PROJÉTIL LEVE X PROJÉTIL PESADO
O cálculo do fator da munição em competições de IPSC é obtido pela multiplicação do peso do projétil (em grains) pela sua velocidade (em pés/s) na saída do cano dividido por 1.000, conforme a equação (1). Cada modalidade de IPSC possui um fator mínimo a ser respeitado, sendo na Production necessário um fator mínimo de 125.
=
(1)
O que representa realmente o fator f ator da munição? Está relacionado com a energia da munição? Com o recuo da arma? Como ele afeta na recarga da minha munição para que eu a aperfeiçoe ao tiro prático? É melhor usar projétil leve ou pesado? São dúvidas que sempre aparecem e poucos respondem razoavelmente.
1) ENERGIA CINÉTICA Inicialmente, é bom esclarecer que fator não mede energia da munição! Ao menos aquela energia utilizada para classificar se a munição é de uso restrito ou permitido especificado no Decreto nº 3665/2000 (ou R105 do Exército) e que traz junto todas aquelas implicações legais conhecidas pelos atiradores. Essa energia é obtida pelo cálculo da energia cinética do projétil na saída da ponta do cano da arma através da equação (2), onde “m” é a massa do projétil e “v” é a velocidade do projétil na saída da boca do cano:
(2)
A energia cinética está relacionada com o potencial ofensivo da munição, ou seja, é essa a energia máxima que o projétil consegue transferir ao alvo quando impactá-lo. Quanto maior a energia cinética do projétil, mais “forte” ou mais “potente” é a munição. Cabe lembrar que essa medição de energia é feita na saída do projétil na boca do cano e que a energia cinética diminui com a distância do alvo em virtude da queda da velocidade do projétil ao longo de sua trajetória ocasionada pelo seu atrito com o ar. Ou seja, alvos mais próximos receberão um impacto ou uma força maior do projétil do que os alvos posicionados a longas distâncias. Comparando as equações (1) e (2) percebe-se que o fator da munição não mede a sua energia cinética, visto que são grandezas diferentes já que na equação (2) a velocidade é elevada ao quadrado.Porém, podemos recarregar munições que possuam mesmo fator, mas com energias cinéticas diferentes. Por exemplo, se tivermos uma munição com massa “m” e velocidade “v” e
outra munição com metade dessa massa, mas com o dobro de velocidade, obteremos o mesmo fator para ambas as munições, porém a energia cinética da segunda será o dobro da primeira. Isso porque a energia cinética aumenta ao quadrado com a velocidade. O sentido físico disso é que a munição com maior energia cinética terá uma maior capacidade para derrubar um popper, já que ela pode transferir a ele uma maior quantidade de energia. Ao contrário, se recarregarmos uma munição com o dobro da massa, mas com a metade da velocidade, esta terá pelo mesmo motivo a metade de energia cinética que a da munição de referência e com mais dificuldade para derrubar um popper. Como exemplo prático podemos analisar o caso do calibre 9 mm Parabellum. Normalmente usa-se peso de projéteis variando entre 125 grains (equivalente a 0,008111375 kg) e 147 grains (equivalente a 0,009538977 kg) para esse calibre. Para obter um fator de 125, a velocidade imposta a esses projéteis deve ser de 1.000 pés/s (equivalente a 304,8 m/s) para o projétil mais leve e de 850 pés/s (equivalente a 259,1 m/s) para o projétil mais pesado, conforme a equação (1). Essa variação de velocidade é possível alcançar modificando a quantidade de pólvora do cartucho na recarga. Calculando a energia cinética para ambos através da equação (2), obteremos: Projétil de 125 grains:
= 12 0,008111375 304,8 = 376,78 Projétil de 147 grains:
= 12 0,009538977 259,1 = 320,19 Apesar de ambas as munições terem o mesmo fator de 125, a munição com projétil de 125 grains possui 17,6% mais energia que a munição com projétil de 147 grains, quantidade essa não tão irrisória. Isso pode explicar o porquê que em alguns casos o popper cai para um atirador e não cai para outro atirador mesmo ambos tendo o acertado.
2) MOMENTO LINEAR A fim de entendermos o significado físico do fator da munição calculado no IPSC segundo a equação (1), necessitamos recorrer à Física Clássica, mais especificadamente aSegunda e Terceira Lei de Newton. A Terceira Lei de Newton diz que “a cada ação sempre se opõe uma reação igual, ou seja, as ações mútuas de dois corpos, um sobre o outro, são sempre iguais e dirigidas para partes contrárias ”. É a famosa lei da ação e
reação, ou seja, quando a arma expele um projétil com determinada massa e
velocidade imprimida pela força de expansão dos gases durante a explosão da pólvora, haverá sempre uma força de reação em sentido contrário, a qual denominamos em nosso meio desportivo como recuo da arma. Essas forças de ação e de reação são medidas multiplicando a massa do corpo pela variação da sua velocidade em determinado tempo (equivalente à aceleração imposta no corpo pela força), chegando à expressão da Segunda Lei de Newton:
= = =
(3)
Onde: F = força m = massa a = aceleração dv = variação de velocidade dt = variação de tempo
Na época, Newton expressou a força como a variação do produto “massa x velocidade” ao longo do tempo e chamou tal expressão “massa x velocidade” como quantidade de movimento, atualmente denominada como momento linear. Nota-se que a expressão “massa x velocidade” é justamente a nossa equação (1), ou seja, o fator da munição nada mais é que o cálculo do momento linear do projétil. Tudo bem, e daí?! Sei que fator é momento linear do projétil, mas o que isso significa? Para entendermos o significado disso temos de recorrer a outro princípio da Física: o Princípio da Conservação do Momento Linear. Tal princípio fala que “quando a resultante das forças externas que atuam em um sistema é nula, o vetor momento linear do sistema permanece constante ”. No nosso caso o “sistema” corresponde ao conjunto arma/munição. Como não existe nenhuma aplicação de força externa nesse sistema (não existe algo externo à arma que empurre a munição para fora do cano), a soma do momento linear da munição (ação) e do momento linear da arma (reação ou recuo da arma) deve ser nula. Ou seja:
+ (−) = 0 = Onde: m p = massa do projétil v p = velocidade do projétil ma = massa da arma
(4)
v a = velocidade da arma (com direção contrária ao do projétil, motivo do
sinal negativo) A equação (4) de pronto já mostra a influência do peso da arma no recuo. Para um mesmo fator ou quantidade de movimento oriundo do disparo (massa do projétil multiplicado pela velocidade do projétil), tanto menor será a velocidade de recuo quanto mais pesada for a arma. Essa conclusão é coerente com a inércia do corpo, pois quanto mais massa tiver a arma, maior a tendência de permanecer parada. Sabe-se agora claramente que a medida de fator da munição não está relacionada à energia cinética da munição (que se vincula à energia que o projétil pode transferir ao alvo), e sim ao momento linear do projétil (que é diretamente proporcional ao recuo que o mesmo provoca na arma). É importante também perceber que fixando um fator constante da munição, independente de qual seja a massa ou velocidade do projétil para aquele fator, o momento linear resultante na arma também será constante. Ou seja, munições variando peso e velocidade, mas com mesmo fator, gerarão o mesmo “recuo” na arma.
3) O QUE É RECUO DA ARMA? Para prosseguirmos no raciocínio, é importante definirmais precisamente o significado de “recuo” da arma. A deflagração da pólvora cria uma força gerada pela pressão dos gases provocando o deslocamento do projétil no cano da arma. Simultaneamentegera-se uma força oposta de reação sobre a arma em intensidade suficiente para manter equilibrada a equação (4) em termos de velocidade entre projétil e arma. Essa velocidade normalmente cresce até o projétil sair do cano, momento em que a velocidade e o momento linear do projétil são máximos e, por sua vez, os da arma também. Quando o projétil é expelido do cano, os gases gerados pela pólvora deixam de atuar, pois não há mais aumento de pressão, e a sua velocidade permaneceria constante se não fosse o atrito com o ar. Não havendo mais aumento de velocidade, ou seja, a aceleração passa a ser nula no projétil, consequentemente não há mais força sendo aplicada nele e o momento linear seria constante (ver equação (3)). O mesmo raciocínio se aplica à arma, enquanto há aumento de velocidade no projétil, haverá uma força de reação (ou recuo) na arma até que o projétil saia definitivamente do cano.Portanto, o recuo que sentimos ao disparar uma arma pode agora ser definidocomo sendo a força de reação da arma aplicada na empunhadura do atirador durante o tempo de percurso do projétil no cano. Na Física isso se chama de impulso, expresso pela seguinte equação:
=
(5)
Onde: I = impulso F = força dt = período de tempo de aplicação da força
Ou seja, quanto maior a força e/ou maior o tempo de aplicação (tempo em que o projétil percorre o cano) maior será o impulso (ou recuo) da arma. Isso pode ser explícito pelo gráfico abaixo. M B1
M1
F1 A1
t1
t
O gráfico representa a variação do momento linear “M” do projétil de um disparo de munição ao longo do tempo “t”. No tempo t=0 a munição não se encontra deflagrada e, portanto, sem movimento. Ou seja, se não há movimento a velocidade é zero e o resultado do momento linear é nulo antes do disparo. Esse estágio é representado pelo ponto A 1 do gráfico. Quando a munição é deflagrada o projétil passa então a se movimentar e adquire velocidade, a qual aumenta ao longo do tempo conforme o aumento da pressão dos gases. Aumentandoa velocidade há também um aumento do momento linear do projétil, resultado da multiplicação da sua massa pela sua velocidade. Esse aumento do momento linear é representado pela reta entre os pontos A1 e B1, cujo valor máximo é obtido na saída do projétil do cano (ponto B1), o qual ocorrenum intervalo de tempo t 1. A inclinação da reta do gráfico representa a força F aplicada pelos gases sobre o projétil entre o início da deflagração e o tempo t 1 em que o projétil sai
da boca do cano. O impulso dado no projétil pela deflagração é calculado multiplicando a força F1 pelo tempo t 1. Comoos momentos lineares da arma e do projétil precisam ser de mesmo valor em qualquer tempo da trajetória do projétil no cano (princípio da conservação do momento linear), o mesmo gráfico do projétil se aplica para a arma, ou seja, a mesma força e o mesmo impulso aplicado no projétil também são aplicados na arma. Portanto, o impulso calculado pela multiplicação da força F pelo período de tempo t é o recuo total da arma. No gráfico foi adotado por simplificação que a força atuante é constante ao longo de todo o percurso do projétil do cano. Porém, isso não necessariamente é verdadeiro! A força pode ser variável ao longo do tempo conforme a velocidade de produção dos gases na queima da pólvora, aumento do volume dos gases e diminuição da pressão com o deslocamento do projétil e diferença de atrito estático e dinâmico do projétil no raiamento do cano, entre outros fatores. Portanto, o assunto é muito mais complexo que o apresentado e estudos laboratoriais seriam necessários para uma validação precisa dos argumentados apresentados. Dentro do raciocínio apresentado, é possível perceber que o impulso (ou recuo da arma) calculado varia conforme o momento linear do projétil (ou fator ). Mantendo o mesmo fator, posso variar o peso do projétil e sua velocidade da forma que quiser que o impulso total (recuo da arma) será o mesmo. O recuo da arma só aumentará se eu aumentar o fator da munição!
4) INFLUENCIA DE SE UTILIZAR PROJÉTIL LEVE OU PESADO Não é raro os atiradores perguntarem se devem utilizar um projétil mais pesado ou um mais leve na sua recarga. Para isso precisamos novamente recorrer ao gráfico da variação do momento linear com o tempo, agora para dois tipos de munição: um com projétil leve e outro com projétil pesado. O projétil mais pesado é representado pela linha A 1B1, o qual resulta num fator (ou momento linear) igual a M 1, representando o fator mínimo estabelecido pelo regulamento do IPSC. Se utilizarmos um projétil mais leve teremos de aumentar a carga de pólvora para imprimirmos uma maior velocidade no projétil, atingindo assim o mesmo fator mínimo do regulamento. O momento linear máximo obtido na boca do cano será em um tempo t 2 inferior ao tempo t1 do projétil mais pesado. Isso é coerente visto que com mais velocidade o projétil leve sairá do mesmo cano em um tempo menor. Assim, a reta representativa da variação do momento linear do projétil leve será a reta A1B2 do gráfico.
M1 = M2
B2
B1
Projétil leve Projétilpesado
F2 F1 A1
t1
t2
t
O gráfico mostra que para duas munições que apresentam o mesmo fator, a que tiver projétil leve aplicará uma força F 2 maior que a da ponta pesada (força F1) na empunhadura do atirador, porém o tempo de aplicação dessa força (t2) será menor que a da ponta pesada (t 1). No entanto, o impulso ou recuo da arma (ver equação (5)) será o mesmo independente do peso do projétil. Nota-se assim que independente do peso do projétil o recuo da arma será o mesmo. Porém, a forma como esse recuo se aplica na mão do atirador é diferente. Nos projéteis mais leves a força é mais intensa, porém por um período de tempo menor. Já nas pontas mais pesadas a intensidade da força é menor, mas é aplicada por um tempo maior. A fim de visualizarmos o quão representativo são essas variações de força e tempo, podemos aplicar os conceitos para uma munição de calibre 9 mm com um projétil de 125 grains e outra de 147 grains atirados por um cano de 102 mm de comprimento (Glock G17), ambos com um fator de 125. Nos cálculos foram utilizadas as seguintes fórmulas: - Cálculo do tempo dt
=
Onde: dt = tempo em segundos em que o projétil leva para percorrer o cano da
arma; dS = comprimento do cano em metros
V = velocidade do projétil na saída do cano em m/s.
- Cálculo da força aplicada
= Onde: F = força aplicada em Newton m = massa do projétil em kg dV = variação de velocidade do projétil, igual á velocidade na saída do
cano, em m/s.
- Cálculo do impulso
= Onde: I = impulso, em Newton vezes segundo F = força aplicada, em Newton dt = tempo que o projétil leva para percorrer o cano, em segundos.
O resumo dos cálculos encontra-se na tabela abaixo:
m (kg) V (m/s) dS (m) dt (s) F (N) I (Ns)
Projétil de 125 grains 0,008111375 304,8 0,102 0,000669 3.695 2,47
Projétil de 147 grains 0,009538977 259,1 0,102 0,000787 3.140 2,47
Diferença percentual
+17,6% -15,0%
Percebe-se que aumentando o peso do projétil de 125 para 147 grains eu consigo reduzir a força do recuo em 15%, porém essa força se mantém aplicada por um tempo 17,6% superior. Porém, essa diferença de tempo encontra-se na fração do milissegundo, realmente muito pequena para ser
perceptível. Já a redução da força aplicada em 15% é relativamente considerável. Se compararmos uma munição de .45 Auto com ponta de 230 grains e velocidade de 543 pés/s para obter o mesmo fator, conforme tabela abaixo, tem-se uma redução de 45% na força aplicada, porém o tempo de duração dessa força é 84% superior ao da 9 mm (nas ainda na fração dos milissegundos...). Portanto, parece ser vantajoso o uso de projéteis mais pesados na recarga.
m (kg) V (m/s) dS (m) dt (s) F (N) I (Ns)
Projétil de 125 grains 0,008111375 304,8 0,102 0,000669 3.695 2,47
Projétil de 230grains 0,01492493 165,6 0,102 0,001232 2.006 2,47
Diferença percentual
+84,1% 45,7%
5) CONCLUSÕES O fator da munição utilizada no IPSC não é uma medida de energia da munição. Ele é uma medida do momento linear do projétil e está associado ao recuo que a arma apresenta ao deflagrar a munição. O recuo da arma pode ser definido como a força de reação da arma aplicada na empunhadura do atirador durante o tempo de percurso do projétil no cano.Na Física é denominado como impulso. Armas mais pesadas apresentam menor recuo. O recuo é vinculado ao fator da munição. Quanto maior o fator, maior será o recuo. Munições com mesmo fator terão o mesmo recuo, independente de terem projéteis mais leves ou mais pesados. Porém, a aplicação da força desse recuo é diferente. Em projéteis mais leves a força é mais intensa e por um período de tempo menor, como se fosse uma pancada curta... Nos projéteis pesados a força é de menor intensidade mas por um período mais longo. Seria como um longo empurrão... Cálculos teóricos dão indicativo de que para um mesmo fator o uso de projéteis mais pesados daria melhores condições para o atirador absorver o recuo. Porém, nessas condições, projéteis mais pesados resultam em forças de recuo menos intensas e aumentam as chances de problema de ciclagem da arma. Ainda, para um mesmo fator, projéteis mais pesados apresentam menores energias cinéticas, o que diminuiria as chances de derrubar os alvos
metálicos quando acertados. Portanto, tais condicionantes também devem ser consideradas na escolha do peso do projétil.
Giovani VilneiRotta