LEON TOLSTÓI
que é 21
Arte?
Menmam Sáo Paulo 1994
Tolstói, Leon (1828—1910) trad. Yolanda Tolstói. trad. Yolanda Leon Tolstói. O que é a arte? / Leon Paulo: Steidl de Toledo e Yun Jung Im. - Sáo Sáo Paulo:
Experimento, 1994.
176 p. ; 23 cm 1. Arte - teoria. I. Título.
ISBN 85—85597-06-X
CDD 701
Stcidl de Toledo Yolanda Stcidl Copyright da Traducio 0 Yolanda Yun Jung Im
Stcidl de Toledo Yolanda Stcidl Traduqio: Yolanda Yun Jung im
Revlsño:Femanda Paradiso Maria do Socorro Senatore Editomcño Eletrónlm: Universo (011) 222—0248 Capa: AnaAly
Editora Experimento Avenida lpiranga 84/503 01046—010
sao Paulo
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INDICE
A TEORIA
13st
DE TOIS'PÓI - Annateresa Fabris ............. ........................... ......................... ...........11
PREFACIO A EDICÁO INGLESA DE DE 1898 1898 ............. .......................... ........................... ............................ ..................... .......19 CAPÍTULO
1
seu servico. Moralidade em seu Tempo e trabalho gastos com & ane. Vidas podadas em ancriñcnda pela arte. Descdgáo do ensaio de uma uma ópera. ópera. ............ .......................... .................... ...... 21 CAPÍTULO n A arte compensa tanto mal? que é arte. Confusáo de opinióes. E “aquilo que em msso. msso. Caos na estética. ........................27 produz belen”? A palavra “belen" em
0
CAPÍTULO
¡11
Sumádo de várias teon'as e defmigóes estéticas, de Baumgarten aos dias presentes. Baumgartenaos 33 ........................... ............. ........................... ........................... ............................ ........................... ........................... ............................ ........................... ..................... ........ CAPÍTULO ¡v
Deñnigóes de ¡me baseadas na belen. Gosto nio deñnívcl. Uma defmigáo clara de ¡me. ............ necessárla para que possnmos reconhecer as obras de as obras .......................... .................. ....43
CAPÍTULO v
Definigóes nio baseadas na beleza. A deñnlgáo "de Tolstói. A extensáo e & da arte. Como as pessoas no necessidade da necessidade pasandodistingulam o bom de mu em no pasandodistingulam 49 arte. ............ .......................... ............................ ........................... ........................... ............................ ........................... ........................... ............................ .............. CAPÍTULOVI da arte veio ¡¡ ser estimda. Como a ¡me pelo prazer da estimda. Religióes indimm o que é considerado bom e Cetidsmo das Renasdmento. Cetidsmo e mau. mau. 0 cn'stianismo da Igreja. 0 Renasdmento. classes superioues. Eles confundem o belo com com o o bom. .............. ............................ ...................... ........55 CAPÍTULO vu estética moldada pam se adequar ¡ visáo da vida das classes governantes. Uma teon'a Uma teon'a estética 59 .......................... ............ ........................... ........................... ............................ ........................... ........................... ............................ ........................... ...................... ......... CAPÍTULO vm
Quem adotou
em teoria estética.
Ane real necessária para todos os homens. A nosa arte, cara dermis, demasiadamente lninteligível, e demasiadamente nociva, A teoria do “eleito' em teoria do atte. ............. em atte. para as .......................... ........................... ............................ ................63
m.
CAPÍTULO ¡x
A perversño da nossa arte. Ela perdeu
o seu conteúdo. Náo há con—ente de novos sentimentos. Ela transmite principalmente trés emogóes indignas. ................... 67 CAPÍTULO x
Perdade compreensibllidade.Arte decadente. Arte recente francesa. Temos o direito de dizer que ¡so é mim? A arte mais elevada sempre foi compreensível as pessoas normals. 0 que falha em contagiar as pessoas normais nao é arte. ................. 71 CAPÍTULO X!
Contrafacóes da arte produzldas por: empréstimo; imitado; excitado; interesse. Qualiñmcóes necessádas para a produgáo de obras de arte verdadeiras, e aquelas suñcientes para a produqño das contrafacóes. .................................................... 89 CAPÍTULO xn
Causas da produdo das contrafag6es. Proñssionalismo.A Crítica. Escolas de arte. A perfeicáo da forma, necessárla para produzlr o contágio que caracteriza uma verdadelra obra de arte. ........................................................................................ 97 CAPÍTULO xm
'Nibelungenking' de Wagner: um tipo de arte contrafeita. O seu sucesso e as razóes para ¡eso. ................................................................................................... 103
CAPÍTULO xw Verdades fatals para visóes preconcebldasnao prontamentereconhecidas.Proporgio das obras de arte para as contrafacóes. A perversio do gosto, e a inmpacidade de reconheoer a arte. Exemplos. ........................................................................ 113 CAPÍTULO xv A QUALIDADE DA ARTE (QUE DEPENDE DA SUA FORMA) CONSIDERADA-Á PARTE no SEU CONTEÚDO. o sinal da arte: poder de contágio. Arte lncompreensível para aquelas cujo gesto está pervertido. Condi<;ó&s para o contagio: a individualidade, a dareza e a sincen'dade do sentimento transmitido. ........ 119 CAPÍTULO xv1
Tendo reconheddo certas producóes como sendo obras de arte, uma vez que a exceléncia de sua forma permite consideré—las como sendo contagiosas, considera
AGORA A QUALIDADE nos SENTIMENTOS QUE FORMAM o CONTEÚDO DESSAS OBRAS. Melhor o sentimento, melhor a arte. A multidáo aculturada. A percepcáo religiosa da nossa era. Novos ¡deals colocam novas exigéncias na arte. A arte une. A arte religiosa, a arte universal. Ambas cooperam para um único resultado. A nova apreciacáo da arte. .Arte má. Exemplos. Beleza, embora esta
nio possa fornecer qualquer padráo da arte, tem o seu lugar legítimo na arte.
A Nona Sinfonia de Beethoven.
........................................................................123
CAPÍTULO xvn
Resultadosda auséncia da verdadeira arte. Resultados da perversáo da arte: trabalho e vidas gastos com o que é inútil e nocivo. A vida anormal dos ricos. A perplexidade das criangns e das pessoas simples. Confusáo do certo e errado. Nietzsche e Redbeard. Superstigáo, Patriotismo e Sensualidade. .........................................135 CAPÍTULO XVIII 0 objetivo da vida humana é a uniáo fraternal dos homens. A arte deve ser guiada
por esa percepgio. .............................................................................................143 CAPÍTULO xxx
A arte do futuro, mio como a possessáo de uma minoria seleta, mas como um meio
em diregio a perfeigáo e unidade. .....................................................................147
CAPÍTULO xx
A conexáo entre ciéncia e arte. As ciéncias mendazes; as ciéncias triviais. A ciéncia
deveria lidar com os grandes problemas da vida humana e servir de base para a 153 arte. ....................................................................................................................... APENDICE 1 ..........................................................................................................161 APENDICE ¡1
....................................................................................169
A Teoria Estética de Tolstói 0 que é a música? Que efeito produz?
que ama de tal modo?", interroga—se o personagem principal de Sonata aKreutzer(1889) para añrmar logo em seguida: “Dizem que a música eleva as almas… que estupidez e que mentira! A verdade é que ela excita, excita tenivelmente — falo por experiéncia própria —, náo de maneira a elevar ou rebalxar a alma, mas de maneira a exasperá—la. Como explicar—[he isto? A música obrlga-me a esquecer, a esquecer a minha verdadeira condigio, transporta—mea um estado de espirito que nao é o meu. Sob a influéncia da música tenho a impressáo de sentir o que na realidade nao sinto, de compre— ender o que náo compreendo, de poder o que náo posso. (...) A música transpor— ta—me, automaticamente, ao mesmo estado de alma em que se encontrava aquele que a compós. A minha alma confunde—se com a do compositor e, gragas a ele, modiñm-se o meu estado de espírito. Mas ignoro a musa dessa minha transformagáo. (…) Se, por exemplo, se toca uma marcha militar e os soldados desñlam ao seu ritmo, a música atingiu o seu lim. Se tomram uma música de dangn e eu dancei durante ese tempo, a música atingiu o seu ñm; se comunguei durante uma misa cantada, a música atingiu ainda o seu ñm; de outro modo nao pasa de uma superexcitagáo no meio da qual nio sabemos o que fazer..."1 Ao negar, de Pozdnychev, a supremacía do anista sobre o fruidor e ao de— fender uma visáo funcional da experiéncia estética, Tolstói antedpa, no romance do ñnal dos anos 80, um dos motivos centrais de 0 que é a arte?, escrito em 1897 ao longo de alguns meses. Adotando uma idéia de arte, que René Wellek consi— dera derivada de L'Estbétíque (1878), de Eugene Véron, Tolstói define a atividade artística como a transmissio de um sentimento pessoal, que contagia os outros homens e os leva a vivenciar o mesmo tipo de experiéncia. Embora as conclusóes a que Véron chega sejam bastante diferentes daquelas de Tolstói, é possível perceber pontos de tangéncia entre as duas teorias. Ambos acreditam que a arte repousa na emogio, que é de primária importáncia a sinceridade por parte do artista, que a empatía, no caso do teórico francés, e o contágio, no qaso do romancista russo, sáo a mola propulsora da experiéncia estéticaº. F. com base nessas idéias que Tolstói formula sua deñnigño de arte, comegnndo pela negativa para atingir ñnalmente uma visáo sintética. A arte nao e manifestado da idéia ou da beleza de Deus, como añrmam os partidários da metafísica; nao é um jogo, no qual o homem dispende um exceso de energía, como querem os seguidores da estética ñsiológim; nao é expressáo de emogóes, produqáo de objetos agradáveis, ou prazer. Longe de tudo ¡so, a arte é uma forma de uniáo entre os homens, através de sentimentos partilhados, sendo indispensável a vida e ao progresso em diregáo ao bem do individuo e da humanidade. A idéia da arte como sentimento nao ¿ exclusiva de Tolstói ou Véron. An“…
E por
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leon ToLrtóí
tecedentes imediatos podem ser encontrados no pensamento estético do século XVIII, sobretudo no abade Dubos e em Diderot, que partem da sensibilidade, do gesto e da imaginacáo para julgar uma obra de arte. Um outro pensador do século XVIII, Rousseau, parece estar igualmente presente nas formula;óes do escritor. Em busca de um sentimento natural, Rousseau ataca sem meias medidas tudo o que considerava artificial na arte e no gosto da Frangn pré-revolucionária,fustiga o que lhe parecia corrupto e defende aquelas expressóes artísticas que exerciam uma influéncia benéfica sobre o público. Atribui a literatura a capacidade de estabelecer um elo entre os homens e confere superioridade a música italiana pelo fato de ser expressño direta das paixóes simples do povo, bem diferente do intelectualismo dos equivalentes franceses. Se essas consideragóes nos remetem a Sonata ¿: Kreutzer, elas sao igualmente centrais em Oquee' a arte?, no qual Tolstói combatetoda forma de intelectualismo em prol de uma recepgáo emotiva. Para ele, a arte se diferencia das demais atividades intelectuais por náo requerer conhecimentos prévios, por agir sobre os homens a revelia de sua bagagem cultural. E por isso que localiza sua funcio essencial na capacidade de “fazer sentir e compreender aquilo que, sob a forma de raciocinio, permanecería inacessível a maioria. Quem recebe uma verdadeira impressáo artística imagina já ter conhecimento de quanto a arte lhe revela, mesmo sendo incapaz de o expressar”. Para que ¡so se concretize, é necessário que o artista seja capaz de comunicar—se com o público, de fundir—se com seus apreciadores, a partir de trés requi— sitos: singularidade dos sentimentos expressos; clareza de expressáo; sinceridade da emocáo transmitida. 8510 estas condicóes que determinam o contágio artístico, que permitem diferenciar a arte verdadeira da contrafagáo: “… Se um homem, sem nenhum esforco de sua parte, perante a obra de outro homem, experimenta uma emogáo que o une Aquele e a outros, que contemporaneamente receben'am a mesma impressio, isso significa que a obra, diante da qual se encontra, é obra de arte. E uma obra pode ser tao bela quanto se queira; poética, rim em efeltos e interessante, mas nao será obra de arte se nao despertar em nós aquela emocáo muito particular, a alegria de nos sentirmos em comunháo de arte, com o autor e com outros homens, em companhia dos quais nós lemos, contemplamos ou ouvimos a obra em questio." Das trés condigóes estabelecidas por Tolstói, a mais complexa parece ser a primeira: a singularidade poderia entrar em choque com a universalidade da recepcáo por ele defendida, evidenciando a permanéncia de elementos románticos em seu pensamento. Alguns anos antes (1894), no prefácio que escreve para a edicáo russa de Maupassant, Tolstói expressara um pensamento quase semelhan— te. Afora o talento, trés eram os requisitos essenciais para a existéncia de uma verdadeira obra de arte: uma rela<;áo correta, ou seja, moral, do autor com seu assunto; clareza de expressáo ou beleza da forma; sinceridade, ¡sto é, “um sentimento sincero de amor ou ódio por aquilo que o artista representa”. Apesar de falar em singularidade, Tolstói postula uma arte compreensivel por
OqueéaArte?
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todos, demonstrando ser um crítico feroz daquela linguagem para iniciados, que mracterizava as expressóes ñnisseculares, sobretudo francesas. Opositor da doutrina da arte pela arte e do demdentismo, tem em Baudelaire, Verlaine e Mallarmé alguns de seus alvos preferenciais. Baudelaire é um exemplo negativo por seus poemas incompreensíveis, eivados de sentimentos baixos e doentios. A visáo de mundo de Verlaine é devassa e permeada por uma grosseira idolatría católica, que náo consegue masmrar sua profunda impoténcia moral. Mallarmé, por sua vez, é autor de poesias sem significado, obscuras e ininteligíveis. A mesma visáo negativa é aplicada por Tolstói as demais expressóes artístims modernas: na pintura fustiga impressionistas, simbolistas e artistas como Bócklin, Stuck e Klinger; no teatro nao poupa Ibsen, Maeterlinck e Hauptmann; na música detecta a rendigáo ao mercado em compositorescomo Liszt, Wagner, Berlioz, Brahms e Strauss; na literatura combate Huysmans, Kipling e Villiers de L'Isle-Adam. A crítica geral contra a arte moderna tinge-se de sarcasmo quando o alvo é Wagner, a quem Tolstói dedica um capítulo inteiro e um apéndice, no qual transforma em narrativa absurda a saga dos nibelungos. O furor de Tolstói contra o músico nao é casual: nao concorda com sua idéia de que, na ópera, letra e música tém a mesma importáncia, pois acredita no principio da especiñcidade das lingua— gens e nao admite subordinacóes ou contaminacóes. Tendo em mente o precelto da singularidade, o escritor náo teme clasificar a ópera de Wagner na categoria da contrafacáo, detectando nela a preseng de todos os elementos que integram a falsiñcacáo artística: empréstimo, imitacáo, efeito dramático e interesse. Nada é poupado na tetralogia do compositor alemáo. Tolstói ataca com pertinácia o en— redo e seus personagens, a concepgño cenográñm, os ñgurinos, a composicio musical com suas harmonias inusitadas e suas imitacóes de sons naturais, as relacóes entre música e texto. Os efeitos maléñcos da ópera de Wagner, comparados a embriaguez e ao ópio, sio resumidos num parágrafo esclarecedor da diferenca que Tolstói estabe— lece entre o bom e o mau contágio: “… Fique, durante quatro dias seguidos, mergulhado na obscuridade, em companhia de pessoas que se acham num estado mental anormal e, pelo veículo de seus nervos acústicos, submeta o seu cérebro a potente acáo dos sons produzidos propositalmente para os excitar; deverá, por forea, encontrar—se em condicóes anormais, de tal modo que os piores absurdos lhe dario prazer. (…) Que digo eu? Uma hora é suficiente para que as pessoas que nao tém nenhuma idéia clara daquilo que deveria ser a arte, e que antedpadamente decidiram que tudo quanto veráo será excelente, e que sabem que a exibigño de indiferen9a ou descontentamento diante de tal ópera lhes será assame como prova de inferioridade e esmssa cultura." Pelo ataque que Tolstói desfecha contra a arte moderna, é possível vislum brar que as qualidades que ele condena sao justamente as que fundamentam a concepdo moderna de arte. Em sua defesa da interpretacáo literal, do elo comunicativo, do conteúdo edificante, coloca em xeque a sugestáo, o poder evocador
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Leon Tolstói
da palavra, do som ou da linha, todo e qualquer artificio lingfrístico, e a autonomia da arte em rela$o a realidade exterior. A arte moderna nao é atacada apenas em termos estruturais. E também alvo de uma crítica de mráter moral, pela qual escritores como Remy de Gourmont e Pierre Louys se convertem em “maníacos sexuais". Se o desejo sexual é a nota dominante da arte moderna, a ele devem ser associados dois outros sentimentos igualmente deploráveis: a vaidade e o mnsaco da vida, que denotam o fechamento de horizontes de uma clase social, esquecida de outras significacóes e de outras possibilidades temáticas como a religiáo e o trabalho. Se é possível inventar a hipótese de que Tolstói conhecia provavelmente as teorias de Max Nordau sobre a degeneracáo da cultura moderna e seus efeitos sobre o público, nao se pode deixar de sublinhar que a crítica do escritor contra a “arte má" nao se limita ao século XD(. Acreditando na arte como expressáo coletiva da sociedade, Tolstói lomliza o momento inicial da demdéncia do principio artístico, no Renascimento,quando o culto da beleza assume o lugar que até entáo mbia a religiáo. Divorciada do povo, expressáo exclusiva das classes superiores, a arte toma—se mero prazer, propiciando o surgimento da estética e de uma falsa visáo da atividade artística e de suas fungóes. As consideracóes éticas tomam—se, nesse ponto, consideragóes sociais: Tolstói atribui a estrutura vigente na sociedade a possibilidade de existén— cia de uma arte dirigida exclusivamente a elite. A arte refinada das elites repousa na escravidáo das massas populares; é um luxo, fruto de uma injustica que despoja o povo de recursos para manter teatros, conservatórios e academias, aos quais náo terá acesso; é uma atividade especializada, que precisa da colaboracáo de proñs— sionais que nao fazem jus ao reconhecimento público: Frgurinistas, mbeleireiros, maquiladores, costureiras e alfaiates e assim por diante. Para compreender o alcance dessas consideracóes sobre a injustica gerada pela existéncia da arte, é necessário levar em conta a crise moral que assola Tolstói em plena maturidade e que o leva a reverseu modo de vida anterior. Movido pela procura do “sentido da vida”, busca na fé o que nao conseguira encontrar na filosofia. A leitura do Evangelho afasta-o da religiáo organizada em cultos e ritos e revela—lhe sua missáo: pregar o cristianismo “como nova concepgáo da vida e náo como doutrina mística”. A partir desse momento, toma—se um severo censor da Igreja e do Estado, mas nao limita sua acáo a simples pregaqáo. Uma viagem a Moscou, em 1881, coloca—o em contato com a realidade da civilizacáo industrial e lhe faz perceber uma nova luz a questáo social. A primeira reacio de cnráter beneñcente é aprofundada com uma reflexao eivada de consideragóes religiosas: chega a conclusáo de que “a verdadeira musa da miséria dos pobres é a nossa riqueza”. Passa entáo a pregar uma revolu&o moral, baseada no amor, na fé, na fratemidade e na vida em Cristo. Aos ricos caberia um papel fundamental nessa revolugño: deveriam despojar—se voluntariamente de seus privilégios a ñm de suprimir as barreiras existentes entre as classes e criar uma sociedade mais justa“. E nesse contexto de renúncia espontánea que se situam as reflexóes de 0
que ¿a arte?, no qual Tolstói, nio raro, desvaloriza o legado da cultura ocidental, no afá de postular uma expressio acessível a todos e nao apenas ás camadas cultas da sociedade. Transformando em coletiva uma indagacáo que, a principio, fora individual, Tolstói estabelece um programa de vida para seus contemporáneos e, em nome desse programa, recusa boa parte da producáo intelectual e artística dos últimos séculos por nao responder a seu ideal de comunicacáo e comunháo entre 05 homens. Dese modo, coloca em xeque as contribuiqóesde artistas como Rafael, Leonardo (autor do “absurdo _]uízo Uníwrsaf), Michelangelo, Goethe, Dante, Milton, Shakespeare, Beethoven (última fase), enquanto exalta aqueles que criaram uma arte religiosa, enraizada no amor a Deus e ao próximo: Schiller, Hugo, Dickens, Dostoiévski, George Elliot, Harriet Beecher Stowe, Lepage, Breton, Lhermitte, Millet. Se os primeiros sáo frutos da crítica, de uma instituicáo própria do momento de injustica da arte, os últimos, ao contrário, encarnam o verdadeiro ideal da contemporaneidade: a expressáo de sentimentos que fomentam a uniáo e a fraternidade entre todos os homens. A crítica de arte, que Tolstói considera inútil, uma vez que a arte é um proceso de comunicacáo entre o artista e o público, nao é o único elemento que determina uma visáo falsa do fato artístico. Tolstói é igualmente severo em relacáo ¿ proñssionalizacáo do artista, a exagerada remuneracáo que ele recebe por suas obras e as escolas de arte. A proñssionalizacáo do artista, conseqiiéncia da visáo laica da arte e de sua transformacio em prazer, enfraqueceu, quando nao destruiu, a maior qualidade do criador: a sinceridade. Quanto as escolas de arte, elas nada podem ensinar, uma vez que a esséncia do ato criador é a manifestacáo de um sentimento gracas a meios próprios e particulares. 0 que as escolas fazem é ensinar a pintar a partir dos modelos do passado, bem longe daquele contágio emocional, singular e universal ao mesmo tempo, que é a esséncia da manifestacáo artística. Esse diagnóstico amargo fora aplicado por Tolstói a própn'a obra, como demonstra Conjissáo (1882), livro no qual se reflete com maior intensidade a sua crise espiritual: “A arte, a poesia? Durante muito tempo, influenciado pelo sucesso, pelo elogio das pessoas, estava persuadido de que essa era a atividade que eu devia desenvolver, sem considerar que depois chega a morte, que aniquila tudo: minhas obras e a lembrang delas. Mas enfrm tinha percebido que também a arte e um engano. Tomou-se claro para mim que a arte é um ornamento da vida, um atrativo da vida. (...) Cada aspecto da vida, refletindo-se na poesia e nas artes, tinha me proporcionado alegria. Alegrava-me observar a vida no espelho da arte; mas, quando comecei a procurar o sentido da vida, ese espelho tomou-se inútil, supérfluo e grotesco, ou até mesmo torturante. Era impossível encontrar conforto no que via nele: porque via apenas que minha situacáo era estúpida e sem esperanca. Tinh_a sido fácil sentir—me contente quando no mais fundo da minha alma acreditava que a minha vida tinha um sentido. (…) Mas quando reconheci que a vida é absurda e pavorosa, o jogo no espelho nao conseguiu mais me divertir..."s
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Leon Tolstóí
Essa constatado amarga é temperada em Oqueéa arte? pela terapéutica que Tolstói propóe, ao vislumbrar a possibilidade de uma nova sociedade, guiada por seus ideais. Na sociedade por vir, a arte deixar—á de ser uma meretriz, um meio para corromper e tornar vulgares os homens, e voltará a exercer sua funcio originária: ser um meio para fazer progredir a humanidade rumo a uniáo e ao bem. Nesse
sentido, a arte do futuro deixará de expressar os sentimentos exclusivos de uma certa classe (vaidade, melancolia, saciedade, quúria) para tornar—se a manifestagño dos sentimentos vividos pelo homem no dia—a-dia e enraizados na consciéncia religiosa contemporánea. Tolstói propóe um desafio instigante ao artista: compreender “que produzir uma fábula, uma cando, desde que comoventes, ou produzir uma farsa, desde que divertida, desenhar uma ñgura que alegre rnilhares de criancas e adultos, é coisa muito mais fecunda e importante que produzir um romance, uma sinfonía ou um quadro, que divertiráo apenas por algum tempo, um escaso número de ricos, para em seguida mergulharem para sempre no esquecimento. Ora, o tenitório desta arte dos sentimentos simples, acessível a todos, é ¡menso e pode—se dizer que jamais foi penetrado". Para que isso ocona será necessário redefinir o papel do artista. Ele nao será mais um profrssional nem receberá qualquer tipo de remunerado por sua atividade. A arte do futuro será produzida por qualquer homem que queira dedicar— se a ela, quando sentir a necessidade da criagao. A divisao do trabalho, necessária nos ramos produtivos, nao pode ser aplicada a arte, pois ela é comunicaan de um sentimento e nio uma proñssáo. Somentelutando com a natureza, somente vivendo a vida do homem comum, o artista ter—á condicóes de experimentar sentimentos compartilhados e de comunid-Ios a seus semelhantes. Fazendo Bnalmente da arte uma expressáo da consciéncia religiosa, Tolstói confere-lhe um papel fundamental na sociedade do futuro: “… com o auxílio da ciéncia e dirigida pela religiáo, deve trabalhar para que a uniáo pacífrca dos homens, que hoje nio obtemos senáo por meios exteriores, tribunais, polícia, inspecóes etc., possa efetuar—se por meio do livre e jubiloso consenso de todos. E a arte deve suprimir no mundo o reino da violéncia e da coercáo. Eis uma tarefa que só a arte pode cumprir. Só a arte pode conseguir que sentimentos de amor e fraternidade, hoje aces— síveis somente aos melhores de nossa sociedade, venham a ser sentimentos cons— tantes, universais, instintivos em todos os homens. Estimulando, com o auxilio de cn'agóes imaginárias, sentimentos de fraternidade e amor, podem—se habituar os homens a experimentá—los na realidade. Podem—se assentar tn'lhos na alma humana sobre os quais daí em diante pase a vida, sob a diregáo da ciéncia e da religiáo. E, uma vez unidos os mais diversos homens em comunidade de sentimentos, suprimidas as distincóes entre eles, a arte universal pode ser o preparo para uma uniáo definitiva. Poderá demonstrar aos homens, nao por meio do raciocinio mas por meio da própria vida, a alegria da uniáo universal ultrapassando as barreiras impostas pela vida.”
OqueéaArte?
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Alguns dos motivos centrais de 0 queé a arte? já haviam sido desenvolvidos no ensaio “Sobre a arte", que deveria ter sido publicado na revista Opensamento msso, em 1889. Insatisfeito com os resultados obtidos, Tolstói acabou por nao publicá-lo, mas ele nao deixa de ter interessepara quem queira seguir a génese de suas idéias. Interessado em chegar a uma definido ética da arte, em distinguir a atividade criadora do mero entretenimento, do lazer e do ensino, Tolstói estabelece trés
requisitos, bastante próximos daqueles do ensaio de 1897. Segundo ele, uma obra de arte é composta de trés elementos: uma idéia nova que tenha importáncia para a humanidade; a expressáo clara do conteúdo para que posa ser compreendido por todos; a existénda no artista de um impulso criador brotado de uma neces— sidade interior e nao de uma causa exterior. Aprofundando seus conceitos, nos quais já se insinua a idéia do contágio, o autor afirma: “Uma obra de arte perfeita será aquela na qual o conteúdo e importante e significativo para todos os homens e, portanto, moral. A expressáo será inteira— mente clara, inteligível para todos e, portanto, beta; a relagáo do autor com sua obra será inteiramente sincera e sentida e, portanto, verdadeira. (…) Náo haverá obra de arte quando o conteúdo for completamente insignificante e desnecessán'o ao homem, ou quando a expressio for completamente ininteligível, ou quando a relagáo do autor com a obra for completamente insincera..."º A critim contra a arte moderna, que a Tolstói se añgura como um dos grandes males do momento presente, reponta destas considera96es, nas quais o papel do artista está claramente definido: revelar uma nova concepcio de vida presente em sua alma a lim de iluminar o mminho da humanidade. O papel de profeta e de precursor que Tolstói confere ao artista nesse momento será negado nas páginas ñnais de Oque ¿ a arte?, informadas, ao contrário, pela negagáo da atividade artística como algo distinto da vida cotidiana. Nos dois casos, contudo, e nos varios juizos que Tolstói emite sobre diversos escritores contemporáneos e do pasado, antes e depois de O que é a arte?, é possível distinguir um leitmotív em sua abordagem do fenómeno artístico. Angustiado com o divórcio entre a arte e as massas, que se chocava com suas concep96es religiosas e éticas daquela, Tolstói parece encontrar uma única daquela solucio: rechagnr as experimentacóes moder— nas, formalistas e personalistas, e propugnar contra a autonomia, tao cara ao ñnal do século XIX, a total submissáo da produgáo artística a esfera da moral coletiva. Em nome do bom contágio e de uma ooncepdo de vida náo conspurmda por sentimentos baixos, Tolstói absolve ou condena obras e artistas, transforma—se num juiz implacável (até mesmo de sua próprla producio), deixando de lado tudo o que lhe parece acessório e secundário na arte. Ou seja, a concepcáo da obra como conjunto de signos auto-referentes, a mpacidade de invencio e de transfor— mado, reclamada pelo artista, liberto de vínculos sociais coercitivos, o caráter alusivo e sugestivo da criado nio mais atrelada ao compromisso mimético. Se Tolstói é contrário ao criterio de verossimilhangn para julgar uma obra de arte, é impossivel nio perceber, porém, que a questio do “real verdadeiro" permeia seus
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Tolstóí Leon Tolstóí Leon
estéticos. O esm'tor critica o mau realismo de Balzac, escritos estéticos. escritos Balzac, Zola, Zola, Flaubert, Bourget, mas preza o bom realismo de, por exemplo, exemplo, Une vie, de Maupassant, pensando em Maupassant, pensando termos estritamente éticos: “… Aqui o significado da vida nio se apresenta mais ao autor nos ao autor nos termos das de vários vários libertinos, homens e mulheres; aqui o asunto, como o aventuras de como o título de uma mulher arruinada, inocente, vida de arruinada, inocente, afável, predisposta india, é a vida — a vida bem, mas arruinada precisamente por aquela mesma aquela mesma grosseira sensualidade ao bem, ao animal, que, nos contos anteriores, o autor apresentava como a característica central nos contos está do lado da vida, dominando todo o resto. E nesse livro a simpatia do autor está do
do bem.” Paradoxalmente, a sinceridade, que é um dos critérios fundamentais para Tolstói, é negada na Rússia pela revista Voprosy a seu escrito, quando é publicado negada a publicado na pela censura czarista, O fílosojíí ¡' psícbologií (1897-1898). Corrigido e deturpado pela censura sua versáo original na Inglaterra gragas ¿ tradqu em sua divulgado em que é ¿: arte? é divulgado de Aylmer Maude, aprovada náo tem tem melhor Maude, aprovada pelo pelo própn'o Tolstói. O que é a arte? náo sorte nas sorte em 1898, a exemplo da traducáo edicóes francesa e italiana, publicadas publicadas em nas edicóes de Wizewa manipula o texto Maude. Théodore de Maude. de Théodore de texto e e o o reduz a metade, e o mesmo acontece com acontece com a versáo italiana, que retoma a francesa e vem acompanhada de um ensaio de Panzacchi, no um paralelo qual é tragado um no qual paralelo entre Tolstói e Manzoni. nas versóes “revistas" e expurgadas, o texto na versáo originária, quer nas Quer na Quer só por suas de Tolstói provoca um náo só suas grande debate entre artistas e intelectuais, náo um grande idéias polémicas, que vinham se chocar com com as novas propostas estéticas, mas sendo feita a propósito da arte: também por fazer uma pergunta que continua continua sendo determinar sua sua fungáo, sua relagáo com a sociedade. Tolstói formulou sua resposta de mundo mundo pessoal, diswtível sem dúvida, congenial a seus objetivos e a sua visáo de uma solucio para um um problema problema ainda hoje mas é inegável que tentou encontrar uma solucio insolúvel: a relacio entre a obra e o público para além de injuncóes tao somente relacio entre comerciais e da satisfacáo de um gozo distraído e superficial. Annateresa Fabris
Notas 1. L. Tolstói, Sonata :: Kradzcn Lisboa, Portugália, Lisboa, Portugália, 1966, p.116—117. 2. R. Wellek, Hr'stón'a da crítica moderna. Sio v.4, p.267—268. crítica moderna. Herder/EDUSP, 1972, 1972, v.4, Sio Paulo. Herder/EDUSP, 3. Tolstói, What is art and other essay: on an. London, Oxford University Press, s.d., p.21. 4. S. Zweig, “Pensador religioso religioso e social", in: Opensamenlo vivo de Tolstór'. Sio Paulo, Martins/EDUSP,
1976, p.ll—27. 5. Apud: F. Frassati, “Nota introdutiva', in: Tolstói, Cbe cosa ¡['Me Milano, Feltrinelli, 1978, p.5-6. 1978, p.5-6. Wellek (cit., p.273) lembra que Tolstói só salva em sua producio o conto “Deus vé a verdade mas espera" e H1'síoneiro do Cáucaso. 6. Tolstói, What ¡: art and other essay: on on an, an, cit., p.56. 7. Ibid., p.25.
Prefácio ¿ edicáo inglesa de 1898 Esta obra, 0 que é a Arte?, aparece hoje hoje pela pela primeira vez, na sua forma verdadeira. Ela teve inúmeras edicóes na Rússia, mas cada vez sob forma táo mutilada censura que eu peco a todos aqueles que se interessam pelas pelas nossas nossas idéias pela censura pela
sobre arte que as as julguem julguem unicamente depois de conhecé—las como se apresentam como se aqui. Eis por que que o livro foi publicado sob uma forma mutilada com minha assinatura. Conforme a decisáo que havia tomado, desde há muito tempo, de nio submeter meus escritos ¿ censura, que eu tenho como uma instituicáo como uma instituicáo ¡moral e texto original, eu tinha a intengño ¡nacional, e ¡nacional, e de nao os publicar, a nao ser no seu no seu texto fazer imprimir este livro unicamente no exterior, mas um bom amigo, de fazer de profes amigo, o o profes tema de Grot, diretor da Revista dePsicologia de Moscou, tendo apreco pelo pelo tema sor Grot, trabalho, pediu-me sua revista. Ele me prome— pediu-me para deixar publicar publicar a obra na na sua meu trabalho, teu fazer a censura aceitar o artigo em sua sua integridade, integridade,se se eu desse somente minha modiñmgóes de todo insignificantes, adocicando cenas algumas modiñmgóes permissáo para algumas e o resultado foi o aparecimento de expressóes. Tive a fraqueza de o consentir e mim de de onde assinada por mim onde nao obra assinada nao somente cenas idéias importantes tinham uma obra onde tinham sido tinham sido introduzidas idéias de outras pessoas, sido descartadas, mas onde estranh'as e e mesmo mesmo inteiramente contrán'as as minhas conviccóes. Bis como se passou. Grot comeca adocicar minhas expressóes, que ele comeca por por adocicar as vezes atenuou: por exemplo, as palavras palavras “sempre” por “ás vezes", exemplo, ele substituiu as “todos" por “alguns", “Igreja” por religiáo religiáo “católica romana", “Virgem Santa” por “madona”, “patriotismo" por “pseudopatriotismo”, “habitado” etc., “pseudopatriotismo”, “palácio” por “habitado” e eu nao julgava necessário protestar. Assim que a obra foi inteiramente impressa, a censura lugar censura exigiu no lugar exigiu a substituicño ou a supressáo de proposi<;óes inteiras e, no da “nocividade da propriedade fundiária", colocou: “nocividade dizia da em que eu dizia do proletariado privado da terra". Eu aceitei, bem como algumas outras algumas outras modiña proletariado privado tudo enmlhar por uma expressáo. Mas, uma cóes. Nao valia a pena, pensava, fazer tudo por uma modiñmcáo, náo valla a pena reclamar contra contra uma seg uma modiñmcáo, segund unda, a, depois vez aceita uma depois obra, expressóes contra uma terceira. Assim, introduziram-se pouco a pouco, na na obra, eu nunca nunca quisera dizer. que modificaram o sentido e me atribuíram coisas que eu livro saiu saiu da gráfica, ele tinha perdido Também quando o livro uma ma parte de sua inte perdido u consolar, dizendo—me que, mesmo me consolar, eu podia e de sua sinceridade. Mas eu podia me gridade e gridade livro seria útil aos leitores naquele estado, ele continha alguma coisa de bom, o livro seria ele o f foi oi de outra Mas ele russos, a quem, do contrario, ele permaneceria inacessível. Mas maneira. Nous comptíonssans notre b6te. Após o lapso de quatro dias Frxado pelu ordem vinda dv eclesiástico, por ordem vinda lei, o livro foi apreendido e remetido ao censor eclesiástico, Sáo Petersburgo. Aqui Grot renunciou a toda participacáo no caso, e a censura participacáo no eclesiástica fez com a obra tudo aquilo que queria. A censura da Igreja é uma t|un instituicóes mais ignorantes, venais, estúpidas e despóticas que há na Rússla. .“w
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lhe mem as mios livros em desacordo, sobre um ponto qualquer, a religiáo qualquer, com com a reconhecida na Rússia como religiáo do Estado, año todos, quase quase sempre, sempre, verdadeiramente interditados deiramente de todas interditados e queimados, todas as minhas minhas obras obras queimados, como como foi o caso de Rússia. Esta Esta obra ten'a tido provavelmente religiosas quando tentei imprimi-las na Rússia. sorte se se os a mesma sorte os redatones da revista nio tivessem recorrido a todos os meios eclesiástico,um censor eclesiástico, um padre padre o censor para salvá—la. 0 resultado dessas diligéndas foi que o eu pelos pelos oficios que provavelmente entende e se interesan pela arte tanto quanto eu tudo o que pudesse religiosos, mas que recebia um bom salário para destruir tudo seus superiores, riscou do livro tudo o que lhe pareceu perigoso para desagradar seus exem— pelas suas. suas. Por exem— sua posiqño e substituiu, onde ele julgou útil, minhas idéias pelas plo, para endireitar onde eu falo de Cristo subindo na cruz pela verdade que ele riscou o trecho e colocou “pelo género humano”, atribuindo professava, o censor riscou me, assim, a añrmagáo do dogma da redengáo, que eu considero como um dos de todo todo gédogmas mais falsos e mais nocivos da Igreja. Tendo feito cor—recóes de eclesiástico autorizou a publicngáo da da obra. obra. nero, 0 censor eclesiástico Protestar é impossível na Rússia: nenhum jornal jornal publicaría. publicaría. Retirar meu meu artigo incómoda frente a frente da revista e pór, dessa forma, o diretor numa numa situagáo incómoda frente com o público náo era mais possível. As coisas ñmram assim. O livro apareceu; ele estava minado com meu meu nome nome e continha as idéias apresentadas como minhas, mas sem que me pertencessem. Eu tinha tinha dado dado meu artigo a uma revista russa, para que os leitores russos, conhecimento de minhas minhas idéias idéias que persuadido, pudessem ter conhecimento de como haviam-me persuadido, pudessem dee úteis e, no lim das contas, coloquei meu obra d lhes poderiam coloquei meu nome numa obra ser úteis nome numa poderiam ser arbitraria rariamente menteañrmo añrmo coisas contrán'as a opináo onde se se pode pode deduzir que eu arbit minhas razóes: para mim, somente o pseudopatriotismo é ruim, geral, sem aduzir minhas mas o patriotismo em geral é um sentimento excelente; que eu rejeito somente os absurdos da Igreja Católica Romana, que eu nio creio na madona, mas sim na na madona, oriental e na Virgem Santa, que todos os escritos dos Judeus reunidos ortodoxia oriental ortodoxia mim livros sagrados, e que eu vejo a significacáo da vida de sagrados, e na Bíblia sio para mim Cristo principalmente redengño do género humano pela sua morte. na redengño principalmente na Se en trago essa história com t tantos antos detal detalhes, hes, é porque ela é uma ilustragño verdade incontestável de que todo compromisso com uma instituigño da verdade chocante da chocante bem do bem que a sua consciéncia nio aprova, compromisso feito geralmente em vista do inevitavelmente, bem ao contrário de concorrer para anasta-o inevitavelmente, geral, anasta-o para o bem, náo a legitimidade da instituiqño q somente a reconhecer a que ue vocé reprova, mas também do mal que ela faz. a participar do feliz de poder corrigir, Sou feliz Sou esta declaracáo, o erro ao menos por esta ao qual meu ao menos qual meu corrigir, ao compromisso me conduziu. Eu tenho que mencionar que, partes excluidas pelo que, além de reintroduzir partes nas edi<;óes russas, outras conecóes e adicóes de importancia for—am feitas censor nas nesta edigño. 29 de mamo de 1898 Tolstói Leon Tolstói Leon
CAPÍTULO | Tempo e trabalho gasto com a arte. Vidas podadas em seu servico. Moralldade sacrificada pela arte. Descrlcao do ensalo de uma ópera. Lancem mio de um jornal qualquer; acharáo sem falta uma parte dedicada ao teatro e a música. Na maior parte das vezes encontraráo também resenhas de uma exposicio de arte ou a descrigáo de um quadro, ou ainda, por acréscimo, a análise de romances, contos e versos recém-publicados. 0 jornal, com zelo admirável e abundancia de pormenores, explicará aos leitores de que modo esta ou aquela atriz desempenhara seu papel numa deter— minada produgáo, podendo, assim, os leitores avaliar instantaneamente o valor do trabalho, seja drama, comédia ou ópera, bem como a importáncia de sua execu(áo. Serio devidamente informados, de igual modo, sobre concertos. Saberáo quais os trechos tocados ou cantados por certos artistas e de que modo o foram. Por outro lado, em todas as grandes cidades, terio a certeza de encontrar, senio duas ou trés, pelo menos uma exposicio de quadros que, pelos seus méritos e pelos seus defeitos, oferecem aos críticos de arte argumentos para numerosos estudos. Quanto aos romances e a poesia, nao passa um dia sem que aparecam em volumes ou revistas, e os jornais acreditam que é seu dever apresentar aos leitores uma
análise minuciosa deles. Na Rússia, onde, para a educado do povo, para dizer muito, gasta—se a centésima parte do que se deveria, o govemo ampara a arte despendendomilhóes de rublos sob a forma de subvencóes aos teatros e academias e aos conservatórios. Na Frang, a arte custa ao Estado 20 milhóes de liras e outros tantos custará a Alemanha e a outros lugares. Em todas as grandes cidades surgem edificios colosmis destinados aos museus, as academias, aos conservatón'os, as salas de teatro e concerto e escolas dramáticas. Milhares e milhares de operarios — mrpinteiros, pedreiros, pintores, marceneiros, tapeceiros, alfaiates, mbeleireiros, joalheiros, impressores — gastam toda sua vida em trabalhos enfadonhos, a lim de satisfazer um público sedento de arte, tanto assim que se pode dizer que, exceto o das armas, nenhum outro ramo da atividade humana absorve um contingente tao grande de energia. Abstraia-se, porém, o trabalho consumado com o propósito de satisfazer tais exigéncias artísticas. O pior sáo as vidas humanas a ele diariamente sacrificadas como na guerra. Contamse em centenas de milhares as pessoas que, desde a infáncia, só o que fazem é aprender a espemear com agilidade (dangrinos), a tocar com rapidez as teclas de um piano ou as cordas de um violino (músicos), a reproduzir com o pincel o aspecto e as cores do mundo sensível (pintores), ou ainda a estropiar a ordem
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natural das frases, emparelhando palavras em rima. E toda essa gente, embora com freqúéncia honesta, de bom engenho e naturalmente apta a milhares de ocupacóes úteis, vai embrutecendo na angústia desta sua extravagante e especial ocu pacáo. Tomam-se, conforme se costuma dizer, especialistas, ou melhor, criaturas de mente estreita, cheias de vaidade e ignorantes de toda uma sén'e de manifestacóes da vida e mpazes unicamente de mover as pernas, os dedos e a lingua com grande rapidez. Mas a pior conseqtiéncia nao é esse atroñamento da vida humana. Recordo— me de haver um dia assistido ao ensaio de uma obra musical. Era uma daquelas óperas novas, e vulgares, preparadas em todos os teatros da América e da Europa. Cheguei ao teatro quando o primeiro ato tinha apenas se iniciado. Para almngnr meu lugar, precisei passar por trás do palco. Por certos corredores sombríos introduziram-me, primeiro num vio espacoso, onde se achavam as máquinas destinadas as mudancas de cenário e ¿ iluminacáo. Mais adiante, no escuro, envoltos na poeira, percebi operários a trabalhar sem pausa. Um deles, pálido, asselvajado, enrolado em sujo gabáo e tendo as mios alejadas e sujas pelo tra balho, evidentemente um infeliz alquebrado pela exaustáo, resmungava amargurado e, ao passar por mim, repreendia com raiva um dos companheiros. Dai a pouco, por uma pequena escada, ñzeram—me subir ao estrito espaco que contor— nava os bastidores. Através de um emaranhamento de cordas, axgolas e panos de boca de lona pintada, vi formigarem em volta de mim dezenas, talvez centenas, de homens pintados e maquiados, trazendo roupagens bizarras, sem contar as mulheres, naturalmente vestidas o menos possível. Essa multidáo era os cantores, coristas, bailarinos e bailarinas, a espera da chamada. Finalmente, minha guia fez— me atravessar o palco e chegar ao lugar que me fora reservado, tendo passado sobre uma ponte de tábuas atravessada sobre a orquestra, na qual observei uma ñleira de músicos sentados junto aos seus instrumentos;eram os violonistas, flau— tistas, harplstas e cravistas e toda so¡te de músicos que se conhece. Sobre um palanque situado junto a eles entre duas lámpadas com relletores sentava-se o regente da orquestra, com um atril ¡ frente, de batuta em punho, dirigindo nao apenas os músicos mas igualmente os cantores que estavam em cena. Aí, precisamente,vi um cortejo de indianos que vinha acompanhando a noiva. Ao lado de homens e mulheres vestidosde formas típicas, notei duas pessoas com roupas comuns que com'am e grimpavam de um extremo a outro do palco. Um deles era o diretor da pane dramática, vale dizer, o dinetor de cena; e o outro, aquele que trazia sapatilhas de danca, voando daqui para ali com maravilhosa presteza, era o diretor de danca. Soube mais tarde que ele ganhava mais em um més do que os operárlos num ano. Esses trés dinetores se empenhavam para pór em ordem o coro, a orquestra e o desfile, o qual, segundo o costume, se realizava de dois em dois. Uma quantidade de pessoas mrregava ás costas alabardas cobertas de lata, dando giros pelo palco, para depois parar novamente. E era trabalhoso pór ordem na procissáo. Da primeira vez. indianosalabardeiros moveram—se com at:aso, da segunda, com pressa
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excessiva, e só da terceira, saíram no momento justo, mas confundir—am as ñleiras no mminho; de outra vez nao souberam parar no momento prefrxado; e em cada um dos casos repetía—se desde 0 inicio toda a cerim6nia. O principio era constituído de um recitativo em que um personagem camuflado de turco esmnmrava singularmente a boca e cantava “Acompanho a no-o—ivai". Assim mntava ele e gesticulava com os bracos, naturalmente nus. Depois disto animou—se o desfile, mas eis uma corneta da orquestra a desañnar uma nota e o regente da orquestra, a tremer como se uma catástrofe tivesse ocon1do, manelou o atril com a batuta. Todas as coisas pararam novamente e o regente voltou-se para os músicos, apanhou o cometeiro e o repreendeu pela nota desañnada, fazendo-o com certa baixeza, tal como só usam em suas alter—acóes os cocheiros. E tudo retomou ao comeco: aos indianos com suas alabardas, que novamente se puseram em movimento, ao cantor, que tornou a abrir a boca para benar “Acompanhoa no—o-ival". Mas desta vez os pares prosseguiam juntos demais. Outros golpes de batuta no atn'l, outra repetido de cena. Avan<;am os heróis com suas alabardas, alguns com o rosto triste e sério, outros a sorrir e tagarelar. Els que se detém formando círculo e comegam a cantar. Mas a batuta volta a espancnr o atril. O diretor de cena, com desesperadas e furibundas inflexóes, cumula de insoléncias os homens e mulheres do coro. Os pobres coitados aparentemente haviam esquecido de levantar os bracos de tempos em tempos em sinal de entusiasmo. “Sáo uns frouxos, vocés sao cadáveres? Por isso frcarn assim parados!" Outras e mais vezes, assisti ao reinicio do cortejo, que se altemava aos golpes secos da batuta e a torrente de injúrias que vinha logo depois: “burros, estúpidos, idiotas, porcos”. Mais de quarenta vezes repetiram-se esses helos títulos, enderecados aos coristas e tomdores. Estes, moral e Hsimmente deprimidos, aceitavam tais insultos sem o mínimo protesto. E ambos os diretores, o de orquestra e o de cena, sabiam perfeitamente que aqueles des— gracados, afinal, eram demasiado embrutecidos para se animar a fazer algo que nao fosse soprar um trompete ou andar de sapatilhas amarelas e com alabardas de estanho. Sabiam-nos avezados a vida cómoda e larga, prontos a tudo sofrer para nao renunciar a ela. Por isso, nao tinham escrúpulos para dar vazáo a sua natural grosseria, sem mencionar que em Paris e Viena haviam observado igual costume e, por isso, imaginavam seguir dos grandes músicos que sáo tao tomados por sua arte que nao podem parar para considerar os sentimentos de outros artistas. Nao creio que se possa encontrar no mundo espetáculo mais repugnante. Diversas vezes vi um trabalhador insultar outro por dobrar—se sob o peso de uma carga, ou o chefe do vilarejo ralhar com o camponés, durante a ceifa, por alguma distracáo e os homens assim maltratados submeterem—se em siléncio. Ainda quando frzessem cenas que me eram desagradáveis, minha repugnáncia era atenuada pelo pensamento de que, em tais casos, se tratava de trabalhos importantes e necessários, nos quais a menor das falhas daria lugar a tristes conseqiiéncias. Naquele teatro, ao contrárlo, o que acontecia? Para que ou para quem era o trabalho? Eu compreendia perfeitamente que o diretor da orquestra nao podia
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mais com aquilo, tal como o operário que eu encontrara atrás dos bastidores; mas em beneficio de quem reduzira-se a tal estado? A ópera que ensaiavam era, conforme já disse, das mais vulgares; acrescentarei agora que, quanto a absurdidade, sobrepujava o que de pior se possa imaginar. Um rei indiano tinha o capricho de tomar esposa, conduziam—lhe uma noiva, o rei dlsfarqwa-se de menestrel, a noiva enamorava—se do menestrel e entrava em desespero. Mas, mais tarde, vinha a descobrir que o menestrel e o rei, seu noivo, eram uma só pessoa; e toda a gente punha-se a delirar de alegria. Indianos dessa espécie nunca existiram, nem nunca existiráo. De igual modo, é certo que seus feitos e palavras nao só nada tinham
com os costumes da Índia como menos ainda com os costumes humanos, salvo os de outras óperas. De fato, os homens, na realidade, nao falam em recitativo nem, ao desejar expressar emocio, se colomm a uma distancia regular do interlocutor, agitando mdenciadamente os bracos; também nao
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escalas dos artistas, de modo semelhante as escalas dos teólogos, alternativamente renegam—se e excluem—se. Estudem—nas e veráo que nada mais fazem senáo combater seitas rivais. Na poesia, por exemplo, os velhos románticos desautorlzam os pamasianos e os demdenti'stas; os pamasianos reprovam os románticos e os decadentistas; os demdentistas desacreditam todos os seus predecessores, e mais os simbolistas; os simbolistas desautorlmm todos os seus predecessores juntamente com lxMaga' e estes simplesmente reprovam todos os demais. Entre os ro— mancistas, fala—se em naturalistas, psicólogos, naturistas e todos pretendem merecer exclusivamente o nome de artistas. 0 mesmo ocone na arte dramática, na pintura e na música. Poúanto, esta arte, que requer tamanha fadiga, que embmtece tantas existéncias, que constrange a gente a pecar contra o amor ao próximo, nio só nao é coisa clara e nitidamente deñnida mas até seus lléis, seus iniciados, entendem— na de tantas e tio diversas manchas que baje mal se sabe o que quer dizer a palavra “arte” e, em particular, qual seja a boa ante, a útil, a preciosa, a arte que merece que [he sejam oferecidas como homenagem tais e tantos sacriñcios.
Nota que se reuniram sob as'idéias de Josephin Péladan (18591918). propunham a volta ¡ magia da belen, ¡s ciénclas ocultas e ao misticismo oriental como forma de contrapor o espirituale ao mterlalismo. (N. do E.) 1. Os magos, grupo de escritores
CAPÍTULO ¡I A arte compensa tanto mal? 0 que é a arte. Confusáo de oplnlóes. E “aquilo que produz beleza"? A palavra 'beleza" em msso. Caos na estética. Para produzir o menor balé, circo, ópera séria ou bufa, exposicáo, quadro, concerto ou impressáo de livro, milhares de pessoas efetuam a contragosto um trabalho nao raro humilhante e penoso. Nao seria táo grande o mal se todos os artistas cumprissem, eles próprios, a soma de trabalho requerida por suas obras; no entanto, sio eles, ao contrario, que recebem a prestacáo de um sem—número de servicos, náo só para produzir arte mas também para sua normalmente luxuosa manutencio. E esta prestagáo, eles a obtém de um modo ou de outro, seja sob a forma de uma contribuicáo oferecida pelos ricos, seja de subvencóes do Estado (na Rússia, por exemplo, em doacóes de milhóes de rublos aos teatros, conservatórios e academias). Nesse último caso, o dinheiro provém do povo, em grande parte forcado a privar—se do necessário, para pagar impostos, sem que lhe seja possível mais tarde participar dos prazeres estéticos proporcionados pela arte. Este fato pareceria normal, em se tratando de um artista grego ou romano ou até mesmo de um russo da primeira metade do século XIX, quando ainda havia escravos, visto que poderiam sentir—se no direito de se fazer servir pelo povo. Agora, porém, que todos os homens tém, se nio mais, um vago vislum bre de igualdade em relacáo aos seus direitos, nio é mais possível admitir que o povo trabalhe a contragosto, em proveito da arte, se antes nio se conseguir uma deñnicáo segura relativa ao sinal indicativo da utilidade e importáncia da arte e se ela compensa largamente os males que ocasiona. Senio, temos a terrível probabilidade de pensar que, enquanto sacrificios medonhos de labor e de vidas humanas e a própria moralidade estáo sendo prestados ¿ arte, a mesma arte pode ser nao somente inútil mas até mesmo nociva. Portanto, numa sociedade cultora das artes, faz—se mister investigar se realmente se pode dar o nome de arte a tudo que se cré ser tal coisa e se, conforme o pressuposto vigente nessa sociedade, tudo o que é incluído na arte seja bom, em virtude desse único fato e digno de sacrificios que pela arte sao exigidos. De resto, esta questáo deve interessar igualmente aos próprios artistas, tratando—se para eles de saber se o que fazem tem na verdade toda a importáncia que se acredita — e se náo se trata de uma simples mania do
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círculo restrito dentro do qual vivem, dando—lhes a conviccáo enganadora de que fazem obras dignas de interesse — e se, por outro lado, o que tomam aos outros para a necessidade da arte de sua vida pessoal encontra alguma com pensa;áo no valor de seus produtos. E essa a importáncia de responder as questóes acima no nosso tempo. O que, pois, vem a ser a arte, esta entidade tida como sendo uma tal preciosidade, além de lndispensável ao género humano? “A arte, a arquitetura, a pintura, a escultura, a música e a poesia, em todas as suas formas", assim responderiam sem dúvida os profanos, os amadores da arte e os próprios artistas, todos bem persuadidos de que o objeto de sua resposta é muito claro e bem compreendido por todos de um só modo. E agora perguntaremos nós; com respelto a arquitetura, existem ou nao edificios simples que nao sio uma obra de arte e ha ainda outros que, com todas as suas pretensóes artís— ticas, sáo feios e desagradáveis de ver e por isso nao podem ser considerados obras de arte onde reside o signo característico de uma obra de arte? E o mesmo se pode dizer da escultura, da música, da poesia. A arte, em todas as suas formas, é limitada de uma parte pela utilidade prática, de outra, pela inmpacidade de produzir arte. Mas de que modo a podemos distinguir dos dois termos que a limitam? As pessoas chamadas cultas e o próprio artista, que mio se ocupa especialmente de estética, acreditado ter pronta a resposta, já encontrada há tempos, por ser óbvia a toda a gente. “A arte, diráo eles, é a atividade que revela o belo.” Mas, se a arte, indagaráo vocés, consiste nisso, um balé, ou mesmo uma opereta serio produtos artísticos? E as pessoas cultas e os artistas tornaráo a responder, se bem que com alguma hesitacáo: “Sim, um bom balé, uma graciosa opereta, enquanto forem manifestacóes do belo, pertencem a arte”. Se vocés depois desejarem saber de seus interlocutores em que se dis— tinguem de seus contrários um bom balé e uma graciosa opereta, nao receberio resposta com facilidade. E a quem lhes perguntasse se a obra dos ñgurinistas e dos cabeleireiros, tao importante para o balé e operetas, se a obra dos costurelros, perfumistas e cozinheiros deve ser considerada obra de arte, provavelmente responder—ao que nao. Nisso, porém, estariam enganados, exatamente por serem pessoas comuns e nao especialistas, nem peritos em ques— tóes estéticas. Tivessem eles metido o nariz em tals questóes, teriam, por exemplo, na obra do célebre Renan, Marc Auréle, uma dissertacio que prova ser a obra do a-lfaiate uma obra de arte e os que nao añrmam serem os penteados femininos a mais alta manifestado artística sao seres de pouca inteli— géncia e espírito vulgar. “Essa é a grande arte”, afirma Renan. Os seus interlocutores deveriam saber, além disso, que na maior parte dos modernos sistemas estéticos as roupas, os perfumes e a gastronomia sao considerados como artes especiais. Assim pensa particularmente o douto professor Kralik, em sua Weltscbónbeít, Versqu eínerallgemeínen Aestbetik, von Rícbard K ralík; tal é o parecer de Guyau em seu Les problémes de l'estbe'tique contemporaíne: “Existe", diz Kralik, "um pentáculo das artes fundamentado nos cinco sentidos
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do homem”. E por ese motivo distingue as artes que se referem ao paladar,
ao tato, ao olfato, ao ouvido e a vista. Sobre a primeira dessas artes, discorre ele do seguinte modo: “Estamos por demais habituados a recusa de reconhecer, se nio por meio de dois ou trés sentidos, o privilégio de fomecer material a arte. Mas acho que esa opiniáo é apenas condicionalmente correta. Eu nem precisaria enfatizar o fato de que o nosso discurso comum reconhece muitas outras artes, como, por exemplo, a arte de cozinhar. Ninguém negara que, quando a obra do cozinheiro consegue transformar para o homem o cadáver de um animal em uma fonte de variados prazeres, nos encontramos diante de uma verdadeira produdo estética. O principio da Arte do Paladar (que vai além da chamada Arte de Cozinhar) é portanto este: tudo que é comestível deveria ser tratado como símbolo de alguma idéia, e sempre em har— monia com a ldéia a ser expressa". Igual opiniáo recorre na obra citada do francés Guyau, que muitos, entre os mais recentes escritores, honram com excepcional estima. Ele se refere com toda serledade ao tato, ao paladar e ao olfato como a sentidos idóneos para a subministracño de impressóes estétims. “Se ¡¡ cor é estranha ao tato, este nos fomece, em trom, uma nodo ¡ qual nao basta o 01110, por si mesmo, e que nao é de desprezivel importancia estética, ¡sto ¿, a nogño do fino, do mado, do liso. A beleza do veludo recebe sua impressio, que vai além de seu aspecto brilhante, de sua maciez. No conceito que formamosda beleza feminina, a maciez entra como elemento essencial da pele. Todos nós, se penarmos um pouco, recordar—nos—emos de satisfacóes do paladar, de tal ordem que as poderíamos chamar de verdadeiro gozo estético”. E aqui o autor, a guisa de exemplo, conta o caso de uma xímra de leite, bebida na montanha, a qual lhe proporcionara verdadeiro gozo estético. De tudo isto se extrai que o conceito da arte, considerada como manifestacio do belo, nio é tio simplescomo ¡ primeira vista se poderia crer, especialmente agora que nesta conceon da beleza estao incluidas as nossas sensacóes de toque, paladar e cheiro, como estío sendo citadas pelos mais recentes escritores sobre estética. Mas a gente comum ou ignora essas questóes ou nao quer saber delas e persiste na idéia de que todos os problemas concernentes a arte se resolvem, claramente, com o reconhecimento de que a beleza ¿ o objeto da arte. Acham plenamente evidente e inteligente que a fungio da arte seja a de manifestar a belen. A beleza parece—[he suñciente para molver todas as questóes relativas ¿ arte.
Mas que coisa é, pois, esse belo, o objeto da arte? Como pode ser definido? Em que consiste ele? Segundo 0 costume, quanto mais as idéias sugeridas por uma palavra tor— nam-se nebulosas e confusas, com maior presundo é utilizada a própria palavra e sustenta—se que seu sentido é muito simples e claro demais para que valha a pena determiná-la melhor.
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como as questóes religiosas sao tratadas e igualmente esse conceito da beleza. Acredita-se que todos concordam que sabem e entendem o significado da palavra beleza. Ora, a verdade é a seguinte: nao apenas é falso que todos o entendem, mas acresce ainda que — embora nos últimos cento e cinqiienta anos (depois de Baumgarten haver fundado a estética em 1750), os pensadores mais doutos e profundos tenham escrito montes de livros sobre este argumento — permanece sem resolver 0 quésito que versa a esséncia do belo e todo novo tratado de es— tética dá uma resposta diferente. Um dos últimos escritos lidos por mim a propó— sito disso é um livn'nho alemáo de Julius Mithalter, intitulado Rátsel des Scbónen. E este titulo exprime, egregiamente, a verdadeira posido do problema. Após milhares de doutores haverem perdido a mbegn durante cento e cinqiienta anos em torno do sentido da palavra beleza, este sentido permanece enigmático. Os alemñes o defrniram a seu modo, de cem maneiras diferentes. A escola fisiológica a qual pertencem os ingleses Herbert Spencer, Grant Allen, e sua escola, responde a seu modo. 0 mesmo vale para os ecléticos franceses, e com Taine e Guyau e seus assessores; e todos estes acham insuficientes, após examiná-Ias, todas as deñnicóes já dadas por Baumgarten, Kant, Schiller, Fichte, Winckelmann, Lessing, Hegel e Schopenhauer, além de Hartmann, Schasler, Cousin, Lévéque e outros. Que vem a ser, añnal, esta singular nodo do belo que parece táo óbvia aqueles que a mencionam po_r acaso e que, de cento e cinqiienta anos a esta parte, se mostra refratária a todas as deñnicóes. E, todavia, essa coisa nao dissuadiu os estetas a fundamentar sobre esa nodo todas as suas doutrinas relativas a ane? Em nossa lingua russa, a palavra krasota (Beleza) significa simplesmente aquilo que agrada a vista. E, embora já fagn algum tempo que se fala, mesmo em ruso, de uma “acáo feia" ou de uma “bela música", ofende—se com tais frases a lingua russa. A um popular russa, ignorante de linguas estrangeiras, se lhe disse— rem que um homem deu de presente tudo quanto era seu e fez com isso “uma bela agáo", ou que certa cando constitui “bela” música, nem entenderá, de fato, o que lhe dizem. Na lingua mssa, uma ado pode ser boa, ou desagradável e mim. Mas os russos nao sabem o que vem a ser uma “bela” a$o ou uma “bela” música. 0 adjetivo “belo” pode referir—se apenas a um homem, a um mvalo, a uma casa, a um lugar, a um movimento. Pois a palavra e a nodo de bom, para nós, em cena ordem de coisas, implica a nogño do “helo”, ao paso que esta última nacio nao implica, necessariamente, o conceito do “Bom”. Quando dizemos, de um objeto tido como precioso, pela sua aparéncia visivel, que ele é “bom”, entendemos que ese objeto é “belo”. Se, ao contrário, añrmam que ele é “belo”, disto nao deriva, por necessidade, que o acreditamos “bom”. Nas demais linguas da Europa, pertencentes as nacóes entre as quais tomou pé a doutrina que considera a beleza como a coisa essencial na arte, as palavras “beau”, “schón”, “beautiful”, “bello” etc., mesmo conservando seu sentido original, vieram a expressar igualmente bondade, podendo, portanto, substituir a palavra B
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“bom". Desde logo, em tais línguas, tomaram—se correntes as expressóes do seguinte género: “belle áme', “schóne Gedanken', “beautiful deed" . Essas línguas nao mais tém uma palavra adequada com a qual indicar de forma expressiva a beleza da forma, e tém de usar uma combinado de palavras como “beau par la forme", “beautiful to look at”, “bonito de se ver” e assim por diante, para transmitir aquela idéia. A observado dos signiñmdos divergentes que as palavras “belo” e “beleza” tém em russo, de um lado, e naquelas línguaseuropéias agora permeadas por essa teoria estétim, do outro, nos mostra que a palavra “beleza' adquiriu nessas últimas um signiñmdo especial, nomeadamente aquele de “bom”. O que é notável além disso é que, desde que nós mssos comecamos a adotar mais e mais a visáo européia da arte, a mesma evolugio comeqou a se mostrar na nossa lingua também, e algumas pessoas falam e escrevem bem conñantes, e sem causar supresas, sobre bela música e ado feia, e até mesmo de pensamentos bonitos ou feios, enquanto quarenta anos atrás, quando eu era jovem, as expressóes “bela música" e “aqóes feias' eram nao somente nao usuais mas incompreensíveis. Evidentemente este novo signiñcado dado a beleza pelo pensamento europeu está comecando a ser assimilado pela sociedade russa. E o que realmente é este signiñcndo? O que é este “belo” como entendido
pelos povos europeus? Para responder a esta pergunta, para determinar o que entendemos hoje em dia por “belen”, nas nagóes européias, terei que traduzir pelo menos um pequeno número das definiqóes mais largamente aceitas nos sistemas estéticos modernos. Mas, diante disto, vejo-me no dever de suplicar ao leitor que nao se aborreca demasiadamente com o tedio resultante das citagóes e que se resigne a ler algumas, ou melhor, alguns dos autores dos quals citarei os trechos oportunos. Tomese, por exemplo, o livro alemáo de Kralik, o inglés de Knight e o francés de Lévéque.
indispensável haver [ido um tratado de estética para formar um conceito da divergéncia das opinióes e da assustadora obscuridade que constantemente domina este ramo do saber ñlosóñco. Aqui está, por exemplo, o que diz o estético alemáo Schasler, no prefácio de sua célebre, volumosa e minuciosa obra sobre estétim: “Em nenhuma outra parte do dominio ñlosóñco a divergéncia de idéias é tao grande como no da estética. Nem em qualquer outra disciplina filosófica encontra—se maior cópia de va fraseologia, de palavras vazias de sentido ou mal determinadas, uma erudicio pedantesca e ao mesmo tempo superñdal. E por outro lado, acompanhando a inegável profundidade da investigado e riqueza do assunto, damos com uma revoltante esquisitice de uma terminología ñlosóñca vestindo pensamentos mais simples num aparato de uma ciéncia abstrata, como se os considerássemos dignos de entrar no palácio consagrado do sistema; e ñnalmente, entre esses dois méto— dos de investigacio e exposicio, ha um terceiro, como formando a transigio de um para o outro, um método eclético — ora ostentando uma elegante fraseologia, E
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ora uma erudido pedante — um estilo de exposicio que nao mi em nenhum desses trés defeitos, mas é verdadeiramente concreto, e, tendo um assunto impor— tante expresso numa linguagem ñlosóñca clara e popular, nio pode ser encontrado em nenhum outro lugar com mais freqiiéncia do que no dominio da estética”. Na realidade, basta ler a obra do próprio Schasler para compreender quanto é justo sua observado. Sobre o mesmo argumento, o escritor francés Véron, no prefácio de seu notável livro sobre estética, escreve: “Nao existe ciéncia que tenha sido mais abandonada ás extravagáncias dos metafísicos do que a estética. Desde Platáo até as doutrinas oficiais de nossos dias, tem—se feito da arte nao sei que mixórdia de fantasias sublimadas transcendentais, que encontram sua suprema expressáo no conceito absoluto do belo ideal, protótipo imutável e divino das coisas reais". Que apraza ao leitor percorrer as poucas defmigóes de beleza que seguem, destacadas que foram de estetas de grande fama. Poderá assim julgar por si quanto é justiñczda a crítica de Véron. Nao dtarei, a exemplo do que, alias, fazem todos, as definigóes do belo atribuidas aos autores antigos, Sócrates, Platáo, Aristóteles e outros, até Plotino, visto que realmente, conforme direi mais adiante, os antigos tinham da arte um conceito de fato diverso daquele que constitui o fundamento e o objeto da estética moderna. Aproximando de nossa presente concepgio do beio, o juízo que eles formavam atribui—se ás suas palavras um signiñcndo alheio a elas.1
Nota
ese asunto o admirável livro de Bernard, L'es:bédque d'Aerda. Também
1. Veja—se sobre
o Geschichte der Aedbe“h ln
Alan de Walter.
CAPÍTULO ||| Sumário de várias teorias e deflnlcóa estética, de Baumgarten aos dias
presenta.
Comecemos pelo fundador da estética, Baumgarten (1714—1762). Segundo seu parecer, o conhecimento lógico tem por objeto a verdade e o conhecimento estético, vale dizer que toca os sentidos, tem por objeto a beleza. A beleza é o perfeito, o absoluto reconhecido pelos sentidos; a verdade é o perfeito percebido pela razáo; e a bondade, por seu lado, é o perfeito alcancado pela vontade moral. Baumgarten define a beleza como uma correspondéncia. Isto é, uma ordem entre certas partes, em seu mútuo relacionamento e no seu relacionamento com o todo. A finalidade da beleza, portanto, é “dar prazer e excitar o desejo". Entre parénteses, temos aqui exatarnente o oposto da deñnicáo kantiana. Quanto as manifestacóes do belo, o autor em questao cré que a suprema encarnacio do belo encontra—se na natureza e que, por isso, o ideal da arte consiste na cópia da natureza; esta é outra sentenca a entrar em pugna com as opinióes dos esteticistas que o sucederam. Seja—me concedido, neste ponto, deixar de parte os sucessores imediatos de Baumgarten, que vém a ser Maier, Eschenburg e Eberhard, que apenas retocaram ligeiramente a doutrina do mestre, distinguindo do belo o agradável. Nao devemos, porém, passar sob siléncio as definieóes devidas a outros contemporáneosde Baurngarten, por exemplo, Sulzer, Mendelssohn e Moritz, que contradizem abertamente as doutrinas daquele, considerando como ob— jeto da arte a bondade e nio a beleza. Segundo Sulzer (1720-1779), nao se pode ter por belo senio aquilo que, de algum modo, participe do bem; por— tanto, a beleza é algo que desperta e desenvolve o sentimento moral ao qual a arte deveria se subordinar. A beleza é aquilo que evoca e educa esse sen— timento. Mendelssohn (1729—1786) reconhece na Perfeigño moral o único escopo da arte. Estes estéticos destroem totalmente a distincio estabelecida por Baumgarten entre as formas do Perfeito, isto é, o Verdadeiro, o Belo e o Bom; e novamente surge do Bom e da Verdade. Este conceito nao só nao foi conservado pelos estéticos do período seguinte como foi contraditado em sua substánda pelo famoso Winckelmann (1717-1768), o qual distingue a fundo da arte de quaisquer ñns de moralidade e atribui ¿ arte como objeto a beleza exterior, restrita apenas a belen visível. Segundo Winckelmann, a beleza € de trés sones: lº, a beleza da forma; zº, a beleza da idéia, resultante da atitude das figuras; Bº, a beleza da expressio, a qual surge da fusáo das outras
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duas. A beleza da expressáo é o ñm supremo da arte e encontra sua realizacio na arte antiga; por isso, a arte moderna deve tender a imitar a antiga. Análogo conceito de beleza aparece em Lessing, em Herder, em Goethe e nos demais estetidstas alemáes, até que surge Kant, que o denuba para substituilo por um outro, inteiramente diverso. No mesmo período, na Inglaterra, na Franga, na Itália e na Holanda, surge um enxame de teorías estéticas as quais, embora independentes das alemás, igua— lam-se a estas, pela obscuddade e confusáo. E todos esses escritores, exatamente como os estéticos alemáes, fundaram suas teorías sobre a concepgño do Belo: tomando a belen no sentido de algo que existe de forma absoluta e mais ou menos entremesclada com o Divino, ou tendo uma única e a mesma raiz. Na Inglaterra, quase simultaneamente a Baumgarten, até mesmo um pouco antes, Shaftesbury, Hutcheson, Home, Burke, Hogarth e outros escreveram sobre arte. No dizer de Shaftesbury (1690—1713), “O que é belo é harmónico e bem proporcionado; o que é harmónico e bem proporcionado é verdadeiro; e o que é a um tempo belo e verdadeiro é necessariamente agradável e bom”. A beleza, ele dizia, é reconhecível apenas pela mente. Deus é o fundamento de toda a beleza; a beleza e a bondade tém origem nele. Assim é que para Shaftesbury a beleza se distingue da bondade e, todavia, ambas juntamse de maneira inseparável. Segundo Hutcheson (1694—1747), em Inquiry into the Original ofour Ideas of Beauty and Wnue, o objeto da arte é a beleza, cuja esséncia situa—se no invocar em nós a percepgáo da uniformidade e variedade. Nós “possuímos um senso” interno que permite reconhecer o que é arte, mas que pode, todavia, estar em contradido com o senso ético. Mais ainda: segundo a idéia de Hutcheson, a beleza nao corresponde sempre a bondade, mas dela se distingue e, em certos casos, é sua contrária. Segundo Home (1696—1782), a beleza é aquilo que agrada. Náo existe para determinado nenhuma, a nio ser a do prazer. 0 ideal do prazer reside num máximo de riqueza, de plenitude, de foma e variedade de impressóes, concentrado em limites, os mais restritos. Este é igualmente o ideal de uma perfeita obra de arte. Segundo Burke (1729—1797), em Pbilosopbical Inquiry into the Origin of our!deas of the Sublime and Beautiful, o sublime e o belo, que sio os objetos da arte, encontram sua origem em nosso instinto de autopreservagáo e da sociedade. Esses sentimentos, examinados em suas fontes, sio meios para a manutencáo da rasa por intermédio do individuo. 0 primeiro (autopreservacáo) é conseguido pela nutrido, defesa e guerra; o segundo (sociedade), pela relacáo sexual e propagado. A defesa do individuo e a guerra, que é sua conseqiiéncia, sao as fontes do sublime; a sociabilidade e o instinto sexual que dela deriva sio a fonte do belo. Ao mesmo tempo, 0 Pere André, Batteux, depois Diderot, D'Alembert e em parte Voltaire escreviam sobre arte na Franca. Segundo 0 Pe. André (Ersat surle Beau, 1741), existem trés espédes de beleza: a beleza divina, a beleza natural e
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a beleza artificial. Segundo Batteux (1713—1780), a arte consiste em imitar a natu-
reza e seu escopo deve ser o prazer. Esta é, aproximadamente, também a delinicáo
de Diderot.
Voltaire e D'Alembert pensam que somente as leis do bom gosto devem decidir sobre o belo; mas que, por sua vez, estas leis fogem a qualquer definigáo. Segundo Pagano, esteta italiano do mesmo período, a arte consistiría em recolher, em uma só, as belezas disseminadas na natureza. A aptidáo para perceber estas belezas constituiría o bom gosto, a faculdade de recolher em um todo o que se identifica com o engenho artístico. A beleza, para ele, confunde—se com a bondade. A beleza é a bondade visível e a bondade é a beleza que se tomou interior. Segundo outros italianos, por exemplo, Muratori (1672—1750), em R:]!essíoní sopra ilBuon Gusto íntomo dí Sdenzee d'Artí, Spaletti, em Saggío sopra la Belleza, de 1765, a arte é acompanhada de uma sensagño egoísta, fundada em nosso instinto de autoconservagño e sociabilidade, como em Burke. Dos estéticos holandeses o mais notável é Hemsterhuis (1720—1790), que influenciou diretamente os esteticistas alemáes e até Goethe. Para ele a beleza é aquilo que oferece maior prazer e desperta maior número de percepgóes durante o menor espago de tempo. Segundo seu parecer, portante, o prazer do belo é o mais alto de todos, como aquele que oferece, no menor espaco de tempo, a maior
quantidade de percepcóes. Tais eram, na Europa, as principais doutrinas estéticas, quando surgiu a de Kant (1724-1804), que permanece após, como sabemos, entre as mais afamadas. A teoria estéticade Kant pode ser resumida do seguinte modo: o homem tem consciéncia da natuneza exterior e, a um tempo, de si mesmo dentro da natureza. Na naturem, ele busca o verdadeiro; em si próprio, busca a bondade. A primeira busca diz respeito a raza"opum, a segunda, a prática. Mas, além destes dois meios de percepcio, possui ainda a capacidade de ¡ulgar, apta a produzir juízos sem conceitos e prazeres sem desejos. Esta mpacidade é a base do sentimento estético. Segundo Kant, a beleza, considerada subjetivamente, é aquilo que agrada de modo geral e necessárlo, sem nenhum conceito e sem utilidade prática. Objetiva— mente considerada, a beleza é a forma de um objeto agradável, enquanto nos agrade sem referénda a sua utilidade. Deñnigóes da beleza pouco diversas desta de Kant foram dadas por seus sucessores, entre os quais merecem mencio Schiller (1759—1805) e Wilhelm von Humboldt. “Para Schiller, que tem muitos escritos sobre estética, a ñnalidade da arte e, como para Kant, a beleza cuja fonte é o prazer, sem utilidade prática. De sorte que a arte pode ser chamadade jogo, nio no sentido de uma ocupado fútil, mas no sentido da manifestacáo da beleza da vida em si mesma, sem outra fina— lidade que náo a beleza." ' Além de filósofos de segundo plano, após Kant ocuparam—se de estética também Fichte, Schelling e Hegel, com seus discípulos. Fichte (1762-1814) susten— ta que o mundo para nós tem dois aspectos, constituído que é, de uma parte. pela
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soma de nossas limita;óes e, por outra, da soma de nossa livre atividade idealistica. Sob o primeiro aspecto todas as coisas sao desñguradas, amesquinhadas e mutiladas, e assim divisamos o feio. Sob o outro aspecto, percebemos os objetos em sua completude, vitalidade, regenerado, vale dizer, reconhecemos a beleza. Por isso, a beleza e a feiúra das coisas dependem do ponto de vista de quem as observa e a beleza nao tem raízes no mundo, mas na “alma bela”. Assim arte e manifestacáo da “alma bela" e tem por ñnalidade a educa'gño da mente, do coracao ou, antes, do homem inteiro. Por esse motivo, os caracteres da beleza nao residem nas coisas ou sensacóes exteriores, mas na presenga de uma “alma bela” no artista. Segundo Schlegel (1772—1829), a concepqio de beleza na arte é por demais incompleta, unilateral e isolada. A beleza nao se encontra somente na arte, mas também na natureza e no amor, de sonic que o belo auténtico se manifesta na associagáo da arte, da natureza e do amor. E por isso que Schlegel julga a arte estética inseparável da arte moral e filosófica. Segundo Adam Muller (1779—1829), há dois tipos de beleza: a primeira é a beleza social, que atrai os homens como 0 sol atrai os planetas; é principalmente a beleza antiga. Outra é a beleza indivi— dual, que assim é porque aquele que a contempla torna—se ele próprio 0 sol que atrai a beleza: é a beleza da arte moderna. 0 mundo no qual entram em acordo todas as contradicóes é a beleza suprema. Toda obra de arte é a reprodugáo dessa harmonia universal. A arte suprema é a arte da vida. Tomremos em outra, célebre, de Schelling (1775—1845). Segundo este filósofo, a arte deflui de uma concepcio das coisas em que o sujeito toma—se seu próprio objeto e o objeto toma-se seu próprio sujeito. A beleza é a percepgáo do infinito no finito. A arte é a uniáo do subjetivo e do objetivo, da natureza e da razáo, do consciente e do inconsciente e portanto a arte é a forma mais alta de conhedmento. E a beleza igualmente é a contemplado das coisas em si, tais quais existem em seus protótipos. A beleza nao é produto do saber ou da habilidade do artista e sim da idéia de beleza que o governa. Entre os discípulos de Schelling, o mais destacado foi Solger (1780—1819), autor do Vodesungen úber Aactbetík. Para ele, a idéia da beleza é a idéia funda— mental de todas as coisas. Nós vemos no universo apenas uma deformagáo da idéia fundamental, mas grapas a imaginado a arte pode se elevar até a idéia fundamental. Por isso a arte e feita a imagem da criagáo. Segundo outro discípulo de Schelling, Krause (1871-1832), a beleza concreta verdadeira é a manifestado de uma idéia sob uma forma individual.Quanto a arte, ela é a realizado da beleza na esfera do espírito livre do homem. O grau supremo da arte é a arte da vida que orienta suas atlvidades em direcáo ao embelezamento da vida, a fm de que ela seja um lugar de moradia perfeita para o homem perfeito. Vem a seguir a famosa doutrina estética de Hegel, a qual, no fundo, é sempre a base das opinióes comentes a respeito de arte e beleza. De resto, nem mesmo esta teoria e mais clara e precisa que as precedentes, as quais antes supera em obscurldade e nebulosidade. Segundo Hegel (1770—1831), Deus se manifesta na natureza e na arte sob a
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forma da belen. Deus se expresan por dois modos: no objeto e no sujeito — na naturem e no espírito. A beleza é o reflexo da Idéia na matéria. Só a alma é verdadeiramente bela, e portanto a beleza da natureza é somente o reñexo da beleza natural do espíritd — o belo tem um conteúdo somente espiritual. Mas o espiritual precisa aparecer na forma sensível. A manifestado sensível do espírito é somente a aparéncia (Scbeín), e essa aparénda é a única realidade do belo. Arte e assim a produdo desm aparéncia da Idéia, e é um meio, juntamente com a religiáo e a Frlosoña, de trazer a consciénda, e de expressar, os problemas mais profundos da humanidade e as verdades mais elevadas do espirito. No sistema hegeliano verdade e beleza sio uma coisa só, pois a beleza nao é outra coisa senio a manifestacáo sensível da verdade. Essa doutrina foi retomada, desenvolvida e enriquecida de muitas fórmulas novas pelos discípulos de Hegel, ¡sto é, por Weisse, Ruge, Rosenkrantz, Vischer e outros. Segundo Weisse (1801-1866), a arte é introducio da esséncia da beleza, que é absolutamente espiritual, na matéria exterior, mona e indiferente, cujo conceito, sem a beleza nela introduzida, é a negado de toda a existencia em si. A idéia da verdade, diz Weisse (1801-1867), contém a contradigáo entre os aspectos subjetivo e objetivo do conhecimento, a saber, que um eu único conceba 0 Ser universal. Essa contradido pode ser eliminada por um conceito que reúna num todo 0 elemento de universalidade e de unidade que é dividido em dois no conceito de verdade. Esse conceito seria uma verdade reconciliada. A beleza é justamente essa verdade reconciliada. Segundo Ruge (1802—1880), continuador rigoroso de Hegel, a beleza é a idéia a exprimir—se. 0 espírito, ao contemplar—se, encontra—se exprimido tanto de manel— ra plena, e nesse caso essa expressio completa de si é a beleza, quanto de maneira incompleta, e nesse caso ele sente a necessidade de modificar sua expressáo incompleta e o espírito torna—se, assim, a arte criadora. Para Vischer (1807—1887), a beleza é uma idéia exprimida sob uma forma limitada. A idéia em si nio é indivisivel, ela constitui um sistema de idéias que
formam uma linha ascendente e descendente. Quanto mais a idéia é elevada, mais ela contém beleza, mas mesmo a menos elevada contém a beleza porque ela é um nó indispensável do sistema. A forma suprema da idéia é a personalidade e, por isso, a arte suprema ¿ aquela que tem por objetivo uma personalidade superior. Náo se creia porém que o hegelianismo tivesse o mono— pólio das teorias estéticas na Alemanha. A seu lado compareciam outros sis— temas em grande número, os quals, longe de admitir, como Hegel, que a beleza fosse o reflexo da idéia, impugnavam tal definicio, refutando—a e tornando-a ridícula. Contentemo—nos em aduzir as doutrinas de Herbart e de Schopenhauer. Segundo Herbart (1776—1841)n50há nem pode haver beleza que exista por si mesma. Nao existe nada mais que nossa opiniáo, e esta é fundada em nossas impressóes pessoais. Existem cenas rela<;6es as quals chamamos belo e a arte está em descobri—las, tanto na pintura quanto na música e na poesia. Ao contrario dos
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esteticitas anteriores, para Herban as coisas belas sao freqiientemente aquelas que nao expn'mem absolutamente nada, como, por exemplo, o arco-iris, que é belo por suas linhas e suas cores, mas nunca pela signiñmgáo de seu mito, seja o de Íris ou do arco-iris de Noé. Segundo Schopenhauer (1788—1860), a vontade objetiva-se no mundo sob planos diversos, ada um dos quais tendo sua beleza própn'a e o mais elevado é o mais belo. A renúncia a nossa individualidade, permitindo—nos contemplar estas manifestacóes da Vontade, dá-nos uma perceon da beleza. Todos os homens possuem a faculdade de objetivar a idéia em diferentes planos. Mas o génio do artista a possui em mais alto grau e pode, por isso, produzir beleza superior. Depois desses famosos escritores, surgiram na Alemanha outros menos originais e autorizados, tais sáo: Hartmann, Kirchmann, Schnaase, o físico Helmholtz, Bergmann,Jungmann etc. Segundo Hartmann (nascido em 1842), a beleza nao reside no mundo externo nem “na coisa em si", mas em nossa alma, nem na “aparéncia” (Schein) produzida pelo artista. A “coisa em si” náo é bela, mas aparenta sé—la quando transformada pelo artista. Segundo Schnaase (1798-1875), nio há no mundo beleza perfeita. A natureza só consegue aproximar-se dela. A arte nos dá aquilo que a natureza nao pode dar. Na energia do livre “ego”, consciente da harmonia náo encon— trada na natureza, a beleza (: descoberta. Segundo Kirchmann (1802-1884), que escreveu sobre estética experimen— tal, existem seis reinos da História: os reinos da ciéncia, da riqueza, da moral, da fé, da política e da beleza. A arte é atividade que se exercita neste último reino. Segundo Helmholtz (1821-1894), o qual só se ocupou com a estética musical, a beleza na música é obtida somente com a observacáo de certas leis invariáveis, leis que o artista ignora, mas ás quais obedece 'inconscientemente. Segundo Bergmann, em Úber das Scbóne, de 1887, é impossível definir objetivamente a beleza. Ela só pode ser percebida subjetivamente, portanto o problema da estética situa—se no determinar o que agrada a cada um. Segundo Jungmann (morto em 1885): primeiro, a beleza é uma qualidade supra-sensível das coisas; segundo, o prazer artístico é produzido em nós pela simples contemplacio da beleza; terceiro, a beleza é o fundamento do amor. Na Franca, havia Cousin (1792-1867), um eclético que se inspirava nas doutrinas idealistas alemás. Segundo ele, a beleza repousa sempre sobre um fundamento moral. Ele contesta a doutrina da arte como imitacáo e do bolo que proporciona prazer. Dizia além disso que a beleza pode ser definida objetivamente e que ela é, por esséncia, a variedade na unidade. Jouffroy, seu discípulo (1796—1842), discernia o invisível na beleza por meio dos signos sensíveis que a manifestam. 0 mundo visível é uma vestimenta através da qual nós vemos a beleza. O suíco Pictet, que escreveu sobre arte, retoma Hegel e Platáo ao colocar a beleza como manifestacño livre e espon-
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tánea da idéia que se traduz por imagens sensíveis. Para Lévéque, discípulo de Schelling e de Hegel, a beleza é algo invisível, que se esconde na natureza. A forca ou espírito é a manifestado de uma energia colocada em ordem. 0 metafísico Ravaisson considerava a beleza como termo e tim supremo do Universo. “A beleza mais divina e principalmente mais perfeita contém o segredo.” B continua: “0 mundo inteiro é obra de uma beleza absoluta, que só é a causa das coisas pelo amor que ela, a beleza, imprime nelas”. Todos esses pensadores se referiam, com suas doutrinas, a estética alemá. Outros seus contemporáneos se esforgvam para ser mais on'ginais, como Taine, Guyau, Cherbuliez, Véron etc. Segundo Taine (1828—1893), existe beleza quando o mráter essencial de uma idéia importante se manifesta mais completamente do que se expressa na realidade. Segundo Guyau (1854-1888), a beleza nio é uma coisa exterior ao objeto, mas é a própria flor do objeto. A arte é a expressáo de uma vida racional e consciente, que evoca em nós, a um só tempo, o mais profundo conhecimento da nossa existéncia e os nossos sentimentos mais elevados e os pensamentos mais nobres. A arte, segundo ele, transporta o homem da vida individual a vida universal por melo da comunháo dos sentimentos e das idéias. Segundo Cherbuliez, a arte é uma atividade que: primeiro, satisfaz o nosso amor ¡nato pelas aparéncias; segundo, encarna as idéias nessa aparéncia; terceiro, busca, ao mesmo tempo, o prazer dos sentidos, do coragño e da razáo. Para Coster, as idéias do belo, a bem da verdade, sao lnatas. Blas iluminam nosso espírlto e sao idénticas a Deus, que é o bem, a verdade e o belo. A idéia contém a unidade da esséncia, a diversidade dos elementos constitutivos e a ordem trazida pela unidade a diversidade das manifesta96es da vida. Apresentaremos agora, para completar, o parecer de alguns autores mais necentes. Psicología del Bello e dell'Arte, escrita por Mario Pilo em 1895, que afirma ser a beleza um produto de nossas impressóes fisicas. A ñnalidade da arte seria o prazer, mas o autor acha que este prazer é, por necessidade, eminentemente moral. 0 Essaí surl'Art Contempomín, Fierens Gevae¡t (1897), declara que a arte consiste no equilibrio das tradi<;6es do pasado e o ideal religioso do presente. Añnal, Sar Peladan, em L'art íde'aliste et místíque (1894), afirma que a beleza é uma das manifestacó&s de Deus. “Nao existe realidade senio Deus nem outra Verdade senáo Deus, nao existe Beleza senao Deus.” A Estética de Véron (1878) distingue—se das obras añns se náo por outra coisa, pela maior clareza e fadlidade. Sem dar uma definido exata da arte, o autor tem o mérito de desembaragara estética de todas as nocóes vagas do belo abso— luto. Segundo Véron (1825—1889), a arte é a manifesto de uma emogáo revelada por meio de qualquer combinado de linhas, de formas, de cores, ou de uma sucessáo de movimentos, de sons ou palavras sujeitas a certos ritmos. Quanto aos ingleses, em sua maior parte estáo de acordo nisto: definem a beleza nao pelas suas próprias qualidades, mas segundo as irñpressóes e gostos individuals. Assim procederam Reid (1704—1796), Alison em seu Essay on the Nature
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and Principles of Taste (1790)
e Erasmus Darwin (1731-1802), avó do celebrado Charles Darwin. As teorias de seus sucessores, porém, sao bem mais notáveis. Segundo Charles Darwin (1805—1882), em seu Descent of Man (1871), a beleza é um sentimento natural, náo apenas no homem, mas igualmentenos animais. Os pássaros adornam seus ninhos e levam em conta a beleza em seus relaciona— mentos sexuais. Além disso, a beleza é resultante de varias no;óes e de vários sentimentos. A origem da música deve ser rastreada nos apelos que 0 macho dirige a fémea. Segundo Herbert Spencer (nascido em 1920), a origem da arte deve ser buscada na atividade lúdica. Nos animais inferiores, a energia vital está inteiramente voltada a conservado da vida individual e da espécie. No homem, ao contrário, satisfeitos os primeiros instintos, resta uma sobra de energia que se consome na atividade lúdica e depois é transformada em arte. E o autor continua discorrendo sobre as várias fontes do prazer estético, ¡sto é, da faculdade de exercitar qualquer dos sentidos em sua maior plenitude e com o menor dispéndio de forga e da máxima variedade das sensacóes. A fonte do prazer estético é: primeiro, aquilo que exercita um sentido (a vista ou um outro) ao máximo da plenitude, causando o menor dano possível pelo máximo de exercício possível; segundo, a maior diversidade possível de emocóes provocadas; e terceiro, a combinagáo dos dois primeiros com a representado que provém dela. Para Todhunter, em The Theory of the Beautiful, de 1872, a beleza é um atrativo infinito que nós experimentamos pelo espírito e pelo entusiasmo do amor. Reconhecer a beleza como tal depende do gosto e nao pode ser definida por nada. A única maneira de se aproximar de uma definicáo é dando aos homens a maior cultura possível. Mas a cultura nao tem mais definicio. Quan-
to a esséncia da arte, aquela que tocamos através das linhas, das cores, dos sons, das palavras, nao é obra de forcas cegas, mas de forcas racionais, que tendem, em ajuda mútua, a uma finalidade racional. A beleza é a conciliacáo entre as contradicóes. Segundo Morley, em Sermons Preached before the University of Oxford, de 1897, a beleza está na alma do homem. A natureza nos fala do divino, e a arte é essa tradugáo hieroglífica do divino. Grant Allen, em seu Physiological Aesthetics, de 1877, designa a beleza uma orlgem física. Os prazeres estéticos derivam da contemplacáo da beleza, mas o conceito da beleza é conseqiiéncia de um processo ñsiológico. 0 belo é aquilo que proporciona 0 máximo de estímulos com o mínimo de dispéndio. As diferen— g:as de apreciado provém do gesto. O gosto pode ser formado. E necessário crer no julgamentodas “Fmest nurtured and most discriminative men”, ¡sto é, dos homens mais refinados pelo gosto e os mpazes de melhor apreciagáo. Esses homens for— mam o gosto da gerag:áo vindoura. Segundo Ker, em E&say on Philosophy of Art , de 1883, a beleza nos dá os meios para atingir plenamente o mundo objetivo sem ter de levar em conta outras partes do mundo, coisa inevitável para a ciéncia. Isso se deve ao fato de a arte abolir a contradigáo entre a unidade e a pluralidade, entre
()queéaAríe?
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o fenómeno, entre o sujeito e o objeto, reunindo-os num todo. A arte e a manifestado e a añrmagio da liberdade, pois ela liberta da obscuridade e da Incompreensibilidade as coisas ñnitas. Para Knight, em Philosophy oftheBeautf/id, de 1983 (segundo volume), como para Schelling, a beleza é a uniáo do objeto e do sujeito, é uma operagáo de extraño da natureza daquilo que é próprio do homem e da consdénda íntima daquilo que é comum a toda natureza. As várias opinióes ora adotadas quanto a arte e a beleza dece:to nio exaurem tudo o que foi escrito sobre o nosso argumento. Nao passa um dia sem que apareqam novos estelas, em cuja doutrina encontram-se, invariavelmente, a mesma vagueza e iguais contradiqóes. Alguns, por inércia, contentam—se com a adodo, acompanhada de variantes, da estética mística de Baumgarten e de Hegel. Outros transportam a questáo para o campo subjetivo, relegando a beleza ao gosto. Outros, os estelas das últimas geragóes, buscam a origem da belen nas leis da ñsiologia. Outros, enñm, afrontam resolutamente o problema da ante independentemente do conceito da belen. Assim fez Sully em Sensation and Intuítíon: Studies in Psychology and Aathetías (1874), omitindo inteiramente a nocáo de beleza. Na sua deñnigio, a arte e apenas um produto idóneo para proporcionar ao produtor um prazer ativo e para suscitar uma impressáo agradável em ce¡to número de espectadores ou ouvintes, abstraindo-se de todas as consideracóes de utilidade prática. ¡¡
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CAPÍTU LO IV Deñnlcóes de arte baseadas na beleza. Gasto nio deñnível. Uma deñnicáo dara necessáda para que pasamos reconheoer as obras de arte.
0 que se pode deduzir de todas esas deñnicóes de beleza?
Deixando de lado algumas definicóes, evidentemente falazes, que nao sáo adequadas ¿ nocáo da arte, pois que situam a beleza seja na utilidade, na adap— tado a um ñm, na simetn'a, na ordem, na harmonia das partes, na unidade, seja na diversidade, ou em combinacóes diversasde todos esses elementos. Deixando de lado essas tentativas infelizes de determinado objetiva, em todas as definicóes de beleza propostas pelos estetas, sobressaem dois principios opostos: o primeiro é ser a beleza uma coisa que existe por si, uma das manifestagóes do absolutamente perfeito, da ldéia, do Espirito, da Vontade de Deus; o segundo é que a beleza consiste num certo tipo de prazer por nós experimentado,no qual náo entra nenhum sentimento de proveito pessoal. Desses dois principios, o primeiro foi adotado por Fichte, Schelling, Hegel, Schopenhauer e os metafísicos franceses Cousin, Jouffroy, Ravaisson e outros de segundo nivel, e é ainda hoje muito difundido entre as pessoas cultas e de repre— sentantes de uma geracáo mais velha. 0 segundo principio, que vé na beleza uma impressáo individual de prazer, é apoiado principalmente por estetas ingleses e acolhido pelas novas geragóes de nossa sociedade. Por isso, como era inevitável, nao seriam possiveis senáo duas definicóes da beleza: uma objetiva, mistica, para qual a nogáo do belo submerge na perfeicáo suprema — Deus — uma deñnicáo fantástica e sem fundamento; a outra, ao contrário, simplissima e clarissima, mas absolutamente subjetiva — é aquela para a qual a beleza identifica—se com tudo o que agrada (eu nao acrescento a palavra “agrada” as palavras “sem a finalidade de proveito' porque “agrada” naturalmente pressupóe a auséncia da idéia de proveito). De um lado a beleza aparece como algo sublime, mistico, mas, ao mesmo tempo, muito indefinido (como as teorias de Schelling e Hegel e seus seguidores alemáes e franceses); aparece como uma espécie de prazer desinteressado experimentado por nós. Neste caso, igualmente, a nocáo de beleza, apesar de parecer muito clara, é infelizmente inexata, porque pode ser compreendida com outro sentido implicando que ela contenha o prazer de beber, de comer, de sentir uma pele macia etc., como acreditam Guyau, Kralik e outros. E bem verdade que, acompanhando a estética nas sucessivas fases de seu desenvolvimento, devemos reconhecer que as doutrinas metafísims e idealistas perdem terreno diante das doutrinas experimentais e positivas, a ponto de estetas
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como Véron e Sully esforgrem-se para eliminar inteiramente a nocáo do belo. Mas os filósofos desta escola, até agora, tém poucos adeptos e a grande maioria do público, sem excluir os doutos e os artistas, atém-se as deñnicóes clássims da arte, que lhes prescrevem como fundamento a beleza, considera como entidade mística metañsim, ou como forma especial de prazer. Busquemos examinar, portanto, este conceito de beleza ao qual os homens de nosso melo e de nosso tempo se agar— ram obstinadamente para definir a arte. Subjetivamente, o que denominamos beleza é tudo aquilo que nos oferece um prazer particular. Objetivamente falando, damos o nome de beleza a qualquer coisa absolutamente perfeita que está fora de nós. Mas está claro que assim fazemos porque o contato com essa perfeicáo nos oferece um determinado prazer, tanto que a deñnigio objetiva se reduz a ser somente uma nova forma de deñnigáo subjetiva. Realmente, o conceito da beleza vem a ser para nós o resultado do gozo de um prazer sui generis, isto quer dizer que consideramos como belo aquilo que nos agrada sem despertar desejo. Assim sendo, o natural seria que a estética renunciasse a deñnicáo da arte fundamentada no belo, isto é, no prazer individual, e se pusesse a procura de uma deñnigño mais geral, aplidvel a todas as obras de arte e que seja tal que nos faca distinguiraquilo que pertence ou nao ao dominio da arte. Mas, conforme terá visto o leitor, por meio de nossa retomada das diversas doutn'nas estéticas, nio encon— tramos nenhuma definigáo dessa espécie. Todas as tentativas de definir o belo absoluto — seja como uma imitagáo da natureza, ou como a adequagáo ao seu objeto, ou como uma conespondéncia das partes, ou como a simetría, ou como a harmonia, ou como a unidade na variedade, e assim por diante — ou nada deñnem ou deñnem apenas algumas características de algumas obras de arte e nao abrangem tudo aquilo que todos consideram sempre como penencente ao domi— nio da arte. Nao existe uma única definido objetiva da beleza. As deñnicóes existentes, sejam elas metañsims ou experimentais, chegam todas Aquela única deñnigño subjetiva: é considerado arte aquilo que manifesta a beleza, ou a beleza é aquilo que agrada, sem excitar o desejo. Muitos ñlósofos da arte sentiram a insufrciéncia e a instabilidade de uma deñnicáo e, para dar—[he um fundamento, estudaram as origens do prazer artístico (aquilo que agrada e por que agrada). Assim transfor— marama questio da beleza numa questio de gosto, como foi o caso de Hutcheson, Voltaire, Diderot e outros. Mas, em última análise, descobriu-se que o gosto nao e mais fácil de definir do que a beleza, porque nao há nem pode haver explimgáo total e séria do motivo pelo qual uma coisa agrada a uma pessoa e desagrada a outra e vice-versa. Por— tanto, a estética, tal como existe, desde sua fundado aos nossos tempos, falha naquilo que dela poderíamos esperar, em sua qualidade de pretensa ciencia, por nio ter sabido definir nem a propdedade, nem as leis da arte, nem as do belo (se isto for o conteúdo da arte), ou a natureza do gosto (se o gosto realmente decide a questáo da arte e o seu mérito), para que, com base em (ais deñnicóes, pudesse
(lqueéaAñe?
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rcconhecer como arte aquelas produgóes que conespondam a suas leis e rejeitasse uquelas que nao se enoaixem nelas. Toda esta famosa ciéncia da estética consiste, no fundo, em reconhecer como artísticas senao cenas obras, pelo único motivo de cºlas nos agradarem, e depois em arquitetar uma teon'a da arte adaptável precisa— mente a essas tais obras. Existe um cánone artístico segundo o qual sáo designadas como obra de arte cenas producóes que tém a boa sorte de ser agradáveis a certas classes sociais (as obras de Fídias, de Rafael, de Shakespeare, de Goethe, de Homero, de Bach, de Beethoven, de Sófocles, Tiziano, Dante etc.), depois, as leis da estética sao ajustadas de modo a abranger a totalidade de tais obras. Na literatura estética vocé irá constantemente encontrar opinióes sobre o mérito e a importáncia da arte, fundadas nio sobre quaisquer leis por quais esta ou aquela ¿ considerada boa ou mim, mas meramente sobre a consideraan se essa arte combina com o cánone da arte que tragamos. Um filósofo alemáo que eu lia há uns dias, Folgeldt, ao discutir os pro— blemas da arte e da moral, afirma claramente ser um erro buscar a moral da arte. Para provar isso diz ele que, se arte devesse ser moral, nio seriam obras de arte nem Romeu e julieta, de Shakespeare, nem Wilhelm Meíster, de Goethe. Mas, ¡a que esses livros sáo incluídos no nosso cánone da arte, ele conclui que a exigéri— cia é injusta. E que é, portanto, necessário encontrar uma deñnicáo de arte que se adequa as obras; e, em vez de uma exigéncia pela moralidade, Folgeldt postula como base da arte uma exigéncia pela importñncia (Bedeutungsvollx). E sobre este modelo que 550 fabricadas todas as estéticas. Em vez de comegnr por uma verdadei:a definido da arte e decidir depois o que pertence ou náo pertence a arte, admite—se um ceño número de trabalhos, que por certas razóes agradam a certa espécie de público, e, posteriormente, inventa-se uma deñnigáo da arte que posa englobar todos esses trabalhos. Por exemplo, o filósofo alemáo Muther, na sua História da Arte do Século XIX, enquanto toma cuidado para nio desaprovar as tendéncias dos pré-rafaelistas, dos demdentistas e dos simbolistas, esforga-se, ajuizadamente, para alargar sua definido da arte de modo a poder incluir estas novas tendéncias que lhe parecem como uma legítima reacáo ao exceso de naturalismo. Qualquer nova extravagáncia que abra caminho na arte, desde que acolhida pelas classes mais elevadas da sociedade, vé logo inventada uma teoria que a explique e sancione como se a história nao mostrasse períodos durante os quais certos grupos sociais criavam exceg6es para admitir e aprovar uma arte falsa, deformada e insensata, que logo se afundan'a no esquecimento sem deixar tragos. E a que extensáo a insanidade e a deformidade da arte podem chegar, especialmente quando como em nosso dias ela sabe que é considerada infalível, pode ser visto pelo que está sendo produzido em arte no nosso círculo de hoje. Portanto, a teoria da arte fundada na beleza, tal qual a apresenta a estética, reduz—se ¿ admissio entre as coisas boas de qualquer coisa que nos tenha agradado ou que ainda nos agrade. Para definir uma forma particular da atividade humana, é preciso antes
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compreender todo o seu significado e todo o seu valor. E, para alcan9ar esta nocio, faz—se mister examinar esta atividade em si mesma e em seus relacionamentos com suas causas e efeitos, e nao apenas com respeito ao prazer pessoal que dela se posa extrair. Se admitimos que o único Bm de uma certa forma de atividade é o nosso prazer e a definimos segundo o prazer que ela musa, nossa defrnigño certamente estará errada. Mas é precisamente ¡sto que acontece nas costumeiras deñnigóes a respeito da arte. Quando se estuda o problema da nutrigño, náo passaria pela
cabeqa de ninguém afirmar que a importánda do alimento mede-se pela soma de prazer que se obtém. Todos admitem e compreendem que sobre a satisfagáo do paladar nao se pode fundar uma definido relativa ao valor de um dado alimento e que, por isso, nio temos o direito de argumentar que a pimenta de Caiena, o queijo de Limbourg, o álcool etc., aos quais estamos habituados e que nos agradam, sejam os melhores entre os alimentos. A beleza, ou seja, aquilo que nos é agradável, nao pode, de nenhum modo, servir de fundamento para definir a arte, nem a diversidade de coisas que nos oferecem prazer pode ser considerada como o modelo de arte. Buscar 0 objeto e a ñnalidade da arte no prazer que dele se ext.rai é imaginar como fazem os selvagens, que o objetivo e o lim da alimentado situam-se no prazer que dela provém. Em ambos os casos, o prazer nio pasa de elemento necessário, e assim as pessoas que consideram o objetivo da arte ser o prazer nao podem perceber o seu verdadeiro significado e propósito, porque elas atribuem a uma atividade o significado do que reside na sua conexio com o outro fenómeno da vida, o objetivo falso e anómalo do prazer. B como nao se chega a conhecer a verdadeira frnalidade da alimentacio, que é a manutengño do corpo, se deixarmos de busca-lá no prazer de comer, assim também nao se compreende o verdadeiro significado da arte, enquanto nao se desiste de situar a finalidade da arte na beleza, ¡sto é, no prazer. O reconhecimento da beleza (¡sto é, de um certo tipo de prazer recebido da arte) como sendo o objetivo da arte nao somente falha em nos auxiliar em encontrar uma definido do que é arte, mas, pelo contrán'o, por transferir a questio a uma regiáo bastante estranha a arte (em discussóes metafísicas, psicológicas, fisiológi— ms, e até mesmo históricas, sobre por que uma tal produgáo agrada a uma outra pessoa), faz com que tal deñnigáo seja impossível. De igual modo, as discussóes sobre o motivo pelo qual a uns agradam as fmtas e outros tém preferéncia por carne em nada ajudam a descobrir o que é útil e essencial a nutn'gño. Assim o estudo das questóes do gosto na arte, além de nao ajudar a compreender essa forma particular da atividade humana a qual chamamos arte, provoca confusáo sobre toda a matén'a. Para a pergunta “O que é essa arte a qual sao oferecidos o trabalho de milhóes, a própria vida de muitos homens e até mesmo a própria moralidade?" temos extraído respostas das estéticas existentes e, no final, todas se resumem a isto: que o objetivo da arte é beleza, que a beleza é reconhecida pelo deleite que ela dá e que o deleite artístico é uma coisa boa e importante, porque ele e' o
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()queéaArte?
deleite. Assim, o que é considerado deñnigáo da arte nio é definido coisa nenhuma, mas apenas um ardil para justiñmr a arte existente. Desse modo, nessas várias definiqóes da arte, por mais estranho que possa parecer, nio obstante a quantidade de livros escn'tos a respeito dela, nio foi ainda dada nenhuma deñnigio exata de ane, por um único motivo: o de sempre se querer fundamentar o conceito de arte através do conceito da beleza. '
CAPÍTULO
v
Deñnlcóes nio baseadas na beleza. A definicáo de Tolstól. A extensáo e ¿ necessldade da arte. Como as pssoas no passado dlstlngulam o bom do mau em arte. Que coisa é, pois, a arte, uma vez excluida a idéia de beleza, que serve para atrapalhar, inutilmente, o problema? As últimas reais e compreensíveis deñnicóes de arte que atestam uma certa lntencáo de deixar de lado o con— ceito de belo sao: a) Segundo Schiller, Darwin e Spencer, a arte é 'uma ativi— dade que se encontra também nos animais e nasce do instinto sexual e do instinto lúdico; e Grant Allen acrescenta que tal atividade se acopla a uma gradual excitacáo do sistema nervoso, fisiológico—evolucionista; b) Segundo Véron, a arte é a manifestacáo exterior de uma comocáo interior, obtida por meio de linhas, cores, movimentos e sons ou palavras, é a definicáo experimental; c) Segundo Sully, “arte é ¡¡ producáo de um objeto durável ou de uma acáo passageira tal que suscite na pessoa que produz um prazer auvo e de— termine, num dado número de espectadores, ou de ouvintes, uma impressio agradável, a qual exclua toda consideracáo de utilidade prática”.+ Estas trés deñnicóes, embora muito superiores as definicóes metafísicas que fundamean a arte na beleza, permanecem, ainda assim, longe de serem exatas. A primeira definicáo fisiológica-evolucionista é inexata porque, em vez de considerar unicamente a atividade artistica, em si mesma, que constitui a esséncia da arte, contempla apenas a origem da arte. De igual modo é inexata, também, a proposta adicional de Grant Allen, entendendo-se que a excita;áo nervosa por ele mencionada pode ser acom— panhada nio só do ato artístico, mas de multas outras formas de atividade humana. 13 disso originou—se o erro das novas teorias estéticas, pelas quais é elevada a dignidade de arte a preparacio de belasroupas, de agradáveis perfumes e até de especialidades culinárias. A deñnigáo experimental de Véron, que coloca a arte como expressáo de cortas emocóes, é inexata, visto podermos expressar as próprias emocóes por melo de linhas, cores e palavras ou sons, sem que semelhante expressáo possa agir sobre o próximo, e, nesse caso, esta expressio náo pode ser considerada arte. Quanto ¿ última deñnigño, a de Sully, porque na produgño de objetos que proporcionam o prazer Aqueles que os produzem e uma impressáo agradável aos espectadores, pode—se arranjar uma atividade lúdim, exercícios de ginástica e outras atividades que nio sao arte. Inversamente, sáo encontrados produtos pertencentes
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Leon Tolstóí
a arte que nao oferecem sensacóes agradáveis a quem os produz ou ao público,
como, por exemplo, as cenas dolorosas ou patétims numa poesia ou num drama. A deñciéncia de todas estas deñnicóes provém do fato de todas elas, assim como as deñnicóes metafísicas, serem fundadas somente no prazer que a arte pode oferecer e náo sobre a funcáo a que ela pode e deve servir na vida do homem e do género humano. Para definir mais cornetamente a arte, faz—se mister renunciar nela reconhecer apenas uma forma de prazer e consideré-Ia antes como uma das condicóes essen— ciais da vida humana. Sob tal aspecto a arte se apresentará a nós, de imediato, como um meio de comunimgño entre os homens. Toda obra artística obtém o efeito de pór aqueles que Ihe experimentam o fascínio em comunicado com aquele que foi o seu autor e com todos aqueles que, antes ou depois, foram ou serio seus participantes. A arte age como a palavra, que serve de ligagáo entre os homens, transmitindo-lhes o pensamento, lá onde, por meio da arte, sio comunicados pensamentos e emocóes. A peculiaridade deste último meio de intercurso, distinguindo—o do intercurso por meio de palavras, consiste nisto: enquanto por palavras um homem transmite seus pensamentos a um outro, pela arte ele transmite seus sentimentos. Todo homem é capaz de experimentar todos os sentimentos humanos, ao paso que nem todos os homens sabem expressá-los. Se um deles, porém, por meio da visáo ou do ouvido, percebesse a expressáo dos sentimentos de um outro homem, poderia experimentá-los em si mesmo, embora tratando—se de sentimen— tos novos para ele. Para tomar um exemplo dos mais simples: quando um homem n', quem o ouve rir se tomará mais alegre; se alguém chora, os que o véem chorar se entristecem. Alguém excita—se ou mesmo exaspera-se; os presentes sao levados ao mesmo estado de espírito. Outro expressa coragem por meio de gestos ou pelo tom da voz; ou a resigna9áo, a tristeza de seu sentimento se comunicará aos que véem ou escutam. Ou expressamos a sua dor com gemidos e suspiros, a sua dor passará a alma de quem o ouve. O mesmo pode—se dizer de mil outras emocóes: um homem expressa os seus sentimentos de admirado, medo, respeito ou amor aos mesmos objetivos, pessoas ou fenómenos. Ora, essa forma de atividade, chamada arte, fundamenta—se nessas atitudes do homem, que experimenta os sentimentos alheios. Se uma pessoa age sobre o sentimento alheio, pelo seu aspecto ou pelas suas palavras, enquanto ela própria é presa do sentimento que manifesta; quando in— duz outro a bocejar, quando se sente constrangida a bocejar, ou a rir ou a chorar; quando ela própria experimenta a compulsáo de rir ou chorar, estes efeitos de contágio nio sio resultados da criado artístim. A arte inicia—se quando o homem reinvom em si sentimentos já experimen— tados anteriormente com o ñm de fazer com que outra pessoa também os expe— rimente, exprimindo esses sentimentos por certas indimcóes externas. Tomemos, ainda desta vez, um exemplo elementar. Um rapaz assustado por ter encontrado um lobo narra sua aventura. E. para desocrtar nos ouvintes a emocáo por ele
OqueéaArte?
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experimentada, descreve suas condicóes naqueie momento, os objetos que o circundavam, seu total abondono e depois a imprevista aparicio do lobo, seus movimentos, a distáncia a que chegou etc. Nessa nan—acáo temos um fato de arte, se o rapaz, ao narrar seu caso, ressuscita em si os sentimentos já experimentados, seu gesto, 0 tom de sua voz e suas imagens, que forcará os ouvintes a experimen— tar, eles próprios, sentimentos análogos. E ainda, se o rapaz jamais tivessevisto um lobo e se tivesse apenas se apavorado com a idéia de encontrar um, que quisesse comunicar aos outros este seu pavor, inventando um encontro com um lobo e o narrasse de modo a horripilar os ouvintes, ainda assim, nesse caso, teríamos um fato de arte. Assim, portanto, a arte existe sempre que uma pessoa, tendo expe— rimentado na realidade, ou na imaginado, o temor de sofrer ou o desejo de gozar, expressa na tela ou no mármone os seus sentimentos e de tal modo faz que os comunica a outrem. Existe arte quando uma pessoa sente ou imagina experimen— tar sentimentos de alegria, de tristeza, de desespero, de coragem, de ambmnhamento, bem como as transic;óes entre um e outro desses sentimentos, expressando tudo isto em sons que dio aos outros condicóes de experimentar, também eles, iguais emocóes. Os sentimentos que o artista comunica aos outros podem ser de várias es pécies, fortes ou fracos, importantes ou insignificantes, bons ou maus: sentimentos de amor pela sua pátria, autodevodo e submissáo ao destino ou a Deus expresso num drama, éxtases de amantes descritos num romance, sentimentos de voluptuosidade expressa num quadro, coragem expressa numa marcha triunfal, alegria evocada por uma dang, humor evomdo por uma história engragnda, o sentimento de quietude transmitido por uma paisagem do entardecer ou por uma cando, ou o sentimento de admira<;áo evocndo por um belo arabesco — é tudo arte.
A arte ¿ a atividade bumana em que um bomem, conscientemente, através de
certos signos exteriores, comunica a outraspassoas sentí mentos que ele vivencíou, de modo a contamíná-las e fazé—las víuendar os mesmos sentimentos. Enganam-se os metafísicos que véem na arte a revelacio de uma idéia misteriosa da beleza ou de Deus. Tampouco é a arte, como querem os estetas ñsiologistas, uma atividade lúdica na qual o homem despende seu excedente de energia. Nao é a producáo de objetos agradáveis; nio é, acima de tudo, um prazer; é um melo de reunir os homens, angariando-os pela unidade de sentimentos e, portanto, indispensáveis a vida da humanidade e ao seu progresso no mminho da
felicidade. Do modo pelo qual, em virtude de nossa faculdade de expressarmos por melo de palavras os pensamentos, cada um de nós pode conhecer o que foi feito antes de nós no dominio das idéias e tomar parte na atividade mental dos contem poráneos, além de transmitir a estes e aos descendentes os pensamentos recebidos de outros e os formados por eles mesmos. Assim, em virtude do nosso poder de transportar a outros os nossos sentimentos por meio da arte, tomam-se acessíveis todos os sentimentos que se agitam em torno de nós, bem como outros, experi-
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mentados mil anos antes de nascermos. Se náo gozássemos da faculdade de acolher idéias concebidas por nossos predecessores e de transmitir as nossas a outros, seríamos animais selvagens, ou iguais a Kaspar Hauser.1 E, se nos faltasse a aptidáo para receber a impressáo dos sentimentos de outrem por meio da arte, seríamos ainda mais selvagens, ainda mais separados uns dos outros, mais hostis as mudancas. E por isso que a arte é uma atividade de suma importancia, nao menos importante que a própria linguagem, e nao menos uni—
versa]. Assim como a linguagem nao age sobre nós somente em sermóes, oracóes ou livros, mas em todas aquelas omsióes pelas quais nós intercambiamos pensamentos e expen'éncias uns com os outros, assim também a arte, no seu amplo sentido da palavra, permeia toda a nossa vida, mas somente em algumas de suas manifestacóes é que aplicamos o termo no seu sentido limitado da palavra. Habituamo-nos a nao compreender na denomina;áo de arte senao aquilo que ouvimos e vemos nos teatros, nos concertos, nas exposigóes, ou aquilo que vemos nas construcóes, estátuas, poemas, contos etc. Ora, tudo isso náo passa de uma ínfima parte da arte verdadeira, com a qual manifestamos aos outros a nossa vida interior ou percebemos a deles. Toda a existéncia humana transborda arte, desde as mncóes de ninar, as dangns, a mímica, ornamentagáo das mms, vestimentas, utensilios, prédios, monumentos, as cantilenas, até os oficios religiosos e cerimó— nias públicas. Tudo isso pertence a arte. Visto a palavra nao agir sobre nós somente pela eloqúéncia e pelos livros, mas também nas conversacóes familiares, de modo semelhante a arte, entendida em seu signiñmdo mais amplo, invade toda a nossa vida, e, assim chamada arte, em sentido estreito, está bem longe de apresentar o conjunto da verdadeira arte. Os homens da antigiiidade reconheciam apenas uma parte dessa enorme e diversa atividade artística, ¡sto é, apenas aquela que se propunha a perpetuar os sentimentos religiosos. Assim entenderam a arte os antigos sábios, desde Sócrates, Platáo e Aristóteles, desde os profetas hebreus e desde os primeiros cristios. Assim a entendem, ainda hoje, os muculmanos. E assim entende o povo de nossas aldeias russas. Alguns mestres da humanidade, como Platao, na República, e povos como os primitivos cristáos, os muculmanos e os budistas chegaram a negar a qualquer arte o direito de existir. Pessoas que visualizam a arte deste modo (em contradigio ¡ visáo prevalecente de hoje, que considera qualquer arte como boa se somente fornece prazer) sustentaram e sustentam que a arte (em contraste a linguagem, que nao necessita ser ouvida) é táo altamente perigosa no seu poder de afetar as pessoas contra as suas vontades que a humanídade perderia muito menos por banir a arte do que por tolerar toda e qualquer arte. Certamente, enam os homens e as nacóes ao condenar todo 0 género de arte, ¡sto é, ao querer suprimir uma coisa que nao pode ser suprimida, um dos
0queéaAñe?
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melos de comunimgáo mais indispensáveis entre os homens. Mas esse erro era menor do que aquele que cometem as nacóes européias civilizadas, ao favorecer todas as artes, mediante 0 pacto de produzirem o belo, ou antes coisas que déem prazer. Antigamente, por temor de que entre várias obras de arte houvcsse algu— mas aptas a corromper as pessoas, condenavam—se todas elas pelo temor. Hoje em dia, ao contrário, o medo € de privar alguém de qualquer prazer insigniñmnte e ¡sto basta para tomarem aceitáveis todas as artes, com o risco de admitir algumas até perigosas. Erro este, bem mais grosseiro que o outro, que pode produzir con— seqñéncias mais desastrosas.
Nota 1. “A
criang enieltada de Nuremberg", encontrada no mercado daquela cidade em 23 de
unio de 1828, aparentando cera de
16 anos. Falava pouco e lgnorava totalmente mesmo
os objetos mais comuns. Ele posteriormente explican que fora criado num oonflnamento subterráneo e visitado por somente um homem, que ele só via raramente.
CAPÍTULO VI Como a arte pelo prazer da arte velo a ser estimada. Rellglóes lndlcam o que e considerado bom e mau. O cristianismo da lgre]a. 0 Renasdmento. Cetidsmo das classes superiores. £les confundem o belo com o bom. Mas como velo a acontecer de 3 arte nio religiosa, antigamente apenas to— lerada, ser considerada, em nossos dias, a favorita, com a condigio de que oferecesse prazer? Els brevemente como se pode explicar o fato. A estima da arte, ¡sto é, quanto valem os sentimentos que ela propaga, depende do conceito que formamos da vida e de seu significado e daquilo que nessa vida nos parece bom ou mau. E o que distingue o bom do mau traz o nome de religiáo. 0 género humano avangn no processo, elevando—se de um conceito inferior, parcial e obscuro da vida a um outro, mais elevado, mais compreensi»o e mais claro. Nesse movimento do progresso, como em todos os movimentos, os homens sio dirigidos por certos líderes, que entendem melhor que os outros o significado da vida. E entre esses precursores há sempre algum que terá expresso mais claramente, ou de modo mais forte que os outros, seu conceito pessoal, ou que o fez tanto por melo de palavras como por seu exemplo. E a maneira como ese homem expressa o signiñcndo da vida, acompanhada das tradicóes, das supersticóes e das cerimónias que circundam sempre a memória da figura dos grandes, que constitui essendalmente as religióes. sao elas o espelho do conceito que formam da vida os melhores e mais inteligentes homens de uma dada época e de uma dada so— ciedade, o qual acaba por ser, irresistivelmente, adotado pela sociedade inteira. Por isso, em todos os tempos, as religióes tém servido para indicar a medida dos
sentimentos humanos. Aqueles pelos quais o homem se aproxima do ideal pro— posto pela religiáo e com este se harmoniza sao considerados bons, e aqueles que distanciam o homem do ideal de sua religiáo sao considerados maus. Portanto, se como entre os antigos hebreus, segundo a religiáo, o significado da vida consiste na adoragáo de um Deus único e na submissáo a sua vontade, os sentimentos de obediéncia a lei divina sao considerados bons e dio lugar a arte boa, representada pelas poesias sacras dos profetas, pelos salmos da época do Génesis. E considera—se mi arte tudo aquilo que se opóe a esse ideal, tal como as expressóes de um culto a divindadesestranhas e outros sentimentos incompatíveis com a lei de Deus. No uso dos gregos, ao contrán'o, quando a religiáo explica o signiñmdo da vida, recolomndo-o na feliddade terrena, na forgn e na belen, considera—se uma boa arte aquela que expresa a alegria e a operosidade da vida, má aquela que expressa sentimentos de languidez e melancolia. Recolomdo o
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significado da vida, como entre os romanos, para colaborar pela grandeza da na<;áo ou, como entre os chineses, para prestar honrarias aos antepassados e perpetuar— lhes 0 género de vida, seria, naturalmente, considerada boa ane aquela que ex pressa a alegria do sacn'fício pessoal pelo bem da nacio, ou respeito pelos ante passados e o desejo de os imitar. E má seria toda arte que apregoa sentimentos opostos. Quando, pois, o sentimento da vida, como entre os budistas, está na libertado do homem dos entraves da animalidade, será boa toda arte que exalta a alma em detrimento da carne e má toda aquela que preconim sentimentos próprios que favorecem a cobiga material. Em todas as épocas, em todas as sociedades, há uma consciéncia religiosa, comum a todos, do bom e do mau, que serve para o confronto e julgamento dos valores expressos pela ade. Desta forma, entre todas as nagóes, a arte que trans— mitia sentimentos considerados bons pelo senso religioso geral era reconhecida como sendo boa e era encorajada, mas a arte que transmitisse sentimentos considerados maus por este senso religioso geral era reconhecida como sendo má e era rejeitada. [sto acontecia entre os hebreus, os gregos, os romanos, os chineses e os egipcios e assim era, igualmente, entre os primeiros cristios. O cristianismo dos primeiros séculos nao reconhecia como boa ane senao lendas, vidas de santos, sermóes, oracóes, hinos e tudo o que expressava o amor por Cristo, admiragño pela sua vida, desejo de imita—lo, renúncia aos prazeres do mundo, humildade, caridade, e todas as obras anísticas inspiradasem sentimentos de prazer pessoal eram tidas como coisa ruim e, por isso, condenadas; por exem— plo, as artes plásticas nio eram admitidas senao como representa;óes plásticas simbólicas, e toda a ane paga era condenada. Assim faziam os primeiros cn'stáos, que concebiam a doutrina de Cristo, se nao totalmente em seu sentido verdadeiro, pelo menos sob uma maneira diversa da forma perve¡tida e paganimda que mais tarde revestiu essa mesma doutrina. Mas, ao lado desse cristianismo, desde o tempo da conversio em massa das nagós pela ordem das autoridades, assim como aconteceu nos diasde Constantine, Carlos Magno e Vladimir, aparecen um outro, o cristianismo da Igreja, que estava mais próximo do paganismo do que dos ensinamentos de Cn'sto. Este “cristianis— mo de Igreja”, nas suas doutrinas, comecou a avaliar de um modo muito diverso as obras de arte. Nao apenas este “cristianismo de Igreja" nao reconhecia os pre— ceitos fundamentais do cristianismo auténtico (o estreito relacionamento de todos os homens com Deus, a perfeita igualdade e fraternidade de todos os homens, a humildade e o amor em lugar da violéncia), mas, ao contrário, tendo havido a substituido por uma hierarquia celeste análoga ¿ mitologia paga, tendo havido a introdugño, na religiáo, do culto de Cristo, da Virgem, dos Anjos, dos Apóstolos, dos Santos e mesmo da imagem deles, isso fez da fé cega na Igreja e nos seus costumes os pontos essenciais dos seus ensinamentos. Nao imponta o quáo estranhos esses ensinamentos possam ter sido ¿ verdadeira Cristandade. nem auáo demadados em comoarado náo somente com a
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verdadeira Cristandade mas também com a concepgño de vida dos romanos como Juliano e outros, por tudo que eles foram para os bárbaros que os aceitaram — uma doutrina mais alta que sua antiga adorado de deuses, heróis, bons e maus espíritos. Mesmo assim, esses ensinamentos foram uma religiáo para eles e na base dessa religiáo a arte daquele tempo se ñxou. A arte germinada por esa religiáo expressava o amor a Virgem, a Jesus, aos Santos e Anjos, a cega obediéncia aos dogmas, o medo das penas do inferno e a esperanga das alegrias da vida futura. E toda arte que se opunha a lso acreditava-se ser má. Esta arte, ainda que fundada sobre uma bastardia do cristianismo, era arte verdadeira, uma vez que correspondia ao conceito religioso dos homens entre os quais ela florescia. Os artistas da Idade Média, ao atingirem os sentimentos deste manancial popular e interpretando—os na arquitetura, na pintura e na música, na poesia e no drama, eram verdadeiros artistas, e suas obras, segundo o oficio das obras de arte, eram os seus sentimentos para toda a comunidade que os circun— dava. Assim prosseguiram as coisas até que as classes nobres, ricas e cultas da sociedade européia comegnssem a duvidar da veracidade da concepcáo de vida expressa no cristianismo oficial. Quando, após as Cruzadas e o apogeu do poderío dos Papas, aquelas classes conseguiram atingir o raciocinio dos autores clásicos. reconhecendo, de uma parte, o bom senso e a clareza dos ensinamentos gregos e, de outra, a incompatibilidade da doutrina eclesiástica com as núximas de Cristo, veriñcnram que era impossível continuar a crer na doutrina da Igreja. Todavia, permaneceram submissas, na aparéncia, ás formas eclesiásticas, mas apenas por inércia e para conservar a própria influéncia sobre o povo, o qual nada perdera da fé e da obediéncia. Na realidade, o cristianismo eclesiástico cessara de ser a doutrina religiosa comum a todos os cristios. E as classes mais cultas, que detinham o poder, a riqueza e também o lazer e os meios de produzir e encorajar a arte, encontravam—se nas condicóes dos romanos cultos de antes do cristianismo; nao admitiam mais a religiáo das turbas, mas sem estar de pose de outra fé que lhes pudesse substituir a doutrina da Igreja que haviam abandonado. A única variado era que os romanos, perdida toda a sua fé em seus imperadores divinizados, nao podiam se voltar as confusas mitologias que haviam precedido as deles e foram forgdos a criar um novo conceito de vida, enquanto os homens da Idade Média, ao duvidarem do cristianismo eclesiástico, nao preci— savam ir longe para encontrar melhor doutrina. Bastava que eles repudiassem na doutrina de Cristo as alteracóes que a Igreja nela havia produzido. E foi precisamente o que ñzeram alguns, nio só os reforrmdores Wyclif, Huss, Lutero e Calvino, como também, os seguidores do cristianismo náo-oñcial, os paulinianos, os bogomilos, os waldeses e os heréticos. Mas esse retomo ao cristianismo primitivo aconteceu apenas da parte de gente humilde, desprovida de quaisquer leis. Houve, na verdade, ricos que, como Francisco de Asis, admitiram a doutrina de Cristo em seu pleno signiñmdo e com todas as suas conseqúéncias, a ela sacrificando seus privilégios sociais. Mas a maior parte das pessoas pertencentes as classes mais
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elevadas, embora do fundo de suas almas afastadas da doutrina da Igreja, nao quiseram nem puderam seguir aquele exemplo, pois a esséncia do verdadeiro cristianismo consistía em admitir a fratemidade e, portanto, também a igualdade de todos os homens, o que teria destruído os privilégios em que foram criados e que estavam habituados a desfrutar. E estes membrosdas classes superiores, papas, reis, duques e todos os poderosos deste mundo permaneceram, assim, sem uma religiáo verdadeira e contentaram—secom a conserva$o das formas exteriores da religiáo, cujas doutrinas justiñmvam os privilégios que lhes eram caros. E eram precisamente eles que, dotados de poder e riqueza, pagavam e dirigiam os artistas. E foram precisamente estas pessoas, note—se bem, que ñzeram surgir uma nova arte, nao mais avaliada segundo sua mpacidade de expressar os sentimentos religiosos do tempo, mas segundo a sua beleza, isto é, segundo o prazer que poderia oferecer. Estes poderosos, enfim, impossibilitados de crer numa religiáo reconhecidamente falsa e, de igual modo, de admitir o velho cristianismo, que condenava o seu modo de vida, foram reconduzidos, sem 0 querer, ao conceito pagáo que colomva no prazer pessoal o significado da vida. Nessa omsiáo, entre as classes mais elevadas, surgiu aquilo que chamamos “Renascimento das letras e das artes”, que nao era na realidade somente a negado de toda religiáo, mas também a assertiva de que a religiáo é desnecessária.— A doutrina da Igreja é um sistema tao coerente que nao pode ser alterada ou corrigida sem que seja toda ela destruida. Tao logo dúvidas surgiram com relacio a infalibilidade do Papa (e esta dúvida estava entáo nas mentes de todas as pes— soas instruidas), seguia—se inevitavelmente a dúvida sobre a verdade da tradigáo. Mas a dúvida sobre a verdade da tradigio é fatal nao somente ao papado e ao catolicismo, mas também para todo o credo da Igreja, com todos os seus dogmas: a divindade do Cristo, a ressurreicáo e a Trindade; e destrói a autoridade das Escrituras, já que elas eram consideradas inspiradassomente porque a tradigáo da Igreja assim decidira. De modo que a maioria das classes mais altas daquele período, até os papas e os eclesiásticos, realmente nao acreditavam em coisa nenhuma. Na doutrina da Igreja essas pessoas nao acreditavam, pois viam a insolvéncia dela, mas também nio podiam seguir Francisco de Asis, nem Pedro de Chelczic, nem a maion'a dos heréticos, no ensinamento moral e sodal de Cristo, pois aquele ensinamento minava a sua posido social. De fato, a época do Renascimento representa um período de completo ce— ticismo nas classes superiores. Desprovidos como eram da religiáo e da fé, bem como de qualquer norma para distinguir a boa arte da má arte, os homens dessas classes adotaram o critério do prazer pessoal. Uma vez admitido o prazer, em outros termos, a beleza, como critério do bem, contentaram—se em apegar—se ao antigo conceito de arte na realidade grosseiro — dos gregos antigos. A sua nova teoria da arte deñui diretamente de seu novo modo de compreender a vida.
CAPÍTULO vu Uma teoria estética moldada para se adequar ¿ visáo de vida das classes governantes. Desde que as classes mais elevadasda sociedade européia sentiram perdida toda a sua fé no cristianismo da Igreja, a beleza, ou melhor, o prazer estético, tomou-se, para ela, o critério da arte boa ou má. E, segundo tal nodo, nasceu entre elas uma nova doutn'na estética, com fmalidadede justifid-Ia. Teoria segundo a qual o lim único da arte é produzir beleza. Os seguidores desta teoria, para tomá-la mais aceitável, sustentavam que esta nao fora inventada por eles, pois jonava com espontaneidade da natureza das coisas e, pelo contrário, fora reconhe— cida mesmo pelos antigos gregos. Añrmagáo esta que é absolutamente arbitrárla e inexata, visto que os gregos, na realidade, nio distinguiam claramente o bom do belo. Náo possuíam nenhuma idéia clara sobre aquela perfeigño suprema do bem, distinta da beleza estética, nao raro oposta a esta, pressentlda antigamente por certos profetas hebreus e mais tarde plenamente tracejada na doutrina de Cristo. Imaginavam eles que o helo devesse necessariamente ser igualmente bom. So— mente seus maiores pensadores, como Sócrates, Platáo e Aristóteles, sentiram que a bondade nem sempre coincide com a beleza. Sócrates expressamente subordi— nava a beleza a bondade. Platáo, a lim de unir os dois conceitos, disconia sobre uma beleza espiritual. Aristóteles exigía que a arte, com a catham's (purificacáo), exercesse uma influéncia moral sobre os homens. Mas, excetuando-se estes sábi08, os demais faziam a concordáncia total do belo e do bom e assim se explica que na lingua do período haja um composto Kalokagatbon (helo-bom) que tenha servido para designar essa nodo. Evidentemente os sábios gregos chegaram perto da percepgáo da bondade expressa no budismo e no cristianismo, mas se complicaram em definir a relacáo entre a beleza e a bondade. 0 raciocinio de Platio sobre a beleza e a bondade é chelo de contradi96es. E foi justamente essa confusáo de idéias que os europeus de uma época posterior, que haviam perdido toda a fé, tentaram elevar ¿ posigño de lei. Isso nao era senáo o resultado de uma cultura incompleta, a simples confu— sáo de dois conceitos bem distintos. Ora, estetas do Renascimento quiseram elevar esta confusáo a dignidade de lei. Pretendemm demonstrar que a superposigáo da beleza e da bondade depende da natureza das coisas, e que é necessário, e que o sentido da voz kalokagathon (o qual se valía de uma significacño para os gregos e que nao podia valer para os cristios) representa o mais alto ideal do género humano. Toda a nova estética gira em torno desse equivoco. E, para justificar esta
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nova cléncia, a teoria da arte dos antigos foi interpretada de maneira a dar a impressio de que esta ciéncia ficticia — a estética — teria existido, igualmen— te, nos gregos. Na realidade, as consideracóes dos antigos sobre arte 550 muito diferentes das nossas. “Reparando bem" — diz Benard no seu livro sobre a estética de Aristóteles — “acha-se que em Aristóteles, como também em Platao e em seus sucessores, a doutrinado belo e da arte sao, na verdade, separadas”. E de fato o raciocinio dos antigos sobre a arte nao somente nao confirma a nossa ciéncia da estética, mas antes contradiz a sua doutrina da beleza. Contudo, todas as direcóes da estética, de Schasler a Knight, declaram que a ciéncia do belo — a ciéncia estética — foi iniciada pelos antigos, por Sócrates, Platio, Aristóteles, e limitou—se, dizem eles, até um certo ponto, aos epicuristas e aos estóicos, por Séneca e Plutarco, até chegar a Plotino. Mas é suposto que essa ciéncia, por algum acidente infeliz, desapareceu de repente no século IV e permaneceu assim por mais ou menos mil e quinhentos anos, e somente depois desses mil e quinhentos anos passou a ser revista na Alemanha, em 1750 d.C., na doutrina de Baumgarten. Depois de Plotino, diz Schasler, quinze séculos se passaram durante os quais nao se mostrou o mínimo interesse científico pelo mundo da beleza e arte. Estes mil e quinhentos anos, diz ele, foram anos perdidos para a estética e em nada contribuíram pela construcio de um edificio erudito desta ciéncia.1 Na realidade nada disso aconteceu. A ciéncia da estética, a ciéncia do belo, nao desapareceu nem podia desaparecer, pois jamais existiu. Os gregos, de modo igual a outros povos, consideravam boa a arte quando esta servia a bondade, vale dizer aquilo que consideravam bom. Mas o sentido moral estava neles táo pouco desenvolvido que a bondade e a beleza pareciam-lhe coincidentes. Além disso, jamais tiveram nem a sombra de uma doutrina es— tética acerca do que lhes é atribuido. A estética é uma inven9áo dos tempos modernos e só tomou forma científica a partir de Baumgarten. Os gregos (como pode observar qualquer um que leia o admirável livro de Benard sobre Aristóteles e seus sucessores, e a obra de Walter sobre Platao) nunca tiveram uma ciéncia da estética. As teorias estéticas despontaram por volta de cento e cinqúenta anos atrás entre as classes abastadas do mundo cristio europeu e despontaram simultaneamente em diferentes países — Alemanha, Italia, Holanda, Franca e Inglaterra. O seu fundador e organizador, quem lhes deu uma forma científica e teórica, foi Baumgarten. Como bom alemáo, Baumgarten, com um desvelo assaz pedantesco pela simetría e exatidáo exteriores, e com um desprezo absoluto por toda observacáo de fato, fabricou e expós sua singular doutrina. Esta, a despeito de sua absurdidade, divulgou-se nos círculos de gente culta e é hoje respeitada pelos doutos e os ignorantes como se fosse uma verdade indestrutível e uma evidéncia absoluta. Pro capta lectorts haben: sua fata líbellí: “Os livros tém seus destinos
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segundo o entendimento dos leitores” e ainda com maior justica pode-se dizer que tém sua fata as teorias segundo o grau de erro no qual se acha imersa a sociedade na qual tais teorias sao inventadas. Se alguma teoria serve para ju$tificar a falsa posicáo em que vive uma classe da sociedade, por muito que se revele infundada e abertamente falsa, é acolhida por aquela classe social como artigo de fé. Esta sorte teve, por exemplo, a célebre e absurda doutrlna de Malthus, com a qual se sustentava que a populacáo da Terra aumenta em progressáo geométrica, ao paso que os meios de subsisténcia crescem apenas em progressio aritmética. Seria inevitável, portanto, uma excessiva aglomera— cio de gente na Terra. A mesma coisa aconteceu com a teoria (derivada da malthusiana), que situa a base do progresso da humanidade na selecáo e na luta pela vida. E lsto acontece, ainda, com referéncia a doutrina de Marx, a qual nos apresenta como lei fatal e inevitável a destruigáo gradual da pequena
indústria privada por obra da grande indústria capitalista. Tais doutrinas bem podem carecer de qualquer fundamento, opor-se a todas as certezas e todas as esperancas do género humano, podem ser total— mente e torpemente imorais; e, todavia, essas teorias sáo aceitas sem críticas e pregadas com paixáo, instruem sem dlscussáo, ás vezes por vários séculos, até que nao desaparecam as condicóes as quals elas servem para justificar ou até que seu absurdo se torne evidente. A essa classe pertence 3 teoria assom brosa da trindade baumgarteana: Bondade, Beleza e Verdade, segundo a qual fica parecendo que o melhor que pode ser feito pelas artes nacionais depois dos mil e novecentos anos de ensinamento do cristianismo é escolher como o ideal de vida aquele que era sustentado por pessoas pequenas, semi-selvagens, detentores de escravos que viveram dois mil anos atrás, imitaram extre— mamente bem o nu humano e erigiram construgóes agradáveis de se ver. Todas esas incompatibilidades passam sem serem notadas por completo. Eruditos escrevem tratados longos, nebulosos sobre a beleza como um membro da trindade estética da Beleza, Verdade e Bondade; das Scbóne, das Wabre, das Cute; le Beau, le Vraí, le Bon, sao repetidos com letras maiúsculas por filósofos, esteticlstas, artistas, por individuos, por romancistas e por feuilletonístes. Pronunciando essas palavras, pensam que dizem algo de concreto e determinado, sobre o que possam repousar suas opinióes. Palavras nao só nao possuem nenhum sentido determinado, mas impedem até a compreensáo de uma arte qualquer, em qualquer sentido plausível, como aquelas que foram formadas somente para justificar a falsa importáncia atribuida a forma mais baixa da arte, aquela que nio possul outro fim sendo o de proporcionar prazer.'
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Nota de quinhentos anos qe ocorre entre as observacóes artístico—filosóficas de Platio e Aristóteles e as de Plotino pode parecer realmente surpreendente, mas nao se pode dizer com exatidáo que nesse intervalo de tempo nio tivesse havido absolutamente nenhuma referéncia ¡¡ questio de Estética; ou ainda que exista uma com— pieta falta de correspondéncia entre as visóes da arte deste último filósofo e as dos anteriores. E verdade que a ciéncia fundada por Aristóteles nao era, de nenhum modo, tao avancada assim; mas, apesar de tudo Isso, durante esse intervalo, nota—se um certo interesse nas questbes estéticas. Mas, depois de Plotino (os poucos filósofos próximos a ele em tempo, como Longino, Augustino e assim por diante, dificilmente entram em questio como vimos, além do mais cies aderem a ele em suas visóes), passou—se nio apenas cinco, mas quinze séculos dos quals nao ha nenhuma indicacao de qualquer tipo de interesse científico em relacio ao mundo do belo e da arte. Esses mil e quinhentos anos durante os quals o espírito do mundo elaborou um fundamento de vida completamente novo sio anos perdidos para estética no tocante a qualquer formulacio posterior dessa ciéncia." - Max Scbasler em Kritiscbe Gescbícbte der Aestbetík. 1. “A lacuna
CAPÍTULO V… Quem adotou essa teoria estética. Arte real necessárla para todos os homens. A nossa arte, cara demais, demasiadamente lnlntellgível, e demasiadamente nociva para es massas. A teoria do “elelto” em arte. Mas, se arte é uma atividade que tem por objetivo propagar entre os homens melhores e mais elevados sentimentos de nossa alma, como se explica que 0
género humano, por um período considerável de sua existéncia (do tempo em que as pessoas pararam de crer na doutrlna de Igreja até os dias atuais), haja renunciado a esta atividade, substituindo por ela uma fundo artística inferior, enderegnda unicamente ao prazer? Para responder a tal questáo, faz—se necessán'o primeiro desfazer o erro sin— gular pelo qual nossa arte atribui a si mesma valores universais. Tao habituados estamos náo somente a considerar ingenuamente uma família cirmssiana o melhor tipo de gente, mas também a raca angIo-saxónim a melhor raca se somos ingleses ou americanos, ou a teutónim se somos alemáes, ou a galego—latina se somos franceses, ou a eslava se somos russos, que ao falarmos da nossa própria arte sentimo—nos completamente convencidos de que nao somente a nossa arte é a verdadeira arte, mas até mesmo que ela é a melhor e a únim verdadeira arte. Em vez diste, a realidade nos mostra que a nossa arte, além de nao ser a única, nao é acessível senao a uma mínima parte das ¡agas civilizadas. Só há o direito de falar de uma arte nacional hebréia, grega, egipcia e, se assim quiserem, também chinesa, japonesa e indiana. Uma arte deste género, comum a todo um povo, existiu também na Rússia até Pedro, 0 Grande, e no resto da Europa até o século )GII e XIV. Mas, desde que as classes mais elevadas da sociedade perderam a fé na Igreja e ñcaram desprovidas de crengns religiosas, nao existe mais nenhuma arte que meregn o nome de arte das nacóes cristás. A partir daquele ceticismo religioso a arte das classes cultas separou—se da arte do resto do povo, surgir—am duas artes, uma do povo e outra, para os bem instruidos. Portanto, a quem pergunte como 0 género humano pode, por um certo período, passar sem a arte verdadeira, responde—se que tal privado nio tocou nem a todo 0 género humano, nem a uma parte considerável dele, mas, sim, apenas a clase mais ele— vada de nossa sociedade européia e cn'stá. E mesmo a elas por um período com— parativamente pequeno — do come<;o do Renascimento aos nossos dias... Os efeitos desta falta de arte manifestam—se suficientemente na conupcáo das classes que dela se alimentaram. Todas as teon'as nebulosas e incompreensíveis referentes a arte, todos os ju¡zos falsos e contraditórios em tomo de seus produtos, em particular a persisténcia de nossa arte em atolar—se em sua mim estrada, tudo isto derivou
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da añrmagño, geralmente admitida, nio obstante sua absurdidade, que a arte de nos&s classes elevadas é toda a arte, a verdadeira arte, a única arte, a arte univer— sal. E, embora essa añrmagáo (a qual é precisamente semelhante a afirmagáo feita pelos religiosos de várias Igrejas que consideram que a sua é a única religiáo verdadeira) seja bastante arbitrán'a e obviamente injusta, é ainda repetida tranqiiilamente por todas as pessoas do nosso círcqu com a mais completa fé na sua infalibilidade. Ao paso que nós sustentamos que tem valor somente a arte que nos pertence, dois tercos do género humano vive e morre sem nada suspei.tar desea arte única e suprema. E, mesmo nesta nossa sociedade cristá, ela dará prazer a um por cento. Os outros noventa e nove vivem e morrem de geracáo em geragño, oprimidos pelo trabalho, sem jamais desfrutaremde nossa arte. Esta, de resto, é feita de tal modo que, mesmo que a ela tivessem acesso, mio a entenderiam. De acordo com a teoria estética corrente, reconhecemos arte tanto como uma das manifestacóes mais elevadas da ldéia, Deus, Belem, quanto como o mais elevado deleite espiritual. Além do mais, sustentamos que todas as pessoas tém direitos iguais, se nao ao material, em nenhum grau, ao bem—estar espiritual, e ainda assim noventa e nove por cento da nossa populagáo européia vive e mon-e, geracño após gerado, massacrada pelo duro trabalho, muito do qual é necessário para a produgáo da nossa arte que eles nunca desfmtam, e nós, frente a isso, añrmamos tranquilamente que a arte que produzimos é a real, verdadeira e única ane — toda a arte!
no presente, nem todos usufmem da arte existente, nao é dela que ¡sto depende e, sim, da perversa organizado da nossa sociedade e que 0 futuro nos permite esperar um estado de coisas no qual o trabalho material venha a ser, em parte, feito pelas máquinas e, em parte, tomado mais leve, por uma distribuido mais hasta. A esa altura, ninguém mais será obrigado a permanecer a vida toda atrás dos palcos a ñm de mover cenários, ou a soprar a corneta na orquestra, ou a imprimir livros. As pessoas adaptadas a tais servicos nao trabalharáo senio urnas poucas horas por dia e durante o seu repou— so poder—ao gozar as béngáos da arte. Assim falam os defensores da arte presente. Mas eu nio estou convencido, pois nem eles créem no que dizem. Nao podem ignorar que arte, tal como eles a entendem, requer, como condido necessária, a opressáo de multidóes e sem esta opressáo nio se agúentaria. Ú indispensável que uma multidáo de operarios flanqueie o trabalho, pois os nossos artistas, escritores, musicistas, atores e bailarinos, sem eles nio atingiriam aquele grau de perfeigáo que os torna aptos a proporcionar prazer. Libertai esses escravos do capital e tornar—se-á totalmente impossível produzir uma arte semelhante; táo impossível como e agora admitir estes escravos a gozar dela. Mas, supondo possível o que ¿ impossível, ¡sto é, que se encontre um meio de tomar a arte atual acessível ao povo, surge outra considerado a demonstrar que uma arte destas nio pode ser universal: esta arte e totalmente ininteligível para o povo. Antigamente, certos poetas escreviam em Iatim. Agora, os produtos artísPoder—se-ia responder que se,
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ticos de nossos poetas sao impenetráveisao comum dos homens, como se fossem escritos em sánscrito. Haverá quem diga que tal fato pode ser atribuido a carencia de cultura do povo e que, quando todos forem suficientemente instruidos, poderio compreender nossa arte. Seria outra resposta insossa, pois bem sabemos que a arte das classes elevadas, como as varias odes, poemas, dramas, mntatas, pas— torais, pinturas etc., sempre foi para esa clase mero passatempo, do qual as pessoas restantes nada compreendiam. E também freqúentementesustentado, como prova da añrmagño de que o povo um dia compreenderá a nossa arte, que algu— mas producóes da chamada poesia, música ou pintura clásica, que anteriormente nao agradavam as massas, comegm — agora que a eles sáo oferecidas por todos os lados — a agradar a essas mesmas massas. Mas isso somente mostra que a multidio, especialmente a multidio urbana semiconompida, pode facilmente (seus gostos tendo sido pervertidos) se acostumar a qualquer tipo de arte. Além do mais esta arte nao é produzida por esas massas, nem mesmo escolhida por elas, mas é energetimmente empurrada para elas em lugares públicos nos quais a arte se torna acessivel as pessoas. Para a grande maioria da massa trabalhadora, a nossa arte, além de ser inacessível devido ao seu alto custo, é estranha pela sua própria natureza, transmitindo, como ela faz, sentimentos humanos muito distantes daqueles oriundos das condicóes de vida trabalhadora que é natural ao corpo geral da humanidade. Aquilo que é deleite a um homem das classes superiores é incom preensível como um prazer a um trabalhador, e nao evoca neste qualquer sentimento ou ainda um sentimento bastante contrán'o ao que evom num homem ocioso e saciado. Assim é, por exemplo, o caso daqueles sentimentos que formam o argumento fundamentalda arte contemporánea,o ponto de honra. O patriotismo, a galanteria e a sensualidade nao podem suscitar nos homens do povo senáo pasmo ou des— prezo e indignado. Se igualmente as classes operárias for concedida a possibilidade de ver, de ler, de ouvir, em suas horas de liberdade, aquilo que forma a flor da arte contemporánea (e até certo ponto ¡sto lhes é possibilitado, nas cidades, devido aos museus, aos concertos populares, ás bibliotecas), o homem dessas classes, sendo um trabalhador e náo tendo comegado a se perverter pelo ócio e
conservando os sentimentos próprios ao seu estado, nao poderá obter proveito nenhum de nossa arte refinada, e realmente nao a compreenderá, e aquilo que lhe for inteligível náo será tal que exalte seu ánimo, mas pode, ¡sto sim, perverté—lo. Para um homem que pense e queira ser sincero, náo resta dúvida que a arte das classes mais elevadas nunca pode tornar—se arte de toda a nagño. Ora, se a arte tem a importáncia que se lhe atribui e, como se comprazem a dizer seus devotos, iguala—se em importñncia a religiáo, deveria ser acessível a todos. E, visto hoje nao ser assim, é forcoso dizer que ou a arte nio tem a importáncia que se pretende ou a nossa assim chamada arte nao é a verdadeira. Esse dilema é inevitávél, mas existe gente a um tempo astuta e ¡moral que busca evita—lo, negando formalmente que o povo tenha direito a desfrutar a arte. Sáo estes que, com perfeita impudéncia,proclamam que, para saborear as alegrias
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da arte, 550 admitidos apenas os Scbóne Geíster; os eleitos, como os románticos os chamavam, o Úbermenscben, para falar como Nietzsche. E todos os outros homens, nebanho abjeto, incapaz de saborear tais alegrias, devem contentar-se com o preparo delas, na intendo daqueles outros seres supremos. Eis uma añrmagáo que oferece, quando menos, a vantagem de náo tentar conciliar o inconciliável e de admitir abenameme que nossa arte é feita apenas para uma clase de privilegiados. Na realidade a arte tem sido, e é, entendida por todo aquele engajado nela, na nossa sociedade.
CAPÍTULO ¡x A perversáo da nossa arte. Ela perdeu o seu conteúdo. Náo há corrente de novas sentimentos. Ela transmite principalmente tres emocóes Indignas. O ceticismo das classes superiores teve o seguinte efeito: em vez de uma arte voltada para a propagado dos sentimentos mais elevados que eram nascidos da consciéncia religiosa da vida, o que apareceu foi uma arte com o único intuito de oferecer a uma determinada clase social a máxima soma de prazer. Do ¡menso dominio da arte, náo foi cultivada senáo a parte que melhor correspondía a este oficio. Para passarmos em siléncio no que se refere aos efeitos morais de uma total perversáo do conceito da arte, na sociedade européia, diremos apenas que tal perversáo enfraqueceu a própria arte e, de certo modo, a matou. Em primeiro lugar fez com que a arte, ao propor-se o prazer como objetivo único, ñcasse desprovida daquela vertente de argumentos tio variada e profunda, que poderia ter sido para ela a dos conteúdos religiosos relativos a vida. Em segundo lugar, disto adveio que a arte, movendo—se no interior de um círculo restrito de pessoas, perdeu sua beleza formal e se tomou obscura e afetada. Em terceiro lugar, a arte cessou de ser es pontánea e sincera, tomando—se artificial e rebusmda. O primeiro destes efeitos, ¡sto é, o empobrecimento das vertentes dos conteúdos, foi fatalmente sentido logo que a arte destacou-se das nocóes religiosas. O mérito dos argumentos, nas obras artísticas, e os produtos da arte valem, essen— cialmente, enquanto difundem sentimentos novos. Pois na ordem do intelecto uma idéia nao vale quando nao é nova e limita—se a repetir o que já se sabe. Assim também náo vale obra de arte que nao introduza na corrente da vida humana um sentimento novo, grande ou pequeno. Isso explica por que as criangns e os jovens ñam táo fortemente impressionados por aquelas obras de arte que transrnitem a eles pela primeira vez sentimentos que náo experimentaram antes. A mesma impressáo poderosa é exercida sobre as pessoas por sentimentos que sáo bastante novos e que jamais foram expressos pelo homem. Ora, as classes superiores privam-se dessa fonte, de onde poderiam brotar novos sentimentos quando comeqam a conceder estima a sentimentos nao mais segundo o conceito religioso que expressam, e sim segundo o grau de prazer que oferecem. Na verdade, nio existe coisa menos variável e mais constante que o prazer e nada mais variado que os sentimentos germinados pela consciéncia religiosa das várias époms. Nem poderia ser de outro modo; o prazer tem limites assinalados pela natu— reza; o progresso do género humano, ao contrário, náo tem limites. A cada passo feito no progresso, 0 género humano, queremos dizer, o verdadeiro progresso,
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derivado do novo desenvolvimento da consciéncia religiosa, os homens experimentam novos sentimentos. Somente da consciéncia religiosa podem brotar novas emocóes, ainda nao experimentadas.Da consciéncia religiosa dos gregos defluiram os sentimentos táo novos, importantes e vários, que encontramos em Homero e nos grandes trágicos. Análogo é o caso dos hebreus, apegados ao conceito de um Deus único. Deste conceito brotaram afetos táo vicosos e galhardos que foram adotados pelos profetas. A mesma coisa pode—se repetir no que toca aos poetas da Idade Média. E mesmo aconteceria ainda hoje para quem reformulasse o conceito religioso do verdadeiro Cristianismo. E ¡mensa a variedade dos sentimentos religiosos gerados pelas concessóes religiosas; e estes sentimentos parecem sempre novos porque os conceitos religiosos sao sempre índices do futuro, ¡sto é, dos novos relacionamentos do homem com o mundo exterior. Ao contrário,os sentimentos devidos ¿ busca do prazer sao restritos e, além disse, experimentados e expressos há muito tempo. Bis como o ceticismo das classes superiores condenou a arte a nutrir-se do mais magro e pobre dos conteúdos. Este empobrecimento das vertentes dos conteúdos agrava—se, de igual modo, devido ao fato de que esta arte, ao cessar de ser religiosa, cessou igualmente de ser popular e restringiu-se a gama de sentimentos que conseguía transmitir. De fato, o número dos sentimentos experimentados pelos ricos e poderosos, ignaros da importáncia do trabalho, é muito mais restrito e insignificante do que seria o número de sentimentos naturais dos trabalhadores. Estou ciente de que nas reu— nióes de pessoas requintadas se sustenta precisamente o contrário. Recordo-me de que o romancista Gontcharov, homem instruido e muito inteligente, mas dado a vida da cidade e ao esteticismo, disse-me um dia que, após as narrativas de um mcador feitas por Turguéniev, nada mais restava escrever sobre a vida das classes inferiores, como se este fosse argumento exaurido. A vida dOS camponeses parecia-lhe de tal modo miserável que as nanacóes campestres de Turguéniev deviam té—la enviscerado por inteiro. Em contrapartida, a vida dos ricos, com sua galanteria e seus descontentamentos, contudo, parecia—lhe assunto inexaurível. Um homem gentil, digamos, dava um beijo na mio de sua dama, um outro no ombro, um terceiro na num. Um homem aborrecia-se por nada fazer, outro porque se sentia nio—amado. E Gontcharov estava convencido de que esta esfera oferecia ao artista uma infinita variedadede asuntos. E quantos pensam como ele. Quantos, como ele, créem que a vida dos trabalhadores seja pobre de conteúdos artísticos e que a nós, os ociosos, seja transbordante deles! A vida do trabalhador, com a lnñnita variedade de perigo que a acompanha, as migracóes do próprlo operário e seu relacionamento com os patróes, ñsmis e companheiros, com ho— mens de outras religióes e nacóes, a luta deles contra a natureza e os animais, sua associacáo com os animais domésticos, as suas ocupacóes nas selvas, nos estepes, nos campos e nos jardins, suas relacóes com a mulher e os Frlhos, seus prazeres, suas dores, náo somente com as pessoas próximas e queridas por ele mas também com os colegas e os ajudantes no trabalho, que o substituem nas horas de neces—
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cidade, o seu interesse em todas as questóes económicas, nio como asuntos de cxibigáo ou discussáo, mas como problemas de vida para ele próprio e a familia, este orgulho na auto—repressáo e no servico aos outros, o seu prazer do revigoramento, e a permeagño de todos esses interesses por uma reagño religiosa frente aos fatos: tudo isto lhe parece monótono diante das pequenas alegrias e mesquinhos cuidados de nossa vida, que nao é vida de prodqu e trabalho, mas de consumo e distribuido de tudo quanto os outros produzem para nós.
Nós imaginamos que os sentimentos experimentados por pessoas de nossa clase e de nosso tempo sejam muito importantes e variados, mas, na verdade, acontece o oposto e pode—se bem dizer que todos os sentimentos de nossa classe reduzem—se a trés categorias simples e mediocres: o sentimento da vaidade, o sentimento do desejo sexual, o sentimento do tédio pela vida. Estes trés sentimentos e seus derivados formam aproximadamente a única matéda da arte para as classes abastadas. Súbito, no inicio da separado desta arte nova, dedicada ao prazer da arte do povo, vimos predominar no novo género o sentimento da vaidade, da ambicáo e do desprezo pelos outros. Durante a Renascengn, e mesmo depois de decon1do muito tempo, quando o principal assunto das obras de arte era o elogio dos poderosos, dos papas, reis e duques, eram escritos odes e madrigais em honra deles, os quais eram celebrados em coros e hinos, além de reproduzidos em telas e no mármore e de varios modos adulatórios. Em seguida, iniciou-se a progressiva infiltrado na arte do elemento do desejo sexual e este constituiu, dai em diante, salvo raras exce<;óes, o ponto principal dos produtos de arte dedicados as classes ricas, particularmente nos romances. 0 terceiro sentimento transmitido pela arte dos ricos — aquela do descontentamento para com a vida — apareceu ainda posteriomente na arte moderna. Este sentimento, que no inicio do presente século (XIX) foi expresso somente pelos homens excepcionais: por Byron, por Leopardi, e mais tarde por Heine, se tomou moda nos últimos tempos e é expresso pelas pessoas mais ordinárias e vazias. A maioria faz exatamente o que o crítico francés Doumic caracteriza como obras dos novos escritores: "E a Iassidáo da vida, o desprezo da época presente, o lamento de outros tempos, entrevistos através da ilusáo da arte, o amor do paradoxo, a necessidade de mostrar—se original, uma aspirado ao requintado em direcáo ao simples, a pueril adorado do maravihoso, a sedug:áo mórbida do extravagante, a alterado dos nervos — e sobretudo um exasperado apelo a sensualidade" (les Jeunw, René Doumic). E, de fato, desses trés sentimentos é a sensualidade o sentimento mais baixo (acessível nao somente a todos os homens mas até mesmo aos animais), que forma o assunto principal das obras de arte nos últimos tempos. De Bocmcio a Marcel Prévost, os romances, comos e poesias expressam o sentimento do amor sexual em varias formas. 0 adultério tomou—se o tema favorito, para nao dizer o único, de todos os romances. Todos os espetáculos teatrais a isto submetem—se, com a condiqáo indispensável de, sob um pretexto qualquer, comparecerem na cena mulheres com seio e as pernas desnudas. As óperas e
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mn;onetas sao consagradas ¡ idealizacio da luxúria. A maior parte dos quadros
franceses representa o nu feminino. Na recente literatura francesa é muito comum nio se encontrar uma página na qual náo recorram ao adjetivo “nu". Um certo Rémy de Gourment encontra quem o publique e passa por autor de talento. Para formar um conceito deste recentíssimo escritor, leiam seu romance Les Cbevawc de Dioméde. Uma das pormenorizadas prestacóes de contas das :elacóes sexuais de alguns senhores com várias senhoras. O mesmo pode-se dizer de Apbmdíte, de Pierre Lou?s, que fez enorme sucesso, e de Certains, de Huysmans, sáo todas produ;óes de pessoas sofrendo de mania erótica. Evidentemente, estes autores estáo persuadidos de que, por passarem a vida a imaginar diversas abominagóes sexuais, também o mundo todo nio deva fazer outra coisa senáo se concentrar na mesma coisa. E sáo estes que, sofrendo de mania erótica, encontram um número infinito de imitadores entre todos os artistas da Europa e da Amérim. Deste modo a descreng das classes ricas e o modo de vida excepcional produziram o primeiro efeito, que foi o de depauperar a própria matéria da arte, a qual se reduziu a nao mais exprimir outra coisa que nio fossem os trés senti— mentos da vaidade, do tédio pela vida e, sobretudo, do desejo sexual.
CAPÍTULO
x
Perda de compreenslbilldade.Arte decadente. Arte recente francesa. Temos o direlto de dizer que isso & ruim? A arte mais elevada sempre foi compreensivel as pessoas normais. 0 que falha em contagiar as pessoas normals nio é arte.
0 primeiro efeito da ausénda de fé nas classes mais elevadas foi para a arte
o empobrecimento do conteúdo. A segunda desgra9a adveio de que esta arte, tornando—se cada vez mais exclusiva, vinha se tornando ao mesmo tempo mais artificiosa e difícil, e mais obscura. Nas épocas de arte universal um artista, por exemplo, um artista grego ou um profeta hebreu, esforqava—se, naturalmente, para dizer em suas criaqóes aquilo que desejava e de tal modo que todos pudessem compreender sua obra. Ao paso que nessa ocasiáo os artistas nao trabalhavam senáo para um grupo restrito de pessoas favorecidas por condi96es excepcionais, vale dizer, para os papas, os mrdeais, reis, duques, rainhas ou, faltando estes, para as amantes dos reis, naturalmente, esforgavam—se somente para produzir efeito s'obre as pessoas de quem conheciam bem os costumes e o gosto. E, por ser mais fácil este tipo de trabalho, o artista achava-se, sem o saber, disposto a expressar— se por meio de alusóes, claras para os iniciados, mas obscuras para todos os outros. Desse modo, era fácil falar mais. Além disso, mesmo aos iniciados, o vago e o indefinido apresentavam um certo atrativo. Essa tendéncia, que se revela em alusóes mitológicas e históricas, e nos eufemismos, prosseguiu e acentuou-se até a época presente, chegando ao limite
extremo na arte dos modernos decadentistas. Nesses últimos tempos, as condigóesexigidas para que uma obra de arte seja válida e mesmo poética sao, nao somente a vagueza, o misterio, a obscuridade e a inacessibilidadeás masas, mas também a impredsáo, a indeterminado e a rearsa da eloqiiénda. Diz 'ihéophile Gautier, emseu prefácio ao célebre [Mb de Baudelaire, Fleurs du Mal, que o autor afastava—se o mais que podia da poesia “a eloqiiénda, a paixáo e a verdade, reproduzida com exceso de exatidio'. B Baudelaire nao se contentou em dizer, ele o fez nos seus poemas e mais ainda na sua prosa, em seus Petíts Poémes en Prose, onde se devem adivinhar os sentidos como num rebus, e cuja maior parte resta indecifrável. O poeta Verlaine, vindo após Baudelaire e também ele considerado um dos grandes, deixou uma ArtPoétíque, na qual reco— menda que se escreva do seguinte modo: De la musique avant toute cbose Et, pour cela prefere l']mpar; Plus vague e: plus soluble dans l'aír;
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Sans rien en lui qui péee ou qui pose. II faut aussi que tu n'ailles point Cboisir tes mots sans quelque méprise. kien de plus cber que la chanson grise Oú ¡'Inde'cis au Précis se joint. E mais abaixo:
De la musique encore et toujours! Que ton vers soit la chose envolée Qu'on sent qui fuit d'une ¿me en allée Vers d'autres cieux ¿ d'autres amours. Que ton vers soit la bonne auenture Eparse au vent cri.pé de matin, Qui va_/Ieurant la mentbe et le tbym... Et tout le reste est litte'rature '
0 poeta Mallarmé, que veio após
os dois, e que é tido como o mais importante dos jovens poetas, declarava abertamente que o atrativo da poesia reside na necessidade de adivinhar seu significado e que toda composicáo poética deve sempre conter algum enigma: “Penso que deveria haver nada mais que ilusáo. A contemplacáo dos objetos, as imagens a libertarem-se das fantasias por elas suscitadas, eis o canto. Os pamasianos, esses tomam a coisa por inteiro e a exibem; com isso, dispensam o mistério; roubam ao espírito a deliciosa alegria conveniente da crenca de criar. Dar nome a um objeto ¿ suprimir tré's quartos do prazer da__ poesia, feita da felicidade de adivinbar pouco a pouco; sugerir, eis o sonbo. 0 uso perfeito desse mistério é que constitui o símbolo; evocar aos poucos um objeto a fim de revelar um estado d'alma ou, inversamente, escolher um objeto e a partir dele exalar um estado de alma, por meio de uma série de interpretacóes... Se um ser de médla intellgéncia e insuficiente preparacáo literária abrir casualmente um livro assim feito e pretender disso extrair prazer, com— preendeu mal, é necessárlo colocar as coisas nos seus lugares. Deve sempre haver enigma na poesia; e a ñnalidade da literatura, a únim, é evocar os objetos.” antes de tudo/ B para ¡sto pneñras o lmpar,/ Mais vago : mais solúvel no ar,/ sem nada em si que pese ou pouse. E mister também que nio vás/ ¡ escolha de palavras sem algum equívoco/ Nada mais caro que a emocio cinza/ Em que o lndeciso ¡unta—se ao Preciso.// B ainda e sempre ¡ música/ Seia teu verso uma coisa volante/ Quem sabe se fugida de uma alma em alameda/ Para outros céus : outros amores.// Se¡a teu verso a boa aventura/ Esparsa ao crispado vento matinal/ Que pasa perfumado de men.a e ao tomilho.../ £ todo o resto 6 literatura.// 1. Música
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I'Evolutíon Littéraíre.) (Resposta de Mallarmé a J.Huret, em Enquéte sur I'Evolutíon J.Huret, em todos podem ver, trata—se da da obscuridade obscuridade erigida em dogma artístico. Como todos Como E o crítico francés, Doumic, francés, Doumic, que ainda nao incorporou esse dogma, diz com de terminar razáo: “Está na hora de famosaa dout doutrin rinaa da obscuridade, que terminar com com essa famos realmente elevou altura de escola realmente elevou a altura de dogma”. a-nova escola Em m toda a Quem assim pensa nao sio apenas 08 jovens artistas franceses. E Eswndinávia, na Eswndinávia, parte os poetas assim pensam e assim procedem, na Alemanha, na na Itália, na Rússia e na Inglaterra. Os mesmos mesmos principios principios retomam até entre os de outras ramificacóes da arte, entre os cultores de cultores os pintores, pintores, escultores e músicos. da artistas da Apoiando—se na doutrina de Nietzsche, e no no exemplo aos artistas exemplo de Wagner Wagner aos nova era, añgura-se inútil fazer—se compreender pelas multidóes: contentam-se frase dos dos em evocar em evocar o na “the ñnest nurtured", para usar uma poético na uma frase o sentimento poético estetas ingleses. Para que nio se creiam exageradas as exageradas as minhas afirmacóes, citarei algumas passagens de poetas franceses que se colocaram a frente do movimento decadentista. Tais poetas sáo uma uma legiáo. legiáo. Se, portanto, cito apenas os franceses é por serem eles, serem eles, no no momento, os corifeus do novo movimento artístico, enquan momento, os to 0 resto da Europa contenta—se em imitá-los. Além daqueles já considerados célebres, como Baudelaire e Verlaine, eis os names de alguns outros: Jean Moréas, alguns outros: Jean Moréas, Charles Morice, Henry de Régnier, Charles Vignier, Adrien Remacle, René Ghil, Maurice Maeterlinck, Rémy de Gourment, Saint—Pol—Roux—Le—Magnifique,Georges Rodenbach e o conde Robert de Montesquieu-Fczensac. Sáo estes os simbolistas existe stem m igualmente e os demdentistas. Mas exi igualmenteos os magi; Joséphin Péladan, Paul Adam, Jules Bois, Papus e outros. E poderiam ler outros cento outros cento e quarenta e um names, mencionados por Doumic Doumic em seu livro Les]eunx. Bis, portanto, alguns excertos alguns excertos melhores, come9ando daqueles considerados entre os melhores, come9ando pelo pelo célebre Baudelaire, o da honra honra de uma estátua. Bis esta poesia, pertencente ao qual foi julgado digno da seu F!eurs du Mal:
la write noctume, Je t'adore a l'egal de la write O vase de tristxse, 6 grande taciturne, Et t'aime d 'autant plus, plus, belle, que tu me fuís,
B que tu
me pamís, omement de ma nuíts, Plus ímníquement accumuler la la líeues Qui séparent mx bm: des ímmensitéu bleues.
grimpe aux assauts, je m'avance a l'attaque, et_k grimpe
Comme aprés un cadavre un cboeur de wnní&seaux, EY je cbéñs, 6 beté' ínplacable et cruelle, oír tu tu m'es plus belle!" ]usqu'á cette Mdeur par par oír
Transcrevemos um soneto do mesmo autor: um soneto
"
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DUELLW
Deux guerriers ont couru ! 'un sur l'autre; leurs de lueurs lueurs et de sang. éclaboussé Pañº de Om éclaboussé Om Casjeux, cesclíquetisdufer; sontlauacarmes vachsant. D'unejeunme en pmie ¿: l'amour vachsant.
am
La glaives son: brisá' comme notre jeunesse,
cbére!Mais Mais les dents, les ongla acérá, Ma cbére! Vengent bíentót I'e'pée et la dague ¡mítrmse; da coeurs múrs par ! 'amours ulcérés! Ofureur da
Dans le mvín banté das cbats—pards et da onces
Nos béros, s'étreignant mécbamment, ont mule', Et leur peau j1eurím l'artdíté dx
….
Cegouj're, c'wt l'enfer; de nos amíspeuple'! Roulons—y sans remords, amazona ínbumaíne, l'ardeur de notre baina! '" Ajín d'éternizer l'ardeur Pela sinceridade, devo acrescentar que, na poesia poesia citada (Fleurs du Mal), que, na existem igualmente serem compreendidas, compreendidas, mas nenhu igualmente poesias menos difíceis de serem poesias menos ma é simples a ponto de poder ser ser compreendida sem esforgo; e, via de regra, o esforgo nao compensa, visto os sentimentos expressos pelo poeta náo serem belos tanto baixa. Além disso, sáo expos— e em seu género um tanto seu género pertencem a uma ordem um tos ao estudo com excentricidade e sem nenhuma consideragño para com com o o bom busca da obscuridade toma-se ainda mais evidente na prosa do autor, na da obscuridade senso. A busca número de se quisesse, seria mais fácil falar claramente. Aqui vai o primeiro número de qual, se qual, seus Petits Poémas en Prose. Adoro—te tanto quanto ¡ abóbada noturna/ Oh! vaso de tristeza, oh, II. Adoro—te II. oh, grande grande tacituma/ E amo—te ainda bela, que me foges/ B que me pareces, omamento das minhas noites,/ Mais ironicamente acumular mais, bela, mais,
léguas/ Que separam meus bragos das imensidades azuis.// um cono cono de pequenos vermes,/ E eu Avango ao ataque, grimpo ao assalto,/ Como após um cadáver um faz mais mais bela!/ acarinho oh, acarinho oh, fera implacável e cruel, até essa frieza que para mim te faz III. DUELLUM de ques Dois guerreiros ques de sangue./ Esses coneram um para o outro; suas armas/ Enlamearam 0 ar e de guerreirosconeram de uma juventude presa do amor de ferro sio os ruidos/ ruidos/ de tinidos de amor aos vagidos.// jogos, esses tinidos testemunhas aceradas/ nio Quebraram-se os gládios, como nossa juventude/ Querida! Mas os de testemunhas aceradas/ tardam a vingar a espada e a traidora adaga;/ oh, furor dos dos coragóes maduros por amores amores ulcerados!// Nossos heróis, Na ravina assombrada por gatos—pardos heróis, num abraco maligno rolaram/ B sua gatos—pardos e oncas/ Nossos pele florescerá na aridez dos espinhos.// Esse abismo ¿ o inferno, povoado pelos nossos amigos!/ Nele rolaremos sem remorsos. amazona de nosso ódio.// de etemizar o inumana,/ A fm de etemizar o ardor de
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0 Estrangeiro Quem mais amas, diz—me homem enigmático, teu pai, tua má'e, tua irmá ou teu irmáo? tenho pai nem má'e, nem irmá nem irmáo. Náo tenho Náo E teus amigos? Vocé' servia—se de uma palavra cujo sentido permanecen ignorado até hoje,
pam mim. A
tua pa'tria?
Náo sei sob que latitude ela está. A heleza?
De boa vontade a amarla, deusa e imortal. De boa 0 ouro?
a Deus.
Detesto—o, como vocé'
Que amas, singulan'ssimo atranho? distáncia... maravilhosas maravilhosas nuvens. Amo as nuvens... as nuwnsquepassam... a distáncia... A composicáo intitulada La Soupe et les Nuages, segundo
as aparéncias, as aparéncias, foi feita para demonstrar que o poeta sabe permanecer incompreendido, incompreendido, até para a amada. Ei-la: mulher amada. Minha querida doidinha dava—me o jantar e, através da janela escancamda da sala de jantar; contemplava eu as nobres arquiteturas fabricadas contemplavaeu fabricadas porDeus porDeus com vapores, as maravilhosas construcó'es do i mpaltxível. E a mim mesmo dizia, duran— te a contemplacáo: "Sáo betas todas estas fantasmagorias, quase como os olhos da olhos verdes". verdes". De De repente recebi um minha hela dama, a monstruosa doidinha dos olhos e graciosa, uma voz histérica e como forte murro na eqbinha e ouvi uma voz muca muca e vozde de min minha ha querida pequena adorada, que me diria: aguardente, voz pela aguardente, que velada pela de nuvens?" náo áo quer tomar a ”Quer ou ou n a sopa, s....h.…de um marcador de nuvens?" Por muito rebuscado muito rebuscado que seja o estilo deste fragmento, fragmento, com com um pouco de boa vontade, pode-se ainda adivinhar o que deseja expressar o autor; mas existem absolutamente incompreensíveis, sao absolutamente igualmente outros, que sao incompreensíveis, pelo pelo menos para mim. Apresento, por exemplo, exemplo, o Galant Tireur, do qual, de fato, me escapa o sentido: o bosque, bosque, ele a obrigou a deter—se num Enquanto a carruagem atravessava o tim ao alvo, dizendo que gostaria de atirar umas umas balas, a a jim jim de matar o tempo. Mataresse monstro Mataresse monstro náo sem' talvez a ocupacáo mais co comu mum m e mais legitima de cada um?E, um?E, como como bom cavalheiro, ofereceu a ma'o & sua cam, deliciosa eexecrável & qual ¿ dewdor de tantos prazeres, de tantas dores e talvez até de grande mulher & parte do próprio talento. Algumas balas erraram o alvo e uma delasfoi jixar-se jixar-se no teta; e, visto aquela
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graciosa criatura estar a n'r loucamente da incapacidade do marido, este voltouse a ela bruscamente e disse: ”Olba la' adiante, ¿ direita, aquela boneca de nariz para 0 ar com uma cara ta'o orgulbosa. Muito bem, meu caro anjo, imagino que és tu ”; fecbando os olbos, fez saltar o gatilbo. A bonecafoi decapitada de imediato, e ele, entáo, inclinando—se para sua querida, deliciosa, execra'vel eposa, ¿ sua Musa inevitável e inexora'vel beijando-lbe repeitosamente a mao, acrescentou: ”A njo querido, quanto te agradego pela minha habilidade!" Os trechos poéticos de outro grande poeta (Verlaine) náo 550 menos afetados e incompreensíveis. Vejam a primeira poesia da coletánea intitulada An'ettes Oubliées.
C'est l'wctase langoureuse, C'est la fatigue amoureuse, C'est tous lesfrissons des bois Parmi l'étreinte des brisas, C'est, vers les ramures grises, Le cboeur de: petites voix.
0 le fré'le et frais murmure! Cela gazouille et susurre, Cela ressemble au cn" doux
Que I'berhe agitée mire... Tu dirai5, sous l'eau qui vire, Le mulis sourd des cailloux. Cette ame qui se tamente En cette plainte dormante, C'est la n6tre, n'est—ce pas? La mienne, dis, et la tienne,
Dont s'exbale l'bumble antienne Par ce tiéde soir; tout bas? “'
0 que seria esse “choeur des petites volx", e aquele “l'herbe agitée expire”,
e o que quer signiñmr toda 3 poesia, confeso que náo consegui captar. Bis outra
Ariette:
o éxtasc Iangoroso/ E ¡ fadiga amorosa/ 550 todos os arrepios do bosque/ Entre os abra;os das brisas./ E para o lado das inquietas ramagens/ Há um coro de pequenas vozes./ Oh fresco : frágil murmúrio/ Tudo chilreia e sussura/ Assemelha—se ao doce grito/ : expirar da agitacio da erva.../ Dirias, sob um redemoinho d'água, um surdo rolar de seixos.// A alma : Iamentar—se/ Ness: queixa dormente/ E : nossa, nio é?/ B : minha, dize, ¿ : tua,/ d'onde se exala : humilde antífona,/ Tio baixinho, nesta noite moma?// ¡V. E
Oqueéa.4ñe?
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Dans l'ínterminable Ennuí de la plaine,
La neíge incertaíne Luit comme du sable.
Le ciel est de cuivre,
Sans lueur aucune On croíraít voir vivre Et mourlr la ¡une. Comme des nuées,
Flottent gris la cbénes
Des foré”ts procbaím Parmi les buéx. Le del est de cuívre,
Sans lueur aucune. On croíraít voir vivre Et mourir la ¡une. Comeílle pausst
Et vous, ¡es loups maígres, Par ces bísas aígms Quai done vous arrive?
Dans l'íntermínable Ennui de la plaíne, La neige íncertaíne Lui: comme du sable. " Como é que algum dia póde parecer que a lua viva e morra num céu de cobre? B como algum dia póde a neve luzir como areia? Tudo ¡sto nao é apenas incompreensível, mas, com a desculpa da sugestio de impressóes, é um teddo de metáforas lncorretas e de palavras sem sentido. Além disse, em Verlaine, como em
No interminável/Tédio da planicie/ A neve, incena,/ Reluz como areia.// Num céu de cobre/ Sem luz nenhuma/ Crer—se—ia ver viver/ E morrer lua.// Iguais nuvens ñutuam cinzentos carvalhos/ Das "crestas próximas/ No vapor d'igua.// 0 céu ¿ de cobre/ Sem luz nenhuma/ Cner—se—ia ver viver/ ]! morner — ¡¡ lua.// Gralha ofegante/ !! vós, lobos magros,/ Por estas amargas brisas/ Que vos acontece, añnal?// No interminável/Tédio da planicie/ A neve incena/ Reluz como areia.// V.
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Baudelaire, junto a estas poesías rebuscadas e íncompreensíveis, encontram-se outras, de fácil compreensáo, mas que, em compensagño, me parecem míseras quanto a substancia e a forma. Por exemplo, as poesias que formam a colegio intitulada Sagesse sao dedicadas a expressio mais que mediocre dos mais vulgares sentímentos católicos e patrióticos. La sao encontradas estrofes como as que se— guem:
je ne veuxpluspenserqu'a ma méreMañe, Síége de la Sagxse el source das pardons, Mére de France aussi, DE gw ¡vous mmons ÍN£BRANMBLMNTL 'H0NNBUR DE un mama.“
Antes de apresentar t'rechos de outros poetas, náo me posso impedir de insistir sobre a extraordinária glóría destes dois autores, Baudelaire e Verlaine, reconhecidos hoje em toda a Europa como os grandes poetas. Por que logo os franceses, que tiveram Chénier, Lamartíne, Musset e acima de tudo Victor Hugo, que necentemente tiveram ainda os pamasianos Leconte de Lisle e Sully Prudhomme, por que logo os franceses puderam dar uma importñncia tao desmesurada e de— cretaram glória tao elevada a estes dois poetas, assim imperfeitos quanto a forma, assim vulgares e baixos quanto a substancia de seus argumentos? O conceito que Baudelaire formava da vida consistía em erigir em teoría o mais grosseiro egoísmo e em substituir a moralidade um ideal discretamentenebuloso da beleza, aliás uma beleza totalmente artificial. Baudelaire afirmava preferir um rosto de mulher bem anebimdo a esse mesmo rosto com colorido natural. As árvores metálicas e a imitacáo de água que vía no teatro agradavam-lhe mais que as árvores verdadeiras e a água de verdade. A filosofia do outro poeta, Verlaine, consistía na devassidáo, na conñssáo da própria impoténcia moral e na mais grosseira idolatría do catoli— cismo romano, tomada como o antídoto para aquela impoténcia. Ambos tinham, pois, em comum a auséncia total de sinceridade, de vico e simplicidade, e eram artificialidade, originalidade forcada e autoconfnanca. Nos seus melhores escritos, encontramos sempre o senhor Baudelaire e o senhor Verlaine, em vez do argumento do qual aparentemente eles se ocupam. Mas esses dois maus poetas ñzeram escola, anastando atrás de si centenas de admiradores. Nao vejo para isso outra explicado além da seguínte: a arte da sociedade em que surgem producóes semelhantes nio é coisa séria, importante para a vida, mas um simples divertimento. Ora, todo divertimento excessivamente repetido acaba por entedíar. Portanto, para tomar novamente suportável um passatempo que nos aborrece, é preciso renová-lo. Quando estamos fartos do boston, joga-se wbíst; se o whist nos entedia, recorremosao píquet, depois dele temos o écartée assim por Nio deseio mais pensar senio na minha mie Maria/ Trono de sabedoria e fonte de perdio/ Mie também da Franca, de quem esperamos/ lnapelavelmente a honra da Pátria. VI.
Oqueéazirte?
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diante. A substáncia do entretenimento permanece a mesma. Muda apenas a for— ma. Assim acontece com esta arte: seu conteúdo toma—se táo limitado que defini— tivamente aos artistas das classes superiores parece tudo repisado e nada resta a dlzer. Dai a necessidade de buscar sempre novas formas, para renovar sua arte. Baudelaire e Verlaine inventar—am, realmente, formas novas, condimentaramnas com pormenores pornográficosaos quais, antes deles, ninguém se dignara a abaixar—se. Tanto bastou para que fossem saudados como grandes escritores pelos críticos e pelo público das classes cultas. O sucesso, náo apenas de Baudelaire e Verlaine, como o de toda a escola demdentista, nao se explica de outro modo. E de modo particular no que toca as poesias de Mallarmé e Maeterlinck, que, ¡ leitura, sao desprovidas de sentido e, nio obstante esta graciosa característica, ou talvez por causa dela, sáo impressas em dezenas de edicóes e inseridas nas antologías das melhores producóes per— tencentes a jovens poetas. Leia—se, por exemplo, este soneto de Mallarmé: la nue accablante tu, Base de hasalte et de lam
A
A mé'me les ¿chos adam,
Par une ¡rompe sans vertu
Quel sépulcml naufmge (tu Le sais, écume, mais y ham), supréme una entre la épava, Abolít le má! déué'tu. Ou cela que fun'bondfaute De quelque perdition baute Tout l'abí'me vaín éployé Dans le si blanc cbeveu que traíne Avarement aura noye' le j1anc enfant d'une sírime.“' Esta poesia nao é mais incompreensível que outros escritos mesmo em prosa, do mesmo autor, de que dou exemplo do livro Divagatíons. E impossível
nuvem acabrunhadora tu,/ Baixa de basalto : lavas,/ No caso de ecos escravos/ por uma trompa sem virtude// Que sepulch naufrágio (tu/ o sabes, espuma, mas babas),/ suprema entre restos de naufrágio,/ Abolido o mastro despido// Onde isso que, furibundo, ¡ falta/ de uma perdicio alta/ Todo o abismo em vio estende asas// No cabelo tio branco que se anasta/ avaramente terá afogado/ o flanco infantil de uma sereia.// VII. Á
OqueéaArte?
Une autre était lá…
Etj'aí vu la mort
(I'entendis son áme) Etj'aí vu la mort Qui l'attend encore... On est venu dire, (Mon enfant, j'ai peur) On es! venu dire Qu'íl allait partir...
Ma lampe allumée (Mon enfant, j'aípeur) Ma lampe allume'e Me suis appmcbée... la premiére porte, (Mon enfant, j'ai peur) A la premíére parte la j1amme ¿: tremble'...
A
la secondeporte, (Mon enfante, j'ai peur) A la secondeporte A
La jlamme a parlé…
la tmisiémeporte, (Mon enfante, j'aípeur) A la trotsíémeporte la Iumíére ect morte…
A
El s'íl revenait un jour
Que faut-il lui dire? Dites—Iui qu'on lattendit ]usqu'a s'en mourír... £? s'íl m'ínterroge encore
Sans me reconaítre? Padez—Iuí comme une soeur. Il sou_[fre peut—é'tre... Et s'il demande oú vous étes
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Que faut—il répondre? Donnez—Iui mon anneau d'or Sans rien lui répondre... Et s'íl ww savoírpourqouí [a salte a: désene? Montrez—Iuí la lantpe éteinte El la pone ouvevt… Et s'íl m'ínterroge alors
Sur la demíére beure? Dita—lui que j'ai sour! De peur qu'il ne pleure...“"
Quem “saiu”? Quem “entrou”? Quem “fala"? Quem “soniu”? Eu peco ao leitor que tenha o trabalho de ler o exemplo número 1 citado no Apéndice 1 dos estimados e celebrados jovens poetas Régnier, Griffin, Verhaeren, Moréas e Montesquiou. E importante fazé—lo para formar uma idéia clara da posicáo presente da arte, e nio supor, como muitos fazem, que o demdentismo é um fenómeno addental e transitório. Os outros versos destes poetas náo sáo mais compreensíveis:algumas vezes consegue—se, após grande esforco, compreender alguma coisa. Na Franca, contam-se ás centenas poetas que produzem obras congéneres. E outras semelhantes sao impressas na Alemanha, na Suígn e na Itália, bem como, por nós, na Rússia. E para compor, estampar, paginar e enmdemar tais obras sao gastos milhóes e milhóes de dias de trabalho; pelo menos tantos quantos os necessários para erigir a Grande Pirámide. 0 mesmo acontece com todas as outras artes, com a pintura, com a música, com a dramaturgia: esbanja-se um trabalho infinito a tim de tomar possível a produgáo de obras igualmente enigmátim5. A pintura, por exemplo, nesse &miVIII. Quando ele saiu/ (ºuvi a porta)/ Quando ele saiu/ ela sorriu...// Mas quando ele entrou/ (Eu ouvi a limpada)/ Mas quando ele entrou/ Outra estava lá...// B eu vi a morte/ (ºuvi sua alma)/ !! eu vi a morte/ Que ainda espera...// Vieram dizer/ (Filho, eu tenho medo)/ Vieram dizer/ que ele iria partir...// 'Minha limpada acesa/ (Filho, tenho medo)/ Minha Iimpada acesa/ Bu me aproximei…// A primeira pona/ (Filho, tenho medo)/ A primeira porta/ a chama tmmeu...// A segunda porta/ (Filho, tenho medo)/ A segunda penal a chama falou...// A tenceira portal (Filho, tenho medo)/ A tenceira porta/ A luz extinguiu-se...// !! se ele tornar um dia/ Que Ihe devemos dizer?/ — Diga-Ihe que o e5peraram/ até momer…// !! se ele me interrogar ainda/ Sem me :eeonheoeu?/ Fale com ele como irmio/ Ele sofre, quem sabe?…// ]! se ele perguntar onde está vocé/ Que devemos nesponder?/ Déem—Ihe meu anel de ouro/ Sem nada
responder..l/
se ele quiser saber por que// a sala ¿ deserta?/ Mostra—Ihe a lñmpada extinta/ E a porta aberta...// se ele entio me internogar/ Sobre a última hora?/ — Diga—lhe que eu son-¡¡ de medo que ele chorasse...// !! !!
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Isso era o que se fazia em 1894. Essa tendéncia acentuou—se depois, sempre com maior forgn. Agora, na pintura, distinguem—se Bócklin, Stuck, Klinger, Sasha Schneider e outros. 0 mesmo sucede quanto ao drama. Os que escrevem para 0 teatro agora nos apresentam um arquiteto, que, por qualquer motivo misterioso, nao efetuou seus desenhos primitivos e sublimes e, por isso, subiu no teto de uma casa por ele construída, dai precipitando—se de cabeg para baixo; ou nos apresentam uma velha enigmática, dedicada a tarefa de exterminar os ratos e que, sem nenhum motivo concebível, conduz um rapazinho ao mar e la o afoga; ou talvez sejam uns cegos que, sentados a beira d'água, repetem ao infinito as mesmas palavras; ou será talvez um sino que se atira num lago e lá embaixo comegn a repicar.' Igual fenómeno encontramos na música, uma arte que parecia destinada a permanecer constantemente acessívei a todos. Qualquer músico reputado senta—se ao piano em presenca dos senhores e executa algo que dirá ser composicáo nova, dele ou de qualquer outro músico moderno. Vocés ouvemno produzir sons estranhos e barulhentos, admiram as ginásticas dos seus dedos e depois compreendem que ele deseja fazé—los crer que os sons assim obtidos exprimem vários sentimentos poéticos de sua alma. A intengáo dele é clara, mas em nós nao consegue transfundir outro sentimento que nao o de um tédio mortal. A execucao dura longo tempo, ou pelo menos assim nos parece, porque nao conseguimos receber impressóes com qualquer nitidez. Imagina-se que talvez toda essa armagáo nao passa de mistificacáo, que pode ser que o artista nos queira pór a prova e ande a passar os dedos pelas teclas ao acaso, a espera de nos apanhar e zombar de nós. Ao terminar, porém, o trecho musical, levanta—se do piano o músico, esbaforido e suado, mas mani— festamente a espera de louvores, e forca todos a reconhecer que ele está em seu juízo. Bis 0 que acontece em todos os concertos em que se tocam [rechos de Liszt, Wagner, Berlioz, Brahms, Richard Strauss ou dos inumeráveis com— positores pertencentes a nova escola. Igual tendéncia invadiu o dominio dos romances e contos onde pareceria impossível que se quisesse fazer algo in— compreensível. Leiam Lá-basde Huysmans, ou qualquer das novelas de Kipling, ou L'Annoncíateur, de Villiers de l'isle-Adam. Tais obras lhes pareceráo nao somente abscons para servir-me de um termo da nova escola — mas quase incompreensíveis, seja pela forma ou pela substáncia. No mesmo caso está um romance de E Morel, Teme Promise, que há pouco apareceu na Revue Blanche, como a maior parte dos novos romances. Seu estilo e sumamente enfático, os sentimentos parecem arquielevados. Mas nao é possível decifrar o que se pasa, onde se pasa, nem quem ou o que aparece. E tal é toda a arte da juventude dos nossos tempos. Os homens da primeira metade de nosso século, admiradores de Goethe, Schiller,Musset, Hugo, Dickens, Beethoven, Chopin, Rafael, da Vinci e Michelangelo, Delaroche, nada entendem desta arte nova, mas adaptam—se de bom grado a consideré-la mera insensatez ou brinmdeira de mau gosto e afastam-se dela sacu-
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dindo os ombres. Todavia, com respeito a essa arte, essa atitude náo é justa, pois, em primeiro lugar, ela está preparada para estender—se cada vez mais e já conquis— tou no mundo um posto igual ao que ocupava o romantismo em 1830. Além disse, se condenamos as obras de arte decadentistas só porque nao as entendemos, devemos pensar que existe um grande número de pessoas, todos os trabalhadores e até uma grande parte das classes mais elevadas, que nao compreendem melhor as obras de arte que nós consideramos como as mais belas, ¡sto é, a poesia de Goethe, de Schiller, de Hugo, os romances de Dickens, a música de Beethoven ou Chopin, os quadros de Rafael e Leonardo da Vinci, as estátuas de Michelangelo etc.
dos homens, por causa de seu esmsso desenvolvimento intelectual, nio entende nem gosta de tais obras para mim táo perfeitas, náo tenho, também, o direito de negar que eu possa nao entender e nao gestar dos produtos da arte nova unicamente por causa da minha insuficiente cultura. Se tenho o direito de dizer que minha impossibilidade de compreender as obras de arte da nova escola provém de nelas nada haver de compreensível, outros poderío dizer, com igual direito, que tudo ¿ que eu considero obras—primas de arte nio passa de arte mim e incompreensível, visto que a enorme massa do povo náo tem condicóes de compreendé—las, de nenhum modo. Convenci-me um dia de quanto é injusto, neste mundo, condenarmos a arte da nova escola. E foi num dia que ouvi um poeta, autor de incompreensíveis versos, clamar sarcastimmente contra a música incompreensível; e depois, repen— tinamente, encontrei um músico, autor de uma sinfonía incompreensível, que nao cessava de escamecer dos poetas incompreensíveis. Nao é justo condenarmos a arte nova, fundamentados no fato de nós, homens da primeira metade do século, nio a entendermos. Temos apenas 0 direito de dizer que esa arte é incompreen— sível para nós. A única superioridade da arte que admiro, sobre a dos demdentistas, está nisto: em ser a arte de minha predilegño acessível a maior número de pessoas do que a arte de hoje em dia. 0 fato de encontrar—me na imposslbilidade de compreender um género de arte por haver—me habituado a outro género náo me dá nenhum direito de concluir que 0 género admirado por mim seja o único verdadeiro e que aquilo que náo entendo seja falso e ruim. De um fato semelhante, só posso argumentar o seguinte: que a arte, tomando—se sempre mais exclusiva, veio a ser sempre menos acessível e, em seu cami— nho em diregño ao ininteligivel, ultrapassou o ponto que eu próprio me encon— trava.
Se tenho o direito de crer que a grande maioria
Desde que 3 arte das classes superiores destacou-se da arte popular, surgiu a convicdo de que a arte pudesse permanecer sempre arte, sem ser mais compreendida pelas multidóes. Uma vez admitido ese principio, era previsível que a arte, pouco a pouco, deixasse de ser acessível senio a um pequeno círculo de iniciados e, finalmente, apenas a duas ou trés pessoas ou até a uma só, o artista criador. E
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precisamente assim que falam os artistas modernos: “Eu crio e entendo a mim mesmo; se alguém náo me entende, pior para ele”. Mas essa añrmagáo de que a arte pode ser verdadeira e permanecer inacessível a grande número de pessoas é perfeitamente absurda e suas conseqiiéncias sáo desastrosas para a própria arte. Todavia, ela é tao comum e predominante entre nós que jamais insistiremos demasiado em sua incongméncia. Afirmar que uma obra de arte é boa e nem por isso menos incompreensível a maior parte dos homens equivale a afirmar que um alimento qualquer é bom, embora a maioria nio o possa comer. A maior parte das pessoas pode náo tolerar queijo podre ou caga verminosa, que 550 guloseimas para gente de gesto perver— tido, mas o pio e a fmta náo sao bons senáo quando agradam a maioria. Em arte acontece a mesma coisa. A arte pervertidapode nao agradar a maioria, mas a arte boa deve agradar necessariamente a todos. Dizem que, para compreendermos as melhores obras de arte, é preciso pre paragáo especial. Se nao podem ser naturalmente compreendidas, haver—á conhe— cimentos que sejam suscetíveisde senem ensinados e explicados, próprios a tomar o homem capaz de entender as obras de arte. Mas na realidade nao existe conhecimento nenhum dessa espécie e toda gente sabe que o valor das obras de arte nio pode ser explicado. Diz—se também que para entender essas obras-primas é preciso reler, rever, tornar a ouvir sem cansar. Mas ¡sto náo é explicar, é apenas habituar! E os homens habituam-se a tudo, mesmo as piores coisas. Se podem habituar—se a carne podre, a aguardente, ao tabaco, ao ópio, podem igualmente habituar—se a arte estragada; e é precisamente ¡sto que ora sucede. De outra parte, nao se pode afirmar que a maioria dos homens careca de gasto necessário para compreender as manifestacóes mais elevadas da arte. A multidáo entendeu sempre e continua a entender aquiio que reconhecemos por ótimo, por exemplo: a epopéia do Génesis, as parábolas dos Evangelhos, os contos de fadas, as lendas e cancóes populares. Por que entáo teria a multidio perdido de golpe esta mpacidade e nao saberia mais entender a arte de nosso tempo? Tratando—se de um discurso, ainda que estupendo, pode—se admitir que seja incompreensível para os que ignoram a lingua na qual é pronunciado. Um discur— so em chinés pode ser espléndido, mas, se nao sei chinés, certamente nao entan— derei. Em contrapartida, uma obra de arte distingue—se de todas as outras manifestacóes do espírito quando sua linguagem é compreendida por todos e a todos tom indistintamente. As lágrimas e o riso de um chinés nao me comovem nem mais nem menos que o pranto e o n'so de um msso. O mesmo vale para a pintura, para a música e para a poesia, desde que esta última seja traduzida para uma lingua para mim compreensível. Os cantos de um kirguis ou de um japonés produziráo em mim uma impressáo menor do que sobre um kirguis ou japonés, mas, de todo modo, me comovem. Sinto—me tomdo igualmente pela pintura japonesa, pela arquitetura indiana, pelas novelas árabes. E, se me acho menos sensivel que um japonés ou um chinés a seus romances e cnn;óes, isto acontece nao por me faltar a compreensáo de sua arte como muito excelsa, mas porque conheco outras for—
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mas de arte mais elevada. As obras-primas artísticas nao o 5510 senáo por serem lnteligíveis a toda a gente. A história de José, traduzida para o chinés, comove os chineses. Assim nós nos sentimos tocados pela narraqáo da vida de Sakya Muni, o Buda. Disso se conclui que, se uma forma de arte nao consegue comover, ¡sto deve ser atribuido nao a falta de gosto de intelecto das pessoas, mas sim ao fato de aquela náo ser arte verdadeira, arte boa. A arte difere de outras formas de atividade mental no seguinte: ela pode agir
sobre as pessoas independentemente de seu estado de desenvolvimento e de cultura, seduzindo—as com o encanto de suas cores, sons e imagens. Ou antes o oficio essencial da arte é fazer sentir e compreender aquilo que, sob a forma de raciocinio, permanecería inacessível a maioria. Quem recebe uma verdadeira im pressáo artística imagina já ter conhecimento de quanto a arte lhe revela, mesmo sendo incapaz de o expressar. E tal foi sempre a índole da arte boa e verdadeira. A Ilíada, a Odísséia, as histórias de Isaac, de Jacó e de José, os cantares dos profetas hebraicos, os salmos, as parábolas dos Evangelhos, a vida de Sakya Muni, os hinos védicos, tudo ¡sto exprime sentimentos elevados e todavia sao realmente lnteligíveis, como o foram, muitos séculos atrás, a homens ainda menos civilizados, entre os nossos mmponeses. As pessoas falam sobre a incompreensibilidade. Mas, se a arte é a transmissáo de sentimentos vindos da percepcáo religiosa do homem, como um sentimento pode ser incompreensível quando está fundado sobre a religiáo, ¡sto é, sobre a relacio do homem com Deus? Tal arte deveria ser, e de fato sempre foi, compreensívela todos, pois todas as relacóes do homem com Deus sao uma e a mesma. E por isso que as igrejas e imagens nelas contidas sempre foram compreensíveis a qualquer um. O obstáculo a percepcáo de sentimentos mais elevados nao reside na deliciéncia de desenvolvimento ou saber, mas, principalmente, num falso desenvolvimento e falsa ciéncia. Uma obra de arte elevada e boa pode, até ela, revelar—se incompreensível, mas nao para o &mponés simples e ainda nao pervertido. Essa espécie de pessoa entende tudo o que existe de mais elevado; correrá antes o risco de nao ser compreendida por mentes que se pretendem eruditas mas 550 pervertidas, ¡sto é, desprovidas de qualquer religiáo. Conheco pessoas que se pretendem muito cultas e añrmam nao entender a poesia da mridade, ou da abnegacáo ou da mstidade. Assim a arte religiosa, universal, grande, boa, pode ser incompreensível para um pequeno círon de pessoas deterioradas, mas certamente nio para um grande número de pessoas simples. Portanto, se a arte de nosso tempo nao é compreendida pela multidio, nao é decerto por ser demasiado elevada, segundo a añrmacño predileta dos artistas atuais. Com mais razáo, diríamos que nao é compreendida por ser arte mim ou, de fato, por náo ser arte. Admitindo-se que a ñnalidade de uma obra de arte é a expressáo dos sentimentos, quem poderla falar em tal caso, de incompreensibilidade? Digamos que um popular leia um livro, olhe um quadro, dé atencáo e ougn um drama ou sinfonía, sem sentir nenhuma comocáo. Dizem a ele que nao pode compreender. Prometem-lhe um espetáculo. Ele entra e náo vé nada de valor. E
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entio explica—se-lhe que nao tem ainda a vista educada para aquele género de
espetáculo. Mas o nosso popular bem sabe que vé perfeitamente e, se náo vé aquilo que Ihe prometer-am mostrar, argumenta com razao que a promessa que lhe ñzeram náo foi cumpdda. Dizer que uma determinada ane nao produz nenhum efeito sobre as pesso— as, por serem elas muitos obtusas, além de ser um grave exceso de vaidade, é uma inversáo de papéis, como se um doente convidasse um sao a meter—se na cama.
DiziaVoltaire: “Sáo bons todos os géneros, exceto 0 género tedioso." Com mais razáo, poderíamos dizer: “Sáo bons todos os géneros, exceto aqueles que nio se compreendem ou que nio produzem efelto'. Que pode valer uma coisa que falha no produzir o efeito para o qual foi projetada? Veja bem: se vocés ad— mitirem que a arte possa ser arte e revelar—se lncompreensível a homens de mente sá, devem admitir igualmente que nada impede um gmpo de pessoas pervertidas de compor obras que expressam seu sentir depravado, inteligível somente a elas, e de dar—lhes o nome de arte, como agora fazem os artistas deadentistas. A diredo da arte nos tempos modernos pode ser comparada ao que acon— tece quando, sobre um primeiro círculo, colomm-se outros círculos, cada vez menores, até que o todo venha a ser um cone, cujo cimo nio é mais um círculo. Essa comparagáo ajusta—se perfeitamente a arte de nosso tempo.
Nota
0
1. autor se refere aqui, por ordcm, ¡¡ Solne&s, o construtor, Cegos, de Macterllnck 0 Sino Submemo, de Hauptmann. (N.
:
Peer Gynt, :do E.)
de Ibsen, Os
CAPÍTULO X] Contrafacbes da arte produzldas por empréstimo; lmltacáo; efeitos; curiosldade. Quallñca;óes necssádas para ¿ producáo de obras de arte verdadelras, e aquelas suficientes para ¿ producáo das oontrafacóes. Por meio de empobrecimento progressivo da substáncia e da crescente obscuridade da forma, a arte das classes superiores chegou a despojar—se das características elementares da arte e a ser apenas imitado de arte. Nao somente a arte das classes superiores, em conseqiiéncia da sua sepaon da arte universal, se tomou pobre em assuntos e mi em forma, ¡sto é, cada vez mais ininteligível — ela cessou, no curso do tempo, até mesmo de ser arte, e foi substituída pelas contrafacóes. Era uma conseqtiéncia fácil de prever: a arte universal aparece apenas quando 0 homem é tocado por uma forte emogáo e sente a necessidade de transmitir aos outros. Ora, a arte proñssional das classes superiores nao surge de um impulso íntimo do artista; nasce, acima de tudo, porque as classes abastadas vivem de divertimento e pagam o que devem. Nao pedem ¿ arte senio que lhes estimule sentimentos agradáveis e os artistas exercitam seu engenho no sentido de responder a este requisito. Mas ¡sto nio ¿ táo fácil, pois os ritos, cuja vida transcorre no ócio e no luxo, pretendem divertimentos sempre renovados. E a arte, ainda a de género inferior, nio é produzida a vontade, exige inspiracio. Por isso, os artistas viram—se forgdos a inventar métodos particulares para obter certas imitacóes ou contrafacóes da arte e, com isso, satisfazer indeñnidamente as exigéncias das clas— ses sociais que lhes davam com que viver. Os métodos excogitados com essa intengáo reduzem-se a quatro: ]. Os empréstimos; 2. A imitagáo; 3. Os efeitos; 4. A excitacáo da curiosidade. O pn'meiro método consiste em tomar de empréstimo obras de arte anteriores ou argumentos interiores, ou elementos reconhecidamente poéticos, remanejando-os com algum acréscimo a ñm de dar—lhes aparéncia de novos. Tais produtos despertam no ánimo de cena clase de pessoas a reminiscéncia de sentimentos artísticos já experimentados, deixando—lhes uma impressáo semelhante a arte, e, por pouco que correspondam a algumas outras condicóes, sáo apanhados de boa-fé pela arte daqueles que na arte bus&m apenas 0 prazer. Os assuntos tomados de empréstimo de obras antecedentes sao geralmente chamados assuntos poéticos. Os personagens e coisas assim reproduzidas sáo chamados mesmo personagens e objetos poéticos. Tais seriam, por exemplo, as lendas, sagas e tra— dicóes antigas de todas as descricóes. No elenco do arsenal poético, podemos incluir guerreiros, pastores, eremitas, anios, diabos, o luar, o trováo, os mares, os
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barrancos, os n'os, as longas mbeleiras, os leóes, os cordeiros, as pombas e os rouxinóis. Em termos gerais, considera—se poético aquilo que foi premiado com uso mais freqiiente em geragóes precedentes. Recordo-me de que quarenta anos atrás uma senhora, já falecida, dona de mente muito restrita, mas de grande cultura e ayan: beaucoup d'acquís, pediu—me que ouvisse a leitura de um romance que ela havia escrito. 0 romance iniciava— se com a descricáo de uma heroína que, vestida poetimmente de branco, sua longa coma solta poeticamente, lia versos junto a uma fonte, numa floresta poé— tica. O_cenário situava—se na Rússia. Mas de improviso, detrás de uma moita, salta o herói, adornado de um chapéu emplumado a Guilherme Tell (segundo 08 pre— cisos pormenores do livro) e acompanhado de dois des poéticos brancos. A tal senhora achava que encontrara um motivo sumamente poético. Na realidade, suas páginas poderlam pór modelos no género, se logo após o herói nio tivesse de falar. Apenas o jovem com cabelo ¿ Guilherme Tell comecou a falar com a jovem vestida de branco, entendi claramente que a autora nada tinha para fazé-lo falar, nao tendo ela própria coisa nenhuma a dizer e que, movida pela reminiscéncia poética de outras obras, imaginara que bastan'a cozinhar conjuntamente uns far— rapos das tais obras para suscitar no leitor uma impressio artística. Ora, nao pode nascer em nós uma impressio artística senio quando o autor tenha experimenta— do, ele próprio, de um modo particular e seu, os sentimentos que nos comunica, sem contentar—se com a repeti<;áo de sentimentos que tenha subtraído aos outros. Essa espécie de empréstimo nao nos comove como obra de arte; quando muito, serve como simulado e ainda assim só para os que tém o gosto pervertido. A senhora de quem falei, sendo atoleimada e desprovida de habilidade, percebeu de repente de que farinha era feita sua massa. Mas, quando este método é usado por artistas cultos e engenhosos, versados na técnica de sua arte, aparecem as cópias do grego, do género clássico, do cristianismo, da mitologia, que sao hoje táo freqiientes e que o público ingenuamente considera obras de arte. Um exemplo especíñco de tais contrafacóes artísticas lhes será oferecido em poesia: trata—se da Princesse Lointaine, de Rostand, onde nao existe a minima parcela de arte ou poesia, 0 que náo a impede de parecer muito poética a um mundo de gente e talvez até ao própn'o autor. 0 segundo método empregado para dar aspecto de arte aquilo que nao é arte consiste no que se chama imitado. A esséncia desse método consiste em fomecer detalhes que acompanham a coisa descrita ou pintada. Em literatura este método consiste em descrever nos minimos detalhes a aparéncia externa, os ros— tos, as roupas, os gestos, os tons e as habitacóes dos personagens representados, com todas as ocorréncias encontradas na vida. Por exemplo, em novelas e romances, quando um dos personagens fala, somos informadosda voz em que ele falou e o que estava fazendo naquela hora. E as coisas ditas nio sao fomecidas de modo a terem o maior sentido possível, mas como sio na vida real, desconexamente e com interrupcóes e omissóes. Na arte dramática, além da tal imitado da fala real, ese método consiste em ter todos os acessórios e todas as pessoas exatamente
O que é ¿: Arte?
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como na vida real. Na pintura, ese método asimila a pintura a fotografia… E, estranho dizer, ese método é usado também na música: a música tenta imitar, nao somente pelo seu ritmo, mas também pelos seus próprios sons, os sons que na vida real acompanham a coisa que ele deseja representar. 0 terceiro método está no modo de agir sobre a nossa sensibilidade, nao raro por meio de procedimentos absolutamente físicos. Em tal caso, declara—se que as obras de arte 550 impressionantes e de grande efeito. Os efeitos assim produ— zidos em todas as artes sao quase unicamente de contraste, na medida em que se associam o terrivel e o terno, o feio e o belo, a docura e a forgn, a luz e a sombra, o comum e o extraordinário. Além disso, na literatura, aos efeitos de antítese acrescentam-se outros, extraidos da descricáo de coisas jamais antes descritas. Sáo estes, comumente, pormenores pornográficos, o instinto sexual ou informes minuciosos sobre sofrimentos e agonias, destinados a provocar horror. Nesse caso, por exemplo, enquanto se descreve um assassinio, apresentar—se-áuma verdadeira pericia médica no tocante aos tecidos lacerados, aos cheiros, a quantidade e a cor do sangue. Na pintura e na escultura, um contraste hoje bastante valorizado é o que manda finalizar com grande cuidado um pormenor qualquer, deixando ao resto o aspecto sumário de um esbogo. Os efeitos principais e usuais na pintura sáo: o de luz e a exibigáo do horrivel. No teatro, os efeitos mais comuns, além dos contrastes, sáo: tempestades, trováo, luar, cenas de mar e de praia, troms de rou pas, exibigáo do corpo feminino, loucura, homicidio e morte em geral, e personagem nenhum morre sem que nio nos fagnm asistir a todas as fases de sua agonia. Em música, os efeitos mais em voga sao: um crescendo repentino pelo qual se pasa dos sons mais leves aos mais violentos da orquestra inteira. Uma repe— tido das mesmas notas arpeggíate em todas as oitavas e por diversos instrumen— tos, ou entáo até uma fuga de harmonias, de tons e de ritmos absolutamente diversos, daqueles que deveriam naturalmente brotar da idéia musical, tantos que nos abalam de surpresa. Ao mesmo tempo, a música abusa daquele efeito pura— mente físico que consiste em fazer sempre mais ruido que o necessário, especialmente na orquestra. Na mesma categoria, situa—se igualmente outro efeito, hoje comum a todas as artes; está no querer forgr uma arte a expressar o que cabe a uma outra arte. Por exemplo, pretende—se (como queria a música descritiva de Wagner e de seus sucessores) que a música represente acóes e até paisagens. Ou, segundo a maneira dos decadentistas, constrangem—se a pintura, o drama, a poesia, a evocar em nós, por sugestáo, certos pensamentos. 0 quarto método, finalmente, consiste no excitar a curiosidade, a tal ponto de impedir a nossa mente de perceber a falta da arte verdadeira. Houve tempo em que se recorn'a, para isso, a um entrecho bem complicado. Hoje este artificio está fora e tem sido substituido pela documentado, ¡sto é, da pintura particularizada de um período histórico ou de um ramo da vida contemporánea. Assim, com o frm de absorver a atencáo do leitor, os romancistas lhe descrevem, de cima a baixo, a vida dos egipcios, ou a dos romanos, ou a vida de trabalhadores das minas, ou
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a dos vendedores de uma grande loja. Pode—se suscitar curiosidade, ainda que só com a escolha de expressóes. E um meio que está adquirindo cada vez maior estima. Verso e prosa, dramas e música e mais tudo o que for disposto de modo que lhe deva adivinhar o sentido, como nas charadas; o público se agita, busca adivinhar, distrai-se e experimentaa ilusao de haver recebido uma impressio artística. E vocés ouviráo repetir com freqiiéncia que uma obra de arte e excelente por ser poética, ou bela, ou surpreendente, ou interessante, mas na realidade nenhum desses quatro atributos serve para mensurar a exceléncia de uma obra de arte, e nem mesmo algo a ver com a arte verdadeira. Dizer que uma obra é poética equivale a dizer que foi tomada de empréstimos. Todos os empréstimos despertam no público reminiscéncias vagas de impressóes artísticas produzidas por obras anteriores. Sáo incapazes, porém, de transmitir os sentimentos do próprio artista. Uma obra baseada nesses empréstimos, por exemplo, o Fausto, de Goethe, pode ser bem realizada, cheia de brío e mesmo verdadelramente bela, mas nio pode produzir uma sincera impressio artística, uma vez que lhe falta a principal característica de uma obra de arte, ¡sto é, a unidade, a íntima harmonia entre forma e substáncia, que serve para transmitir os sentimentos experimentados pelo artista. A obra de segunda-mao só pode des— pertar o sentimento nela infuso pela obra inicial. Bis por que todo empréstimo de asuntos, de cenas, de situacóes e descrigóes nao passa de um reflexo da arte, da sua contrafagño, mas nao é arte. Pretender que uma obra deste género seja boa por ser poética, ¡sto é, assemelhe—se a uma obra de arte, é o mesmo que pretender que uma moeda de chumbo seja boa só por assemelhar-se a urna de prata. Igualmente, pouco pode a imitacáo, o realismo, servir, como muitas pessoas supóem, de uma medida da qualidade da arte. A imitacio nao pode servir de tal medida, pois a característica essencial da arte é o contágio dos outros com os sentimentos que o artista experimentou, e o contagio de um sentimento nao é somente náo idéntico a descricño dos acessórlos do que é transmitido, mas está normalmente banado por detalhes supérfluos. A atencio do receptor da impres— sáo artística é distraída por todos esses detalhes bem observados, e estes banam a transmissio do sentimento mesmo quando o sentimento existe. Avaliar uma obra de arte pelo grau do seu realismo, pela acuidade dos detalhes reproduzidos, é tao estranho quanto julgar a qualidade nutritiva de alimentos pelas suas aparéncias externas. Quando prezamos uma obra de acordo com o seu re— alismo, mostramos somente que estamos falando uña de uma obra de arte, mas da sua contrafacáo. O terceiro método de imitacáo da arte — pelo uso do que é surpreendente e do que causa grande efeito — tampouco coincide com a arte verdadeira, náo sendo nenhum pouco melhor do que os dois métodos anteriores, pois ao causar grandes efeitos (os efeitos de novidade, do inesperado, dos contrastes, do horri— vel) nao transmite sentimentos, mas somente uma acáo sobre os nervos. Se um artista pintasse admiravelmente uma ferida sangrenta, a visáo da ferida iria me surpreender, mas isso nao sen'a arte. Uma nota prolongada num órgáo potente _
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produzirá uma impressáo estonteante, muitas vezes causará até mesmo lágrimas, mas nao há nenhuma música nisso, porque sentimento nenhum está sendo trans— mitido. Ainda assim, tais efeitos psicológicos sao constantemente tomados por atte pelas pessoas do nosso círculo, e isso nao somente em música mas também em poesia, pintura e drama. E dito que a arte se tomou refinada. Pelo contrário, devido a busca pelos efeitos, ela se tomou demasiadamente grosseira. Toda hora uma nova pega é trazida e aceita por toda a Europa, tal como, por exemplo, o Hannelas Hímmelfabrt de G. Hauptmann, no qual o autor deseja transmitir aos espectadores a compaixño por uma garota atormentada. Para evocar esse sentimento no públi— co, 0 autor deveria fazer com que um dos personagens expressasse essa compañ— xáo de uma forma que afetasse a todos, ou ainda descrevesse corretamente o sentimentos da garota. Mas ele nao pode ou nio quer fazé—lo, e opta por um outro mminho, mais complicado na montagem de palco, mas fácil para o autor. Ele faz a garota morrer no palco; e além disso, para aumentar o efeito psicológico sobre “05 espectadores, ele extingue as luzes do teatro, deixando o público no escuro, e ao som de uma música sombría mostra como a garota é atormentada e espanmda pelo seu pal bébado. A garota se encolhe — grlta — grunhe — e mi. Anjos apa— recem e levam—na embora. E o público, experimentando uma certa exdtacño enquanto isso acontece, tim totalmente convencido de que se trata de um verdadelro sentimento estético. Mas nao há nada de estético em tal excitamento, pois nao há nenhum contágio de um ser humano pelo outro, mas somente um senti— mento misto de compaixño por um outro ser humano e autocongratulagáo por nao ser eu quem está sofrendo: é como o que sentimos quando vemos uma execucáo, ou como o que os romanos sentiam nos seus circos. A substituicáo do sentimento estético por um efeito ¿ particularmente evidente na arte musical — a arte que pela sua natureza exerce uma agio fisiológica imediata sobre os nervos. Em vez de transmitir por meio de uma melodia os sentimentos que experimentou, um compositor da nova escola acumula e complica sons e, ora reforcando—os ora enfraquecendo—os, produz no público um tipo de efeito fisiológico, que pode ser medido por um aparelho inventado para ese propósito.1 E o público toma esse efeito Bsioiógico por efeito artístico. Quanto ao quarto método — 0 do interesse —, este é também freqñentemente confundido com a arte. Ouve-se dizer muito, nao somente de um poema, de uma novela ou de uma pintura, mas até mesmo de uma música, que a obra é interes— sante. O que isso significa? Falar de uma obra de arte interessante significa que recebemos de uma ob¡a lnformacóes novas pam nós, ou que a obra nao é totalmente inteligível, e que pouco a pouco, e com esforco, chegamos ao seu signi— ñcndo e experimentamos entio um ceño piazer no processo da adivinhagio. Em nenhum dos dois casos o interesse tem algo em comum com a impressio artística. A arte objetiva contagia as pessoas com o sentimento experimentado pelo artista. Mas o esforco mental requerido pata capacitar o espectador, o ouvinte ou leitor a assimilar a nova informado comida na obra, ou a adivlnhar os quebra-mbecas propostos, acaba bloqueando esse contágio por distraí—lo. E portanto o interesse
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de uma obra nao somente nao tem nada a ver com a sua exceléncia enquanto obra de arte, como bloqueia mais do que auxilia a impressio artística. Podemos, numa obra de arte, deparar—nos com o que é poético, realistico, surpneendente e interesante, mas essas coisas nio podem substituir o essencial da arte — o sentimento experimentado pelo artista. Ultimamente, na arte das clas— ses superiores, a maioria dos objetos dados como obras de arte é do tipo que apenas se assemelha a arte e é desprovida de sua qualidade essencial — 0 sentimento experimentado pelo artista. E, em prol da diversio dos ricos, tais objetos sáo continuamente produzidos em quantidades enormes pelos artesáos da arte. Diversas condicóes devem convergír para que um homem possa produzir uma verdadeira obra de arte. Este homem deve, em primeiro lugar, embasar seu trabalho nos mais altos conceitos religiosos de seu tempo. Além disso, deve experimentar sentimentos e ter o desejo e a mpacidade de transmiti-los a outros. B deve, finalmente,ter talento para uma das diversas formas de arte. Ora, é muito raro que um homem reúna em si todas essas condicóes. Mas, para produzir sem descanso aquela contrafagño de arte que passa no presente por arte verdadeira e cuja produg:áo é táo bem paga, é preciso simplesmente ter talento, coisa corrente e sem qualquer valor. Entendo por “talento" a habilidade: em literatura, a habilidade de expressar com facilidade os próprios pensamentos e as próprias sensacóes, anotar e recordar pormenores típicos. Em artes gráficas, de discernir e recordar Iinhas, formas e cores; em música, de distinguir intervalos, compreender e recordar uma sucessáo de sons. E, hoje em dia, basta que um homem possua ese género de talento e saiba escolher uma especialidade, para que, com auxilio dos métodos de contrafacáo que descrevi, possa indefinidamente fabricar obras que passam por arte na nossa sociedade. Em todos os ramos da arte existem regras ou receitas definidas que permitem a pro— dugáo de obras deste género, sem a intromissáo de nenhum sentimento. E, assim, o homem de talento, uma vez assimiladas as regras do oficio, pode, a todo ins— tante, produzir fn'amente, sem sentimentos, obras que mais tarde passaráo por arte.
Para escrever poemas, um homem de talento literário precisa apenas dessas qualificacóes: adquirir a habilidade, conforme os requisitos da rima e ritmo, de usar em vez de uma palavra realmente adequada dez outras significando aproxi— madamente o mesmo; aprender como tomar qualquer frase que para ser clara tem apenas uma ordem natural das palavras, e apesar de todos os possíveis deslom— mentos ainda manter nela algum sentido; e, por último, ser capaz de maquinar, guiado pelas palavras necessárias para as rimas, algumasemelhanca de pensamentos, sentímentos ou descricóes, para adequar essas palavras. Tendo adquirido essas qualifieagóes, ele pode incessantemente produzir poemas — curto ou longo, religioso, amoroso ou patriótico, de acordo com a demanda. Se um homem de talento literário desejar escrever uma história ou romance, ele precisa apenas formar o seu estilo — ¡sto é, aprender como descrever tudo que vé — e se acostumar a se lembrar ou anotar detalhes. Quando tiver se acosturnado
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a isso, ele pode, de acordo com a sua inclinado ou com a demanda, incessantemente produzir romances ou histórias — históricos, naturalistas, sociais, eróticos, psicológicos, ou até mesmo religiosos, para os quais este último tipo, a moda e a demanda, estáo comegnndo a se mostrar. Ele pode tomar asuntos de livros ou de eventos da vida, e pode Copiar as mracten'sticas das pessoas no seu livro a partir
de seus conhecidos. E tais romances e histórias, basta que eles sejam embelezados com detalhes bem observados e cuidadosamente anotados, preferencialmente os eróticos, que serio considerados obras de arte mesmo que possam nao conter qualquer faíscn de sentimento experienciado. Para produzir arte em forma dramática, um homem talentoso, além de tudo o que é exigido para romances e histórias, precisa também aprender a guamecer os seus personagens com quantas sentengs sagazes e espirituosas forem possi— veis. Predsa saber como utilizar os efeitos teatrais e como entrelag:ar as acóes dos seus personagens de modo a nao haver conversaslongas, mas tanto mais alvoroco e movimento quanto for possível sobre o palco. Se o escritor for capaz dessas coisas, ele produzirá obras dramáticas uma atrás da outra, sem parar, escolhendo seus assuntos dos relatóriosda corte judicial, ou de temas mais recentes da sociedade, como o hipnotismo, hereditariedade etc., ou da remota antigúidade, ou mesmo dos dominios da fantasia. Na esfera da pintura e escultura é ainda mais fácil para um homem talentoso produzir imitacóes de arte. Ele precisa apenas aprender a desenhar, pintar e modelar — especialmente corpos nus. Assim equipado, ele pode continuar a pintar retratos ou modelar estátuas, uma atrás da outra, selecionando temas de acordo com a sua tendéncia: mitológica, religiosa, Fantástica ou simbólica. Ou ele pode representar o que está escrito em palavras: uma coroagáo, uma greve, a Guena Turco—Grega, cenas de inanigño. Ou, mais comum de todos, ele pode simplesmente copiar qualquer coisa que achar bonito — de mulher nua a uma bacia de cobre. Para produzir a arte musical o homem talentoso precisa ainda menos daquilo que constitui a esséncia da arte, ¡sto é, o sentimento com o qual contagiar os outros, mas por outro lado ele requer mais labor fisico e ginástica do que qualquer outra arte, a nao ser que esta seja a danga. Para produzir obras de arte musical ele precisa pn'meiro aprender a movimentar seus dedos sobre algum instrumento táo rapidamente quanto aqueles que ¡a alcangnram a mais alta perfeicáo. Depois ele precisa saber como, em tempos anteriores, a músim polifónim foi escn'ta, precisa estudar o que sao chamados contraponto e fuga. E, além do mais, precisa aprender orquestrado, ¡Sto é, como utilizar os efeitos dos instrumentos. Mas, uma vez que aprendeu tudo isso, o compositor produzirá incessantemente uma obra atrás da outra: seja música programática, ópera ou mncáo (arquitetando sons correspon— dendo mais ou menos as palavras), ou músim de cámara, ¡sto é, ele tomará temas de outros e trabalhará sobre eles de formas deñnidas por meio do contraponto e da fuga; ou, o que é mais comum de todos, comporá músicas fantásticas, isto é, tomará a conjuneio de sons que vem a máo e empilhará toda sorte de complimgño
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e omamentagño para esa combinaqáo casual. Assim, em todos os dominios da arte, contrafagóes da ¡me sáo manufaturadas por uma receita já pronta, pré-arranjada, e essas contrafagóes o público das nossas classes superiores aceita como arte verdadeira. E essa substituigáo das contrafagóes por obras de arte verdadeiras era a ter— ceira e a mis importante conseqiiéncia da separagáo da arte das classes superiores
da arte universal.
Nota do qual uma Hecha muito sensível, dependendo da tensño do músculo do braco, India a acño fisiolºgia da música sobre os nervos e os músculos. 1. Existe um aparelho por rneio
CAPÍTULO xn Causas da producio das contrafacóes. Proflsslonallsmo. A Crítica. Escalas de arte. A perfecho da forma necessárla para produzlr o contáglo que
caracteriza uma verdadelra obra de arte.
A enorme e crescente difusño das contrafacóes da arte em nossa sociedade deve—se ao concurso de trés condicóes, a saber: 1 - A considerável remunerado proporcionada aos artistas por tais contrafagóes e a profissionalizagño disso; 2 A crítica de arte; 3 O ensino artístico. Quando a arte era ainda universal e somente —
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se prezava e compensava a arte religiosa, nio existiam contrafaqóes ou, quando elas apareciam, náo tardavam a desaparecer, expostas que eram a crítica da nacáo inteira. Mas, desde que foi estabelecida a distindo entre arte aristocrática e arte do povo, desde que as classes superiores dispuseram—se a aclamar toda forma de arte, contanto que lhes oferecesse prazer, desde que, finalmente, essas classes comegnram a remunerar sua pretensa arte muito acima de outras atividades sociais, súbito um grande número de homens se dedicaram a este género de atividade e a arte assumiu um novo mráter, tornando—se uma proñssáo. Ao ter lugar tal fato, a qualidade principal e mais preciosa da arte, a sinceridade, achou—se grandemente debilitada e condenada, por prevencáo, a desapare— cer prontamente. A arte verdadeira foi substituída pela contrafagño da arte. De fato, o artista prolissional é constrangido a viver de sua arte e ¡sto o obriga a inventar indefinidamente, para suas obras, um sem-número de asuntos. Reparem, por exemplo, a diferengn que há entre as obras produzidas por homens como os profetas hebreus, autores dos Salmos, Francisco de Asis, os autores da Ilíada e da Odísséia, os autores das lendas e cancóes populares, todos esses homens de outros tempos, que nao só náo eram pagos por suas obras como nem cuidavam de juntar—[bes seu nome. E, por outro lado, as obras produzidas pelos poetas da corte, por pintores e músicos eram acumuladas de honrarias! Ainda maior, porém, é a obra dos artistas verdadeiros e a dos proñssionais da arte, que agora enchem o mundo, todos eles vivendo de seu comércio, vale dizer, do dinheiro que rece— bem dos diretores de jornais, editores, empresários e demais encnrregados de estabelecer o relacionamento entre os artistas e os consumidores da arte. 0 proñssionalismo é a primeira musa da difusáo que tiveram entre nós as contrafacóes da arte. A segunda causa é o nascimento, na verdade recente, e o desenvolvimento da crítica, ¡sto é, da estima por uma arte nio mais obra de homens simples e sinceros, mas de eruditos, de seres de mentes pervertidas, e ao mesmo tempo cheios de conñanca em si próprios.
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Disconendo sobre o relacionamento dos críticos, no que diz respeito aos artistas, dizia um amigo meu, um pouco por brincadeira: “Os críticos sao uns tolos que-discutem os sábios...” E uma deñnicáo inexata, injusta e de excessiva duneza. Mas nao deixa de conter parte da verdade. Em todo o caso, é incomparavelmente mais justa que aquela que considera os críticos como tendo o direito e os meios de explicar as obras de arte. Explicar! Que explimm eles? Algum dia, o artista, se é um verdadeiro artista, transmite com sua obra aos outros homens os sentimentos que experimentou. Em tais condicóes, que ¡esta para ser explicado? Se uma obra e boa enquanto arte, o sentimento expresso pelo artista, moral ou ¡moral, transmite—se por si aos outros homens. Se a eles se transmite, eles o sentem e todas as explimqóes sao supérfluas, se nao se transmite a eles, nenhuma explimgáo dará remédio a isso. A obra de arte nunca pode ser explicada. Se o artista pudesse explicar com palavras o que desejava difundir em nós, ele se teria expresado por melo de palavras. Se se expressou por meio da arte, foi precisamente porque suas emocóes nao podiam ser transmitidas a nós por outros meios. Quando um homem busca interpretar obras de arte por meio de discursos, só o que prova é ser ele próprio incapaz de sentir a emogáo artística. Por muito estranho que possa parecer, os críticos sempre foram, entre todos, os homens menos acessíveis ao contágio da arte que 0 restante dos homens. Em sua maior parte, sao escritores mpazes, instruidos e inteligentes, mas de tal modo que neles a atitude de comover—se pela arte acha—se pervertida ou atroñada. E disso advém que seus escritos tenham sempre contribuido largamente e continuam a contribuir para perverter o gosto do público que os lé e neles acreditam. A crítica nio existia nem podia existir nas sociedades em que a arte a todos se enderegva e, conseqiientemente, expressava um conceito religioso da vida, comum a um povo inteiro. A crítim nao se produziu, nem se póde produzir, ao redor da arte das classes superiores, as quais nao tomavam por base a consciéncia religiosa de seu tempo. A arte universal tem um critério interno deñnido e indubitável, a conscién— cia religiosa. Na arte das classes superiores, falta esse critério e, por esse motivo, aqueles que desejam avaliar esta arte sao for<;adr drenar—se a algum critério exterior. E este, encontram—no nos juízes da elite, ¡sto e, na autoridade de homens considerados como mais instruidos que os outros, e náo apenas em sua autoridade, mas igualmente na tradigio formada por um complexo de autoridades deste género. Mas esta tradicio é extremamente falaz, seja porque a elite se engana com muita freqiiéncia, seja porque certos juízos, que a seu tempo tiveram seu valor, cessam de té—lo em outros tempos. Ora, os críticos carecem de base sólida para seus juízos e apegam—se obstinadamente as suas tradicóes. As tragédias clássicas, durante algum tempo, foram consideradas boas; a crítica continua a consideré—las assim. Dante foi considerado grande poeta, Rafael, grande pintor, e Bach, grande músico. E os nossos críticos, na falta de um meio para distinguir a arte boa da arte mim, prosseguem, nao apenas considerando grandes esses artistas, mas julgando todas as obras deles como admirávels e dignas de imitacio. Nada contribuiu ou
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que os músicos podem imaginar sons, sendo—[he quase possível ouvir aquilo que léem. Mas os nossos sons imaginán'os nio podem jamais tomar lugar dos sons reais e um músico precisa ouvir a sua obra para dar a esta uma forma perfeita. Cra, Beethoven nao ouvia mais nada e, portante, estava impossibilitado de conduzir suas obras ¿ perfeigño. A cn'tim, porém, tendo reconhecido um grande compositor, apossou-se precisamente de suas obras anormais, a tim de buscar, a todo custo, belezas extraordinárias. E para ¡ustiñmr tais elogios, pervertendo o verda— deiro sentido da arte musical, atribuiu a música propriedade de pintar aquilo que ela nao pode pintar. E subitamente compareceram os imitadores, uma inumerável falange delas, que se puseram a copiar aquelas obras anormais, obras que Beethoven escreveu quando estava surdo. Atrás destes, surgiu Wagner. Em seus escritos de crítica, deu inicio & conexáo entre as últimas obras de Beethoven e a teoria mística de Shopenhauer, que via na música a esséncia da própria expresado da Vontade. Depois disto, entregou-se a composido de uma música ainda mais estranha, fundamentada nesta teoria e apoiada num sistema de unifion de todas as artes. E de Wagner brotou nova ñleira de imitadores, ainda mais afastadosda arte: Brahms, Richard Strauss e outros. Tais sao os resultados da cn'tica. Nao é menos desastrosa que a terceira causa que contribuiu para perverter a arte do nosso tempo, reñro—me ao ensino artístico. Desde 0 dia em que a arte, cessando de girar em tomo de um povo, passou a girar em torno de uma classe rica, tornou-se uma proñssáo. B, desde que se tornou uma prolissáo, foram inventados métodos para ensiná—la. As pessoas que escolhiam esta proñssáo, a arte, comegnram a aprender estes métodos e, assim, formaram-se as escolas proñssionais; cursos de retórica ou de letras, nas escolas públicas, academias de pintura, conservatórios de música e arte dramática Tais escolas tém por objetivo o ensinamento da arte! Mas a arte é uma transmissáo a outros, de um sentimento pessoal e experimentado por um artista. Como ensinar em escolas uma coisa destas? Nao há escola que possa provomr num homem um sentimento e muito menos ensinar a ele como expressar sentimentos de modo particular, que lhe é natural. E, todavia, é nessas duas coiaas que reside a esséncia da arte. Tudo o que as escolas podem ensinar ¿ o modo de expressar sentimentos experimentado por outros artistas, do jeito que os outros artistas os expressaram. E ¡sto é predsamente o que ensinam as aoolas proñsionais. E esse seu ensinamento, longe de contribuir para a difusio da verdadeira arte, contribui, ao contrário, para multiplicar as contrafacóes da arte, cola'* ado mais que todo o resto para des— truir no homem o intelecto artístico. Na literatura, ensina-se aos jovens como, sem nada terem para dizer, podem escrever uma composigño de mais ou menos uma página a respeito de um argumento no qual jamais pensaram e escrevé—la de tal modo que se assemelhe aos escritos de autores de fama reconhecida. Em pintura, ensina-se principalmentea desenhar e pintar, segundo cópias ou modelos. A desenhar e pintar como desenhavam e pintavam os mestres preceden-
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tes. A representar o nu, ou antes aquilo que menos se vé, ou seja, na realidade é que o homem preocupado com a realidade tem menos omsiáo de pintar. Quanto a composicáo, ela é ensinada aos jovens mediante a proposta de asuntos iguais aos já tratados por mestres célebres. Igualmente nas escolas de arte dramática, ensina—se aos alunos monólogos a recitarf exatamente como antes recitavam atores famosos. A mesma coisa é feita na música. Toda a teoria da música nao é senáo uma simples repetigáo dos métodos de que já se valeram músicos célebres. Um dia, o pintor msso Bryulóv, corrigindo o estudo de um aluno seu, fez um par de retoques, de repente, o estudo mediocre assumiu o sentido da vida. “Como é isso? Apenas um toque e ai está o estudo inteiramente mudadol”, disse o aluno. “E que a arte comeca onde comeca este toque", responde Bryulóv. Nenhuma arte dá tanto relevo a justeza dessa idéia' quanto a execugáo musical. Para que tal execucáo seja artística, vale dizer, para que nos transmita a emocio do autor, 550 requeridas trés condicóes, para nio mencionar outras. A execucáo musical nao é artístim senáo quando a nota é justa, e dura exatamente o tempo prescrito, e produz exatamente a intensidade de som que se requer. A mais insig— niñmnte alteracáo da nota, a menor mudanga de ritmo, o mais insignificante re— forco ou enfraquecimento do som destroem a perfeicáo da obra e igualmente sua faculdade de nos comover. A transmissáo da emocño musical, que parece coisa simples e fácil de obter, é, na realidade, algo que só se obtém quando o executante encontra o imperceptível sombreado necessádo ¿ perfeigño. O mesmo acontece em todas as artes: um pouquinho mais claro, um pouquinho mais escuro, mais baixo, para a direita ou para a esquerda — na pintura; um pouquinho mais fraco ou mais forte na entonacáo, um pouquinho mais cedo ou mais tarde — na arte dramática; um pouquinho omitido, sobre—enfático, ou exagerado — na poesia, e
nao haverá nenhum contágio. 0 contágio é obtido somente quando um artista encontra aqueles graus infinitamente minúsculosdos quais consiste uma obra de arte, e somente na exata medida em que ele os encontra. E é quase impossível ensinar as pessoas por meios externos a acharem esses graus mínimos: eles só podem ser encontrados quando um homem se entrega aos seus sentimentos. lnstrugño nenhuma pode fazer o dangrino calcular o tempo exato da música, ou um cantor ou um violinista acertar exatamente o centro infinitamente minúsculo da sua nota, ou um desenhista tragar de todas as linhas possíveis somente a única cometa, ou um poeta achar o único ananjo correto das únicas palavras adequadas. As escolas, portante, bem podem ensinar o que é preciso para produzir algo de análogo a arte, porém náo ensinaráo jamais o que é necessário para produzir a própria arte. 0 ensino das escolas detém—se onde comegn o toque, ou melhor, onde comega a arte.
Habituar os homens a algo de análogo ¿¡ ane equivale a desabituá-los de compreender a verdadeira arte. Assim se explica como inexistemartistas piores do que os que passaram pela escola e que aí obtiveram éxitos. As escolas proñssio-
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nais produzem uma hipocdsia da arte exatamente análoga ¿ hipocrisia das religióes, que produzem os seminários, as escolas de teología etc. Assim como é im possivel uma escola fazer de um homem um educador religioso, de igual modo é impossível ensiná—lo a tornar—se um artista. As escolas de arte exercem influéncia duplamente funesta. Em primeiro lugar, destroem a capacidade de produzir arte verdadeira naqueles que tiveram a desgraga de lá entrar e perder sete, oito anos de vida. Em segundo lugar, produz uma quantidade enorme daquelas contrafa— qóes de arte que pervertem o gosto das massas e sio preparadas para invadir o mundo inteiro. Nao pretendo que os jovens engenhosos nao devam conhecer os métodos das várias artes, os quais foram elaborados por grandes artistas que os precederam. Para ensiná—los, porém, bastaría que em toda escola elementar fossem criados cursos de desenho e música e os jovens de boa vomgáo, ao sair deles, pudessem aperfeigoar-se em plena independéncia na prátim de sua arte. Fimm pois consolidadas trés coisas: a proñssionalizagñodos artistas, a critica de arte e o ensino das artes, que tiveram como conseqiiéncia, desde logo, tornar a maior parte dos homens incapaz até de compreender o que é a arte e de preparálos para aceitar como arte as mais grosseiras contrafagóes.
CAPÍTULO x… Níbelungen Ring, de Wagner, um tipo de arte contrafelta. O seu sucesso e as razó&s para Isso. ver até que ponto os homens de nosso tempo e de nossa sociedade perderam a faculdade de sentir a verdadeira arte e se habituaram a aceitar como arte coisas que nada tém a ver com a arte, nenhum exemplo poderá demonstrá-lo melhor que as obras de Richard Wagner, a qual nio apenas a Alemanha, mas igualmente a Franca e a Inglatena, considera, hoje, a arte mais elevada e a mais rica de novos horizontes. A peculiaridade da música de Wagner foi que, como todos sabem, a música deve tomar corpo com a poesia, expressando todos os meios—tons de uma obra poética. A uniáo do teatro e da música, inventada no século XV pelos italianos, que cuidavam ressuscitar o amigo teatro grego, jamais vingou senao junto as classes superiores e, apenas quando músicos de talento como Mozart, Weber, Rossini etc., empolgados por um assunto dramático, abandonavam-se ainda assim a inspiracño e subordinavam o texto a música. Nas óperas destes grandes mestres, a única coisa importante para o ouvinte era a música, escrita sobre um certo texto, mio o próprio texto; este poderla ser impelido ao absurdo como, por exemplo, na Flauta Mágica, sem impedir a música de produzir uma impressáo artística. Wagner sonhou em corrigir isso, unindo mais íntimamente a música e a poesia. E realmente uma idéia na qual ele sempre exageróu, mas que, mesmo em seu principio, é absolutamente falsa, dado que cada uma das artes tem seu território determinado, distinto do tern'tório de outras artes, e se a manifestacáo de duas artes diferentes se achar reunida num só trabalho, como e o caso da ópera, em música, uma das duas deve, necessariamente, ser sacrificada a outra. Mas a arte musical nao saberia submeter—se a arte dramática sem perder seu significado pró pn'o, visto toda obra de arte, se e boa, ser a expressáo do sentimento íntimo do artista, de um sentimento realmente excepcional e que nao encontra expressio a nao ser de forma especial. Por isso, pretender que uma produgio de uma certa arte forme corpo com a produoio de outra ¿ pretender o impossível. Na verdade, significa exigir que duas obras de diferentes dominios artísticos sejam, de uma parte, excepcionais, isentas de semelhanca com quaisquer outras e, nao obstante, coincidam e possam unir—se para formar um todo. Isso é tao impossível quanto encontrar dois homens, ou mesmo duas folhas numa árvore, que se assemelhem perfeitamente. E, se duas obras de arte coinci— dem respectivamente, isto acontece por ser uma a obra de arte verdadeira e a outra, uma falsiñcagño, ou por serem ambas contrafacóes. Duas folhas naturais Se desejamos
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náo devem ser exatamente semelhantes. Blas só podem coincidir perfeitamente se uma, ou outra, nao for arte, mas um simulacro da arte, mas duas folhas artifrciais, sim. 0 mesmo acontece com a obra de arte. Se a poesia e a música podem achar—se acopladas, como acontece no caso de hinos e can96es, seu acoplamento nao é jamais uniáo verdadeira. Isso ocorre somente porque a poesia lírica e a música tém a mesma extensáo e o mesmo objetivo: produzir uma condicio mental e as condicóes produzidas pela poesia lírica e pela música podem mais ou menos coincidir. 0 centro de gravidade encontra—se sempre em uma das duas, tanto assim que apenas uma ou outra produz impressio artística. E mais: uma das condicóes essenciais da criacáo artística é a liberdade absoluta do artista, sua independéncia de toda demanda. E a necessidade de adaptar um trabalho musical a um trabalho de outra arte constitui uma demanda preconcebida de tal porte que basta para suprimir qualquer possibilidade " de criacáo artística. Na realidade, é isto que sucede na música de Wagner. E a prova reside no fato de que na música de Wagner falta o caráter essencial de toda obra de arte verdadeira, ou seja, aquela unidade e integridade pelas quais advém que a mais insignificante mudangn de forma é bastante para alterar o significado do todo. Em uma obra de arte verdadeira — poema, quadro, canto ou sinfonía —, é impossível retirar ou mudar de lugar uma linha, uma cena, uma figura, sem que, com isso, se comprometa o sentido de toda a obra; assim como é impossível,sem compro— meter a vida de um ser organizado, mudar de lugar um só de seus órgáos. Nas últimas obras de Wagner, porém, com excegáo de algumas partes menos impor— tantes, dotadas de sentido musical independente, é possível realizar toda sorte de transposicóes, pór adiante aquilo que estava atrás e vice-versa, sem que seja modificado 0 signiñcado musical. E a razáo deste fato é que na música de Wagner o sentido está nas palavras e nao na música. A parte musical das óperas de Wagner faz—me pensar no caso de um daqueles versiñcndores hábeis e vazios, como agora temos em abundáncia, que concebesse o projeto de ilustrar com seus versos uma sinfonía ou uma sonata de Beethoven ou uma balada de Chopin. Aos primeiros compassos, marcados de um mráter especial, ele escreveria os versos correspondentes, segundo seu gosto, ao mrºáter daqueles compassos. Aos compassos seguintes, de mráter diverso, escreveria outros versos a estes correspondentes. E esta nova série de versos náo ten'a nenhuma relagio íntima com a primeira e, além disso, os versos todos seriam desprovidos de ritmo e de rima. Ora, suponha que um tal poeta redija, sem música, os versos assim compostos. E assim teremos uma irnagem exata do que é a música das óperas de Wagner, quando ouvida sem palavras. Mas Wagner nio é apenas músico, é igualmente poeta. Portanto, para julgá— lo é preciso conhecer também sua poesia, aquela a qual ele pretende subordinar a músicº '“ principal de seus trabalhos poéticos é Níbelungen Ring. Eu li com a máxima arengño os quatro libretos que contém essa criado poétim e recomendo
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combinacáo frxa de sons, há um Leitmotív para cada um dos personagens. E todas as vezes que o personagem, assim designado, entra em cena, a orquestra repete seu Leítmotiv, bem como, todas as vezes que se faz alusáo a um dos personagens, a orquestra repete o Leitmotív desse personagem. Todos os objetos tém, também eles, seu Leitmotiv. Temos o motivo do anel, o motivo do elmo, o motivo da maca, o motivo do fogo, o da lanca, o da espada, o da água etc., e a orquestra repete esses motivos apenas feita mencáo destes diversos objetos. Mas voltemos a narracño da representacáo. O ator, munido do corno, abre a boca de um modo nao mais natural que fazia aquele que representava o gnomo. Continua durante algum tempo uma espécie de canto, benando certas palavras, e Mime, o gnomo, responde-Ihe do mesmo modo. 0 sentido desta conversa só se pode adivinharconsultando o libreto. Assim, fica—se sabendo que Siegfried foi eduardo pelo gnomo e, por ese motivo, o detesta e busca matí—lo. O gnomo fabrimra uma espada para Siegfried, mas este náo estava satisfeito. O diálogo dura uma boa meia hora e ocupa dez páginas do libreto. Informa—se que a me de Siegfried o pós no mundo num bosque, que seu pai possuía uma espada, aquela da qual Mime tenta recompor os pedacos. Mime quer impedir ao jovem a saída do bosque. Acrescentarei que, durante esta conversacáo, ao mínimo sinal que se faca do pai, da espada etc., a música nño deixa nunca de fazer ouvir o Leitmotív dessas pessoas e desses objetos. Finalmentedetém-se o diálogo; ouve-se uma música realmente diversa — o Leitmotív do deus Wotan; comparece um viajante. Este viajante é o deus Wotan. 0 deus, munido também ele de perucn e malha, ñoa parado numa pose estúpida com uma lanca na mio e póe—se a narrar uma longa história, que Mime deveria certamente conhecer de longa data, mas que o autor acreditou necessário dar a conhecer aos seus ouvintes. E nota-se que ele (o deus Wotan) nño conta essa história com simplicidade, mas em forma de enigmas impostos a si mesmo, sujeitando—se a perder a vida se nao viesse a adivinhar a resposta. E, todas as vezes que golpeia o solo com a lanca, vé-se sair fogo e a orquestra faz ouvir o Leílmotív da lanca e do fogo. De resto, a orquestra acompanha o diálogo com uma música na qual estao sempre mesclados os Leitmotívs das pessoas em que se fala. Além disso, a música expressa sentimentos do modo mais primitivo: o ten—¡vel pelo som grave, o frívolo por toques rápidos e agudos e assim vai. Esses enigmas tém o único lim de nos informar quem sao os gnomos, quem sáo os gigantes, quem sao os deuses e aquilo que aconteceu nas óperas precedentes. Para completar a explimcáo, Wotan propóe a sua volta trés enigmas. Depois vai embora e retoma Siegfried, entretendo-se de novo com Mime por treze outras páginas do libreto. Durante todo esse tempo, nao se ouve uma só melodia inteiramente desenvolvida; ouve—se apenas um perpétuo entrelacamento dos Leitmotivs das pessoas e das coisas das quais se fala. Diz Mime que quer ensinar o medo a Siegfried e que este nao sabe o que é o medo. Terminadas, añnal, as treze páginas, Siegfried agarra um dos pedacos do que deve representar a espada quebrada,
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coloca—o sobre a coisa que deve representar a bigoma, bate nela e canta: “Heiho! heiho! heiho! Ho! ho! Aha! oho! aha! Heiaho! heiaho! heiaho! Ho! ho! Hahei! hoho!
hahei!" E termina assim o primeiro ato. Toda essa coisa era de tal modo initante para mim que eu tentava manter— me quieto e, assim que terminou o ato, quis ir embora. Mas os amigos que me acompanhavam suplioaram que eu ñmsse, dlsseram-me que nao era possível jul— gar uma ópera pelo primeiro ato e que o segundo, sem dúvida nenhuma, me agradaria mais. Todavia, nada mais tinha eu que aprender, no tocante a questáo pela qual viera ao teatro. Quanto ao valor artístico do drama de Wagner, estava eu, nesse momento, tio seguro quanto ao meu parecer, quanto estivera no tocante a avaliacáo do romance daquela senhora, quando ela lem para mim a cena entre a donzela de mbelos longos e o cnvalheiro de chapéu emplumado a Guilherme Tell. De um autor capaz de compor cenas daquele género, que ofendiam todos os sentimentos estéticos, nada havia que esperar. Podía—se estar certo, sem ouvir mais nada, que qualquer coisa escrita por tal autor seria arte ruim, uma vez que ele, evidentemente, náo sabia o que fosse uma verdadeira obra de arte. Contudo, eu notava, em volta de mim, uma admiracáo, um éxtase geral, e, para descobri_r a causa desse éxtase, resolvi ouvir ainda o segundo ato. No segundo ato, noite. Depois alba. De resto, de um modo geral, toda a producáo é decorada de lámpadas, nuvens, luar, trevas, fogos mágicos, estrondos de trováo etc. A cena representa um bosque e ao fundo divisa-se uma caverna. Á entrada da mvema senta-se outro ator, de malha, que representa outro gnomo. Entra o deus Wotan, sempre com sua lang:a e roupa de viajante. Novamente, a orquestra faz ouvir o seu motivo desta vez junto a outro, do tom mais baixo possível. Esse motivo de sons graves profundos designa o dragño. Wotan desperta o dragáo e os mesmos sons graves repetem—se ainda com maior profundidade. O dragáo comegn dizendo que quer ir dormir, mas decide-se mais tarde mostrar-se, na soleira da caverna. Este dragáo é representado por dois homens. Veste-o uma pele verde, esmmosa. Uma de suas extremidades meneia longa muda de serpente, na outra escanmra uma boca de crocodilo que chispa fogo. E esse dragáo — que, sem dúvida, se pretende tenivel e, na verdade, até seria capaz de apavorar criancas de 5 anos — fala com uma voz de terrivel profundidade. Tudo isso é tño estúpido e de tal modo semelhante ao que é exibido em barraquinhas de feira que seria oportuno indagar como é que pessoas com mais de sete anos podem assistir a isso com tanta seriedade bem como milhares de pessoas semicultas podem tirar a olhar e a ouvir toda esa bobagem com piedosa atencáo, enlouquecendo de prazer. Toma a comparecer Siegfried, com o corno, e seguido de Mime. A orquestra, naturalmente, acena com o respectivo Leítmotiv e, entre tempos, póe—se a discutir o tal ponto, se Siegfried sabe ou nao sabe o que vem a ser o medo. Depois disso vai-se Mime e tem início uma cena, segundo as intencóes, eminentemente, poé— ticas. Siegfried, sempre com a malha, estende-se numa pose destinada a parecer bela e, alternativamente, aula—se ou fala consigo mesmo. Devaneia, ouve o canto
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dos pássaros e deseja imitá-los. Para ese lim, corta um canico com sua espada e dele faz uma flauta. A madrugada vai clareando, cantam os passarinhos. Siegfried tenta imitar os pássaros. E a música da orquestra imita o canto dos pássaros, mas sem esquecer de fazer ouvir o leitmotív das pessoas e objetos de que se fala. E Siegfried, náo conseguindo tomr direito a flauta, decide—se a tocar de preferéncia o como. Essa cena é insuportável. De música, ¡sto é, de uma arte que nos transmite um sentimento experimentado pelo autor, em tudo isso nao existe dela o mínimo trago. E acrescento que jamais se imaginou nada de mais antimusical. Parece-nos ouvir, indefinidamente, uma esperanca de música, seguida sempre por uma desilusáo. Inicia—se, centenas de vezes, algo de musical, mas sáo inicios táo breves, táo atravancados de complicado de harmonia e metais, tao carregada de efeitos contrastantes, tao obscuros e tao bruscamente tranmdas, sendo o que sucede em cena de uma falsidade, de tal modo abominável, que se custa a perceber tais embrióes musicais e mais ainda a sentir emocáo. E acima de tudo, do principio ao fim, em todas as notas, é, digamos, palpável a inteng:áo do autor de que nao vejamos nem oucamos Siegfried nem os pássaros, mas somente um alemáo de idéias restritas, um alemáo desprovido de gosto e de estilo, o qual, havendo formado um grosseiro conceito da poesia, aplica-se a transmiti-lo pelos meios mais
primitivos e rústicos.
o sentimento de desconñang e que resisténcia costuma provocar a presenca de um trabalho que revele com demasiada evidéncia o partido tomado pelo autor. Basta que um novelista diga logo de inicio “preparem-se para chorar ou para rir”, para que estejamos certos de que nao choraremos nem riremos. Mas ao ver que um autor nos impóe que nos comovamos por uma coisa que nada tem de comovente, que é antes ridícula ou repugnante, e quando vemos, além disso, que este autor está plenamente convencido de nos haver conquistado, experimentamos uma sensacáo penosa, análogaaquela que suscitaria em nós uma velha em traje de baile, que se comportasse conosco como uma namoradeira. Tal foi a impressáo que experimentei, durante a tal cena, enquanto via ao meu redor uma multidio de tres mil pessoas, que nao apenas assistiam aquela absurdidade sem lamentar—se, mas acreditavam no dever de ser entusiastas. De todo modo, resignei-me ainda a cena seguinte, ¿ qual comparece o monstro com seu acompanhamento de notas profundas mescladas ao Leitmotív de Siegfried. Porém, após o combate com o monstro, os mugidos, 05 golpes de espada e as labaredas etc., nao pude mais resistir e esmpel do teatro, com um sentimento de repugnáncia de que ainda neste momento nao consigo esquecer. lnvoluntariamente, pensei num camponés, homem sábio, instruido, respeitável, um daqueles homens realmente religiosos que cónheco, entre nossos cam poneses; imaginava a tenível perplexidade que sentiría um tal homem se precisas— se assistir ao espetáculo que eu vira. Que diria ele, se viese a saber quanto dinheiro se dispendera para aquela representado e vendo aquele auditório, vendo Sabe—se qual
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os poderosos do mundo — homens idosos, calvos, de barbas branms, homens que ele se habituara a respeitar —, vendo—os imóveis, sentados, a olhar e a ouvir, durante seis horas seguidas, aquele amontoado de absurdos? Para náo falar de um trabalhador adulto, pode—se dificilmente imaginar mesmo uma crianca de mais de 7 anos ocupando—se com um conto de fadas tio estúpido e incoerente. Contudo, esse enorme auditório, a flor das classes cultas, assiste, duran— te seis horas seguidas, a essa representacáo disparatada. E toda essa gente vai para casa com a conviccáo de que, com o tributo prestado Aquela extravagáncia, adquiriu novo direito de se acreditar esclarecida e progressista. Refiro-me ao público de Moscou, más esse público nio perfaz senáo parte mínima daquele que, considerando-se como flor intelectual do mundo, acha que é um mérito ter a faculdade da emocio artística táo deformada, que pode assistir sem se rebelar a essa farsa estúpida e dela extrair um extremo prazer. Em Bayreuth, onde foi representado pela primeira vez esse trabalho, pessoas que se consideravam como a quintesséncia do género humano acorreram dos quatro pontos cardeais e gastaram todas elas milhares de rublos para ver repre— sentar semelhantes coisas. E quatro dias em seguida, seis horas por dia, contem plavam e ouviam essa farsa estúpida. Mas o que trouxe a Bayreuth tais pessoas e por que se continua a ver tais obras, por que as admiram? Els uma questáo que fatalmente se impóe. Como se explica o sucesso das obras de Wagner? A explicacáo é muito simples. Grasas a condicóes excepcionais, podendo dispor das facilidades de um rei, encontrou-se Wagner em condicóes de concentrar todos os métodos inventados antes dele para contrafazer a arte. E, manejando todos estes métodos com extrema habilidade, produziu um modelo perfeito de contrafagio da arte. E foi precisamente por isso que falei táo longamente sobre sua obra. Nenhuma outra que eu conheca mostra com tanta sagacidade e eñcácia as combinacóes de todos os métodos que possam valer para contrafazer a arte, ¡sto é, os empréstimos, as imitacóes, os efeitos e o apelo a curiosidade. A come<;ar pelo assunto, extraído de velhas lendas, para subir ás nuvens, ao surgir 0 sol ou a lua, Wagner lancou mio de tudo que é considerado poético. Encontramos na sua obra a Bela Adormecida em plena floresta e as ninfas e fogos subterráneos, além de gnomos, batalhas do amor e do incesto. E também um monsfro e pássaros canoros; o arsenal poético aqui é todo ele colocado em acáo. Além do mais tudo é imitativo: as decoracóes sao imitadas e os costumes sáo imitados. Tudo é exatamente como teria sido, de acordo com os dados for— necidos pela arqueologia, na antigiiidade. Os próprios sons sáo imitativos, pois Wagner, que náo era destituido de talento musical, inventou justamente tais sons como que imitando as pancadas de um mantelo, o silvo de ferro fundido, o canto dos pássaros etc. Em terceiro lugar, é tudo feito para produzir 0 máximo efeito atordoante: os monstros, as miraculosas labaredas, as cenas que se passam dentro d'água, a
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obscuridade da sala, a orquestra invisível, e depois as novas combinacóes harmónicas e, por isso, surpreendentes. Tudo, enñm, é interessante. O interesse nao reside apenas na questáo de saber quem matará e quem será morto, quem casará e o que acontecerá depois. O interesse reside, outrossim, no relacionamento entre a música e o texto. 0 motivo das ondas do Reno, como o expressará a música? Comparece em cena um gnomo mau, como poderá algum dia a música expressar um gnomo mau, como poderá colorir sua sensualidade? Como serio representadas musicalmente a coragem, o fogo e um anel? Como fará o autor para entrelacar o Leitmotív das pessoas que falam com o das pessoas e coisas de que se fala? E o interesse das óperas de Wagner náo termina aqui. A música, ainda é interessante por si mesma, é um constante apelo & nossa curiosidade. Afasta—se de todas as Ieis, antes dela admitidas, e produz as mais inesperadas modulacóes, modulacóes realmente novas (coisa náo só possível como até fácil, para uma música liberta de toda lei interna). As dissonáncias sáo novas e resolvidas de modo realmente novo. Tudo isso é, na verdade, muito interessante. E 550 estes elementºs, o aparato poético, a imitagáo, o efeito, o interesse, que, gracas a singularidade do engenho de Wagner e a sua condicáo, encontram— se em suas óperas elevados ao máximo da perfeicáo, de tal modo que hipnotizam o espectador, como ele seria hipnotizado, se ñmsse várias horas & escuta das divagacóes de um louco, a declamar com grande poténcia retórica. Dizem, porém: “Vocés náo podem julgar isso tudo sem ter visto as óperas de Wagner em Bayreuth, na sala escura, com a orquestra totalmente oculta e uma execugño incensurável!” Estou pronto a admiti—lo. Mas isso prova precisamente que nio se trata de arte e, sim, de hipnotismo. E exatamente desse modo que falam os espíritas. Para nos convencer da realidade de suas aparicóes, dizem infalivelmente: “Vocé náo pode julgar em sua casa. Venha as nossas sessóes”. Em outros termos: “Venha e ñmrá sentado durante ván'as horas seguidas, no escuro, com outras pessoas meio doidas; repita essa experiéncia meia dúzia de vezes e verá o que nós vemos". Sim, naturalmente! Ponham-se em ¡ais condigóes, e veráo tudo o que quiserem ver, se bem que lhes seja possível chegar mais facilmente a igual resultado embriagando-se de vinho ou de ópio. O mesmo acontece com a audigño das obras de Wagner. Fique durante quatro dias seguidos mergulhado na obscuridade, em companhia de pessoas que náo sáo totalmente normais e, pelo veículo de seus nervos acústicos, submeta o seu cérebro ¿ potente acáo dos sons produzidos propositalmente para excitar. Deverá, por forca, encontrar—se em condicóes anormais, de tal modo que os piores absurdos lhe daráo prazer. Mas para atingir tal ponto nio sáo necessários nem quatro dias; bastam as cinco horas que dura a representacáo de uma das “jornadas". Que digo eu? Uma hora é suficiente para pessoas que náo tém nenhuma idéia clara daquilo que deveria ser a arte e que, antecipadamente, decidiram que tudo quanto veráo será excelente e que sabem que a exibicáo de indiferengn ou descontentamento diante de tal ópera lhes será atribuida como prova de inferioridade e esmssa cultura.
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Observei em Moscou o auditório de Siegfried. Havia lá pessoas que davam direcio aos outros, que os sugestionavam. Eram dos que já haviam se submetido antes a acáo hipnótiat de Wagner; abandonavam-se de novo a ela. Estes, estando em condicóes mentais anormais, experimentavam um éxtase perfeito Ao lado destes, estavam os críticos de arte, homens absolutamente desprovidos da faculdade de sentir emocáo pela arte e que, portanto, estao sempre prontos a louvar óperas tais como as de Wagner, nas quals todas as coisas sao assunto da inteligéncia. Por isso, nao deixavam de ostentar toda sua profundidade ao louvar uma ópera que Ihes oferecia matéria tao ampla de raciocinio. Atrás desses dois grupos, mminhava a turba dos cidadáos, gente indiferente ¿ arte, ou pessoas que, se tinham a mpacidade de sentir-se tocadas pela arte, esta já se pervertem e atroñara, em parte. B estes enñleiravam—se servilmente ¿ opiniáo dos príncipes, milionários e patronos das artes, que, ao redor deles, abracavam sempre as idéias daqueles que expressavam seus pareceres com maior forca e decisáo. “Oh! Que poesia! Que maravilha! Principalmente os passarinhos! Ah! Sim! Rendo-me!” Assim exclama toda a multidáo, a repetir a porña o que naquele momento ouvira afirmado por pessoas de autoridade reconhecida. Trata—se de pessoas que se sentem chomdas pela absurdidade e pela vulgaridade da coisa toda, calam—se tímidamente, como um sujeito sóbrio permanece silencioso e tímido, no se ver circundado de bébedos. E assim sucede que, gracas a prodigiosa maestria com que contrafaz a arte, sem nada ter de comum com ela, uma ópera grosseira, baixa e vazia de sentido, acha-se admitida no mundo inteiro, cobrando milhares de rublos pela representacáo e contribuindo cada vez mais para a perversáo do gosto das classes superiores e da sua concepcáo de arte.
CAPÍTULO x¡v Verdades fatals para vlsóes preconcebldas nio prontamente reconheddas. Proporcáo das obras de arte para as contrafacóes. A perversáo do gosto e ¿ Incapaddade de reconhecer a arte. Exemplos. que a maion'a das pessoas — náo somente aquelas consideradas inteligentes, mas mesmo aquelas que sao muito inteligentes e capazes de compreender os problemas mais difíceis da ciencia, matemática ou ñlosoña — raramente consegue discernir até mesmo a mais simples e óbvia verdade se houver algo que as obrigue a admitir a falsidade das conclusóes que tenham formado, talvez com multa diñculdade — conclusóes das quais elas se orgulham, as quais ensinaram a outras, e sobre as quais construíram suas vidas. E portanto tenho poums esperangs de que o que menciono como sendo a perversáo da arte e do gosto na nossa sociedade será aceito ou mesmo considerado seriamente. No entanto, devo relatar por completo a conclusáo inevitável a que a minha investigaci—o sobre a questño da arte me levou. Essa investigacáo me Ievou ¿ conviccáo de que quase tudo que a nossa sociedade considera ser arte, boa arte, longe de ser arte real, boa e única arte, náo é sequer arte de nenhum modo, mas somente uma contrafaqño dela. Essa posicáo, eu sei, parecerá muito estranha e pamdoxal, mas, uma vez que concebemos a arte como sendo uma atividade humana por meio da qual algumas pessoas transmitem seus sentimentos a outras (e nao um servico da Beleza, ou uma manifestacáo da Idéia, e assim por diante), devemos inevitavelmente admitir essa conclusáo posterior também. Se é verdade que arte é uma atividade por meio da qual um homem, tendo experimentado um sentimento, transmite intencionalmente a outros, entáo temos inevitavelmente que admitirtambém que de tudo que entre nós é rotulado de arte (a arte das classes superiores) — de todos aqueles romances, histórias, dramas, comédias, quadros, esculturas, sinfonías, óperas, operetas, balés etc., que professam ser obras de arte —, dificilmente um em cem mil procede de uma emocio sentida pelo seu autor, todo o resto sendo nada mais que contrafacóes manufaturadas da arte, nas quais o empréstimo, a imitacáo, os efeitos e o interesse substituem o contágio do sentimento. Que a proporcáo da producáo da arte verdadeim para as contrafacóes é de um para algumas centenas de milhares ou até mais, pode ser visto pelo seguinte cálculo: li em algum lugar que artistas pintores, só em Paris, somam 30.000; haverá provavelmente um mesmo tanto na lngratena, na Alemanha, e um mesmo tanto na Rússia, ltália, e nos países menores juntos. De modo que no total haverá na Europa, digamos, 120.000 pintores; e há provavelmente o mesmo tanto de músicos e o mesmo tanto de artistas literários. Se esses 360.000 individuos produzem trés Sei
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obras por ano cada um (e muitos deles produzem dez ou mais), entáo cada ano resulta mais de um milháo das chamadas obras de arte. Quantas entáo teriam sido produzidas nos últimos dez anos, e quantas em todo este tempo, desde que a arte das classes superiores rompeu com a arte do povo? Eviden— temente milhóes. Ainda assim, quem, de todos os conhecedores da arte, re— cebeu impressóes de todas essas pseudo-obras de arte? Sem mencionar as classes trabalhadoras que nao tém nenhuma concepcáo dessas producóes, nem mesmo as pessoas das classes superiores podem conhecer uma em mil de todas elas, e nao podem se lembrar nem daquelas que tenham conhecido. Esses trabalhos todos aparecem a guisa da arte, nao produzem impressóes em ninguém (exceto quando eles servem de passatempo para uma multidáo oci— osa de pessoas ricas) e se desvanecem por fim. Em resposta a isso é usualmente dito que sem este número enorme de tentativas malsucedidas nao teríamos as verdadeiras obras de arte. Mas tal raciocinio é como se um padeiro, em resposta a uma repreensáo de que o seu pao estava ruim, dissesse que se nio fossem pelas centenas de páes malfeitos nao haveria nenhum bem-feito. E verdade que onde há ouro há também muita areia, mas isso nao pode servir de razáo para falar um bocado de nonsense para dizer algo sábio. Estamos rodeados por produgóes consideradas artísticas. Milhares de versos, milhares de poemas, milhares de romances, milhares de pegas teatrais, milhares de pinturas, milhares de pecas musicais se seguem um atrás do outro. Todos os versos descrevem amor, ou natureza, ou o estado de alma do autor, e em todos eles sáo observados rimas e ritmos. Em teatro, os dramas e as comédias sio todos esplendidamente encenados e representados por atores admiravelmente treinados. Todos os romances sáo divididos em capítulos; todos eles descrevem amor, contém situacóes efetivas e descrevem corretamente os detalhes da vida. Todas as sinfonías contém allegro, andante, scberzo e finale, todas consistem em modulacóes e acordes e sio executadas por músicos al— tamente treinados. Todos os quadros, em molduras de ouro, representam notavelmente rostos e diversos acessórios. Mas, entre essas producóes nas várias ramificag6es da arte, há em cada um dos ramos uma, entre centenas de milhares, que náo é somente algo melhor que o resto, mas que difere das outras como um diamante difere da imitacio. Esta é sem preco, as outras nio somente nao tém nenhum valor, como sao piores do que nao ter valor, pois decepcionam e pervertem o gosto. E ainda externamente elas sáo, para um homem de percepcio artística pervertida ou atrofiada, precisamente iguais. Na nossa sociedade, a dificuldade de reconhecer verdadeiras obras de arte e intensificada ainda mais, pelo fato de que a qualidade externa da obra em producóes falsas nao é somente nada pior, mas freqiientemente melhor, do que em producóes verdadeiras; as contrafaqóes sáo freqtientemente mais efetivas do que as verdadeiras, e os seus assuntos, mais interessantes. Como alguém discriminará? Como alguém distinguirá uma producáo, de nenhum
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modo distinguível por fatores externos, das centenas de milhares de outras intencionalmente feitas precisamente para imitá-Ia? Para um camponés rural, de gosto nao pervertido, isso é tao fácil quanto é para um animal de faro nao corrompido seguir os rastros de algo que ele quer entre mil outras coisas no bosque ou floresta. 0 animal infalivelmenteacha o que precisa. Portanto também o homem, se as suas qualidades natumis nao foram ainda pervertidas, irá infalivelmente selecionar dentre milhares de objetos a obra de arte verdadeira que ele exige — aquela que o contagia com o sentimento experienciado pelo artista. Mas o mesmo náo acontece com aqueles cujo gosto foi pervertido pela sua eduwcáo e vida. O sentimento receptivo dessas pessoas está atroñado, e para avaliar producóes artísticas ele deve ser guiado por discussóes e estudos, que o confundem completamente. A maioria das pessoas na nossa sociedade pratimmente é incapaz de distinguir uma obra de arte, das contrafacóes mais grosseiras. As pessoas se sentam por horas inteiras em salas de concerto e teatros ouvindo os novos compositores, consideram um dever ler os romances dos escritores modernos famosos, e olhar os quadros que representam ou coisas in— compreensíveis ou justamente as mesmas coisas que elas véem muito melhor na vida real; e, acima de tudo, elas se consideram incumbidas de serem arrebatadas por tudo isso, imaginando que tudo isso seja arte, enquanto ao mesmo tempo elas passam pelas verdadeiras obras de arte, nio somente sem atencáo mas até mesmo com desprezo, simplesmente porque no seu círculo esas obras nao estío incluídas na lista das obras de arte. Alguns dias atrás, eu estava voltando para casa, de um passeio a pé, sentindo-me deprimido, como acontece as vezes. Aproximando-meda casa ouvi o canto bem alto de um grande coral de mulheres camponesas. Blas estavam dando boasvindas ¿ minha filha, celebrando a sua volta a casa depois do seu casamento. Nesse canto, com seus gritos e o tinido de ceifeiras, tamanho sentimento definido de alegria, animacáo e energia, era expresso, que, sem me dar conta de como isso me contagiara, eu continuei a caminhar em direcáo a msa num humor melhor e cheguei em casa son-¡ndo e num estado de espírito bastante bom. Naquela mesma tarde, uma visita, um músico admirável, famoso pela sua execucáo de música clásica e particularmente de Beethoven, tocou para nós a sonata Opus 101 de Beethoven. Em proveito daqueles que de outro modo podem atribuir o meu jul— gamento daquela sonata de Beethoven a uma náo compreensáo dela, devo men— cionar que, o que quer que outras pessoas entendam daquela sonata e de outras producóes do fase final de Beethoven, eu, sendo muito suscetível ¿¡ música, com preendo igualmente. Durante muito tempo eu me coagia para deliciar-me com aquelas improvisacóes sem forma que 550 o tema das obras da fase Frnal de Beethoven, mas bastou que eu considerasse a questáo da arte seriamente e com parasse a impressáo que recebera das últimas obras de Beethoven com aquelas impressóes musicais, alegres, claras e fortes, que sáo transmitidas, por exemplo, pelas melodias de Bach (suas árias), Haydn, Mozart, Chopin (quando suas melo— dias náo estao sobrecarregadas de complimcóes e omamentacáo), do própn'o
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Beethoven na sua primeira fase, e, sobretudo, com as impressóes produzidas pelas mncóes folclóricas — italianas, noruegas ou russas,— pelos csárdas húngaros, e outras músicas igualmente simples, claras e poderosas, com o excitamento obscuro, quase doentio das últimas pegas de Beethoven, as quais eu artificialmente evocnra dentro de mim, para que fossem imediatamente destruidas. Ao término da apresentacáo (embora se notasse que todos tivessem lime entediados) os presentes elogiaram calorosamente a producáo profunda de Beethoven de maneira educada, e nao se esqueceram de acrescentar que antes eles nao eram mpazes de compreender aquela fase final dele, mas que agora viam que ele realmente estava entáo na sua melhor fase. E, quando eu me aventurei a comparar a impressáo causada em mim pelo canto das mulheres camponesas — uma impressáo que fora compartilhada por todos os que o ouviram — com o efeito dessa sonata, os admiradores de Beethoven simplesmente soniram desdenhosamente, nio considerando necessário responder a observacóes ¡ño estranhas. Mas, por tudo isso, o canto das mulheres camponesas era verdadeira arte transmitindo um sentimento definido e forte, enquanto a sonata 101 de Beethoven era somente uma tentativa malsucedida em arte, nio contendo nenhum sentimento deñnido e, portanto, nao contagiante. Para o meu trabalho sobre a arte eu tenho durante este inverno lido diligentemente, embora com grande esforco, os romances consagrados e histórias elogiadas por toda a Europa, escritos por Zola, Bourget, Huysmans e Kipling. Ao mesmo tempo, deparei-me com uma história numa revista de criancas, de um escritor desconhecido, que falava de preparativos de Páscoa numa família de uma viúva pobre. A história conta como a mie consegue com diñculdade obter um pouco de farinha de trigo, a qual ela despeja sobre a mesa pronta para amassar. Ela entáo sai para buscar um pouco de fermento, dizendo para as criancas náo deixarem a cabana e tomaremconta da farinha. Quando a mie sai, umas outras criangas correm gritando perto da janela, chamando os que estavam dentro da cabana para vir brincar. As criancas se esquecem do pedido da mie, correm para a rua e logo se enturmam no jogo. A mie, ao voltar com o fermento, encontra uma galinha sobre a mesa jogando o que restava da farinha para os seus pintinhos, que estavam ocupados bimndo a farinha no meio da poeira do cháo de terra. A mae, deses— pemda, ralha com as criangns, que choram alto. E a mie comeca a sentir pena delas — mas toda a farinha branm havia ido embora. Assim, para reparar a questáo, decide fazer o bolo de Páscoa com a farinha de centeio peneirada, salpimndo—a sobre o branco do ovo e rodeando com ovos. "0 pic de centeio que enrolo é tao bom quanto o bolo", diz a máe, usando um provérbio rimado para consolar as criangns por nio terem um bolo de farinha de trigo para a Páscoa, e as criangns, rapidamente passando do desespero ao éxtase, repetem o provérbio e esperam o bolo de Páscoa, ainda mais alegremente do que antes. Bem! a leitura dos romances e histórias de Zola, Bourget, Huysmans, Kipling e outros, a maioria deles lidando com assuntos penosos, nio me tocou por um momento sequer, e eu ñquei provocado pelos autores todo o tempo, como al—
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;uém fimria provocado com um homem que o considerasse tao naíve que nem nesmo escondía o truque pelo qual ele pretendia envolvé—lo. Desde as primeiras liflh3$ pode—se ver a intencio com a qual o livro foi escrito, os detalhes todos entáo se tomam supérfluos, e o leitor se sente entediado. Sobretudo, nota—se que todo o tempo o autor nio teve Outro sentimento senáo um desejo de escrever uma história ou um romance, e por isso nio se rºecebe nenhuma impressao artística. Por outro lado nio pude me esquecer do como de criancas e de pintinhos do autor desconhecido, porque eu fora contagiado de imediato pelo sentimento que o autor evidentemente experienciou, reevocou nele e o transmitiu. Vasnetsóv é um dos nossos pintores russos. Ele pintou quadros eclesiásticos na Catedralde Kiev e todos o elogiam como o fundador de algum novo e elevado tipo de arte cristá. Ele trabalhou naqueles quadros por dez anos, foi pago com dezenas de milhares de rublos por eles, e eles sáo todos simplesmente más imitacóes de imitacóes, destituidos de qualquer faísm de sentimento. E este mesmo Vasnetsóv uma vez fez um quadro para A Codema (no qual é contado como um filho se compadeceu da codoma que viu o seu pai matar) de Turgueniev mostran— do 0 menino adormecido com o lábio superior fazendo beico, e sobre ele, como um sonho, a codoma. E esse quadro é uma verdadeira obra de arte. Na Academia Inglesa de 1897, dois quadros foram exibidos juntamente; um deles, de _].C. Dollman, era a tentacio de Santo António. 0 Santo está de joelhos remndo. Atrás dele se póem uma mulher nua e uns animais. E aparente que a mulher nua tenha agradado muito o artista, mas que António náo era, definitivamente, a sua preocupacáo, e que longe da tentacáo ser terrível para ele (o artista), é altamente agradável. Portanto, se é para haver qualquer arte nesse quadro, é muito obscena e falsa. Depois, no mesmo livro de quadros académicos, aparece um quadro de Langley, mostrando um menino pedinte perdido, que fora evidentemente chamado a entrar por uma mulher que se compadeceu dele. O menino, arrastando pobremente os seus pés nus por baixo do banco, está comendo; a mulher está olhando, provavelmente pensando se ele náo querer—á um pouco mais; e uma menina de mais ou menos 7 anos, inclinada sobre o braco, está olhando séria e cuidadosamente, nao tirando os olhos do menino faminto e evidentemente compreendendo, pela primeira vez, oque é a pobreza e que desigualdade há entre as pessoas, e perguntando a si mesma por que a ela tudo é fornecido, enquanto este menino anda desmlco e faminto? Ela sente pena e ao mesmo tempo contentamento, e ela ama tanto o menino quanto a bondade... Sente—se que o artista amou esta menina e que ela também ama. E esse quadro, de um artista que, acho, nao é muito conhecido, é uma admirável e verdadeira obra de arte. Lembro—me de ter visto uma apresentacáo de Hamlet de Rossi. Tanto a pró pria tragédia quanto o ator que fez o papel principal sao considerados por nossos críticos representantes máximos da suprema arte dramática. E ainda assim, tanto do tema do drama quanto da performance, eu experimentei todo o tempo aquele tormento peculiar que é causado por falsas imitacóes das obras de arte. Mas eu li recentemente sobre uma performance teatral em uma tribo selvagem — os voguls.
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Um espectador descreve a pega. Um adulto e uma crianca voguls, ambos vestidos de pele de rena, representam uma rena fémea e o seu ñlhote. Um terceiro vogul com um arco representa um mcador migrando um sapato de neve e um quarto imita com sua voz um pássaro que alerta a rena do per—¡go. O mcador segue a rena e o seu ñlhote pelos rastros deixados por eles. A rena corre para fora da cena e reaparece novamente. (Esta performance acontece dentro de uma pequena oca.) 0 cagador se aproxima mais e mais da mca. A pequena rena está cansada e se esfrega contra a sua mie; a rena para a ñm de tomar fólego. O cagador os alcanga e puxa o seu arco. Mas entáo o pássaro canta a sua nota alertando a rena de seu perigo. Eles esmpam. Novamente há uma menda e novamente o cacador os alcangn, os pega, e faz voar a sua Hecha. A flecha acerta a ñlhote. incapaz de correr, o pequeno se esfrega contra a sua máe. A me lambe a fen'da. O mgdor puxa outra flecha. O público, como a testemunha ocular o descreve, fica paralisado, em suspense; profundos gemidos e até choros sao ouvidos entre eles. E pela mera descricáo sentí que aquela era uma verdadeira obra de arte.
0 que estou dizendo será considerado paradoxo ¡nacional com o qual só se
pode limr pasmo, mas a todos devo dizer o que penso, ¡sto é, Aquelas pessoas do nosso círculo, algumas das quais compóem versos, histórias, romances, óperas, sinfonías e sonatas, pintam todo tipo de quadros e moldam estátuas, enquanto outros ouvem e olham essas coisas, e outros novamente apreciam e critimm todos eles: discutem, condenam, triunfam, e geracño após geracáo erguem monumentos uns aos outros — que todas esas pessoas, com muitas poucas excegóes, os ar— tistas, e o público, e os críticos, nunca (exceto na infáncia e no inicio de sua juventude antes de ouvir quaisquer discussóessobre a arte) experimentamm aquele sentimento simples e familiar ao homem mais simples e mesmo a uma crianca, aquele senso de contágío com o sentimento do outro — compelindo-nos a regozijar—nos da alegria do outro, a lamentar do pesar do outro e a unir as almas com os outros — que é a esséncia mesma da arte. E, dessa forma, essas pessoas nao somente nao podem distinguir verdadeiras obras de arte das contrafacóes, como se equivocam continuamente tomando por arte verdadeira a pior e a mais artificial arte, enquanto elas nem mesmo percebem obras da verdadeira arte, porque as contrafacóes sao sempre mais omadas, enquanto a arte verdadeira é modesta.
CAPÍTULO xv A QUALIDADE DA ARTE (QUE DEPENDE DA SUA FORMA) CONSIDERADA A PARTE DO SEU CONTEÚDO. sinal da arte: poder de contágio. Arte
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lncompreen5ível para aquelas culo gosto está pervertido. Condlcóes para o contáglo: ¿¡ |ndlvldualldade, ¿ dareza e ¿ sinceridade do sentimento transmitido. A arte na nossa sociedade ñcou tao pervertida que
nao somente a arte ruim veio a ser considerada boa, como até a própria percepcáo do que é realmente a arte foi perdida. Para poder falar sobre a arte da nossa sociedade é, portanto, primeiro de tudo ne”cessário distinguir a arte da contrafacáo da arte. Existe, apesar de tudo, um sinal certo e infalível para distinguir a arte verdadeira de sua contrafacáo; é aquilo que chamamos de contágio artístico. Se um homem, sem nenhum esforco de sua parte, perante a obra de outro homem, experimenta uma emocáo que une aquele a outros, que, contemporaneamente, receberiam a mesma impressio, ¡sto significa que a obra diante da qual se encontra é obra de arte. E uma obra pode ser táo bela quanto se queira poética, rim em efeitos e interessante, mas náo será obra de arte se náo despertar em nós aquela emogáo muito particular, a alegria de nos sentimos em comunháo com o autor e com outros homens em companhia dos quais lemos, contemplamos ou ouvimos a obra em questáo. Este sinal, decerto, é inteiramente interior, e certamente as pessoas que jamais experimentaram a impressáo produzida por uma obra de arte poderáo imaginar que o divertimento e a excitado nervosa neles provocadas pela contrafacáo da arte constituem impressóes artísticas. Tais pessoas, porém, 5:10 como aquelas afetadas pelo daltonismo, as quais ninguém consegue convencer de que o verde nao é o vermelho. Fora estas, para todas as pessoas que nao tenham tido seu gosto pervertido e atroñado, o sinal que mencionei conserva o seu pleno valor, permitindo distinguir nítidamente a impressio artística de todas as outras. A particula— ridade principal dessa impressáo situa—se no fato de o homem que a recebe achar— se, por assim dizer, confundido com o artista. Parece—[he que os sentimentos que lhe sao transmitidos nao provém de outra pessoa e sim dele mesmo, e que tudo que o artista expressa ele próprio desejaria expressar há muito tempo. A verdadei— ra obra de arte produz o efeito de suprimir a distincio entre a pessoa a quem se dirige o artista, como de igual modo entre essa pessoa e todas as outras as quais se dirige a mesma obra de arte. E é precisamente nesta supressáo de todas as barreiras entre os homens, nesta uniáo do público com o artista, que reside a virtude principal da arte.
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Experimentarmos esse sentimento em presenca de uma obra significa que é obra de verdadeira arte. Nao o experimentamos nem nos sentirmos unidos ao autor e a outros homens a quem a obra foi enderegada significa que em tal obra nio existe arte. E nio apenas o poder do contágio é o sinal infalível da arte, mas é o grau deste contagio a única medida da exceléncia artística. Quanto maisforte a comunícagáo, mais wrdader'm ¿ ¿: arte enquanto arte, independentemente do conteúdo ou, antes, do valor dos sentimentos que nos transmite. E o grau da comunicagio da arte depende de trés condi96es: ]) da maior ou menor singula— ridade, originalidade e novidade dos sentimentos expressos; 2) da maior ou menor clareza com a qual sao expressos; 3) finalmente, da sensibilidade do artista, ¡sto e, da maior ou menor intensidade com a qual experimenta, ele próprio, o sentimento que expressa. Quanto mais os sentimentos sáo singulares e novos tanto mais agem sobre aquele ao qual se transmite. Este recebe uma impressáo tanto mais viva, quanto mais singular e novo for 0 estado de ánimo ao qual se acha transportado. A clareza com a qual sáo expressos os sentimentos determina, em segundo lugar, o poder da comunimgño pela qual nós temos a impressáo de estar unidos ao autor. A nossa satisfagáo é tanto maior quanto mais claramente forem expressos aqueles sentimentos que parecemos experimentar há algum tempo e que, final— mente, conseguiram expressio. Acima de tudo, porém, é o grau de sinceridade do artista que determina o grau de contágio artístico. Quando o espectador, ouvinte ou o leitor sentem que o próprio artista se comove com sua obra, que ele escreve, pinta ou tom para si próprio, assirnila repentinamente os sentimentos do artista. E, ao contrário, quan— do 0 espectador, ouvinte ou o leitor percebem que o autor nao produz a obra para si próprio, nem experimenta pessoalmente o que deseja expressar, prontamente nasce neles um desejo de resisténcia. Em tal caso nem a novidade do sentimento nem a simplicidade da expressáo conseguem transmitir—Ihes a emogño desejada. Eu falei sobre as trés condicóes do contágio artístico. Na realidade, porém, todas as trés reduzem-se a última, até mesmo aquela que exige do artista que experimente, por conta própria, o sentimento que expressa. E esta condicáo de fato implica primeira, pois se o artista é sincero expressará seu sentimento confor— me 0 experimentou. E, visto que cada um é diferente de todos os outros, os sentimentos do artista ser—ao tanto mais novos para os outros homens, quanto mais profundamente o atingirem, nele próprio. E igualmente, quanto mais sincero o artista, maior a clareza com que consegue expressar o sentimento que o atinge. A sinceridade, portanto, seria condicáo essencial da arte. Essa condigño está sempre presente na arte popular, ao passo que está quase totalmente ausente nas artes das classes superiores, nas quais o artista tem sempre diante de si conside— racóes de lucro, de conveniéncia ou de amor—própn'o. Bis, portante, o indicio certo pelo qual se pode distinguir a verdadeira arte de sua contrafagáo e, além disso, mensurar o grau de exceléncia da arte, enquanto arte. Independentemente do seu conteúdo, ou antes, da questio de saber se expresan
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sentimentos bons ou maus. A auséncia de qualquer uma dessas condicóes exclui a obra da mtegon'a da arte e a relega a da contrafagio da arte. Se a obra nao transmite a peculiaridade do sentimento do artista e é portanto nao individual, se está expresso de forma nio inteligível, ou se nao procedeu da necessidade interior do autor pela expres— sáo, náo é uma obra de arte. Se todas esas condicóes estáo presentes mesmo em mínimos grans, entáo a obra, mesmo que seja fram, é ainda uma obra de arte. A presengn em graus variados destas trés condi96es: a individualidade, a clareza e a sinceridade, decide o mérito de uma obra de arte como arte, a parte do tema. Todas as obras de arte recebem a ordem do mérito conforme o grau com o qual preenchem a primeira, a segunda e a terceira dessas condicóes. Numa delas, a individualidadedo sentimento transmitido pode predominar; numa outra, a clareza da expressáo; e numa terceira, a sinceridade; enquanto uma quarta pode ter a sinceridade e a individualidade pode predominar, mas ser deficiente em clareza. Numa quinta pode predominar a individualidade e a clareza, mas menos sinceri— dade, e assim por diante, em todos os graus e combinacóes possíveis. Assim a arte se distingue do que nao é arte, e assim a qualidade da arte, enquanto arte, está definida, independentemente do seu tema, ¡sto é, a parte do fato se serem bons ou maus os sentimentos que transmite. E agora apresenta-se outro problema: de acordo com qual sinal será possível distinguir, no conteúdo da arte, aquilo que é bom daquilo que é mau?
CAPÍTULO XVI Tendo reconheddo certas producóe5 como sendo obras de arte, uma vez que ¿¡ exceléncla de sua forma permite cons|dera-Iás como sendo contagiosas, consldera agora A QUALIDADE DOS SENHMENTOS QUE FORMAM 0 TEMA DESSAS OBRAS. Melhor o sentimento, melhor ¿¡ arte. A multldáo aculturada. A percepcáo religiosa da nossa era. Novos ¡deals colocam novas exlgénclas na arte. A arte une. A arte religiosa. A arte universal. Ambas cooperam para um único resultado. A nova apredacáo da arte. Arte mi Exemplos. Belem, embora esta nao possa fornecer qualquer paero da arte, tem o seu lugar legítimo na arte. A Nona Sin/bnia de Beethoven. Como nós podemos, no conteúdo da arte, distinguir o que é bom do que
é mau?
A arte, juntamente com a palavra, é um dos instrumentosde uniáo dos homens
e, portante, do progresso do género humano para a felicidade.
A palavra permite
aos homens das novas geracóes conhecer tudo aquilo que, por meio da experiéncia e da reflexio, foi aprendido pelas geracóes anteriores e pelos mais sábios de seus contemporáneos. A arte concede aos homens das novas geragóes a experléncia dos sentimentos experimentados pelas geracóes anteriores, bem como os melhores dentre seus contemporáneos. Do mesmo modo pelo qual se procede a evolugáo dos conhecimentos, pelo qual sao substituidos conhecimentos mais reais e mais úteis aos outros, menos reais e menos úteis, procede—se a evolugño dos sentimentos por meio da arte. Os sentimentos inferiores, menos úteis a felicidade do homem, sáo substituidos sem pausa por sentimentos melhores e mais úteis a felicidade. Tal é a fundo da arte. Conseqúentemente a arte, com respeito a seu conteúdo, é tanto melhor quanto melhor desempenhe esta funcao e náo táo boa se menos a realiza. Esta estima dos sentimentos, ¡sto é, a distincáo entre os que 550 bons e os que 550 piores, considerados relativamente a felicidade do homem, esta estima, repito, é fundamental na consciéncia religiosa de uma época Em todas as ¡dades históricas, em todas as sociedades, existe um conceito superior do significado da vida, próprio de cada época. E é precisamente ese conceito que determina o ideal da felicidade para o qual tendem esta época e esta sociedade. Este conceito constitui a consciéncia religiosa. Tal consciéncia encontra-se sempre claramente expressa por alguns eleitos, enquanto o resto dos contemporáneos a aceitam com forca maior ou menor. Ás vezes nos parece que em
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ela acusa a vida dos homens que a agride, que ela contradiz. dos homens Se na humanidade existe progresso, ou antes um caminho pelo qual se
necessariamente qualquer coisa que designe aos homens avanga, deve haver necessariamente a direcáo a seguir nesse caminho. Ora, sempre tem sido essa a tarefa das história demonstra demonstra que o progresso da humanidade sobrereligióes. Toda a história veio sempre sob a direcáo de uma religiáo. Mas, se a raca nao pode progredir existindo também também a direcáo sem a sem direcáo da religiáo — e o progresso sempre acontece, existindo no nosso tempo —, entáo deve haver uma religiáo do nosso tempo. E, se nossa época, como todas as outras, tem sua própria religiáo, é sob o funda estimadas avaliada e devem ser estimadas mento dessa religiáo que a nossa arte deve ser avaliada e encorajadas as obras de arte brotadas da religiáo de nosso tempo, enquanto todas as obras contrárias a essa condenadas e todo resto essa religiáo religiáo devem ser condenadas da arte deve ser tratado tratado com indiferenca. com indiferenca. E a consciéncia religiosa de nosso tempo, em termos gerais, consiste em em termos reconhecer que que nossa felicidade material e espiritual, individual e coletiva, momentánea ou permanente, reside na fraternidade de todos os homens, na os homens, uma vida em comum. Essa consciéncia náo só se afirma sob nossa uniáo por uma formas mais mais diversas, pelos homens de nosso tempo, como constitui o lio as formas condutor a a todo trabalho da humanidade, trabalho este que tem por objeto, objeto, físicas e morais, que se opóem de todas barreiras físicas todas as barreiras de uma parte, a supressáo de ¿ uniáo dos homens, de outra, comuns a todos principios comuns o fortalecimento dos principios outra, o todos, numa numa mesma fraternidade universal. os homens, que os possam unir a todos, fundamento ento dessa dessa consciéncia religiosa que devemos 8, portanto, sobre o fundam avaliar todas todas as manifestacóes de nossa vida e, entre essas, a nossa arte, dis— as manifestacóes tinguindo entre todos os demais produtos desta arte aqueles que expressam concordantes com nossa consciéncia religiosa e rejeitando e sentimentos concordantes sentimentos condenando todos os que sio contrários a essa consciéncia. O erro principal cometido pelas classes superiores da sociedade ao tem po da assim chamada Renascenga, e que continuamos a cometer até hoje, nao reside tanto em haver o homem cessado de prezar o sentido da arte religiosa, homem cessado da arte religiosa desaparecida, antes em haver ele estabelecido, no mas antes mas no lugar lugar da ñnalidade do do simples divertimento e nio merece arte indiferente, indiferente, que tem a ñnalidade uma arte ser tao estimada e encorajada. Um dos padres da Igreja dizia que a pior desgraca desgraca para os homens nio é a de nao colocado no lugar de Deus algo conhecer Deus, nao conhecer Deus, mas a de haver colocado mesmo caso. no mesmo caso. A pior desgraca desgraca das clases que nao é Deus. Em arte, estamos no de nosso tempo nio é o faltar-lhe uma arte religiosa, uma arte religiosa, mas o fato de, ao posto elevado onde nio merecia estar, se nao só esta arte, a única importante digna de ser encorajada, arte indiferente, ou, mais freqñentemente, uma arte encorajada, exaltar-se uma ñnalidade de de divertir alguns homens e, por isso isso mesmo, funesta, que obedece ¿ ñnalidade é absolutamente contrária ao principio cristáo universal, o qual forma o fundo da consciéncia religiosa de nosso tempo. Sem dúvida, a arte que satisfarla as aspiracóes religiosas de nosso tempo
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este conceito crítico, náo derivando mais de nossa consciéncia religiosa, perdeu nós todo todo signiñmdo, foros, somos cons— tanto assim que, por amor signiñmdo, tanto amor ou ou por foros, para nós da consciéncia dele. A esséncia da consciéncia cn'stá está em reconhecer trangidos a nos separar dele. desta procedéncia, a cada homem corolário desta homem sua sua procedéncia em cada procedéncia divina e, como corolário está escrito escrito no Evangelho de todos os homens com Deus e entre si, segundo está uníá'o de uníá'o da arte cristá (S. Joáo XVII, 21), disso verdadeira da disso resultando resultando que a única matéria verdadeira homens com Deus dos homens devem ser todos todos os sentimentos mpazes de efetuar a uniáo uniáo dos de todos todos os homens com Deus e entre si, por e entre si. Essas palavras, a uniáo de obscuras que possam parecer a mentes ofuscndas pelos muito obscuras muito pelos preconceitos, preconceitos, tém um sentido perfeitamente claro. Signiñmm que a uniáo cristá, contrariamente a uniáo parcial exclusiva de alguns homens, une entre si todos os homens, sem os homens, de toda toda arte unir os os homens entre si. Toda excedo. Ora, é propriedade essencial de transmitido pelo sentimento transmitido tem como efeito que os homens que recebem o sentimento arte tem arte deste fato, unidos primeiro virtude deste artista encontram—se, em virtude ao próprio próprio artista e primeiro ao outros homens qu os outros depois a todos os quee recebem a mesma impressáo. A arte nio isso ¡sola cristá, no no entanto, entanto, unindo entre si alguns homens, precisamente por isso esses homens do resto da humanidade, de tal modo que esta uniáo parcial é musa afastamento destes outros homens. A arte crista, ao contrário, do afastamento do contrário, une une todos os homens, sem sem excecáo. excecáo. A arte, toda arte, tem tem essa essa característica que une as pessoas. Toda arte musa naqueles aos quais aos quais o o sentimento do artista é transmitido a uniáo em alma com o artista e também com todos os que recebem a a mesma mesma impressáo. Mas a arte naocn'stá, enquanto une algumas pessoas, faz dessa mesma uniáo uma causa da se— de modo desse tipo modo que a uniáo uniáo desse parado entre esas pessoas unidas e os outros, de é freqiientemente uma fonte nao simplesmente da divisáo mas até mesmo da é toda arte patriótica, com os seus Assim é inimizade frente a outros. Assim hinos, poemas os seus hinos, e monumentos; assim é toda arte da Igreja, ¡sto é, a arte de certas seitas, com as com as cerimónia móniass lomis lomis.. Tal arte é atrasada suas imagens, estátuas, procissóes, e outras ceri e náo-cristá, unindo as pessoas de uma seita somente para separá-las ainda mais nítidamente dos membros dos membros de outras seitas, e até mesmo para colocá-los em rela— uns com com os outros. os outros. A arte cristá tio—somente tende a unir cóes de hostilidade uns neles a percepgáo de que cada cada homem homem e todos, sem excedo, tanto por evocar evocar neles todo homem se póe numa relacáo semelhante frente a Deus e frente a seu vizinho, seu vizinho, exatamente idénticos,os os quais podem mesmo ser exatamente evocar neles sentimentos idénticos, ou por evocar quais podem os mais simples, desde que nao sejam repugnantes ao cristianismo e sejam naturais a todos, sem excegáo. A boa arte cristá de nosso tempo pode ininteligível as pessoas devido as ser ininteligível pode ser homens nao nao estáo atentos a a isso, isso, mas ela imperfeicó imper feicóes es na sua forma ou porque os homens tal que todos os homens possam experienciar os sentimentos que trans— deve ser tal dee pessoas, ou de uma classe, ou mite. Deve ser arte arte nao de algum único grupo d deve transmitir de uma transmitir sen nacionalidade, ou de uma seita religiosa, ¡sto é, nao deve uma nacionalidade, timentos acessíveis somente somente ao ao homem edumdo de uma certa maneira, ou somente a um aristocrata, ou a um mermdor, ou somente a um russo, ou a um nativo um mermdor,
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tos se somente forem acessíveis a todos os homens, sem excedo, unindo-os, portanto. Tal arte nio pode ser senao estimada como boa no nosso tempo, pois alcanca o objetivo que o cristianismo, a percepgáo religiosa do nosso tempo, coloca frente a humanidade. A arte cristá tanto evoca nos homens sentimentos que através de amor de Deus e de seus semelhantes os levam a uma uniáo cada vez mais próxima e os fazem prontos e capazes para tal uniáo, quanto evoca neles sentimentos que mostrem que estao já unidos nas alegrias e nos pesares da vida. E, portanto, a arte cn'stá de nosso tempo pode ser e é de dois tipos: primeiro, a arte que transmitesentimentos provindos de uma percepgño religiosa da posicáo do homem no mundo em relacio a Deus e ao seu semelhante — arte religiosa no sentido limitado do termo; e segundo, a arte que transmite os sentimentos mais simples da vida comum, mas aqueles que sempre sao acessíveis a todos os homens no mundo inteiro — a arte da vida comum, a arte do povo, arte universal. Somente esses dois tipos de arte podem ser considerados arte boa no nosso tempo. A primeira, a arte religiosa — transmitindo tanto os sentimentos positivos de amor de Deus e dos semelhantes, quanto os sentimentos negativos de indignagáo e horror quanto a violacio do amor —, manifesta—se principalmente em forma de palavras, e até certo ponto também na pintura e na escultura: o segundo tipo, a arte universal, transmitindo sentimentos acessíveis a todos, manifesta—se em pala— vras, na pintura, na escultura, nas dangas, na arquitetura, e acima de tudo na
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de onda um desses tipos de arte, entáo como exemplos da mais elevada arte provinda do amor de Deus e do homem (tanto a mais elevada, positiva, quanto do tipo mais baixo, negativo), em literatura, devo mencionar TbeRobbers de Schiller; LxPauvres Gense LasMisérables de Victor Hugo; as novelas e os romances de Dickens— The Tale of Two Cities, The Christmas Carol, The Cbimes, e outros — Uncle Tom's Gabin; as obras de Dostoiévski — especialmente as suas Memórias da Casa dos Martos — e Adam Bede de George Eliot. Na pintura moderna, é estranho dizer, obras desse tipo, transmitindo diretamente o sentimento cristio de amor de Deus e dos semelhantes, sao difíceis de encontrar, especialmente entre as obras dos pintores celebrados. Há um monte de quadros retratando histórias bíblicas; esses, entretanto, ainda que representem eventos históricos com grande riqueza de detalhes, nao transmite e nao podem transmitir sentimentos religiosos que os seus pintores nio possuem.- Há muitos quadros tratando de sentimentos pessoais de varias pessoas, mas de quadros que representem os grandes feitos de auto—sacrificio e de amor cristáo há muito pou— cos, e os que tém sio principalmente de artistas que nao sao celebrados, e em maior parte nao sao quadros, mas simplesmente esbocos. Tal exemplo é o dese— nho de Kramskóy (valem muitos de seus quadros terminados), mostrando uma sala de estar com uma varanda atrás da qual tropas estao marchando triunfantes no seu retorno de uma guerra. Na varanda está de pé uma ama de leite abragando Se me pedissem para dar exemplos modernos
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assuntos compreensíveis a todos, e também todos os tipos de ornamentos, sio universais no conteúdo. Tais producóes em pintura e escultura sao muito numerom (por exemplo, bonems de porcelana), mas para a maioria tais objetos (por exemplo, ornamentos de todos 08 tipos) nao sáo nem considerados arte ou sáo considerados arte de baixa qualidade. Na realidade todos esses objetos, se apenas transmitlrem um sentimento verdadeiro expen'enciado pelo artista e compreensível a todos (embora quao insigniñmnte isso possa parecer para nós), 350 obras de arte real, boa, cn'stá. Temo que aqui seja clamado contra mim que, tendo negado que a con— cepcao da beleza possa fornecer um padráo para obras de arte, me contradigo ao reconhecer que os ornamentos sejam obras de boa arte. A repreensáo é injusta, pois o tema de todos os tipos de ornamenmgá0 consistem nao na beleza, mas no sentimento (de admira;áo e deleite na combina;áo de linhas e cores) que o artista experienciou e com o qual ele contagia o espectador. A arte permanece o que era e o que deve ser: nada além do contágio de um homem por outro ou outros com os sentimentos experienciados pelo artista. Entre esses sentimentos está o sentimento de deleite em que se alegra a visio. Os objetos que alegram a visáo podem ser tais que alegrem um número pequeno ou grande de pessoas, ou que alegrem todos os homens — e os ornamentos para a maioria sáo deste último tipo. Uma paisagem representando uma vista muito inusitada, ou uma pintura de género de um assunto especial, pode nao alegrar a todos, mas os ornamentos de Yakútsk aos da Grécia sio inteligíveis a qualquer pessoa e evocam um sentimento semelhante de admi— racáo em todos, e, portanto, este tipo de arte desprezada deveria na sociedade cristá ser de longe estimada muito mais do que os quadros e as esculturas excepcionais e pretensiosos. Em relacáo aos sentimentos que transmite, há somente dois tipos de boa arte cristá, todo o resto da arte nio compreendido nessas duas divisóes de— veria ser considerado como má arte, nao merecendo ser encorajado, mas banido, denegado e desprezado, como sendo arte que nao une, mas que divide as pessoas. Assim na arte literária 5510 todos os romances e poemas que transmi— tem sentimentos eclesiásticos ou patrióticos, e também sentimentos exclusivos pertencentes somente a classe dos ricos ociosos: tais como a honra aristocrática, a saciedade, o spleen, o pessimismo e os sentimentos refinados e viciosos vindos do amor sexual — bastante incompreensível para a grande maioria da humanidade. Na pintura devemos semelhantemente colocar na classe da má arte todos os quadros eclesiásticos, patrióticos e exclusivos; todos os quadros que repre— sentem as diversóes e as tentacóes de uma vida rica e ociosa; e os chamados quadros simbólicos nos quais o significado mesmo do símbolo é compreensível somente aqueles de um certo círculo; e, acima de tudo, quadros com assuntos voluptuosos — toda aquela odiosa nudez feminina que preenche todas as exposicóes e galerias. E a essa classe pertence quase toda a música
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de cámara e de ópera do nosso tempo — comecando especialmente por Beethoven, Schumann, Berlioz, Liszt, Wagner — pelo seu tema devotado a ex pressáo de sentimentos acessíveis somente a pessoas que tenham desenvol—
vido neles uma doentia irritacio nervosa evocada por essa música exclusiva, artificial e complexa. “0 qué! a Nona Sinfonía nao é uma boa obra de arte?” Ouco exclamarem vozes indignadas. E eu retruco: em grande parte certamente nao é. Tudo que tenho escrito escrevi com o único propósito de encontrar um critério claro e razoável com o qual julgar os méritos das obras de arte. E este critério, coincidindo com as india;óes do senso simples e sadio, mostra-me indubitavelmente que aquela sinfonía de Beethoven nao é uma boa obra de arte. E claro que para pessoas educadas na venerado de certas producóes e autores, para pessoas cujo gosto foi pervertido simplesmente por ter sido educado na tal venerado, a consideracáo de que uma obra de tal modo celebrada seja má é assustadora e estranha. Mas como escaparemos as indimgóes da razáo e do senso comum? A Nona Sinfonía de Beethoven é considerada uma grande obra de arte. Para verificar essa postulado, devo primeiro perguntar a mim mesmo: esta obra transmite o sentimento religioso mais elevado? Respondo na negativa, já que a música em si mesma nao pode transmitir aqueles sentimentos; e, portante, eu me pergun— to 0 seguinte: se essa obra de arte nao pertence a espécie mais elevada de arte religiosa, tem ela a outra característica da boa arte de nosso tempo — a qualidade de unir todos os homens num único sentimento comum —, ela se coloca como arte universal cn'stá? E novamente nio tenho escolha senáo responder na negativa; pois nao somente nao vejo como os sentimentos transmitidos por esa obra possam unir as pessoas nao treinadas especialmente para submeter—se ao seu comple— xo hipnotismo, como nao sou capaz de imaginar a mim mesmo numa multidáo de pessoas normais que poderiam compreender qualquer coisa dessa producio longa, confusa e artificial, exceto por curtos trechos que estao perdidos num mar do que é incompreensível. E, portanto, goste ou nao eu disse, sou compelido a concluir que esa obra pertence a lista de má arte. E curioso notar nessa conexáo que, ligado ao ñnal dessa mesma sinfonía, há um poema de Schiller que (embora um tanto obscurecidamente) expressa este mesmo pensamento, a saber, qu 3 o senti— mento (Schiller fala somente do sentimento de contentamento) une as pessoas e evom o amor nelas. Mas embora esse poema seja cantado no final da sinfonía, a música nao está de acordo com o pensamento expresso nos versos, pois a música é exclusiva e nao une todos os homens, mas une somente alguns poucos, separando-os do resto da humanidade. E exatamente desta mesma forma, em todos os ramos da arte, muitas e muitas obras consideradas grandes pelas classes superiores da nossa sociedade terio de ser julgadas. Por esse único e certo critério teremos que julgar a celebrada Divina Comédía e Jerusalém Libertada e grande parte da obra de Shakespeare e Goethe, e na pintura toda representacáo de milagres, incluindo
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a Transf?guragáo de Rafael etc. 0 que quer que seja a obra e o quanto ela possa ter sido venerada, primeiro temos que perguntar se esa obra é uma arte verdadeira ou uma contrafacáo.
Tendo reconhecido, com base na indicacio do seu poder de contagio mesmo numa classe pequena de pessoas, que uma certa producáo pertence ao dominio da arte, é necessádo com esa base decidir a próxima questáo: esa obra pertence a categoria exclusiva da má arte em oposicio a percepcio religiosa ou da arte cristá que une as pessoas? E, tendo reconhecido que uma obra pertence a real arte cn'stá, devemos entio, dependendo se isso transmite sentimentos vindos do amor de Deus e dos homens, ou meramente sentimentos simples que unem todas as pes— soas, dar a ela um lugar na lista de arte religiosa ou na da arte universal. Somente com base em tal verifion será possível selecionar em meio a toda a massa do que na nossa sociedade considera—se arte aquelas obras que formam o alimento real, importante, necessário, espiritual, e separá-las de toda arte nociva e inútil e das contrafacóes da arte que nos rodeiam. Somente com base em tal verifrmgáoseremos capazes de nos livrar dos resultados pemiciosos da arte nociva e desfrutar daquela agño benéfica que é o propósito da arte verdadeira e boa, e que é indispensável para a vida espiritual do homem e da humanidade.
Notas ]. Neste quadro os espectadores no anfiteatro romano estío mostrando seus polegares para baixo para mostrar que eles gostariam que o gladiador denotado fosse morto. (Aylmer Maude) 2. Ao oferecer como exemplos de arte aquelas obras que parecem a mim as melhores, nao atribuo nenhuma importancia especial a minha selecño, pois, além de ser insuficientemente informado em todos os ramos da arte, pertenco a clase de pessoas cujo gosto já foi pervertido pelo falso treinamento. E, portanto, os meus hábitos amigos, solidificados, podem fazer com que eu erre, e eu passo tomar por mérito absoluto a impressño em mim produzida por uma obra produzlda na minha juventude. O meu único objetivo em mencionar exemplos de obras desta ou daquela classe ¿ tornar mais claro o que quero dizer e mostrar como, com a minha visño presente, entendo a exceléncla em arte com relacao ao seu tema. Devo, além disso, mencionar que eu atribuo as minhas próprias producóes artísticas a categoria de má arte, exceto pelo Deus vé a Verdade mas£.pem, que procura um lugar na primeira clase, e Um Prísioneím do Cáucaso, que pertence a segunda.
CAPÍTULO xvu Resultados da ausencia da verdadelra arte. Resultados da perversáo da arte: trabalho e vldas gastos com o que ¿ lnútll e nodvo. A vlda anormal dos ricos. A perplexldade das cdancas e das pessoas simples. Confusáo do certo e errado. Nletzsche e Redbeard. Superstl;áo, Patriotismo e Sensualidade. dois órgños do progresso humano. Por meio da linguagem, o homem permuta seus pensamentos. Por meio da arte, permuta seus sentimentos com os homens de seu tempo, igualmente com os sentimentosdas geragóes pasadas e futuras. E é próprio da natureza humana servir—se desses dois órgáos, tanto assim que a perversáo de um deles náo pode senáo trazer consigo funestas conseqiiéncias para a sociedade na qual isso acontece. As conseqiiéncias de tais perversóes podem ser de duas espécies: em primei— ro lugar, a inmpacidade da sociedade de realimr os atos que deviam ser realizados por intermédio desse órgáo. Em segundo lugar, o mau funcionamento do órgáo pervertido. Ora, estas duas conseqiiéncias já se produziram em nossa sociedade. Pervertendo o órgáo da arte, a sociedade das classes superiores viu-se impedida de realizar todas as operacóes que esse órgáo deveria realizar. Difundindo-se entre nós, em enormes proporgóes, contrafacóes da ane unicamente destinadas a diver— tir e distrair as pessoas, e juntamente com esta arte, obras mais artísticas exclusivas, inúteis ou nocivas, elas atroliaram e desnaturaram, na maior parte das pessoas de nossa sociedade, a faculdade de sentir o contágio das verdadeiras obras de arte e, conseqúentemente, nossa sociedade achou—se impedida de experimentar os sentimentos superiores para os quais a humanidade sempre foi inclinada e que somente a arte pode transmitir aos homens. Tudo o que foi feito de bom na arte permanece estranho a uma sociedade desprovida dos meios de sentir—se comovlda pela arte. E, em lugar disso, tal sociedade admira contrafacóes mentirosas, ou mesmo uma arte inútil e vá, que é tomada por auténtica. As pessoas de nosso tempo e de nossa sociedade admiram, na poesia, Baudelaires, Verlaines, Moras, Ibsens e Maeterlincks. Na pintura, Monets, Manets, Puvis de Chavannes, Eume—Jones, Boecklins e Stucks. Na música, Wagners, Liszts e Richards Strausses etc. Mas a arte verdadeira, nao digo a mais elevada, mas precisamente a mais simples, as pessoas sáo absolutamente inmpazes de compreender. E disso resulta que, nas nossas classes superiores, despejadas da faculdade de submeter—se ao contágio das obras de arte, homens cresgnm, se eduquem e vivam sem se expor a agáo de uma arte que os fag:a melhor e mais dóceis. E disso provém outro resultado fatal, o de que nio apenas deixam de se encnminhar para A arte é um dos
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o bem e a perfeido, como, ao contrárlo, com todo o desenvolvimento de sua pretensn civilizado, tomam—se cada vez mais selvagens, mais grosseiros e duros de .coragño. Bis a conseqiiéncia de faltar, em nossa sociedade, a fungáo que deveria ser cumprida pela arte como órgáo indispensável. Mas as conseqiiéncias que derivam do mau funcionamento desse órgáo sáo muitas e mais funestas. A primeira dessas conseqiiéncias salta aos olhos. E o enorme consumo de trabalho humano para obras nao apenas inúteis, mas, na verdade, prejudiciais. Um consumo de trabalho e de vidas sem nenhuma vantagem que compensem. Estre— mecemos ao pensar em todo o esforgo e em todas as privagóes que milhóes de homens suportam, somente com a ñnalidade de imprimir, durante doze horas ou até mesmo quatorze horas por dia, livros, assim chamados artísticos, que a nada servem senáo a difundir a depraano por meio dos teatros, dos concertos, das exposiqóes. Mas o que é ainda mais apavorante é pensar que criangas bonitas e cheias de vida, dotadas para o bem, sao sacrificadas ao deixar o bergo, algumas tocando escalas, seis, oito ou dez horas por dia, outras a dang:ar na ponta dos pés, outras a solfejar, outras a desenhar antigiiidades ou nus, ou a escrever frases vazias de sentido, segundo as regras de uma cena retórica. De ano a ano, os desgragados váo perdendo, devido a tais exercícios funestos, todas as suas forqas físicas e intelectuais, toda sua atitude de compreensáo da vida. Muito se comenta o espetáculo horrível e lamentável que consiste em ver pequenos acrobatas que fazem passar as pernas atrás da num. Mas nao será espetáculo ainda mais sinistro ver criangas de 10 anos a dar concertos e, acima de tudo, ver colegiais de 10 anos que sabem de cor as excegóes da gramática latina? Em (ais coisas perdem eles suas forgns físicas e intelectuais e, ao mesmo tempo, depravam—se moralmente, tomando-se inmpazes de qualquer trabalho útil para a humanidade. Ao assumir na sociedade o papel de divertimento para gente rim, perdem qualquer sentimento da dignidade humana. Desenvolve-seneles em grau monstruoso a necessidade de adulaqáo e sofrem toda a vida por causa de um tamanho excesso, esbanjando todo seu ser moral na ánsia de saciar uma necessidade insaciável. Há uma coisa ainda trágica: é que tais homens que sacrif1mm a arte toda a sua vida perdem para sempre a vida verdadeira. Seu amor arte, longe de trazer vantagem, musa-¡he um ¡menso dano. Após haver, nas academias, nos colégios e nos conservatón'os, aprendido os meios de contrafazer a arte, pervertem—se de tal modo que se tomam inmpazes de conceber a arte verdadeira, e isso para sempre. Sáo eles que contri— buem para a difusáo da arte contrafeita, trivial ou depravada da qual está cheio este mundo. A segunda conseqiiéncia, nao menos funesta, do mau funcionamento da arte é que, ao produzi-la em condigóes assim terríveis, o exército dos artistas de pro— ñssáo proporciona aos ricos a possibilidade de levar a vida que levam, outrossim, contrária aos principios que professam. Viver como vive a gente rim e ociosa de nosso tempo, especialmente as mulheres afastadas da natureza e dos animais, em condigóes artificiais, corri os músculos atroñados ou deformados pela ginástica, %:
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com a energia vital incuravelmente debilitada; eis o que nao sen'a possível sem aquilo a que chamamos arte. Somente essa pretensa arte oferece o divertimento e a distragño que desviam nossos olhos dos absurdos de nossa vida e nos salvam do tédio que dela provém. Retirem dos ricos ociosos 0 teatro, os concertos, as exposicoes, o piano, os romances, de que se ocupam na certeza de se dedicarem a ocupacóes requintadas e estéticas; retirem os mecenas, que compram quadros, que encorajam músicos, que compram pao para os literatos; retirem-lhes a possi— bilidade de proteger esta arte que créem tao importante e nao terio mais condicóes de continuar vivendo, morreráo de tristeza e tédio e reconheceráo todos a absurdidade e a imoralidade de seu modo de viver. Somente a ocupacáo com o que entre eles é considerado arte possibilita-lhes de continuar vivendo, infringindo todas as condicóes naturais, sem se aperceber do vazio e da crueldade de suas vidas. E esse fmanciamento pago a maneira falsa de viver que busmm os ricos é a segunda conseqiiéncia, e séria, da perversáo da arte. Uma terceira conseqiíéncia da perversáo da arte é a confusáo e a perturbacáo que ese mau funcionamento suscita na mente dos jovens e da gente do povo, nas pessoas que nao foram pervertidas por teorias mentirosas, em nossa sociedade. Os mmponeses e os jovens tém um conceito bem definido do que merece ser censurado ou elogiado. Segundo 0 instinto popular e o dos jovens, o elogio nao compete de direito senáo & forgn física (Hércules, os heróis e os conquistadores) ou a forca moral (Sakya Muni, que renuncia a beleza e ao poder para salvar os homens; Cristo, que mon-e na cruz pela verdade que professa; os santos e mártires etc.). Sáo nocóes de uma clareza perfeita. As almas simples e retas compreendem que é impossivel nao respeitar a forca fisica, pois ela impóe respeito, por si. E tampouco pode—se deixar de respeitar a forga moral do homem que trabalha para o bem e sente—se por ela atraído com todo o seu ser interior. Mas que essas almas simples percebem que, além desses homens respeitados pela sua forca física e moral, existem outros, mais respeitados, mais admirados, mais recompensados do que todos os heróis da forgn e do bem, e isso simplesmente porque sabem cantar, dancar e escrever versos. Eles véem que os cantores, bailarinos, pintores e literatos ganham milhóes, que sao reverenciados mais do que os santos. Estas almas sim ples — os jovens e os camponeses — sentem crescer nelas a confusio das idéias. Quando, cinqtientaanos após a morte de Púshkin, suas obras foram divulgadas entre o povo e erigiram-lhe uma estátua em Moscou, recebi mais de dez cartas de mmponeses que perguntavam por que ele era exaltado. Há poucos dias um ho— mem instruido de Saratov veio a Moscou a lim de repreender o clero por haver aprovado o levantamento da estátua do senhor Púshkin. De falo, imaginemos apenas 0 estado mental de um homem do povo que leia em seu jornal e saiba, por ouvir dizer, que o clero, o governo e todos os melhores homens da Rússia ergueram, entusiasmados, um monumento a um grande homem, a um benfeitor, a uma glória nacional, Púshkin — de quem ele jamais ouviu falar até o momento. Apressa—se, pois, a ler ou a fazer com que alguém lhe leia suas obras. Imagine—se agora sua perplexidade ao descobrir que Púshkin foi
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homem de hábitos mais que levianos, que morreunum duelo, ou antes, enquahto tentava matar outro homem e que todo seu mérito consiste em ter escrito versos falando de amor, que eram freqiientemente muito indecentes. 0 homemdo povo entende que os heróis como Alexandre, 0 Grande, Gengis Khan ou Napoleáo tenham sido grandes homens, porque sente que todos eles teriam podido aniquilá-lo, a ele e a milhares de outros semelhantes a ele. Entende até que Buda, Sócrates e Cristo tenham sido grandes, pois sente e sabe que ele próprio e todos os homens deveriamassemelhar-sea eles! Mas de que modo pode um homem ser grande por haver escrito versos que falam de amor as mulheres, eis uma coisa que, absolutamente, nio pode entender. E a mesma perplexidade deve produzir—se no cérebro de um camponés bretáo ou provencal, ao ouvir que se quer erigir um monumento, uma estátua, como as que se erguem ¿ Virgem, e se quer erguer a Baudelaire, o autor de Les Fleurs du Mal e a Verlaine, um devasso que escrevia versos incompreensiveis. E que descon— certo surgirá no cérebro da gente do povo ao ouvir que a Patti1 ou a Taglione2 recebem 10 mil [iras por temporada e que existem autores de romances que ganham igual soma por saberem como se descrevem cenas de amor. Igual fenómeno se manifesta no cérebro dos jovens. Recordo-me de, em outros tempos, haver experimentado, eu mesmo, essa perplexidade e essa penur— bagño. E só me resignei a essa exaltacáo dos artistas ao nivel de heróis e santos, abáixando nos meus próprios valores a importáncia da exceléncia moral, e atribuindo um significado falso, nao-natural, a obras de arte. E uma confusáo semelhan— te deve ocorrer na mente de cada cn'anca e de cada homem do povo quando fica sabendo das estranhas honrarias e prémios que sao generosamente oferecidos aos artistas. Essa é a terceira conseqiiéncia da falsa relagáo que a nossa sociedade mantém frente a arte. Uma quarta conseqiiéncia disto está em que os homens das classes superiores, ao verem reproduzir—se com freqiiéncia cada vez maior o contraste entre a beleza e o bem, ambam por considerar o ideal da beleza como o mais elevado entre os dois e desvinculam-se, assim, dos deveres da moral. lnvenendo os papéis, ao invés de reconhecer que a arte por eles admirada é coisa inferior, eles preten— dem que, ao contrário, a moral, precisamente, seja coisa inferior e despojada de significado para seres que almncaram o grau de desenvolvimento em que acreditam estar eles próprios. Essa conseqiiéncia da perversáo da arte já se ñzera sentir há algum tempo em nossa sociedade, mas, no presente, tomou um desenvolvimento extraordinário, gracas aos escritos do profeta Nietzsche, aos paradoxos dos demdentistas e dos estetas ingleses os quais, a exemplo de Oscar Wilde, tomam de boa vontade como argumentos de seus escritos a subversio da moral e a apoteose da perver— sidade. Esse ensinamento da arte encontrou seu contrapeso no ensino filosófico. Ultimamente, recebi da América um Iivro intitulado The Survival of the Fittest (A Sohrevívéncia do MelhorAdaptado), ou a Philosophy of Power (Filosofía do Poder),
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fundamental desse desse livro, expressa Ragner Redbeard (Chicago, 1896). A idéia fundamental por Ragner no tim do prefácio do editor, é que seria um absurdo avaliar mais além do bom, falsa filosofia filosofia dos profetas hebreus hebreus dos dos “messias lacrimosos”. O direito, segundo a falsa para ese autor, funda—se unicamente na foros. Todas as leis e preceitos que ensinam a nao fazer aos outros o que nao queremos que nos facam, tudo isso, por aos outros si só, nao tem sentido e nem serve para dirigir os homens, senáo mediante um acompanhamento de pauladas, espadeiradas e prisóes. O homem verdadeiramen— te livre nao deve obedecer a lei nenhuma, humana ou divina. Toda obrigacáo é de obrigagóes é o distintivo dos heróis. ausénciade dos heróis. um indicio de degenerescéncia. A auséncia deix ixar ar de crer que vinculados a erros, imaginados para Os homens precisam de estao vinculados que estao de batalha. batalha. A justica ideal está ideal está no O universo universo inteiro é um campo de prejudimr. O os prejudimr. os devem ser explorados, vencidos devem explorados, torturados e desprezados. O homem os vencidos seguinte: os seguinte: livre e audaz pode devem homens devem pode conquistar conseqiiéncia, os homens conquistar o mundo. B, como conseqiiéncia, os eternamente em guerra, pela vida, pelo solo, estar eternamente pelo solo, pelo amor, pelas mulheres, pelo poder e pelo ouro. A Terra toda com seus frutos é “a presa do mais atrevido”. chegou evidentemente sozinho, independentemente de Nietzsche, 0 autor chegou as mesmas conclusóes que sao professadas p novos artistas. por or novos forma científica, nao podem senáo causar sob forma Essas idéias, assim expostas sob escándalo. Na realidade, porém, acham-se fatal e implícitamente contidas nos conceitos que objetivo. Foi a arte de nossas classes como objetivo. apontam a arte, a beleza como que apontam certos homens este ideal do super— em certos superiores que produziu e desenvolveu em homem, embora este mesmo ideal tenha sido o de Nero, 0 de Stenka Razine3, na de todos todos os seus Rússia, o de Gengis Khan, Robert Mamire', o de Napoleáo e o de Fimmos aterrorizados ao pensar no que pares, aventureiros saídos do nada. Fimmos aterrorizados aconteceria se um semelhante ideal e a arte por ele sugerida se difundissem nas massas populares. massas populares. E, precisamente, comecamos nós a difundí—la também lá. Finalmente, o mau funcionamento da arte apresenta uma quinta conseentre as nossas nossas classes superiores, as perverte qiiéncia: a arte ruim, que floresce entre as diretamente, pelo seu seu poder poder de contagio artístico, reforqando nelas os mais de felicidade dos dos homens, quais testáveissentimentos, no que toca a felicidade sejam, a su quais sejam, persticáo, o patriotismo, a sensualidade. Observe cuidadosamente Observe cuidadosamente as causas da ignorñncia das massas, e vocé poderá causa principal nao reside de nenhum modo na falta de escolas e ver que a causa principal bibliotecas, como estamos acostumados a supor, mas naquelas naquelas supersticóes, supersticóes, tan saturadas e estao saturadas to as eclesiásticas quanto as as patriótims, patriótims, das quais as pessoas estao todos os métodos da arte. As supersticóes incessantemente geradas por todos sao incessantemente que sao da Igreja sao sustentadas e produzidas oradores, hinos, hinos, quadros, produzidas pela pela poesia dos oradores, de imagens e de estátuas, escultura de estátuas, pelo pelo canto, pelos órgáos, pela escultura órgáos, pela música, pela música, canto, pelos pela arquitetura, e mesmo pela arte dramática nas cen'mónias religiosas. Supers— versos e histórias (que sao patriótims sao sustentadas e produzidas por versos ticóes patriótims ticóes até mesmo nas escolas), pela música, pelas &ngóes, oferecidos até oferecidos pelas &ngóes, pelas pelas procissóés procissóés triunfais, pelas conferéncias reais, pelos quadros monumentos. pelos quadros marciais e pelos pelos monumentos. atividade contínua Nao fosse por essa contínua em todos os departamentos de arte, essa atividade
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perpetuando a intoximcáo eclesiástica e patriótica e o amargamente do povo, as muito antes disso, almnqado a verdadeira iluminacáo. massass teria massa teriam, m, muito antes Mas nao é somente nos assuntos da Igreja e nos assuntos patrióticos que a nos assuntos arte perverte. E a arte que em nossos tempos mais contribui para perverter os homens naquilo que se refere a questio mais importante de sua vida social, quero dizer, a questáo dos relacionamentos sexuais. Todos sabemos, por nós próprios e pelos parentes, a que ten—¡veis sofrimentos morais e físicos, a que inútil desperdicio de forcas se homens unicamente unicamente pelo excesso do desejo sexual. se expóem pelo excesso os homens expóem os da Guerra Guerra de Tróia, musada pela Desde que o mundo é mundo, desde os tempos da abanotados estao abanotados paixáo sexual, até os suicidios e delitos passionais, dos quais estao nossos jornais, todos os dias, tudo nos prova a ado nefasta dessa paixáo, que é, sem dúvida, a forma principal da desgraga humana. E o que a arte está fazendo? Vemos está fazendo? Vemos toda arte, a contrafeita ou a genuina, seja a arte, seja salvo raras excecóes, descrever, representar e e estimular a descrever, consagrada unicamente a excecóes, consagrada sexual. Basta recordar todos os ¡s diversas formas do amor sexual. os romances romances luxuriosos :le que está está cheia cheia nossa literatura, todos os quadros e estátuas em q os quadros que ue se mostra nu o corpo da mulher e todas as imagens obscenas dos mrtazes colados aos muros, bem como a quantidade infinita de óperas e operetas, mncóes e baladas :le que vivemos circundados! A arte contemporánea nao tem, na verdade, mais do que um objetivo definido: excitar e difundir, o mais que posa, a depravacáo. Tais sino, se nao todas, pelo pelo menos menos as mais graves conseqiiéncias da perver— ¡áo da arte que se realiza em nossa sociedade. E assim o que ora chamamos arte 150 só nao contribui para o progresso do género humano, como, além de tudo : mais do que todo o resto, tem o efeito de destruir a a possibilidade do bem em mossas vidas.
de toda pessoa intelecto de Portanto, a questio que se oferece fatalmente ao intelecto ivre, a questáo que a mim mesmo produz desde 0 inicio deste livro é: saber se mesmo produz aquilo que vem sendo chamado arte o trabalho e a vida de milhóes justo sacrificar aquilo le homens. le homens. Tal questáo recebe uma resposta formal: nao, isso nao é justo, nem leveria acontecer. Bis a resposta, a um tempo, da razáo sadia e do senso moral nao decidir se >ervertido. E se fosse proposta a questáo de de decidir se vale mais para o nosso tudo isso que hoje se chama arte, falsa ou verdadeira q nundo cristáo perder tudo que ue todo o bem que existe no mundo, creio que, para o homem ra;eja, ou perder todo ou perder fazer seria responder a esta questio do :oável e moral, o menos que poder-ia fazer Platio, em sua República, ou em sua como nos responou como nesmo modo que nos respondeu Platio, lem todos os educadores religiosos da humanidade, cristáos ou ou maometanos, maometanos, ¡sto é renunciar a a arte, ou a a todas as artes que manter a proclamando que melhor é :ontrafacáo da arte que hoje existe, a qual tem como efeito depravar os os homens. Todavia esta questáo, por felicidade, felicidade, é supérflua, supérflua, pois pois a arte verdadeira nada tem ver com com a pretensa arte de hoje. Mas o que podemos e devemos fazer, nós que nos envaidecemos por sermos condicáo nossa condicáo sermos pessoas cultas, nós que devido a nossa das diversas manifestacóes da nossa vida, é re— sentido das :onseguimos entender o sentido
&
&,
.
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OqueéaArte?
conhecer o erro envolvidos, sem estamos envolvidos, sem nos em que estamos nos submeter e ele, buscando erro em um melo de, através dele, nos libertarmos.
Notas
fam
1. Adelina Paul (1843—1919), soprano lmllam. (N. do E.) 2. Marla Tagllone (1804-1884), famosa dangrlna de Ópera de Parts e do Scala de Mllño. (N.
do E.)
3. Stenka Razlne, chefe cossaco na revolta de 1667—1671, tratado nas lendas populares como um Robin Hood. (N. do E.) de astuto e malandro audacloso. Fol o heról de uma 4. Robert Macalre Robert Macalre ¿ um moderno de um tipo tipo moderno 1834, e Paris, 1834, e outra escrita por R.L. Stevenson e W. E. Henley, produzlda em Paris, pega popular produzlda 1987. (Aymer Maude)
CAPÍTULO xv…
0 ob]etlvo da vida humana é ¿ unláo fraternal dos homens. A arte deve
ser gulada por essa percecho. A causa da mentira
na qual a arte da nossa sociedade miu foi que as pessoas das classes superiores, tendo parado de acreditar nos ensinamentos da Igreja (chamada cristá), náo resolveram aceitar o ensinamento cristño verdadeiro em seus principios fundamentais e reais da iiliacáo a Deus e da fratemidade do homem, mas continuaram a viver sem qualquer crenqa, buscando compensar a auséncia da creng — algumas pela hipocrisia, ñngindo ainda acreditar no nonsense dos credos da Igreja. Outras, por afirmar cruamente a sua descrenga.Outras, pelo refinado agnosticismo. Outras, retornando novamente a adoracáo grega da beleza, proclamando ser o egotismo algo correto e elevando-o ao estatuto de uma doutrina religiosa. A causa da doenca foi a náo—aceitacáo dos ensinamentos de Cristo no seu real, isto é, completo significado. E a única cura reside em reconhecer aquele ensinamento no seu sentido completo. Tal reconhecimento no nosso tempo é náo somente possivel mas inevitável. Hoje, um homem que esteja no topo dos conhecimentos da nossa era, seja ele nominalmente um católico ou um protestante, já náo pode dizer que acredita realmente nos dogmas da Igreja: em Deus sendo uma Tn'ndade, em Cristo sendo Deus, na Redengio, e assim por diante; nem pode ele se satisfazer proclamando a sua descrenca ou ceticismo, nem se entregando a adoragáo da belen e egotismo. Sobretudo, ele nao pode mais dizer que náo sabemos do real significado do ensinamento de Cristo. Esse significado nao somente se tomou acessível a todos os homens do nosso tempo, mas a vida inteira de um homem hoje em dia está permeada do espírito daquele ensinamento e está, conscientemente ou inconscientemente, guiada por ele. Entretanto, de diferentes formas, as pessoas pertencentes ao nosso mundo cristáo podem definir o destino do homem: se eles o véem no progresso humano (qualquer que seja o sentido das palavras), na uniáo de todos os homens num dominio socialista, ou no estabelecimentode uma comuna se eles aspiram a uniáo da humanidade sob a diregño de uma Igreja única universal, ou a uma federacáo mundial — por mais variada em forma que as suas deñnicóes do destino da vida humana possam ser, todos os homens do nosso tempo já admitem que o bem—estar mais supremo atingivel ao homem será almncada pela uniáo de um com o outro. Mas qualquer meio serve a esa gente no esforco de manter e justificar seus privilégios, ¡sto é, a separado de sua classe das demais. Sño obrigados, por amor ou por forca, a reconhecer que de todas as partes, ao redor deles, consciente ou inconscientemente, a verdade, que ganha ten-eno, consiste em conceber a felici-
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dade humana unicamente na uniáo e na fraternidade. Inconscientemente, essa verdade ganha terreno com a abertura de novos meios de comunimcáo: o telégrafo, o telefone, a imprensa, invencóes que tendem, todas elas, cada vez mais, a proporcionar o bem—estar a todos, conscientemente, manifesta com a desapan'qño das supersticóes que separavam os homens, com a expressáo da fraternidade ideal e até com as poucas obras de arte de nosso tempo. A arte é um órgáo espiritual da vida humana e como tal náo pode ser intei— ramente destruida. Assim, nao obstante os esforcos dos homens das classes supe— riores para ocultar o ideal religioso do qual vive a humanidade, esse ideal toma— se sempre mais claro para os homens, e encontra, cada vez com maior freqiiéncia, ocasiáo para expressar-se, tanto em ciéncia como em arte, ainda que no meio de uma sociedadé pervertida. De fato, a própria arte comeca a distinguir o verdadeiro ideal de nosso tempo e a dirigir—se a ele. Por um lado, as melhores obras dos artistas contemporáneos expressam sentimentos de uniáo e fraternidade entre os homens (por exemplo: os escritos de Dickens, Victor Hugo e Dostoiévski, os quadros de Millet, Bastien—Lepage, Jules Breton, Lhermitte e outros). Por outro lado, hoje em dia existem artistas que buscnm expressar os sentimentos mais gerais e universais que sáo possíveis. 0 número desses artistas é ainda pouco elevado, mas parece que se comegn a compreender a utilidade deles. Devo acrescentar que, nesses últimos tempos, se multiplicaram as tentativas de empresas artísticas populares, edicóes de livros, concertos, teatros, museus etc. Tudo isso está muito longe daquilo que deve ser, mas pode—se já discernir a direcáo que há de tomar 21 arte para reassumir o mrrúnho que [he pertence. A consciéncia religiosa de nosso tempo tem sido notavelmente esclarecida. Bastaria, doravante, que os homens repudiassem a falsa teoria da beleza, que identifica o prazer como único objetivo da arte, para que esa consciéncia religiosa possa livremente tomar em mios a direcáo da arte. B no dia em que essa consciéncia religiosa, que já comecou a dirigir inconscientemente a vida humana, for reconhecida totalmente, assistiremos ao espontáneo desaparecimento da separacáo da arte em arte das classes inferiores e arte das classes superiores. Náo teremos, nesse dia, mais que uma só arte comum a todos, fraternal e universal. E no dia em que a arte for universal — cessando de ser o que tem sido nestes últimos tempos, ou seja, um meio de embrutecimento e depmvacio para todos — tomar—se—á o que era, no seu inicio, e o que deve ser sempre: um meio de aperfeicoamento para a humanidade, que a ajudará a levar a efeito, no mundo, o amor, a uniáo e a felicidade. A comparado pode soar estranha: o que tem acontecido a arte do nosso círculo e nosso tempo é o que acontece a uma mulher que vende a sua atratividade feminina, destinada para a matemidade, para a gratifimgño daqueles que desejam tais prazeres. A arte de nosso tempo e de nosso círculo se tornou uma prostituta. E essa comparacio guarda um bom paralelo nos mínimos detalhes. Como ela náo está limitada a algumas vezes, como ela está sempre enfeitada, como ela é sempre
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vendável, e como ela é sedutora e minosa. Uma obra de arte verdadeira só pode surgir na alma de um artista ocasional— mente, como fruto da vida que ele viveu, assim como uma cn'anga concebida pela sua mie. Mas a arte contrafeita é produzida por artesáos e artífices continuamente, bastando que encontrem consumidores. Arte verdadeira, como a esposa de um marido afeigoado, nao precisa de ornamentos. Mas a arte contrafeita, como uma prostituta, deve sempre estar enfei-' tada. A musa da produqáo da arte real é a necessidade interior do artista de ex pressar um sentimento que acumulou, assim como para uma mire a causa da concepdo sexual fora o amor. A causa da arte contrafeita, como a da prostituigáo, é o lucro.
da arte verdadeira é a introdugáo de um novo sentimento no intercurso da vida, assim como a conseqiiéncia do amor de uma esposa é o nascimento de um novo homem para a vida. As conseqúéncias da arte contrafeita sio a perversáo do homem, o prazer que nunca se satisfaz e o enfraquecimento da forgn espiritual do homem. E isso é o que as pessoas do nosso tempo e do nosso círculo devem cóm— preender para evitar a comente torpe da arte depravada e prostituidana qual stamos submersos. A conseqúéncia
CAPÍTULO x1x A arte
do futuro, nao como possessáo de uma minoria seleta, mas como
um melo em dlregºáo ¿ perfelcáo e unidade.
na arte do futuro e tenciona-se representar com estas palavras uma arte nova, eminentemente requintada e derivada da atual ¡me das classes superiores da nossa sociedade. Uma tal arte do futuro, porém, nunca há de nascer e nem poderia nascer. A arte das classes superiores chegou neste momento a uma via cega. No mminho em que se meteu náo conseguirá dar nem um paso a mais. Esta arte, desde 0 dia em que se separou do fundamento principal da verdadeira arte, desde 0 dia em que cessou de inspirar—se na consciéncia religiosa, tornou-se cada vez mais especial, cada vez mais pervertida e agora ai está, reduzida a nada. Por isso, a arte do futuro — a verdadeira, aquela que realmente viverá no futuro — náo será prolongamento da arte presente, ela brotará de principios de fatos diversos, que nada teráo em comum com aqueles em que ora se inspira a arte de nossas classes superiores. A arte do futuro, destinada a difundir—se entre todos os homens, náo terá mais, como ñnalidade, expressar sentimentos acessíveis apenas a alguns homens ricos. Terá a fmalidade de manifestar a mais elevada consciéncia religiosa das geracóes futuras. No futuro náo será considerada arte senáo aquela que expressar os sentimentos que impelirem os homens a uniáo fraterna, ou mesmo sentimentos táo universais que podem ser experimentados pelas racas humanas. Apenas essa arte será assinalada entre todas, admitida, encorajada e difundida. Mas a arte que transmita sentimentos vindos dos ensinamentos religiosos antiquados, gastos, a arte eclesiástica, a arte patriótica, a arte voluptuosa, que transmita sentimentos do medo supersticioso, do orgulho, da vaidade, da admiracáo anebatada aos heróis nacionais, a arte que excite o amor exclusivo ao seu próprio povo ou a sensualidade, será considerada arte má, nociva, e será censurada e desprezada pela opiniáo pública. E todo o resto da arte, tudo o que nio é acessível senáo a uns poucos, será considerado coisa sem importñncia e deixado a parte. B a arte nao será mais prezada, como hoje em dia, somente por uma clase de pessoas ricas, de modo que, para que uma obra seja consideradaboa e seja aprovada e difundida, terá que satisfazer as exigéncias náo de urnas poucas pessoas que vivem sob condicóes semelhantes e muitas vezes artificiais, mas de toda aquela grande massa de pessoas que passam por condicóes naturais da vida trabalhadom. E os artistas, no futuro, náo serio mais como agora, cooptados numa peque— na classe da nado, com exclusividade. Serio artistas todos os que, nao importando a clase a que pertengam, se mostrarem capazes de criacáo artística. Todos poderáo, entáo, tomar—se artistas porque, em primeiro lugar, náo se exigirá mais Pala—se
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da arte uma técnica complicada e artiñciosa, que requer uma infinita perda de tempo para o seu aprendizado. Nao será exigido do artista mais que clareza, sim plicidade e sobriedade, que sáo coisas que nio se adquirem com preparacáo mecánica e sim com educacáo do gosto. Em segundo lugar, todos poderáo tomar— se artistas porque, ao invés de nossas escolas proñssionais, acessíveis somente a uns poucos, todos poderáo aprender música e desenho desde a escola primán'a, juntamente com outras nocóes elementares, de tal modo que toda pessoa que sentir inclina<;áo por uma arte possa exercitá-la e expressar por meio dela seus sentimentos pessoais. Podem dizer que, com a supressáo das escolas artísticas especiais, a técnica da arte será debilitada. Certamente será debilitada, se se entender por técnica o conjunto de váos artificios que hoje trazem este nome. Mas, se, por técnica, se entender somente a clareza, a simplicidade e a sobriedade, esta nao só deixará de ser atingida, conforme suficientemente o prova toda arte popular, como será ele— vada a um grau superior, dado que todos os artistas de génio até agora ocultos entre o povo poderío participar da arte e oferecer modelos de perfeiqáo, que serio a melhor escola de técnica, para os artistas de seu tempo e dos tempos a Vir. Mesmo em nossos dias nao sáo os verdadeiros artistas instruidos na escola e, sim, na vida, estudando o exemplo dos grandes mestres. Mas no futuro, quando par— ticiparem da arte os homens de maior engenho, do povo inteiro, o número dos modelos a estudar será mais elevado e estes modelos, mais acessíveis. E a falta de um ensino proñsslonal será cem vezes compensada, para o artista verdadeiro, pelo justo conceito que ele terá dos fins e métodos da arte. Essa será uma das diferencas da arte futura em relacio a arte do presente. Outra diferenca será que a arte do futuro nao será mais executada por artistas proñsslonais, pagos por sua arte e só com esta ocupados. A arte do futuro será exercida por todos os homens que a deseiarem exercer, e mesmo estes dela se ocuparáo apenas no momento em que a desejarem. Acredita—se, facilmente, em nossa sociedade, que o artista trabalhará tanto melhor e com maior eñcácia quanto mis segura for a sua condigño material. Bastaria esta opiniáo para provar mais uma vez, se isso fosse necessário, que aqui|o que, hoje em dia, é tomado por arte nio pasa de uma contrafado. De fato, é verdade que, para produzir sapatos ou páes, a divisño do trabalho oferece grandes vantagens. O sapateiro e o padeiro, se náo sao constrangldos a preparar o própn'o alimento ou a cortar a própria lenha, podem produzir maior quantidade de sapatos ou de páezinhos. Mas a arte nio é um oficio, é a transmissáo feita aos outros de um sentimento experimentado pelo artista. 13 este sentimento nao pode brotar no homem senio quando ele vive inteiramente a vida natural e verdadeira dos homens. Portanto, assegurar ao artista a satisfagio de todas as suas necessidades matedais é prejudimr—lhe a capacidade de produzir arte, visto que ao libertar o artista das condicóes comuns a todos os homens — da luta contra a natureza, pela preservado da própria vida e da vida dos demais —, retim—lhe a omsiáo e a possibilidade de aprender a tomar conhecimento dos sentimentos mais importan-
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tes e naturais do homem. Náo existe condigáo mais detestável para a faculdade criadora de um artista do que aquela segurangn absoluta e aquele quo que 850 hoje considerados condigño indispensável para que a arte funcione bem. O artista do futuro levará a vida comum a todos, a ganhar seu páo num oficio qualquer. Assim, educado para conhecer o lado sério da vida, ele se esforgnrá para transmitir ao maior número possível de pessoas o dom superior que a natureza lhe terá concedido. E esta transmissáo será sua alegn'a e sua recompensa. O artista do futuro será incapaz de compreender como um artista, cujo deleite máximo está na ampla difusáo de suas obras, poderia cedé-las, trocar um certo pagamento. Enquanto nao expulsarmos os mermdores do templo, o templo da arte nao há de ser um templo. Mas o primeiro cuidado da arte do futuro será o de os expulsar. Finalmente o conteúdo da arte futura, tal qual o imagino, será totalmente diverso do da arte do presente. Consistiria na expressio de sentimentos, náo porém exclusivos como a ambicáo, o pessimismo, o desprazer e a sensualidade, mas, sim, de sentimentos experimentados por homens que vivem a vida do comum da humanidade, fundamentados na consciéncia religiosa de nosso tempo, de sentimentos acessíveis a todos os homens, sem excecño. Para as pessoas do nosso círculo que nao sabem, e nio podem ou náo váo compreender, os sentimentos que formaráo o tema da arte do futuro, tais temas pareceráo muito pobres em comparacáo com aquelas sutilezas da arte exclusivista com as quais eles estáo agora ocupados. “O que há de novo para ser dito sobre o sentimento cristio do amor para com um semelhante?” “Os sentimentos comuns a todos 850 tao insignificantes e monótonos', pensam eles. Nao obstante, o certo é que os únicos sentimentos novos que hoje em dia podem ser experimentados sáo os religiosos, cristáos e os acessíveis a toda gente. Os sentimentos provenientes da consciéncia religiosa de nosso tempo sio infinitamente novos e vários. Mas náo consistem apenas, como ora se cré, em representar 0 Cristo nos diversos episódios do evangelho ou em repetir, sob nova forma, as verdades cn'stás da uniáo, da fraternidade, da igualdade e do amor. Os sentimentos sao novos e vários ao infinito, pois o homem, ao considerar as coisas sob o pomo de vista cristio, percebe que os mais velhos assuntos, os mais comuns e considerados os mais surrados nele despertam os sentimentos mais novos, mais imprevistos, mais patéticos. Que pode haver de mais antigo do que o relacionamento entre marido e mulher, entre pais e ñlhos e entre homens de um mesmo país ou de países diferentes com relagáo a uma invasáo, a uma defesa, ¿ propriedade, a terra e aos animais? Ora, é suficiente alguém considerar tais relacionamentos do ponto de vista cristáo, para que nio tandem a surgir nele sentimentos, os mais novos, profundos e patéticos. Verdade é que o conteúdo da arte futura nao será amesquinhado, e, sim, ampliado, quando esta arte tomar como objeto a transmissáode sentimentos vitais, que 550 entre todos os mais gerais, simplese universais. Em nossa arte de hoje nao sáo considerados dignos de ser expressos em arte senao sentimentos particulares,
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de pessoas em situacóes excepcionais. Exige—se, além do mais, que sejam expres— sos de um modo superlativamente requintado, inacessível a maioria dos homens. E julga—se indigno de oferecer matéria a arte todo o ¡menso dominio da arte popular e da arte infantil: os provérbios, as mncóes, os jogos, as imitacóes etc. Mas o artista do futuro compreenderá que produzir uma fábula, uma cancáo, desde que comoventes, ou produzir uma farsa, desde que divertida, desenhar uma ñgura que alegre milhanes de criancas e adultos, é coisa mais fecunda e importante que produzir um romance, uma sinfonía ou um quadro, e divertiráo apenas por algum tempo um escaso número de ricos, para em seguida mergulharem para sempre no esquecimento. Ora, o território dessa arte dos sentimentos simples, acessíveis a todos, é ¡menso e pode—se dizer que jamais foi penetrado. A arte do ñ1turo, portanto, nao será mais pobre que a nossa, e sim, pelo contrário, nítidamente mais rica. E a forma da futura arte, igualmente, náo será inferiora forma da arte do presente e sim incomparavelmentesuperior a esta, náo no sentido de uma técnica requintada e artificiosa, mas no sentido de uma expres— sáo breve, simples, clara e livre de toda sobrecarga inútil própria para transmitir os sentimentos do artista. Recordo-mede uma vez em que, tendo asistido a uma conferéncia pública de um astrónomo eminente, com respeito a análise espectral das estrelas da ViaIáctea, perguntei a esse astrónomo se náo haveria consentido em dar uma conferéncia simplesmente sobre o movimento da Tena, atendo-se ao fato de, entre seus ouvintes, haver, sem dúvida, bom número de pessoas que náo sabiam com precisao o que produzia 0 dia e a noite, o invemo e o veráo, e o astrónomo respondeu—me sorrindo: “Sim, seria um belo argumento, mas difícil demais. Para mim é muito mais fácil falar sobre a análise espectral da Via—Láctea". O mesmo acontece na arte. Escrever um poema sobre um assunto dos tem— pos de Cleópatra, pintar Nero incendiando Roma, compor uma sinfonía a maneira de Brahms e Richard Strauss, uma ópera como as de Wagner, eis o que é infini— tamente mais fácil do que narrar uma história simples, sem nada de excepcional, se a narrativa transmitir o sentimento de quem nana ou mesmo desenhar com o Iápis uma imagem que posa comover ou alegrar os que a véem ou escrever quatro compassos de uma melodia sem acompanhamento, mas que traduza um certo estado da alma. “Mas, em nossa civilizacáo, toma4se impossível retornar ás formas primitivas”, diráo os artistas. “lmpossível escrever hoje narrativas como a história de José ou como a Odiséía, produzir estátuas como a Venus de Milo, ou compor música como a das cancóes populares!" Realmente, tal coisa é impossível aos artistas de nosso tempo. Náo o será, todavia, para os artistas do futuro, que nao teráo mais a cabeca atravancada por um arsenal de fórmulas técnicas e, tendo deixado de ser proñssionais da arte, nio recebendo mais remuneracño por seus produtos, nio produzirño arte senáo quando se sentirem impelidos por irresistível necessidade interior. Portanto, a diferengn será completa, com respeito a forma ou a substáncia,
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entre 3 arte do futuro e aquilo que hoje em dia consideramos arte. A base da arte do futuro será constituida de sentimentos própn'os & encorajar os homens no sentido da uniáo ou próprios a uni-los efetivamente. A forma dessa arte será tal que ela será acessível & maion'a dos homens. Ponznto, o ideal da perfeicáo no futuro nio será mis 0 grau de particularidade dos sentimentos, mas, ao contrário. seu grau de universalidade. O artista nio mais buscará, como hoje, a obscuridade, a com plimgáo e a énfase. Ao contrário, será breve, claro e simples. E, somente quando 3 arte tiver assumido tal mráter, ela deixará de servir unicamente para distrair e divertir as clases de ociosos, como hoje acontece, para comegnr a cumprir seu verdadeiro oficio, vale dizer, transportar um conceito religioso do dominio da razáo e do intelecto ao dominio do sentimento, & guiar a humanidade em direcáo % felicidade, de encontrar a vida e de encontrar aquela uniáo e aquela perfeicáo que [he recomenda a percepqño religiosa.
CAPÍTULO xx CONCLUSÁO A conexáo entre a denda e a arte. As ciencias mendazes; as ciencias triviais. A dencia deveria lidar com os grandes problemas da vida humana
e servir de base para ¿ arte.
Eu cumpri com o melhor das minhas capacidades este trabalho que me ocupou por quinze anos, sobre um assunto próximo a mim — o da arte. Ao dizer que este assunto me ocupou por quinze anos eu nao quero dizer que estive escrevendo este livro por quinze anos, mas somente que comecei a
escrever sobre arte quinze anos atrás, pensando que, uma vez que me incum— bi da tarefa, eu deveria ser capaz de cumpri-Ia sem interrupcáo. Provou-se, no entanto, que as minhas visóes sobre o assunto estavam entio tao longe de serem claras que nao conseguía arranjá-las num modo que me satisfizesse. Desde aquela época jamais parei de pensar sobre o assunto e recomecei a escrever seis ou sete vezes; mas, toda vez depois de ter escrito uma boa parte, via que eu era incapaz de levar o trabalho a uma conciusáo satisfatória e era obrigado a deixá-lo de lado. Agora acabel e nio importa 0 quáo mal eu tenha realizado a tarefa, a minha esperanca e de que o meu pensamento fundamental sobre a falsa direcao da arte que a nossa sociedade tomou e está seguindo, sobre as razóes disso e sobre o real destino da arte, esteja correto, e que por isso o meu trabalho nao seja sem utilidade. Mas, para que tudo isso possa passar e que a arte possa realmente abandonar a sua falsa trilha e tomar a nova direcio, é necessário que uma outra atividade espiritual humana igualmente importante — a ciéncia — em íntima dependéncia com a arte, abandone a falsa trilha que ela também, como a arte, está seguindo. A ciéncia e a arte estáo íntimamente ligadas como o pulmáo e o corag:áo, de modo que se um órgáo está viciado o outro nao pode agir corretamente. A verdadeira ciéncia investiga e traz para a percepcáo humana verdades e conhecimentos que as pessoas de um dado tempo e sociedade consideram mais importantes. A arte transmite essas verdades da regiáo da percepcáo a regiáo da emocio. Se, portanto, o caminho escoihido pela ciéncia for falso, entáo também será o caminho tomado pela arte. A ciéncia e a arte sao como um certo tipo de barraca com um ancorete, que costumava transitar nos nossos rios. A ciéncia, como barcos que descem as áncoras contra a corrente e as fixam bem, dá a direcáo do movimento para a frente, enquanto a arte, como um molinete que trabalha a bordo para levar o barco em direcáo a áncora, causa a real orozressáo. E assim a atividade falsa da ciéncia inevitavelmente
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causa uma atividade falsa correspondente da arte. Como arte em geral é a transmissio de todo tipo de sentimentos, mas no sentido limitado da palavra nao chamamos nada de arte a nio ser que transmita sentimentos reconhecidos por nós como sendo importantes, assim também a ciéncia em geral é a transmissio de todos os conhecimentos possíveis, mas no sentido limitado da palavra damos o nome de ciéncia Aquilo que transmite conhe— cimentos admitidos por nós como sendo importantes. E o grau de importáncia tanto dos sentimentos transmitidos pela arte quanto da informacáo transmitida pela ciéncia é decidido pela percepcáo religiosa de uma dada época e sociedade, ¡sto é, pela compreensáo comum do objetivo de vida que as pessoas daquela época ou sociedade possuem. O que mais contribui ao pleno alcance daquele objetivo será mais estudado; o que contribul menos será estudado menos; o que nao contribui em nada ao pleno alcance do objetivo da vida humana será inteiramente negligenciado ou, se estudado, tal estudo nao será contado como ciéncia. Assim tem sido sempre e assim deve ser agora, pois tal é a natureza do conhecimento humano e da vida humana. Mas a ciéncia das classes superiores de nosso tempo, que náo somente nio reconhece qualquer religiáo, mas considera toda religiáo mera supersticio, nao póde e nem pode fazer tais distincóes. Cientistas dos nossos dias añrmam que eles estudam tudo imparcialmente; mas, como tudo é muito, é de fato uma infinidade de objetos e é impossivel estudar tudo igualmente, isso é afirmado apenas em teoria, enquanto na prática nem tudo é estudado e a aplimgáo do estudo é longe de ser imparcial — somente sendo estudado aquilo que querem os que se ocupam da ciéncia e aquilo que mais lhes proporciona prazer. E o que os membros das classes superiores mais querem é a permanéncia do sistema sob o qual eles retém seus privilégios; e o que é mais agradável sao as coisas que satisfazem a curiosidade ociosa, náo exigem grandes esforcos mentais e podem ser aplicadas na prática. Assim, um lado da ciéncia, incluindo a teología e a filosofia, adaptadas ¿ ordem vigente, como também a história e a economia polítim do mesmo género, está ocupado principalmente em provar que a ordem vigente é precisamente a ordem que deveria perdurar; que aquilo veio a existéncia e continua a existir pela operado de leis imutáveis nao ameacadas pela vontade humana, e que todos os esforcos para mudé—las sao, portante, nocivos e errados. A outra parte, a ciéncia experimental, está exclusivamente ocupada com coisas que nao tém nenhuma relagio direta com os propósitos da vida humana: com o que é curioso e com as coisas com que se podem fazer aplicacóes prátims vantajosas para pessoas das classes superiores. E para justificar esta selegño de objetos a estudar, feita (em conformidade com suas próprias posicóes) por homens da ciéncia de nosso tem po, eles bolaram uma teon'a da ciéncia pela ciéncia, muito parecida com a teoria da arte pela arte. Assim como na teoria da arte pela arte, parece que a ocupacáo com todas aquelas coisas que nos agradam é arte, na teoria da ciéncia pela ciéncia, o estudo
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daquilo que nos interessa é ciéncia. Um lado da ciéncia, em vez de estudar como as pessoas deveriam viver para cumprir suas missóes na vida, demonstra a justeza e a imutabilidade das organizacóes falsas e más da vida que existem ao redor de nós; enquanto a outra parte, a ciéncia experimental, se ocupa com as questóes da simples curiosidade ou com as melhon'as técnicas. A primeira dessas divisóes da ciéncia é nociva, nao somente porque ela confunde a percepcio das pessoas e leva a decisóes falsas, mas também pela sua mera existéncia, ocupando o campo que deveria pertencer a verdadeira ciéncia. Ela musa esse dano que todo homem para abordar o estudo das questóes mais importantes da vida precisa primeiro refutar esses assomos de mentiras que por eras tém sido empilhadas em tomo de cada uma das questóes mais essenciais da vida humana, e as quais sao sustentadas por toda a forgn da ingenuidade humana. A segunda divisáo — aquela da qual a moderna ciéncia particularmente se orgulha, e que é considerada por muitas pessoas como a única ciéncia real — é nociva porque ela desvía a atendo dos assuntos realmente importantes para os assuntos insignificantes, e é também diretamente nociva porque, sob o vil sistema da sociedade que a primeira divisao da ciéncia justifica e apóia, grande parte dos avangos técnicos da ciéncia sáo transformados nao para o beneficio, mas para o dano da humanidade. De fato, somente para aqueles que devotam suas vidas para tal estudo é que parece que todas as invencóes feitas na esfera da ciéncia natural sejam muito importantes e úteis. E para esas pessoas parece que é assim somente porque nao olham ao seu redor e nao véem o que é realmente importante. Blas somente precisam arrancar este microscópio psicológico com o qual examinam os objetos de seus estudos e olhar ao redor delas, para ver o quito insignificante é tudo aquilo que deu a elas este orgulho naíve, todo aquele conhecimento nao somente da geometría de n dimensóes, da análise espectral da Via-Láctea, da ldade da Pedra e das insignificáncias similares, mas mesmo o nosso conhecimento dos microorganismos, raios-x, e tudo o mais, em comparacáo com o conhecimento que deixamos de lado e entregamos na mio das perversóes dos professores de teología, jurisprudéncia, economia política, ciéncia ñnanceira etc. Precisamos somente olhar ao nosso redor para perceber que a atividade própn'a ¿¡ ciéncia verdadeira nao é o estudo de qualquer coisa que nos incite o interesse, mas o estudo de como a vida humana deveria ser estabelecida — o estudo das questóes da religiáo, moralidade e vida social, sem a solucio das quais todo o nosso conhecimento da natureza será nocivo ou insignificante. Estamos altamente deliciados e muito orgulhosos de que a nossa ciéncia possibilite utilizarmos a energia de uma queda d'água e fazé-la funcionar em fa bricas ou de que perfuremos túneis através de montanhas, e assim por diante; mas o triste disso é que fazemos a forgn da queda d'água trabalhar nao para o beneficio dos trabalhadores, mas para enriquecer capitalistas que produzem artigos de quo ou armas da guerra que destroem os humanos. A mesma dinamite com a qual
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explodimos montanhas para perfurar túneis, nós a usamos para guerras, sendo que destas nós nao somente nao pretendemos nos abster, mas as consideramos inevitáveis e que estamos crescentemente preparados para seu uso. Se somos agora mpazes de inocular preventivamente micróbios diftéricos, de encontrar uma agulha num corpo por meio de raios—x, de endireitar um corcunda, curar sífilis e realizar operagóes fantásticas, nio ñmn'amos orgulhosos deseas conquistas (mesmo se estas fossem todas confirmadas indiscutivelmente) se com preendéssemos totalmente o verdadeiro propósito da verdadeira ciéncia. Se nada além de um décimo dos esforcos agora gastos com objetos de pura curiosidade ou de aplimcáo meramente prática fosse dispensado com a verdadeira ciéncia, organizando a vida do homem, mais da metade das pessoas agora doentes nao teria a doenca da qual uma pequena minoria consegue se curar em hospitais. Náo haveria nenhuma crianca anémim e deformada crescendo em fábricas, nenhum índice de morte, como agora, de cinqiienta por cento entre as criangas, nenhuma deterioracáo de geracóes inteiras, nenhuma prostituicáo, nenhuma sífilis e nenhum assassinato de centenas de milhares em guerras, nenhum daqueles horrores de insensatez e miséria que a nossa ciéncia do presente considera uma condicáo necessária & vida humana. Pervertemos a concepgáo da ciéncia de tal modo que parece estranho aos homens dos nossos dias aludir a ciéncia como algo que deveria prevenir a mor— talidade das cn'angas, a prostituigño, a sífilis, a deterioracáo de geracóes inteiras e o assassinato dos homens em grande escala. Parece-nos que a ciéncia somente é entáo uma real ciéncia quando um homem, num laboratório, despeja líquidos de um recipiente noutro, ou analisa o espectro, ou corta sapos e golñnhos, ou tece num jargáo científico especializado uma rede obscura de frases convencionais — teológica, ñlosóñm, histórica, jurídica ou político—económica —, semi—inteligível para si próprio e intencionada em demonstrar que o que é agora é o que deveria ser.
Mas a ciéncia, a verdadeira ciéncia — uma ciéncia que realmente merecería o respeito que é clamado hoje pelos seguidores de uma (a menos importante) parte da ciéncia —, nio é absolutamente deste tipo: a verdadeira ciéncia consiste em saber no que devemos e no que nio devemos acreditar, em saber como a vida associada do homem deve, ou nio deve, ser constituida: como tratar as relacóes sexuais, como educar as criangas, como utilizar a terra, como cultivá-la sem oprimir o outro, como tratar os estrangeiros, como tratar os animais, e muito mais do que é importante para a vida do homem. Tal é como a verdadeira ciéncia sempre foi e deven'a ser. E uma tal ciéncia está despontando nos nossos tempos; mas, por um lado, essa ciéncia verdadeira é negada e refutada por todas aquelas pessoas de ciéncia que defendem a ordem vigente da sociedade, e, por outro lado, é considerada uma ciéncia vazia, desne— cessária, e nio—científica por aqueles engajados na ciéncia experimental. Por exemplo, livros e sermóes aparecem demonstrando a obsolescéncia e a absurdidade dos dogmas da Igreja, bem como a necessidade de aclarar a percep—
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gio religiosa razoável e apropriada aos nossos tempos, e toda a teología que é tida como sendo a real ciéncia está engajada somente em refutar esses trabalhos e em exercitar a inteligéncia humana dia após dia na sua busca de apoio e justificativa para supersticóes desde há muito superadas e que perderam agora todo o sentido. Ou um sermáo aparece mostrando que a ten-a nao deveria ser um objeto de possessáo privada e que a instituicáo da propriedade privada de terra é a causa principal da pobreza das massas. Aparentemente a ciéncia, a verdadeira ciéncia, deveria dar boas-vindas para tal sermáo e tirar deducóes posteriores a partir dessa posicáo. Mas a ciéncia dos nossos tempos nao faz nada disso; ao contrário, a economia política demonstra a posicáo oposta, ¡sto é, que a propriedade territorial, como toda outra forma de propriedade, deve ser mais e mais concentrada nas mios de um pequeno número de doncs. Novamente, do mesmo modo, dever-s ¿— ia supor que o trabalho da real ciéncia seja o de demonstrar a irracionalidade, a náo-lucratividade e a imoralidade da guerra e das execucóes; ou as qualidades desumanas e danosas da prostituiqño; ou a absurdidade, a nocividade e a ¡moralidade em usar narcóticos ou comer animais; ou a irracionalidade, a nocividade e a obsolescéncia do patriotismo. E tais trabalhos existem, mas 550 todos considerados nio—científicos,enquanto trabalhos que provemque todas essas coisrts devem continuar e trabalhos intencionados a satisfazer uma sede ociosa pelo conheci— mento sem qualquer relagño com a vida humana sáo considerados científicos. Nos nossos tempos, o desvio da ciéncia dos seus verdadeiros propósitos é cabalmente ilustrado pelos ideais que 550 postos ¿ frente por alguns cientistas e náo sáo negados, mas admitidos pela maioria dos homens da ciéncia. Esses ideais sao expressos nao somente em livros estúpidos, elegantes, descrevendo o mundo como será daqui a mil ou trés mil anos, mas também por sociólogos que se consideram homens sérlos da ciéncia. Esses ideais sio de que o alimento, em vez de ser obtido da terra pela agricultura, seja preparado em laboratórios por meios químicos, e que o labor humano seja quase totalmente suplantado pela utilizagño de forcas naturais. O homem nao irá, como agora, comerum ovo de uma galinha que ele criou, ou pao crescido no seu campo, ou uma macá de uma árvore que ele cultivou e que floresceu e amadureceu sob os seus olhos, mas irá comer alimentos saborosos, nutritivos, preparados em laboratórlos pelo trabalho conjunto de várias pessoas do qual ele compartilhará em pequena escala. 0 homem mal precisará trabalhar, de modo que todos os homens serio mpazes de se entregar a ociosidade, assim como as classes superiores, govemantes, agora se entregam. Nada mostra mais claramente a que grau a ciéncia de nosso tempo se desviou do seu verdadeiro caminho do que esses ideais. A grande maioria dos homens de nosso tempo náo dispóe de alimento bom e suficiente (bem como de moradia e roupas e de todas as primeiras necessidades da vida). E essa grande maioria de homens é compelida, pelo dano de seu bem-estar, a trabalhar continuamente além das suas forcas. Ambos os males podem facilmente ser removidos abolindo as disputas, a luxúria e a distribui—
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cio incorreta de bens — em uma palavra, pela abolicao da falsa e nociva
ordem e pelo estabelecimento de um razoável, humano, modo de vida. Mas a ciéncia considera a ordem das coisas existente tio imutável quanto 0 movimerrto dos planetas, e assim assume que o propósito da ciéncia é náo de elucidar a falsidade dessa ordem e tragar um modo novo, razoável, de vida, mas, sob a ordem das coisas existente, alimentar todo o mundo e capacitar todos a serem tao ociosos quando as classes governantes, vivendo vidas depravadas, como estáo agora. E, enquanto isso, esquece-se de que a nutricáo pelo milho, vegetais e frutas, cultivados da terra pelo trabalho de cada um, é a mais gratificante, a mais saudável, a mais fácil e a mais natural, e que o trabalho de usar o músculo é uma condicio de vida tao necessária quanto a oxigenacao do sangue pela respiracáo. Inventar meios pelos quais as pessoas, enquanto continuam a nossa divisáo falsa da propriedade e trabalho, sejam bem-nutridas por meio de alimentos preparados quimicamente, e facam as forcas da natureza trabalhar para elas, é como inventar meios de bombear 0 ar que é mau para os pulmóes de um homem mantido numa cámara fechada, quando tudo que é preciso é que o homem nio mais seja confinado numa cámara fechada. Nos reinos vegetal e animal um laboratório foi construido para a producio de alimentos de tal forma que nao pode ser superado por nenhum professor, e, para se deliciar dos frutos desse laboratório e participar dele, o homem tem somente que se deixar levar por aquele impulso sempre alegre para o trabalho, sem 0 qual a sua vida e um tormento. Mas veja o que acontece! Os cientistas de nossos tempos, em vez de empregarem toda a sua forga para abolir tudo que bloqueie o homem de utilizar as coisas boas que foram praparadas para ele, afirmam que as condicóes sob as quais o homem é destituido dessas gracas sio inalteráveis; e em vez de estruturarem a vida do homem de modo que ele trabalhe contente e seja alimentado pelo solo, ela boram métodos que faráo dele um fiasco artificial. E como nao ajudar um homem sair de um conñnamento em direcio ao ar fresco, mas bolar meios, em vez disso, de bombear nele a quantidade necessária de oxigénio e de fazer com que ele viva numa cela asfixiante em vez de viver em casa. Esses falsos ideais nao poderiam existir se a ciéncia nao estivesse num falso caminho. E ainda assim os sentimentos transmitidos pela arte crescem a partir das bases fomecidas pela ciéncia. Mas que sentimentos podem evocar uma ciéncia assim mal direcionada? Um lado desta ciéncia evoca sentimentos antiquados que a humanidade já extinguiu e que nos nossos tempos sao maus e exclusivistas. O outro lado, ocupado com o estudo de asuntos nio relacionados ao comportamento da vida humana, pela sua própria natureza náo pode servir de base para a arte. A arte nos nossos tempos, para ser arte, precisa náo somente abrir o seu
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próprio caminho independentemente da ciéncia, como precisa tomar a sua direcáo a partir de uma ciéncia nio reconhecida que é acusada pelas secóes ortodoxas da ciéncia. E isto é o que a arte, mesmo quando cumpre parcialmente a sua missio, está fazendo. E para se esperar que o trabalho que tenho tentado realizar referente a arte será realizado também para a ciéncia: que a falsidade da teoria da ciéncia pela ciéncia seja demonstrada; que a necessidade de reconhecer o ensinamento cn'stáo no seu verdadeiro sentido seja claramente mostrada, e com base naquele ensinamento uma reavaliado seja feita do conhecimento que possuímos e do qual somos tio orgulhosos; que a ineleváncia e a insignificñncia da ciéncia experimental e a primazia e a importáncia do conhecimento religioso, moral e social sejam estabelecidas; e que o conhecimento nao seja, como agora, deixado na liderang:a das classes superiores somente, mas que forme o interesse principal de homens livres de tudo, amantes da verdade, tais como aqueles que, náo pela ajuda das classes superiores, mas apesar deles, tém sempre enmbegndo a real ciéncia da vida.
As ciéncias astronómica, física, química e biológica, bem como as ciéncias…
técnica e médica, serio estudadas somente na medida em que possam ajudar a libertar a humanidade das decep96es religiosas, jurídicas ou sociais, ou possam servir para promover o bem-estar de todos os homens e nao de uma única classe qualquer. Somente entio a ciéncia cessará de ser o que é agora — de um lado, um sistema de soñsticacóes necessárias para a manutengño da desbotada ordem vigente da sociedade, e de outro lado, uma massa amorfa de conhecimentos misceláneos, na maior parte, boa para pouco ou nada — e se tomará um todo orgánico e bem delineado tendo um propósito razoável e definido compreensível a todos os homens, isto é, aquele de trazer a consciéncia dos homens as verdades que fluem da percepdo religiosa de nosso tempo. E somente entáo a arte, sempre dependente da ciéncia, será o que poden'a e deveria ser: um órgáo igualmente importante juntamente com a ciéncia para a vida e o progresso da humanidade. Arte náo é um prazer, um consolo ou um entretenimento; a arte é um asunto de peso. A arte é um órgáo da vida humana transmitindo a percepgio racional dos homens para o campo dos sentimentos. Na nossa era a percepcáo comum religiosa dos homens é a consciéncia da fraternidade do homem — sabemos que o bem— .estar do homem está na uniáo com os seus semelhantes. A verdadeira ciéncia deven'a indicar os vários métodos de aplicar essa consciéncia ¿¡ vida. A arte deveria transformar essa percepcáo em sentimento. A tarefa da arte e enorme. Através da inñuéncia da verdadeira arte, auxiliada pela ciéncia, guiada pela religiáo, aquela cooperacáo pacíñm do homem que é agora mantida por meios externos — pelas nossas cortes judiciais, policia, instituigóes de caridade, inspecóes de fábricas, e assim por diante — deveria ser obtida pela atividade livre e alegre dos homens. A arte deveria fazer com
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que a violéncia fosse posta de lado. E e somente a arte que pode alcancar isso. Tudo o que agora, independentemente do medo da violéncia e da pu-
nicáo, faz a vida social do homem possível (e isso já é uma parte enorme da ordem das nossas vidas) — tudo isso foi realizado pela arte. Se pela arte foi inculcado nas pessoas o modo como elas devem tratar os objetos religiosos, os seus pais, as suas criangas, as suas esposas, as suas relacóes, os estranhos, os estrangeiros, como se portar frente aos mais velhos, seus superiores, frente aqueles que sofrem, frente a seus inimigos, frente aos animais; e se isso foi obedecido durante geracóes por milhóes de pessoas, náo somente nio foreados por qualquer violéncia, mas de modo que a forca de tais costumes náo pode ser sacudida de nenhuma forma exceto por meio da arte, entáo através da arte também outros costumes que estáo mais de acordo com a percepcáo religiosa de nosso tempo podem ser evocados. Se a arte foi capaz de transmitir sentimentos de reveréncia as imagens, a Eucaristía e a pessoa do rei, de vergonha em trair um colega, de devocáo a uma bandeira, da necessidade de vinganga por um insulto, da necessidade de sacrificar o seu trabalho pela construcáo e adornamento de igrejas, do dever de defender a sua honra ou da glória da sua terra nativa, entáo aquela mesma arte pode também evocar reveréncia a dignidade de todos os homens e a vida de qualquer animal; pode fazer com que os homens se envergonhem da luxúria, da violéncia, da vinganca, ou de usar para o seu próprio prazer aquilo de que os outros necessitam; pode compelir as pessoas a se sacrificarem a servico do homem, livre, alegre e espontaneamente A tarefa que cumpre a arte e fazer daquele sentimento de fraternidade e amor ao semelhante, agora limitado somente aos melhores membros da sociedade, o sentimento costumeiro e o instinto de todos os homens. Evocando sob condicóes imaginárias os sentimentos de fraternidade e amor, a arte religiosa treinará os homens a experimentar aqueles mesmos sentimentos em circunstñncias semelhantes na vida real; deitará nos espíritos dos homens trilhos ao longo dos quais passaráo as acóes daqueles que a arte assim educa naturalmente. E 3 arte universal, ao unir as pessoas mais diferentes em um sentimento comum, destruindo a separacáo, educará as pessoas para a uniáo e lhes mostrará, nao pela razáo, mas pela própria vida, a alegria da uniáo universal ultrapassando os limites estabelecidos pela vida. O destino da arte no nosso tempo é transmitir do dominio da razáo ao dominio do sentimento a verdade de que o bem—estar dos homens consiste em que eles estejam unidos uns aos outros e erigir, no lugar do reinado da forca existente, aquele reino de Deus — ¡sto é, do amor — que todos nós reconhecemos ser o objetivo mais elevado da vida humana. Possivelmente no futuro a ciéncia revelará arte ideais ainda mais novos e mais elevados que esta pode realizar, mas no nosso tempo o destino da arte é claro 21
e definido. A tarefa
da arte cristá é estabelecer a uniño fraternal entre os homens.
APENDICE | Outros poemas citados no Capítulo X
0 poema seguinte e de Henri de Régnler, da página 28 de um volume de
seus poemas: L
'ach
tu veux que ce soír; ¿: l'a“tre, je t'accueílle— ¡ette d'abord la jleur; qui de la main s'e_[feuílle; San cberparfumferait ma tn'stecse trop sombre; ne regardepas derriére toi vers l'omb7e, Car je te veux, ayant oublíé la foré't Et le vent, et l'écbo e: ce qui parleraít Voíx ¿: ta solitude ou pleur ¿ ton silence! Et debout, avec ton ombre qui te devance, Et bautaíne sur mon seuíl, e: pále, et venue Comme si 'étaís mon ou que tufusses nue." Si
3
j
HENRI DE REGNIER: Las jeux mstíqux et devins
Os seguintes versos sic de Vielé-Gn'fñn, da página 28 de um volume de seus poemas: Oiseau Bleu Couleur du Temps 1.
Sais—tu I'oubli
D'un vain doux re“ve, ¡. As Boas Vindas
Se quisems que nesta noite, junto ¡ Iareira, eu te acolha — / Deixe cair primeiro a Hor. que de tua mio desabrocha; / O seu cano perfume faria a minha tristeza sombría demais; / E nio olhe para trás, para a tua sombra, / Pois eu te quero, tendo esquecido da floresta / 8 do vento, do eco e o que daría Voz ¡ tua solitude ou lágrimas ao teu siléncio! / B de pé, com a tua sombra que te antecede, / E altiva sobre a minha soleira, e pálida, e vinda / Como se eu estivesse morto, ou que estivesses nua!
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Oisaau moqueur De la foré't? Le jour pálít,
la nuit se léue,
B dans mon coeur
L'ombm a pleuré; 2.
0 cbante—moi
Ta folle gamme,
'a“ dormí Car j Ce jour durant;
te [debe émoí
Oúfut mon áme Sanglote ennuí
Le jour mourant…. 3. Sais—tu le cbant
De sa parole E? de sa voíx, Toi qui redis Dans le coucbant Ton airfn'vole Comme autrefoís Saus les midis? 4. O, cbante alors
La métodíe
De son amour; Mon fo! acpoir;
Parmí les 075
E? l'íncendie
Du win doux jour Qui mem: ce soir. " FRANCIS VIELE-GRIFFIN: Poémes et poécíes.
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E há alguns versos do estimado jovem poeta Verhaeren,
página 28 do seu livro Obras.
que também tomo da
Auirancec Loirztainement, et si étmngementpareils,
Degmnds masques d'argent que la brume recule, Vaguent, au jour tombant, autour de: vieux soleiLs. doux lointais' — et comme, au fond du crépuscule, la le [ls immensément le
nous jixent coeur; coeur; Avec le: yeux défunts de leur visage d'áme.
C'est toujours du silence, ¿: moins, dans la páleur Du soir; un jet defeu soudain, um cn“ dej1amme, Um départ de lumiére ina!tendu vers Dieu.
On se laisse cbarmer et troubler de rr:ystére, El 1 'on dirait des morts qui taisent un adieu Trq0 mystique, pour étre écouté par la terre! Sant—ils le souvenir matériel et clair
De: épbébes cbre'tíens coucbés aux catacombes Parmi les Iys? Son:—¡Ls leur regard et leur chair? Ou seul, ce qui survit de meweillewc aux tomb_es De ceux qui son partís, vers leurs rém, un soir; Conquén'r la folie ¿: l'a&sau£ des nue'es?
¡I. A Gor do Pássaro Azul dos Tempos
l.
Sabes tudo esquecimento/ De um vio doce sonho. / Pás&m zombador / Da floresta? / 0 dia cmpaiideoe, / A noite se levanta, / B no meu comcño A sombra chonou; 2.
/
Oh, unta-mc / Com o teu louco tom / Pois eu adormeci / Por este dia inteiro; / mim agora soluca, / Elcs tém minha alma: / 0 dia fcneoe...
A 12353
3.
emocio / em
Sabes tudo canto / Da sua fala / E de sua voz, / Tu que ncpete / Ao crepúscqu / 0 teu ar frívolo / Como antigamentc / Sob ¡ luz do meio dia? 4. Ó, cante pomnto / A melodia / De seu amor, / Meu louco esposo, / Entre os ouros E o incendiar / Do vio doce dia / Que morrc nesta noite.
/
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Lointainement, cambien nous la sentons vouloir Un peu d 'amour pour leurs oeuvres destitue'ec, Pour leur emance et leur tristesse aux borizons. Toujours! aux horizons du coeur et de pense'es, Alors que les vieux soirs éclatent en blasons Soudains, pour les gloires noires e: angoisse'es. "' EMILE VERHAEREN: Poémes
0 poema seguinte é um poema de Moréas, evidentemente um admirador da belen grega. E da página 28 de um volume de seus poemas: E
Enone au Clair Visage Enone, j'avais cru qu'en aimant la beauté Oú l'áme avec le corps trouvent leur unite', J'allais, mhj'ermisant et le coeur et l'e$rit, Monterjusqu'á cela, qui jamais ne périt, N'ayant été crée', qui n'esifmidure oufeu, Qui n'xt beau quelquepari et laid en autre lieu; me j1attais encor d'une belle barmonie Que ] 'eusse composé du meilleur et du pire, Ainsi que le cbanteur qui cbén't Polymnie, En accordant le grave avec l'aigu, retire
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lll. Atratividades
/
Longínquas, e tio estranhamente semelhantes, / Grandes máscaras de prata que a bruma canega, Vagam, ao cair do dia, ao ¡edor dos velhos sóis. // Doces distancias! — e como, no fundo do crepúsculo, / Blas paralisam nossos coragóes, imensamente os coracóes, / Com seus olhos defuntos de seus rostos d'alma. // E sempre do silencio, ¡ volta, na palidez / Da tarde, um ¡ato de fogo repentino, um grito de ardor, Um anemesso de luz inesperado em direcio a Deus. // Problemase charmes misteriosos nos envolvem, / Pode-se pensarque o mono deu um adeus silencioso, Mistico demais, para ser ouvido na terra! // S¡o eles as memórias, materiais e brilhantes, / Dos jovens cristios que em catacumbasdormem / Entre os lirios? S¡o eles as suas carnes ou suas vistas? // Ou a maravilha solitária que sobrevive, na profundeza, / Aqueles que, uma noite, voltam aos seus sonhos / De conquistar loucura assaltando os céus? // Longinquas, quantas nós as ouvimos querer / Um pouco de amor para suas obras destituidas, / Para sua errincia e sua tristeza, nos horizontes // Sempre! nos horizontesdo coraqio e do pensamento, / Enquanto velhas tardes na chama incandescente empalidecem, / De repente, por glórias negras e angústias.//
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Unson bienélevésurlesnerfsdesa lyre. Mais mon courage, bélas' se pámant comme mori, M 'enseigna que le traii qui m'avaiifaii aman: Ne fut pas de cet arc que courbe sans e_[fon La Vénus qui naquit du mále seulemeni, Mais que 'avais sou_[feri cette Vénus demiére, Qui a le coeur couard, ne' d'unefaible mére. IE? pouriani, ce mauvais garg:on, cbasseur babile, Qui charge son carquois de sagette subtile, Qui secoue en riant sa torcbe, pour un jour; Qui ne pose jamis que sur de tendra/leurs, C'est sur un teint cbarmani qu'il muie les pleurs, & c'est encore un Dieu, Enone, cet Amour. Mais, laisse, las oiseaux du printemps sont pariis, B je vais les rayons du soleil amortis. Enone, ma douleur; barmonieux visage, Superbe bumilite', doux—bonnéie langage, Hier me remirant dans ce: étang glace' Qui au bout du jardin se couvre de feuillage,
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Surmafacejevisque lesjoursonipassé.“
JEAN MOREAS: Le Pélerin Passionné.
¡V. Enone de rosto claro
Bnone, ao amar a tua beleza eu pensei / (Onde a alma e o corpo ¡ uniio sio uazidos) / Que devo me elevar, fortalecendo meu coracio e meu espirito, / Alé encontrar aquele que nada sabe da Morte: Que nio fora criado. que nio ¿ feio aqui, bonito acolá, / Nem frio em uma parte e queme em outra. / Eu me encoraio que o melhor e o pior / Com uma hannonia perfeita devem se mover nos meus versos; / Como 0 poeta que serve ¡ Polimnia pode fazer / 0 grave e o agudo se combinarem, e soar / Notas ainda mais sublimes sobre os nervos de sua lira. / Mas a minha coragem. ai! se desfalece como um mono, / Me ensina que a flecha que me fez amante / Nao partiu deste arco que se curva sem / esfomo, / A Venus que bnotou de um pai só, / Mas foi aquela de coragio covande, nascia de mie fraca. / Ainda assim, este malicioso jovem, este cacador tio atrevido / Que canega sua aljava de flechas sutis, / Que, rindo e sacudindo a sua tocha (por um dia!), / Jamais descansa se nio for sobre temas flores, / B em pe|e doce vem secar suas lágrimas. / B ainda um Deus, Enone, este Amor. / Mas deixa passar, pois os pasaros da primavera se foram, / E vejo os últimos raios de um sol que está perto da morte. / Enone, meu lamento, a face harmoniosa. / Nobne humildade. palavras de virtude e graca. / Ontem me olhei no Iago firmemente congelado. / Coberto de folhas no fundo do jardim, / E vi no meu rosto que aqueles dias se passaram.
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é também da página 28 de um livro volumoso, cheio de poemas parecidos, de M. Montesquieu. E este
Berceuse d 'ombre
Da forma, da forma, da forma Blanche, bleue, e! rose, et d'or Dacendmnt du haut da arma Sur l'enfant qui se rendort.
Daforma!
Da pluma, da pluma, da pluma
Pour composer un doux nid. Midi sonne: la encluma Casent; la rumeúrj¡nít....
Da pluma!
Da rosa, da rosa, da rosa Pour embaumer son
50li,
Vos pétala sont morosa
Pra du soun're wrmeíl. 0 rosa!
Da alla, da alla, da alla
Pour bourdonner & sonfront,
Abeílla et demoisella, Da rytbma qui bercemnt.
Da alla!
Da bmncba, da bmncba, da bmncba Pour traser um pavillon,
Par oú da clartés moinsfmncba
Descendmnt sur l'oisillon.
Da bmncba'
Da songa, da songa, da songa,
Dans sa pensas entr'ouverts Gliaez un peu de mensonga A voir la vie au tmvers. Da songa!
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Des fées, de: féas, de: féx,
Pour jíler leurs écbeveaux
De mímgx, de bou_[féa Dans tous cx petits
max.
Dxfées.
Dw anges, dx anga, des anga Pour emporter dans l'étber La petits enfants étmnga Qui ne ueulent pas rwter.… Nos anga' ”
COMTE ROBERT DE MONTESQUIOU—FEZBNSAC: Les Hortensías Bleu&
V. A Cancio
da Sombra
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Formas, formas, formas Brancas, azuis, e rosas, douradas Descendo do alto dos elmos Sobre o bebé que dorme. / Formas! // Plumas, plumas, plumas / Para fazer um doce ninho. / Soa meio dia: as bigomas / Cessam; 0 rumor se aquieta... / Plumas! // Rosas, rosas, ¡osas / Para perfumar o seu sono, / Suas pétalas sio pálidas / Perto deste son—iso vermelho. / Oh rosas! // Asas, asas, asas / Para ¡unir a sua fronte, / Abelhas libélulas, / Dos ritmos que embalam. / Asas! // Brancos, brancos, brancos / Para entretecer um abrigo / Por onde as claridadesténues / Descem sobre os passarinhos. / Brancos! // Sonhos, sonhos, sonhos / Nos seus pensamentos entreabertos / Desliza um pouco de mentiras / A ver a vida de través. / Sonhos! // Fadas, fadas, fadas / Para uanqar seus ños / De miragens, de sopros / Para dentro dessas pequenas cabegas. / Padas! // Anlos, anios, anios / Para levar ao éter / Esses pequenos estranhos bebés / Que nio querem ñcar.… / Nossos anios! //
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APENDICE || Este é o conteúdo do Níbelungen Ring (0 anel dos Nibelungos): A primeira pane conta que as ninfas, as ñlhas do Reno, guardam ouro no Reno por alguma razáo, e mntam: "Weia, Waga, Woge du Welle, Walle zur Wiege, Wagalaweia, Wallala, Weila, Weia", e assim por diante. Essas ninfas cantantes sao perseguidas por um anáo (um nibelungo) que deseja agarré-las. O anio nao consegue pegar nenhuma delas. Entáo as ninfas que guardam o ouro dizem ao anio justamente o que elas deveriam manter em segredo, a saber, que qualquer um que renuncie ao amor será capaz de roubar o ouro que elas estáo guardando. E o anio renuncia ao 'amor e rouba o ouro. Isso termina
a primeira cena. Na segunda cena, um deus e uma deusa estao deitados num campo de onde se vé um mstelo que os gigantes lhe construíram. Logo depois, eles acordam e ñam contentes com o mstelo, e dizem que como pagamento por ese trabalho entregado a deusa Freia aos gigantes. Os gigantes vém receber o seu pagamento. Mas o deus Wotan se recusa a se despedir de Freia. Os gigantes ñcnm im'tados. Os deuses ouvem que o anio roubou o ouro, e prometem conñscá—lo e pagar os' gigantes com isso. Mas os gigantes nao conñam neles, e agan-am a deusa Freia como refém. A terceira cena acontece no subsolo. Alberich, o anio que roubou o ouro, por alguma razáo bate num outro anio, Mime, e toma dele um capacete que tem o poder de tornar as pessoas invisíveis, e também de transformá-los em animais. Os deuses, Wotan e outros, aparecem e brigam entre si e com os anóes, e querem tomar o ouro, mas Alberich nao desiste, e (como todos por toda a pega) se porta de modo a garantir a sua própria ruina. Ele póe o mpacete, e se torna primeira— mente um dragáo e depois um sapo. Os deuses agan-am o sapo depois tiram dele o mpacete, e levam Alben'ch junto com eles. Cena IV. Os deuses trazem Alberich para casa e ordenam que ele comande os seus anóes para trazerem a eles, todo o ouro. Os anóes o trazem. Alberich desiste do ouro, mas mantém um anel mágico. Os deuses tomam o anel. Endo Alberich amaldicoa o anel e diz que ele traga infortunio a qualquer um que o tenha. Os gigantes aparecem; eles trazem a deusa Freia, e exigem o res,gate. Nao há ouro suficiente, e entáo o mpacete é dado, e eles exigem o anel também. Wotan se recu& em dá-lo, mas a deusa Erda aparece e ordena que ele o faqa porque aquele, traz infortúnio. Wotan desiste do anel. Freia é libertada. Os gigan— tes, tendo recebido o anel, brigam, e um deles mata o outro. Isso termina o Prelúdio, e chegamos ao Primeiro Dia. A cena mostra uma msn numa árvore. Siegmund corre para dentro cansado, e mi no chao. Sieglinda, a dona da casa (e esposa de Hunding), dá a ele uma bebida narcotizada e eles se apaixonam. O marido de Sieglinda volta para casa,
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vé que Siegmund pertence a uma raca inimiga, e quer lutar com ele no dia seguinte. Mas Sieglinda droga o seu marido e vem para o Siegmund. Siegmund descobre que Sieglinda é sua irmá e que o seu pai enterrou uma espada na árvore, de modo que ninguém possa tirá-la. Siegmundarranca a espada e comete incesto com a sua irmá.
Ato II. Siegmund está para Iutar com Hunding. Os deuses discutem para quem eles devem conceder a vitória. Wotan, aprovando 0 incesto de Siegmund com a sua irmá, quer poupá-lo, mas sob pressño de sua esposa, Fricka, ele ordena que a valquirla Briinnhilda mate Siegmund. Siegmund vai para a luta. Sieglinda desmaia. Briinnhilda aparece e quer matar Siegmund. Siegmund quer matar Sieglinda também, mas Briinnhilda nao deixa, e ele Iuta com Hunding. Briinnhilda defende Siegmund, mas Wotan defende Hunding. A espada de Siegmund quebra e ele é morto. Sieglinda foge. Ato III. As valquírias (amazonas divinas) estao em cena. A valquíria Bn'.innhilda chega a mvalo, trazendo o corpo de Siegmund. Ela está fugindo de Wotan que a está mgndo por sua desobediéncia. Wotan pega—a, e como punigño a destitui do seu posto de valquíria. Ele também joga uma maldigio sobre ela, de modo que ela tem de dormir até que um homem a acorde. Ela se apaixonará por quem a acordar. Wotan a beija; ela adormece. Ele langa fogo em volta dela. Agora chegamos ao Segundo Dia. 0 anio Mime forja uma espada na floresta. Siegfried aparece. Ele é o ñlho nasddo do incesto do irmáo com a irmñ (Siegmund com Sieglinda), e foi criado nessa floresta pelo anio. No geral os motivos das acóes de todos, nessa produdo sio bem ininteligíveis. Siegfried frm sabendo de sua origem, e que a espada quebrada era de seu pai. Ele ordena Mime a forjá—la novamente, e depois vai embora. Wotan vemna pele de um errante e relata o que irá acontecer: que aquele que nio aprendeu a ter medo forjará a espada e derro— tará a todos. 0 anio supóe que este é Siegfried e quer envenená-Io. Siegfried retorna, forja a espada de seu pai, e vai embora, gritando: "Heiaho! heiahoi heiahoi Ho ho! Aha! oho! aha! Heiaho! heiaho! heiaho! Ho! ho! Haheii hoho! hahei!" E chegamos ao Ato II. Alberich está sentado guardando um gigante, que, na forma de um dragáo, guarda o ouro que recebera. Wotan aparece, e por alguma rado desconhecida prediz que Siegfried virá e matará o dragáo. Alberich acorda o dragáo e pede o anel, prometendo defendé-lo de Siegfried. O dragáo nao quer abrir mao do anel. Sai Alberich. Mime e Siegfried aparecem. Mime espera que o dragñoº ensine Siegfried a ter medo. Mas Siegfried nio teme. Ele manda Mime embora e mata o dragáo, depois do que leva o seu dedo, manchado de sangue do dragáo, aos lábios. Isso faz com que ele saiba os pensamentos secretos dos humanos, bem como a linguagem dos pássaros. Os pássaros dizem onde estilo o tesouro e o anel, e também que Mime quer envenená—lo. Mime retoma e diz em voz alta que ele quer envenenar Siegfried. Isso é posto assim para significar que Siegfried, tendo provado o sangue do dragáo, compreende os pensamentos secretos das pessoas. Siegfried, tendo conhecido as intencóes de Mime, mata-o. Os passaros dizem a Siegfried onde está Briinnhilda e ele vai procurá-la.