade entre essa rede con ceituai — o mundo textual — e o conhecimento de mundo dc quem processa o discurso. A coesão é a ma nifesta ção lingüística da coe rência; advém da m an eira co mo os conceitos e re lações subjacentes são expressos na superfície textual. Responsável pela unid ade form al do tex to, constrói-se através de mecanismos gramati cais c lexicais. En tre os primeiros estão os prono m es anafóricos, os artigos, a elipse, a con cor dân cia, a cor relação entre os tem pos verbais, as conjunções, por exemplo. Todos esses recursos expressam re lações não só en tre os elem entos no inte rior de um a frase, mas tamb ém entre frases e seqüências dc frases dentro de um texto. Já a coesão lexical se faz pela re iteraçã o, pe la su bs titu içã o e pela associaç ão. A re ite ra çã o se 6
dá pela simples rep etiç ão de um item léxico e tam bém por processos com o a nominalização (ex.: a re tomada, através de um substantivo cognato, da idéia expressa por um verbo, com o em adiar/adia mento ou promover/promoção). A subs tituição in clui a sinonímia, a anto ním ia, a hipo nímia (quando o termo substituído representa um a parte ou um elemento e o sub stituid or repre senta o todo ou a classe — ex.: carroça/veículo), e a hiperonímia (quando o term o subs tituído rep resen ta o todo ou a classe e o sub stituidor u m a parte ou um elemen to — ex.: objeto/caneta). Finalmente, a associação é o processo que per m ite relacion ar itens do voca bulário pertinentes a um mesm o esquem a cogniti vo (por exemplo, se falam os aniversário, podemos em seguida mencion ar bolo, velinha, presentes, e esses termo s serão interpre tado s com o alusivos ao mesmo evento). A coe rência e a coesão têm cm com um a ca racterística de promover a inter-relação semân tica entre os elementos do discurso, responden do pelo que se pode chamar de conectividade textual 8. A coerência diz respeito ao nexo entre os conceitos c a coesão, à expressão desse nexo no plano lingüístico. È importante registrar que o nexo é indispensável para que uma seqüência de frases possa ser reconhecida como texto. En tretanto, esse nexo nem sem pre precisa es tar ex plícito na superfície do texto p o r um m ecanism o de coesão gramatical. Vejamos um exemplo: (1 )0 Ped ro vai b us ca r as bebidas. A Sand ra tem que fica r com os meninos. A Tereza ar ru m a a casa. Hoje eu vou pre cisar da aju da de to do mundo. 7
Unia ía la como (1) é per fe ita m en te aceitável, tem coerência, Iaz sentido. E ntr eta nto não ap re senta m arc ado res sintáticos específicos que de notem sua coesão. 0 nexo ent re as frases se cons trói não no nível gramatical, mas no nível semántico-cognitivo. Por ou tro lado, um a seqüc ncia de frases in terligadas por m arca dore s lingüísticos de coesão que não corresp ond esse m a relações efetivas es tabelecidas na estrutura lógico-semânticocognitiva subjacente não seria um texto. É pos sível for jar artificialmente' um exemplo par a ilus trar (normalmente, a competência textual intui tiva impede que as pessoas produ zam seqüências desse tipo): (2) No rádio toca um rock. O rock é um rit mo moderno. O coração também tem rit mo. Ele é um músculo oco composto de duas aurículas e dois ventrículos. Em (2), a presença dc recursos coesivos interfrasais (a recorrência de item lexical assi nalada por artigo definido, o articulador tam bém e o pronome anafórico ele) não é suficien te par a gar an tir textualidade à seqüência, já que ela não funciona com o um todo significativo coe rente. Entretanto, é inegável a utilidade dos meca nismos dc coesão como fatores da eficiência do discurso. Alem de to r n a r a superfície textual es tável e econômica, na medida em que fornecem possibilidades variadas de se prom over a conti nuida de e a progressão do texto, tamb ém p er m i 8
tem a explicitaç ão de relações que, implícitas, po deria m s er de difícil interpr etaçã o, sob retu do na escrita. Nas seqüências (3) e (4) abaixo, p o r exemplo, o nexo é facilm ente reco brável pelo leitor, em bo ra não manifesto na superfície: (3) A máquina parou. Está faltando energia elétrica. (4)Choveu. O chão está molhado. O me sm o não acontece, porem, com as frases de (5a) a (51). Nesses casos, se a re laç ão pr et end i da não vier expressa, o recebedor poderá a trib uir ao enunciado sentido diferente do que o autor que ria, sobretudo se, não se tratando de produção oral, não fo r possível depr ee nd er as intençõe s do produtor através da entonação. Veja-se: (5a) Paulo saiu. João chegou. (5b) Paulo saiu assim que João chegou. (5c) Paulo saiu, mas João chegou. (5d) Paulo saiu, porque João chegou. (5e) Paulo saiu, apesar de João ter chegado. (5f )Sc Paulo saiu, João deve ter chegado. Casos similares a (3) e (4) foram estudados por Isenberg (1968), que os interpretou como pos sibilidades de "textualização" e ntr e frases assindélicas. O primeiro exemplifica a textualização por "conexão causai" (a m áquina parou porque está faltando energia clétrica) e o segundo, por "int erp ret aç ão diagnostica" (pode-se verificar que choveu pelo fato de o chão estar molhado). 9
Ao contrário, os exemplos (5b-f), inspirados em Garcia (1977: 18-20, 262-264), não podem dis pensar a conjunção, porque o nexo conceituai e n tre as informaç ões é, digamos, mais f rouxo e, po r tanto, de pro ce ssa me nto não imediato. Há diferen tes possibilida des d e ar tic ula çã o e, por isso, a o p ção por uma delas precisa ser explícita. Além disso, os re cu rs os coesivos, qua nd o p re sentes, devem obedecer a padrões prévios, caso contrário seu em prego será percebido como "in fração textual”9, tornando “irregular" a seqüên cia em que ocorrem. Alguns dos princípios que orientam o emprego desses recursos serão lem brados mais adiante. Resum indo o qu e foi dito, o fund ame ntal pa ra a textualidad e é a relaç ão coeren te entr e as idéias. A explicitação dessa relação através de recursos coesivos é útil, m as nem sem pre obrigatór ia. E n tretanto, um a vez presen tes, esses re cur sos devem ser usados de aco rdo com reg ras específicas, sob pena de reduzir a aceitabilidade do texto. 2.2. Os fatores pragmáticos da textualidade En tre os cinco fatores pragmá ticos estudados por Beaugrande e Dressler (1983), os dois prim e i ros se referem aos protag onistas do ato de co m u nicação: a intenc iona l idade e a aceitabilidade. A intencionalidade concerne ao empenho do produtor em c on struir um discurso coerente, coe so e capaz de sa tisfa ze r os objetivos que tem em mente n uma determ inada situação comunicativa. A meta pode ser informar, ou impressionar, ou 10
al ar m ar , ou convencer, ou pedir, ou ofender, ctc., e é ela que vai orientar a confecção do texto. Em outras palavras, a intcncionalidade diz respeito ao valor ilocutório do discurso, elemen to da maior importância no jogo de atuação co municativa. O ou tro lado da m oeda c a aceitabilidade, que concern e à expectativa do rec ebe dor dc que o con junto de ocorrências com que se defronta seja um texto coerente, coeso, útil c relevante, capaz de levá-lo a adquirir conhecimentos ou a cooperar com o.s objetivos do produtor. Grice (1975, 1978)10 es ta be le ce máxi mas conversacionais, que seriam estratégia s norm alm en te adotadas pelos produtore s pa ra alcanç ar a acei tabilidade do recebedor. Tais estratégias se refe rem à necessidade de cooperação (no sentido de o pr od ut or re spon der aos interesses dc seu inter locutor) c à qualidade (autenticidade), quantida de (informatividade), pertinê ncia e relevância das informações, bem como à m an eira como essas in formações são apre sen tada s (precisão, clareza, or denação, concisão, ctc). Mas é possível que, deliberadamente, o pro du tor queira apr esen tar um texto que desrespei te alguma(s) dessas máximas. Tal intenção, reco nhecida pelo recebedor, ganh ará f unç ão significa tiva c resultará em efeito de sentido importante no jogo interativo. É o que-Grice chama de “im plicatura conversacional”: o r ecebedor prefere su por que a infração aos princípios conversacionais seja intencional e tenh a algum a significação do que simp lesm ente aceita r que seu inte rlocu tor possa produzir um discurso impertinente e sem sentido. 11
Charollcs (1978:38) afirma que, em geral, o rcccbedor dá um "crédito de coercncia" ao produ tor: sup õe que seu discurso seja coerente e se em penha em captar essa coerência, recobrindo lacu nas. fazendo deduções, enfim, colocando a servi ço da compreensão do texto todo conhecimento de que dispõe. Assim, a comunicação se efetiva qu ando se es tabelece um con tra to de cooperação en tre os in terlocutores, de tal modo que as even tuais falhas do produtor são percebidas como significativas (as vezes, o sentido do texto çstá na sua ap ar en te fal ta de sentido — cf. a piada), ou são cobertas pela tolerância do recebedor. A margem de tolerância e tanto maio r qu an to mais conhecido é o assunto e mais informal ê a situação. O pr od utor sabe da existência dessa tolerabil idade e con ta com ela, assim como conta a capacida de de pressuposição e inferência do recebedor. Essa “cumplicidade" do recebedor para com o texto é que possibilita que a produção não seja tarefa excessivamente di fícil e tensa e, assim, viabiliza o jogo comunicativo. O terceiro fator de textualidade, segundo Beaugrandc e Dresslcr (1983), é a situacionalidade, que diz respeito aos elementos responsáveis pela pertinência e relevância do texto quanto ao contexto em que ocorre. E a adequação do texto a situação sociocomunicativa. O contexto pode, realmente, del in ir o senti do do discurso e, normalmente, orienta tanto a produção quanto a recepção. Em determinadas circunstâncias, um texto menos coeso e aparen temente menos claro pode funcio nar melhor, ser mais adequado do que outro de configuração mais completa. Se n e m de exemplo as inscrições lacó12
nicas das placas de trânsito, mais apro priad as à situação específica cm que são usa das do que um longo texto explicativo ou pe rsu asiv o que os mo toristas sequer tivessem tempo de ler. A co njun ção dos três fa tor es já mencionados resulta n um a série de conseqüên cias pa ra a prá tica comunicativa. Em prim eiro lugar, é imp ortante para o pro du tor saber com que conhecimentos do recebedor clc pode contar c que, portanto, não precisa ex p lic ita r no seu discurso. Esses conhecim ento s po dem advir do contexto imediato ou podem preexistir ao ato comunicativo. Assim, um a inform a ção apa rentem ente absurd a com o o exemplo a se guir, ex tra ído de Elias (1981: 45), f ar á s en tido pa ra quem sou be r que Maria sofre de problem as gás tricos de fundo nervoso e que passa mal sem pre que come tensa, preocupada com o horário: (6) Maria teve uma indigestão embora o re lógio estivesse estragado. Daí vem a noçã o de coerência pragmática, ou seja, a nec essid ade d e o texto ser reco nhe cido pe lo recebedoi com o um em preg o norm al da lingua gem num determinado contexto. Outra conseqüência da conjugação desses três f atores de textualidade é a existência dos di versos tipos de discurso. A pra xe aca ba po r esta be le c e r que, n u m a d a d a c irc u n s tâ n c ia , tendo-sc em mente determinada intenção ilocucional, deve-se co m po r o texto dessa ou daq uela m anei ra. Assim, há convenções que regem o fun cion a m ento da linguagem na interaçã o social e que de terminam, especificamente, qual o tipo particu 13
lar de discurso ade quad o a cada ato com unicati vo. Essa questão é da maior importância para quem tra ba lha com o ensino de redação, pois vem dai o lato de que a textualidade de cada tipo de discurso envolve elementos diferentes. O que c qualidade num texto argumentaiivo formal po derá se r defeito num poema, ou nu m a estória de suspense, ou numa conversa de botequim, por exemplo. O interesse do recebedor pelo texto vai de p ende r do g rau de informalividade de que o ulti mo é porta dor. Esse é mais um fator de textuali dade a po nta do por Be aug ran de e Dress lcr (1983) e diz respe ito á me dida na qual as ocor rên cia s de um texto são esperadas ou não, conhecidas ou não, no plano conceituai e no formal. Oc orre que um discurso menos previsível é mais informati vo, porque a sua recepção, embora mais traba lhosa, resulta mais interessante, m ais envolven te. E ntretanto, se o texto sc m o stra r inteiram en te inusitado, ten de rá a ser rejeitado pelo rece be dor, que não conseguirá processá-lo. Assim, o ideal é o texto se manter num nível mediano de informatividade, no qual se altern am ocorrências de proce ssam ento imediato, que falam do conhe cido, com ocorrências de process am ento m ais tr a balhoso, que tra ze m a novidade. Para mim, o texto com bom índice de inform a t iv id a d e p r e c i sa a i n d a a t e n d e r a o u t r o r e q u i sito: a suficiência de dados. Isso significa que o texto tem que apresentar todas as informações necessárias para que seja compreendido com o sentido que o pr od uto r p retende. Não é possível nem desejável que o discurso explicite todas as 14
informações necessárias ao seu processamento, m as c preciso que ele deixe inequívocos todos os dados necessários à sua compreensão aos quais o recebedor não conseguirá chegar sozinho. Bc augra nde e Drcssle r (1983) lalam ainda de um o utr o comp onente de textualidade: a intertcxtua!idade, que conc erne aos fatores que fazem a utilização dc um texto dependente do conhecimen to de outro(s) texto(s). De fato, "um discurso não vem ao mundo numa inocente solitude, mas contrói-se através de um já-dito em relação ao qual ele toma posiçã o” 11. In úmero s textos só fazem sentido quando entendidos em relação a outros textos, que funcionam como seu contexto. Isso é verdade tanto par a a fala coloquial, em que se re tomam conversas anteriores, qua nto para os pro nunciamentos políticos ou o noticiário dos jornais, que r equ ere m o conhec imento de discursos e no tícias já divulgadas, que são tomados como pon to de partida ou são respondidos. Há aqui um a ques tão interes sante que não é mencionada pelos auto res. É que o mais freqü en te interl ocutor de todos os textos, invocado e res pondido consciente ou inconscientemente, é o dis curs o anônimo do senso comum, da voz geral co r rente. Assim, ava liar a intertextualida de, em sentido lato, pode significa r an alisa r a presenç a des sa fala subliminar, de todos e de ninguém, nos tex tos es tu dados12. Por ou tr o lado, com o esse dis curso é de conhecimento geral, pode-se também considerá-lo como informação previsível e avaliar sua presença como eleme nto que faz baixar o grau de informatividade. Foi essa a minha opção na análise de redações que apresento adiante. 15
Relac ionan do os conceitos dc texto e tex tua lidade, poder-se-ia dizer, cm princípio, que a uni dade textual se constrói, no aspecto sociocomunicativo, atra vé s dos fatore s prag má tico s (intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, in formativ idade e intertextualidade); no aspec to se mântico, atra vé s da coerência; e, no asp ecto for mal, através da coesão. É possível, no entanto, repensar esse arran jo, se se considerar que a informatividade e a intertextualidade dizem respeito, também, à maté ria conce ituai do discursô , na med ida em que li dam com conhecimentos partilhados pelos inter locutores. Ao mesm o tempo que contrib uem pa ra a eficiência pragmática do texto, conferindolhe interesse e relevância, esses dois fato res tam bém se colocam como constitutivos da unidade lógico-semântico-cognitiva do discurso, ao lado da coer ência . Assim, poder-se-ia situá-los a cava leiro, parte no p lano sociocomunicativo, pa rte no plano semântico-conceitual. Foi dessa maneira que os considerei neste trabalho.
16
CAPÍTULO 2
COMO AVALIAR A TEXTUALIDADE?
1. Questões preliminares Um dos pontos-chave da lingüística textual é a disc ussã o sobre o que faz de um texto um tex to, isto é, em que consiste a essência de um tex to, que propriedade distingue textos de nãotextos. A essa discussão gra nde núm ero de es tu dos recentes responde aponta ndo a coerência co mo fator fundamental da text ualidade e, em fun ção dessa resposta, tenta es clarecer o que é e de que é feita a coerênc ia de um texto. A conceituação teórica, que busca estabelecer em que nível se situa e com que elementos lida a coerência, se mostra, muitas vezes, fruto da análise empírica, empenhada em descobrir que características usualm ente a prese ntam os textos coerentes. Es 17
sas cara cterístic as são chama das por alguns dc condições ou requisitos de coerência, porque, se um texto coerente tem qualidades específicas que o distinguem dos incoerentes, pode-se afirmar que, par a ser coerente, um texto precisa aprese n tar tais qualidades. Assim, a observação empíri ca possibilita a descrição, que, por sua vez, per mite a formulação de critérios para a análise textual. Neste trabalho, tomo como ponto de parti da a descrição fornecida por estudiosos da ques tão e utilizo como instriimcnto critérios de ava liação que considerei adequ ados ao modelo teó rico adotado. Para ava liar a coerência e a coesão das redações do corpus, tomei como base as cha madas " me ta-re gras ” formuladas po r Charollcs (1978) e, pa ra os dem ais fatores de textualidade, orientei-me pelo que propõem Beaugrandc e Dressler (1983). Antes de ap re se ntar e disc utir os critérios de avaliação adotados, é preciso deixar claros alguns pontos. Primeiro quero registrar que a intenção aqui não é, de maneira alguma, prescritiva. Não se está aqui fornecendo mais uma receita, ou uma nova lista de macetes, à qual as redações escolares de vam se conformar para obter boas notas e se apro ximar do modelo que garante aprovaçã o no vesti bular. 0 que se pretende é, a partir de um quadro de características identificadas em textos que "fun cionam’', construir um quadro adequado para bali zar a avaliação do funcionamento de outros textos. Em segundo lugar, que ro d elimit ar a aplica bilidade dos critérios a serem adotados. Confor18 %
me acertadam ente observa Widdowson (1981: 56), a aceitabilidade de um texto se prende à sua iden tificação como “um e mp rego n orm al da língua". Ora, em situações diferentes, são diferentes as ex pectativas quanto ao que seja “norm al" e aceitá vel. Assim, os critérios aplicáveis ao corpus des ta pesquisa podem não ser adeq uad os pa ra o jul gamento da textualidade de discursos de outro tipo c construídos com outros objetivos. 0$ tex tos por mim analisados, por exigência da natu reza e do pr og ram a do concurso vestibular, se re vestem de peculia rida des que não sc podem dei xar de levar cm conta: são textos escritos, for mais, de função referencial dominan te, com pos tos de intro duçã o, desenvo lvimento e conclusão, através dos qua is os candidat os bu scam d emo ns trar sua habilidade de expor idéias c argumen tar em torno de determin ado problema. Os requi sitos a que esse tipo específic o de texto deve res ponder para angariar aceitabilidade são c erta mente impraticáveis para uma conversa descon traída. um poema ou um romance, por exemplo. Resta ainda um a observaç ão a fazer, quanto á organização dada ao grupo de fatores levados em conta no julgamento das redações. Como to das elas loram produzidas sob as mesmas condi ções (o vestibular) e não me era possível ter acesso a cada produtor individualmente, examinei em bloco a interferência dos fatores pragmáticos em sua textualidade. Quero dizer: a intencional idade, a aceitabilidade e a situacionalidade não fo ram analisadas cm cada redação particular; foi feita uma análise desses três f ator es p ara o con junto das redações. Por outro lado, ampliei o con19
ccito de informatividade, dc modo a incluir nele a suficiência de dados c a intertextualidade (já que os textos requer idos pa ra a inte rpretação do texto “X" constituem informações prévias necessárias ao texto "X"). Assim, entendendo a informativi dade, bem como a coerência e a coesão como fa tores centra dos no texto, concernentes a elemen tos con stit uti vo s do texto, avaliei a p res enç a e o funcionam ento desses três componen tes da tex tualidade em cada redação do corpus. f 2. Critérios para a análise da coerência e da coesão Entendida a coerência com o a configuração conceituai s ubja cen te e responsável pelo sentido do texto, e a coesão como su a exp ress ão no pla no lingüístico, é preciso esmiuçar essas noções, p ara perceber de que são feitos esses fatores e como se apr ese ntam ou deixam de se ap rese ntar em pro duções lingüísticas reais tais como as re dações dos alunos na escola. É interessante a proposta do lingüista fran cês Charolles (1978), po rqu e pa rte e xa tam en te da análise de redações de es tud an tes da escola ele m en tar e do ensin o médio. N essa tentativ a de ex plicitar o sistem a implícito de regras referentes à composição e à interpretação de textos, que constitui a competência textual presente em to do falante, o au to r se vale també m das interven ções feitas pelos professores, de modo a perce ber o fenômeno em seus dois m om entos fu nda mentais — a produção e a recepção. 20
Para Charolles (1978), um texto coerente e coe so satisfaz a qu at ro req uisitos: a repetição, a progressão, a não-contradição e a relação. Vou chamá-los, aqui, dc continuidade, progressão, nãoco n tradição e articulação. 2.1. A continuidade A con tinu idad e diz resp eito à nec essária re tomada de elementos no decorrer do discurso. Tem a ver com s ua un idade , pois um dos fatores qu e fazem com que se perc eba um texto como um todo único c a permanência, em seu desenvolvi mento, dc elemen tos constan tes. Uma seqüência que trate a cada passo de um assunto diferente certamente não será aceita como texto. Quanto à coerência, esse requisito se mani festa pela retom ada de conceitos, de idéias. Quan to à coesão, pelo emprego de recursos lingüísti cos específicos, tais como a repe tição de palavras, o uso de artigos definidos ou pro nom es dem ons trativos para de term inar entidad es já menciona das, o uso de p ronomes ana fóricos e de outr os ter mos vicários (como os pró-verbos s e r e fazer e os pró-advérbios lá, ali, então, etc.), a elipse de ter mos facilmente recobráveis, entre outros me canismos. O emprego desses mecanismos de coesão obedece a re gra s específicas, com o já disse. Por exemplo, os pron ome s anafó ricos devem concor da r em gênero e núm ero com o term o que sub s tituem. Assim, uma seq üên cia com o a que se se gue con terá um a infração textual, se oc or rer em 21
discu rso escrito formal, cm cuja recepção a ex pec tativa é de respeito ao dialeto p a d rã o : (7) O m en or abandonado preo cup a a popula ç ã o d a s g r a n d e s c i d a d e s p o r q u e a m a r g i n a l i d a d e a c a b a os levando ao crime. O utra exigência cabível qua nto a esse tipo de d i s c u r s o é q u e s ó p o de m r e c o b r a r p o r p r o n om e elementos expre ssos na superfície textual. 0 a lu no a ut o r da frase abaixo infringiu essa exigência a o p r e f e r i r a e x p r e s s ã o Areação h u m a n a ” a “rea ç ã o d o h o m e m ”, porque sua opção acabou dei xando sem an tecede nte expresso o pron om e que vem em seguida: (8) Pode-se def inir con he cim ento co m o a r ea ç ã o h u m a n a a o m e i o q u e o cerca. Um caso m uito freqüen te de “desvio de coe são", no d iz e r de El ias (1981: 59-60), é a qu ele e m q ue o e m p r e g o d o p r o n o m e a n a f ó r i c o c r i a a m b i güidade, porq ue h á mais de um term o que pode lhe servir de antecedente. A seqüência abaixo exemplifica o problema: (9) Ana estava con versando com Teresa e R o sa chegou. Aí ela c o n t o u q u e e s t á n a m o rando João. Assim, ava liar a con tinuida de de um texto c verificar, no plano conceituai, se há elementos que percorrem todo o seu desenvolvimento, confcrindo-lhe unidade; e, no pla no lingüístico, I
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se esses elementos são retomados conveniente mente pelos recursos adequados. Não cabe aqui lazer o levantamento e a descrição de todas as regras que governam o emprego desses recursos, mas posso af irm ar que elas fazem parte da gra mática in tuitiva de todo falante, que é capaz não so de empregá-los naturalme nte como de reconhe ce r as eventua is falhas no seu uso (tendo em vis ta, é claro, as contingências pr agmátic as da at ua ção comunicativa). Na análise das redações do corpus, conside rei a continuidade requisito da coerência e obser vei se os recursos lingüísticos que servem à ex pressão desse requisito foram empregados de mo do a favorecer a coesão textual. 2.2. A progressão Para Charolles (1978), a progressão, contra partida da repetição ou continuidade, é a segun da condição de coerência e coesão. O texto deve retomar seus elementos conceituais e formais, mas não pode se limitar a essa repetição. É pre ciso que a pres ente novas inform ações a propósi to dos elementos retomados. São esses acrésci mos semânt icos que fazem o sentido do texto pro gredir e que, afinal, o justificam. No plano da coerência, pcrcebe-se a progres são pela soma de idéias novas às que já vinham sendo tratadas» No plano da coesão, a língua dis põe de mecanismos especiais para manifestar as relações ent re o dado e o novo13. Por exemplo, o dado, que costuma coincidir com o tópico, em 23
geral c retom ado anaforicam ente e aparece no ini cio de frases ou mesm o parágrafos ou seqüências de frases. Já a informação nova com freqüência se expre ss a pelo comentário e figura no final das frases. A progressão pode se fazer pelo acrésci mo de novos com entá rios a um mesmo tópico, ou pela transformação dos comentários em novos tó picos. A mudança dc tópico deve se apresentar inequívoca pa ra o recebedor, sob pena de ca us ar dificuldades de compreensão, visto que a tendên cia mais comum é inter preta r as anáforas de uma passagem como referentes ao tópico dessa pas sagem. O texto que não deixa claro, a cada pas so, de que está tratando pode levar o recebedor a um processamento indevido que, na melhor das hipóteses, precisará ser refeito. Há. no português, construç ões, palavras e locuções que servem pa ra dest aca r de ma neira especial o tópico de uma passagem, colocando-o em posição de foco: quan to a, a respeito de, no que se refere a; ser Sn que X, é que, até, mesmo, o próprio, etc. A progressão foi considerada como condi ção de coerência na análise das redações. Para lelamente, foi observado se essa condição foi bem expressa, através dos recursos disponíveis no português, de maneira a dar ao texto mais coesão. 2.3. A não-contradição O terceiro requisito proposto por Charollcs (1978) é o da não-contradição, que deve ser observado tanto no âmbito interno quanto no 24
âm bito da s relações do texto com o mund o a que se refere. Para s e r interna me nte coerente, o texto pre cisa, cm primeiro lugar, respeitar princípios ló gicos elementares. Não pode, por exemplo, afir m a r A e o contrário dc A. Suas ocorrências não podem se contradizer, têm que s e r compatíveis entre si, não só no que traze m explícito como ta m bém no que delas se pode concluir por pressupo sição ou inferência. Por o u tr o lado, p ara ser coerente, o texto não pode contradizer o mundo a que se refere. O m un do textual tem que scr com patível com o mun do que o texto repre senta . Assim, um discurs o refe rente ao m un do real não pode deixar de conside ra r alg um as pressuposições básicas que integram a maneira comum de pensar esse mundo c que subjazem à comunicação textual: as causas têm efeitos; os objetos têm identidade, peso e massa; dois corpos não podem ocupar, ao mesmo tem po, o m esm o lugar no espaço, etc. A exig ênc ia de não -co ntra diçã o se aplica não só ao plano conceituai (da coerência), mas tam bém ao plano da expressão (da coesão). Por exem plo, através do em prego dos tempos e aspectos verbais, o texto insta ura um sistem a próp rio de situaçã o dos fatos a que alude, to ma ndo po r re ferência o mom ento da comun icação ou um mo mento determinado pelo texto mesmo. A moda lidade é o u tro elemento do sistem a de funciona me nto discursivo. Trata-se da atitu de do pro du tor tanto em relação ao con teúd o proposicional c ao valor de verdade dc seu enunciado quanto em re lação ao próprio recebedor. Essa atitude se 25
ma nifesta lingüisticamcnte pelo emp rego dos mo dos verbais e de itens específicos, como os ver bos m odais, alguns advé rbios (talvez, certamen te) c os cham ados verbos ilocutórios (achar, acei tar, considerar, admitir, exigir, deplorar, declarar, negar, etc.). As co nt ra di çõ es relat ivas a esses dois elem ent os do que Charolles (1978: 23) cha m a “re gime en unciativo", a men os que intencion ais e vi sando a efeitos estilísticos, podem ca usa r em ba raço ou estranheza ao reccbedor. A con figur ação do m un do textual pode se ex p re ss a r lingüisticam ente a trav é s do em prego de verbos, expressões e construções “criadores de m u n d o ” , no diz er de C ha rolle s (1978: 28): sonhar, imaginar, pensar, acreditar, gostar (no cond icio nal, gostaria que\, no caso de, na lupotese de; se ja..., (az. de conta que, era um a vez. etc. A não ser que objetivando efeitos intencionais específicos, o empr ego contraditório desses rec urso s também pode a c a rre ta r d istú rbio s à in te rp re taç ã o do dis curso, na medida em que co ntra ria as expectati vas do reccbedor. Um problema concernente à exigência da não -co ntr ad içã o, ao qual Cha rol les (1978) não faz referência, consiste no que eu c ham ei de constradição Icxico-semántica. Tra ta-se de inade quaç ão mu ito 1requen te nas re daçõ es esc olare s e que diz respeito ao uso do vocabulá rio: m uita s vezes o significante em preg ado não condiz com o significa do pretendido ou cabível no texto. Tal contradi ção resulta do desconhecimento, por parle do usuário, do vocábulo a que re corre u. Um exem plo elucidativo é o de um vestibulando que recla mava, em sua redação, con tra "o desvelo das auto26
i idades pelo menor abandonado". Casos desse ti po situam-se, a meu ver, na região limítrofe cnt re a coesão e a coerência, porque, em bo ra sc ma nifestem no nível da expressã o, c once rnem à veiculação de conceitos e têm implicações sobre a estrutura lógico-semântica do texto. Nas redações do corpus, a não-contradição in terna e externa foi tom ad a como con dição dc coe rência. Quanto à coesão, foi verificado se os re curs os lingüísticos emprega dos se rviram ao bom funcionamento discursivo, tornando o todo tex tual livre de contradição. 2.4. A articulação O qua rto e último requisito de coerência pro posto por Charollcs (1978) é a relação, que eu cha mo aqui de articulação. O autor, co nsider ando va go o termo relação, procura delimitá-lo, rebatizando-o dc congruência e estabelece ndo que dois latos serão congruentes quan do um for uma causa, condição ou conseqüência pertinente do outro. Neste trabalho, o termo articulação não co b rirá apenas essas três relações. Com ele estarei me referindo á maneira como os fatos e concei tos ap re se nta do s no texto se enca deiam , como se organizam, que papéis exercem uns com relação aos outros, que valores ass um em uns em relação aos outros. Avaliar a articulação das idéias de um texto, para mim, significa verificar se elas têm a ver umas com as outras e que tipo específico de relação sc estabelece entre elas (além das rc27
lações de continuidade, progressão e nãocontradiçâo, já cobertas pelas outras condições de coerência). São dois aspectos a serem verifi cados: a presença e a pertinência das relações en tre os fatos e conceitos aprese ntad os. O texto po de ap re se nt ar fatos c conceitos rclacionáveis sem estabelecer ligações entre eles, ou pode estabe lecer relações não pertinentes entre os fatos e conceitos que d en ota (porque não são rclacioná veis, ou porque se relacionam de outro modo). Essas relações, como vimos, não precisam ser nec essariam ente explicitadas por mecanismos lingüísticos formais. Podem pe rfeita m ente se es tabelecer apenas no plano lógico-scmânticoconceitual (o da coerência). En tret an to, há re cur sos específicos pa ra sua exp ressã o form al, no pla no da coesão. E ntr e eles podem-sc m en cio na r os mecanismos de junção (tradicionalmente cham a dos de conjunção), os ar tic ula do re s lógicos do dis curso (expressões como po r exem plo, dessa for ma, por outro lado, etc.) e os recursos lingüísti cos que p erm item estabelecer relações temporais entre os elementos do texto (a ordem linear de apresentação desses elementos, as conjunções temp orais, alguns advérbios e express ões de va lor adverbial, os num erais o rdin ais e alguns ad jetivos, com o anterior, posterior, subseqüente). Na análise d as redações foram avaliadas a presença e a pertinência da articulação com o con dição de coerência e foi obs erv ado se, qu an do ne cessários, os mecanism os lingüísticos que expli citam as relações en tre os elem ento s te xtu ais cstavam presentes e foram ade qua dam ente em pre gados, contribuindo para a coesão do discurso. 28
2.5. P a r a e n c e r r a r
Aceita a pro po sta de Charolle s (1978) — com a ressalva feita q uan to à sua não-uni versai idade —, avaliar a coerência de um texto denotativo, es crito e formal, será verificar se, no plano lógico-scmântico-cognitivo, ele tem continuida de e progressão, não se contradiz nem contradiz o mu nd o a que se refere e apre sen ta os fatos e con ceitos a que alude relacionados de acordo com as relações geralmente reconhecidas entre eles no m undo referido no texto. Avaliar a coesão se rá verificar se os mecanismos lingüísticos utili zados no texto servem à manifestação da conti nuidade, da progressão, da não-contrad ição e da articulação. Dado o grande número de marcadores lin güísticos de coesão e dada a trem enda com plexi dade que envolveria a tare fa de form ular res tri ções pertinentes e exaustivas com relação ao em prego de cada um, meu julgamento das redações, sobretudo neste particular, vai se basear na in tuição e no bom senso. Será considerada infra ção textual a ocorrência que acarretar embara ços à leitura, tendo em mente as expecta tivas re sultantes do tipo de texto analisado. A esse propósito , é bom lem brar o papel de terminante dos fatores pragmáticos na comuni caçã o efetiva. 0 c ontexto e a imagem do inte rlo cutor podem autorizar lacunas na configuração textual não possíveis noutras circunstâncias. É relevante o fato de o pr od uto r con tar com os co nhec imen tos prévios do rec ebed or e com s ua pacidade de pressuposição e inferência. ca-
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Daí advem uma conseqüência importante pa ra o trab alho com redação na escola. São freqüen tes, por exemplo, os casos de aparente incoerên cia resultante da não-explicitação de fatos ou de relações entre fatos do mundo representado no texto. Se o professor consegue reconhecer esse mundo e refaz er os cios ausentes, perce be o sen tido do texto e pode apo nta r ao aluno o problema e a form a de saná-lo. Esse tipo dc intervenção, de ve ficar claro, nã o obedece a impe rativos cogniti vos, uma vez que o sentido do texto foi captado, mas obedece ao que Charolles (1978: 37) chama de "razões ílc deonlologia discursiva superior”. Em outras palavras, o que funcionaria na comunica ção real c vetado na redação escolar em virtude da preocup ação do professor de ensin ar a redigir. Charolles (1978: 37) tem essa pr eocupação co mo legítima e a justifica pelo fato de o professor considerar que nem todo leitor será capaz de reali zar a mesma operaç ão por ele efetuada pa ra recu perar o sentido do texto e julgar-se, então, na obri gação de ap on tar o problema ao aluno, po r enten der que todo discurso, se não for imediatamente coerente e coeso, deve, pelo menos, ter o sentido facilmente recobrável por qualquer recebedor. Pa ra mim, tal atitud e se rá pe rtinente sc explicitada pelo professor e se levar em conta, também, o tipo textual e as intenções do aluno p ro du tor do texto. 3. Critérios para a análise da informatividade A informatividad e é ente ndid a pelos estudio sos como a capac idade do texto dc ac res ce nta r ao 30
conhecimento do recebedor informações novas e inesperadas. Neste trabalho, esse termo c en tendid o como a capa cidad e que tem um texto de efetivamente informar seu recebedor. Não c to mado apenas como sinônimo de originalidade, mas ganha outra acepção. Por um lado, no que tange à necessidade de imprevisibilidade, o conceit o foi amp liad o e pas sou a ab ran ge r o aspecto mais geral do fator inlertextualidade, na medida em que se tomou co mo informação conhecida e previsível a voz do senso comum, da ideologia dominante, presente nas redações estudadas. Por ou tro lado, o term o passou a recobrir a exigência do que se chamou suficiência de dados, na medid a em que se consi de ro u que, pa ra se r informativo, o texto, além de se mostrar relativamente imprevisível, precisa ap re se nta r todos os elementos necessários à sua compreensão, explícitos ou inferíveis das infor mações explícitas. Para avaliar a imprevisibilidade, Beaugrande e Dressler (1978: 140-141) pr op õe m um a esca la de três ordens, aplicável (e efetivamente apli cada) pelo falante comum . Na prim eir a ordem os autores enquadram as ocorrências de elevada previsibilidade e, conseqüentemente, baixa infor matividade, como os clichês e ester eótipos, as fra ses feitas, as afir ma çõ es sob re o óbvio. Os textos que não ultrapa ssam esse patam ar, ainda que do tados de coerê ncia e coesão, r esu ltam pragmaticamente ineficientes, porque desprovidos de in teresse. Na segun da ordem ficam as ocorrências em que o original c o previsível se equi libra m, an gariando boa aceitabilidade, porq uan to apresen 31
tam novidade sem prov ocar estra nh e/a. São dc terceira ordem as ocorrências que, aparen teme n te pelo menos, não figuram no leque de alterna tivas possíveis c que, por isso mesmo, desorien tam, ainda que temporariamente, o reccbedor. Postulam os auto res que, na comun icação efeti va, o pr oc ess am en to dos texto s se faz atra vés do alçamento p ara a segunda ordem das ocorrências de baixa informatividade c do rebaixamento, tam bém para essa ordem mediana, daquelas que pro vocam estranh eza, de modo a at rib ui r sentido tan to a umas quanto a outras. Assim, no todo tex tual, o óbvio ganh ará razão de ser c o inusitado se explicará, passando a ter, um e outro, rendi mento eficaz den tro do texto. O discu rso em que esse processamento, cm uma ou outra direção, não for possível, tenderá a s er rejeitado: no pr i meiro caso, porq ue sc mo stra rá pouco informa tivo e desinteressante; no segundo caso, porque se mostrará difícil de ser entendido, impene trável. De ou tra parte, avaliar a suficiência dc dados é exa min ar sc o texto fornece ao reccb edor os ele mentos indispensáveis a uma interpretação que corresponda ás intenções do produtor, sem se mostrar, po r isso, red und ante ou rebarbativo. Os dados cuja explicitação é nec essári a são aqueles que não podem ser tomados como dc domínio prévio do recebedor nem podem ser deduzidos a partir dos conhecimentos que o texto ativa. Assim, avaliar a informatividade significa, para mim, m e d ir o sucesso do texto em levar co nhecimento ao recebedor, configurando -se como ato de com un ica ção efetivo. Esse sucesso depen32
de, em parte, da c apac idade do disc urs o de acres ce nt ar alguma coisa à experiência do recebedor, plano conceituai ou no plano da express ão (im previsibilidade). De ou tra parte, r esu lta do equi líbrio en tre o que o texto oferece e o que confia ã par ticipaç ão de quem o interpre ta (suficiência de dados). Um texto informativo pode não ser de pro cessam ento imediato e dem an da r algum esforço de interpretação. Em contrapartida, é um texto que se mo stra ap to a engaj ar o receb edor, a con quistar a adesão dele, viabilizando, assim, o es tabelecimento dc uma relação comunica tiva ver dadeira. Um texto com baixo pode r inform ativo, que não fornccc os elementos indispensáveis a uma interpretação livre dc ambigüidades, ou que se limita a repetir coisas que nada somam à expe riência do rec ebedor, tem corno efeito desorientálo ou irritá-lo, ou simple sme nte não al ca nç ar sua atenção. Tende a ser rejeitado. Mesmo que não chegue a ser tomado como não-texto, é avaliado como p roduç ão de má qualidade, com a qual não vale a pena pe rder tempo. Em suma , mesmo pa ra textos coerentes e coesos, um baixo poder in formativo tem como co rre lata um a baixa eficiên cia pragmática. 110
4. A subjetividade da avaliação Segundo Halli da ye Hasan(1978: 25), "texture is really a more-or-less affair" A mim parece que a natu rez a do texto é melhor com pre end ida se se 33
abre mão do rigor c da exatidão tecnicista e se dá espaço para a intuição e o bom senso. Os crité rios adotados neste trab alho p ar a o julgamento das redações são, inegavelmente, flui dos c subjeti vos. Não vejo com o fugir disso. A coe rência, a coesão e a informativ idade estã o em es treita dependência dos conhecimentos partilha dos pelos interlocu tores. O que faz sen tido p ara um rece bedor pode parecer absurdo para outro; o nexo entre os elementos textuais pode ser fa cilmente perce bido por um, através das relações lógico-semàntico-cognitivas implícitas, e perma necer irrecobrável para outro, sc não for expresso lingüisticamente; o que c “batido” para um po de ser absoluta novidade para outro. Em outras palavras, o que estou dizendo é que a textualidade de uma pr oduç ão lingüística qualquer depende, em grande parte, do recebe dor (seus conhecimentos prévios, sua capa cida de dc pres sup osiç ão e inferência, su a ad esão ao discurso) e do contexto (o que é texto nu m a s itu a ção pode não o se r em o ut ra , e vice-versa). Como, então, fixar crité rio s rígidos e objetivos p a ra de m ar ca r os limites da textual idade: daqui p ar a lá, texto; daqui p a ra cá, não-te xto? (!) T en ta r fazê-lo seria ignorar ou falsear as relações que de fato se estabelecem no processo de interação comu nicativa. Por isso neste trabalh o não foi ad ot ad a qua l quer tabela objetiva para medir a textualidade das redações do corpus. O julgam ento, aind a que balizado pelos critérios já definidos, passou pe la subjetividade de minh a perce pçã o com o leito ra. Não há com o evitar. Não vejo com o ca lcu lar 34
objetivamente a dim ensão da gravidade de um a talha relativa, por exemplo, à condição de não contra dição com o mundo real. Fazé-lo cor resp on deria a prete nd er a existência dc verdades inques tionáveis das quais se pudesse m edir nu m erica mente o afastamento; significaria admitir uma única poss ibilidad e de leitu ra do real; seria igno rar a participação do recebed or na construção do sentido do texto; seria des pre za r todos os elem en tos p ragm áticos que interfer em decisivamente na textualidade. A necessidade de preesta bele cer parâm etro s para o rie n ta r a avaliação técnica de um texto po de ser ate nd ida atravé s da definição de critérios qualitativos (e não quantitativos) que busquem captar e sistematizar as condições naturais de aceitabilidade dos discursos. Assim, acredito que um julgame nto que p re tenda respeitar a natureza do objeto avaliado e percebê-lo na sua totalidade pode se p e rg u n ta r o seguinte; da da a situação com unicativa, as ca racte rísticas e as disposições dos interlocutores e o tipo textual efetivo, essa produção lingüísti ca se mos tra aceitável? Tem continuidade? Apre senta p rogres são? Mostra-se não -contraditória e bem a rtic u la d a ? Faz uso a d e q u a d o dos recursos coesivos que servem à expressão dessas qu alida des? É suficienteme nte clara e explícita na ap re sentação das informações? Comporta um míni mo de novidade que possibilite reconhecê-la co mo m anifestação personalizada e capaz dc atr ai r a atenção dc um recebedor médio? As respos tas a essas pe rg un tas não são redutíveis à exatid ão de valore s qua ntitativo s. Antes, 35
passam inapelavelm ente pela intuição e o bom senso, aplicados com naturalidade pelo falante com um na com unicação cotidiana. São questões que têm a ve r com a competência textual, que de term ina a capa cidade da s pessoas dc produ zir e interpretar textos. A pre oc up açã o dc julgar com objetividade as redações escolares tem res ultado cm esquem as de correção e atribuição de notas através dos quais se tiram pontos por desrespeito às regras do dialeto padrão ou por desobediência às con venções relativas ao uso da escrita, como a orto grafia c a pontuação. Quer dizer: o julgamento aca ba privilegiando os aspec tos mais superficiais do texto escrito, que nada têm a ver com su a es sência, isto é, sua textualidade, mas que são os únicos suscetíveis dc m en su ra çã o objetiva. A mim parece que o e nsino de red aç ã o só teria a g a nh a r se se procura sse res peita r na cscola o que acon tece na vida. A interação comunicativa cie verda de é um processo esse ncialm ente intersubjetivo: são pessoas que prod uze m /interp retam textos, e entram nesse jogo com toda a sua individua lidade. 5. A necessidade de uma avaliação global Um texto é um a un idad e dc sentido, na qual os elementos significam uns em relação aos ou tros e em relação ao todo. O significado de cada um isolado pode não coinc idir com o sentido que ass um e cm relação ao conjunto, ou pode não scr relevante para esse sentido global. Decorre que 36
as ocorrê ncia s dc um texto não devem ser an ali sadas per si, m as o texto deve ser perce bido c in terpretado integralmente, cada elemento sendo ava liado em função do todo. Por isso, os critérios cie julgame nto aqui definidos conduzem a um ex a me global do texto. No plano da coerência, não há como avaliar fragmentos: a continuidade, a progressão, a nãocontra dição e a articulaçã o só podem ser perc e bidas quando se analisa a redação por inteiro, examinando-se as relações do texto com seu te ma e as relações das partes entre si e com o to do. O não-cum primen to de uma dessas condições numa determinada passagem vai comprometer todo o conjunto. A ordem, aqui, é macrocstrutural. O plano da coesão, linear, microestrutural, oferece possibilidade cie percepção individuali zada das ocorrências: um pronome anafórico em pregado de maneira ambígua, uma conjunção que estab elece relações incabíveis, etc. Entre tanto , o que importa é consider ar o efeito dessas ocorrê n cias no conjunto, é ava liar se os rec urso s lingüís ticos utilizados servem ou não à conexão das idéias, sc o texto com o um todo se mos tra coeso ou desconexo. Não interessa, também, julgar a inform ati vidade de cada seqüência, examinando, como quer a teoria física da informação, a probabili dade de ocorrência dos seus integrantes. O que conta é verificar se, em sua realização global, o texto equilibrou satisfatoriamente o explícito e o implícito, o previsível e o ines pera do, de modo a se con stituir num todo informativo c atraen te. 37
Além da inconveniência de um a aná lise frag me ntária de cada componente textual considera do, há a Improc edência de um exame dos três co mo fatores absol utam ente estanques. O que se de preende da conceituaçào estabelecida e dos cri térios esboça dos é que eles são faces im brica das de mesmo corpo. O que afeta um deles, em ge ral, tem implicaç ão sobre os ou tro s tam bém. Sua separa ção só se obtém artificialmente, para a ten de r á necessida de dc análise (“dividir par a do mi nar"). Vejamos: a coesão é a manifestação lingüís tica da coerência e, assim, a ela está inquestio navelmente associada; a informativ idade se aplica tanto sobre uma quanto sobre a outra e, mais que isso, localizada no terr eno cognitivo, gua rd a pon tos de interseç ão com a coerência. Há proble ma s de difícil delimitação que se espraiam por mais de uma área. Por exemplo: até que ponto um a la cuna na configuração conceituai do texto é pro blema de informatividade (insuficiência de dados) ou de coerê ncia (falta de articula ção )? Ou. ainda, em que medida a ruptura com modelos cogniti vos usuais repre senta ganho par a a informativi dade (imprevisibilidade) ou per da pa ra a coerê n cia (contradição entre o mund o textual e o m un do real)? Problemas sem elhante s podem ser apon tados também no que respeita à coesão: qual o limite entre um ar ran jo sintático inusitado, que favorece a originalidade, e um a infração, que pr e judica a coesão textual? Em razão do que foi apresentado, o que me preocupou na análise das redações foi identifi car com a maior nitidez possível os problemas 38
existentes, com a finalidade de tentar comprccnder as reais dificuldades que eles representam. Assim, foi mais importante para mim perccbcr todas as ram ificações e implicações de um mes mo problema do que buscar, artificialmente, isolá-lo do conjunto em que figura par a identificálo c computá-lo como ocorrência individual. O ob jetivo foi perceber cada texto como um todo c che gar a um julgamento mais legítimo, mais próxi mo do que se passa dc fato no proccsso comu ni cativo. Um julgamento que não se funda em pa râmetros rígidos, mas na realidade que o texto propõe; porem, um julgamento com inevitável margem dc subjetividade.
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SEGUNDA PARTE
RELATO DE UMA ANALISE
CAPITULO 3
AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO
Antes de passar à análise da coerência, coe são e informatividade das re dações es tudadas , é preciso deter a atenção sobre as condições de pro duç ão desses d iscurso s, o que significa avalia r o papel dos fatores pragmáticos (situacionalidade, intencional idade e aceitabilidade) sob re a textua lidade desses textos específicos. I. As contingências histórico-políticas As redações que compõem o corpus foram produzidas no vestibular/UFMG realizado em ja neiro de 1983. Nessa época o Brasil vivia o início do proces so de redemocratização. No âmbito federal, ea43
minhava p ara o fim o último governo de um a fa se de 21 anos de autoritarismo. No âmbito esta dual, tomava m posse os gov erna dore s eleitos di reta m ente em nov em bro de 1982, dep ois de lon go período cm qu e esses cargos eram preenchi dos p or escolha pessoal e exclusiva do prim eiro mandatário do país. A anistia política fora con quistada, já se prenunciava a Nova República e a cam pan ha pelas eleições diretas para presiden te começava a ganhar as ruas. Economicamente, no entanto, o Brasil en frentava um a crise cujos reflexos mais dolorosos er am a recessão e o desemprego. Essas dificul dades não eram exclusivamente nacionais. Afe tavam, naqu ele mo men to, até os Es tado s Unidos c os países ricos da Europa. Aqui, a situação sc mostrava particularm ente grave c, em função dis so, cara cteriz ava -se com nitidez um proc esso de ac irram en to da violência, sobre tudo nos centros urbanos. A população via-se, então, duplamente ameaça da, pelo desem prego e pela insegurança. Todos esses componentes do contexto histórico-político-social são importantes porque integram o conjunto de conhecimentos e vivên cias partilha dos pelos pro du tore s dos textos, os candidatos ao vestibular, e pelos seus recebedores compulsórios, os exam inadores. Esses dados assumem particular relevância quando se sabe que o tema proposto para a redação foi violên cia social, assunto diretamente dependente des sas contingências históricas. Não seria possível um a avaliação consistente da c oerência externa e da informatividade das redaç ões sem levar em conta esse quadro político-cconômico-social. 44
2. O contexto imediato: o vestibular
As redações analisada s fizeram p arte da pro va de Língua Portug uesa e L ite ra tu ra Brasileira, aplicada na segunda etap a do vestibular, de ca ráter classificatório. Todas as provas dessa eta pa foram compostas de questões abertas; as ques tões de múltipla escolha se limitaram à primei ra etapa, eliminatória. É fundamental o fato de se tratar de prova de vestibular, situação fortem ente impregn ada de ca rg a ideológica, que lhe at rib ui o papel mágico dc porta dc felicidade: ultrapassar esse umbral significa ob ter garan tia abs oluta de sucesso pro fissional e financeiro. O exa me ganh ou a dime n são de um rito de passagem, at ra vé s do qual o jo vem adolescente atinge a categoria de adulto res ponsável, socialmente integrado e bem-sucedido. Em fu nção desse mito, o con cu rso se realiza sob grande tensão c é, em geral, muito com peti tivo. Em 1983, na UFMG, fo ra m s elecio nad os pa ra a segunda etapa, pa ra todos os cursos, dois pre tendentes para cada vaga. Numa situação como essa, o can dida to tem consciência de que seu de semp enho c decisivo e realiza um gran de esfo r ço dc auto-superação. Não ba sta fazer boas pro vas, é preciso fazer pro vas m elh ores que as dos concorrentes, pois a segunda etapa é classifi-
catória. Outra conseqüên cia do mi to em que se tran s formou o vestibu lar é a ncuro tizan te prep araç ão a que se submetem os candidatos. A realidade atual é que p ratica me nte to do o ensino, desde o 1? grau, se orien ta pela filosofia ad m iti da c pelo 45
modelo de provas adotado no vestibular. No 2? gra u a situaçã o se agrava e o último ano imedia tame nte a nte rio r ao exame é, de modo geral, de dicado a ele de maneira intensa e exclusiva. Há, então, nos colégios e nos cursinhos preparatórios, a preocupação de, além de dotar os alunos dos co nhecimentos e habilidades necessário s a que m se destina a um curso universitário, fornecer-lhes os truques c macetes considerados indispensáveis a um bom êxito nas provas. No caso em loco, a preparação específica se orienta por par âm etr os previamente delimitados. Sabe-se que, além da redação, o candidato deve rá responder a questões discursivas nas quais o seu desempenho lingüístico, em termos de "cor reção gramatical", também estar á em julga men to. Isso significa que, normalmente, os competi dores se subme tem a um intenso trei na me nto pa ra obter o domínio da língua padrão na modali dade escrita. O próprio prog ram a do concurso ves tibular estabelece os critérios de avaliação e, quan to à redação, estipula que tipo de texto os candi datos deverão elaborar: O que sc espera em termos de redaçào são habilidades de exposição de idéias e de argumentação em tomo dc de terminado problema. O tema será, pois, de tal natureza que conduza o candida to a demonstrar tais habilidades. Revela desempenho satisTatório do candidato em expressão escrita um tex to com as seguintes características: — organização adequada cm torno de uma idéia central; — estruturação das idéias de tal ma neira que se identifique uma in trodução. um desenvolvimento c uma conclusão; 46
— divisão adequada das idéias cm parágrafos, c, em cada parágrafo, divisão adequada das idéias cm períodos; — ordenação lógica e coerente das idéias, com uso apropriado das partículas de transição e palavra de referência; — expressão das idéias com clareza e concisão, sem pormenores ex cessivos, redundâncias, palavras e expressões desnecessárias; — uso de vocabulário exato, preciso e adequado; — uso conveniente dos processos de coordenação e da subordinação de idéias; — adequação da modalidade de lín gua usada ao tratamento escolhi do para o tema; — uso adequado e correto dos sinais de pontuação; — uso correto das estruturas da lín gua escrita (morfologia e sintaxe); — correção ortográfica. (MEC/UFMG. Normas gerais. Pro gramas das provas de Língua Portugue sa e Literatura Brasileira íl ? e 2? etapas). Guia dc. inscrição do vestibular 1983, p. 7)
Quanto à relaçã o entr e intencional idade e situacionalidade, o que se pode sup or é que o forte desejo de se r aprovado e a competitividade do con curso levarão o vestibulando a se emp enh ar pa ra produzir um texto de acordo c o n as exigências do programa. 3. Os produtores dos textos A p a rt ir de um Q uest ioná rio de Informaçõ es Sócio-econômicas elaborado pelo MEC e aplicado 47
a todos os inscritos no ve st ib ula r UFMG/1983, foi possível delinear o perfil da am ostra de cem can didatos ao curso de Letras cujas redações anali sei. Seus integrantes, em sua maioria indivíduos com idad e en tr e 17 e 22 anos, traba lh av am e con tribuíam par a a ren da f amiliar na ocasião do con curso. A ma ior parte deles provém de famílias em que o pai e a mãe têm nível médio de escolarida de, o pai é profissional dc nível médio c a mãe é dona-de-casa. No 2? grau, a maio ria deles estudou em escola particular , du ra nt e o dia, fazendo cu r so regular (c não supletivo ou madureza), e não freqüentou cursinho. Foi possível também confrontar esse perfil com o do universo dos concorrentes à UFMG na segun da eta pa do ve stib ula r (6.914 candidatos) e cons tatar que os dois grupos apresentav am carac terísticas sócio-econômicas equivalentes, à exce ção de dois fatores: a parti cip ação na ren da fami liar e a freq üênc ia a cursinho. A maioria dos vestibulandos UFMG/1983 (segunda etapa) não traba lhava na época do exame e freqüen tou al gum cur so pré-vestibular. As circunstâncias específicas do vestibular co locavam cm situação equivalente os produtores dos textos ana lisad os (bem como todo o conj unto de candidatos que chegaram a fazer a redação). Todos eles já haviam concluído o 2? grau e, no ves tibular, já haviam sido aprova dos nas provas da etap a eliminatória, ou seja, já haviam pas sado por uma dupla seleção. A partic ularid ade de os integr antes da am os tra serem concorrentes ao cu rso de Letras susci ta a hipótese de que eles tenh am em co mu m o pen dor e o gosto pelo trato com a linguagem, carac 48
terí stic a que os distinguiria dos demais candida tos. Tal hipótes e não encon trou respaldo num in dicador quantitativo levantado: as notas das re dações. A questão de redação valeu 12 (doze) pontos, sendo a nota média, portanto, 6 (seis). Nos dois grupos, a mé di a aritmé tica das notas ficou em tor no de 6 (seis) e a moda, tam bé m p a ra os dois g ru pos, foi 6 (seis). Os pontos aqui levantados para a caracteri zação da am os tra se rão retom ados na conclusão, porque eles é que dão a medida da sua representativid ade c, por conseguinte, do alcance das pos síveis generalizações a serem postuladas. 4. Implicações do contexto pragmático Como já disse, as circunstânc ias histórica s do momento de produção das redações têm particu lar imp ortâ ncia no caso em exame, em razão do assunto proposto como tema, diretam ente vincu lado à realida de circu ndan te. Tal fato determ inou que, afinal, o material cognitivo com que os vestibulandos tra bal ha ram em seus textos fosse fun dam enta lme nte o mesmo, o que não ocorre ria se a proposta dc reda ção ensejasse a criação de um texto com base cm vivências pessoais. Outros elementos condicionantcs decorrem do fato de os textos integ rare m um a prova de ves tibular. A situação comunicativa é absolutamen te artificial. O produtor do texto não é dono do seu assunto, nem da forma do seu discurso. Vêse na contingência de di sco rre r sobre o tema que lhe for imposto, nos moldes preestabelec idos pelo 49
program a do concurso. O recebedor é ignorado, porem compulsório. Não se trata de um a pessoa a quem o produ tor qu eira dizer alguma coisa, mas, pelo contrário, trata-se de um desconhecido que, caneta vermelha em punho, poderá barrar-lhe a en tra da na universidade. A relação que se estabe lece entre os interlocutores, em razão dos luga res que ocupam, é u ma relação de poder, em que o produtor se submete ao que ele imagina sei a vontade do recebedor. Esse jogo de representações mentais, no entan to, sc processa de fo rm a distor cida, porque os protagonistas de lato não se co nhecem e se baseiam cm suposições estereotipa das so bre a figura do ou tro. Mais um artificialismo res ult a do pr óp rio objetivo do prete nso ato de comunicação . A intençã o nào é dizer algu ma coi sa, mas de m on stra r que se tem o domínio de uma modalidade do código c. com isso, an g ar ia r apro vação no concurso. Nesse caso, às vezes, pode ser mais conveniente se esconder do que se mostra r, dizer não o que realm ente se teria a dizer, ma s ape nas o dizível, o co nsi der ado a de qu ado p ar a a cir cunstância. Assim, os objetivos do produtor, as sociados àquilo que ele imagina se r a expectativa do recebedor, vão exigir um severo direcion amen to da situação no sentido da conquista da meta planejada. Noutros termos, intencional idade, acei tabilidade e situacionalidade vão se con jug ar pa ra exigir a auto-superaç ão do candid ato com vis tas à produ ção de um texto o mais próx imo pos sível do padrão considerado desejável. As contingências apon tad as au toriza m algu mas expectativas. O curso a que sc destinam os candidatos, su a prévia seleção e supos ta cu idado sa preparação, a importância social c a competi50
lividade do cu rso conduzem à hipótese dc que ti re em mãos um elenco de pro duções lingüísticas com alto pa dr ão de textualidade. Por outro lado, fator es co rrela tos levam a esp era r baixo grau dc informatividade nas redações: todas elas inte gram a mesma prova, tratam do mesmo tema, proposto no mesmo momento. Foram elaboradas por pessoas sujeitas às mesmas condições histó ricas e culturais, pertencentes, em sua maioria, a m es m a classe social e à mesm a faixa etária, su postam ente com a mesma habilitação e aptidão, que provavelmente se subm eter am a uma prep a ração de tendência despe rsona li/ante e que pre sumivelmente pro cu rar am cu m pr ir as exigências do programa. Os fatores que sugerem a segunda hipótese pesaram m ais que aqueles que dão origem à pri meira. De início, um indicador disso foi a distri buição de freqüência das notas de redação, que revelou uma concentração em torno de 6 (seis), tanto para a am ostra analisada quanto para o uni verso dos vestibula ndos UFMG/1983 (segunda eta pa). A an álise qualitativa das redações vai confir mar essa suposição.
SI
CAPITULO 4
A CO ERÊ NC IA. A COESÃ O E A IN F O R M A T I V ID A D E : B R E V E E S T U D O QUANTITATIVO
A análise q ua nti tati va não con stitu i o foco dc interesse deste trabalho. Os números que apre sento rap idam ente aqui têm a pena s a função de possibilitar um a visão panorâmica do que foi apu rado no exame do corpus e, assim, marcar um ponto de p a rtid a para a análise qualitativa. Computando quantas redações apresen taram um a ou mais infrações a cada condição conside rada, obtive os resultados constantes da Tabela 1 a seguir. 53
TABELA 1 INFRAÇÕES AS CONDIÇÕES DC TEXTUALIDADE CONSIDERADAS Fatores
% de Redaçócs com Infração
Condições C ontinuidade P rogressão N ão -c on tradiç ão in te rn a externa Articulação p resença p ertin ên cia
33 64
Coesão
C ontinuidade P ro gressão \à o - c o n tra d ição Articulação
60 12 51 36
Informatividade
S uficiência de dados Imprevisibilidade
65 87
Coerência
32 30
56 56
A Tabela 1 m ost ra que a info rm atividad e foi o fator cm relação ao qual houve m aio r núm ero dc redações com problemas: 87% delas feriram a condição de imprevisibilidade e 65%, a de sufi ciência de dados. Em segundo lugar vem a coerência. Assina lo que os aspectos q ue têm a ver com a orga niza ção conceituai intern a do texto, à exceçào da con dição de arti cul aç ão interna ("presença"), se apre sentam falhos num p ercen tual relativam ente bai xo de redações (cm torno dc 30%). Já as condi ções de não-contradição extern a c dc pertinência da articulação estabelecida s e m o s t r a r a m p r ob l e máticas cm mais da metade dos textos. A coes ão foi o fator que sc ap re se nt o u defi ciente num percentual m en or dc redaçõ es. O em prego dc recu rso s lingüísticos que d en o ta m a pro54
gressão (a es tru tur aç ão de frases e parágra fos em função das relaçõ es ent re dado e novo e entr e tód í c o e com entário , o uso de mecani smo s de cria ção de foco) sc m ostro u inad equ ado num percen:ual pouco signif icativo de redações (12%). Os me canismos de jun çã o e os artic ula dor es do discu r so, que servem à inter-relação das idéias do tex to, foram mal em pregad os em 36% das redações. O alto índice de redações com problemas quanto à condição de não-contradição (51%) se explica em função do grande número de falhas na área léxico-semântica: em 43% das redações foram constatadas impropriedades vocabulares que configuravam contr adição entre o significante em pr eg ad o e o significado cabível. Em 8% fo ram enc ontrad os problemas conce rnentes ao uso de tempos e modos verbais, que redundam em contradições no regime enunciativo do texto. Os recursos lingüísticos que expressam a continuidade tiveram utilização inadequada em 60% das redações. Esse perc entu al, em desa cor do com os 32% de redações afetadas por proble mas de contin uida de no plano da coerência, exi ge um esclarec imento. Esse de sac or do significa que, em mu itos casos, a re to m ad a de elementos er a feita sem pro blem as no plano conceituai, mas se apresentava mal expressada na superfície do texto. Era possível perceber com nitidez que elemento estava sendo retomado, a retomada er a pertinente, mas não havia, por exemplo, con cordância entre o pronome e seu antecedente, ou entre o verb o e o sujeito elíptico. Os pronomes anafóricos e a elipse, aliás, foram os mecanis mos de expressão da continuidade que apare 55
ceram mal em preg ado s com ma ior freqüência no cor pus. A Tabela 2 a seguir resume e torna de fácil visualização o que foi dito nos último s p ará gra fos a pr op ós ito do em prego dos recurso s de coe são: TABELA 2 1\ FRAÇÕES RELATIVAS AO EMPREGO ÜH RECURSOS COESIVOS de Redações com Problemas %
Condiçóes
M ecanismos de coesão
Continuidade
Pronomes anafóricos Elipse substituição por zero concordância com sujeito elíptico Determinação po r artigo deíinido Recorrência lexical Su bstituição lexical
02 10 06 04 06
TOTAL
60
Relações enire dado e novo Relações entre tópico e comentário Mecanismos de criação dc foco
02 09 01
TOTAL
12
Tempos e modos verbais Compat ibilidade léxico-semântica
08 43
TOTAL
51
Mecanismos der junção e articuladores
36
TOTAL
36
Progressão
N'áo-con trad içáo
Articulação
32
É de interes se re ssa ltar que, individualmen te, os itens que se apresentaram problemáticos em m aior núm ero de redações foram: o emprego 56
do v ocabulário (43% dos textos com casos de co n trad içã o léxico-semântica); o uso de m ecanism os de junção e articuladores do discurso (36% dos textos com problemas); o uso de pronom es ana(o ricos (32% d as redações com p roble mas de falta de concordância, ambigüidade, etc.). Os outros itens con stantes da Tabela mo stram índices pou co ou nada significativos, o mais alto deles atin gindo apenas 10%. Esse levantamento é impor tante como diagnóstico e sugere u m a nova área de traba lho no cuidad o com o aspe cto formal da redação.
57
CAPÍTULO 5
A CO ERÊ NC IA. A COE SÃO E \ I \ TF O R M A T I V I D A D E : A N Á L I S E Q U A L I T A T IV A
Neste estudo qualitativo pretendo demons trar quais foram os problemas constatados nos textos e que in terp retaç ão eles receberam . Para tanto, vou tra nsc re ver 14 e an al isar algumas re dações em q ue essas dificuldade apa recem bem caracter izadas e são repre sentativas do que ocor reu com freqüência no corpus. A intenção é ap resent ar exemplos ca racterís ticos de infração a cada condição de textualidadc fixada. Como não foi possível encontrar tex tos cu jo único pro ble ma fosse um a falha bem d e lineada com relação a uni determinado requisi to, decidi apresentar a análise integral da reda ção escolhida para ilustrar o não-cumprimento de cada condição, destacando as dificuldades eon59
cernentes à re alizaç ão cio re qu is ito em 1'oco, mas não ignorando as eventuais falh as relativas a ou tras condições. Posto que o corpus me oferecia mais de um texto com ocorrência típica e inte ressan te de infra ção relativa a ca da condição, ou me oferecia textos com manifesta ções diferentes do mesmo problema, julguei pertin ente traz er à mostra mais de uma redação, em alguns casos.
1. Em foco: problemas relativos à coerência e à coesão
1.1. Falha na realização do requisito de continuidade REDAÇÃO N? 41 O homem como fruto do meio O homem é pro duto do meio social cm que vive. Somos todos iguais e não nascemos com o destino traçado para fa zer o bem ou o mau. O desemprego, pode se r considera do a principal causa de tanta violência. A falta de condições do indivíduo em ali mentar a si próprio e sua família. Portanto é coerente dizer, mais em prego, menos criminalidade. Um em pre go com salário, que no mínimo supris se o que é considerado de primeira ne cessidade, porque os sub-empregos, es ses, não resolvem o problema. Trabalho não seria a solução, mas teria que ser a primeira providência a ser tomada. 60
Existem vários outros fatores que influenciam no problema como por exemplo, a educação, a falta de carinho, essas crianças simplesmente nascem, como que por acaso, e são jogadas no mundo, tomando-se assim pessoas re voltadas c agressivas. A solução é alongo prazo, é cuidan do das crianças, mo strando a elas a es cala de valores que deve ser seguida. E isso vai depender de uma cons cientização de todos nós.
A descontinuidade é flagrante nesse texto, ma s apar ece aí assoc iada à desarticulação. E não são esses os únicos prob lemas. Vejamos a análise. A es tru tu ra formal da reda ção corresponde á organ izaç ão do texto disserta tivo e atende, pois, às exigências do programa: um pará grafo intro dutório, qu atr o dc desenvolvimento e dois re ser vados à conclusão. De início, um número tão gran de de parágrafos n um texto relativamente pe queno faz sus pe itar de uma ce rta fragmentação. O título e a pr im eir a frase lanç am um a idéia que não será mais retomada explicitamente na redaç ão e que só à cus ta de algum esforço do rcceb edor pode se r relacionad a com os fatos e con ceitos expostos. Não é imediata a compreensão de que ap onta r o desemprego (...), a educação e a falta de carinho como responsáveis, respectiva mente, pela criminalidade e pela revolta e ag res sividade das pessoas corres pon da a de m ons trar que o homem é fruto do meio. É difícil tam bém , à prim eira leitura, des cob rir em que c como a se gund a fra se da in trodu ção pode se ligar à prim ei ra. Na verdade, quem acre dita que o meio deter mina a personalidade e o com porta me nto das pes 61
soas não pode scr fatalista, não pode acreditar em destino. Mas, no caso cm foco, essa relação tem que ser processada pelo leitor, o texto não lhe fornece se qu er um a ajuda. E, m esm o depois dc algumas leituras, continua difícil para mim en tender o que tem a ver o fato de sermos todos iguais com a idéia dc que o hom em è produto do meio. Reconheço, então, até aqui, no plano da coe rência interna, falhas relativas à condição de con tinuidade e à de articulação. Considero que es ses problemas dizem respeito mais à coerência que à coesão, na m ed ida em que não se resolve riam pelo simples acré scim o de um ou ou tro re cu rso coesivo. Pa ra saná-los seria nec essá rio ex plicitar conceitos c relações, elementos integran tes da m a cr o e st ru tu ra lógico-semântico-cognitiva, isto é, da coerência. Vêm a seguir, na redação, três par ág raf os in terligados en tre si, girand o em torno da idéia dc que o desem prego é cau sad or da violência. A ru p tura en tre a intro duç ão c esse trecho é chocante para o leitor, que, estupefato, se pergunta: que desemprego ? que violência? o que tem isso a ver com o meio social, a igualdade ent re os hom ens e a não-p redes ti nação ? Aí, a desc ontin uida de se mos tra tam bém no plano da coesão. Na expressão tanta violência tcmos, ou um de term inan te end ofórico sem cor re ferente, ou um determinante exofórico. Não há meio dc re cob rar, no texto, o seu ante ced ente . O intensificador remete, em primeira instância, à situaç ão específica de pro du çã o do texto (o tema proposto p ara a redação, que, afinal, não integra 62
o texto), e, em segu nda i nstâ ncia , ao contexto his tórico do m om en to (a exacerb ação dc\ violcncia no Brasil). Mas não remete a nenhum elemento do pró prio texto. Outro problem a de coesão ap a re ce na frase seguinte, que preten de ser uma frase nominal, com predicado elíptico. Entretanto, es se recurso não foi bem aplicado, de modo que o que res ulta p a ra o leitor é a imp ressão de incom pletude da sentença. A pass agem para o terceiro parágr afo traz no vos tipos de problema. A afirmação de que o de semprego é a principal causa de tanla violência é seguida imediatamen te da con clusão de que mais emprego implica menos criminalidade. Ou seja, os valores dos termos da primeira proposição sim plesmente foram invertidos. A equação foi m u lti plicada por ( 1): -e m pr eg o= + violência —>+ em prcg o= -violência Nenhum argum ento foi apresentado p ara com pro var ou justificar a relação estabelecida en tre os dois latos. 0 raciocínio é circular, tautológico, e con stitui um a infração localizada à condi ção de progressão. Além disso, traz problemas tam bém à á rea da informalividade, com respeito à suficiência de dados e a imprevisibilidade. A idéia de que desemp rego gera crim inalidade é tão cor riq ueira, tão previsível, tão de todos, que o pro dutor do texto a toma por verdade inquestioná vel, que d isp en sa comp rovação. Observe-se que o emprego do articulador lógico portanto não im pediu a falha na e s tru tu r a conceituai. O o u tr o pará gra fo infringe a condi ção de nãocontradição interna, na medida em que nega ser o trabalho a solução, depois de o texto ter apon 63
tado a falta de tra ba lho como a princ ipal causa da violência. Essa contradição decorre da nãoexplicitação de conceitos e relações (des articu la ção e insuficiência de dados): o texto nà o forne ce os elementos necessários para sc compreen der p or que o trabalho nào seria solução e que pro videncias deveriam ser tomadas. O pará grafo seguinte trata de ou tra questão, cuja relação ind ire ta com o título e a intro du çã o tem que ser, com o disse, m edia da pelo recebedor. A continuidade é aí prejudicada também no ní vel da coesão, p o r dua s ocorrê ncias: a) a pala vra problema, em preg ada como pró-forma nominal, sem refe rente cla ro (problema = o ho me m ser I ruto do meio?/problcm a = violência?/problema incapacidade do indivíduo de sup rir suas necessi dades?); b) um pr on om e anafórico sem an tec ed en te expresso n a superf ície textual (essas crianças). Alem disso, há um a ocorrê ncia que c onfig ura con tradição léxico-semântica: educação e falia de ca rinho não podem ser tom adas equiva lentem ente como fatores que influenciam no problem a por que educação não é problema, devia se r solução... A con clus ão do texto se aplic a ap en as ao pa rágrafo im ediatamente a nter ior e não à integri dade da redação. Ou seja, as idéias lançadas na introdução e na prim eir a parte do desenvolvimen to são esquecidas, não ganha m seqüência, nã o são levadas a termo. Vê-se, então, que, nessa redação, o problema da descontinuidade é m acroe strutural, perpassa todo o texto. Há ainda, na conclusão, falhas quanto aos dois aspectos da informatividade. O ut ra vez são lançadas idéias estereotipadas sem discussão 64
nem escla recim entos. O leit or cui dad oso fica sem respostas: que escala cie valores? p or que deve ser s e g u i d a ? o que se entende por conscientização ? com o c por que a solução depend e da conscienti zação de todos n ó s ? Uma última observação: a redação 41, com problem as na realização da coerência, da coesão c da informatividade que degradam seu padrão dc textualidade, não apre sen ta desvios significa tivos da nor m a culta e traz pouca s falhas no to ca nte ã utilização do código escri to (ortografia e pontuação). 1.2. Falha na realização do requisito de progressão REDAÇÃO N? 93 Violência Social A sociedade em desarmonia A cada dia que p assa a violência so cial aumenta. A sociedade não consegue viver em harmonia. O que acontece com as pessoas, é que elas não conseguem chegar a um r e sultado comum. A agressão, tanto físi ca, como moral é mais uma rotina de nossos dias. As consta ntes gue rras, são imagens de total falta de conscientiza ção com a vida do próximo. A desarmonia entre os povos acar retará conseqüências trágicas sem qual qu er benefício. As pessoas são egoístas só pensam em si mesmas, não se preo cupam com seu semelhante. No mundo dc hoje há poucas pessoas que lutam por dias melhores. 65
Sendo assim, a tendência é o aumen to da violência com re sultados irre pa rá veis. As pessoas se afastam umas das o u tras a cada momento. Vivem assim em plena desarmonia.
Esta red ação exemplifica tipicam ente o pro blem a da falta de pro g ressão no â m b ito textual. A rigor, comporta uma única idéia, expressa no título e repetida e para frasea da em todos os pa rágrafos: a desarmonia da sociedade atual. A intr od uç ão declara q ue há violência e não há harmonia. O primeiro parágrafo do que de veria ser o desenvolvimento parafraseia a de c l a r a ç ã o d e q u e n ã o h á h a r m o n i a (as pessoas não conseguem chegar a um resultado comum) e apresenta exemplos de violência (a agressão tanto física como moral e as constantes guer ras). O parágrafo seguinte retoma a questão da desarmonia, para dizer que ela acarretará con seqüênc ias trágicas sem qu alq ue r benefício, mas não esclarece quais são essas conse qüê ncias ou esses benefícios. Ê retomado também um argu mento lançado no parágrafo anterior e que se m ostra como cau sa ou explicação p ara a violên cia e a desarmonia: as pessoas são egoístas (...), não se preocupam com o semelhante (...) lutam p o r dias m elhores. Daí o produtor do texto in fere que a violência vai aumentar, com resul tados irreparáveis ( = conseqüências trágicas) c que as pessoas vivem em plena desarmonia. To do o conteúdo semântico dessa redação pode ser expresso numa frase: na sociedade atual há violência e desarmonia, porque as pessoas são egoístas. 66
Alem de se re pe tir internam ente , as poucas idéias que o texto traz não são mais que repeli dos e des gastad os lugares-comu ns. E ai també m apare ce, como co rrela ta do em preg o de clichê, a ausência de reflexão sobre o problema, a nãoapresen tação de explicação ou esclarecime nto so bre as a firm a ç õ e s feitas, o q ue im pe de o leitor de ir um milímetro além das declarações sup er ficiais e pouco sign ificativas d o texto. 1lã um a sé rie do q ue P éc or a (1983: 77) c h am a de “vá cuos se mân ticos", à es pe ra de significação: viverem har monia, resultado comum, falta de conscientiza ção, con seq üênc ias trágicas, benefício, dias m e lh o res, resultados irreparáveis. A redação fere, assim, as condições de suficiência de dados e de imprevisibilidade. Do ponto de vista sem ântic o e cog nitivo, esse texto não apresenta elementos que ju s tifiq u e m s u a existência. No plano da e xpressão, a re daç ão se com põe de poucas frases, curtas, todas elas na ordem di reta, independentes ou coo rdena das e ntr e si. To das as proposições são colocad as no mesm o pla no, assindeticamente, não há entre elas sequer um a relação de subordinaç ão. São usados apen as dois articuladores, quase iguais, com o mesmo s e n t i d o c a m e s m a f u n ç ã o de i n t r o d u z i r as p r e tens as conc lusõ es — sendo assim e assim. Não há nada que se pos sa ch a m ar de infração, mas a est r u l u r a i n fo r m a c i on a l , r e c u r s o d e c o e s ã o r e l a t i vo às técnicas de a rra n jo das inform ações segu n do sua novidade ou relevância, é mon ótona, p o r q u e r e p et e s e m p r e o e s q u e m a m a i s c o m u m , n ã o m a r c a d o , co m e x c e ç ã o a p e n a s d a p r i m e i r a f r as e do segundo paictgrafo, em que se emprega um 67
meca nismo cr iad or de foco (o que acontece... e... que). Os períod os cu rto s e não ligados por conec tores resu ltam num texto fragmentado, cujas fra ses não se engatam. As relações dc sentido não prog ridem , com o diria M arcuschi (1983), não se desenvolvem, pois o único vínculo en tre as p ro posições é a re ite ra çã o lexical p ura c sim ples ou a pa ráfr ase . Neste texto, a fragilidade coesiva es pelha as falhas na coerência e na informatividade. Entretanto, a redação é certinha, c u m p r e com as exigências do prog ram a do concu rso. Exi be u m a introdução, dois pará g ra fo s de " desen volvimento" e uma pseudoconclusão, dev idamen te introduzida por um sendo assim. Não há des vios da morfo-sintaxe p adrão , a ort og ra fia oficial é respeitada, os únicos erros concernem à pon tuação: du as vírgulas que sobr am e uma que falta. 1.3. Falha na realização do requisito de nào-contradição REDAÇÃO NV 49 Violência Social A violência social tem acentuado no de correr dos tempos, devido a vários fa tores como: o desemprego, o analfabe tismo c* a discrim inação social. A prim eira causa que conduz vários indivíduos a violência é o desemprego, con stante cm nossos dias e que sem te rem condição de trabalho, ficam angus tiados, deprimidos e p artem pai a o as salto, seqüestro, com armas, ferindo 68
homens inocentes e vítimas da revolta dos violentos.
Já a segunda, impede a valorização de várias pessoas dentro da sociedade, distanciando homens da nossa cultura e informação, tornando-os rudes, agres sivos e levando-os a violentarem pes soas. tanto fisicamente como moralmen te. Por último, a discriminação social leva à separação de classes, tornando prejudicados os humildes, sem chance de integração social, que assumem pa péis secundários e muita s vezes despre zíveis. 0 Povo sente na carne e nasce um clima de rivalidade acentuada, que aca r reta o ódio e conseqüentemente, leva ao crime. Portanto, se levarmos em conside ração estas três causas citadas acima, observaremos que são fortes e levam o homem ao desespero. Devemos superálas, através da conscientização dos pr o blemas, resolução dos mesmos, acaban do com as limitações sociais e fazendo justiça à massa popular.
Esta re daç ão, como a seguinte, identifica vio lência social com crim inalidade urban a, em bo ra tal iden tificação não venha explícita. Só a pa rt ir dessa del imita ção de sen tido é que é possível en ten de r por que os l atorcs me ncio nad os são lidos como causa, c não como efeito, da violência so cial. Este texto busca explicar um fenômeno so cial indicando os motivos que levam indivíduos a se torn arem criminosos, c se m ante m coeren te nessa contradição, que é fruto de uma análise apressada e superficial do tema, prob lema de tec tado também na redação que se segue. 69
A contradição sc manifesta, também, numa série de oco rrê ncia s localizadas. A pri m eir a de las e o anacronismo presente logo na primeira frase, a qual, en tre o utros fatores, toma um pro blema conjuntural do momento da produção do texto — o desemprego — como causa do agrava mento da violência social no decorrer dos tempos. Ou tra contradição aparccc no terceiro pará grafo. Ao explica r po r que consid era o ana lfab e tismo cau sa da violência, o pr o du to r do texto faz uma afirmação incompatível com o que geralmen te se observa no m un do real: que os analfab etos são rudes e agressivos c violentam física e m or al mente as pessoas. No parágrafo seguinte, localizo outra inver são entre c ausa e conseqüência (a discriminação leva à separação de classes) e uma contradição léxico-semântica na frase que diz os humildes, sem chance de integração social, assumem papéis secundários, muitas vezes desprezíveis. Ora, quem assume um papel numa comunidade, ainda que esse papel seja secun dár io ou desprezível, está in tegrado nessa comunidade. A conclusão, além do simplismo da propos ta de solução, lalha quanto à suficiência de da dos, na medida em que não fornece os elemen tos necessários pa ra sc en ten de r como superar as causa s citadas, resolver os problemas, acabar com as limitações e jazer justiça à massa popular, tu do isso simp lesme nte através da conscientização. Esse bloco de "noções conf usas" e " pro vas de ca ráte r moral" (cf. Pécora, 1983: 76-78) em nada c on tribui para o equacionamento da questão. De passagem, cham o a atenç ão pa ra u m pr o blema de continuidade, no nível microcstrutural, 70
ma nife sto no m au empre go dc rec urs o coesivo intcrfrásico. Trata-sc da elipse mal aplica da do ter mo vários indivíduos, objeto direto dc conduz, no segu ndo parágraf o. Esse term o é rec upe rad o cliplicamente, através da concordância verbal, cm uma seqücncia dc orações já distanciadas dele, das quais a prim eira tende a ser interp retad a co mo ora ção adjetiva referente ao termo desempre go, candidato a antecedente mais viável, em ra zão da proximidade. Merece destaque a perfeita est rutu raç ão for mal desse texto, que mascara a sua fragilidade conceituai. Na introdução, o pro du tor indica três cau sas da violência social; tra ta de cada u m a de las em um pará graf o do desenvolvimento, em pre gand o com per tinên cia os mecanis mos de coesão, e, em seguida, as re tom a na conclusão, onde u ti liza, também com adequação, oa rti cu la d o r lógi co poriunio. Q u a n t o à correç ão, há apen as falhas sem im portância, referentes à pontuação c ao em prego dc maiúsculas. REDAÇÃO N? 45 Violência Social A violência social c gerada pelo pro pio sistema. Ela existe a um longo tem po e acentuou-se nos últim os tempos de vido ao crescimento desordenado das grandes cidades. O êxodo rural vem aumentando ca da vez mais c formando um crescimen to desordenado das áre as urbanas. Es tas pessoas não encontrando meios dc sobrevivência adequado, passam a viver 71
cm favelas. Nelas não existindo condi ções humanas como: higiene, escolas, hospitais, alimentação adequada, assis tência social, habitação, ira gerar uma serie de danos para esta população, co mo po r exemplo o me nor abandonado, que automaticamen te sera um marginal p ara sociedade. Esta população carente, ira lutar pela sobrevivência, lançando mão de coi sas ilegais como: trafico de drogas, rou bous, contrabando, enfim um a série de coisas que levam a violência social. Pes soas que se desesperam com a falta de dinheiro, e como não conseguem a rra n jar emprego, partem logo para o lado do roubo. O capitalismo centraliza o podei nas m ãos de uma minoria, que controla lôdo o sistema, não havendo uma boa distribuição de renda, havera uma dis p u ta que gera em briga de classes. Um pais para co ntrolar este proble ma teria que investir em cima da educa ção destes menores, emprego a estas pes soas, e se possivel fazer um controle de natalidade, enfim dar condições huma nas para tòda esta população carente.
A reda ção n? 45 exibe oc orr ên cia s significa tivas, porqu e muito rec orr en tes no corpus, dc um tipo de con trad ição externa. Trata-se da ge ne ra lização indevida de afirm açõe s que não p odem ser estendidas, de m an ei ra imediata e simplista, a to dos os indivíduos qu e se enc ontra m sob de term i nada s condições. É a ap licação irrefletida de um estereótipo corrente c perigosamente falseador de realidade. Primeiro cia condena toda criança como m ar ginal nocivo à socie dad e e inc rim ina toda a popu72
iação carente como culpada de irá fico de drogas, roubos e contrabando. Em seguida, afirma, peremploriamente, que as pessoas que não conse gu em arranjar emprego partem logo para o lado do roubo. Essa radicalização não c compatível com a realidade. Há uma grave distorção em iden tificar toda a população pobre, em sua maioria trab alh ad or a e sacrificada, com um a mino ria de marginais e criminosos. Uma dessas afirmações da redação, além de contradizer a realidade, se mostra ambígua, di fícil de entender: o menor abandonado será um dano para a população favelada ou para o resto da sociedade? Será que cie, sendo u m dano para esta população, se transformará automaticamen te num marginal para a sociedade? Como? Esse menor abandonado é uma decorrência da falta de escolas, do mesm o modo que end emi as como a verminose seria m decorrentes da falta de higie ne, hospitais, alimentação adequada? Assim, as crianças, tanto quan to as doenças, constit uiriam danos para os favelados? Faltam elementos que possibilitem respostas a essas perguntas. Faltam informações, esclare cimentos quan to a determinados conceitos, e falta relação entre os conceitos apresen tados. Com isso o texto fere também os requisitos de suficiência de dados e de articulação. Essas falhas no nível lógico-semântico-cognitivo se refletem na super fície textual, na forma de um período sintaticamente mal estruturado, cujo sujeito é uma ora ção causai reduzida de gerúndio. É curioso como, ap esa r dessa zona de tu rb u lência, a redação guarda alguma coerência no 73
âmbito global. À origem da violência c atribuída ao propio sistema, depois identificado com o ca pitalismo, ce ntralizad or de poder e riqueza e ge rad or da briga de classes. O crescimento desorde nado das grandes cidades é apontado como cau sa imediata do acirr am ento recente da violência urbana c, cm seguida, é explicado pelo êxodo ru ral c a formação de favelas, consideradas autên ticos viveiros de delinqüentes: os menores aban donados e os adultos desempregados. A conclu são, então, aponta maneiras de reme diar a situ a ção: quanto aos menores, educá-los, se não for possível evitar que eles nasçam; quanto aos adul tos, dar-lhes emprego. Quer dizer: a conclusão propõe eliminar os danos e suas causas (a falta dc condições humanas). A transformação do propio sistema, apontado como causa geradora da violência, é uma hipótese sequer cogitada. A substituição do capitalismo por um regime mais igualitário nem sequer é aventa da. A consideração dessa possibilidade, ainda que para demonstrar sua inviabilidade ou inutilidade, viria satisfazer à lógica interna do texto e daria mais consistência à argumentação. Tal como está, o raciocínio parece truncado, não acabado. Apesar das falhas na es trut ur a lógico-semântico-cognitiva, na superfície a redação se mostra, em linhas gerais, certinha e organizada. Seu úni co problema formal significativo c a má est ru tu ração de um período do segundo parágrafo.
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1.4. Falha na realiz ação do req uis ito de articulação REDAÇÀO N? 7 Violência Social A violência em nosso pais esta a ca da dia que passa se acentuando mais, islo devido a diversos fatores podemos ci tar o fator economico a gananeia do ho mem pelo dinheiro, o desemprego dos pais, a falta de moradias, alimentação e educação impedem o de criar seus fi lhos dignamente dai a grande violência da sociedade o menor abandonado, que sozinho sem ter uma mão firme que o conduza pela vida, parte para o crime o roubo na tentativa de sobreviver. A falta de terra para nossos indioscontri buindo assim para extinção da especie. A matança sem controle de nossos ani mais, a poluição de nossas aguas pelas industrias e a destruição de nossas ma las em nome de um progresso uma tec nologia importada a custo do sacrifício economico financeiro de nosso povo. O homem se esqueceu dos fatores bási cos para sua sobrevivência em socieda de, a alimentação o trabalho e educação que cada dia que passa se torna mais dificil, a sua historia é o oxigênio que 6 fa tor principal para sobrevivência de qual quer ser, tudo isto pelo dinheiro pela maquina que o apaixona tornando o ce go para necessidades primarias da vida. O homem caminha para sua própria destruição.
Essa redação beira os limites do não-texto. Seu processo de elaboração parece ser o da as sociação livre, as idéias sã o jog adas no papel sem 75
a preocu pação dc sc cstabclecer qualqu er corre lação en tr e cias. T odas elas, é verdade, tê m a ver, algum modo, com a que stão da violência, ma s es sa ligação não c explicitada. Falta um a rede que as articule, um a h iera rqu ia que as organize. Ele mentos de peso c amp litud e diferentes são colo cados no mesmo plano, não se distinguem cau sas, sinto ma s ou conseqüências. Por exemplo, al guns elementos a rro lad os com o responsáveis pelo agravamento da violência, como o desemprego dos pais e a falta de m oradia, alim entaç ão e edu cação, são deco rre nte s do que o texto designa ge nericamente como fator econômico, m as essa re lação não é estabelecida. Outras manifestações de violência, sem vín culo direto com os proble ma s urbanos menciona dos, são incluídas no rol das ações humanas que a red açã o condena. Refiro-me à falta de terras p a ra os nossos índios (tidos como inte gran tes não da espécie humana, mas de outra espécie em extin ção?) e à destruição da natureza [animais, águas e maias). A inclusão se faz atr av és de fras es nomi nais que exprimem, na superfície, a desconexão que existe na est ru tu ra conceituai subjacente. Há na tessitura do raciocíniodescon tinuidades e lacunas que só podem ser reconstituídas pe lo leitor à custa de algum esforço. Um exemplo é a menção ao oxigênio, qualificado como fator principal para sobrevivência de qualquer ser e identificado com a história do homem, nu m a pas sagem que fala dos fatores básicos para a sobre vivência em sociedade, dos quais o ho m em se es queceu. A única possibilidade de processamento dessa ocorrência de "terc eira or de m ” é, com o di 76
ri am Be au gr an de c Dr ess ler (1983: 144), seu "r e b a ix a m e n to " p a ra um a ordem m e dia na de infor matividade , atra vé s da sua vinculação com o fe nômeno da destruição de nossas m ala s aludido no p a rá g ra fo a nterior. Esse jo rr o caótico dc idéias, relacionáveis en tre si e com o tema, mas não articuladas dc fato pelo p r o d u to r do texto, é caso típico de infração ao prim eiro aspcc to da condição de articulação: a pres en ça efetiva das relações. A única pista da da ao leitor com o possibilidade de nexo en tre os vários fatos arrolados é a lacônica frase final: o homem caminha para sua própria destruição. No plano da coeseto, a e s tr u tu r a do texto lem bra um a longa enum eração, com frases nominais e sem mecan ismos de junç ão interoracional, que correspo nde à desarticulação ap ontada no plano da coerência. Ressalto que essa é uma das p ouca s redações do corpus que não atendem à exigência do pro gra ma do vestibular r eferente à organização do texto em introdução, desenvolvimento e conclusão. Ê, também, uma das poucas que carrega m cm alta incidência de er ro s forma is, em dif ere ntes níveis, desde a ortografia e a pontuaç ão até a constru ção de cadeias anafóricas interfrasais, passando pela morfo-sintaxe e a estruturação de períodos. REDAÇÀO N? 74 Violência Social O que gera a violência? A falta de amor: a ganância; a luta pelo poder: a 77
pobreza, os desgostos, traumas; a falta de alfabetização ou seria as más condi ções do ser humano de sobreviver? O homem caminha em busca de paz e a cada dia ele geme, chora e teme por saber que a violência cada vez mais se agrava. O mundo caminha para um caos. a frieza em que as relações hum anas per sistem em viver, dá para se ter uma idéia que não é só nosso pais que sofre deste mal. A violência está alastrando-se como uma epidemia onde o futuro de todos é incerto e doloroso. Ao amanhecer abrimos o jornal e o que mais nos fascina são os crimes: mu lheres vítimas de seus maridos; estru pos, mortes, desastres c suicídios. E de paramos diante destes quadros frios e incalculistas. Agimos mal? Erro só nos so! A violência e um crime social, amea ça nossa sociedade, onde fazemos par te dela, onde vivemos e é por certo a quem devemos luta r e proteger! Ela nào é só um problema de governantes, au toridades policiais, da Igreja ou de Deus; é um problema nosso, de nossos filhos ou de animais (restos de homens alienistas) de uma tremenda catástrofe em que vivemos ao lado dela a cada instante...
Embora menos grave que a n? 7, a redação 74 também constitui caso típico dc infração ao requisito de presença de articu lação e ntre latos c conceitos. A intr oduçã o tem a mesm a con stit ui ção de saco de gatos que comand a a composição anterior. O produ tor do texto en um era alguns fa tos que po dem ser relaci onad os à violência, sem sc pr eo cu pa rem ordená-los ou m os tra r os possí 78
veis nexos existentes entre eles. Por exemplo: o que seriam a pob rez a e a falta de alfab etização s e n ã o c o m p o n e n t e s d a s más condições do ser hu m a n o d e s o b r e v i v e r ? As idéias lançadas na intr od uç ão não são re tom adas nem discutidas du ra nte o texto. O segun do p ará gra fo fala dc u m a re alidad e que é, em si, co ntr ad itó ria (a busca de paz versus o agravamen to da violência), m as nã o lida bem co m es sa co n tradição, porque não a expressa através dos co nectores interfrasais adequados. O terceiro pa rágra fo alud e a um fato que não é relacionado a nenh um a ocorrência anterio r ou posterior (a frie za das relações h u m a n a s no âmbito internacio nal). Há, ainda, falhas qu an to ao r equ isito de su ficiência de dados, ca rac teriz ad as pela ausênc ia de delim itação do sentido de conceitos difusos co m o falta de am or, desgostos, traum as, m ás con dições do ser hu m an o de sobreviver, frieza das re lações humanas, e pela falta de explicação para o papel a eles atribuíd o como lontes ou man ifes tações da violência. O quinto par ágra fo co m po rta uma excmplificação do que é violência par a o pr od ut or do tex to e anuncia a conclusão, atravé s de contra dições léxico-semânticas. Como enten de r, po r exemplo, quadros frios e incalculistas? Para que a passa gem faça sentido, é preciso traduzir deparamos p o r “pa ram o s" ou “ ficamos paralizados" e en te n de r como “omissão" a ação sugerida pela pergu n ta que se segue: A g im os mal? Erro só nossol E s se é o único meio dc relacionar ao texto a con clusão, que q ue r de m on str ar que a violência é um p ro b le m a da resp on sab ilid ad e d e todos os c id a 79
dãos, e não só de governantes, autoridades poli ciais, da Igreja, ou de Deus. Permanecem fora da rede de relac ionam entos plausíveis, configu ran do ausênc ia de articulaçã o, os an im ais (restos de homens alienistas) de uma tremenda catástrofe. À falta de relacionamento entre os fatos e conceitos den otado s correspon de, nessa redação, a ausência de mec anism os de junção. Não há um só conector que faça a ligação dos vários pará grafos entre si. Além disso, a falta de clareza quanto às relações entre indivíduo e sociedade, mencionadas na conclusão, transparece no em prego ina deq ua do d o s relativos da p rim e ira f r a se deste parágrafo e na ambigüidade dos anafóricos dessa frase e da última. Tais falhas co nt ra s tam com a ap are nte boa organização da redação que respe ita o mo delo fixado par a textos dissert ativos. Deixo aqui um a a notaç ão q uan to ao esforço que textos com o este e o an te rio r (redação 7) exi gem do leitor que pretenda interpretá-los. Sem a cum plicidad e benevolente do rece bed or não se constrói o seu sentido.
REDAÇÃO NV 3 Violência Social A violência social está m uito p resen te na nossa sociedade. Como exemplo nós podemos citar a morte de Setequed as e as condições precárias dos m a nicômios. O assassinato de Sete-quedas não foi unia escolha popular. E quando os 80
direitos de qualquer pessoa são viola dos, ocorre violência social. O progresso éca racte rística de paí ses desenvolvidos, mas para que ele te nha sucesso ê preciso que seja bem pla nejado. Com a morte de Scte-quedas, o Brasil ganhará divisas e ltaipu será a maior usina hidrelétrica do mundo. Mas por outro lado a natureza brasileira fi cará seriamente abalada. Muitas espé cies de peixes podem se extinguir, isso porque o fenômeno da piracema que ocorre no mês de agosto, quando os ca r dumes de peixes vão para as cabeceiras do rio para desova, não poderá mais ocorrer. As condições precárias em que se apresentam os manicômios brasileiros é uma violência social para os pacientes. As condições higiênicas são péssimas, geralmente os manicômios abrigam o dobro de pessoas que comportam, a as sistência médica quase sempre não tem e os pacientes tomam grandes quantida des de remédios sem controle médico. Desta forma os pacientes nunca se curam. Portanto quando o país souber da grande importância em escolher, as vio lências sociais terminaram.
Para fala r de violência social o pro du tor do texto toma dois aspectos de remota vinculação com o as su nto e nenh um vínculo ent re si: a m or te de Sete-quedas e as condições precárias dos m a nicômios. A possível relaç ão dos fatos a pon tado s com o tema não é efetivamente estabelecida. O au tor da redação forja um a ligação indireta en tre o assassinato de Seie-Quedas e a violência so cial atrav és da mediaç ão da a usênc ia de escolha popular como base p ara a decisão governamen 81
tal de afogar, no lago de Itaipu, o Salto de Sele Quedas. Não se lembra, por exemplo, de alegar que a de stru ição da Natureza é uma am eaç a pe rigosa par a a sociedade huma na, e não ape nas pa ra as espécies animais. Por sua vez, a dimensão social da pre carie dad e dos manicômios, proble ma de saúde pública, tam bém não é lemb rada pe lo pr od uto r do texto, que a restringe ao â mbito interno das instituições, como violência contra os pacientes. Assim, o que se tem na red aç ão são "prova s" ap enas rem ota e artificialmente rclacionáveis com o assunto em foco: a ameaça de ex tinção dos peixes pela não-ocorrência da piracema c a dificuldade dc cura dos doentes in terna dos nos hospícios. Es sa re da çã o é um ex em plo ti pico de falha quanto à pertinência na articulação de fatos e conceitos. Na tentativa de desenvolver seus a rg u m e n tos, o autor da redação incorre ainda em tautologias e impropriedades. É tautologia falar no progresso de sucesso dos países desenvolvidos. É impróprio falar em morte e assassinato de Setequedas sem p res tar ao leitor maiores esclareci men tos (infração à exigência de suficiência dc da dos). Um receb edor que não dete nha as infor m a ções prévias necessárias pode interpretar Seiequedas como o nome de algum herói po pu lar a s sassinado. Nesse texto, a conclusão não decorre, abso lutamente, do desenvolvimento das idéias ap re sentadas. Antes, parece um artifício descoberto pelo prod u to r p ara se safar da dificuldade de fe ch ar convenientemente a redação, justifica ndo a inclusão de elementos tão discrepantes. Não há 82
nada, no texto ou fora dele, que permita inferir que basta sa be r que c im por tante escolher para se el im in ar a violência social. Se essa d edu ção se vincula, po r reco rrên cia lexical, ao pretexto us a do para qualificar o assassinato de Sete-quedas com o violência social, não m anté m com o seg un do argumento sequer uma ligação superficial e longínqua. É curios o como o pr od uto r do texto tenta es con der a efetiva desarticulação e ntre os argu m en tos que utiliza sob a má sca ra de um a es tru tu ra for mal canônica, superficialmente perfeita: na intro dução, ap rese nta o tema e anu ncia os dois aspec tos sob os qua is irá abordá-lo; no desenvolvimento, reserva dois parágrafos distintos, pa ra tra ta r cada vez dc um arg ume nto; na conclusão, dev idamente prece dida do a rtic u la d o r lógico portanto, retoma um a idéia do desenvolvimento e faz uma projeção relativa à possibilidade de solução do problema. Tudo certo e arrumadinho, mas sem sentido.
2. Em foco: pro blem as relativos à inform atividad e 2.1. Falha na realização do requisito de suficiência de dados REDAÇÃO N? 85
Violência Social A violência social vem sendo prati cada no mundo inteiro, em todas as clas ses da sociedade. 83
É uma luta pelo poder e pela sobre vivência. Uns matam e roubam para so breviver, conseguir urn pedaço de pão e ter com que se alimentarem, outros praticam a violência apenas com o ob jetivo de enriquecerem ainda mais e do minar a elasse mais fraca. Há rivalidades até entre famílias, fi lhos matando pais para tomar o que lhes pertence, irmãos brigando entre si. Brigas por posses de terras, causan do guerras entre países como ocorreu há pouco tempo e continua acontecendo. Por qualquer motivo se pratica a violência, uma simples discussão, ciú mes, um lugar em fila de ônibus, etc. Ninguém respeita o próximo, qualquer coisa, por menor que seja, serve de mo tivo para acabar em violência c basta an darmos uns minutos pelas ruas, para en contrarmos vários exemplos. Assim como ha os que praticam a violência pelo poder e pela sobrevivên cia, há também muitos que a praticam por prazer, por querer m ostrar que po de mais que o outro.
Uma ocorrên cia típica do p roblem a dc que estou me ocup and o se localiza no qu ar to pará gra fo des sa redação: brigas por posse dc terras, cau sand o guerras entre países como ocorreu há po u co tempo e contin ua ocorrendo. Nada há no tex to que informe de que terras, de que g ue rra s, de que países e de que tempo se está falando. Que força pode ter um arg um en to como es se, que não esc larec e a que está se re ferin do? Em vez de co ntribu ir pa ra a pe rsua são do leitor, es se argumento tem o efeito de reduzir a eficiên cia prag má tica do texto, pois a im pre ssã o que dei xa é que o autor da redação não pôde fornecer 84
dados mais completos em função de sua ignorân cia. Ora, quem ignora o as su nto de qu e fala não merccc crédito, não faz jus à cooperação do in terlocutor. Não tem aceitabilidade. No entanto, no vestibular, ob ter a aprova ção do recebedo r é fundamental... A falha apresentada não é ocorrência isola da e exc epcion al no texto. Pelo con trá rio , ape nas ilustra o tom escapista que perpassa toda a re dação. O fio co nd ut or do texto é a tentati va de defi nir e exemplificar o que seja a violência social, para d e m o n s tr a r que ela vem send o praticada no mundo inteiro em todas as classes sociais. O re sultado, no entan to, é um a noção obscu ra e con traditória, em virtude da abrangência pretendi da e da variedade e indefinição dos exemplos. Tan to é violência social o en riq ue cim en to ilícito qu an to a disp uta por um lugar na fila do ônibus; tanto as gu erra s internacionais quan to as rivali dad es familiares. Os motivos que a desenca deiam vão desde a legítima luta pela sobrevivência até o anseio de poder e riqueza, passando pelo ciú me e pela mais cruel vaidade (a dos que a prati cam por prazer , por q uererem mostrar que podem m ais que o outro). Assim, fica difícil reconhecer e situ ar o c ar át er social do fenôm eno e (ica difí cil co m po r um conceito nítido e coer ente do t er mo em questão. Se a violência é praticada pelos que têm o objetivo de enriquecerem ainda mais e dominara classe mais fraca, essa classe, obri g ad a a m a t a r p a r a r o u b a r um pedaço de pão (!), não ser ia \i iim a, em vez dc agente, da violência social? 85
T ran spa rec e, nesse texto, a superficialidade da reflexão, explicável pelas contingên cias da si tuação de p rod uç ão e que sc manifesta, como se viu, não ape nas pela não-explicitação de dad os ne cessários (que brigas, que terras, que guerras?), mas també m pela não-construção de um a rede de relações que articule e organize todos os fatos mencionados. No entanto, m a is um a vez, tem-se u m a reda ção certinha e feita de mo do a aten de r as exigên cias do modelo de composição estabelecido pa ra os textos dissertativos. REDAÇÃO N? 26
Violência Social Atualmente, um dos grandes proble mas que afetam a vida de um a socieda de, é a violência nela inccrida. Violên cia essa que devido a vários fatores, se gundo sociólogos, psicólogos e outros estudantes das ciências humanas, será praticamente impossível de ser elimina da. A dificuldade na solução deste pro blema. está na complexidade do mesmo. Várias são as suas causas e para cada uma sc faz necessária uma medida es pecial, medidas essas que m uitas vezes são impossíveis de serem colocadas em prática. A violência pode ser gerada pela própria sociedade, por crises econômi cas, por um problema mental do indiví duo. pelo grande numero de adeptos ao uso de drogas, e por uma enorm e série dc outros fatores. Devido as perspectivas quase que inexistentes em um a solução a curto ou 86
médio prazo para a questão da \ iolência, o melhor a fazer, é se precaver pa ra não se tornar mais uma vítima de um dos proble mas mais sérios da nossa so ciedade.
A sonegação de informações é o que me inc om oda ness e texto. A int rod uç ão e o prim ei ro parágrafo manifestam de modo especial es sa falha, pois criam no leitor expectativas que não são satisfeitas: quais são os vários fatores e as várias causas da violência? a que medidas especiais se refere o autor? por que elas são im possíveis de serem colocadas em prática ? afinal, cm quo consiste a complexidade desse proble ma e por que ele é praticamente impossível de ser elim inado ? O segundo par ágra fo, ao invés de rem ove r a instabilidade da comunicação, satisfazendo a cu riosidade do leitor, apre sen ta uma seqüência de explicações vagas e desconexas, nenhuma delas reto m ad a e especific ada depois: a própria socie dade, crises econômicas, u m problem a me ntal do indivídu o, o grande n úm ero de adeptos ao uso de drogas. Essa seqüência é en ce rra da de um a lorma que aumenta a frustração do recebedor, ao invés dc resolvê-la: uma enorme série de outros fatores (grifo meu). A conclusão não vem para e scla rec er mas pa ra escapulir. Retorna à idéia duas vezes expres sa. mas não desenvolvida, da quase impossibili dade de solução p ar a a violência social, sem fun dam enta r ou justifica r essa descren ça no futuro. E recomenda a cada um se pre cav er para não se tornar mais uma vítima (...), o que não é uma 87
solução, mas uma escapatória. A proposta é fu gir do problema, como o autor fugiu do tema... Para mim, esse é um texto que taz que di/.t mas não diz. Quanto aos aspe ctos mais superficiais, apr e senta desvios no que tange à morfo-sintaxe pa drão e às regras de ortografia e pontuação. Sua estrutura formal aparente, no entanto, segue o molde ortod oxo de dissertação, compondo-se das três partes tradicionais.
2.2. Falha na realização do requisito de iniprevisibilidade 2.2.1. Considerações preliminares A exigência de iniprevisibilidade não é, nem poderia ser, absoluta. As contingências históricosociais inviabilizam, de certa forma, a originali dade total. Segundo Pêcheux (1969: 16), as cir cunstân cias condicionam, efetivamente, a pro du ção dos discursos. Eu não pretendia, ao avaliar redações (citas no Brasil, em 1983, sobre violên cia social, enc ontr ar textos que não aludissem aos elementos corriqueiros da nossa realidade da épo ca (e de hoje também), como os assaltos, o me no r abandonado, a p obreza do povo, a injusta dis tribuição social da riqueza, o desemprego. Esses elementos c que inte gram no ssa experiência. Eles é que cons titue m o material cognitivo co m o qual trabalh amos na pr od uçã o de nossos textos; eles 88
e quo co m põ em os modelos d e conhecimento com os quais processamos os textos que recebemos. Entretanto, c sempre possível a elaboração pessoal desse m aterial cognitivo com um . Por is so, co m o est av a lida ndo com falas de indivíduos, considerei razoável esp era r m aneiras diferentes de inte rpr etar e valorizar os com ponentes da rea lidade. Mas nào foi isso o qu e enco ntre i. Gr and e parte das redações traz um g ra u elevado de p re visibilidade, nào só porque se compõe de argu mentos rec orr en tes e de estere ótipo s relacionáveis ao tem a (referen tes a amor, paz, unidade na cional, etc.), mas, principalmente, porque apre senta uma única leitura de mundo. Poderia incluir aqui um núm ero bem m aior de redações, mas isso seria dup lam ente desneces sário. Em prim eiro lugar, porque a recorrência de algumas idéias já está comprovada pelas re dações transcritas até agora a propósito de ou tros prob lemas. Em segundo lugar, porque a re p ro d u ção de m ais algum as redações não traria novidade, seria apenas redun dante. Basta, então, que eu apre sen te alguns exem plos típicos, que dão conta de grande p arte dos textos integrantes do corpus. O mesmo arcab ou ço form al e conceituai, com pou cas variações p re visíveis, po de s er reco nhec ido em pelo me nos 45 das cem redaçõe s analisadas. Quase a metade dos candidatos integrantres da am ostra escreveram o m esm o texto. Os outros 55 textos não sc apre sentam inteiramente originais, mas acrescentam elementos a esse esquema ou arr an jam dc manei ra diferente os elementos que o compõem. 89
O molde é o seguinte: a) na introdução, declara-se que a violência social c um pro ble m a do m und o todo, m uito dis cutido, e/ou que se most ra mu ito ac en tua do nos dias de hoje; b) desenvolvimento, exemplifica-sc o ag ra vamento da violência falando da falta de se gur an ça nas cidades (assaltos, roubos, estupros, pivetes, trombadinhas) c apontam-se sua s ca usas sociais (o êxodo rural, o desemprego, a marginalização, as favelas) e/ou morais (o egoísmo e a ganância do homem, a falta de amor ao próximo ); c) na conclusão, apregoa-se a nece ssidad e de conscientização e hum aniz açã o das pessoas, ou apontam-se objetivamente medidas a serem to ma das pelo governo e pela classe do m ina nte (em prego, escola e habitação para todos), ou profeti/.ase que não há solução para o problema. As redações tra ns crita s a seguir ilustr am al gumas variantes do modelo. São, em geral, tex tos com razoável correção gramatical e que obe decem ao padrão dc es trutu raç ão formal estab e lecido para a dissertação. 11 0
2.2.2. Análise de algumas redações REDAÇÃO N? 2 Violência Social Violência c um tema muito discuti do. Atualmente, um dos grandes proble mas dos brasileiros é a violência social Pesquisadores, psicólogos, educadores têm procurado um meio eficaz para so lucionar o problema, que se agrava, a ca da dia que passa.
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0 maior índice de ocorrência es tá localizado entre os pobres. As pes soas pobres geralmente são muito ca rentes de amor, de carinho, de com preensão, são marginalizadas e a so ciedade os recrimina e os maltrata. Então eles usa m a violência como fuga da sociedade, dos problemas c dc si mesmos. A violência também está entre os ri cos e poderosos, que na sua ânsia de ri queza e poder, usam a violência como forma de obter o desejado. Enfim, a violência social está no mundo inteiro, presente na maioria das pessoas, que a usam como fuga oi\ desejo de algo. Espera-se uma so lução para, pelo menos, diminuir o índice de violência na nossa sociedade. Para uma solução acertada, é preciso de uma conscientização de todas as classes sociais no sentido de mostrar que a violência não c a única saída pa ra os problemas.
A re da çã o n? 2 exem plific a bem o modelo. In clui na introdução du as das três formas de ap re sentação do assun to mais recorre ntes — a violên cia é um tema m uito discutido (...) que se agrava a cada dia que passa. No desenvolvimento, mes cla a ex plic ação social (as pessoas p obres [.. J mar ginalizadas, que usam a violência como saída pa ra seus problemas) com a explicação moral (os ri cos e poderosos com sua ânsia de riqueza e po der). E, na conclusão, condiciona o fim do pro blem a a um a conscie ntizaçã o de todas as classes. Parar para pensar e se conscientizar foi a suges tão oferecida po r 19% das redações como f órm u la mágica para eliminar a violência social. 91
REDAÇÃO N? 1I Violência Social A sociedade atual está muito mar ginalizada. Há tanta violência no mun do, tantas guerras, desavenças, tudo por ambição, egoísmo. A marginalização é total. Todos sc agridem, se matam na luta pela sobre vivência, a procura de um mundo me lhor, de uma vida mais calma, só que es tão fazendo o contrário, ca usando mais guerras e mais desunião. A fome e a miséria são umas das causas da nossa marginalização, fazen do com quo os homens se matam pela sobrevivência. É o "pão nosso de cada dia". Os analfabetos, os deficientes físi cos ou mentais e principalmente o "me nor abandonado", todos eles e mais ou tros estão por aí a proc ura de um a mão, de um coração aberto e só encontram portas fechadas não p ermitindo que ele vavam. Na época em que vivemos, todos nós precisamos é de paz, amor e não o que es tá acontecendo. 0 homem está sc tor nando cada vez mais escravo do seu egoísmo, do seu ódio e de sua ambição, está acabando com o amor, nào deixando-o florescer em seu coração. Só o am or constrói. Vamos! Plante uma flor e a faça germinar em seu co ração criando verdadeiras, fortes e fér teis raízes.
O texto 11 é exemplo da abordagem lírica c pueril do tema, m uito íreqüente entre as redações analisadas. In troduz o assunto apo ntan do a ge neralização da violência no mundo, descnvolveo contrapondo o ideal (um mundo melhor, uma 92
vida mais calma) à realidade social (a fome, a m i séria, o me no r abandonado) e conclui a firm and o que só o am or constrói e que, portanto, a man ei ra de o homem en contra r paz, amor e ac ab ar com seu egoísmo, seu ódio, sua ambiç ão é plantar uma flo re fazê-la germinar em seu coração. Correspon de a um a análise simplista da realidade, fru to da não-pen etração nos problemas e da generalização a p re ssa d a 15. Há 22 redações no corpus que term inam ex pressando sua crença na força do amor como úni ca possibilidade de solução para os males sociais. Vale a pena obse rvar que, ap es ar do seu bai xo teo r inform ativo (no que se refe re aos dois as pectos considerados neste trabalho), a redação é coer ente em sua ingenuidade, atendendo aos qua tr o requisitos aqui adotados, é coesa, e, além dis so, atende aos padrões escolares (paragrafação adequada e correção gramatical). REDAÇÃO N? 59
Violência Social Hoje o que mais se vê é a violência social, ocorrendo em toda parte do mundo. Os homens destroem a si mesmos. Não há um só país, onde não exista as saltos. estupro ou violentação. N inguém mais tem o direito dc sair às ruas, sem a preocupação de ser violado por um trombadinha ou mesmo por um assal tante mais “eficiente". A cada dia que se passa mais aumentam os índices de criminalidade. A culpa não é somente dos marginais. Aculpa está em cada um dc nós, porque não aceitamos as pessoas 93
como elas são e sim recriminamos, jul gamos, criticamos. O se r hum ano preci sa dc proteção e carinho. Ao invés de condenar, devemos fazer alguma coisa para diminuir esse índice de violência social que sofremos todos os dias. Nós mesmos somos as vítimas e nem assim tomamos uma providência, ajudando es sas criminosos livres a se reintegrarem em nossa socieCade e não ignorando-os. Devemos educar corretamente as nossas crianças, para çue no futuro eles sejam pessoas honestas e seguras. A violência social tem seu gráfico elevado por nosso egoísmo, que tapamos os olhos para tudo o que está acontecen do, deixando a cargo da polícia esse gra ve problema. Nós podemos ajudar, não fazendo surgir nóvos criminosos, mas fazendo com que estas pessoas que se sentem inúteis e caem nesta vida dc vio lência, vejam que podem fazer algo mais correto e útil para elas c para todos nós.
Em 53% dos textos estudados há algu m a ex plicação de cunho m oral para a violência. 0 fe nômeno é atribuído à corrupç ão da sociedade e à degra daçã o esp iritua l dos homens. 30% das re dações mencionam como causas do prob lem a o egoísmo, a ganân cia e a ambiçã o hu m an as c 23%, como a redação 59, se configuram como verda deiro s atos de con trição : a culpa está em cada um de nós, porque não aceitamos as pessoas co m o elas são e sim recrim inamos, julgamos, criticamos. As disparidades sociais são reduzidas ao plano in dividual e explic ada s pelo fato de cad a pe sso a re je ita r os que não pertencem à sua classe. A solu ção fica, então, na dep endê ncia da conv ersão de cad a ser humano. A redaç ão 59 propõe que aju94
d e m o s os crim ino sos livres a se reintegra rem em nossa sociedade, que eduq uem os corretamente as nossas crianças, que acabemos com nosso egoís m o. Como ou tro s casos já vistos, esse texto e coe ren te em su a ing enuidad e. Co ndicion ar o fim do problem a à n o ssa cap acid ad e de a ju d a r os neces sitados condiz com a in terp ret açã o de que a vio lência social existe em razão da nossa falta de amor ao próximo. REDAÇÃO NV 21
Violência Social Um dos problemas que mais aflige ao homem moderno é a violência social. Atingindo-o fisicamente e espiritualmen te, a violência social vem causando sé rias conseqüências, dentre delas, o me nor abandonado. O menor abandonado é vítima da violência de todas as classes sociais, des de a classe baixa que enconsequêntemente visam apenas o prazer, até a clas se alta que pensam apenas em aumen tar o seu fundo m onetário e jamais em aju dar o próximo necessitado de dinhei ro e amor. E como fruto desse egoísmo surgem os menores abandonados que sem nenhum apoio e dinheiro se desses peram, to rnando assim marginais que consequentemente irão buscar na vio lência uma opção de vida, pois fora is so que receberão e aprenderão com a so ciedade, e talvez, até pensam ser isso o certo. E assim fecha um ciclo e começa o outro sucessivamente, pois não há for ças c coragem para cortá-lo, o homem prefere fechar os olhos e ver um "céu es curo. porém estrelado". 95
O texto 21 re pr ese nt a o grupo dos pessim is tas, integrado por dezessete das cem redações do corpus. Diante da mesma realidade (a violência social como u m cios proble mas que ma is aflige m ao ho mem moderno\ o menor abandonado), propõe a mesma explicação moralista (a classe alta que pensam apenas em aumentar o seu fundo mone tário e jamais em ajudar o próximo necessitado de dinheiro e amor), mas não acredita cm solu ção. Pelo contrário, enxerga um "ciclo vicioso” que o homem não tem côragem para romper. REDAÇÃO N° 15
Violência Social A violência c um dos temas mais constantes de nossa sociedade atual. Devido ao progresso, as cidades ti veram um crescimento acelerado, oca sionado pela vinda de pessoas do meio rural, ã procura de melhores condições de vida. Com este surto populacional, as pes soas, desacreditadas na cidade grande, procuram de todos os meios manter a sua sobrevivência, amontoando-se em favelas, subúrbios, etc., enfim, vivendo na penúria. Marginalizadas como ficam, sem ne nhuma condição de trabalho, de estudo, de vida em si, passam a roubar, a ma tar. desrespeitando de todos os meios, o ser humano e a comunidade. Portanto, cr.be ao governo e a socie dade, de evitar que a violência perdure, incentivando e criando mais escolas acccssíveis. trabalho paia todos, cultura e lazer, enfim, meios mais propícios 96
para a vida em comunidade, porque o ser humano é portador dos direitos de liberdade e igualdade.
Essa re daçã o par tilh a com ou tra s 16 a posi ção p rática e objetiva dian te da questão. Se u vio lência é um dos temas mais constantes cie nossa sociedade atua l c se deve ao êxodo r ur al e à m ar ginalização das pessoas na cidade grande, o que as obriga a m or ar cm favelas, na penúria, e a rou bar e m atar p ar a sobreviver, a solução previsível é o governo proporcionar escolas (...), trabalho pa ra todos, cultura e lazer. Tudo é ap rese ntad o como tão sim ples e tão óbvio quo, ao final da le itu ra de textos com o esse, fica-se com a im pre ssão de qu e o prob lem a só não foi ain da resolvido por má vontade e desinteresse das autoridade s p úbli cas.
3. Textos com bom padrão de textualidade 3.1. Considerações preliminares Para não ser tendenciosa ou parcial, tenho que ap on ta r a existência dc textos de boa qu ali dade no corpus. Aproximadamente 10% das re dações analisadas se mos tra ram com bom padrão de textualidade, do ponto de vista dos três fato res avaliados. São produções que se mostram compatíveis com a realidade a que se referem e que exibem unidade, logicidade e boa articulaç ão 97
dos argumento s que apresentam. Em bora nào ab solu tam ente originais, são textos que dão ao lei tor a imp res são de que tinh am algo a dizer. Tex tos que revelam, da parte do produtor, uma lei tura pessoal do mundo, um posicionam ento cons ciente c mais consistente diante da problemáti ca abordada, certam ente não forjado às pressas p ara cu m p rir a obrigação de ju n ta r 120 palavras sobre um tema complexo, mas fruto de uma re flexão ante rio r já am adur ecida. Por isso mesmo, são textos que m erec em o respeito m esm o do lei tor discordante. * 3.2. Análise de algumas redações REDAÇÃO N° 61 Violência Social O homem dc hoje vive sob o signo da violência. O medo é o sentimento que mais nos acompanha. Se hã medo, algu ma coisa nos ameaça e põe em risco nos sa segurança. Que coisa é essa? Se se fi zesse uma pesquisa, ficaria flagrante que a preocupação prim eira dos indiví duos é sua segurança pessoal. Estamos constantemente sob o risco de ter nos sa casa assaltad a, a filha violentada ou o carro roubado. O que há por trás disso? Toda violência tem um agente e um paciente, o que a pratica e o que a so fre. Será? Ficaria fácil sc pudéssemos explicar o mundo pela ótica maniqueísta, o violento c o violentado, o bom e o mau, o vilão e o mocinho, mas o mundo é mais complexo. Não podemos esque 98
cer que existem pessoas que foram es vaziadas dc qualquer espécie de poder, polí po líti tico co,, e c o n ô m ico ic o ou soci so cial al.. Pess Pe ssoa oass que, como hoje, no sistema capitalista em crise, nâo encontram nem a quem vender o que lhes lhes resta, sua força dc tr a balho. bal ho. Mais Mai s viol vi olen ento to q u e o m a rgin rg inaa l quo matou um engenheiro, engenheiro, ê a injusta e stru st ru tura soci social al pousada na proprieda de pri vada na existênc ia de uma classe explo radora e outra explorada, na desigual dade de chances. O marginal margin al apenas de d e volv vo lvee ã sociedade s ociedade a violência que ela lhe pra pr a tic ti c ou ou..
Essa Ess a redação traz tra z uma interpretação diferen difere n te para o problema do desemprego c da margi nalidade, nali dade, tão reco rren te no corpus. corpus. Uma interpre tação que dá aos latos a devida dim ens ão socia so ciall e busca o significado deles na estrutura sócioeconòmica. Mesmo quem não concorde com a ideolog ideo logia ia subjacente, tem que ad m itir que aí aí es tá um texto consistente, coerente c coeso. Aí es tá a fala de um indivíduo indiví duo capa z dc ol ha r o m un do com olhos críticos. O auto r introduz o problema apontando o me d o e a pr p r e o c u p a ç ã o com a segurança pessoal c o mo sentimentos generalizados nos dias de boje em virtude da presença da violência entre nós. Há ca ute la nas afirm açõe s que faz faz — se se fizes se um a pesquis pesq uisaa , fi f i c a r i a f l a g r a n t e (. (...) ..) — e p r u d ê n cia nas suas generalizaçõe s — estamos constan const an temente sob o risco de (...) A articulação entre o primeiro e o segundo pa p a r á g r a f o se í a z a t r a v é s d a p e r g u n t a O que há há po r trás disso? lanç disso? lanç ad a no final do prim eiro. Ve Vem, m, en tão, tão, a análi an álise, se, que começa por de sc ar ta r a respos 99
ta ingênua da per cep ção m an iqu eísta (de (de um Ia do, os culpados; do outro, as vítimas inocentes), p a r a , c m s e g u i d a , l e m b r a n d o a c o m p l e x i d a d e do pr p r o b l e m a , p r o p o r u m a e x p l i c a ç ã o m a i s c o n s i s t e n t e . Os O s argu m ento s apres enta do s são pertinentes e releva ntes. A recess ão e o desem preg o, elemen tos conjunturais da economia na época, são in terpretados como integrantes de uma crise em que os despossuídos não têm a qu em ve nd er (...) sua Iorça de trabalho. trabalho. A partir dessa colocação, é cabível cabível a avaliação final final de que a es tr u tu ra eco ec o nômica da sociedade é mais injusta que os pró pr p r i o s m a r g i n a i s . A ex ex e m p l i f i c a ç ã o u t i l i z a d a é i n teressante porque retoma e esclarece quem são o vilão e o mo mocin cin ho , n a ótica ótica maniqu eísta: o mar ginal, isto é, a clas se excluíd a das relaçõ es sociais sociais engenheiro, representante da classe média e o engenheiro, ameaçada e atemorizada. Em suma, o texto é dotado de coerência i n terna terna — há continuidade, progressão, nãocontradiçã contr adiçãoo e articulação dos a rgum entos apre sentados; e externa — o s argum entos a pres enta d o s são compatíveis com a realid ade qu e se pre tend tendee an alisa r e as relações rel ações estabelec idas en tre eles correspondem a relações que se podem re conhecer conhecer com o p ertin ent es nessa realidade. Além lém d i ss o , em bor a não tr ab alh an do com m aterial in in teiramente teiramente nov n ovo, o, a análise do pr ob lem a é ma rc a p e s s o a l i d a d e , no plano conceituai como da pela pe no da expres ex pressão. são. Por exemplo, o p ro du tor e m pre ótica maniqueísmaniqueí sga, com ade qua quação, ção, noções co m o ótica ta e ta e f for orça ça d e t r a b a l h o , dem onstrando que não es tá só repetindo expressõe s em moda nas con ver sas intelectuais, intelectuais, m as qu e s ab e do que que^e ^e po r que 100
está falando. Por outro lado, foge da simples e desgastada recorrência de palavras como assalti p iio, estupro , roubo e assassinato, p refe rind o tip licar situações que as traduzem: o risco cie ter nos sa casa assaltada, a filha violentada, o carro rou bado', o marginal que matou o engenheiro. Curiosamente, essa es sa boa dissertação não apre senta, no plano formal, a tradicional divisão em três trê s pa rtes. O para lelo en tre esse texto e tantos ou tros visto vistos, s, form alm en te perfeitos e frágeis frágei s de de conteúdo, sugere que a paragrafação de acordo com o modelo usual não c condição necessária nem suficiente para a boa qualidade dc um dis curso dissertativo. REDAÇÃO N?*77 Violência Social Pensadores de todas as épocas da história teceram múltiplas teorias teorias sobre as possíveis causas da agressão do ho mem pelo homem. homem. Alguns Alguns responsa res ponsabili bili zaram a "natureza" humana, outros in vocaram a autoria de demônios para nossos atos violentos e, mais recente mente, mente, alguns empenharam -se com com fer fer vor em explicar a violência violência social social a tr a vés de fidipo ou da primeira infância. Hoje, sucumbiram todas as iniciativas "científicas" destes senhores, por um motivo motivo simples: simples: todas estas teorias teoria s bus bus cavam causas individuais par a um fenô fenô meno social, político. Surgiram, então, os qu quee encontraram na estr utu ra da so ciedade as raízes da violência social. A es tru tura tu ra de um a sociedade sociedade é de terminada, principalmente, pelo arca bou b ouçç o econ ec onôm ômic icoo de seu se u f u n c ion io n a m e n to. Todos os grandes grupos sociais, até 101
o início deste século, c ara cte riza ram-se pela divisão em classes da sociedade, distinguindo-sc o que possuía bens ge radores de riqueza daquele que possuía apenas sua força de trabalho. Esse sis tema onde a propriedade dos meios de produção é privilégio de um a minoria, gera, evidentemente, u ma serie de con flitos. São classes com interesses dife rentes, inconciliáveis, e como conse qüência natural seus confrontos terão que ser violentos. No nosso m undo atual, esses con frontos são cada vez ma iores e mais fre qüentes. Os milhares de palestinos es maga dos no Líbano, os cinqüe nta salva dorenhos assassinados por dia na san gr en ta g ue rra civil que se trav a hoje, os posseiros assassinados no norte do Bra sil pelos latifundiários, as manifestações e greves violentamente reprimidas: to dos estes quadro s nos contam da socie dade em que vivemos. O inicio do século marcou o início também dc um a nova era na história da humanidade. As conquistas se sucedem, após o marco inicial dc 1917. O mundo começa, gradual e violentamente, a ca minhar para uma sociedade sem pro priedade privada, sem classes, sem opressão, onde a violência fatalmente deixará de ser a marca re gistrada das re lações sociais para se to rn ar um a peça de museu, uma mancha escura na me mória do homem.
A reda ção 77 tem como valor a fu nd am en ta ção consistente de um a posição nitidamen te ideo lógica. Em bo ra essa posição não seja in teiram en te original, o produtor do texto se mostra segu ro de suas idéias e as defende com convicção. O
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leitor pode não se convencer da explicação m a r xista para os conflitos sociais, não precisa pas sar a cr er na m arc ha mundial para o socialismo, mas tem que reconhecer nesse texto uma argu m enta ção con duz ida com clareza c lógica, apo ia da no con hecim ento da História, cm leituras e re flexões sobre as qu estõ es políticas, soc iais e eco nômicas que preocu pam o nosso tempo (a reda ção foi feita em janeiro dc 1983, época em que não se podia seq ue r cogitar do adve nto da perestroika, em bo ra já tivesse sc iniciado o processo de ap rox im aç ão en tre a China c o Ocidente, m ais tarde interrom pido pelos episódios da P raça da Paz Celestial de tnaio-junho dc 1989). De início, o texto mcnc iona três ve rte nt es de explicações p ar a a violência (uma filosófica, o u tra religiosa e a terceira, psica nalítica) e as de s ca rta sob a alegação de que bu scam no indivíduo as ca usa s de um fenômeno social. E m bo ra as re ferências não sejam muito precisas (sob retudo no p rim e iro caso), elas são feitas dc m a n e ir a a p e r m itir que o leitor reconheça dc que o au to r está falando. Dando pross eguim ento ao raciocínio, o tex to co ntra põ e a essas explicações a teoria ma rxista da luta de classes, considerando-a m ais a de qua da porq ue situ a na es tru tu ra social a raiz da vio lência. Vem em seguida um parágrafo de exem plos variad os de m anifestações de violência ex plicáveis pelo conflito de interesses de classes a n tagônicas. A conc lusão, otimista, ap os ta no fim da vio lência, com base na convicção dc que o mundo caminha para o socialismo, regime cm que, não 103
havendo prop rieda de privada, não hav erá moti vo pa ra confro ntos sociais nem, po rtan to, lugar p ara a violência. Em bora se reconheç a aí a voz de um dis cu r so com unista ortod oxo e, hoje, até me sm o u ltr a passado, tem-se que ad m itir a boa configuração deste texto. A coer ência in te rn a da red açã o é impecável. Há continuidade e progressão, as idéias não se contradiz em e estão bem artic uladas. Pode-se con testar sua compatibilidade c o m a realidade e x terna: a explicação psican alítica pa ra a violência humana teria mesmo s u c u m b i d o ? seria mesmo tão insatisfatória qu ant o o texto sugere ? a Revo lução Russa de 1917 teria mesmo inaugurado uma nova era na história da humanidade ? o m un do estaria mesmo caminhando para uma socie dade sem propriedade priv ada ? E nt re ta nto , temse que reconhecer aí um ponto de vista defendi do e resp eitad o p or m uitos (o que, aliás, torn a o texto relativamente previsível). Mesmo não expressando uma maneira de pensar inteiramente original, a redação apresenta m arc as de pessoal idade que lhe atr ib ue m grau aceitável de informatividade: são as teorias que busca, os exemplos que lembra, os conhecim en tos a que r eco rre e, principalmente, a estr até gia dc fazer alusões não explícitas e com pleta s a con ceitos e fatos, de m odo a provocar a par ticip açã o e o envolvimento do leitor. Trechos com o Édipo ou a primeira infância e o marco inicial de 1917 não são dc processamento automático e exigem do leitor o recurso a conhecimentos externos à redação. 104
O s m e c a n i s m o s d e co e sã o sã o b e m e m p r e g a dos no texto. Veja-se, por exemplo, a recorrência l ex ic al a n a t ó r i c a e m múltiplas teorias/todas estas teorias ( 1? p a rá g r a fo ) e e m seus confrontos/esses confrontos (2? e 3? parágrafos); a su bstit uiç ão anafòrica em pensad ores/alg uns, outros, alguns/estes s e n h o r e s (1 ? par ágr afo ); o fu nc io na m en to coesivo de e x p r e s s õ e s c o m o esse sistem a (2? pa rág raf o) e todos estes qua dro s (3? parágrafo), que unificam sob um m esm o ró tulo os elementos das passagens anteriores. A red açã o flui na tur alm en te e com n a t u r a l i d a d e p r e e n c h e o m o l d e c a n ô n i c o — t em c o meço, meio e fim. Não há os articuladores previ síveis para m a rc a r o início e a função de cada pa r te, m a s o l i m i te e o e n c a d e a m e n t o e n t r e c i as s ã o nítidos e constituídos no plano conceituai. A es trutura temática se manifesta, no plano formal, p ela sinalização c la r a do tópico de c a d a passagem: n o p r i m e i r o p a r á g r a f o , pensadores; no segu nd o pa. rágrafo, a e s t r u t u r a d e u m a s o c i e d a d e ; no tercei ro parágra fo, no nosso m u n d o atual', no último pa rágrafo, o início do século/nova era. A lé m d e t u d o , o t e x to é p e r f e i t a m e n t e correto. Não há um deslize na grafia, ou n a pon tuação, ou no emprego do dialeto padrão. E s te é u m t e x t o q u e a t e n d e p l e n a m e n t e a o s requisitos de textualidade , configurando-se como uma produção lingüística de boa qualidade. r e d a ç
Ao NV 10
Vida ou Violência Um deputado federal dos mais vo tados em Minas propôs que se distri105
buise armas a todos os cidadãos como lorma de combater a violência Seria brilhante sc o ao invcs de pro por armas ao povo, o nosso representan te na câmara sugerise que se estudase uma maneira de se dar casa, trabalho, saúde e bem estar às pessoas. “Violên cia gera violência’', ninguém comtesta c no caso da violência social poder-seia dizer que ela e o retrato desta nossa época, onde a propia vida e confundida com violência O cidadão hoje prá conseguir sobre viver ele tem que ser violento a toda ho ra e em lodp lugar: Ele tem que invadir um terreno; ele tem que fura r as filas e tem que passar por cima dos outros As causas da violênçia social são façeis de descobrir as soluções no momen to e que parecem distantes, pois enquan to os nossos políticos, que tem a missão de resolver os problemas sociais estive rem no nível do deputado das armas, ainda vai haver mu ita violência e menos vida.
Essa re daçã o foge do pa dr ão conceituai que vigorou no corpus. Não identifica a violência com assaltos e estupros, não a considera decorrente do êxodo rural, da marginalização e do desem prego, nem propõe como solução a conscientiza ção c o amor ao próximo. A intro duç ão, incisiva, se mo str a ap ta a sus citar no recebcdo r a vontade de prosse guir na lei tura. Desde o início o produtor do texto se reve la bem infor mad o c atento às qu estõe s sociais e políticas. No desenvolvimento, deixa tra n sp a re cer senso crítico e, mesmo, um cer to senso de hu mor, na me dida em que, po r exemplo, utiliza com 106
iro nia o velho clichê: “ violência gera violência". A con clusã o é compatível co m o raciocínio expos to e mantém o tom irônico que perpassa toda a composição. É interessante observar as relações entre o text o e seu título, que não repro duz sim plesm ente o tema dado, mas se ade qua com muita pertinên cia à argumentação desenvolvida. O vcstibulando propõe vida (casa, trabalho, saú de e bem-estar), o deputado das armas propõe violência. Por contra-sen sos desse tipo é que nesta nossa época (...) a própria vida é co nf un di da co m violência. E, se pre vale cer a opinião do deputado, inevitavel m e n t e ainda vai haver muita violência e menos vida. Esse é outro texto que flui com naturalida de. Sua boa estruturação não se prende ao mo delo prescr ito nas au las de disse rtaçã o (anunciar três pontos na introdução; tra tar dc cada um em um parágrafo do desenvolvimento; começar a conclusão com articulador típico explícito). As idéias se distribuem adeq uadam ente nos par ágr a fos, obede cendo a um a organização p articu lar: a introdução apresenta uma proposta instigante; os dois parágrafos do desenvolvimento tecem considerações cm torn o dessa proposta, b uscan d o d e m o n s t r a r o q u a n t o e la r e p r e s e n t a u m a p o sição equivocada; a conclusão, co m o me sm o in tuito do desenvolvimento, encerra o assunto apo ntan do as conseqüências nefastas que a ado ção de tal proposta traria. Além da natu ralid ade , o texto é ma rca do pe la coloquia lidade, manife sta, p or exemplo, no tom irôn ico e nas genera lizações hip erbó licas do ler107
ceiro parágrafo, expressas num período cuja sin taxe é tipica de lí ngua oral (cf. a to picalizaç ão dc o cidadão e a retomada desse termo pelo anafórico ele, repetido trcs vezes): O cidadão hoje prá consegu ir sobreviv er ele lern que ser violento a ioda hora e em todo lugar: Ele tem que invadir um terreno, ele tem que fu rar as filas e tem que p ass ar por cima dos outros. Essas afirmações constituem, evidentemen te, exageros. Não podem se r tom ad as ao pc da le tra, mas devem ser enten dida s como força de ex pressão. É o tom descontraído do texto (apesar do poder-se-ia) que m e faz ava liar esses exageros como recurso dc argumentação e não como fa lha quanto à exigência de não-contradição com o mundo real. Essa redação, inegavelmente de bom padr ão de textual idade, coerente , coesa e, sobretudo, com bom índice de informatividade, apresenta erros de ortografia e pontuação que costum am assus tar os professores. Esse contr aste merece u m a re flexão. A ort ogr afia e a pontuaç ão na da tem a ver com a essência, a s ub st ân ci a do texto, com o tex to em si. Têm a ver apenas com a maneira de representá-lo a travé s do código escrito. Se o tex to fosse lido cm voz alta, o ouvin te nã o pe rc eb e ria nele qualquer defeito. No entanto, esses as pectos, com freqüência, sc colocam como barrei ra intransponível para o professor avaliador. Diante de uma grafia em desacordo com as re gras, o professor não percebe mais nada, se re cusa a pe ne tra r no texto. Essa inversão no julga mento — a supcrva lorizaç ão da apa rên cia c o des prezo à substância — vai en contra r seu corres 108
pondente do lado da produção. O a luno acaba por en ten de r que, p ar a a escola, o m ais proveitoso é f a z e r u m a r e d a ç ã o certinha, ainda que frágil de conteúdo.
109
CAPITULO 6
UMA VISÀO GLOBAL DO CORPUS
Inspirando-me na escala de três ordens p ro posta p o r B e a u g ran d e e D re ssler (1983: 144-146) p a r a o j u lg a m en to da inform atividade, avaliei as cem redações do corpus seguindo um a escala ta m bém triádica. Classifiquei as redações com o tex tos dc bom, médio ou baixo padrão, analisando a realização dos fato res de textualidade aqui con siderados, segundo os critérios expostos. A fim de estabelecer um paralelo entre a minha proposta dc avaliação da textualidade e os parâmetros usualmente de mais peso na atribuição de notas escolares, elaborei uma ta bela dc que con stam , além dos fa to res com q u e trabalhei, a estruturação formal, em termos de distribuição física dos parágrafos, e a correção gramatical. 111
Quanto à distribuição dos parágrafos, ob ser vei se os textos apre senta vam , como pa rte s cons titutivas, uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão, já que era essa a exigência do p ro g ra m a do vestibular. Classifiquei com o de bom padrão aqu ele s que exibiam essa org aniza ção formal; como de padrã o mediano, aque les em que se podem reco nhe cer essas três pa rtes no ní vel conceituai, a pe sa r de elas não se m os trar em sep arad as no plano gráfico; como de baixo pa dr ão aqueles cuja p aragrafaçã o não se m ostra com pa tível nem co m o mode lo u&ial nem com o co nt eú do semântico do próprio texto. No que tange à correção gram atic al, utilizeime das notas, relativa s a esse quesito obtid as pe las redações. No vestibular, foram reser vad os se te pontos para a avaliação desse aspecto: a) dois para a es trutu raç ão de períodos (sendo pe nalizada a falta de oração principal e de ora ção subo rdin ada necessária, a falta e o uso ina dequado de palavra s de transição e de referê n cia entre parágrafos e orações, a falta de pa ralelismo sintático ou semântico); b) dois para a morfo-sintaxe (penalizados os ca sos de con co rdâ ncia , regência, colocação prenominal e em pre go das form as verbais que não correspondessem à norma padrão); c) u m par a a pontu açã o (penalizados o em preg o e a falta de vírgula e dois-pontos em desacor do com as reg ras m ais usuais, bem como a au sência de pontuação em final de período); d) dois p ara a ortografia e a acentuação (penali zadas as desobediências às regras oficiais). Como a análise da correção gramatical dos 112
textos não se incluía entre as m etas deste t ra b a lho, não vi problema em recorrer às notas atri b u íd as por ex am in ad ores treinados na obediên cia de critérios p reviamente estabelecidos p ara a apur aç ão de falhas objetivamente mensuráveis. Assim, classifiquei com o de bom pa dr ão as re da ções que som ar am de 5 a 7 pontos; de pa drã o m e diano, as que obtiveram 3 ou 4 pontos; de baixo padrão, as que g a n h a ra m de 0 a 2 pontos. Foi a seguinte a tabe la re sulta nte dos proce dimentos dc classificação descritos: TABELA 3 AVALIAÇÃO GLOBAL 0 0 CORPUS
Distribuição dos textos analisados Fatores dc avaliação
% de textos de boin padrão
dc textos dc pad rão m edia no
*o dc textos dc baixo p adrão
Coerência
14
62
24
Coesão
25
65
10
Informatividade
11
16
73
Estruturação form al
90
3
7
Correção gram atical
44
41
15
%
No que respeita à coerência, com ponente de cisivo da textualidade, encon trei ap en as 14 re da ções dc bom nível. A maioria ficou na faixa in termediária e quase um quarto da amostra exi biu algum a falha grave com relação a esse fator. 113
No caso da coesão, a distribuição, nos extre mos, se inverte. A maior parte (65%) se localiza ta m bé m na faixa mediana, mas 25% das redações não trazem problema com prom etedor uso dos re cu rso s cocsivos, ao passo qu e só em 10% o em prego dos mecanismos de coesão se m ostra insa tisfatório. Quanto à informatividade, conforme se viu no estudo quantitativo, há um deslocamento da conc entraç ão de textos para o pa ta m a r mais bai xo da escala: 73% tem pod er info rm ativ o insat is fatório, 16% se m os tra m não mais que aceitáveis e apena s I I % exibem boa quali da de q u an to a es se aspecto. A es tr ut ur aç ão formal foi, dos fatores incluí dos nessa tabela, o q u e apr esen tou mais alta fre qüência de redações na faixa superior (85%) e mais baixa na faixa inferior (7%). Sob o aspecto da correção gramatical, as re dações se concentram, com distribuição quase equivalente, nos patamares mais altos (44% e 41%); apenas 15% dos textos ocupam a posição inferior. Que inferências sc podem t ir a r dessa tabela? A ma ioria do s textos tem p ad rã o m edian o de coerência e coesão. Quanto a esses fatores, tomando-se os perce ntuai s relativos aos textos de fun cion am ento méd io e bom, tem-se 76% pa ra a coerê ncia e 90% para a coesão. Entreta nto, o mes mo cálculo resulta em apenas 27% para a informatividade. Já para a e stru tura ção formal obtemse 93% e, para a correção gramatical, 85%. Esses resultados indicam, em primeiro lugar, que os aspectos formais foram os que alcançar am 110
114
m elh or realização nas redações. São elevados os índices de textos em que a coesão (concernente à e st ru tu ra dc superfície), a pa rag raf aç ão e a cor reção g r a m a t i c a l t ê m p a d r ã o a c e i t á v e l o u b o m . Isso significa que a m ai or ia das red açõ es é do ti po certinho c a r r u m a d i n h o , feito pa ra at es ta r que o produ tor dom ina a língua padrão formal escrita c sabe orga niza r as idéias confo rm e o modelo ca nônico de dissertação. Ou seja, naquilo que de pendia do tr e in a m e n to escolar, a m aioria dos ves ti bula ndo s se saiu bem. Em contrapartida, a informatividade tem funcionamento insatisfatório num a porcentagem alta de redações (73%). A submissão ao treina m e n t o t e ri a o c u p a d o o e s p a ç o d a o r i g in a l i d a d e e do controle efetivo do explícito c do implícito no texto? A prev isibilidad e é grande . Como já mo strei no cap ítulo anterio r, 45% dos textos são prati ca mente iguais. O índice de recorrência dos argu me ntos ta m bém é alto. Por exemplo, 33% das re dações de clar am que a violência c a única fo rma de sobrevivência do pobre, obrigado a roubar e a matar para comer, 3 1 % m e n c i o n a m o d e s e m p reg o com o c a u s a da violência, se n d o que 16% afirmam ou sugerem que todo desempregado aca ba se to r n a n d o a ssa lta n te ; 53% a t r i b u e m a vio lência à falta dc amo r, à ganância, à am bição, ao egoísmo, enfim, à maldade humana; 19% reco m e n d a m c o m o s o l u ç ão q u e os h o m e n s parem pa ra pensar e se conscientizem , ao pa sso que 22%, e m ú l t i m a i n st â n ci a , c o n s i d e r a m q u e só o amor constrói. 115
O prob lema co rrcla to à freqüência dc idéias anônimas e desgasta das, de estere ótipos e clichês, é o que chamei dc insuficiência dc dados. É com preensível que quem reproduz idéias alheias e muito difundidas não veja a necessidade de explicá-las ou discuti-las. Daí a grande incidên cia dc conceitos vagos c noções imprecisas nas redações (89% delas se qu er esc lare cem o qu e entedem por violência social, tem a sobre o qual dis correm). É na tur al que quem se con ten ta em re petir o que apenas ouviu dizer não tenha outro recur so senão alu dir sup erficialmente a fatos que não conhece direito e que não pode identificar. Daí as referências nebulosas de que as terras e guerras da redação 85 são exemplo típico. A coerência mere ce con siderações mais demo radas. 76% dos textos a realizam num pa dr ão me diano ou bom. Na verdade, nen hu m a r eda ção se mostra absolutamente incoerente, nenhuma de las poderia se r cons idera da não-texto, a pe sa r de 24% ap re se nt are m falhas que mc levaram a julgálas com um nível insa tisfató rio de coerência. Para m elhor com preen são do fenômeno, é in teressante retomar comentários feitos a propó sito da Tabela 1. Con statou -se ali que tr ês a sp ec tos relativos à org anizaç ão conceituai inte rna do texto (continuidade, pro gressão e não-contr adição interna) se mostraram problemáticos num per centu al relativam ente baixo de redações (em tor no de 30%), ao con trá rio dos aspectos con cern en tes às relações entre texto e realidade, que se apre sen taram falhos em mais da metade das com posições analisadas (64% p a ra a condição de nãocon tradiç ão exter na e 56% par a a de pertinên cia 116
da ar ticula ção estabelecida entre fatos e concei tos). Quanto à organização interna, só o requisi to de presença de articulação se mostrou falho em percentual elevado de redações (56%, coinci dentemente). É preciso, ainda, le m br ar alguns resultad os da Ta bela 2. As falhas mais fre qü en tes qu anto ao em pre go de recurso s coesivos foram a incompa tibilidade léxico-semântica (43%) c a inadequa ção no uso de m eca nism os de ju nç ão (36%). Não interessa, no momento, cons idera r o perce ntual de 32% relativo ao em preg o de pron om es anafóricos e que diz respeito, na maioria dos casos, à discordância entre pronome e antecedente. A associação de todos os elementos aqui ap on tad os cond uz a um diagnóstico. A com posi ção intern a do texto não foi o maior pr oblem a en con trado no corpus. A gra nd e d ificuldade det ec tada se localiza no âmbito das relações entre o texto e a realidade. Falando com mais precisão: a m aior parle d as redações, enquanto produções isoladas, apresentou qualidade razoável, ou se ja, tinha correção gramatical, observava a paragrafação considerada adequada, exibia bom ín dice de coesão e, principalm ente, estru tura va- se sem ofensas maiores à lógica, no plano concei tuai interno. Entretanto, a maioria dessas reda ções mostrava falhas com prom etedora s, que de gra dav am sua textual idade, quan do se co nfro n tavam suas afirmações com a realidade circun dante: a) ou p orqu e contrad iziam o que se reco nhece como verdade nessa realidade; b) ou por que relacionavam fatos e conceitos de maneira incompatível com as relações que eles normal I 17
mente assumem no mundo real; ou porque não ultrapassa vam as informações informações mais óbvias óbvi as e re re dun dante s sobre essa realid rea lidade, ade, não n ão se se m ost ran do capaze c apazess de acresce ntar conhecimentos ou tra zer interesse ao leitor. Resumindo, as redações, em sua maioria, apresentam um arcabouço formal e conceituai aceitáve aceitável. l. Conf iguram-se como todos completos, dotados dc continuidade e progressão. Mantêm certa lógica interna e se organizam conforme o modelo previsto para dissertações, além dc exi bi b i r e m n í v e l s a t i s f a t ó r i o dfe correção gramatical. correção gramatical. Entre tanto, a imp res são que que se tem tem após su a lei ei tura é que sc trata dc maus textos, pobres, sim pl p l i s t a s , i n s í p i d o s , q u a s e t o d o s i g u a i s , m u i t o s d e les les eivados eivados de improprieda impropr iedades. des. São textos que não agradam, não convencem, não entusiasmam. Essa avaliação que a mera intuição sugere, a pesquisa confirmou e precisou: o grande pro bl b l e m a d a m a i o r i a d a s r e d a ç õ e s n ã o s e l o c a l i z a na superfície textual, nem mesmo nos aspectos lógico-semânticos da estrutura subjacente, mas sim nos aspectos cognitivos que integram a macro est rut ur a e pes am na eficiê eficiênc ncia ia pragmá tica do discurso. As condições de textualid ade que co m maio r freqüência tiveram realização insatisfatória no ma is dire tam ente relacio rela cio corpus foram corpus foram aquelas mais nadas com o conhecimento de mundo. A nãocontradição externa externa e a pertinência da articula ção en tre fatos fatos e conceitos conceitos denotado s de pe p e n d e m d c o e s t o q u e de c o n h e c i m e n t o s a p r e s e n tados no texto ser compatível com aquilo que o recebedor reconhece reconhece como verdad eiro e pertine n 1188 11
te no m un do real. rea l. Por su a ve vez , a im previs ibilida de e a suficiência de dados dependem de conhe cime ntos e xtra text te xtoo do p ro du tor porque são sã o eles eles que vão lhe lhe possibilitar medir e eq uilibr ar no tex tex to o original e o previsível, bem como o implíci to e o explícito. At é no plano de coesão os rec urs os cujo em pr p r e g o s e m o s t r o u f a l h o n u m p e r c e n t u a l m a i o r d e reda ções têm a ver v er com a com patibilidade entre con hec ime ntos do pr od uto r e do recebedor. A contradição léxico-semântica não se restringe aos limites limites da exp ress ão lingüística lingüística de superfíci super fície, e, tem a ver com a macroestrutura conceituai. O mes mo oc orre com o em prego indevido indevi do de mecanis mos de junção e de articuladores, que estabele ce relações inaceitáveis entre fatos e conceitos. Ê bom insistir aqui quan to à pon dera ção de que qu e essas ocorrê ncias se configuram como falhas fal has em função das esp ccificidades do tipo ti po textua tex tual. l. Num texto dissertativo escrit vo escr itoo e fo rm al a precisão vo ca bu lar e a adequação na express ão dc relaçõ rel ações es ê exigência cabível; num outro tipo dc texto, po de não (i ser. As redações analisadas, na medida em que não agrad am o recebe re cebedor dor,, podem ser considera das textos de fra f raca ca e f i c i ê n c i a p r a g m á t i c a . São pro duções qu e logram se sa far da dificuldade de, de , de de improviso, discorrer em 120 palavras sobre um tema n ão esco e scolh lhid ido, o, pa ra um interloc utor não de seja se jado do,, de m ons trand o capac idade de organiz org anização ação das idéias e dom ínio aceitáve acei távell da m odalida de es crita da língua padrão. Cumprem suas obriga ções. Mas são todas muito parecidas, não pos suem altas v irtudes nem graves defeitos defeitos.. Atendem Atendem 119
razoavelmente razoavelmente às exigências exigências do prog p rogram ramaa do con con curso, dc modo modo a não inviabilizar a aprovação aprova ção do candidato cand idato — a nota da maioria mai oria delas é seis, a me tade dos pontos reservados para a redação, con forme se viu viu no capít ca pítulo ulo 3. Entre En tretan tanto, to, se não há como reprová-las, não há também como gostar delas. Ê verdade verda de que, se o oobjetivo bjetivo do do prod pr odut utor or de cada uma u ma delas não ia além da pretens pre tensão ão de não não ser desclassif descl assificado icado no vestibular, esse intuito intui to foi pl p l e n a m e n t e a l c a nç nçaa do do.. As ci c ir c u n s tâ nc ia s a dv e r sas da situação de produção foram satisfatoria mente controladas e a aceitabilidade do recebcdorr desconhecido e compulsório, no do noss limites pre tendidos, tendidos, loi loi alcançada. alcanç ada. O proble pro blema ma é que não se tem aí o produto de uma verda ve rdade deira ira intenção intençã o co municativa, não se tem aí, como diria Pécora (1983), um texto capaz de instaurar uma legítima relação intersubjetiva dc significação.
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CONCLUSÃO
Através da pesquisa relatada, constatei, por um lado, que as deficiências responsáveis pela de gradaç ão do nível de textualid ade das cem red a ções analisadas se situam na estrutura lógicosemântico-cognitiva subj acen te. As falhas que sc m ost rara m mais relevantes, dos pontos de vista quantitativo e qualitativo, dizem respeito espe cificamente à informatividade c a dois requisitos de coerência (a não-contradição exte rna e a ar ti culação) c tem a ver, mais pro pria m ent e, com os aspectos cognitivos da macroestrutura. Por outro lado, verifiquei que, no plano da superfície textual, foi satis fató rio o desempenh o dos integrantes da amostra. As redações, em ge ral, exibira m bom nível de coesão. Só tiveram fre qüência relativame nte considerável as falhas re ferentes à adequa ção voca bula r (43%), ao em pr e go de mecanismos de junção e de articuladores (36%) e ao uso de pron om es an afór ico s (32%), so bretudo no que sc refere à concordância entre o pronome e seu antecedente. 121
Alem disso, o exame de dois asp ecto s ex ter nos à subs tân cia do texto — a d istrib uiç ão dos pa rágrafos e a correção gramatical — me levou a co n st at ar que: a) a quas e tota lida de (90%) das re dações obedeceu ao modelo precstabelecido, compondo-se das três par les tr adic ion ais previs tas pa ra a dissertação ; b) a gran de maio ria dos tex tos (85%) ap res en tou -se co m nível m ed ian o (41%) ou bom (44%) qu an to à ad eq ua ção gram atical. A leitura m inucio sa de cada texto e a análise das no tas concernen tes à correção idiomática das reda ções deixaram claro que os problem as nessa área são irrelevantes, tanto em term os de quan tidade qua nto cm relação aos prejuízos que possam acar retar para a qualidade das produções. Essas re dações, se corrigidas ou pas sada s a limpo sem er ros gramaticais, não se to rn ar iam textos melho res, mais convincentes ou m ais interessantes , não teriam o seu g rau de textual idade elevado. Em síntese, posso afi rm ar que o desempenho dos vestibulan dos cuja s redaçõ es estudei revela razoável sucesso na aprendizagem dos aspectos envolvidos na pr odu ção de texto que dependem de instrução e treinamento. E sse sucesso me pa rece mais relevante quando se considera que os integrantes da amostra, em sua maioria, não se submeteram à preparação intensiva dos cursinhos nem pude ram, à época do vestibular, dedi car seu tempo inteiram ente ao s estudos, porque trabalhavam e contribuíam pa ra a renda familiar (cf. cap ítulo 3). É significativo q ue e st udan te s que, em sua maioria, pa ssara m a pe na s pelo ensino re gular, sem receber um treinamento especializa do, tenham d em ons trado dom ínio satisfatório da 122 x
língua pa dr ão escri ta e do modelo formal usu al mente ado tad o p ara textos dissertativos. A esco la ensinou e eles ap ren de ram a expor seu pen sa mento em linguagem correia e organizado se gun do um padrão convencional. Entretanto, apesar disso, as redações, em sua maioria, não constituem o que se pode chamar de bons textos. São peças que não agradam nem convencem, em razão de suas deficiências qu an to à informatividade e à coerência. Neste ponto é in tere ssan te voltar os olhos para a composição da am ostr a novamente. Os produtores das reda ções tinham o 2? grau completo e já haviam pas sado po r um a seleção no vestibular, pois tinham sido aprovados na primeira etapa, eliminatória, e estavam fazendo as provas da segunda etapa, cla ssilicatória. É. significativo que sequer esse gru po selecionado tenha sido capaz de produzi r textos de boa qualidade na hora do vestibular. Cabe, agora, indagar porque, nas redações analisadas, à boa utilização dos recursos formais não correspondeu uma configuração conceituai condizente. A contingência de escrever de improviso, so bre um tema imposto, para um recebedor temi do e desconhecido, pode explicar o baixo teo r in formativo e a fragilidade da cocrcncia externa das redações. Sua alta previsibilidade tem a ver com o que Pêcheux (1969: 16) chama de “invariantes semântico-retóricas” resultantes das condições de produção. O próprio tema proposto era pre visível e decorrente do contexto histórico-político; o contexto imediato — prova de vestibular — de 123
mane ira alguma favorecia uma reflexão persona lizada que possibilitasse fugir do lugar-comum. A tensão e o nervosismo bloqueiam o surgimen to de idéias e, então, o melhor a fazer é tra ba lhar com as que primeiro vêm à cabeça, exatamente aquelas que estão na boca de todo mundo. Interferem ainda no processo de produção elementos anteriores ao seu desencadeamento, mas de peso m ar ca nte no seu desenrolar. Refirome à ação da família e da escola na história pes soal e na prep araç ão específica do vestibulando. A ideologia dominante qifer fazer crer que há sempre u m jeito certo de fazer as coisas: um jei to certo de enxergar e inte rpretar a realidade, um jeito certo de pensar. A p artir daí buscam-se as receitas, as fórmulas, as fôrmas. Paralelamente, vem o medo de arrisca r qual qu er coisa diferente, fora do normal. Por várias vezes colhi o depoim ento de cal ouro s da Univer sidade, de áreas diversas (Letras, Engenharia, Computação) sobre a orientaç ão recebida em co légios e cursinhos quanto à redação do vestibu lar. A recom endação é não dizer nada que possa comprometer, não ou sa r formular nenhu ma opi nião individual que fuja do padr ão; é mostra r-se neutro e comedido. Teme-se que a subjetividade na abordagem do tema seja considerada incapa cidade de da r tratam ento racional e isento a uma questão, por isso recomenda-se a absoluta impes soalidade. Essa rec eita, como se viu, dá bons re sultados, em termos de aprovação no concurso. Enseja uma longa série de redações iguais, de no ta média e textual idade mediana... Não há saída: como ser int eress ante e convincente falando coi 124 '
sas que não vem de dentro, defendendo posições em que não se acredita? A alta incidência de falhas qu an to á condição de suficiência de dados também encontra expli cação nas circunstân cias em que as redações fo ram elaboradas. Por mais previsível que fosse o tema, não havia possibilidade de um a prep araçã o efetiva pa ra esc rever sobre ele na hor a em que foi conhecido. Não havia como colher e analisar in formações específicas sobre o assunto. Não era possível tro car idéias com a pessoa d o lado — um concorrente. Não havia tempo, nem tranqüilida de psicológica, para a pr of un da r a reflexão ou pa ra te ntar rec ob rar dados perdidos na memória. Pe lo contrário, era preciso transformar imediata men te o material cognitivo disponível cm u m a re dação cuja es tru tu ra formal estava previamente determinada, num exercício quase qu e autom áti co de pre en ch im en to de e sq u e m a s16. Essa lim ita ção e essa prcmência, típicas da situa ção de p ro va e freqüentes nas circun stâncias usuais de ela boração de redações escolares, não condi/em com o processo natural de produção de texto. Quem escreve, por gosto ou por profissão, escolhe seu assunto c sobre ele se informa, discute, pensa c repensa. Tem meios de amp liar e ap ro fu nd ar sua compreensão, tem tempo dc amadurecer suas idéias. No ves tibu lar (c, geralme nte, na escola) na da disso pode acontecer. Assim, a superficialida de dc conhecimentos, as alusões a fatos não ca racterizados, a imprecisão dc alguns conceitos c o recurso a “noções confusas", carentes dc "es pecificidade sem ântica" (cf. Pécora, 1983: 76-77), enfim, os problemas identificados como insufi ciência de dados, que dctcctci nas redações, po125
dcm ter sua origem num literal e legitimo não ter o que dizer naquele momento. No âm bito da coerência, as falhas mais sig nificativas encontradas podem ser atribuídas, principalmente, à associação dos fatores aponta dos para explicar os problemas relativos à infor matividade. Muitos textos ap res en tar am interpre tações sobre a que stã o da violência social que me pareceram im pertinentes ou incompatíveis com a realidade. A tensão psicológica e a pressa em compor uma opinião para preencher a folha dc prova certam ente a tu a ra m no sentido de dificul tar uma análise mais deticía e mais consistente. Além disso, se a recomendação explícita de pro fessores e ma nuais de redação é .ser objetivo e evi tar vivências e posições pessoais, a solução é re correr aos estereótipos mais facilmente disponí veis, sem at ina r p ar a o quanto eles são preconcei tuosos e false ado res d a re al id ade 17. A essa orientação, reiterada durante o perío do escolar, se alia a artificiali dade das condições mais freqüentes de produção dc redação (escre ver sem se preparar , sobre um tem a imposto, pa ra u m recebedor indesejado que não será leitor, mas juiz, d entro de um prazo cu rto c pre de term i nado, sem possibilidade de revisã o e ree labo raç ão do próprio texto). 0 resultado é uma concepção errônea, inadequada, do próprio ato de escrcvcr. Produz ir um texto, especificamente, um texto dis ser tativo, reque r, antes do t ra ba lh o bra çal dc en che r folhas dc papel, a co ns tru çã o dc uma opinião personalizada sobre o tema a s e r tratado. O pro cesso natural dc produção começa, na verdade, com a esco lha pessoal do lema (escrevo sob re um assunto a respeito do qual tenho algo a dizer) e 126
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inclui a busca de informações, a discussão com pe p e s s o a s i n t e r e s s a d a s , o d e b r u ç a r - s e s o b r e o s d a dos a fim f im de com por um a análise ma dura e con sistente. sistent e. O ato m ecânico de esc rev er ê uma etapa po p o s t e r i o r , e m b o r a n ã o s e j a a u l t i m a . De Depo poii s d e e s crever, vem o reve rever, r, o rep ens ar, o reescrever, até que se considere o texto finalmente pronto. Evidentemente, isso isso não é possível possível num a p ro va de vestibular. Mais importante do que ques tionar a validade da prova de redação no vesti bu b u l a r , n o e n t a n t o , é q u e s t i o n a r o t r e i n a m e n t o d e senvolv senvolvido ido na escola escola com vistas a supera ção dessa pr p r o v a . O p e r i g o é q u e o s u p e r d i m e n s i o n a m e n t o da importânc ia desse des se exame a cab e direciona dire cionando ndo o ensino ate de I? grau. S ão em geral reprod uzi das em sala de aula as a s m esm as condições condi ções inade quadas de elaboração que se têm durante uma pr p r o v a d e c o n c u r s o . E m g e r a l n ã o s e e n s e j a a o a l u no a possibilidade possibili dade de co ns tru ir seus text te xtos os num pr p r o c e s s o n a t u r a l , q u e l he r e n d a a f a m i l i a r i d a d e com a produção escrita, a descoberta dos pró pr p r i o s m é t o d o s de c r i a ç ã o e, e n f i m , o d e s e n v o l v i m ento da próp ria comp etênc ia textual intuit int uitiva iva.. Ao con trário , em geral, geral , impõeimpõe-scsc-lhe lhe um a d e st ra mento em pob reccd or que o lev le v a a acreditar que es cre ve r (o (o u , pelo pel o menos, es cr ev er pa ra a escol esc ola) a) se reduz ao exercício exercício enfa don ho de p ree nch er “30 “30 linhas em 50 minutos", como diz Sami Meserani, no único esforço de enquadrar num modelo pr p r é v i o p a l a v r a s e i d é i a s q u e t ê m c h a n c e d e a g r a dar ao professor. Para mim, as redações analisada s neste tra ba b a l h o , e m s u a m a i o r i a certinhas e arrumaclinhas, ma s desin teress antes e inconsiste inconsistentes, ntes, são o fruto 127
inevit ine vitáve ávell das cond ições de produçã o a que foram fora m sub m etido s seus autores, não só na hor a do ve ves s tibular, mas, provavelmente, na maioria das ve zes em que escreveram na escola. Assi Assim, m, o que es sa análise anális e sugere é que é hora de m ud ar a rota ro ta,, cstabc lecer novos no vos objetivos objet ivos para o ensino ensino da língu línguaa mat ern a. No cam po da redaçã redação, o, a aspiração não pode se restringir a possibilitar aos estudantes o domínio da mo dalidade escrita escri ta d a língua língua culta e a fornecer-lhes m odelos fixos dos dos diferentes tipos de discurso. Essas metas vêm send o perseguidas há tempds c esta pesquisa reve reve lou que que,, no caso da am o str a ana lisada, tal m issão foi foi cum pr ida com sucesso. Mas M as,, por ou tr o lado lado,, a pe p e s q u i s a d e m o n s t r o u t a m b é m a l g o q u e o s i m p l e s b o m s e n s o já f a z i a p r e v e r : a correção idiom correção idiom ática e a organização seg un do um modelo nã o s ão s u l icientes par a ga ra n tir bo boaa qualidade a u m text te xto. o. O gra u de textualidad textua lidadee de um a pro dução lingüística lingüíst ica é decisivame decis ivamente nte determ inad o por sua coerência. O fator que qu e tem peso pre pon der ante em sua eficiê efi ciên n cia pragmática é a informatividade. informati vidade. Esses com po nen tes (como os defini nes te trabalho) se localizam no plano lógico-semántico-cognitivo, e não no formal, forma l, que tem te m m erecido atenção pred om inante na escola. É hora, pois, dc assumir nova área de trabalho, trabal ho, par a d ar conta da global g lobalidade idade do fenô meno da interação comunicativa, comunicativa , consider ando o texto em suas três dimensões básicas: a formal, a conceituai e a pragmática. Tra balha r ness a área é, é , sim, si m, tarefa t arefa e specífi ca do professor de português, posto que é bus ca r o desenvolvimento desenvol vimento pleno pl eno da d a com petê ncia co municativa natural do aluno. 128
NO N O T A S
1. Este liliv ro é o resumo resu mo de disser dis sertaç taç ão ap resen res entad tadaa ao curso de Pós-Graduação da Faculdade de Letras da UFMG pa p a r a o b ten te n ç ã o d o g r a u de m e s tr e em L íng ín g u a P o rtu rt u g u e sa. sa . 2. Cf. Halliday e Hasan (1978: 1-2). 3. O conceito de texto aqui form fo rmula ulado do segue, em linhas gerais, o pensamento de Schmidt (1978: 163-187). 4. Cf. Widdowson (1981: 56). 5. Cf. Pc P c c h c u x (1969: 16-23 -23). 6. Cf. Gnerre (1985: 22). 7. Cf. Schmidt (1978: 60). 8. Cf. Mira Mir a M ate at e u s ct alii ali i (1983: (1983: 186). 9. Ci. Lan L angg (1973) (1973) a p u d Cont Co ntee (1977: (1977: 10 1044-10 105) 5).. 10. Apu Apudd Bea B ea ug ugra rann dc c Dres Dr essl slcc r (1983 (1983:: 118-12 -123). 11. Maingueneau (1976: }9), apud Koch (1986: 40). 12. Para m aior ai or apro a profun funda dame mento nto,, ver v er Koch (19 (1986) e Gui marães (1986). 13. Para maior aprofundamento, ver Liberato (1980). 14. A tran tr an sc riçã ri çã o é integral integr al e ipsis litteria. As redações são identificadas pela numeração, de I a 100. 15. Seria Seria p artic ular me nte interes sante um estudo da inlerlextualidade nesta redação. 16. A prop pr opós ósito ito,, ve verr Lemos (19 (1977). 17. A prop pr opós ósito ito,, ve verr Almeida (1 (1986).
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Títulos da coleção Elementos de pedagogia da leitura
E zcq uid T tia Silva A redação na escola
Ej»lè Fr.mclu A r g u m e n t a ç ã o e d i s c u r s o p o l it ic o
Haquira Osakahe O espaço da oralidade na sala de aula
Jânia M Ramos O p r o c es s o d e a lf a b e t i z a ç ã o
Claudia Maria M endes Gon tijo Problemas de redação
Alcir Pecon» O aprendizado da leitura
Man Kato A produção dialógica do texto escrito
Incz Sautchuk Educação: as falas dos sujeitos sociais
N adia G aio fa tto G onçalv es Vozes e silêncios de meninos de rua
Rosa Helena Blanco Machado Recontando histórias na escola
Sandoval Nonato Gomes-Santos Portos de passagem
Jo ão Wanderley (leraldí Educação literária como metáfora social
Cyana l.c*ahy-I)ios Introdução à lingüística textual
Ing cdo re G runfeld Villaça Koch O m o d o h e t e r o g ê n e o d e c o n s ti tu i ç ã o da escrita
Manoel Luiz Gon çalves Corrêa Interações nas práticas de letramento
Maria do Socorro Macedo