Para uma sociologia das artes. Cap. 1 - O que é arte? O que é sociologia da arte? Vera Zolberg A autora começa seu texto apresentando mudanças e rupturas radicais no meio artístico, como os concertos de praia idealizados por John Cage. Ela acertadamente diz que essas questões não são frívolas, mas também não tem ambição em respondêlas. Argumenta que o próprio estudo sobre o meio é fragmentado, possível de ser estudado a partir de diversas premissas: história da arte, estética, crítica, e etc. Os sociólogos analisam a arte por um viés mais objetivo. Os humanistas tendem a estudos subjetivos. No entanto, esses campos se influenciam mutuamente. Os pensadores da arte trazem virtudes e defeitos de seus campos intelectuais para a compreensão da arte na sociedade. Pierre Bourdieu é radical quanto a isso. Ele diz: “sociologia e arte não dão bom casamento”. A autora apresenta ideias referentes aos dois campos delineados de estudo. Os humanistas geralmente focam em aspectos internos ou próprios das obras. “Eles analisam seus elementos formais: técnicas e meios utilizados, conteúdos das imagens ou linguagem, influências estéticas de obras criadas na mesma tradição ou similar. Eles vêem cada grande obra como uma expressão singular e significativa do seu criador”. Os humanistas estudam a grande arte, a arte pela arte. O questionamento da validade do cinema como arte feito pela autora é plausível de riso e remonta aos princípios do século passado, quando os filmes ainda rivalizavam com as artes ditas “nobres”. Os primeiros filmes se habituaram aos chamados Vaudevilles, espaços de divertimento barato que abriam caminho para diversas formas de distração: danças, músicas, comédias, pequenos filmes, enfim, atrações curtas e de fácil apreciação. Vale lembrar que nesse período, a grande maioria da população era analfabeta, o que as dificultava de consumir artes com maior tradição, como a literatura e o teatro. No caso dos Estados Unidos, o problema foi ainda maior, pois o fluxo de imigração no final do século XIX foi bastante intenso, e a forma com a qual esta nova população que desconhecia a língua inglesa e com isso era impossibilitada de acompanhar espetáculos baseados na palavra encontrou para se divertir foram os Vaudevilles. A apresentação da teoria do autor feita por Zolberg também é fraca e datada. Uma sentença de Jean-Luc Godard ironiza a questão: “morreu a política, mas ficou o autor”.
A originalidade, singularidade e raridade são adjetivos preteridos por críticos e curadores da cultura erudita. Já os sociólogos que analisam a arte focam na sua contextualização,
como
estruturas
institucionais,
normas
de
recrutamento,
treinamento profissional. A relação das obras com as instituições políticas e a ideologia é constante. São focadas questões extra-estéticas. Concentram seus projetos no contexto social, mais pelas suas qualidades extrínsecas. A qualidade não é uma questão. Os estetas criticam a usual analisa marxista dos sociólogos. A Escola de Frankfurt é um exemplo dessa linhagem, porém, é difícil generáliza-los. Existe uma grande diferença entre Benjamim e Adorno, tomando-os como exemplo. O próprio Adorno, que se insere em uma posição política mais radical modifica seu pensamento no decorrer das décadas. O livro Apocalípticos e Integrados escrito por Umberto Eco é um complemento dessa discussão. Para esse filósofo italiano, os frankfurtianos se inseririam como apocalípticos nessa dicotomia proposta. Eles criticam fortemente os meios de comunicação de massa e a indústria cultural, que teriam função alienadora. Os integrados relativizaram essa condição, se apropriando e capturando as informações como módulo de formação. Eco argumenta contra ambas as correntes. Zolberg ressalta que “considerar a obra de arte em relação ao seu contexto social tende a revelar os processos que iluminam o mistério da arte”. Essa questão de expor o dispositivo é uma corrente que ganhou peso nas discussões estéticas das últimas décadas, a partir de desdobramentos da filosofia de Foucault, Deleuze, Agamben. A autora diz que a orientação externalista é essencial, pois destaca aspectos de obras de arte negligenciadas por especialistas em estética e apresenta a interconectividade social da arte com a sociedade. Eis um ponto generalista por parte dela. Jacques Rancière, filósofo francês contemporâneo é um exemplo de pensador que usa em suas metodologias análises que privilegiam essas duas faces discutidas. Sua obra, em suma, analisa a estética da política, mas também o inverso, a política na estética. Esse reducionismo tendencioso por parte de Zolberg evidencia sua posição frente a isso. A distinção feita entre arte e cultura também é simplista, não chegando a esboçar uma definição de ambas esferas. No entanto, ela ressalta que antropologistas tratam a cultura como algo muito mais amplo do que a arte. Godard, novamente ele, polemiza: “cultura é a regra, arte é a exceção”. O professor e curador brasileiro Teixeira Coelho se apropria dessa ideia e a desenvolve. Segundo ele, arte tem de insistir em ser modo de pensar, e finaliza – “como a arte pensa, então: por
transgressão, em perigo, sem ressentimento, eludindo, dissolvendo, sempre por exceção – no mínimo, sempre entre a regra e a exceção”. Já a cultura seria o hábito, a repetição, a redundância, ou seja, o conhecido, o abrigo, o conforto. Também existe diferença nos modos de análise quanto as artes tecnológicas e as artes primitivas, na visão da autora. Ela diz: “nas sociedades avançadas, a arte é provavelmente mais heterogênea”. Algumas formas de artes favorecerem a leitura mais fácil e claramente do que as outras. A música seria a mais opaca das artes, contudo, um importante historiador da arte como Clement Greenberg contesta isso, que é, de fato, uma discussão pobre – “qual das artes é a mais complexa”. Merleau-Ponty em O Olho e o Espírito traz uma generalização mais interessante: a pintura não quer saber do
ativismo [político], ela é mais inocente que as outras artes – “o pintor é o único a ter direito de olhar sobre todas as coisas sem nenhum dever de apreciação”. O objetivo do capítulo de Zolberg é sugerir meios pelos quais as abordagens dos sociólogos e dos profissionais da arte podem confluir. Com isso, ela pretende alcançar um maior entendimento social.