gritou, em desespero, com os braços para os céus... somente o eco respondeu o seu grito. e o silêncio pesado das montanhas caiu sobre ele.
deixou-se quedar ali, como uma estátua de dor. mil pensamentos negros passaram lágrimas rolavam, o coração estava em pedaços e sua voz continuava a gritar: não... não... não... por quê, senhor?! por fim, quando seu espírito aquietou-se e a tempestade
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interior amainou um pouco, fez o sinal da cruz, tomou silvana nos braços e desceu, chorando, a encosta em direção ao barco. parecia um profeta carregando a ovelha do sacrifício às costas. depositou-a carinhosamente no albatroz, beijou-lhe ainda uma vez a face e lançou o barco a uma velocidade nunca atingida até então. anoitecia quando o albatroz atracou no trapiche de montes brancos. com silvana nos braços, ele começou a subir na direção do povoado.
de fisionomia transtornada, os cabelos caídos para a frente, ele andava como um c caindo ao peso de tanto sofrimento. o povo, à medida que foi percebendo a tragédia, começou a sair de suas casas e a acompanhar em silêncio, como se fosse um funeral. a boa vizinha madalena recebeu o corpo de silvana num pranto convulsivo. ela mesma quis encarregar-se do corpo da inditosa e fez de tudo para deixá-la linda no caixão trazido da casa funerária do povoado. maurício foi à igreja desabafar-se com o cristo. era muita dor para ele agüentar sozinho.
durante toda a noite a igreja permaneceu aberta para o velório e as famílias iam e depositando flores e preces para aquela que fora a grande amiga e benfeitora de montes brancos.
pela manhã, um grupo de alunos de silvana, com seus uniformes brancos, acercara com lágrimas nos olhos. cena tocante. era a triste despedida, para nunca mais. durante a missa de corpo presente, o povo continuava a desfilar diante do féretro, os lábios mexendo-se numa prece
ininteligível. enquanto a cerimônia do adeus se realizava na igreja, um
grupo de homens cavava uma sepultura no alto daquele mesmo pico que tirara a v uma grande cruz de ferro já
estava plantada. maurissí ainda não chegara. era uma hora da tarde e o enterro já se dirigia para o barcos alinhavam-se atrás do albatroz. maurício quis que ela fosse enterrada naquele mesmo pico da montanha em que perdera a vida, ela que sempre amara as montanhas e a natureza. e maurissí? maurício já perdia as esperanças de que ele viesse e chegasse a tempo.
colocado o corpo no albatroz, maurício já acionava o motor, quando viu surgir, lá n mocetão robusto, trajando terno escuro. maurissí. o jovem sacerdote desceu correndo e se atirou nos braços de maurício. ficaram longo tempo abraçados, as lágrimas rolando pelas faces. agora, o barco já deslizava suavemente, puxando um longo cortejo. maurissí, depois de permanecer algum tempo em oração diante de sua mãe, abriu o caixão e demorou-se a contemplá-la, em lágrimas. ele parecia conversar silenciosamente com a mãe. maurício fingia ocupar-se com o timão do albatroz para não rebentar de dor diante daquela cena. vez por outra, maurissí passava a mão carinhosamente pelo rosto de silvana. ela ainda conservava um leve resquício de seu último sorriso. Às vezes, ele mesmo se surpreendia murmurando:
mamãe... mamãe... como pôde acontecer... chegados à pedra do corvo, a procissão começou a escalada. o dia estava ensolara contrário do que acontecera no dia anterior. lá de cima, o grupo, que preparara o local da sepultura, pôde vislumbrar a longa fi aproximando, como se
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fosse
uma imensa cobra coleando pela encosta. uma vez lá em cima, maurício abriu o ataúde para que maurissí desse sua última bênção. ele se aproximou, abençoou, e se inclinou para beijar pela derradeira vez o rosto de quem tanto o amara na terra... adeus, mamãe... olhe por mim lá do céu... o pranto não lhe permitiu dizer mais nada.
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maurício rezou as preces, agradecendo ao pai por recebê-la na sua casa divina, e pediu para fecharem o caixão. então, falou:
“pouco tenho a dizer nesta hora. que deus págue a todos os que a acompanharam até esta última morada, no silêncio lindo dessas montanhas. muito obrigado aos amigos que se dispuseram espontaneamente, num gesto tão carinhoso, a vir preparar a sepultura. esta cruz d sempre de braços abertos para proteger os viandantes destas paragens. e a você, silvana, o adeus dos seus alunos e do povo. o adeus de seu filho maurissí. o meu adeus. até o céu. amém.” era indescritível a emoção desta cena de despedida. o corpo de silvana foi baixado à rústica sepultura. antes que o povo começasse a descer, george grégori, pai da criança batizada no dia anterior, pediu um instante de atenção:
ontem o padre maurício e a professora silvana vieram até minha casa para batiz filhinha, que estava muito mal. hoje, graças a deus, ela está melhor. até parece que este sacrifício
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produziu um milagre. mas, por gratidão e respeito à senhora silvana, minha filha f nome dela. agora, eu peço a todos que, sempre que olharem para este pico, chamem-no de pico de silvana. o povo acenou afirmativamente com a cabeça. maurício e maurissí foram os últimos a deixarem o pico de
silvana. mil recordações afluíam à mente de ambos. ali ficava enterrada, em defini história de emoções, de amor e de generosidade. desceram, por fim, à pedra do corvo e tomaram o albatroz. •
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e agora, sem mamãe, o senhor pretende ficar em montes brancos? - perguntou de um longo silêncio. você não quer assumir o lugar dela aqui? não, senhor. É muita solidão. mas, é uma linda solidão branca, que brinca na alma de toda essa gente.
desculpe, mas não quero ficar. capÍtulo 10 os anos se passaram e maurício se afeiçoara demais àquela gente. nas longas noites de inverno, ele escrevia mensagens, livros, artigos. uma editora de nevadas levara os originais de dois livros para publicá-los.
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de vez em quando, recebia a visita de maurissí, que se punha a ler e a apreciar os suas observações. passavam, não raro, longas horas discutindo aspectos e perfis psicológicos da vida moderna.
no verão, maurício escalava freqüentemente o pico de silvana, levando sementes e plantas típicas da região. em torno da grande cruz de ferro, uma bela e florida vegetação já se esparramava pela encosta abrupta.
seus melhores momentos de meditação aconteciam lá no silêncio majestoso da mo a cada aniversário da morte, subia até o pico e celebrava missa. depois ia visitar a pequena silvana, filha do casal grégori. era uma vida calma e feliz. até um dia. um trágico dia. pelas ruas de montes brancos as pessoas corriam gritando. e a dramática notícia entrou como um raio por dentro de todas as casas: uma avalancha de neve se despencara do cerro caravela e soterrara algumas famílias. maurício chefiou a equipe de salvamento.
andaram duas horas de barco pelo lago das gaivotas e tomaram o rumo do cerro c
embaixo, no vale, moravam as famílias vitimadas. ele as tinha visitado no último ve quando chegaram, dezenas de pessoas já estavam trabalhando para desobstruir a que se abatera sobre as casas. algumas vítimas haviam sido retiradas com vida. mas, a operação-salvamento era perigosa. grossas camadas de gelo continuavam a cair de tempos em tempos. maurício e alguns companheiros decidiram-se a enfrentar o ponto mais dificil. por diversas vezes correram o risco de serem soterrados pela avalancha, que continuava a desandar de cima. mas, tinham a impressão de que estavam muito próximos da cumeeira de uma casa e era possível encontrar pessoas com vida.
quando a situação se tornou insustentável, os homens desistiram. esperariam até q
fúria das avalanches. maurício, no entanto, prosseguiu, com coragem, o trabalho. sua intuição lhe dizia que logo mais poderia salvar algumas pessoas.
parar? - pensava ele - e se algumas pessoas perderem a vida, precisamente porq apesar das observações dos mais experientes, ele era todo
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bravura. algumas pessoas o olhavam com admiração. e foi, então, que um deles gritou apavorado: saia, padre maurício! a avalancha! tarde demais. ele tinha sido tragado.
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de olhos esbugalhados, o grupo viu maurício desaparecer tragicamente debaixo de uma montanha de pedra e de gelo.
o fim de um homem de coragem - pensaram alguns. • atenção - berrou, com voz dura e incisiva, um velho barbudo, de rosto curtido p - quem tem coragem no peito, que me siga! ao trabalho. custe o que custar. vam padre, nem que tenhamos que ficar aí, com ele. • vamos! - gritaram todos, como se tivessem ficado hipnotizados pelas palavras ve líder. era um grito de guerra e eles se atiraram ao trabalho com •
fúria e determinação. um deles, sempre o mais cansado, ficava de sentinela a fim de alertar toda a vez que alguma camada de gelo mais perigosa se despencasse na direção dos escavadores. o trabalho se prolongou até o anoitecer, quando, exaustos, não tinham mais forças para nada. um mensageiro fora enviado a montes brancos a fim de avisar a população do acidente com o padre maurício. no mesmo dia, os noticiários de todo o país divulgavam a tragédia. maurissí, que se encontrava na capital, dando um curso de psicologia conjugal, suspendeu tudo e tomou o primeiro avião que decolava para nevadas.
em alvores, marisete e seu esposo ouviram a notícia e voaram imediatamente para a noite no vale do cerro caravela estava terrivelmente fria.
o vento, cortante como lâmina de aço, fustigava os rostos abatidos. todos se aquec fogo, onde uma ovelha estava sendo assada. enquanto jantavam, os olhos se fixavam na montanha de neve. não havia mais condições de trabalho. mas, o barbudo levantou-se decidido e, com os olhos chamejantes
de força, bradou:
quem tiver coragem de dormir enquanto um amigo jaz no meio da neve, que fiqu uma ordem só para os bravos: ao trabalho. ninguém ficou. diversos lampiões iluminavam vagamente o ponto de escavação e o grupo retomou ferocidade inaudita. era
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preciso mexer-se sempre mais e mais, para não enregelar.
mas, o trabalho estava produzindo resultados e, ao amanhecer, esperavam encontr cada momento. os que estavam esgotados e tiritantes de frio recolhiam as últimas forças, na expectativa de encontrar o corpo da vítima. intimamente, com o passar das horas, alguns pensavam em desistir, já que ninguém mais acreditava que maurício pudesse ser encontrado com vida. o sol começava a bater nas encostas do cerro caravela, quando o barbudo gritou como um boi morrendo no matadouro: está aqui! e o eco repetiu seu grito pelas canhadas brancas.
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todos pararam seus instrumentos e se aproximaram, com respeito, enquanto o barbudo agarrava o corpo inânime de maurício nos braços e fogueira, que agora queimava os últimos gravetos. pobre homem! - exclamou o barbudo, meneando a cabeça. fez-se silêncio de morte.
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mas, o barbudo refez-se e tornou a dar ordens:
acho importante não perdermos tempo. o padre maurício deve ser levado em se montes brancos. todos concordaram.
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eu, porém, ficarei aqui com um grupo para terminarmos de encontrar as família avalancha. talvez, pela tarde, estejamos em montes brancos para o enterro.
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em montes brancos, uma verdadeira multidão aguardava a chegada do corpo do padre maurício. quando o albatroz atracou no trapiche do lago niraka, o povo desceu até lá e pôs-se a acompanhar o cortejo. maurício foi velado na igreja. perto do meio-dia, chegaram, quase ao mesmo tempo, maurissí, marisete e o marido. o velho josias, já alquebrado pela idade, mandou uma pequena flor, através da enfermeira, para ser colocada no peito do seu inesquecível amigo.
de nevadas, veio uma caravana de turistas e curiosos para assistir os funerais e saber como aconteceu a tragédia. depois da missa, às três da tarde, oficiada por maurissí, uma imensa multidão acompanhou o féretro até o albatroz. uma nuvem de tristeza pairava em todos os semblantes.
maurissí sabia que ele queria ser enterrado no pico de silvana, e a procissão de ba pelo albatroz, seguiu para a pedra do corvo. lá em cima, ao lado da cruz de ferro, uma menina de nome silvana, aguardava o corpo, com lágrimas nos olhos. e se prometia intimamente fazer do pico de silvana um lindo jardim florido, onde viria muitas vezes passear, estudar, rezar, meditar. maurissí, marisete e o esposo contemplavam, abatidos, o
corpo sem vida de maurício, no caixão aberto dentro do barco. parecia um sonho e queriam acreditar. maurissí chorava em silêncio. o sol brilhava no cerro pináculo e sua luz se derramava sobre o pico de silvana.
uma grande massa humana subiu a encosta íngreme e se esparramou em torno do visão de uma cena do antigo testamento. aberto pela última vez o caixão, o padre maurissí rezou os
salmos da igreja, concluindo: “obrigado, senhor, porque o recebeste na tua morada inundando-o de luz e de felicidade, para sempre.” o povo, de chapéu na mão, respondeu, contrito: amém. maurissí fez o sinal da cruz, passou o lenço nos olhos, suspirou fundo e falou com pela emoção: “meus amigos e amigos do padre maurício. aqui se fecham as páginas de uma das histórias destas paragens.
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não vou contar a vida deste homem, que me adotou como filho,
depois de me salvar numa enchente tenebrosa... não, não vou contar a emocionant amor, que termina aqui aos pés desta cruz... não vou dizer que, se sou alguma coisa na vida, devo-o ao carinho e ao espírito humano e generoso destas duas criaturas que descansarão para sempre aqui, talvez em eternos colóquios de paz e de bondade. não tenho forças para dizer quem ele foi... só sei dizer que ele foi um
muito amou... muito sofreu... e muito fez pelos outros. um homem que conseguiu transformar as
pedras do seu caminho em construções benéficas, alegres e abençoadas. um home feliz em qualquer lugar.
incompreendido?... sim. desconhecido?... sim. mas, somente por aqueles que não sabem enxergar os valores que residem no cora
aqui está um grande homem. eu o amei muito... muito.” as lágrimas rolaram de seu rosto como uma torrente, obscurecendo sua visão. dep emoção silenciosa, prosseguiu: “e, agora, acredito que ele morreu como sempre quis se portar: como um herói. de coração aberto, de alma simples como uma flor, de espírito generoso e sem preconceitos. aqui repousará, no convívio da natureza que ele sempre amou. padre maurício, agora quero dizer-te uma coisa...” novamente as lágrimas interromperam suas palavras. e, num esforço ingente, concluiu: “sim, eu quero agora dar-te a resposta que sempre quiseste ouvir: eu fico em montes brancos. no teu lugar. amém.” a multidão não resistiu às lágrimas.
o ataúde estava sendo fechado, quando um grito angustiado ecoou no meio da mul por favor, não fechem. não fechem. eu quero ver. eu quero ver. alguém tentava abrir caminho desesperadamente. era o jonatam júnior. ao saber da morte, abalara-se que nem doido, lá de espigão do inferno, para ver seu amigo pela última vez. estancou abruptamente diante do caixão, ficou paralizado de emoção e, depois, atirou-se sobre o corpo de mauricio, chorando como criança ..
as primeiras sombras do anoitecer desciam sobre o cerro pináculo, quando os barcos começaram a sair da pedra do corvo, tomando o rumo de montes brancos. maurissí ainda se deixava permanecer, solitário como uma estátua de tristeza, diante da cruz de ferro, cuja sombra atravessava as duas sepulturas, como se o próprio cristo traçasse sobre elas o sinal da cruz. desceu o íngreme caminho da encosta, sentindo-se pesado
como as montanhas que o cercavam. apenas o ruído cavo das suas botas misturava-se com os ruídos interiores da sua alma sofrída. e, quando o último fiapo de sol brilhou na sua face, ele percebeu que essa luz misteriosa penetrou até o fundo do coração, iluminando-o. descobriu, então, que no seu coração moravam ainda, muito vivos e silvana, sua mãe, e maurício, seu pai. e sentiu, como um milagre, que a vida era linda... mais linda do que antes... porque eles, os três, agora caminhariam
intimamente juntos, semeando amor, bondade, paz e felicidáde, pelos caminhos do ***fim***