RELIGIÃO, MAGIA, OU FEITIÇARIA? O PENSAMENTO ANTROPOLÔGICO SOBRE O XAMANISMO
Esther Jean Langdon Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis, S.C.
Trabalho apresentado para o Concurso de Professor Adjunto na Universidade Federal de Santa Catarina 14 de março de 1988
ÍNDICE
I. Apresentação II. A História do Xamanismo como a História da Antropologia III. O Sistema Xamânico Siona IV. Wahï : A Força do Viver V. 'ïko: O Yagé VI Dau VII. A Perspectiva Simbólica do Xamanismo BIBLIOGRAFIA
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"Cuidado com as cobras e as piranhas". avisaram-me quando parti para viver com os índios Siona na bacia Amazônica. Chegando lá, os avisos recebidos eram completamente diferentes. "Não saia à noite, os espíritos estão andando; não passe perto da palmeira ou ficará doente; não entre naquele lugar na selva, porque os espíritos não gostam das mulheres. Descobri que os Siona vivem com sentimentos de respeito e temor da selva, como eu, mas os meus medos não correspondam aos deles. Eu tinha medo de perder-me, por não conhecer os caminhos da floresta; eles temiam ser raptados pelos espíritos que os levam a se perderem. Eu temia as cobras, eles temiam o xamã que enviou a cobra para picar. Eu temia as onças, eles temiam os xamãs que são jaguares. Eu temia a força da correnteza do rio e os peixes elétricos; eles temiam a "Gente do Rio" que come as almas e causam doenças. Nossas concepções da ordem do mundo diferenciavam-se radicalmente, e viajamos em selvas muito diferentes, que foram coloridas pelas nossas diferentes concepções. concepções. (Langdon 1979b: 59).
I. APRESENTAÇÃO Xamanismo, o tema deste trabalho, tem se constituído em um desafio para a antropologia através dos anos. Desde os primeiros trabalhos etnográficos, os xamãs e as suas atividades têm interessado o homem civilizado em função de suas crenças místicas, de seu comportamento caracterizado por histeria, êxtase ou travestismo, e de suas práticas, definidas por nós como magia ou feitiçaria. Na medida em que estas características fogem à visão racional e positivista da ciência, a antropologia era até pouco tempo inadequada para entender o xamanismo como uma força dinâmica no mundo atual ou para desenvolver desenvolver modelos teóricos para sua compreensão. Entretanto, os eventos das últimas três décadas nos tem forçado a reconhecer sua importância e a criar novos modelos para compreender melhor este fenômeno. Hoje, como conseqüência dos movimentos sociais, desde os "beatniks" nos anos cinquenta (Huxley 1954), até a popularidade atual das religiões orientais e a parapsicologia, o xamanismo já se beneficia de um novo status, tanto entre os intelectuais como entre o homem da rua. Os "hippies" seguiram os "beatniks" com seu sacerdote guia Timothy Leary, e o uso dos tóxicos começou a se espalhar entre a classe média dos Estados Unidos e da Europa. Os livros de Carlos Castañeda, (1968, 1971, 1972, 1977, 1981) contando de suas viagens com Dom Juan, foram publicados logo depois, ganhando fama entre aqueles que procuravam uma nova visão, e desafiando a dos positivistas sobre a natureza da realidade e a percepção (Zolla, 1983). As capacidades dos lados direito e esquerdo do cérebro tornou-se um tópico popular, colocando o pensamento intuitivo, contra o lógico, como uma maneira legítima de conhecer e experimentar o mundo (Orenstein, 1972). Mais recentemente, livros populares e cursos intensivos sobre o estado de consciência xamânica (Harner 1982:26) estão na moda. Tudo isto tem sido apoiado pelas publicações dos índios norteamericanos, tal como Jimake Highwater (1982), que falam diretamente sobre sua visão de mundo. Finalmente, em muitos países do terceiro mundo, a cultura popular tem incorporado os xamãs e suas práticas (Taussig 1980; Ramírez de Jara e Pinzón 1986; Monteiro 1983, 1985; Alverga 1984; Henman 1986; Maués l985; Luna 1985). O xamanismo está aqui para ficar e jamais pode ser encaixado como uma relíquia do passado guiada por erros ou falta de compreensão. A influência desta história social estimulou novas pesquisas sobre o xamanismo e também sobre as substâncias das plantas psicotrópicas (Schultz 1986; Prince 1982; Rivier e Lindgren 1972; Siegel 1977) e LaBarre (l969: xi) notou esta tendência na publicação da sua tese de doutoramento The Peyote Cult (1938). Hoje, este rumo continua a ganhar impulso. O número de pesquisas e publicações têm se multiplicado dramaticamente. Mais importante ainda, antropólogos, historiadores, botânicos, químicos e outros têm juntado suas forças para produzir estudos mais objetivos sobre este amplo e complexo fenômeno conhecido como xamanismo (América Indígena 1986).
II. A HISTÓRIA ANTROPOLOGIA
DO
XAMANISMO
COMO
A
HISTÓRIA
DA
Os primeiros relatos extensos sobre xamanismo apareceram no século passado, escritos por antropólogos, naturalistas e viajantes. A própria palavra xamã vem da palavra tungue, usada para descrever o especialista siberiano cujas atividades são marcadas por êxtase, vôo místico, morte mística, renascimento, viagens para a subterra e os céus, alianças com animais, rituais para caçar e curar, e outros feitos mágicos (Eliade 1964:495). Estes xamãs siberianos também apresentavam outros comportamentos "esquisitos", como travestismo, histeria, etc. Fenômenos parecidos foram também relatados entre outras culturas do mundo, e xamanismo tornou-se a categoria usada para tais pessoas e suas atividades, independente de sua localização geográfica (Métraux 1967).
Xamanismo e Evolução Cultural Neste momento, a antropologia foi dominada pelas teorias do evolucionismo, desenvolvidas por Frazer, Maine, Morgan, Tylor e outros, e as discussões teóricas do xamanismo foram direcionadas pelas indagações intelectuais da época. Ele foi encaixado como um exemplo do "primitivo" nas discussões sobre a religião e a magia. "Primitivo" representou uma sobrevivência dos tempos arcaicos e a questão das origens da cultura humana dominou estes debates. Ligada com as preocupações sobre as origens e as sobrevivências, estava a questão da mentalidade primitiva. Considerava-se que a inteligência humana evoluiu com a cultura. O xamanismo, enquanto um sistema ideológico, foi visto como a forma mais primitiva da religião, aquela designada por Tylor como animismo (Tylor 1871), porque a ideologia xamânica inclui a crença nas almas de objetos inanimados, animais e seres humanos. Fundamentalmente animismo, aliás xamanismo, é uma sobrevivência "arcaica" da religião primitiva e da mentalidade das culturas mais "baixas" e destinadas a serem substituídas por formas mais "avançadas". Naturalmente havia os que não concordavam com a teoria das almas de Tylor, cuja origem das idéias sobre a alma e os espíritos vem dos pensamentos sobre os seres vistos nos sonhos e sobre a morte. Robert Marett (1900:15) procurou as origens da religião a partir do "medo ou pasmo" que o primitivo tem da natureza. Wilhelm Schmidt (1931) colocou que a religião primitiva é uma forma degenerada de uma forma mais alta de monoteísmo. Em todo caso, entretanto, estas teorias representam uma idéia preconcebida sobre o "primitivo" como um ser dominado por crenças em espíritos, "medo e pasmo". Enquanto a discussão sobre a ideologia dos sistemas xamânicos encaixou-a como religião, os rituais foram analisados como magia. O primeiro que tratou a magia sistematicamente, foi James Frazer (1890). A magia, segundo ele, é separada da religião porque, em vez de envolver adoração, envolve práticas com o fim de alterar eventos. Frazer chamou a magia de uma "pseudociência" em que o primitivo demonstra um pensamento lógico mas também uma percepção "errada". Guiado por sua lógica, o primitivo deixa de ver que a magia não funciona. Sua lógica, baseada nas leis de simpatia, o conduz a executar atos técnicos que têm o fim de alterar eventos no mundo mas na realidade são "ineficazes". Enfim, o homem primitivo é considerado como cego perante a realidade, motivado por medos, e atuando de forma "ineficaz", usando teorias "erradas" ou hábitos da tradição. Tais idéias não despareceram facilmente e tornaram-se parte do pensamento antropológico sobre medicina primitiva por algum tempo (veja Ackerknect como exemplo dos trabalhos realizados nos anos 30 demonstrando tais visões). Eventualmente, segundo ele, com a evolução da mentalidade humana a ciência "verdadeira" suplantará a magia.
A Visão dos Franceses Com o começo do século vinte, a teoria unilinear do evolucionismo foi rejeitada por seu etnocentrismo e pela falta de evidências para se estabelecer estágios gerais do progresso da cultura. É importante destacar que as implicações destas teorias da religião e da magia levam a uma compreensão incorreta do xamanismo. Além dos preconceitos em termos do primitivo ligados com estas teorias e a dedução de que o xamanismo vai extinguir-se, o xamanismo acaba sendo fragmentado com a separação da ideologia e do rito, o que implica numa visão parcial do complexo xamânico. O funcionalismo de Durkheim suplantou o evolucionismo na Europa. Embora não tenha sido um evolucionista, Durkheim continuou à procura das origens da religião na sua obra famosa The Elementary Forms of Religious Life (1912). Neste trabalho ele concluiu que o pensamento religioso surgiu da estrutura social, e também que os ritos religiosos mantêm a ordem social. Ele e seu colega Marcel Mauss têm um papel importante no desenvolvimento da antropologia simbólica, particularamente no estruturalismo francês de Lévi-Strauss e no trabalho de Mary Douglas na Inglaterra. Entretanto seu tratamento sobre a magia não melhorou muito a visão sobre o primitivo. Durkheim colocou a magia no domínio privado e assim minimizou a discussão sobre ela dentro da sua teoria da religião. Na outra mão, Mauss (1974) baseou-se na tese de Durkheim sobre a religião para criar uma teoria da magia. Preocupado como seus predecessores em construir definições objetivas e universais, Mauss (1974) aceita a idéia de Durkheim em separar a religião, como ato público, da magia, como ato secreto. Também, enquanto a religião cria um ideal para a sociedade, uma ordem moral, a magia tende a fazer o "mal" e a satisfazer fins individuais. Embora secreta, a magia é um fato da tradição transmitida e acreditada pelo grupo. Em última instância, sua origem é social, como a da religião, mas a magia representa a resposta do indivíduo para o coletivo. Sua eficácia é acreditada a priori e por isto os primitivos continuam a praticá-la. Claro que os atos de magia não resultam em coesão social, sendo secretos e não públicos. Mauss considera a teoria da magia de Frazer limitada demais aos atos mágicos, embora ele concorde com Frazer que a magia domina os níveis mais primitivos da cultura e que se torna menos comum e complexa em culturas civilizadas. Isto é o inverso da religião que, segundo Durkheim, é mais simples entre os primitivos e mais complexa entre os civilizados. Mas, Mauss vai além dos atos mágicos discutidos por Frazer e acrescenta o agente mágico e as representações simbólicas como elementos a serem incluídos nas considerações sobre a magia. Na sua discussão sobre os atos mágicos, aceita a idéia de Frazer de que a lei de simpatia baseada na analogia é a lógica do pensamento mágica, mas ele examina também como importante na lógica da magia os conceitos sobre o poder dos implementos mágicos e as crenças nas formas pessoais do universo. Sua discussão sobre os agentes mágicos resume uma grande quantidade de recursos etnográficos. Ele usa a palavra xamã para designar um agente mágico, por considerará-lo uma designação mais abrangente. Para Mauss, o mágico representa uma categoria social em que ele é usualmente diferente dos outros fisicamente. O mágico tem uma experiencia de êxtase que o liga ao mundo sobrenatural, é ele o dono do poder mágico, que é definido pelas suas relações com animais e espíritos, e deve passar por um rito de iniciação que envolve a morte mística e uma mudança na personalidade. Estas características são parecidas com as dos xamãs, mas Mauss classifica o mágico como uma categoria mais inclusiva do que a do xamã que é um tipo de mágico (1974:65).
A discussão de Mauss sobre as representações é talvez a herança mais importante que ele deixou para a antropologia simbólica e para a análise do xamanismo e dos ritos de cura. Ele enfoca as noções de poder, indicando que o conceito de poder como se opera na magia é uma explicação coletiva da existência. Entretanto, as discussões modernas sobre xamanismo não se limitam ao conceito "mágico" do poder, mas principalmente aos conceitos gerais do poder que unificam o que os antropólogos antigamente queriam dividir: a religião e a magia. Voltaremos depois à herança de Mauss e Durkheim na antropologia simbólica. Eles contribuíram na discussão sobre xamanismo, ao considerar as idéias sobre representações, mas a divisão que fazem entre o público e o secreto os leva a confusões semelhantes às dos evolucionistas. Como estes também estão preocupados com grandes teorias e com definições universais. Na tentativa de construir categorias mutuamente exclusivas sobre religião e magia, o xamanismo é reduzido à prática de atos mágicos privados, ignorando o importante papel do xamã nas representações centrais da cultura e na organização social da sociedade. A visão limitada de magia não foi resolvida pela escola funcionalista que se desenvolveu na Inglaterra com seus dois representantes principais: Bronislaw Malinowski e A.R. Radcliffe-Brown.
O Funcionalismo dos Ingleses O funcionalismo de Malinowski (l948), baseado nas necessidades psicológicas dos homens, tomou uma direção muito diferente da de Radcliffe-Brown. Ele seguiu as questões levantadas por Tylor, Frazer e outros sobre as definições de magia e religião, embora tenha negado suas conclusões sobre a mentalidade primitiva e enfocado o "Selvagem" como tendo as mesmas capacidades de raciocínio e características culturais que as encontradas nas culturas modernas. Assim, o porquê da existência da magia se encontra nas áreas de incerteza da experiência humana e não em percepções "erradas" do mundo e na falta de uma ciência. Como o homem moderno, o "selvagem" tem uma ciência pragmática e desenvolve técnicas de experimentação utilizando a observação empírica de causa e efeito. Sua ciência se distingue da ciência moderna pela falta de observação cuidadosamente controlada e de estruturas teóricas complexas, gerando hipóteses que precisam de experimentação controlada. O selvagem tem conhecimento suficiente do mundo para obter colheitas prósperas, para navegar os mares perigosos, e para curar doenças menores. Entretanto, a incerteza em controlar eventos é maior para ele do que para o homem moderno, que através da ciência, tem um controle maior. Assim, as culturas mais simples dependem mais da magia como uma técnica na tentativa de assegurar o resultado de uma atividade. Embora esteja claro que Malinowski não acredita na magia como uma técnica que altera os eventos, a magia existe porque preenche uma função importante para a psicologia do homem, aquela de aliviar a ansiedade. Para ele, o selvagem não é cego perante a realidade; como nós, ele experiencia ansiedade diante do desconhecido e a resolve psicologicamente através dos ritos de magia. Como Frazer, Tylor, e Durkheim, Malinowski separa a religião da magia como fenômenos totalmente diferentes. Em vez de uma técnica que tenta alterar os eventos a religião é uma forma de adoração. Mas, diferente destes outros teóricos, para Malinowski a magia tem a eficácia de aliviar o estado psicológico da pessoa. Radcliffe-Brown (1973) começa de outro ponto de vista, aquele do funcionalismo de Durkheim preocupado com a relação entre função e a estrutura da sociedade. Atos mágicos, assim como outros costumes sociais, funcionam para expressar valores sociais ou para, através do medo de feitiçaria, coagir as pessoas a se comportarem como devem. Assim, crenças na magia são um mecanismo de controle social. Esta linha de pensamento foi bem desenvolvida pelos antropólogos ingleses que trabalharam na Africa. Os estudos sobre a feitiçaria analisam como as crenças nesta mantêm as normas da sociedade ou como as acusações de feitiçaria refletem conflitos sociais (Mair 1969).
Uma importante ruptura com a tradição do funcionalismo é o trabalho de Evans-Pritchard (1937). Em um sentido, ele segue tanto Malinowski quanto Radcliffe-Brown. Ele reconhece que as acusações de feitiçaria refletem conflitos sociais. Entretanto seu interesse também considera a lógica da ideologia da magia e a questão da percepção nativa. Sua preocupação é, assim, com a lógica da causalidade encontrada nas acusações da feitiçaria. A crença na magia não implica em uma "cegueira" diante da realidade, nem elimina técnicas práticas para alterar os eventos. Pelo contrário, o nativo usando a "analogia das duas flechas", acredita em uma casualidade dupla. Qualquer infortúnio tem uma causa "imediata", a que os positivistas chamariam a causa "verdadeira", e uma causa "última", que os nativos procuram descobrir e chamam de "primeira flecha". Assim, os Azande sabem que a colheita dos cereais está estocada em cima das plataformas de madeira e também que o cupim invade as vigas das plataformas, debilitando-as e fazendo-as cair devido ao grande peso da colheita. Eles também sabem que os homens descansam na sombra, embaixo destas plataformas, durante as horas quentes do dia. Logicamente, se uma pessoa for esmagada com a queda da plataforma, quando estiver descansando embaixo dela, as causas imediatas são reconhecidas por todos. Entretanto, tais mortes também geram preocupações de uma outra ordem que os Azande procuram resolver através das indagações sobre feitiçaria. O Azande neste caso, não dirige-se á causa imediata e conhecida, mas pergunta sobre o "porquê" do evento, a causa "última" que explica porque tal acidente ocorreu àquela pessoa particular naquele tempo particular. A magia, como analisa Evans-Pritchard, não é necessariamente um ato técnico para alterar os eventos ou para aliviar a ansiedade, mas é uma maneira de explicar as preocupações "últimas" do sofrimento humano. Esta perspectiva, enfocada na cognição e na ideologia, extrai a magia de sua definição limitada e a liga à religião. A análise de Evans-Pritchard quebra com as definições mutuamente exclusivas da magia e da religião presentes nas teorias anteriores do evolucionismo e do funcionalismo e junta à questão da magia as considerações mais sérias da cognição humana sobre a existência, e a expressão do sofrimento. Assim analisada, a magia traz para si considerações geralmente restritas à religião. Nenhuma destas teorias revistas analisa o xamanismo em si mesmo. As indagações colocados pela análise de certas atividades xamânicas giram em torno da ideologia da magia e seus atos. A análise do xamanismo como um complexo distinto deixa de ser explorada pelos difusionistas e a escola histórica norteamericana. Antes de delinear a trajetória do xamanismo na antropologia norteamericana, quero fazer algumas considerações sobre as limitações que estas idéias sobre magia e religião apresentam para o estudo do xamanismo como um sistema. Claramente, como será visto na etnografia a seguir é difícil classificar xamanismo como magia ou religião. Cada abordagem oferece uma visão parcial. Além disso, a magia como uma categoria universal é uma categoria falsa, exceto entre a sociedade européia ou outras culturas que possuem uma categoria equivalente. Utilizado como um conceito analítico, ela obscurece a visão dos sistemas ideológicos e rituais enquanto meios de comunicação. Um aspecto disto é a dificuldade em lidarmos com nossos próprios conceitos de magia, de feitiçaria e de bruxaria. Acreditamos que a magia é um fenômeno sem eficácia. Os mágicos são "charlatões" ou "trapaceiros". As investigações que abordam o xamanismo como uma técnica da magia e que definem o xamã como mágico, impossibilitam a compreensão do xamanismo como um sistema, deixando-nos incrédulos de que é um fenômeno sério e persistente. Por outro lado, ao enfatizar a diferença entre magia e religião, deixamos também de ver o xamanismo como uma complexa cultura que envolve a expressão das representações centrais de um povo que geram a visão de mundo e influenciam o comportamento. Mauss começou a dar as pistas quando considerou as representações sobre o poder, mas ficou limitado ao classificar a magia e seus ritos como secretos. Ele deixou de ver que o xamanismo é público e que organiza a sociedade tanto quanto expressa os seus valores centrais.
Estudos sobre xamanismo por si receberam mais atenção entre os antropólogos norteamericanos do que entre os franceses e ingleses. Este foi provavelmente o resultado de dois fatores: um, devido ao fato de que o xamanismo, como um complexo histórico-cultural surgido na Sibéria, é mais profundamente embutido nas culturas indígenas do novo mundo; o segundo, devido ao fato de que Franz Boas foi o maior inovador na antropologia norteamericana durante a primeira metade deste século. Ele estabeleceu o ideal de holismo na antropologia, com interesses na lingüística, na arte, no mito, na percepção, na psicologia, na arqueologia, na geografia e na mudança cultural. Publicou em todas as subáreas da antropologia. Como professor de antropologia da Universidade da Columbia, ele treinou a maioria dos pioneiros que estabeleceram os fundamentos das direções atuais na antropologia norteamericana. Assim, temos Kroeber, com sua abordagem da configuraçãohistórica e o conceito do superorgânico; Sapir, com seus trabalhos na lingüística e cognição; Lowie com interesse em áreas culturais, geografia e mudanças; Ruth Benedict e Margaret Mead da escola de cultura e personalidade, entre vários outros. As visões destes alunos freqüentemente divergem das de Boas, mas suas idéias refletem as idéias germinais deste antropólogo criativo. Em relação ao xamanismo, examinamos quatro áreas que influenciam as investigações sobre o tema.
A Etnografia e a Importância do Relativismo cultural A escola histórica norteamericana foi uma reação contra as grandes teorias do evolucionismo e de Durkheim. Boas (1937:180-203) destaca a necessidade da documentação etnográfica antes de construir teorias gerais, enfatizando também a particularidade de cada cultura e rejeitando categorias culturais com significados universais. Coerente com sua posição de igualdade intelectual de toda a humanidade, ele nega a possibilidade de colocar as culturas numa hierarquia de progresso, sendo que vários aspectos da cultura, entre eles religião e ideologia, não podem ser classificados como mais ou menos desenvolvidos. Cada fenômeno da cultura precisa ser descrito na sua própria especificidade e relacionado com seu próprio contexto cultural. Esta visão da relatividade cultural e da importante tarefa de documentação, permitiram o desenvolvimento de pesquisas mais objetivas do xamanismo. Como Boas, também trabalham com um conceito da cultura como um sistema organizado relacionando o cultural com o social, a linguagem e o biológico. As pesquisas sobre xamanismo se beneficiaram desta perspectiva holista. Sendo menos fragmentadas, elas relacionaram xamanismo à visão de mundo, mitologia, arte, cultura material, organização social e mudanças (veja como exemplos Money 1892; Bunzel 1932; Haeberlin 1918; Benedict 1922, 1923; Jochelson 1905; Dorsey 1902; Cline 1938; Boas 1900-1916; Ballard 1929; Stewart 1946; Park 1938; Whiting 1950; Radin 1914).
Difusionismo, Complexo Cultural e Mudanças Durante sua formação na Alemanha, Boas estudou com Bastian e os difusionistas alemães, mas seu conceito de difusão tomou rumos diferentes ao examinar a difusão dos traços culturais como complexos que se alteram na passagem de uma cultura para outras. Para Boas, a tarefa não é a construção de mapas de difusão onde os traços aparecem como elementos isolados e fixos, mas procurar descrever como os complexos modificam-se através do tempo em um processo determinado, principalmente pelos valores da cultura. Embora um historiador da religião, e não um aluno de Boas, Eliade (1964) no seu trabalho monumental sobre xamanismo demonstra a influência desta abordagem. Xamanismo torna-se um complexo de traços, expandindo-se a partir de um centro, adaptando-se e modificando-se através do tempo e do espaço (Métraux 1944). O xamã e os ritos devem ser entendidos dentro dessa perspectiva. O xamanismo não é só um elemento autônomo que passa de uma cultura para outra sem modificação, mas um complexo de elementos inconstantes que mudam em forma, função e significado.
Psicologia Outra herança de sua formação na Alemanha foi o interesse de Boas pelo trabalho desenvolvido por psicologia de Wundt e o papel da psicologia na dinâmica cultural. Este interesse foi desenvolvido por vários alunos e resultou na criação da escola de cultura e personalidade. A principal indagação desses antropólogos é a relação entre ambiente, cultura e personalidade. Seu pressuposto geral é o de que a personalidade humana é mutável e assim modelada pela cultura (Benedict 1934; Mead 1935). Também exploram a questão do anormal é até que ponto a personalidade anormal é um tipo universal ou uma categoria relativa. Xamãs, com seu êxtase, transe, travestismo, figuram neste debate. Alguns mantêm que os xamãs são universalmente personalidade psicóticas (Czaplicka 1914; Lantis 1950; Nadel 1946; Wallace 1966: 145-163; Gillen 1948; Silverman 1967), alegando que a histeria, o transe e o travestismo são sintomas psicóticos. Outros argumentam o inverso, que suas personalidades são o resultado da cultura e apresentam como uma das diferenças entre xamãs e psicóticos o fato de que os primeiros controlam suas épocas de histeria e transe, enquanto os psicóticos não (Noll 1983; Kennedy 1973; Schweder 1979). O debate continua e acredito que é impossível pensar que todos os xamãs possuem um só tipo de personalidade. Entretanto nenhum lado do debate ignora a importância da definição dos xamãs como possuindo um papel positivo, sem estigma, que é construído culturalmente. Com o fim dos anos 50, a escola de cultura e personalidade perdeu sua influência, mas a ligação entre a psicologia e a antropologia tem continuado. Tanto os antropólogos como os psicólogos têm explorado o xamanismo como terapia (LaBarre 1947; Devereux 1958; Jilek 1978; Kiev 1962, 1964, 1968; Torrey 1972a,b; Wallace 1958; Murphy 1964, Pfister 1932); e ainda mais recentemente há interesse em integrar xamãs e outros curandeiros nos serviços para grupos étnicos com conceitos sobre saúde diferentes dos do sistema médico dominante (Luce 1971; Kleinman 1980). Finalmente, a herança de Boas de interesse no indivíduo resultou no exame da relação entre a cultura e o papel do indivíduo. Como conseqüência, várias biografias de xamãs têm sido publicadas, e em muitos casos tem demonstrado claramente que os xamãs são personalidades inovadoras (Handleman 1977; Sharon 1975 ; Opler 1969; Mitchell 1978; Romano 1965; Gillen 1956, Dobkin de Rios 1981); e também lideres em movimentos messiânicos (Wright 1981).
O Conceito de cultura O conceito de cultura inspirado por Boas, e agora comum na antropologia norteamericana, merece ser destacado, além das observações que já fizemos sobre ele. A tradição de Boas é holista. O ser humano deve ser entendido como um produto da sua história, biologia, linguagem e cultura na definição mais estreita da palavra. Esta última, se define como uma totalidade integrada de valores, padrões de comportamento e conhecimento, compartilhados, apreendidos e utilizados pelos humanos para entender e reagir às experiências que vivem. Assim, cultura se conceitua como processos mentais que são predominantemente modos inconscientes de pensar, experienciar, avaliar e interpretar o mundo externo (Service 1985:260). Utilizando a analogia lingüística (Boas 1911) como modelo para a etnografia, Boas afirma que as pessoas não podem descrever estas regras inconscientes da cultura. A tarefa do antropólogo é de enxergar o que há atrás do véu no comportamento para entender o subjetivo e os processos mentais e não só aspectos manifestos da cultura. Mitologia e folclore para Boas, representam estes modos de percepção. A cultura subjetiva é de importância primária, e é a sua integração que
modifica os novos traços introduzidos a uma cultura. Os traços funcionais e estruturais são de menos importância (Service 1985:261). Sapir (1966) também elabora este conceito de cultura como percepção. Apesar de seu trabalho ser criticado como impressionista metodologicamente, o interesse na cultura como percepção mantém sua importância na antropologia americana. E partindo dessa concepção, a antropologia simbólica de Clifford Geertz (1973), David Schneider (1968) e outros (Dolgin, et.al. 1977), começa a construir sua visão de antropologia como uma ciência interpretativa. A ideologia de uma cultura forma um conjunto de propostas sobre o mundo relacionadas umas com as outras e num sistema (Dolgin, et.al. 1977:3). A antropologia simbólica está primariamente preocupada com o significado dos elementos que as pessoas empregam para entender, comunicar e agir. Cultura é um processo de praxe, uma "unidade complexa de pensamento e ação" (Dolgin, et. al. 1973:37). Este trabalho visa examinar o sistema xamânico dos índios Siona a partir dos pressupostos da antropologia simbólica, particularamente aqueles colocados no trabalho de Clifford Geertz em sua definição de antropologia como interpretação (1973). Não pretendo criar uma teoria de xamanismo, mesmo que isso seja possível, porque o trabalho parte também do pressuposto que, para entender xamanismo, as categorias de magia, bruxaria, religião, e feitiçaria são inadequadas para interpretar o fenômeno. No caso dos Siona, é um complexo que abrange a religião, a política, a medicina, a cultura natural e a tecnologia. Em outros trabalhos, venho desenvolvendo os aspectos políticos, históricos e estéticos do xamanismo (Langdon 1985a,b, 1992). Aqui, quero descrever o xamanismo como uma visão de mundo, com enfoque na religião e na medicina. Também parto da metodologia de Victor Turner para construir o significado do xamanismo Siona, através dos dados observados e exegéticos (Turner 1969:l0) buscando entender como os Siona percebem as doenças. Em discussões sobre xamanismo e os sistemas médicos dos outros, as pesquisas antropológicas tendem a se utilizar de certas categorias de nossa linguagem e cultura, como no caso da magia e da religião. Aqui, eu tenho separado as palavras dos Siona que são chaves na construção de sua visão de mundo, do poder do xamã e da doença, e tento explorar o significado total destas palavras. Neste sentido, meu objetivo é tornar o xamanismo siona compreensível para nós através da tradução e interpretação de seus conceitos. No capítulo final, examino o ritual dos Siona através dos símbolos para pensar o poder do símbolo e o xamanismo como sistema.
III. O SISTEMA XAMÂNICO SIONA Atualmente os índios Siona são um resíduo pequeno dos vários grupos dos Tucanos ocidentais que ocuparam a bacia Amazônica ao noroeste da Colômbia, do Equador e do Peru. No tempo da conquista, estes grupos dominaram os rios Putumayo, Aguarico e Napo, todos afluentes do Rio Amazonas e calcula-se que a população total destes grupos era de aproximadamente 8.000 pessoas (Steward 1948:738). Os documentos dos missionários indicam que quase a metade deles vivia no rio Putumayo (Langdon 1974:29-32). Hoje restam mais ou menos trezentos Tucanos no Putumayo, dos quais todos falam a língua siona ou dialetos estreitamente afiliados. A maioria está concentrada em três comunidades, Granada, Piñuña Blanca e Buena Vista. A última sendo uma reserva indígena é a comunidade maior. Os outros Siona se encontram em famílias individuais espalhados entre colonos que agora dominam o rio. A grande redução da população indígena começou por causa das doenças européias introduzidas através da presença dos primeiros missionários na região durante os séculos dezessete e dezoito. Depois de um período de isolamento dos missionários durante o século dezenove, a população e o território dos tucanos ocidentais continuaram se reduzindo, como conseqüência da exploração da borracha, da renovação das atividades missionárias (1910) e seus esforços de usar o rio como meio de transporte até o atlântico e, finalmente, do descobrimento de petróleo na região na década de 50. Com esta descoberta, foi construído uma estrada ligando a missão de Puerto Asis no Rio Putumayo com o planalto do sul da Colômbia. Puerto Asis se tornou um centro comercial movimentado e os colonos começaram a descer das montanhas em grandes números procurando terra na selva. Viajando de Puerto Asis não é difícil chegar à reserva indígena de Buena Vista, cinquenta quilômetros rio abaixo, e na viagem pode-se ver o alto grau de ocupação da região pelos colonos. Suas casas são espalhadas ao largo do rio e nenhuma floresta primária resta aí. Toda a terra perto do rio está em cultivo ou coberta de floresta secundária, além de já estar gasta em poucos anos de produção agrícola. Também a viagem demonstra o nível de interpenetração da cultura branca na vida material dos Siona. É difícil distinguir Buena Vista entre os outros povoados se não aparecesse um ancião em roupa tradicional (Langdon 1979a). Os traços físicos dos Siona vestidos em roupa ocidental não os destacam dos colonos mestiços. Tampouco o estilo da arquitetura das casas e sua distribuição dispersa ao largo do rio não distingue a comunidade Siona. Há pouca diferença na cultura material e no nível econômico entre os Siona e os colonos, exceto os colonos mais prósperos que demonstram um padrão de vida diferente. Os Siona imitam a vida material do campesinato Colombiano, mascarando seus costumes e crenças indígenas. Mais de um viajante, ao chegar em Buena Vista e ver os índios vestidos com a roupa do branco tem perguntado onde vivem os índios. Em tais casos freqüentemente um ancião em roupa tradicional é chamado pelos índios para demonstração. Os Siona praticam a agricultura extensiva, dependendo também da caça, da pesca e da coleta de frutas e plantas silvestres da selva. Seu conhecimento profundo do ambiente dá aos índios uma vantagem de subsistência sobre o colono: uma dieta mais adequada, com mais nutrientes do que a dos colonos. Os homens estão encarregados da caça; ambos os sexos trabalham na roça, pescam, e coletam produtos da selva. No passado, o cultivo mais importante foi a mandioca, incluindo variedades da brava e da doce. Atualmente os Siona cultivam também o milho e o arroz para vender em Puerto Asis e comprar as mercadorias que se tornaram necessidades nos
últimos cinquenta anos. Tecidos, roupa, rádios à pilha, açúcar, sal e outros são parte destes itens básicos. É possível que os Siona de hoje em dia estejam num processo de assimilação total, porque a criação da reserva não é suficiente para manter a identidade étnica do grupo (Langdon 1985a,b). Todos os Siona falam espanhol com alguma fluência. Enquanto a maioria dos Siona acima dos quarenta anos prefere utilizar seu idioma nativo, salvo quando estão falando com os colonos, os mais novos conversam principalmente em espanhol todo tempo. Todos os pais, independentemente de idade, ensinam seus filhos espanhol como o primeiro idioma, embora os avós tentem falar em Siona com os netos. Conseqüentemente, a maioria das crianças entende siona, mas poucos realmente falam o idioma nativo. Além da perda do idioma, a estrutura político-religiosa tradicional está cedendo às influências exteriores (Langdon 1985b). Ela dependia antes do papel do xamã (Langdon 1979b) e seu conhecimento do alucinógeno Banisteriopsis sp., uma trepadeira utilizada em toda a bacia amazônica e conhecida pelos Siona como yagé . Quando o último mestre xamã dos Siona morreu, o sistema xamânico que unificou e preservou as comunidades indígenas durante séculos de contato com o branco começou à se desintegrar.
A
Cosmologia
Segundo a visão de mundo Siona, tudo no mundo é controlado por forças sobrenaturais personificadas em espíritos que dão vida e poder à realidade cotidiana. Atrás da realidade ordinária e cotidiana, em que estas forças estão ocultas, os Siona conhecem uma outra realidade em que as forças são visíveis. Os Siona expressam estas duas realidades chamando-as "os dois lados". "Este lado" é o que nós normalmente vivemos e vemos. "Este lado" tem três domínios principais, cada um com seus habitantes distintos - a selva, o rio, e os sítios. A selva é o lar de todos os animais selvagens. O jaguar é a figura dominante da selva, com todo seu poder e força. O rio é o domínio dos peixes e animais da água. A anaconda é a soberana ali. Os sítios, naturalmente, pertencem aos Siona com seus animais e plantas domesticadas; sendo o xamã o chefe deste reino. O "outro lado" é o mundo dos espíritos e forças que operam em espaço e tempo não ordinário. O universo divide-se entre cinco níveis: embaixo da terra, o primeiro céu; o segundo céu, o terceiro céu, e o céu pequeno de metal. O primeiro céu inclui a superfície da terra, e o céu até onde o olho pode alcançar. Seus habitantes incluem os humanos, os animais, e os espíritos ligados com este céu. Todos os níveis têm inúmeras forças sobrenaturais. Entre as mais importantes encontram-se os espíritos mestres dos animais e peixes, o Sol, o Lua, a Gente da Chuva, a Gente de 'ïko (medicina), e os vários espíritos responsáveis pelas doenças. Estas forças influenciam em todos os aspectos da existência neste lado da realidade. Por exemplo, o Sol, a Gente da Chuva e o Trovão controlam o tempo e as estações e, Conseqüentemente, a produção agrícola. Todos os animais têm um pai ou uma mãe espírito mestre que determina o tamanho do grupo e onde eles andam na floresta. Assim, se uma pessoa quiser um tempo favorável para suas plantas, uma boa caça, ou outras finalidades da vida cotidiana, é necessário contatar e persuadir os espíritos respectivos a cooperar para que o ritmo normal da vida continue. Entretanto, estas forças sobrenaturais podem também prejudicar a rotina normal e apresentar perigos para o bem estar da vida dos seres humanos. Então os Siona se relacionam com os espíritos tanto com medo como com esperança. Os Siona vêem um universo cheio de espíritos perigosos, prontos para atacar a vítima desprevenida. A preocupação geral é que estes espíritos causarão doenças sérias, além de outros infortúnios, como falta de comida, acidentes, desvios de comportamento, enchentes ou terremotos. Os Siona acreditam que cada uma das doenças conhecidas por eles tem um espírito particular no "outro lado" da realidade que ataca a vítima com aquela doença. Acreditam também que certas horas do dia, tanto como certas estações, são
períodos de muita atividade dos espíritos que trazem doenças. Assim é perigoso tomar banho no rio durante certas horas do dia, e o vento esta cheio de espíritos que causam a gripe ou bolhas durante os meses de seca. Uma pessoa também pode atrair uma agressão do espírito se quebrar um tabu ou aproximar-se de um local reconhecidamente habitado por um espírito malévolo. Assim, não deve matar um veado, andar perto de uma paineira, nem passar perto do cemitério sozinho. A mulher não deve banhar-se no rio durante a menstruação, por medo que um espírito siga seu cheiro e chupe seu sangue. Crianças pequenas, especialmente bebês, sofrem a maior ameaça de ataque, porque eles são os mais vulneráveis de todos. Qualquer mãe cuidadosa observa várias precauções para proteger seu filho. Portanto, para viver e prosperar nesta vida, para assegurar o bem estar, ou para contrapor-se a estes perigos, é necessário saber como conviver e influenciar estas forças "últimas" da vida. Os xamãs são os mediadores principais para atingir estes fins, porque eles têm o saber e a habilidade para entrar à vontade no "outro lado" e negociar com os espíritos e as forças encontradas ali. Freqüentemente, eles transformam-se no jaguar ou na anaconda enquanto viajam pelos domínios do "outro lado". Seu saber e poder são obtidos através da frequente ingestão do yagé de forma dirigida e controlada (Langdon 1979c).
O Sistema Xamânico e o Mestre Xamã No passado o mestre xamã, respeitado por possuir habilidade maior que outros xamãs para influenciar o mundo sobrenatural, funcionou como o cacique-curaca (chefe curandeiro) da comunidade, que foi composta de sua própria família extensiva e outras famílias aliadas a ele. Entre os Siona, cada homem adulto é apreciado como provedor e protetor de sua família. Da mesma maneira, o cacique-curaca representa o provedor e protetor da comunidade, por causa de suas atividades de "outro lado". Ele é o "Jaguar" da comunidade. Ele dirige os rituais comunais em que, como mestre xamã, guia os outros através dos reinos sobrenaturais, faz contato com os mestres espíritos dos animais para obter boa caça, e influência os espíritos das estações para garantir uma boa colheita. Ele também pode ver os acontecimentos do passado e do futuro e assim proteger os membros da comunidade contra espíritos que trazem doenças e desordem social. O ofício de curar doenças é uma parte importante do papel do xamã, hoje sendo a função principal. Entretanto, é importante destacar que antigamente o xamã tinha responsabilidades bem mais abrangentes e que sua presença foi central tanto na estrutura política quanto no sistema religioso e de saúde (Langdon 1975b). Ele deu nomes para os recém-nascidos, aconselhou e castigou as crianças tanto como os adultos, quando causavam problemas crônicos de desvio ou quando não cumpriam suas responsabilidades. Também participou nos acordos de matrimônio entre pais e filhos, realizou cerimônias de matrimônio, provavelmente adaptadas dos antigos missionários. Suas funções econômicas incluíram a organização dos mutirões e a redistribuição da caça. Quando um homem tinha um rendimento bom na caça ou na pesca, que dava uma quantidade maior do que precisava sua família, ele entregava o restante ao cacique para redistribuir entre os outros. O povo por sua vez respeitava o xamã, fornecia-lhe alimentos e o obedecia. A autoridade do xamã vem não só de sua identidade como protetor e provedor da comunidade mas também de sua suposta habilidade de causar infortúnios ou doenças. Acredita-se que a maioria de suas vítimas são das comunidades rivais ou de outras consideradas inimigas pelos Siona. O mestre xamã, como protetor, deve agir contra qualquer pessoa que queira prejudicar a comunidade ou um de seus membros. Antigamente, havia antagonismo e rivalidade entre os grupos Siona aliados com xamãs diferentes tanto como com grupos de outros índios da região. Os motivos destes conflitos eram vários, às vezes resultando de disputas sobre território, até casos de ciúmes entre xamãs. Grande parte da sua história oral relata destes antagonismos e relembra como os xamãs Siona atacaram outros grupos através de meios sobrenaturais. Tais ataques foram revidados da mesma maneira, e pode-se até dizer que os xamãs ocupavam-se com uma guerra mística contra seus inimigos. Por
exemplo, os Siona acreditam que uma epidemia de sarampo que devastou rapidamente várias de suas comunidades no começo deste século foi resultado de ataques feitos pelos xamãs de comunidades rivais (Langdon 1985c). A epidemia começou quando um xamã estava visitando uma outra comunidade e foi assassinado lá. Os xamãs de sua comunidade tomaram yagé para adivinhar a causa da morte. Através das visões, viram o que aconteceu e revidaram mandando a doença para toda a comunidade onde a morte ocorreu. Esta agressão resultou num outro ataque, e assim até que várias comunidades foram quase exterminadas. Desta forma os Siona contam que a grande queda de sua população entre 1900 e 1920 foi causada pelas atividades dos xamãs e não pela presença do branco e de suas doenças. Também eles acreditam que a extinção dos mestres xamãs foi devido aos ataques místicos entre eles mesmos. Segundo os Siona, o xamã pode causar infortúnios de duas maneiras. Uma, empregando seu próprio poder e saber adquirido do alucinógeno. A outra, é através do apoio de algum espírito, pedindo-lhe para atacar a vítima. Embora representem um perigo para o ser humano, os espíritos em geral são inativos sem a intervenção de um xamã. É incomum para um espírito ter um motivo para atacar, exceto se a vítima for uma criança ou se um tabu for quebrado. Assim, a maioria dos ataques são instigados por um xamã que induz o espírito a prejudicar um indivíduo particular. Quando um adulto sofre do ataque de um espírito, resume-se geralmente que um xamã escolheu-o como vítima. Além de usar um espírito para mandar dano, o xamã pode mandá-lo através da cobra ou da aranha. Todas as picadas das cobras e das aranhas são consideradas culpa dos xamãs. Tais ataques contra pessoas fora da comunidade são executados conscientemente pelo xamã, ou seja, ele de propósito causa prejuízo. O xamã jamais deve querer prejudicar conscientemente a um membro de seu próprio grupo, na medida em que ele é o protetor e o provedor do grupo. Não obstante, o xamã pode ameaçar um membro de seu grupo inconcientemente através da ira. Por isso, deve-se ter cuidado para não provocar cólera no xamã, porque apenas os seus pensamentos são suficientes para invocar ações dos seus espíritos auxiliares. Quando falam do malefício enviado por um xamã, conscientemente ou não, para expressar sua culpabilidade os Siona dizem que o xamã "pensou mal". Esta ambiguidade do xamã de ter a capacidade de fazer mal tanto como o bem é um elemento de controle social que o mestre xamã tem sobre o seu grupo. Este controle do xamã se manifesta de uma maneira ainda mais marcada devido às crenças sobre a morte. Como já falamos, crianças são seres mais vulneráveis aos ataques dos espíritos do que os adultos. No processo de crescimento até tornar-se adulto, a força do indivíduo vai se desenvolvendo e depois da morte esta força freqüentemente causa doença ou morte aos membros da família, às crianças que assistem o velório e à pessoa com quem o finado tinha brigado quando vivo. Dizem que a alma da pessoa quer levar os mais queridos com ela e vingar-se das brigas passadas. Quando o defunto é um xamã, este perigo é bem mais acentuado devido à força superior, que causa mais doenças e dura mais tempo. A morte de um xamã sempre preocupa a comunidade, e no passado, quando o território era mais extenso, as comunidades sempre se deslocavam para outro lugar para evitar doenças e outros infortúnios. Atualmente não há mais caciques curandeiros ou mestres xamãs entre os Siona (Langdon 1985). Entretanto, ainda há velhos que fizeram treinamento xamânico na sua juventude. Destes, alguns têm um vasto conhecimento, e pelo menos há um que sabe o suficiente para ser um mestre xamã se desejasse assumir a responsabilidade de guiar os outros no rito alucinógeno. Mas ele tem medo, pois já sofreu várias experiências más com o yagé . Como líder do rito, o mestre xamã tem a responsabilidade de orientar e guiar os outros pelos mundos visionários e também de protegê-los contra as experiências espantosas e os espíritos malignos (Langdon 1979c). Na viagem para outros domínios do universo, sempre há o perigo de que, em
vez de acompanhar o mestre xamã, o participante enfrente a escuridão e os espíritos malignos. Se o mestre xamã não for competente o suficiente para afugentá-los e ajudar a pessoa a voltar a "este lado", a vítima pode ficar doente ou mesmo morrer. O problema das experiências espantosas estimuladas pelo tóxico é uma preocupação séria. Todos os velhos sofreram, em um momento ou outro, estas experiências e têm medo de tomar o alucinógeno sem um mestre xamã competente. Estas experiências podem ajudar a explicar porque os esforços dos missionários em abolir o rito, combinado com a rápida aculturação dos Siona nos últimos anos, os tem levado a abandonar seu treinamento e a desanimar os mais novos em prosseguir com a profissão. Vários velhos executam ritos menores de curar, e que geralmente não exigem a ingestão de yagé . Em geral, quando a doença é séria, os Siona procuram xamãs dos outros grupos indígenas da região. Apesar da tentativa de alguns velhos em realizar em alguns momentos os ritos comunais, pode-se dizer que, com a morte do último grande mestre xamã em 1960, o culto alucinógeno está quase extinto entre a comunidade. Depois de sua morte, os velhos com treinamento xamânico juntaram-se para tomar o yagé . Até o mais sábio deles sofreu de visões medonhas naquela noite. Deste então, nenhum xamã tem emergido para substituir o mestre xamã finado. Sem os ritos e a aprendizagem dos xamãs, o saber e o poder que tornaram os Siona tão famosos entre os outros grupos do Putumayo, desaparecerão com a última geração que treinou com os mestres (Langdon 1979b).
IV. WAHï : A FORÇA DE VIVER A visão de mundo e a ideologia Siona podem ser resumidas no aprofundamento de três conceitos chaves: wahï , 'ïko e dau. A interpretação destes conceitos não é uma tarefa fácil, porque são símbolos multivocais e não se reduzem facilmente a uma só palavra em português. Elas aparecem tanto nos discursos cotidianos como nos rituais. São palavras, são coisas, são atributos e são, portanto, símbolos que carregam os princípios fundamentais da visão de mundo dos Siona. Começamos neste capítulo com wahï . Uma preocupação maior dos Siona envolve o seu bem estar como indivíduos e o de sua comunidade como um corpo social. Por isso, quando tem um mestre xamã vivendo na comunidade, participam semanalmente nos rituais do yagé . Os fins específicos do rito podem variar, ora para boa caça, ora para curar uma doença, ora para a agricultura, como já foi descrito no último capítulo. Mas todos estes ritos comunais têm a finalidade geral de assegurar o bem estar da comunidade. Por isso, nossa interpretação da cultura Siona deve começar com o conceito que significa características atribuídas para bem estar. Esta palavra, wahï , é empregada tanto como um verbo, como um adjetivo. Como ela, dependendo do contexto, tem vários sentidos, particularamente sua forma de adjetivo, não podemos apreciar sua conotação traduzindo-a para uma denominação só em português. Nossa estratégia é explorar todos os significados, e chegar numa compreensão maior do conceito wahï procurando desvendar a conotação por trás de seus vários significados. Quando um Siona cumprimenta outro da maneira tradicional, ele indaga "você esta wahï ?" (wahïgï ). Traduzindo esta frase literalmente em espanhol, eles dizem "Você está completamente vivo ?". Embora possamos estar propensos a interpretar esta frase como "Você está bem?", a palavra vivo parece mais adequada se considerarmos as respostas a este comprimento. Geralmente um responderia "Estou wahï ", mas, se ele está doente, responde: "Estou hun'i " ( hun'iyï ), ou "eu estou morrendo". Hun'i opõese a wahï , sendo que a tradução melhor é "Você está vivo?". Estar vivo ou estar morrendo não são estados estáticos. Ambos representam forças dinâmicas da existência, caracterizados pelas qualidades que se associam respectivamente a eles. Por exemplo, o adjetivo wahï é empregado para falar de uma pessoa gorda ou forte. A qualidade de corpulência representa boa saúde. Esta corpulência de boa saúde é epitomada para os Siona no bebê rechonchudo e saudável. Wahï significa também estar verde como frutas imaturas ou pessoas jovens e fortes. Verde claro, tal como associamos com a primavera e a folhagem nova também são chamados wahï . Por trás de todas estas denotações, emerge a conotação de estar completamente vivo ou saudável. Wahï implica o conceito de um estado da juventude e corpulência com a promessa de mais crescimento. Este conceito concretiza-se através das qualidades diferentes associadas com wahï . Esta conotação de boa saúde esclarece-se ainda mais quando examinamos as qualidades opostas de wahï , que são associadas com o estado de estar morrendo, hun'i . Lévi-Strauss (1969), demonstra que os índios da amazônia ordenam seu mundo através de opostos binários, tal como cru e cozido, natureza e cultura, selva e rio, etc. Adicionalmente, ele afirma que o significado de um símbolo só pode ser entendido em relação com o seu oposto. Os Siona são um exemplo deste modo de pensamento, pois para eles existe um conjunto de qualidades opostas às que são associadas com wahï . Mas enquanto wahï é uma palavra com vários sentidos diferentes, não há uma única palavra que signifique todos os seus opostos. Em lugar de uma palavra, há várias, e sua escolha depende do contexto do uso, apesar de em todos os casos, elas carregarem o significado oposto ao wahï . Hun'i , estar morrendo, é o verbo oposto ao verbo wahï . O adjetivo chave é podre, com as qualidades estreitamente ligadas de quente, sujo, velho, escuro, decomposto, e emaciado ou magro. Assim, a cada significado associado com wahï , encontramos um oposto, como abaixo:
wahï
hun'i
verde (imatura) fresco limpo novo verde, claro gordo cru saudável
podre quente sujo velho preto, escuro magro cozido doente
Os Siona representam doença e estar morrendo com as qualidades de magreza e quente, com objetos pretos ou sujos, e com a velhice. Em casos de doença, eles empregam estes opostos para representar o estado de estar morrendo. Assim, sendo para determinar a severidade da doença, observam a condição de magreza do paciente. No rito de curar, quando o xamã retira do corpo do paciente o objeto da doença deixado pelo espírito, sempre examina-o para ver se é preto, podre, ou quente, para determinar o prognóstico do paciente. Quando uma pessoa sonha que vai ficar doente, ela aparece em roupa suja ou escura. Quando sonha que vai melhorar, as pessoas que aparecem no sonho lhe dão roupa limpa e branca. Pessoas idosas são magras, em oposto ao bebê corpulento. Falando do finado, eles dizem hun'isigï , dizendo literalmente que completou o processo de estar morrendo. Podemos dizer então que wahï é um estado positivo e dinâmico. E o tempo de crescimento e juventude. Quando estendido para significar o bem estar para toda a comunidade, indica que tem comida abundante para todos, que os homens estão com êxito na caça e pesca, que há chuva e sol adequado para o crescimento das plantas, e que todos estão executando suas tarefas e responsabilidades. Este estado contrasta-se com o hun'i , em que a pessoa é doente e velho, magro e sem pique da vida. Para a comunidade, significa que há falta de comida ou conflito entre os membros. A vida é cíclica como as fases da lua, wahï representa as forças crescentes, as que mantêm boa saúde e crescimento no ser humano, na comunidade, tanto como na natureza. Hun'i - e suas qualidades representam a doença. Como veremos nas páginas seguintes, os Siona pensam que uma ou outra das forças predomina, dependendo da disposição das forças sobrenaturais e da habilidade do xamã de controlá-las. Vamos então, examinar as representações de 'ïko para ver como os xamãs controlam estas forças.
V. 'ÏKO: O YAGÉ Quando os Siona querem contatar os agentes sobrenaturais que conferem vida e poder à realidade, reunem-se com um mestre xamã para ingerir uma preparação feita da trepadeira Banisteriopsis, ou yagé como é conhecida no sul da Colômbia. No Peru e Equador é conhecida por seu nome quichua, ayahuasca, a "trepadeira das almas", por caapi no Brasil, e por kahi e pinde nas outras regiões da Colômbia. Para os Siona, a planta e a bebida feita dela são chamadas 'ïko, embora tenham também adaptado o nome yagé e o usam,particularmente quando falam em espanhol. Esta planta e seus produtos não são as únicas substâncias designadas como 'ïko pelos Siona. A palavra também se refere a um grande número de plantas, animais, insetos, e a suas preparações, usadas em atividades que buscam atingir o bem estar ou curar doenças. A conotação geral de 'ïko corresponde á de nossa palavra "remédio", ainda que tenha um sentido mais geral do que a da palavra em português. Um 'ïko pode ser utilizado para assegurar que um evento se desenvolverá como o desejado, para assegurar a continuação de um estado saudável, para prever perigo ou disrupção da normalidade, ou finalmente, para reverter uma situação indesejável, como curar uma doença. A palavra 'ïko sem especificação usualmente denota o alucinógeno yagé , e quando é especificada indica uma classe particular de medicina que tem um fim ou uso específico. Assim, tem um 'ïko de tosse, 'ïko para engordar, 'ïko para caça, etc. Yagé , chamado simplesmente de 'ïko, representa o remédio fundamental e geral, e por isso o examinaremos primeiro. Todas as classes específicas de 'ïko derivam seu significado, uso e poder deste 'ïko primário. Nas páginas a seguir, nós empregaremos a palava yagé para este 'ïko geral, e a designação em português para especificar as outras classes de 'ïko. O yagé é principalmente utilizado como um auxílio adivinhante para manter ou restaurar o bem estar da comunidade como um todo e de seus membros individuais. É a ponte entre "este lado" e os reinos do "outro lado". Conforme a descrição dos velhos, nos ritos do yagé , o mestre xamã invoca os espíritos da caça, do tempo, do rio, ou outros, dependendo da época do ano ou das necessidades da comunidade. Os ritos sempre são realizados com um grupo, sendo que os membros da comunidade participam nos ritos semanais. Também são feitas sessões especiais para casos de doenças sérias ou situações de emergência que precisam uma adivinhação imediata e que contam com a participação da vítima e de sua família. Os que têm tal rito especial, geralmente retribuem ao xamã com tecidos, cigarros e outros bens. O xamã é o mestre nas visões do 'ïko, com saber e experiência superior para guiar os outros. Entretanto, consideram dever de cada homem aprender o máximo possível para cumprir com suas responsabilidades como proveder e protetor da sua família. Ser homem é ser forte para enfrentar os medos e perigos do alucinógeno. Assim, no passado, a maioria dos jovens serviam como aprendizes dos xamãs e tentavam chegar até o nível de mestre xamã. Apesar das mulheres também tomarem yagé , não têm esta obrigação, pois a responsabilidade primária delas é a de ser mãe e cuidar da família (Langdon 1984). Os Siona dizem que a mulher na verdade aprende mais rápido do que o homem, mas que a ingestão de grandes quantidades do yagé , como é o exigido para o xamã, causa esterilidade na mulher. Os Siona lembram de uma mulher xamã, mas dizem que ela começou a treinar depois de criar seus filhos.
Aprendizagem O saber obtido do tóxico não é limitado nem circunscrito, nem monofásico. A aprendizagem é parecida ao nosso sistema de educação, como uma sequência de áreas
ou materiais para ser dominada, podendo se especialista em uma ou mais. No xamanismo, a matéria a ser aprendida abrange visões, desenhos e canções. Todos os espíritos têm seu próprio desenho, assim como suas próprias canções que eles ensinam ao noviço quando ele começa a vê-los. Cada noviço procura conhecer ao máximo estas visões e canções, porque à medida em que o homem aumenta seu repertório de visões e canções, também aumenta seu poder e o número de espíritos que ele conhece e com quem pode negociar. Na hierarquia do saber, há três classes de homens: "apenas um homem", "um que saiu" e "vidente", estas refletindo três estágios ascendentes de saber . "Apenas um homem" é o homem ordinário com pouca experiência com o yagé e sem poder. "Um que saiu" já saiu do seu corpo e viu o "outro lado". Conhece-se esta classe também como "cantor" porque já conhece as canções de alguns espíritos e pode curar doenças menores. O "vidente" é o mestre xamã. Chama-se também jaguar e bebedor. Em cada estágio da aprendizagem, antecipa-se que o indivíduo conhecerá um conjunto de visões estereotipadas (Langdon 1979c). A experiência alucinogênica não se caracteriza por visões fortuitas e individuais. Pelo contrário, se compõe de visões induzidas e ordenadas, em que o aprendiz aumenta aos poucos seu controle sobre as visões e acontecimentos quando intoxicado. As visões antecipadas não são desconhecidas ao noviço antes de tomar yagé . Relatos das viagens alucinogênicas são parte da tradição oral e são um tópico comum nas conversas entre os Siona. Também o mestre xamã guia e sugestiona o conteúdo das visões de várias maneiras. Quando ele prepara o tóxico, escolhe o tema das visões através da classe do yagé selecionado para o rito (Langdon 1986). Na primeira etapa do rito, chamada "arrumação", ele invoca os espíritos que os participantes irão conhecer. Depois que toma o yagé , e antes de dar para os outros, ele canta sobre o que está vendo e logo quando todos estão intoxicados, ele segue guiando-lhes através das canções, flautas e dança. Nas canções, ele detalha suas visões, indicando os espíritos e lugares vistos. Também descreve as cores e os motivos dos desenhos que aparecem com os espíritos (Langdon, 1992). Cada espírito tem seus próprios desenhos, que enfeitam seus bancos, copos, roupa, rosto e casa. Estes motivos desenhados fazem parte da arte Siona, aparecendo também nos rostos, na cerâmica, e nos outros objetos enfeitados. Assim, os motivos são conhecidos por todos os Siona. As cores são as que encontram-se na natureza, nas plantas, nos passaros, insetos e animais, apesar de todos afirmarem que nenhuma cor natural aproxima-se da luminosidade e do brilho das visões. Isto não é dizer que o xamã especifica todas os detalhes das visões. Segundo os índios, ele dá um esboço geral dos traços que está vendo e cada indivíduo logo vê as elaborações e os detalhes de acordo com o grau de intoxicação e a experiência que tem com as visões. Tais visões não chegam automaticamente nem sem sofrimento. O noviço sério deve dedicar vários meses de preparação para deixar de ser "apenas um homem" e tornar-se "um que saiu". Quando criança ele geralmente toma o yagé , mas tais ocasiões são infrequentes e consideradas só como preliminares para o tempo de aprendizem rigoroso e intensivo. Entre a puberdade e o começo das relações sexuais, o jovem pede a um xamã confiável para que mostre seus "desenhos". O xamã então começa a instruí-lo sobre como preparar-se. O jovem se isola na selva com mais três ou quatro companheiros que também estão prontos para fazer a aprendizagem. Apesar de poderem andar na selva, são proibidos de andar perto das casas dos índios, por causa do risco da contaminação que vem das mulheres menstruadas ou grávidas. As relações sexuais são proibidas. Só a própria mãe do jovem pode servir-lhe comida, enquanto ele purifica-se através de um regime especial e uma série de eméticos, purgas e banhos. No regime só pode comer banana verde, peixe pequeno, e carne de alguns pássaros. Comida doce, bananas maduras (que são doces), sal, a maioria dos tipos de carne são proibidas. O noviço toma eméticos diariamente por um mês ou mais. Os
Siona utilizam as folhas do yagé como o emético principal, embora conheçam outros utilizados por outros grupos. Um fim dos eméticos é o de purificar o corpo para que quando o noviço começe a tomar yagé , ele saia imediatamente e tenha as visões. Como explicou um índio, o corpo fica mais leve depois das purgas e assim é capaz de viajar mais longe. As purgas também eliminam as materias contaminadas do corpo que atraem os espíritos maus quando o yagé é tomado. Quando o mestre xamã decide que o seu aprendiz está pronto, começa a darlhe yagé . Geralmente este momento é marcado por um sonho do jovem em que um espírito chega e diz que ele está pronto para tomar yagé . Pelo menos durante as primeiras duas noites, chamadas pelos Siona como "duas casas", o noviço passará por um estágio de "apenas embriaguez". Esta experiência, segundo a tradição oral, foi estabelecida nos tempos antigos, quando as estrelas eram pessoas e andavam na terra. Os primeiros que tomaram o yagé neste mundo foram a gente dos Plêiades. O caçula, assumindo o papel de trapaceiro ("trickster") estabeleceu o comportamento que os Siona deviam seguir durante estas duas primeiras noites. Quando tomou o yagé pela primeira vez, ele vomitou, desmaiou, urinou, e defecou, sujando-se a si próprio. Ele "enlouqueceu" e esfregou o escremento na cabeça e na roupa, finalmente desmaiando de tontura. O Lua também passou uma experiência parecida quando ele aprendeu do sol, seu avô. E assim a mesma é antecipada aos noviços. O Siona deve gritar, vomitar, cair da rede e sujar-se se quiser aprender do yagé . Tem que ter a vontade e a força para aguentar esta "desgraça". Na terceira noite, esta "loucura" geralmente passa e o aprendiz começa a ter as visões. As primeiras são cheias de cenas de morte e destruição. Elas funcionam como uma prova para o noviço, para ver se ele é realmente forte o suficiente para viajar no mundo dos espíritos. Muitos não conseguem passar por esta prova. Todos os meus informantes têm descrito a experiência a seguir com poucas variações. Primeiro o noviço vê um fogo gigante que vem queimando tudo no seu caminho. O fogo avança na sua direção ameaçando consumi-lo. A gente do 'ïko, os auxiliares espirituais, começam a descer, chorando, e dizendo-lhe que vai morrer. O fogo torna-se um moedor gigante que vai moendo tudo no seu caminho, enquanto avança na sua direção. O noviço se vê esmagado e jogado em pedaços. Cobras aparecem e envolvem-no. Em qualquer momento, o noviço pode ceder diante destas visões e "enloquecer", gritando e chorando se não tiver a força para enfrentar o medo da morte. O xamã entoará sobre ele, soprando fumaça de tabaco para trazer-lhe de volta a "este lado". Mas se o noviço enfrenta as visões medonhas, uma mulher alta, vestida de branco e com grandes seios pendurados aparece. Ela é a Mãe Jaguar, mãe de todas as criaturas classificadas como jaguar, incluindo os xamãs. Ela também chama-se a Mãe 'ïko. Ela recolhe o aprendiz nos seus braços enquanto ele vai se tornando bebê pequeno. Ela envolve-lhe num pano comprido com belos desenhos e oferece seu seio para ele mamar. O noviço suga, mas de repente ela o afasta de si e ele enfrenta a morte de novo. A Mãe Jaguar começa o lamento de luto, dizendo que ele vai morrer. "Porque tomaste yagé filho?" ela pergunta, "porque agora tu vais morrer. Olha, lá está o caixão. Lá estão todas as suas coisas preparadas para tua morte - teus colares de contas, a chambira que tu estavas tecendo para uma rede. Tu jamais verá tua família". Centenas de cobras aparecem, as quais os Siona dizem que são as folhas de yagé . Estas cobras fundem-se em uma, a "Cobra do Galho de Beber". Nomeia-se esta cobra de o "dono" do yagé . Na medida em que o xamã é também considerado o dono do yagé , a cobra pode ser pensada como uma transformação do xamã. Ao começo ela está sinuosa e pode envolver-se ao redor do noviço, causando de novo o medo da morte. Mas a cobra começa a endireitar-se e levar o aprendiz para outros reinos no outro lado. Com esta visão, o aprendiz acaba de passar a prova inicial e agora começará a viajar aos outros reinos. Ele é agora "um que saiu". Através desta morte mística, ele transforma-se de "apenas um homem" no filho da Mãe Jaguar, espírito-mãe de todos os xamãs.
Agora, desde que não tenha sofrido experiências más durante o treinamento, o aprendiz está pronto para aprender tudo o que o xamã tem para mostrar-lhe. Ele permanece isolado na floresta por dois ou três meses, tomando yagé quase todas as noites. Levam três ou quatro noites seguidas até que o aprendiz conseque ver o reino e os espíritos especificos que o xamã quer demonstrar. Depois de um descanso de uma noite ou mais, ele toma de novo para ver um outro reino com outros seres. Geralmente requer duas ou três "casas" (noites) para o noviço ter o conjunto de visões antecipado, para chegar até a casa dos espíritos do reino e para aprender as canções respectivas. Através de uma sequência comprida de viagens, o aprendiz espera chegar na casa de deus e se tornar um mestre xamã. A seguir apresentamos resumo de uma sequência de visões comuns para aqueles que têm viajado ao outro lado. Uma vez que a cobra começa a endireitar-se, ela avança num movimento rítmico com um zumbido de um motor pesado. O bebedor sobe em cima da cobra para ser levado aos outros reinos. A cobra leva-o primeiro para dentro do rio. A 'ïkogente acompanha-o e explica cada cena que lentamente passa ao olhar. O viajante visita a casa da Anaconda, as casas da Gente do Rio, e as casas dos outros espíritos e seres ali. Durante a viagem, a Gente do 'ïko continua a explicar tudo o que ele está vendo. Depois, em outras ocasiões em que toma yagé , a cobra o levará ao fim do mundo, onde o grande cano de água conecta o "primeiro céu" com o "segundo". Se o noviço está progredindo no seu conhecimento, viajará pelo cano até o "segundo céu". Um Siona relatou que quando chegou no cano de água, a Gente Santa de Metal mandou-lhe tirar os seus intestinos para subir o cano. Perguntei como ele havia respondido e ele disse que "quase sem pensar, ali estavam meus intestinos flutuando na lagoa, e eu subi o cano". Facilmente deixou suas vísceras para viajar ao próximo nível do universo. Ao chegar vê-se a Gente do Sol dançando ao redor de seu pau-defita. Apresentam-se ao Siona como a Gente Tenra ( wahï ) do sol. Podem pedir ao viajante para limpar o espelho gigante do sol, que está sujo e nublado como excremento da cigarra que anuncia o verão de agosto. Para limpar o espelho, lhe dão algodão da árvore que floresce neste mês e a seiva leitosa usada no rito do yagé . Limpando o espelho, o inverno torna-se verão na terra. Durante outras noites de visões, o aprendiz viaja aos outros "sítios" nos diferentes reinos do céu, sempre guiado pelo xamã, que conhece as visões e quer mostrá-las. Poderá ir à casa da Gente do Trovão, à do Anta Terremoto, às dos animais, ou aos outros lugares. Aprenderá as visões de curar quando visitar os espíritos das doenças e será instruído em como curar. Quando viajar à casa do jaguar, as mulheres do jaguar aparecem, com desenhos lindos nos rostos. Chamam ao mestre xamã "marido" e cuidam dele como mestre da casa, dando-lhe e ao noviço comida e bebida enquanto eles descansam nas redes. As visões compõem-se de uma série hierarquizada, em que algumas são mais difícieis de atingir que outras. Só o xamã mais avançado, por exemplo, pode chegar até a lua. Um índio relatou que viu de longe, mas que não tinha a habilidade para chegar perto. Também só o mais avançado pode entrar na casa dos xamãs mortos no "segundo céu", porque os menos sábios que entram jamais voltarão a este lado. Também, o último nível do céu, o céu pequeno de metal, só é visitado pelos mais sábios. Como qualquer processo de conhecimento, o estudo não tem fim para o xamã enquanto ele tenta continuamente aumentar seu poder e seu saber. Assim, nem todos os xamãs têm o mesmo conhecimento. Em um certo sentido são como os especialistas na nossa medicina ocidental, só que na profissão do xamã, os temas a serem dominados abrangem a totalidade do universo. Xamãs individuais especializam-se em campos diferentes. Alguns, por exemplo, especializam-se nas visões de caça para pôrse em contato com os espíritos dos animais. Outros conhecem melhor certos reinos dos céus, como o do trovão o do sol o da lua, e outros de curar doenças. No campo da cura, há ainda mais especialização. Um xamã tem capacidade de curar aquelas doenças para as quais ele conhece os espíritos e canções respectivas. Naturalmente,
todos procuram atingir o saber máximo, mas nem todos têm as mesmas habilidades ou força para aprender. Depois do estágio inicial de treinamento e isolamento, o aprendiz volta à sua casa, mas continua a evitar relações sexuais, por um ano ou mais, até que a aprendizagem termine. Serve como assistente do xamã nos ritos e continua seu estudo até onde pode ou deseja. Visita outros xamãs, incluindo os de outros grupos, para aumentar seu saber. Apesar destas viagens para outros grupos, terem o fim de aumentar o seu saber, não são isentas de problemas de rivalidade ou desconfiança. Se acontece uma experiência visionária ruim, quando o Siona está com o outro grupo ou logo depois que ele volta à comunidade, sempre se culpa o xamã de lá por ter mandado o mal e prejudicado o yagé . Durante este século, os xamãs mais conhecidos por comunicar-se com os espíritos dos animais eram dos Secoya, e a tradição oral dos Siona dá testemunho dos seus poderes. Era comum para o Siona visitá-los para aprender as visões de caça. Ao mesmo tempo queixam-se de que, na volta à casa, os xamãs secoya levaram de volta por meio dos espíritos, o saber e as visões que tinham conferido aos Siona. A passagem para mestre xamã indica que o aprendiz já tem o saber suficiente para guiar outros no rito. Como não há atualmente mestres xamãs siona para consultar diretamente, não tenho dados suficientes para indicar exatamente como determinam quando o homem está pronto. Entretanto, os velhos de hoje concordam que há uma visão compartilhada pelos que são mestres xamãs. Eles viajam no segundo céu, chegando na casa do Deus. Antes de chegar, um espírito bem enfeitado com uma coroa grande aparece e diz que ele é o único Deus e que o Siona deve segui-lo. Ele toca sua mão com uma flauta de Pã. Os sionas dizem que isto é outra prova e que os que seguem este espírito só farão o trabalho do diabo. O aprendiz deve continuar mais longe até onde ele verdadeiramente vê a casa do Deus. Ele toca a campainha e Deus sai da casa e lhe cumprimenta, dizendo "Você chegou". O que você está pensando neste momento em que chega?". O Siona responde que está só pensando no Deus. O Deus então entra na sua casa e volta com um "bastão de mandato" bem pintado com desenhos. Ele diz ao Siona que ele deve cuidar de sua gente, corrigindo-os quando estão errados, curando-os quando eles estão doentes; e que deve continuar a tomar de yagé ; depois lhe dá o bastão. Os informantes dizem que esta visão mostra que os xamãs têm o mesmo papel que os sacerdotes têm entre os brancos, líderes encarregados do bem estar e da direção do grupo. Parece que a realização desta visão marca a passagem da pessoa de "um que saiu" para "mestre xamã". O informante mais avançado no estudo do yagé lamentou que ele chegou até a casa de Deus, mas quando o Deus entrou em sua casa para pegar o bastão, ele acordou neste lado da realidade antes do Deus voltar. Devido a isto, ele ainda estava treinando para atingir o nível de mestre xamã. Esta visão é de interesse particular entre os relatos dos Siona sobre suas visões, porque é a única em que o Deus ou o Diabo aparecem. O Deus aparece nesta visão para dar a benção, que legitima o poder do xamã e sua posição de líder. Ora, dento da totalidade do sistema cosmológico, Deus desempenha um papel pequeno. Ele dá sua bênção e seu conselho ao xamã e não aparece mais nas visões. Os Siona não têm uma palavra na sua língua para o Deus, mas usam Diosu que vem do espanhol Dios. Na cosmologia siona tanto como em suas crenças sobre causação sobrenatural, o mundo é controlado por inúmeros espíritos anímicos do mundo natural, mas não tem um ser supremo.
'ïko para adivinhação A função mais importante do yagé como 'ïko é a de adivinhação e entrada em contato com os espíritos. Uma vez que o xamã tenha aprendido a ter as visões, ele
pode usar outras plantas que também facilitam o contato com o sobrenantural, a adivinhação, e a cura das doenças. Plantas deste tipo incluem o yoco ( Paullinia yoco), o tabaco, a datura, o barbasco (Lonchocarpus utilis) e uma noz sem identificação, eobo. Às vezes são empregadas como aditivos para a preparação do yagé , mas também são preparados separadamente. Nenhuma destas plantas é utilizada com fins gerais como os do yagé . Seus fins são específicos, usualmente para as viagens ao outro lado para pôr-se em contato com os espíritos do primeiro céu. Apesar da datura ser reconhecida como muito poderosa, até mais do que o yagé , os xamãs Siona não a tomam frequentemente e dizem que é o remédio do grupo Secoya. As pesquisas sobre estas plantas sugerem que nem todas têm propriedades psicotrópicas. Algumas são estimulantes. Outras, as que induzem vômito, quando tomadas em dosagens grandes, são ingeridas até produzirem as visões. O melhor exemplo é o yoco. Yoco, da palavra siona yo'ko, é o mais importante 'ïko utilizado em ritos de cura hoje, e no passado só foi superado em importância pelo yagé . O yoco é usualmente tomado pelos grupos Siona, Íngano, Coreguaje e Kofan da região como um estimulante para trabalhar e como um apaziguador de apetite. Uma trepadeira, seu ingrediente principal é a cafeína (Schultes 1942: 312). Os Siona ralam os galhos da trepadeira e ingerem na madrugada. Apesar do etnobotânico Schultes chamá-la de "a mais importante planta não alimentar da economia dos nativos" (Schultes 1942: 312), nenhum uso ritual dela tem aparecido nos relatórios científicos. Ora, os Siona usam o yoco de uma maneira análoga ao uso do yagé . Hoje, se usa mais fequentemente do que qualquer outra planta, para se comunicar com o sobrenatural e para os ritos da cura.
O método de usar yoco no rito é parecido ao uso do yagé . Uma vez que um homem atinge o status de "um que saiu" e conhece as visões e canções para certas doenças menores, ele pode empregar yoco da mesma maneira que o yagé e no curso de uma doença, usualmente tomado ao inicio da doença. O xamã toma yoco primeiro para cantar sobre um 'ïko específico, impregando-o com seus poderes. Dizem que isto ativa o remédio para atacar a causa espiritual tanto quanto os sintomas físicos. Se a doença não responde ao tratamento, então ele toma yoco numa dosagem maior para "ver" a causa sobrenatural da doença, através de uma visão ou de um sonho. Se a doença ainda não responde, então ele deve tomar yagé . Ainda que os cientistas não tenham encontrado propriedades psicotrópicas no yoco, os Siona dizem que ele produz visões e que um xamã pode sair do seu corpo e viajar no primeiro céu depois de ingerir uma dosagem grande. Dizem que ele põe a roupa dos espíritos maus em vez da roupa do jaguar e pode viajar rapidamente pela selva para falar com os espíritos. Ora, o xamã não deve depender muito do yoco, porque se depende mais desta planta do que do yagé para viajar, ele tende a fazer mais mal do que bem. O yoco também é valorizado como um 'ïko tomado pelo paciente para curar os sintomas de sua doença. Em dosagens grandes, o yoco produz vômito, o qual os Siona acreditam que cura febre e gripe. Muitos dos velhos tomam regularmente o yoco como um emético para manter seus corpos "fresco" ( wahï ) ou quando estão se sentindo mal. Tanto o yagé quanto o yoco ativam os poderes do xamã. As bebidas alcoólicas, apesar de não serem classificadas como 'ïko, podem produzir um suor que ativa alguns dos poderes curativos do xamã. Assim, não tendo yoco, alguns velhos tomam aguardente para curar doenças menores, usualmente as que se chamam de malária. A adoção de aguardente para tais fins é recente, porque no passado os xamãs eram proibidos de tomar com o medo de perder seu conhecimento do yagé , e atualmente só os xamãs mais aculturados usam. Provavelmente adotaram o uso dos inganos, que não têm a proibição e a tomam junto com o yagé . O mesmo estado de força e suor pode ser produzido pela chicha, uma bebiba nativa fermentada, e
também pelo trabalho pesado. Os Siona dizem que é bom pedir a um velho para executar os ritos de cura das doenças menores justamente depois que ele voltou do trabalho e ainda está em um estado de suor. Uma função importante dos tipos de 'ïko colocados até aqui é fornecer a ponte entre este lado e o outro, que é habitado pelas forças sobrenaturais. Sonhos também têm um valor parecido e revelam as forças que operam por trás desta realidade. Quando sonham, os Siona dizem que estão viajando no "reino dos sonhos" e que seus companheiros espirituais são a "gente dos sonhos". Assim, como a gente de 'ïko, eles também são aliados e guiam o sonhador nos sonhos. Eles informam ao sonhador do que está acontencendo ou previnem o indivíduo de algum mal que pode lhe acontecer. Há também espíritos análogos aos espíritos medonhos que causam más viagens nas visões do yagé . Eles são parecidos aos macacos com orelhas grandes que assustam e causam doença. Assim como as visões, os sonhos informam sobre o passado e o futuro e sobre os acontecimentos sobrenaturais. Em alguns sonhos o indivíduo pode ser até curado de uma doença pela gente do sonho. Também como com as visões, há uma tradição oral sobre sonhos estereotipados. Assim, há sonhos que anunciam doenças, colheita abundante, etc. Os elementos simbólicos destes sonhos são parecidos aos das visões alucinógenas. Mas diferente das visões, os sonhos não são necessariamente dirigidos. Melhor dito, todos os Siona sempre sonham e lembram dos sonhos sem ingerir o 'ïko para produzir um sonho determinado. Os Siona dizem que têm três sonhos durante a noite, acordando depois de cada um. Na manhã relatam os sonhos à família para descobrir seu significado. Quando querem controlar seus sonhos para entender um acontecimento específico, eles tomam 'ïko para induzir o sonho desejado. Por exemplo, o tabaco de caça se usa como emético para sonhar sobre a caça do dia seguinte. O yoco é tomado para tornar o corpo fresco durante a noite e facilitar as viagens nos sonhos. No caso do xamã, ajuda-lhe a adivinhar as causas sobrenaturais dos eventos. O yagé também supostamente ajuda a pessoa a ter o sonho que quer.
'ïko para tratamento das sintomas físicas Até aqui, temos tratado dos tipos de 'ïko que produzem "desenhos" ou visões. Como já dissemos, também há os 'ïko que são empregados para aliviar sintomas físicos ou alterar o estado do corpo. Os Siona não fazem uma distinção linguística entre os dois tipos, como os Cashinahua (Kensinger 1973:14), que distinguem entre remédios amargos (alucinógenos) e doces (não alucinógenos). Os Siona usam a palavra 'ïko como aplicada no começo do capítulo. Ora, suas conversas e práticas a respeito do 'ïko implicam uma clara distinção entre plantas medicinais utilizadas para se comunicar com os espíritos e aquelas utilizadas somente para tratar os sintomas físicos de uma doença. De fato, se não se suspeita de uma causa sobrenatural, os remédios não alucionógenos são considerados suficientes para tratar o problema. Aplicam-se primeiro estes remédios, e só quando a doença não responde a estes que os Siona começam a suspeitar de causas sobrenaturais e pedem um rito do yagé . Mas mesmo quando estão realizando o tratamento com ritos do yagé, continuam a dar remédios para tratar os síntomas físicos da doença. O conhecimento dos remédios herbais é comum entre todos os Siona e não só entre os xamãs como no caso dos alucionógenos. Todos os Siona, homens e mulheres, conhecem várias ervas e outras substâncias utilizadas como 'ïko. Alguns indíviduos sabem mais do que os outros e são procurados quando ninguém na família imediata sabe o remédio certo, mas ninguem na comunidade pode ser chamado como um herbalista. Toda a informação e a ajuda em obter ervas é grátis. Ainda que qualquer um possa ministrar os remédios, é desejável para um xamã cantar sobre o remédio impregnando-o com um poder maior de cura. Os Siona conhecem centenas de plantas diferentes utilizadas para manter o bem estar em todos os aspectos da vida. Por exemplo, tem o 'ïko para assegurar que
as pessoas executam suas tarefas e as desenvolvem corretamente. Tais remédios são tomados durante os ritos de puberdade ou quando um individuo não está cumprindo com suas responsabilidades. Remédios são dados aos animais e às ferramentas utilizadas para plantar. Aos cães é dado um remédio para capacitá-los como bons caçadores. Estas substâncias incluem ervas, maribondos, abelhas e formigas, que ajudam o cachorro a caçar a anta ou a aguti, para encurralar os porcos silvestres e abrir seu olfato. Há também 'ïko para defender-se contra ataques dos espíritos. Antes de caçar, o homem deve banhar-se com um 'ïko de jaguar para não ser atacado. O maior número de 'ïko que não produzem visões utilizado para prever ou combater doenças quanto manter a boa saúde. Tais remédios são empregados como purgas do corpo, provocando suor, vômito, ou limpeza dos intestinos, buscando assim ajudar o corpo a voltar para um estado de frescura ( wahï ). 'ïko pode ser ingerido, usado em banhos ou aplicado na pele, como o uso da urtiga para aliviar as dores do corpo. Por causa desta dicotomia entre o 'ïko ligado às visões e o 'ïko empregado para curar os sintomas, os Siona incorporaram facilmente a medicina científica para tratar os últimos. Eles conhecem os remédios farmacêuticos já há vários anos e os usam cada vez mais, quando disponíveis. 'ïko, como remédio, não significa só uma substância com poderes curativos. Mais apropriadamente, o 'ïko como alucinógeno dota de poder o xamã e o saber que ele acumula lhe capacita a controlar e influenciar eventos nos dois lados da realidade. A relação entre o yagé e os outros remédios demonstra esta qualidade de dotar de poder. Os Siona dizem que todos os tipos conhecidos por eles foram descobertos através das visões do yagé . Quando um xamã quer se especializar em cura, ele tem que viajar à casa do Deus, onde o Deus lhe mostra um livro com todos os remédios, e é deste livro que ele aprende sobre os remédios e começa sua carreira de curar as doenças. O yagé dota de poder de uma segunda maneira. O saber que o yagé dá para uma xamã forma-se a partir de uma substância que cresce dentro do xamã enquanto ingere o alucinógeno. Esta substância, chamada dau, é a fonte do poder xamânico. O dau do xamã capacita ou ativa o poder de cura dos outros 'ïko. Idealmente, o xamã deve cantar sobre todos os 'ïko antes de serem ministrados ao paciente e assim ativar as propriedades de cura das plantas e outras substâncias. Passamos a explorar, então, este terceiro conceito chave do sistema xamânico dos Siona.
VI . DAU Apesar de considerarmos o conceito dau por último neste trabalho, ele é talvez o conceito mais importante no xamânismo siona. Nas páginas anteriores, exploramos os significados de wahï como uma conotação geral de saúde e de 'ïko como um remédio que dota o xamã com o poder de transcender a realidade cotidiana. O conceito dau completa este conjunto de palavras chaves, porque é o elemento essencial na cura e na causa das doenças e também na fonte de poder do xamã. Traduzir dau é difícil, porque ele tem vários sentidos diferentes e parentemente contraditórios. Há três usos diferentes e específicos de dau: 1. dau como uma substância que cresce dentro do corpo do xamã e que o dota de conhecimento e poder; 2. dau como uma substãncia concreta e causa do infortúnio; 3. dau como doença. Começaremos pela discussão destes três usos da palavra a seguir desenvolveremos seu sentido mais geral e metafórico.
O Dau do Xamâ Quando um homem começar a tomar yagé , é dito que uma coisa começa a crescer dentro dele. Esta coisa, chamada dau, corporifica o saber e o poder alcançados através das experiências com o alucinógeno. Ele capacita o "homem que saiu" para viajar nos reinos diferentes e para se comunicar com os espíritos. Depois, quando ele se torna xamã, seu dau fornece o poder para curar ou causar infortúnio aos outros. Do dau vem sua habilidade para induzir estados visionários com os estimulantes menores, como o yoco, e os poderes curativos quando está suando. Sem dau ele é "só um homem". Dentro do corpo, o dau não tem uma localização ou uma estrutura, mas é espalhado por toda parte do corpo. Entretanto, o dau do xamã, ou pelo menos uma parte dele, pode sair do corpo e, quando sai, incorpora-se em uma forma material, assumindo mais comumente a forma de um dardo, uma pedra, ou um dente de cobra. Outras formas incluem uma "substância podre", ou uma "borboleta preta". Quando um xamã ensina suas visões e cancões ao aprendiz, confere um pouco de seu dau ao mostrar as visões que ele conhece. Harner (1972: 119-121) indica que os Jivaro têm um conceito parecido ao dau, que eles chamam tsentsak . Durante o aprendizado dos Jivaro, o xamã passa um objeto verdadeiro de sua boca à do aprendiz, que eles dizem que é o tsentsak , um simbolo de seu conhecimento e poder. Para os Jivaros, a quantidade deste poder é limitada dentro do xamã e, assim, conferindo uma parte ao aprendiz, ele reduz seu próprio poder que deve ser reposto. Isto não é o caso entre os Siona, porque são não consideram que o dau do xamã é reduzido quando ele confere ao aprendiz mostrando as visões. Enquanto a acumulação do dau significa saber, e consequentemente poder, também significa que o possuidor do dau deve manter-se sempre alerto contra as influências que podem ser dau. Consideram que o dau é muito sensível e vulnerável e pode ser facilmente prejudicado, o que resulta na perda do saber. Por esta razão, os Siona dizem que o "homem que saiu" é "delicado". Ele tem poder e saber, mas também sempre deve proteger-se contra os perigos que reduzem seu dau. O dau pode ser prejudicado de várias maneiras. Qualquer mulher que está mestruada, grávida, ou no período pós-parto, tem um cheiro que pode atrair espíritos maus. Ficar perto de tal mulher ou comer a comida feita por ela causa dores de cabeça e no corpo do xamã e, pior, quando tomar yagé ele provavelmente terá más visões. Vários costumes siona, incluindo a casa de menstruação e o período de isolamento
dos pais durante a gravidez e o pós-parto, originam-se da idéia de proteger os homens delicados da comunidade que possuem o dau. O dau também pode ser prejudicado através das más viagens do yagé causadas por outros tipos de contaminação ou por feitiçaria. Tais experiências são seguidas por doenças sérias, cujo tratamento requer a extirpação do dau contaminado, e assim uma perda de saber. Finalmente, o dau também pode ser danificável por um encontro desprevinido com o espírito sem que se tenha tomado o alucinógeno. Por exemplo, um velho relatou que quando ele estava caçando na selva, ouviu um bebê chorar debaixo da terra. Ficou com tanto medo que voltou para casa sem poder falar. Aquela noite adoeceu com uma febre intensa e alta que provocou delírios. Seu irmão, um mestre xamã, executou um rito com yoco. Primeiro cantou sobre vários remédios, tomou o yoco e soprou fumaça para limpar seu corpo. Como a vítima não melhorou, o irmão tomou yagé . Suas visões revelaram que um xamã de um grupo vizinho tinha enviado o espírito para destruir seu dau e impedir-lhe de se tornar um grande xamã. Quando a vítima foi curada, seu dau teve que ser retirado do seu corpo. A próxima vez que ele tomou yagé , só viu escuridão e teve que começar de novo para acumular saber. Este caso ajuda a entender porque só poucos homens chegam ao nível de mestre xamã. Viagens aos reinos visionários podem envolver problemas físicos ou transtornos mentais. Além das doenças que seguem tais problemas, o indivíduo é rondado de memórias dolorosas. Quando tomar yagé , pode ser afundado na escuridão profunda de uma noite sem lua. Espíritos malignos, com línguas compridas e grandes orelhas, avançam sobre a vítima e tentam amarrar-lhe. Há uma luta, a vítima defendese. Se os espíritos ganharem, a vítima ficará no outro lado para sempre. Morrerá. Além de tais viagens ruins os Siona experienciam os encontros inesperados sem tomar o yagé como já descrito anteriormente. Dizem que quando andam na selva, a floresta se transforma da realidade familiar para aquela dos espíritos do outro lado. Espíritos ameaçam e tentam enganar o Siona, oferecendo-lhe mel podre ou sua chicha para que ele nunca volte à realidade ordinária. Tais ocasiões são sérias ameaças à saúde e à vida. Ouvindo tantos relatos deste tipo, é possível concluir que estas experiências visionárias não induzidas por alucionógenos são talvez um efeito restante da ingestão frequente dos tóxicos. Isto sugere que os que atingem o nível de mestre xamã têm uma estabilidade e uma força de caráter que aguenta inúmeras viagens alucinógenos sem efeitos negativos, enquanto os outros sucumbem ao medo e a uma confusão das realidades. Se for o caso, o mestre xamã mantém um controle de ambos os lados da realidade, confirmando as pesquisas que negam a teoria da personalidade patológica dos xamãs (Boyer 1964; Noll 1983). Dau é também a fonte do poder do xamã para causar danos aos outros, como já foi descrito no capítulo III. Os pensamentos do xamã podem fazer mal devido ao fato de que o dau que se acumula no xamã tem uma existência algo independente do intento e da vontade do seu possuidor. Como o dau só parcialmente, esta sob um controle consciente do xamã, ele pode causar infortúnio sem que o xamã deseje ativar seus pensamentos de raiva. Uma história oral conta sobre um bom xamã que jamais podia olhar diretamente os outros, porque se ele olhasse, eles poderiam morrer. Apesar de não ser sua vontade causar dano, seu dau era tão poderoso que ele causava apenas com uma só por uma olhadela rápida. O dau às vezes pode tornar-se tão independente que se volta contra seu próprio dono. Assim, os Siona têm uma história, ainda mais triste que a última, de um outro xamã que foi muito bom a sua gente, mas que causou, sem intenção, a morte do seu sogro. Além disto, na sua busca do criminoso, para puni-lo através dos seus poderes xamânicos, ele inadvertidamente causou sua própria morte. É por isso que, na morte de um xamã, os Siona se mudam para outra localidade, porque o dau ainda está potente e continua a causar danos. Assim, o dau deve ser retirado ritualmente do seu corpo e fechado no buraco de uma árvore com cera de abelha, para que não ameaçe mais os vivos. Dau como Substância da Doença
Quando usam a palavra dau no sentido de um objeto que causa mal, os Siona pensam nele como um objeto físico que pode estar dentro do xamã, voando em direção à vítima, ou dentro da vítima. Quando dentro do xamã, o dau aparece na forma dos dardos da zarabatana. A parte baixa do braço esquerdo serve como o portadardos. Quando ele confecciona o objeto recolhendo o dau espalhado no seu corpo, os Siona expressam esta ação como "trabalhar" ou "tecer" o dau. Ele o trabalha e joga na vítima. Em vez de um dardo, o dau pode tomar a forma de uma pedra, uma coisa podre, um dente de cobra, ou uma borboleta preta. Como já foi dito no último capítulo, estes são os objetos que, na cura, têm que ser retirados da vítima pelo xamã. Frequentemente os Siona falam do dau como algo que suga o sangue da vítima, cozinha o seu sangue ou apodrece a vítima. Dau e Doença
O terceiro uso do dau é a doença. Quando um doente diz que está morrendo, usualmente diz que está morrendo de um dau. Um sintoma ou mal estar pode não ser sério o suficiente para se chamado de dau, como nós não usamos a palavra doença para uma dor-de-cabeça comum. Pode ser pensado como algum incômodo menor. Estes incômodos são descritos simplesmente pela indicação do lugar e do sintoma predominante, tal como "arde" para infecções, "doi" para dores e feridas, e "coça" para coceira. Se o sintoma não desaparece ou se começa a ficar mais parecido a uma doença reconhecida, então os Siona começam a falar de estar morrendo de um dau. Este uso de dau se refere necessariamente à substância do xamã dentro da vítima, que está causando a condição. No começo, dau é usado no livre sentido metafórico. Ora, tal uso contém a implicação de que a doença pode ter uma causa mística se não responder ao tratamento comum através dos remédios não alucinógenos. Assim, o uso do dau neste sentido metafórico para denotar uma doença ou para conotar o sentido maior do dau como objeto xamânico, depende da história da doença e sua reação ao tratamento. A causação mística pode ser suspeita imediatamente em certos casos. Algumas síndromes sempre são ligadas a causas místicas. Também os sintomas agudos ou incomuns ou as doenças súbitas indicam a probabilidade de uma causa mística. Em tais casos, o xamã é chamado imediatamente para executar o rito de cura com yagé . Mas na maioria dos casos, os Siona começam a ministrar remédios não alucinógenos que eles acreditam que vão curar a doença. Se não hover reação ao tratamento, suspeitam de uma causa mística. Podem empregar yoco primeiro para limpar o paciente e adivinhar a causa. Se a causa mística não é muito forte, este rito pode ser suficiente. Se não, pedem ao xamã para tomar yagé . Depois o xamã usualmente explica a causa mística e indica mais tratamentos para curar os sintomas. Se ainda não houver reação, mais ritos do yagé são executados e vários xamãs podem ser consultados, até os de outros grupos. Tais tratamentos pelos xamãs duram até um mês ou mais. Quando a doença chega a este momento, a palavra dau se refere ao objeto malévolo no paciente, proveniente de um xamã ou de um espírito. Nem todos os xamãs podem retirar todos os tipos de dau. Ele tem que ter dau suficiente para ver a causa mística do dau e para vencê-lo, seja a causa mística vinda de um espírito ou de um xamã. Se for de um espírito, o xamã tem que saber sua canção e a visão para negociar com ele. Se for de um xamã, o xamã que cura tem que possuir mais dau que o agressor. O xamã retira o objeto sugando-o. Os Siona dizem que este dau é invisível à pessoa normal, mas que o xamã pode vê-lo. Ele o examina para determinar o prognóstico do paciente. Sendo o dau uma pedra ou um dardo, o xamã determinará até que ponto está claro ( wahï ) ou podre e escuro. O escuro representa o sangue e a decomposição da vítima. Se o objeto está completamente preto, o paciente vai morrer. Se está só parcialmente preto, ele poderá viver. Ao me contar isto, um Siona fez uma
analogia com minha caneta, em que se pode ver o tubo de tinta através da parte clara de plástico. Disse que a linha preta da tinta é como o sangue da vítima e as partes claras de plástico representam o wahï do paciente. O dau, neste sentido simboliza uma manifestação concreta de até que ponto a força de morrer está dominando a vítima. É comum para o xamã dizer que o dau está preto, indicando que ficou tempo demais no paciente para este sobreviver. Para curar o paciente, os Siona dizem que o xamã manda de volta o dau à sua origem. Três sentidos diferentes de dau foram apresentados aqui, mas não queremos indicar que são totalmente distintos no pensamento dos Siona. Dau é saber, mas não o saber no nosso sentido limitado. É um saber que capacita seu possuidor e influencia as forças místicas tanto quanto os seres humanos. É o próprio xamã o possuir do dau, quem pode viajar no 'outro lado' e mostrá-lo aos outros. É também manifestado no poder curativo da medicina no sentido mais amplo e também na presença das doenças. Os usos diferentes da palavra, ou as coisas e ações chamadas dau, indicam que dau é um símbolo chave (Ortner 1973) e multivocal para uma conotação importante e geral de energia ou poder. A conotação embutida nos usos de dau se refere à fonte de energia nas forças dinâmicas da vida, os estados de estar vivendo ou morrendo. Manifesta-se no xamã, nos objetos que causam a doença, ou na doença, e ativa-se pelo yagé . A forma com que se torna manifesto e operativo, depende dos vários fatores circunstanciais tais como: o saber, a experiência e as intenções dos xamãs, as intenções dos espíritos, e a quebra das normas sobre poluição e pureza.
VI. A PERSPECTIVA SIMBÓLICA DO XAMANISMO Nos capítulos anteriores, exploramos o sistema xamânico dos Siona através dos seus conceitos, sua visão de mundo e sua percepção dos acontecimentos. Mostramos que o sistema xamânico contém dentro de si as representações das forças que influem no mundo, além de ser um sistema que organiza a sociedade. O xamanismo Siona é abrangente demais, para ser encaixado apenas como religião, porque está ligado também com a organização política, as técnicas de sobrevivência, e a saúde no sentido lato e estricto. Apesar de não ser o fim deste trabalho, temos demonstrado em outros, (Langdon 1982; 1985b) que o xamanismo como um sistema modificou-se através do tempo. Antes da conquista era central ao sistema político, apesar de não organizá-lo. Depois, organizou-o e agora limita-se quase ao sistema de saúde (Langdon e MacLennan 1979; Langdon 1985b). Seguindo a tradição de Boas, nossa visão é examinar o xamanismo como um sistema no qual os elementos são melhores entendidos dentro do contexto cultural, embora que a pesquisa comparativa mostre muitos elementos em comum, sobretudo na América Latina (Viertler 198l). Neste último capítulo, voltamos à antropologia simbólica para analisar a centralidade do xamanismo para a cultura siona. Vamos considerar o xamanismo como uma religião, como define a antropologia simbólica e como Mary Douglas (1966) que relaciona a 'magia' e as questões sobre saúde com a preocupação da religião em explicar o ordenamento do universo. Como já foi dito, Durkheim, e subsequentemente Mauss, deram as pistas para a antropologia simbólica ao considerar como aspectos fundamentais na análise as representações coletivas e o rito. Para Durkheim, o rito é o ponto de troca entre as restrições externas morais (e os grupos de ordem social) e os sentimentos internos de conceitos imaginativos do indivíduo (Munn 1973:583). Para ele, o totem é uma forma externa da autoridade da comunidade, possibilitando-a assumir uma forma concreta dentro da imaginação e assim entrar diretamente na experiência individual. As representações coletivas estão fora do indvíduo, mas precisam ser manifestadas continuamente para assegurar sua continuidade social. Conceituado desta maneira, há uma relação dialética entre o pensamento individual e a ordem comunal, através das representações coletivas, e é o processo ritual que leva o individual a transcender-se e experienciar o coletivo como uma parte de si próprio. A sociedade, para ele, é um processo primário, o pano de fundo para a vida mental e o comportamento social, que são conscientes e públicos. As representações são as "formas" conceituais deste pensamento e comportamento coletivo, e podem ser pensadas como um código cultural e como os símbolos do sistema da comunicação ritual (Munn 1973:584). Ora, na análise de Durkheim os símbolos têm este poder de ser incorporados pelo indíviduo justamente porque são coletivos. O poder do rito recebe sua autoridade da moral coletiva e por isso os símbolos têm a força de serem incorporados no indivíduo. Durkheim, procurando estabelecer a sociedade como um fenômeno sui generis, imbui aos símbolos coletivos uma autoridade e um poder onipotente, e quase místico, na experiência humana. Apesar dos trabalhos sobre rito compartilharem, desde os anos 60, com a visão da religião como um sistema simbólico e com a preocupação de como o rito comunica e modifica a experiência humana, a autoridade do coletivo é vista como apenas uma parte por trás deste poder. O abandono da preocupação única em torno do social como centro da análise, deu lugar às considerações mais amplas sobre o ser humano: suas necessidades de compreender o destino e de se expressar ritualmente. A religião como código cultural, a análise do conteúdo destes símbolos e o aprofundamento do processo ritual para entender a raiz das emoções e dos sentimentos, compõem hoje as preocupações da antropologia simbólica.
Religião como Código Cultural
Na definição de Geertz da religião como um sistema cultural, encontramos os principais temas tratados pela antropologia simbólica. Partimos desta definição. Uma religião é: (1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da (3) formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que (5) as disposições e motivações parecem singularmente realistas. (Geertz 1978: 105) Partindo de Weber, Geertz desenvolve a definição de cultura como uma teia de significados e a religião como um sistema cultural. A religião apresenta a visão de mundo que trata do problema do sentido e do sofrimento na vida humana. Mary Douglas nos informa que a religião é a visão cultural sobre o destino do homem e seu lugar no universo (1966:35). Para Leach, ela é a preocupação com a antinomia entre a vida e a morte, seu problema central sendo a tentativa de fechar a distância entre o homem e Deus (Leach 1976: 6l). Cada religião tem os meios de aproximá-los. Estas definições se encaixam no caso espécífico dos Siona, no que diz respeito às suas preocupações com as forças da vida e da morte e também em relação à colocação do xamã como intermediário entre o homem e o sobrenatural. Turner também reflete esta visão quando nos diz que a religião trata das dualidades da vida social e cria uma ordem de harmonia através do rito (1966:1-94).
Religião e Ritos Se a religião representa a visão de mundo de um povo, esta visão precisa ser comunicada e a forma de comunicação é através dos símbolos ou, como diz Geertz, 'a religião é um sistema de símbolos'. Para não entrarmos numa extensa discussão sobre o que é um símbolo (um debate que é capaz de ocupar um trabalho inteiro) optamos, como Geertz pela definição oferecida por Susan Langer (l960): o símbolo "é usado para qualquer objeto, ato, acontecimento, ou qualidade, ou relação que serve como vínculo a uma concepção - a concepção é o 'significado' do símbolo" (Geertz 1978: 105). Símbolos comunicam e para serem comunicadas, as concepções precisam uma forma externa. Mary Douglas, interpretando a relação entre rito e religião em Durkheim, nos diz que certas idéias não podem ser expressas sem forma e que a religião precisa de uma forma externa para expressar estas "formas conceituais" que surgem na vida social (Douglas 1966). Objetos, atos, qualidades e relações simbólicas dão formas aos conceitos. Turner nos diz que uma propriedade dos símbolos rituais é a de multivocalidade e a consideração de vários significados em uma forma só (1967|29).
Poder do Rito Se um problema da antropologia simbólica é intepretar o significado dos símbolos, outro é entender a questão de Durkheim da relação entre a experiência ritual e a experiência individual. Melhor dito, porque o rito tem o poder de convencer o indivíduo e incitá-lo para agir tanto como ajudá-lo a pensar sobre o mundo. A experiência ritual não só expressa, mas também motiva as pessoas. Para Mary Douglas, Victor Turner e Clifford Geertz, o ritual estabelece uma realidade, com uma força que tanto cria como controla a experiência em um sentido mais amplo que o de Durkheim. A discussão de Geertz sobre o "modelo da e modelo para a realidade" exemplifica bem esta visão. O rito religioso apresenta através dos símbolos a concepção de mundo e os valores de uma cultura. Isto é o "modelo da realidade". Ao mesmo tempo, ele afirma que enquanto a realidade criada pelo simbólico, o rito tem "uma tal aura de fatualidade que" estabelece poderosas, penetrantes e duradouras
disposições e motivações nos homens". Isto é o "modelo para a realidade". O homem sai do rito mudado e atua frente ao mundo como se esta realidade fosse verdadeira. Na antropologia simbólica a cultura se torna um fenômeno dinâmico de praxis que é o resultado desta relação entre modelo de e modelo para. Se o rito expressa o social mas acaba sendo centralizado no indivíduo. É justo então perguntar: de onde vem este poder do rito de modificar ou modelar o pensamento e as ações do ser humano? Porque o símbolo público está internalizado? As pistas de Durkheim fornecem o começo, mas sua preocupação com a sociedade limita esta resposta. Como vimos, o poder do símbolo para ele é o social, o poder do corpo social como ordem social e cosmologia social. No momento do rito, o individual transcende seu próprio ser e se unifica com esta ordem moral superior. O rito envolve transcendência e o Deus de Durkheim é a sociedade com uma força e autoridade única. Em Radcliffe-Brown, esta visão fica explicitada quando ele discuti especificamente porque os símbolos despertam emoções e sentimentos (Munn 1973: 584). Ele distingue entre "valores sociais" e "sentimentos sociais", explicitando melhor o papel das emoções humanas na experiência simbólica. Os sentimentos sociais são os de afeto e obrigação moral para com os outros. Enfatiza as emoções sociais do homem social. Estes sentimentos são investidos em objetos de atividades sociais que influenciam o bem estar social ou em atividades que são o nexo de interação social intensiva. Estes objetos se tornam os veículos de "valor social", ou melhor, são símbolos dos valores sociais. O rito "fixa" valores sociais numa comunicação simbólica. Objetos rituais procedem da vida cotidiana traduzidos ao plano simbólico através do rito. Radcliffe-Brown segue a preocupação funcionalista de Durkheim no sentido de como o rito funciona para manter a coesão e de como os sentimentos são os do homem social. Na análise simbólica, a finalidade principal do rito é a de expressar, embora possa ter um resultado funcionalista no sentido de Durkheim. Na antropologia simbólica, o homem, se torna um ser ritual e um ser expressivo, e a preocupação das análises simbólicas é entender ou traduzir os significados do rito na comunicação (Leach 1976). Por outro lado, é implícito ná análise simbólica que o rito realiza algo, se este opera apenas no nível psicológico do participante. Enquanto o rito expressa ele, ao mesmo tempo, incita emoções e motivações, como Geertz aponta claramente. Esta idéia está clara tambem nos trabalhos de Turner (1967), Lévi-Strauss (1967) e Douglas (1966: 90). Voltando às palavras de Geertz, a religião "veste os conceitos da ordem da existência com uma aura de fatualidade que as disposições e motivações parecem singularmente realistas" (1978: 105) e "é no ritual... que se origina essa convicção de que as concepções religiosas são verídicas e de que as diretivas religiosas são corretas" (1978:128). Num ritual, fundem-se o mundo imaginário e o mundo vivido sob a mediação de um único conjunto de formas simbólicas. O 'ethos' e a visão de mundo convergem para fornecer no crente uma experiência que justifica a ordem conceitual e induz o participante a agir partindo desta visão. Não é, para Geertz, a ordem moral que dá poder ao símbolo de ser internalizado, mas a disposição religiosa no ser humano, que impulsiona os homens a procurar entender o sofrimento (1978: 125-128). O sagrado para Geertz é ligado com este 'problema de significado'. É assim esta disposição no humano que o conduz a aceitar a visão criada no rito como o "verdadeiro real". As atividades simbólicas da religião como sistema cultural se devotam a produzi-lo, intensificá-lo e, tanto quanto possível, torná-lo inviolável pelas revelações discordantes à experiência secular" (Geertz 1978:128).
A religião, como uma disposição no ser humano, tem a autoridade persuasiva por si mesma. Victor Turner dá um passo além de Geertz no tratar este poder do símbolo e a autoridade do rito. Ele pergunta explicitamente "como funcionam os símbolos rituais ?" (1974: 55). Utilizando as idéias de Sapir (Turner 1967: 29-32) ele conclui que os símbolos dominantes num rito são multivocálicos, com vários referentes e no rito se condensam, unindo-os num só campo cognitivo e afetivo. Os referentes dos símbolos se polarizam em dois pólos semânticos: os que são ligados com os fenômenos fisiológicos (sangue, orgãos sexuais, coito, nascimento, morte, etc) e os valores normativos de fatos morais. Neste segundo pólo, se encontram os símbolos que representam as normas e valores da sociedade, assim como os princípios da organização social. O primeiro ele chama o pólo oréxico (do grego desejo, "apetite") e o segundo o social. No drama do rito - a catarse ou êxtase criado através das canções, das danças, dos corpos enfeitados, o uso de álcool ou alucinógenos - causa uma troca entre estes pólos. Na troca, os referentes ao pólo biológico são enobrecidos e os do pólo social são impregnados com sentimentos e emoções. Nesta discussão, Turner se identifica com a psicologia no sentido de que estes símbolos batem com raízes profundas do inconsciente e de que os símbolos rituais, com relação às interpretações indígenas dadas a eles, são modelados parcialmente sob a influência de motivações e idéias inconscientes (1967: 33). Nos diz: Quando um rito realmente funciona, a troca das qualidades entre os pólos semânticos, a meu ver, realiza efeitos realmente catárticos, causando em alguns casos transformações verdadeiras no caráter e nas relações sociais (Turner 1974: 56). Ele demonstra isto claramente na análise do ritual da cura dos Ndembu, envolvendo uma doença causada pelo "podre" nas relações corporais do grupo (1967). Uma contribuição de Turner sobre o poder do rito vem da sua preocupação estruturalista no processo ritual (1966). Partindo de Van Gennep, ele define muitos rituais como rituais de passagem que contêm as fases de separação, liminaridade e agregação (1969: 94). A cura do conflito social se resolve através deste processo, em que o mal (doença, conflito) é trabalhado simbolicamente na fase liminar. O ritual manipula os símbolos de opostos binários para terminar num reordenamento da realidade para a harmonia e a paz. A fase liminar é um tempo que não é aqui nem ali. Está ligada com a morte, a invisibilidade, a escuridão, e o ambíguo - os espaços entre as categorias, as realidades ou a estrutura. Para Turner e para Douglas, há poder no liminar. Trabalhando com o processo dialético de estrutura-antiestrutura, esta última é uma em que as normas não se aplicam, em que todos os seres são iguais e em que surge o que Turner chama "communitas". Nas communitas as relações entre os seres humanos são livres e a separação entre eles desaparece. Embora nós não queiramos explorar aqui a relação deste estado de communitas com o das relações estruturadas a importância desta dialética para a vida social, este estado de communitas é o que faz possível a reordenação ou o repensar da realidade. Neste resumo de Turner, chegamos ao último aspecto a ser levantado antes de explorar o rito xamânico dos Siona: é questão da eficácia do rito, particularmente a eficácia do rito de cura. No começo do trabalho, rechaçamos a divisão entre a magia e a religião e reclassificamos o xamanismo como um sistema de religião, segundo uma definição mais ampla. Ora, se aceitamos a idéia de Geertz de que a religião não tenta abolir sofrimento, mas tenta ajudar na sua compreensão, ainda uma parte do xamanismo siona fica problemática: os rituais de cura, para assegurar uma boa caça
ou colheita, etc. Pela razão de que estes rituais são feitos justamente para modificar o mundo se for possível. Estes ritos são ligados com a antiga definição da magia. Geertz, como Durkheim, não trabalha com este aspecto da religião, mas Mary Douglas e Leach o fazem e os próprios ritos escolhidos por Turner envolvem tais rituais. Leach (1976) oferece talvez a explicação menos satisfatória. Ele trata magia como uma categoria separada da religião, como um pensamento simbólico. Para ele, os ritos mágicos são expressões metafóricos e tais ritos compõem uma comunicação metafórico em que os símbolos são interpretados como signos que indicam o que esta acontecendo no nível metafísico. Para ele a magia é uma confusão da lógica entre o signo e o símbolo. Consideramos que tal conclusão não resgata a caracterização da magia como uma categoria etnocêntrica. Com já dissemos, Mary Douglas vê a religião e a magia como a mesma coisa (1966:77). Magia não se distingue da religião por ter o mesmo fim funcional, mudar as coisas. No seu trabalho, a preocupação do homem com higiene e doença está ligada à questão da religião como ordenadora da existência humana. Ela distingue entre dois tipos de eficácia que são úteis para pensar o xamanismo: a eficácia instrumental, i.e. de mudar o mundo; e a eficácia experimental, de ser mudado ao nível psicossomático (1966: 57-91). Os ritos criam uma realidade ao enfocar a atenção para experimentar certas coisas sem o ritual. Assim, desenvolve sua idéia de que o ritual cria e controla a experiência. Juntando a discussão anterior de Turner com as idéias de Douglas, podemos concluir que o rito opera em vários níveis psicobiológicos ao mesmo tempo, e a eficácia de cura de um rito pode realmente curar, seja num nivel psicológico de bem estar ou seja num nível psico-biológico de curar os sintomas. Esta idéia de que ser curado implica mais do que apenas ser curado de sintomas físicos vem sendo desenvolvida por vários psicólogos e médicos (Frank 1974; Kiev 1968, Cassel 1976, Kleinman 1980). Voltamos agora ao rito xamânico, examinando um rito de cura à luz das contribuições da antropologia simbólica. Num aspecto, estamos interessados em como o rito xamânico expressa a ordem da existência dos Siona descrita nos capítulos anteriores. Num outro, estamos interessados na questão da eficácia do rito pela forma como reordena a realidade da doença para a saúde. Pela falta dos mestres xamãs na comunidade, nós tivemos poucas oportunidade de observar os ritos de yagé dirigidos à cura da doença. Assim, não pudemos aprofundar na análise tal como fez Turner, mas os dados que temos oferecem as pistas para pensar como os símbolos trabalham para curar em vários planos psicobiológicos entre os Siona.
O Rito Siona Voltamos agora para o rito xamânico para curar doenças. Nossa atenção está centrada em como o rito comunica os conceitos de uma ordem de existência geral, consegue estabelecer o imaginário como o verdadeiramente real, e resulta num reordenamento da realidade para produzir mudanças profundas nos participantes. No dia do rito, os participantes começam a preparar-se observando os tabus para evitar a intromissão dos espíritos maléficos no rito. Não tomam banho no rio depois do meio dia; não andam na selva, os cachorros também ficam presos para não atrair os espíritos, ficam em jejum e tomam eméticos para purgar seus corpos da poluição, a fim de que seus corpos possam tornar-se leves (wahï ) para viajar. Também pintam o rosto com os desenhos do yagé e enfeitam seus corpos com sementes, penas e colares de dentes de jaguar ou de porco silvestre. Alguns destes enfeites foram recebidos durante rituais anteriores quando a gente do 'ïko os atirou do
outro lado. Estes enfeites, junto com as ervas cheirosas, são importantes para atrair os lindos espíritos aliados, a Gente wahï , que os ajudar na viagem ao outro lado. Ao mesmo tempo, o mestre xamã e seus ajudantes estão preparando o yagé longe das casas para prevenir que o tóxico seja poluído. O xamã escolhe a planta e seus aditivos mais adequados para levá-los ao domínio dos espíritos da doença (Langdon 1986). Ao pôr do sol, todos se juntam na casa do 'ïko, uma casa ritual separada da comunidade, usada somente para os ritos de yagé . De um lado, o mestre xamã se senta num banco baixo com a preparação do 'ïko e seus implementos rituais arrumados em uma mesa pequena disposta à sua frente. Estes incluem um cálice com uma tijela pequena em cima, uma tijela ao lado contendo a seiva de uma árvore não identificada, e uma vassourinha de folhas secas ao outro. No chão há uma panela grande com a preparação do yagé . O cálice, as tijelas e a panela grande são de cerâmica enfeitadas com desenhos do yagé . A seiva na tijela é classificada como wahï e se toma durante a cerimônia para criar a sensação de wahï enquanto dura a intoxicação pelo alucinógeno. A vassourinha é usada para preparar ritualmente o yagé antes de tomá-lo e para limpar o paciente e os participantes durante o rito. Depois que escurece, o mestre xamã começa a preparar o yagé no cálice para espantar os espíritos maléficos que possam haver. Ele canta e sacode a vassourinha sobre o líquido e entoa sobre ele para que inspire as visões desejadas. Isto é feito através de uma invocação dirigida às visões e aos espíritos que ele quer ver. Depois da invocação, o xamã serve a primeira tijela e toma rapidamente seu líquido, testando para ver quais as visões que o yagé dará. Toma até três tijelas, cada vez repetindo a preparação ritual, até que as visões começam a chegar. Se o yagé não dá os efeitos desejados, é destruído pelo xamã, que terminará o rito. Sem as visões acontecerem como o previsto, o xamã começa a cantar sobre as cenas que está vendo do outro lado. Este é o signo para seus ajudantes trazerem sua coroa grande e a vara, ambas feitas das penas do macau vermelho. Dizem que o Sol usa uma coroa parecida na sua viagem através do céu e que o macau vermelho senta no seu ombro. Os outros, menos o paciente, pedem para tomar yagé , cada um recebendo-o depois de terminada a preparação. O grupo toma entre três ou cinco vezes durante a noite, dependendo da potência do yagé . O xamã limpa o paciente com a vassourinha, cantando aos espíritos. Também corre rapidamente dentro e por fora da casa. Assobia, canta, dança. Logo ele volta ao paciente para limpar de novo. Ele suga a parte do corpo que está doendo até que retira o dau, examinando-o. Se é totalmente preto ou podre, indica que o paciente vai morrer; se não, ele pode curar a vítima. Logo ele atira o dau, na direção da selva, devolvendo-o à sua origem. Durante o drama ritual, ele pode também lutar com os espíritos da doença. Na madrugada, as atividades e as visões se acalmam. As pessoas voltam para este lado. O xamã lhes serve uma bebida conhecida como "bebida de metal", que é fresca (wahï ) e ajuda a estabelecer de novo o wahï no corpo. O xamã intepreta as visões, segundo os elementos simbólicos (Langdon 1979c). Explica a causa mística da doença e seu êxito em reverter a causa. Normalmente, acusa algum indivíduo, geralmente um xamã rival, de ter mandado o dau. Dá instruções ao paciente sobre os remédios específicos que deve tomar para tratar os sintomas, já que a causa mística foi retirada. Fica claro a partir desta descrição como os símbolos chaves dos Siona impregnam o drama do ritual. Wahï , dau e 'ïko são símbolos multivocais representados na fase de separação, liminar, e de agregação do rito. As preparações na parte liminal tentam repelir os possíveis prejuízos do rito pelo dau através da limpeza e do enfeite do corpo e para imbuir os participantes com as qualidade do wahï . No
liminar, lá na casa do yagé , na floresta, wahï , é simbolizado na selva tomando durante e depois do rito. O dau é o símbolo dominante no rito, presente no xamã, no paciente, no objeto da doença, e nos espíritos maléficos que lutam com o xamã. O drama da cura simboliza a contradição e o conflito entre as forças da vida e as forças da morte. O xamã com seu dau tenta restaurar o wahï e luta contra o dau da doença, a disrupção da ordem, o podre, e os espíritos que são donos deste dau podre. O 'ïko representado no yagé tão cuidadosamente preparado possibilita a mediação do xamã nesta luta. Através da manipulação do símbolo dau, é possível ver como o drama da cura reordena a realidade. A luta do xamã, utilizando seu dau para restaurar o wahï do paciente acaba quando ele consegue retirar o dau da doença e através das gesticulações reverter o dau para sua origem. No fim, com a volta do dia, todos tomam o líquido reservado para o fim do rito, símbolo do wahï , e voltam à suas casas. Se o rito estiver suficientemente forte para comunicar estas concepções da existência e a reordenação da realidade restaurando o wahï a um nível profundo, então a eficácia do rito se torna clara. Nem sempre o paciente sai curado no sentido clínico, mas pelo menos ele percebe ser curado no sentido "heal" tal como colocou (hãl - inteiro) Frank e outros, que enfatizam a necessidade de estabelecer o sentido de bem estar e de estar curado ao nível psicológico além da curar os sintomas. Como dizem os Siona, o paciente já está pronto para receber os remédios para curar os sintomas. Há algumas considerações finais sobre a autoridade do rito para estabelecer o imaginário como o verdadeiramente real e fundir ambos os lados da realidade em uma só. O rito como tempo liminar, coloca a experiência em outro espaço (na floresta), e em outro tempo (a noite), ambos associados com o domínio dos espíritos. Todos os enfeites dos participantes e os desenhos nas cerâmicas são os dos espíritos. Os Siona antecipam uma experiência no outro lado, onde o conhecido, o cotidiano, transformase no místico e no domínio invisível dos espíritos. O mestre xamã, como guia, dá uma autoridade especial à experiência ritual. Como possuidor do dau, ele é o poder. Mas não é apenas o dau que lhe confere poder. O xamã é mediador entre o mundo natural e o mundo místico. O xamã é ambíguo. Ele não é nem humano nem espírito, mas mediador, operando em ambos os planos: o do natural e o do sobrenatural. Ele é humano e animal, porque se transforma no jaguar. Ele não é bom nem mal, porque pode causar doença, como curar. Douglas, Leach e outros reconhecem este poder de ambiguidade nas pessoas, animais e outros seres que não se encaixam nas categorias mutuamente exclusivas da realidade. Para Turner, o xamã é uma figura liminar. Finalmente, quero destacar o uso dos alucinógenos no rito xamãnico. Se um rito realmente serve para conseguir a fusão do imaginário com a realidade, para operar em vários níveis da experiência humana, tem que chegar às emoções e dos sentimentos inconscientes dos participantes. Para isto, como reconhece Turner, há várias maneiras: através da dança, das canções, das roupas rituais, etc. Ora, os Siona, como vários grupos desde o começo da religião (LaBarre 1970; 1972), usam uma maneira particularmente efetiva. A experiência alucinógena é uma experiência ligada com as raízes do inconsciente (Naranjo 1973). Quando guiados através dos símbolos, ligam o cultural como inconsciente profundo de cada um no processo ritual. O imaginário se torna real num sentido bem mais "real" do que aquilo que Geertz chama "verdadeiramente real". Os particpantes não apenas sentem as emoções e as motivações, acordados pela manipulação simbólica, mas eles também vêem literalmente o outro lado. As percepções são literalmente alteradas para permitir a visão de uma outra realidade (Huxley 1954). Os Siona, através de seus modos de guiar esta experiência no inconsciente, conseguem construir um rito realmente eficaz. Isto fica tão evidente nas descrições dos ritos e viagens ao outro lado dos Siona. A descrição das atividades do xamã no ritual dado aqui é a descrição seca do observador; nenhum Siona relataria assim. Eles vêem os espíritos descerem, o xamã
transformar-se em jaguar, o dau da doença, a luta entre o xamã e os espíritos maléficos. É oportuno, então, acabar esta discussão analítica sobre o xamanismo, o símbolo e o rito, com a relato de um Siona sobre sua própria experiência no rito, quando o pai precisava traze-lo de volta a este lado depois de uma má visão com o yagé . Suas palavras transmitem melhor que as nossas esta experiência ritual e o sentido da restauração do wahï . Quando eu tinha quinze anos fui à floresta com meu cunhado. "Vamos matar uma anta" disse Dutu Wati. Fomos longe na selva. Enquanto andávamos os cachorros espantaram um peru silvestre, e meu cunhado o seguiu. "Fique aqui e espere" disse ele. "Tudo bem" eu disse, e fiquei parado esperando. Eu estava ao lado da raiz da palmeira chonta e subitamente ouvi um som: tuuuuuh, sob a terra. "O que ouvi?" pensei enquanto escutava. Logo debaixo da terra veio um som parecido com um bebê recém nascido, "Ummu Ummmmm", ressonando na terra. Então, como uma criança, chorando "Ummee Umme umnn umnn unneeh", o espírito ressonou. Ele chorou e eu o escutei. "Quem chorou?" eu pensei. Logo meu cunhado assobiou. Mas eu não pude gritar nada. Minha boca estava paralizada. Eu não pude andar e estava completamente estupefato. "Quem esta falando ?" eu pensei, escutando. De novo meu cunhado gritou, e eu não respondi nada. Então gritou, de novo, e eu me forcei e fui até ele. "Porque tu não respondeste ?" ele perguntou. "Não", eu disse, "Alguém falou comigo como uma criança chorando de dentro das raízes da palmeira. "Um espírito quer lhe comer e por isto ele chorou" ele falou. "O que chorou como uma criança pequena?" perguntei. "Talvez um espírito esteja te comendo" ele disse. "Eu não sei", eu respondi. Ele tinha encontrado os rastros de uma anta, que seguimos e acabamos matando uma anta pequena. "Vamos voltar agora, porque não podemos andar na selva se estás mal", ele disse e voltamos. "Como sente-se teu corpo" me perguntou. Chegamos na casa e escureceu. Fui ao rio para tomar um banho e voltei. Muito rapidamente a doença chegou. Eu tinha uma febre muito alta. "Estas morrendo meu filho?" perguntou meu pai. "Sim, estou morrendo" eu disse. Logo eu tinha diarréia, e eu me sentia mal enquanto todo meu estômago revolvia-se. A diarréia era um líqudido preto com folhas podres. Eu contei para meu pai "Pai, folhas pretas estão saindo". "Se é assim, um espírito está te comendo" ele disse. Eu começei vomitar muito. Eu vomitei folhas verdes. "Alguém está pensando mal e por causa disso o espírito está te comendo", meu pai
disse. Então ele cantou um canto (cântico) dos espíritos sobre um remédio. Ele não falou nada quando me deu o remédio para tomar. Então ele foi procurar os remédios na selva. Ele voltou e contou sobre o remédio e me disse, "Vomite esta criança. Não tem medo". Então eu o tomei e vomitei. Vomitei somente líquido preto. Eu tomei de novo e vomitei. Finalmente um líquio claro; somente o remédio saiu. Então eu contei ao meu pai. "Pai, eu vomitei bem". "Como tu vomitaste?" perguntou. "Primeiro vomitei somente um líquido preto. Logo depois eu vomitei uma líquido de água". "Assim sendo, talvez o espírito não tenha te comido mas só te assustado" ele disse. Então ele soprou sobre mim e tive um sonho mal. "Ignácio tem pensado o mal para ti. Porque tu estas começando a ter as visões do yagé , ele pensou mal para que o espírito te assustasse para que as visões que ele te deu sejam perdidas", ele disse. "Assim sendo, ele fez aquilo, mas o espírito não te comeu. Ele somente te assustou para limpar-te as visões que ele tinha te dado". Eu escutei-o sem falar. Então, ele cozinharam o yagé e meu irmão maior me carregou à casa do yagé . Meu pai soprou dau. Ele curou todo o dau do espírito que foi mandado a mim quando eu estava assustado. Ele cantou as cançães do yagé e vendo tudo do que o espírito tinha dado para mim; ele me curou. Eu melhorei e estava bem. O tempo passou e eles cozinharam uma outra casa do yagé ; eu pensei que ia tomar yagé . Meu pai cantou muitas canções do yagé . Ele cantou e logo me curou, e eu pedi-lhe para dar-me o yagé para tomar. "Tu queres tomá-lo?" ele perguntou. "Sim, eu quero tomá-lo" eu respondi. Ele começou a curar o yagé . Ele o preparou, acabou, e logo soprou. "Toma um bocado, criança, e tu verás", ele disse. Então eu tomei um bocado, e o yagé chegou a mim. Quando chegou, o yagé só mostrou baratas pretas. Logo eu vi homens pretos e sua terra. Assim o yagé chegou para mim. Depois a gente do espírito de embriaguez vieram, os 'ïko espíritos de embriaguez. Chegaram e tentaram me amarrar. Eles tentaram fazê-lo, mas eu me defendi. Eu trabalhei para defender-me, e então a gente da embriaguez puxam suas línguas de fora e vieram gritando na minha direção. Eu não estava lembrando nada deste lado. Eu estava morrendo. Meu pai tinha ido a selva cantando. Quando ele voltou, eu não estava lembrando nada deste mundo. "Oh, irmão pequeno está morrendo?" disse meu irmão maior aproximando-se. "Papagaio-cantando (o nome ritual da vítima)" meu pai me chamou. Eu não estava pensando nada. Então ele cantou um canto do espírito. Eu não podia tragar, então ele conseguiu uma faca e abriu meus dentes e despejou um pouco de água em minha boca. A água entrou suavemente. Então ele soprou o dau. Eu vi então a gente do céu, a 'iko-gente; eles são como nós. Ele vieram como se chegasse pessoalmente e desceram num espelho grande. Foi com este espelho
que meu pai me viu e curou. Ele soprou e viu o lugar da embriaguez. Ele falou muita linguagem yagé , e tambem a linguagem dos espíritos. Ele soprou, e eu estava vendo o que ele fez e assim voltei a este lado. Eu virei, e todo o 'ïko gente parecia descer ao lugar de meu pai. Assim, meu pai me mostrou as visões. Assim ele me impediu de morrer, e rapidamente eu virei para este lado. Quando voltei, eu estava wahï " (Langdon 1979c: 73-75)
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