˜o a ` Mecanica ˆ nica Classica ´ ssica Introduc ¸ ao a a a
Artur O. Lopes
para S´ılvia ılvia e Daniel Lopes e em mem´ oria de Ricardo Ma˜ n´ e e
´ SUMARIO ´ cio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Prefa ˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 Apresentac ¸a ˆ NEWTONIANA 1. MECANICA ˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.1 Introduc ¸a ˜ o de Energia Total . . . . . . . . . . . . . ¸a 1.2 O Teorema de Conservac 1.3 Sistemas com V´ınculos Unidimensionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ´rias Part´ıculas . . . . . . . . . . . 1.4 Sistemas Unidimensionais com V a 1.5 Campos de Forc ¸as Bidimensionais e Tridimensionais . . . . . . . 1.6 O Problema dos Dois Corpos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Apˆ endice. ´ ´ dicas e Estabilidade de Pontos de Equil´ıbrio 1.7*Orbitas Perio
13 18 29 37 49 57
ˆ 2. MECANICA LAGRANGIANA ˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.1 Introduc ¸a ´lculo das Variac ˜ es . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . e sicas e o Ca ¸o 2.2 Geod´ ˜o . . . . . . . . . . . . . . . 2.3 Lagrangianos e o Princ´ıpio de M´ınima Ac¸ a ´rias Varia ´ veis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.4 Lagrangianos em V a 2.5 Sistemas Lagrangianos com V´ın c u l o s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Apˆ endice. 2.6 *Lagrangianos em Geometria Riemanniana . . . . . . . . . . . . . . . . .
95 98 118 130 143
§
§
67
160
ˆ 3. MECANICA HAMILTONIANA ˜ o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181 3.1 Introduc¸ a ˜o de Hamilton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183 ¸a 3.2 A Equac 3.3 A Transformada de Legendre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205 ´ veis na Meca ˆ nica Hamiltoniana . . . . . . . . 212 ¸ a de Vari a 3.4 Mudanc ˜o a ` s Formas Diferenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221 3.5 Introduc¸ a ˜ es Cano ˆnicas e Func ˜ es Geradoras . . . . . . . . . 245 3.6 Transformac ¸o ¸o ´veis Ac ˜ o-a ˆngulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 255 3.7 Varia ¸a ˜o e a Equac ˜ o de Hamilton-Jacobi 270 3.8 Princ´ıpio de M´ınima Ac¸ a ¸a ˜ o e o Teorema de Hamilton-Jacobi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 292 ¸a 3.9 A Ac Apˆ endice. 3.10 Integrais de Linha e de Superf´ıcie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 318
§
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 337 ´ Indice Remissivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343 (Nota: As se¸c˜oes denotadas com * devem ser evitadas numa
primeira leitura.)
´ PREFACIO
Alguns dos t´ opicos mais interessantes, ricos e sofisticados da pesquisa matem´ atica atual envolvem a f´ısica matem´ atica: teoria quˆ antica de campos, teoria das cordas, mecˆ anica estat´ıstica, relatividade, teoria dos buracos negros, mecˆ anica de Aubry-Mather, integrais de Feynman, etc. Os estudantes de matem´atica, em geral, n˜ ao se sentem atra´ıdos por tais t´ opicos por desconhecerem a formaliza¸ca˜o matem´ atica dos princ´ıpios b´ asicos da mecˆ anica. O objetivo do presente texto ´e apresentar o material b´ asico de um curso de mecˆ anica cl´ assica para estudantes que ainda n˜ ao terminaram a gradua¸ca˜o, sendo tamb´ em apropriado para programas de inicia¸ c˜ao cient´ıfica. O enfoque no texto ´e geom´etrico, que ´e a maneira moderna de se entender a mecˆ anica cl´ assica. Nas se¸c˜oes finais dos cap´ıtulos 1 e 2, marcadas com asterisco, descrevemos de maneira geral alguns t´ opicos mais avan¸cados da teoria. O leitor dever´a evit´ a-los em uma primeira leitura e isto n˜ ao ir´ a prejudicar o entendimento do livro. O pr´e-requisito necess´ario para ler estas notas (sendo com exce¸c˜ao das se¸co˜es com *) ´e apenas algum conhecimento b´ asico de equa¸c˜oes diferenciais (al´em de c´alculo e a´lgebra linear). A parte da teoria de integrais de linha e de superf´ıcie necess´ aria para o entendimento da mecˆ anica hamiltoniana ´e brevemente desenvolvida no apˆendice ao final do cap´ıtulo 3. O objetivo deste apˆendice (se¸ c˜ ao 10 do cap´ıtulo 3) ´e apenas relembrar e fixar a nota¸ c˜ao que ser´a utilizada na se¸ca˜o 1.4 e tamb´em na se¸ca˜o 3.5 (esta sobre formas diferenciais em R2 e R 3 ). O material ´e exposto levando-se em conta o seguinte ponto de vista: tentamos apresentar os conceitos e resultados da maneira mais elementar poss´ıvel (algumas vezes sob o custo de ser menos sint´etico do que se gostaria). Sem sacrificar o rigor matem´ atico, optamos sempre pela apresenta¸c˜ao menos formal poss´ıvel. Os casos mais gerais da teoria s˜ ao deixados para livros mais avan¸cados e sint´eticos, como o excelente livro de V.I. Arnold, M´etodos Matem´ aticos da Mecˆ anica Cl´ assica . Na verdade, a motiva¸c˜ao para escrever o presente texto ´e possibilitar um contato
8 dos estudantes de gradua¸c˜ao com os principais resultados b´ asicos da mecˆ anica cl´ assica, de tal modo que fique mais f´acil para os mesmos, posteriormente, lerem outros livros dispon´ıveis sobre o assunto, muitos dos quais mais sofisticados do ponto de vista matem´ atico. V´ arios exemplos interessantes s˜ ao apresentados para esclarecer aspectos da teoria — no nosso entender, os exemplos mais simples s˜ ao muito u ´teis para conferir e confirmar os resultados que est˜ao sendo enunciados no texto. Sendo assim, o leitor perceber´a que o oscilador harmˆ onico aparecer´ a como ilustra¸c˜ao de uma grande quantidade de resultados. (Evidentemente, exemplos mais complexos tamb´em s˜ ao analisados). Exerc´ıcios s˜ ao propostos ao fim de cada se¸ca˜o e tamb´em dentro de muitas delas, na posi¸ c˜ao indicada ao leitor, para melhor entendimento do que se segue. Como este ´e um texto introdut´ orio, n´ os consideramos, principalmente (embora n˜ao exclusivamente), os sistemas autˆ onomos; quando nada for dito em contr´ ario, este ser´a o sistema considerado. Ressaltamos no entanto que na mecˆ anica hamiltoniana e mesmo para an´ alise de sistemas autˆ onomos, ´e util tamb´em se considerar sistemas n˜ ao-autˆ onomos. A maioria dos resultados apresentados no texto s˜ ao para sistemas mecˆ anicos em que a vari´ avel posi¸c˜ao ´e unidimensional. Desta maneira, as provas em geral se tornam menos sofisticadas e a nota¸ca˜o fica bastante simplificada. Acreditamos que uma vez que o leitor entenda bem o caso unidimensional, n˜ao seja muito dif´ıcil estender os resultados obtidos para dimens˜ oes maiores. Informamos ao leitor que o autor escreveu tamb´em um outro texto, intitulado “T´ opicos em Mecˆ anica Cl´ assica”, em que s˜ ao abordados alguns t´ opicos mais avan¸cados de mecˆ anica cl´ assica, o qual, esperamos, ser´ a editado em breve (ver em http://mat.ufrgs.br/ alopes/pub). Este novo livro possibilitar´ a ao leitor uma breve introdu¸ca˜ o a t´ opicos mais sofisticados e nele tratamos, em maior generalidade, da mecˆ anica hamiltoniana. O mencionado livro ter´ a quatro blocos de assuntos independentes: o primeiro bloco trar´ a um ponto de vista da teoria erg´ odica, o segundo da geometria simpl´etica em variedades diferenci´aveis, o terceiro das equa¸c˜oes diferenciais parciais cobrindo a equa¸c˜a o da onda e sua rela¸c˜a o com a mecˆ anica hamiltoniana. O u ´ltimo bloco cobrir´ a a mecˆ anica de Aubry-Mather, J. Mather, 1991. N˜ ao temos a pretens˜ ao nestes dois textos de esgotar os t´ opicos interessantes da mecˆ anica cl´ assica, mas apenas abordar, de uma maneira elementar, por´ em matematicamente rigorosa, alguns dos t´ opicos b´ asicos da teoria. Entre apresentar um resultado geral (e matematicamente mais sofisticado) e um resultado menos geral (e menos t´ ecnico), optamos sempre pelo ultimo ´ caso. Entendemos que assim as id´eias centrais da teoria ficam expostas de maneira mais intelig´ıvel para o leitor. Referˆencias para outros textos sobre mecˆ anica cl´ assica s˜ ao: V. Arnold, 1978; I. Percival e D. Richards, 1982; R. Abraham e J. Mardsen, 1980; I. Barros e M. Garcia, 1995; E. Whittaker, 1944; S. Rasband, 1983; J. Mardsen e T. Ratiu, 1944; L. Pars, 1979; G. Contreras e R. Iturriaga, 1999; H. Rund, 1972 e Ter Haar, 1972, para um ponto de vista mais matem´ atico, e J. Marion e S. Thorton, 1988; M. Tabor, 1989; H. Goldstein, 1972; J. Meiss, 1992 e L. Landau e E. Lifschitz,
∼
9 1960, para um ponto de vista mais f´ısico. Ressaltamos o texto de J. Jose e E. Saletan, 1998, que aborda t´opicos avan¸cados de maneira muito did´ atica. Um t´ opico importante que n˜ ao ´e abordado no texto por falta de espa¸co ´e o dos corpos r´ıgidos. O leitor pode encontrar uma o´tima apresenta¸c˜ao deste assunto em V. Arnold, 1978. A rela¸c˜ao da mecˆ anica cl´ assica com o estudo de sistemas ca´ oticos ´e descrita com muitos detalhes em G. Gallavotti, 1983; que aborda tamb´em quest˜ oes importantes sobre integrabilidade. Diferentemente do que alguns pensam, a mecˆ anica cl´ assica ´e um t´ opico de pesquisa atual e muitos resultados importantes foram obtidos nos ultimos ´ anos na an´ alise global dos sistemas mecˆ anicos. Referimos ao leitor R. Ma˜ n´e, 1996, A. Fathi, 1997, e G. Contreras e R. Iturriaga, 1999, onde, por exemplo, se mostra a existˆencia de sub-solu¸c˜oes da equa¸c˜ao de Hamilton-Jacobi e sua rela¸c˜ao com teoria erg´ odica. Outro t´ opico que recentemente tem sido analisado ´e a rela¸ c˜ao entre solu¸co˜es de viscosidade, a teoria de Aubry-Mather e o comportamento assint´otico de densidades de equil´ıbrio de certos processos estoc´ asticos, conforme L. Evans e D. Gomes, 2001 e N. Anantharaman, 2004. Cr´ıticas, corre¸c˜oes, sugest˜ oes, novos exerc´ıcios, etc s˜ ao bem-vindos pelo autor em
[email protected] para a elabora¸ca˜o de futuras edi¸c˜oes do presente livro. Este texto, em uma vers˜ ao preliminar, fez parte da cole¸ca˜o Monografias de Matem´ atica (IMPA). V´ arias corre¸co˜es foram feitas naquela vers˜a o a partir da minha experiˆencia de ensinar o assunto em considera¸ ca˜o ao longo dos anos. Gostaria de agradecer a alguns colegas que leram as presentes notas, forneceram figuras e fizeram v´arias sugest˜ oes para o aperfei¸coamento do texto. Em primeiro lugar desejo agradecer especialmente ao colega Claus Ivo Doering, que leu o manuscrito com extremo cuidado e consertou uma s´ erie de pequenas imperfei¸c˜oes no mesmo. Gostaria tamb´em de agradecer a Eduardo Brietzke, Jairo Bochi, Luis Fernando Ziebell, Pierre Collet, Marcelo Viana, Manfredo do Carmo, Flamarion Taborda, Mario Carneiro, Rafael Rig˜ ao Souza, Julio Schoffen, Sonia P. de Carvalho, Silvie Kamphorst, Paulo Rodrigues, Carlos Tomei, Luis Fernando da Rocha, Marilaine Fraga, Celene Buriol, Pedro Nowosad, Gustavo Moreira, Pedro Mendes, Jorge Sotomayor, Luciane Conte, Fl´ avia Branco, Alexandre Baraviera, Mara L. M. Botin, Elismar Rosa, Allyson Ferrari e Marcos Sebastiani. Acreditamos que o ponto de vista utilizado no texto (ou seja, a busca do entendimento matem´ atico da formula¸c˜ao e tamb´em da resolu¸c˜ao dos problemas b´asicos da mecˆ anica cl´ assica) poder´ a ser de grande utilidade ao leitor que tem pretens˜ ao de entender os aspectos mais sofisticados da f´ısica moderna. Esta, por alguma raz˜ ao metaf´ısica, tem um gosto perverso por tudo aquilo que ´e considerado abstrato na matem´ atica atual. Porto Alegre, 2 de abril de 2006 Artur Oscar Lopes ´ tica - UFRGS Instituto de Matema
APRESENTAC ¸ ˜ AO
´ sico O objetivo desta obra consiste em apresentar o material b a ˆ nica cla ´ssica para estudantes de matem a ´ tica ou de um curso de mec a ´ rica, sendo tamb e ´m apropriado para programas de iniciac ˜o f´ısica-teo ¸a ˜ o que ministrei cient´ıfica. O livro ´ e baseado num curso de graduac ¸a ´ rios anos para o bacharelado em Matema ´ tica da Unidurante va versidade Federal do Rio Grande do Sul. O enfoque no texto ´ e ´trico: a maneira moderna de se entender a mec a ˆ nica cla ´ssica. geome ˜ es dos resultados analisados s a ˜o detalhadamente As demonstrac ¸o apresentadas, contando, ainda, com uma grande quantidade de exemplos que ilustram a teoria, e de numerosos exerc´ıcios propostos ao ˜ o. O leitor podera ´ , assim, trabalhar com quest o ˜ es fim de cada sec ¸a objetivas e testar o seu entendimento acerca do material apresentado. ´ sicas da Este texto aborda os conceitos e as propriedades b a ˆ nica newtoniana, lagrangiana e hamiltoniana, preparando o meca aluno para a leitura de livros mais sofisticados sobre o assunto. O material ´ e apresentado de maneira matematicamente rigorosa.
1
ˆ MECANICA NEWTONIANA
1.1 INTRODUC ¸ ˜ AO A lei de Newton ´e a base da mecˆ anica cl´ assica, e com ela come¸camos as nossas considera¸c˜oes. A lei de Newton: Vamos supor que x(t), t R, descreve a posi¸cao ˜ de uma part´ıcula de massa m na reta R sob a a¸c˜ ao de um campo de for¸cas f : R R. A lei de Newton afirma que a trajet´oria x(t) do sistema mecˆanico satisfaz a equa¸cao ˜ diferencial de segunda ordem
∈
→
mx (t) = f (x(t)) . Um sistema como este denominamos genericamente de “sistema mecˆ anico”, e nosso ob jetivo principal no presente texto ´e analisar equa¸c˜oes diferenciais deste tipo (e suas generaliza¸c˜oes). A derivada x (t) ´e denominada velocidade da part´ıcula, e a derivada segunda x (t) ´e denominada acelera¸c˜ao da part´ıcula. Sendo assim, a lei de Newton afirma que a for¸ca exercida pelo campo ´e igual a` massa vezes a acelera¸ca˜o. Esta lei, aticos enunciada por Sir Isaac Newton em seu famoso livro Os Princ´ıpios Matem´ c˜oes da Filosofia Natural , publicado em 1687, ´e uma das mais importantes observa¸ j´ a feitas sobre a natureza. A partir da lei de Newton deduziremos matematicamente uma s´ erie de resultados interessantes. Nosso objetivo ´e tentar identificar, quando poss´ıvel, as trajet´ orias x(t), ou ent˜ ao descobrir quais propriedades possuem essas trajet´orias. Na verdade, o objetivo do presente texto pode ser resumido na seguinte afirma¸ ca˜o: desejamos investigar as propriedades das solu¸ coes ˜ de equa¸ coes ˜ da forma mx = f (x) e suas generaliza¸coes. ˜ Uma part´ıcula, neste texto, ´e considerada como um ponto (portanto sem diˆ ametro) dotado de uma massa m. Nosso ponto de vista a respeito de for¸ ca, massa, part´ıcula, etc ´e “ingˆenuo”, ou seja, n˜ ao entramos em considera¸co˜es sobre sistemas de coordenadas absolutas ou outras quest˜ oes deste tipo. Os conceitos matem´ aticos e os resultados que ser˜ao obtidos a seguir s˜ ao claros em si mesmos e acreditamos que elabora¸c˜oes mais sofisticadas, no in´ıcio de um curso de Mecˆ anica, s´o servem para confundir o leitor (referimos o livro de P. Appel, 1952 para alguns coment´ arios sobre este assunto). Muitos problemas em mecˆ anica envolvem a descri¸c˜ao da evolu¸ca˜o temporal de um corpo de massa m sujeito a um campo de for¸cas f . Podemos alternativamente descrever a evolu¸c˜ao do sistema como se o corpo fosse substitu´ıdo por uma
14
Mecˆanica Newtoniana
-2
-1
0
1
2
Figura 1.1.1
part´ıcula de massa m, colocada exatamente no centro de massa do mencionado corpo, e sobre a qual o campo de for¸cas f vai agir. Nosso primeiro exemplo de sistema mecˆ anico ser´ a o oscilador harmˆ onico. Exemplo 1.1.1: Considere uma mola de massa desprez´ıvel a` qual ´e presa, em uma ponta, uma part´ıcula de massa m. Vamos supor que a outra ponta da mola est´ a presa a uma parede e que a mola s´ o pode se deslocar, sem gerar atrito, ao longo de uma reta, a` qual ´e dado um sistema de coordenadas em que a posi¸c˜ao de equil´ıbrio da mola est´ a no ponto 0. Observa-se experimentalmente que dado um afastamento de tamanho x da part´ıcula da sua posi¸ca˜o de equil´ıbrio, ela sofre atrav´ es da rea¸c˜a o da mola uma for¸ca de intensidade kx, onde k ´e uma constante positiva (denominada constante de elasticidade), isto ´e, a for¸ ca de repuls˜ ao depende linearmente do deslocamento (ver figs. 1.1.1 e 1.1.2). Como se sabe, a repuls˜ ao ´e no sentido oposto ao deslocamento; este fato ´e naturalmente observado apenas para pequenos deslocamentos, e a mola pode at´ e romper-se, em caso de grande deslocamento da part´ıcula de sua posi¸ c˜ao de equil´ıbrio. Sendo assim, considerando que vamos permitir apenas pequenos deslocamentos, ´e natural supor que o campo de for¸cas ´e f (x) = kx. Supondo que x(t) descreve a posi¸c˜ao da part´ıcula no instante t, sujeita ao campo de for¸cas kx, segue da lei de Newton que a solu¸c˜ao x(t) deste sistema mecˆ anico satisfaz
−
−
mx (t) = f (x(t)) =
−
−kx(t).
Ou seja, devemos resolver uma equa¸c˜ao diferencial linear de segunda ordem com coeficientes constantes para encontrar a solu¸c˜ao x(t). Como ´e conhecido (ver teorema 1.1.1 a seguir), dados os valores iniciais x(t0 ) = x 0 R e x (t0 ) = y0 R, a solu¸c˜ao de tal equa¸c˜ao ´e determinada de maneira u´nica. Este fato ´e bastante intuitivo, pois para saber como ser´ a a evolu¸c˜ao temporal do extremo da mola, n˜ao basta saber de onde ela vai ser largada no tempo t = 0, mas tamb´em com ´ f´acil ver que se t0 = 0, x 0 = 0 e x1 = 1, que velocidade inicial vamos lan¸c´a-la. E
∈
∈
k ent˜ao x(t) = m sen ( m t) ´e a solu¸ca˜o da equa¸ca˜o. k Vamos agora enunciar o teorema de existˆencia e unicidade para equa¸ c˜oes diferenciais ordin´ arias (ver referˆ encias gerais sobre o assunto em C. Doering e A. Lopes, 2005; D. Figueiredo e A. Neves, 1997; J. Sotomayor, 1979; M. Hirsch e S. Smale, 1974; R. Bassanegi e W. Ferreira, 1988). Vamos supor sempre no
15
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
-2
-1
0
1
x(t)
2
Figura 1.1.2
texto que est˜ao satisfeitas hip´ oteses suficientes que assegurem a existˆ encia das solu¸co˜es; na verdade vamos assumir, a menos que ocorra referˆ encia expl´ıcita ao contr´ario, que para as equa¸co˜es diferenciais neste texto, as solu¸ c˜ oes existem para todo valor de t real. (Como ´e sabido, o problema de existˆencia de solu¸ co˜es para equa¸co˜es diferenciais parciais ´e muito mais complexo e nem sempre apresenta solu¸ca˜o, mesmo para equa¸c˜oes diferenciais parciais cujos coeficientes envolvam apenas fun¸co˜es infinitamente deriv´ aveis.) Uma fun¸ca˜o F ´e dita de classe C 0 se ela ´e cont´ınua. Dizemos que F ´e de classe C r , r > 1, se todas as derivadas parciais mistas de F at´e ordem r existem e s˜ao cont´ınuas. Uma fun¸c˜ao F ´e dita de classe C ∞ se existem todas as derivadas parciais mistas de F de todas as ordens. A menos que se especifique o contr´ario, todas as fun¸c˜oes neste texto s˜ ao tomadas por hip´ otese de classe C ∞ . O leitor familiarizado com o teorema de existˆencia e unicidade para equa¸ c˜oes diferenciais ordin´ arias pode omitir a leitura do que se segue nesta se¸c˜ao e prosseguir diretamente para a pr´ oxima. Teorema 1.1.1: Existˆencia e Unicidade para Equa¸ c˜oes Diferenciais Ordin´ arias: 1 n n Dados F : R R de classe C e a equa¸c˜ ao diferencial x (t) = F (x(t)), com n condi¸c˜ ao inicial x(t0 ) = x 0 R , existe ε > 0 tal que a solu¸c˜ ao x(t) da equa¸c˜ ao existe em (t0 ε, t0 + ε) e ´e u ´nica neste intervalo, isto ´e, existe apenas uma curva n x : (t0 ε, t0 +ε) R tal que x(t0 ) = x 0 e, para cada t t0 < ε, x (t) = F (x(t)). Denomina-se F de campo de vetores.
→
−
−
∈
→
|− |
O problema de encontrar solu¸ c˜a o para uma equa¸ca˜o diferencial com uma condi¸c˜ao inicial ´e denominado problema de Cauchy; o teorema acima afirma ent˜ ao que para equa¸co˜es diferenciais ordin´ arias sempre existe solu¸ca˜o para o problema de Cauchy. Muitas vezes uma equa¸ c˜ao diferencial estar´ a definida apenas num n subconjunto aberto B R e n˜a o no espa¸co todo; por abuso de linguagem continuaremos dizendo que a equa¸c˜ao ou campo de vetores est´ a definido no Rn . Referimos ao leitor o livro Equa¸coes ˜ Diferenciais Ordin´ arias de C. Doering e A. Lopes, para maiores detalhes a respeito deste resultado, que ´e igualmente v´ alido para equa¸co˜es definidas apenas em subconjuntos abertos do R n , bem como para equa¸co˜es diferenciais n˜ ao-autˆ onomas, isto ´e, equa¸c˜oes diferenciais do tipo x = F (x, t).
⊂
16
Mecˆanica Newtoniana
Dada uma equa¸ca˜o diferencial de segunda ordem em Rn , x = g(x, x ), x Rn , com condi¸c˜oes iniciais x(t0 ) = x 0 , x (t0 ) = y 0 , (assuminos que g ´e ao menos de classe C 1 ) ´e sempre poss´ıvel transformar a an´ alise das solu¸co˜es deste problema no estudo das solu¸co˜es de uma equa¸c˜ao de primeira ordem em R2n . Para isso introduzimos as vari´ aveis (x1 , x2 ) R2n com x1 , x2 Rn . O campo de vetores de primeira ordem x1 = x 2 x2 = g(x1 , x2 )
∈
∈
∈
(ou seja, F (x1 , x2 ) = (x2 , g(x1 , x2 ))) com a condi¸c˜ao inicial (x1 (t0 ), x2 (t0 )) = (x0 , y0 ) ´e equivalente a` equa¸c˜ao de segunda ordem dada pois, denotando por (x1 (t), x2 (t)) a solu¸ca˜o desta equa¸c˜ao, verificamos que x 1 (t) satisfaz x1 (t) = (x1 ) (t) = x 2 (t) = g(x1 (t), x2 (t)) = g(x1 (t), x1 (t)) e x1 (t0 ) = x0 , x1 (t0 ) = x2 (t0 ) = y0 , de modo que x(t) = x1 (t) ´e solu¸c˜a o de x (t) = g(x(t), x (t)), com as condi¸c˜oes iniciais dadas. (Reciprocamente, se x(t) ´e solu¸c˜ao da equa¸c˜ao de segunda ordem, o par (x(t), x (t)) ´e solu¸c˜ao da equa¸c˜ao de primeira ordem associada.) Note que F ´e de classe C 1 pois assumimos que g ´e desta classe. Por exemplo, no caso da mola mx = kx, podemos considerar o sistema k k x1 = x 2 , x 2 = m x1 (ou seja, F (x1 , x2 ) = (x2 , m x1 ) ). Na maioria das vezes ´e mais interessante trabalhar com uma equa¸ c˜ a o diferencial de primeira ordem do que com uma de segunda ordem, mesmo que para isso tenhamos que aumentar o n´ umero de vari´ aveis de n para 2n. A va ri´ avel x2 (t) = x1 (t) acima introduzida nos d´ a informa¸c˜ao sobre a derivada de x(t) = x1 (t). Pelo que vimos acima, segue do teorema 1.1.1 que a solu¸ c˜ao x(t) de x = g(x, x ) com condi¸c˜oes iniciais x(t0 ) = x 0 , x (t0 ) = y 0 , existe.
−
−
−
Exemplo 1.1.2: Seja F a transforma¸ca˜o linear dada por: F (x1 , x2 ) = (a11 x1 + a12 x2 , a21 x1 + a22 x2 ) onde a11 , a12 , a21 , a22 s˜a o n´ umeros reais. Neste caso, o sis tema de equa¸c˜oes x = F (x) ´e:
x1 = a11 x1 + a12 x2 x2 = a21 x1 + a22 x2 .
Denote a matriz de F, com entradas aij , i , j 1, 2 , por A. De uma maneira mais compacta a equa¸ca˜o acima, junto com uma condi¸c˜ao inicial x(t0 ) = x 0 , pode ser descrita como x = Ax, x(t0 ) = x 0 = (x01 , x02 ) .
∈ { }
Neste caso a solu¸ca˜o (que sempre existe) pode ser expressa por x(t) = e (t−t
)A
− t0)A(x0)+ (t − t0 )2 2 (t − t0 )3 3 (t − t0 ) + A (x0 ) + A (x0 ) + · ·· + A (x0 ) + · · · 0
x0 = I (x0 ) + (t
n
2!
3!
n!
n
17
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
Estamos usando a seguinte nota¸ c˜ao: An ´e o produto matricial de A consigo mesma n vezes, A(x) denota a matriz A aplicada ao vetor x em R 2 e I denota a ´ usual dizer que a express˜ao matriz identidade (isto ´e, I (x) = x, para todo x). E tA acima ´e a expans˜ao de e em s´ erie de potˆencias. Referimos ao leitor o livro de C. Doering e A. Lopes, 2005, para considera¸c˜oes gerais sobre esse t´ opico. Pode-se mostrar (ver C. Doering e A. Lopes, 2005) que
a t
e
−
b b a
= e
No caso da equa¸ca˜o mx =
ta
cos(b t) sen (b t) . sen(b t) cos(b t)
−
−kx da mola sem atrito, o sistema
x1 = x 2 , x2 =
− km x1,
nos conduz a analisar a matriz A =
0
−
1 . 0
k m
Neste caso, tomando t 0 = 0, temos que
t
e
0
−
k m
1 0
x01 x02
=
x1 (t) , x2 (t)
determina a solu¸c˜ao (x1 (t), x2 (t)) de x1 = x 2 , x2 =
− km x1,
sujeito a condi¸c˜ao inicial (x1 (0), x2 (0)) = (x01 , x02 ). Exemplo 1.1.3: Fixada a matriz
2.3 4.5 1.2 5
e a condi¸ca˜o inicial x(0) = (1, 0) = (x01 , x02 ), temos que a solu¸c˜ao x(t) de x (t) = A x(t) ´e dada por x(t) =
x1 (t) x2 (t)
= et A
1 = 0
18
[
∞ 1
n=0
Mecˆanica Newtoniana
2.3 t 4.5 t n ( ) ] 1.2 t 5 t n!
1 2.3 t 4.5 t 1 0 2.3 t 4.5 t + + 0 1 1.2 t 5 t 2 1.2 t 5 t
2
1 = 0
1 + 3!
2.3 t 4.5 t 1.2 t 5 t
3
+ ...
1 0
Exerc´ıcio: 1. Calcule a solu¸ca˜o do sistema
x1 = 3x1 , x2 = 2x2 ,
−
com condi¸ca˜o inicial (x1 (0), x2 (0)) = x0 = (x01 , x02 ). Descreva de maneira esquem´ atica as trajet´ orias das solu¸c˜oes (x1 (t), x2 (t)). Agora, calcule diretamente (atrav´ es da express˜ ao em s´erie de potˆencias) o 0 tA 0 vetor e (x1 , x2 ) = (x1 (t), x2 (t)) quando A ´e a matriz correspondente ao presente caso. Cheque que as duas express˜oes encontradas para (x1 (t), x2 (t)) s˜ ao as mesmas. 2. Fa¸ca as contas e mostre que
− − ∈ x1 (t) = et a x2 (t)
resolve o sistema
cos(t b) sen (t b) sen(t b) cos(t b)
x1 (t) = x2 (t)
a b b a
x01 , x02
x1 (t) , x2 (t)
e satisfaz a condi¸c˜ao inicial
x1 (0) x2 (0)
=
x01 x02
R2 .
¸ ˜ AO DE ENERGIA TOTAL 1.2 O TEOREMA DE CONSERVAC
Passamos agora a analisar o caso geral do sistema de primeira ordem em R 2 associado a` equa¸ca˜o de segunda ordem em R dado pela lei de Newton. Suponha que x(t) descreve a evolu¸c˜ao de uma part´ıcula sob a a¸c˜ao de um campo de for¸cas f : R R. Pela lei de Newton, a trajet´ oria x(t) obedece a seguinte equa¸ca˜o diferencial, com as apropriadas condi¸ co˜es iniciais:
→
mx = f (x) x(t0 ) = x 0 , x (t0 ) = y 0 .
19
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
Da mesma maneira como procedemos no caso geral acima, o sistema de primeira ordem em R 2 associado a esta equa¸c˜ao de segunda ordem em R ´e:
x1 = x 2 , 1 x2 = m f (x1 ),
x1 (0) = x 0 x2 (0) = y 0
que vemos como a equa¸c˜ao de primeira ordem (x1 , x2 ) = F (x1 , x2 ) do campo de vetores F dado por: 1 F (x1 , x2 ) = x2 , f (x1 ) . m
Denote por (x1 (t), x2 (t)) a solu¸ca˜o em R 2 deste sistema com a condi¸ca˜o inicial (x1 (0), x2 (0)) = (x0 , y0 ). Como j´ a foi feito na se¸c˜ao anterior, aqui temos que x(t) = x1 (t) ´e a solu¸c˜a o da equa¸c˜ao de segunda ordem mx = f (x), x(0) = x0 , x (0) = y0 e portanto podemos analisar um sistema de primeira ordem em R 2 em vez do sistema de segunda ordem em R associado a` lei de Newton. Como veremos a seguir, ´e mais conveniente e natural trabalhar com o espa¸ co de posi¸co˜es e de velocidades juntos do que somente com o espa¸co de posi¸c˜oes isoladamente. Exemplo 1.2.1: No caso da equa¸ c˜ao da mola sem atrito (ver exemplo 1.1.1), mx =
−kx, x(0) = x0, x(0) = y0 ,
as considera¸co˜es anteriores nos conduzem ao sistema linear
x1 = x 2 k x2 = m x1 ,
−
ou seja, a` equa¸c˜ao matricial
x1 x2
=
0
−
k m
1 0
x1 x2
.
Como sabemos da teoria das equa¸c˜oes diferenciais, as solu¸ c˜oes desta equa¸c˜ao s˜ao obtidas atrav´es do polinˆ omio caracter´ıstico de mx + kx = 0, que neste caso 2 ´e mλ + k = 0. Ent˜ ao λ = ωi, onde ω > 0 ´e dado por
±
ω =
k m
e a solu¸c˜ao com x 1 (0) = x 0 , x2 (0) = y 0 ´e (x(t), x (t)) = (x1 (t), x2 (t)) = =
1 x0 cos ωt + y0 senωt, ω
− x0ω senωt
+ y0 cos ωt .
A solu¸c˜ao geral desta equa¸c˜ao diferencial portanto descreve uma elipse, como mostra a fig. 1.2.1.
20
Mecˆanica Newtoniana
Figura 1.2.1
Exemplo 1.2.2: Considere o movimento livre de uma part´ıcula de massa m na reta R, ou seja, considere o caso em que o campo de for¸cas f ´e nulo. Pela lei de Newton teremos: mx = 0, x(0) = x 0 , x (0) = y 0 . Integrando duas vezes, obtemos a solu¸c˜ao geral: x(t) = at + b . Neste caso a velocidade x (t) ´e constante e ´e igual a a. As constantes a, b R podem ser encontradas em fun¸ca˜o das condi¸c˜oes iniciais resolvendo o sistema: x0 = x(0) = a 0 + b = b, y0 = x (0) = a. Logo a = y0 , b = x0 , e portanto a solu¸ca˜o geral deste sistema mecˆ anico ´e x(t) = y0 t + x 0 . Reciprocamente, se x (t) = 0, t R, ent˜ ao f = 0. Nosso objetivo ´e analisar campos de for¸ cas da forma geral f (x, x , t).
∈
∀∈
A lei de Newton: Vamos supor que x(t) Rn para cada t R, descreve a posi¸c˜ ao de uma part´ıcula de massa m em R n sob a a¸c˜ ao de um campo de for¸cas 2 n+1 n n n f : R R , f (x, x , t), x R , x R , t R. A lei de Newton afirma que a trajet´ oria x(t) do sistema mecˆ anico satisfaz a equa¸c˜ ao diferencial de segunda ordem mx (t) = f (x(t), x (t), t) .
→
∈
∈
∈ ∈
∈
Defini¸ca˜o 1.2.1: Um campo de for¸cas que depende do tempo t, ou seja um sistema do tipo x (t) = f (x, x , t), com f : R2n+1 Rn , ´e dito n˜ ao-autˆ onomo. Os campos que n˜ ao dependem de t s˜ ao ditos autˆ onomos.
→
21
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
Quando falamos de um campo de for¸c as e n˜ao especificamos nada, deve ser entendido que este campo de for¸cas ´e autˆonomo. A lei de Newton, em qualquer caso, afirma que mx = f (x, x , t). Observa¸ca˜o 1.2.1: Passamos a usar a seguinte nota¸ c˜a o: se f (x, x , t) ´e um campo de for¸cas, vamos seguir a tradi¸ca˜o, utilizando x˙ para indicar a vari´ avel independente da equa¸ca˜o de primeira ordem associada a mx = f (x, x , t). Sendo assim, escreveremos 1 F (x, x, ˙ t) = x, ˙ f (x, x, ˙ t) , m
inclusive quando, adiante, estivermos trabalhando com mais de uma vari´ avel e x = (x1 , . . . , xn ), x = ˙ (x˙ 1 , . . . , ˙xn ). Esta nota¸ca˜o ´e conveniente para lembrar-nos que x denota, ˙ afinal de contas, a vari´ avel que ´e substitu´ıda pela velocidade: se x = x(t), ent˜ ao x = ˙ x (t). Como veremos a seguir, ´e u´til fazer esta distin¸c˜a o. O teorema 1.1.1 assegura a existˆ encia da solu¸ ca˜o x(t). Defini¸c˜ao 1.2.2: Se f (x, x ) ´e um campo de for¸cas, o espa¸co da vari´ avel x R n ´e chamado de espa¸co de configura¸c˜ oes do sistema mecˆ anico, enquanto o espa¸co 2 n da vari´ avel (x, ˙x) R ´e chamado espa¸co de fase do sistema.
∈
∈
As vari´aveis x e x s˜ ˙ ao, na verdade, independentes quando consideramos o par (x, x) ˙ no espa¸co de fase. O “ ˙ ” serve apenas para nos lembrar qual termo da equa¸ca˜o diferencial de segunda ordem corresponde `a derivada temporal de x (a velocidade) na equa¸c˜ao de primeira ordem associada. Muitas vezes os livros de mecˆ anica usam a nota¸c˜ao (q, q ˙) = (x, x) ˙ para denotar as vari´ aveis independentes posi¸c˜ao e velocidade. Assim o espa¸co de configura¸co˜es ´e o espa¸co da vari´ avel q e o espa¸co de fase ´e o espa¸co da vari´ avel (q, q ˙). Alguns livros chamam de espa¸co de fase apenas o conjunto dos pontos da forma (q, p), onde p ´e o momento (que ser´ a definido adiante, no cap´ıtulo 3). N´ os usamos o termo espa¸co de fase num sentido geral para qualquer um dos dois casos (q, q ˙) ou (q, p). Tentamos sempre reservar a express˜ao x (t) para a derivada temporal da tra jet´ oria x(t). A derivada em t de uma fun¸c˜ao tomando valores em R ou R n , e que d depende do tempo t R, ´e denotada por ou dt . Express˜oes do tipo ddx˙ (ou ∂ ∂ x˙ ) denotam derivada (ou derivada parcial) em rela¸ c˜ao a` vari´ avel independente x. ˙ Estamos, na verdade, interessados em indicar de maneira esquem´ atica as tra jet´ orias no espa¸co de fase, como aparece, por exemplo, na fig. 1.2.1, no caso da mola sem atrito. Usamos a seguinte nota¸ c˜ao: a seta sobre a trajet´ oria indica a dire¸c˜ao do tempo crescente. Duas trajet´ orias do espa¸c o de fase n˜ a o podem se cortar, por causa da propriedade da unicidade de solu¸ c˜oes de uma equa¸ca˜o diferencial ordin´ aria (ver teorema 1.1.1). Note tamb´em que desenhar trajet´ orias no espa¸co de fase (x, ˙x), ´e algo que s´ o faz sentido para sistemas autˆ onomos. Vamos agora introduzir o conceito de energia total de um sistema mecˆ anico:
∈
Defini¸c˜ao 1.2.3: Considere um sistema regido pela lei de Newton f (x) = mx .
22
Mecˆanica Newtoniana
∂U Existindo U : Rn R tal que U (x) = ( ∂∂xU ,..., ∂x ) = f (x), diremos que o n campo de for¸cas f ´e conservativo. Neste caso, a fun¸cao ˜ E : R2n R, tal que 1 2 n E (x, ˙x) = 2 m x˙ +U (x), onde, x, x˙ R , ´e denominada energia total do sistema mecˆ anico mx = f (x). O termo 12 m x˙ 2 ´e denominado energia cin´etica e o termo U (x) ´e denominado energia potencial.
→
||
∇
−
1
→
∈ ||
O potencial U ´e definido a menos de uma constante aditiva, pois U (x) ou U (x) + α, sendo α uma constante real, definem o mesmo campo de for¸cas f (conforme defini¸ca˜o acima) e, portanto, produzem o mesmo efeito no nosso modelo. Note que U depende s´o de x. Nem sempre existe tal U . Para um dado f , condi¸co˜es em que se pode afirmar que exista tal U podem ser encontradas em 3.10. Vamos considerar primeiro o caso unidimensional (o caso n-dimensional ser´ a x tratado mais tarde): fixe x0 e considere U (x) = f (y)dy. Nesse caso, existe x U tal que dU = f (x) e, portanto, f ´e sempre conservativo. dx Seja agora x(t) a trajet´ oria de uma part´ıcula sob a a¸ ca˜o de um campo de for¸cas f : R R. A energia cin´ etica da trajet´ oria x(t) no tempo t ´e
−
−
0
→
1 E C (x (t)) = mx (t)2 , 2 a energia potencial da trajet´ oria x(t) no tempo t ´e
−
x(t)
U (x(t)) =
f (y)dy ,
x0
e a energia total da trajet´ oria x(t) no tempo t ´e a soma energia cin´etica + energia potencial, ou seja, 1 E (x(t), x (t)) = mx (t)2 + U (x(t)) . 2 A energia cin´etica depende somente da vari´ avel x˙ R, ou seja, da velocidade, 1 2 atrav´es da express˜ao E C (x) ˙ = 2 mx˙ . Finalmente, a energia total ´e uma fun¸ c˜ao 1 2 de ambas as vari´ aveis do espa¸co de fase: E (x, x) ˙ = 2 mx˙ + U (x). Para unificar a escrita, muitas vezes consideramos tamb´ em as energias cin´etica e potencial definidas no espa¸co de fase (q, q ˙) = (x, x), mesmo ˙ que cada uma delas na verdade dependa de apenas uma destas duas vari´ aveis. E C , E P : R 2 R ent˜ ao s˜ ao dadas 1 2 por E C (x, x) ˙ = 2 mx˙ e E P (x, x) ˙ = U (x), resultando E T (x, x) ˙ = E C (x, x) ˙ + E P (x, x). ˙
∈
→
Exemplo 1.2.3: a) Para o campo de for¸cas associado a` mola, f (x) = ´e E P (x) = U (x) = 12 kx 2 = 12 mω2 x2 e a energia total ´e
−kx, a energia potencial
1 1 1 E T (x, x) ˙ = mx˙ 2 + kx2 = m x˙ 2 + ω 2 x2 . 2 2 2
23
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
Vamos agora calcular os valores das energias ao longo de certos caminhos. Primeiramente, para um caminho x(t) que n˜ ao ´e solu¸ca˜o deste sistema mecˆ anico, ilustrando uma propriedade importante descrita no pr´ oximo teorema. a1) Considere x(t) = e αt , onde α R ´e constante; x(t) evidentemente n˜ ao ´e solu¸ca˜o da equa¸ca˜o mx = kx. Nesse caso
∈
−
m 1 (αeαt )2 = mα2 e2αt , 2 2
E C (x (t)) = energia cin´etica =
− − x
U (x(t)) = energia potencial =
0
x2 1 kydy = k = ke2αt e 2 2
1 E (x(t)) = energia total = (mα2 + k)e2αt . 2 a2) Considere agora a trajet´ oria x(t) = cos ωt, que de fato ´e solu¸ c˜a o da equa¸ca˜o diferencial mx = kx dada pela lei de Newton; f (x) = kx ´e o campo de vetores associado `a mola e x (t) = ω sen ωt. Neste caso,
−
−
−
1 1 E C (x (t)) = m ( ω sen ω t)2 = k sen2 ωt , 2 2
−
−
x(t)
U (x(t)) =
0
( ky)dy =
−
1 1 kx(t)2 = k cos2 ωt e 2 2
1 1 E (x(t)) = k cos2 ωt + sen2 ωt = k . 2 2 b) Um caso importante que merece destaque ´e o da atra¸ c˜ao de dois corpos. Considere duas part´ıculas de massas respectivamente m1 e m2 . Suponha que a primeira part´ıcula, de massa m1 , n˜ ao possa se mover. Vamos supor, para simplificar, que ela est´ a fixa na origem da reta real, ou seja no ponto 0, e que x = x(t) vai descrever a evolu¸c˜ao temporal da part´ıcula m2 . Foi observado por Newton que a part´ıcula de massa m2 , quando localizada no ponto x, sofre uma for¸ca de atra¸c˜ao gravitacional de intensidade f = G m(xm , onde G ´e uma ) constante universal. A dire¸c˜ao da for¸ca de atra¸c˜ao f (criada pelas part´ıcula de massa m1 e m 2 ) e que age sobre a part´ıcula de massa m 2 , aponta de x para 0 (ver x fig. 1.2.2). O potencial associado a este campo ´e ent˜ ao U (x) = G x mym dy, ou seja, U (x) = G m xm . De acordo com a lei de Newton, x(t) satisfaz mx (t) = G (mx(tm . )) A solu¸ca˜o do presente problema mecˆ anico ser´ a apresentada na se¸ca˜o 1.6.
−
1
−
1
2
1
2
2
−
2 2
0
1
2
2
c) Vamos analisar agora o movimento de uma part´ıcula em queda livre: um corpo de massa m ´e largado de uma altura x 0 com velocidade inicial zero, caindo verticalmente, sem atrito, sob a¸c˜ao da for¸ca gravitacional f = gm, onde g ´e a constante de gravidade. Nesse caso, a energia potencial ´e E P (x) = U (x) = gmx e a energia total ´e E T (x, ˙x) = 12 mx˙ 2 + gmx. Note que a energia potencial ´e a massa vezes a altura vezes g; adiante voltaremos a usar este fato.
−
24
Mecˆanica Newtoniana
f f 1
f f 2
1
X1
2
x 2
x 1
x X
X2
Figura 1.2.2
Figura 1.2.3
A equa¸ca˜o diferencial obtida pela lei de Newton ´e mx = mg, ou seja, x = g. Integrando, obtemos x(t) = 12 gt2 +bt +c; considerando as condi¸c˜oes iniciais x(0) = x 0 , x (0) = 0, eliminamos as constantes b e c, obtendo x(t) = 12 gt2 + x0 . A partir do x(t) geral acima obtido, deduzimos que x (t) = gt + b. Obtemos assim a solu¸ca˜o geral (x(t), x(t)) ˙ = ( 12 gt2 + bt + c, gt + b) do sistema mecˆ anico (c = x 0 , b = x (0)). As trajet´ orias deste sistema no espa¸co de fase (x, ˙x) aparecem na fig. 1.2.3. Calculando os valores das energias ao longo destas trajet´ orias x(t) obtemos 1 E C (x (t)) = m( gt + b)2 , 2
−
−
−
−
−
−
−
−
−
x(t)
U (x(t)) =
0
−mgdy = mg(x(t) − x(0)) = mg(− 12 gt2 + bt + c) − mgx0
e, finalmente, a energia total ´e uma constante independente de t.
25
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
O leitor deve ser alertado para o seguinte: a lei de atra¸ca˜o entre dois corpos afirma que a for¸ca a ser considerada (no caso, aquela agindo da Terra sobre o corpo que est´a caindo) n˜ ao ´e constante pois, como vimos em b) acima, depende do inverso do quadrado da distˆancia. Acontece que para pequenas distˆancias (em compara¸c˜ao com o diˆ ametro da terra) sobre a superf´ıcie da terra essa for¸ ca n˜ ao varia muito. Sendo assim, em certas situa¸ c˜oes que envolvem pequenas distˆ ancias, podemos supor, para simplificar, que ela ´e constante, como fizemos neste exemplo. Conseq¨ uentemente, o potencial ´e a altura, ou seja, a distˆ ancia do corpo a algum ponto de referˆencia, que assim define um campo de for¸ cas constante. Lembre tamb´ em que o potencial pode ser sempre definido a menos de uma constante aditiva. Nos itens a2) e c), as trajet´orias x(t) (cada uma ´e solu¸ c˜ao do problema mecˆ anico correspondente) dos exemplos acima s˜ ao tais que a energia total ´e constante, mas n˜ a o no item a1), no qual x(t) n˜ ao ´e solu¸c˜ao da equa¸ca˜o dada pela lei de Newton. Este fato ´e objeto da an´ alise a seguir, quando consideramos o teorema de conserva¸c˜ao de energia total. Vamos relembrar no caso unidimensional um conceito introduzido antes. Defini¸c˜ao 1.2.4: Um campo de for¸cas da forma f (x) definido em R ´e dito conservativo se existe uma fun¸c˜ ao U (x), denominada um potencial de f, tal que (x) = f (x) . − dU dx Como vimos antes, se f depende apenas da posi¸c˜ao x R e n˜ ao da velocidade x, ˙ sempre se obt´em U : basta tomar qualquer primitiva de f .
∈
Propriedade Importante: Todos os campos de for¸ cas f (x), f : R conservativos e a energia potencial est´ a bem definida.
→ R s˜ao
Adiante analisaremos este conceito no caso do R n , onde nem todos os campos de for¸cas da forma f (x) s˜ ao conservativos. Campos de for¸cas da forma f (q, q ˙) (ou f (q, t)), ainda que q, q ˙ R, s˜ ao claramente n˜ ao conservativos, ou seja, n˜ ao ´e poss´ıvel encontrar U (x) tal que dU = f (x, x). ˙ dx
∈
−
Teorema 1.2.1: Conserva¸c˜ao de Energia Total: Considere um campo de for¸cas f (x) conservativo e com potencial U = E P . Se x(t) satisfaz a lei de Newton, mx (t) = f (x(t)), ent˜ ao a energia total ao longo de x(t), E (x(t), x (t)) = E C (x (t)) + U (x(t)) , ´e constante. Demonstra¸c˜ao: Denotemos h(t) = E (x(t), x (t)) e mostremos que h ´e constante. Como E (x, x) ˙ = 12 mx˙ 2 + U (x), temos h(t) = 12 m(x (t))2 + U (x(t)); deri-
26
Mecˆanica Newtoniana
vando h obtemos h (t) = 12 m2x (t)x (t) +
dU dx (x(t))x
(t) = mx (t)x (t) − f (x(t))x(t) =
= mx (t)x (t)
− mx(t)x(t) = 0 , (x) = −f (x). Isso prova que h ´e uma fun¸c˜ao constante e,
pois mx = f (x) e dU dx portanto, que a energia total ´e constante ao longo da trajet´ oria x(t).
Defini¸ca˜o 1.2.5: Uma integral primeira de uma equa¸c˜ ao diferencial autˆ onoma n de primeira ordem x = F (x) definida em um aberto A R ´e uma fun¸c˜ ao W : A R que ´e diferenci´avel e n˜ ao constante em qualquer aberto contido em A, mas que ´e constante ao longo de cada tra jet´ oria da equa¸c˜ ao diferencial. Em n outras palavras, se x = F (x) ´e a equa¸c˜ ao com F : R Rn , W n˜ ao deve d ser diferenci´avel e inconstante em qualquer aberto, tal que dt W (x(t)) = 0, para qualquer solu¸cao ˜ x(t) R n de x = F (x).
⊂
→
→
∈
Note que estamos exigindo que o dom´ınio da integral primeira W seja o mesmo da equa¸ca˜o diferencial x = F (x). Sendo assim, pelo teorema 1.2.1, a energia total ´e uma integral primeira da equa¸c˜ao diferencial de primeira ordem (x , x˙ ) = z = F (z) = F (x, x) ˙ = 1 (x, ˙ m f (x)) associada ao sistema mecˆ anico mx (t) = f (x(t)) e, portanto, cada solu¸c˜ao z(t) = (x(t), x (t)) permanece dentro de exatamente uma u ´nica curva de n´ıvel E (x, x) ˙ = constante da fun¸c˜ao energia total. Note que, acima, x e x˙ s˜ ao vari´ aveis independentes e que (x (t), x˙ (t)) significa deriva¸c˜a o de (x(t), x(t)), ˙ em rela¸c˜ao a` vari´ avel t. Exemplo 1.2.4: O resultado anterior permite identificar o conjunto dos pontos do espa¸co de fase definidos pelas solu¸c˜oes do problema mecˆ anico em dois dos exemplos que analisamos acima. No caso da mola sem atrito, a energia total ´e E (x, ˙x) = 12 mx˙ 2 + k2 x2 , logo as trajet´ orias est˜ ao sobre elipses (ver fig. 1.2.1). No caso do corpo em queda livre, a energia total ´e E (x, x) ˙ = m ˙ 2 + gmx; tomando 2x E = constante, obtemos que x ´e quadr´atico em x, como ˙ mostra a fig. 1.2.3. Esta ´e uma importante informa¸ c˜ao a respeito das trajet´ orias de um sistema mecˆanico conservativo: o teorema acima permite calcular x em fun¸c˜ao de x. ˙ Adiante veremos como se pode usar esse teorema para tentar calcular x em fun¸c˜ao de t. Muitas vezes a for¸ca f depende n˜ao apenas de x, mas tamb´ em de x, ˙ como, por exemplo, no caso da mola com atrito, em que o campo de for¸ cas ´e dado por f (x, x) ˙ =
−kx − cx˙ ,
onde k continua sendo a constante de elasticidade da mola, mas agora c ´e a constante de atrito da mola. A lei de Newton, como afirmamos antes, ´e v´ alida da mesma maneira: f (x, x ) = mx .
27
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
. x
x
Figura 1.2.4
Esse n˜ao ´e um sistema conservativo, pois a for¸ ca, nesse caso, depende da ve locidade e n˜ ao podemos expressar f (x, x ) como dU (x). Note que as trajet´ orias dx (x(t), x (t)) da mola com atrito (ver fig. 1.2.4) tˆem um comportamento bastante distinto dos da mola sem atrito. (O caso da mola com atrito ser´ a analisado no exemplo 1.7.9.)
−
Defini¸c˜ao 1.2.6: Uma equa¸c˜ ao diferencial (ou campo de vetores) de primeira n ordem em A R , x = F (x), ´e dita integr´ avel se existe um n´ umero suficiente de integrais primeiras, a ponto de permitir identificar as curvas (conjunto de pontos do Rn ) definidas pelas trajet´ orias do sistema.
⊂
Dizemos que n 1 integrais primeiras W 1 , W 2 ,...,W n−1 s˜ao linearmente independentes, se para todo x A x F (x) = 0 vale que os vetores
−
∈ −{ | } ∇W 1(x), ∇W 2(x),..., ∇W −1(x) n
s˜ao linearmente independentes. Segue o teorema da fun¸ c˜ao impl´ıcita que n 1 integrais primeiras linearmente independentes permitem identificar as curvas solu¸co˜es da equa¸c˜ao diferencial x = F (x).
−
Exemplo 1.2.5: A equa¸ c˜ao diferencial (x1 , x2 , x3 ) = ( x2 , x1 , 0) ´e integr´ avel 2 2 pois W 1 (x1 , x2 , x3 ) = x3 e W 2 (x1 , x2 , x3 ) = x1 + x 2 s˜ao integrais primeiras do sistema que permite identificar as curvas definidas pelas solu¸ c˜ oes da equa¸c˜ao diferencial: as trajet´ orias est˜ ao sempre simultaneamente dentro de planos x 3 = 2 constante e de cilindros x 1 + x22 = constante (ver fig. 1.2.5), ou seja, s˜ ao c´ırculos 3 horizontais no R . Note que W 1 e W 2 s˜ao linearmente independentes.
−
28
Mecˆanica Newtoniana
x 3
x 2 x 1
Figura 1.2.5
Neste exemplo em R 3 precisamos de duas integrais primeiras para determinar as curvas. Em geral, em Rn , s˜ao necess´ arias n 1 integrais primeiras W i (x) linearmente independentes em cada ponto, para que W i (x) = constante, 1 i n 1, determine implicitamente uma curva em R n .
−
−
≤ ≤
Defini¸ca˜o 1.2.7: Um sistema mecˆanico autˆ onomo definido por um campo de n n for¸cas f : R R ´e dito integr´ avel se o associado sistema de primeira ordem 1 (x , x˙ ) = F (x, x) ˙ = (x, ˙ m f (x)) em R2n ´e integr´ avel. Algumas vezes diremos que o campo de for¸cas ´e integr´ avel
→
O leitor pode avaliar agora a importˆ ancia do teorema de conserva¸ca˜o de energia total. Ele permite identificar o conjunto dos pontos das curvas solu¸ c˜ oes no caso de sistemas conservativos unidimensionais com potencial U : as curvas solu¸c˜oes est˜ ao contidas dentro das curvas de n´ıvel da fun¸ ca˜o energia total, 1 2 E (x, ˙x) = 2 mx˙ + U (x). Para sistemas mecˆ anicos em dimens˜ ao maior (com cam2 n pos de for¸cas em R ou em R ) a energia total por si mesma n˜ ao permite identificar as curvas de n´ıvel que cont´em cada solu¸c˜a o e s˜ao necess´ arias mais integrais primeiras, as quais nem sempre existem em n´umero suficiente. Isto ´e, na maioria das vezes, em dimens˜ ao maior do que dois, o sistema n˜ ao ´e integr´ avel. Pode-se dizer, no entanto, que no caso unidimensional, isto ´e, no caso em que o campo de for¸cas ´e definido por f : R R, o sistema mecˆ anico autˆ onomo ´e sempre integr´ avel: uma integral primeira, a energia total, permite por si s´ o, identificar as curvas que cont´ em as o´rbitas (x(t), x (t)). Mais tarde, quando analisarmos campos de vetores em R 3 , voltaremos a considerar estas quest˜ oes.
→
Note que saber que a solu¸ca˜o (x(t), x (t)) est´ a dentro de uma curva de n´ıvel n˜ao permite, em princ´ıpio, determinar, para um certo valor de t, qual ´e o valor da ´ importante destacar, no entanto, que no caso de x unidimensional solu¸c˜ao x(t). E o teorema de conserva¸ca˜o de energia total permite de fato determinar a evolu¸ c˜ao temporal de um sistema conservativo unidimensional se soubermos calcular uma certa integral. Isso ser´ a descrito a seguir.
29
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica Do teorema 1.2.1, E = 12 mx˙ 2 + U (x) = constante, obtemos dx = x = ˙ dt
2 (E m
− U (x)) .
Esta equa¸ca˜o de primeira ordem ´e separ´ avel pois s´ o depende de x, e portanto ´e integr´ avel. Suponha que saibamos calcular g(x) =
2
m
pela regra da cadeia,
dg(x(t)) = dt
2
m
1
dx ;
(E
− U (x))
1 (E
−
dx = 1. dt U (x))
Logo, g(x(t)) = t + c, com c constante, e encontramos x(t) implicitamente, em fun¸ca˜o de t. Este m´etodo ´e algumas vezes chamado de integra¸ c˜ao de uma equa¸ca˜o diferencial por quadraturas. Referimos ao leitor D. Figueiredo e A. Neves, 1997 para algumas considera¸ co˜es sobre integrais el´ıpticas, t´ opico que est´ a relacionado com as integrais acima consideradas. Exerc´ıcios: 1. Calcule a trajet´ oria da part´ıcula com massa m, sujeita ao campo de for¸cas f (x) = kx, k > 0. Calcule as energias cin´etica, potencial e total. Descreva as trajet´ orias no espa¸co de fase de maneira esquem´ atica. 2. Considere o potencial U (x) = x4 . Calcule a energia total E (x, x), ˙ E : 2 R R do sistema mecˆ anico obtido e a seguir esboce as curvas de n´ıvel de E T .
→
3. Usando o teorema de conserva¸c˜ao de energia e o m´etodo de integra¸ c˜ ao por quadraturas, encontre x(t) para o sistema mecˆ anico x = x, considerando a mola com massa 1 e constante de elasticidade 1.
−
1.3 SISTEMAS COM V´INCULOS UNIDIMENSIONAIS Vamos agora analisar a lei de Newton para o caso de campos de for¸ cas bidimensionais. A lei de Newton: Vamos supor que x(t) = (x1 (t), x2 (t)), t R, descreve a posi¸c˜ ao de uma part´ıcula de massa m no plano R2 sob a a¸c˜ ao de um campo de 2 2 for¸cas f : R R . A lei de Newton afirma que a trajet´ oria x(t) = (x1 (t), x2 (t)) do sistema mecˆ anico satisfaz a equa¸cao ˜ diferencial de segunda ordem
∈
→
m(x1 (t), x2 (t)) = mx (t) = f (x(t)) = f (x1 (t), x2 (t)).
30
Mecˆanica Newtoniana
Sendo assim, a lei de Newton em R 2 ´e exatamente a mesma que na reta ou em Rn . A equa¸c˜ao diferencial ´e de segunda ordem em R 2 e, portanto, dadas a posi¸c˜ao inicial (x1 (0), x2 (0)) = x0 R2 e a velocidade inicial (x1 (0), x2 (0)) = y0 R2 , fica determinada, de maneira u ´nica, a trajet´ oria (x1 (t), x2 (t)) da part´ıcula.
∈
∈
Exemplo 1.3.1: Um corpo em queda livre em um plano sob a a¸ c˜ao da gravidade determina o campo de for¸cas f (x1 , x2 ) = (0, mg); o campo aponta para baixo e ´e constante. A solu¸ca˜o de m(x1 (t), x2 (t)) = f (x1 (t), x2 (t)) = (0, mg), com as condi¸co˜es iniciais x0 = (0, 0) e y0 = (0, 0), ´e obtida de maneira simples pois temos um par de equa¸co˜es (cada uma delas j´ a vista na se¸ca˜o 2): temos x 1 (t) = 0, que produz x1 (t) = at + b e mx2 (t) = mg, que produz x2 (t) = 12 gt2 + ct + d por integra¸ c˜a o; a partir das condi¸ co˜es iniciais obtemos ent˜ ao (x 1 (t), x2 (t)) = 1 2 (0, 2 gt ).
−
−
−
−
−
Muitas vezes o movimento de uma part´ıcula num sistema mecˆ anico n˜ ao ´e de todo livre e existem restri¸c˜oes, ou v´ınculos, que o restringem. A part´ıcula pode se mover sobre um plano mas estar sujeita a permanecer sobre uma curva, como, por exemplo, acontece com o pˆ endulo simples, cuja extremidade est´ a sempre sobre um c´ırculo. Um v´ınculo pode ser dado implicitamente: a curva γ R2 que vincula pode ser o conjunto dos pontos (x1 , x2 ) que satisfazem G(x1 , x2 ) = c = constante. Esse v´ınculo determinado pela curva γ R2 tamb´em pode ser expl´ıcito: uma parametriza¸c˜ao z(s) = (x1 (s), x2 (s)) da curva. Neste caso, s n˜ ao tem nada a ver com tempo. Por exemplo, no caso do c´ırculo unit´ ario, g(x 1 , x2 ) = 2 2 x1 + x 2 = 1 ´e uma caracteriza¸c˜ao impl´ıcita e z(s) = (cos s, sen s), s [0, 2π) ´e ´ importante que o leitor n˜ uma parametriza¸c˜ao. E ao confunda os conceitos de curva (que ´e um conjunto de pontos) com parametriza¸ ca˜o de uma curva (que ´e uma fun¸ca˜o, definida em um intervalo real, cuja imagem ´e uma curva). Curvas permitem muitas parametriza¸co˜es. Algumas vezes, por isso, falamos no tra¸co da curva para enfatizar que estamos considerando o conjunto de pontos do R 2 que a determina. Se o v´ınculo ´e dado implicitamente, quase sempre se pode encontrar, pelo menos localmente, uma maneira de escrever esse v´ınculo explicitamente, usando o teorema da fun¸c˜ao impl´ıcita (ver E. Lima, 1989). Nesta se¸ca˜o vamos considerar apenas v´ınculos dados por curvas. Outros tipos de v´ınculo tamb´em s˜ ao importantes em mecˆ anica, por exemplo, uma part´ıcula 3 livre no R pode estar sujeita a colidir com a fronteira de uma caixa fechada que a cont´em. Problemas com v´ınculos deste tipo ser˜ ao analisados na se¸ca˜o 4 deste cap´ıtulo. Suponha que γ ´e uma curva no plano e que existe um campo de for¸ cas f agindo 2 em todo R ; considere uma part´ıcula sujeita ao v´ınculo γ e que est´a exatamente no ponto b de γ. Ent˜ ao ´e bastante natural acreditar que a for¸ ca que age sobre a part´ıcula ´e apenas a proje¸ca˜o f b da for¸ca f (b) sobre a dire¸ca˜o tb tangente a` curva γ em b, pois a componente de f (b) na dire¸ca˜o normal a` curva ´e anulada pelo v´ınculo (ver fig. 1.3.1). Fica ent˜ ao definido sobre a curva γ um campo de for¸cas f b .
⊂
⊂
∈
31
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica f
f
n
f
b
f b
t
f
f
f
f f
f
f
f
f
f
f f
f
f
f
Figura 1.3.1
A lei de Newton para sistemas mecˆ anicos com v´ınculos: Considere um campo 2 de for¸cas f em R . Uma curva parametrizada (x1 (t), x2 (t)) sobre γ (o v´ınculo) ´e solu¸c˜ ao do problema mecˆ anico com v´ınculo se para todo t a proje¸cao ˜ v b de m(x1 (t), x2 (t)) sobre a reta tb tangente a` curva γ em b = (x1 (t), x2 (t)) γ coincide com f b , a proje¸c˜ ao do vetor f (b) sobre a reta t b (isto ´e, v b = f b ).
∈
Equivalentemente pode-se afirmar que neste caso m(x1 (t), x2 (t)) f (b) ´e um vetor normal em rela¸ca˜o a` curva γ em b = (x1 (t), x2 (t)) para todo t R . Note que o v´ınculo acima est´ a definido no espa¸co de configura¸c˜oes e n˜ ao no espa¸co de fase. Tais v´ınculos s˜ao chamados holˆ onomos. Para descrever a evolu¸c˜ao da part´ıcula ao longo de sua trajet´ oria sobre γ, (contido num espa¸co (x1 , x2 ) bidimensional) a quest˜ ao, na verdade, se torna um problema unidimensional (em x R), dependendo da escolha do sistema de coordenadas g(x) = (x1 , x2 ). De fato, fixando uma parametriza¸ca˜o g(x) de γ ; com x variando em R obtemos os pontos g(x) da curva γ e podemos passar da vari´avel (x1 , x2 ) ao sistema de coordenadas x R. O vetor u(x) dado por Dg −1 (x)(f b ) = u(x), no qual g(x) = b γ, (onde f b ´e o projetado de f (b) na tangente a γ em b) determina um campo de for¸cas u(x) no espa¸co x R, correspondendo, atrav´es da mudan¸ca de coordenadas g, ao campo de for¸ cas tangente f b no problema mecˆ anico 2 no R com v´ınculo γ (ver fig. 1.3.1). Devemos ent˜ ao encontrar a solu¸c˜ao x(t) do problema mx = u(x) e a seguir, via (x1 (t), x2 (t)) = g (x(t)) obter a solu¸ca˜o (x1 (t), x2 (t)) do problema mecˆ anico, sob for¸cas f , sujeito ao v´ınculo γ .
− ∈
∈
∈
∈
∈
32
Mecˆanica Newtoniana
Figura 1.3.2
Podemos portanto tranferir o problema mecˆ anico no espa¸co de configura¸c˜oes com v´ınculo unidimensional para um problema mecˆ anico unidimensional com campo de for¸cas em R; como j´ a vimos, os problemas unidimensionais s˜ ao f´ aceis de tratar pois s˜ao integr´ aveis. Veremos agora, atrav´ es de alguns exemplos, como se transfere o problema mecˆ anico de γ para a reta real, obtendo-se assim problemas mecˆ anicos semelhantes aos que consideramos na se¸c˜ao anterior. Come¸ camos com um exemplo bem simples: R2
Exemplo 1.3.2: Considere uma part´ıcula que se encontra sobre um plano inclinado, fazendo um aˆngulo θ com a superf´ıcie horizontal do ch˜ ao: para simplificar o problema, podemos fazer um corte transversal, como mostra a fig. 1.3.2, reduzindo o problema para duas dimens˜oes (x, y). Vamos supor que a part´ıcula ´e largada do ponto P = (x0 , h0 ) com velocidade zero e que a u ´nica for¸ca atuante ´e a da gravidade: o que desejamos saber ´e a posi¸ c˜ao (x(t), y(t)) da part´ıcula no plano (x, y). O v´ınculo, neste problema, ´e a reta (determinada pelo plano inclinado) sobre a qual a part´ıcula permanece. O problema na verdade ´e unidimensional e n˜ ao bidimensional, visto que, se soubermos onde est´ a x(t), saberemos que y(t) = x(t)tan θ. Como encontrar a equa¸c˜ao diferencial que controla o deslocamento da part´ıcula? A part´ıcula est´ a sob a a¸c˜ao da for¸ca da gravidade f = mg, por´em a for¸ca da gravidade age apenas na dire¸ca˜o do plano inclinado (ou melhor, da reta inclinada). Portanto, a for¸ca que realmente est´ a agindo sobre a part´ıcula situada em q (t) = b atua na dire¸c˜ao da reta inclinada e com intensidade mg sen θ, isto ´e, f b = mg sen θ(cos θ, sen θ). Escolhemos o sistema de coordenadas na vari´ avel real q (sobre o plano incli-
−
−
−
33
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
nado) que d´a a distˆ ancia (positiva) de (x(t), y(t)) ao ponto (0, 0), como mostra a fig. 1.3.2. Nesse caso, (x(t), y(t)) = q (t)(cos θ, senθ) e (x (t), y (t)) = q (t)(cos θ, senθ) . A lei de Newton afirma portanto que mq = mg sen θ e as condi¸c˜oes iniciais s˜ao q (0) = distˆ ancia de P a (0, 0) = x20 + h20 = h 0 cos θ, q (0) = 0, portanto, a solu¸ca˜o 1 2 q (t) = gt sen θ + x20 + h20 2 ´e simples de se obter, procedendo de maneira similar ao que j´ a foi feito anteriormente. Se desejarmos voltar `as coordenadas (x, y), basta lembrar que x(t) = q (t)cos θ e y(t) = q (t)sen θ.
−
−
Em resumo, quando temos v´ınculos devemos decompor o vetor for¸ ca do problema sem v´ınculos em componentes tangencial e normal e determinar a dire¸ c˜ao tangencial na qual a for¸ca do problema com v´ınculo efetivamente age. Em outras palavras, na mecˆ anica newtoniana, que ´e basicamente vetorial, procedemos de maneira geom´etrica, projetando o vetor for¸ca na dire¸ca˜o tangencial ao v´ınculo e analisamos o problema em novas coordenadas, considerando apenas a for¸ ca tangente ao v´ınculo. Esse m´ etodo tem suas limita¸ c˜oes computacionais quando existem muitas for¸cas envolvidas ou quando os v´ınculos s˜ ao mais complexos. Na mecˆ anica lagrangiana, em geral, como veremos posteriormente, teremos m´etodos mais simples e poderosos para deduzir as equa¸c˜oes que v˜ao reger o sistema com v´ınculo. No exemplo acima o v´ınculo ´e uma reta; vejamos agora um exemplo muito importante, no qual o v´ınculo ´e uma curva. Exemplo 1.3.3: Consideramos um pˆendulo simples num plano (vertical) sob a a¸ca˜o da for¸ca da gravidade. Supomos o pˆendulo com uma haste de tamanho l e massa desprez´ıvel, com um extremo fixo no ponto (0, 0) do plano e com uma pequena bola de raio desprez´ıvel e massa m no outro extremo (ver fig. 1.3.3). As poss´ıveis posi¸c˜oes do extremo livre do pˆ endulo est˜ ao sobre um c´ırculo de centro (0,0) e raio l. Para saber o que acontece com este pˆ endulo sujeito a` a¸ca˜o da gravidade, basta saber onde est´ a o extremo (x1 (t), x2 (t)) da haste, pois o outro extremo est´ a fixo. Em fun¸ca˜o da simetria circular deste problema ´e mais conveniente trabalhar com coordenadas polares, ou seja, em vez de descrever a posi¸ca˜o do extremo do pˆendulo por (x1 (t), x2 (t)), vamos descrevˆe-la por (θ(t), r(t)), onde
x1 = r(t)cos θ(t) , x2 = r(t)sen θ(t) .
A conveniˆencia de tal escolha de coordenadas fica clara agora porque r(t) = l, para todo t R e assim, na verdade, temos um problema unidimensional na vari´ avel θ.
∈
34
Mecˆanica Newtoniana x2
} l
t
x1
b
f b
f
=
-mg
Figura 1.3.3
Nessa coordenada, a velocidade tangencial ´e lθ e a acelera¸c˜ao tangencial ´e lθ . A posi¸c˜ao do pˆendulo em repouso, no extremo inferior do c´ırculo ´e, por conven¸ c˜ao, θ = 0. Olhando a fig. 1.3.3 ´e f´ acil de se ver que o vetor f dado pela for¸ca da gravidade n˜ao atua na dire¸ca˜o perpendicular ao c´ırculo, pois a haste ´e r´ıgida, mas apenas na dire¸c˜ao tangente a ele, onde temos f b = mg sen θ. A constante g ´e a constante da gravidade, que relaciona a massa de um corpo com a intensidade da for¸ ca de atra¸c˜ao exercida pela Terra sobre ele. Al´em disso, temos a for¸ ca de atrito klθ , que ´e proporcional a` velocidade e atua no sentido oposto ao do movimento; a constante k de atrito depende do meio no qual o pˆ endulo se move. Pela lei de Newton conclu´ımos que a equa¸c˜ao do pˆendulo ´e dada por:
−
−
d 2 θ ml 2 = dt
. −mg sen θ − kl dθ dt
De fato, o vetor l (-sen (θ), cos(θ)) ´e tangente ao c´ırculo γ em l (cos(θ), sen(θ))
e a derivada segunda (x1 , x2 ) ´e igual a
−l (θ
sen(θ) + θ θ cos(θ), cos(θ)θ + θ θ sen(θ)) .
−
2
Fazendo o produto interno dos dois vetores obtemos a acelera¸ c˜ao projetada ml ddt θ e, finalmente, a express˜ ao acima. Consideramos inicialmente o caso de atrito desprez´ıvel, ou seja, nulo. Ent˜ ao 2
d2 θ m 2 = dt
− mgl
sen θ
(1.1)
35
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
´e a equa¸ca˜o que descreve o problema unidimensional associado ao pˆ endulo sem atrito. Nesse caso o sistema ´e conservativo e a energia total ´e uma integral primeira, a for¸ca deriva do potencial U (θ) = mg etica ´e l cos θ e a energia cin´ E C = 12 mθ˙ 2 . A energia total, portanto, ´e dada por
−
1 E T = mθ˙ 2 2
− mgl cos θ
(1.2)
e o teorema de conserva¸ca˜o de energia total nos permite identificar as trajet´ orias no espa¸co de fase, como segue. Nos pontos da forma x = 2nπ o potencial U tem m´ınimo local (veja o gr´ afico peri´ odico de U na fig. 1.7.6). Assim, adicionando 1 2 ˙ ˙ = (2nπ, 0), o potencial o termo positivo 2 mθ , temos que, em torno de (θ, θ) U tem um m´ınimo quadr´ a tico (que, pela f´ ormula de Taylor, ´e similar ao de 2 2 2 2 ˙ ˙ g(x, y) = x + y , ou g(θ, θ) = θ + θ em torno da origem) e portanto as curvas de n´ıvel da energia total numa pequena vizinhan¸ca de (2nπ, 0) s˜ ao curvas fechadas em torno de (2nπ, 0). A an´ alise em torno dos pontos da forma ((2n + 1)π, 0) nos d´a que o potencial U tem pontos de sela (pela f´ ormula de Taylor, U se parece 2 2 com x y em torno de (0, 0)) e portanto as curvas de n´ıvel da energia total tamb´em se parecem com hip´erboles, ou seja, parecem com as curvas de n´ıvel de x2 y 2 . Isso mostra que as curvas de n´ıvel da energia total determinam uma decomposi¸c˜ao do R2 (como a exibida na fig. 1.3.4A), e assim fica determinada, de uma maneira bastante simples, a partir do teorema da conserva¸ c˜ao de energia total, a distribui¸c˜ao global das trajet´ orias do pˆendulo sem atrito. Supondo que existe uma for¸ca de atrito agindo sobre o pˆendulo, a equa¸c˜ao do sistema ´e d2 θ mg dθ m 2 = sen θ k . (1.3) dt l dt O termo kθ ´e respons´avel pela dissipa¸ca˜o de energia e faz com que o pˆ endulo seja amortecido pelo atrito, perdendo velocidade (energia cin´etica) e altura (energia potencial). Nesse caso, portanto, a energia total n˜ ao se conserva. Note que o campo de for¸cas tamb´em n˜ ao ´e a derivada de uma fun¸c˜ao na vari´ avel x, isto ´e, o sistema mecˆ anico n˜ ao ´e conservativo. Como sempre, a equa¸ca˜o diferencial de segunda ordem em R pode ser transformada em uma equa¸ca˜o diferencial de primeira ordem em R2 atrav´es de um procedimento canˆ onico: introduzimos em R2 as coordenadas (θ, ω) = (θ, θ ), onde ω ´e a velocidade angular e a equa¸ c˜ao de primeira ordem em R2 associada ao pˆendulo ´e θ = ω , k ω = gl sen θ m ω,
−
−
−
−
−
−
−−
g l
k ω m
dada pelo campo de vetores F (θ, ω) = ω, sen θ em R2 . Note que se (θ(t), ω(t)) satisfaz (θ (t), ω (t)) = F (θ(t), ω(t)), ent˜ ao θ(t) satisfaz a equa¸ca˜o de segunda ordem dada pela lei de Newton, θ (t) = ω (t) =
−
− gl sen θ(t) − mk ω(t) = − gl sen θ(t) − mk θ(t) .
36
Figura 1.3.4 a) e Figura 1.3.4 b)
Mecˆanica Newtoniana
37
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
Sendo assim, entender o que acontece com as solu¸ c˜oes da equa¸ca˜o (θ , ω ) = F (θ, ω) vai nos permitir entender o que acontece com as solu¸co˜es da equa¸c˜ao de segunda ordem descrita pela lei de Newton. Observa¸ca˜o 1.3.1: Lembre que estamos interessados em indicar, no espa¸co de fase de uma equa¸ca˜o de primeira ordem, o desenho esquem´atico das trajet´ orias do sistema, que nos d´ a uma id´ eia do comportamento global das solu¸ c˜oes da equa¸c˜ao diferencial. No exemplo acima, F (θ, ω) ´e um campo de vetores que define uma equa¸ca˜o diferencial de primeira ordem em R2 cujo espa¸co de fase ´e dado na fig. 1.3.4: o caso A ´e o do pˆendulo sem atrito e o caso B ´e o do pˆendulo com atrito. Mais tarde voltaremos a analisar e explicar com detalhes esses exemplos; para isto necessitamos de alguns resultados adicionais que ser˜ao apresentados na se¸c˜ao 7, onde tamb´em justificaremos o comportamento descrito pela fig. 1.3.4A e 1.3.4B para as trajet´ orias desses dois tipos de pˆendulo. Exerc´ıcio: 1. Calcule as trajet´ orias de um pˆendulo sujeito a uma for¸ ca de atrito, mas n˜ao a` for¸ca da gravidade (por exemplo, em cima de uma mesa horizontal), isto ´e, suponha que n˜ ao exista for¸ca da gravidade no problema com v´ınculo descrito no exemplo acima. De maneira expl´ıcita, considere a equa¸ c˜ ao d2 θ m 2 = dt
. −k dθ dt
˙ θ [0, 2π), θ˙ R. Desenhe em linhas gerais o espa¸co de fase no espa¸co (θ, θ), Tome cuidado com o fato de que uma parametriza¸ ca˜o do c´ırculo define uma fun¸ca˜o peri´ odica na carta coordenada θ.
∈
∈
´ 1.4 SISTEMAS UNIDIMENSIONAIS COM V ARIAS PART´ ICULAS
Vamos fazer agora um resumo dos principais fatos j´a vistos, e que devem ser bem entendidos pelo leitor, para que possamos prosseguir analisando casos mais complexos. A lei de Newton afirma que a trajet´ oria x(t) (no espa¸co de configura¸c˜oes) de um sistema mecˆ anico deve satisfazer a equa¸ca˜o de segunda ´ mais natural e conveniente considerar a ordem: mx = f (x), f : R R. E equa¸ca˜o de primeira ordem no espa¸co de fase z = (x1 , x2 ) = (x, x): ˙
→
x1 = x 2 1 x2 = m f (x1 ) .
Isto ´e, podemos considerar o campo de vetores F : R 2 R 2 , dado por (x, x) ˙ 1 (x, ˙ m f (x)), que nos fornece a associada equa¸c˜ao diferencial dada pela lei de Newton: (x (t), x˙ (t)) = (x1 (t), x2 (t))= z (t) =
→
1 = F (z(t)) = F (x(t), x(t)) ˙ = (x(t), ˙ f (x(t))) . m
→
38
Mecˆanica Newtoniana
Os v´arios tipos de energia que introduzimos s˜ ao a energia cin´etica, a potencial e a total, dadas, respectivamente, por: 1 E C (x) ˙ = mx˙ 2 , 2
−
x
U (x) =
f (y)dy e
0
1 E (x, x) ˙ = mx˙ 2 + U (x) . 2 Nesse caso, f ´e conservativo pois depende apenas da posi¸c˜ao x no espa¸co unidimensional R. O principal teorema que vimos ´e o de conserva¸ c˜ao de energia total: se x(t) satisfaz mx = f (x) ent˜ ao E (x(t), x (t)) = constante. Em outras palavras, as trajet´ orias de mx = f (x) est˜ ao contidas nas curvas de n´ıvel de E (x, x) ˙ e, portanto, um sistema mecˆ anico com uma part´ıcula, sujeito a um campo de for¸ cas na reta R, ´e sempre integr´avel. No caso de v´arias part´ıculas, cada uma se deslocando no espa¸ co unidimensional R, nem sempre o sistema ´e integr´ avel, como veremos a seguir. A lei de Newton: A lei de Newton para um sistema de n part´ıculas com massas m1 , m2 , . . . , mn e sob a a¸c˜ ao de for¸cas f i : R n R, 1 i n, respectivamente (isto ´e, a for¸ca f i (x1 , x2 , . . . , xn ) agindo sobre a i-´esima part´ıcula depende das posi¸c˜ oes x 1 , x2 , . . . , xn de todas as part´ıculas), ´e dada pelo sistema de equa¸ c˜ oes:
→
mi xi (t) = f i (x1 (t), x2 (t), . . . , xn (t)), i
≤ ≤
∈ {1, 2, . . . , n} ,
onde x i (t) R descreve a posi¸cao ˜ da part´ıcula x i no tempo t.
∈
O espa¸co de configura¸co˜es nesse caso ´e o Rn e estamos interessados em obter a curva (x1 (t), x2 (t), . . . , xn (t)) que satisfaz a equa¸c˜ao de segunda ordem dada pela lei de Newton; assim podemos prever a evolu¸ ca˜o temporal de cada 2 n part´ıcula xi (t). J´ a o espa¸co de fase ´e o R , cujas coordenadas denotamos por (x1 , x2 , x3 , . . . , xn , ˙x1 , x˙ 2 , x˙ 3 , . . . , x˙ n ). Tamb´em nesse caso podemos transformar a equa¸c˜ao de segunda ordem em R n dada pela lei de Newton, (x1 , x2 , . . . , xn ) = =
1
1
1
f (x , x2 , . . . , xn ), m2 f 2 (x1 , x2 , . . . , xn ), . . . , mn f n (x1 , x2 , . . . , xn ) m1 1 1
numa equa¸c˜ao de primeira ordem, associada ao campo F : R 2n
→ R2
n
, dada por
(x1 , x2 , . . . , xn , ˙x1 , x˙ 2 , . . . , ˙xn ) = F (x1 , x2 , . . . , xn , x˙ 1 , x˙ 2 , . . . , x˙ n ) = =
2 ,...,x n ) x˙ 1 , x˙ 2 , . . . , x˙ n , f 1 (x1 ,xm21,...,x n ) , f 2 (x1 ,xm22,...,x n ) , . . . , f n (x1 ,x mn
,
.
39
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
Vamos agora analisar o caso particular em que temos apenas duas part´ıculas, isto ´e, n = 2. Uma vez que as principais propriedades do caso com duas part´ıculas estejam bem entendidas, o leitor saber´ a facilmente adaptar a esse o caso geral. Considere por exemplo duas part´ıculas, com massas m1 e m2 , e localizadas, respectivamente, em x 1 e x 2 , movendo-se sobre uma reta e sob a¸ca˜o do campo de for¸cas gerado pela atra¸c˜ao entre os dois corpos. Como vimos antes, essas for¸ cas de atra¸c˜ao, chamadas for¸cas de intera¸c˜ao, s˜ ao dadas, respectivamente, por f 1 = G
m1 m2 (x2 x1 ) m1 m2 (x1 x2 ) e f = G 2 x2 x1 3 x1 x2 3
− −
− −
e apontam, cada uma delas, no sentido da outra part´ıcula; note que a soma destas duas for¸cas ´e zero. O que se deseja encontrar nesse caso ´e a trajet´ oria 2 (x1 (t)), x2 (t)) das duas part´ıculas no plano R , ou seja estamos interessados em encontrar uma curva no espa¸co de configura¸c˜ao (x1 , x2 ). Note que a presente situa¸c˜ao ´e diferente do exemplo 1.2.3 b), onde supomos que a part´ıcula com massa m1 estava fixa. Naquele caso t´ınhamos um problema mecˆ anico de espa¸co de configura¸c˜ao unidimensional e no presente caso um problema de espa¸co de configura¸c˜ao bidimensional. A solu¸c˜ao do presente problema mecˆ anico segue da se¸c˜ao 6 e do exerc´ıcio 2 ao fim desta se¸c˜ao. No que segue, portanto, supomos que as part´ıculas x 1 e x 2 se deslocam sobre a reta R e que x1 est´ a sob a a¸c˜ao de uma for¸ca f 1 (x1 , x2 ) e x2 est´ a sob a a¸c˜ao de uma for¸ca f 2 (x1 , x2 ). Neste caso, o que chamamos de espa¸co de configura¸co˜es ´e o espa¸co R2 , onde est˜ ao as vari´ aveis (x1 (t), x2 (t)), e o espa¸co de fase ´e o R4 , onde est˜ ao as vari´ aveis (x1 (t), x2 (t), x1 (t), x2 (t)). Como j´ a o fizemos antes, vamos considerar tamb´em as vari´ aveis independentes (x1 , x2 , ˙x1 , x˙ 2 ) no espa¸co de fase. Defini¸c˜ao 1.4.1: Se f 1 (x1 , x2 ) + f 2 (x1 , x2 ) = 0 para quaisquer x 1 , x2 R e n˜ ao existe um campo externo agindo sobre todo o sistema (ou seja, existem apenas as for¸cas internas de intera¸c˜ ao), dizemos que o sistema constitu´ıdo destas duas part´ıculas ´e um sistema fechado.
∈
Exemplo 1.4.1: O sistema de atra¸ca˜o gravitacional entre dois corpos, mencionado acima, ´e fechado. Exemplo 1.4.2: Quando n˜ ao existe nenhuma for¸ca atuando, isto ´e, se f 1 e f 2 s˜ao constantes e iguais a zero, o sistema ´e fechado. Este caso aparece quando consideramos duas part´ıculas se movendo sem atrito sobre uma reta no plano de uma mesa. A Terra n˜ ao exerce influˆencia gravitacional alguma sobre as part´ıculas nesse caso porque o v´ınculo anula esta for¸ ca. (A Terra continua atraindo, mas a resultante ´e nula.) Se as massas forem muito pequenas podemos tamb´ em supor que f 1 e f 2 s˜ao ambas nulas. Nesse caso, a energia total ´e apenas a energia cin´etica.
40
Mecˆanica Newtoniana
Defini¸ca˜o 1.4.2: Suponha que x1 (t) e x2 (t) descrevem a evolu¸c˜ ao temporal do sistema mecˆ anico constitu´ıdo por duas part´ıculas x1 e x2 com velocidades, respectivamente, x1 (t) e x2 (t) e massas, respectivamente, m1 e m2 . O momento no tempo t deste sistema ´e dado por P (t) = m 1 x1 (t) + m2 x2 (t). ´ mais natural pensar que P : R 4 E
→ R (ou P : R 2 → R) est´a definido por
P (x1 , x2 , x˙ 1 , x˙ 2 ) = P (x˙ 1 , ˙x2 ) = m 1 ˙x1 + m2 ˙x2 . Teorema 1.4.1: Conserva¸ca˜o de momento para duas part´ıculas: O momento de um sistema fechado de duas part´ıculas ´e constante. Demonstra¸c˜ao: Usando a lei de Newton, basta observar que P (t) = m 1 x1 (t)+ m2 x2 (t) = f 1 (x1 (t), x2 (t)) + f 2 (x1 (t), x2 (t)) = 0, pois o sistema ´e fechado. O teorema acima permite afirmar que o momento ´e uma integral primeira para F, pois P permanece constante ao longo da evolu¸c˜ao do sistema x = F (x), onde F : R 4 R 4 ´e o campo associado no espa¸ co de fase. Estamos interessados agora em introduzir os v´ arios conceitos de energia que j´a vimos para o caso de uma part´ıcula. Come¸ camos com o conceito de potencial para o sistema de duas part´ıculas.
→
Defini¸ca˜o 1.4.3: Dizemos que o sistema mecˆanico de duas part´ıculas ´e conservativo se existe uma fun¸c˜ ao U : R 2 R definida no espa¸co de configura¸c˜ oes tal que o gradiente U de U satisfaz
→
∇
∇U (x1, x2) = −(f 1(x1, x2), f 2(x1, x2)) , para quaisquer x1 , x2 ∈ R; U ´e ent˜ ao um potencial do sistema mecˆ anico. Observa¸c˜ao 1.4.1: Um sistema fechado, como definido acima, nem sempre ´e conservativo. Lembre que o problema de existˆencia do potencial U para campos de for¸cas agindo sobre uma part´ıcula, no espa¸ co unidimensional, ´e trivial, pois basta integrar a for¸ca. Como ´e sabido, do c´ alculo de v´ arias vari´ aveis, dado um n n campo de vetores f : R R , com n > 1, a existˆencia de uma fun¸c˜ao escalar n U : R R tal que U = f, ou seja, a existˆencia de um potencial U para f , est´ a associada a` independˆ encia do caminho das integrais de linha do campo f. Dado f , nem sempre existe tal potencial U em R n , com n > 1. (Veremos isso na se¸ca˜o 10 do cap´ıtulo 3, que trata de integrais de linha.)
→
→ ∇ −
Vamos agora considerar as energias cin´ etica e total. Defini¸ca˜o 1.4.4: Dizemos que a energia cin´etica de um sistema mecˆ anico de duas part´ıculas ´e a soma das energias cin´eticas de cada uma das duas part´ıculas, isto ´e, 1 1 E C (x1 (t), x2 (t)) = m1 x1 (t)2 + m2 x2 (t)2 ; 2 2
41
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica equivalentemente, a express˜ ao 1 1 E C (x1 , x2 , x˙ 1 , x˙ 2 ) = m1 ˙x21 + m2 ˙x22 2 2
define a energia cin´ etica no espa¸ co de fase. A energia total de um sistema mecˆ anico de duas part´ıculas ´e a soma das energias cin´etica e potencial: 1 1 E T (x1 , x2 , x˙ 1 , x˙ 2 ) = m1 ˙x21 + m2 ˙x22 + U (x1 , x2 ) . 2 2
Teorema 1.4.2: Conserva¸c˜ao de energia total: A energia total de um sistema mecˆ anico conservativo de duas part´ıculas ´e constante ao longo das solu¸ c˜ oes x(t) = (x1 (t), x2 (t)) do sistema de segunda ordem dado pela lei de Newton. Demonstra¸c˜ao: Denotemos h(t) = E (x1 (t), x2 (t), ˙x1 (t), ˙x2 (t)) e mostremos que h ´e constante. Pela regra da cadeia temos h (t) = =
dE (x1 (t), x2 (t), x˙ 1 (t), x˙ 2 (t)) = dt
∇
E (x1 (t), x2 (t), x˙ 1 (t), x˙ 2 (t)), (x1 (t), x2 (t), x˙ 1 (t), ˙x2 (t)) .
Como
=
∇E (x1(t), x2(t), x˙ 1(t), x˙ 2(t)) =
∂U ∂U (x1 (t), x2 (t)), (x1 (t), x2 (t)), m1 ˙x1 (t), m2 ˙x2 (t) = ∂x 1 ∂x 2 =
−
f 1 (x1 , x2 ), f 2 (x1 , x2 ), m1 x1 (t), m2 x2 (t)
−
e
(x1 (t), x2 (t), x˙ 1 (t), x˙ 2 (t)) = (x1 (t), x2 (t), x1 (t), x2 (t)) , o produto acima ´e h (t) =
−f 1x1 − f 2x2 + m1x1 x1 + m2x2 x2 = = (−f 1 + m1 x1 )x1 + ( −f 2 + m2 x2 )x2 = 0
pela lei de Newton. Isto mostra que a energia total ´e constante ao longo da solu¸ca˜o (x1 (t), x2 (t)). Conclu´ındo esta se¸ca˜o, abordamos brevemente um caso mais geral, mas formalmente idˆentico ao considerado acima, de v´ arias part´ıculas no R n sob a¸c˜ao de for¸cas interativas, com o objetivo de apresentar uma vis˜ ao mais abrangente do assunto. Considere um sistema mecˆ anico constitu´ıdo de r part´ıculas x1 , . . . , xr Rn sob a a¸c˜ao de for¸cas f i : Rnr Rn , 1 i r. A for¸ca que age sobre xi , f i , ´e
→
≤ ≤
∈
42
Mecˆanica Newtoniana
vetorial e depende, como no caso unidimensional considerado antes, da posi¸ca˜o de todas as demais part´ıculas. A lei de Newton ´e mi xi (t) = f i (x1 (t), x2 (t), . . . , xr (t)), i
∈ {1, 2, . . . , r} ,
como sempre; aqui mi ´e a massa da part´ıcula xi . O espa¸co de configura¸c˜oes de um tal sistema ´e o Rnr e o espa¸co de fase ´e o R2nr . Este sistema mecˆanico ´e dito conservativo se existe um potencial U : Rnr R tal que, para cada nr x = (x1 , x2 , . . . , xr ) R , vale U (x) = (f 1 (x), f 2 (x), . . . , fr (x)). Considere um sistema constitu´ıdo por r part´ıculas. No que segue, supomos que as for¸cas f i s˜ ao de intera¸ca˜o, ou seja, a part´ıcula i sofre uma for¸ca de atra¸c˜ao exercida pela part´ıcula j, tal que f i,j = f j,i , como no caso da atra¸c˜ao entre dois corpos. Note que nesse caso f i ´e uma soma de for¸cas f i,j , j = i que dependem somente das posi¸c˜oes das demais part´ıculas. Um caso muito importante ´e o seguinte: dados 1 i = j r, supomos que o m´ odulo f i,j da for¸ca f i,j : R nr R n com que a part´ıcula na posi¸c˜ao x j age sobre a part´ıcula na posi¸c˜ao x i depende apenas da distˆ ancia xi x j de x j a x i n em R e que a componente vetorial de f i,j ´e x i x j . Em outras palavras, supomos que existem fun¸c˜oes reais φ i,j : R + R, com φ i,j = φ j,i , tais que
∈
→
−∇
−
≤ ≤ −
→
−
→
− x ) xx −− xx ∈ R
f i,j (x1 , x2 , . . . , xr ) = φ i,j ( xi
j
i
j
i
j
n
.
Uma caso particular importante desse exemplo ´e o gravitacional newtoniano f i,j (x1 , . . . , xr ) = m i m j G
(xi xi
− x ) . − x 3 j
j
Convencionando que f i,i = 0, resulta que f i = j f i,j e, como no caso de duas part´ıculas, se as u´nicas for¸cas atuantes s˜ ao essas for¸cas de intera¸c˜ao f i , este sistema ´e fechado pois f i,j = f j,i e portanto
−
r
r
f i =
i=1
f i,j = 0 .
i,j =1
Teorema 1.4.3: Um sistema mecˆ anico de v´arias part´ıculas definido em todo R e sob a a¸c˜ ao unicamente de for¸cas interativas ´e conservativo. n
Demonstra¸c˜ao: Para simplificar a escrita, adotamos a seguinte conven¸ c˜ao: nr dada uma fun¸c˜ao U : R R, para cada 1 k r, denotamos a n-upla das 1 derivadas parciais de U em rela¸c˜ao ao vetor xk = (xk , x2k , . . . , xnk ) R n por
→
∂U = ∂x k
≤ ≤
∂U ∂U ∂U , , . . . , ∂x nk ∂x 1k ∂x 2k
∈
∈
Rn .
43
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica Fixamos c > 0 e definimos uma fun¸c˜ao U i,j : R nr U i,j (x1 , x2 , . . . , xr ) =
→ R por
−
xi −xj
φi,j (s)ds ,
c
para cada 1 i
→
≤
≤
−
−
∇
−
−
− · com l = i,j, s˜ao todas nulas pois U U : R → R obtemos, portanto,
As demais parciais de U i,j , em rela¸c˜ao a x l n˜ao depende de tais xl . Definindo U = i
=
k
− − − i
∂U i,j = ∂x k
k 1
=
−
i,j
∂U i,k + ∂x k
k
∂U k,j = ∂x k
r
f k,i +
i=1
Logo
i
i,j
nr
f k,j =
k+1= j
f k,j = f k .
j
−∇U = (f 1, f 2, . . . , f ), resultando que U ´e um potencial do sistema. r
O teorema acima assegura que, em particular, sistemas fechados de v´ arias n part´ıculas definidos em R , nos quais apenas existem intera¸c˜oes, s˜ ao conservativos. N˜ ao podemos usar diretamente o teorema 1.4.3 para o caso gravitacional newtoniano (xi x j ) f i,j (x1 , . . . , xr ) = m i m j G , xi x j 3
− −
pois a for¸ca n˜ ao est´ a definida quando a distˆ ancia entre as part´ıculas ´e zero: logo f i,j n˜ ao est´ a definido em um simplesmente conexo. De qualquer modo, nesse caso, o sistema tamb´em ´e conservativo. No caso em que s´ o existem duas part´ıculas o potencial ´e U (x1 , x2 ) =
−m1m2G x1 −1 x2 ·
Defini¸c˜ao 1.4.5: O centro de massa de um conjunto de r part´ıculas nas posi¸c˜ oes n dadas por x1 , x2 , . . . , xr R e com massas, respectivamente, m1 , m2 , . . . , mr ´e o ponto r 1 c = r mi xi R n . mi i=1
∈
∈
i=1
Essa defini¸ca˜o ´e utilizada nos exerc´ıcios ao fim desta se¸ ca˜o.
44
Mecˆanica Newtoniana
Vamos agora analisar um exemplo interessante envolvendo duas part´ıculas em um sistema fechado. Este exemplo exibe o sistema mecˆ anico n˜ ao integr´ avel conservativo mais simples poss´ıvel. Exemplo 1.4.3: Suponha que duas part´ıculas, de massas m 1 e m2 , se deslocam sobre uma mesa horizontal mas dentro de um intervalo limitado, que denotamos por [0, 1]. Como vimos antes, este sistema ´e fechado e conservativo. Suponha tamb´em que as massas s˜ ao muito pequenas, de maneira que a for¸ca de atra¸ca˜o entre as duas part´ıculas ´e desprez´ıvel. As part´ıculas se movem sem a a¸ c˜a o de for¸cas externas e o movimento deve-se apenas `a velocidade inicial de cada uma das duas part´ıculas. Como n˜ ao existe for¸ca no sistema, a energia potencial ´e nula (ou constante) e a energia cin´ etica coincide com a energia total. Vamos supor que as part´ıculas x1 e x2 podem se chocar entre si e com os extremos 0 e 1 do intervalo, mas que estes choques s˜a o el´ asticos, ou seja, sem perda de energia; denotando por x1 (t) e x2 (t) as trajet´ orias dessas part´ıculas no intervalo, temos que 0 x 1 (t) x 2 (t) < 1, j´a que as part´ıculas n˜ ao passam uma pela outra, mas colidem e refletem. Intuitivamente sabemos que haver´ a uma s´erie de choques entre as part´ıculas e tamb´ em das part´ıculas com os extremos do intervalo. Note que durante cada intervalo de tempo em que n˜ ao ocorre um choque, as velocidades das part´ıculas permanecem iguais pois n˜ ao h´ a atrito nem existem for¸cas externas; a pergunta natural ´e: como mudam as velocidades quando h´ a uma colis˜ ao? Denote por v 1i e v2i as velocidades respectivamente das part´ıculas x1 e x2 antes de um choque, e denote por v 1f e v2f as velocidades ap´ os o choque (ver fig. 1.4.1). Pelos teoremas de conserva¸c˜ao de momento e de energia total (cin´etica, no caso) temos duas equa¸c˜oes: m1 v1i + m2 v2i = m 1 v1f + m2 v2f e
≤
≤
1 1 1 1 m1 (v1i )2 + m2 (v2i )2 = m1 (v1f )2 + m2 (v2f )2 . 2 2 2 2 Resolvendo o sistema, podemos encontrar as velocidades das part´ıculas, ap´ os o choque, em fun¸ca˜o das velocidades das part´ıculas antes do choque: v1f =
m1 m2 i 2m2 v1 + v2i m1 + m2 m1 + m2
v2f =
2m1 m 2 m1 i v1i + v . m1 + m2 m1 + m2 2
−
−
Esta equa¸c˜ao corresponde a choques el´ asticos pois existe a conserva¸c˜ao de energia. Para analisar o caso do choque de uma part´ıcula com um extremo, podemos supor que no caso anterior uma das part´ıculas apresenta massa infinita (mais exatamente, fa¸ca m2 acima) e velocidade v2i = 0, colocada no bordo do intervalo. Pela u´ltima express˜ ao se deduz neste caso que, quando h´a um choque com um extremo, a part´ıcula mant´em a mesma velocidade, por´em com sentido contr´ario (isto ´e v1f = v1i ).
→ ∞ −
45
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica i v 2
i v 1
x
x 1
x 2
antes da colisão i v 1
i v 2 x x1=x2
colisão f v 1
f v 2 x 2
x 1
x
após a colisão Figura 1.4.1
O espa¸co de configura¸co˜es desse sistema ´e dado pelo triˆ angulo que aparece na fig. 1.4.2, pois o sistema satisfaz 0 x 1 x 2 1. (O espa¸co de fase ´e o produto cartesiano do triˆ a ngulo com o R2 .) Como n˜ ao existem for¸cas, a acelera¸c˜ao ´e nula e os vetores velocidades de x1 e x2 n˜ ao se alteram at´e haver uma colis˜ ao. Portanto, uma trajet´ oria ´e dada por uma linha reta (x1 (t), x2 (t)) at´e que ocorra uma colis˜ ao bidimensional com um dos lados do triˆ angulo, quando, ent˜ a o, a trajet´ oria reflete e segue uma outra linha reta, sempre por dentro do triˆangulo. Colis˜ oes bidimensionais com a hipotenusa significam colis˜ oes entre part´ıculas e colis˜ oes bidimensionais com um dos catetos significam colis˜ oes de part´ıculas com os extremos do segmento [0, 1]. Vamos descrever a seguir de maneira breve e heur´ıstica a raz˜ ao porque tal sistema com massas m1 e m2 , em geral (a express˜ao “em geral” pode parecer, matematicamente falando, meio vaga, mas pode ser tornada precisa de forma rigorosa, conforme C. Robinson, 1970) n˜ ao ´e integr´avel. O leitor poder´ a , se o desejar, saltar o texto que segue e partir diretamente para a se¸c˜a o 5, sem que exista preju´ızo para o entendimento do que ser´ a desenvolvido no resto do texto. A express˜ao “em geral” significa “para a maioria das escolhas de m 1 e m 2 ”. Por sua vez, a palavra “maioria” poderia ter um sentido topol´ ogico (E. Lima, 1977), ou de teoria da medida (P. Fernandez, 1982). ´ importante destacar que mesmo exemplos t˜ E ao simples como o que estamos descrevendo aqui podem apresentar um comportamento dinˆ amico extremamente complexo, sendo portanto n˜ ao integr´ avel. Para demonstrar que o sistema de duas part´ıculas que estamos estudando apresenta “em geral” um comportamento n˜ ao integr´ avel, mostraremos que as trajet´ orias desse sistema, no espa¸ c o de configura¸c˜oes, podem ser consideradas como as poss´ıveis tra jet´ orias de uma bola de
≤ ≤ ≤
46
Mecˆanica Newtoniana
x 2 1
(0,0)
1
x
1
Figura 1.4.2
bilhar que colide com os bordos de uma mesa de bilhar triangular. Na verdade, faremos uma mudan¸ca de coordenadas tal que, quando ocorrer uma colis˜ ao com o bordo do triˆ angulo, os aˆngulos de incidˆ encia e de reflex˜ ao ser˜ ao iguais (ver A. Lopes,T´ opicos de Mecˆ anica Cl´ assica e N. Chernov and R. Markarian, 2003, para maiores considera¸co˜es sobre bilhares). Introduzimos as coordenadas u1 = m1 x1 e u2 = m2 x2 ; ´e f´ acil de se ver ent˜ao que o espa¸ √ cmo de configura¸c˜oes ´e um triˆangulo retˆangulo, cuja hipotenusa tem inclina¸c˜ao √ m (ver fig. 1.4.3). O m´ odulo do vetor velocidade (u˙ 1 , u˙ 2 ) ´e constante pelo teorema de conserva¸c˜ao de energia total e ´e igual a
√
√
2 1
u˙ 21 + u˙ 22 =
√
2E ,
onde E denota a energia total da trajet´ oria na posi¸ca˜o temporal inicial. Ainda, pelo teorema de conserva¸ca˜o de momento,
√ m1 ˙u1 + √ m2 ˙u2 = (√ m1, √ m2), (u˙ 1, u˙ 2)
´e constante antes e depois de uma colis˜ ao entre as duas part´ıculas (a inclina¸ c˜ao da hipotenusa ´e ( m1 , m2 )). Como o m´ odulo do vetor velocidade (u˙ 1 , ˙u2 ) no espa¸co de configura¸co˜es ´e constante e o produto interno acima tamb´em ´e constante, afirmamos que os aˆngulos de incidˆencia e reflex˜ ao s˜ ao os mesmos. i f De fato, se θ e θ s˜ a o os aˆngulos de incidˆencia e reflex˜ao, ent˜ ao
√ √
θi =
√
√ ( m1 , m2 ), (u˙ 1 , u˙ 2 ) √ 2E ||(√ m , √ m )|| 1 2 i
f
=
f
i
√ || √ √ √ =
m1 v˙ 1i + m2 v˙ 2i = 2E ( m1 , m2 )
√ || f
f
( m , m ), ( u˙ , ˙u )
1 2 1 2 1 + m2 v˙ 2 √ 2E m|1|(v˙√ √ = √ √ √ m1 , m2 )|| 2E ||( m1 , m2 )||
= θ f .
O mesmo acontece, por o´bvias raz˜ oes, nas colis˜ oes com os extremos ((u˙ 1 , ˙u2 ) vai em ( u˙ 1 , u˙ 2 ) quando a colis˜ ao ´e no lado horizontal, ou seja, quando u2 = 0).
−
47
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica 2
2
2
1
1
1
Figura 1.4.3
Sendo assim, o sistema, nessas novas coordenadas, se comporta como um bilhar, ou como um sistema em que trajet´ orias s˜ ao raios de luz que refletem em espelhos (os bordos do triˆ angulo), de tal modo que o aˆngulo de incidˆencia ´e igual ao aˆngulo de reflex˜ao (ver fig. 1.4.3). Atrav´es da descri¸ c˜ao acima o leitor pode imaginar a complexidade da evolu¸c˜ao temporal de cada o´rbita do sistema. Pode parecer surpreendente mas, dependendo apenas √ m do ˆangulo interno destes triˆ angulos, que por sua vez depende do quociente √ m das massas das part´ıculas, o sistema ser´ a integr´ avel ou n˜ao. Para precisar este coment´ ario precisamos da seguinte defini¸c˜ao. 1 2
Defini¸c˜ao 1.4.6: Sejam A B R n dados. Dizemos que A ´e denso em B se todo ponto de B pode ser aproximado por pontos de A, isto ´e, se dados quaisquer x B e ξ > 0, existe y A tal que x y < ξ.
⊂ ⊂ ∈ −
∈
Mais precisamente, no caso em considera¸c˜ao, dizemos que um conjunto A = (m1 , m2 ) m1 > 0, m2 > 0 ´e denso em R2+ se, para quaisquer (m1 , m2 ) R 2+ e ε > 0, existe y A tal que (m1 , m2 ) y ε. Dizemos que uma trajet´ oria z(t) = (x1 (t), x2 (t)) ´e transitiva se para quaisquer y no triˆ angulo e ε > 0, existe um tempo t (talvez muito grande) tal que a trajet´ oria z(t) = (x1 (t), x2 (t)) satisfaz z(t) y ε. O comportamento transitivo nesse caso significa, mais concretamente, que uma trajet´ oria se espalha ao longo do tempo de maneira densa, no espa¸co de configura¸c˜oes. A existˆencia de uma ´orbita transitiva, naturalmente, faz com que o sistema n˜ ao seja integr´ avel (o valor constante da integral primeira sobre a o´rbita z(t) se estende por continuidade a R2+
{ ∈
|
∈
}
⊂
− ≤
− ≤
48
Mecˆanica Newtoniana
todo ponto y do triˆ angulo). Neste momento, a “maioria” dos (m1 , m2 ) ´e dito no sentido de denso, e, assim, topol´ ogico. Com o objetivo de dar uma id´eia da complexidade do problema em considera¸c˜ao, informamos ao leitor que um teorema recentemente demonstrado (S. Kerckhoff, A. Mazur e J. Smillie, 1986) afirma que o comportamento das part´ıculas no espa¸co de configura¸c˜oes ´e transitivo (muito mais do que isto ´e provado, na verdade) sempre que as massas m 1 e m2 das part´ıculas satisfazem (m1 , m2 ) A para um certo conjunto A denso em R2+ e as velocidades iniciais s˜ ao escolhidas fora opicos de de um conjunto de medida nula (ver R. Devaney, 1986; A. Lopes, T´ n´e, 1982, para defini¸c˜oes). Esta propriedade, que ilusMecˆ anica Cl´ assica . R. Ma˜ tra a existˆencia de uma certa complexidade nas o´rbitas do sistema, est´ a associada ao conceito de sistema ca´ otico e erg´ odico (ver C. Doering e A. Lopes, 2005; M. Pollicott e M. Yuri, 1998; A. Lopes, T´ opicos de Mecˆ anica Cl´ assica ). Note como ´e sutil a quest˜ao da integrabilidade: sistemas mecˆ anicos integr´ aveis podem ser aproximados por sistemas n˜ ao integr´ aveis (se (m1 , m2 ) A). A demonstra¸c˜ao do teorema de S. Kerckhoff, A. Mazur e J. Smillie, 1986, citado acima requer o uso de sofisticada matem´ atica e n˜ ao ´e apresentada aqui.
∈
∈
Exerc´ıcios: 1. Considere um conjunto de r part´ıculas nas posi¸c˜oes x1 , x2 , . . . , xr Rn como um sistema de for¸cas em que, al´em das for¸cas de intera¸ca˜o f i,j (a for¸ca que a part´ıcula xi exerce sobre a part´ıcula x j ) exista tamb´ em um campo de for¸ cas n n externo f : R R agindo sobre todas as part´ıculas. A lei de Newton, neste caso, ´e mi xi (t) = f i (x1 (t), x2 (t), . . . , xn (t)) + f (xi (t)), i 1, 2, . . . , r . Ao variar o tempo, o centro de massa c(t) do sistema se desloca. Mostre que a evolu¸c˜ao de c(t) corresponde a` evolu¸ca˜o de um sistema com apenas uma part´ıcula de massa m = ri=1 mi sob a a¸c˜ao u ´ nica da for¸ca externa f em R n (as for¸cas de intera¸ca˜o se anulam umas com as outras), ou seja, que c(t) satisfaz
∈
→
∈{
}
r
mc (t) =
f (xi (t)) .
i=1
Sendo assim, o centro de massa se move como se toda a massa estivesse concentrada nele e todas as for¸cas fossem aplicadas nele. Conclua que, se o sistema ´e fechado, ent˜ ao o centro de massa se move em movimento retil´ıneo uniforme. 2. Considere um sistema de duas part´ıculas de massas, respectivamente m1 e m2 , que interagem atrav´ es de um potencial U : R R, de tal jeito que as equa¸c˜oes de movimento s˜ ao
→
∂U ∂U , m2 r2 = − , U = U (|r1 − r2 |) . − ∂r ∂r 2 1 Mostre que a diferen¸c a de posi¸c˜a o dos dois corpos r = r1 − r 2 evolue como um problema mecˆ anico com apenas uma part´ıcula (descrita por r) com massa m = ( + ) e sujeito ao campo de for¸cas gerado pelo potencial U (|r |). Como m1 r1 =
m1 m2 m1 m2
49
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
sabemos que o centro de massa evolue com velocidade constante, para resolver a situa¸c˜ao recaimos num problema de dois corpos em que um est´a fixo; este problema ser´ a resolvido na se¸ca˜o 6. 1.5 CAMPOS DE FORC ¸ AS BIDIMENSIONAIS E TRIDIMENSIONAIS Nesta se¸c˜ao vamos considerar campos de for¸cas em R2 e em R3 . Vamos come¸car com um exemplo importante e cl´ assico, o assim chamado problema dos dois corpos. Seja f : R 3 0 R 3 um campo de for¸cas, por exemplo,
−{ } →
−(xm1, 1xm2,2xG3)3 (x1, x2, x3) .
f (x1 , x2 , x3 ) =
Essa for¸ca ´e a que existe no campo de atra¸ c˜ao gravitacional (for¸ca de intera¸c˜ao) produzido pela massa m1 da Terra sobre um outro corpo de massa m2 (muito menor que a massa da terra); como sempre, G ´e a constante de atra¸c˜ao entre dois corpos. O sistema de referˆ encia (x1 , x2 , x3 ) est´ a centrado sobre a Terra na posi¸c˜a o (0, 0, 0). Nesse caso, a trajet´o ria (x1 (t), x2 (t), x3 (t)) que descreve a evolu¸c˜ao temporal desse corpo, que sofre a a¸c˜ao do campo gravitacional terrestre, satisfaz a equa¸c˜ao de segunda ordem dada pela lei de Newton, ou seja, como antes, massa vezes acelera¸c˜ao ´e igual a` for¸ca. Isto vale para qualquer campo de for¸cas. Desejamos determinar as solu¸co˜es (x1 (t), x2 (t), x3 (t)). Um esclarecimento ao leitor ´e necess´ ario neste momento: no problema acima, em que a massa da terra ´e m 1 e o de um outro corpo ´e m 2 , dever´ıamos considerar o problema dos dois corpos exatamente como no come¸co da se¸c˜ao 4 (antes da defini¸ca˜o 1.4.1). No entanto, como estamos supondo que m2 ´e muito menor que m1 , o centro de massa do sistema (considerando as duas part´ıculas) fica localizado muito pr´ oximo ao centro de massa da terra, e assim, para simplificar, podemos considerar f como acima. O erro ao assumir tal simplifica¸ca˜o existe, mas ´e bem pequeno. A lei de Newton: A trajet´oria (x1 (t), x2 (t), x3 (t)) de uma part´ıcula sob a a¸cao ˜ 3 de um campo de for¸cas f qualquer em R satisfaz a lei de Newton m(x1 (t), x2 (t), x3 (t)) = f (x1 (t), x2 (t), x3 (t)) . Em outras palavras, se o campo de for¸cas f em R 3 ´e dado por f = (f 1 , f 2 , f 3 ), isto ´e, f (x1 , x2 , x3 ) = (f 1 (x1 , x2 , x3 ), f 2 (x1 , x2 , x3 ), f 3 (x1 , x2 , x3 )), ent˜ ao a trajet´ oria 3 (x1 (t), x2 (t), x3 (t)) satisfaz a equa¸ca˜o diferencial de segunda ordem em R dada pelo sistema 1 x1 = m f 1 (x1 , x2 , x3 ) 1 x2 = m f 2 (x1 , x2 , x3 ) 1 x3 = m f 3 (x1 , x2 , x3 ) .
50
Mecˆanica Newtoniana
Essa equa¸ca˜o pode ser equivalentemente analisada atrav´ es da equa¸ c˜ao dife6 rencial de primeira ordem em R dada pelo sistema
x1 = x˙ 1 x2 = x˙ 2 x3 = x˙ 3 1 x˙ 1 = m f 1 (x1 , x2 , x3 ) 1 x˙ 2 = m f 2 (x1 , x2 , x3 ) 1 x˙ 3 = m f 3 (x1 , x2 , x3 ) .
Continuaremos, como antes, denotando por f (min´ usculo) o campo de for¸cas 3 em R e por F (mai´ usculo) o campo de vetores associado em R6 , dado por F (x1 , x2 , x3 , ˙x1 , x˙ 2 , ˙x3 ) = =
1
1
1
x˙ 1 , x˙ 2 , x˙ 3 , m f 1 (x1 , x2 , x3 ), m f 2 (x1 , x2 , x3 ), m f 3 (x1 , x2 , x3 ) .
Neste caso estamos interessados em resolver a equa¸ca˜o de primeira ordem dada por x = F (x), onde x = (x1 , x2 , x3 , x˙ 1 , x˙ 2 , x˙ 3 ) R 6 .
∈ Pergunta: Dado um campo de for¸cas f : R 3 → R 3 , sempre existe um potencial U : R 3 → R tal que −∇U = f ? A resposta ´e n˜ao, nem sempre existe U , pois dado f = (f 1 , f 2 , f 3 ), se existir tal U de classe C 2 , temos f 1 =
∂U − ∂x , 1
f 2 =
∂U − ∂x , 2
f 3 =
∂U − ∂x . 3
Ora, como as derivadas parciais mistas de uma fun¸ c˜ao de classe C 2 comutam, teremos, por exemplo, que ∂f 1 = ∂x 2
∂U ∂f 2 =− = −∂x∂U ∂x 1 ∂x 2 ∂x 1 2 ∂x 1
e, naturalmente, que nem todos os pares de fun¸co˜es f 1 , f 2 satisfazem esta propriedade: ∂f 1 ∂f 2 = ; ∂x 2 ∂x 1 ´e f´ acil obter exemplos nos quais isso n˜ao acontece (ver se¸ca˜o 10 do cap´ıtulo 3). Em todo caso obtemos, com esse argumento, uma condi¸c˜ao necess´ a ria para a existˆencia de um potencial U cujo gradiente ´e f , isto ´e, que ∂f i ∂f j = , para i, j ∂x j ∂x i
∈ {1, 2, 3}.
Portanto, nem sempre existe U tal que o gradiente de U seja f (ou f ). Como j´a comentamos antes, o fato de a integral de linha do campo de for¸cas independer
−
51
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
do caminho nos d´ a condi¸c˜ao suficiente para a existˆ encia de potenciais. Isso ´e apresentado, com todos os detalhes, na se¸ca˜o 10 do cap´ıtulo 3. Relembrando a defini¸c˜ao 1.2.3: Defini¸c˜ao 1.5.1: Um campo de for¸cas f : Rn Rn ´e dito conservativo se existe uma fun¸c˜ ao U : R n R tal que U = f ; U ´e ent˜ ao dito um potencial do campo de for¸cas f .
→
∇
−
→
Defini¸c˜ao 1.5.2: Seja f um campo de for¸cas em Rn . A energia cin´etica do sistema mecˆ anico mx = f (x) ´e dada por E C (x1 , x2 ,...,xn , x˙ 1 , x˙ 2 ,..., x˙ n ) = E C (x˙ 1 , x˙ 2 ,..., x˙ n ) =
2 = 12 m(x˙ 21 + x˙ 22 + ... + x˙ 2 ) .
= 12 m (x˙ 1 , x˙ 2 ,..., x˙ n )
n
Se U ´e um potencial do campo, ent˜ ao a energia total do sistema mecˆ anico ´e dada pela soma do potencial com a energia cin´etica, ou seja, E T (x1 , x2 ,...,xn , x˙ 1 , x˙ 2 ,..., ˙xn ) = = E C (x˙ 1 , x˙ 2 ,..., x˙ n ) +U (x1 , x2 ,...,xn ) = 12 m(x˙ 21 + x˙ 22 +... + x˙ 2n ) + U (x1 , x2 ,...,xn ) . Teorema 1.5.1: Conserva¸ca˜o de energia total: A energia total se conserva ao longo das trajet´ orias x(t), t R, de um sistema mecˆ anico m x = f (x) dado por um campo de for¸cas f conservativo.
∈
Demonstra¸c˜ao: A afirma¸c˜ao feita no teorema segue de: d dt
1 m x (t) 2
2
+ U (x(t))
= = =
∇
1 m2 x (t), x (t) + 2
mx (t) + mx (t)
U (x(t)), x (t) =
∇U (x(t)), x(t)
− f (x(t)), x(t)
=
= 0 ,
onde x = x(t) = (x1 (t), x2 (t),...,xn (t)) ´e uma trajet´ oria do sistema mecˆ anico mx = f (x) dado por um campo de for¸cas f conservativo com um potencial U. Observa¸ca˜o 1.5.1: Acima usamos o seguinte fato: se η(t) R n ent˜ ao
∈
d η(t) dt
2 = dtd η(t), η(t) = 2η(t), η(t).
Para sermos mais precisos nos coment´ arios que se seguem, apresentamos agora a defini¸c˜ao de superf´ıcies (regulares) em Rm ; na se¸c˜ao 10 do cap´ıtulo 3 usamos esta defini¸c˜ao para definir integrais de superf´ıcie. As referˆencias b´ asicas para este assunto s˜ ao M. do Carmo, 2005 e E. Lima, 1989.
52
Mecˆanica Newtoniana
Defini¸ca˜o 1.5.3: Uma superf´ıcie de dimens˜ ao k contida em R m ´e um subcon junto S do Rm que pode ser localmente parametrizado por cartas coordenadas, ou seja, para cada ponto p S existem um aberto V Rm e uma aplica¸c˜ ao m k g : B R , a carta coordenada em p, definida em um aberto B R , tais que valem as seguintes condi¸c˜ oes:
∈
→
⊂
⊂
• p ∈ V ∩ S e g define uma bije¸cao ˜ g : B → V ∩ S ; • g ´e diferenci´avel e sua inversa g −1 : V ∩ S → B ´e cont´ınua; • A matriz jacobiana Dg das parciais de g, em cada ponto de B, tem seus k vetores-coluna linearmente independentes em R (logo k ≤ m). m
O espa¸co tangente T p S de S em p ´e o subespa¸co vetorial k-dimensional do Rm ´ usual ver gerado pelos vetores-coluna da matriz jacobiana Dg de g em g −1 ( p). E T p S como o espa¸co afim p + T p S de T p S por p. Por exemplo, o gr´afico S = graf(h) = (x, h(x)) x A Rm de uma fun¸c˜ao h : A R, onde A ´e um aberto do Rm−1 , ´e sempre uma superf´ıcie de dimens˜ ao m 1 em Rm , com a carta coordenada g : A Rm definida por g(x) = (x, h(x)); neste caso, a inversa de g ´e a proje¸c˜ao (x, s) x de m m−1 m−1 R = R R em R e o espa¸co tangente a S em p = (q, h(q )) S ´e dado por T p S = (v, v, h(q ) ) v R m−1 .
{
→ −
×
{ ∇
| ∈
| ∈ } ⊂ →
∈
}
→
Outro exemplo: considere em R 3 o cilindro infinito S = (x,y,z) x2 +y2 = 1 que ´e uma superf´ıcie de dimens˜a o 2. De fato, neste caso bastam duas cartas coordenadas g para cobrir todos os pontos de S . Seja ga : B = (θ, z) θ (0, 2π), z R R 3 tal que
{
|
} | ∈
{
∈ } →
ga (θ, z) = (x,y,z) = (cos θ, sen θ, z) = (ga1 (θ, z), ga2 (θ, z), ga3 (θ, z)) . Note que a imagem ga (B) cobre todo S menos a reta vertical passando por (1, 0, 0). Observe que a matriz Dga (θ, z) tem como colunas
∂g a1 ∂ga2 ∂ga3 , , = ( sen θ, cos θ, 0) e ∂θ ∂θ ∂θ
−
∂g a1 ∂ga2 ∂ga3 , , = (0, 0, 1) , ∂z ∂z ∂z que s˜ao linearmente independentes. No ponto p = (x,y,z) = g a (θ, z) o plano tangente T p S ´e gerado pelos vetores ( sen θ, cos θ, 0) e (0, 0, 1). As outras condi¸c˜oes s˜ ao f´ aceis de serem confirmadas Considere agora a carta coordenada gb : B = (θ, z) θ ( π, π), z R 3 R tal que
−
{
| ∈ −
∈ } →
gb (θ, z) = (x,y,z) = (cos θ, sen θ, z) = (gb1 (θ, z), gb2 (θ, z), gb3 (θ, z)) .
53
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
Com esta parametriza¸ca˜o conseguimos cobrir a reta vertical passando por (1, 0, 0). Sendo assim S ´e uma superf´ıcie. Observa¸ca˜ o 1.5.2: N˜ ao ´e dif´ıcil de se ver que os conjuntos de n´ıvel S c = G(x1 , x2 , . . . , xn ) = c , com c constante, de n uma aplica¸c˜ao diferenci´ avel G : R R, determinam superf´ıcies de dimens˜ao n n 1 em R se G(x1 , x2 , . . . , xn ) = 0 Rn para cada (x1 , x2 , . . . , xn ) S c ; isto decorre do teorema da fun¸c˜ao impl´ıcita (ver E. Lima, 1989), que afirma que, localmente, todo conjunto de n´ıvel ´e um gr´ afico. O espa¸ co tangente a S c em p S c ´e simplesmente o espa¸co ortogonal ao gradiente de G em p, ou seja, T p S c = v R n v, G( p) = 0 . G−1 (c) = {(x1 , x2 , . . . , xn ) ∈ Rn
−
|
∇
∈
{ ∈
| ∇
}
→ ∈
∈
}
Por exemplo, a esfera unit´ aria S 2 = (x1 , x2 , x3 ) x21 + x 22 + x 23 = 1 ´e uma superf´ıcie (bidimensional) em R3 ; o espa¸co tangente a S 2 em p S 2 , pela observa¸ca˜o acima, ´e o plano perpendicular ao vetor p R 3 : T p S 2 = v R 3 v, p = 0 = [ p]⊥ . Note que ´e necess´aria mais de uma carta coordenada para cobrir todos os pontos da esfera.
{
|
∈
}
∈ { ∈
}
|
No caso unidimensional (ver fig. 1.3.4 a), a maioria dos conjuntos de n´ıvel da energia total s˜ ao superf´ıcies de dimens˜ao 1, ou seja, curvas diferenci´aveis. No entanto, a curva de n´ıvel (na verdade ´e uma curva com auto-interse¸ c˜ a o) com a forma de um 8 que aparece na fig. 1.7.4 do exemplo 1.7.10 n˜ ao ´e uma superf´ıcie de dimens˜ ao 1, no sentido da defini¸c˜ao 1.5.3, por causa do ponto de corte. Os outros conjuntos de n´ıvel que aparecem na fig. 1.7.4 s˜ ao todos superf´ıcies de dimens˜ao 1, com exce¸c˜ao daqueles que passam pelos pontos (a1 , 0), (a2 , 0), (a3 , 0), que se reduzem a pontos. Sendo assim a maioria dos conjuntos de n´ıvel da fun¸ c˜ ao energia total deste exemplo (cujos gr´ aficos aparecem na fig. 1.7.4) s˜ ao realmente superf´ıcies de dimens˜ao 1. Esse exemplo ilustra o que pode acontecer no caso geral n-dimensional. ´ poss´ıvel mostrar que o conjunto dos c, tal que S c = G −1 (c) n˜ E ao ´e uma superf´ıcie, ´e muito pequeno, ou seja, tem medida zero (referimos ao leitor E. Lima, 1989; V. Guillemin e A. Pollack, 1974, para defini¸c˜oes e o teorema de Sard). Seja agora f um campo de for¸cas conservativo em R 3 com energia total E T : R 6 R. Em geral, mas nem sempre, os conjuntos de n´ıvel E T = constante determinam superf´ıcies de dimens˜a o 5 em R6 . Pela observa¸c˜ao 1.5.2 acima, basta analisar o gradiente da energia total; ´e f´ acil ver que E T (x1 , x2 , x3 , ˙x1 , x˙ 2 , ˙x3 ) = 0 R6 se, e somente se, U (x1 , x2 , x3 ) = 0 e x˙ 1 = x˙ 2 = x˙ 3 = 0, ou seja, se e somente se f (x1 , x2 , x3 ) = (˙x1 , x˙ 2 , x˙ 3 ) = 0 R3 (ver exerc´ıcio 4 a seguir). Pelo teorema 1.5.1, a energia total E T ´e uma integral primeira para a equa¸ c˜ao diferencial de primeira ordem x = F (x) associada a f. No presente caso (uma equa¸ca˜o diferencial em R6 ), a existˆ encia de uma integral primeira n˜ ao permite identificar as curvas solu¸c˜oes. Podemos estabelecer apenas, com o teorema de conserva¸ c˜ao 6 de energia total, que, em R , cada trajet´ oria do sistema est´ a sempre dentro da mesma superf´ıcie de dimens˜a o 5 dada por E T = constante, mas s˜ ao necess´ arias
→
∇
∇
∈
∈
54
Mecˆanica Newtoniana
mais integrais primeiras para identificar as solu¸c˜oes da equa¸ca˜o diferencial. Na maioria dos casos n˜ ao existem integrais primeiras em quantidade suficiente para poder identificar as trajet´ orias: no caso presente seriam necess´ arias cinco integrais primeiras. Fica claro neste ponto o porquˆe da maioria dos livros de f´ısica se preocuparem tanto em encontrar leis de conserva¸c˜ao (de momento, de energia, etc.). Cada vez que encontramos alguma grandeza que se conserva, temos mais uma integral primeira e assim conseguimos mais e mais restringir a posi¸ca˜o espacial da trajet´ oria. ´ poss´ıvel mostrar que todo campo de vetores no plano Observa¸c˜ao 1.5.3: E pode ser aproximado por um campo de vetores que n˜ ao possui integrais primeiras em n´ umero suficiente para identificar suas trajet´ orias. O sentido de tal aproxi1 ma¸c˜ao ´e na distˆ ancia C (ver defini¸ca˜o 2.2.5 e subseq¨ uente observa¸c˜ao 2.2.4; referimos ao leitor interessado em entender mais sobre este t´ opico J. Sotomayor, 1979). O resultado an´ alogo para sistemas mecˆ anicos (em que o campo de vetores F deriva de um campo de for¸ cas f ) tamb´em ´e verdadeiro (ver C. Robinson, 1970; C. Robinson, 1975). O que desejamos destacar aqui ´e que na maioria avassaladora dos casos, os sistemas mecˆ anicos s˜ ao n˜ ao integr´ aveis. Em resumo, na maioria dos casos poderemos ter apenas a energia total como integral primeira. Como conseq¨ uˆencia dos fatos acima descritos fica claro que ´e necess´ ario desenvolver a teoria da mecˆ anica cl´ assica n˜ ao s´ o para os espa¸cos euclidianos R n mas tamb´em para superf´ıcies (as superf´ıcies de energia constante). No espa¸co de configura¸co˜es Rn de um sistema mecˆanico podemos supor que uma part´ıcula est´ a sujeita a um v´ınculo dado por uma superf´ıcie S de dimens˜ ao k. Como deve ser enunciada a lei de Newton neste caso? A lei de Newton para sistemas mecˆ anicos com v´ınculos: Considere um campo n de for¸cas f em R e uma superf´ıcie S de dimens˜ ao k em Rn . Uma curva parametrizada x(t) ´e solu¸cao ˜ do problema mecˆ anico mx = f (x) com v´ınculo S se, para todo tempo t, a proje¸cao ˜ z p de mx (t) sobre o espa¸co tangente T p S em p = x(t) S coincide com f p (a proje¸c˜ ao de f (x(t)) sobre o mesmo plano tangente a S em p (isto ´e z p = f p ). Equivalentemente, neste caso, podemos dizer que mx f (x) = u ´e um vetor normal a` superf´ıcie, isto ´e, para todo v em T p S temos que u, v = 0.
∈ −
Vamos descrever atrav´es de um exemplo concreto qual ´e a raz˜ ao natural da validade dessa lei. Considere o exemplo acima do cilindro infinito em que consideramos os (x,y,z) que satisfazem x 2 + y 2 = 1 (contido em R 3 ) . Suponha agora a existˆ encia de um campo de for¸ cas f : R3 R 3 . Em cada ponto p = (x,y,z) do cilindro, considere o plano tangente T p S e um vetor n = n( p) perpendicular ao plano tangente, denominado de vetor normal a` superf´ıcie S em p. Neste caso, no ponto p = (x,y,z), o vetor normal n pode ser tomado como n = (x,y, 0). De fato, no ponto (x,y,z) S , como vimos antes, o plano tangente T (x,y,z ) S ´e gerado pelos vetores ( y,x, 0) e (0, 0, 1). Note que n = (x,y, 0) ´e
→
−
∈
55
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
perpendicular tanto a ( y,x, 0) como a (0, 0, 1) (basta tomar o produto interno). Decomponha agora f ( p) em duas componentes f = f 1 + f 2 = f p + f 2 , onde f 1 T p S e f 2 ´e colinear com n. A for¸ca f 2 na dire¸ca˜o de n ´e anulada pelo v´ınculo dado por S . Ou seja, a for¸ca que realmente “age” sobre S ´e f 1 . Considere agora uma curva x(t), t (a, b), sobre S (ou seja, x((a, b)) S ) tal que x(t0 ) = p. Ent˜ ao x (t0 ) T p S , mas x (t0 ) n˜ ao precisa necessariamente estar em T p S . Escreva x (t0 ) = z 1 + z2 = z p + z2 , onde z1 T p S e z2 ´e colinear com n. A componente da acelera¸c˜ao z2 ´e anulada pelo v´ınculo. A lei acima afirma que, em essˆ encia, vale a “pr´ evia” lei de Newton no caso de v´ınculo S , s´ o que se despreza a componente normal a superf´ıcie tanto de mx quanto de f .
−
∈
∈
∈
⊂
∈
Da mesma maneira que no caso unidimensional (superf´ıcie unidimensional γ contida em R 2 conforme a lei de Newton ap´os exemplo 1.3.1), podemos transformar um problema definido por um campo de for¸cas f em Rn , com v´ınculo dado pela superf´ıcie S de dimens˜ao k em R n , num problema sem v´ınculo em R k . Para isto, localmente, a cada x 0 em S , se usa uma carta g(y) = x definida num aberto B em R k , tal que g(B) cobre uma vizinhan¸ca V S R n de x 0 em S . Considerase em B o campo de for¸cas u(y) = Dg −1 (f g(x) )), onde g(y) = x. A seguir, se resolve o problema my = u(y), encontrando y(t). A solu¸ca˜o do problema dado por f em R n , com v´ınculo dado pela superf´ıcie S , ser´a x(t) = g(y(t)). Esse ponto ser´a devidamente justificado (al´em da apresenta¸ca˜o de um procedimento mais eficiente de se fazer contas) nas considera¸c˜oes que ser˜ao feitas junto `a defini¸ca˜o 2.5.2 do cap´ıtulo 2. A partir da lei de Newton, vamos determinar a trajet´ oria de uma part´ıcula de massa m na superf´ıcie dada pelo cilindro (x,y,z) x2 + y 2 = 1 sujeita apenas a uma for¸ca f normal ao cilindro; em outras palavras, a part´ıcula se move livremente, sem estar sujeita a for¸cas, sendo obrigada a permanecer no cilindro, o v´ınculo. Considere para os pontos (x,y,z) do cilindro a carta de coordenadas dada por (θ, z) (x,y,z) = (cos θ, sen θ, z), onde z ´e a altura. Se (x(t), y(t), z(t)) descreve a evolu¸c˜ao da part´ıcula sobre o cilindro, temos
∩ ⊂
{
|
}
→
(x , y , z ) =
−(θ2 cos θ + θ sen θ, θ2 sen θ − θ cos θ, z) .
Como o plano tangente ao cilindro em (x,y,z) ´e perpendicular ao vetor (x,y, 0) e o campo de for¸cas f que atua na part´ıcula ´e normal ao v´ınculo, esta for¸ ca ´e dada por f (θ, z) = h(θ, z)(cos θ, sen θ, 0) ,
−
para alguma fun¸c˜ao h. Pela lei de Newton descrita acima, como f ´e colinear com a normal, ent˜ ao existe B(θ, z) tal que
mx = B(θ, z)cos θ my = B(θ, z)senθ mz = 0 ,
56
Mecˆanica Newtoniana
ou seja, z (t) = z 0 + vt e temos ainda que
a
θ2 cos θ + θ sen θ =
1 m
B(θ, z)cos θ
− θ cos θ = 1 B(θ, z) sen θ . Para t tais que θ = θ(t) ∈ R − {. . . , −π/2, 0, π/2, π , . . .}, este sistema ´e igual θ2 sen θ
m
1
θ2 + θ tan θ =
m B(θ, z)
θ 2
m
− θ cot θ =
1
B(θ, z)
e obtemos θ (tan θ + cot θ) = 0; para os t em considera¸c˜a o, tan θ + cot θ = cot θ(tan2 θ+1) = 0, ou seja, necessariamente θ = 0. Por continuidade, θ (t) = 0 para todo t e resulta θ(t) = θ0 + ωt. Tomando a velocidade angular ω = 0, inclu´ımos os casos θ0 = n π2 , com n inteiro. Neste caso a solu¸ ca˜o ´e uma linha vertical no cilindro. Assim, a trajet´ oria que descreve o movimento da part´ıcula ´e da forma
(x(t), y(t), z(t)) = (cos(θ0 + ωt), sen(θ0 + ωt), z0 + vt), ou seja, ´e uma h´elice (ou uma reta vertical) no cilindro. Exerc´ıcios: 1. Uma part´ıcula de massa 1 se move sob a a¸ c˜ a o de um campo de for¸cas 2 f (x, y) = k(x, y) no R , com constante k > 0; tais campos s˜ ao casos particulares de campos ditos centrais. Calcule um potencial U do sistema.
−
2. Determine a equa¸c˜ao do movimento de uma part´ıcula livre de massa 2, com condi¸c˜oes iniciais (x1 (0), x2 (0)) = (x1 , x2 ), (x1 (0), x2 (0)) = (y1 , y2 ), se movendo em R 2 sem a a¸c˜ao de for¸cas externas, mas sujeita ao v´ınculo x21 + x22 = 1. (Isso acontece, por exemplo, quando a part´ıcula se move sobre uma mesa horizontal.) Use coordenadas polares para determinar a solu¸ c˜ao e interprete a resposta tomando cuidado com a parametriza¸ c˜ao. 3. Determine a equa¸c˜ao do movimento de uma part´ıcula de massa m se movendo em R3 sob a a¸c˜ao da for¸ca da gravidade (0, 0, mg), mas sujeita ao v´ınculo x21 + x22 = 1. Use coordenadas polares para determinar a solu¸ c˜ao e interprete a resposta tomando cuidado com a parametriza¸ c˜ao.
−
4. Considere o potencial U : R3 R e a energia total E (x, x) ˙ = 12 m x˙ 2 + U (x), x = (x1 , x2 , x3 ). Considere um valor constante E 0 tal que para todo (x, ˙x) S E = (x, x) ˙ E (x, ˙x) = E 0 valha que
→
∈
0
{
|
||
}
∇E (x1, x2, x3, x˙ 1, ˙x2, x˙ 3) = 0 ∈ R6 . Mostre que ∇E = 0 ´e equivalente a` ∇U (x1 , x2 , x3 ) = 0 e x˙ 1 = x˙ 2 = x˙ 3 = 0, ou seja, se, e somente se, f (x1 , x2 , x3 ) = −∇U (x1 , x2 , x3 ) = (x˙ 1 , ˙x2 , x˙ 3 ) = 0 ∈ R3 .
57
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica Mostre neste caso que se dimens˜ ao 5.
∇E (z) = 0, ∀z ∈ S
E0 ,
ent˜ ao S E ´e uma superf´ıcie de 0
5. Determine a equa¸c˜ao do movimento de uma part´ıcula de massa 1 se movendo em R3 sob a a¸c˜ao da for¸ca f (x,y,z) = (x, y 2 , z), mas sujeita ao v´ınculo unidimensional S dado por x2 + y 2 = 1, z = 0. Para tanto, calcule primeiro o plano normal e a reta tangente de cada ponto p na curva S . Decomponha o vetor f = f 1 + f 2 na componente normal f 2 e na tangente f 1 e a seguir despreze a componente normal f 2 . Fa¸ca o mesmo com (x , y , z ). Utilize a lei de Newton com v´ınculo S e ent˜ ao use coordenadas polares (cos(θ(t)), sen (θ(t)), 0) para descrever a equa¸c˜ao que deve satisfazer qualquer solu¸c˜ao do problema mecˆ anico (x(t), y(t), z(t)) sobre a curva S . Fa¸ca a quest˜ ao recair num problema unidimensional envolvendo θ(t) na reta real R. Resolva o problema encontrando θ(t) por quadraturas (se n˜ao for poss´ıvel determinar a integral, deixe indicado a express˜ ao anal´ıtica). Finalmente, voltando pela parametriza¸ c˜ao em coordenadas polares ao 3 R , determine a solu¸c˜ao (x(t), y(t), z(t)) = (cos(θ(t)), sen (θ(t)), 0) S .
∈
1.6 O PROBLEMA DOS DOIS CORPOS Considere duas part´ıculas de massas, respectivamente, m1 e m2 , que se deslocam livremente sobre R3 e que est˜ao, respectivamente, nas posi¸c˜oes x1 e x2 . Foi observado por Newton que cada part´ıcula exerce sobre a outra uma for¸ ca de m m atra¸ca˜o gravitacional de intensidade G (x −x ) , onde G ´e uma constante universal. A dire¸c˜ao da for¸ca de atra¸c˜ao f criada pela part´ıcula de massa m 2 e que age sobre a part´ıcula de massa m1 , aponta de x1 para x2 (e vice-versa). Podemos supor que o sistema de coordenadas est´ a em repouso e centrado no centro de massa das part´ıculas. A lei de Newton mx = f (x) define uma equa¸c˜ao diferencial de segunda ordem em R 3 ou, equivalentemente, uma equa¸ca˜o de primeira ordem em R 6 . Como vimos, no caso em que uma das duas part´ıculas (por exemplo, a primeira) tˆem massa m1 , que ´e muito maior do que a da outra, ent˜ ao o centro de massa estar´ a praticamente em cima de x1 e, assim, podemos supor que o sistema de coordenadas a ser considerado est´ a de fato centrado em x 1 . Assim, essa part´ıcula x 1 estar´ a sempre na origem e tudo que resta saber ´e onde est´ a a outra. Vamos considerar portanto o campo de for¸cas 1
1
f (x) =
2
2
2
− xx3 ,
com x = (x1 , x2 , x3 ) R 3 (0, 0, 0) , que corresponde, por exemplo, a` for¸ca de atra¸ca˜o da Terra sobre a Lua (de maneira aproximada). Para simplificar, consideramos acima um sistema de coordenadas normalizado em que a constante de atra¸ca˜o e as massas da Terra e da Lua satisfazem Gm1 m2 = 1. Essa hip´ otese n˜ ao causa problema maior no resultado final de nossa an´ alise, pois, afinal de contas, podemos obter isso com uma mudan¸ca de coorde-
∈ −{
}
58
Mecˆanica Newtoniana
nadas linear na vari´ avel x e as conclus˜oes que estamos interessados em obter n˜ ao dependem de mudan¸cas de coordenadas. Este exemplo, que descreveremos a seguir com detalhes, ´e um caso em que o espa¸co de configura¸c˜oes ´e o R3 e o sistema ´e integr´ avel. A maioria dos sistemas mecˆ anicos tridimensionais s˜ ao n˜ ao integr´ aveis; na verdade, esta afirma¸c˜ao ´e um teorema de Poincar´e, cuja demonstra¸ c˜ao est´ a acima do escopo deste texto. De qualquer modo, ´e extremamente importante entender o caso do problema dos dois corpos, pois ´e um exemplo historicamente muito importante: foi um dos primeiros exemplos em que se conseguiu obter integrais primeiras em n´umero suficiente para identificar as solu¸c˜oes de um sistema mecˆanico, conforme M. Hirsch e S. Smale, 1974. Ao mesmo tempo, estaremos tendo uma valiosa experiˆencia de como um sistema bem simples pode requerer uma an´ alise bastante elaborada para se descobrir todas as suas integrais primeiras. Defini¸ca˜o 1.6.1: Um campo de for¸cas f : Rn Rn ´e dito central se f (x) ´e sempre colinear com a reta passando por 0 e x R n .
∈
→
Proposi¸c˜ao 1.6.1: Seja f um campo de for¸cas conservativo com potencial U, ou seja, temos f = U. Ent˜ ao, as seguintes afirma¸coes ˜ s˜ ao equivalentes:
−∇
a) f ´e central. b) Existe uma fun¸c˜ ao h : R
→ R tal que f (x) = h(x)x. c) Existe uma fun¸c˜ ao g : R → R tal que U (x) = g(x). Demonstra¸c˜a o: c)
⇒ b): Como U (x) = g
x21 + x22 + x23
, temos
1 1 ∂U (x) = g ( x ) 2xi (x21 + x22 + x23 )− = g ( x )xi ∂x i 2 x
para 1
1 2
≤ i ≤ 3, e portanto −f (x) = ∇U (x) = x1 g(x)(x1, x2, x3) .
Sendo assim, em b) podemos tomar h dada por
− g ( x x ) .
h( x ) =
b) a) ´e trivial. a) c): Mostrar c) ´e mostrar que o potencial U depende apenas da norma x de x, ou seja, que U (x) ´e constante em esferas. Vamos, ent˜ ao, escrever 3 S α = x R x = α e mostrar que U ´e constante em S α , para cada α. Para provar isso, basta mostrar que U ´e constante ao longo de qualquer curva totalmente contida em S α . Seja, pois, x(t) S α uma (parametriza¸c˜ao de uma)
⇒ ⇒ { ∈
|
}
∈
59
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
curva qualquer. Como x(t) ´e constante, temos x(t), x (t) = 0 (ver observa¸c˜ao 1.5.1 acima) e portanto
d U (x(t)) = dt =
∇U (x(t)), x(t) = −f (x(t)), x(t) = −h(x(t))x(t), x(t)
=
= 0,
ou seja, U (x(t)) ´e constante. Logo U depende apenas de x .
Exemplo 1.6.1: O campo de vetores gravitacional f (x) =
− xx3
´e central e conservativo, pois U (x) =
− x1
define um potencial para f . Defini¸c˜ao 1.6.2: O produto vetorial de dois vetores u e v em R3 , dados por u = (u1 , u2 , u3 ) e v = (v1 , v2 , v3 ), ´e o vetor u v R 3 definido por
× ∈
u
× v =
det
u2 u3 u u1 u u2 , det 3 , det 1 v2 v3 v3 v1 v1 v2
.
(1.4)
O produto vetorial u v de dois vetores u, v R 3 n˜ ao colineares, em termos geom´etricos, ´e o vetor u v = u v sen θ N, onde N ´e o vetor unit´ ario perpendicular a u e a v que satisfaz a regra da m˜ ao direita (ver fig. 1.6.1).
× ×
·
∈
Exerc´ıcio: Mostre que u
× v = −v × u , v × u = 0 ⇐⇒ u e v s˜ ao colineares e d (u(t) × v(t)) = u (t) × v(t) + u(t) × v (t) . dt Proposi¸c˜ao 1.6.2: Se x(t) descreve o movimento de uma part´ıcula sob a a¸ c˜ ao 3 de um campo central em R , ent˜ ao x(t) x (t) ´e constante.
×
Demonstra¸c˜ao: A demonstra¸c˜ao da proposi¸ca˜o segue de d (x dt
× x) = x × x + x × x = 0 + x × m1 f (x) = x × h(mx) x = 0 ,
onde h ´e a fun¸c˜ao dada pelo item b) da proposi¸c˜ao 1.6.1 acima.
60
Mecˆanica Newtoniana
Figura 1.6.1
Corol´ ario 1.6.1: O movimento de uma part´ıcula sob a a¸ cao ˜ de um campo 3 central em R fica restrito a um plano. Mais precisamente, a trajet´ oria x(t) R 3 do campo nunca sai do plano determinado por x(0) e x (0).
∈
Demonstra¸c˜ao: Seja v 0 = x(0) x (0); pela proposi¸c˜ao anterior, x(t) x (t) = v0 para qualquer t R. Logo a trajet´ oria x(t) est´ a sempre no plano que passa pela origem e perpendicular a v 0 , pois
×
∈
×
x, v0 = x, x × x = 0 , j´a que x
× x ´e perpendicular a x.
Observa¸c˜ao 1.6.1: Pela proposi¸ ca˜o 1.6.2, se x(t) ´e solu¸c˜ao de um problema mecˆ anico sujeito a um campo de for¸cas central ent˜ ao x
× x = (x2x3 − x3x2, x3x1 − x1x3, x1x2 − x2x1) = (c1, c2, c3) = constante.
Considere a equa¸c˜ao diferencial de primeira ordem na vari´ avel (x, x) ˙ dada por x = x˙ 1 x˙ = m f (x) ,
∈ R6
onde (x, x) ˙ = (x1 , x2 , x3 , ˙x1 , x˙ 2 , x˙ 3 ) e f ´e um campo de for¸cas central. Acabamos de mostrar na proposi¸c˜ao 1.6.2 que a fun¸ca˜o W : R 6 R dada por
→ (x1 , x2 , x3 , ˙x1 , x˙ 2 , ˙x3 ) → x 2 ˙x3 − x3 ˙x2
´e uma integral primeira desta equa¸ ca˜o. Na verdade, obtivemos trˆ es integrais primeiras no resultado sobre a conserva¸c˜ao do produto vetorial em um campo
61
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
central. (Observamos que a proposi¸c˜ao 1.6.2 n˜ ao ´e necessariamente v´ alida para campos de for¸cas n˜ ao centrais.) A conserva¸c˜ao de produto vetorial em um campo central ´e um bom exemplo de um fato b´ asico na teoria das equa¸co˜es diferenciais (ver M. Hirsch e S. Smale, 1974) e na f´ısica. Cada vez que existe uma simetria no sistema (no caso, uma simetria esf´erica), o problema tem menos graus de liberdade e isso nos indica que temos uma boa chance de encontrar uma integral primeira deste sistema (no caso em considera¸ca˜o, a conserva¸c˜ao de produto vetorial). Pelo corol´ ario 1.6.1 (que explica porque a o´rbita da Lua em torno da Terra est´ a dentro de um plano), podemos considerar a lei de Newton restrita a um plano, que nada mais ´e do que uma c´ opia do R2 ; mudando de coordenadas, podemos supor que este plano ´e o R2 . Note que com isto reduzimos bastante a dimens˜ ao do espa¸co das vari´aveis do nosso sistema mecˆ anico. O novo campo de for¸cas f, 2 que ´e a restri¸c˜a o ao R do antigo campo de for¸cas f definido em R3 , ´e dado naturalmente por: x f (x) = , x 3
−
com x = (x1 , x2 ) R2 (0, 0) . Devido `a simetria circular deste campo de for¸cas, ´e natural considerar coordenadas polares; nestas, a trajet´ oria do campo f ´e dada por x(t) = (x1 (t), x2 (t)) = r(t)(cos θ(t), sen θ(t)).
∈
−{
}
Defini¸c˜ao 1.6.3: O momento angular de um sistema mecˆ anico dado em coordenadas polares ´e ˙ = mr 2 ˙θ . h(r, θ) O momento angular de uma curva x(t) = (r(t), θ(t)) em coordenadas polares ´e dado por h(t) = mr 2 (t)θ (t). Exemplo 1.6.2: O momento angular da curva x(t) = (t cos t, t sen t) = t(cos t, sen t) ´e h(t) = mt 2 , pois r(t) = t e θ(t) = t. Note que x(t) n˜ ao ´e solu¸c˜ao do problema mecˆ anico em considera¸ca˜o. Teorema 1.6.1: Conserva¸ c˜ao do momento angular: Para uma part´ıcula se movendo sob a a¸c˜ ao de um campo central, o momento angular h ´e constante. Antes de demonstrar a proposi¸c˜ao, introduzimos uma nota¸c˜ao conveniente: escrevemos i(t) = (cos θ(t), sen θ(t)) para o vetor unit´ ario colinear com x(t) e j(t) = ( sen θ(t), cos θ(t)), para o vetor unit´ ario ortogonal a i(t). Ent˜ ao x(t) = r(t)i(t) e valem as seguintes regras de deriva¸c˜ao:
−
di d ˙ sen θ, cos θ) = θj ˙ = (cos θ, sen θ) = ( θ˙ sen θ, θ˙ cos θ) = θ( dt dt
−
−
62
e, analogamente,
Mecˆanica Newtoniana
dj = dt
−θi˙ .
Demonstra¸c˜ao: Primeiramente calculamos a acelera¸ c˜ao x em coordenadas polares. Temos x (t) =
d r(t)i(t) = r (t)i(t) + r(t)θ (t) j(t) dt
(1.5)
e portanto, esquecendo de escrever a vari´avel t, como de costume, x = r i + r θ j + r θ j + rθ j = (r Como
− rθ θi =
− rθ 2)i + (2rθ + rθ ) j .
1d 2 1 (r θ ) = (2rr θ + r 2 θ ) = 2r θ + rθ , r dt r
resulta que x = (r
− rθ2)i + 1r dtd (r2θ) j .
Ora, pela lei de Newton, a acelera¸c˜ao ´e dada por mx = f (x); como f ´e central, temos f (x) = g(x)x para alguma fun¸c˜ao g (proposi¸c˜ao 1.6.1) e portanto x =
1 1 1 f (x) = g(x)x = g(x)ri , m m m
ou seja, a componente de x (t) na dire¸ca˜o de j (t) ´e nula, acarretando 1 d 2 (r θ ) = 0 . r dt Isso prova que r(t)2 θ (t) ´e constante e portanto tamb´em h(t) = mr 2 (t)θ (t); a proposi¸ca˜o est´ a demonstrada. J´ a temos at´e agora duas integrais primeiras em R 4 , E e h, respectivamente, a energia total e o momento angular. Trˆ es integrais primeiras distintas em R 4 possibilitariam identificar as curvas descritas pelas trajet´ orias da equa¸ c˜ao diferencial 4 x = F (x) em R definida por f. Faltaria encontrar ainda mais uma integral primeira, mas com as leis de conserva¸ca˜o que j´a temos, podemos tratar diretamente a equa¸ca˜o diferencial e resolvˆ e-la: com as restri¸ c˜oes j´a obtidas, vamos recair em uma equa¸ca˜o diferencial em R, que pode ser facilmente resolvida. Podemos supor h = mr(t)2 θ (t) = 0, pois, se para um certo t0 isso acontece, pelo teorema de conserva¸c˜ao de momento angular o mesmo acontece para todo t. Em particular, θ (t) = 0 para todo t e podemos escrever r como fun¸c˜a o de θ, r = r(θ). Isso simplificar´ a muito o nosso problema, pois nos livraremos da vari´ avel t e, resolvendo uma equa¸c˜ao diferencial de r na vari´ avel θ, identificaremos 2 as curvas, que s˜ao cˆ onicas em R , descritas pelas solu¸c˜oes do problema dos dois
63
Introdu¸c˜ cao ˜ a` Mecˆ anica anica Cl´ assica assica
corpos (entretanto, n˜ ao poderemos dizer, para cada valor de t, ao de t, onde a trajet´oria oria x(t) est´ a). a). Denotemos 1 u(θ) = . r (θ) Lema 1.6.1: Se x(t) = (r(t), θ(t)) = (r (r (θ(t)), )), θ(t)) ´ )) ´e sol so lu¸c˜ cao ˜ do problema dos dois corpos, ent˜ ao T = energi ene rgiaa cin´etica eti ca = =
1 h2 2m
du dθ
2
+ u2 ,
onde h = mr = mr 2 ˙θ ´e o mom momento ento angula ang ularr (que ( que ´e const c onstante ante). ). Demonstra¸c˜ c˜ao: a o: Assi Assim m como como em (1.4), (1.4), da demo demons nstr tra¸ a¸ c˜ ao ao do teorema 1.6.1 2 2 2 temos x temos x = r = r i + rθ + rθ j, ou j, ou seja, x = r + (rθ (rθ ) e portanto portanto
m T = T = energia cin´etica etica = x 2
2
Mas r Mas r((t) = r( r (θ(t)) = 1/u 1/u((θ(t)), )), acarretando r =
m = (r2 ) + (rθ ( rθ )2 . 2
d 1 = dt u(θ(t))
du h du θ = −r 2 θ = − −(u(θ(1t)))2 du dθ dθ m dθ
e portanto
h2
m T = 2 m2
du dθ
2
+
h2 m2
u2
1 h2 = 2m
du dθ
2
+ u2 ,
j´ a que h que h = = mr mr 2 ˙θ . Lembre que E P U (r, θ) = P (r, θ) = U (
− r(1θ) = −u(θ)
´e a energia potencial. Logo, a energia total ´e dada por 1 h2 E = E T + E P T = E C C + E P = 2m e portanto
du dθ
− du dθ
2
+ u( u(θ)2 = E + u + u((θ)
2
+ u2
2m 2m . h2
Derivando o termo da esquerda em rela¸c˜ cao a˜o a θ obtemos d dθ
du dθ
2
+ u
2
du d2 u du = 2 + 2u 2 u , dθ dθ2 dθ
u,
(1.6)
64
Mecˆ anica anica Newtoniana
e derivando o termo da direita obtemos d dθ
E + u + u
2m 2m 2m du = 2 , 2 h h dθ
pois a energia total E ´ ´e constante; constante ; cancelando cancela ndo 2 du , resulta dθ d2 u m + u = u = 2 = cons consta tant ntee = c . 2 dθ h A partir dessa express˜ao ao fica mais clara a raz˜ ao pela qual escolhemos a vari´ ao avel avel u = 1/r: /r: obtemos uma equa¸c˜ cao a˜o mais f´ acil acil de integrar. Exerc´ Exerc´ıcio: Mostre que a equa¸c˜ c˜ao ao de segunda ordem n˜ao ao homogˆ hom ogˆenea ene a u + u + u
− c = 0
tem solu¸c˜ cao a˜o geral dada por u = c = c(1 (1 + e + e cos(θ cos(θ
− θ0)) ,
onde e onde e e θ 0 s˜ ao constantes determinadas a partir das condi¸ ao c˜ coes ˜oes iniciais. Voltando a` nossa equa¸c˜ c˜ao ao diferencial e lembrando que u = 1/r e c = obtemos, ent˜ ao, ao, a seguinte rela¸c˜ cao a˜o entre r entre r e θ: θ : 1=
mr( mr(θ) (1 + e + e cos(θ cos(θ h2
− θ0)) ,
m , h2
(1.7)
que qu e ´e a equa¸ equ a¸c˜ cao a˜o de uma cˆ onica onica de excentricidade e excentricidade e;; dependendo de e, de e, esta esta cˆonica onica ´e: e: uma hip´ hi p´erbol erb olee e > 1 E > 0; uma par´ abola abola e = 1 E = 0; uma elipse e < 1 E < 0; pois a excentricid excentricidade ade e ´e dada da da por po r e =
⇐⇒ ⇐⇒ ⇐⇒
1+
⇐⇒ ⇐⇒ ⇐⇒
2Eh 2 . m
Para ver isso, basta substituir a express˜ ao ao obtida em (1.6) para u para u = = 1r na equa¸c˜ c˜aaoo (1.5) da energia total. A express˜ao ao (1.6) determina uma integral primeira. Em conclus˜ ao, ao, obtivemos uma rela¸c˜ cao ˜ao entre r entre r e e θ θ,, ou seja, encontramos a terceira e ultima u ´ltima integral primeira. Podemos ent˜ ao ao afirmar afir mar que o problema probl ema dos do s dois corpos corpo s ´e integr´ avel; avel; as trajet´ orias orias (x(t), x˙ (t)) do sistema s˜ ao ao tais que as curvas x curvas x((t) determinam determi nam elipses, elipses , hip´ h ip´erboles erbol es ou par´ abolas, abolas, dependendo de e. Note que n˜ao ao determinamo determinamoss ainda a dependˆ dependˆencia encia temporal das trajet´ orias (θ(t), r(t)) do sistema mecˆ anico anico em considera¸c˜ cao. a˜o. Isso Isso ser ser´ a´ feito a seguir, em uma situa¸c˜ cao a˜o menos meno s esp e spec ec´´ıfica. ıfic a.
65
Introdu¸c˜ cao ˜ a` Mecˆ anica anica Cl´ assica assica
No pr´oximo oximo teorem teoremaa verem veremos os que no plano, plano, para para potenci potenciais ais U U bem mais gerais do que no n o caso c aso anterior, ´e sempre se mpre poss´ıvel ıvel descobrir descobri r as solu¸c˜ coes o˜es do sistema mecˆ anico dado por um campo central (se soubermos calcular uma certa integral). anico Este resultado afirma que, usando coordenadas polares no plano, o movimento de uma part´ part´ıcula (que, para simplificar, simplificar, supomos ter massa 1) sob a a¸ c˜ ao a o de um campo de for¸cas cas central dado por um potencial U (r) ´e tal que a distˆ ancia ancia r da part´ıcula ıcu la a` origem varia como em um problema unidimensional com energia potencial h2 V (r (r) = U ( U (r ) + 2 . 2r Esse ponto de vista simplifica sobremaneira o problema. Como j´ a sabemos integrar integrar sistemas sistemas unidimensio unidimensionais, nais, poderemo p oderemoss ent˜ entao ˜ determinar r(t). A seguir, seguir, mostraremos mostraremos que nesse caso tamb´ tamb´em em poderemos calcular θ(t) e que, portanto, porta nto, ´e poss´ıvel ıvel encontrar a solu¸c˜ cao ˜ao geral do problema. Observa¸c˜ cao a˜ o 1. 1.6. 6.2: 2: Se V (r (r) = U (r ) + h 2 /2r2 ´e o potencial potencial de um sistema sistema mecˆ anico unidimensional, ent˜ anico ao, pelo teorema de conserva¸c˜ ao, cao ˜ao de energia total, temos 1 m ˙r 2 + V (r (r) = E T r, ˙r ) = c , T (r, ˙ 2 onde c ´e uma constante consta nte que qu e depend d ependee s´ so´ da trajet´ oria, oria, ou seja, r(t) satisfaz 1 2 h2 r + U ( U (r ) + 2 = c . 2 2r Neste caso (ver fim da se¸c˜ c˜ao ao 2), r(t) pode ser encontrado por quadraturas. Em resumo, no pr´ oximo teorema vamos analisar primeiramente apenas o que oximo acontece com r(t) para depois descobrir o que sucede com θ com θ((t). Teorema 1.6.2: Se x( x (t) = (r(t), θ(t)) descreve )) descreve em coordenadas polares o movimento de uma part´ıcula ıcula de massa 1 sob a a¸ c˜ cao ˜ de um campo central conservativo em R2 com potencial U ( U (x1 , x2 ) = g x21 + x + x22 = g = g((r), ent˜ ao r r varia como em um problema mecˆ anico anico unidimensional unidimensional conserv conservativ ativo, o, com potencial potencial dado por p or
h2 (r) = g( V (r g (r) + 2 , 2r onde h ´e o mom momento ento angula ang ular, r, consta con stante. nte. Al´em em disso, diss o, ´e poss po ss´´ıvel encontrar enco ntrar r(t) e θ(t) pelo m´etodo etod o das quadraturas. quadratu ras. Demonstra¸c˜ c˜ao: ao: Como U (x1 , x2 ) = g
x21 + x + x22 = g = g((r), temos
∂U dg x1 ∂U dg x2 = e = , ∂x 1 dr r ∂x 2 dr r
66
Mecˆanica Newtoniana
e, portanto, se x = (x1 , x2 ) = r(cos θ, sen θ), obtemos
∇U (x) =
dg dg dg cos θ, sen θ = i , dr dr dr
onde utilizamos a mesma nota¸ c˜ao da demonstra¸ca˜o do teorema 1.6.1, ou seja, i = (cos θ, sen θ) e j = ( sen θ, cos θ). Se x(t) descreve a trajet´oria da part´ıcula sob a a¸ca˜o do campo de for¸cas central conservativo com potencial U, ent˜ ao, pela lei de Newton, temos x = U (x). Exatamente como na demonstra¸c˜ao do teorema 1.6.1, calculamos x = (r rθ 2 )i + (rθ + 2r θ ) j; como o campo ´e central, a componente de j em x ´e nula, portanto x = (r rθ 2 )i pela lei de Newton. Segue-se que
−
−∇
−
−
(r
i , − rθ 2) i = x = −∇U (z) = − dg dr
ou seja,
= r − r θ2 . − dg dr
Desejamos eliminar θ desta equa¸c˜ao. Pelo teorema 1.6.1, r 2 θ = h = constante, logo θ = h/r 2 . Ent˜ ao, 2
h = r − 3 − dg dr r e, portanto, dg r = − + dr
h2 r3
− −
=
d dr
h2 g(r) + 2 2r
=
d V (r) , dr
V (r)
sendo assim demonstrada a primeira afirma¸c˜ao do teorema. Um sistema unidimensional ´e sempre integr´ avel, como j´ a sabemos. Veremos agora como obter r em fun¸c˜ao de t. Pela observa¸c˜ao 1.6.2, 1 E 1 = E (r, ˙r) = ˙r 2 + V (r) 2 ´e constante ao longo das trajet´ orias. Como feito no fim da se¸ca˜o 2, suponha que conhecemos 1 η(r) = dr ; 2(E 1 V (r))
− −
pela regra da cadeia obteremos ent˜ ao dη(r(t)) = dt
1
2(E 1
V (r(t)))
r (t) = 1
67
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
e, portanto, η(r(t)) = t + c, para qualquer t R, sendo c uma constante. Assim poderemos obter implicitamente r(t) a partir de η e, portanto, encontramos uma integral primeira para o sistema mecˆ anico. A integral que define η(r) muitas vezes envolve integrais el´ıpticas e ter´ a que ser deixada na forma acima, ou seja, sem ser resolvida. J´ a que conseguimos determinar r(t), vamos agora encontrar θ(t). Ora, como vimos antes, r 2 (t) θ (t) = h = constante.
∈
Portanto θ(t) =
h
r2 (t)
dt .
A conclus˜ ao ´e a de que podemos calcular, pelo m´etodo acima, r e θ em fun¸c˜ao de t, no caso em que o campo de for¸cas conservativo ´e central. Observa¸ca˜o 1.6.3: Para finalizar, queremos destacar dois fatos. Primeiro: no problema dos trˆes corpos em R 3 j´ a n˜ ao se consegue encontrar um n´ umero suficiente de integrais primeiras para identificar as solu¸c˜oes. Segundo: se consideramos campos n˜ ao centrais, nada do que foi feito nesta se¸ca˜o poder´ a ser utilizado. Este ´e um ponto importante na teoria das equa¸ c˜oes diferenciais e em mecˆ anica cl´ assica: na maioria dos casos n˜ ao se pode encontrar explicitamente, ou mesmo implicitamente, as solu¸ c˜oes de um dado problema; por isso se torna extremamente importante o desenvolvimento de m´etodos que permitam obter informa¸ c˜oes sobre as trajet´ orias de um sistema mecˆ anico, mesmo que n˜ ao se saiba resolver a equa¸ca˜o diferencial associada. A teoria dos sistemas dinˆ amicos se dedica a analisar problemas dessa natureza (ver, como referˆ encia, J. Palis e W. Melo, 1982; J. Sotomayor, 1979; C. Robinson, 1970; M. Hirsch e S. Smale, 1974; R. Devaney, 1986; A. Katok e H. Hasselblatt, 1995; M. Pollicott e M. Yuri, 1998; R. Ma˜ n´e, 1991) Os resultados apresentados na pr´ oxima se¸c˜ao transmitir˜ ao uma breve id´eia do tipo de informa¸c˜ao a qual estamos nos referindo. Exerc´ıcios: 1. Mostre que no problema dos dois corpos, se a o´rbita for circular, ent˜ ao o m´ odulo da velocidade na o´rbita ´e constante. 2. Considere o campo central definindo pelo potencial U (r) = teorema 1.6.2 para calcular r(t).
− 1 . Use o r
ˆ ´ ´ - ORBITAS PERIODICAS E ESTABILIDADE DE PON1.7 APENDICE TOS DE EQUIL´ IBRIO
Nesta se¸c˜ao fazemos um estudo qualitativo detalhado do espa¸ co de fase das equa¸co˜es diferenciais que resultam da lei de Newton. Sugerimos ao leitor evitar a presente se¸c˜ao em uma primeira leitura. O que segue nas outras se¸ c˜oes n˜ ao
68
Mecˆanica Newtoniana
depende do desenvolvimento desta, que tem o objetivo de aprofundar e detalhar mais precisamente a dinˆ amica de sistemas mecˆ anicos. Como veremos, ´e extremamente importante analisar certos tipos de tra jet´ orias do sistema mecˆ anico: as constantes e as peri´ odicas. As trajet´ orias constantes s˜ ao aquelas que descrevem part´ıculas que com o decorrer do tempo n˜ ao se movem, ou seja, part´ıculas que ficam paradas em cima de um ponto do espa¸ co de fase, denominado ponto de equil´ıbrio. As tra jet´ orias peri´ odicas s˜ ao as que descrevem part´ıculas que, come¸cando em um certo ponto no espa¸co de fase, depois de um determinado tempo retornam ao mesmo ponto e voltam ent˜ ao a repetir, periodicamente, a sua trajet´ oria. Por exemplo, no caso do pˆendulo, as posi¸c˜oes dele parado na vertical para cima e para baixo correspondem a pontos de equil´ıbrio. No primeiro caso, o equil´ıbrio ´e inst´avel (ver defini¸c˜ao 1.7.8) e no segundo, est´ avel (ver defini¸ca˜o 1.7.6). Em uma vizinhan¸ca, em torno dos pontos de equil´ıbrio est´ aveis do pˆendulo sem atrito, existem o´rbitas peri´ odicas (ver fig. 1.3.4A). No que segue, F : Rn Rn ´e um campo de vetores de classe C 1 em Rn e tratamos da equa¸c˜ao diferencial de primeira ordem x = F (x) em Rn . Para entender o espa¸co de fase desta equa¸c˜ao, analisamos inicialmente os pontos de equil´ıbrio do sistema.
→
Defini¸ca˜o 1.7.1: Dizemos que x0 F (x0 ) = 0 R n .
∈
∈ R
n
´e um ponto de equil´ıbrio para F se
Note que definimos ponto de equil´ıbrio para equa¸ c˜oes de primeira ordem e n˜ao para equa¸co˜es de segunda ordem. Seja f um campo de for¸cas em Rn , com campo de vetores associado em R2n , dado por
1 F (x, x) ˙ = x, ˙ f (x) . m Para que o ponto (x, x) ˙ R 2n seja de equil´ıbrio para F , ´e necess´ ario e suficiente 1 que (x, ˙ m f (x)) = F (x, x) ˙ = (0, 0), ou seja, ´e necess´ario e suficiente que o campo de for¸cas f se anule em x e que a velocidade x˙ tamb´em se anule. Em outras palavras, os pontos de equil´ıbrio de F s˜ ao dados por (x, 0) R 2n com f (x) = 0.
∈
∈
Proposi¸c˜ao 1.7.1: Se x 0 ´e ponto de equil´ıbrio para F, ent˜ ao a (´ unica) solu¸c˜ ao de x = F (x), x(t0 ) = x 0 ´e uma fun¸c˜ ao constante, dada por x(t) = x 0 , para todo t R.
∈
Demonstra¸c˜a o: Se F (x0 ) = 0 e x(t) = x0 para t R, ent˜ ao ´e claro que x(t0 ) = x0 e x (t) = 0 = F (x0 ) = F (x(t)), de modo que x ´e solu¸ca˜o de x = F (x), x(t0 ) = x 0 . Al´em disso, pelo teorema 1.1.1, esta solu¸ c˜ao ´e u ´nica.
∈
Pode-se dizer ent˜ ao que, em um ponto de equil´ıbrio, o sistema fica em repouso. A an´ alise dos pontos de equil´ıbrio de uma equa¸ c˜ao diferencial ´e muitas vezes extremamente importante para ajudar no entendimento global do comportamento
69
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
das trajet´ orias no espa¸co de fase. Vamos analisar agora os pontos de equil´ıbrio de alguns sistemas mecˆ anicos. Exemplo 1.7.1: Para um sistema de equa¸c˜oes diferenciais lineares x = A(x), o ponto 0 R n ´e sempre de equil´ıbrio pois, para toda matriz A, vale A(0) = 0.
∈
Exemplo 1.7.2: Os pontos de equil´ıbrio do campo F (θ, ω) associado ao pˆendulo (ver exemplo 1.3.3), com ou sem atrito, devem satisfazer
0 = ω , 0 = gl sen θ ,
−
e, portanto, s˜ a o os pontos (θ, ω) = (nπ, 0), com n inteiro, todos sobre o eixo ω = 0 do espa¸co de fase, a intervalos de comprimento π. Analisando a fig. 1.3.4 b), em que aparece o espa¸co de fase do pˆ endulo com atrito, podemos concluir que existe uma diferen¸ca bem grande entre os pontos de equil´ıbrio (nπ, 0) para n par ou ´ımpar (ver tamb´em os exemplos 1.7.7, 1.7.15 e 1.7.16 abaixo). Esse comportamento diferente est´ a associado ao seguinte fato, bastante simples. O pˆendulo pode ficar em equil´ıbrio vertical, com a haste para cima ou para baixo, mas se chegarmos a um laborat´ orio de f´ısica, onde se encontra um pˆendulo f´ısico, muito provavelmente vamos encontr´ a -lo em repouso com a haste para baixo. O equil´ıbrio com a haste para cima ´e poss´ıvel, embora muito improv´ avel, pois qualquer perturba¸c˜ao ambiental, por pequena que seja, vai tir´ a-lo do repouso. Esta ´e a diferen¸ca entre os pontos de equil´ıbrio est´ aveis e os inst´ aveis, que vamos discutir a seguir. Antes, por´ em, introduzimos o conceito de fluxo associado a uma equa¸c˜ao diferencial ordin´ aria de primeira ordem. Defini¸c˜ao 1.7.2: O fluxo φ t , t R, associado ao campo de vetores F definido em um aberto A do Rn , ´e a fam´ılia (indexada por t) de transforma¸c˜ oes de A em si mesmo, tal que no tempo t R fixo, φt : A A ´e a aplica¸c˜ ao dada por φt (x) = y, onde y = x(t) A, quando a fun¸c˜ ao x : R A ´e a u ´nica solu¸cao ˜ de x = F (x), tal que x(0) = x. Variando t R, obtemos o fluxo de F, que ´e a fam´ılia de aplica¸c˜ oes φ = φt t∈R . Para cada t fixo, φ t ´e uma bije¸cao ˜ de A em si mesmo.
∈ { }
∈ ∈
→
∈
→
Na maioria dos casos tratados aqui o aberto A ser´a o Rn . A trajet´ oria x(t), com condi¸c˜ao inicial x(0) = x, descreve a posi¸c˜ao da solu¸ca˜o em fun¸c˜a o de t. O fluxo φt (x), por outro lado, exerce papel inverso: fixado t, queremos saber onde se encontra a solu¸c˜ao que come¸ca em x, depois do tempo t. Por ser fun¸c˜ao de x, o fluxo φ t nos d´ a uma informa¸c˜ao global do comportamento de todas as solu¸c˜oes, simultaneamente (num certo tempo fixado t). Para x fixo, o conjunto φt (x) t R ´e chamado a o´rbita de x (pelo fluxo). Lembrando que g h denota a composta das duas fun¸c˜oes g e h (ou seja, (g h)(x) = g(h(x)), por defini¸c˜ao), observamos que o fluxo de F satisfaz a equa¸ca˜o dφt (x) = (F φt )(x) (1.8) dt
◦
◦
{
| ∈ }
◦
70
Mecˆanica Newtoniana
para cada x. Para ver isto, basta tomar a solu¸ca˜o x(t) de x = F (x), x(0) = x t e derivar φt (x) = x(t); assim dφ dt (x) = x (t) = F (x(t)) = F (φt (x)) = (F φt )(x) vale para x. Definimos o fluxo apenas para equa¸c˜oes autˆ onomas (aquelas em que o t n˜ ao aparece na equa¸c˜ao) e para as quais todas as solu¸co˜es do problema de Cauchy, com qualquer condi¸ca˜o inicial, est˜ ao definidas para todo t R.
◦
∈
Exemplo 1.7.3: Dado o sistema linear x = Ax , j´a sabemos (ver exemplo 1.1.2) que para cada ponto x
∈ R
n
,
etA x = x(t) ´e a solu¸c˜ao de x = A(x), x(0) = x. Logo o fluxo φ t : R n R n de A ´e dado por φt (x) = e tA x. Desta forma, neste caso, a o´rbita de x = (x1 , x2 ,...,xn ) ´e o conjunto
→
{e
tA
(x1 , x2 ,..,xn ) t R
| ∈ } ⊂ R
n
,
Note que se x0 for ponto de equil´ıbrio, ent˜ ao segue da proposi¸ca˜o 1.7.1 que φt (x0 ) = x 0 para todo t real. Dizemos nesse caso que x 0 ´e fixo para o fluxo. Exemplo 1.7.4: No caso da mola sem atrito, de massa m = 1 e constante de elasticidade k = 1 (ver exemplo 1.1.2), temos um sistema de primeira ordem associado que ´e linear e dado por x = A(x), com A =
0 1 1 0
−
.
Nesse caso, o fluxo φ t = e tA de A em x = (x1 , x2 ) R 2 ´e dado por tA
φt (x1 , x2 ) = e (x1 , x2 ) =
∈
−
cos t sen t
sen t cos t
x1 x2
=
= (x1 cos t + x2 sen t, x1 sen t + x2 cos t) ,
−
pois, fixando x = (x1 , x2 ) e variando t, essa ´e a u ´nica solu¸c˜ao determinada por x1 (0) = x 1 , x2 (0) = x 2 , conforme vimos no exemplo 2.2.3. ´ f´acil ver que, nesse caso, aplicar e tA no vetor (x1 , x2 ) simplesmente significa E rodar esse vetor de um ˆangulo t. Usando coordenadas polares, isto pode ser visto assim: (x1 , x2 ) = r(cos θ, sen θ) e portanto
−
etA (x1 , x2 ) = (x1 cos t + x2 sen t, x1 sen t + x2 cos t) =
−
= (r cos θ cos t + r sen θ sen t, r cos θ sen t + r sen θ cos t) =
−
= (r cos(θ
− t), r sen(θ − t)),
71
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
onde, na u ´ltima igualdade, usamos a conhecida f´ ormula trigonom´etrica que d´ a os valores do seno e cosseno da soma de dois ˆangulos em fun¸c˜ao do seno e cosseno de cada um dos ˆangulos. Passamos agora a analisar as trajet´ orias peri´ odicas. Defini¸c˜ao 1.7.3: Seja x(t) a solu¸cao ˜ do problema de Cauchy dado por x = F (x), x(0) = x 0
n
∈ R . Dizemos que a trajet´ oria x(t) ´e peri´ odica se F (x0 ) = 0 e existe um valor t0 > 0
tal que x(t0 ) = x(0) = x0 . (Tamb´em dizemos, neste caso, que x0 ´e um ponto peri´odico do campo F e que a ´orbita descrita pela trajet´ oria x(t) ´e uma o´rbita peri´odica.) O per´ıodo da trajet´ oria x(t) ´e o menor de tais poss´ıveis valores t 0 > 0. Note que, por defini¸c˜ao, um ponto de equil´ıbrio n˜ ao ´e um ponto peri´ odico. Uma o´rbita peri´ odica pode ser caracterizada pela existˆencia de um ponto x 0 (sobre a o´rbita) tal que φT (x0 ) = x 0 para algum T > 0 mas n˜ ao para qualquer a um ponto x0 de equil´ıbrio pode ser caracterizado como um ponto tal T > 0. J´ que φt (x0 ) = x 0 para todo t R. No exemplo 1.7.4 todas as trajet´ orias da mola (exceto aquela em repouso na origem, que ´e ponto de equil´ıbrio) s˜ ao peri´ odicas e de per´ıodo 2π. Isso ´e f´acil de se ver na express˜ao x(t) = r(cos(θ t), sen(θ t)) que obtivemos das trajet´ orias. Al´ em disso, vemos que, n˜ a o s´ o x(2π) = x(0) = r(cos θ, sen θ), mas tamb´em x(2nπ) = x(0), para qualquer inteiro n. Isso vale, em geral, como segue:
∈
−
−
´ f´acil ver que se x(t) ´e uma tra jet´oria peri´ Observa¸ca˜o 1.7.1: E odica de per´ıodo t0 , ent˜ao, para qualquer inteiro k vale x(kt 0 ) = x(0) = x 0 . Mais geralmente, para qualquer inteiro k e qualquer t1 R, vale
∈
x(kt 0 + t1 ) = x(t1 ) . Decorre desse fato que cada ponto da o´rbita x(t) t R Rn definida pela trajet´ oria x(t) ´e igualmente um ponto peri´ odico e de mesmo per´ıodo. Para se convencer disto, observe primeiro que η(t) = x(t0 + t) define uma solu¸ca˜o de x = F (x), pois η (t) = x (t0 + t) = F (x(t0 + t)) = F (η(t)). Como η(0) = x(t0 ) = x 0 = x(0), o teorema 1.1.1 de existˆencia e unicidade das solu¸ c˜ oes de uma equa¸ca˜o diferencial, nos d´ a η(t) = x(t) para qualquer t R, ou seja, vale
{
| ∈ } ⊂
∈
x(t0 + t) = x(t) para qualquer t R. Em particular, para t = t 1 temos x(t0 + t1 ) = x(t1 ) e para t = t 0 + t1 temos x(2t0 + t1 ) = x(t0 + (t0 + t1 )) = x(t0 + t1 ) = x(t1 ). O resultado para qualquer k segue por indu¸ca˜o.
∈
Defini¸c˜ao 1.7.4: Dizemos que um conjunto C R n ´e invariante para o fluxo φt de F se φt (C ) C para todo t R.
⊆
∈
⊆
72
Mecˆanica Newtoniana
Perceba que, pela observa¸ca˜o 1.7.1 acima, toda o´rbita peri´ odica ´e um conjunto invariante para φ t . Todo ponto fixo x0 tamb´em determina um conjunto unit´ ario invariante x0 .
{ }
Defini¸ca˜o 1.7.5: Dizemos que uma aplica¸cao ˜ g : D A de um aberto D R n em um aberto A Rn ´e um difeomorfismo se g ´e bijetiva e tanto g quanto a inversa g−1 : A D s˜ ao diferenci´ aveis. Em geral dizemos que g : D Rn ´e um difeomorfismo sobre A se g(D) = A. Dizemos que um conjunto aberto B ´e difeomorfo ao aberto D se existe um difeomorfismo g tal que g(D) = B.
→
⊂ →
⊂ →
Proposi¸c˜ao 1.7.2: Para cada t R, o fluxo φt do campo F de classe C 1 ´e um difeomorfismo C 1 . Al´em disso, vale φt φs = φ t+s para quaisquer t, s R e 1 φ0 = I ´e a aplica¸cao ˜ identidade; em particular, para cada t R, φ−t = φ − ´e a t fun¸c˜ ao inversa de φt .
∈
◦
∈
∈
Demonstra¸c˜ao: O resultado segue de propriedades bem conhecidas de equa¸c˜oes diferenciais ordin´ arias. A injetividade de φt segue da unicidade das trajet´ orias (as solu¸co˜es n˜ ao podem se encontrar ou cruzar) garantida pelo teorema 1.1.1. Tamb´em a sobrejetividade de φt ´e garantida pelo teorema 1.1.1. Isso porque, dado y Rn o valor x Rn tal que φt (x) = y pode ser obtido da seguinte maneira: considere a solu¸ c˜ao x(t) da equa¸c˜ao diferencial x = F (x), x(0) = y e tome ent˜ ao x = x( t); resulta que φt (x) = y. O fato de φt ser diferenci´avel na vari´ avel x segue da diferenciabilidade das solu¸c˜oes em fun¸c˜ao da condi¸c˜a o inicial. Se o campo F ´e de classe C r ent˜ ao r φt (x) = φ(t, x) tamb´em ´e de classe C em (t, x) (ver C. Doering e A. Lopes, 2005). ´ claro que φ 0 = I . Supondo que vale φ t φs = φ t+s , para quaisquer t, s R, E 1 segue-se que φt φ−t = φ t+(−t) = φ 0 = I = φ −t+t = φ −t φt , ou seja, φ−t = φ − t ´e a fun¸c˜ao inversa de φt , que portanto ´e um difeomorfismo. Para provar a propriedade de grupo φt φs = φt+s , consideramos s0 R e x0 Rn fixados, tomamos a solu¸c˜ao x(t) de x = F (x), x(0) = x0 e definimos η(t) = x(t+s0 ), para t R. ´ E claro que η (t) = x (t+s0 ) = F (x(t+s0 )) = F (η(t)), de modo que η(t) ´e a u ´nica solu¸c˜ao de x = F (x), x(0) = x(s0 ) e portanto, por defini¸c˜ao de fluxo, x(t + s0 ) = η(t) = φ t (x(s0 )). Mas pela mesma defini¸ca˜o temos x(s0 ) = φ s (x0 ) e x(t + s0 ) = φ t+s (x0 ), ou seja,
∈
∈
−
◦
◦
∈
◦
◦
∈
∈
∈
0
0
φt+s (x0 ) = x(t + s0 ) = φ t (x(s0 )) = φ t (φs (x0 )) = (φt φs )(x0 ) . 0
0
◦
0
Resta observar que isso vale para cada x 0 , ou seja, obtemos φ t+s = φ t φs para todo t e cada s 0 . 0
◦
0
Defini¸ca˜o 1.7.6: Seja x 0 um ponto de equil´ıbrio para F. Dizemos que x 0 ´e um ponto de equil´ıbrio est´ avel se, para qualquer vizinhan¸ca U Rn de x0 , existe uma vizinhan¸ca V R n de x0 , tal que V U e
⊂
⊂ φ (x) ∈ U , t
⊂
73
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica para quaisquer x
∈ V, t > 0.
Exemplo 1.7.5: O t´ıpico exemplo de ponto de equil´ıbrio est´ avel ´e o (´ unico) ponto de equil´ıbrio x0 = (0, 0) para a equa¸ca˜o da mola sem atrito, com massa 1 e constante de elasticidade tamb´em 1. Que a origem ´e de fato um ponto de equil´ıbrio est´avel ´e f´acil de ser visto, pois todas as trajet´orias deste sistema (ver fig. 1.2.1) percorrem c´ırculos em torno da origem (exemplo 1.7.4). O caso geral da mola sem atrito voltar´ a a ser considerado no exemplo 1.7.15. Defini¸c˜ao 1.7.7: Seja x 0 um ponto de equil´ıbrio para F. Dizemos que x 0 ´e um ponto de equil´ıbrio assintoticamente est´ avel se, para qualquer vizinhan¸ca U R n de x0 , existe uma vizinhan¸ca V Rn de x0 , tal que V U, φt (x) U, para quaisquer x V, t > 0 e lim φt (x) = x 0 para qualquer x V.
∈
⊂
t
→∞
⊂ ∈
∈
⊂
Pontos de equil´ıbrio assintoticamente est´ aveis est˜ ao em geral associados a sistemas com dissipa¸ c˜ao de energia. Existem resultados sobre a estabilidade do u ´nico ponto de equil´ıbrio, a origem n 0 R , de um sistema linear autˆ onomo x = Ax, analisando os autovalores da matriz A. Tamb´em existem resultados sobre a estabilidade de pontos de equil´ıbrio para sistemas n˜ ao lineares, analisando a parte linear do sistema, que ´e um sistema linear. O leitor interessado pode consultar C. Doering e A. Lopes, 2005, a respeito dessas duas quest˜ oes.
∈
Exemplo 1.7.6: O t´ıpico exemplo de ponto de equil´ıbrio assintoticamente est´ avel ´e o (´ unico) ponto de equil´ıbrio x0 = (0, 0) para a equa¸c˜ao da mola com atrito (ver fig. 1.2.4). No exemplo 1.7.9 veremos que, de fato, todas as solu¸ c˜oes deste problema mecˆ anico convergem ao ponto de equil´ıbrio. Adiante, no exemplo 1.7.16 veremos que tamb´em o pˆendulo com atrito tem pontos de equil´ıbrio assintoticamente est´ avel nos pontos (nπ, 0), com n par. ´ claro que todo ponto de equil´ıbrio assintoticamente Contra-Exemplo 1.7.1: E est´ avel ´e, em particular, um ponto de equil´ıbrio est´ avel, mas a rec´ıproca n˜ ao ´e ´ v´ alida. E f´ acil de se ver que a origem, que ´e um ponto de equil´ıbrio est´ avel para a equa¸ca˜o da mola sem atrito (ver exemplo 1.7.5), n˜ ao ´e assintoticamente est´ avel, pois as trajet´ orias na vizinhan¸ca da origem s˜ ao todas peri´ odicas, rodando em c´ırculos (exemplo 1.7.4), e n˜ ao convergem ao ponto x0 = 0 = (0, 0) quando t tende ao infinito (ver fig. 1.2.1). Defini¸c˜ao 1.7.8: Seja x 0 um ponto de equil´ıbrio para F. Dizemos que x 0 ´e um ponto de equil´ıbrio inst´ avel se x0 n˜ ao ´e um ponto de equil´ıbrio est´ avel. Dizemos que x 0 ´e um ponto de equil´ıbrio indiferente se x 0 ´e um ponto de equil´ıbrio est´ avel mas n˜ ao assintoticamente est´ avel. Exemplo 1.7.7: Os pontos de equil´ıbrio do pˆendulo simples sem atrito, dados por (nπ, 0), s˜ ao pontos de equil´ıbrio inst´ avel se n ´e ´ımpar; isso pode ser visto na
74
Mecˆanica Newtoniana
fig. 1.3.4 a, pois temos duas trajet´ orias que se afastam definitivamente do ponto de equil´ıbrio para t crescente. Al´ em do mais, nesse caso, excetuando duas que de fato convergem ao ponto de equil´ıbrio inst´ avel, todas as demais trajet´ orias do campo de vetores saem de uma dada pequena vizinhan¸ca qualquer do ponto de equil´ıbrio inst´ avel para tempos suficientemente grandes. J´ a os pontos (nπ, 0), para n par, s˜ ao de equil´ıbrio indiferente, como veremos mais tarde, no exemplo 1.7.15. Exemplo 1.7.8: N˜ ao ´e dif´ıcil mostrar (ver, por exemplo, C. Doering e A. Lopes, 2005) que a origem ´e sempre um ponto de equil´ıbrio inst´ avel para um sistema linear definido por uma matriz que tem um n´ umero positivo entre seus autovalores (cf. exerc´ıcio 3 no final desta se¸ c˜ao). Pode-se mostrar que se todos os autovalores da matriz que define um sistema linear tiverem parte real negativa, o ponto 0 ´e de equil´ıbrio assintoticamente est´ avel (ver C. Doering e A. Lopes, 2005). Existe uma vers˜ ao deste resultado para sistemas n˜ ao lineares a qual referimos ao leitor J. Sotomayor, 1979 para o enunciado preciso. Proposi¸c˜ao 1.7.3: Se existe um ponto de equ´ılibrio assintoticamente est´ avel para o campo F ent˜ ao a equa¸cao ˜ diferencial x = F (x) n˜ ao possui integrais primeiras. Demonstra¸c˜a o: Pela defini¸ c˜ao 1.2.5 de integral primeira (ver se¸ c˜ ao 2), ´e poss´ıvel provar o seguinte: qualquer fun¸ c˜ao diferenci´ avel W que ´e constante ao longo das trajet´ orias de x = F (x), ´e necessariamente constante na vizinhan¸ ca de pontos de equ´ılibrio assintoticamente est´ aveis. Seja W (x) uma fun¸ca˜o diferenci´ avel que ´e constante ao longo das trajet´ orias de x = F (x). Dado x V, temos ent˜ ao que W (φt (x)) ´e constante para t R e, portanto, lim φt (x) = x 0 acarreta W (x) = W (x0 ) pela continuidade de W. Como
∈
t
→∞
∈
isso vale para qualquer x V de x 0 .
∈ V, conclu´ımos que W (x) ´e constante na vizinhan¸ca
Em torno de pontos de equil´ıbrio indiferentes de um campo F, no entanto, nada impede que a equa¸c˜ao diferencial x = F (x) possa ser integr´ a vel. Por exemplo, no caso da mola sem atrito com constantes m = k = 1 (ver exemplo 1.2.3), as trajet´ orias permanecem em c´ırculos de energia total 12 ˙x2 + 12 x2 constante e portanto o sistema ´e integr´ avel, n˜ ao s´ o na vizinhan¸ca da origem mas em todo o plano. No pr´oximo exemplo utilizamos o seguinte resultado b´ asico de equa¸co˜es diferenciais: Proposi¸c˜ao 1.7.4: Considere a equa¸c˜ ao diferencial de segunda ordem, linear homogˆenea e com coeficientes constantes em R, dada por px + qx + rx = 0 .
75
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
U(x)
a 2
a 1
a 3
x
Figura 1.7.1
Denote por λ1 e λ 2 as ra´ızes do associado polinˆ omio caracter´ıstico pλ2 + qλ + r = 0 . a) Se λ 1 = λ 2 s˜ ao reais, a solu¸c˜ ao geral da equa¸cao ˜ diferencial ´e
x(t) = a 1 eλ t + a2 eλ 1
2
t
(a1 , a2
∈ R) .
b) Se λ 1 = λ = λ 2 s˜ ao reais, a solu¸c˜ ao geral da equa¸cao ˜ diferencial ´e x(t) = eλt (a1 + ta2 )
(a1 , a2
∈ R) .
c) Se as ra´ızes λ1 e λ2 s˜ ao complexas (e n˜ ao reais), elas s˜ ao conjugadas, ou seja, existem a, b R com b = 0, tais que λ 1 = a + bi e λ2 = a bi (pois o polinˆomio caracter´ıstico tem coeficientes reais). Nesse caso, a solu¸ c˜ ao geral da equa¸c˜ ao diferencial ´e
∈
−
x(t) = eat (a1 cos bt + a2 sen bt)
(a1 , a2
∈ R) .
Demonstra¸c˜ao: A demonstra¸c˜ao, que ´e elementar, pode ser encontrada em qualquer texto de equa¸co˜es diferenciais (ver, por exemplo, C. Doering e A. Lopes, 2005). Exemplo 1.7.9: Mostremos que o ponto de equil´ıbrio x0 = 0 R2 ´e assintoticamente est´ avel para a mola com atrito. A equa¸ c˜ao diferencial da mola com atrito, que j´ a vimos na se¸ca˜o 2, ´e dada por
∈
mx =
−kx − cx,
76
Mecˆanica Newtoniana
onde k ´e a constante positiva de rea¸ ca˜o, ou de elasticidade da mola, e c ´e a constante positiva de atrito (estamos supondo, ent˜ ao, que o atrito ´e linear na velocidade; para sermos mais precisos em termos f´ısicos, isso equivale a supor que a mola est´ a mergulhada em um fluido, que pode, aproximadamente, causar um atrito linear a` baixa velocidade). A equa¸ c˜ao da mola com atrito ´e portanto uma equa¸ca˜o diferencial de segunda ordem, linear homogˆ enea e com co eficientes constantes, com polinˆ omio caracter´ıstico mλ2 + cλ + k = 0 . Como m e c s˜ ao positivos, no caso c2 4mk ter´ıstico s˜ ao ambas reais e negativas, pois λ1 =
− ≥ 0 as ra´ızes do polinˆomio carac −c − √ c2 − 4mk < 0 e
2m
√ c + c2 − 4mk −c + − λ2 = <
√ 2 c
= 0. 2m 2m Se c2 4mk > 0 ent˜ao estaremos no caso a) da u ´ ltima proposi¸c˜ao e, portanto, uma solu¸c˜ao qualquer do sistema de primeira ordem associado em R 2 ´e da forma
−
(x(t), x (t)) = a1 eλ t + a2 eλ t , a1 λ1 eλ t + a2 λ2 eλ t ; 1
2
1
2
como λ1 e λ2 s˜ao negativos, (x(t), x (t)) converge `a x 0 = 0 quando t vai ao infinito, como pode ser facilmente verificado. Se c2 4mk = 0 ent˜ ao estaremos no caso b) e, portanto, uma solu¸c˜ao qualquer do sistema de primeira ordem associado em R2 ´e da forma
−
(x(t), x (t)) = e λt(a1 + ta2 , λa1 + tλa2 + a2 ) ; como λ = 2−mc < 0, (x(t), x (t)) novamente converge a` x0 = 0 quando t vai ao infinito. Se c 2 4mk < 0 ent˜ao estaremos no caso c) da u ´ ltima proposi¸ca˜o e, portanto, uma solu¸c˜ao qualquer do sistema de primeira ordem associado em R 2 ´e da forma
−
(x(t), x (t)) = e at a1 cos bt + a2 sen bt, (aa1 + a2 )cos bt + (aa2
− a1)sen bt
;
como a = 2cm < 0, (x(t), x (t)) converge a` x 0 = 0 quando t converge ao infinito. Isso mostra que o ponto de equil´ıbrio x 0 = 0 R 2 ´e assintoticamente est´ avel; pela proposi¸c˜ao 1.7.3 conclui-se que n˜ ao existem integrais primeiras para o pˆendulo simples com atrito.
−
∈
Exemplo 1.7.10: Suponha que o potencial U : R R de um campo de for¸cas conservativo f tenha o gr´ afico dado na fig. 1.7.1. J´ a observamos, no in´ıcio dessa se¸ca˜o, que os pontos de equil´ıbrio do campo de vetores F associado a f s˜ao da forma (x, 0), com x tal que f (x) = 0, ou seja, com x um ponto cr´ıtico de U. Assim
→
77
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
. x
x
Figura 1.7.2
(a1 , 0), (a2 , 0) e (a3 , 0) s˜ a o os u ´nicos pontos de equil´ıbrio de F, onde a1 , a2 e a3 denotam os trˆes pontos cr´ıticos de U , como mostra a fig. 1.7.1; note que U tem m´ınimo local em a 1 e a 3 e m´ aximo local em a 2 . A energia total do sistema ´e dada por 1 E (x, ˙x) = mx˙ 2 + U (x) 2 e portanto o gradiente da energia ´e
∇E (x, x)˙ = (−f (x), mx)˙ . Note que o gradiente de E se anula exatamente nos pontos de equil´ıbrio de F. O gr´ afico tridimensional de E, dado por (x, ˙x, E (x, x)) ˙ , correspondente ao potencial da fig. 1.7.1, ´e apresentado na fig. 1.7.5. Os pontos (a1 , 0) e (a3 , 0) s˜ ao pontos de m´ınimo local para E, pois a1 e a3 s˜ao m´ınimos locais para U e a energia cin´etica 12 mx˙ 2 ´e positiva e quadr´atica em x. ˙ As curvas de n´ıvel em torno de um ponto de m´ınimo para E s˜ ao descritas esquematicamente na fig. 1.7.2. Como sabemos, pelo teorema de conserva¸ c˜ao de energia total, E ´e constante ao longo das trajet´ orias do sistema mecˆ anico e, dessa maneira, conseguimos identificar as solu¸ c˜oes em torno de um ponto de ´ m´ınimo local para E. E bastante razo´ avel concluir que tais pontos de m´ınimo local para E s˜ao pontos de equil´ıbrio est´ aveis para F. Mais tarde, no exemplo 1.7.15, veremos que, de fato, (a1 , 0) e (a3 , 0) s˜ ao pontos de equil´ıbrio est´ aveis (mas n˜ ao assintoticamente est´ aveis) para F. O ponto (a2 , 0), por sua vez, ´e ponto de sela para E, pois a2 ´e m´ aximo local para U e, como j´a dissemos antes, a energia cin´etica ´e positiva e quadr´ atica na vari´ avel x em ˙ torno de 0. As curvas de n´ıvel em torno de um ponto de sela para E s˜ao descritas na fig. 1.7.3, a menos de uma rota¸ ca˜o da fig.. Sendo assim, tamb´em conseguimos obter a descri¸c˜ao do espa¸co de fase em torno de um ponto de sela ´ bastante razo´ para a energia total. E avel concluir que tais pontos de m´ aximo
{
}
78
Mecˆanica Newtoniana
. x
x
Figura 1.7.3
local para E s˜ao pontos de equil´ıbrio inst´ aveis para F pois temos duas trajet´ orias que se afastam do ponto de equil´ıbrio para t crescente. Observa¸c˜ao 1.7.2: O que se pode dizer para pontos de equil´ıbrio muito “degenerados” e que n˜ ao s˜ ao nem m´ınimo local e nem de sela para E ? Esta pergunta ´e bastante dif´ıcil de ser respondida. Felizmente, para a maioria dos potenciais U , tal situa¸ca˜o patol´ ogica n˜ ao acontece, e a an´alise feita acima ser´ a suficiente para os nossos prop´ositos neste texto. Em termos matem´ aticos mais precisos, afirmar algo sobre “a maioria dos potenciais” significa afirmar algo sobre um conjunto aberto e denso de fun¸c˜oes potenciais U na topologia C 1 do espa¸co das fun¸c˜oes (conforme defini¸c˜ao 1.4.5; ver especialmente a observa¸ca˜o 2.2.4 do Cap´ıtulo 2). Este t´ opico, relacionado ao lema de Morse, pertence a` topologia diferencial e o leitor pode encontrar referˆ encias sobre tal assunto em E. Lima, 1989; E. Lima, 1973; V. Guillemin e A. Polock, 1974; J. Milnor, 1972. Sendo assim, conseguimos dar um sentido geom´etrico ao comportamento esquem´ atico das trajet´ orias em torno de pontos de equil´ıbrio de um sistema mecˆ anico e fica justificada a descri¸ca˜o das curvas de n´ıvel no espa¸ co de fase do presente exemplo, dada na fig. 1.7.4. Note que a figura tamb´ em compatibiliza o comportamento dos trˆes pontos de equil´ıbrio (fig. 1.7.2 e fig. 1.7.3). Na fig. 1.7.5 mostramos o gr´ afico da energia E (q, q ˙) e as respectivas curvas de n´ıvel que determinam as trajet´ orias do sistema. A argumenta¸c˜ao anterior, em fun¸c˜ao de m´ aximos e m´ınimos para o potencial, tamb´ em justifica o comportamento do pˆendulo sem atrito em torno dos pontos de equil´ıbrio, dado na fig. 1.3.4 a e comentado na observa¸ c˜ ao 1.3.1. Na fig. 1.7.6 ´e exibido o potencial do pˆendulo sem atrito; os pontos de m´ aximo e m´ınimo para U se alternam, o que corresponde, no espa¸co de fase, a pontos que se alternam na reta real em R 2 e que s˜ao de sela e de m´ınimo, alternadamente, para a energia
79
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
Figura 1.7.4
total (conforme fig. 1.3.4 a). Para um completo entendimento do espa¸ co de fase apresentado nas figuras acima, ´e necess´ario ainda analisar o que acontece em torno de pontos que n˜ ao s˜ ao de equil´ıbrio. Para ver isto em seu devido contexto, tratamos antes de mudan¸ cas de coordenadas; mudar coordenadas ´e uma id´eia muito util ´ (embora nem sempre possa ser aplicada em equa¸c˜oes diferenciais), pois, a`s vezes, podemos encontrar a solu¸ca˜o de um problema que n˜ao sabemos como resolver, simplesmente mudando de coordenadas e reca´ındo em um outro problema, que j´ a sabemos resolver. Exemplo 1.7.11: A equa¸ c˜ao diferencial de primeira ordem em R dada por x = a cot x pode parecer, a` primeira vista, dif´ıcil de ser resolvida, mas com a mudan¸ca de coordenadas y = cos x ela ´e dada, simplesmente, por y = ay, j´ a que y = x sen x = a cot x sen x = a cos x = ay. A nova equa¸ca˜o tem como solu¸c˜ao geral, na vari´ avel y, a fun¸c˜ao y(t) = keat . Agora que j´a resolvemos o problema na vari´ avel y, fazemos a mudan¸ca de coordenadas inversa, para voltar a` equa¸ca˜o na vari´ avel x, e obtemos a solu¸ca˜o geral x(t) = arccos y(t) = arccos ke at da equa¸ca˜o diferencial original x = a cot x. (O que se pode argumentar contra este exemplo ´e que y = cos x n˜ao ´e uma mudan¸ca global de vari´ avel; no entanto, podemos resolver a equa¸ca˜o localmente, como fizemos acima, e depois “colar”as solu¸co˜es peda¸co a peda¸co.)
− −
−
−
−
−
Acreditamos que com este exemplo fica clara a id´ eia da utilidade de uma mudan¸ca de vari´ avel, pois mostra como podemos passar de um problema mais dif´ıcil para um mais f´ acil. O maior obst´ aculo em tentar fazer uma mudan¸ca de vari´ avel para um problema mais f´ acil ´e que n˜ao existem maneiras muito naturais de adivinhar qual mudan¸ca de vari´avel devemos fazer; um dos poucos casos em que sempre existe uma escolha clara ´e o de equa¸ c˜oes lineares autˆ onomas com coeficientes constantes (ver C. Doering e A. Lopes, 2005). Embora n˜ ao se possa,
80
Mecˆanica Newtoniana
Figura 1.7.5
81
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica U()
-2
2
0
3
-
Figura 1.7.6
em geral, encontrar uma mudan¸ca de coordenadas conveniente para o espa¸co de fase inteiro, em certas sub-regi˜ oes isso ´e muitas vezes poss´ıvel, como veremos a seguir (a diferen¸ca do que ´e v´ alido para todo espa¸co de fase e o que ´e v´ alido para uma sub-regi˜ ao ser´ a mais tarde expressa como a diferen¸ca entre o global e o local). Passamos agora a` situa¸ca˜o geral. Dada uma equa¸ca˜o diferencial x = F (x) em R n , podemos passar das coordenadas x R n para as coordenadas y R n por meio de uma mudan¸ca de vari´ avel y = g(x); para isto, basta usar a regra da cadeia para calcular y a partir de x e obter uma equa¸c˜ao equivalente y = F (y) na nova vari´ avel y, similarmente ao que fizemos no caso unidimensional. Para ser uma autˆentica mudan¸ca de coordenadas, supomos que g(x) = y ´e um difeomorfismo e ´ f´ definimos F (y) = Dg(F (g −1 (y)). E acil verificar, usando a regra da cadeia, que se x(t) ´e uma solu¸c˜ao de x = F (x), x(0) = x0 , ent˜ ao y(t) = g(x(t)) ´e solu¸ca˜o de y = F (y), y(0) = g(x0 ) e, reciprocamente, se y(t) ´e uma solu¸c˜a o de y = F (y), y(0) = y 0 , ent˜ ao x(t) = g −1 (y(t)) ´e solu¸c˜ao de x = F (x), x(0) = g −1 (y0 ). Do ponto de vista de fluxos temos, ent˜ ao, que
∈
∈
ψt (g(x)) = g(φt (x)) vale para quaisquer pontos x R n e t R tais que g est´ a definida em x e φ t (x), e onde φ t denota o fluxo de F enquanto ψ t ´e o de F . Esta equa¸c˜ao que relaciona os fluxos de F e de F leva `a defini¸c˜ao seguinte, que diz que F e sua vers˜ao F em novas coordenadas s˜ ao conjugados.
∈
∈
Defini¸c˜ao 1.7.9: Sejam F 1 : A Rn e F 2 : B R n dois campos de vetores em R n , com fluxos, respectivamente, φ 1t e φ 2t . Dizemos que os campos F 1 e F 2 , ou ent˜ ao que os fluxos φ 1t e φ 2t , s˜ ao conjugados se existe um difeomorfismo g : A B tal que φ2t g = g φ1t .
→
→
→
◦
◦
´ de fundamental importˆ E ancia na defini¸ca˜o acima precisar exatamente quais ´ natural relaxar s˜ao os dom´ınios A e B onde est˜ ao definidos os campos F 1 e F 2 . E
82
Mecˆanica Newtoniana
y 3
c
c+t
y
1
y 2 Figura 1.7.7
au ´ltima defini¸ca˜o assumindo apenas que g : A B ´e um homeomorfismo (ver E. Lima, 1977 para defini¸c˜oes) e n˜ ao um difeomorfismo. Exerc´ıcio: Se dois campos F 1 e F 2 s˜ ao conjugados por g, ent˜ ao g leva ponto de equil´ıbrio em ponto de equil´ıbrio e o´rbita peri´ odica em o´rbita peri´ odica. Como futuro modelo da descri¸c˜ao das trajet´ orias de uma equa¸c˜ao diferencial na vizinhan¸ca de um ponto que n˜ao ´e de equil´ıbrio, consideramos agora o mais simples de todos os exemplos de equa¸c˜oes diferenciais.
→
Exemplo 1.7.12: Considere em Rn a equa¸ca˜o diferencial y = F (y) definida pelo campo constante F (y1 , y2 , . . . , yn ) = (1, 0, . . . , 0) , com a condi¸c˜ao inicial y(0) = (y1 , y2 , . . . , yn ) Rn . A solu¸ca˜o ´e, claramente, y(t) = (y1 + t, y2 , . . . , yn ). Portanto, todas as solu¸ c˜oes come¸cando em um ponto (c, y2 , . . . , yn ) estar˜ ao, ap´ os decorrido um tempo t, na posi¸c˜ao (c + t, y2 , . . . , yn ); em outras palavras, o fluxo de F ´e dado por
∈
ψt (y1 , y2 , . . . , yn ) = (y1 + t, y2 , . . . , yn ) . A equa¸c˜ao y = F (y) ´e integr´ avel, pois as proje¸c˜oes P i (y1 , y2 , . . . , yn ) = y i , com i 2, . . . , n , s˜ao n 1 integrais primeiras (linearmente independentes), que permitem identificar as trajet´ orias do sistema.
∈ {
}
−
Dizemos que o escoamento do fluxo do campo F ´e laminar, pois todas as solu¸c˜oes no hiperplano afim y1 = c estar˜ ao no hiperplano afim y1 = c + t ap´ os decorrido o tempo t (ver fig. 1.7.7 para o caso tridimensional). Assim ´e natural dizer que o fluxo do campo constante F ´e tubular. Defini¸ca˜o 1.7.10: Considere a equa¸cao ˜ diferencial x = F (x) em Rn . Dizemos que o ponto x 0 tem a propriedade do fluxo tubular se existem uma vizinhan¸ca V
83
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
. x0
Figura 1.7.8
de x 0 , um aberto B R n e um difeomorfismo g : V B tais que [ 1, 1]n B e o fluxo φt de F ´e conjugado ao fluxo ψt do campo constante F (y1 , y2 , . . . , yn ) = (1, 0, . . . , 0) em [ 1, 1]n , ou seja, em [ 1, 1]n vale
⊂
→
−
−
⊂
− ψ = g ◦ φ ◦ g −1 . t
t
Em outras palavras, o ponto x0 tem a propriedade do fluxo tubular se o campo de vetores F, na vizinhan¸ca de x0 , ´e dado por F a menos da mudan¸ca de coordenadas g. No caso do R 2 , se x 0 tem a propriedade do fluxo tubular, existe uma faixa V contendo x0 tal que φt (x) = g −1 (ψt (g(x))) para x V , e as trajet´ orias descritas pelas solu¸c˜oes de x = F (x) entram por um lado da faixa e saem pelo outro, ao passo que os outros dois lados s˜ ao constitu´ıdos por duas trajet´ orias do sistema 3 (ver fig. 1.7.8). No R , e´ a fig. 1.7.9 que ilustra o comportamento do fluxo, onde V ´e o “cubo”g −1 ([ 1, 1]3 ) = g −1 ([ 1, 1] [ 1, 1] [ 1, 1]) : as trajet´ orias come¸cam de um lado da caixa, atravessam a caixa, e saem pelo lado oposto da caixa. Exemplo 1.7.13: Considere o campo de vetores linear em R2 dado por F (x, y) = ´ f´acil verificar que o fluxo de F ´e dado por (λ1 x, λ2 y), com λ1 > 0, λ2 < 0. E φt (x, y) = (xeλ t , yeλ t ) e q u e o u ´ nico ponto de equil´ıbrio de F ´e a origem (0, 0), como ali´ as sucede com qualquer campo linear. Vejamos se algum ponto (x0 , y0 ) = (0, 0) do plano possui a propriedade do fluxo tubular, ou seja, se existe uma vizinhan¸c a de (x0 , y0 ) na qual, a menos de mudan¸cas de coordenadas, o fluxo de F ´e dado por ψt (u, v) = (u + t, v), com (u, v) R 2 . Para isto, calculamos explicitamente uma mudan¸ca de coordenadas que efetua essa simplifica¸c˜ao, isto ´e, procuramos um difeomorfismo g(x, y) = (u, v) tal que ψt = g φt g−1 ,
∈
−
1
−
×−
×−
2
∈
◦ ◦
84
Mecˆanica Newtoniana
ou g−1 ψt = φt queremos ´e
◦ g−1. Escrevendo g−1(u, v) = (x, y) = (x(u, v), y(u, v)), o que
◦
(x(u + t, v), y(u + t, v)) = g −1 (u + t, v) = g −1 (ψt (u, v)) = φ t (g−1 (u, v)) = = φ t (x(u, v), y(u, v)) = (x(u, v)eλ t , y(u, v)eλ t ) . 1
2
O desenho esquem´atico das curvas solu¸co˜es do presente exemplo aparece na fig. 1.7.10. Para simplificar as contas, supomos, sem perda de generalidade, que g(x 0 , y0 ) = (0, 0) e que g −1 leva a reta vertical u = 0 na reta x = x0 , mantendo a escala, ou seja, que (x(0, v), y(0, v)) = g −1 (0, v) = (x0 , y0 + v), para v R; da equa¸ca˜o acima decorre que
∈
g−1 (t, v) = g −1 (0 + t, v) = (x(0, v)eλ t , y(0, v)eλ t ) = (x0 eλ t , (y0 + v)eλ t ) 1
2
1
2
e portanto, trocando t por u, obtemos (x, y) = g −1 (u, v) = (x0 eλ u, (y0 + v)eλ u) , 1
ou seja,
x = x 0 eλ
1
u
2
,
y = (y0 + v)eλ
2
u
.
Para continuar as contas, passamos a supor que x0 = 0 e ent˜ao ´e f´acil resolver este sistema de equa¸co˜es em (u, v), obtendo, para x0 > 0,
u =
1 x log , λ1 x0
v = y
x x0
− λλ
2 1
− y0 .
Podemos concluir, finalmente, que a mudan¸ ca de coordenadas g ´e definida por g(x, y) =
1 x x log , y λ1 x0 x0
− λλ
1 2
− y0
.
Note que podemos obter explicitamente uma vizinhan¸ c a de (x0 , y0 ) na qual vale esta mudan¸ca de coordenadas; para x 0 > 0, por exemplo, ´e f´ acil verificar que
−
g−1 [−1, 1] × [−1, 1] = (x, y) a ≤ x ≤ b, α(x) ≤ y ≤ β (x) , onde a = x 0 e−|λ | , b = x 0 e|λ | e as fun¸co˜es α, β : [a, b] 1
α(x) = (y0
1
1)
x x0
λ1 λ2
→ R s˜ao dadas por
x , β (x) = (y0 + 1) x0
λ1 λ2
.
85
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
x
o
Figura 1.7.9
Figura 1.7.10
O pr´oximo teorema diz que, localmente em torno de um ponto que n˜ ao ´e de equil´ıbrio, o exemplo acima sempre pode ser reproduzido (embora talvez n˜ ao explicitamente), ou seja, em torno de um ponto que n˜ ao ´e de equil´ıbrio, todo campo se comporta (ver fig. 1.7.10 no caso bidimensional) como o campo constante F do exemplo 1.7.12. Voltamos a lembrar que, nesta se¸ c˜ao, F ´e um campo de vetores 1 n de classe C em R . Teorema 1.7.1: Se x 0 n˜ ao ´e um ponto de equil´ıbrio, isto ´e, se F (x0 ) = 0, ent˜ ao x0 tem a propriedade do fluxo tubular.
A demonstra¸ c˜ao desse teorema, que depende basicamente do teorema da fun¸ca˜o inversa, pode ser encontrada em C. Doering e A. Lopes, 2005, e n˜ao ser´ a fornecida no presente texto. Observa¸ca˜o 1.7.3: Considere a equa¸ ca˜o diferencial x = F (x), F : A
→ R
n
,
86
Mecˆ anica anica Newtoniana
onde A ´e aberto ab erto em Rn . Se x0 A tem a propriedade do fluxo tubular em A, ent˜ao ao a equa¸c˜ cao a˜o diferencial restrita a A a A ´e int integr´ eg r´avel. avel. Basta considerar as proje¸c˜ c˜oes oes P i do exemplo 1.7.12 acima e observar que P que P i g, com g, com i 2, . . . , n , constituem um conjunto de n 1 integrais primeiras de x = F = F ((x) que permitem identificar as trajet´ orias orias do sistema x sistema x = F = F ((x). O teorema 1.7.1 afirma, portan p ortanto, to, um fato muito importante: importante: localmente, localmente, em torno de um ponto x0 que n˜ ao ao ´e de equil´ıbrio, ıbrio, existe uma vizinhan¸ vizinha n¸ ca ca V A tal n que o campo de vetores F restrito F restrito a V a V , x , x = F = F ((x), x V R ´e inte integr gr´ avel. a´vel. Isso n˜ao ao significa, de maneira alguma, que a equa¸c˜ cao ˜ao diferencial x = F ( F (x), x A ´e inte integr gr´ avel, a´vel, pois a vizinhan¸ca ca V cuj a existˆ exis tˆencia enci a ´e assegur ass egurada ada V em volta de x0 , cuja pelo teorema, pode evidentemente ser muito pequena e permanece, portanto, o problema problema de saber se o sistema sistema ´e integr´ integr´ avel “globalmente”, isto ´e, e, se existem integrais primeiras em n´ umero suficiente (para identificar as solu¸ umero c˜ coes) ˜oes) sobre todo n dom´ınio A da equa¸c˜ c˜ao ao diferencial diferencial x = F ( F (x), F : A R . Em con concl clus us˜ a˜o, ao, podemos afirmar que em torno de um ponto que n˜ao ao ´e de d e equl e qulii´ıbri ıb rioo tod t oda a equa e qua¸ c˜ c¸aao ˜o diferencial diferenc ial ´e “localmente” “lo calmente” integr´ avel. avel.
∈
◦
−
∈{
}
⊂
∈ ⊂
∈
→
Com esse resultado encontramos uma resposta completa para o que acontece em torno de pontos que n˜ ao a o s˜ ao de equil´ ao equil´ıbrio. Antes Antes j´a hav´ hav´ıamos analisado analis ado o comportamento de um campo na vizinhan¸ca ca de pontos de equil´ equil´ıbrio e agora passamos a estudar crit´erios erios pr´ aticos para decidir a estabilidade de pontos de aticos equil´ıbrio ıbrio de campos campo s de vetores. Defini¸c˜ cao a˜o 1.7.11: Sejam 1.7.11: Sejam x ¯ um ponto de equil´ equil´ıbrio para o campo de vetores F F n e V : B R uma fun¸c˜ c˜ ao cont´ cont´ınua na vizinhan¸ vizinha n¸ca ca B de x ¯ em R e diferenci´avel avel em B em u ma fun¸ fu n¸c˜ cao ˜ de Liapunov para F ¯ se V (x¯) = 0 B x¯ . Dizemos que V ´ V ´e uma F em x V (¯ e, para cada x B x ¯ , valem
→ −{ }
∈ −{ }
a) V (x (x) > 0 > 0 ; b)
d V (φ (φt (x)) dt
≤ 0 .
Se, al´em em das condi¸ cond i¸c˜ coes ˜ acima, para cada x x c)
∈ B − {x¯} vale
d V (φ (φt (x)) < )) < 0 0 , dt
dizemos que V V ´e uma um a fun¸ fu n¸c˜ c˜ ao de Liapunov estrita para F F em x. x ¯. Seja V Seja V uma fun¸c˜ cao ˜ao diferenci´ avel. avel. A condi¸c˜ c˜aao b o b)) significa que V que V n˜ ao ao cresce ao longo das trajet´ orias orias de F de F,, enquanto que c que c)) significa que V que V decresce decresce ao longo das trajet´ orias orias de F. Para F. Para estimar esta varia¸c˜ c˜ao ao de V V ao longo das trajet´ orias orias de F, d ou seja, para calcular a derivada dt V (φ (φt (x)) da fun¸c˜ cao ˜ao real de uma vari´ avel avel real dada por t V (φ (φt (x)), )), conv´em em lembrar lembr ar a equa¸ equa c˜ c¸˜ao ao (1.7) satisfeita pelo fluxo de F e F e observar que
→
d V (φ (φt (x)) = dt
∇
∇
dφ t V (φ (φt (x)), )), (x) = dt
V (φ (φt (x)), )), F ( F (φt (x)) ,
87
Introdu¸c˜ cao ˜ a` Mecˆ anica anica Cl´ assica assica
onde, como sempre, u, v indica o produto interno de u Rn e v Rn . Isto Isto mostra que, em geral, n˜ ao precisamos conhecer as solu¸c˜ ao c˜oes oe s expl´ ex pl´ıcit ıc itas as de d e x = F = F ((x) e em seguida derivar t derivar t V (φ (φt (x)) para verificar as condi¸c˜ c˜oes b oes b)) ou c ou c)) acima, mas apenas calcular V (x (x), F ( F (x) para x para x B x ¯ , o que ´e muito mais pr´ atico. atico.
∇
→
∈
∈
∈ −{ }
Teorema 1.7.2: Teorema de Liapunov: Seja Liapunov: Seja x ¯ um ponto de equil´ıbrio ıbrio para F. F . Se existir uma fun¸c˜ cao ˜ de Liapunov para F F em em ¯ ¯ x, ent˜ x, ent˜ ao x ¯ ´e um ponto po nto de equil´ equ il´ıbri ıb rio o est´ avel. avel. Se existir existir uma fun¸ c˜ c˜ ao de Liapunov estrita para F em x, ent˜ x ¯, ent˜ ao x ¯ ´e um ponto de equil´ equil´ıbrio assintoticamente assintoticamente est´ avel. avel. Antes de demonstrar esse teorema, vejamos sua rela¸c˜ cao a˜o com sistemas mecˆ anicos. anicos. Exempl Exemploo 1.7 1.7.14: .14: Suponha Suponha que U : R R ´e o potencial potencial de um campo de x for¸cas cas conservativo f em R, ou seja, temos U ( U (x) = f ( f (y)dy. J´ a vimos, no c exemplo 1.7.10, que os pontos de equil´ equil´ıbrio do campo de vetores
→
−
1 F ( F (x, x˙ ) = x, ˙ f ( f (x) m
associado a f em R2 s˜ ao ao do tipo (x, (x, 0), 0), onde x onde x ´e tal ta l que qu e dU (x) = f ( f (x) = 0, ou dx seja, x seja, x ´ ´e um ponto ont o cr´ıtic ıt icoo de U. de U. Tam Tamb´ b´em em ja´ vimos antes, na se¸c˜ cao ˜ao 2, que a energia 1 2 total E total E ((x, ˙ x, ˙x) = 2 mx˙ + U ( U (x) ´e uma integral primeira primei ra para F para F,, ou seja, seja , ´e const c onstante ante ao longo das trajet´ orias orias do campo de vetores vetores F. Em F. Em particular, V particular, V (x, (x, x˙ ) = E (x, x˙ ) 2 ´e clara cl aramente mente diferenc dife renci´ i´avel avel em R em R , e
−
d d V (φ (φt (x, ˙ x, ˙x)) = E (x(t), x˙ (t)) = 0 , dt dt portanto V portanto V ´e um u m candidato candida to a fun¸c˜ cao a˜o de Liapunov para F para F.. No caso da mola de constantes m = k = k = 1, sabemos que x ¯ = (0, (0, 0) ´e o unico u ´nico 1 2 ponto de equil´ıbrio ıbrio e que U (x) = 2 x (exemplo 1.2.3), ou seja, 1 E (x, x˙ ) = (x2 + x˙ 2 ) . 2 Assim, Assim, neste caso, ´e imediato imediato verificar verificar que V = E E ´e de fato uma fun¸c˜ c˜ao a o de Liapunov para F em x, portanto x ¯, portanto x¯ = (0, (0, 0) ´e ponto po nto de equil equi l´ıbrio ıbri o est´ avel avel para F pelo teorema de Liapunov, o que, ali´ as, as, j´ a sab sa b´ıamos pelo exemplo 1.7.5. 1.7.5 . Tamb´ em em no caso geral, a energia total ´e um candidato natural a fun¸ c˜ao ao de Liapunov para sistemas mecˆ anicos anicos conservativos. Proposi¸c˜ c˜ao ao 1.7.5: Considere 1.7.5: Considere um sistema mecˆ anico conservativo com potencial anico n U : R R. Se x0 ´e um ponto de m´ınimo local loca l estrito para U para U ent˜ ao x ¯ = (x0 , 0) ´e um ponto po nto de equil equi l´ıbrio ıbri o est´ estavel a´vel para F. F .
→
Demonstra¸c˜ c˜ao: a o: Seja Seja V (x, (x, x˙ ) = E (x, ˙ x, ˙x) U ( U (x0 ) = 12 mx˙ 2 + U ( U (x) U ( U (x0 ). Ent˜ aaoo V (¯ (x ¯) = V (x (x0 , 0) = 0 + U + U ((x0 ) U ( U (x0 ) = 0 e, como x0 ´e m´ınim ın imoo loca lo call
−
−
−
88
Mecˆ anica anica Newtoniana
estrito para U, existe U, existe uma vizinhan¸ca ca B1 de x0 tal que U ( U (x) U ( U (x0 ) > 0 para 1 2 qualquer x qualquer x B 1 x0 . Segue-se que V que V (x, (x, x˙ ) = 2 mx˙ + U ( U (x) U ( U (x0 ) > 0 > 0 para n qualquer (x, (x, x˙ ) (B1 R ) (x0 , 0) . Pelo que acabamos de ver no exemplo acima, d E (φt (x, x˙ )) = 0 dt
∈ −{ } ∈ ×
−{
}
− −
e, portanto, o mesmo vale para V, pois a diferen¸ca ca entre estas duas fun¸c˜ c˜oes oes E e V V ´e a const co nstant antee U ( U (x0 ). Sendo assim, d V (φ (φt (x, ˙ x, ˙x)) = 0 dt para qualquer (x, (x, x˙ ) B = (B1 Rn ). Pelo teorema de Liapunov, x¯ = (x0 , 0) ´e um ponto de equil´ıbrio ıbrio est´ avel avel para F para F..
∈
×
Exemplo 1.7.15: Aplicando a proposi¸ c˜ cao a˜o acima a cima ao ponto p onto de equil´ıbrio ıbrio (0, (0, 0) da mola sem atrito (com quaisquer constantes m constantes m e e k), k ), conclu´ con clu´ımos ımo s que qu e (0 ( 0, 0) ´e ponto ont o de equil equi l´ıbrio ıbri o est´avel avel j´a que este sistema tem um campo de for¸cas cas f ( f (x) = kx 1 2 que deriva do potencial U potencial U ((x) = 2 kx , que tˆem em um ponto de m´ınimo local loc al estrito estrit o na origem. (Ver exemplo 1.2.3). O mesmo vale para os pontos de equil´ equil´ıbrio dados por (nπ, 0), 0), com n par, do pˆendulo endulo sem atrito: s˜ ao ao todos de equil´ equil´ıbrio est´ avel avel pois o potencial mg l cos θ deste sistema tem m´ınimo local estrito nos pontos p ontos nπ nπ (ver (ver o exemplo 1.3.3 e a fig. 1.7.6). Por outro lado, nos pontos de equil´ equil´ıbrio (nπ, (nπ, 0), 0), com n com n ´ımpar, o potencial pote ncial n˜ao ao tem m´ınimo e o resultado resultado acima n˜ ao pode ser ser apli aplica cado do.. Na verda verdade de,, j´ a observamos, no exemplo 1.7.7, que esses pontos s˜ ao ao de d e equil´ eq uil´ıbrio ıbri o inst´ in st´ avel avel (ver fig. 1.3.4 a). Tampouco podemos aplicar aplicar a proposi¸ c˜ ao ao no caso ca so do pˆendulo endulo com atrito: atrit o: na presen¸ca ca de atrito, o campo de for¸cas cas envolvido n˜ ao deriva de um potencial ao (pois a for¸ca ca depende d epende tamb´em em de x˙ ); este caso ser´a tratado no exemplo 1.7.16. Voltando ao potencial U U do exemplo 1.7.10, como os pontos a1 e a3 s˜ao ao de m´ınimo local loca l estrito, estrito , (a1 , 0) e (a (a3 , 0) correspo co rrespondem ndem a pontos de equil´ıbrio ıbrio est´ aveis aveis pela proposi¸c˜ cao ˜ao anterior.
−
−
Agora que j´ a ilustramos a importˆ ancia do teorema de Liapunov, vamos passar ancia a` demostra¸ demostra¸ c˜ cao ˜ao deste teorema. Demonstra¸c˜ c˜ao ao do teorem teorema a de Lia Liapun punov ov:: Seja Seja x¯ um ponto de equil´ıbrio ıbrio para F F e suponhamos que existe uma fun¸c˜ cao a˜o de Liapunov para F em x ¯; mais precisamente, seja V : B R uma fun¸c˜ c˜ao ao cont´ cont´ınua na vizinhan¸ vizinha n¸ca ca B de x ¯ em Rn e diferenci´ avel avel em B em B x¯ , com V com V (¯ (x ¯) = 0 e tal que, para cada x cada x B x ¯ , valem d a) V (x (x) > 0 > 0 e b) b ) dt V (φ (φt (x)) 0. 0 . Vamos inicialmente demonstrar a primeira afirma¸c˜ c˜ao ao do teorema, ou seja, que o ponto de equil´ıbrio ıbrio x¯ ´e estavel; a´vel; em outras palavras, queremos mostrar que para qualquer vizinhan¸ca A ca A de x ¯ em R n existe uma vizinhan¸ca C ca C de x¯ tal que C que C A e φt (x) A, para quaisquer x quaisquer x C, C, t > 0 > 0..
→ −{ }
∈
≤
∈
∈ −{ }
⊂ ⊂
89
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
Curvas de Nível
x2
}
_ x
x1
v
Figura 1.7.11
Seja, pois, A uma vizinhan¸ca qualquer de x ¯ em R n . Escolhemos δ > 0 tal que B(¯ x, 2δ ) A B, onde B(¯ x, r) = y R n y ¯ x < r denota a bola em Rn de centro x ¯ e raio r. Como V ´e cont´ınua e a esfera x R n x x ¯ = δ B ´e compacta, temos que α = min V (x) > 0 ,
⊂ ∩
{ ∈
| − } { ∈ | −
}⊂
x−x¯=δ
j´ a que V (x) > 0 para x B x ¯ . Novamente pela continuidade de V, o conjunto C = x B(¯ x, δ ) V (x) < α ´e aberto e portanto, como V (¯ x) = 0, C ´e uma vizinhan¸c a de x ¯ que, por constru¸c˜ao, satisfaz C A B . Resta provar que φt (x) A, para quaisquer x C, t > 0. Veja a fig. 1.7.11 para ter uma id´ eia geom´etrica da prova que estamos desenvolvendo. Dado qualquer x C, suponha, para obter uma contradi¸ c˜ao, que para algum t > 0 vale φt (x) A. Em particular temos φt (x) B(¯ x, δ ) e portanto, como x C B(¯ x, δ ) A B, em algum instante 0 < t∗ < t, a trajet´ oria por x deve passar pela primeira vez pela esfera de centro x ¯ e raio δ, ou seja, φt (x) x ¯ = δ. Mas ent˜ ao V (φ0 (x)) = V (x) < α V (φt (x)), o que contradiz a hip´ otese b), que afirma que V n˜ ao cresce ao longo das trajet´ orias de F. Isto prova que φ t (x) A, para quaisquer x C, t > 0 e portanto, que x¯ ´e ponto de equil´ıbrio est´ avel. Passamos agora a` demonstra¸ca˜o da segunda afirma¸ca˜o do teorema, ou seja, d se al´em das hip´ oteses acima, c) dt V (φt (x)) < 0 vale para cada x B x ¯ , ent˜ ao x ¯ ´ e um ponto de equil´ıbrio assintoticamente est´ avel. Supomos, ent˜ ao, que vale c) d V (φt (x)) < 0 para cada x B x ¯ e tomamos uma vizinhan¸ca qualquer A de dt n x ¯ em R . Queremos mostrar que existe uma vizinhan¸ca C de x ¯ tal que C A, φt (x) A para quaisquer x C, t > 0 e lim φt (x) = x ¯ para qualquer x C.
{ ∈ ∈
∈ ⊂
∈ −{ } | } ∈ ∈ ∈ ⊂ ∩
⊂ ∩
∈
≤
∗
−
∗
∈
∈
∈ −{ }
∈
∈ −{ } ∈
→∞
t
∈
⊂
90
Mecˆanica Newtoniana
Como antes, tomamos δ tal que B(¯ x, 2δ ) A B e α = min V (x) para x x¯ = δ. Novamente α > 0 e definimos C = x B(¯ x, δ ) V (x) < α . Pelo que acabamos de demonstrar, x¯ C A B A e φt (x) B(¯ x, δ ) para quaisquer x C e t > 0; em particular, φ t (x) A para quaisquer x C, t > 0 e ´ claro portanto somente resta mostrar que lim φt (x) = x ¯ para qualquer x C. E t→∞ que isso vale para x = x ¯, pois x¯ ´e um ponto de equil´ıbrio para F. O que devemos mostrar, ent˜ ao, ´e que isso vale para x = x ¯. Para demonstrar isso, supomos que a afirma¸ca˜o sobre o limite n˜ ao ´e verdadeira e procuramos chegar a uma contradi¸c˜ao. Sejam, portanto, x˜ C x ¯ e ε > 0 tais que para cada T > 0 podemos encontrar t > T tal que φt (˜ x) x ¯ > ε. Para cada T = n inteiro obtemos, ent˜ ao, tn tal que φtn (˜ x) B (¯ x, ε). Por outro lado, pela escolha de δ e C, temos φtn (˜ x) B (¯ x, δ ) para cada n, ou seja, a seq¨ uˆencia dada por x n = φ tn (˜ x) ´e limitada. Portanto, podemos tomar uma subseq¨ uˆencia convergente, cujo limite x0 est´ a em B mas n˜ ao est´ a em B(¯ x, ε); em particular, x0 = x ¯. Pela hip´ otese c), temos F (x0 ) = 0, pois, caso contr´ ario, x 0 seria uma singularidade e ter´ıamos φ t (x0 ) = x 0 d constante, o que acarretaria dt V (φt (x0 )) = 0. Como x0 n˜ ao ´e ponto de equil´ıbrio, o teorema 1.7.1 garante que x0 tem a propriedade do fluxo tubular, ou seja, existe uma vizinhan¸ ca de x0 contendo uma caixa na qual as trajet´ orias entram por um lado e saem pelo outro (ver fig. 1.7.12). Como x 0 B x ¯ , podemos supor que a caixa tamb´ em est´ a toda contida em B x ¯ , e portanto V (φt (x)) decresce cada vez que a trajet´oria passa de um para o outro lado da caixa. Por continuidade de V, ´e f´ acil ent˜ ao estabelecer que os valores de V no lado de entrada da caixa s˜ ao todos estritamente maiores que os valores de V no lado de sa´ıda da caixa, tomando, se necess´ ario, uma caixa de lados menores. Mais precisamente, existem v1 > V (x0 ) > v2 tais que para qualquer x no lado de entrada da caixa vale V (x) > v1 e para qualquer x do lado de sa´ıda da caixa vale v 2 > V (x). Por outro lado, como x n converge a x 0 , a trajet´ oria por x˜ passa infinitas vezes pela caixa; mas entre um tempo de sa´ıda da caixa e o seguinte de entrada, V necessariamente decresce. Vemos ent˜ ao que a trajet´ o ria por x˜ sai da caixa com valor de V menor que v2 e em seguida volta a` entrada da caixa com um valor V menor ainda, e certamente menor que v1 , o que acarreta uma contradi¸ca˜o. Isto prova que lim φt (x) = x¯ para qualquer x C e portanto, que o ponto de t→∞ equil´ıbrio x ´ ¯ e assintoticamente est´ avel. No pr´oximo exemplo mostramos que existe uma fun¸c˜ao de Liapunov estrita para o pˆendulo com atrito.
⊂ ∩ { ∈ ∈ ⊂ ∩ ⊂ ∈
−
∈
| ∈
}
∈ ∈
∈
∈
∈ − { } −
−{ }
∈ − { }
∈
Exemplo 1.7.16: Mostremos que os pontos de equil´ıbrio do pˆendulo com atrito do tipo (nπ, 0), com n par, s˜ ao assintoticamente est´ aveis, utilizando o teorema de ´ Liapunov. E claro que basta nos atermos ao caso n = 0, que ´e a origem do R2 . Como a energia total ´e constante ao longo das trajet´ orias do pˆendulo sem atrito mas decresce ao longo das trajet´ orias do pˆendulo com atrito, um candidato natural a fun¸c˜ao de Liapunov com V na origem ´e a energia total (ver express˜ ao
91
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
. x
o
Figura 1.7.12
(1.2) no exemplo 1.3.3), ou seja, 1 V (θ, ω) = E T (θ, ω) = mω2 2
− mgl cos θ + mgl ,
onde adicionamos o termo mg a` energia potencial, o que n˜ ao altera o campo de l for¸cas, para que V (0, 0) = 0. Assim
mg V (θ, ω) = sen θ,mω l
∇
e, como o campo de vetores associado ao pˆ endulo com atrito (ver exemplo 1.3.3) k ´e dado por F (θ, ω) = ω, gl sen θ m ω , resulta
− ∇
−
−kω 2 ;
d V (φt (θ(t), ω(t))) = dt
−kω(t)2 .
V (θ, ω), F (θ, ω) =
em particular, pelo que observamos acima, temos ent˜ ao, tamb´em, que
Como V (0, 0) = 0 e V (θ, ω) > 0 para (θ, ω) R 2 com θ < π2 , e al´em disto, d V (φt ) ´e negativo, tomamos B = (θ, ω) R2 θ < π2 e conclu´ımos que dt V : B R ´e uma fun¸c˜ao de Liapunov estrita para F em (0, 0) e portanto, pelo teorema de Liapunov, a origem ´e um ponto de equil´ıbrio assintoticamente est´ avel para o pˆendulo com atrito. d Na verdade, dizer que dt V (φt ) ´e negativo n˜ ao est´ a totalmente correto, pois a d fun¸ca˜o dt V (φt (θ, ω)) ´e nula em toda a reta ω = 0 e s´o dos dois lados de ω = 0 d vale que dt V (φt (θ, ω)) < 0. No entanto, a prova do teorema de Liapunov, vista
→
{
∈
∈
| | ||| }
92
Mecˆanica Newtoniana
anteriormente, somente usa a hip´ otese de V decrescer ao longo das trajet´ orias de F, como pode ser facilmente verificado. No presente caso isso vale, pois como as trajet´ orias de F tˆem o pr´ oprio campo por tangente e F (θ, 0) = (0, gl sen θ) ´e n˜ao nulo e vertical (exceto na origem), todas as trajet´ orias cruzam a reta ω = 0 sem permanecer nela por mais que um u ´nico instante de tempo; segue-se que V realmente decresce ao longo de todas as trajet´orias de F por qualquer ponto (θ, ω) B (0, 0) . ´ E poss´ıvel muitas vezes determinar se um ponto de equil´ıbrio x0 da equa¸c˜ao diferencial x = F (x) ´e inst´ avel ou assintoticamente est´ avel, analisando os autovalores da matriz DF (x0 ) (ver C. Doering e A. Lopes, 2005). Esse m´etodo permite tamb´ em determinar no caso em considera¸ ca˜o quais s˜ ao os pontos de equil´ıbrio assintoticamente est´ aveis e inst´ aveis do pˆendulo com atrito. Finalizando esta se¸ca˜o, vamos agora descrever de forma esquem´ atica, considerando aquilo que foi apresentado anteriormente, o procedimento geral que devemos seguir ao analisar a dinˆamica da evolu¸c˜ao temporal, no espa¸co de fase, do fluxo do campo de vetores
−
∈ − {
}
1 F (q, q ˙) = q, ˙ f (q ) m
associado a um sistema mecˆ anico conservativo dado por uma for¸ca f .
• Em primeiro lugar, tentamos descobrir os pontos de equil´ıbrio (q 0, 0), re-
solvendo a equa¸c˜ao f (q ) = 0. A seguir, verificamos se q 0 , que ´e um ponto cr´ıtico para o potencial do sistema, ´e ponto de m´ aximo ou de m´ınimo; em fun¸c˜ao disso sabemos se temos um comportamento local, em torno do ponto de equil´ıbrio (q 0 , 0), como os das fig. 1.7.2 ou fig. 1.7.3.
• Em seguida, tentamos detectar se existem trajet´orias peri´odicas. • Finalmente, para desenhar o espa¸co de fase, tentamos compatibilizar as informa¸c˜oes acima descritas com o fato de que, fora dos pontos de equil´ıbrio, as solu¸co˜es, localmente, tem a propriedade do fluxo tubular.
No caso do pˆ endulo sem atrito, por exemplo, podemos identificar (ver fig. 1.3.4 a) as partes do espa¸co de fase que tˆem a forma das fig. 1.7.2 e fig. 1.7.3, em torno dos pontos de equil´ıbrio, e as partes que s˜ ao descritas pelo teorema do fluxo tubular, em torno dos demais pontos, que n˜ ao s˜ ao de equil´ıbrio. Para sistemas autˆ onomos n˜ ao conservativos, primeiro tentamos localizar os pontos de equil´ıbrio para depois ver se os pontos de equil´ıbrio possuem alguma fun¸c˜ao de Liapunov estrita: em caso afirmativo, localmente, na vizinhan¸ ca de cada ponto de equil´ıbrio, o espa¸ co de fase ´e descrito pela fig. 1.2.4. Sistemas que possuem uma fun¸c˜ao de Liapunov estrita em todo o espa¸co de fase n˜ao possuem ´orbitas peri´ odicas (ver exerc´ıcio a seguir). Um bom candidato para a fun¸ ca˜o de Liapunov estrita ´e a energia total do mesmo sistema, mas sem considerar o atrito:
93
Introdu¸cao ˜ a` Mecˆ anica Cl´ assica
esta t´ecnica funcionou bem, por exemplo, no caso do pˆ endulo com atrito, como vimos no exemplo 1.7.16. Um o´timo texto onde s˜ ao analisadas diversas propriedades dinˆ amicas de sistemas mecˆ anicos ´e J. Jose e E. Saletan, 1998. Exerc´ıcios: 1. Indique se os seguintes campos de for¸ cas centrais f em R3 s˜ ao assintoticamente est´ aveis na origem ou n˜ao:
x2
a) f (x,y,z) =
+ y 2
−4(x,y,z) b) f (x,y,z) = √ 1 (x,y,z) + +
+ z 2
3
x2 y 2 z 2
2. Considere o campo de vetores F em R 3 dada por
F (x,y,z) = 2y(z
− 1), −x(z − 1), − z 3
.
Mostre que o u ´ nico ponto de equil´ıbrio de F ´e a origem (0, 0, 0). Prove que esse ponto de equil´ıbrio ´e est´ avel, exibindo uma fun¸c˜ao de Liapunov do tipo 2 2 2 V (x,y,z) = ax + by + cz , com a,b,c > 0 constantes, tal que V, F = d 0. dt V (φt (x))
∇
≤
3. Demonstre que se um campo de vetores F possui em um ponto de equil´ıbrio uma fun¸ca˜o de Liapunov estrita definida em todo o espa¸ co de fase de F, ent˜ ao F n˜ao possui o´rbitas peri´ odicas. 4. Mostre que se o sistema linear x = A(x), com x R n , ´e tal que A possui um autovalor positivo, ent˜ ao o ponto de equil´ıbrio 0 R n ´e inst´avel.
∈
∈
5. Considere o campo de for¸ cas f (q ) = sen q + aq com a 0 (o pˆendulo com atrito). O campo de vetores de primeira ordem x = (q , q ˙ ) = F (q, q ˙) = F (x), x R 2 , associado ´e F (q, q ˙) = (q, ˙ senq + aq ˙). Demonstre que a origem (q, q ˙) = (0, 0) ´e um ponto de equil´ıbrio est´ avel mos1 2 trando que V (q, q ˙) = 2 ˙q cos q + 1 (a energia total do sistema sem atrito) ´e uma fun¸ca˜o de Liapunov.
−
∈
−
−
≤