Índice das Aulas
Primeira aula do curso de astrologia Professor Luís Gonzaga de Carvalho Neto Transcrição feita por Fernando Antonio de Araujo Carneiro Sem revisão do professor A primeira coisa a fazer é dar alguma definição, mesmo que provisória, do que é astrologia, explicar mais ou menos qual é o objeto do nosso estudo. Vamos começar definindo a astrologia como estudo da semelhança entre o céu visto da Terra e qualquer ordem de fenômenos mais ou menos regulares. Você pode dizer: a semelhança entre o céu visto da terra e o comportamento humano, o comportamento das plantas, o comportamento dos animais, e assim por diante. De modo bastante geral podemos definir a astrologia como o estudo das semelhanças entre o céu visto da Terra e os entes mutáveis em geral. E é basicamente isso que vamos estudar neste curso aqui. Aqui vamos estudar a astrologia no sentido mais geral possível e depois, no fim do curso, dar algumas aplicações particulares. Não dá para fazer um curso que ensina todas as aplicações da astrologia. Ninguém é especialista em astroagricultura, astromedicina, astropsicologia, astrocaracterologia, tudo ao mesmo tempo. Quer dizer, não dá para fazer um curso que ensina tudo isto. Cada uma destas especializações tem suas técnicas próprias que requerem um tempo somente para que sejam ensinadas. O que vou ensinar aqui são os critérios e os princípios de onde derivam todas as técnicas de aplicações particulares da astrologia e depois dar alguma técnica para a interpretação do mapa natal, e para o que se chama astrologia horária, ou seja, você fazer uma pergunta e respondê-la pelo mapa do momento da pergunta. O mapa astrológico é simplesmente uma projeção plana do céu visto da Terra num determinado momento. No mapa estão representados somente os elementos do céu que são considerados relevantes do ponto de vista astrológico, quer dizer, o mapa não representa tudo que se vê no céu, tudo que há no céu no momento em que uma pessoa nasce ou no momento em que se faz uma questão, só está representado no mapa aquilo que é importante, aquilo de que se pode tirar um conhecimento astrológico das coisas com as quais iremos comparar o mapa. Está claro para vocês o que é um ente mutável? Um ente mutável é qualquer ser, qualquer coisa que esteja sujeita ao movimento ou que seja ela mesma princípio de movimento – uma pedra, uma montanha, uma planta, uma pessoa; mesmo um planeta é um ente mutável. Todos os corpos são entes mutáveis. Nem tudo é mutável, mas pelo menos tudo que tem aqui nesse mundo é mutável. Então, se a parte de ente mutável está clara vamos ver a parte da semelhança da definição. Que tipo de semelhança vamos procurar entre os astros vistos da terra e os entes mutáveis? A semelhança pode ser fundamentalmente dividida em três ordens, existem três tipos de semelhanças: semelhança genérica, semelhança acidental e semelhança de tipo. Semelhança genérica é o seguinte: o ser humano vê e o cavalo também vê; existe alguma semelhança entre a visão do cavalo e a nossa visão; o cavalo se alimenta e nós nos alimentamos, existe alguma semelhança entre uma coisa e outra. Não é esse tipo de
semelhança que vamos estudar na astrologia. Semelhança acidental é uma semelhança dos acidentes das coisas. Por exemplo: o papel é branco, o leite é branco. A terceira espécie de semelhança é a de tipo. É a semelhança que existe entre duas coisas que são de gêneros diferentes, que possuem acidentes diferentes, mas esses acidentes diferentes são medidos de certo modo pela mesma medida. Não sei se vocês já repararam que é costume chamarmos uma pessoa que tenha uma índole ou racional ou intelectiva de pessoa fria. Uma pessoa calculista é uma pessoa fria. O raciocínio científico é frio. Vocês nunca pensaram nesse tipo de atribuição? Você atribuiu aí uma qualidade para o raciocínio que propriamente não cabe para um raciocínio ou para uma personalidade. Propriamente frio ou quente são os corpos. Se você medir a temperatura do sujeito que está raciocinando ela não é necessariamente menor que a do sujeito que não está raciocinando. Isso é semelhança de tipo. Quer dizer, o sujeito que você está chamando de frio não tem propriamente a qualidade frieza, mas ele tem uma qualidade que ela mesma é comparável à frieza. De certo modo ela e a frieza dos corpos são medidas de modo semelhante. Para explicar a raiz dessa analogia em particular é um pouco complicado porque vai implicar a definição de coisas que o pessoal que está aqui talvez não tenha ainda estudado. Quando estudarmos um pouquinho adiante a qualidade dos corpos vamos ver que a frieza é a capacidade que um corpo tem de manter unidas as suas partes e calor é justamente a qualidade contrária. Calor é justamente a qualidade pela qual um corpo tem a tendência a separar as suas partes. Agora, por que o sujeito de tipo intelectivo, ou a atividade intelectiva é chamada fria? Para entender isso aí vamos procurar a qualidade contrária. Quando dizemos que uma pessoa é quente, ou sua personalidade é quente? As pessoas passionais, ou que despertam paixão, são chamadas quentes, não são? O sujeito quando está bravo não é chamado quente? Não dizemos que ele está esquentado? A atividade volitiva, ou apetitiva em geral, a atividade das paixões, chamamos de quente. Não é isso? Pode ter um outro sentido em que chamamos uma pessoa de quente. Qual é? Quando a pessoa é muito sensual, muito atraente, você também diz que ela é quente. Então nós vamos ver que essas qualidades que estão presentes na personalidade de uma pessoa quente, pelo menos no primeiro sentido, são qualidades que tendem a levar o sujeito para fora dele mesmo. Toda paixão tende a levar o sujeito para um objeto fora dele, atrai o sujeito para um objeto fora dele. Quer dizer, a vontade começa em você mas se dirige a uma coisa, para um objeto fora de você. Já a atividade da inteligência é o contrário, ela começa fora de você, no estudo de um objeto, e termina dentro de você, no conceito daquele objeto. Então essa aí é a razão porque chamamos um sujeito de frio ou quente. É porque na personalidade dele, na alma dele ou na mente dele, ele é sujeito de uma atividade que ou vai de dentro para fora ou vai de fora para dentro. E o calor, como falamos, é justamente a tendência das coisas se separarem, das partes do corpo se separarem, e, portanto, irem para fora dele mesmo. E a frieza é manter junto. Está claro para vocês que essa é a raiz da semelhança? Está claro, primeiro, que não falamos que o sujeito é frio ou quente por causa da temperatura dele? O sujeito quente não é o sujeito com febre. Coisas semelhantes em tipo são coisas que são semelhantes porque são comparadas com uma outra coisa que as mede. No caso, por exemplo, você está comparando a frieza da personalidade e o calor da personalidade à frieza dos corpos e ao calor dos corpos, mas é na idéia da direção do movimento. O que torna essas duas coisas semelhantes é a direção do movimento. Então a direção do movimento aí é um tipo comum dessas duas coisas. E aí só
quando entendemos de modo distinto o tipo é que realmente entendemos por que elas são semelhantes. Antes podemos até perceber e achar que um sujeito é frio e o outro é quente mas quando perguntamos para alguém o que significa isso, a coisa escapa. Não estamos nos referindo à temperatura, e frio e quente literalmente se referem à temperatura. Nós só entendemos quando separamos tanto no calor e na frieza dos corpos quanto no calor e na frieza da personalidade dos sujeitos qual é a medida comum. Vamos pensar o seguinte: para diferenciarmos bem essas três espécies de semelhança vamos dizer que a semelhança de gênero, ou de espécie, não admite graus nem modos. Quer dizer, o sujeito ou pertence a uma espécie, ou a um gênero, ou não pertence. Não tem medida nenhuma, variação de grau nenhuma. Não tem um animal que seja mais animal do que o outro. Um ser ou é um animal ou não é, ou é cavalo ou não é, ou é ser humano ou não é. E quando falamos que duas coisas são semelhantes na espécie ou no gênero, esse tipo de semelhança não admite variação de grau nem variação de modo. Agora vamos para o segundo tipo de semelhança, que é a semelhança por acidente. Você tem o papel branco e o leite branco, você tem o café quente e o sol quente. Esta é a semelhança acidental, que admite variação de grau, mas não variação de modo. Você pode ter um papel que é mais branco do que outro, você pode ter um objeto que é mais branco e outro que é menos branco, pode ter um objeto que é mais quente e outro que é menos quente. Já a semelhança de tipo admite variação de grau e de modo. Como assim de modo? Bom, é simples, o sujeito quente não é quente do mesmo modo ou da mesma maneira que o corpo quente. A qualidade calor no café não é a mesma qualidade calor na personalidade de uma pessoa. Também um sujeito quente pode ser mais ou menos quente, mas ele não pode ser mais ou menos quente no mesmo sentido, ou do mesmo modo, que um corpo é mais ou menos quente. É esta última semelhança, a de tipo, que vamos procurar encontrar entre os entes mutáveis e o céu visto da Terra. Está claro o que significa o céu visto da Terra? Então a nossa definição de astrologia, mesmo que provisória, está clara. Nós vamos estudar as semelhanças de tipo entre os entes mutáveis e o céu visto da terra. Para estudarmos isso aí, para estudarmos uma comparação – o estudo de uma semelhança é sempre o estudo de uma comparação – primeiro temos que estudar os termos que vão ser comparados. Primeiro o sujeito precisa conhecer o céu visto da Terra e conhecer os entes mutáveis em geral, para depois compararmos os dois. O céu visto da Terra é uma coisa muito fácil de se estudar, basta olhar, ter alguma indicação do que são os planetas, o que é relevante do ponto de vista astrológico, o sujeito fica olhando e vendo as diferenças entre uma coisa e outra. Porque todo o simbolismo dos planetas, todo o significado astrológico dos planetas vai decorrer da sua aparência sensível, da sua cor, do seu brilho, do seu movimento, de tudo o que podemos saber deles simplesmente olhando daqui da terra. Já estudar os entes mutáveis é um pouquinho mais complicado, porque o objeto é muito mais amplo. Então o que vai acontecer com o curso? Vai acontecer que a maior parte do assunto do curso vai ser justamente o estudo do que são entes mutáveis, quais são os princípios que causam as mutações neles e por que eles mudam – em que sentido, como eles mudam e por quê. E isso vai ser estudado do modo mais geral possível. E é isto que é cosmologia, estudar tudo o que muda. Se tudo isto está claro então podemos começar a estudar os entes mutáveis. Quer dizer, como vamos estudar os entes mutáveis? A primeira coisa que temos que estudar é o movimento. Para entender o movimento primeiro vamos ter que entender a noção de
natureza, a noção cosmológica de natureza. Vamos dizer que existem alguns entes que mudam naturalmente e outros que mudam de modo não-natural. Vamos pensar o seguinte: se você pegar a madeira ou o alumínio que compõem essa mesa, esses materiais não mudam naturalmente em mesa. Não existe um processo natural de produção de mesas. Mesa não dá em árvore, nem em mina. Alguém tem que pegar os materiais e transformar em mesa. Para os materiais mudarem de árvore para mesa alguém tem de vir de fora e mexer na madeira. Mas outras coisas mudam naturalmente. Por exemplo, a semente muda naturalmente em árvore, um corpo muda naturalmente de quente para frio e de frio para quente. Vamos então pegar uma definição de natureza e ver se ela é clara para todos – a definição que Aristóteles dá – e vocês podem explicá-la caso compreendam: a natureza é um princípio intrínseco de movimento e repouso. Movimento aqui é tomado no sentido mais geral possível, no sentido de mudança, não só no sentido de movimento local. O que significa princípio intrínseco de movimento e repouso? Significa o seguinte: você vai pegar um filhote de leão; desde que ele nasce até a idade adulta ele muda, não muda? Mas ele muda de filhote de leão para leopardo? Ou de filhote de leão para árvore? Não, ele muda de filhote de leão para leão adulto. Agora, ele muda de filhote de leão para leão adulto porque alguém vai lá e muda ele? Se você deixar o filhote de leão ele continua filhote de leão, se deixá-lo solto naturalmente ele continua filhote de leão, ou ele muda sozinho de filhote de leão para leão adulto? Ele muda movido por um princípio próprio. Essa mudança nele é causada por algo que está nele mesmo. Aluno: pode-se dizer que, pelo menos a partir de um certo ponto, ele é um ser autoengendrado? Não, não poderia afirmar isso, ele foi engendrado pelos pais. E a partir do momento em que ele recebeu o seu primeiro ato, a partir do momento em que existe um óvulo fecundado de leão, ele por si mesmo tem o poder de se transformar em leão. Claro que ele precisa de matéria para transformá-lo, ele precisa de condições para isso; mas essas condições por si não causam a transformação do óvulo em leão, é ele mesmo que faz isso, é ele mesmo que transforma as condições em mudanças nele. De fato, o que permite que o leão cresça, o que torna possível, as condições de que ele precisa, é um ambiente propício. Mas esse ambiente por si não gera leões. O ponto principal é este, o ambiente por si não transforma alguma coisa em leão. Para alguma coisa se transformar em leão é preciso que ela tenha nela mesma o princípio dessa transformação. O fato é que se você pega qualquer coisa nesse mundo ela não vira leão sozinha. O sujeito poderia objetar: mas se um dia a ciência se desenvolver tanto que, pegando um monte de elementos químicos e juntando, vira um feto de leão, e aí depois vira leão? Aí temos que ver que isso não foi uma mudança natural, foi uma mudança artificial. Aluno: mesmo que a mudança resulte em algo natural, mesmo baseado em como se dá a transformação natural? A mudança aí não foi feita naturalmente, mas à imitação da natureza. O sujeito primeiro teve que descobrir como que a natureza faz a primeira célula de leão, e aí ele vai lá e simplesmente faz a mesma coisa. Quer dizer, a partir do momento em que você fez isso, você pegou um monte de substâncias químicas e transformou na primeira célula de leão, você simplesmente deu para aquele negócio a natureza de leão. Ou você simplesmente
criou naquela matéria todas as disposições necessárias para que aquilo adquirisse a virtude da natureza leonina, o poder de natureza leonina, que é capaz de transformar o óvulo fecundado num leão inteiro. Então isso aí explica mais ou menos o que é a natureza como princípio. A natureza é a origem das mudanças de um objeto que é óvulo de leão até virar leão. Todas essas mudanças procedem da natureza leonina. Ora, princípio intrínseco não significa só que não foi um agente externo nem, principalmente, que não foi um agente externo, mas significa que essa natureza opera essas mudanças justamente por ser natureza leonina e não por ser outra coisa. Então, por exemplo, o leão é dotado de sentidos. Ele é dotado de sentidos por que é leão? Ele é dotado de sentidos porque é animal. O modo dos sentidos, aí sim, é leonino, mas os sentidos mesmos estão presentes nele porque ele é animal e não porque é leão. Se a idéia de animal estiver contida na idéia de natureza de leão aí você pode dizer que ele tem sentidos por sua própria natureza. Se ela está fora você já não vai dizer isso. Vamos supor o seguinte: suponha que um leão adoeça e, por isso, fique careca. Isso não foi uma mudança natural? Precisou alguém jogar a doença no leão para ele ficar careca? Não precisou. Os animais ficam doentes sozinhos. Mas você pode dizer que ele ficou doente pelo fato mesmo de ser leão? Não, você não pode dizer que ele ficou doente porque é leão. Apesar de ser leão ele ficou doente. Ele ficou doente por um processo natural mas que não é um processo da natureza leonina, é um processo de outra natureza. Só seria da natureza leonina se todo leão tivesse a mesma doença pelo simples fato de ser leão. Só que isso não existe. Aluno: e se eu criar em laboratório essa doença dos leões? Isso aí já é complicado. Depois que nós entendermos os entes naturais nós poderemos entender os que foram criados à semelhança da natureza, porque sem entender os primeiros nós não vamos entender os segundos. Quer dizer, sem entender o original não vamos entender a cópia. E movimento e repouso, o que quer dizer? A natureza não é só um princípio de movimento mas é também um princípio de repouso, princípio de término do movimento. Ela também determina o fim do movimento. Por exemplo, o leão busca comida movido pela sua natureza, mas quando ele alcança a comida e come, acabou o movimento; enquanto ele não tiver fome de novo ele repousou, aquele movimento terminou. E terminou naturalmente. Então vamos começar a estudar os entes mutáveis mais simples para ver se entendemos alguma coisa acerca da natureza deles. Aluno: no caso do leão esse repouso não se deu por ser leão mas por algo mais essencial, por ser um ser vivo. Bom, aí foi de fato mais genérico ainda. Mas ser vivo está incluído na definição de animal, portanto, vivo, apesar de não por ser animal nem por ser leão, a nutrição, embora fosse algo mais genérico do que a animalidade e a leoninidade, ainda sim ela é um gênero da animalidade e da leoninidade, está incluída na definição do negócio, portanto também essa foi uma mudança natural do leão.
Aluno: poderíamos falar da seguinte forma: a natureza dele entrou em repouso por ser um ser vivo mas as causas que o levaram ao repouso naturalmente só poderiam vir de sua natureza animal, as causas específicas. E uma espécie de vírus de que todos poderiam estar acometidos? Bom, você pode dizer que um determinado ente natural está sujeito a determinadas ações violentas, ações que violam a sua natureza. Isso aí, claro, é determinado pelo limite de sua própria natureza. Mas não é por causa dessa natureza que ele se torna doente, a natureza aí serve de condição que torna possível a doença, mas não de causa ativa da doença, não de princípio da doença. Aluno: seria porque há vários encaixes de princípios naturais? O leão morre porque é um ser vivo, mas dentro da constelação em que ele vive pode haver uma doença que mata leões. Vamos pensar o seguinte: o leão morre ou fica doente porque isso é possível para a matéria do leão, porque é possível para a matéria do leão ser outra coisa que não é leão. Portanto esta mesma matéria que está no leão, aquilo de que ele é feito, pode, por algum motivo, por alguma causa, tender a se tornar outra coisa que não é leão. E isso é doença, é velhice, é morte. Mas isso não é por causa da natureza leonina, é porque a matéria que é sujeito de natureza leonina, que tinha natureza leonina, podia ser sujeito de outra natureza que não a leonina. Então isso aí já abre um assunto que é o do movimento em geral. O movimento só é possível quando um sujeito é capaz de formas diferentes e que se excluem. Então vamos dizer o seguinte: a matéria que compõe o leão pode servir também para compor uma árvore, ou uma pedra. Por isso é possível você desfazer um leão, ou naturalmente um leão se desfazer, e aquela matéria receber a natureza de pedra, ou a natureza de árvore. Então existe movimento quando existe um sujeito capaz de formas contrárias. Se essa forma for a forma substancial mesmo do sujeito, a própria natureza dele, o sujeito deixa de existir e passa a existir outro sujeito, passa a existir outro ser. Agora, a mudança substancial, mudar de uma substância em outra, não é o único tipo de movimento que tem. Você tem outros tipos de movimento. Alguém aqui pode me sugerir um movimento que não seja mudança de substância? Aluno: o movimento local. O movimento local, esse maço de cigarros está aqui e pode ser mudado para cá. Ele não deixou de ser maço de cigarro. Ele não mudou a sua natureza, ele mudou um acidente dessa natureza, no caso, o acidente do lugar. Esse é outro tipo de movimento. Tem mais algum? Tem mais dois até. Aluno: tamanho. Algumas coisas mudam de tamanho, outras não. O maço de cigarros muda de tamanho? Não. Mas o leão muda, não muda? Uma planta muda, não muda? Alguns entes podem mudar de tamanho, alguns entes são sujeitos do movimento de crescimento ou
diminuição. Isto é uma mudança de acidente também, mas de outro acidente, que é a magnitude. Tem mais alguma mudança? Aluno: mudança de figura. Quando cresce e diminui muda de figura. E pode mudar de figura sem mudar de tamanho. No caso do maço de cigarro amassado ele mudou porque ele é oco. Mas podemos pensar naquelas massinhas com que brincamos: o sujeito pode apertar para todo o lado e mudar de figura. Tem mais alguma mudança? Já explicamos a mudança de figura, vamos só ver se tem mais alguma. Aluno: aparência. Não é aparência porque ela também tem outros acidentes que não fazem parte da figura. A cor também faz parte da aparência mas nada tem a ver com a figura. Aluno: mudança de qualidade. A mudança de figura é uma espécie de mudança de qualidade. Não falamos agora que não mudou o tamanho do negócio? Então não mudou a quantidade, mudou a qualidade. Também a mudança de cor é mudança de qualidade. Se uma coisa muda de temperatura também é mudança de qualidade. Então só há esses quatro tipos de mudança. Para todos saberem que só há esses quatro tipos de mudança, toda vez que formos estudar um ente mutável vocês devem ser capazes de dizer de que tipo de mudança nós estamos falando naquele caso em particular. Temos quatro tipos de mudança: mudança substancial – é quando um leão deixa de ser leão e passa a ser terra, ou qualquer outra coisa, ou comida de gente – o frango muda de frango para comida; mudança local; mudança de tamanho, de quantidade; e mudança de qualidade. Se estão claras essas coisas vamos mudar para um outro ponto. Para estudarmos agora, tendo alguma idéia do que é natureza e alguma idéia do que é movimento, vamos começar pelos entes mutáveis mais simples, aqueles mais fáceis, os corpos em geral. Então vocês vão anotar, separar, distinguir as notas que vocês podem encontrar num corpo. O corpo exemplo é um copo e vocês vão anotar tudo o que vocês reparam nele. Por exemplo, é branco, e vocês escolhem uma vítima que vai passar tudo o que vocês anotaram para a lousa. Intervalo. Voltando, alguém reparou alguma coisa no copo, fora a brancura? Aluno: ele tem uma composição química. A composição química do copo você não está reparando. Notas reparadas: é sólido, leve, deformável até certo ponto sem deixar de ser copo, pode conter outros objetos, tem resíduos de café, pode moldar outros objetos.
Dessas notas vocês conseguem distinguir quais que estão presentes em todos os corpos? Vamos ver se diferenciamos nesse copo aqui, neste exemplo, as notas que estão presentes não somente nele mas em todos os corpos. Alguém pode me dizer uma nota desse copo aqui. Aluno1: tem uma figura. Aluno2: tem uma extensão. Aluno3: tem uma matéria. Aluno4: relação? Todo objeto tem relação com outros objetos. Sim, mas aí precisaríamos de dois objetos. É claro, sabemos que há um monte de corpos. A possibilidade de ter relações de fato é essencial ao copo, mas ter relação com outro corpo, estar ao lado de outro corpo, ser movido por ele, só se tiver um outro corpo do lado. Aí temos uma diferença entre potência e ato. Mas eu não quero saber o que pode estar num corpo em geral, mas só aquilo que necessariamente está presente num corpo. Aluno: cor, odor. Cor, odor, todas essas propriedades. Aluno: existência. Todo e qualquer objeto é existente, senão nem estaríamos falando dele. No mínimo no pensamento o objeto tem que ser existente. E, além disso, não é uma característica do corpo, mas de qualquer objeto, mesmo incorpóreo. Será que com essas notas nós conseguimos fazer uma definição de corpo? Vocês conhecem o significado de substância no sentido aristotélico, os gêneros de Aristóteles? Você tem a substância e os acidentes, substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo. O que é o copo? É uma quantidade, uma qualidade, ou uma coisa, uma substância, algo que é dotado de quantidade, qualidade, e assim por diante? Ele é uma qualidade, sozinha? Toda qualidade é qualidade de alguma coisa. Toda quantidade é quantidade de alguma coisa. Toda relação é relação de alguma coisa. A qualidade não existe sozinha. Existe a brancura por aí? Não, existe a parede branca, o copo branco, o papel branco. Toda qualidade é qualidade de uma substância. Substância aqui não é substância química, é simplesmente um nome que estamos dando para coisa. Uma coisa que é em si mesma. Aluno: no sentido de que tem forma, extensão? Não, é aquilo a que você pode atribuir os acidentes. Vamos pensar que existem dois tipos de ser: um é o ser que é nele mesmo e o ser que é em outro. Brancura é sempre em outro ser que não é ele mesmo brancura. Então a brancura é no copo, aí você tem o copo branco. Bracura é no papel, você tem o papel branco, e assim por diante. Você não tem uma brancura que não seja em alguma outra coisa. A mesma coisa para a quantidade. O papel
tem trinta centímetros, mas você não tem trinta centímetros em si mesmo, sempre há alguma coisa que tem trinta centímetros. Então essa coisa na qual estão os acidentes é o que chamamos de substância. Então o corpo é uma substância, um acidente, uma qualidade ou uma quantidade? O corpo é uma substância. Os acidentes são coisas que diferenciam uma substância da outra, os acidentes dão as diferenças das substâncias. A diferença entre um copo e o ser humano não é a de que um é substância e o outro não é, a diferença está nos acidentes. Por exemplo, um é vivo e o outro não é. Então o corpo é uma substância. Substância então é o gênero do corpo. Uma vez que sabemos o gênero vamos procurar o que diferencia esse gênero de outros gêneros. Aluno: tem substância incorpórea? Nós podemos conceber uma substância não corpórea. Se existe ou não ninguém sabe ainda, pelo menos com os dados que foram dados no curso. Vou dar um exemplo de uma diferença que não é a dos corpos em geral, para vocês terem alguma idéia do que eu estou falando. Eu posso dar como definição de corpo que ele é substância branca? Não posso, porque branco não é diferença da corporalidade, do corpo em geral, porque pode existir um corpo que é não branco. Posso dizer que corpo é a substância sólida? Também não, porque há corpos não sólidos. Se eu disser que corpo é a substância sólida eu estou definindo algo cuja extensão é menor que a dos corpos, porque essa definição só alcança alguns corpos, não alcança todos. E uma definição tem que alcançar tudo o que está sendo definido e nada mais. E se eu disser que corpo é a substância extensa? Será que estou me aproximando da definição? Tem algum corpo que não tenha extensão? Aluno: extensão finita? Em que sentido ele é finito? Extensão limitada? Será que eu posso usar isso aí como definição de corpo? Aluno: não poderia ter extensão ...? Indeterminada? Indefinida? Por enquanto isso não importa. Importa se a extensão de um corpo tem um limite ou não tem. Ela tem um limite? Tem. É suficiente dizer que o corpo é substância de extensão limitada? Parece que é. Vamos pensar o seguinte: se existe alguma coisa que é não corpo, vamos dar o nome de alma. A alma tem alguma extensão? Tem algum tamanho, alguma magnitude? Tamanho não é uma diferença para a alma, você não pode dizer nem que ela tem nem que ela não tem. Agora, corpo não, todo corpo tem alguma extensão. Não só tem extensão como tem extensão limitada. Aluno: o universo é um corpo? O universo é um monte de corpos. Quando falamos de universo estamos falando de um monte de coisas, e não de uma coisa. Mas vamos pensar o seguinte: você pode imaginar algum corpo real que você já tenha conhecido, ou alguém que você conhece, que é ou
inextenso ou que tem extensão ilimitada? Você pode imaginar alguma outra coisa que não seja corpo, e que existe realmente, que tenha extensão limitada? Não tem. Então essa definição é suficiente, porque ela abarca todos os corpos e abarca somente os corpos. Se falamos que ela tem extensão limitada, isso por si já diz que ela tem figura, porque a figura é justamente o limite da extensão. Então colocar que ela tem figura e extensão limitada é repetitivo e desnecessário. Matéria também, porque se eu falei que é uma substância, ainda não tem motivo para falar que tem matéria, porque a palavra matéria nós vamos usar futuramente no curso num sentido muito específico. Basta dizer que é uma substância de extensão limitada. Agora, quais são as diferenças entre os diversos tipos de corpos que eu posso extrair dessa definição mesma? Eu posso dizer que se corpo é uma substância de extensão limitada alguns corpos são brancos e outros são pretos? Conclui-se da própria definição que alguns corpos são brancos e outros são pretos? Não. Nem se conclui que eles têm alguma cor. Porque ter uma cor é acidental a um corpo, depende de ele estar iluminado ou não. Não está na natureza de corpo isso, está na natureza de corpo iluminado, e mesmo assim nem todo corpo iluminado tem cor. O ar não tem cor nenhuma e no entanto tem luz aqui. Cor não é um acidente necessário a um corpo. Mas extensão é. Limitação da mesma extensão também é. Embora eu saiba que existem corpos que se diferenciam pelas suas cores, que eu posso diferenciar os corpos pelas cores, essa diferença não decorre da definição, mas decorre de outros acidentes. Não decorre da natureza de corpo, mas da natureza de alguma outra coisa. Aluno: você pode dizer que figura é extensão limitada. Figura é exatamente isso. Figura é o limite da extensão, é o próprio limite dela. O que se chama a figura desse corpo? Justamente o fim e a medida de sua extensão. Agora, e se eu disser que a figura de alguns corpos é determinada por eles mesmos e que a figura de outros corpos não é determinada por eles mesmos? Por exemplo, a figura do maço de cigarros é determinada por ele mesmo mas a figura do ar não é determinada por ele mesmo. A figura do ar é adaptável. Determinada no sentido de que mantém as mesmas qualidades por si mesma. Claro que a figura, a extensão do ar é limitada, mas esse limite não é determinado pelo próprio ar. Se eu pegar esse copo, tapar e mudar o formato do copo então muda o formato do ar. Aluno: é a coerência do objeto? Coerência só complica as coisas. Vamos fazer o seguinte: nunca usemos um termo cuja definição seja obscura quando podemos usar um termo cuja definição é clara para definir uma coisa. Porque a definição também tem que ser clara. Se eu disser que pela própria definição de corpo decorre a possibilidade de corpos que têm o seu limite, a sua figura, determinada por eles mesmos e outros que têm a figura determinada por outros, e não por eles – indeterminada por eles mesmos – esse é um acidente que decorre da própria definição. Se algo tem extensão limitada é possível para esse algo que o limite dessa extensão seja determinada por ele mesmo ou não determinada por ele mesmo. O copo também é adaptável na sua figura numa certa medida. Nós podemos dizer que essa é uma diferença que admite variação de grau. Tem uns corpos que são mais adaptáveis e outros que são menos. Uns que são mais determinantes de sua própria figura e
outros que são menos. Tem uns que são sólidos, outros que são líquidos, outros que são gasosos. Sólido, líquido e gasoso significam graus de adaptabilidade da figura de um corpo. Então só por aí eu já estabeleci dois gêneros de corpos. Eu posso dizer que existem corpos que tendem naturalmente a determinar sua própria figura e corpos que tendem naturalmente a manter indeterminada a sua figura. Aluno: qualquer corpo pode ser moldado? Qualquer corpo pode ser moldado, mas uns tendem a resistir a isso e outros naturalmente cedem a isso. Aluno: não existe diferença, todos são moldáveis. Como não existe? Não existe uma diferença aqui entre o copo e o ar da sala? Você pode moldar os dois mas o copo resiste mais. Mas se você deixar o copo aqui ele se molda ao ar da sala? Ou o ar da sala se molda a ele? Aluno faz pergunta. Como assim a partir desse nível? Aluno faz pergunta. É simples. A água muda de figura facilmente ou não? Vamos pensar o seguinte: você tem que exercer alguma força sobre o copo para ele se adaptar, mas você tem que exercer alguma coisa sobre a água ou sobre o ar para ele se adaptar? A mesma que você precisa para adaptar o copo? É disso que estamos falando. Existe uma diferença de grau. É como falamos: essa é uma diferença que admite grau. Aluno: é só pensar na água e no copo no vácuo. O copo vai se manter e a água não. Sim. Ou então pensa na pedra e na água, que são mais diferentes. Aluno1: é que o formato do corpo está sempre em relação com outros corpos. Imagino que seja esse o problema. Aluno2: você poderia pensar numa escala com um extremo sendo um objeto altamente resistente e o outro extremo sendo um objeto que se molda a tudo. A dificuldade aí é que, como essa é uma escala mais ou menos indefinida nos seus termos, você não consegue encontrar um meio-termo objetivo. Esta está sendo a sua dificuldade. Porque não conhecemos os limites, o máximo de solidez e o máximo de fluidez. No entanto você pode dizer que os corpos ou tendem para a fluidez ou para a solidez. E quando você pega dois corpos bem diferentes você vê que este é fluído e aquele não é. Você vê essa diferença. Você não precisa conhecer precisamente o meio da escala para isso. Só para dizer absolutamente acerca de qualquer corpo que ele é fluído ou não, aí
talvez você precisasse conhecer os limites da escala para estabelecer um meio. Pelo menos para nós, nesse momento, esses limites são indeterminados. Aluno: mas o corpo pode passar de uma propriedade para a outra, Mas eu não falei que os corpos são inalteráveis em relação a essas propriedades. Eu falei que em determinado momento ele apresenta ou uma ou outra. Em algum momento ele é mais ou menos adaptável. E isto naturalmente. Por exemplo, se eu pegar aqui, agora, e comparar a parede com o ar, o que eu digo da parede? Que ela tende naturalmente a adaptar sua figura? Aqui e agora não. E do ar o que eu posso dizer? Que ele tende naturalmente a adaptar sua figura. Eu não estou dizendo que isso são propriedades imutáveis, eu estou dizendo que em cada momento cada corpo tem que se apresentar como tendendo a adaptar sua figura ou tendendo a não adaptar. Claro que eu posso imaginar que tem um corpo que é bem justamente intermediário. Aluno: não teria que comparar? Talvez nós tenhamos que comparar. Talvez essas duas propriedades sejam relativas. Aluno: a parede, se modificada, deixa de ser parede e o ar não deixa de ser ar. Podemos dizer isso aí. Está certo, de fato ela deixa de ser parede. E o copo deixa de ser copo. Aí você está falando que em alguns corpos essa propriedade faz parte de sua definição. Então faz parte da definição de copo ser sólido. Se ele não fosse sólido ele não poderia conter a água, conter líquidos. Mas por enquanto não interessa a definição de algum corpo em particular, interessa só saber isso, que, se os corpos têm extensão limitada, esta extensão pode ou não ser determinada pela natureza do próprio corpo. Aluno: essa tendência a se adaptar faz parte da natureza do próprio objeto. Faz parte da natureza do próprio objeto, exatamente. A mesa tende a não se adaptar, e o ar tende a se adaptar. Claro que, se eu mudar o objeto, mudou a sua propriedade, logicamente. Se eu pegar um pedaço de ferro e esquentá-lo até ele derreter é claro que mudou alguma propriedade nele, porque esquentá-lo é mudá-lo. Mas ele mudado não é a mesma coisa que ele antes. Eu posso dizer até que é a mesma substância, no sentido químico, mas não que é a mesma substância no sentido natural, porque há propriedades que o ferro não-fundido apresenta e que quando fundido ele não apresenta. Também não disse que essa é uma propriedade sujeita a variação de grau. E de fato é uma propriedade sujeita à variação de grau. Tem corpos que são mais adaptáveis e corpos que são menos adaptáveis. Mas um determinado corpo, num determinado momento, apresenta uma determinada tendência, uma determinada natureza: ou a tendência a se adaptar, ou a tendência a não se adaptar. Em outras circunstâncias, talvez ele seja mudado e apresente outras propriedades, mas num mesmo momento ele apresenta ou uma, ou outra. Mesmo essa qualidade, admitindo variação de grau, a diferença entre uma tendência e a outra é tão grande que eu posso dizer que são duas qualidades diferentes, e não que o copo tem a mesma natureza que o ar, a parede tem a mesma natureza que o ar, com relação à figura. Não tem. Porque a parede de fato não se adapta aqui à figura dos corpos que estão em torno dela e o ar se
adapta. E se falarmos que, analisando no microscópio, fazendo uma experiência muito cuidadosa, eu vou ver que a parede se adapta um pouquinho, isso ainsa assim não mudou o fato de que substancialmente, qualitativamente, foi o ar que se adaptou a ela e não ela que se adaptou ao ar. Aluno: seria uma questão de escala. Independente de você conhecer a escala você pode, num determinado momento, dizer se é adaptável ou não. Para saber se aquela substância é adaptável ou não talvez você tenha que comparar com outra substância. Talvez você tenha que comparar no mínimo com o seu próprio corpo. Mas isso aí só indica que isso entraria na categoria da relação e não na categoria da qualidade. A relação é justamente uma coisa que só pode existir quando existe um outro. Aluno: é observável que existe uma nítida diferença entre as propriedades de corpos gasosos e as de corpos sólidos. A questão de se é preciso comparar ou não de fato é irrelevante. O importante é se os corpos todos apresentam a mesma propriedade com relação à figura ou não, ou se eles apresentam duas qualidades polares aí. Uma de auto-determinação da figura e outra de nãodeterminação por si mesma. Me parece evidente que todo corpo, num determinado momento, ou é adaptável em sua figura, ou não é. Essa capacidade de se adaptar na figura é o que na cosmologia tradicional se chama umidade. Umidade, na cosmologia tradicional, não é a quantidade, a presença de um líquido estranho a um corpo, mas é justamente a sua adaptabilidade na figura. É a indelimitação própria. É úmido o corpo que não é determinado por um limite próprio, ou pelo menos não é determinável por um limite próprio. E é seco o corpo que é determinado por um limite próprio. E os corpos secos que determinam os limites dos corpos úmidos. Aluno: isto é a física de Aristóteles? Isso mesmo, é a física de Aristóteles. Se essa propriedade está clara vamos ver se existe outra propriedade, outra diferença entre os corpos que podemos extrair da definição. Aluno: a secura é o contrário da umidade, é a demilitação própria? Isso, a delimitação própria é a secura. É seco um corpo que é delimitado por um limite próprio. Essas qualidades foram extraídas de uma nota da definição, a nota ‘limitação’. São diferenças da limitação de um corpo, são diferenças no limite de um corpo. Vamos ver se encontramos diferenças intrínsecas na extensão. Por exemplo, existem corpos maiores e corpos menores. Tem este copo aqui de café e esse outro de mate, um é maior e o outro é menor. Isto é suficiente para modificar um corpo em espécie? Um copo, por ser maior ou menor, deixa de ser copo? Um leão, por ser maior ou menor, deixa de ser leão? Um pedra, por ser maior ou menor, deixa de ser pedra, ou passa a ser pedra? Não. Então, por enquanto, vamos descartar maior e menor como uma diferença relevante entre os corpos.
Aluno: poderia ser a linearidade? Corpos retos e curvos? Aí também são diferenças no limite da extensão e não na própria extensão. Reto ou curvo é uma diferença da figura. Vamos pegar o seguinte: toda extensão é divisível. É claro isso aí? Se todo corpo é extenso, em princípio, todo corpo é divisível. Então, não poderíamos dizer que se um corpo é dotado de extensão e, em princípio, divisível então existem corpos que tendem a dividir sua extensão naturalmente e outros que tendem a mantê-la indivisa naturalmente? Quer dizer, existem corpos que tendem a se separar em partes menores e outros que tendem a manter a unidade das partes. De novo, talvez, podemos ter uma impressão de... Aluno1: alguns corpos teriam a capacidade de se desintegrar em partes menores. Aluno2: eles teriam a capacidade de perder a característica? A única característica que ele perderia aí seria o tamanho. E a figura também mudaria. Aluno1: o bolo de chocolate. Aluno2: mas ele não tende a se dividir. De fato, ele não tende, ele tende a ser dividido por outros. Mas por enquanto de fato não importa se conhecemos um corpo que tenha aquela propriedade ou não. Importa que, sabendo que ele tem extensão, isso é possível, dado o fato de ter extensão. Aluno: um castelo de areia? Um castelo de areia é areia. De fato ele já é um monte de partes, que não tendem a se unir, pelo menos não na forma de castelo, ou em qualquer forma, naturalmente. Simplesmente as juntamos na forma de castelo. Aluno: mas quando você corta um bolo ele não deixa de ser bolo. O copo deixa de ser copo. Vamos lá então. Alguns corpos têm determinada indivisão na sua própria essência, na sua natureza, na sua definição, e outros não. Se alguns corpos não podem ser divididos sem mudar de natureza, isto não importa, porque não é um traço universal. Queremos descobrir aqui traços de diferença que decorrem da própria definição. O que eu quero saber é só se está clara essa possibilidade. Então vamos pensar o seguinte: é possível, pela definição de corpo, que existam corpos que tendem a separar suas partes em partes menores naturalmente e outros que tendem a mantê-las unidas naturalmente. E a qualidade pela qual um corpo tende a separar suas partes é a qualidade do calor, no sentido aristotélico. Quer dizer, é quente o corpo que tende naturalmente à divisão de suas partes, à separação das partes. E é frio o corpo com a qualidade contrária.
Vamos pensar num corpo que não é naturalmente quente, mas que foi violentamente esquentado, você exerceu de fora o calor sobre ele. Se você esquentar, o que vai acontecer com esse corpo? Se você for esquentando indefinidamente? Ele derrete – se for um papel vão voar cinzas para todos os lados. Mas e se você continuar esquentando? Na mesma medida em que você esquenta um corpo as partes dele tendem a se repelir. É intuitivo. O próprio fogo faz isso com as outras coisas. O fogo, quando esquenta as coisas, ele separa. E as coisas que chamamos de fogo são coisas que estão se separando, cujas partes estão se separando umas das outras. Aluno: mas você o esquentou, não foi natural. Sim, aí é um corpo que é violentamente quente, nós violamos a natureza dele e ele esquentou. Mas existem corpos que são naturalmente quentes. Aluno: se você esfriá-lo ele não separa. Mas aí se eu esfriar. Mas eu estou falando aqui que justamente o calor é justamente essa tendência à separação, e o grau de calor que uma coisa tem é o grau de tendência à separação. Se eu esfriá-lo ele não separa. Mas frieza é justamente a tendência a manter as partes unidas. Aluno: mas você que mudou o corpo. Aí vamos ver o seguinte: os corpos, enquanto corpos, têm uma natureza para serem movidos e não para moverem, e que só alguns corpos, porque têm algumas propriedades particulares, é que têm naturalmente a tendência a moverem. Mas o corpo em geral só pode ser movido. Um corpo em geral só pode, enquanto corpo, ser aquecido ou esfriado. Enquanto corpo ele não pode aquecer ou esfriar. Para um corpo aquecer ou esfriar ele precisa de propriedades outras que não decorrem da natureza de corpo. Mas já vamos chegar lá, uma coisa de cada vez. Então, essas diferenças que encontramos até agora são suficientes para construir a definição dos quatro elementos da cosmologia tradicional. Se eu pegar um corpo que seja seco e frio, no sentido que acabamos de definir, vou dizer que esse corpo é terra, pertence ao elemento terra. Se eu pegar um corpo que é úmido e frio, vou dizer que esse corpo pertence ao elemento água. Se eu pegar um corpo que é quente e úmido, vou dizer que ele pertence ao elemento ar. Se eu pegar um corpo que é quente e seco, vou dizer que ele pertence ao elemento fogo. Fogo
Secura
Calor
Ar
Umidade
Terra
Frieza
Água
Você então vê que, pela definição tradicional, o ar é mais úmido que a água. Qual desses dois é mais naturalmente adaptável em sua figura: o ar ou a água? O ar. Ele é mais indelimitado naturalmente na sua figura. Então ele é naturalmente mais úmido do que a água. Esses quatro elementos – fogo, ar, água e terra – não são os corpos em particular dos quais tiramos esses nomes. O elemento fogo não é só aquele lá que acendemos no isqueiro. Mas esse aqui é o corpo que, dentro do nosso campo de experiência, mais se aproxima, mais se parece com o elemento fogo. Daí que o elemento fogo ganha o nome de fogo, daquilo que lhe é semelhante. Quando falamos de ar, no sentido tradicional, não estamos nos referindo necessariamente só a esse ar que respiramos, mas a qualquer corpo que seja úmido e quente. Aluno: no caso seriam elementos arquetípicos dos corpos? Vamos, por enquanto, evitar o uso do termo arquetípico, ou arquétipo, só para não complicar a terminologia. Só vamos querer definir se essas definições – quente e úmido, frio e úmido, quente e seco, frio e seco – são gêneros ou tipos de corpos. Para saber isso aí basta lembrar o comecinho da aula, quando falamos dos tipos de semelhança. Nós falamos que há semelhanças de gênero e espécie, semelhança de acidente e semelhança de tipo. E falamos que a semelhança de gênero não admite variação de grau. Então, se uma coisa pertence a um gênero, ela pertence absolutamente a um gênero. Não existe um animal que seja mais animal que um outro animal, ou é animal ou não é. Mas e quente? Existe alguma coisa que seja mais ou menos quente? Existe, do mesmo jeito que existe o mais ou menos úmido, não existe? Quer dizer, o mais ou menos adaptável. Então vamos dizer que essas qualidades – frieza, calor, secura e umidade – são as qualidades que diferenciam os tipos de corpos e não os gêneros de corpos. Então um corpo, dentro do mesmo gênero, pode apresentar-se sob um tipo ou sob outro. Se você pegar um pedaço de ouro ele pode se apresentar sob o tipo do fogo ou tipo da terra, dependendo das condições. Quer dizer, ouro às vezes é sólido, outras vezes não é, mas continua sendo ouro. O ouro sólido é mais ouro do que o ouro fundido? Não. Eles são a mesma coisa, mas se apresentam sob tipos diferentes. Quer dizer, no estado sólido o ouro se assemelha ao tipo do elemento terra, no estado fundido ele se assemelha ao tipo, sei lá, do elemento fogo, ou do ar, ou da água. Aluno: umidade é a tendência de ser determinado por outro corpo? Não, não é a tendência de ser determinado por outro corpo. É a tendência de não ser determinado por si mesmo, de não ter seu limite determinado por si mesmo. Um corpo não pode ter uma tendência que em si mesma – para ser tendente – dependa da existência de outro corpo. Se só existissem corpos úmidos eles não teriam sua figura delimitada, determinada. Ele é simplesmente incapaz de determinar sua própria figura e por isso mesmo ele é adaptável na figura. Aluno: seria a incapacidade de ser determinado por si mesmo?
Não é só de ser determinado em geral mas de ter sua figura determinada por ele mesmo. Só existem esses quatro tipos de corpos. Não podemos achar nenhuma outra diferença que decorra da natureza dos corpos e que, portanto, não seja uma diferença de espécie, ou uma diferença acidental, mas que seja uma diferença típica. Na astrologia vamos pegar essas diferenças típicas dos corpos, essas diferenças de tipo, e usá-las para diferenciar tipos de outras coisas que não são corpos. Vamos pegar, por exemplo, a personalidade das pessoas e dizer que tem umas que são de fogo, outras que são de água, outras que são de ar, outras que são de terra, por semelhança com esses tipos. Ou pegar as atividades humanas e não as personalidades, como a atividade da pesquisa científica ou a prática de um esporte, e dizer que uma é de água, outra é de ar, por semelhança. Vamos pegar os tipos dos corpos e aplicá-los a coisas que não são por elas mesmas corpos, que são ou outras substâncias – substâncias incorpóreas – ou mesmo outros acidentes das coisas, outras qualidades das coisas, e vamos procurar descobrir a semelhança. Isto aí, na verdade, é que é estudar astrologia. Então, quando você pegar o mapa de uma pessoa, você vai dizer que no mapa astrológico dela tem lá os doze signos, as doze casas, os planetas, e você vai dizer que os signos, os planetas e as casas correspondem a tipos, por exemplo, elementais. Então você tem lá três signos que são do elemento fogo, correspondem ao tipo do elemento fogo, três signos que correspondem ao tipo do elemento ar, você tem planetas que são de fogo e outros que são de ar, outros que são de terra. E aí você vai ver que o sujeito que tem esses planetas e signos, por exemplo, de fogo, ressaltados em pontos importantes e significativos do mapa é um sujeito que tem uma personalidade parecida com o fogo e que em geral ele também se comporta como o fogo. E assim para cada elemento. Aluno: isso tem livre-arbítrio? Pode mudar? Ela admite uma certa variação, mas pequena. Se você pegar um sujeito cujo mapa tem predominância do elemento fogo ele pode ser um pouquinho mais ou um pouquinho menos fogo do que outro sujeito que tem essas mesmas características, mas ele de fato vai ser sempre fogo. Isso não vai mudar durante a vida toda dele. Mas isto não tem nada a ver com livre-arbítrio. Aluno: mas livre-arbítrio eu falei no sentido de poder mudar isto. Ele não pode mudar essa característica pelo exercício, pela força de sua própria vontade? Não. Mas isso afeta de algum modo a natureza de sua vontade? Também não. Porque, mais para adiante, se vocês derem uma olhada no programa do curso, uma hora vamos estudar a manifestação sutil, justamente as faculdades e as potências da alma, e a vontade é uma delas. E vamos ver que a natureza da vontade é tal que ela pode operar plenamente mesmo que o sujeito seja de tipo fogo, água, terra, ar. Eles são capazes de fazer as mesmas coisas, mas essas coisas vão ter valores diferentes para cada um deles. O assunto do curso vai ser esse. É tudo o que eu tinha para dizer hoje.